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POR

PRÉ-VESTIBULAR
LÍNGUA
PORTUGUESA

2
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ISBN 978-65-5613-103-0

Autoria: Edimara Lisboa, Maria Emília Martins, Marina Oliveira Felix de Mello Chaves e
Renato Gomes de Carvalho

Direção-geral: Nicolau Arbex Sarkis


Direção editorial: Alysson Ribeiro
Gerência editorial: Emilia Noriko Ohno e Wagner Nicaretta
Coordenação de projeto editorial: Brunna Mayra Vieira da Conceição
Edição de conteúdo: Claudio Roberto Leyria de Oliveira e Mariana Castelo Queiroz de Toledo
Analista editorial: Débora Cristina Guedes
Assistente editorial: Gabriel Henrique Siqueira Neves, Graziele Baltar Ferreira Antonio e
Julia Ostapczuk Pereira
Gerência de design e produção editorial: Ricardo de Gan Braga
Coordenação de revisão: Rogério Salles
Revisão: Amanda Andrade Santos, Ana Rosa Barbosa Ancosqui, Ellen Barros de Souza,
Mait Paredes Antunes, Rafaella de A. Vasconcellos e Sonia Galindo Melo
Coordenação de arte: Fabricio dos Santos Reis
Diagramação: Daniela Capezzuti, Leonel Nascimento Maneskul e Walter Tierno
Projeto gráfico e capa: Aurélio Camilo
Coordenação de cartografia: Alexandre Bueno
Assistente de cartografia: Suellen Sílvia Machado
Coordenação de licenciamento e iconografia: Leticia Palaria de Castro Rocha
Pesquisa iconográfica: Danielle Navarro Fernandes
Planejamento editorial: Maria Carolina das Neves Ramos
Coordenação de multimídia: Kleber S. Portela
Gerência de produção gráfica: Guilherme Brito Silva
Coordenação de produção gráfica: Rodolfo da Silva Alves
Produção gráfica: Anderson Flávio Correia, Fernando Antônio Oliveira Arruda, Matheus
Luiz Quinhones Godoy Soares e Vandré Luis Soares
Colaboração externa: Aline Albuquerque Bessa (Edição), Lima Estúdio Gráfico (Diagramação)
e Madrigais Produção Editorial (Revisão)
Impressão e acabamento: PifferPrint

Fotos de capa e frontispício: Jacob Lund/Shutterstock.com

A Editora Poliedro pesquisou junto às fontes apropriadas a existência de eventuais


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estando, ainda, reservados os direitos referidos no Art. 28 da lei 9.610/98.
Sumário
Frente 1
6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado ...........................................................................................5
Introdução, 6 Texto complementar, 13
Tipos de predicado, 6 Resumindo, 13
Revisando, 8 Quer saber mais?, 14
Exercícios propostos, 10 Exercícios complementares, 14

7 A palavra “se” .................................................................................................................................21


Introdução, 22 Revisando, 24
A partícula apassivadora, 22 Exercícios propostos, 26
Índice de indeterminação do sujeito, 23 Texto complementar, 30
Pronome reflexivo, 23 Resumindo, 31
Pronome recíproco, 23 Quer saber mais?, 32
Partícula de realce, 24 Exercícios complementares, 32

8 Sintaxe dos pronomes .....................................................................................................................37


Os pronomes do caso reto e do caso oblíquo, 38 Revisando, 41
Emprego de pronomes, 38 Exercícios propostos, 42
As combinações pronominais, 39 Texto complementar, 48
Recursos enfáticos e expressivos, 40 Resumindo, 48
O paralelismo, 40 Quer saber mais?, 49
Particularidades, 40 Exercícios complementares, 50

9 Período composto por coordenação .................................................................................................57


Introdução: o período composto, 58 Revisando, 62
Orações coordenadas, 58 Exercícios propostos, 64
A polissemia das conjunções, 60 Texto complementar, 69
O paralelismo sintático nas formas correlatas, 61 Resumindo, 69
A direção argumentativa, 61 Quer saber mais?, 70
O estilo, 61 Exercícios complementares, 70

10 Período composto por subordinação ................................................................................................75


Introdução, 76 Exercícios propostos, 91
As relações de dependência / as subordinadas, 76 Texto complementar, 101
Orações subordinadas substantivas, 76 Resumindo, 102
Orações subordinadas adjetivas, 79 Quer saber mais?, 103
Orações subordinadas adverbiais, 82 Exercícios complementares, 103
Revisando, 85

11 Regência .......................................................................................................................................113
Introdução, 114 Exercícios propostos, 120
Regência verbal, 114 Texto complementar, 123
Regência nominal, 117 Resumindo, 124
Particularidades da regência, 118 Quer saber mais?, 124
Revisando, 119 Exercícios complementares, 125
12 Crase.............................................................................................................................................131
Introdução – regra geral, 132 Resumindo, 140
Revisando, 136 Quer saber mais?, 141
Exercícios propostos, 138 Exercícios complementares, 141
Texto complementar, 140

Frente 2
6 Romantismo: prosa........................................................................................................................147
Os diferentes alencares e o retrato do país, 148 Revisando, 159
Heróis: o indianismo, 149 Exercícios propostos, 162
José de Alencar: o romance urbano Texto complementar, 174
e o romance regionalista, 152 Resumindo, 175
Romantismo e outras prosas, 154 Quer saber mais?, 176
O teatro romântico, 158 Exercícios complementares, 176

7 Realismo: a desconstrução romântica ............................................................................................187


Realismo: a consolidação da arte burguesa, 188 Exercícios propostos, 214
Realismo na Europa, 190 Texto complementar, 225
Realismo em Portugal, 191 Resumindo, 226
Realismo no Brasil, 197 Quer saber mais?, 227
Revisando, 211 Exercícios complementares, 228

8 Naturalismo: o homem é bicho.......................................................................................................239


Naturalismo: o olhar científico sobre Exercícios propostos, 252
as relações humanas, 240 Texto complementar, 259
O Naturalismo de Aluísio Azevedo: Resumindo, 259
O cortiço, 243 Quer saber mais?, 260
Revisando, 248 Exercícios complementares, 260

9 As vertentes poéticas do final do século XIX ..................................................................................267


Parnasianismo – o poeta e o ourives, 268 Texto complementar, 280
Simbolismo – o poeta é um músico, 271 Resumindo, 281
Simbolismo no Brasil, 272 Quer saber mais?, 281
Revisando, 273 Exercícios complementares, 281
Exercícios propostos, 275

10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno........................................................................289


Pré-Modernismo: contexto histórico, 290 Vanguardas e as inovações europeias, 299
Autores pré-modernistas: Augusto dos Anjos, 292 Revisando, 301
Autores pré-modernistas: Lima Barreto, 293 Exercícios propostos, 304
Autores pré-modernistas: Monteiro Lobato, 294 Texto complementar, 317
Autores pré-modernistas: Euclides da Cunha, 296 Resumindo, 317
Vanguardas europeias – o início Quer saber mais?, 318
turbulento do século XX na Europa, 298 Exercícios complementares, 318
Arte moderna, 299

11 Modernismo em Portugal: o começo...............................................................................................329


A Literatura moderna portuguesa, 330 Exercícios propostos, 340
Fernando Pessoa e sua poesia caleidoscópica, 331 Texto complementar, 345
Fernando Pessoa revisitado: O ano da morte Resumindo, 346
de Ricardo Reis, de José Saramago, 335 Quer saber mais?, 347
Revisando, 337 Exercícios complementares, 347

Gabarito.............................................................................................................................................353
Reprodução
FRENTE 1

CAPÍTULO Sintaxe e semântica, tipos de predicado

6
No outdoor do Museu de Arte Contemporânea, temos uma ambiguidade em torno
das palavras “arte” e “vida” (em “conhecer a vida”); a primeira pode signicar o enfren-
tamento no dia a dia (a “arte” de enfrentar a vida) ou as artes plásticas; a segunda, a
realidade representada nas obras ou o museu. Tal procedimento cria um efeito estéti-
co que está em consonância com o tema. No nível das estruturas sintáticas, o emprego
de oração subordinada adverbial condicional induz a um raciocínio lógico, que tem por
nalidade convencer o leitor acerca da importância de se ir ao museu. Os elementos
visuais reforçam o lado estético da propaganda, pois há plasticidade nas cores e nas
formas, estas abstratas.
Introdução Predicado verbal
Neste capítulo, trataremos de dois assuntos: tipos de

Reprodução
predicado e aspectos semânticos ligados à sintaxe.
Há três tipos de predicado: o nominal, o verbal e
o verbo-nominal. O primeiro traduz um estado ou uma
qualidade do ser; o segundo indica uma ação do ser; o
terceiro, as duas coisas ao mesmo tempo. Quanto aos
aspectos semânticos, serão estudados os seguintes tó-
picos: paralelismo sintático e semântico, topicalização,
ambiguidade sintática e semântica.

Tipos de predicado
Predicado nominal
COMISSÃO DE FRENTE DE DANÇA
© ZEPHERWIND | DREAMSTIME.COM

Fig. 2 Predicado verbal.

No predicado verbal, o núcleo é o verbo (transitivo ou


intransitivo) e não ocorre predicativo.
Observe sua estrutura:

Verbo transitivo + objeto (sem predicativo)


ou
Verbo intransitivo (sem predicativo)

O poeta / criava / sonetos.


PORTA-BANDEIRAS SÃO FELIZES...
suj. VTD OD
Fig. 1 Predicado nominal.
O poeta / morreu / por amor.
No predicado nominal, o núcleo (se houver mais de
uma palavra) é o nome; poderá ser representado pelo ad- suj. VTD adv.
jetivo, substantivo, numeral ou pronome. Sintaticamente, o
nome e seus adjuntos adnominais exercerão a função de
O predicado verbal cria um efeito de dinamicidade, pois
predicativo do sujeito. O verbo que introduz o predicado
revela ações físicas e mentais dos seres em geral.
nominal é chamado “de ligação”; ele não possui força se-
mântica, apenas liga o predicativo ao sujeito.
Veja a estrutura do predicado nominal: Predicado verbo-nominal
Reuters

São Paulo / já / foi / a terra da garoa.

suj. adv. VL pred. suj.

O homem / é / um ser racional.

suj. VL pred. suj.

Atenção

...comissão de frente dança feliz.

Fig. 3 Predicado verbo-nominal.

6 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


Esse tipo de predicado está presente no momento Alteração de sentido por causa da
em que o enunciador deseja passar uma ação e, simulta-
neamente, um estado do sujeito, ou uma qualidade nova
ordem das palavras
do objeto causada pelo sujeito, ou ainda uma opinião do
sujeito sobre o objeto. Eu quero uma calça de mulher nova.
Eis sua estrutura: Eu quero uma calça nova de mulher.

Na primeira frase, o adjunto adnominal “nova” pode re-


Verbo transitivo ou intransitivo
e ferir-se aos termos “calça” ou “mulher”; na segunda, “nova”
predicativo do sujeito ou do objeto refere-se apenas ao termo “calça”.
Veja, a seguir, o texto extraído do vestibular do ITA.

O poeta, / melancólico, / lia / versos.


Ao chegar à Liberdade*, a candidata participou de uma
cerimônia xintoísta (religião japonesa anterior ao budismo).
suj. pred. suj. VTD OD
Depois, fez um pedido:
A crítica / considerou / os versos do poeta / pobres. Quero paz e amor para todos.
Ganhou um presente de um ramo de bambu.
suj. VTD OD pred. obj. Folha de S.Paulo, 9 jul. 2000. (Adapt.).
* Bairro da cidade de São Paulo.

Aspectos semânticos e sintáticos No último período, a preposição “de” está mal colo-
Ambiguidade sintática cada, dando à frase uma interpretação estranha. Ela deve
estar anteposta à palavra “presente”: ganhou de presente
A ambiguidade sintática ocorre quando um termo da
(um) ramo de bambu.
oração pode ser classificado de duas maneiras diferentes.
Normalmente, ele está localizado no fim da frase.
Apagamento de um termo da oração e
O marido deixou a mulher rica. os efeitos de sentido

Sergey Yakovlev/123rf.com
O termo em destaque pode funcionar como adjunto
ESTAS ÁRVORES, SENHOR, FORAM MORTAS POR...
adnominal, qualidade velha (a mulher sempre foi rica), ou
como predicativo do objeto, qualidade nova (o marido a
tornou rica). Um deslocamento do último termo elimina
a ambiguidade.

O marido deixou a rica mulher.


O marido deixou rica a mulher.

Elipse e ambiguidade
O mau uso da elipse pode criar frases com duplo senti-
do. No discurso publicitário isso pode ser proposital, como
no exemplo a seguir.

Hoje você é uma uva. Mas, cuidado, uva passa.


Propaganda de cosméticos.
...BEM, VAMOS MUDAR DE ASSUNTO,
O texto faz referência à beleza (uva), ressaltando que AFINAL SOMOS RACIONAIS

ela é efêmera (uva passa). Todavia, se subentendêssemos Fig. 4 Apagamento de um termo da oração.
a expressão “você é”, teríamos uma ofensa: você é uma uva
passa (toda enrugada, como a fruta). Nesse caso, “uva” não
O apagamento de um termo pode ampliar a significa-
seria o sujeito, mas o núcleo de um predicativo; o sujeito e
ção da frase ou dar outra direção argumentativa. Compare:
o verbo de ligação estariam elípticos.
O bom uso da elipse é instrumento de coesão; por isso, I. O governo vai investir.
nas aulas de texto, o assunto será revisto. II. O governo vai investir no bolso de seus governantes.
FRENTE 1

7
Na primeira oração, com o apagamento do objeto, tem-se A reiteração de uma mesma estrutura sintática dá ao
a impressão de que o governo vai investir em setores que texto uniformidade. Essa uniformidade ajuda na coesão,
beneficiem a população. Já na segunda, percebe-se que a isto é, na relação entre as partes do texto. A reiteração
intenção é outra. É comum também o apagamento do agente cria ainda efeitos de sentido. Veja como Gonçalves Dias
da passiva. emprega o paralelismo.

Dois policiais mataram vinte menores infratores. → voz ativa [...]


Sou bravo, sou forte,
Menores infratores foram mortos. → voz passiva
Sou filho do Norte;
[...]
Na segunda frase, a morte dos menores não está
relacionada a um agente explícito. Com isso, os policiais A reiteração do predicado nominal é recurso estilístico,
livram-se da responsabilidade; a voz é passiva, e o agente enfatiza as realidades do guerreiro, ao mesmo tempo que
da passiva (pelos dois policiais) está apagado. dá ritmo ao poema. O mau uso do paralelismo, porém, pode
deixar a mensagem confusa. Veja o exemplo a seguir.
Paralelismo sintático/quebra do
Não só cultivava plantas ornamentais, trazidas da Austrá-
paralelismo lia por um amigo de infância, por fim, nas épocas propícias,
plantava alfaces, para o sustento da família.

A falta de paralelismo está na colocação da expressão


por fim; a locução conjuntiva aditiva é não só... mas também:
não só cultivava plantas... mas também plantava alface.
Quando em dois termos dependentes, sintaticamente,
um deles não aparecer, temos uma quebra do paralelismo
sintático.

Topicalização dos termos da oração


OS PÁSSAROS O HOMEM IMITA
PÁSSAROS HOMEM
SOMEM

Renato.

Topicalizar um termo é colocá-lo no início da oração (no


Fig. 5 Vincent van Gogh. Die Ernte, 1888. Óleo sobre tela. National Museum Vincent
van Gogh, Amsterdã, Holanda. topo). Esse recurso visa a enfatizar a palavra. Veja o caso
a seguir.

É uma ave no céu, é uma ave no chão Seninha acumulada, faça aqui.
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão Em casa lotérica de Curitiba.
É o fundo do poço, é o fim do caminho
O objeto direto “Seninha acumulada” é topicalizado,
Antônio Carlos Jobim. “Águas de março”. Intérprete: ______.
In: Tom Jobim Inédito. Rio de Janeiro: BMG Ariola, 1995. pois é o produto anunciado, o elemento mais importante.
CD 2. Faixa 9. © 1995, Antonio Carlos Jobim. Pode-se topicalizar qualquer termo da oração.

Revisando
Texto para as questões de 1 a 7.
Dancin’ Days
Abra suas asas, Eu quero ver seu corpo, como você
solte suas feras, lindo, leve e solto [...]
caia na gandaia, A gente às vezes sente, sofre, dança
entre nessa festa sem querer dançar Dance bem, dance mal
E leve com vocêee Na nossa festa vale tudo dance sem parar
seu sonho mais loouuco vale ser alguém como eu, [...]
Ruban; Nelson Motta. “Dancin’ Days”. Intérprete: As Frenéticas. In: Dancin’ Days Trilha sonora nacional.
Rio de Janeiro: Som Livre Edições Musicais, 1995. Faixa 5. © Som Livre Edições Musicais.

8 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


1 Veja os versos a seguir. 6 Explique a relação semântica que existe entre o em-
a) Abra suas asas prego reiterado do verbo dançar e a dança em si.
b) Dance bem
Nos versos acima, o autor emprega diferentes estruturas
sintáticas para um mesmo tipo de predicado. Explique.

7 Nos últimos versos, em “dance bem/dance mal”, os


compositores empregam advérbios em sentido oposto.
2 O texto traz como tema a dança; para que isso fosse Trata-se de um paradoxo? Justifique.
possível a enunciação empregou diversos recursos,
entre eles, o sintático. Que tipo de verbo está relacio-
nado diretamente com o tema (transitivo, intransitivo,
de ligação)? Explique por quê.

Texto para as questões de 8 a 10.


Espanha é campeã mundial

3 Divida os verbos escolhidos na questão anterior em


duas categorias semânticas. Explique a divisão.

final

4 Ao pedir para o interlocutor dançar, a enunciação em-


prega linguagem figurada. Cite três passagens em
que isso ocorre. Com um jogo entrosado e rápido, a atual campeã europeia
torna-se agora campeã mundial; o time holandês bem que ten-
tou, mas não foi o suficiente; os espanhóis tiveram o domínio
da bola, mostraram mais habilidade e marcaram. O placar foi
justo, a Espanha entra no seleto grupo dos campeões.

8 Qual foi a estrutura sintática empregada na manchete


(no caso, tipo de predicado)? Qual é sua função para
o jornal?
5 Em “lindo, leve e solto”, a enunciação cria efeito de
ordem semântica a partir de um efeito sonoro. Expli-
que como isso ocorre, levando em conta as figuras de
linguagem ligadas ao som (onomatopeia, assonância,
aliteração, paronomásia).
FRENTE 1

9
9 Cite uma passagem do parágrafo em que se observa 10 Suponha que a manchete fosse esta:
o predicado nominal; explique o valor semântico do
“Espanha ganha copa rápida e entrosada”.
verbo (estado, qualidade, mudança de estado, ação
mental, ação física). a) Qual é o problema da manchete? Qual foi o fator
responsável?

b) Reescreva a manhete, eliminando o problema e


destacando as qualidades da Espanha.

Exercícios propostos
1 EEAR 2019 Em qual alternativa há predicado nominal?  Assisti à cena do massacre muito revoltado.
A A canoa virou. d Os atletas pareciam cansados no começo da com-
 Virou a cama no quarto. petição.
 A moto virou à esquerda.
d A escada virou uma bancada para pintura da pa- 5 EEAR 2018 Assinale a alternativa em que não há predi-
rede. cado verbo-nominal.
A Elas admiravam as encantadas luzes da Cidade
2 AFA A questão refere-se ao excerto a seguir. Eterna.
 Elas admiravam as luzes da Cidade Eterna encantadas.
[...]
 Encantadas, elas admiravam as luzes da Cidade
Um homem vai devagar,
Eterna.
Um cachorro vai devagar,
d Elas admiravam, encantadas, as luzes da Cidade
Um burro vai devagar.
[...]
Eterna.
Carlos Drummond de Andrade. Cidadezinha qualquer.
6 EEAR 2018 Leia:
A Trata-se de períodos simples e, por isso, não cons-
tituem frases. A conversa corre alegre. (Ciro dos Anjos)
 Em todos eles, o sujeito do verbo ir está determina- Aprendi novas palavras
do e possui apenas um núcleo. e tornei outras mais belas. (Drummond)
 Os predicados das três orações são verbo-nominais. Os adjetivos grifados nos versos acima classicam-se
d O termo “devagar”, em todos os versos, funciona respectivamente como predicativo
como predicativo do sujeito. A do sujeito e do objeto.
 do sujeito e do sujeito.
3 Assinale a alternativa que apresenta um verbo de  do objeto e do objeto.
mesma transitividade de “quebrar” em: d do objeto e do sujeito.
Depois Iracema quebrou a flecha homicida.
José de Alencar. Iracema. 7 EEAR 2017 Relacione as colunas e, em seguida, assi-
nale a alternativa que apresenta a sequência correta:
A “A mão [...] estancou mais rápida e...” I. Predicado Verbal
 “... o sangue que gotejava.” II. Predicado Nominal
 “deu a haste ao desconhecido...” III. Predicado Verbo-nominal
d “guardando consigo a ponta farpada...” J Receava que eu me tornasse rancorosa.
E “onde a mulher é símbolo de ternura...” J As irmãs saíram a missa assustaas.
J Da janela da igreja, os padres assistiam à cena.
4 EEAR 2020 Assinale a alternativa em que há predicado A II – I – III
verbo-nominal.  III – I – II
A O chefe está aqui?  I – III – II
 As mangueiras florescem na primavera. d II – III – I

10 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


8 EEAR 2016 Quanto ao tipo de predicado, coloque (1) Leia o texto a seguir para responder às questões 11 e 12.
para verbal, (2) para nominal, (3) para verbo-nominal e,
O lema da tropa
em seguida, assinale a sequência correta.
J Os pássaros entoavam canções aos demais animais. O destemido tenente, no seu primeiro dia como co-
J Em casa, a mulher ficava quieta. mandante de uma fração de tropa, vendo que alguns de seus
J Eu acho Português fácil. combatentes apresentavam medo e angústia diante da barbá-
J Ficamos abatidos. rie da guerra, gritou, com firmeza, para inspirar seus homens
A 2–1–3–1  1–2–3–2 a enfrentarem o grupamento inimigo que se aproximava:
 1–3–2–2 d 1–2–3–3 — Ou mato ou morro!
Ditas essas palavras, metade de seus homens fugiu
para o mato e outra metade fugiu para o morro.
9 CPII 2019 (Adapt.)
Uma noite real no Museu Nacional 11 EEAR 2019 No texto apresentado, considerando os
Gira coroa da majestade aspectos morfológicos da Língua Portuguesa, a cons-
samba de verdade, identidade cultural trução do humor se efetua, principalmente, pela
Imperatriz é o relicário A falta de capacidade linguística dos combatentes
no bicentenário do Museu Nacional que, ao confundirem as palavras do tenente, no
contexto, atribuíram valores de advérbios aos ver-
Onde a musa inspira a poesia bos pronunciados pelo tenente.
a cultura irradia o cantar da Imperatriz  ausência de interpretação plausível por parte dos
é um palácio, emoldura a beleza
combatentes que, ao ouvirem as palavras, confun-
abrigou a realeza, patrimônio é raiz
dem suas classes gramaticais, atribuindo a elas valo-
que germinou e floresceu lá na colina
res inadmissíveis na Língua Portuguesa.
a obra-prima viu o meu Brasil nascer
 capacidade que os combatentes tiveram de in-
no anoitecer dizem que tudo ganha vida
paisagem colorida deslumbrante de viver
terpretar as palavras pronunciadas, confundindo
bailam meteoros e planetas verbos com substantivos, justificando, com isso, a
dinossauros, borboletas vasta flexibilidade de sentidos de uma língua em sua
brilham os cristais situação de uso.
o canto da cigarra em sinfonia d capacidade de os combatentes trocarem, proposi-
relembrou aqueles dias que não voltarão jamais talmente, as classes morfológicas das palavras pro-
nunciadas pelo tenente, justificando o medo deles e
À luz dourada do amanhecer a rigidez de significados e inflexibilidade de sentidos
as princesas deixam o jardim
de tais palavras.
os portões se abrem pro lazer
pipas ganham ares
encontros populares 12 EEAR 2019 Considere o seguinte trecho do texto:
decretam que a Quinta é pra você “— Ou mato ou morro!
Samba de enredo da escola de samba Ditas essas palavras, metade de seus homens fugiu
Imperatriz Leopoldinense em 2018
Compositores: Jorge Arthur, Maninho do Ponto, para o mato e outra metade fugiu para o morro.”
Julinho Maestro, Marcio Pessi, Piu das Casinhas
No fragmento acima, para que houvesse redução de
O título do texto, “Uma noite real no Museu Nacional”, possibilidades interpretativas, do ponto de vista morfo-
apresenta uma série de recursos linguísticos e tex- lógico, e manutenção do sentido original desejado pelo
tuais frequentes em textos literários, como a rima, a tenente, bastaria que ele, ao encorajar seus combatentes
intertextualidade e a ambiguidade. A acrescentasse preposições, como, por exemplo,
Considerando os versos do texto, o termo do título “para”, antes dos substantivos, criando locuções ad-
que foi empregado com sentido ambíguo é verbiais.
A “noite”.  “Museu”.  acrescentasse determinantes às palavras, como, por
 “real”. d “Nacional”. exemplo, o artigo definido “o” antes dos substantivos.
 conjugasse os verbos pronunciados no tempo pre-
10 Leia a expressão a seguir. sente do modo indicativo.
d pronunciasse as palavras considerando-as como
“vida e morte severina”
verbos na forma nominal do infinitivo.
Assinale a alternativa em que foi empregada a mesma
estrutura sintática. 13 Leia a frase de um anúncio a seguir.
A Sonhos dourados, sonhos da juventude.
“Moda inverno a gente encontra no Mueller.”
 Em terra de cego, quem tem um olho é rei.
FRENTE 1

 O Brasil é a terra do samba. No texto citado, observa-se:


d Penso, logo existo. A a topicalização do sujeito.
E O vento levou.  a topicalização do objeto.

11
 a ordem direta. 16 Leia as frases a seguir.
d a frase nominal. a) Ela anda muito, mais de 20 quilômetros.
E n.d.a. b) Ela anda doente, não sai da cama!
c) Ela anda fumando muito, dois maços!
14 Leia a frase a seguir, ela é ambígua. Explique o valor semântico do verbo “andar” em cada
uma das frases. A seguir, classique os predicados.
“Ela deixou o lho problemático.”
Classique o tipo de predicado em cada uma das pos- 17 Leia a frase de um anúncio a seguir.
síveis interpretações. “Novos voos, novos horários, nova Vasp.”
No texto citado, observa-se:
15 CPS-Etec 2019 Charles Baudelaire, poeta do sécu-
A ausência de paralelismo sintático.
lo XIX, é autor do livro As Flores do Mal. Nele, seus
 uma estrutura do tipo sujeito, verbo e complemento.
poemas abordam temas que questionam as conven-  ambiguidade sintática.
ções morais da sociedade francesa, sendo, por isso, d frases nominais e paralelismo sintático.
tachado como obsceno, como um insulto aos bons E sequência de apostos.
costumes da época. A partir dele, originaram-se na
França os chamados “poetas malditos”. 18 Leia a frase de um anúncio a seguir.
“O cartão Bamerindus você usa em qualquer lugar.”
Na frase citada, temos:
A a ordem direta e a topicalização do sujeito.
 a ordem indireta e a topicalização do objeto direto.
 a ordem direta e a topicalização do objeto direto.
d a ordem indireta e a topicalização do sujeito.
E n.d.a.

19 UFU 2018 Há uma pequena árvore na porta de um bar,


todos passam e dão uma beliscada na desprotegida ár-
vore. Alguns arrancam folhas, alguns só puxam e outros,
às vezes, até arrancam um galho. O homem que vive na
periferia é igual a essa pequena árvore, todos passam
por ele e arrancam-lhe algo de valor. A pequena árvo-
re é protegida pelo dono do bar, que põe em sua volta
https://tinyurl.com/Ycuzcs6h>. Acesso em: 27.10.2018. Original colorido.
uma armação de madeira; assim, ela fica segura, mas
sua beleza é escondida. O homem que vive na periferia,
O título da charge retoma o título da obra de Baude-
quando resolve buscar o que lhe roubaram, é posto atrás
laire, As Flores do Mal. O autor, para construir o humor
das grades pelo sistema. Tentam proteger a sociedade
em seu texto, utiliza-se de dele, mas também escondem sua beleza.
A metalinguagem, na representação das flores, que FERRÉZ. Capão Pecado. São Paulo: Labortexto, 2000.
recitam versos compostos pelo poeta ao próprio
Tomada, isoladamente, a proposição “Tentam pro-
Baudelaire.
teger a sociedade dele” poderia ser considerada
 saudosismo, nas falas das flores, pois elas repre-
ambígua. Para explicitar o sentido que essa oração
sentam costumes morais inerentes à sociedade
assume no contexto em que foi empregada, a expres-
francesa do século XIX.
são “a sociedade dele” deve ser substituída por
 metáfora, na representação do poeta como flores A a sociedade contra ele.
que apenas dizem verdades, indiferentes às regras  a sociedade para ele.
morais da sociedade.  a sociedade com ele.
d polissemia do substantivo “flores”, uma vez que podem d a sua sociedade.
se referir às próprias flores representadas na charge
ou aos desejos moralmente rejeitados pelo poeta. 20 Leia o texto a seguir.
E ambiguidade na locução adjetiva “do mal”, pois, no
título original, a locução representa a temática dos “Na MS a gente cona.”
poemas, mas, na charge, representa o conteúdo Que procedimento sintático foi utilizado para enfatizar
dos conselhos das flores. o anunciante?

12 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


Texto complementar
A polissemia
O sentido novo, qualquer que seja ele, não acaba com o antigo. Ambos existem um ao lado do outro. O mesmo termo
pode empregar-se, alternativamente, no sentido próprio ou no sentido metafórico, no sentido restrito ou no sentido amplo;
no sentido abstrato ou no sentido concreto.
À medida que uma significação nova é dada à palavra, parece multiplicar-se e produzir exemplares novos, semelhantes
na forma, mas diferentes no valor.
A esse fenômeno de multiplicação chamaremos polissemia. Todas as línguas das nações civilizadas participam desse
fenômeno; quanto mais um termo acumulou significações, mais se deve supor que ele represente aspectos diversos das
atividades intelectual e social. Diz-se que Frederico II via na multiplicidade das acepções uma das superioridades da língua
francesa. Ele queria dizer, sem dúvida, que as palavras de sentidos múltiplos eram a prova de uma cultura mais avançada.
É preciso representarmos a língua como um vasto catálogo, no qual são consignados todos os produtos da inteligência
humana: muitas vezes o catálogo, sob um mesmo nome expositor, remete-nos a diferentes classes. Damos alguns exemplos
dessa polissemia. Clef, que é emprestado às artes mecânicas, pertence também à música. Racine, que nos vem da agricultura,
vem igualmente das matemáticas e da linguística. Base, que pertence à arquitetura, tem seu lugar na química e na arte militar.
Michel Bréal. Ensaio de semântica: ciência das significações. Tradução de Aída Ferras;
Eduardo Guimarães; Eleni Jacques Martins; Pedro de Souza. São Paulo: Educ/Pontes, 1992.

Resumindo
Predicado nominal c) uma opinião do sujeito sobre o objeto
Informa uma qualidade nova ou passageira; está presente de forma mais Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
sistemática nas descrições e nas definições científicas. Cazuza; Arnaldo Brandão. O tempo não para.
No predicado nominal, o núcleo é o nome, sintaticamente denominado de
predicativo do sujeito. Estruturas que apresentam o predicado nominal:
No predicado verbo-nominal, o núcleo é o verbo e o nome (um predicativo).
a) verbo de ligação + predicativo do sujeito
Estruturas sintáticas:
A vida é um cálice de vinho.
a) verbo transitivo + objeto + predicativo do sujeito
b) verbo de ligação + predicativo do sujeito + adjunto adverbial
b) verbo transitivo + objeto + predicativo do objeto
Os corvos são mensageiros do terror à noite.
c) verbo intransitivo + predicativo do sujeito

Predicado verbal
Topicalização do objeto
O predicado verbal expressa uma ação mental ou física; nele estão pre-
Quando se quer destacar o objeto, pode-se colocá-lo à frente de toda a
sentes verbos transitivos ou intransitivos.
oração:
Como esses verbos expressam uma ação do ser, o uso desse tipo de
LIVRO: Compre um!
predicado pode criar um efeito de dinamicidade. No predicado verbal, o
núcleo é o verbo (transitivo ou intransitivo). Estruturas sintáticas:
Ambiguidade sintática
a) verbo intransitivo
O vento dança. Ocorre quando um termo da oração pode assumir dupla função sintática:
b) verbo intransitivo + adjunto adverbial As mulheres do sertão saíram das terras castigadas.
O vento dança loucamente.
c) verbo transitivo + objeto O termo “castigadas” pode estar ligado a “terras” ou a “mulheres”; pode
ser adjunto adnominal de terras ou predicativo do sujeito de “mulheres”.
O vento dança a valsa da natureza.
d) verbo transitivo + objeto + adjunto adverbial
Paralelismo sintático
O vento dança a valsa da natureza loucamente.
Trata-se da reiteração de estruturas sintáticas.
Predicado verbo-nominal [...]
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Esse tipo de predicado está presente no momento em que o enunciador
deseja passar: tinha uma pedra
a) uma ação e um estado do sujeito tinha uma pedra no meio do caminho
São Paulo caminha lenta. no meio do caminho tinha uma pedra.
FRENTE 1

b) uma qualidade nova do objeto causada pelo sujeito Carlos Drummond de Andrade. “No meio do caminho”. In: Alguma poesia.
Rio de Janeiro: Record, 2002.
As indústrias deixaram rica a cidade.

13
Quer saber mais?

Livro Site
y CADORE, Luiz Agostinho. Análise sintática aplicada. Porto Alegre: Guia educacional Universia
AGE, 2015. Disponível em: <www.universia.com.br>.

Exercícios complementares
1 Leia o texto a seguir. O meu lugar
é cercado de luta e suor
– O que o senhor fará nesta nova administração?
esperança num mundo melhor
– Nós vamos aumentar os salários. e cerveja pra comemorar
Por que a fala do prefeito não é clara? Dê uma expli- O meu lugar
cação, levando em conta a sintaxe. tem seus mitos e seres de luz
é bem perto de Osvaldo Cruz
2 “Rossi pede ao STF processo por calúnia contra Motta.” Cascadura, Vaz Lobo e Irajá
A frase acima é ambígua, porque o termo “contra O meu lugar
Motta” pode estar ligado a duas partes do texto. Diga é sorriso, é paz e prazer
quais são e dê a interpretação para cada uma das as- o seu nome é doce dizer
sociações. Madureira
Ah, que lugar
3 Explique o uso do paralelismo sintático no anúncio a a saudade me faz relembrar
seguir. os amores que eu tive por lá
“DN Turismo: você leva a vida. A gente leva você.” é difícil esquecer
Doce lugar
4 ITA Assinale a opção em que o provérbio apresenta que é eterno no meu coração
construção sintática semelhante a: e aos poetas traz inspiração
pra cantar e escrever
“De mau corvo, mau ovo.”
Ai, que lugar
A Em boca fechada, não entra mosca. quem não viu Tia Eulália
b Palavra não quebra osso. vó Maria o terreiro benzer
c Não confies em casa velha, nem tampouco em ami- e ainda tem jongo à luz do luar
go novo.
d Longe dos olhos, longe do coração. Ai, que lugar
E Quem vê cara, não vê coração. tem mil coisas pra gente fazer
o difícil é saber terminar
Madureira
5 Explique a ambiguidade na frase a seguir.
Letra transcrita e adaptada a partir da audição de “Meu lugar”, composta por
Arlindo Cruz e José Mauro Diniz, e lançada no álbum
“Regressou a Brasília depois de uma cirurgia cardíaca Batuques do meu lugar, em 2012.
com cerimonial de chefe de estado.”
Em português, o verbo “ser” pode formar predicados
6 CPII 2019 (Adapt.) nominais, qualicando o sujeito, ou predicados verbais.
Assinale a opção em que o verbo “ser” forma um pre-
Meu lugar dicado verbal:
O meu lugar A “é bem perto de Oswaldo Cruz.” (v. 11)
é caminho de Ogum e Iansã b “é eterno no meu coração.” (v. 22)
lá tem samba até de manhã c “é difícil esquecer.” (v. 20)
uma ginga em cada andar d “é doce dizer.” (v. 15)

14 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


7 EsPCEx 2019 controle social, através de diferentes mecanismos como:
audiências públicas, definição de conselho municipal res-
Política pública de saneamento básico: as bases ponsável pelo acompanhamento e fiscalização da política
do saneamento como direito de cidadania e os de saneamento, sendo que a definição desse conselho
debates sobre novos modelos de gestão também é condição para que possam ser acessados re-
Ana Lucia Britto cursos do governo federal.
Professora Associada do PROURB-FAU-UFRJ
Pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles
O marco legal introduz também a obrigatoriedade
A Assembleia Geral da ONU reconheceu em 2010 da regulação da prestação dos serviços de saneamento,
que o acesso à água potável e ao esgotamento sanitá- visando à garantia do cumprimento das condições e metas
rio é indispensável para o pleno gozo do direito à vida. estabelecidas nos contratos, à prevenção e à repressão ao
É preciso, para tanto, fazê-lo de modo financeiramente abuso do poder econômico, reconhecendo que os serviços
acessível e com qualidade para todos, sem discriminação. de saneamento são prestados em caráter de monopólio,
Também obriga os Estados a eliminarem progressivamente o que significa que os usuários estão submetidos às ativi-
as desigualdades na distribuição de água e esgoto entre dades de um único prestador.
populações das zonas rurais ou urbanas, ricas ou pobres. FONTE: adaptado de http://www.assemae.org.br/artigos/item/
1762 saneamento-basico-como-direito-de-cidadania
No Brasil, dados do Ministério das Cidades indicam
que cerca de 35 milhões de brasileiros não são atendidos “Mais da metade da população não tem acesso à
com abastecimento de água potável, mais da metade da coleta de esgoto”.
população não tem acesso à coleta de esgoto, e apenas
No fragmento, é correto armar que há
39% de todo o esgoto gerado são tratados. Aproximada-
A sujeito simples e predicado nominal.
mente 70% da população que compõe o déficit de acesso
ao abastecimento de água possuem renda domiciliar mensal
b verbo intransitivo e predicado verbal.
de até ½ salário mínimo por morador, ou seja, apresentam c verbo transitivo e objetos direto e indireto.
baixa capacidade de pagamento, o que coloca em pauta o d sujeito composto e objeto indireto.
tema do saneamento financeiramente acessível. E sujeito simples e complemento nominal.
Desde 2007, quando foi criado o Ministério das Ci-
dades, identificam-se avanços importantes na busca de 8 Leia o texto a seguir.
diminuir o déficit já crônico em saneamento e pode-se
“Quem ama, não odeia.”
caminhar alguns passos em direção à garantia do acesso a
esses serviços como direito social. Nesse sentido destaca- É correto armar acerca dos verbos amar e odiar que:
mos as Conferências das Cidades e a criação da Secretaria A a ausência de complemento compromete o significado
de Saneamento e do Conselho Nacional das Cidades, que da frase.
deram à política urbana uma base de participação e con- b a ausência de complemento restringe o significado
trole social. dos verbos.
Houve também, até 2014, uma progressiva ampliação c a ausência de complemento faz do sujeito o paciente
de recursos para o setor, sobretudo a partir do PAC 1 e PAC
da ação.
2; a instituição de um marco regulatório (Lei 11.445/2007
d a ausência de complemento remete a um atributo
e seu decreto de regulamentação) e de um Plano Nacional
do ser.
para o setor, o PLANSAB, construído com amplo debate
E a ausência de complemento é persuasiva.
popular, legitimado pelos Conselhos Nacionais das Cida-
des, de Saúde e de Meio Ambiente, e aprovado por decreto
presidencial em novembro de 2013. 9 Fuvest Na posição em que se encontram, as palavras
Esse marco legal e institucional traz aspectos essen- destacadas nas frases abaixo geram ambiguidade, ex-
ciais para que a gestão dos serviços seja pautada por ceto em:
uma visão de saneamento como direito de cidadania: a) A Pagar o FGTS já custa R$13,3 bi, diz o consultor.
articulação da política de saneamento com as políticas b Pais rejeitam menos crianças de proveta.
de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de c Consigo me divertir também aprendendo coisas
combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção antigas.
ambiental, de promoção da saúde; e b) a transparência das d É um equívoco imaginar que a universidade do fu-
ações, baseada em sistemas de informações e processos turo será aquela que melhor lidar com as máquinas.
decisórios participativos institucionalizados. E Não se eliminará o crime com burocratas querendo
A Lei 11.445/2007 reforça a necessidade de planeja-
satisfazer o apetite por sangue do público.
mento para o saneamento, por meio da obrigatoriedade
de planos municipais de abastecimento de água, coleta e
tratamento de esgotos, drenagem e manejo de águas plu- 10 Fuvest A frase em que os vocábulos destacados per-
viais, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Esses tencem à mesma classe gramatical, exercem a mesma
planos são obrigatórios para que possam ser estabelecidos função sintática e têm significado diferente é:
contratos de delegação da prestação de serviços e para que A Curta o curta: aproveite o feriado para assistir ao
FRENTE 1

possam ser acessados recursos do governo federal (OGU, festival de curta-metragem.


FGTS e FAT), com prazo final para sua elaboração termi- b O novo novo: será que tudo já não foi feito antes?
nando em 2017. A Lei reforça também a participação e o c O carro popular a 12 mil reais está longe de ser popular.

15
d É trágico verificar que, na televisão brasileira, só o II. No texto II, observa-se a relação semântica de causa
trágico é que faz sucesso. e consequência; do ponto de vista sintático, há dois
E O Brasil será um grande parceiro e não apenas um predicados verbais e dois predicados nominais.
parceiro grande. III. A ação de ler é tratada de forma metafórica, o que
se constitui em efeito expressivo.
11 ITA Na Matemática, a ordem dos elementos relaciona- Estão corretas apenas:
dos pela conjunção e não é significativa. Desse modo, A I.  I e II. E II e III.
se “A e B” é verdadeiro, “B e A” também o será. Mas,  II. d III.
na linguagem natural, nem sempre a inversão resulta
adequada. Assinale a opção em que a mudança da
14 EsPCEx 2017 Assinale a alternativa que classifica correta-
ordem não causa qualquer alteração de sentido.
mente a sequência de predicados das orações abaixo.
A Estes, por definição, são bens cujo usufruto é
- Soa um toque áspero de trompa.
necessariamente coletivo e não podem ser apro-
- Os estudantes saem das aulas cansados.
priados exclusivamente por ninguém em particular.
- Toda aquela dedicação deixava-o insensível.
 A Universidade surgiu na civilização porque havia - Em Iporanga existem belíssimas grutas.
uma necessidade latente desses bens e legitimou- - Devido às chuvas, os rios estavam cheios.
-se pelo reconhecimento de sua importância para - Eram sólidos e bons os móveis.
a humanidade. A VERBAL; VERBO-NOMINAL; VERBO-NOMINAL;
 As tecnologias podem ser “engenheiradas”, […] mas VERBAL; NOMINAL; NOMINAL
o conhecimento que as originou é uma conquista da  VERBAL; VERBAL; VERBO-NOMINAL; NOMINAL;
humanidade e, portanto, um bem público universal […] VERBO- NOMINAL; NOMINAL
d Provavelmente, o analfabetismo dos adultos terá  NOMINAL; VERBAL; VERBO-NOMINAL; VERBAL;
sido erradicado e o acesso à instrução primária NOMINAL; VERBO-NOMINAL
terá sido generalizado. d VERBO-NOMINAL; VERBAL; NOMINAL; VERBAL;
E [A Universidade] legitimou-se como instituição so- VERBO-NOMINAL; NOMINAL
cial pública e não como negócio privado, como E NOMINAL; VERBAL; VERBAL; NOMINAL; NOMI-
muitos agora a querem transformar, […] NAL; VERBO-NOMINAL

12 UFV Observe três afirmativas sobre o poeta. 15 UFU 2018 Em sua última viagem aos Estados Unidos
“Murilo Mendes teve seu centenário de nascimento como primeira-ministra, Margaret Tatcher revelou a
comemorado neste 2001. Ele nasceu em Juiz de Fora George Bush: “Antes de nomear um ministro, peço-lhe
e viveu muitos anos em Roma.” para decifrar um enigma. A Geoffrey Howe, por exem-
plo, perguntei: Se é filho de seu pai e não é seu irmão,
Agora, aglutine-as num único período composto – preen- quem é então? Geoffrey Howe respondeu: Sou eu. E lhe
chendo os espaços em 2.2 e 2.3 –, em que a ênfase seja, dei o cargo de chanceler”.
respectivamente, para Roma e para centenário, a exem- Impressionado, Bush resolveu testar o método com
plo do que zemos para Juiz de Fora em 2.1: seu vice, Don Quayle. Propôs o mesmo enigma. Quayle
2.1. Ênfase para Juiz de Fora: Murilo Mendes, que vi- pediu um tempo para pensar. Depois, telefonou ansioso
veu muitos anos em Roma e teve seu centenário para Henry Kissinger, que lhe ensinou:
de nascimento comemorado neste 2001, nasceu – A resposta é “eu”.
em Juiz de Fora. Quayle voltou a Bush com ar de triunfo:
2.2. Ênfase para Roma: – A resposta é Kissinger.
2.3. Ênfase para o centenário: Bush bradou, contrariado:
– Não, é Geoffrey Howe.
POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas.
13 Leia os fragmentos a seguir. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998.

Texto I A piada baseia-se na solução de um enigma. Depois


Livros podem ser saborosos, embora a maioria dos de ser apresentado a um político inglês, Georey
adolescentes não acredite nisso. Howe, o enigma é apresentado aos políticos estadu-
Rubem Alves. Crônica Sobre o amigo. p. 55. nidenses George Bush, Don Quayle e Henry Kissinger.
Do ponto de vista linguístico, o efeito humorístico
Texto II dessa piada deve-se ao fato de que a referência do
Sou antropófago porque devoro livros. Como os livros
pronome pessoal na resposta ao enigma é interpreta-
porque são gostosos.
da equivocadamente por
Rubem Alves. Crônica Sobre os livros. p. 61.
A Quayle e Bush.
I. No texto I, do ponto de vista semântico, há a ideia  Quayle e Kissinger.
de oposição; sintaticamente, ocorrem dois predi-  Bush e Kissinger.
cados nominais. d Bush, Quayle e Kissinger

16 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


16 EsPCEx 2018 o cargo, em um curso superior, tendo como obrigação
fundamental mostrar respeito a todos que ali estão. Par-
Noruega como Modelo de tem do pressuposto que, ao mostrarem respeito, os outros
Reabilitação de Criminosos também aprenderão a respeitar.
O Brasil é responsável por uma das mais altas taxas de A diferença do sistema de execução penal norueguês
reincidência criminal em todo o mundo. No país, a taxa em relação ao sistema da maioria dos países, como o bra-
média de reincidência (amplamente admitida mas nunca sileiro, americano, inglês, é que ele é fundamentado na
comprovada empiricamente) é de mais ou menos 70%, ideia de que a prisão é a privação da liberdade, e pautado
ou seja, 7 em cada 10 criminosos voltam a cometer algum na reabilitação e não no tratamento cruel e na vingança.
tipo de crime após saírem da cadeia. O detento, nesse modelo, é obrigado a mostrar pro-
Alguns perguntariam “Por quê?”. E eu pergunto: “Por gressos educacionais, laborais e comportamentais, e, dessa
que não?” O que esperar de um sistema que propõe reabili- forma, provar que pode ter o direito de exercer sua liber-
tar e reinserir aqueles que cometerem algum tipo de crime, dade novamente junto à sociedade.
mas nada oferece, para que essa situação realmente aconte- A diferença entre os dois países (Noruega e Brasil) é a
ça? Presídios em estado de depredação total, pouquíssimos seguinte: enquanto lá os presos saem e praticamente não co-
programas educacionais e laborais para os detentos, prati- metem crimes, respeitando a população, aqui os presos saem
camente nenhum incentivo cultural, e, ainda, uma sinistra roubando e matando pessoas. Mas essas são consequências
cultura (mas que diverte muitas pessoas) de que bandido bom aparentemente colaterais, porque a população manifesta
muito mais prazer no massacre contra o preso produzido
é bandido morto (a vingança é uma festa, dizia Nietzsche).
dentro dos presídios (a vingança é uma festa, dizia Nietzsche).
Situação contrária é encontrada na Noruega. Conside-
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e
rada pela ONU, em 2012, o melhor país para se viver (1o coeditor do Portal atualidadesdodireito.com.br. Estou no blogdolfg.com.br.
no ranking do IDH) e, de acordo com levantamento feito ** Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora
pelo Instituto Avante Brasil, o 8o país com a menor taxa do Instituto Avante Brasil.
FONTE: Adaptado de http://institutoavantebrasil.com.br/
de homicídios no mundo, lá o sistema carcerário chega a
noruega-como-modelo-dereabilitacao-de-criminosos/
reabilitar 80% dos criminosos, ou seja, apenas 2 em cada Acessado em 17 de março de 2017.
10 presos voltam a cometer crimes; é uma das menores
“Mas essas são consequências aparentemente colate-
taxas de reincidência do mundo. Em uma prisão em Bastoy,
rais, porque a população manifesta muito mais prazer no
chamada de ilha paradisíaca, essa reincidência é de cerca
massacre contra o preso produzido dentro dos presídios”.
de 16% entre os homicidas, estupradores e traficantes que
por ali passaram. Os EUA chegam a registrar 60% de rein- Há um trecho, dentro do período destacado acima,
cidência e o Reino Unido, 50%. A média europeia é 50%. que provoca ambiguidade. Marque-o:
A Noruega associa as baixas taxas de reincidência ao a aparentemente colaterais
fato de ter seu sistema penal pautado na reabilitação e não b produzido dentro dos presídios
na punição por vingança ou retaliação do criminoso. A c contra o preso
reabilitação, nesse caso, não é uma opção, ela é obrigatória. d manifesta mais prazer
Dessa forma, qualquer criminoso poderá ser condenado à e no massacre
pena máxima prevista pela legislação do país (21 anos), e,
se o indivíduo não comprovar estar totalmente reabilitado
17 Ifal 2018
para o convívio social, a pena será prorrogada, em mais 5
anos, até que sua reintegração seja comprovada. Saudade de escrever
O presídio é um prédio, em meio a uma floresta, de-
Apesar da concorrência (internet, celular), a carta con-
corado com grafites e quadros nos corredores, e no qual as
tinua firme e forte. Basta uma folha de papel, selo, caneta
celas não possuem grades, mas sim uma boa cama, banhei-
e envelope para que uma pessoa do Rio Grande do Norte,
ro com vaso sanitário, chuveiro, toalhas brancas e porta,
por exemplo, fique por dentro das fofocas registradas por
televisão de tela plana, mesa, cadeira e armário, quadro
um amigo em São Paulo, dois dias depois. “Adoro receber
para afixar papéis e fotos, além de geladeiras. Encontra-se
cartas, fico super ansiosa para descobrir o que está escri-
lá uma ampla biblioteca, ginásio de esportes, campo de
to”, conta Lívia Maria, de 9 anos. Mas ela admite que faz
futebol, chalés para os presos receberem os familiares, es-
tempo que não escreve nenhuma cartinha. “As últimas
túdio de gravação de música e oficinas de trabalho. Nessas
foram para a Angélica e para um dos programas do Gugu.”
oficinas são oferecidos cursos de formação profissional,
Isabela, de 9 anos, lembra que, quando morava em
cursos educacionais, e o trabalhador recebe uma pequena
Curitiba, no Paraná, trocava correspondência com sua amiga
remuneração. Para controlar o ócio, oferecer muitas ativi-
Raquel, que vive em Belo Horizonte, Minas Gerais. “Eu
dades, de educação, de trabalho e de lazer, é a estratégia. ficava sabendo das novidades e não gastava dinheiro com
A prisão é construída em blocos de oito celas cada telefonemas.”
(alguns dos presos, como estupradores e pedófilos, ficam Já Amanda, de 10 anos, também gosta de receber
em blocos separados). Cada bloco tem sua cozinha. A cartinhas, mas prefere enviar e-mails. “Atualmente estou
comida é fornecida pela prisão, mas é preparada pelos conversando com meu primo que está nos Estados Unidos
FRENTE 1

próprios detentos, que podem comprar alimentos no mer- via computador, já que a mensagem chega mais rápido e
cado interno para abastecer seus refrigeradores. não pago interurbano.”
Todos os responsáveis pelo cuidado dos detentos de- TOURRUCCO, Juliana. Saudade de escrever. O Estado de São Paulo,
vem passar por no mínimo dois anos de preparação para p. 5, 25 jul.1998. Suplemento infantil. Suplemento infantil.

17
O adjunto adverbial vem, normalmente, no nal da frase, mas ele pode aparecer em outra posição, basta que se in-
dique esse deslocamento com a vírgula. A colocação inadequada do adjunto adverbial, porém, poderá prejudicar a
compreensão da frase. É o que acontece na fala da Amanda, no texto. Das cinco reestruturações apresentadas nas
alternativas a seguir, uma continua com problema. Marque-a.
A Atualmente, via computador, estou conversando com meu primo que está nos Estados Unidos.
b Atualmente estou, via computador, conversando com meu primo que está nos Estados Unidos.
c Atualmente estou conversando, via computador, com meu primo que está nos Estados Unidos.
d Atualmente estou conversando com meu primo, via computador, que está nos Estados Unidos.
E Via computador, atualmente estou conversando com meu primo que está nos Estados Unidos.

18 ESPM-RJ 2019

HAGAR

A graça da tira decorre:


A da existência de "ruído" na comunicação, efetuada por Hagar, sobre um relacionamento amoroso anterior ao atual.
b de uma fala metafórica de Hagar que, ao dirigir-se diretamente à própria esposa, refere-se às qualidades de uma
terceira pessoa.
c da diferença do nível de linguagem usado pelo emissor para se dirigir aos interlocutores, fato que fez sugerir a
existência de duas mulheres.
d do não entendimento de um discurso ambíguo bastante comum, no qual se dirige a um interlocutor, referindo-se a
ele como se fosse uma terceira pessoa.
E da dificuldade de compreensão no discurso de Hagar, por parte do amigo Ed Sortudo, devido aos traços de for-
malidade da linguagem erudita.

19 Leia o cartaz a seguir.

Culinária
RECEITA CAZÊRA MINÊRA DE:

Moi de repôi
nu ái i ói
INGRIDIENTE:
5 denti di ái
3 cuié di ói
1 cabêsss de repôi
1 cuié di mastumati
sá agosto

MODI FAZÊ
Cascá o ái, pica o ái i socá o ái cum sá; quenta o ói
na caçarola, fogá o ái socado no ói quentim; pica
o repôi beeemmm finim, fogá o repôi no ói
quentim junto cum ái fogado, pô a mastumati i
mexi cum a cuié prá fazê o môi. Sirva cum rôis e
melete.
Isso é bom dimais da conta sô.

18 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


a) Que efeito de sentido produz a transgressão às regras ortográficas?
b) Que estrutura sintática predomina no texto que vem abaixo de “modi fazê”?

20 A charge a seguir pertence a Angeli. O autor trabalhou em sua obra significados implícitos que exigem certo conhe-
cimento de mundo. Leia-a atentamente.

Folha de S.Paulo, 30 dez. 2007.

Com relação à charge de Angeli, responda:


a) Os pronomes demonstrativos podem assumir, no contexto em que são inseridos, uma carga semântica posi-
tiva, negativa ou neutra. Identifique esse pronome no texto de Angeli e aponte o ser ao qual o demonstrativo
faz referência na charge e fora dela.
b) Explique a carga semântica desse pronome no texto, levando em conta o contexto e o seu conhecimento de
mundo acerca da política.

21 Veja o anúncio abaixo e a seguir leia as afirmações que se fazem sobre ele.
Reprodução

I. O homem que aparece na imagem é a um só tempo o paciente e o médico; o objeto sobre o qual está sentado
também é ambíguo.
II. O ato de ligar no contexto está associado unicamente ao fato de que o paciente precisa ouvir alguém, isso dimi-
nui a dor.
III. A imagem do homem (Freud) está diretamente ligada ao termo “psicanálise”; a relação é autor (Freud) e obra
FRENTE 1

(psicanálise).
Estão corretas:
A apenas I.  apenas I e II.  apenas I e III. d apenas II e III. E todas.

19
22 Leia a poesia a seguir.
Receituário sortido
Calma. Não quero ver ninguém ansioso.
É preciso ter calma no Brasil O cordão dos ansiosos enfrentemos:
calmina aspiran!
calmarian ansiotex!
calmogen ansiex ansiax ansiolax
calmovita. ansiopax, amigos!
Que negócio é esse de ansiedade?
Carlos Drummond de Andrade. Discurso de primavera. Rio de Janeiro: Record, 2002.

a) Drummond emprega palavras cognatas cuja terminação remete a um campo semântico específico. Diga qual é.
b) Qual é a intenção do poeta ao empregar tais palavras?

23 Leia o período a seguir.


O presidente que olha o que olha o ministro que olha o que olha o jardineiro que olha o que olha o padeiro que olha o
que olha o cliente que olha o que olha o policial que olha o que olha o bandido que olha o que olha a madame que olha
o que olha a fifi que olha o que olha a barata...
A construção linguística empregada traduz um conceito da área de exatas. Assinale a alternativa que apresenta
esse conceito.
A equação do segundo grau
 polinômios
 dízima periódica
d movimento retilíneo
E lei da gravidade

20 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Sintaxe e semântica, tipos de predicado


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Fotos593/Shutterstock.com

FRENTE 1

CAPÍTULO A palavra “se”


A placa “vende-se” na região da oresta Amazônica representa a exploração à qual

7
ela está submetida. O homem tem tirado dessa oresta uma quantidade de árvores que
ultrapassa o bom senso – a atividade ilegal, em sua volúpia, desrespeita o meio ambien-
te, prejudicando o ecossistema.
A placa é utilizada na publicidade para comércio em geral. Neste texto, todavia, sua
função é denunciar o que está ocorrendo com o “pulmão do mundo”. Do ponto de vista
sintático, o sujeito de “vender” está elíptico, pois percebe-se, no visual, a Amazônia. A
partícula “se” faz da Amazônia um sujeito paciente: “vende-se a Amazônia” – é equiva-
lente a “Amazônia é vendida”.
O ideal seria que tivéssemos a voz ativa: “A Amazônia vende” – ela seria o agente
do processo, aquele que produz.
Introdução literatura mais antiga). Assim como a voz passiva analítica, a
passiva sintética só é possível com verbos transitivos diretos
Neste capítulo, estudaremos a classificação da palavra
e verbos transitivos diretos e indiretos (todavia, sem a pre-
se – a partícula apassivadora, o índice de indetermina-
sença do objeto direto). O verbo apresenta-se na terceira
ção do sujeito, o pronome recíproco, o pronome reflexivo
pessoa, e o substantivo não é regido por preposição (este
e a partícula de realce serão os destaques. O assunto
funciona como sujeito da oração). Para o reconhecimento
é fundamental para a sintaxe e, especialmente, para a dessa estrutura, pode-se efetuar a seguinte transformação:
concordância (partícula e índice). No capítulo sobre con-
cordância verbal, a partícula e o índice serão revistos Vendem-se casas.
juntamente com outros itens já estudados. É bom lem-
brar que os usos da partícula apassivadora e do índice Casas são vendidas.
de indeterminação estão diretamente ligados às variantes
Ou seja:
linguísticas. É frequente o uso coloquial da partícula apas-
y coloque o substantivo à esquerda da frase;
sivadora em placas e jornais.
y substitua o se pelo verbo ser (no mesmo tempo do verbo);
y passe o verbo (ou o verbo principal, se locução ver-
Aluga-se apartamentos Alugam-se apartamentos
(coloquial) (culto) bal) para o particípio (forma nominal: amar-amado;
vender-vendido etc.).
Vende-se casas Vendem-se casas
(coloquial) (culto)
A transformação para a passiva analítica confirma a
Costura-se vestidos Costuram-se vestidos hipótese de que a primeira estrutura traz a partícula apas-
(coloquial) (culto)
sivadora, ou seja, de que se trata da voz passiva sintética.
Além disso, o verbo está na terceira pessoa, há a palavra
se e o substantivo não é regido por preposição. Nas duas
A partícula apassivadora estruturas, o sujeito é o substantivo (o verbo deve concor-
dar com ele).
JON NG/STOCK.XCHNG

Veja agora um caso em que a passiva sintética traz


uma locução verbal.
Podem-se dizer asneiras.

v. aux. + v. princ.

locução verbal

Asneiras podem ser ditas.

v. aux. v. ser part. passado


do v. principal

locução verbal
Fig. 1 Partícula apassivadora.
Nota-se que o verbo ser assumiu a forma do verbo
No capítulo sobre os termos ligados ao verbo (livro 1), estu- principal (o segundo verbo da locução), isto é, o infinitivo, e
dou-se o agente da passiva; esse termo da oração, conforme que o verbo auxiliar (o primeiro) não sofreu transformação.
foi visto, está inserido em uma estrutura denominada voz passi- Com verbos transitivos diretos e indiretos, o objeto in-
va analítica. Na voz passiva analítica, o sujeito é paciente, sofre direto não sofre qualquer transformação:
a ação, há a locução verbal e o agente está preposicionado.
Dá-se esmola ao pobre.
y Voz ativa: Os corretores vendem casas.
objeto indireto
y Voz passiva analítica: Casas são vendidas pelos corretores.
Esmola é dada ao pobre.
A língua, entretanto, possui outra estrutura para passar
o mesmo conteúdo, uma forma mais sintética, em que o objeto indireto
agente da ação é omitido. Trata-se da voz passiva sintética
ou pronominal. Nesta, o sujeito continua sendo paciente, Por fim, é fundamental, para efeito de concordância,
mas há a presença da palavra “se”, a partícula apassivadora. que você tenha plena consciência das funções sintáticas:
Essa estrutura costuma ser mais reduzida em função de Vendem-se casas.
um número menor de verbos e do apagamento do agente
(modernamente, visto que o uso do agente é notado na verbo sujeito

22 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


Podem-se dizer asneiras. não apresenta concordância, uma vez que o substantivo
à direita não é o sujeito (não há sujeito preposicionado –
locução verbal sujeito primeiro exemplo – e o advérbio não funciona como sujeito
– segundo exemplo).
Dá-se esmola ao pobre.

verbo sujeito objeto indireto


Pronome reflexivo
transitivo
direto e indireto E LE S E MATOU!

Edouard Manet/Wikimedia Commons


Atenção
A população em geral não reconhece o substantivo como o sujeito
da oração, isso se deve a três fatores:
y o sujeito costuma estar à direita do verbo;
y o sujeito é paciente e não agente;
y o falante tem a impressão de que o substantivo é o complemento
do verbo, quando, na realidade, é o sujeito, já que o objeto direto
aparece apenas na voz ativa.

Índice de indeterminação do sujeito


BARBARA REDDOCH/123RF.COM

Fig. 3 Pronome reflexivo.

A voz reflexiva caracteriza-se pelo fato de o sujeito


ser, ao mesmo tempo, agente e paciente da ação verbal.
pronome
reflexivo

Isabel olhava-se no espelho todos os dias.

sujeito verbo advérbio


transitivo
direto
Fig. 2 Índice de indeterminação do sujeito. objeto
direto

O índice de indeterminação do sujeito ocorre apenas Isabel Isabel


com verbos transitivos indiretos, verbos de ligação e ver-
bos intransitivos. Trata-se de uma segunda possibilidade Ao contrário da partícula e do índice, o reflexivo (e tam-
de indeterminar o sujeito, na terceira pessoa do singular bém o recíproco) possui função sintática: pode ser objeto
(obrigatoriamente). Compare: direto ou indireto.

I. Sujeito indeterminado na terceira do plural: Pronome recíproco


Precisam de pedreiros. Trabalham bem. Também nesse caso, o sujeito é agente e paciente; em
vez de si mesmo, teremos um ao outro.
verbo objeto verbo advérbio pronome
transitivo indireto indireto intransitivo reflexivo

II. Sujeito indeterminado na terceira do singular (com o Os jovens cumprimentam-se.


índice de indeterminação do sujeito):
Precisa-se de pedreiros. Trabalha-se bem. sujeito verbo objeto
transitivo direto
direto
verbo objeto verbo advérbio
transitivo indireto indireto intransitivo Por vezes, é a posição da palavra que determina a
classificação da partícula se.
A frase com o índice de indeterminação do sujeito não
FRENTE 1

pode ser convertida em voz passiva analítica (“de pedreiros Os pais se amam desde o primeiro momento.
são precisos” é agramatical), visto tratar-se de sujeito agen-
te e não de uma voz passiva sintética; além disso, o verbo recíproco

23
Amam-se os pais a vida inteira. As estrelas dirão: – “Ai, Nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria...”
apassivador E pondo os olhos nela como pomos,
(os pais são amados) Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
Alphonsus Guimarães. Simbolismo. São Paulo: Global.
No primeiro caso, trata-se do amor entre os pais; no se-
gundo, do amor dos filhos aos pais. Ou seja, a posição das
No caso, o se foi utilizado apenas para compor as dez
palavras esclarece a intenção do enunciador e a interpre-
tação desejada. Em certas situações, todavia, só o contexto sílabas do verso decassílabo. A partícula de realce ocorre
poderá determinar se o pronome é reflexivo ou recíproco. sobretudo com verbos intransitivos.
Em “eles se cortaram”, por exemplo, há duas possibilidades:
1. pronome reflexivo: a si mesmos. (Eles se cortaram ao Atenção
pegar no fio);
2. pronome recíproco: um ao outro. (No duelo, eles se
cortaram).

Partícula de realce
Trata-se de uma partícula que tem por finalidade des-
tacar, realçar a ação; não possui função sintática, por isso
pode ser retirada da frase sem prejuízo para a sintaxe.

Revisando
Texto para as questões 1 e 2. 1 Que valor semântico assume o se no primeiro quadrinho?

2 Que função possui o pronome se para a frase no último


quadrinho?

3 Leia a publicidade a seguir.

“Compram-se selos antigos”

Que alteração sintática teríamos se excluíssemos o se


da frase?

Texto para a questão 4.


As pessoas sabem que o país está melhorando, é o
esforço político, conjugado com a vontade popular, que
fará a nação evoluir muito mais; percebemos nitidamente
que o povo está mais cônscio dos seus deveres e direitos.

4 Reescreva o texto, tornando-o mais impessoal (empre-


gando para isso a palavra se, vide partes destacadas).

© 2010 King Features Syndicate/Ipress.

24 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


Texto para a questão 5. 8 Leia o texto a seguir.
– Estão comentando que o homem vai sair do poder? Os dois soldados se coçavam a cada minuto, os in-
– Fala-se também que é por causa da mulher! setos inundavam a oresta, parecia um ataque aéreo.
– A Madame do carro vermelho?
– Dizem... dizem, sabe como é, né? Explique por que o período acima é ambíguo. Tire a
ambiguidade, fazendo um acréscimo.
5 O pronome se e o sujeito na 3a pessoa do plural, no
diálogo acima, foram empregados pelos falantes em
função de um contexto de comunicação. Explique
esse contexto de modo que fundamente o emprego
desses elementos gramaticais.

Texto para as questões 9 e 10.

6 Leia o poema abaixo.


Alegra-se a fera
Entristece-se a presa
Assim vai o mundo... depressa... de presa em presa.
Renato Onada.

Que efeito de sentido o se dá ao texto?

Disponível em: <incondenciaribeirao.com>.

9 Verifica-se a mesma estrutura sintática no início de


7 Leia o anúncio a seguir. cada anúncio. Que estrutura é essa?
COVAS STYLLUS CONVIDA:
PRECISA-SE DE COVEIROS – durante a seleção,
sanduíches de presunto e queijo serão distribuídos e
todos participarão da brincadeira da cova-salário de
outro mundo – seja um coveiro você também!
Procurar Leopoldino no D. Pessoal. Rua dos Deses-
perados 1313. Tel 31-13-31-13 – Vila Norta. Obs: venha
todo de preto.
Apesar de o se classicar-se no texto acima como ín-
dice de indeterminação do sujeito, sabe-se quem é o 10 Em relação ao sujeito de “aluga-se”, que diferença se-
sujeito semântico de precisar. Explique. mântica temos em relação aos anúncios modernos?
FRENTE 1

25
Exercícios propostos
1 Leia o anúncio a seguir. Alcancei mais do que esperava, mercê de Deus. Vie-
ram-me as rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio se
Marcello Casal Jr/ABr

esquivava, agarrou-se comigo, as taxas desceram. E os negó-


cios desdobraram-se automaticamente. Automaticamente.
ENGENHEIRO DE MINAS-URGENTE Difícil? Nada! Se eles entram nos trilhos, rodam que é uma
beleza. Se não entram, cruzem os braços. Mas se virem que
estão de sorte, metam o pau: as tolices que praticarem viram
sabedoria. Tenho visto criaturas que trabalham demais e
não progridem. Conheço indivíduos preguiçosos que têm
faro: quando a ocasião chega, desenroscam-se, abrem a
boca – e engolem tudo.
Eu não sou preguiçoso. Fui feliz nas primeiras tenta-
tivas e obriguei a fortuna a ser-me favorável nas seguintes.
Depois da morte do Mendonça, derrubei a cerca, na-
Procura-se engenheiro de minas para trabalhar na Pe- turalmente, e levei-a para além do ponto em que estava no
trobras (escritório em SP). Paga-se muito bem. Procurar tempo de Salustiano Padilha. Houve reclamações.
por Adélio no D. Pessoal, horário comercial. Rua dos – Minhas senhoras, seu Mendonça pintou o diabo
Andras 53, São Paulo capital. Trazer curriculum vitae. enquanto viveu. Mas agora é isto. E quem não gostar, pa-
a) Há duas ocorrências da palavra “se” com sujeitos ciência, vá à justiça.
diferentes. Explique. Como a justiça era cara, não foram à justiça. E eu, o
b) Qual a funcionalidade das estruturas empregadas caminho aplainado, invadi a terra do Fidélis, paralítico de
um braço, e a dos Gama, que pandegavam no Recife, estu-
com a palavra “se” para esse tipo de texto (anúncio)?
dando Direito. Respeitei o engenho do Dr. Magalhães, juiz.
Violências miúdas passaram despercebidas. As ques-
2 Unesp 2019 (Adapt.) Leia o trecho do romance S. Bernardo, tões mais sérias foram ganhas no foro, graças às chicanas
de Graciliano Ramos, para responder à questão. de João Nogueira.
O caboclo mal-encarado que encontrei um dia em Efetuei transações arriscadas, endividei-me, importei
casa do Mendonça também se acabou em desgraça. Uma maquinismos e não prestei atenção aos que me censura-
limpeza. Essa gente quase nunca morre direito. Uns são vam por querer abarcar o mundo com as pernas. Iniciei a
levados pela cobra, outros pela cachaça, outros matam-se. pomicultura e a avicultura. Para levar os meus produtos
Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra, ao mercado, comecei uma estrada de rodagem. Azevedo
bateu-lhe no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos Gondim compôs sobre ela dois artigos, chamou-me patriota,
miúdos. Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as citou Ford e Delmiro Gouveia. Costa Brito também publicou
lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a uma nota na Gazeta, elogiando-me e elogiando o chefe
mulher enforcou-se. político local. Em consequência mordeu-me cem mil-réis.
Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção, (S. Bernardo, 1996.)

proibi a aguardente. “Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra,


Concluiu-se a construção da casa nova. Julgo que não bateu-lhe no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos
preciso descrevê-la. As partes principais apareceram ou miúdos. Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as
aparecerão; o resto é dispensável e apenas pode interessar lombrigas comeram o segundo, o último teve angina
aos arquitetos, homens que provavelmente não lerão isto.
e a mulher enforcou-se.” (2o parágrafo)
Ficou tudo confortável e bonito. Naturalmente deixei de
dormir em rede. Comprei móveis e diversos objetos que Os pronomes sublinhados referem-se, respectiva-
entrei a utilizar com receio, outros que ainda hoje não mente, a
utilizo, porque não sei para que servem. A “alavanca”, “um”, “viúva e órfãos”.
Aqui existe um salto de cinco anos, e em cinco anos  “pedra”, “um”, “meninos”.
o mundo dá um bando de voltas. C “pedra”, “alavanca”, “viúva e órfãos”.
Ninguém imaginará que, topando os obstáculos D “alavanca”, “pedra”, “viúva e órfãos”.
mencionados, eu haja procedido invariavelmente com E “alavanca”, “pedra”, “meninos”.
segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos.
Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos,
3 Unifesp 2019 (Adapt.) Leia o poema “Sou um evadido”,
desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas.
do escritor português Fernando Pessoa, para respon-
Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube
der à questão.
quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz
coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins Sou um evadido.
que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir Logo que nasci
as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que Fecharam-me em mim,
me levaram a obtê-las. Ah, mas eu fugi.

26 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


Se a gente se cansa A palavra se, no texto acima, é:
Do mesmo lugar, A partícula de realce.
Do mesmo ser  índice de indeterminação.
Por que não se cansar? C pronome reflexivo.
Minha alma procura-me D partícula apassivadora.
Mas eu ando a monte¹, E parte integrante do verbo.
Oxalá que ela
Nunca me encontre. 7 ITA (Adapt.) Leia o texto a seguir e identifique o sujeito
do verbo ver.
Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser. [...] a autoridade do mestre, que lhe é conferida pelo
Viverei fugindo conhecimento que detém e pela tradição, vê-se substituída
Mas vivo a valer. pelas ordens dos patrões [...]
(Obra poética, 1997.) S. C. Maldonado. Pescadores do mar. São Paulo: Ática, 1986.

¹“andar a monte”: andar fugido das autoridades.


8 IME Classifique a partícula se.
“Se a gente se cansa a) O menino sorria-se feliz.
Do mesmo lugar, b) Bajula-se hoje para atacar amanhã.
Do mesmo ser c) Vai-se a primeira pomba despertada.
Por que não se cansar?” (2a estrofe) d) Queimou-se a casa.
e) Varreu-se e espanou-se a sala.
Os termos sublinhados constituem
f) Ferram-se cavalos.
A pronomes, somente.
g) Os campos secam-se; as flores murcham-se e as
 conjunção, pronome e pronome, respectivamente.
aves emudecem-se.
C conjunções, somente.
h) Trata-se de papéis.
D pronome, conjunção e conjunção, respectivamente.
E conjunção, conjunção e pronome, respectivamente.
9 Classifique a palavra se.
a) Indagava-se de tudo.
4 IFSul 2019 (Adapt.) b) Abrir-se-ão novas escolas.
c) Os pais contemplam-se nos filhos.
d) O caçador feriu-se.

10 UFRGS 2018 (Adapt.) Nada mais importante para chamar


a atenção sobre uma verdade do que exagerá-la. Mas
também, nada mais perigoso, ........ um dia vem a reação
Verissimo, Luis Fernando. As cobras: antologia denitiva. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010, p. 83.
indispensável e a relega injustamente para a categoria do
Acerca do texto, nas orações: se as eleições fossem erro, até que se efetue a operação difícil de chegar a um
ontem e em quem você teria votado e se arrependido, ponto de vista objetivo, sem desfigurá-la de um lado nem
é INCORRETO armar que de outro. É o que tem ocorrido com o estudo da relação
A a classificação gramatical, respectivamente, é con- entre a obra e o seu condicionamento social, que a certa
junção e pronome. altura chegou a ser vista como chave para compreendê-
-la, depois foi rebaixada como falha de visão, – e talvez
 a conjunção SE poderia ser substituída, sem altera-
só agora comece a ser proposta nos devidos termos.
ção de sentido, pelo nexo oracional CASO.
De fato, antes se procurava mostrar que o valor e o
C o pronome SE é atraído pela conjunção E, haven-
significado de uma obra dependiam de ela exprimir ou não
do, portanto, uma ênclise. certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía
D a classificação do verbo utilizado na primeira ora- o que ela tinha de essencial. Depois, chegou-se à posição
ção é pretérito imperfeito do subjuntivo. oposta, procurando-se mostrar que a matéria de uma obra
é secundária, e que a sua importância deriva das operações
5 Fuvest (Adapt.) Leia o texto a seguir e explique o erro formais postas em jogo, conferindo-lhe uma peculiaridade
cometido. que a torna de fato independente de quaisquer condi-
cionamentos, sobretudo social, considerado inoperante
Os votos e as sentenças do ministro, por mais que se os como elemento de compreensão. Hoje sabemos que a
vejam de prismas diversos, atestam cultura jurídica in- integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas
discutível. visões ........ ; e que só a podemos entender fundindo texto
e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em
6 ITA (Adapt.) O senso de liberdade [...] está muito ligado que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fato-
FRENTE 1

à autonomia sobre o tempo, podendo-se mesmo dizer res externos, quanto o outro, norteado pela convicção de
que decorre dela [...] que a estrutura é virtualmente independente, se combinam
S. C. Maldonado. Pescadores do mar. São Paulo: Ática, 1986. como momentos necessários do processo interpretativo.

27
Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) impor- uma cabeleira, uma bengala, para restituir a razão ao alie-
ta, não como causa, nem como significado, mas como nado; em outros casos a moléstia era mais rebelde; recorria
elemento que desempenha certo papel na constituição então aos anéis de brilhantes, às distinções honoríficas,
da estrutura, tornando-se, portanto, interno. etc. Houve um doente, poeta, que resistiu a tudo. Simão
Neste caso, saímos dos aspectos periféricos da so- Bacamarte começava a desesperar da cura, quando teve
ciologia, ou da história sociologicamente orientada, para ideia de mandar correr matraca, para o fim de o apregoar
chegar a uma interpretação estética que assimilou a di- como um rival de Garção² e de Píndaro³.
mensão social como fator de arte. Quando isto se dá, — Foi um santo remédio, contava a mãe do infeliz a
ocorre o paradoxo assinalado inicialmente: o externo se uma comadre; foi um santo remédio.
torna interno e a crítica deixa de ser sociológica, para ser [...]
apenas crítica. Segundo esta ordem de ideias, o ângulo Tal era o sistema. Imagina-se o resto. Cada beleza
sociológico adquire uma validade maior do que tinha. moral ou mental era atacada no ponto em que a perfeição
Em ........, não pode mais ser imposto como critério úni- parecia mais sólida; e o efeito era certo. Nem sempre era
co, ou mesmo preferencial, pois a importância de cada certo. Casos houve em que a qualidade predominante
fator depende do caso a ser analisado. Uma crítica que se resistia a tudo; então, o alienista atacava outra parte, apli-
queira integral deve deixar de ser unilateralmente socio- cando à terapêutica o método da estratégia militar, que
lógica, psicológica ou linguística, para utilizar livremente toma uma fortaleza por um ponto, se por outro o não
os elementos capazes de conduzirem a uma interpretação pode conseguir.
coerente.
No fim de cinco meses e meio estava vazia a Casa
Adaptado de: CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade.
9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006. Verde; todos curados! O vereador Galvão, tão cruelmente
afligido de moderação e equidade, teve a felicidade de
Considere as seguintes armações sobre o uso de perder um tio; digo felicidade, porque o tio deixou um
pronomes no texto. testamento ambíguo, e ele obteve uma boa interpretação,
I. O pronome a (“um dia vem a reação indispensá- corrompendo os juízes, e embaçando os outros herdeiros.
vel e a relega injustamente para a categoria do [...]
erro”) faz referência à expressão a reação indis- Agora, se imaginais que o alienista ficou radiante ao
pensável. ver sair o último hóspede da Casa Verde, mostrais com
II. A forma pronominal la (um ponto de vista objetivo, isso que ainda não conheceis o nosso homem. Plus ultra!4
sem desfigurá-la) faz referência à expressão uma era a sua divisa. Não lhe bastava ter descoberto a teoria
verdade (Nada mais importante para chamar a verdadeira da loucura; não o contentava ter estabelecido
atenção sobre uma verdade do que exagerá-la). em Itaguaí o reinado da razão. Plus ultra! Não ficou alegre,
III. O pronome se (constituição da estrutura, tornan- ficou preocupado, cogitativo; alguma coisa lhe dizia que a
do-se) faz referência à expressão o externo (o teoria nova tinha, em si mesma, outra e novíssima teoria.
externo (no caso, o social) importa). — Vejamos, pensava ele; vejamos se chego enfim à
última verdade.
Quais das armações acima estão corretas?
Dizia isto, passeando ao longo da vasta sala, onde
A Apenas I.
fulgurava a mais rica biblioteca dos domínios ultramari-
 Apenas II.
nos de Sua Majestade. Um amplo chambre de damasco,
C Apenas I e III.
preso à cintura por um cordão de seda, com borlas de
D Apenas II e III. ouro (presente de uma Universidade) envolvia o cor-
E I, II e III. po majestoso e austero do ilustre alienista. A cabeleira
cobria-lhe uma extensa e nobre calva adquirida nas co-
11 Unesp 2018 (Adapt.) Leia o trecho do conto O alienista¹, gitações cotidianas da ciência. Os pés, não delgados e
de Machado de Assis (1839-1908), para responder à femininos, não graúdos e mariolas, mas proporcionados
questão. ao vulto, eram resguardados por um par de sapatos cujas
Era a vez da terapêutica. Simão Bacamarte, ativo e fivelas não passavam de simples e modesto latão. Vede
sagaz em descobrir enfermos, excedeu-se ainda na dili- a diferença: — só se lhe notava luxo naquilo que era
gência e penetração com que principiou a tratá-los. Neste de origem científica; o que propriamente vinha dele
ponto todos os cronistas estão de pleno acordo: o ilustre trazia a cor da moderação e da singeleza, virtudes tão
alienista fez curas pasmosas, que excitaram a mais viva ajustadas à pessoa de um sábio.
admiração em Itaguaí. (O alienista, 2014.)
Com efeito, era difícil imaginar mais racional sistema
terapêutico. Estando os loucos divididos por classes, se- ¹alienista: médico especialista em doenças mentais.
gundo a perfeição moral que em cada um deles excedia ²Garção: um dos principais poetas do Neoclassicismo
às outras, Simão Bacamarte cuidou em atacar de frente a português.
qualidade predominante. Suponhamos um modesto. Ele ³Píndaro: considerado o maior poeta lírico da antiga Grécia.
4
aplicava a medicação que pudesse incutir-lhe o sentimento Plus ultra!: expressão latina que significa “Mais além!”.
oposto; e não ia logo às doses máximas, – graduava-as,
conforme o estado, a idade, o temperamento, a posição Cite os referentes dos pronomes sublinhados no pri-
social do enfermo. Às vezes bastava uma casaca, uma fita, meiro e no segundo parágrafos.

28 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


12 Ufal 2014 Assinale a alternativa que apresenta a respec-  Se alguém anteviu alguma coisa, foi Marina.
tiva classificação do vocábulo “se” nos períodos abaixo. C Campos seria um vitorioso se terminasse a eleição
I. “Não se descobriu o erro”. presidencial [...]
II. “O patrão zangou-se”. D [...] se Campos não atingir esse patamar nos próxi-
A Pronome apassivador / pronome reflexivo. mos meses [...]
 Pronome apassivador / pronome recíproco.
C Índice de indeterminação do sujeito / pronome 14 Unemat 2018
apassivador.
D Pronome apassivador / índice de indeterminação
do sujeito.
E Índice de indeterminação do sujeito / conjunção
condicional.

13 PUC-Minas 2014 Mauricio de Sousa. Disponível em aliteranda.les.wordpress.com. Acesso em: nov. 2015.

O xadrez de Marina Considere o seguinte trecho: “[...] e então, adicionam-


-se duas colheres de açúcar mascavo e mexe-se a
SÃO PAULO — Eduardo Campos não é um "zero",
como Ciro Gomes o chamou na sua tola e habitual ver- calda por dois minutos [...]”.
borragia, tampouco é o estrategista político formidável, tal A partir das palavras em destaque e das noções de
qual passou a ser pintado em Brasília após a surpreendente variação linguística, assinale a alternativa correta.
filiação da ex-senadora Marina Silva ao seu PSB. A Há um desvio da norma culta da língua portuguesa,
O governador de Pernambuco é um construtor de
pois se trata de um problema de concordância en-
pontes, paciente e habilidoso, que consegue se manter
tre o sujeito e o predicado.
como interlocutor de quase todo o mundo, de Lula a
Serra, de Bornhausen e Ronaldo Caiado a Marina. É um
 Há um desvio da norma culta da língua portuguesa,
conciliador que parece mais mineiro do que o próprio pois se trata de um problema de regência verbal.
Aécio Neves. C Não há desvio da norma culta, pois, junto aos
É evidente que esses traços o ajudaram a se posicionar verbos destacados, a palavra “se” funciona como
no momento em que Marina precisava achar uma saída pronome apassivador.
para o imbróglio em que se meteu ao não conseguir oficia- D Há um desvio da norma culta, pois, junto aos verbos
lizar a tal Rede Sustentabilidade – não se filiar a um partido destacados, a palavra “se” funciona como índice de
significaria abdicar totalmente da eleição presidencial; indeterminação do sujeito.
entrar numa sigla qualquer apenas para ser candidata seria E Não há desvio da norma culta, pois o autor dá voz
um gesto personalista que poderia arranhar a imagem da a um adulto e não a uma criança.
nova política, que Marina tanto cultiva.
Mas, na prática, o governador pernambucano foi um
agente passivo nessa história toda. Se alguém anteviu al- 15 Utilize uma estrutura sintática em que o sujeito seja in-
guma coisa, foi Marina. A ex-senadora criou o principal determinado.
fato político desde a eleição de Dilma e ainda jogou sobre No Brasil, falam de corrupção de juízes.
Campos a responsabilidade de crescer nas pesquisas em
pouco tempo, ao deixar claro que, se o governador não
se viabilizar, ela pode concorrer. 16 Observe os dizeres da placa:
No cenário anterior, Campos seria um vitorioso se
Compra-se passes de ônibus por 20%
terminasse a eleição presidencial do ano que vem com
cerca de 15% dos votos. Atingiria seu objetivo de tornar-se
um nome nacionalmente conhecido a fim de, quatro anos a) A frase “compra-se passes...” está correta do pon-
depois, disputar a sucessão para valer. to de vista da concordância? Justifique.
Agora, após o empurrão da ex-senadora, se Campos b) Por que a frase contida na placa é ambígua?
não atingir esse patamar nos próximos meses, antes mesmo
de a campanha eleitoral começar, poderá ser forçado a 17 Passe para a norma culta.
abdicar da candidatura em favor de Marina.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/
Deitei e olhei para o relógio: estou atrasado.
rogeriogentile/2013/10/1354262-o-xadrez-de-marina.shtml.
Acesso em: 10 out. 2013.
18 Leia a frase a seguir.
Todas as formas grifadas nos trechos a seguir têm a
Sabe-se que o congresso é contra a medida provisória.
mesma natureza linguística, EXCETO:
A [...] a se posicionar no momento em que Marina pre- Na frase acima, a impessoalidade é dada pela partícula
FRENTE 1

cisava achar uma saída [...] se. Classique-a.

29
19 Leia as frases a seguir.

O tesoureiro de Collor se matou: hipótese 1


Matou-se o tesoureiro de Collor: hipótese 2
Mata-se na política: armação 3
Dê a correta classicação da palavra se em cada uma das suas ocorrências e faça a interpretação da frase.

20 Leia o texto a seguir.


A partida nal foi assistida por vinte mil pessoas, um recorde na segunda divisão de nosso futebol prossional. O
jogo, contudo, foi ruim, o empate não agradou a ninguém.
Que estrutura sintática contraria uma norma da língua? Redija de modo que haja respeito à norma culta.

21 PUC-SP A partir dos seguintes trechos: ... e nunca mais se soube o que era blasfêmia.../dentro dos sons movem-se cores...,
assinale a alternativa correta.
A O pronome átono se exerce a função de partícula apassivadora na voz passiva analítica.
 O pronome átono se exerce a função de partícula apassivadora na voz passiva pronominal.
C O pronome átono se exerce a função de partícula apassivadora na voz ativa.
D O pronome átono se é parte integrante do verbo.
E O pronome átono se exerce a função de pronome reflexivo.

Texto complementar
A posposição do sujeito
Os gramáticos apresentam um grande número de regras para a posposição do sujeito, mas, na verdade, quando se exa-
mina o problema a fundo, verifica-se que há uma regularidade subjacente. A posposição do sujeito ocorre:

1. Com verbos como existir, aparecer, ocorrer, acontecer, diminuir, faltar, restar, começar, nascer etc.:
— Próximo existe pequeno belvedere.

2. Em interrogativas com pronome:


— Onde estão meus convivas e as flores de antanho, onde estão?

3. Na topicalização do objeto, predicativo ou outro:


— Isto diz ele.

4. Em orações adjetivas:
— ...onde repousam as cinzas dos grandes do segundo.

5. Com verbos reflexivos de sentido passivo:


— Desfaz-se, com o mistério, uma antiga aliança, um rito da cidade.

6. Nos particípios:
— Encurralados todos/a serra do Curral, os moradores...

7. Em orações intercaladas:
— E me dói a cabeça, diz alguém.
Eunice Souza Lima Pontes. Sujeito: da sintaxe ao discurso.
São Paulo: Ática, 1986.

30 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


Resumindo
Voz ativa
Temos a voz ativa quando o sujeito da oração é agente, isto é, pratica a ação:

Voz passiva analítica


A voz passiva analítica ocorre quando a oração apresenta um sujeito paciente e uma locução verbal (verbo ser + particípio):

Essa estrutura pode ainda conter um termo acessório denominado agente da passiva:

Pronome apassivador
A estrutura em que a partícula (ou pronome) apassivadora se encontra é mais concisa, não traz o agente da passiva:

Bar

TROCAM-SE
IDEIAS

Para que haja passiva sintética, é preciso que:


a) o verbo esteja em terceira pessoa;
b) haja a palavra “se”;
c) o verbo seja VTD ou VTDI;
d) o substantivo seja o sujeito paciente.
FRENTE 1

Deve-se observar ainda se o verbo está concordando com o substantivo, o qual funciona como sujeito. O objeto direto não ocorre na passiva, transfor-
ma-se em sujeito paciente.

31
Índice de indeterminação do sujeito
Em português, pode-se indeterminar o sujeito na terceira pessoa do plural, sem a palavra “se”; ou na terceira pessoa do singular, com o “se” denominado
índice de indeterminação do sujeito:
Precisa-se de alimentos e livros.
Além do verbo transitivo indireto, é comum o uso de intransitivos nesse tipo de estrutura:
Rouba-se muito.

Pronome reflexivo ou pronome recíproco


A reflexividade ocorre quando o sujeito é agente e paciente, pratica e sofre a ação:
Maria cortou-se com a navalha.

Na voz reflexiva, observa-se também a presença do pronome recíproco (em vez de a si mesmo, teremos um ao outro):
Eles se cumprimentaram.

Parte integrante do verbo


Como parte integrante do verbo, esse pronome ocorre com verbos que expressam sentimento ou mudança de estado.
Alegrou-se ao ver a paz surgir no horizonte.

Partícula de realce
O pronome de realce servirá para destacar, enfatizar um verbo intransitivo; tal recurso dá mais espontaneidade à ação do sujeito.
Foi-se a primeira bomba de chocolate.

Quer saber mais?

Livro Site
y GREGORIM, Clóvis Osvaldo. Michaelis – Gramática fácil para falar y Português – O seu site da Língua Portuguesa.
e escrever bem. São Paulo: Melhoramentos, 2016. Disponível em: <www.portugues.com.br>.

Exercícios complementares
1 UFU 2017 Analise a presença da partícula se nos exemplos abaixo. A seguir, faça a correspondência dos exemplos
com as explicações dadas.
I. Se você não chegar cedo, teremos de improvisar um apresentador para o recital.
II. Com tantos problemas, vive-se um dia de cada vez.
III. Os irmãos, João e Luísa, deram-se as mãos.
IV. Naquele condomínio, vendem-se casas.
J O se, no exemplo, indica que a frase está na voz passiva, ou seja, o sujeito sofre a ação praticada por outro agente.
J O se, nesse caso, é chamado de índice de indeterminação do sujeito. É utilizado em frases cujo sujeito é indeter-
minado.
J O se, no exemplo, é pronome pessoal. Nesse caso, a ação envolve dois sujeitos, sendo que um pratica a ação
sobre o outro e, portanto, ambos sofrem a consequência da ação praticada.
J O se, nesse caso, indica uma condição para a oração principal.

32 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


A sequência correta, de cima para baixo, é: a curiosidade, como sinal de um desejo de conhecimen-
A IV, III, II, I to, os livros tornam-se inúteis. Assim, a ignorância que
 III, II, I, IV nos permite saber se opõe à que nos deforma por estag-
C II, I, IV, III nação. A primeira gosta dos livros, a segunda os detesta.
D IV, II, III, I [ ... ]
Para aprender a perguntar, precisamos aprender a ler.
Não porque o pensamento dependa da gramática ou da
2 Unesp 2017 (Adapt.) Leia o soneto “Alma minha gentil,
língua formal, mas porque ler é um tipo de experiência que
que te partiste”, do poeta português Luís de Camões
nos ensina a desenvolver raciocínios, nos ensina a entender,
(1525?-1580), para responder à questão.
a ouvir e a falar para compreender. Nos ensina a interpretar.
Alma minha gentil, que te partiste Nos ajuda, portanto, a elaborar questões, a fazer perguntas.
tão cedo desta vida descontente, Perguntas que nos ajudam a dialogar, ou seja, a entrar em
repousa lá no Céu eternamente, contato com o outro. Nem que este outro seja, em um pri-
e viva eu cá na terra sempre triste. meiro momento, apenas cada um de nós mesmos.
Pensar, esse ato que está faltando entre nós, começa
Se lá no assento etéreo, onde subiste, aí, muitas vezes em silêncio, quando nos dedicamos a
memória desta vida se consente, esse gesto simples e ao mesmo tempo complexo que é
não te esqueças daquele amor ardente ler um livro. É lamentável que as pessoas sucumbam ao
que já nos olhos meus tão puro viste. clima programado da cultura em que ler é proibido. Os
meios tecnológicos de comunicação são insidiosos nesse
E se vires que pode merecer-te momento, pois prometem uma completude que o ato
alguma coisa a dor que me ficou de ler um livro nunca prometeu. É que o ato da leitura
da mágoa, sem remédio, de perder-te, nunca nos engana. Por isso, também, muitos afastam-se
dele. Muitos que foram educados para não pensar, pas-
roga a Deus, que teus anos encurtou, sam a não gostar do que não conhecem. Mas há quem
que tão cedo de cá me leve a ver-te, tenha descoberto esse prazer que é o prazer de pensar
quão cedo de meus olhos te levou. a partir da experiência da linguagem - compreensão e
(Sonetos, 2001.) diálogo - que sempre está ofertada em um livro. Certa-
mente para essas pessoas, o mundo todo - e ela mesma
“Se lá no assento etéreo, onde subiste,
- é algo bem diferente.
memória desta vida se consente,” (2a estrofe)
(TIBURI, Márcia. Potência do pensamento: por uma filosofia política
Os termos destacados constituem da leitura. Disponível em http://revistacult.uol.com.br -
A pronomes. 31 de jan. 2016 - com adaptações)

 conjunções. Em "Nos ajuda, portanto, a elaborar questões[...]." (3o §),


C uma conjunção e um advérbio, respectivamente. há um desvio da modalidade padrão da língua na co-
D um pronome e uma conjunção, respectivamente. locação do pronome destacado. Em que opção isso
E uma conjunção e um pronome, respectivamente. também ocorre?
A "[...] aquela em que Sócrates se expunha [...]."(2o §)
3 Col. Naval 2017 O desaparecimento dos livros na vida co-  "[...] os livros tornam-se inúteis." (2o §)
tidiana e a diminuição da leitura é preocupante quando C "[...] também, muitos afastam-se dele." (4o §)
sabemos que os livros são dispositivos fundamentais na D "[...] é um tipo de experiência que nos ensina [...]."
formação subjetiva das pessoas. Nos perguntamos sobre (3 o §)
o que os meios de comunicação fazem conosco: da tele- E "[...] o ato da leitura nunca nos engana." (4o §)
visão ao computador, dos brinquedos ao telefone celular,
somos formados por objetos e aparelhos.
Se em nossa época a leitura diminui vertiginosa-
4 IFSul 2016
mente, ao mesmo tempo, cresce o elogio da ignorância, Embarque imediato
nossa velha conhecida. Há, nesse contexto, dois tipos de Não basta passar pelos dias. Viva a partir de agora,
ignorância em relação às quais os livros são potentes ou com emoção
impotentes. Uma é a ignorância filosófica, aquela que
Por Márcia de Luca
em Sócrates se expunha na ironia do "sei-que-nada-sei".
Aquele que não sabe e quer saber pode procurar os livros, Neste mundo de turbulências em que estamos vi-
esses objetos que guardam tantas informações, tantos vendo, muitas vezes nos sentimos deprimidos. Em certos
conteúdos, que podemos esperar deles muita coisa: per- momentos, parece que tudo está perdido, não é mesmo?
guntas e, até mesmo, respostas. A outra é a ignorância Achamos que tudo está diferente, que as pessoas estão
prepotente, à qual alguns filósofos deram o nome de .
"burrice". Pela burrice, essa forma cognitiva impotente Mas aqui e agora, tome uma atitude firme em sua vida.
e, contudo, muito prepotente, alguém transforma o não Mude seu jeito negativo de ser, evitando que sua vida seja
FRENTE 1

saber em suposto saber, a resposta pronta é transformada insignificante.


em verdade. Nesse caso, os livros são esquecidos. Eles Perdoe erros que você considerava imperdoáveis, tro-
são desnecessários como "meios para o saber". Cancelada que as pessoas insubstituíveis por gente mais leve e solta.

33
O apego aos outros está obsoleto. Nada nem ninguém é São índios. Mas não adoram o Sol, a Lua, as estre-
insubstituível. Aceite a decepção que outros lhe causaram las, os animais, as árvores. Praticam, sim, com afinco, a
para que você também seja aceito. Sim, porque todos, religião batista, imposta por um missionário americano,
inclusive nós, já decepcionamos alguém. o pastor Eduardo – provavelmente, Edward – que passou
Antes de reagir por impulso, pare, respire fundo. por ali, pelo Alto Solimões, a região mais isolada da
E, só então, aja, com equilíbrio. Ame profundamente, Amazônia, no amanhecer dos anos 60. São brasileiros,
risadas gostosas, abrace, proteja pessoas amazonenses, porém não assistem à novela das oito nem
queridas, faça amigos. Pule de felicidade e não tenha ouvem sertanejo universitário. Eles se ligam na TV co-
medo de quebrar a cara – se isso acontecer, encare com lombiana e escutam música importada do país vizinho,
leveza. Se perder alguém nesta vida, sofra comedidamente que ecoa estrondosa dos casebres de madeira. O único
– e vá em frente, pois tudo passa. sinal de que devem passear de vez em quando pela
Mas, sobretudo, não seja alguém que simplesmente Globo é o penteado do Neymar enfeitando as cabeleiras
passa pela vida. Viva intensamente. Abrace o mundo com a escorridas e negras. Não falam português fluentemente.
devida paixão que ele merece. Se perder, faça-o com classe, As crianças nem sequer entendem. A língua dos bate-pa-
se vencer, que delícia! O mundo pertence a quem se pos animados é o ticuna. No entanto, são obrigados a
atreve a ser feliz. Aproveite cada instante dessa gran- aprender matemática, química, física, história, geografia,
de aventura. etc. na língua-pátria. Uma situação insólita: na língua
Agora mesmo, neste , sente-se confor- que não dominam, o português, os jovens precisam ler e
tavelmente na poltrona, com a coluna ereta e de olhos escrever – e prestar exames. E, na língua que dominam,
fechados. Faça vários ciclos de respiração profunda e o ticuna, também encontram limitações na leitura e na
sinta o ar entrando e saindo. Quando sentir seu corpo re- escrita, por tratar-se de uma língua de tradição oral. As-
laxado e sua mente mais calma, pense em sua nova vida, sim caminha a juventude ticuna: soterrada numa salada
mais leve. Desta maneira você viverá mais facilmente. de identidades.
Fonte: Revista Gol – Linhas áreas inteligentes (MONTEIRO, Karla. A pior escola do Brasil? Revista Samuel,
número 1, 2012, p.36-39. Adaptado)
Em que trecho a palavra sublinhada NÃO é um pro-
nome? No trecho do primeiro parágrafo – ... estima-se que haja
A Aceite a decepção que outros lhe causaram. 32 mil ticunas vivendo no Alto Solimões... –, a partícula
 Se perder alguém nesta vida, sofra comedidamente. SE é classicada como partícula apassivadora.
C O mundo pertence a quem se atreve a ser feliz. Assinale a alternativa em que essa partícula é empre-
D Se perder, faça-o com classe. gada com a mesma função.
A Os antigos professores dos ticunas consideravam-
5 Fuvest -se estrangeiros durante suas aulas na escola.
a) “Se eu não tivesse atento e olhado o rótulo, o pacien-  Os ticunas queixam-se de que precisam de um
te teria morrido”, declarou o médico. espaço universitário para dar continuidade aos es-
Reescreva a frase citada, corrigindo a impropriedade tudos.
gramatical que nela ocorre. C Se não fosse o ensino em língua ticuna, os alunos
b) A econologia, combinação de princípios da eco- apresentariam muito mais dificuldades do que hoje.
nomia, sociologia e ecologia, é defendida por D Os habitantes da aldeia esperam que se transmita
ambientalistas como maneira de se viabilizarem for- o conhecimento escolar na língua ticuna.
mas alternativas de desenvolvimento. E A Organização Geral de Professores Ticuna Bilín-
Reescreva a frase anterior, transpondo-a para a voz gues considera que ainda se precisa de mais
ativa. escolas na região.

6 Fatec 2012 Em 2009, a Escola Estadual D. Pedro I, na 7 FGV-SP Explique a ambiguidade da frase em destaque.
aldeia Betânia, onde vivem cinco mil ticunas (estima-se
Nessa região, a densidade demográca é muito baixa:
que haja 32 mil ticunas vivendo no Alto Solimões, entre
há apenas uma pessoa por quilômetro quadrado. É gente
a Amazônia brasileira, a colombiana e a peruana), ficou
que nunca se vê.
na rabeira do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio.
O colégio, frequentado por 600 jovens representantes da
etnia, ostentou o último lugar. 8 Fuvest Responda ao que se pede.
“Há dois ou três anos, todos os professores eram de a) Noticiando o lançamento de um dicionário de filmes
fora da aldeia. A Organização Geral dos Professores Ticuna brasileiros, um jornal fez o seguinte comentário a
Bilíngues foi formando professores indígenas, e o quadro propósito do filme Aluga-se moças, de 1981:
mudou. Nossa escola é muito boa. Tem um ponto de in- O título traz um dos maiores erros ortográcos já vis-
ternet. Há dois anos, temos eletricidade. Nosso problema tos no cinema brasileiro. O título correto do longa
é a língua. Das regiões de Tefé a Tabatinga, predomina a
seria Alugam-se moças.
etnia ticuna. Eu acho que justifica lutar por uma universi-
dade ticuna”, diz Saturnino, um dos poucos fluentes em O comentário e a correção feitos pelo jornal são justi-
português na aldeia Betânia. cáveis do ponto de vista gramatical? Por quê?

34 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


b) Ao lado de um caixa eletrônico de um grande 14 Urca 2012 (Adapt.)
banco, pode ser lido o seguinte aviso:
JUDAS
Em caso de dúvida, somente aceite ajuda de fun-
cionário do banco. Difícil ver povo mais bairrista que aquele de Ma-
Reescreva a frase, posicionando adequadamente o tozinho. A cidade era um ovo perdido no meio de um
termo destacado, de modo que elimine a ambiguida- carrasco. Ali só brota chique-chique para o deleite dos
de nela existente. mocós e das cascavéis. Isolada do mundo, os poucos ha-
bitantes sobreviviam da caça, exatamente como os índios
que os antecederam, e de pequenos comércios de víveres
9 AFA As afirmações a seguir baseiam-se na seguinte es-
indispensáveis. A vila, na época, tinha apenas duas pe-
trofe.
quenas ruas quase paralelas e as casas se entreolhavam
Via-se todo o monte revestido num vis-a-vis monótono, enquanto o tempo se arrastava
de emaranhados troncos, sem pressa. Os dias pareciam até clonados, de tão iguais.
guedelha excelsa dos penedos broncos, O povo, no entanto, era extremamente orgulhoso do seu
que tecendo entre [si] frondosos laços rincão. Carregava consigo uma empáfia, um indisfarçado
eram das nuvens verdes embaraços. ar de superioridade que ao ver um matozense na rua,
Eusébio de Matos. concluir-se-ia rapidamente que devia tratar-se de alguém
vindo de Paris ou New York. Vangloriavam-se do rio que
I. O se é pronome reflexivo. O sujeito é “todo o cortava Matozinho.
monte revestido”. “Monte” é substantivo e signifi- (...)
ca serra; é, também, o núcleo do sujeito. Sabia-se, é certo, que anos atrás o prefeito transferira a
II. Em “de emaranhados troncos”, a preposição in- Semana Santa para junho, porque faltara peixe na cidade.
troduz um complemento nominal. O substantivo Este, no entanto, era assunto proibitivo, até mesmo porque
“emaranhados” quer dizer espaçados. a Semana Santa era o período mais festivo de Matozinho,
III. No verso “guedelha excelsa dos penedos bron- mais até que a Festa da Imaculada Santa Genoveva, a pa-
cos,” “excelsa” é adjetivo que significa grandiosa, droeira da cidade. Havia, em meio a todos os achincalhes
elevada; “broncos” também é um adjetivo e signi- possíveis, um que certamente perfazia na maior injúria que
fica tosco, áspero. se poderia lançar sobre um filho dali. Dito na presença
IV. O adjetivo “emaranhados” e o verbo “tecendo” de qualquer matozense, era motivo para intriga de morte
não se relacionam pelo sentido, pois “tecendo” e briga de sangue:
lembra urdidura e “emaranhados” significa libertos. — “Matozinho é a terra onde Judas morreu fuzilado”!
Um desavisado e raro viajante que chegasse à vila
Estão incorretas as armações: imediatamente se avisava do risco que passaria se aquele
A II e III. delicado assunto viesse à baila. Não se podia falar de
 I e III. corda na terra em que Judas não foi enforcado. Mas como
C I, II e IV. diabo surgiu essa infuca? Que história transladou no espa-
D III e IV. ço para que em torno dela gravitasse tamanho asteroide,
prestes ao mais profundo e destrutivo impacto?
Texto para as questões de 10 a 13. (....)
Aproximando-se o ponto culminante da solenidade,
Do Poeta para Affonso Sant’Anna Jojó puxando fogo, forçando uns ares esnobes, começa
O que não declamei, sufocou-me. a ler o testamento para uma plateia irrequieta e pouco
O que não reclamei, feriu-me. atenta. Os versos tinham rimas tão pobres quanto o povo
O que não bebi, vomitou-se. que as escutava. Havia, no entanto, uma bem dosada pi-
O que não gritei de prazer, sangrou-se. cardia nas estrofes recitadas, tão ao gosto do populacho.
O que deixei para depois, até logo-se. No meio da turba estava Zé Patife, um bodegueiro ascen-
R. Onada. dente naquelas bandas e que apesar de ter uma mulher
muito falada, andava metido a besta e contando vantagem,
depois que o pequeno negócio começou a prosperar. Pois
10 O autor quebra o paralelismo gramatical em um dos bem, houve já um princípio de tumulto quando Fubuia
versos. Justifique. leu no testamento:
“E deixo pra Zé Patife,
11 Que contribuição estilística dá ao poema o uso da pa- Que anda cagando goma,
lavra “se” nos três últimos versos? Uma bainha pros chifre
E as cueca de Zé Maromba”
Zé Maromba era um “drome-sujo” da cidade, cujo es-
12 Explique o efeito expressivo em “O que não bebi, vo- tado higiênico das roupas íntimas não podia condizer com
mitou-se”. a ascensão financeira de Patife. A turma do deixa-disso
FRENTE 1

conseguiu controlar nosso comerciante, com grande difi-


13 Dada a sua função expressiva no verso, como pode- culdade, até que soasse a estrofe seguinte do testamento.
ríamos classificar o “se” em “até logo-se”? Mergulhado na multidão, encontrava-se Chico Magarefe

35
que, recentemente, estivera à beira da separação, quando e a aguardada explosão se deu. Antes que as crianças
a esposa descobriu tinha uma sócia. Chico passou por voltassem e, já sem qualquer temor, esfolassem o pouco
maus bocados, andou gastando mais de cinco litros de que restara de Escariotes, alguém gritou para a posteridade:
saliva para reconquistar a mulher. Aquela era exatamente — Menino! Nesta terra até Judas foi fuzilado!
a primeira aparição pública do casal, após terem fuma- (VIERA, J. Flávio. Matozinho vai à guerra. Fortaleza:
Expressão Gráfica e Editora, 2007, p. 54.)
do juntos o cachimbo da paz. Tanto esforço de sedução
foi desfeito, quando recebeu a herança de Escariotes, na Observe o fragmento abaixo:
locução de Jojó: “...concluir-se-ia rapidamente que devia tratar-se de
“E pra Chico Magarefe alguém vindo de Paris ou New York. Vangloriavam-se,
Casado com mulher bruta, do rio que cortava Matozinho.” (primeiro parágrafo).
Pra do cabaré ser o chefe O uso do pronome se encontra justicativa nas regras
Deixo dois centos de puta” gramaticais do português padrão. Dadas as alternati-
Chico, revoltado, vendo todo esforço desfeito, sacou vas, a que não se justica por essas regras é:
do revólver, no que foi seguido por Zé Patife. Pensaram A “Firmou-se no ramo de sacoleiro”.
até que seria Fubuia o destinatário das balas. Mas que  “De repente, deu-se a tragédia”.
nada! Enquanto o povo fazia bunda de ema, eles criva- C “Constatou-se o primeiro caso de dopping”.
vam o boneco ingrato de balas. Um dos projéteis foi de D “Se acheguem à I Olimpíada de Matozinho!”
encontro à bomba adormecida nas entranhas do apóstolo E “Dir-se-ia que os caminhos do humano estão difíceis”.

36 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 A palavra “se”


RossHelen/Shuttestock.com
FRENTE 1

CAPÍTULO Sintaxe dos pronomes


O pronome é uma classe gramatical cujo signicado está no contexto. O “eu”, o “tu” e o

8
“nós” servem para múltiplos seres, e é a partir do texto que sabemos de quem se trata.
O pronome refere-se às pessoas do discurso: a primeira (quem fala), a segunda (com
quem se fala) e a terceira (de quem se fala). Neste capítulo, estudaremos o emprego dos
pronomes pessoais.
Os pronomes do caso reto e do caso Os políticos discursavam para eu ouvir.
(eu = sujeito de ouvir)
oblíquo Entre eu comprar e tu chorares, é melhor que eu compre.
Os pronomes do caso reto exercem a função de sujeito (eu/tu = sujeitos de comprar e chorar, respectivamente)
e os do caso oblíquo exercem, principalmente, a função
de complemento do verbo ou do nome. As formas tônicas Saia da frente,
podem exercer as funções de objeto direto preposiciona- a calçada é
do, objeto indireto, agente da passiva e adjunto adverbial. para mim passar!

Reto Oblíquo átono Oblíquo tônico

eu me mim, comigo Cavalheiro, a calçada é


de todos, inclusive para
tu te ti, contigo EU sentar!!
ele/ela o, a, lhe, se ele, ela, si, consigo

nós nos nós, conosco

vós vos vós, convosco

eles/elas os, as, lhes, se eles, elas, si, consigo


Tab. 1 Pronomes dos casos reto e oblíquo.

Para entender melhor a tabela acima, leve em conta Fig. 1 Emprego de pronomes. Estão corretos?
os seguintes aspectos. Se a primeira pessoa (ou segunda) não for o sujeito da
a. A diferença entre o oblíquo átono e o tônico, além da oração, empregar-se-ão os oblíquos.
pronúncia (o tônico é pronunciado com mais intensi-
dade), é o fato de que o segundo está acompanhado Estudar foi fácil para mim.
(Estudar = sujeito do verbo ser)
da preposição (nos átonos, se o verbo ou o nome pe-
Entre mim e ti, restam ilusões.
dir preposição, ela estará subentendida):
(Ilusões = sujeito do verbo restar)
Ofereceu a ti.
Ofereceu-te. Atenção
b. Nas formas comigo, contigo, consigo, conosco e con- Entre eu e tu, restam ilusões.
vosco, a preposição está contida no próprio pronome (Linguagem coloquial)
(conosco = com + nosco); trata-se de formas adver-
biais.
c. Os pronomes do caso reto ele, nós, vós e eles apa- Há alguns casos, todavia, em que os pronomes eu e
recem na língua precedidos de preposição em outras tu não funcionam como sujeitos, apesar de estarem corre-
funções sintáticas: tamente empregados:
a. após as preposições acidentais (em expressões de
Eu não falo com ele [Jader] por uma questão de higiene.
função adverbial) afora, fora, exceto, menos, salvo,
Antônio Carlos Magalhães. Veja, 18 out. 2000.
segundo, tirante:
Na linguagem coloquial, é comum o uso não normati- Salvo eu, todos partiram.
vo desses pronomes (na função de complemento sem (veja que, nesse caso, o sujeito é todos)
preposição). É o caso do texto abaixo, em que o uso b. na função de predicativo do sujeito:
do sic denuncia o erro: Nas minhas terras, o rei sou eu.
Não sou projetada. A coxa é minha, o abdome tam- Alexandre Herculano.
bém. Inclusive o peito é meu, eu comprei ele [sic]. c. na função de vocativo:
Joana Prado, a Feiticeira. Veja, 13 set. 2000.
Ó tu, que vens de longe!
d. O pronome nós pode significar eu e tu, eu e vós, eu e Alceu Wamosy.
ele ou eu e eles; vós é o plural de tu, mas pode signi-
ficar também tu e ele ou tu e eles. Emprego dos auxiliares causativos e
sensitivos
Emprego de pronomes Os auxiliares causativos e sensitivos, seguidos de
pronome pessoal e verbo no infinitivo, apresentam uma
Emprego de eu, tu, mim, ti estrutura atípica: o pronome oblíquo é sujeito do infinitivo
Os pronomes eu e tu funcionam sintaticamente como (contrariando a regra de que apenas os do caso reto fun-
sujeitos da oração. cionam como sujeito). Observe.

38 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


Linguagem coloquial: Convidei-lhe para jantar. → inadequado (coloquial)
Convidei-a para jantar. → adequado (culto)
Mandou eu sair.
Fiz ela chorar. Nas frases acima, o verbo convidar é transitivo direto;
pede, pois, o pronome oblíquo a, e não lhe.
Linguagem culta:
Mandou-me sair. me = sujeito de sair
Atenção
Fi-la chorar. a = sujeito de chorar
São auxiliares causativos deixar, mandar e fazer; são O pronome lhe pode exercer as funções de objeto indireto, adjunto
adnominal (com valor possessivo, seu, sua, seus, suas) ou comple-
auxiliares sensitivos ver, ouvir, escutar, sentir etc.
mento nominal (completando o nome).

Emprego de o, a, os, as, lhe, lhes Não lhe ofereci o cargo.

oferecer a ele (a você) → objeto indireto


Arranquei-lhe as ideias.

arranquei as suas ideias → adjunto adnominal

Eu lhe amo, A gravata não lhe é compatível.


Luana Luar!
não é compatível a ele (a você) → complemento nominal
Eu
lhe amo é brega e possui
erro de regência, Clodisvaldo!
O certo é "eu a amo" ou Emprego de se, si, consigo
"eu te amo". Esses pronomes são reflexivos (referem-se ao próprio
sujeito) e pedem sujeito na terceira pessoa.
O mestre levava o saber consigo.
Luana
Luar, você fica tão bonita 3a pessoa 3a pessoa
quando corrige eu!
É frequente, na oralidade, o desrespeito à norma.
"... Compare:
quando me corrige",
Clodisvaldo! Você não acerta Linguagem coloquial
uma! Leia este capítulo, Nós se entendemos?
vá! Voltei a si, ufa!
Fig. 2 Emprego de pronomes.
Vou consigo, tá?

Os pronomes o, a, os, as são formas objetivas diretas, Linguagem culta


isto é, são empregados quando o verbo não exige pre- Nós nos entendemos.
posição. ou
Eles se entenderam.
Se todos os recursos usados nas políticas sociais do Bra- Voltei a mim.
sil fossem jogados de um helicóptero, os pobres teriam mais ou
chances de recebê-los [...] Voltou a si.
Ricardo Paes de Barros. Veja, 25 out. 2000.

No texto acima, o pronome os (-los) completa o sentido Vou contigo. (com você)
de um verbo transitivo direto, receber (receber os recursos). ou
Já os pronomes lhe, lhes são formas objetivas indiretas, Vai consigo mesmo.
isto é, são utilizados quando o verbo (em alguns casos, o Para evitar a ambiguidade em frases com a partícu-
nome) exige preposição. la se (reflexivo ou recíproco?), empregam-se os apostos
O vizinho usa o quintal dele como toalete para seu ca- esclarecedores a si mesmo (a si próprio) e um ao outro
chorro, as mães roubam a sua vez na fila do supermercado, as (mutuamente).
crianças não lhe obedecem [...]
Comentário sobre o filme Os desabusados. Veja, 11 out. 2000. As combinações pronominais
O pronome oblíquo lhe completa o sentido de um ver- A língua registra os seguintes casos:
bo transitivo indireto, obedecer (não obedecem a ele). Esse I. mo = me + o II. to = te + o
FRENTE 1

pronome oblíquo pode referir-se à pessoa de quem se fala, ma = me + a ta = te + a


a ele, a ela, ou à pessoa com quem se fala (o interlocutor). mos = me + os tos = te + os
É comum seu emprego indevido na oralidade: mas = me + as tas = te + as

39
III. lho = lhe + o II. vo-lo = vos + o Com isso, o enunciador revela seu interesse pelo ocor-
lha = lhe + a vo-la = vos + a rido; trata-se de um recurso expressivo.
lhos = lhe + os vo-los = vos + os
lhas = lhe + as vo-las = vos + as O paralelismo
I. no-lo = nos + o III. lho = lhes + o
A norma exige concordância entre as pessoas do dis-
no-la = nos + a lha = lhes + a
curso; verbo e pronome precisam estar na mesma pessoa
no-los = nos + os lhos = lhes + os
quando se referem a um mesmo interlocutor. Compare:
no-las = nos + as lhas = lhes + as
Trata-se de formas concisas: em uma só palavra, temos Transgressão à norma
o objeto direto e o indireto.
Você é um bom garoto, eu te admiro.
Eu vo-la dei. = Eu dei a vós (vo) a boneca (la).
Eles mo deram. = Eles deram o chá (o) a mim (me). 3a pessoa 2a pessoa

As formas lo, la, los, las e no, na, nos, nas Obediência à norma
Você é um bom garoto, eu o admiro.

3a pessoa 3a pessoa

É frequente a falta de concordância quando o falante


utiliza, concomitantemente, o imperativo e o pronome de
tratamento você.

Transgressão à norma
Sai daqui, você está atrapalhando.

2a pessoa 3a pessoa

Obediência à norma
Saia daqui, você está atrapalhando.

Fig. 3 Emprego da forma lo.


3a pessoa 3a pessoa
Quando o verbo terminar em r, s, z, os pronomes o, a, O desrespeito à norma deve ser tratado nesse caso
os, as receberão o l. como variante linguística (variante popular), visto que seu
Fiz o trabalho. = Fi-lo. uso está cristalizado na maioria das regiões do país.
Quis o serviço. = Qui-lo.
Amar as flores. = Amá-las. Particularidades
Se terminado em ditongo nasal ou m, o pronome que Eis algumas particularidades a respeito das pessoas
segue deverá receber o acréscimo do n. gramaticais:
a. plural de modéstia (primeira pessoa do plural no lugar
Põe a mesa! = Põe-na!
da primeira do singular: evitar o tom impositivo).
Amavam a melodia de Jobim. = Amavam-na.
Nós explicamos na aula passada a teoria...
Recursos enfáticos e expressivos b. plural majestático (primeira pessoa do plural no lugar
A língua apresenta vários recursos expressivos que da primeira do singular: símbolo de poder).
utilizam os pronomes pessoais. Eis alguns deles:
Nós El-Rei fazemos saber.
a. o objeto direto pleonástico: Celso Cunha. Gramática da Língua Portuguesa.
O amor, ela o procurou em todos os homens que teve.
(amor = o) c. fórmula de cortesia (terceira pessoa do singular no lu-
b. o anacoluto (quebra da sequência sintática): gar da primeira do singular: por deferência).
Eu me parece que o senhor está enganado. Danilo Gomes de Carvalho, aluno desta universidade,
(Eu = me) requer...
c. o pronome tônico reforçando o átono:
d. pronome vós de cerimônia (segunda do plural no lu-
Que me importa a mim a glória?
(me = a mim) gar da segunda pessoa do singular: polidez, apreço).
d. o pronome de interesse me (sem função sintática): Bem, bem! Escusai-me vós. Tendes razão, Duque.
Você me anda com a Espingarda?! Como? Celso Cunha. Gramática da Língua Portuguesa.

40 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


Revisando
Texto para as questões de 1 a 4. Texto para as questões de 5 a 9.

Há quanto tempo eu vinha me procurando


O amor e o uso dos pronomes
Quanto tempo faz, já nem lembro mais
meu amor me presenteia com flores esquecidas na rua Sempre correndo atrás de mim feito um louco
meu amor tem pesadelos para que eu durma quentinha Tentando sair desse meu sufoco
meu amor é um urso com a pelúcia por dentro Eu era tudo que eu podia querer
Era tão simples e eu custei pra aprender
meu amor é meu Daqui pra frente nova vida eu terei
: porque essa língua é surda Sempre a meu lado bem feliz eu serei
nos enrosca e troça
e só pensa nos possessivos. Eu me amo, eu me amo
Ana Rüsche. Disponível em: <http://peixedeaquario.zip.net/ Não posso mais viver sem mim
arch2007-01-01-2007-01-31.html>. Acesso em: 12 jun. 2010.
Como foi bom eu ter aparecido
Nessa minha vida já um tanto sofrida
Já não sabia mais o que fazer
1 Identifique, na primeira estrofe, um pronome oblíquo Pra eu gostar de mim, me aceitar assim
átono e esclareça a quem ele se refere. Eu que queria tanto ter alguém
Agora eu sei sem mim eu não sou ninguém
Longe de mim nada mais faz sentido
Pra toda vida eu quero estar comigo
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim

Foi tão difícil pra eu me encontrar


É muito fácil um grande amor acabar, mas
Eu vou lutar por esse amor até o fim
2 Em “para que eu durma”, observa-se o emprego de Não vou mais deixar eu fugir de mim
pronome pessoal do caso reto. Justifique seu empre- Agora eu tenho uma razão pra viver
go do ponto de vista sintático. [...]
Roger Rocha Moreira. “Eu me amo”. Intérprete: Ultraje a Rigor. In: Nós vamos
invadir sua praia. Rio de Janeiro: Warner Chappell, 2001. CD. Faixa 9.

5 Em que medida a letra surpreende? Explique também


do ponto de vista das pessoas gramaticais.

3 Explique a ambiguidade em “meu amor é meu”.

6 Passe o oblíquo átono para a terceira pessoa do


4 A quem se refere o pronome oblíquo “nos” na segun- singular:
da estrofe? “Eu me amo”
FRENTE 1

41
7 Considere o excerto: 9 As transgressões à norma no texto em exame estão
em conformidade com o contexto? Justifique.
“Foi tão difícil pra eu me encontrar”
Embora pareça estar correta a frase, na realidade ela
fere a norma no que tange ao emprego do pronome
pessoal. Corrija e escreva em ordem direta.

10 Leia o texto a seguir.

Então
você me compra uma É, pai,
Ferrari com o dinheiro da é aquela música do
herança de seu avô?! Gonzaguinha: “Sonho
meu...”

8 Considere este outro excerto:


“Não vou mais deixar eu fugir de mim”
Reescreva a frase obedecendo à norma culta.

Explique o efeito de sentido que o pronome dá à frase


e ao diálogo.

Exercícios propostos
1 Mackenzie Identifique a série de pronomes que com- 3 EPCar 2020 (Adapt.)
pleta adequadamente as lacunas do seguinte período.
Os desentendimentos existentes entre e
Ladainha II
advêm de uma insegurança que a vida es- Por que o raciocínio,
tabeleceu para traçar um caminho que vai os músculos, os ossos?
de a . A automação, ócio dourado.
A eu – tu – eu – mim – tu O cérebro eletrônico, o músculo mecânico
 mim – ti – mim – mim – tu mais fáceis que um sorriso.
 mim – ti – eu – mim – ti Por que o coração?
 eu – ti – mim – mim – tu O de metal não tornará o homem mais cordial,
E eu – ti – eu – mim – ti dando-lhe um ritmo extra-corporal?
Por que levantar o braço
2 Explique a ambiguidade na frase a seguir: para colher o fruto?
Maria e João iludiram-se. A máquina o fará por nós.

42 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


Por que labutar no campo, na cidade? caso haja um escritor a bordo, favor se apresentar a um
A máquina o fará por nós. de nossos comissários”?
Por que pensar, imaginar? Eu não me abalaria. Fecharia o jornal, sem afobação,
A máquina o fará por nós. poria uma Bic e um guardanapo no bolso, iria até a senho-
Por que fazer um poema? ra gorducha e me agacharia ao seu lado. Conversaríamos
A máquina o fará por nós. baixinho. Ela me confessaria, quem sabe, estar prestes a
Por que subir a escada de Jacó? reencontrar o filho, depois de dez anos brigados: queria
A máquina o fará por nós. falar alguma coisa bonita pra ele, mas não era boa com
Ó máquina, orai por nós. as palavras. Eu faria uma rápida anamnese (4): perguntaria
(RICARDO, Cassiano. Jeremias sem-chorar. os motivos da briga, se o filho estava mais pra Proust ou
Rio de Janeiro: José Olympio, 1964.)
pra UFC (5), levantaria recordações prazerosas da rela-
Sobre o emprego de pronomes no texto, é correto ção e, antes de tocarmos o solo, entregaria à mulher três
armar que parágrafos capazes de verter lágrimas até da estátua do
A no verso “dando-lhe um ritmo extra-corporal?”, o Borba Gato.
pronome “lhe” exerce função sintática de comple- De volta ao meu lugar, passageiros me cumprimenta-
mento nominal. riam e compartilhariam histórias semelhantes. Uma jovem
 no verso “A máquina o fará por nós”, o pronome “o” mãe me contaria do primo poeta que, num restaurante,
exerce função de objeto direto. ao ouvir os apelos do garçom —”Um escritor, pelo amor
 no verso “Por que levantar o braço”, o termo “que” de Deus, um escritor!”—, tinha sido levado até um rapaz
classifica-se como pronome relativo. apaixonado e conseguido escrever seu pedido de casa-
 no verso “Ó máquina, orai por nós”, a substituição mento no cartão de um buquê antes que a futura noiva
pela forma “orai-nos” manteria a correção sintática voltasse do banheiro.
Um senhor comentaria o caso muito conhecido do
e semântica.
romancista que, após as súplicas de mil turistas, fora capaz
de convencer 200 tripulantes de um cruzeiro a abandonar
4 Cefet-MG 2020 o gerúndio.
Um escritor! Um escritor! Eu sorriria, de leve. Diria “Pois é, se você escolheu
essa profissão, tem que estar preparado pras emergências”,
Antônio Prata* então recusaria, educadamente, o segundo saquinho de
Com o jornal numa mão e um guaraná diet na outra, amendoins que a aeromoça me ofereceria e voltaria, como
eu caminhava pelas ruas de Kiev, desviando de barrica- se nada tivesse acontecido, para as bombas da Crimeia
das e coquetéis molotov (1), quando a voz no sistema de (6), com meu copo de guaraná.
som me trouxe de volta à poltrona 11C do Boeing 737: *Antonio Prata
“Atenção, senhores passageiros, caso haja um médico a Escritor e roteirista, autor de Nu, de Botas. Jornal Folha de S.Paulo,
bordo, favor se apresentar a um de nossos comissários”. 25 maio 2014. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/
colunas/antonioprata/>. Acesso em: 27 ago. 2019.
Foi aquele discreto alvoroço: todos cochichando,
olhando em volta, procurando o doente e torcendo por Vocabulário de apoio:
um doutor, até que, do fundo da aeronave, despontou o 1 - Kiev: capital e maior cidade da Ucrânia. No trecho:
nosso herói. Vinha com passos firmes — grisalho, como “eu caminhava pelas ruas de Kiev, desviando de bar-
convém —, a vaidade disfarçada num leve enfado, como ricadas e coquetéis molotov”, o autor se refere ao
um Clark Kent que, naquele momento, estivesse menos tema do livro (Guerra da Crimeia) que ele lia, enquan-
interessado em demonstrar os superpoderes do que em to estava no voo. Os termos ‘barricadas’ (trincheiras
comer seus amendoins. feitas de improviso) e ‘coquetéis molotov’ (tipo de
Um comissário o encontrou no meio do corredor e o arma química, geralmente usada em guerrilhas) estão
levou, apressado, até uma senhora gorducha que segurava relacionados ao tema da leitura feita pelo autor.
a cabeça e hiperventilava na primeira fileira do avião. 2 - fagocitada: neologismo criado a partir de fagoci-
O médico se agachou, tomou o pulso, auscultou peito tose: processo de ingestão e destruição de partículas
e costas, conversou baixinho com ela, depois falou com sólidas, como bactérias ou pedaços de tecido necro-
a aeromoça. Trouxeram uma caixa de metal, ele deu um sado, por células ameboides chamadas de fagócitos
comprimido à mulher e, nem dez minutos mais tarde,
[tem como uma das funções a proteção do organis-
voltou pros seus amendoins, sob os olhares admirados
mo contra infecções.]; no texto, ‘fagocitada’ pode ser
de todos.
substituída por ‘devorada’.
Ou de quase todos, pois a minha admiração, devo
admitir, foi rapidamente fagocitada (2) pela inveja. Ora,
3 - No trecho: “quando a medicina nasceu, com Hipó-
quando a medicina nasceu, com Hipócrates, a história de crates, a história de Gilgamesh (...)”, o autor se refere
Gilgamesh (3) já circulava pelo mundo havia mais de dois a Hipócrates – pensador grego, considerado “pai da
milênios: desde tempos imemoriais, enquanto o corpo Medicina” – e a Gilgamesh - rei da Suméria, mais co-
seguia ao deus-dará, a alma era tratada por mitos, versos, nhecido atualmente por ser o personagem principal
FRENTE 1

fábulas — e, no entanto... da Epopeia de Gilgamesh, um épico mesopotâmico


No entanto, caros leitores, quem aí já ouviu uma ae- preservado em tabuletas escritas com caracteres
romoça pedir, ansiosa: “Atenção, senhores passageiros, cuneiformes (o mais antigo tipo de escrita do mundo).

43
4 - anamnese: lembrança, recordação pouco precisa. E tudo se torna muito mais simples para eles graças a isso.
No campo da medicina, anamnese é um histórico que Sua trajetória parte do zero, mas de vitórias e realizações
vai desde os sintomas iniciais até o momento da ob- anteriores.
servação clínica, realizado com base nas lembranças Se um desses descendentes sofrer de uma forma de
do paciente. amnésia total, não conseguirá aproveitar nada do que seus
5 - No trecho: “se o lho estava mais pra Proust ou ancestrais fizeram. Ele não terá a memória das outras ex-
pra UF”, o autor se refere a um escritor francês periências. Vai ter que começar do nada. Chegando a uma
(Proust, importante escritor no cenário da literatu- terra estranha e inexplorada, pode nem ao menos tratar
de se situar, ver onde há água, de onde vem o vento, que
ra mundial) e a UF, cuja sigla em inglês, Ultimate
animais e plantas existem nas redondezas... Talvez procure
Fighting Championship, designa uma organização
um abrigo na areia onde a cheia do rio o carregue ou onde
de MMA (Artes Marciais Mistas) que produz eventos
as feras vêm beber água. Não aprendeu com quem viveu
ao redor de todo o mundo.
antes. Não tem uma experiência anterior que lhe informe
6 - bombas da rimeia: referência à Guerra da Cri-
nada. Não sabe pescar nem cozinhar, não maneja uma
meia (1853-1856), assunto do livro que o autor lia ferramenta, desconhece armas e utensílios. Pior ainda,
durante o voo. pode estar em frente à casa que herdou e não saber para
O termo o foi utilizado para retomar um termo ante- que serve aquilo. Pode ouvir o chamado de seus vizinhos
cedente (tem o uso equivalente ao de um pronome e não entender o que lhe dizem.
demonstrativo) em Reduzido ao instinto, o pobre desmemoriado terá
A Ela me confessaria, quem sabe, estar prestes a sua própria sobrevivência ameaçada. Um caso de trágico
reencontrar o filho, depois de dez anos brigados desperdício.
Ou então, pode-se imaginar alguém que deseja muito
[...]”.
melhorar de vida e tem na sala uma arca cheia de tesouros
 “O médico se agachou, tomou o pulso, auscultou
que os avós e os pais lhe deixaram. Mata-se de trabalhar,
peito e costas, conversou baixinho com ela, depois
mas nunca supôs que aquele baú fosse mais do que uma
falou com a aeromoça.”
caixa vazia. Jamais teve o impulso de arrombá-lo ou a
 “[...] todos cochichando, olhando em volta, procu-
curiosidade de procurar uma chave que o abrisse. Todo
rando o doente e torcendo por um doutor, até que, aquele patrimônio, ali pertinho, ao seu alcance, não lhe
do fundo da aeronave, despontou o nosso herói”. serve para nada. Um monumento à inutilidade.
 “Um comissário o encontrou no meio do corredor De alguma forma, toda a humanidade passa por riscos
e o levou, apressado, até uma senhora gorducha semelhantes. Temos de herança o imenso patrimônio da
que segurava a cabeça e hiperventilava na primei- leitura de obras valiosíssimas que vêm se acumulando
ra fileira do avião.” pelos séculos afora. Mas muitas vezes nem desconfiamos
disso e nem nos interessamos pela possibilidade de abri-
5 Leia a frase a seguir. -las, ao menos para ver o que há lá dentro. É uma pena e
A mãe disse à lha que ela estava errada. um desperdício.
Talvez essa seja a primeira razão pela qual eu sempre
Que tipo de problema a frase apresenta? Resolva-o quis explorar tudo o que eu pudesse nessa arca e, mais
com as mínimas alterações possíveis. tarde, aproximar meus filhos dos clássicos. Porque eu sei
que é um legado riquíssimo, que se trata de um tesouro
inestimável que nós herdamos e ao qual temos direito. Se-
6 CMRJ 2020 (Adapt.)
ria uma estupidez e um absurdo não exigir nossa parte ou
Imaginemos uma situação. Há muitos e muitos anos. simplesmente abrir mão da parte que nos pertence e deixar
Alguém chega a uma terra estranha e inexplorada. Trata que os outros se apoderem de tudo sem dividir conosco.
de se situar, ver onde há água, de onde vem o vento, que Ah, sim, porque esse risco também sempre esteve
animais e plantas existem nas redondezas. Após algumas presente na história da humanidade. Tradicionalmente,
tentativas fracassadas, conclui que certo ponto é o local a leitura devia ser para poucos porque ela é sempre um
mais adequado para providenciar um abrigo. Trata de elemento de poder e podia ameaçar as minorias que
construí-lo e torná-lo o mais confortável possível. Depois controlavam os livros (e o conhecimento, o saber, a infor-
encontra alguns vizinhos distantes, com outras vivências mação). Esses ideais de alfabetização para todos e acesso
diferentes. Trocam experiências, fazem amizade, incor- amplo aos livros são muito recentes na História. Mas como
poram mutuamente as descobertas um do outro. Em mais estão aí e não há mais jeito para conseguir manter a mas-
algum tempo, constitui-se um novo núcleo familiar. A casa sa na ignorância total, até parece que surgiu outra tática
cresce, ganha uma plantação, um cercadinho para os ani- de propósito: distrair a maioria da população com outras
mais. Faz-se uma estradinha e uma ponte para facilitar o coisas, para que ela nem perceba que tem uma arca cheia
convívio com os amigos. Novas e crescentes conquistas e de um rico tesouro bem à sua disposição, pertinho, ali no
aquisições. E assim por diante. Por várias gerações. canto da sala. (...)
Alguns descendentes podem resolver explorar outros Assim, à minha reivindicação de ler literatura (o que,
lugares. Mas levam a memória da casa, da plantação, evidentemente, inclui os clássicos), porque é nosso direito,
das comidas, da ponte. Levam as ferramentas inventadas, vem se somar uma determinação de ler porque é uma for-
os utensílios desenvolvidos, as lembranças acumuladas. ma de resistência. Esse patrimônio está sendo acumulado

44 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


há milênios, está à minha disposição, uma parte é minha d consigo – eu – mim – mim
e ninguém tasca. (...) e contigo – eu – mim – mim
Direito e resistência são duas boas razões para a gente
chegar perto dos clássicos. Mas há mais. Talvez a principal
8 ETFs Use eu ou mim.
seja o prazer que essa leitura nos dá.
“É difícil, para , esquecer tantas injustiças.”
(MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde
cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 16-19. (Texto adaptado.) “Se é para pagar, desista; não tenho dinheiro.”

“Trata de construí-lo e torná-lo o mais confortável pos-


9 UFPR Assinale a alternativa que substitui corretamente
sível”. (1º parágrafo)
as palavras destacadas.
O emprego do pronome pessoal oblíquo é um dos
recursos coesivos na construção do texto. Nesse I. Assistimos à inauguração da piscina.
trecho, as duas ocorrências do pronome fazem refe- II. O governo assiste os flagelados.
rência ao vocábulo III. Ele aspirava a uma posição de maior destaque.
a onde. d ponto. IV. Ele aspira o aroma das flores.
b local. e abrigo. V. O aluno obedece aos mestres.
c certo.
a lhe, os, a ela, a ele, lhes
b a ela, os, a ela, o, lhes
7 UFV Das alternativas abaixo, apenas uma preenche de c a ela, os, a, a ele, os
modo correto as lacunas das frases. Assinale-a. d a ela, a eles, lhe, lhe, lhes
Quando saíres, avisa-nos, que iremos . e lhe, a eles, a ela, o, lhes
Meu pai deu um livro para ler.
Não se ponha entre e ela.
10 Fuvest Substitua, em cada oração abaixo, o pronome
Mandou um recado para você e .
de primeira pessoa pelo de terceira.
a contigo – eu – eu – eu
) “...às vezes me repreendia...”
b com você – mim – mim – mim
) “...porque me negara uma colher de doce...”
c consigo – mim – mim – eu

11 Etec 2019 Observe as passagens:

I “Candidato, m ajuda  comer, candidato!”


“Ms é claro qu te ajudo! Tem í um sanduíche para 
II
gente dividir?”

Assinale a alternativa que apresenta a análise correta da função morfológica dos termos destacados nas passagens.

I II
m  Ms qu í 

a Pronome pessoal Preposição Conjunção Conjunção Advérbio Artigo

b Pronome indefinido Artigo Preposição Pronome relativo Advérbio Preposição


Pronome pes-
c Pronome reflexivo Conjunção Conjunção Pronome relativo Advérbio
soal
Pronome
d Pronome pessoal reto Preposição Preposição Pronome relativo Artigo
pessoal
Pronome
e Pronome pessoal Pronome pessoal Conjunção Conjunção Preposição
demonstrativo

12 EsPCEx 2019 Analise as duas frases abaixo:


I. Os ladrões estão roubando! Prendam-nos!
II. Somos os assaltantes! Prendam-nos!
Assinale a alternativa cuja descrição gramatical dos termos sublinhados está correta.
a Em I, “nos” é pronome pessoal oblíquo da 1ª pessoa do plural. Em II, “nos” é pronome pessoal oblíquo da 3ª pessoa
do plural.
b Ambos são pronomes pessoais oblíquos referentes à 1ª pessoa do plural.
c Em I, “nos” é pronome reto da 3ª pessoa do plural. Em II, “nos” é pronome reto da 1ª pessoa do plural.
FRENTE 1

d Em I, “nos” é pronome pessoal oblíquo da 3ª pessoa do plural. Em II, “nos” é pronome pessoal oblíquo da 1ª pessoa
do plural.
e Ambos são pronomes pessoais retos referentes à 1ª pessoa do plural.

45
13 Cesgranrio Assinale a opção em que o pronome lhe Ninguém imaginará que, topando os obstáculos
apresenta o mesmo valor significativo que possui em: mencionados, eu haja procedido invariavelmente com
Uma espécie de riso sardônico e feroz contraía-lhe as segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos.
negras mandíbulas. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos,
a A mãe apalpava-lhe o coração. desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas.
b Aconteceu-lhe uma desgraça. Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube
quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz
c Tudo lhe era diferente.
coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins
d Ao inimigo não lhe nego perdão.
que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir
e Não lhe contei o susto por que passei.
as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que
me levaram a obtê-las.
14 Fuvest Reescreva a frase seguinte, substituindo o pro- Alcancei mais do que esperava, mercê de Deus. Vie-
nome destacado por outro, sem alterar o sentido do ram-me as rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio
período. se esquivava, agarrou-se comigo, as taxas desceram. E os
O barbeiro não parou de falar, enquanto cortava os negócios desdobraram-se automaticamente. Automatica-
meus cabelos. mente. Difícil? Nada! Se eles entram nos trilhos, rodam
que é uma beleza. Se não entram, cruzem os braços. Mas
15 Fuvest Leia o seguinte trecho. se virem que estão de sorte, metam o pau: as tolices que
praticarem viram sabedoria. Tenho visto criaturas que
E como sempre tive a intenção de possuir as terras trabalham demais e não progridem. Conheço indivíduos
de São Bernardo, considerei legítimas as ações que me preguiçosos que têm faro: quando a ocasião chega, de-
levaram a obtê-las. senroscam-se, abrem a boca – e engolem tudo.
Graciliano Ramos. Eu não sou preguiçoso. Fui feliz nas primeiras tenta-
) Este período está em primeira pessoa. Como fica- tivas e obriguei a fortuna a ser-me favorável nas seguintes.
ria em terceira pessoa? Depois da morte do Mendonça, derrubei a cerca, na-
turalmente, e levei-a para além do ponto em que estava no
) A quem se referem os pronomes: que, me e las?
tempo de Salustiano Padilha. Houve reclamações.
– Minhas senhoras, seu Mendonça pintou o diabo
16 Cesgranrio Assinale a opção em que o pronome me enquanto viveu. Mas agora é isto. E quem não gostar, pa-
tem valor reflexivo. ciência, vá à justiça.
a Nenhum livro com força de me prender. Como a justiça era cara, não foram à justiça. E eu, o
b O ar frio da madrugada dava-me sono. caminho aplainado, invadi a terra do Fidélis, paralítico de
c Um incidente qualquer me desviava deles. um braço, e a dos Gama, que pandegavam no Recife, estu-
d Trancava-me no quarto fugindo do aperreio. dando Direito. Respeitei o engenho do Dr. Magalhães, juiz.
e Era a única coisa que me seduzia. Violências miúdas passaram despercebidas. As ques-
tões mais sérias foram ganhas no foro, graças às chicanas
17 Unesp 2019 (Adapt.) Leia o trecho do romance S. de João Nogueira.
Bernardo, de Graciliano Ramos, para responder à Efetuei transações arriscadas, endividei-me, importei
questão. maquinismos e não prestei atenção aos que me censura-
vam por querer abarcar o mundo com as pernas. Iniciei
O caboclo mal-encarado que encontrei um dia em a pomicultura e a avicultura. Para levar os meus produtos
casa do Mendonça também se acabou em desgraça. Uma ao mercado, comecei uma estrada de rodagem. Azevedo
limpeza. Essa gente quase nunca morre direito. Uns são Gondim compôs sobre ela dois artigos, chamou-me pa-
levados pela cobra, outros pela cachaça, outros matam-se. triota, citou Ford e Delmiro Gouveia. Costa Brito também
Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra, publicou uma nota na Gazeta, elogiando-me e elogiando
bateu-lhe no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos o chefe político local. Em consequência mordeu-me cem
miúdos. Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as mil-réis.
lombrigas comeram o segundo, o último teve angina e a (S. Bernardo, 1996.)
mulher enforcou-se.
Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção,
“Na pedreira perdi um. A alavanca soltou-se da pedra,
proibi a aguardente. bateu-lhe no peito, e foi a conta. Deixou viúva e órfãos
Concluiu-se a construção da casa nova. Julgo que não miúdos. Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, as
preciso descrevê-la. As partes principais apareceram ou lombrigas comeram o segundo, o último teve angina
aparecerão; o resto é dispensável e apenas pode interessar e a mulher enforcou-se.” (2º parágrafo)
aos arquitetos, homens que provavelmente não lerão isto. Os pronomes sublinhados referem-se, respectiva-
Ficou tudo confortável e bonito. Naturalmente deixei de mente, a
dormir em rede. Comprei móveis e diversos objetos que a “alavanca”, “um”, “viúva e órfãos”.
entrei a utilizar com receio, outros que ainda hoje não b “pedra”, “um”, “meninos”.
utilizo, porque não sei para que servem. c “pedra”, “alavanca”, “viúva e órfãos”.
Aqui existe um salto de cinco anos, e em cinco anos d “alavanca”, “pedra”, “viúva e órfãos”.
o mundo dá um bando de voltas. e “alavanca”, “pedra”, “meninos”.

46 LÍNGUa PORTUGUeSa Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


18 AFA Assinale a alternativa que completa correta e res- ele nos proporciona. Quanto à beleza da natureza, ela
pectivamente as lacunas a seguir. sempre volta depois que é destruída pelo inverno, e esse
Se é para dizer, armo-lhe que a escolha retorno bem pode ser considerado eterno, em relação
nunca se dará entre e . ao nosso tempo de vida. Vemos desaparecer a beleza
A mim/eu/tu do rosto e do corpo humanos no curso de nossa vida,
 eu/mim/ti mas essa brevidade lhes acrescenta mais um encanto.
 eu/mim/tu Se existir uma flor que floresça apenas uma noite, ela
não nos parecerá menos formosa por isso. Tampouco
 mim/eu/ti
posso compreender por que a beleza e a perfeição de
uma obra de arte ou de uma realização intelectual de-
19 AFA Observe a frase a seguir, de A. Herculano. veriam ser depreciadas por sua limitação no tempo.
1 Talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que
Pois se o sabes, cumpre o teu dever, hoje admiramos se reduzam a pó, ou que nos suceda
alcaide do Castelo de Faria! uma raça de homens que não mais entenda as obras de
2 nossos poetas e pensadores, ou que sobrevenha uma era
geológica em que os seres vivos deixem de existir sobre
Assinale a alternativa que aponta a correta classi-
a Terra; mas se o valor de tudo quanto é belo e perfeito
cação morfológica do termo 1 e sintática do termo 2,
é determinado somente por seu significado para a nossa
respectivamente.
vida emocional, não precisa sobreviver a ela, e portanto
A pronome demonstrativo/vocativo.
independe da duração absoluta.
 pronome indefinido/sujeito simples. (Introdução ao narcisismo, 2010. Adaptado.)
 pronome indefinido/aposto.
 pronome pessoal/sujeito composto. a) Identifique os referentes dos pronomes sublinha-
dos no primeiro e no quarto parágrafos.
20 Unesp 2019 (Adapt.) Leia o trecho do ensaio “A tran- b) Reescreva o trecho “Era incomodado pelo pen-
sitoriedade”, de Sigmund Freud (1856-1939), para samento de que toda aquela beleza estava
responder à questão. condenada à extinção” (1º parágrafo) na voz ativa.

Algum tempo atrás, fiz um passeio por uma rica paisa-


21 Uerj 2019 (Adapt.) O fragmento de texto apresentado
gem num dia de verão, em companhia de um poeta jovem,
nesta questão foi retirado do romance O crime do pa-
mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário que
dre Amaro, de Eça de Queirós.*
nos rodeava, porém não se alegrava com ela. Era incomo-
dado pelo pensamento de que toda aquela beleza estava Ela então, movendo-se com uma cautela solene, che-
condenada à extinção, pois desapareceria no inverno, e gou-se ao espelho da sacristia – um antigo espelho de
assim também toda a beleza humana e tudo de belo e reflexo esverdeado, com um caixilho negro de carvalho
nobre que os homens criaram ou poderiam criar. Tudo o lavrado, tendo no topo uma cruz. Mirou-se um momento,
mais que, de outro modo, ele teria amado e admirado, naquela seda azul-celeste que a envolvia toda, picada do
lhe parecia despojado de valor pela transitoriedade que brilho agudo das estrelas, com uma magnificência sideral.
era o destino de tudo. Sentia-lhe o peso rico. A santidade que o manto adquirira
Sabemos que tal preocupação com a fragilidade do no contacto com os ombros da imagem penetrava-a duma
que é belo e perfeito pode dar origem a duas diferentes voluptuosidade beata. Um fluido mais doce que o ar da
tendências na psique. Uma conduz ao doloroso cansaço terra envolvia-a, fazia-lhe passar no corpo a carícia do
do mundo mostrado pelo jovem poeta; a outra, à rebelião éter do Paraíso. Parecia-lhe ser uma santa no andor, ou
contra o fato constatado. Não, não é possível que todas mais alto, no Céu...
essas maravilhas da natureza e da arte, do nosso mundo Amaro babava-se para ela:
de sentimentos e do mundo lá fora, venham realmente a se – Oh filhinha, és mais linda que Nossa Senhora!
desfazer. Seria uma insensatez e uma blasfêmia acreditar Ela deu uma olhadela viva ao espelho. Era, decerto,
nisso. Essas coisas têm de poder subsistir de alguma forma, linda. Não tanto como Nossa Senhora... Mas com o seu
subtraídas às influências destruidoras. rosto trigueiro, de lábios rubros, alumiado por aquele re-
Ocorre que essa exigência de imortalidade é tão brilho dos olhos negros, se estivesse sobre o altar, com
claramente um produto de nossos desejos que não pode cantos ao órgão e um culto sussurrando em redor, faria
reivindicar valor de realidade. Também o que é doloroso palpitar bem forte o coração dos fiéis...
pode ser verdadeiro. Eu não pude me decidir a refutar a Amaro então chegou-se por detrás dela, cruzou-lhe
transitoriedade universal, nem obter uma exceção para os braços sobre o seio, apertou-a toda – e estendendo os
o belo e o perfeito. Mas contestei a visão do poeta pes- lábios por sobre os dela, deu-lhe um beijo mudo, muito
simista, de que a transitoriedade do belo implica sua longo... Os olhos de Amélia cerravam-se, a cabeça incli-
desvalorização. nava-se-lhe para trás, pesada de desejo.
Pelo contrário, significa maior valorização! Valor (...)
de transitoriedade é valor de raridade no tempo. A Mas endireitou-se de repente, fixou Amaro batendo
FRENTE 1

limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua as pálpebras como acordada de muito longe; uma onda
preciosidade. É incompreensível, afirmei, que a ideia de sangue escaldou-lhe o rosto:
da transitoriedade do belo deva perturbar a alegria que – Oh Amaro, que horror, que pecado!...

47
– Tolice! disse ele. Tendo em vista o papel coesivo dos pronomes, leia as
Mas ela desprendia-se do manto, toda aflita: frases a seguir, retiradas do fragmento.
– Tira-mo, tira-mo! gritava, como se a seda a quei- (1) Sentia-lhe o peso rico.
masse. (2) Parecia-lhe ser uma santa no andor,
Então Amaro fez-se muito sério. Realmente não se (3) uma onda de sangue escaldou-lhe o rosto:
devia brincar com coisas sagradas... (4) – Tira-mo, tira-mo!
(CAPÍTULO XVIII) Reescreva essas quatro frases, recuperando os ter-
* Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000 mos retomados pelos pronomes sublinhados.

Texto complementar
As origens dos pronomes
[...] apesar de ser mim do fim do século XV, em Camões ainda se encontra mi: “Ouve os danos de mi” (Os Lusíadas).
Mi, forma arcaica átona, deu a atual me, o que explica a função de objeto indireto que pode desempenhar esta variação
pronominal[...]

[...] o pronome você era antigamente o tratamento de respeito Vossa mercê.


A evolução deve ter sido a seguinte:
vossa mercê > vossemecê > vosmecê > você... >

No latim, ego era eu: Ego et tu valemus. (Eu e tu passamos bem). Palavras como egoísmo, egocentrismo etc. carregam
em sua formação o antigo pronome latino.

Os pronomes pessoais eram mais empregados no latim vulgar que no clássico. De todas as classes de palavras, são os
pronomes pessoais que mais fielmente guardam os vestígios da declinação latina.
Ismael de Lima Coutinho. Pontos de gramática histórica: Linguística e filologia. 7. ed.
Rio de Janeiro: Editora Ao Livro Técnico, 1976.

Resumindo
Uso dos pronomes pessoais do caso reto
Os pronomes pessoais do caso reto funcionam como sujeito da oração.
a) para eu/para mim
Emprega-se “para eu” quando o pronome é sujeito de um verbo que vem a seguir; emprega-se “para mim” quando o pronome pessoal de primeira
pessoa não for sujeito da oração e houver a preposição.
b) salvo eu/exceto tu/menos eu
As palavras denotativas de exclusão “salvo”, “menos”, “tirante” e “exceto” pedem pronome pessoal do caso reto.
c) pronomes pessoais do caso reto regidos por preposição
Os pronomes “ele”, “ela”, “nós”, vós”, “eles”, “elas” podem não exercer a função de sujeito quando regidos por preposição.
Uso dos pronomes pessoais do caso oblíquo átono
Esses pronomes não atuam como sujeitos da oração, exceto quando envolvem auxiliar causativo ou sensitivo.
a) me, te, nos, vos
Pronomes que podem exercer a função de complemento verbal, complemento nominal e adjunto adnominal.
b) reflexividade e reciprocidade dos oblíquos átonos
Quando o sujeito pratica e sofre a ação (a reflexividade ou reciprocidade), sujeito e pronome estarão na mesma pessoa.
c) o, a, os, as, lhe, lhes
Os pronomes “o”, “a”, “os”, “as” exercem a função de objeto direto, não pressupondo preposição; já os pronomes “lhe”, “lhes” são utilizados quando pressu-
põem preposição, podendo exercer o papel sintático de objeto indireto, complemento nominal ou adjunto adnominal (valor possessivo).
d) pronome de interesse
O pronome “me” pode ser empregado em certos contextos para demonstrar o interesse do enunciador sobre fatos; trata-se de um efeito de aproxi-
mação; no cotidiano, sobretudo na relação pai/filho, é comum a sua ocorrência.
e) recurso de estilo: os oblíquos átonos com valor possessivo
Os pronomes pessoais podem assumir valor possessivo em determinadas frases; tal recurso dá elegância ao texto.

48 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


f) recurso de estilo: o pleonasmo
Os oblíquos “o”, “a”, “os”, “as”, “lhe”, “lhes” podem recuperar um objeto e com isso enfatizá-lo.
Uso dos pronomes pessoais do caso oblíquo tônico
Esses pronomes não funcionam como sujeito e são utilizados com preposição, que pode estar embutida no próprio pronome “comigo”, “contigo”, “consigo”
ou antecedida ao pronome “para mim”, “para ti”, “para si”, “a mim”, “a ti”, “a si”, “entre mim”, “sobre ti” etc.
a) reflexivos “si”, “consigo”
Os reflexivos “si”, “consigo” exigem sujeito na terceira pessoa, em norma culta.
b) com nós/conosco, com vós/convosco
Utilizam-se as formas pronominais “com nós”, “com vós” em vez de “conosco” e “convosco”, quando esses pronomes pessoais estiverem acompa-
nhados de “mesmos”, “próprios”, “outros”, “todos” e numerais.
Adaptações fonéticas: “lo”, “la”, “los”, “las”; “no”, “na”, “nos”, “nas”
a) a terminação r/s/z: cai essa consoante e acrescenta-se “l” ao pronome pessoal;
b) a terminação ditongo nasal/m: acrescenta-se “n” ao pronome pessoal;
c) a terminação “mos” seguida de “nos”: cai o “s” do verbo.

Auxiliares causativos e sensitivos (“deixar”, “mandar”, “fazer”, “ouvir”, “escutar”, “ver”...)


Quando os auxiliares causativos ou sensitivos estiverem seguidos de pronome pessoal e forma no infinitivo, utiliza-se o pronome pessoal do caso oblíquo,
o qual será sujeito do infinitivo (trata-se de uma exceção, pois haverá um pronome oblíquo na função de sujeito). O pronome oblíquo e o verbo no infinitivo
funcionarão como objeto direto oracional.
Variantes linguísticas
O uso coloquial dos pronomes deve ser considerado inadequado quando a situação requer uma linguagem culta. No diálogo, em situações informais, o
seu emprego é aceito, visto que, nesses contextos, emprega-se a variante popular. Veja os principais casos:
a) pronome do caso reto na função de oblíquo;
b) uso indevido do “lhe”, “lhes” como objeto direto;
c) falta de concordância entre pronomes de segunda e terceira pessoa;
d) falta de concordância entre pronome e verbo;
e) uso indevido de pronome pessoal do caso reto com auxiliar causativo e sensitivo;
f) utilização indevida de reflexivos de terceira pessoa com sujeito em primeira ou segunda pessoas;
g) emprego errôneo de formas como “conosco”, “convosco”.
Contrações: “mo”, “ma”, “to”, “ta”, “lho”, “lha”…
Os oblíquos “me”, “te”, “lhe”, “nos”, “vos”, “lhes” contraem-se com os átonos “o”, “a”, “os”, “as”. Veja:

me + o = mo me + a = ma me + os = mos me + as = mas
te + o = to te + a = ta te + os = tos te + as = tas
lhe + o = lho lhe + a = lha lhe + os = lhos lhe + as = lhas
lhes + o = lho lhes + a = lha lhes + os = lhos lhes + as = lhas
nos + o = no-lo nos + a = no-la nos + os = no-los nos + as = no-las
vos + o = vo-lo vos + a = vo-la vos + os = vo-los vos + as = vo-las

Tais formas pronominais não possuem muita frequência modernamente; em consequência disso, o emprego torna-se mais difícil.

Quer saber mais?

Livros
y ABREU, Antônio S. Gramática mínima para o domínio da língua padrão. São Paulo: Atelie Editorial, 2003.
y BAGNO, Marcos. Preconceito linguistico: o que é, como se faz. 50 ed. São Paulo: Loyola, 2008.
FRENTE 1

49
Exercícios complementares
1 Assinale a alternativa em que o pronome me assume 3 UFJF 2018
o mesmo valor semântico observado na frase de Ma-
O assédio sexual feminino
chado de Assis.
A borboleta, [...]pousou-me na testa. Histórias de homens que foram coagidos e humilha-
Machado de Assis. dos por rejeitarem suas chefes e tiveram de deixar seus
empregos por causa disso.
A Chamaram-me de moleque! Engoli!
O empresário Márcio André Barbosa Barroso, 37 anos,
 Me fala, você sabe tudo? o estagiário R., 27, o jornalista L., 44, e o assistente finan-
 Arrancaram-me o relógio e disseram: “Tchau trou- ceiro P., 35, não se conhecem, mas, caso se encontrassem,
xa!”. Eu disse tchau! teriam experiências semelhantes para compartilhar. Eles
 Deixou-me um copo e uma carteira. tiveram de abandonar seus empregos por causa de uma
E Viu-me sorrir, como um tolo. violência sutil e silenciosa que afeta mais as mulheres, mas
que resulta na mesma dor moral quando a vítima é um
2 IFPE 2019 (Adapt.) homem. Assediados sexualmente por suas chefes, foram
perseguidos, humilhados e se tornaram alvo de chacota
após recusarem as investidas delas. Barroso largou tudo
e foi viajar pela Europa. R. desistiu do estágio. L. deixou
o cargo e voltou para sua cidade natal. E P. abandonou o
trabalho, mesmo sem ter outro emprego em vista.
“Ela passava a mão em mim, me convidava para sair e
queria ir para minha casa. Um dia até mordeu as minhas
costas”, conta Barroso, que, no ano passado, enfrentou,
durante dois meses, as cantadas de sua chefe na empresa
de telefonia celular na qual trabalhava, em Brasília. “As
pessoas riam de mim o tempo todo”, lembra. Ao se sen-
tir rejeitada, a mulher, por volta dos 50 anos, passou a
persegui-lo. Chegou a criar situações para que ele fosse
demitido, como lhe atribuir faltas, mesmo diante de um
atestado médico. As consultas eram justamente para se
tratar da síndrome do pânico que desenvolveu devido à
opressão que sofria.
Barroso tentou denunciá-la, mas foi em vão. “Acha-
Disponível em: <http://opsquebrou.blogspot.com/2012/08/respeito-terceira- vam que eu estava mentindo, que era um absurdo uma
idade.html>. Acesso em: 1 out. 2018.
mulher assediar um homem.” Sem saber a quem recor-
No primeiro balão presente no texto, encontramos a rer, ele procurou a Justiça. O assédio sexual é crime
seguinte sentença: “Não nos maltrate!”. Acerca dos no Brasil desde 2001. Apesar de as mulheres terem
aspectos linguísticos presentes nela, julgue as asser- hoje mais liberdade sexual e ocuparem mais cargos de
tivas abaixo. chefia, os casos de assédio delas contra eles ainda são
considerados raros. Estima-se que eles sejam vítimas em
I. A oração é iniciada por um advérbio de intensi-
apenas um de cada 100 casos. Ainda assim, dificilmente
dade: “não”.
essas histórias se transformam em ações ou chegam aos
II. O ponto de exclamação é utilizado para indicar a
consultórios.
emoção expressa no pedido feito pelo idoso.
(Texto adaptado. Disponível em: https://istoe.com.br/103744_
III. O termo nos pertence à mesma classe gramatical O+ASSEDIO+SEXUAL+FEMININO/. Acesso em: 31 jul. 2018.)
que me, conforme emprego na seguinte oração:
Releia o trecho:
“não me engane”.
IV. O uso do modo verbal imperativo, “maltrate”, indi- “Ela passava a mão em mim, me convidava para sair
ca a presença de informalidade. e queria ir para minha casa. Um dia até mordeu as
V. Na oração “Não nos maltrate”, de acordo com a minhas costas”, conta Barroso, que, no ano passado,
classificação morfológica, é correto afirmar que o enfrentou, durante dois meses, as cantadas de sua
termo sublinhado deve ser classificado como pro- chefe na empresa de telefonia celular na qual traba-
nome possessivo. lhava, em Brasília. “As pessoas riam de mim o tempo
todo”, lembra. Ao se sentir rejeitada, a mulher, por
Estão CORRETAS, apenas, as proposições
volta dos 50 anos, passou a persegui-lo. Chegou a
A I e V.
criar situações para que ele fosse demitido, como lhe
 I e II.
atribuir faltas, mesmo diante de um atestado médico.
 II e V.
 III e IV. Sobre a construção “como lhe atribuir faltas”, pode-se
E II e III. armar que:

50 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


A está correta, pois o pronome lhe se refere a Barro- pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância.
so, e o verbo atribuir foi empregado como transitivo Dario conduzido de volta e recostado à parede – não tinha
indireto. os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.
 está incorreta, pois o pronome lhe se refere a sua Alguém informou da farmácia na outra rua. Não car-
chefe, e o verbo atribuir foi empregado como bi- regaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do
transitivo. quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na
 está correta, pois o pronome lhe se refere a Bar- porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o
rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las.
roso, e o verbo atribuir foi empregado como
Ocupado o café próximo pelas pessoas que vie-
bitransitivo.
ram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo,
 está incorreta, pois o pronome lhe se refere a
gozavam as delícias da noite. Dario ficou torto como o dei-
Barroso, e o verbo atribuir foi empregado como in-
xaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso. Um
transitivo.
terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados
E está correta, pois o pronome lhe se refere a sua – com vários objetos – de seus bolsos e alinhados sobre
chefe, e o verbo atribuir foi empregado como tran- a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade; sinal
sitivo direto. de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.
Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos
4 FGV 2016 A única frase em que o emprego do pro- que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas:
nome “lhe” está de acordo com a norma-padrão da era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias
língua portuguesa é: pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado
A O réu entrou no tribunal, ciente de que o júri não dezessete vezes.
lhe condenaria. O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde iden-
 O jogador estava convicto de que os torcedores tificá-lo – os bolsos vazios. Restava a aliança de ouro na
iriam absolver-lhe. mão esquerda, que ele próprio – quando vivo – só podia
 Os netos, ao saírem, gritaram: nós lhe amamos, destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o
vovó. caso era com o rabecão.
 O atleta supôs que aquele treinamento poderia A última boca repetiu “Ele morreu, ele morreu”. A
gente começou a se dispersar. Dario levara duas horas para
prejudicar-lhe.
morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos
E O freguês foi logo dizendo ao vendedor: no mo-
que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.
mento, não posso pagar-lhe.
Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para
lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito.
5 Uece 2018 (Adapt.) Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma
Uma vela para Dario tinha desaparecido. Apenas um homem morto e a mul-
tidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na
Dalton Trevisan janela alguns moradores com almofadas para descansar
Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço es- os cotovelos.
querdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo Um menino de cor e descalço veio com uma vela,
até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos
escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chu- anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.
va, e descansou na pedra o cachimbo. Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois,
Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na
não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha
não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da
que devia sofrer de ataque. chuva, que voltava a cair.
Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na TREVISAN, Dalton. Vinte Contos Menores. Rio de Janeiro: Record, 1979.
calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode
No conto, o pronome lhe recupera, muitas vezes, o
pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar.
referente “Dario” para evitar repetições do nome da
Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quan-
personagem principal. Atente às seguintes armações
do lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de
sobre o uso deste pronome no texto:
espuma surgiram no canto da boca.
Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, I. A ocorrência do lhe no enunciado “Abriu-lhe o
embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversa- paletó, o colarinho, a gravata e a cinta”, tem a
vam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e mesma função sintática e textual do uso do lhe
de pijama acudiram à janela. O senhor gordo repetia que em “Quando lhe retiraram os sapatos”.
Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do II. Em “Dario roncou feio e bolhas de espuma surgi-
cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas ram no canto da boca”, pode-se acrescentar o lhe
não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado. ao segundo período (“surgiram-lhe no canto da
FRENTE 1

A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava boca”) que terá função sintática e textual seme-
morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já lhante à do emprego deste pronome utilizado em
no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem “Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta”.

51
III. No enunciado “Enxame de moscas lhe cobriu o ciência e adote o preconceito ou o gosto pessoal como
rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las”, critério.
o pronome lhe não está relacionado sintaticamen- Entretanto, é fato que há uma diferenciação valorativa,
te ao verbo “cobrir”, mas ao substantivo “rosto”, que nasce não da diferença desta ou daquela forma em
indicando a ideia de posse. si, mas do significado social que certas formas linguísticas
IV. O pronome lhe utilizado nos enunciados “Um ter- adquirem nas sociedades. Mesmo que nunca tenhamos
pensado objetivamente a respeito, NÓS sabemos (ou
ceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis”
procuramos saber o tempo todo) o que é e o que não é
e “Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario
permitido... Nós costumamos “medir nossas palavras”,
para lhe sustentar a cabeça” só pôde ser usado,
entre outras razões, porque nosso ouvinte vai julgar NÃO
nestes casos, porque se retoma um referente do SOMENTE o que se diz, MAS TAMBÉM quem diz. E a
gênero masculino no singular. linguagem é altamente reveladora: ela NÃO transmite SÓ
Está correto o que se arma em informações neutras; revela também nossa classe social,
A II e IV apenas. a região de onde viemos, o nosso ponto de vista, a nossa
 I, II e III apenas. escolaridade, a nossa intenção... Nesse sentido, a lingua-
 I, III e IV apenas. gem TAMBÉM é um índice de poder.
 I, II, III e IV. ASSIM, na rede das linguagens de uma dada socieda-
de, a língua padrão ocupa um espaço privilegiado: ela é o
conjunto de formas consideradas como o modo correto,
6 O fragmento a seguir está em primeira pessoa, o que
socialmente aceitável, de falar ou escrever.
o torna muito subjetivo para um texto científico. Elimi-
Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza. Prática de texto: língua portuguesa
ne a subjetividade, mudando a pessoa gramatical e para nossos estudantes. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 30.
fazendo as adaptações necessárias.
Sobre o texto, é correto armar que:
Noto que há muitas diferenças entre as variantes culta
01 o trecho “a não ser que a gente se esqueça da
e coloquial.
ciência e adote o preconceito ou o gosto pessoal
como critério” pode ser assim parafraseado: “a não
7 O texto a seguir possui passagens em linguagem co- ser que a ciência seja esquecida e seja adotado o
loquial. Adeque-o à linguagem culta. preconceito ou o gosto pessoal como critério”.
Nós se olhamos, mas não reconheci ele. Deixei ele 02 os pronomes A GENTE (ref. 1) e NÓS (ref. 2) foram
sair e quei pensando. A gente se engana com as usados com o mesmo significado referencial. Esse
aparências. É difícil, para mim, enxergar a verdade, recurso se caracteriza como variação linguística e
ela se esconde. pode ser observado também na linguagem padrão.
04 o conector ASSIM (ref. 3) foi usado com valor exem-
8 A frase a seguir é de Carlos Drummond de Andrade. plificativo e complementar. O parágrafo introduzido
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
por ele serviu para confirmar o que foi dito antes.
08 no trecho “ela NÃO transmite SÓ informações neu-
Em relação à forma “no-lo” é correto armar que: tras”, as palavras destacadas indicam que existem
I. o pronome “lo” possui valor demonstrativo, recu- informações neutras, além de outras informações.
pera a palavra “mesa”. 16 a expressão NÃO SOMENTE... MAS TAMBÉM em:
II. a forma “no-lo” é, na realidade, “nos” + “o”. “nosso ouvinte vai julgar NÃO SOMENTE o que
III. o pronome de terceira pessoa presente na forma se diz, MAS TAMBÉM quem diz” estabelece uma
“no-lo” refere-se à oração “Comeríamos a mesa”. relação de retificação do argumento da primeira
IV. a forma “no-lo” funciona como objeto direto (nos) afirmação com o argumento da segunda e acres-
e objeto indireto (o) de “ordenar”. centa uma nova informação.
Estão corretas: Soma: 
A II e III.
 I e IV. 10 Em uma composição de Arnaldo Antunes e Marisa
 I e III. Monte, observam-se as seguintes expressões:
 II e IV. “Molha eu, [...] Seca eu, [...] Beija eu, [...]”.
E I, II e III.
Procure achar uma explicação, no nível semântico,
para a transgressão à norma culta. Justique, sintati-
9 Leia o texto a seguir.
camente, por que o emprego do pronome é coloquial.
Mas, afinal, o que é língua padrão?
Já sabemos que as línguas são um conjunto bastante
11 Leia o fragmento a seguir.
variado de formas linguísticas, cada uma delas com a sua [...] Não te esqueci, eu to juro:
gramática, a sua organização estrutural. Do ponto de vista Sacrifiquei meu futuro,
científico, não há como dizer que uma forma linguística é Vida e glória por te amar!
melhor que outra, a não ser que A GENTE se esqueça da Gonçalves Dias. Ainda uma vez - Adeus!

52 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


Explique a forma to do ponto de vista semântico e E que venho até remoçando
sintático. me pego cantando
Sem mais nem porquê
12 ESPM Escreva nos espaços eu ou mim. E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Deram-na para ler, quando entre
Bem mais e melhor que você
e ele tudo ia bem.
Quando talvez precisar de mim
13 Leia o anúncio a seguir. ‘Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
olhos nos olhos, quero ver o que você diz
O marido de Viviane A. A. de Macedo agrade- quero ver como suporta me ver tão feliz.
ce o carinho, o conforto e os CR$ 15 milhões Chico Buarque. “Olhos nos olhos”. Intérprete: ______.
oferecidos pelo seguro de vida (A Vivi tá supe- In: Meus caros amigos. Rio de Janeiro: Universal Music Brasil; Rio de Janeiro:
Marola Edições Musicais, 1975. CD. Faixa 3. By © Marola Edições Musicais.
ranimada, vai poder terminar a casa de praia).

VIDA EM VIDA. O seguro que você recebe em 15 Examine, atentamente, o emprego dos pronomes pes-
vida. soais e de tratamento na letra e determine a forma de
tratamento pela qual a personagem feminina faz refe-
a) Explique a utilização das pessoas do discurso no rência ao ex-companheiro.
texto acima (até os parênteses).
b) Indique as marcas de oralidade no texto. 16 Leia a charge a seguir.

Laerte
14 Leia a piada a seguir.
Passarinhão
Estavam dois caipiras caçando no meio do mato,
quando eles veem lá no alto, no céu uma asa delta. Es-
pantado, um comenta com o outro:
– Nossinhora! Qui passarinhão grande, sô!
– Grandão mesmo cumpadi... Vamo caçá ele?
– Vamu! a) Qual das personagens usa duas formas de trata-
E POW! um tiro bem na asa delta. mento? Justifique.
– I aí parceiro, será qui o bichão morreu? b) Uniformize o tratamento na terceira pessoa para a
– Ó, si o passarinho morreu, num sei não, mas que
fala da personagem apontada no item a; reescre-
soltou o homi que ele tava segurano soltou!!!
va só o necessário.
Folha do lago.

Em “vamo caçá ele?”, temos variantes populares no 17 Insper 2018 Leia a tira.
nível:
A sintático e semântico.
 fonético e sintático.
 fonético e semântico.
 morfológico e semântico.
E apenas fonético.

A questão de número 15 baseia-se na letra de “Olhos


nos olhos”, de Chico Buarque de Hollanda (1944-).

Olhos nos olhos


Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever


FRENTE 1

Já vai me encontrar refeita, pode crer


Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais (André Dahmer, Malvados. Em: Folha de S.Paulo, 03.04.2018. Adaptado)

53
Em conformidade com a norma-padrão, as lacunas MARIA (com vivacidade) – Fechamos-lhes as portas.
nas falas da personagem devem ser preenchidas, Metemos a nossa gente dentro – o terço³ de meu pai tem
respectivamente, com: mais de seiscentos homens – e defendemo-nos. Pois não
A falta-me energias ... colocar-lhe é uma tirania?... E há de ser bonito!... Tomara eu ver seja
 me falta energia ... colocá-la o que for que se pareça com uma batalha!
 faltam-me energias ... colocar-lhe JORGE – Louquinha!
 me faltam energia ... colocar ela MADALENA – Mas que mal fizemos nós ao conde de
Sabugal e aos outros governadores, para nos fazerem esse
E me falta energias ... colocá-la
desacato? Não há por aí outras casas; e eles não sabem que
nesta há senhoras, uma família... e que estou eu aqui?...
18 Unesp 2015 A questão aborda uma passagem da peça (Teatro, vol. 3, 1844.)
teatral Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett (1799-1854).
¹escapulário: faixa de tecido que frades e freiras de
Cena V – JORGE, MADALENA E MARIA certas ordens religiosas cristãs usam pendente sobre
JORGE – Ora seja Deus nesta casa! o peito.
(Maria beija-lhe o escapulário¹ e depois a mão; Ma- ²pôr aposentadoria: car, morar.
dalena somente o escapulário.) ³terço: corpo de tropas dos exércitos português e es-
MADALENA – Sejais bem-vindo, meu irmão! panhol dos séculos XVI e XVII.
MARIA – Boas tardes, tio Jorge!
“Nada, não vos assusteis; mas é bom que estejais pre-
JORGE – Minha senhora mana! A bênção de Deus
venida, por isso vo-lo digo.”
te cubra, filha! Também estou desassossegado como vós,
Em relação à forma verbal “digo”, os pronomes oblí-
mana Madalena: mas não vos aflijais, espero que não há
quos átonos “vo-lo” atuam, respectivamente, como
de ser nada. É certo que tive umas notícias de Lisboa...
A objeto direto e objeto indireto.
MADALENA (assustada) – Pois que é, que foi?
JORGE – Nada, não vos assusteis; mas é bom que
 objeto indireto e objeto direto.
estejais prevenida, por isso vo-lo digo. Os governadores  objeto direto e predicativo do objeto.
querem sair da cidade... é um capricho verdadeiro... De-  sujeito e objeto direto.
pois de aturarem metidos ali dentro toda a força da peste, E sujeito e predicativo do sujeito.
agora que ela está, se pode dizer, acabada, que são rarís-
simos os casos, é que por força querem mudar de ares. 19 Efomm 2018
MADALENA – Pois coitados!...
O homem deve reencontrar o Paraíso...
MARIA – Coitado do povo! Que mais valem as vidas
deles? Em pestes e desgraças assim, eu entendia, se gover- Rubem Alves
nasse, que o serviço de Deus e do rei me mandava ficar, Era uma família grande, todos amigos. Viviam como
até a última, onde a miséria fosse mais e o perigo maior, todos nós: moscas presas na enorme teia de aranha que
para atender com remédio e amparo aos necessitados. é a vida da cidade. Todos os dias a aranha lhes arranca-
Pois, rei não quer dizer pai comum de todos? va um pedaço. Ficaram cansados. Resolveram mudar de
JORGE – A minha donzela Teodora! Assim é, filha, vida: um sonho louco: navegar! Um barco, o mar, o céu,
mas o mundo é doutro modo: que lhe faremos? as estrelas, os horizontes sem fim: liberdade. Venderam
MARIA – Emendá-lo. o que tinham, compraram um barco capaz de atravessar
JORGE (para Madalena, baixo) – Sabeis que mais? mares e sobreviver tempestades.
Tenho medo desta criança. Mas para navegar não basta sonhar. É preciso saber. São
MADALENA (do mesmo modo) – Também eu. muitos os saberes necessários para se navegar. Puseram-se
JORGE (alto) – Mas enfim, resolveram sair: e sabereis então a estudar cada um aquilo que teria de fazer no barco:
mais que, para corte e “buen retiro” dos nossos cinco manutenção do casco, instrumentos de navegação, astrono-
reis, os senhores governadores de Portugal por D. Filipe mia, meteorologia, as velas, as cordas, as polias e roldanas,
de Castela, que Deus guarde, foi escolhida esta nossa boa os mastros, o leme, os parafusos, o motor, o radar, o rádio, as
vila de Almada, que o deveu à fama de suas águas sadias, ligações elétricas, os mares, os mapas... Disse certo o poeta:
ares lavados e graciosa vista. Navegar é preciso, a ciência da navegação é saber preciso,
MADALENA – Deixá-los vir. exige aparelhos, números e medições. Barcos se fazem com
JORGE – Assim é: que remédio! Mas ouvi o resto. precisão, astronomia se aprende com o rigor da geometria,
O nosso pobre Convento de São Paulo tem de hospedar velas se fazem com saberes exatos sobre tecidos, cordas e
o senhor arcebispo D. Miguel de Castro, presidente do ventos, instrumentos de navegação não informam mais ou
governo. Bom prelado é ele; e, se não fosse que nos tira menos. Assim, eles se tomaram cientistas, especialistas, cada
do humilde sossego de nossa vida, por vir como senhor e um na sua - juntos para navegar.
príncipe secular... o mais, paciência. Pior é o vosso caso... Chegou então o momento da grande decisão - para
MADALENA – O meu! onde navegar. Um sugeria as geleiras do sul do Chile,
JORGE – O vosso e de Manuel de Sousa: porque os outro os canais dos fiordes da Noruega, um outro queria
outros quatro governadores – e aqui está o que me man- conhecer os exóticos mares e praias das ilhas do Pacífi-
daram dizer em muito segredo de Lisboa – dizem que co, e houve mesmo quem quisesse navegar nas rotas de
querem vir para esta casa, e pôr aqui aposentadoria². Colombo. E foi então que compreenderam que, quando o

54 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


assunto era a escolha do destino, as ciências que conhe- tal coisa? Como posso resolver este problema concreto
ciam para nada serviam. particular? E conclui: E em todas essas perguntas sentimos
De nada valiam números, tabelas, gráficos, estatísti- o eco otimista: não preciso de me preocupar com o todo,
cas. Os computadores, coitados, chamados a dar o seu ele tomará conta de si mesmo.
palpite, ficaram em silêncio. Os computadores não têm Em nossas escolas é isso que se ensina: a precisa ciên-
preferências - falta-lhes essa sutil capacidade de gostar, cia da navegação, sem que os estudantes sejam levados a
que é a essência da vida humana. Perguntados sobre o sonhar com as estrelas. A nau navega veloz e sem rumo.
porto de sua escolha, disseram que não entendiam a per- Nas universidades, essa doença assume a forma de pes-
gunta, que não lhes importava para onde se estava indo. te epidêmica: cada especialista se dedica, com paixão e
Se os barcos se fazem com ciência, a navegação faz-se
competência, a fazer pesquisas sobre o seu parafuso, sua
com os sonhos. Infelizmente a ciência, utilíssima, espe-
polia, sua vela, seu mastro.
cialista em saber como as coisas funcionam, tudo ignora
Dizem que seu dever é produzir conhecimento. Se
sobre o coração humano. É preciso sonhar para se decidir
forem bem-sucedidas, suas pesquisas serão publicadas
sobre o destino da navegação. Mas o coração humano,
em revistas internacionais. Quando se lhes pergunta: Para
lugar dos sonhos, ao contrário da ciência, é coisa impre-
onde seu barco está navegando?, eles respondem: Isso não
cisa. Disse certo o poeta: Viver não é preciso. Primeiro
vem o impreciso desejo. Primeiro vem o impreciso desejo é científico. Os sonhos não são objetos de conhecimento
de navegar. Só depois vem a precisa ciência de navegar. científico...
Naus e navegação têm sido uma das mais podero- E assim ficam os homens comuns abandonados por
sas imagens na mente dos poetas. Ezra Pound inicia seus aqueles que, por conhecerem mares e estrelas, lhes po-
Cânticos dizendo: E pois com a nau no mar/assestamos a deriam mostrar o rumo. Não posso pensar a missão das
quilha contra as vagas... Cecília Meireles: Foi, desde sem- escolas, começando com as crianças e continuando com
pre, o mar! A solidez da terra, monótona/parece-nos fraca os cientistas, como outra que não a da realização do dito
ilusão! Queremos a ilusão do grande mar/ multiplicada do poeta: Navegar é preciso. Viver não é preciso.
em suas malhas de perigo. E Nietzsche: Amareis a terra de É necessário ensinar os precisos saberes da navegação
vossos filhos, terra não descoberta, no mar mais distante. enquanto ciência. Mas é necessário apontar com imprecisos
Que as vossas velas não se cansem de procurar esta terra! sinais para os destinos da navegação: A terra dos filhos dos
O nosso leme nos conduz para a terra dos nossos filhos... meus filhos, no mar distante... Na verdade, a ordem verda-
Viver é navegar no grande mar! deira é a inversa. Primeiro, os homens sonham com navegar.
Não só os poetas: C. Wright Mills, um sociólogo sábio, Depois aprendem a ciência da navegação. É inútil ensinar a
comparou a nossa civilização a uma galera que navega ciência da navegação a quem mora nas montanhas...
pelos mares. Nos porões estão os remadores. Remam com O meu sonho para a educação foi dito por Bachelard:
precisão cada vez maior. A cada novo dia recebem remos O universo tem um destino de felicidade. O homem deve
novos, mais perfeitos. O ritmo das remadas acelera. Sabem
reencontrar o Paraíso. O paraíso é jardim, lugar de felici-
tudo sobre a ciência do remar. A galera navega cada vez
dade, prazeres e alegrias para os homens e mulheres. Mas
mais rápido. Mas, perguntados sobre o porto do destino,
há um pesadelo que me atormenta: o deserto. Houve um
respondem os remadores: O porto não nos importa. O que
momento em que se viu, por entre as estrelas, um brilho
importa é a velocidade com que navegamos.
chamado progresso. Está na bandeira nacional... E, quilha
C. Wright Mills usou esta metáfora para descrever a
contra as vagas, a galera navega em direção ao progresso,
nossa civilização por meio duma imagem plástica: multi-
plicam-se os meios técnicos e científicos ao nosso dispor, a uma velocidade cada vez maior, e ninguém questiona
que fazem com que as mudanças sejam cada vez mais a direção. E é assim que as florestas são destruídas, os
rápidas; mas não temos ideia alguma de para onde navega- rios se transformam em esgotos de fezes e veneno, o ar
mos. Para onde? Somente um navegador louco ou perdido se enche de gases, os campos se cobrem de lixo - e tudo
navegaria sem ter ideia do para onde. Em relação à vida da ficou feio e triste.
sociedade, ela contém a busca de uma utopia. Utopia, na Sugiro aos educadores que pensem menos nas tecno-
linguagem comum, é usada como sonho impossível de ser logias do ensino - psicologias e quinquilharias - e tratem
realizado. Mas não é isso. Utopia é um ponto inatingível de sonhar, com os seus alunos, sonhos de um Paraíso.
que indica uma direção. Nas passagens que se seguem aparece em cada uma
Mário Quintana explicou a utopia com um verso: Se delas um pronome átono sublinhado. Assinale a alter-
as coisas são inatingíveis... ora! / Não é motivo para não nativa em que esse pronome tem valor possessivo.
querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora/ A mágica A Viviam como todos nós: moscas presas na enorme
presença das estrelas! Karl Mannheim, outro sociólogo sá-
teia de aranha que é a vida da cidade. Todos os
bio que poucos leem, já na década de 1920 diagnosticava
dias a aranha lhes arrancava um pedaço.
a doença da nossa civilização: Não temos consciência de
 Os computadores não têm preferências – falta
direções, não escolhemos direções. Faltam-nos estrelas
que nos indiquem o destino. lhes essa sutil capacidade de ‘gostar’, que é a es-
Hoje, ele dizia, as únicas perguntas que são feitas, sência da vida humana.
FRENTE 1

determinadas pelo pragmatismo da tecnologia (o impor-  Perguntados sobre o porto de sua escolha, disse-
tante é produzir o objeto) e pelo objetivismo da ciência (o ram que não entendiam a pergunta, que não lhes
importante é saber como funciona), são: Como posso fazer importava para onde se estava indo.

55
d Quando se lhes pergunta: ‘Para onde seu barco Assim também, a pessoa que desejar aprender ou se
está navegando? ’, eles respondem: Isso não é mostrar mais eficiente no manejo da língua poderá dispen-
científico’. sar a leitura reflexiva da gramática, e a aprender somente
e E assim ficam os homens comuns abandonados ouvindo e repetindo como falam as pessoas instruídas, ou
por aqueles que, por conhecerem mares e estre- lendo artigos e livros bem escritos. Mas este caminho lhe
las, lhes poderiam mostrar o rumo. exigirá, com certeza, mais tempo e esforço.
[...]
(BECHARA, Evanildo. Gramática fácil. Rio de Janeiro:
20 Ifal 2018 Quando alguém visita uma cidade pela primei- Nova Fronteira, 2014, p. 14)
ra vez e se hospeda num hotel, depois das formalidades
que o hóspede tem de atender, recebe do funcionário da No texto, as ligações adequadas entre as partes que o
recepção um mapa da cidade. Dessa forma o visitante constituem são fundamentais para garantir a ele coerên-
rapidamente toma conhecimento das ruas, avenidas e cia. Tais ligações podem dar-se por meio de processos
praças próximas e afastadas do hotel, habilitando-se com de referência a termos já mencionados no texto ou que
mais eficiência e rapidez a desfrutar dos pontos mais nele ainda vão aparecer, retomando-se ou antecipando-
atrativos que a cidade lhe oferecerá. -se as ideias. No excerto “Mas este caminho lh exigirá,
A leitura de uma gramática para quem quer conhecer com certeza, mais tempo e esforço”, o pronome grifado:
uma língua será tão proveitosa quanto foi para o nosso visi- a retoma “a pessoa que desejar aprender ou se mos-
tante a leitura do mapa da cidade. Isto porque a gramática
trar mais eficiente no manejo da língua”.
procura mostrar como os elementos que compõem uma
b foi mal empregado, haja vista que a concordância no
língua se estruturam e se organizam para a elaboração de
singular gera ambiguidade quanto ao seu referente.
textos, pelos quais as pessoas se comunicam umas com
as outras.
c refere-se textualmente a “a leitura reflexiva da
Está claro que o visitante da cidade, no nosso primeiro gramática”.
exemplo, desprezando a consulta ao mapa, poderá chegar d pode referir-se tanto a “a leitura reflexiva da gramáti-
a conhecer a cidade; mas, se assim proceder, levará mais ca” quanto a “artigos e livros bem escritos”, pois são
tempo, e, nas suas andanças, sentirá mais dificuldade de as ideias mais próximas do pronome em questão.
orientação, podendo perder-se muitas vezes, ao querer e estabelece uma coesão com um elemento externo
retornar ao hotel. ao texto: seus possíveis leitores.

56 LÍNGUa PORTUGUeSa Capítulo 8 Sintaxe dos pronomes


Ministério Público do Estado da Bahia
FRENTE 1

CAPÍTULO Período composto por coordenação

9
O anúncio do governo faz alusão ao “abate clandestino”, isto é, à venda ilegal de
carne de procedência duvidosa. Para a elaboração da mensagem, foi necessária a uti-
lização de uma estrutura sintática denominada período composto (exceto em “Abate
clandestino”). No trecho “Não sabemos a origem da carne, mas sabemos os danos que
pode causar à sua saúde”, a enunciação emprega um período (um único ponto) com-
posto (mais de uma oração) por coordenação e subordinação. O conectivo “mas” é uma
conjunção coordenativa adversativa; introduz uma ideia de oposição: um não saber (a
origem da carne) opõe-se a um saber (o mal que a carne faz à saúde). A conjunção “mas”
pressupõe o argumento mais forte, se não se sabe a origem (ideia menos importante),
sabe-se que a carne faz mal, essa é a mensagem, há uma valorização dos aspectos
relativos à saúde física.
Introdução: o período composto Atenção
Neste capítulo, daremos início ao período composto.
As duas últimas orações são também subordinadas da oração “o
Antes, porém, convém definir o que é período. Veja o que homem nasceu”.
diz o linguista Celso Pedro Luft, em seu livro Moderna gra-
mática basileira:
Período é a frase sintaticamente organizada em torno de Elementos de ligação entre as orações → conjunção
um ou mais verbos. Termina em pausa grande, acompanhada (que, e), vírgula, preposição (para)
de descida ou subida de tom, o que na escrita se representa por
ponto-final, reticências ou ponto de exclamação (= descida de
tom ↓), ou ponto de interrogação (= subida de tom ↑).
Período 2 (2 orações, 2 verbos)
Pode-se dizer que, visualmente, na prosa, os períodos se O rock me dá forças para lutar contra o dragão
estendem de letra maiúscula a maiúscula (excluídas as de no-
mes próprios, no interior da frase). Or. principal Or. sub.

O período composto encerra um conjunto de orações da dependência.


(pelo menos mais de uma) que mantêm entre si relações
de coordenação e/ou subordinação. Na maioria das vezes, Elementos de ligação entre as orações → preposição (para)
essas relações são estabelecidas por meio de conectivos
que têm a função de ligar uma oração a outra. Esses opera- Período 3 (2 orações, 2 verbos)
dores de encaixe (os conectivos: preposições, conjunções, O rock me eletriza e me mantém vivo nesse mundo
pronomes relativos) são os responsáveis pela coesão, ga-
rantindo no nível do conteúdo a conexão entre as ideias. Or. principal Or. coord.
Observe o parágrafo que segue após a figura 1. pornograficamente assexuado.
Reprodução

Elementos de ligação entre as orações → a conjunção (e)

Atenção
Na coordenação, há independência sintática, todos os termos da
oração estão presentes. Na subordinação, há dependência sintática
entre as orações.

Orações coordenadas
São orações de igual função, gramaticalmente in-
dependentes, ligadas entre si por meio de conjunções
coordenativas, ou por justaposição (sem conjunção, por
meio da vírgula, dois-pontos etc.). Há dois tipos: a assindé-
tica (sem conjunção) e a sindética (com conjunção).

Assindéticas
São as orações que não apresentam conjunção, a liga-
Fig. 1 Cartaz do Festival de Woodstock. ção entre elas se dá por meio da pontuação.

O rock recupera minha certeza de que o homem nasceu Raspou, combinou, ganhou.
para amar, dançar e ser feliz.
ass. ass. ass.
O rock me dá forças para lutar contra o dragão da depen-
dência. O rock me eletriza e me mantém vivo [...] nesse mundo Antônio José Sandmann. “Anúncio da raspadinha”.
pornograficamente assexuado. A linguagem da propaganda.
Ricardo de Carvalho Duarte (Chacal). Arte e cultura dos anos 60.
No exemplo acima, as orações coordenadas curtas,
No parágrafo citado, temos três períodos compostos; sem conectivo, remetem, no plano do conteúdo, à pratici-
façamos a divisão:
dade e à rapidez que envolvem o produto.
Período 1 (5 orações, 5 verbos) Embora a conjunção não esteja presente nas assindé-
O rock recupera minha certeza de que o homem nasceu ticas, é possível, em alguns, casos, colocá-la.

Or. principal Or. sub.


Não saiam, está chovendo. = Não saiam, pois está cho-
para amar, dançar e ser feliz.
vendo.
Or. sub. Or. coord. Or. coord. sub. Cheguei, vi, venci. = Cheguei, vi e venci.

58 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


Sindéticas A segunda oração estabelece uma oposição em rela-
As orações coordenadas que se prendem à anterior ção à primeira; quando o enunciador diz que o presidente
por meio de conjunção denominam-se sindéticas. não rouba, cria-se a expectativa de que ele não deixaria
roubar; todavia dá-se o contrário, o presidente deixa rou-
O Sr. Arnaldo sofreu um enfarte, bar. Como a conjunção mas estabelece o argumento mais
forte, o enunciador acaba criticando o presidente, pois o
Or. ass.
que é destacado é o “deixar roubar” e não o fato de “não
roubar”. Compare:
foi para o céu e o hospital o trouxe de volta...
Maria é inteligente, mas falta à aula.
Or. ass. Or. sind.
o que se destaca

As orações coordenadas sindéticas recebem o nome Maria falta à aula, mas é inteligente.
das conjunções que as iniciam. Eis a classificação.
o que se destaca
Aditivas Na primeira oração, destaca-se a “falta”; na segunda,
Indicam a ideia de soma, sobreposição. a “inteligência”; há, pois, além da oposição, uma direção
A seleção brasileira venceu a Dinamarca e empatou com a argumentativa.
Na linguagem coloquial, há inúmeros casos em que o
Or. ass. Or. sind. aditiva
mas não estabelece oposição, gerando frases incoerentes
Inglaterra. (algumas vezes, preconceituosas).
“A poesia não se recusa a ninguém, nem é exclusividade
Torce para aquele time, mas é gente boa.
Or. ass. Or. sind. aditiva
de alguns.” A conjunção adequada no caso acima seria o e; o fato
de ser torcedor de determinado time não implica ser má
Atenção pessoa; não há oposição, mas um julgamento de valor ba-
seado no preconceito.
Utilizar a sequência e nem é pleonasmo, o nem possui o mesmo
valor que e não. A utilização das coordenadas adversativas possibilita
ainda ao enunciador criar efeitos de sentido que gerem
crítica e humor. É o caso do exemplo abaixo, em que a
Não só dominava o filho, mas também o marido. oposição fica subentendida.

Or. ass. Or. sind.

Na frase anterior, temos uma forma correlativa (não só...


mas também; não só... mas ainda; não só... senão também;
não só... senão que; não apenas... mas também...; tanto...
quanto). O emprego dessas formas dá, segundo o gramá-
tico Rocha Lima, mais vigor à coordenação.
São conjunções aditivas: e, nem (além das formas cor-
relativas acima mencionadas, que funcionam como uma
espécie de locução conjuntiva).
Fig. 2 Utilização de coordenada adversativa.
Atenção São conjunções adversativas: mas, porém, entretanto,
A conjunção e, embora aditiva para efeito de classificação, pode no entanto, contudo, todavia. Exceto o mas, que só inicia
assumir outros valores semânticos, por exemplo: Correu como um oração, as demais conjunções adversativas aceitam pos-
campeão e não ganhou. Nessa frase, a conjunção aditiva assume posição ao verbo.
valor adversativo: ...mas não ganhou.
Era linda; tinha, porém, alguns defeitos de ordem moral.

Adversativas Explicativas
Estabelecem com a frase anterior uma oposição, uma As orações coordenadas explicativas traduzem uma
quebra de expectativa. justificativa, um argumento favorável ao que foi dito ante-
FRENTE 1

riormente (o enunciador explica o motivo de sua ordem,


O governo não rouba, mas deixa roubar.
suposição ou declaração). Leia estes versos de Chico
Or. ass. Or. sind. adversativa Buarque.

59
São conjunções alternativas: ou...ou; quer...quer; ora...
Não chore ainda não ora; seja...seja; já...já.
Que eu tenho um violão
E nós vamos cantar Conclusivas
Chico Buarque. Olê, Olá, 1965. As orações coordenadas conclusivas explicitam o que
está pressuposto na oração anterior (exprimem uma con-
clusão). Observe o exemplo abaixo.
És homem, logo és mortal.
O segundo verso é um argumento favorável, uma justi-
or. ass. or. sind. conclusiva
ficativa ao pedido; em prosa, a conjunção estaria precedida
de vírgula. A B

Não chore ainda não, que eu tenho um violão e nós vamos cantar No fato de ser homem (A), está pressuposto o fato de
ser mortal (B). A conjunção pois, posposta ao verbo, encerra
or. ass. or. sind. explicativa or. sind. aditiva
também uma ideia conclusiva.
ordem motivo da ordem Foste bruto; deves, pois, pedir perdão.
Boa parte das explicativas são precedidas de impera-
or. ass. or. sind. conclusiva
tivo, mas há outras estruturas possíveis.
São conjunções conclusivas: logo, pois (depois do ver-
Arlindo deve estar doente, porque tem faltado às reuniões. bo), portanto, por isso, por conseguinte, assim.
or. ass. or. sind explicativa
A polissemia das conjunções
Suposição motivo da suposição
Algumas conjunções possuem vários valores semânti-
São conjunções explicativas: que, porque, porquanto, cos, é o caso, por exemplo, do e e do mas. Vejamos alguns
pois (antes do verbo). A oração coordenada explicativa não desses valores.
aceita anteposição, visto que é impossível justificar uma de-
claração, suposição ou ordem antes de enunciá-las, como diz A conjunção e
o linguista Celso Pedro Luft. y valor adversativo:
Deus cura e o médico manda a conta.
Atenção Benjamin Franklin.
y valor conclusivo, consecutivo:
Vocês esqueceram a bolsa e foram roubados.
y explicação enfática:
Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
Alternativas Machado de Assis.
Indicam alternância, exclusão ou opção (a escolha de A y valor alternativo:
implica a recusa de B, a escolha de B implica a recusa de A). Estudar para o vestibular e ir ao cinema, eis a dúvida.
Para melhor entendimento, leia a frase a seguir. y palavra denotativa de assunto, situação:
E o Ronaldinho? Fez mais um no Barça?
Brasil, ame-o ou deixe-o.
y valor concessivo:
or. ass. or. sind. altern. Foi o pior da partida, e treinou muito.
A B
y intensificador:
E canta, e canta, você precisa ver.
Campanha dos anos 1970.

Ou você aceitava o regime militar da época (escolha A conjunção mas


de A), ou seria posto fora do país (escolha de B), eis o que y valor restritivo:
significa a frase, do ponto de vista ideológico. As alternati- Pode ir, mas devagar.
vas também apresentam formas correlatas. y valor aditivo:
Era covarde, mas principalmente injusto.
Ora compunha versos de amor, ora criava narrativas de terror.
y para retomar o fio de enunciado anterior que ficou
or. sind. altern. or. sind. altern. suspenso:
Mas voltemos ao início.
As setas dos pitiguaras já caem do céu, já voam da terra.
y valor explicativo:
or. sind. altern. or. sind. altern. O jogo foi um desastre, mas os atacantes não fizeram
Celso Cunha. Gramática da língua portuguesa. nada.

60 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


y Palavra denotativa de assunto, situação: A direção argumentativa
Mas e o governo? Vai dar aumento?
As conjunções são responsáveis pela direção argumen-
y compensação/não compensação: tativa dada ao texto. Uma simples troca de conjunção faz
Foi a Paris, mas perdeu o vestibular. (não compensação) com que a oração assuma outro sentido. Compare:
y intensificador: Era político e homem honesto.
Mas fala... mas fala.... Era político, mas homem honesto.
Era político, logo era honesto.
A conjunção coordenativa que Ou era político ou era honesto.
y valor aditivo: Na primeira frase, a conjunção e acrescenta uma infor-
Anda que anda, mas não chega a parte alguma. mação ao que já foi dito; na segunda, a conjunção mas faz
pressupor que todo político seja desonesto, há uma crítica;
y valor adversativo: na terceira, a conjunção logo dá a entender que o fato de ser
Prendam todos, que não ao deputado! honesto está pressuposto em ser político; na quarta, a conjun-
y valor explicativo: ção ou estabelece novamente a crítica aos políticos, uma vez
Sonhe, que os pássaros o levarão ao paraíso dourado. que a escolha da honestidade exclui a opção pela política.

A palavra “que” será estudada no final do curso com


mais abrangência, visto que seu emprego é mais complexo.
O estilo
Na literatura, a presença de coordenadas liga-se a mui-
tas situações linguísticas, por exemplo, à oralidade. Quando
A conjunção pois se emprega o discurso direto à fala da personagem, ou
y valor explicativo (antes do verbo): quando se quer passar o prosaico, nota-se o emprego da
Pare, pois você está nu! coordenação.
y valor conclusivo (depois do verbo): Duas figuras de linguagem estão associadas às ora-
Joga-se comida fora; perde-se, pois, muita vitamina. ções coordenadas: o assíndeto – sucessão de coordenadas
assindéticas – e o polissíndeto – reiteração da conjunção
A conjunção logo/o advérbio logo coordenativa. Veja os exemplos a seguir.
valor temporal (advérbio):
Polissíndeto
y
O Brasil cresceu logo, a população duplicou.
O polissíndeto consiste na repetição de uma mesma
y valor conclusivo (conjunção): conjunção coordenativa.
O Brasil cresceu, logo há mais trabalhadores.
É bom lembrar que a polissemia é um fenômeno que [...]
ocorre com quase todas as palavras da língua. E cheios de ternura e graça
foram para a praça e começa-
ram a se abraçar
O paralelismo sintático nas formas
correlatas E ali dançaram tanta
dança que a vizinhança toda
Leia o texto a seguir, extraído do vestibular da Fuvest.
despertou
Amantes dos antigos bolachões penam não só para encon- [...]
trar os discos, que ficam a cada dia mais raros. A dificuldade Vinicius de Moraes; Chico Buarque.
aparece também na hora de trocar a agulha, ou de levar o Valsinha, 1970.

toca-discos para o conserto.


Jornal da Tarde, 22 out. 1998, p. 1C. No exemplo, a função do polissíndeto é acrescentar
No texto anterior, há quebra do paralelismo sintático; o fatos e intensificar o amor, que contamina a todos (repetição
termo não só pede o termo correlato mas também, que não da conjunção coordenativa e).
foi expresso. Nas formas correlatas, se falta um dos termos,
perde-se o paralelismo. O texto corrigido ficaria assim: Assíndeto
Chame, chame, chame lá
Amantes dos antigos bolachões penam não só para encon-
Chame o ladrão [...]
trar os discos, que ficam a cada dia mais raros, mas também
Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. Acorda, amor, 1974.
para trocar a agulha, ou levar o toca-discos para o conserto.
O assíndeto consiste na repetição de orações coor-
Veja este outro exemplo:
denadas assindéticas (no exemplo, “chame”). Veja outro
Seja homem ou mulher, o importante é ser humano. exemplo:
FRENTE 1

O conectivo “seja”, quando conjunção alternativa, pede Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a
obrigatoriamente um segundo “seja”. De modo que o cor- pouco, todas quatro, pegando-se, apartando-se, fundindo-se.
reto seria “seja homem, seja mulher...”. Machado de Assis. Dom Casmurro.

61
Revisando
Texto para as questões 1 e 2. 3 O que o texto deixa implícito? Qual é o valor semânti-
co de “porém”?
Vaca vai para o brejo e quase leva fazendeiro
VIENA - Foram necessários 25 bombeiros, sua esposa
e o seu filho para tirar a vaca Lulu de cima de Leopold
Zeilinger depois que o animal caiu em cima dele, na se-
mana passada. Quando Zeilinger descobriu que a vaca de
cerca de 600 quilos estava doente demais para ficar em
pé para ser ordenhada, seu dono utilizou uma espécie de
guindaste para suspendê-la.
Reuters.

1 Identifique um segmento da manchete ou do texto


que emprega a coordenação.

4 Substitua o conectivo “porém” por outro de igual valor


semântico.

2 Qual é o valor semântico do conectivo “e”?

Texto para as questões 5 e 6.


Ela entrou, jantou, falou com os noivos, saiu e
ninguém disse nada
Madonna e seu marido Guy Ritchie penetraram na
recepção de um casamento que estava sendo realizada
no terraço do Hotel De Russie, 5 estrelas de Roma onde
Texto para as questões 3 e 4.
a cantora também estava hospedada.
BONNIE MARTIN/STOCK.XCHNG

Disponível em: <www.bluebus.com.br>. Acesso em: 9 ago. 2006.

5 No contexto, qual o valor semântico de “e” em “e nin-


guém disse nada”?

“Todos os cogumelos são comestíveis… porém al-


guns só uma vez”.

62 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


6 Qual funcionalidade tem para o texto a sucessão de coordenadas assindéticas em “Ela entrou, jantou, falou com os
noivos, saiu”?

Texto para as questões de 7 a 9.


[...]
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu
[...]
Chico Buarque. Sem fantasia, 1967.

7 Qual valor semântico a palavra “que” assume no contexto?

8 Substitua a palavra “que” por outro conectivo de igual valor semântico.

9 Transforme a frase “Vem que eu te quero todo meu” em coordenada sindética conclusiva.

Texto para a questão 10.


A CNN conversa no banheiro enquanto Bush discursa
CNN pediu desculpas ontem por ter transmitido ao vivo o áudio de uma conversa de banheiro entre sua âncora Kyra
Phillips e uma outra mulher. O episódio foi constrangedor não apenas pela falha técnica e pela indiscrição dos comentários
da jornalista sobre sua vida familiar. Foi mais embaraçoso para a emissora por ter ocorrido durante o discurso do presidente
Bush em Nova Orleans marcando 1 ano da tragédia causada pelo furacão Katrina.
Disponível em: <www.bluebus.com.br>. Acesso em: 31 ago. 2006.

10 No segundo período, o autor comete erro de paralelismo sintático, envolvendo a locução “não apenas” e o conectivo
“e”. Corrija o texto, eliminando a quebra de paralelismo.
FRENTE 1

63
Exercícios propostos
1 UFSM Assinale a sequência de conjunções que esta- 6 Cesgranrio Na frase: “Avançamos muito na tecnologia,
belecem, entre as orações de cada item, uma correta mas a perplexidade fundamental é a mesma”, o ter-
relação de sentido. mo destacado pode ser substituído, sem alteração de
1. Correu demais caiu. sentido, por:
2. Dormiu mal, os sonhos não o deixaram em A por conseguinte
paz. b ainda assim
3. A matéria perece, a alma é imortal. c portanto
4. Leu o livro, é capaz de descrever as perso- d logo
nagens com detalhes. E pois
5. Guarde seus pertences, podem servir mais
tarde.
A porque, todavia, portanto, logo, entretanto 7 UEL 2019 “Tem uma frase boa que diz: uma língua é um
b por isso, porque, mas, portanto, que dialeto com exércitos. Um idioma só morre se não tiver
c logo, porém, pois, porque, mas poder político”, explica Bruno L’Astorina, da Olimpíada
d porém, pois, logo, todavia, porque Internacional de Linguística. E não dá para discordar.
E entretanto, que, porque, pois, portanto Basta pensar na infinidade de idiomas que existiam no
Brasil (ou em toda América Latina) antes da chegada dos
europeus – hoje são apenas 227 línguas vivas no país.
2 Cesgranrio “A nova bomba anunciava o rápido desfe-
Dominados, os índios perderam sua língua e cultura. O
cho da guerra em curso contra o Japão. Mas também
latim predominava na Europa até a queda do Império
prenunciava uma nova era, cheia de inquietações.”
Romano. Sem poder, as fronteiras perderam força, os ger-
A expressão destacada exprime:
mânicos dividiram as cidades e, do latim, surgiram novos
A adição. d conclusão.
idiomas. Por outro lado, na Espanha, a poderosa região
b alternância. E explicação.
da Catalunha ainda mantém seu idioma vivo e luta contra
c contraste.
o domínio do espanhol.
Não é à toa que esses povos insistem em cuidar de
3 Unimep Observe os períodos. seus idiomas. Cada língua guarda os segredos e o jeito
I. Fui às Olimpíadas, mas perdi o ano na escola. de pensar de seus falantes. “Quando um idioma morre,
II. Perdeu o emprego, mas passou três meses na morre também a história. O melhor jeito de entender o
Europa. sentimento de um escravo é pelas músicas deles”, diz Lua-
III. Todos ficaram apreensivos, mas a responsabilida-
na Vieira, da Olimpíada de Linguística. Veja pelo aimará,
de era grande.
uma língua falada por mais de 2 milhões de pessoas da
A conjunção mas introduz orações coordenadas ad-
Cordilheira dos Andes. Nós gesticulamos para trás ao falar
versativas que podem apresentar, no entanto, ideias
do passado. Esses povos fazem o contrário. “Eles acreditam
ou valores diferentes. Em I, II e III há, respectivamente,
que o passado precisa estar à frente, pois é algo que já não
ideia ou valor de:
visualizamos. E o futuro, desconhecido, fica atrás, como
A compensação, justificativa, contraste.
se estivéssemos de costas para ele”, explica.
b compensação, compensação, justificativa.
CASTRO, Carol. Blá-blá-blá sem fim.
c não compensação, não compensação, justificativa. Galileu, ed. 317, dez. 2017, p. 31.
d não compensação, compensação, justificativa.
E comparação, objeção, compensação. Acerca de trechos do texto, considere os exemplos
a seguir, quanto à presença de oração coordenada.
4 Cesgranrio No trecho: “Vem, não me abandones; só tu I. “os germânicos dividiram as cidades”.
podes quebrar estes ferros que me oprimem”, o que II. “e luta contra o domínio do espanhol”.
se enuncia após o ponto e vírgula tem valor: III. “os índios perderam sua língua e cultura”.
A consecutivo. d concessivo. IV. “em cuidar de seus idiomas”.
b explicativo. E conclusivo. Assinale a alternativa correta.
c condicional. A Somente os exemplos I e II são corretos.
b Somente os exemplos I e IV são corretos.
5 ITA Leia atentamente a frase.
c Somente os exemplos III e IV são corretos.
Está velho, artrítico, mas é um leão.
d Somente os exemplos I, II e III são corretos.
Qual dos conectivos apresentados abaixo possibilita
E Somente os exemplos II, III e IV são corretos.
a reestruturação da frase acima, mantendo ideia de
oposição ou contraste entre as orações?
A Porquanto d Não obstante 8 Unimep Leia atentamente as frases.
b Consoante E Ao passo que I. Mário estudou muito e foi reprovado!
c Contanto que II. Mário estudou muito e foi aprovado!

64 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


Em I e II, a conjunção e tem, respectivamente, valor: 13 Unicamp 2020 O telejornalismo é um dos principais
A aditivo e conclusivo. produtos televisivos. Sejam as notícias boas ou ruins, ele
b adversativo e aditivo. precisa garantir uma experiência esteticamente agradá-
c aditivo e aditivo. vel para o espectador. Em suma, ser um “infotenimento”,
d adversativo e conclusivo. para atrair prestígio, anunciante e rentabilidade. Porém, a
E concessivo e causal. atmosfera pesada do início do ano baixou nos telejornais:
Brumadinho, jovens atletas mortos no incêndio do CT do
Flamengo, notícias diárias de feminicídios, de valentões
9 PUC-Rio A grande utilização da conjunção e deve-se,
armados matando em brigas de trânsito e supermerca-
em parte, ao fato de que ela pode assumir diversos dos. Conjunções adversativas e adjuntos adverbiais já
significados. Substitua-a em cada frase abaixo por não dão mais conta de neutralizar o tsunami de tragédias
uma conjunção mais característica do significado em e violência, e de amenizar as más notícias para garantir
questão. o “infotenimento”. No jornal, é apresentada matéria so-
a) Todos se prepararam ansiosamente para o do- bre uma mulher brutalmente espancada, internada com
mingo na praia, e choveu. diversas fraturas no rosto. Em frente ao hospital, uma re-
) Conformar-se com a situação e mobilizar-se para pórter fala: “mas a boa notícia é que ela saiu da UTI e não
melhorá-la. precisará mais de cirurgia reparadora na face...”. Agora,
repórteres repetem a expressão “a boa notícia é que...”,
10 Fuvest Assinalar a alternativa que apresenta orações buscando alguma brecha de esperança no “outro lado”
das más notícias.
de mesma classificação que as deste período: “Não
(Adaptado de Wilson R. V. Ferreira, Globo adota
se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos”. “a boa notícia é que...” para tentar se salvar do baixo astral nacional.
A Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os Disponível em https://cinegnose. Blogs pot.com/2019/02/globo-
adotaboa-noticia-e-que-para.html. Acessado em 01/03 /2019.)
bichos de Fabiano.
b Foi até a esquina, parou, tomou fôlego. Considerando a matéria apresentada no jornal, o uso
c Depois que aconteceu aquela miséria, temia pas- da conjunção adversativa seguido da expressão “a
sar ali. boa notícia é que” permite ao jornalista
d Tomavam-lhe o gado quase de graça e ainda inven- A apontar a gravidade da notícia e compensá-la.
tavam juro. b expor a neutralidade da notícia e reforçá-la.
E Não podia dizer em voz alta que aquilo era um furto, c minimizar a relevância da notícia e acentuá-la.
mas era. d revelar a importância da notícia e enfatizá-la.

11 Cefet-MG 2020 14 CMRJ 2020 (Adapt.) Imaginemos uma situação. Há mui-


tos e muitos anos. Alguém chega a uma terra estranha
— No futuro, ao mapear o cérebro das pessoas cien-
e inexplorada. Trata de se situar, ver onde há água, de
tificamente, poderemos saber se o acusado de um crime
onde vem o vento, que animais e plantas existem nas
está mentindo ao se declarar inocente.
redondezas. Após algumas tentativas fracassadas, conclui
Achei aquilo impressionante. Primeiro, porque era
que certo ponto é o local mais adequado para providen-
impressionante em si, e depois, porque eu não conseguia ciar um abrigo. Trata de construí-lo e torná-lo o mais
imaginá-la fazendo algo assim. Parecia um ramo de estudo confortável possível. Depois encontra alguns vizinhos
excessivamente futurista para a minha princesa oriental. distantes, com outras vivências diferentes. Trocam ex-
Seu interesse no assunto, contudo, era evidentemente periências, fazem amizade, incorporam mutuamente as
sincero. descobertas um do outro. Em mais algum tempo, cons-
LACERDA, Rodrigo. O Fazedor de Velhos. São Paulo: Companhia das Letras,
titui-se um novo núcleo familiar. A casa cresce, ganha
2017. p. 84.
uma plantação, um cercadinho para os animais. Faz-se
O termo em destaque pode ser substituído, sem alte- uma estradinha e uma ponte para facilitar o convívio com
rar o sentido do texto, por os amigos. Novas e crescentes conquistas e aquisições. E
A portanto. assim por diante. Por várias gerações.
b todavia. Alguns descendentes podem resolver explorar outros
c então. lugares. Mas levam a memória da casa, da plantação, das
d assim. comidas, da ponte. Levam as ferramentas inventadas, os
utensílios desenvolvidos, as lembranças acumuladas. E
tudo se torna muito mais simples para eles graças a isso.
12 FEI “Sem dúvida as árvores se despojaram e enegre- Sua trajetória parte do zero, mas de vitórias e realizações
ceram, o açue estanou, as porteiras dos currais se anteriores.
abriram, inúteis.” Se um desses descendentes sofrer de uma forma de
Classique sintaticamente a oração destacada. amnésia total, não conseguirá aproveitar nada do que seus
A Coordenada sindética aditiva. ancestrais fizeram. Ele não terá a memória das outras ex-
FRENTE 1

b Coordenada sindética adversativa. periências. Vai ter que começar do nada. Chegando a uma
c Coordenada sindética conclusiva. terra estranha e inexplorada, pode nem ao menos tratar
d Coordenada assindética. de se situar, ver onde há água, de onde vem o vento, que

65
animais e plantas existem nas redondezas... Talvez procure Ana Maria Machado utiliza a construção “Mas há
um abrigo na areia onde a cheia do rio o carregue ou onde mais” para concluir sua lista de “boas razões para a
as feras vêm beber água. Não aprendeu com quem viveu gente chegar perto dos clássicos”. Os termos desta-
antes. Não tem uma experiência anterior que lhe informe cados têm semelhança sonora e diferença de sentido,
nada. Não sabe pescar nem cozinhar, não maneja uma e correspondem, respectivamente, a
ferramenta, desconhece armas e utensílios. Pior ainda, A oposição – adição.
pode estar em frente à casa que herdou e não saber para b conclusão – repetição.
que serve aquilo. Pode ouvir o chamado de seus vizinhos c acumulação – finalidade.
e não entender o que lhe dizem. d explicação – contradição.
Reduzido ao instinto, o pobre desmemoriado terá E alternância – intensidade.
sua própria sobrevivência ameaçada. Um caso de trágico
desperdício. 15 IFCE 2020 (Adapt.)
Ou então, pode-se imaginar alguém que deseja muito
melhorar de vida e tem na sala uma arca cheia de tesouros Quem foi Carolina Maria de Jesus, que
que os avós e os pais lhe deixaram. Mata-se de trabalhar, completaria 105 anos em março
mas nunca supôs que aquele baú fosse mais do que uma Ela foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil
caixa vazia. Jamais teve o impulso de arrombá-lo ou a e é considerada uma das mais relevantes para a
curiosidade de procurar uma chave que o abrisse. Todo literatura nacional
aquele patrimônio, ali pertinho, ao seu alcance, não lhe Marilia Marasciulo
serve para nada. Um monumento à inutilidade. Negra, catadora de papel e favelada, Carolina Maria
De alguma forma, toda a humanidade passa por riscos de Jesus foi uma autora improvável. Nasceu em 14 de
semelhantes. Temos de herança o imenso patrimônio da março de 1914 em Sacramento, Minas Gerais, em uma
leitura de obras valiosíssimas que vêm se acumulando comunidade rural, filha de pais analfabetos. Foi maltratada
pelos séculos afora. Mas muitas vezes nem desconfiamos durante a infância, mas aos sete anos frequentou a escola –
disso e nem nos interessamos pela possibilidade de abri- em pouco tempo, aprendeu a ler e escrever e desenvolveu
-las, ao menos para ver o que há lá dentro. É uma pena e o gosto pela leitura.
um desperdício. Em 1937, após a morte da mãe, ela mudou para São
Talvez essa seja a primeira razão pela qual eu sempre Paulo. Aos 33 anos, desempregada e grávida, mudou-se
quis explorar tudo o que eu pudesse nessa arca e, mais para a favela do Canindé, na zona norte da capital paulista.
tarde, aproximar meus filhos dos clássicos. Porque eu sei Trabalhava como catadora de papel e, nas horas vagas, re-
que é um legado riquíssimo, que se trata de um tesouro gistrava o cotidiano da favela em cadernos que encontrava
inestimável que nós herdamos e ao qual temos direito. Se- no material que recolhia.
ria uma estupidez e um absurdo não exigir nossa parte ou Um destes diários deu origem a seu primeiro livro,
simplesmente abrir mão da parte que nos pertence e deixar Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada, publicado
que os outros se apoderem de tudo sem dividir conosco. em 1960. A obra virou best-seller, foi vendida em 40 países
Ah, sim, porque esse risco também sempre esteve e traduzida para 16 idiomas.
presente na história da humanidade. Tradicionalmente, (...)
Texto adaptado, disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/
a leitura devia ser para poucos porque ela é sempre um noticia/2019/03/quem-foicarolina-maria-de-jesus-que-completaria-105-anos-
elemento de poder e podia ameaçar as minorias que em-marco.html, acesso em 22 de outubro de 2019.
controlavam os livros (e o conhecimento, o saber, a infor-
Ao usar a conjunção “mas” no trecho “..., mas aos sete
mação). Esses ideais de alfabetização para todos e acesso
anos frequentou a escola...”, a autora
amplo aos livros são muito recentes na História. Mas como
A destaca a comparação entre as etapas da vida de
estão aí e não há mais jeito para conseguir manter a mas-
Carolina Maria de Jesus.
sa na ignorância total, até parece que surgiu outra tática
b expressa a ideia de explicação sobre a capacidade
de propósito: distrair a maioria da população com outras
coisas, para que ela nem perceba que tem uma arca cheia
de escrita de Carolina Maria de Jesus.
de um rico tesouro bem à sua disposição, pertinho, ali no
c faz referência à época de nascimento de Carolina
canto da sala. (...) Maria de Jesus.
Assim, à minha reivindicação de ler literatura (o que, d pretende mostrar a consequência dos estudos de
evidentemente, inclui os clássicos), porque é nosso direito, Carolina Maria de Jesus.
vem se somar uma determinação de ler porque é uma for- E marca a ideia de oposição em relação à ideia de
ma de resistência. Esse patrimônio está sendo acumulado sofrimento na infância de Carolina Maria de Jesus.
há milênios, está à minha disposição, uma parte é minha
e ninguém tasca. (...) 16 EEAR 2020
Direito e resistência são duas boas razões para a gente Insônia infeliz e feliz
chegar perto dos clássicos. Mas há mais. Talvez a principal
seja o prazer que essa leitura nos dá. Clarice Lispector
(MACHADO. Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde De repente os olhos bem abertos. E a escuridão toda
cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 16-19. Texto adaptado.) escura. Deve ser noite alta. Acendo a luz da cabeceira e

66 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


para o meu desespero são duas horas da noite. E a cabeça – Olhe para mim e diga o que vê.
clara e lúcida. Ainda arranjarei alguém igual a quem eu O rapaz observou-o com suspeita.
possa telefonar às duas da noite e que não me maldiga. – Isso é algum truque? Vejo você. Tyrion Lannister.
Quem? Quem sofre de insônia? E as horas não passam. Tyrion suspirou.
Saio da cama, tomo café. E ainda por cima com um desses – Você é notavelmente gentil para um bastardo, Snow.
horríveis substitutos do açúcar porque Dr. José Carlos Cabral O que vê é um anão. Você tem o quê? Doze anos?
de Almeida, dietista, acha que preciso perder os quatro – Catorze. Disse o rapaz.
quilos que aumentei com a superalimentação depois do in- – Catorze, e é mais alto do que alguma vez serei.
cêndio. E o que se passa na luz acesa da sala? Pensa-se uma Minhas pernas são curtas e tortas, e caminho com difi-
escuridão clara. Não, não se pensa. Sente-se. Sente-se culdade. Necessito de uma sela especial para não cair
uma coisa que só tem um nome: solidão. Ler? Jamais. Es- do cavalo. Uma sela de minha própria concepção, talvez
crever? Jamais. Passa-se um tempo, olha-se o relógio, quem lhe interesse saber. Era isso ou montar um pônei. Meus
sabe são cinco horas. Nem quatro chegaram. Quem estará braços são suficientemente fortes, mas, uma vez mais,
acordado agora? E nem posso pedir que me telefonem no curtos demais. Nunca serei um espadachim. Se tivesse
meio da noite pois posso estar dormindo e não perdoar. nascido camponês, provavelmente me teriam abandonado
Tomar uma pílula para dormir? Mas e o vício que nos es- para que morresse, ou vendido para a coleção de aberra-
preita? Ninguém me perdoaria o vício. Então fico sentada na ções para algum negociante de escravos. Mas, ai de mim!
sala, sentindo. Sentindo o quê? O nada. E o telefone à mão. Nasci um Lannister de Rochedo Casterly, onde as coleções
Mas quantas vezes a insônia é um dom. De repente de aberrações são das mais pobres. Esperam-se coisas de
acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. mim. Meu pai foi mão do Rei durante vinte anos. Acon-
Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na teceu que, mais tarde, meu irmão matou esse mesmo rei,
praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. mas minha vida está cheia dessas pequenas ironias. Minha
Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo irmã casou-se com o novo rei e meu repugnante sobrinho
vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito será rei depois dele. Devo cumprir minha parte pela honra
que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se da minha Casa, não concorda? Mas como? Bem, poderei
clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às ter as pernas pequenas demais para o corpo, mas minha
vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira cabeça é grande demais, embora eu prefira pensar que tem
do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o o tamanho certo para a minha mente. Possuo um entendi-
sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por mento realista das minhas forças e fraquezas. A mente é a
tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando minha arma. Meu irmão tem a sua espada, o Rei Robert, o
e há o reencontro com meus filhos sonolentos. seu martelo de guerra, e eu tenho a mente... e uma men-
Clarice Lispector, no livro “A descoberta do mundo”. te necessita de livros da mesma forma que uma espada
Rio de Janeiro: Rocco, 1999. necessita de uma pedra de amolar para se manter afiada.
Por que o segundo parágrafo do texto inicia-se com a Tyrion deu uma palmada na capa de couro do livro:
conjunção “mas”? – É por isso que eu leio tanto, Jon Snow.
Disponível em: http://valeapenalerumlivro.blogspot.com/2013/10/tyrion-
A Porque são acrescentadas novas informações que guerra-dostronos_20.html, acesso em 10 de maio de 2019.
confirmam a sensação de prazer provocada pela
insônia. A conjunção sublinhada no enunciado “Bem, pode-
b Porque são acrescentadas novas informações que rei ter as pernas pequenas demais para o corpo, mas
confirmam a sensação de incômodo provocada minha cabeça é grande demais...” foi usada para ex-
pela insônia. pressar a ideia de
c Porque, no primeiro parágrafo, são apresentadas A causa.
as sensações ruins causadas pela insônia; e, no se- b consequência.
gundo parágrafo, expõem-se os benefícios de se c oposição.
estar acordado quando todos estão dormindo. d finalidade.
d Porque, no primeiro parágrafo, há informações que
apresentam os benefícios da insônia; e, no segundo 18 IFSC 2019
parágrafo, expõem-se as sensações desagradá-
Mito n° 6
veis de se estar acordado quando a maioria das
pessoas está dormindo. “O certo é falar assim porque se escreve assim”
Diante de uma tabuleta escrita COLÉGIO é provável
17 IFCE 2019 (Adapt.) Trecho do livro A Guerra os Tronos – que um pernambucano, lendo-a em voz alta, diga CÒlé-
gio, que um carioca diga CUlégio, que um paulistano
As crônicas de gelo e fogo, Livro um, de George R.R.
diga CÔlégio. E agora? Quem está certo? Ora, todos
Martin, que trata de uma conversa entre os persona-
estão igualmente certos. O que acontece é que em toda
gens Jon Snow e Tyrion Lannister.
língua do mundo existe um fenômeno chamado varia-
“– Por que lê tanto? ção, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito
FRENTE 1

Tyrion ergueu os olhos a ouvir aquela voz. Jon Snow em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas
estava a alguns pés de distância, olhando-o com curiosi- falam a própria língua de modo idêntico. Infelizmen-
dade. Fechou o livro sobre um dedo e disse: te, existe uma tendência (mais um preconceito!) muito

67
forte no ensino da língua de querer obrigar o aluno a que vivem na floresta amazônica aperfeiçoaram o uso
pronunciar “do jeito que se escreve”, como se essa fosse de compostos químicos encontrados em plantas e em
a única maneira “certa” de falar português (Imagine animais. O conhecimento sobre o uso dessas plantas
se alguém fosse falar inglês ou francês do jeito que se geralmente fica nas mãos de um curandeiro que, por sua
escreve!). Muitas gramáticas e livros didáticos chegam vez, repassa a tradição para um aprendiz. Esse processo
ao cúmulo de aconselhar o professor a “corrigir” quem se mantém ao longo de séculos e compõe uma parte
fala muleque, bêjo, minino, bisôro, como se isso pu- integral da identidade desses povos.
desse anular o fenômeno da variação, tão natural e tão
O potencial inexplorado das plantas amazônicas
antigo na história das línguas. Essa supervalorização
da língua escrita combinada com o desprezo da língua Os cientistas acreditam que menos de 0,5% das es-
falada é um preconceito que data de antes de Cristo! É pécies da flora foram detalhadamente estudadas quanto
claro que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ao seu potencial medicinal. Ao mesmo tempo em que o
ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando bioma Amazônia está encolhendo lentamente em tama-
criar uma língua falada “artificial” e reprovando como nho, a riqueza da vida silvestre de suas florestas também
“erradas” as pronúncias que são resultado natural das tem se reduzido, bem como o uso potencial das plantas
forças internas que governam o idioma. Seria mais justo e dos animais que ainda não foram descobertos.
<https://tinyurl.com/y4bprxq8> Acesso em: 10.10.2019. Adaptado.
e democrático dizer ao aluno que ele pode dizer BUnito
ou BOnito, mas que só pode escrever BONITO, porque Observe os elementos de coesão destacados no texto.
é necessária uma ortografia única para toda a língua, Analisando seu contexto de ocorrência, assim como
para que todos possam ler e compreender o que está suas funções sintático-semânticas, arma-se correta-
escrito, mas é preciso lembrar que ela funciona como mente que
a partitura de uma música: cada instrumentista vai in- A “não só” é uma locução adverbial utilizada para
terpretá-la de um modo todo seu, particular!
negar a expressão “os povos indígenas e as comu-
Fonte: BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 49ª
ed. São Paulo: Loyola, 2007, p. 52-53. (adaptado) Acesso em: 10 abr. 2018. nidades locais”.
b “não só... mas também”; “além disso” e “bem
Leia o excerto: como” são locuções conjuntivas e expressam
“É claro que é preciso ensinar a escrever de acordo ideia de adição.
com a ortograa ocial, mas não se pode fazer isso c “No entanto”, como conjunção adversativa, pode
tentando criar uma língua falada “articial”. ser substituída, sem alterar o sentido original do
Assinale a alternativa cORRETA. período, por “porque”.
A palavra em destaque poderia ser substituída, sem d “à medida que” está empregada inadequadamente
que houvesse alteração de sentido, por: no texto, pois deveria expressar proporção; logo, o
A senão correto seria “na medida em que”.
b assim E “mas também” exerce função de conjunção adver-
c pois sativa no texto, uma vez que expressa oposição em
d e relação à oração anterior: “... a floresta Amazônica
E todavia é reconhecida...”.

19 CPS-Etec 2020 20 AFA Assinale a alternativa cujo elemento de coesão


O que liga a floresta Amazônica, o aquecimento corrige o texto a seguir.
mundial e você? As pessoas caminhavam pelas ruas, despreocupadas,
como se não existisse perigo algum, mas o policial
Há muito tempo a floresta Amazônica é reconheci-
continua tomando folgadamente o seu café.
da como um repositório de serviços ecológicos, não só
A até mesmo
para os povos indígenas e as comunidades locais, mas
b por isso mesmo
também para o restante do mundo. Além disso, de todas
c no entanto
as florestas tropicais do mundo, a Amazônia é a única
que ainda está conservada, em termos de tamanho e de
d apesar disso
diversidade.
No entanto, à medida que as florestas são queimadas 21 Mackenzie Digam o que quiserem dizer os hipocondría-
ou retiradas e o processo de aquecimento global é in- cos: a vida é uma coisa doce.
tensificado, o desmatamento da Amazônia gradualmente Machado de Assis, Dom Casmurro.
desmonta os frágeis processos ecológicos que levaram
Os dois-pontos representam a seguinte relação de
anos para serem construídos e refinados.
ideias:
A floresta amazônica pode curar você A Consequência
Durante milênios, os seres humanos utilizaram in- b Concessão
setos, plantas e outros organismos da região para várias c Adição
finalidades, entre elas a agricultura, a vestimenta e, claro, d Adversidade
a cura para doenças. Povos indígenas e outros grupos E Explicação

68 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


22 Fatec O período cujas orações estão ligadas pela rela- 24 O conectivo “e”, em geral, coordena orações ou termos
ção de sentido de oposição é: de mesmo valor sintático, estabelecendo sentido aditi-
A A segunda desejou e não ousou. vo entre eles. Isso se confirma em todas as alternativas
b O mais novo achava a irmã tão bonita que a Playboy abaixo, exceto em:
ia se interessar e ela ia ficar famosa. A “[...] um país entra em transe emocional e algumas
c Ela defendeu a opção da menina, e logo o bairro pessoas se convencem de que basta uma torcida
estava a favor. muito forte [...]”.
d Eu não tenho peito, não entendo essa vaidade de b “[...] se pode vencer um inimigo poderoso, o cri-
mostrar. me violento, apenas pela repetição de mantras
E Vão perder o respeito, a televisão mostra tudo. e mediante sinais feitos com as mãos imitando o
voo da pomba branca da paz”.
23 Fatec Ela queria sair de peito nu no carnaval. c “[...] continuará intacto e movimentando o principal
A alternativa em que se encontra sintaxe de orações caminho que elas percorrem das forjas do metal
análoga à desse período é: até as mãos dos bandidos”.
A O ex-namorado promete ser seu escravo para o d “Depois raspam sua numeração e a vendem”.
resto da vida. E “[...] podem ser organizados milhares de referen-
b Se desfilar, está acabado. dos e o problema do crime continuará do mesmo
c Parecia que nem estava contra. tamanho”.
d Quanto ao trabalho, estava disposta a encarar as
consequências.
E Para evitar palavrões, nem falaram com ele.

Texto complementar
Classificação das orações
Segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), as orações se classificam como: absoluta, principal, coordenada e subordinada.
y Absoluta é a oração isolada, não ligada a outra, constituindo período simples: Troveja.
y Principal é aquela que traz inserida uma subordinada. Principal é termo relativo: uma oração principal em relação a sua(s) subordinada(s). Assim,
uma oração pode ser, ao mesmo tempo, subordinada a uma oração, principal em relação a outra, e ainda coordenada a uma terceira.
[sei] [[[que o diretor declarou [estar de acordo]] [e] [assinou o convênio]]].
A oração em itálico é subordinada a sei, principal em relação a estar de acordo e coordenada a assinou o convênio.
Celso Pedro Luft. Moderna gramática brasileira. 2. ed. São Paulo: Globo Livros, 2002.

Resumindo
As coordenadas podem ser de dois tipos: assindéticas (sem conjunção) ou sindéticas (com conjunção).
As sindéticas dividem-se em:
y aditiva: passa ideia de sobreposição, adição (e, nem, não só… mas também, não apenas… mas ainda etc.).
y adversativa: apresenta quebra de expectativa em relação ao que foi dito anteriormente (mas, todavia, no entanto, entretanto, contudo, porém.).
y explicativa: trata-se de justificativa, argumento favorável ao que foi dito anteriormente (pois, porque, porquanto etc.).
y conclusiva: explicita algo que está implícito na oração anterior (logo, portanto, por isso, por conseguinte, pois, então).
y alternativa: passa a ideia de alternidade, opção, exclusão (ou…ou, ora…ora, quer…quer, já…já, seja...seja).
As conjunções são polissêmicas, apresentam vários valores semânticos.
A conjunção e coordena elementos de igual função, quando isso não ocorre há quebra de paralelismo sintático.
As correlações conjuntivas (não só…, mas também, ora… ora) pressupõem paralelismo gramatical; a ausência de um dos termos da correlação implicará
quebra de paralelismo.
FRENTE 1

69
Quer saber mais?

Site Livro
y Geniol – Testes de Português. y BECHARA, Evanildo. Gramática fácil da Língua Portuguesa. Rio de
Disponível em: <www.geniol.com.br/testes/idiomas/teste-de- Janeiro: Nova Fronteira, 2014.
portugues>.

Exercícios complementares
1 EEAR 2019 Marque a alternativa incorreta quanto à b tem uma função de justificação das razões pelas
classificação das orações coordenadas sindéticas quais o poeta é capaz de ouvir e entender estrelas.
destacadas.  traz em si uma ideia de contraponto ao enlevo poé-
A Fabiano não só foi o melhor, mas também foi o mais tico descrito no poema.
votado. (aditiva) d expressa a ideia da finalidade primeira do poeta
b Apresente seus argumentos ou ficará sem chance enamorado, que é ouvir e entender estrelas.
de defesa. (conclusiva) E estabelece a ideia de alternância, mas sem relação
 Estude muito, pois a prova de conhecimentos es- de equivalência nos versos do texto.
pecíficos estará bem difícil. (explicativa)
d Ela era a mais bem preparada candidata, mas a vaga 3 Cefet-MG 2020
de emprego foi destinada a sua amiga. (adversativa)
Um escritor! Um escritor!

2 IME 2020 (Adapt.) O “Soneto XIII” de Via-Láctea, co- Antônio Prata*


Com o jornal numa mão e um guaraná diet na outra,
leção publicada em 1888 no livro Poesias, é o texto
eu caminhava pelas ruas de Kiev, desviando de barrica-
mais famoso da antologia, obra de estreia do poeta
das e coquetéis molotov (1), quando a voz no sistema de
Olavo Bilac. O texto, cuidadosamente ritmado, suas
som me trouxe de volta à poltrona 11C do Boeing 737:
rimas e a escolha da forma fixa revelam rigor formal e “Atenção, senhores passageiros, caso haja um médico a
estilístico caros ao movimento parnasiano; o tema do bordo, favor se apresentar a um de nossos comissários”.
poema, no entanto, entra em colisão com o tema da Foi aquele discreto alvoroço: todos cochichando,
literatura típica do movimento, tal como concebido no olhando em volta, procurando o doente e torcendo por
continente europeu. um doutor, até que, do fundo da aeronave, despontou o
nosso herói. Vinha com passos firmes – grisalho, como
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
convém – a vaidade disfarçada num leve enfado, como
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
um Clark Kent que, naquele momento, estivesse menos
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
interessado em demonstrar os superpoderes do que em
E abro as janelas, pálido de espanto…
comer seus amendoins.
Um comissário o encontrou no meio do corredor e o
E conversamos toda a noite, enquanto
levou, apressado, até uma senhora gorducha que segurava a
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
cabeça e hiperventilava na primeira fileira do avião. O mé-
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
dico se agachou, tomou o pulso, auscultou peito e costas,
Inda as procuro pelo céu deserto.
conversou baixinho com ela, depois falou com a aeromoça.
Trouxeram uma caixa de metal, ele deu um comprimido
Direis agora: “Tresloucado amigo! à mulher e, nem dez minutos mais tarde, voltou pros seus
Que conversas com elas? Que sentido amendoins, sob os olhares admirados de todos.
Tem o que dizem, quando estão contigo?” Ou de quase todos, pois a minha admiração, devo
admitir, foi rapidamente fagocitada (2) pela inveja. Ora,
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! quando a medicina nasceu, com Hipócrates, a história de
Pois só quem ama pode ter ouvido Gilgamesh (3) já circulava pelo mundo havia mais de dois
Capaz de ouvir e de entender estrelas.” milênios: desde tempos imemoriais, enquanto o corpo
BILAC, Olavo. Antologia: Poesias. Martin Claret, 2002. pp. 37-55. seguia ao deus-dará, a alma era tratada por mitos, versos,
Via-Láctea. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/
texto/bv000289.pdf>. Acesso em: 19/08/2019. fábulas – e, no entanto...
No entanto, caros leitores, quem aí já ouviu uma ae-
A palavra “pois”, usada em “Pois só quem ama pode romoça pedir, ansiosa: “Atenção, senhores passageiros,
ter ouvido” (verso 13), caso haja um escritor a bordo, favor se apresentar a um
A exprime a consequência dos hábitos cotidianos do de nossos comissários”?
poeta de ouvir e entender estrelas. Eu não me abalaria. Fecharia o jornal, sem afobação,

70 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


poria uma Bic e um guardanapo no bolso, iria até a senho- No texto, há o uso de diferentes conjunções (elemen-
ra gorducha e me agacharia ao seu lado. Conversaríamos tos coesivos) com a nalidade de demarcar conexões
baixinho. Ela me confessaria, quem sabe, estar prestes a de sentido. A partir dessa armação, existe correlação
reencontrar o filho, depois de dez anos brigados: queria entre a conjunção em destaque e a informação de
falar alguma coisa bonita pra ele, mas não era boa com as sentido entre colchetes em
palavras. Eu faria uma rápida anamnese (4): perguntaria os A Ou de quase todos, pois a minha admiração, devo
motivos da briga, se o filho estava mais pra Proust ou pra admitir, foi rapidamente fagocitada pela inveja. [ex-
UFC (5), levantaria recordações prazerosas da relação e, pliação]
antes de tocarmos o solo, entregaria à mulher três parágrafos
b “Atenção, senhores passageiros, aso haja um es-
capazes de verter lágrimas até da estátua do Borba Gato.
critor a bordo, favor se apresentar a um de nossos
De volta ao meu lugar, passageiros me cumprimenta-
comissários”? [ausa]
riam e compartilhariam histórias semelhantes. Uma jovem
c Trouxeram uma caixa de metal, ele deu um com-
mãe me contaria do primo poeta que, num restaurante,
ao ouvir os apelos do garçom –”Um escritor, pelo amor primido à mulher e, nem dez minutos mais tarde,
de Deus, um escritor!”–, tinha sido levado até um rapaz voltou pros seus amendoins, sob os olhares admi-
apaixonado e conseguido escrever seu pedido de casa- rados de todos. [tempo]
mento no cartão de um buquê antes que a futura noiva d Ela me confessaria, quem sabe, estar prestes a
voltasse do banheiro. reencontrar o filho, depois de dez anos brigados:
Um senhor comentaria o caso muito conhecido do queria falar alguma coisa bonita pra ele, mas não
romancista que, após as súplicas de mil turistas, fora capaz era boa com as palavras. [aição]
de convencer 200 tripulantes de um cruzeiro a abandonar
o gerúndio. 4 Fuvest “Tão barato que não conseguimos nem contra-
Eu sorriria, de leve. Diria “Pois é, se você escolheu tar uma holandesa de olhos azuis para este anúncio.”
essa profissão, tem que estar preparado pras emergências”, No texto, a orientação semântica introduzida pelo ter-
então recusaria, educadamente, o segundo saquinho de mo nem estabelece uma relação de:
amendoins que a aeromoça me ofereceria e voltaria, como A exclusão. d intensidade.
se nada tivesse acontecido, para as bombas da Crimeia b negação. E alternância.
(6), com meu copo de guaraná.
c adição.
*Antonio Prata
Escritor e roteirista, autor de Nu, de Botas.
Jornal Folha de S.Paulo, 25 maio 2014 – Disponível em: <https://www1. 5 Fuvest “Galileu duvidou tanto de Aristóteles quanto
folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/>. Acesso em 27 ago.2019. das Escrituras!”
Vocabulário de apoio: A mesma noção expressa pelo par destacado está
1 - Kiev: capital e maior cidade da Ucrânia. No trecho: “eu ca- também em:
minhava pelas ruas de Kiev, desviando de barricadas e coquetéis A A criança tanto chorou que a mãe comprou o brin-
molotov”, o autor se refere ao tema do livro (Guerra da Crimeia) quedo.
que ele lia, enquanto estava no voo. Os termos ‘barricadas’ (trin- b Quer você queira, quer não, partimos amanhã.
cheiras feitas de improviso) e ‘coquetéis molotov’ (tipo de arma
c Não só o argumento é falso, como o discurso todo
química, geralmente usada em guerrilhas) estão relacionados ao
tema da leitura feita pelo autor.
mente.
2 - fagocitada: neologismo criado a partir de fagocitose: proces- d Ele apresentou de tal forma os fatos que convenceu
so de ingestão e destruição de partículas sólidas, como bactérias a todos.
ou pedaços de tecido necrosado, por células ameboides cha- E Ele mais bradou que verdadeiramente lutou contra
madas de fagócitos [tem como uma das funções a proteção do a opinião pública.
organismo contra infecções.]; no texto, ‘fagocitada’ pode ser
substituída por ‘devorada’.
3 - No trecho: “a medicina nasceu, com Hipócrates, a história 6 PUC-Minas Reúna os dois fatos citados em um período,
de Gilgamesh”, o autor se refere a Hipócrates – pensador grego, estabelecendo entre eles a relação que se acha expres-
considerado o “pai da Medicina” – e a Gilgamesh - rei da Sumé- sa entre parênteses.
ria, mais conhecido atualmente por ser o personagem principal Os homens queimam a vegetação perigosamente. O de-
da Epopeia de Gilgamesh, um épico mesopotâmico preservado sequilíbrio ecológico instala-se. (relação de conclusão)
em tabuletas escritas com caracteres cuneiformes (o mais antigo
tipo de escrita do mundo).
4 - anamnese: lembrança, recordação pouco precisa. No campo 7 Fuvest A mesma relação semântica assinalada pela
da medicina, anamnese é um histórico que vai desde os sin- conjunção e na frase, “Detenho-me diante de uma la-
tomas iniciais até o momento da observação clínica, realizado reira e olho o fogo”, encontra-se também em:
com base nas lembranças do paciente. A E a cada dia, você tem mais lugares onde pode con-
5 - No trecho: “se o lho estava mais pra Proust ou pra UFC”, o tar com a comodidade de pagar suas despesas com
autor se refere a um escritor francês (Proust, importante escritor no
cartões de créditos.
cenário da literatura mundial) e a UFC, cuja sigla em inglês Ulti-
b Realizada pela primeira vez em outubro do ano
FRENTE 1

mate Fighting Championship, designa organização de MMA (Artes


Marciais Mistas) que produz eventos ao redor de todo o mundo. passado, a Semana da Arte e Cultura da USP tenta
6 - bombas da Crimeia – referência à Guerra da Crimeia (1853– conquistar seu espaço na agenda cultural de São
1856), assunto do livro que o autor lia, durante o voo. Paulo.

71
c Carro quebra no meio da estrada e casal pede aju- alegre, Miguilim...Nem sabia o que era alegria e tristeza.
da a um motorista que passa pelo local. Mãe o beijava. A Rosa punha-lhe doce-de-leite nas algi-
d Quisera falar com o ladrão, e nada fizera. beiras, para a viagem. Papaco-o-Paco falava, alto, falava.
E E seu irmão Dito é o dono daqui? João Guimarães Rosa. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

O texto a seguir refere-se às questões 8 e 9. Do ponto de vista do estilo e da relação deste com o
sentido, esse trecho caracteriza-se:
Transforma-se o amador na cousa amada, A pela sucessão de frases curtas e entrecortadas,
Por virtude do muito imaginar; que mimetizam o ritmo da emoção implicada na
Não tenho, logo, mais que desejar, cena.
Pois em mim tenho a parte desejada,
b pela conjunção de narrador em primeira pessoa e
Se nela está minh’alma transformada em terceira pessoa, interligando solidamente emis-
Que mais deseja o corpo de alcançar? sor e receptor.
Em si somente pode descansar, c pelo recurso intensivo às figuras de linguagem,
Pois consigo tal alma está liada. com predomínio das metáforas sobre as meto-
nímias – o que potencializa o teor simbólico do
Mas esta linda e pura semi-ideia,
Que, como um acidente em seu sujeito,
texto.
Assi co a alma minha se conforma, d pelo predomínio da função emotiva sobre as funções
poética e conativa, o que gera a força encantatória
Está no pensamento como ideia: própria do texto.
E o vivo e puro amor de que sou feito, E pela dominância da adjetivação afetiva, que traz à
Como a matéria simples busca a forma. tona e potencializa a emoção própria da cena.
Camões.

11 CMRJ 2019
8 Fuvest A relação semântica expressa pelo termo logo Armandinho
no verso “Não tenho, logo, mais que desejar” ocorre Alexandre Beck
igualmente em:
A Não se lembrou de ter um retrato do menino. E
logo o retrato que tanto desejava.
b Acendia, tão logo anoitecia, um candeeiro de que-
rosene.
c É um ser humano, logo merece nosso respeito.
d E era logo ele que chegava a esta conclusão. Disponível em: <https://tirasarmandinho.tumblr.com/>.
E Adoeceu, e logo naquele mês, quando estava Acesso em: 05 set. 2018.
cheio de compromissos.
“As crianças precisam saber que existem limites!”
“Educar também é saber dizer ‘NÃO’!”
9 Fuvest A conjunção mas que aparece no início do pri- Podem-se unir essas duas falas em apenas uma única
meiro terceto é usada para: frase, sem alterar o seu sentido original, por meio do
A apresentar uma síntese das ideias contidas nos seguinte termo:
quartetos, que funcionam como tese e antítese. A se. d porque.
b opor à satisfação expressa nos quartetos a insa- b mas. E quando.
tisfação trazida por uma ideia incompleta e pelo c embora.
conformismo.
c substituir o conectivo e, assumindo valor aditivo, já
12 Unifesp 2019 (Adapt.) Para responder à questão, leia
que não há oposição entre os quartetos e os tercetos.
o trecho do livro Casa-grande e senzala, de Gilberto
d iniciar um pensamento conclusivo, podendo ser
Freyre.
substituído pelo conectivo portanto.
E introduzir uma ressalva em relação às ideias que Mas a casa-grande patriarcal não foi apenas fortale-
foram expressas nos quartetos. za, capela, escola, oficina, santa casa, harém, convento
de moças, hospedaria. Desempenhou outra função im-
portante na economia brasileira: foi também banco.
10 Leia.
Dentro das suas grossas paredes, debaixo dos tijolos
Olhava mais era para a Mãe. Drelina era bonita, a ou mosaicos, no chão, enterrava-se dinheiro, guarda-
Chica, Tomezinho. Sorriu para o Tio Terêz, o senhor pare- vam-se joias, ouro, valores. Às vezes guardavam-se joias
ce com pai... Todos choravam. O doutor limpou a goela, nas capelas, enfeitando os santos. Daí Nossas Senhoras
disse: – “Não sei, quando eu tiro esses óculos, tão fortes, sobrecarregadas à baiana de teteias, balangandãs, cora-
até meus olhos se enchem d’água...” Miguilim entregou a ções, cavalinhos, cachorrinhos e correntes de ouro. Os
ele os óculos outra vez. Um soluçozinho veio. Dito e Cuca ladrões, naqueles tempos piedosos, raramente ousavam
Pingo-de-Ouro. E o Pai. Sempre alegre, Miguilim... Sempre entrar nas capelas e roubar os santos. É verdade que um

72 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


roubou o esplendor e outras joias de São Benedito; mas 13 Observe as frases a seguir.
sob o pretexto, ponderável para a época, de que “negro I. Desespero meu: leitura obrigatória de livro indi-
não devia ter luxo”. Com efeito, chegou a proibir-se, cado...
nos tempos coloniais, o uso de “ornatos de algum luxo” II. Uma surpresa: tão bom, aquele livro!
pelos negros. III. Nenhum aborrecimento na leitura.
Por segurança e precaução contra os corsários, Respeitando a sequência em que estão apresentadas
contra os excessos demagógicos, contra as tendências as três frases acima, articule-as em um único período.
comunistas dos indígenas e dos africanos, os grandes Empregue os verbos e os nexos oracionais necessá-
proprietários, nos seus zelos exagerados de privativismo, rios à clareza, à coesão e à coerência desse período.
enterraram dentro de casa as joias e o ouro do mesmo
modo que os mortos queridos. Os dois fortes motivos das
14 AFA 2019 (Adapt.)
casas-grandes acabarem sempre mal-assombradas com
cadeiras de balanço se balançando sozinhas sobre tijolos Violência: presente e passado da história
soltos que de manhã ninguém encontra; com barulho de
Vilma Homero
pratos e copos batendo de noite nos aparadores; com
Ao olhar para o passado, costumamos imaginar que
almas de senhores de engenho aparecendo aos parentes
estamos nos afastando dos tempos da “barbárie pura e
ou mesmo estranhos pedindo padres-nossos, ave-marias,
simples” para alcançar uma almejada “civilização”, cal-
gemendo lamentações, indicando lugares com botijas cada sobre relações livres, iguais e fraternas, típicas do
de dinheiro. Às vezes dinheiro dos outros, de que os se- homem culto. Um olhar sobre a história, no entanto, põe
nhores ilicitamente se haviam apoderado. Dinheiro que em xeque esta visão utópica. Organizado pelos histo-
compadres, viúvas e até escravos lhes tinham entregue riadores Regina Bustamante e José Francisco de Moura,
para guardar. Sucedeu muita dessa gente ficar sem os o livro Violência na História, publicado pela Mauad
seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à Editora com apoio da FAPERJ, reúne diversos ensaios
morte súbita do depositário. Houve senhores sem escrú- que mostram, ao longo do tempo, diferentes aspectos da
pulos que, aceitando valores para guardar, fingiram-se violência, propondo uma reflexão mais demorada sobre
depois de estranhos e desentendidos: “Você está maluco? o tema. Nos ensaios reunidos no livro, podemos vislum-
Deu-me lá alguma cousa para guardar?” brar como, desde a antiguidade e ao longo da história
Muito dinheiro enterrado sumiu-se misteriosamente. humana, a violência se insere, sob diversos vieses, nas
Joaquim Nabuco, criado por sua madrinha na casa-gran- relações de poder, seja entre Estado e cidadãos, entre
de de Maçangana, morreu sem saber que destino tomara livres e escravos, entre homens e mulheres, ou entre di-
a ourama para ele reunida pela boa senhora; e provavel- ferentes religiões. “Durante a Idade Média, por exemplo,
mente enterrada em algum desvão de parede. […] Em vemos como a violência se manifesta na religiosidade,
várias casas-grandes da Bahia, de Olinda, de Pernam- durante o movimento das Cruzadas. Ou, hoje, no caso
buco se têm encontrado, em demolições ou escavações, dos movimentos sociais, como ela acontece em relação
botijas de dinheiro. Na que foi dos Pires d’Ávila ou Pires aos excluídos das favelas. O sentido é amplo. A desi-
de Carvalho, na Bahia, achou-se, num recanto de pare- gualdade social, por exemplo, é um tipo de violência; a
de, “verdadeira fortuna em moedas de ouro”. Noutras expropriação do patrimônio cultural, que significa não
casas-grandes só se têm desencavado do chão ossos de permitir que a memória cultural de determinado grupo
escravos, justiçados pelos senhores e mandados enterrar se manifeste, também”, prossegue a organizadora. (...) A
no quintal, ou dentro de casa, à revelia das autoridades. própria palavra “violência”, que etimologicamente deriva
Conta-se que o visconde de Suaçuna, na sua casa-grande do latim vis, com significado de força, virilidade, pode ser
de Pombal, mandou enterrar no jardim mais de um negro positiva em termos de transformação social, no sentido
supliciado por ordem de sua justiça patriarcal. Não é de de uma violência revolucionária, usada como forma de
admirar. Eram senhores, os das casas-grandes, que man- se tentar transformar uma sociedade em determinado
davam matar os próprios filhos. Um desses patriarcas, momento. (...) Essas variadas abordagens vão aparecendo
Pedro Vieira, já avô, por descobrir que o filho mantinha ao longo do livro.
relações com a mucama de sua predileção, mandou (...) Na Roma antiga, as penas, aplicadas após julga-
matá-lo pelo irmão mais velho. mento, ganhavam um sentido religioso. Despido de sua
(In: Silviano Santiago (coord.). humanidade, o réu era declarado homo sacer. Ou seja,
Intérpretes do Brasil, 2000.) sua vida passava a ser consagrada aos deuses. Segundo a
pesquisadora Norma Mendes, “havia o firme propósito de
Em “Não é de admirar. Eram senhores, os das casas-
fazer da morte dos condenados um espetáculo de caráter
-grandes, que mandavam matar os próprios lhos.” (3o
exemplar, revestido de sentido religioso e de dominação,
parágrafo), a conjunção que poderia unir as duas fra- cuja função era o reforço, manutenção e ratificação das
ses, sem alteração de sentido, é: relações de poder.” (...) O historiador Francisco Carlos
A como. Teixeira da Silva é um dos que traz a discussão para
b mas. o presente, analisando as transformações políticas do
FRENTE 1

c embora. último século. “Desde Voltaire até Kant e Hegel, acredita-


d se. va-se no contínuo aperfeiçoamento da condição humana
E pois. como uma marcha inexorável em direção à razão. (...)

73
O Holocausto, perpetrado em um dos países mais avançados e cultos à época, deixou claro que a luta pela dignidade
humana é um esforço contínuo e, pior de tudo, lento. (...) E, sobretudo, mais de 50 anos depois da II Guerra Mundial, a
ocorrência de outros genocídios – Ruanda, Iugoslávia, Camboja etc. – leva a refletir sobre a convivência entre os homens
nesse começo do século XXI.” O historiador prossegue: “De forma paradoxal, a globalização, conforme se aprofunda e
pluga os homens a escalas planetárias, é fortemente acompanhada pelo localismo e o particularismo religioso, étnico ou
cultural, promovendo ódios e incompreensões crescentes. Na Bósnia ou em Kosovo, na Faixa de Gaza ou na Irlanda do
Norte, a capacidade de entendimento chegou a seu mais baixo nível de tolerância, e transpor uma linha, imaginária ou
não, entre bairros pode representar a morte.” Como nem tudo se limita às questões políticas e às guerras, o livro ainda
analisa as formas que a violência assume nas relações de gênero, na religião, na cultura e aborda também a questão dos
direitos humanos, vista sob a perspectiva de diferentes sistemas culturais.
(http://www.faperj.br/?id=1518.2.4.
Acesso em 05 de março de 2018.)

A conjunção ou liga duas palavras ou orações estabelecendo diferentes relações semânticas, como exclusão, alter-
nância ou, até mesmo, inclusão. Assinale a alternativa em que a relação de sentido estabelecida é dIFERENTE das
demais.
A “...é fortemente acompanhada pelo localismo e o particularismo religioso, étnico ou cultural...”
b “Na Bósnia ou em Kosovo, na Faixa de Gaza ou na Irlanda do Norte, a capacidade de entendimento...”
c “...chegou a seu mais baixo nível de tolerância, e transpor uma linha, imaginária ou não, entre bairros...”
d “...seja entre Estado e cidadãos, entre livres e escravos, entre homens e mulheres, ou entre diferentes religiões. ”

74 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 Período composto por coordenação


Van Campos / Fotoarena
Coração
De sambista brasileiro
Quando bate no pulmão
Lembra a batida do pandeiro
Eu afirmo
Sem nenhuma pretensão
Que a paixão faz dor no crânio
Mas não ataca o coração
Noel Rosa. Coração (samba anatômico).

FRENTE 1

CAPÍTULO Período composto por subordinação

10
O excerto anterior, trecho de um samba de Noel Rosa, apresenta uma estrutura
sintática que mescla subordinação (predominante) e coordenação (duas últimas orações).
A subordinação é responsável por uma ideia de tempo “Quando bate no pulmão” e
por um complemento verbal em forma de oração “Que a paixão faz dor no crânio”. As
coordenadas foram empregadas para estabelecer uma oposição de ideias.
As orações subordinadas, se colocadas sozinhas em um período, parecem
sintaticamente imperfeitas, incompletas. Isso ocorre, porque dependem de outras
orações para que atinjam a completude sintática. Temos, pois, subjacente ao conceito
de subordinação, a ideia de dependência sintática.
Introdução Funções das subordinadas /classificação
É preciso ficar claro que o mais importante não é clas- Quanto à função, podem desempenhar:
sificar, mas operar com as estruturas oracionais, pois a y o papel de substantivo: orações subordinadas subs-
coordenação e a subordinação de orações possibilitam a tantivas.
quem escreve expressar ideias, raciocinar linguisticamente Meu medo era a chuva.
de forma mais elaborada, complexa. Quando temos apenas
substantivo
uma oração (oração absoluta, período simples), também
expressamos ideias, mas nos privamos de certas relações Meu medo era que chovesse.
lógicas. Para melhor desempenho sintático, é importante
or. sub. substantiva
que se faça o estudo do período composto por subor-
dinação, com foco nos conectivos e formas verbais que y o papel de adjetivo: orações subordinadas adjetivas.
introduzem as subordinadas; a coordenação, vista no ca-
A substância era um líquido incolor.
pítulo anterior, não deve ser esquecida, já que um período
pode ser, a um só tempo, composto por coordenação e adjetivo
por subordinação.
A substância era um líquido que não tinha cor.
Oração principal e subordinada or. sub. adjetiva
O período composto por subordinação apresenta dois
y o papel de advérbio: orações subordinadas adverbiais.
tipos de oração:
I. oração principal: rege-se por si, não exerce função Na morte, confessou o crime.
sintática em relação à subordinada;
locução adverbial
II. oração subordinada: exerce função sintática em rela-
ção à principal, é oração dependente desta. Quando morreu, confessou o crime.

Oração subordinada desenvolvida, or. sub. adverbial

reduzida e justaposta
As subordinadas podem ser: As relações de dependência/
y desenvolvidas: com conjunção ou pronome relativo; as subordinadas
y reduzidas: sem conectivo, com verbo no infinitivo, ge-
[...]
rúndio ou particípio;
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
y justapostas: sem conectivo e com verbo em tempo
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
normal, sem forma nominal.
[...]
As conjunções e os relativos funcionam como ope- Caetano Veloso. Sampa, 1978.
radores de encaixe, isto é, encaixam a subordinada Subordinada é a oração que mantém uma relação de
desenvolvida à principal: dependência com outra, denominada oração principal. En-
conjunção tre as orações, há paralelismo sintático; a ausência de uma
or. principal
delas promove uma quebra de paralelismo, o texto fica sem
O finlandês afirmou / que coesão. Imaginemos um texto assim:
aproveitara o vácuo do carro de Felipe Massa.
or. subordinada desenvolvida Quando eu te encarei frente a frente.
verbo no infinitivo O texto estaria incompleto, mas se tivéssemos uma
or. principal oração a seguir (a oração principal, a que não apresenta
O finlandês afirmou / ter conjunção), não haveria quebra do paralelismo.
aproveitado o vácuo do carro de Felipe Massa. conjunção
or. subordinada reduzida

Quando eu te encarei frente a frente, não vi o meu rosto.


Algumas gramáticas apontam ainda um terceiro tipo de
oração: as orações justapostas. A oração justaposta liga-se or. subordinada or. principal
a uma principal sem uso de conectivo, mas com o verbo na
forma finita, a exemplo das desenvolvidas. Orações subordinadas substantivas
O finlandês disse: “Aproveitei o vácuo do carro de Felipe Massa.” As orações subordinadas substantivas recebem esse
or. principal nome, pois exercem funções sintáticas comparáveis às do
substantivo; observe o exemplo a seguir.
or. subordinada justaposta (substantiva objetiva direta)
Quero a tua saída. Quero que saias.
Em suma, quanto à forma, a oração subordinada pode
ser desenvolvida, reduzida ou justaposta. VTD OD or. principal or. sub. substantiva (= OD)

76 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


O objeto direto de “quero” é, no primeiro período, o Substantivas ligadas ao verbo
substantivo “saída” (núcleo do objeto direto); no segundo,
o objeto direto é a oração “que saias”. No primeiro período, Subjetiva
temos apenas um verbo, uma única oração (oração absolu- Exerce o papel de sujeito do verbo da oração principal.
ta), trata-se de um período simples; no segundo, temos dois
É preciso que o Brasil vença a miséria.
verbos, duas orações, trata-se de um período composto
por subordinação. or. princ. or. sub. subst. subjetiva
As substantivas podem ser divididas em dois grandes
É preciso isto. = Isto é preciso.
grupos:
Sabe-se que existem línguas ágrafas.
y ligadas ao verbo: subjetiva, objetiva direta e objetiva
indireta; or. princ. or. sub. subst. subjetiva

y ligadas ao nome: completiva nominal, predicativa e Sabe-se isto. = Isto é sabido.


apositiva.
Não me agrada contar vantagens.
Para o reconhecimento da oração substantiva e de sua
classificação, pode-se usar o demonstrativo isto (ou isso, or. princ. or. sub. subst. subjetiva
reduzida de infinitivo
esta etc.) em seu lugar; exemplo:
A presidente eleita, Dilma Rousseff, confirmou nesta ter- Não me agrada isto. = Isto não me agrada.
ça-feira que a coordenação política da equipe de transição de
governo será conduzida pelo vice-presidente eleito, Michel Atenção
Temer (PMDB), pelo presidente do PT, José Eduardo Dutra,
As subjetivas exigem que o verbo da oração principal esteja na ter-
e pelos deputados federais Antonio Palocci e José Eduardo ceira pessoa do singular, conforme regra de concordância verbal.
Cardozo (ambos do PT-SP).
BBC Brasil. “Dilma nomeia Temer, Palocci, Dutra e Cardozo
para conduzir transição”, 2 nov. 2010. Disponível em:
<www.bbc.co.uk/portuguese/celular/noticias/2010/ Objetiva direta
11/101102_transicao_dilma_temer_rp.shtml>.
Acesso em: 12 jun. 2011. Exerce a função sintática de objeto direto do verbo da
oração principal.
Empregando o demonstrativo isto no lugar da subor-
dinada, teremos: Eu acho que essa Igreja-instituição é um museu da história.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, confirmou nesta or. princ. or. sub. subst. objetiva direta
terça-feira isto.
Se analisarmos a função sintática do pronome isto, ve- Frei Leonardo Boff. In: Bundas, 2000.

remos que ele funciona como objeto direto; logo a oração Eu acho isto.
substituída pelo demonstrativo, “que a coordenação política
“Diga-me quando sairás.”
da equipe de transição de governo será conduzida [...] e
José Eduardo Cardozo (ambos do PT-SP)”, é subordinada or. princ. or. sub. subst.
objetiva direta
substantiva objetiva direta. Veja este outro exemplo, no
caso uma oração reduzida, sem conjunção. Diga-me isto.
É proibido fumar. → É proibido isto. Ele jurou ter salvado a filha do vício.

Como o pronome isto exerce a função de sujeito or. princ. or. sub. subst. obj. direta reduzida de infinitivo
(isto é proibido), a oração (fumar) substituída pelo pro-
Ele jurou isto.
nome é subordinada substantiva subjetiva (reduzida
de infinitivo). Repare na diferença de sentido entre os dois períodos
As subordinadas substantivas desenvolvidas são in- a seguir.
troduzidas pelas conjunções integrantes que e se e por O povo não sabe que haverá aumento.
pronomes e advérbios interrogativos (que, quem, qual, or. princ. or. sub. subst. obj. direta
quanto, onde, quando, como, por que). Estes últimos (prono-
mes e advérbios interrogativos) aparecem, principalmente, O povo não sabe se haverá aumento.
nas objetivas diretas.
or. princ. or. sub. subst.
obj. direta
FRENTE 1

Não sei quem é você. → Não sei isto.


Trata-se de interrogação indireta; na verdade questio- Embora as duas orações sejam objetivas diretas, há
na-se: quem é você? diferença de significado. Na primeira, com a conjunção

77
integrante que, o enunciador sabe que haverá aumento, Predicativa
mas o povo não. Na segunda, com a conjunção inte-
Exerce a função sintática de predicativo do sujeito da
grante se, o enunciador e o povo não sabem se haverá
oração principal (que apresenta verbo de ligação).
aumento.
A verdade é que o Brasil tem jeito.
Objetiva indireta
or. princ. or. sub. subst. predicativa
Exerce a função sintática de objeto indireto do verbo
da oração principal. A verdade é esta.
Lembrei-me de que havia esquecido o cheque. O melhor era que todos lutassem pelos seus direitos.

or. princ. or. sub. subst. obj. indireta or. princ. or. sub. subst. predicativa

Lembrei-me disto.
O melhor era isto.
O congresso duvidava de que a lei seria aprovada.
A pior saída foi aumentar os juros.
or. princ. or. sub. subst. obj. indireta
or. princ. or. sub. subst. predicativa
O congresso duvidava disto. reduzida de infinitivo

Madalena gostava de se olhar no espelho.


A pior saída foi esta.
or. princ. or. sub. subst. obj. indireta
reduzida de infinitivo Apositiva
Madalena gostava disto. Exerce a função sintática de aposto da oração principal.
Só havia uma meta: que tivesse sucesso na carreira.
Atenção
or. princ. or. sub. subst. apositiva
Deve-se evitar, em situação de norma culta, a omissão da preposição
nas objetivas indiretas. Só havia uma meta: isto.
Só havia uma meta: ter sucesso na carreira.

or. princ. or. sub. subst. apositiva reduzida


Substantivas ligadas ao nome de infinitivo

Completiva nominal Só havia uma meta: isto.


Exerce a função sintática de complemento nominal de As apositivas também podem aparecer entre vírgulas.
um termo da oração principal. A meta, que tivesse sucesso na carreira, deu certo.
Tive a impressão de que o povo estava consciente.
or. princ. or. sub. subst. apositiva or. princ.
or. princ. or. sub. subst. completiva nominal
As apositivas não podem ser confundidas com as ad-
Tive a impressão disto. jetivas explicativas, pois a palavra que, nas substantivas, é
conjunção integrante, isto é, não possui função sintática e
Havia dúvida de que ele fosse realmente o assassino.
não retoma o antecedente como nas adjetivas.
or. princ. or. sub. subst. completiva nominal

Havia dúvida disto. Atenção

Os alunos tinham vontade de aprender mais sobre a língua. As subordinadas substantivas sofrem redução apenas no infinitivo.

or. princ. or. sub. subst. completiva nominal


reduzida de infinitivo
As substantivas e os tipos de discurso
[...] tinham vontade disto.
Os exames cobram, com muita frequência, a transfor-
mação de um discurso para o outro. No discurso indireto
Atenção (voz do narrador), utiliza-se a conjunção integrante; no dis-
curso direto, ela é omitida. Por exemplo:
A exemplo das objetivas indiretas, deve-se evitar a omissão da preposi- y discurso indireto
ção em situação culta. Para não confundir a completiva nominal com a
objetiva indireta, lembre que esta sempre se liga a um verbo da oração João ordenou-lhe que viesse logo.
principal, e aquela, a um nome.
or. princ. or. sub. subst. obj. direta

78 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


y discurso direto 4
Discurso direto: O cientista afirmou: “O efeito estufa é cau-
João ordenou-lhe: “Venha logo.”
sado pelo homem.”.
or. princ. or. sub. subst. obj. direta justaposta
Discurso indireto: O cientista afirmou que o efeito estufa é
causado pelo homem.
As regras de transformação do estilo direto para o in- As transformações
direto são as seguintes: Discurso direto: ausência de conectivo, verbo no presente.
a. a primeira ou a segunda pessoa (direto) transforma-se Discurso indireto: presença de conectivo, verbo continua no
em terceira (indireto); presente, pois trata-se de um presente gnômico (verdade
b. o presente do indicativo (direto) transforma-se em pre- científica, o passado seria incoerente).
térito imperfeito do indicativo (indireto);
c. o futuro do presente (direto) transforma-se em futuro Há ainda o discurso indireto livre. Nesse tipo de
do pretérito (indireto); discurso, a voz do narrador confunde-se com a voz da
d. o pretérito perfeito (direto) transforma-se em pretérito personagem; em terceira pessoa, o narrador revela os
mais-que-perfeito; pensamentos da personagem ou algo que esta tenha dito
e. o imperativo ou indicativo (direto) transforma-se em para si mesma. São frequentes os pontos de exclamação
subjuntivo (indireto); e os pontos de interrogação. Observe o pensamento
f. o pronome este ou esse (direto) transforma-se em de José destacado no parágrafo e, a seguir, ilustrado
aquele (indireto); na figura.
g. o advérbio aqui ou aí transforma-se em ali, lá;
O médico não se conformava, Leila não queria mais a
h. expressões adverbiais como já, imediatamente, trans-
sua companhia, a enfermeira cedeu ao charme do diretor,
formam-se em naquele instante, naquele momento.
um homem rico e bonito. José estava desesperado, per-
Os verbos que costumam introduzir o discurso direto e dendo o controle da situação, faria uma besteira, pegaria o
o indireto são chamados verbos dicendi. Eis alguns deles: diretor na sala da UTI, à noite! Leila havia saído do hospital,
dizer, afirmar, ordenar, ponderar, indagar, responder, per- mas o diretor estava na UTI, sozinho; o médico resolveu ir
guntar. Veja os exemplos a seguir.
ao seu encontro, antes, porém, pegou o revólver.
1
Discurso direto: O aluno afirmou: “Aqui não há o que a se-
nhora quer.”
Discurso indireto: O aluno afirmou que ali não havia o que
a senhora queria.
As transformações
Discurso direto: ausência de conectivo (... afirmou: Aqui...),
advérbio que indica proximidade da primeira pessoa (aqui),
verbos no presente (há/ quer). Fig. 1 Tipos de discurso.
Discurso indireto: presença de conectivo (afirmou que ali...),
advérbio que indica proximidade da terceira pessoa (ali),
verbos no pretérito imperfeito (havia/queria). Orações subordinadas adjetivas
As orações adjetivas funcionam sintaticamente como
2
adjunto adnominal e, quando desenvolvidas, são introduzi-
Discurso direto: O filósofo perguntou: “é verdade que a
razão matou o coração?”. das pelos relativos que, o qual (e suas flexões), quem, cujo
Discurso indireto: O filósofo perguntou se era verdade que (e suas flexões), quanto, onde e como. Os relativos têm a
a razão tinha matado o coração. função de retomar um termo pertencente à oração principal.
As transformações Veja o texto a seguir.
Discurso direto: ausência de conectivo, verbos no presente
(é) e no pretérito perfeito (matou), interrogativa direta (?). Tolerância zero
Discurso indireto: presença de conectivo, verbos no pre- Nos Estados Unidos, menores infratores, como o garoto
térito imperfeito (era) e no pretérito mais-que-perfeito Andrew Golden, que atirou contra os colegas de sua escola,
composto (tinha matado), interrogativa indireta. são levados a julgamento como se fossem adultos.
Veja, 7 fev. 2001.
3
Discurso direto: O general ordenou: arranque isto! No texto citado, a oração que atirou contra seus cole-
Discurso indireto: O general ordenou que arrancasse aquilo. gas de escola caracteriza o antecedente o garoto Andrew
As transformações
Golden, retomado pelo relativo que. Trata-se de uma oração
Discurso direto: ausência de conectivo, verbo no imperativo
(arranque), pronome demonstrativo na primeira pessoa (isto). subordinada adjetiva. Para o seu reconhecimento, pode-se
FRENTE 1

Discurso indireto: presença de conectivo, verbo no pretérito permutar o relativo que por o qual (e flexões).
imperfeito do subjuntivo (arrancasse), pronome demonstra- [...] como garoto Andrew Golden, o qual atirou contra seus
tivo na terceira pessoa (aquilo). colegas [...]

79
Compare, agora, as duas frases: A oração reduzida apodrecendo pelos caminhos res-
Período simples: 1 oração tringe o tipo de defunto.
nome

O professor conheceu o aluno falante. Atenção


O gerúndio sempre dá mais dinamicidade ao texto, presentificando a
Adjetivo
ação. Sua escolha, portanto, obedece a uma intenção do enunciador.
(função sintática: adjunto adnominal)

Período composto: 2 orações


nome Explicativa
Encerra uma explicação sobre o antecedente, compar-
O professor conheceu o aluno que falava.
tilha um saber sobre o ser. Aparece sempre com vírgula ou
outro tipo de pausa e não é indispensável para o enten-
or. sub. adjetiva
dimento da mensagem. Quando o antecedente for mais
(função sintática: adjunto adnominal) de um, generaliza-se a característica para todos os seres.
Compare:
É evidente que o adjetivo dá maior concisão ao pe-
ríodo, usa-se uma palavra em vez de duas, três, mas nem or. princ. or. sub. adj. explicativa

sempre a oração adjetiva pode ser substituída por um úni-


co adjetivo; nessas circunstâncias, ela se faz necessária. Os filhos da vizinha, que frequentam a escola,
são muito simpáticos.
Classificação das adjetivas or. princ.
As orações subordinadas adjetivas podem ser de dois
tipos: restritiva e explicativa. or. princ. or. sub. adj. restritiva

Restritiva Os filhos da vizinha que frequentam a escola


Delimita o antecedente, funcionando como um sub- são muito simpáticos.
conjunto deste. Não recebe vírgula ou qualquer outra or. princ.
pontuação que a isole.
A B No primeiro exemplo, a oração que frequentam a es-
cola é apenas uma informação que o enunciador quer
As mulheres que trabalham gozam de maior independência. passar para o seu leitor. Por ser uma adjetiva explicativa, a
característica, que frequentam a escola, serve para todos
or. princ. or. sub. adj. restritiva or. princ. os seres, há uma generalização; isto é, todos os filhos da
vizinha são simpáticos e todos frequentam a escola. No
A oração que trabalham delimita o antecedente mu- segundo exemplo, a oração restritiva delimita o antece-
lheres. Ou seja, gozam de maior independência apenas dente filhos da vizinha; isto é, são simpáticos apenas os
as que trabalham, as demais (fica implícito) são mais de- que frequentam a escola, os demais (fica implícito) não
pendentes. Utilizando a metalinguagem da matemática, são simpáticos.
teríamos:
A = Mulheres B = Mulheres que trabalham
Emprego dos relativos
y que: emprega-se com referência a pessoa ou coisa;
B é subconjunto de A precedido de o, pode referir-se a uma oração inteira.

or. adjetiva antecedente Os trabalhadores estavam dormindo, o que facilitou


a busca.
que = Os trabalhadores estavam dormindo
Mulheres que trabalham mulheres
Emprega-se preferencialmente esse relativo depois das
As orações adjetivas, diferentemente das substantivas, preposições monossilábicas a, com, de, em (vide, a seguir,
podem sofrer redução nas três formas nominais: infinitivo, o emprego de o qual e flexões).
gerúndio e particípio. Na oração abaixo, por exemplo, a
oração adjetiva restritiva está no gerúndio. y quem: emprega-se com referência a pessoas ou se-
1 2 3
res personificados.
“... é fácil encontrar defunto apodrecendo pelos caminhos...” Eis a mulher a quem amei. quem = mulher
Esse relativo pode aparecer sem antecedente ex-
or. princ. or. sub. subst. or. sub. adj. restritiva reduzida de
subjetiva reduzida gerúndio (= que apodrece) plícito. Em Investigo a quem investigas fica implícita a
de infinitivo expressão aquele a quem (aquele como antecedente
Aníbal Machado. Histórias reunidas. implícito).

80 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


y o qual (e flexões): substitui o relativo que com o pro- O dia em que Van Gogh cortou a orelha
pósito de dar mais eufonia à frase, ou de evitar uma

Vicent Van Gogh/wikipedia


interpretação ambígua (clareza). Compare as frases a
seguir.
Eis a jogada de José, que todos devemos aplaudir.
Eis a jogada de José, a qual todos devemos aplaudir.
A primeira oração é ambígua, o relativo que pode re-
cuperar jogada ou José. Já na segunda, o relativo a qual
só pode recuperar jogada.
Emprega-se esse tipo de relativo com as demais pre-
posições essenciais ou acidentais (Eis o filme sobre o qual
falávamos). Van Gogh cortou a orelha nesse dia.
y cujo (e flexões): emprega-se como pronome adjetivo, suj. VTD OD adv.
isto é, sempre acompanhado de um substantivo, com
o qual concorda em gênero e número; esse pronome em que = adjunto adverbial
equivale pelo sentido a do qual, de quem, de que (tem A eterna musa que Leonardo da Vinci pintou.
valor possessivo).

Leonardo da Vinci/Wikipedia
Eis o poeta de cuja obra falávamos.
cuja = do poeta (obra do poeta)
A moça a cuja filha fiz referência é muito honesta.
cuja = da moça (filha da moça)
y quanto: emprega-se com o antecedente tudo, todos,
todas, que podem estar elípticos.
Em tudo quanto olhei, fiquei em parte.
Fernando Pessoa. Odes de Ricardo Reis.

y onde, aonde, donde (ou de onde): são empregados


Leonardo da Vinci pintou a eterna musa.
quando o antecedente for lugar.
A cidade onde moro é linda. suj. VTD OD

O litoral aonde foste não é poluído. que = objeto direto


Eis o país donde vim.
Não se sabe a força de que era capaz.
Era capaz da força.
Atenção
VL pred. suj. complemento nominal
O uso desses relativos obedece ao seguinte critério:
onde: remete a algo parado, o verbo pede a preposição em (morar de que = complemento nominal
em);
Os relativos podem exercer as seguintes funções sin-
aonde: remete a algo em movimento, o verbo pede a preposição
táticas: sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo do
a (foste a);
sujeito, adjunto adnominal, complemento nominal, adjunto
donde: traz a ideia de origem, o verbo pede a preposição de (vim de).
adverbial e agente da passiva.

É comum esse tipo de pronome estar empregado ina- Os relativos e a regência


dequadamente. Em Eu tive um diálogo ontem à noite, onde É preciso ficar atento em relação ao uso das preposi-
eu pude constatar a ignorância do meu vizinho, o conectivo ções nas orações subordinadas adjetivas. É comum a sua
adequado é quando (quando eu pude...), visto que não há omissão na linguagem coloquial. Compare:
antecedente com ideia de lugar. coloquial
O Brasil que gosto é pura natureza.
Função sintática dos relativos culto
Ao contrário das conjunções, os relativos desempe- O Brasil de que gosto é pura natureza.
nham função sintática nas orações subordinadas. Se à direita do relativo houver alguma palavra que peça
FRENTE 1

Para obter a função sintática do relativo, basta subs- preposição, esta deverá aparecer antes do conectivo. Na
tituí-lo pelo antecedente na própria oração subordinada primeira oração, o enunciador omitiu a preposição de, o que
adjetiva e, a seguir, analisá-lo sintaticamente. caracteriza o uso coloquial. Veja esses outros exemplos.

81
coloquial São conjunções (ou locuções conjuntivas) causais: que,
A pessoa que eu conversei era calma. pois, porquanto, visto que, visto como, porque, já que, uma
culto vez que, como etc. Algumas dessas conjunções podem
A pessoa com que conversei era calma. assumir, dependendo do contexto, valor explicativo (tor-
coloquial nando-se conjunções coordenadas explicativas).
A cidade que nasci mudou o nome. Observe as diferenças entre as causais e as coorde-
culto nadas explicativas:
A cidade em que nasci mudou o nome. a. a causal pode antepor-se à principal; a explicativa não
pode antepor-se à assindética;
Orações subordinadas adverbiais b. a causal enuncia a causa do efeito; a explicativa enun-
O emprego das adverbiais está associado principal- cia o motivo de uma ordem, suposição ou declaração;
mente ao desejo do enunciador em transmitir determinado c. a causal é enunciada sem pausa (não há vírgula), ex-
raciocínio por meio de orações que expressem as ideias ceto quando anteceder a principal; a explicativa é
pertencentes aos adjuntos adverbiais. É o caso da conse- precedida de pausa (a vírgula, ponto e vírgula ou até
quência, da causa, da condição, da finalidade etc. Em boa mesmo ponto-final).
parte dos casos, essas ideias servem de argumento, como Agora compare:
na publicidade a seguir. 1 2

la
bo
B olao uma Nevou, porque as ruas estão brancas.
ol a m co
B ce
ba ue des
explicativa: argumento para o que está expresso em 1
e
B q
nte 1 2
era
efrig
or As ruas estão brancas porque nevou.

causal: a causa do que está expresso em 1


Refrigerante feito de bola.
Calorias: só no verão. Indústria nacional. As subordinadas adverbiais causais reduzidas de infi-
Rua do Boleiro, 177 – Jardim das Bolas, nitivo costumam ser introduzidas pelas seguintes locuções:
Bola Grande do Sul – Brasil. em razão de, em virtude de, em vista de, por motivo de (És
Fig. 2 Exemplo de oração subordinada adverbial. bom aluno em virtude de estudares muito.).

O argumento utilizado é a comparação, o refrigerante Consecutiva


desce da mesma maneira que uma bola (parodiando a pro- Estabelece a consequência (uma posterioridade) do
paganda de uma marca de cerveja). Esse argumento está que é dito na oração principal.
presente na oração “como uma bola”, que possui verbo
A B
elíptico (como uma bola desce). Trata-se de uma subordi-
nada adverbial comparativa. Choveu tanto, que São Paulo afundou na lama.

Classificação das adverbiais or. princ. or. sub. adv. consecutiva


A Nomenclatura Gramatical Brasileira registra nove ti- A B
pos de adverbiais.
Era agressivo, de meter medo.
Causal
or. princ. or. sub. adv. consecutiva
Estabelece a causa (uma anterioridade) do que é dito reduzida de infinitivo
na oração principal.
A B
A B

Como a crise acabou, o planeta respira. Era agressivo, que metia medo.

or. princ. or. sub. adv. consecutiva


or. sub. adv. causal or. princ.

A B
B é consequência de A.
Por estar muito doente, dispensaram-no. As adverbiais consecutivas mais típicas apresentam-se
encabeçadas pela conjunção que e são precedidas, na ora-
or. sub. adv. causal red. infin. or. princ.
ção principal, por partículas de intensidade (tão, tal, tanto,
por estar = porque estava/como estava tamanho). Às vezes, tais partículas ficam subentendidas. São
conjunções (ou locuções conjuntivas) consecutivas: que, de
A é causa de B; A é anterior, B é posterior. modo que, de sorte que, de maneira que, de forma que etc.

82 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


Comparativa São conjunções conformativas: como, segundo, con-
Estabelece uma comparação com o que é dito na ora- forme, consoante.
ção principal, há um confronto entre dois seres.
A B
Condicional
Estabelece uma condição, uma hipótese, para o que é
Não vou cantar como a cigarra canta. dito na oração principal; entre a subordinada e a principal
há uma dependência semântica.
or. princ. or. sub. adv. comparativa
or. princ.
Raul Seixas. Let Me Sing, Let Me Sing.
A

A B
O Brasil só ingressará no primeiro mundo,
O garoto conhecia mais história da arte do que o professor. se investir fortemente em saúde e educação.

or. princ. or. sub. adv. comparativa B

A é confrontado com B. or. sub. adv. condicional

É frequente a omissão do verbo na oração subordina- B é condição de A; A depende de B.


A B
da adverbial comparativa: do que o professor conhecia.
São conjunções comparativas: como, que ou do que (rela-
cionados a mais, menos, maior, menor, melhor, pior), qual Destruindo os preconceitos, teremos uma sociedade mais justa.
(relacionado a tal), quanto (relacionado a tanto). Observe o
or. sub. adv. or. princ.
anúncio a seguir em que a correlação mais... que aparece. condicional red. de gerúndio
Felizmente fazer arte
= Se destruirmos...
Philippe Halsman / Library of Congress

A é condição de B; B depende de A.
As condicionais, segundo Rocha Lima, podem expressar:
y um fato de realização impossível;
y um fato cuja realização é possível, provável ou desejável;
y um desejo, uma esperança, um pesar.
São conjunções condicionais: se, caso, contanto que,
dado que, desde que, sem que, a menos que, a não ser
que, salvo se etc.

Concessiva
Estabelece uma oposição, uma quebra de expectativa
em relação ao que se diz na oração principal; ao contrário
das coordenadas adversativas, introduz o argumento mais
Dá mais prazer que roubá-la fraco, uma ressalva apenas. Compare:

Conformativa Era bom homem, mas era individualista.


Estabelece uma concordância, uma conformidade, com
or. coord. assind. or. coord. sind. adversativa
o que é dito na oração principal.
A B
bom homem: argumento mais fraco
Como disse Buda, tudo é dor. individualista: argumento mais forte
A B
or. sub. adv. conform. or. princ.

Rocha Lima. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Era um bom homem, embora fosse individualista.
A B
or. princ. or. sub. adv. concessiva
Segundo falam, ele é mão de vaca.
individualista: argumento mais fraco
FRENTE 1

or. sub. adv. conform. or. princ. bom homem: argumento mais forte

B está em concordância com A. B contraria uma expectativa criada em A.

83
A conjunção adverbial concessiva que, ao contrário de A B
embora, não inicia oração.
Eu daria todos os meus dedos para ter sido uma unha de Zumbi.
Valentes que sejam, não conseguirão vencer.
or. princ. or. sub. adv. final reduzida de infinitivo
or. sub. adv. concessiva or. princ.
Flávio Aguiar. Escrita.
= Embora sejam valentes, não...
A B
São conjunções (locuções conjuntivas): ainda que, ape-
sar de que, conquanto, embora, mesmo que, se bem que,
Insisto que me fales a verdade.
sem que, por mais... que, por muito... que, por pouco... que,
por... que (Por falsas que sejam, transparecem convicção). or. princ. or. sub. adv. final
As adverbiais concessivas reduzidas de infinitivo cos-
tumam ser introduzidas pelas seguintes locuções: apesar = Insisto para que me fales a verdade.
de, não obstante, sem embargo, a despeito de. B é intenção de A.
Apesar de ser homem honrado, foi condenado. São conjunções finais (locuções conjuntivas): para que,
a fim de que, que, porque.
or. sub. adv. concessiva red. infin. or. princ.

Proporcional
Temporal Estabelece uma relação de proporção, aumento ou
Indica o momento (anterioridade, simultaneidade, pos- diminuição, com a oração principal.
terioridade) em que ocorreu a ação da oração principal.
A B
A B

Quando você se separou de mim quase que minha vida teve fim. Quanto mais conheço os homens, mais gosto das mulheres.

or. sub. adv. temporal or. princ. or. sub. adv. proporcional or. princ.

Roberto Carlos. Quando, 1967. A B

A expressa o momento em que ocorreu a ação de B.


À medida que chovia, as ondas cresciam.
A

or. sub. adv. proporcional or. princ.


Terminada a longa repressão,
A e B são fatos simultâneos.
or. sub. adv. temporal red.
de particípio São conjunções (locuções conjuntivas): à medida que, à
proporção que, quanto mais... (tanto) mais, quanto menos...
B
(tanto) menos, quanto mais... (tanto) menos, quanto menos...
(tanto) mais, quanto maior... (tanto) maior, quanto melhor...
os jovens lançaram seu grito de liberdade.
(tanto) pior, quanto maior... (tanto) menor.
or. princ. As adverbiais modais aparecem apenas na forma re-
duzida (gerúndio).
A expressa o momento em que ocorreu a ação de B. A B

São conjunções (locuções conjuntivas) temporais:


quando, assim que, logo que, tanto que, mal que, mal, Aprende-se, vivendo.
apenas, enquanto, antes que, primeiro que, sempre que,
or. princ. or. sub. adv. modal red. de gerúndio
cada vez que, todas vezes que. As reduzidas de infinitivo
costumam ser introduzidas por ao, até, antes de, depois
de etc. (Viaje, antes de estudarmos.). Polissemia, recursos expressivos,
A circunstância de tempo ocorre também em forma de ambiguidade nas adverbiais
oração justaposta: Não chove há duas semanas. As conjunções podem assumir vários significados, tra-
ta-se do fenômeno da polissemia. Veja alguns casos.
Final
Como
Estabelece a intenção, a finalidade do que é dito na
Tocava como um artista. (comparação)
oração principal. Jogou como o técnico o orientou. (conformidade)
A B
Como fazia calor, nadou. (causa)
Transmitia o saber a fim de que todos pudessem evoluir. Desde que
Desde que cumpra o dever, poderá sair. (condição)
or. princ. or. sub. adv. final Desde que faliu, tornou-se um homem apático. (tempo)

84 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


Sem que As coisas não progridem porque a imprensa não acredita
Sem que tivesse treinado, ganhou a luta. (concessão)
Sem que estudes, não serás alguém. (condição) consequência causa

Se no governo.
Se não foi um palavrão, ainda assim espantou a plateia.
(concessão) E a imprensa não acredita no governo porque as coisas
Se levantar, eu grito. (condição)
consequência causa
Que
Criou tantos contos que a vida tornou-se uma fantasia. não progridem.
(consequência)
Com fome que estivesse, não comeu um grão daquele Basta trocar a conjunção “porque” de oração para se
arroz sagrado. (concessão) criar um círculo vicioso. Quanto à ambiguidade, veja o pe-
Que ele fosse um campeão, ainda seria humilde? (condição) ríodo a seguir.
O treinador fez tudo para que ele vencesse. (finalidade)
João planejou construir uma mansão como o vizinho.
Agora que todos sonhavam, o inconsciente escrevia. (tempo)
Não irei ao enterro que estou doente. (causa) No período citado, a omissão do verbo na subordinada
adverbial comparativa possibilita ao leitor duas interpre-
Além da polissemia, é importante conhecer alguns re-
tações: João construiu a mansão ou também planejou
cursos expressivos. Um deles recebe o nome de “círculo
construir? Para tirar a ambiguidade e dar pelo menos uma
vicioso da linguagem”; consiste em transformar a causa
das versões, basta trocar a ordem:
em consequência e a consequência em causa. Observe
o seguinte período. João planejou, como o vizinho, construir uma mansão.

Revisando
1 Leia a tira a seguir.

Disponível em: <www.laerte.com.br>.

a) Transforme o discurso direto do primeiro quadrinho em indireto; faça as adaptações necessárias.

b) Que estrutura sintática foi empregada para construir o discurso indireto?


FRENTE 1

85
2 Leia os períodos a seguir.
O coveiro não sabia se o cadáver era mesmo do chefe da estação.
a) Que diferença de sentido teríamos se substituíssemos o conectivo “se” pelo “que”?

b) Como se classificam os dois conectivos? Qual estrutura sintática foi empregada?

3 Às vezes tenho a impressão que todos me olham e que me querem tirar a alma.
a) No texto acima, observa-se uma infração à norma culta, envolvendo uma das subordinadas substantivas. Corrija
a frase.

b) Qual é a função sintática exercida pela oração subordinada iniciada pelo “que”?

4 Torne as frases mais concisas.


a) Todos pediram que tu colabores. (transformando em período simples)

b) É preciso que se cortem as verbas exorbitantes no Senado. (reduzindo a oração subordinada substantiva)

5 Leia o anúncio a seguir.


Visite museus...
René Magritte

...é preciso que a imaginação cavalgue...

86 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


a) Que conectivo pertencente à coordenação poderia ligar “visite museus” a “é preciso que a imaginação cavalgue”?

b) Que função sintática a oração subordinada “que a imaginação cavalgue” exerce em relação a “É preciso”?

Texto para a questão 6.

René Magritte

6 Em relação ao trecho “Homens que voam são pássaros”, responda:


a) Haveria mudança de sentido se colocássemos a oração “que voam” entre vírgulas? Explique.

b) Como você tornaria o texto mais enxuto, eliminando a oração adjetiva?


FRENTE 1

87
7 “Neste fim de semana, a polícia brasileira foi atrás da filha do criminoso, que estava em Paris, cidade que serviu de
esconderijo para o maior dos mafiosos.”
a) Qual passagem é ambígua?

b) Elimine a ambiguidade, trocando de pronome relativo.

8 “Encontrava minha namorada nos fins de semana num bar que gostava, o dono era discreto, ficava na dele... sabe
como é né, a juventude gosta de liberdade, agitação.”
a) É comum em linguagem oral a infração à norma, envolvendo as orações adjetivas. No texto acima, observa-se,
por exemplo, um erro de regência. Identifique-o e corrija.

b) O relativo “que” exerce no texto papel coesivo, isto é, retoma palavras. Qual é a palavra que esse conectivo retoma?

9 “Os países da América, que possuem má distribuição de renda, precisam rever seu modelo econômico, pois um povo
que pouco consome é um comércio que pouco vende e uma indústria que pouco produz.”
a) Cite a passagem incoerente. Explique por que ela é incoerente?

b) Quais são as palavras retomadas pelo relativo “que”?

10 Empregue o relativo “cujo” para unir os períodos.


a) Conhecemos o coronel. Falávamos do filho do coronel.

b) No Rio de Janeiro, encontram-se belas praias. Fiz alusão às areias das praias.

88 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


Texto para a questão 11.
Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isso em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu
[...]
Tom Jobim; Newton Mendonça. Desafinado, 1987.

11 Em “Se você disser que eu desafino amor”, temos uma subordinada que passa a ideia de condição, hipótese. Rees-
creva os dois primeiros versos, trocando a conjunção “se” por outra que coloque a ação de dizer como um fato e não
como hipótese. Lembre-se de usar o paralelismo entre os tempos verbais:
a) empregando a relação causa e consequência.

b) empregando a relação temporal.

12 Leia o período a seguir.


Era tão veloz, tão veloz, que a paisagem não se via.
a) Comece com “Não se via...” e faça as adaptações necessárias, preservando o sentido original.

b) Empregue uma conjunção concessiva no período dado e estabeleça uma oposição de ideias; faça as adaptações
necessárias, acrescente e/ou elimine palavras, se necessário.

13 Leia os períodos a seguir.


O mundo gasta muito com armamento. Muitas pessoas passam fome no planeta.
a) Una os períodos, empregando o conectivo “embora” (faça apenas as adaptações necessárias).
FRENTE 1

89
b) Una os mesmos períodos, empregando a ideia de proporcionalidade (faça apenas as adaptações necessárias).

14 “Ginga, carnaval, batucada e as curvas da mulata. Candomblé, feijoada, drible no futebol e samba. Machado de Assis, Car-
tola, Zumbi e Mário de Andrade. Sem o ingrediente negro, o Brasil não teria a menor graça.”
Revista África. ed. 1. São Paulo: Gráficos Burti, 2004.

Em relação ao excerto: “Sem o ingrediente negro, o Brasil não teria a menor graça”, responda:
a) Que relação semântica está presente no segmento “Sem o ingrediente negro”?

b) O segmento citado é um adjunto adverbial; transforme-o em oração subordinada adverbial.

15 Leia o anúncio a seguir.

Salvador Dalí
Dalí pensa como você:

Para que usar drogas? Faça e consuma arte.

a) Em “Dalí pensa como você”, temos uma subordinada adverbial e uma elipse. Qual é a relação semântica estabe-
lecida por essa subordinada e qual a palavra que está elíptica?

b) Reúna em um só período o trecho “Para que usar drogas? Faça e consuma arte”, de modo que seja coerente com
o anúncio. Elimine a interrogação e empregue o advérbio “não”. Faça as adaptações necessárias de modo que
seja um apelo para o leitor (use o pronome “você”).

90 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


Exercícios propostos
1 UEL “Ninguém mais afirmava que ainda houvesse é indispensável para o pleno gozo do direito à vida. É
meios.” preciso, para tanto, fazê-lo de modo financeiramente
Há no período citado: acessível e com qualidade para todos, sem discriminação.
A três orações subordinadas. Também obriga os Estados a eliminarem progressivamente
B uma oração principal e uma subordinada. as desigualdades na distribuição de água e esgoto entre
C uma oração subordinada reduzida. populações das zonas rurais ou urbanas, ricas ou pobres.
D uma oração subordinada subjetiva. No Brasil, dados do Ministério das Cidades indicam
E uma oração subordinada objetiva indireta. que cerca de 35 milhões de brasileiros não são atendidos
com abastecimento de água potável, mais da metade da
população não tem acesso à coleta de esgoto, e apenas
2 EEAR 2019 Assinale a alternativa em que a oração em 39% de todo o esgoto gerado são tratados. Aproximada-
destaque é subordinada substantiva objetiva indireta. mente 70% da população que compõe o déficit de acesso
A Aqui ninguém se opõe a que se conheça o sistema. ao abastecimento de água possuem renda domiciliar mensal
B Seu medo era que morresse na data da festa. de até ½ salário mínimo por morador, ou seja, apresentam
C Nunca se sabe quem está contra nós. baixa capacidade de pagamento, o que coloca em pauta o
D Perguntei-lhe quando voltaria. tema do saneamento financeiramente acessível.
Desde 2007, quando foi criado o Ministério das Ci-
3 UEL Leia o período a seguir. dades, identificam-se avanços importantes na busca de
diminuir o déficit já crônico em saneamento e pode-se
Faltavam-lhes que os pais lhes dessem mais apoio.
caminhar alguns passos em direção à garantia do acesso a
Corrija o erro cometido e justique. esses serviços como direito social. Nesse sentido destaca-
mos as Conferências das Cidades e a criação da Secretaria
4 UFV As orações subordinadas substantivas que apa- de Saneamento e do Conselho Nacional das Cidades, que
recem nos períodos a seguir são todas subjetivas, deram à política urbana uma base de participação e con-
trole social.
exceto:
Houve também, até 2014, uma progressiva ampliação
A Decidiu-se que o petróleo subiria de preço.
de recursos para o setor, sobretudo a partir do PAC 1 e PAC
B É muito bom que o homem, vez por outra, reflita
2; a instituição de um marco regulatório (Lei 11.445/2007
sobre sua vida.
e seu decreto de regulamentação) e de um Plano Nacional
C Ignoras quanto custou meu relógio?
para o setor, o PLANSAB, construído com amplo debate
D Perguntou-se ao diretor quando seríamos recebidos. popular, legitimado pelos Conselhos Nacionais das Cida-
E Convinha-nos que você estivesse presente à reunião. des, de Saúde e de Meio Ambiente, e aprovado por decreto
presidencial em novembro de 2013.
5 Unicamp No trecho a seguir há duas expressões de Esse marco legal e institucional traz aspectos essen-
sentido equivalente, uma das quais deveria ser elimi- ciais para que a gestão dos serviços seja pautada por
nada. uma visão de saneamento como direito de cidadania: a)
articulação da política de saneamento com as políticas
Isso porque não é necessário que nesse estágio o Pla-
de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de
nalto não precisa ainda apresentar sua defesa.
combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção
a) Identifique as expressões de sentido equivalente ambiental, de promoção da saúde; e b) a transparência das
que não podem, nesse trecho, ser usadas simul- ações, baseada em sistemas de informações e processos
taneamente. decisórios participativos institucionalizados.
b) Reescreva o trecho de duas maneiras, utilizando, A Lei 11.445/2007 reforça a necessidade de planeja-
a cada vez, uma das expressões que você iden- mento para o saneamento, por meio da obrigatoriedade
tificou. de planos municipais de abastecimento de água, coleta e
tratamento de esgotos, drenagem e manejo de águas plu-
viais, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Esses
6 EsPCEx 2019 Leia o texto a seguir para responder às
planos são obrigatórios para que possam ser estabelecidos
questões 6 e 7.
contratos de delegação da prestação de serviços e para
Política pública de saneamento básico: as bases que possam ser acessados recursos do governo federal
do saneamento como direito de cidadania e os (OGU, FGTS e FAT), com prazo final para sua elaboração
debates sobre novos modelos de gestão terminando em 2017. A Lei reforça também a participa-
ção e o controle social, através de diferentes mecanismos
Ana Lucia Britto
como: audiências públicas, definição de conselho muni-
Professora Associada do PROURB-FAU-UFRJ
cipal responsável pelo acompanhamento e fiscalização
FRENTE 1

Pesquisadora do INCT Observatório das Metrópoles


da política de saneamento, sendo que a definição desse
A Assembleia Geral da ONU reconheceu em 2010 conselho também é condição para que possam ser aces-
que o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário sados recursos do governo federal.

91
O marco legal introduz também a obrigatoriedade 9 PUC-SP Assinale a alternativa cuja oração subordinada
da regulação da prestação dos serviços de saneamento, é substantiva predicativa.
visando à garantia do cumprimento das condições e metas A Espero que venhas hoje.
estabelecidas nos contratos, à prevenção e à repressão ao B O aluno que trabalha é bom.
abuso do poder econômico, reconhecendo que os serviços C Meu desejo é que te formes logo.
de saneamento são prestados em caráter de monopólio, D És tão inteligente como teu pai.
o que significa que os usuários estão submetidos às ativi- E n.d.a.
dades de um único prestador.
FONTE: adaptado de http://www.assemae.org.br/artigos/item/1762-
saneamento-basico-como-direito-de-cidadania 10 EEAR 2019 Marque a alternativa que apresenta correta
classificação da oração apresentada.
Em “Esse marco legal e institucional traz aspectos es- A O professor verificou se as alternativas estavam em
senciais para que a gestão dos serviços seja pautada ordem. (Oração Subordinada Substantiva Predicativa)
por uma visão de saneamento como direito de cida- B Lembre-se de que tudo não passou de um enga-
dania”, a oração sublinhada exerce a mesma função no. (Oração Subordinada Substantiva Completiva
sintática em qual das alternativas abaixo? Nominal)
A O problema do saneamento básico é mundial, C O sargento indagou de quem era aquela identi-
desde 2010 reconhecido pela ONU, ou seja, é dade. (Oração Subordinada Substantiva Objetiva
muito grande para que seja resolvido com apenas Indireta)
uma lei. D Seu medo era que ele fosse reprovado no concur-
B Foi muito importante a criação da Secretaria de so. (Oração Subordinada Substantiva Predicativa)
Saneamento e do Conselho Nacional das Cidades,
que deram à política urbana uma base de participa-
11 Indique a alternativa em que o se é conjunção inte-
ção e controle social.
grante.
C A Lei 11.445/2007 reforça a necessidade de pla-
A Necessita-se de funcionários.
nejamento para o saneamento, porque obriga a
B Olhava-se a cada segundo.
criação de planos municipais para tratamento de
C Não sei se o vinho é bom.
esgoto. D Ele se morria de ciúmes.
D A definição de um conselho municipal de fiscaliza- E Compra-se terreno.
ção é condição para que possam ser acessados
recursos do governo federal.
12 Assinale a alternativa que apresenta uma oração su-
E As desigualdades sociais eram tantas, com fal-
bordinada substantiva apositiva.
ta de acesso por parte da população à moradia,
A Ele falou: “eu o odeio.”
transporte e saneamento, que foi criado, em 1 de
B Não preciso de você: sei viver sozinho.
janeiro de 2003, o Ministério das Cidades.
C Sabendo que havia um grande estoque de roupas
na loja, quis ir vê-las: era doida por vestidos novos.
7 EsPCEx 2019 No enunciado: “No Brasil, dados do Mi- D Fez três tentativas, aliás, quatro. Nada conseguiu.
nistério das Cidades indicam que cerca de 35 milhões E Havia apenas um meio de salvá-la: falar a verdade.
de brasileiros não são atendidos com abastecimento
de água potável (...)”, a oração sublinhada tem a fun-
13 UEC Em “Não sei onde pegou meu pé, na barriga
ção sintática de
talvez...”, a oração destacada classifica-se como su-
A objeto direto da oração principal.
bordinada:
B complemento nominal da oração principal.
A substantiva objetiva direta.
C sujeito da oração principal.
B subordinada substantiva predicativa.
D objeto indireto da oração principal.
C subordinada substantiva apositiva.
E predicativo da oração principal.
D principal.
E subordinada substantiva objetiva indireta.
8 FGV Assinale a alternativa correta.
A É aconselhável, que as crianças viajem sempre no
14 EsPCEx 2018 Texto para as questões 14 e 15.
banco trazeiro.
B É aconselhável que, as crianças viagem sempre no Noruega como Modelo de
banco trazeiro. Reabilitação de Criminosos
C É aconselhável que as crianças viajem sempre no O Brasil é responsável por uma das mais altas taxas de
banco traseiro. reincidência criminal em todo o mundo. No país, a taxa
D É aconselhável, que as crianças viajem, sempre no média de reincidência (amplamente admitida mas nunca
banco trazeiro. comprovada empiricamente) é de mais ou menos 70%,
E É aconselhável que, as crianças viagem sempre no ou seja, 7 em cada 10 criminosos voltam a cometer algum
banco traseiro. tipo de crime após saírem da cadeia.

92 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


Alguns perguntariam “Por quê?”. E eu pergunto: brasileiro, americano, inglês, é que ele é fundamentado na
“Por que não?” O que esperar de um sistema que pro- ideia de que a prisão é a privação da liberdade, e pautado
põe reabilitar e reinserir aqueles que cometerem algum na reabilitação e não no tratamento cruel e na vingança.
tipo de crime, mas nada oferece, para que essa situação O detento, nesse modelo, é obrigado a mostrar pro-
realmente aconteça? Presídios em estado de depredação gressos educacionais, laborais e comportamentais, e, dessa
total, pouquíssimos programas educacionais e laborais forma, provar que pode ter o direito de exercer sua liber-
para os detentos, praticamente nenhum incentivo cultural, dade novamente junto à sociedade.
e, ainda, uma sinistra cultura (mas que diverte muitas pes- A diferença entre os dois países (Noruega e Brasil)
soas) de que bandido bom é bandido morto (a vingança é é a seguinte: enquanto lá os presos saem e praticamente
uma festa, dizia Nietzsche). não cometem crimes, respeitando a população, aqui os
Situação contrária é encontrada na Noruega. Consi- presos saem roubando e matando pessoas. Mas essas são
derada pela ONU, em 2012, o melhor país para se viver consequências aparentemente colaterais, porque a popu-
(1o no ranking do IDH) e, de acordo com levantamento lação manifesta muito mais prazer no massacre contra o
feito pelo Instituto Avante Brasil, o 8o país com a menor preso produzido dentro dos presídios (a vingança é uma
taxa de homicídios no mundo, lá o sistema carcerário festa, dizia Nietzsche).
chega a reabilitar 80% dos criminosos, ou seja, apenas 2 LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e
em cada 10 presos voltam a cometer crimes; é uma das coeditor do Portal atualidadesdodireito.com.br. Estou no blogdolfg.com.br.

menores taxas de reincidência do mundo. Em uma prisão ** Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto
Avante Brasil.
em Bastoy, chamada de ilha paradisíaca, essa reincidência
FONTE: Adaptado de http://institutoavantebrasil.com.br/noruega-como-
é de cerca de 16% entre os homicidas, estupradores e modelo-dereabilitacao-de-criminosos/ Acessado em 17 de março de 2017.
traficantes que por ali passaram. Os EUA chegam a regis-
trar 60% de reincidência e o Reino Unido, 50%. A média No período, “Para controlar o ócio, oferecer muitas
europeia é 50%. atividades, de educação, de trabalho e de lazer, é
A Noruega associa as baixas taxas de reincidência a estratégia”, as duas orações destacadas são su-
ao fato de ter seu sistema penal pautado na reabilitação bordinadas reduzidas de innitivo e classicam-se,
e não na punição por vingança ou retaliação do crimi- respectivamente, como
noso. A reabilitação, nesse caso, não é uma opção, ela A substantiva apositiva e substantiva subjetiva.
é obrigatória. Dessa forma, qualquer criminoso poderá B adverbial final e substantiva subjetiva.
ser condenado à pena máxima prevista pela legislação C adverbial final e substantiva completiva nominal.
do país (21 anos), e, se o indivíduo não comprovar estar D substantiva objetiva indireta e adverbial consecutiva.
totalmente reabilitado para o convívio social, a pena será E adverbial consecutiva e substantiva apositiva.
prorrogada, em mais 5 anos, até que sua reintegração seja
comprovada.
15 EsPCEx 2018 Assinale a alternativa em que a oração
O presídio é um prédio, em meio a uma floresta, de-
sublinhada é subordinada substantiva predicativa:
corado com grafites e quadros nos corredores, e no qual
A A comida é preparada pelos próprios detentos, que
as celas não possuem grades, mas sim uma boa cama,
banheiro com vaso sanitário, chuveiro, toalhas brancas
podem comprar alimentos no mercado interno.
e porta, televisão de tela plana, mesa, cadeira e armário, B Ele é fundamentado na ideia de que a prisão é a
quadro para afixar papéis e fotos, além de geladeiras. En- privação da liberdade.
contra-se lá uma ampla biblioteca, ginásio de esportes, C Se o indivíduo não comprovar que está totalmente
campo de futebol, chalés para os presos receberem os reabilitado, a pena será prorrogada.
familiares, estúdio de gravação de música e oficinas de D A diferença do sistema de execução penal norue-
trabalho. Nessas oficinas são oferecidos cursos de for- guês em relação ao brasileiro é que ele é pautado
mação profissional, cursos educacionais, e o trabalhador na reabilitação.
recebe uma pequena remuneração. Para controlar o ócio, E Uma sinistra cultura de que bandido bom é bandi-
oferecer muitas atividades, de educação, de trabalho e de do morto.
lazer, é a estratégia.
A prisão é construída em blocos de oito celas cada 16 Desenvolva as orações reduzidas a seguir.
(alguns dos presos, como estupradores e pedófilos, ficam a) É bom estarmos atentos.
em blocos separados). Cada bloco tem sua cozinha. A b) Acho estar convencido.
comida é fornecida pela prisão, mas é preparada pelos
c) Espero poder sair de lá amanhã.
próprios detentos, que podem comprar alimentos no mer-
d) Temos a impressão de a estar vendo.
cado interno para abastecer seus refrigeradores.
e) Disse-me estar sendo investigado.
Todos os responsáveis pelo cuidado dos detentos de-
f) Afirmou o cantor não haver público pagante.
vem passar por no mínimo dois anos de preparação para
o cargo, em um curso superior, tendo como obrigação
fundamental mostrar respeito a todos que ali estão. Par- 17 Reduza as orações desenvolvidas a seguir.
tem do pressuposto que, ao mostrarem respeito, os outros a) Não convém que tu procedas dessa forma.
FRENTE 1

também aprenderão a respeitar. b) O fundamental é que jogues o feijão com o arroz.


A diferença do sistema de execução penal norueguês c) Só vos falta uma virtude: que sejais mais humilde.
em relação ao sistema da maioria dos países, como o d) Tinha ânsia de que chegasse ao hotel.

93
18 AFA Considere o fragmento. J Refere-se a um advogado, apenas.
No outro dia o meu primo Silvino nos contou que J Há um advogado e ele é pintor.
tinha se lembrado de dizer ao cangaceiro que a tia Si- J Refere-se a mais de um pintor.
nhazinha não gostava dele. É que nos falavam sempre de A sequência correta é:
uma velha que Antônio Silvino fizera dançar nua, dando A 2–2–1–1–nada.
umbigada num pé de Candeiro, por motivo semelhan- B 1–2–1–1–nada.
te. Se isto tivesse acontecido com a velha Sinhazinha, os C nada–1–2–2–1.
moleques, as negras e os meninos do Santa Rosa teriam D 1–1–2–2–nada.
dormido uma noite de grande. E nada–1–1–2–2.
Nele ocorre(m) discurso(s):
A indireto. 24 Fuvest Explique a diferença de sentido entre:
B direto. a) Os homens, que têm seu preço, são facilmente
C indireto livre. corrompidos.
D direto e indireto. b) Os homens que têm seu preço são facilmente
corrompidos.
19 Observe o período a seguir.
25 Unicamp (Adapt.) Corrija o emprego do relativo no tex-
Peço a V. Exa. que não associe o fato a nenhum epi-
to a seguir.
sódio anterior.
Futebol, aquele esporte que faz o povo vibrar ao ver
O termo em destaque: a vitória do time a qual se propõe a torcer.
A exerce a função de objeto direto. Escrita de aluno do Ensino Médio.
B não tem valor sintático.
C é partícula anunciadora de oração adjetiva.
26 CMRJ 2019 (Adapt.) Eu tinha nove ou dez anos, e uma
D exerce a função de objeto direto pleonástico.
tia, que era pintora, me convidara para ir ao seu ateliê
para conhecer o local onde ela trabalhava. O pequeno
20 UFPA Há no período uma oração subordinada adjetiva. aposento estava frio e tinha um cheiro maravilhoso de
A Ele falou que compraria a casa. terebintina e óleo; as telas armazenadas, apoiadas umas
B Não fale alto, que ele pode ouvir. nas outras, me pareciam livros deformados no sonho de
C Vamos embora, que o dia está amanhecendo. alguém que soubesse vagamente o que eram livros e os
D Em time que ganha não se mexe. houvesse imaginado enormes, feitos de uma única pági-
E Parece que a prova não está difícil. na, dura e grossa [...].
Francis Bacon observou que, para os antigos, todas as
21 Faap Não compreendíamos a razão por que o ladrão imagens que o mundo dispõe diante de nós já se acham
não montava a cavalo. encerradas em nossa memória desde o nascimento. “Desse
modo, Platão tinha a concepção”, escreveu ele, “de que
A oração em destaque é:
todo conhecimento não passava de recordação; do mesmo
A subordinada adjetiva restritiva.
modo, Salomão proferiu sua conclusão de que toda no-
B subordinada adjetiva explicativa.
vidade não passa de esquecimento”. Se isso for verdade,
C subordinada adverbial causal.
estamos todos refletidos de algum modo nas numerosas
D substantiva objetiva direta.
e distintas imagens que nos rodeiam, uma vez que elas
E substantiva completiva nominal. já são parte daquilo que somos: imagens que criamos
e imagens que emolduramos; imagens que compomos
22 UEL Foram inócuas as medidas tomadas pela direção fisicamente, à mão, e imagens que se formam espontanea-
da escola. mente na imaginação; imagens de rostos, árvores, prédios,
A expressão equivalente à palavra inócuas na frase nuvens, paisagens, instrumentos, água, fogo e imagens da-
acima é: quelas imagens – pintadas, esculpidas, encenadas... Quer
A que não agradaram. descubramos nessas imagens circundantes lembranças
B que não levaram a nenhum resultado. desbotadas de uma beleza que, em outros tempos, foi
C que não foram divulgadas. nossa (como sugeriu Platão), quer elas exijam de nós uma
D que não foram acatadas. interpretação nova e original, por meio de todas as pos-
E que não foram oportunas. sibilidades que nossa linguagem tenha a oferecer, somos
essencialmente criaturas de imagens, de figuras.
(MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras,
23 PUC-PR Combinando os conjuntos: 2009. p. 19-20.)
1. O advogado que é pintor ficará uns dias aqui.
As orações adjetivas cujo conteúdo é relevante para
2. O advogado, que é pintor, ficará uns dias aqui.
a identificação da entidade, ser ou objeto a que se refere
J Refere-se a mais de um advogado. o antecedente do pronome relativo chamam-se restritivas
J Os outros advogados não são pintores. [...]. Quando, entretanto, o conteúdo da oração adjetiva

94 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


não contribui para essa identificação, dizemos que a ora- Releia o seguinte trecho:
ção adjetiva é não restritiva (ou explicativa). [...] morrer com tudo o que são, na terra que lhes per-
(Azeredo, José Carlos de. Gramática Houaiss da língua portuguesa. tence.
1. ed. São Paulo: Publifolha, 2008. p. 319-320.)
Substituindo a oração adjetiva sublinhada por um ter-
Ao longo do texto, observam-se algumas ocorrências mo simples, assinale a alternativa em que a reescrita
de orações adjetivas. do trecho altera signicativamente o sentido do texto
No período “Eu tinha nove ou dez anos, e uma tia, que A [...] morrer com tudo o que são, na terra deles.
era pintora, me convidara para ir ao seu ateliê para B [...] morrer com tudo o que são, naquelas terras.
conhecer o local onde ela trabalhava.”, a oração adje- C [...] morrer com tudo o que são, nas suas terras.
tiva destacada estabelece com o vocábulo “tia” uma D [...] morrer com tudo o que são, nas próprias terras.
relação semântica de
A conclusão. 29 Fatec 2016 É boa a notícia para os fãs da natação, vôlei
B comparação. de praia, futebol, hipismo, ginástica rítmica e tiro com
C retificação. arco que buscam ingressos para os Jogos Olímpicos Rio
D generalização. 2016. Entradas para catorze sessões esportivas dessas
E caracterização. modalidades, que tinham se esgotado na primeira fase de
sorteio de ingressos, estão à venda.
https://www.olympic.org/news/rio-2016 Acesso em: 12.09.2015. Adaptado.
27 Unicamp (Adapt.) Corrija o texto a seguir, empregando
adequadamente o pronome relativo. A oração subordinada destacada nesse fragmento é
Existem escolas que as aulas da noite são iluminadas A adjetiva restritiva.
à luz de velas. B adjetiva explicativa.
Boletim da Associação dos Professores do Estado de São Paulo. C substantiva subjetiva.
D substantiva apositiva.
E substantiva predicativa.
28 CPII 2018 (Adapt.)
“Decretem nossa extinção e nos enterrem aqui” 30 EsPCEx 2015
Assinale a alternativa que analisa corretamente a ora-
A declaração de morte coletiva feita por um grupo de ção sublinhada na frase a seguir.
Guaranis Caiovás demonstra a incompetência do Estado
brasileiro para cumprir a Constituição de 1988 e mostra “Os animais que se alimentam de carne chamam-se
que somos todos cúmplices de genocídio – uma parte de carnívoros.”
nós por ação, outra por omissão.
A A oração adjetiva sublinhada serve para explicar
– Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não
como são chamados os animais que se alimentam
decretar a ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa
de carne e, portanto, por ser explicativa, deveria
morte coletiva e enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma
estar separada por vírgulas.
vez por todas, para decretar nossa extinção/dizimação
B Como todos os animais carnívoros alimentam-se
total, além de enviar vários tratores para cavar um grande
de carne, não há restrição. Nesse caso, a oração
buraco para jogar e enterrar nossos corpos. Este é o nosso
pedido aos juízes federais. sublinhada só poderá ser explicativa e, portanto,
O trecho pertence à carta de um grupo de 170 in- deveria estar separada por vírgulas.
dígenas que vivem à beira de um rio no município de C Trata-se de uma oração evidentemente explicativa,
Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, cercados por pistoleiros. pois ensina como são chamados os animais que se
As palavras foram ditadas em 8 de outubro ao conselho Aty alimentam de carne. Sendo assim, a oração adjeti-
Guasu (assembleia dos Guaranis Caiovás), após receberem va sublinhada deveria estar separada por vírgulas.
a notícia de que a Justiça Federal decretou sua expulsão D A oração adjetiva sublinhada tanto pode ser expli-
da terra. São 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças. De- cativa, pois esclarece, em forma de aposto, o termo
cidiram ficar. E morrer como ato de resistência – morrer antecedente, quanto pode ser restritiva, por limitar
com tudo o que são, na terra que lhes pertence. o sentido do termo “animais”.
Há cartas, como a de Pero Vaz de Caminha, de 1o de E A oração adjetiva sublinhada só pode ser restritiva,
maio de 1500, que são documentos de fundação do Brasil: pois reduz a categoria dos animais e é indispen-
fundam uma nação, ainda sequer imaginada, a partir do sável ao sentido da frase: somente os que comem
olhar estrangeiro do colonizador sobre a terra e sobre os carne é que são chamados de carnívoros.
habitantes que nela vivem. E há cartas, como a dos Gua-
ranis Caiovás, escritas mais de 500 anos depois, que são 31 Explique a ambiguidade na frase a seguir.
documentos de falência. A partir da carta dos Guaranis A casa do presidente, que ca em Brasília, é linda.
Caiovás, tornamo-nos cúmplices de genocídio. Sempre
FRENTE 1

fomos, mas tornar-se é saber que se é.


Eliane Brum
32 Desenvolva as orações a seguir.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/elianebrum/noticia/2012/10/
a) Vimos um homem pescando.
decretem-nossa-extincao-e-nosenterrem-aqui.html (Adaptado). b) As nuvens são cabelos crescendo como rios...

95
33 Reduza as orações que seguem. Na frase acima, as palavras destacadas assumem, res-
a) Havia no avião pessoas que vomitavam. (reduza pectivamente, as funções sintáticas de:
no gerúndio) A conjunção subordinativa causal, pronome relativo,
b) Esta foi a causa que foi divulgada pela polícia. (re- conjunção subordinativa integrante.
duza no particípio) B conjunção subordinativa conformativa, pronome
relativo, pronome relativo.
34 UFP A oração destacada no período: C conjunção subordinativa conformativa, pronome
relativo, conjunção subordinativa integrante.
[...] mesmo que eu juntasse um por um, os cacos D pronome relativo, conjunção subordinativa inte-
todos, nunca mais o espelho seria como antes.
grante, pronome relativo.
Lygia Fagundes Telles.
E pronome relativo, pronome relativo, conjunção
expressa um aspecto: coordenativa explicativa.
A temporal. D conformativo.
B concessivo. E condicional. 38 UEPG Em “Ele planejou tudo segundo combinamos.”, a
C causal. segunda oração expressa uma ideia de:
A finalidade.
35 Fuvest 2020 O Twitter é uma das redes sociais mais B concessão.
importantes no Brasil e no mundo. (...) Um estudo identi- C condição.
ficou que as fake news são 70% mais propensas a serem D conformidade.
retweetadas do que fatos verdadeiros. (...) Outra conclu- E tempo.
são importante do trabalho diz respeito aos famosos bots:
ao contrário do que muitos pensam, esses robôs não são 39 Fuvest Nas frases a seguir, cada lacuna corresponde a
os grandes responsáveis por disseminar notícias falsas. uma conjunção retirada.
Nem mesmo comparando com outros robozinhos: tanto I. Porém, já cinco sóis eram passados ____ dali par-
os que espalham informações mentirosas quanto aqueles tíramos [...]
que divulgam dados verdadeiros alcançaram o mesmo
II. _______ estivesse doente, faltei à escola.
número de pessoas.
III. ____ haja maus, nem por isso devemos descrer
Super Interessante, “No Twitter, fake news se espalham 6 vezes mais rápido
que notícias verdadeiras”. Maio/2019. dos bons.
IV. Pedro será aprovado ____ estude.
No período “Nem mesmo comparando com outros V. ____ chova sairei de casa.
robozinhos: tanto os que espalham informações
mentirosas quanto aqueles que divulgam dados ver- As conjunções retiradas são, respectivamente:
dadeiros alcançaram o mesmo número de pessoas.”, A quando, ainda que, sempre que, desde que, como
os dois-pontos são utilizados para introduzir uma B que, como, embora, desde que, ainda que
A conclusão. C como, que, porque, ainda que, desde que
B concessão. D que, ainda que, embora, como, logo que
C explicação. E que, quando, embora, desde que, já que
D contradição.
E condição. 40 UFSM Leia com atenção os períodos a seguir.
I. Caso haja justiça social, haverá paz.
36 FCL –Ah! Brejeiro! Contanto que eu não te deixes ficar II. Embora a televisão ofereça imagens concretas,
aí inútil, obscuro, e triste; não gastei dinheiro, cuida- ela não fornece uma reprodução fiel da realidade.
dos, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, III. Como todas aquelas pessoas estavam concentra-
e te convém, e a todos nós; é preciso continuar o nos- das, não se escutou um único ruído.
so nome, continuá-lo e ilustrá-lo ainda mais. Assinale a alternativa que apresenta, respectivamente,
As orações destacadas indicam, no contexto, respec- as circunstâncias indicadas pelas orações destacadas.
tivamente, ideia de: A Tempo, concessão, comparação.
A condição, finalidade, conformidade. B Tempo, causa, concessão.
B consequência, comparação, modo. C Condição, consequência, comparação.
C condição, finalidade, modo. D Condição, concessão, causa.
D causa, modo, conformidade. E Concessão, causa, conformidade.
E concessão, finalidade, comparação.
41 Ueba Não tendo confirmado sua chegada, não fui es-
37 FCL Concordo com a avaliação de Marcuse, que foi perá-lo.
a expressão lúcida de um conjunto de possibilidades Comece com: Não fui esperá-lo,...
que se manifestaram em 68. Acho que as diferenças A a menos que D sem bem que
entre os dois momentos são mais importantes do que B por que E contudo
qualquer tentativa de aproximá-los. C visto que

96 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


42 UFPel Estava tão quente, que ligamos o ventilador. A consequência e conformidade.
Comece com: Ligamos o ventilador... B causa e conformidade.
A conforme C conformidade e consequência.
B dado que D causa e finalidade.
C à medida que E consequência e finalidade.
D não obstante
E ao passo que 45 ITA “Derreado, não pôde sustentar-se em pé.”
Na frase citada, o adjetivo estabelece com a oração
43 UFV Ele assumiu a chefia do cargo, embora não esti- uma relação de:
vesse preparado para isso. A causa e efeito.
Comece com: Ele não estava... B consequência e inclusão.
A todavia C efeito e concessão.
B de forma que D concessão e oposição.
C porquanto E condição e proporção.
D desde que
E conforme 46 UFRJ [...] únicas moradias erguidas no Rio para abrigar
flagelados.
44 Unesp 2020 (Adapt.) Para responder à questão, leia o Substitua a oração reduzida de innitivo do trecho aci-
trecho de uma fala do personagem Quincas Borba, ma por uma construção nominal.
extraída do romance Quincas Borba, de Machado de
Assis, publicado originalmente em 1891. 47 Cesgranrio Assinale a alternativa em que se altera o
sentido da oração destacada em: Agindo indiscrimi-
— […] O encontro de duas expansões, ou a ex- nadamente sobre a maioria dos insetos, os inseticidas
pansão de duas formas, pode determinar a supressão de
produziram graves desequilíbrios biológicos.
uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida,
A Por agirem indiscriminadamente sobre a maioria
porque a supressão de uma é condição da sobrevivência
dos insetos...
da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e
B Como agissem indiscriminadamente sobre a maio-
comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra.
ria dos insetos...
Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As
C Apesar de agirem indiscriminadamente sobre a
batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos,
maioria dos insetos...
que assim adquire forças para transpor a montanha e ir
D Em razão de agirem indiscriminadamente sobre a
à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas,
maioria dos insetos...
se as duas tribos dividirem em paz as batatas do cam-
po, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem
E Em virtude de agirem indiscriminadamente sobre a
de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra maioria dos insetos...
é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e
recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, 48 Fuvest Leia o seguinte trecho.
aclamações, recompensas públicas e todos os demais Bastante experimentei depois a verdade deste aviso,
efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais que me despia, num gesto, das ilusões de criança
demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real educada exoticamente na estufa de carinho que é o
de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazí- regime do amor doméstico, diferente do que se en-
vel ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma contra fora, tão diferente, que parece o poema dos
pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao cuidados maternos um artifício sentimental[...]
vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas. [...] a) Nesse período, há uma oração subordinada ad-
Aparentemente, há nada mais contristador que uma des- verbial consecutiva. Identifique-a pelo verbo.
sas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, b) Qual é o sujeito desse verbo?
todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque
elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, 49 PUC-SP Analise o período composto abaixo, dividindo
como porque dá lugar à observação, à descoberta da suas orações e classificando-as.
droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; “Dentro dele um desejo abre-se em or e cresce e ele
devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada pensa, ao sentir esses sonhos ignotos, que a alma é
se perde, tudo é ganho. como uma planta.”
(Quincas Borba, 2016.)

Em “mas, rigorosamente, não há morte, há vida, por- 50 Fuvest Assinale a alternativa em que o texto esteja
que a supressão de uma é condição da sobrevivência corretamente pontuado.
FRENTE 1

da outra” e “As batatas apenas chegam para alimentar A “Enquanto eu fazia comigo mesmo aquela reflexão,
uma das tribos”, os termos sublinhados estabelecem entrou na loja um sujeito baixo sem chapéu trazen-
relação, respectivamente, de do pela mão, uma menina de quatro anos.”

97
B “Enquanto eu fazia comigo mesmo aquela reflexão, ódio, de intolerância, de exacerbação¹ de preconceitos
entrou na loja, um sujeito, baixo, sem chapéu, tra- e da violência da linguagem. Mas a internet não cria o
zendo pela mão, uma menina de quatro anos.” sentimento de ódio, talvez apenas torne mais evidente
C “Enquanto eu fazia comigo mesmo aquela reflexão, aquilo que só se daria no campo do relacionamento
entrou na loja um sujeito baixo, sem chapéu, tra- pessoal.
zendo pela mão uma menina de quatro anos.” Há cem anos, se eu fosse um racista, precisaria ex-
D “Enquanto eu, fazia comigo mesmo, aquela refle- pressar meu racismo num livro. Para publicar um livro,
eu teria de escrevê-lo durante meses. Depois teria de
xão, entrou na loja um sujeito baixo sem chapéu,
revisá-lo, achar um editor e vendê-lo. Dava muito traba-
trazendo pela mão uma menina de quatro anos.”
lho. Hoje eu faço um post, e com um enter, atinjo mais
E “Enquanto eu fazia comigo mesmo, aquela refle-
gente do que um livro clássico atingiria.
xão, entrou na loja, um sujeito baixo, sem chapéu
O ataque anônimo nas redes, sem o custo do ata-
trazendo, pela mão, uma menina de quatro anos.”
que pessoal, deu ao ódio do covarde uma energia muito
grande. Deu-lhe a proteção da distância física e do anoni-
51 Fuvest 2020 (Adapt.) E Sofia? interroga impaciente a mato. O pior do ódio social, que é universal, agora pode
leitora, tal qual Orgon: Et Tartufe? Ai, amiga minha, a res- ser dirigido sem custos. Numa comunidade, as relações
posta é naturalmente a mesma, – também ela comia bem, são pessoais. Na rede, deletérias².
dormia largo e fofo, – coisas que, aliás, não impedem que É errado, portanto, dizer que a internet transformou
uma pessoa ame, quando quer amar. Se esta última refle- as pessoas em odiosas. Mas é fato que ela gera mais
xão é o motivo secreto da vossa pergunta, deixai que vos tranquilidade no exercício desse ódio. O enter é tão des-
diga que sois muito indiscreta, e que eu não me quero truidor quanto qualquer outra coisa. Antes da internet,
senão com dissimulados. matar dava trabalho. Agora, incita-se o ódio com um
Repito, comia bem, dormia largo e fofo. Chegara ao clique.
fim da comissão das Alagoas, com elogios da imprensa; Junte a proteção do anonimato e da distância, o
a Atalaia chamou-lhe “o anjo da consolação”. E não se senso de identidade do ódio e acrescente um terceiro
pense que este nome a alegrou, posto que a lisonjeasse; elemento importante: posso a todo instante dialogar com
ao contrário, resumindo em Sofia toda a ação da caridade, todos. Isso me empodera. Imagine se no passado alguém
podia mortificar as novas amigas, e fazer-lhe perder em um teria acesso ao universo de pessoas em todo o mundo que
dia o trabalho de longos meses. Assim se explica o artigo temos hoje? Hoje, com um simples post, posso enlamear.
que a mesma folha trouxe no número seguinte, nomean- Não preciso ter mais compromisso, algo diferente da
do, particularizando e glorificando as outras comissárias mentira. A mentira é usada por alguém que tem noção da
– “estrelas de primeira grandeza”. verdade. Não importa saber se é verdade. O que importa
Machado de Assis, Quincas Borba. é a sua eficácia.
KARNAL, Leandro. Todos contra todos: o ódio nosso de cada dia.
Considerando o contexto, o trecho “E não se pense
Rio de Janeiro: Leya, 2017 (adaptado).
que este nome a alegrou, posto que a lisonjeasse”
pode ser reescrito, sem prejuízo de sentido, da seguin- 1 – exacerbação: exageração; aumento.
te maneira: E não se pense que este nome a alegrou, 2 – deletérias: prejudiciais.
A apesar de lisonjeá-la.
A palavra destacada expressa valor lógico-semântico
B antes a lisonjeou.
de condição na frase:
C porque a lisonjeava.
A Se a globalização fez com que bobagens alcan-
D a fim de lisonjeá-la.
çassem escala global, a internet maximizou a
E tanto quanto a lisonjeava.
expressão de ódio, de intolerância, de exacerba-
ção de preconceitos e da violência da linguagem.
52 UFV Um dia, como lhe dissesse que iam dar o pas- B Há cem anos, se eu fosse um racista, precisaria
sarinho, caso continuasse a comportar-se mal, correu expressar meu racismo num livro.
para a área e abriu a porta da gaiola. C Agora, incita-se o ódio com um clique.
As orações destacadas são, respectivamente, subor- D Não importa saber se é verdade.
dinadas adverbiais:
A causal e condicional.
54 CMRJ 2020 (Adapt.) Colecionar fotos é colecionar o
B comparativa e consecutiva.
mundo. As fotos são, de fato, experiência capturada, e
C conformativa e consecutiva. a câmera é o braço ideal da consciência, em sua dis-
D condicional e concessiva. posição aquisitiva. Imagens fotografadas não parecem
E comparativa e conformativa. manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços
dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fa-
53 CPII 2020 (Adapt.) zer ou adquirir.
Fotos, que enfeixam o mundo, parecem solicitar que
A internet facilita a vida de quem odeia
as enfeixemos também. São afixadas em álbuns, emoldura-
Se a globalização fez com que bobagens alcanças- das e expostas em mesas, pregadas em paredes, projetadas
sem escala global, a internet maximizou a expressão de como diapositivos.

98 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


Por meio de fotos, cada família constrói uma crônica No contexto em que se insere, o trecho sublinhado
visual de si mesma – um conjunto portátil de imagens expressa ideia de
que dá testemunho de sua coesão. Um álbum de fotos de A comparação. D consequência.
família é, em geral, um álbum sobre a família ampliada – B causa. E concessão.
e, muitas vezes, o que dela resta. C conclusão.
Assim como as fotos dão às pessoas a posse imaginá-
ria de um passado irreal, também as ajudam a tomar posse
56 Cotuca-Unicamp 2019
de um espaço em que se acham inseguras.
(SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
p. 14-5 e 19. Texto adaptado.)

Vocabulário
Diapositivo: imagem positiva, estática e translúcida,
de modo geral em película, e que se pode projetar;
imagem fotográca.
Enfeixar: amarrar ou prender em feixe; colocar junto;
ajuntar; reunir.
“Assim como as fotos dão às pessoas a posse imagi-
nária de um passado irreal, também as ajudam a tomar
posse de um espaço em que se acham inseguras”.
Nessa passagem, o trecho sublinhado apresenta o
valor de
A conclusão.
B concessão.
C explicação.
D alternância.
E comparação.

55 Unifesp 2020 (Adapt.) Para responder à questão, leia


o trecho de uma carta de Charles Darwin ao biólogo
Joseph Hooker em 11.01.1844.
Além de um interesse geral pelas terras meridionais,
desde que retornei tenho me dedicado a um trabalho
muito ambicioso que nenhum indivíduo que conheço
deixaria de considerar muito bobo. Fiquei tão impressio-
Qual das alternativas abaixo apresenta orações que
nado com a distribuição dos organismos nas Galápagos expressam uma relação de causa e consequência?
e com a natureza dos fósseis de mamíferos americanos, A “Claro que sim. Faz três dias que não para de cho-
que resolvi recolher todo tipo de coisa que pudesse ter ver. Por que ia parar justo agora?” (3o quadrinho)
alguma relação com alguma espécie. Li montanhas de B “A gente vai precisar de umas férias depois destas
livros sobre agricultura e horticultura e não paro de co- férias.” (4o quadrinho)
letar informações. Por fim surgiu uma luz, e estou quase C “Não acredito que o papai saiu para pescar.” (5o
convencido (ao contrário do que achava inicialmente) de quadrinho)
que as espécies (é como confessar um homicídio) não D “Ou ele pesca algo ou a comida enlatada acaba. E
são imutáveis. Deus me livre das bobagens de Lamarck aí morreremos de fome aqui no meio do nada.” (6o
como “tendência ao progresso”, “adaptações a partir do quadrinho)
esforço dos animais”, – porém minhas conclusões não E “Ei, Calvin! Quer aprender a limpar um peixe?” (8o
diferem muito das dele – embora a forma da mudança quadrinho)
difira inteiramente – creio que descobri (que presunção!)
a maneira simples pela qual as espécies se adaptam a 57 AFA Observe o texto a seguir.
várias finalidades.
É sabido que o sistema do Império Romano dependia
(Shaun Usher (org.). Cartas extraordinárias, 2014.)
da escravidão, sobretudo para a produção agrícola. É
“Deus me livre das bobagens de Lamarck como ‘ten- sabido ainda que a população escrava era recrutada
dência ao progresso’, ‘adaptações a partir do esforço principalmente entre prisioneiros de guerra.
dos animais’, — porém minhas conclusões não dife- Em vista disso, a pacicação das fronteiras fez dimi-
rem muito das dele — embora a forma da mudança nuir consideravelmente a população escrava.
FRENTE 1

dira inteiramente — creio que descobri (que pre- Como o sistema não podia prescindir da mão de obra
sunção!) a maneira simples pela qual as espécies se escrava, foi necessário encontrar outra forma de man-
adaptam a várias nalidades.” ter inalterada essa população.

99
Analisando a conexão interna existente entre os vá- sabiam as línguas, desconheciam os códigos culturais,
rios segmentos do texto, pode-se armar que: sentiam-se deslocados e com saudades de Maputo. Alguns
A a expressão em vista disso, no segundo parágrafo, sofriam dos mesmos fantasmas dos exploradores coloniais:
estabelece uma relação de implicação causal entre as feras, as cobras, os monstros invisíveis.
o dado anterior e o que vem a seguir. Aquelas zonas rurais eram, afinal, o espaço onde
B o conectivo como, que inicia o terceiro parágrafo, viveram os seus avós, e todos os seus antepassados. Mas
manifesta uma relação de comparação. eles não se reconheciam como herdeiros desse patrimô-
C a palavra ainda, no primeiro parágrafo, (“É sabido nio. O país deles era outro. Pior ainda: eles não gostavam
ainda que”...) serve para estabelecer uma relação desta outra nação. E ainda mais grave: sentiam vergonha
de a ela estarem ligados. A verdade é simples: esses jo-
de tempo, situando o texto no aspecto cronológico.
vens estão mais à vontade dentro de um videoclipe de
D a conexão interna entre os vários enunciados do
Michael Jackson do que no quintal de um camponês
texto evidencia uma relação de coerência.
moçambicano.
O que se passa, e isso parece inevitável, é que estamos
58 UFPR 2019 Leia o excerto abaixo: criando cidadanias diversas dentro de Moçambique³. E
As bombas que os aliados lançaram sobre a Alemanha existem várias categorias: há os urbanos, moradores da
durante a Segunda Guerra Mundial conseguiram atingir cidade alta, esses que foram mais vezes a Nelspruit4 que
a borda inferior do espaço: a ionosfera se enfraqueceu aos arredores da sua própria cidade. Depois, há uns que
sob a influência da onda expansiva de tantos explosivos. moram na periferia, os da chamada cidade baixa. E há
__________ o efeito tenha sido temporário, chegou a ser ainda os rurais, os que são uma espécie de imagem des-
sentido nos céus da Inglaterra. __________, os bombar- focada do retrato nacional. Essa gente parece condenada
deios alemães, primeiro os da Luftwaffe (a aviação nazista) a não ter rosto e falar pela voz de outros.
e, depois, com os foguetes V1 e V2, mal deixaram vestígios Texto de Mia Couto adaptado do livro Pensatempos
(Lisboa: Caminho, 2005).
na atmosfera.
Assinale a alternativa que preenche corretamente as 1 – Maputo: capital de Moçambique.
lacunas acima, na ordem em que aparecem no texto. 2 – trabalhos de campo: trabalho de pesquisa realiza-
A Embora – No entanto. do fora da universidade.
B Ainda que – Por isso. 3 – Moçambique: país africano.
C Consoante – Não obstante. 4 – Nelspruit: cidade turística da África do Sul.
D Posto que – Logo.
Releia o seguinte trecho do texto:
E Porquanto – Contudo.
“Quando eles saíam de Maputo em trabalhos de
59 EEAR 2019 Assinale a alternativa que apresenta, cor- campo, esses jovens comportavam-se como se estivessem
reta e respectivamente, os sentidos expressos pelas emigrando para um universo estranho e adverso. Eles não
palavras ou expressões em destaque no fragmento sabiam as línguas, desconheciam os códigos culturais,
de texto a seguir: sentiam-se deslocados e com saudades de Maputo.”

“Ao passo que os aparatos tecnológicos se tornam Uma reescrita coerente com a relação mantida entre
mais presentes na nossa vida, mais se aprende a viver em os dois períodos do trecho destacado pode ser en-
rede. Embora saibamos o quanto é importante firmar nos- contrada em
sos valores individuais, acabamos sendo arrastados, como A [...] à medida que eles não sabiam as línguas, desco-
gados ao matadouro, rumo à neutralização das diferenças nheciam os códigos culturais, sentiam-se deslocados
culturais dos povos.” e com saudades de Maputo.
B [...] apesar de eles não saberem as línguas, desconhe-
A causa, comparação e temporalidade.
cerem os códigos culturais, sentirem-se deslocados e
B consequência, concessão e comparação.
com saudades de Maputo.
C proporcionalidade, concessão e comparação.
C [...] uma vez que eles não sabiam as línguas, desco-
D condição, conformidade e proporcionalidade.
nheciam os códigos culturais, sentiam-se deslocados
e com saudades de Maputo.
60 CPII 2019 D [...] caso eles não soubessem as línguas, desconheces-
A fronteira da cultura sem os códigos culturais, sentissem-se deslocados e
com saudades de Maputo.
Durante anos, dei aulas em diferentes faculdades da
Universidade Eduardo Mondlane. Os meus colegas pro-
fessores queixavam-se da progressiva falta de preparação 61 UFRJ O assunto é amplo. A discussão também preci-
dos estudantes. Eu notava algo que, para mim, era ainda saria ser.
mais grave: uma cada vez maior distanciação desses jovens Reunindo-se as duas orações anteriores em um único
em relação ao seu próprio país. período, sem alterar-lhes o sentido, podem-se construir
Quando eles saíam de Maputo¹ em trabalhos de cam- várias frases evidenciando-se diferentes relações se-
po², esses jovens comportavam-se como se estivessem mânticas. A partir dessas possibilidades, estabeleça a
emigrando para um universo estranho e adverso. Eles não correspondência adequada entre as colunas a seguir.

100 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


J Por ser amplo o assunto, a discussão também pre- 62 UFRRJ No período “Casimiro de Abreu chorava tanto/
cisaria ser. que não cabia em si de descontente”, a segunda ora-
J O assunto é tão amplo, que a discussão também ção estabelece com a primeira uma relação de:
precisaria ser. A causalidade.
J Se o assunto é amplo, a discussão também preci- B concessão.
saria ser. C finalidade.
J O assunto é amplo, portanto a discussão também D proporção.
precisaria ser. E consequência.
J O assunto é amplo, mas a discussão também pre-
cisaria ser. 63 UFRJ Considere o excerto a seguir.
1. conclusão
e só vão deter-se ante o coreto da praça pública,
2. condição
onde,
3. causa
sob os mais inconfessáveis disfarces,
4. ressalva
Castro Alves ainda discursa!
5. consequência
A sequência correta, ao estabelecermos a relação, é: Substitua o conectivo “onde” por outro equivalente.
A 3, 5, 2, 1, 4.
B 3, 1, 2, 5, 4. 64 UFRJ Leia atentamente o trecho a seguir.
C 2, 5, 4, 1, 3. Se ambos consideram o homem primitivo vivendo num
D 2, 3, 4, 5, 1. estado selvagem, passando à vida em sociedade me-
E 4, 5, 2, 3, 1. diante um pacto comum a todos, exatamente como se
cria uma sociedade civil ou comercial, vale frisar que
Texto para as questões 62 e 63.
Rousseau imaginava uma convivência individualista,
mas cordial, vivendo os homens pacicamente, sem
Poesia brasileira
Casimiro de Abreu chorava tanto atrito com seus semelhantes, ao contrário de Hobbes,
que não cabia em si de descontente. para quem, em célebre tirada, “o homem é lobo do
Suas lágrimas próprio homem” (homo homini lupus).
escorrem até agora pelas vidraças
pelas calçadas Sobre o valor semântico do conectivo destacado, é
pelas sarjetas correto armar que estabelece uma relação de:
e só vão deter-se ante o coreto da praça pública, A condição, equivalendo a “desde que”.
onde, B tempo, equivalendo a “quando”.
sob os mais inconfessáveis disfarces, C conclusão, equivalendo a “logo”.
Castro Alves ainda discursa! D alternância, equivalendo a “ou”.
Mario Quintana. Caderno H. São Paulo: Globo, 1998. p. 163. E concessão, equivalendo a “embora”.

Texto complementar
Teoria da oração
A Sintaxe Psicológica tem como tarefa central fornecer uma teoria da oração tão completa quanto possível. Por isso começa pelo próprio conceito
de oração.
Conceito e natureza da oração. Os conceitos de oração não têm, nesta corrente, um razoável grau de operacionalidade, pois variam muito segundo
as propriedades oracionais focalizadas. As diversas definições existentes deixam perceber que ora se acentuam as configurações externas, ora se
dá atenção especial aos aspectos internos das orações. Ries, depois de examinar um número elevado de definições, propõe a seguinte:
“A oração é uma unidade mínima de fala, formada gramaticalmente, que expressa seu conteúdo em vista de sua relação com a realidade.”
Aí se concentram três propriedades das orações: ter forma gramatical, ser unidade mínima de fala e ter um conteúdo relacionado com a realidade.
A forma gramatical diz respeito a uma estrutura específica que, entretanto, não se refere à exigência, de herança lógica, segundo a qual toda frase
deve conter os dois momentos aristotélicos do juízo: S e P. Uma oração é uma unidade de fala enquanto encarada como ação verbal. Se toda ação
humana se caracteriza por um fazer bem ordenado, então falar também comporta unidades adequadas. Seria de se perguntar, como o faz Bühler,
se aquilo que no ato de martelar, se caracteriza com um golpe (uma martelada), no ato de fala corresponde a uma oração. Do ponto de vista externo
(fonético) a resposta seria afirmativa, uma vez que o falante reconhece as orações por uma entonação especial e um acento típico. O conteúdo
significativo se delineia pela expressividade própria das orações e na qual se realiza um processo psíquico orientado para a questão do conteúdo
representativo real em que se baseia toda formação de orações. O conteúdo das frases aparece, portanto, como a soma da substância significativa
das palavras (significação léxica) mais as significações de relações lógico-gramaticais.
Wundt, por sua vez, focaliza a oração como ação interna bem determinada e bem caracterizada, que pode ser reconhecida externamente. Enten-
FRENTE 1

dendo a linguagem como impulso expressivo do homem, ele define a forma interna primeiramente como complexo de conexões psíquicas, isto é,
leis peculiares de associação e de arranjo que aparecem na estrutura das formas vocabulares, na distinção das partes do discurso, nos constituintes

101
oracionais e na ordem deles. Os recursos de expressão imediatos de forma linguística interna são as formas de constituição das palavras e as de
enlace das orações. Assim se pode precisar o conceito de forma linguística interna. Pode tratar-se:
1) da conexão do pensamento linguístico, que se revela nas formas externas (traços estruturais);
2) das direções desse pensamento, ou então, das zonas de representação a que o pensamento linguístico se dirige preferencialmente;
3) do conteúdo do pensamento, ou seja, das propriedades específicas das representações e dos conceitos ambos possíveis de se expressarem
na forma externa.
A primeira dessas propriedades se manifesta sobretudo nas formas oracionais; a terceira, nas formas das palavras; a segunda, tanto numas como
noutras.
Wundt insiste na natureza globalizante da oração. Ela é uma representação global em que cada palavra perde sua individualidade, uma vez que a
representação isolada não vem à consciência no momento em que se pronuncia a palavra correspondente. A oração permanece na consciência
como um todo, de tal forma que se pode conhecer seus elementos principais no momento em que começa a ser pronunciada. Psicologicamente,
portanto, a oração é uma forma simultânea e sucessiva. É simultânea porque em cada momento está com toda sua extensão na consciência, o
conjunto se transforma de momento em momento, já que determinadas representações penetram, umas após as outras, no ponto focal, enquanto
outras esmaecem. Por isso é que uma simples união de palavras não constitui oração.
Francisco da Silva Borba. Teoria sintática. São Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

Resumindo
Orações subordinadas substantivas
y As subordinadas são estruturas dependentes.
y Haverá quebra de paralelismo sintático se houver a omissão da oração principal ou da subordinada.
y A oração subordinada substantiva é permutável por isto.
y A oração principal não apresenta a conjunção.
y A oração subordinada substantiva faz uso de conectivo ou de verbo no infinitivo (oração reduzida).
y A oração subjetiva exerce o papel de sujeito da principal, exige verbo da oração principal na terceira pessoa do singular.
É preciso que haja democracia.
y A objetiva direta exerce o papel de objeto direto da principal.
Quero que todos aprendam.
y A objetiva indireta exerce papel de objeto indireto da principal, vem regida por preposição.
Duvido de que todos venham.
y A completiva nominal exerce papel de complemento nominal de um termo da principal, e vem regida por preposição obrigatória.
Chegamos à conclusão de que tudo não passava de um engano.
y A predicativa exerce função de predicativo do sujeito da oração principal.
O sonho era que houvesse menos fome.
y A apositiva exerce função de aposto da oração principal, é precedida de dois pontos ou vírgula.
O rei queria isto: que todos o respeitassem na corte.
y O discurso direto reproduz fala da personagem.
Ele disse: “Estou com frio!”
y O discurso indireto ocorre quando o narrador incorpora em seu discurso a fala da personagem.
Ele disse que estava com frio.
Orações subordinadas adjetivas
y As orações adjetivas exercem morfologicamente o papel de adjetivo; sintaticamente, a função de adjunto adnominal.
y Os pronomes relativos introduzem as orações adjetivas.
y O relativo que substitui coisa ou pessoa; pode estar acompanhado de preposições monossilábicas.
y O relativo quem substitui pessoas ou seres personificados, sempre vem acompanhado de preposição.
y O relativo o qual (e flexões) substitui o relativo que nas adjetivas explicativas; deve ser utilizado para evitar ambiguidades.
y O relativo cujo indica posse e subentende a preposição de mais o antecedente (= do qual, da qual); concorda com o substantivo posposto (não há
cujo o, cuja a).
y A oração subordinada adjetiva explicativa é acompanhada de vírgulas e compartilha um saber sobre o antecedente.
y As adjetivas restritivas não são acompanhadas de vírgulas e delimitam o antecedente.
y As adjetivas podem sofrer redução no infinitivo, gerúndio e particípio. São instrumentos de concisão.

102 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


y O relativo é elemento de coesão, de ligação.
y O relativo pode estar acompanhado da preposição.
y Para saber se há preposição, observe se há palavra, expressão ou oração à direita que peça preposição:
As poesias de que gosto.
y A oração adjetiva deve estar encostada ao antecedente do relativo: As guerras, que são insanas, traduzem uma fragilidade humana (o que não pode
acontecer: As guerras traduzem uma fragilidade humana, que são insanas).

Orações subordinadas adverbiais


Os tipos de adverbiais:
y Causais – expressam a causa da oração principal.
y Consecutivas – expressam a consequência da oração principal.
y Condicionais – expressam a condição da oração principal.
y Conformativas – expressam relação de concordância, conformidade.
y Comparativas – expressam confronto, comparação com a oração principal.
y Concessivas – expressam a ressalva, a concessão, argumento mais fraco, quebra de expectativa.
y Temporais – expressam o momento em que se realiza a ação da oração principal.
y Finais – expressam a intenção, a finalidade do que é dito na principal.
y Proporcionais – apresentam uma ação simultânea à ação da oração principal.

Quer saber mais?

Livros
y QUINTANA, Mario. Antologia poética. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
y BASTOS, Juçara. L. Meu Rico Português. Porto Alegre: AGE, 1997.
y CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 2009.

Exercícios complementares
1 EsPCEx 2017 Em “A velha disse-lhe que descansasse”, 4 Faça o mesmo com o texto a seguir.
do conto Noite de Almirante, de Machado de Assis, a O médico recusou pagamento, acrescentando: “É
oração grifada é uma subordinada cristão levar a saúde à casa dos pobres.”.
A substantiva objetiva indireta.
B adverbial final. 5 ESPM Classifique sintaticamente a oração destacada.
C adverbial conformativa. Pergunta-se qual seria o destino do povo.
D adjetiva restritiva.
E substantiva objetiva direta. 6 Transforme o período simples em composto, utilizan-
do uma oração subordinada substantiva.
2 EsPCEx 2016 No período “Ninguém sabe como ela aceita- Desejava a tua ajuda.
rá a proposta”, a oração grifada é uma subordinada
A adverbial comparativa. 7 Transforme o verbo da oração substantiva em desta-
B substantiva completiva nominal. que em substantivo.
C substantiva objetiva direta. Queria que você me socorresse.
D adverbial modal.
E adverbial causal. 8 Leia o texto a seguir.
Havia a necessidade de que os professores zessem
3 Utilize a conjunção integrante que e passe o texto a cursos de especialização e que preparassem melhor
seguir para o discurso indireto. as aulas.
FRENTE 1

O sacerdote, com o coração a sangrar, disse: “Positi- a) No período, há um erro de regência. Localize-o.
vamente, este país não é amigo de Deus.”. b) Que função exerce a conjunção e?

103
9 Leia o texto a seguir. 13 UFRJ Comprimem-se um milhão e meio de brasileiros,
“É preciso tirar o preconceito contra o negro, a mu- provenientes de quase todas as unidades da federação.
lher, o homossexual, o velho, a criança, o nordestino, Transforme o adjetivo provenientes em oração adjeti-
o burguês... mas antes de tudo, é necessário eliminar va, utilizando-se de verbo do mesmo radical.
o preconceito contra o outro.”
a) O autor empregou o paralelismo sintático. Iden- 14 FEI Transforme os períodos simples em períodos com-
tifique-o. postos, usando pronomes relativos.
b) Desenvolva a oração reduzida contida no início a) Minha janela dava para um canal. No canal osci-
do texto. lava um barco.
b) Para onde iam aquelas flores? O barco carregava
10 Fuvest Conta-me Cláudio Mello e Souza. Estando em um as flores.
café de Lisboa a conversar com dois amigos brasileiros,
foram eles interrompidos pelo garçom, que perguntou,
intrigado:
15 Unimep Leia.
— Que raio de língua é essa que estão aí a falar, que I. Apresento-lhe Lúcia.
eu percebo tudo? II. Faço tudo por um sorriso de Lúcia.
Rubem Braga. Se juntarmos as duas orações num só período, usan-
percebo: compreendo. do um pronome relativo, teremos:
a) A graça da fala do garçom reside num paradoxo.  Apresento-lhe Lúcia, a quem faço tudo pelo sorriso
Destaque dessa fala as expressões que consti- dela.
tuem esse paradoxo. Justifique.  Apresento-lhe Lúcia, que pelo sorriso dela faço tudo.
b) Transponha a fala do garçom para o discurso in- c Apresento-lhe Lúcia, a qual faço tudo pelo seu sorriso.
direto. Comece com: “O garçom lhes perguntou, d Apresento-lhe Lúcia, cujo sorriso faço tudo por ele.
intrigado, que raio de língua...”. e Apresento-lhe Lúcia, por cujo sorriso faço tudo.

11 Fuvest Leia. 16 Fuvest Modelo:


Diálogo ultrarrápido Observou a lenha verde que agonizava.
Observou a lenha verde agonizante.
– Eu queria propor-lhe uma troca de ideias...
Seguindo o modelo, reescreva a seguinte frase:
– Deus me livre!
Ele se arrogava o direito de inventar leis que determi-
Mario Quintana.
navam o comportamento do povo.
No diálogo acima, a personagem que responde:
“Deus me livre!” cria um efeito de humor com o senti- 17 Unicamp Observe que, nos trechos a seguir, a ordem
do implícito de sua frase fulminante. que foi dada às palavras, nos enunciados, provoca
a) Continue a frase “Deus me livre!”, de modo que a efeitos semânticos “estranhos”.
personagem explicite o que estava implícito nessa Fazendo sucesso com sua nova clínica, a psicóloga
frase. Iracema Leite Ferreira Duarte, localizada na rua Cam-
b) Transforme o diálogo acima em um único período, po Grande.
utilizando apenas o discurso indireto e conser-
vando o sentido do texto. Diga qual é a interpretação estranha e reescreva o
texto de forma a evitar o problema.
12 Observe esta montagem com foto que retrata um de-
pósito de lixo. 18 Unicamp Reescreva o trecho, empregando correta-
mente o relativo.
Reprodução

Embarcou para São Paulo Maria Helena Arruda, onde


cará hospedada no luxuoso hotel Maksoud Plaza.

O texto a seguir refere-se às questões de 19 a 21.


3.14161616...
Em matemática, o conceito de dízima periódica faz
referência à representação decimal de um número no qual
um conjunto de um ou mais algarismos se repete indefi-
nidamente.
... acabaremos prisioneiros do rapto político sutilíssi-
mo que permite, com toda a força do poder legítimo, o
regime do plebiscito eletrônico. Ou seja, a do povo que
Passe para o discurso indireto a frase “Filho, um dia isso quer o que quer o príncipe que quer o que quer o povo.
tudo será seu.” Nosso risco histórico é que esta sentença se pode repetir ao

104 LÍNGU PORTUGUeS Capítulo 10 Período composto por subordinação


infinito, como dízima periódica. E não como a conta certa abertas, esticava-as feito medisse os passos, quebrando
da democracia que merecemos, afinal, sem retórica, nem os joelhos em reto.
os deslumbramentos com que nos sature o Príncipe Valente. Quando montado, indo para a sua Fazenda da Pedra
Cândido Mendes de Almeida. “O príncipe, o espelho e o povo”. Menina, no cavalo branco ajaezado de couro trabalhado
In: Folha de S.Paulo, 22 out. 1990. e prata, aí então sim era a grande, imponente figura, que
enchia as vistas. Parecia um daqueles cavaleiros antigos,
fugidos do Amadis de Gaula ou do Palmeirim, quando iam
19 Unicamp Transcreva o trecho que pode ser expandido
para a guerra armados cavaleiros.
como uma dízima periódica.
(Ópera dos mortos, 1970.)

20 Unicamp Imagine que o autor quisesse demonstrar No início do segundo parágrafo, por ter na frase a mes-
a possibilidade dessa repetição infinita. Nesse caso, ma função sintática que o vocábulo “vagaroso” com
deveria expandir o trecho em questão. Faça essa ex- relação a “passo”, a oração “de quem não tem pressa”
pansão, avançando o equivalente a três algarismos é considerada
de uma dízima.  coordenada sindética.
 subordinada substantiva.
c subordinada adjetiva.
21 Unicamp Identifique, no trecho, a palavra (operador
d coordenada assindética.
linguístico) que torna possível a existência, na língua,
de construções sintáticas repetitivas semelhantes a e subordinada adverbial.
dízimas periódicas.
24 Cesgranrio Assinale a opção que completa correta-
22 Unicamp A organização sintática dada a certos trechos mente as lacunas da seguinte frase.
exige do leitor um esforço desnecessário de interpre- O controle biológico de pragas, _______ o texto faz
tação. A seguir você tem um exemplo disso. referência, é certamente o mais eciente e adequado
recurso _______ os lavradores dispõem para prote-
Ao chegar ao ancoradouro, recebeu Alzira Alves Filha ger a lavoura sem prejudicar o solo.
um colar indígena feito de escamas de pirarucu e frutos  do qual – com que
do mar, que estava acompanhada de um grupo de adeptos  de que – que
do Movimento Evangélico Unido. c que – o qual
Folha de S.Paulo, 12 fev. 2002.
d o qual – cujos
a) Reescreva o trecho, apenas alterando a ordem, e a que – de que
de forma a tornar a leitura mais simples.
b) Explique do ponto de vista sintático o problema 25 PUC-Campinas Assinale o período em que há uma ora-
acima detectado. ção adjetiva restritiva.
 A casa onde estou é ótima.
23 Unesp 2015 (Adapt.) A questão toma por base uma pas-  Brasília, que é a capital do Brasil, é linda.
sagem de um romance de Autran Dourado (1926- 2012). c Penso que você é de bom coração.
d Vê-se que você é de bom coração.
A gente Honório Cota
e Nada obsta a que você se empregue.
Quando o coronel João Capistrano Honório Cota
mandou erguer o sobrado, tinha pouco mais de trinta anos. 26 Cesesp [...] trepado numa rede afavelada cujas varan-
Mas já era homem sério de velho, reservado, cumpridor. das serviam-lhe de divisórias do casebre.
Cuidava muito dos trajes, da sua aparência medida. O Em qual das alternativas o uso de cujo não está em
jaquetão de casimira inglesa, o colete de linho atravessado
conformidade com a norma culta?
pela grossa corrente de ouro do relógio; a calça é que era
 Tenho um amigo cujos filhos vivem na Europa.
como a de todos na cidade – de brim, a não ser em certas
 Rico é o livro cujas páginas há lições de vida.
ocasiões (batizado, morte, casamento – então era parelho
c Naquela sociedade, havia um mito cuja memória
mesmo, por igual), mas sempre muito bem passada, o
não se apagava.
vinco perfeito. Dava gosto ver:
O passo vagaroso de quem não tem pressa – o mundo d Eis o poeta cujo valor exaltamos.
podia esperar por ele, o peito magro estufado, os gestos e Afirmam-se muitos fatos de cuja veracidade se
lentos, a voz pausada e grave, descia a rua da Igreja cum- deve desconfiar.
primentando cerimoniosamente, nobremente, os que por
ele passavam ou os que chegavam na janela muitas vezes 27 Fuvest Leia.
só para vê-lo passar. ...se decida a pedir a este rio [...]
Desde longe a gente adivinhava ele vindo: alto, ma- que me faça aquele enterro [...]
gro, descarnado, como uma ave pernalta de grande porte. ...e aquele acompanhamento
FRENTE 1

Sendo assim tão descomunal, podia ser desajeitado: não de água que sempre desfila
era, dava sempre a impressão de uma grande e ponderada (que o rio, aqui no Recife,
figura. Não jogava as pernas para os lados nem as trazia não seca, vai toda vida).

105
Nas ocorrências assinaladas, a partícula que serve, defensiva, elas preferem a segunda opção. O mundo está
respectivamente, para: cheio de poemas e teorias escondidos no porão.
I. introduzir um complemento para decida; referir à Copérnico é, talvez, o mais famoso desses relutantes
água o ato de desfilar; introduzir uma justificativa heróis da história da ciência. Ele foi o homem que colocou
para o uso de sempre. o Sol de volta no centro do Universo, ao mesmo tempo
II. introduzir um complemento para decida; esta- fazendo de tudo para que suas ideias não fossem difundi-
belecer uma relação com aquele; introduzir uma das, possivelmente com medo de críticas ou perseguição
justificativa para o uso de aqui. religiosa. Foi quem colocou o Sol de volta no centro do
III. introduzir um complemento para pedir; referir Universo, motivado por razões erradas. Insatisfeito com a
a acompanhamento o ato de desfilar; introduzir falha do modelo de Ptolomeu, que aplicava o dogma platô-
uma justificativa para sempre. nico do movimento circular uniforme aos corpos celestes,
Em relação ao texto, está correto apenas o que se Copérnico propôs que o equante fosse abandonado e que
arma em: o Sol passasse a ocupar o centro do cosmo. Ao tentar fazer
A I. com que o Universo se adaptasse às ideias platônicas, ele
B I e II. retornou aos pitagóricos, ressuscitando a doutrina do fogo
C II e III. central, que levou ao modelo heliocêntrico de Aristarco
dezoito séculos antes.
D II.
Seu pensamento reflete o desejo de reformular as
E III.
ideias cosmológicas de seu tempo apenas para voltar
ainda mais no passado; Copérnico era, sem dúvida, um
28 Fuvest Os meninos de rua que procuram trabalho são revolucionário conservador. Ele jamais poderia ter imagi-
repelidos pela população. nado que, ao olhar para o passado, estaria criando uma
a) Reescreva a frase, alterando-lhe o sentido apenas nova visão cósmica, que abriria novas portas para o fu-
com o emprego de vírgulas. turo. Tivesse vivido o suficiente para ver os frutos de suas
b) Explique a alteração de sentido ocorrida. ideias, Copérnico decerto teria odiado a revolução que
involuntariamente causou.
29 Leia o texto a seguir. Entre 1510 e 1514, compôs um pequeno trabalho re-
sumindo suas ideias, intitulado Commentariolus (Pequeno
A Estação Primeira de Mangueira homenageia os comentário). Embora na época fosse relativamente fácil
sambistas
publicar um manuscrito, Copérnico decidiu não publicar
seu texto, enviando apenas algumas cópias para uma au-
Divulgação

diência seleta. Ele acreditava piamente no ideal pitagórico


de discrição; apenas aqueles que eram iniciados nas com-
plicações da matemática aplicada à astronomia tinham
permissão para compartilhar sua sabedoria. Certamente
essa posição elitista era muito peculiar, vinda de alguém
que fora educado durante anos dentro da tradição huma-
nista italiana. Será que Copérnico estava tentando sentir
o clima intelectual da época, para ter uma ideia do quão
“perigosas” eram suas ideias? Será que ele não acreditava
muito nas suas próprias ideias e, portanto, queria evitar
qualquer tipo de crítica? Ou será que ele estava tão imerso
nos ideais pitagóricos que realmente não tinha o menor
interesse em tornar populares suas ideias? As razões que
possam justificar a atitude de Copérnico são, até hoje, um
ponto de discussão entre os especialistas.
que não puderam desfilar (A dança do universo, 2006. Adaptado.)

a) Por que a vírgula no texto acima não é possível?


b) Interprete o texto. 30 Unesp 2019 Em “Mesmo que elas tenham ideias real-
mente (ou potencialmente) revolucionárias, muitas
Leia o trecho do livro A dança do universo, do físico vezes não as reconhecem como tais, ou não acredi-
brasileiro Marcelo Gleiser, para responder às ques- tam no seu próprio potencial” (1o parágrafo), a locução
tões 30 e 31. conjuntiva sublinhada pode ser substituída, sem pre-
Algumas pessoas tornam-se heróis contra sua própria juízo para o sentido do texto, por:
vontade. Mesmo que elas tenham ideias realmente (ou A À medida que.
potencialmente) revolucionárias, muitas vezes não as re- B Ainda que.
conhecem como tais, ou não acreditam no seu próprio C Desde que.
potencial. Divididas entre enfrentar sua insegurança ex- D Visto que.
pondo suas ideias à opinião dos outros, ou manter-se na E A menos que.

106 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


31 Unesp 2019 “Tivesse vivido o suficiente para ver os frutos introduzido como uma nova expressão de arte contempo-
de suas ideias, Copérnico decerto teria odiado a revolu- rânea, a pichação utilizou o princípio de não autorização
ção que involuntariamente causou.” (3o parágrafo) para fortalecer sua essência.
Em relação ao trecho que o sucede, o trecho subli- Mas o quão sensível é essa forma de expressão ex-
nhado tem sentido de tremista e antissistema como a pixação? Como lidar com
A consequência. a linha tênue dos princípios estabelecidos para não cair
B condição. em contradição? Na 26a Bienal de Arte de São Paulo, em
C conclusão. 2004, houve um caso de pixo na obra do artista cubano
D concessão. naturalizado americano, Jorge Pardo. Seu comentário,
E causa. diante da intervenção, foi “Se alguém faz alguma coisa
no seu trabalho, isso é positivo, para mim, porque esco-
As questões 32 e 33 referem-se ao texto a seguir: lheram a minha peça entre as expostas” […]. “Quem fez
As discussões muitas vezes acaloradas sobre o reco- isso deve discordar de alguma coisa na obra. Pode ser
nhecimento da pixação como expressão artística trazem à outro artista fazendo sua própria obra dentro da minha.
tona um questionamento conceitual importante: uma vez Pode ser só uma brincadeira” e finalizou dizendo que
considerado arte contemporânea, o movimento perderia “pichar a obra de alguém também não é tão incomum.
sua essência? Para compreendermos os desdobramen- Já é tradicional”.
tos da pixação, alguns aspectos presentes no graffiti são É interessante notar, a partir do depoimento de Pardo,
essenciais e importantes de serem resgatados. O graffiti a recorrência de padrões em movimentos de qualquer
nasceu originalmente nos EUA, na década de 1970, como natureza, e o inevitável enquadramento em algum tipo de
um dos elementos da cultura hip-hop (Break, MC, DJ e sistema, mesmo que imposto e organizado pelos próprios
Graffiti). Daí até os dias atuais, ele ganhou em força, elementos do grupo. Na pixação, levando em conta o “sis-
criatividade e técnica, sendo reconhecido hoje no Bra- tema” em que estão inseridos, constatamos que também
sil como graffiti artístico. Sua caracterização como arte passa longe de ser perfeito; existe rivalidade pesada entre
contemporânea foi consolidada definitivamente por volta gangues, hierarquia e disputas pelo “poder”.
do ano 2000. Em 2012, a Bienal de Arte de Berlim, com o tema
A distinção entre graffiti e pixação é clara; ao primeiro “Forget Fear”, considerado ousado, priorizou fatos e
é atribuída a condição de arte, e o segundo é classificado inquietações políticas da atualidade. Os pixadores brasi-
como um tipo de prática de vandalismo e depredação das leiros, Cripta (Djan Ivson), Biscoito, William e R.C., foram
cidades, vinculado à ilegalidade e marginalidade. Essa convidados na ocasião para realizar um workshop sobre
distinção das expressões deu-se em boa parte pela insti- pixação em um espaço delimitado, na igreja Santa Eli-
tucionalização do graffiti, com os primeiros resquícios já zabeth. Eles compareceram. Mas não seguiram as regras
na década de 1970. impostas pela curadoria, ao pixar o próprio monumento. O
Esse desenvolvimento técnico e formal do graffiti oca- resultado foi tumulto e desentendimento entre os pixadores
sionou a perda da potência subversiva que o marca como e a curadoria do evento.
manifestação genuína de rua e caminha para uma arte de O grande dilema diante do fato é que, ao aceitarem
intervenção domesticada enquadrada cada vez mais nos o convite para participar de uma bienal de arte, automati-
moldes do sistema de arte tradicional. O grafiteiro é visto camente aceitaram as regras e o sistema imposto. Mesmo
hoje como artista plástico, possuindo as características sem adotar o comportamento esperado, caíram em contra-
de todo e qualquer artista contemporâneo, incluindo a dição. Por outro lado, pela pichação ser conhecidamente
prática e o status. Muito além da diferenciação conceitual transgressora (ou pelo jeito, não tão conhecida assim), os
entre as expressões – ainda que elas compartilhem da organizadores deveriam pressupor que eles não seguiriam
mesma matéria-prima – trata-se de sua força e essência padrões pré-estabelecidos.
intervencionista. Embora existam movimentos e grupos que conside-
Estudos sobre a origem da pixação afirmam que o ram, sim, a pixação como forma de arte, como é o caso
graffiti nova-iorquino original equivale à pixação brasi- dos curadores da Bienal de Berlim, há uma questão subs-
leira; os dois mantêm os mesmos princípios: a força, a tancial que permeia a realidade dos pichadores. Quem
explosão e o vazio. Uma das principais características disse que eles querem sua expressão reconhecida como
do pixo é justamente o esvaziamento sígnico, a potência arte? Se arte pressupõe, como ocorreu com o graffiti,
esvaziada. Não existem frases poéticas, nem significados. adaptar-se a um molde específico, seguir determinadas
A pixação possui dimensão incomunicativa, fechada, que
regras e por consequência ver sua potência intervencio-
não conversa com a sociedade. Pelo contrário, de certa
nista diluída e branda, é muito improvável que tenham
forma, a agride. A rejeição do público geral reside na falta
esse desejo.
de compreensão e intelecção das inscrições; apenas os
A representação da pixação como forma de expressão
membros da própria comunidade de pixadores decifram
destrutiva, contra o sistema, extremista e marginalizada é o
o conteúdo.
que a mantêm viva. De certo modo, a rejeição e a ignorân-
A significância e a força intervencionista do pixo re-
cia do público é o que garante sua força intervencionista
sidem, portanto, no próprio ato. Ela é evidenciada pela
FRENTE 1

e a tão importante e sensível essência.


impossibilidade de inserção em qualquer estatuto pré-es-
Adaptado de: CARVALHO, M. F. Pichação-arte é pixação? Revista Arruaça,
tabelecido, pois isso pressuporia a diluição e a perda de Edição nº 0. Cásper Líbero, 2013. Disponível em <https://casperlibero.edu.br/
sua potência signo-estética. Enquanto o graffiti foi sendo revistas/pichacao-arte-e-pixacao/> Acesso em: maio 2018.

107
32 ITA 2019 Assinale a alternativa cujo trecho sublinhado uma acusação, emergindo por entre as cinzas tristes do
denota uma condição. Palácio de São Cristóvão.
A [...] trazem à tona um questionamento conceitual Penso na longa viagem que o meteorito fez até
importante: uma vez considerado arte contemporâ- chegar ali – cinco toneladas de ferro e níquel navegan-
nea, o movimento perderia sua essência? do entre as estrelas, afundando-se no sertão baiano,
B [...] ele ganhou em força, criatividade e técnica, sendo resgatado e exposto (uma saga essa operação
sendo reconhecido hoje no Brasil como graffiti ar- de resgate, daria um romance) – enquanto lembro os
tístico. versos da poeta norte-americana Muriel Rukeyser: “O
C Muito além da diferenciação conceitual entre as ex- Tempo entra./ Diz:/ o universo é feito de histórias,/
pressões – ainda que elas compartilhem da mesma não de átomos.”
matéria-prima [...] O que desapareceu para sempre enquanto o Museu
D Ela é evidenciada pela impossibilidade de inserção Nacional ardia não foram átomos, não foram artefatos,
em qualquer estatuto pré-estabelecido, pois isso não foram múmias antiquíssimas, preciosas coleções
de lepidópteros², vozes e canções em línguas que nem
pressuporia a diluição e a perda de sua potência
existem mais: foram histórias. As histórias de que somos
signo-estética.
feitos.
E “Se alguém faz alguma coisa no seu trabalho, isso
Lembramos – por isso existimos. Sempre que algo
é positivo, para mim, porque escolheram a minha
da nossa memória individual ou coletiva se perde, per-
peça entre as expostas” [...]
de-se uma parte de nós. Estamos sempre à beira da
extinção. Somos uma espécie ameaçada e somos tam-
33 ITA 2019 Assinale a alternativa em que o trecho subli- bém a nossa pior ameaça.
nhado expressa ideia de causa. Com a destruição do Museu Nacional é como se o
A Essa distinção das expressões deu-se em boa Brasil tivesse sofrido um grave acidente vascular cere-
parte pela institucionalização do graffiti, com os pri- bral³, não socorrido a tempo. Nesse processo, o Brasil
meiros resquícios já na década de 1970. perdeu parte da memória. O problema de perder parte
B Enquanto o graffiti foi sendo introduzido como uma da memória é que não sabemos ao certo o que perde-
nova expressão de arte contemporânea, a picha- mos. Um homem perde um braço num acidente; sabe
ção utilizou o princípio de não autorização para que perdeu o braço. Mas como saberá, ao despertar no
fortalecer sua essência. hospital, após um AVC, que perdeu a primeira garga-
C A rejeição do público geral reside na falta de com- lhada do seu filho? O aroma a goiabas do quintal da
preensão e intelecção das inscrições; apenas os sua infância? A noite mais bela da sua vida?
membros da própria comunidade decifram o con- O Brasil perdeu parte da memória; portanto, nem
teúdo. sequer sabe ao certo o que perdeu.
D Mesmo sem adotar o comportamento esperado, José Eduardo Agualusa
caíram em contradição. O Globo, 8 set 2018 Adaptado
E O grafiteiro é visto hoje como artista plástico, pos-
Glossário:
suindo as características de todo e qualquer artista
1 - Pedra do Bendegó - Denominação pela qual é co-
contemporâneo, incluindo a prática e o status.
nhecido o meteorito encontrado no interior do estado
da Bahia. Integra o acervo do Museu Nacional desde
34 PUC-Minas Reúna os dois fatos citados em um perío- 1880, tendo resistido ao incêndio que destruiu o Mu-
do, estabelecendo entre eles a relação que se acha seu, no último dia 2 de setembro.
expressa nos parênteses.
2 - Lepidópteros - Ordem de insetos da qual fazem
A humanidade consegue gerar energia./A humani-
parte mariposas e borboletas.
dade suja perigosamente a camada de atmosfera.
3 - Acidente vascular cerebral - Muito conhecida pela
(relação de concessão)
sigla AVC, essa doença se caracteriza pela perda do
correto funcionamento de partes do cérebro, em de-
35 PUC-Minas Reúna os dois fatos citados em um perío- corrência de falha na irrigação sanguínea.
do, estabelecendo entre eles a relação que se acha
expressa nos parênteses. Releia:
A percepção de que o planeta é nito cou exposta “Penso na longa viagem que o meteorito fez até
com muita nitidez./O homem pôde ver com seus pró- chegar ali (...) enquanto lembro os versos da poeta
prios olhos as fotograas da Terra tiradas do espaço. norte-americana Muriel Rukeyser.”
(relação de tempo) No período, o termo em destaque estabelece uma rela-
ção entre as ideias apresentadas pelo autor do Texto I.
36 CPII 2019 (Adapt.) Nessa relação, explicita-se uma circunstância de
A proporção.
A solidão do meteorito B comparação.
Há imagens que se tornam símbolos de uma época. C posterioridade.
Por exemplo, a Pedra do Bendegó¹, sólida e negra como D simultaneidade.

108 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


37 Unicamp No texto a seguir, substitua embora por outra ido e vivido; mas quando a olhei, você estava distraída,
palavra ou expressão de forma que o texto resultante meus olhos eram outra vez os encantados olhos daquele
dessa substituição, com as mínimas alterações neces- menino feio do segundo ano primário que quase não
sárias, mantenha o sentido original. tinha coragem de olhar a menina um pouco mais alta
Magra, embora tinha não sei que balanço no andar, da ponta direita do banco.
como quem lhe custa levar o corpo. Adoração de infância. Ao menos você conhece um
passarinho chamado saíra? É um passarinho miúdo: ima-
gine uma saíra grande que de súbito aparecesse a um
38 Efomm 2019
menino que só tivesse visto coleiros e curiós, ou pobres
Passeio à Infância cambaxirras. Imagine um arco-íris visto na mais remota
infância, sobre os morros e o rio. O menino da roça que
Primeiro vamos lá embaixo no córrego; pegaremos
pela primeira vez vê as algas do mar se balançando sob
dois pequenos carás dourados. E como faz calor, veja,
a onda clara, junto da pedra.
os lagostins saem da toca. Quer ir de batelão, na ilha,
Ardente da mais pura paixão de beleza é a ado-
comer ingás? Ou vamos ficar bestando nessa areia onde
ração da infância. Na minha adolescência você seria
o sol dourado atravessa a água rasa? Não catemos pe-
uma tortura. Quero levá-la para a meninice. Bem pouca
drinhas redondas para atiradeira, porque é urgente subir
coisa eu sei; uma vez na fazenda riram: ele não sabe
no morro; os sanhaços estão bicando os cajus maduros.
nem passar um barbicacho! Mas o que sei lhe ensino;
É janeiro, grande mês de janeiro!
são pequenas coisas do mato e da água, são humildes
Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro lado
coisas, e você é tão bela e estranha! Inutilmente ten-
do morro e descer escorregando no capim até a beira
to convertê-la em menina de pernas magras, o joelho
do açude. Com dois paus de pita, faremos uma balsa,
ralado, um pouco de lama seca do brejo no meio dos
e, como o carnaval é no mês que vem, vamos apanhar
dedos dos pés.
tabatinga para fazer formas de máscaras. Ou então va-
Linda como a areia que a onda ondeou. Saíra gran-
mos jogar bola-preta: do outro lado do jardim tem um
de! Na adolescência me torturaria; mas sou um homem
pé de saboneteira.
maduro. Ainda assim às vezes é como um bando de
Se quiser, vamos. Converta-se, bela mulher estra-
sanhaços bicando os cajus de meu cajueiro, um car-
nha, numa simples menina de pernas magras e vamos
dume de peixes dourados avançando, saltando ao sol,
passear nessa infância de uma terra longe. É verdade
na piracema; um bambual com sombra fria, onde ouvi
que jamais comeu angu de fundo de panela?
silvo de cobra, e eu quisera tanto dormir. Tanto dormir!
Bem pouca coisa eu sei: mas tudo que sei lhe en-
Preciso de um sossego de beira de rio, com remanso,
sino. Estaremos debaixo da goiabeira; eu cortarei uma
com cigarras. Mas você é como se houvesse demasiadas
forquilha com o canivete. Mas não consigo imaginá-la
cigarras cantando numa pobre tarde de homem.
assim; talvez se na praia ainda houver pitangueiras...
Julho, 1945
Havia pitangueiras na praia? Tenho uma ideia vaga de
Crônica extraída do livro “200 crônicas escolhidas”, de Rubem Braga.
pitangueiras junto à praia. Iremos catar conchas cor- Texto adaptado à nova ortografia.
-de-rosa e búzios crespos, ou armar o alçapão junto do
brejo para pegar papa-capim. Quer? Agora devem ser Assinale a opção em que a oração sublinhada NÃO se
três horas da tarde, as galinhas lá fora estão cacarejando classica como subordinada adverbial.
de sono, você gosta de fruta-pão assada com manteiga? A (...) os outros meninos riram de mim porque cortei
Eu lhe dou aipim ainda quente com melado. Talvez você uma iba de assa-peixe.
fosse como aquela menina rica, de fora, que achou B Com dois paus de pita, faremos uma balsa, e,
horrível nosso pobre doce de abóbora e coco. como o carnaval é no mês que vem, vamos apa-
Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na sombra nhar tabatinga para fazer formas de máscaras.
fria do bambual; ali pescarei piaus. Há rolinhas. Ou C Ou vamos ficar bestando nessa areia onde o sol
então ir descendo o rio numa canoa bem devagar e de dourado atravessa a água rasa?
repente dar um galope na correnteza, passando rente D Talvez você fosse como aquela menina rica, de
às pedras, como se a canoa fosse um cavalo solto. Ou fora, que achou horrível nosso pobre doce de abó-
nadar mar afora até não poder mais e depois virar e
bora e coco.
ficar olhando as nuvens brancas. Bem pouca coisa eu
E Ou nadar mar afora até não poder mais e depois
sei; os outros meninos riram de mim porque cortei uma
virar e ficar olhando as nuvens brancas.
iba de assa-peixe. Lembro-me que vi o ladrão morrer
afogado com os soldados de canoa dando tiros, e havia
uma mulher do outro lado do rio gritando. 39 Fuvest Bem considerando, a atualidade é a mesma em
Mas como eu poderia, mulher estranha, convertê-la todas as datas. Feita a compensação dos desejos que
em menina para subir comigo pela capoeira? Uma vez vi variam, das aspirações que se transformam, alentadas,
uma urutu junto de um tronco queimado; e me lembro perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base
de muitas meninas. Tinha uma que era para mim uma fantástica de esperanças, a atualidade é uma.
FRENTE 1

adoração. Ah, paixão da infância, paixão que não amar-


ga. Assim eu queria gostar de você, mulher estranha que Sem alterar o signicado, desdobre as duas orações
ora venho conhecer, homem maduro. Homem maduro, reduzidas destacadas.

109
40 Unicamp O autor do texto a seguir conhece um tipo de de Portugal, e que estamos num marasmo, e que vamos
raciocínio cuja estrutura lembra propriedades de um caindo no embrutecimento, e que isto assim não pode
círculo e tenta reproduzi-lo. No entanto, não é bem- durar dez anos etc., etc. Baboseiras!...
-sucedido. Tinha-se encostado quase às grades da estátua, e to-
[...] Gera-se, assim, o círculo vicioso do pessimismo. mando uma atitude de confiança:
As coisas não andam porque ninguém confia no governo. – A verdade, meus senhores, é que os estrangeiros
E porque ninguém confia no governo as coisas não andam. invejam-nos... E o que vou a dizer não é para lisonjear a
Gilberto Dimenstein. Folha de S.Paulo. 22 nov. 1990. Vossas Senhorias: mas enquanto neste país houver sacer-
dotes respeitáveis como Vossas Senhorias, Portugal há-de
a) Reescreva o trecho de maneira que ele passe a manter com dignidade o seu lugar na Europa! Porque a
ter a estrutura de um verdadeiro círculo vicioso. fé, meus senhores, é a base da ordem!
b) Comparando o que você fez e o que fez o autor, – Sem dúvida, senhor conde, sem dúvida, disseram
explique em que ele se equivocou. com força os dois sacerdotes.
(CAPÍTULO XXV)
41 Unicamp Substitua a palavra destacada no trecho * Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2000.
transcrito a seguir por outra que garanta o mesmo Observe as conjunções sublinhadas no trecho citado
sentido ao texto (você poderá ainda fazer outras mo-
(1) e em sua reescritura (2):
dificações, se as julgar indispensáveis).
(1) mas enquanto neste país houver sacerdotes res-
Se não chegam a congurar um processo de radicali-
peitáveis como Vossas Senhorias, Portugal há-de
zação verbal e de alarmismo deliberado, ainda assim
manter com dignidade o seu lugar na Europa! Porque
são preocupantes e lamentáveis as declarações do
a fé, meus senhores, é a base da ordem!
ministro da Indústria e Comércio, Roberto Cardo-
(2) mas quando neste país houver sacerdotes respei-
so Alves, de que partidos como o PT e os PCs não
táveis como Vossas Senhorias, Portugal há-de manter
deveriam ter existência legal, por não possuírem, na
com dignidade o seu lugar na Europa! Porque a fé,
opinião do ministro, compromisso com a democracia.
meus senhores, é a base da ordem!
Apresente a diferença de sentido entre os dois enun-
42 PUC-SP Construa um só período com as orações a ciados, a partir do uso de cada conjunção. Explique,
seguir, seguindo as instruções entre parênteses. Co- também, o efeito de sentido produzido pelo emprego
loque as orações dentro do período, na ordem que da conjunção enquanto, considerando a conduta do
lhe parecer mais elegante e aceita na língua. Evite padre Amaro e do cónego Dias ao longo da narrativa.
repetições desnecessárias e a utilização de palavras
dispensáveis.
44 Unifesp 2019 (Adapt.) Leia o trecho inicial do conto “A
1. O Simbolismo se opõe tanto ao Realismo quanto
doida”, de Carlos Drummond de Andrade, para res-
ao Parnasianismo. (oração principal)
ponder à questão.
2. O Simbolismo acentua sob alguns aspectos o
requinte da arte pela arte. (oração subordinada A doida habitava um chalé no centro do jardim mal-
concessiva da oração principal) tratado. E a rua descia para o córrego, onde os meninos
3. O Simbolismo situa-se muito próximo das orien- costumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à es-
tações românticas. (oração subordinada causal querda, entre o barranco e um chão abandonado; à direita,
reduzida de gerúndio da oração principal) o muro de um grande quintal. E na rua, tornada maior pelo
4. O Simbolismo é, em parte, uma revivescência das silêncio, o burro que pastava. Rua cheia de capim, pedras
orientações românticas. (oração subordinada ad- soltas, num declive áspero. Onde estava o fiscal, que não
jetiva explicatica da oração 3) mandava capiná-la?
Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e
a pega de passarinho. Só com essa intenção. Mas era bom
43 Uerj 2019 (Adapt.) O fragmento de texto apresentado
passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam
foi retirado do romance O crime do padre Amaro, de
o contrário: que era horroroso, poucos pecados seriam
Eça de Queirós.* maiores. Dos doidos devemos ter piedade, porque eles
Mas Amaro, radiante de se achar ali, numa praça de não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos
Lisboa, em conversação íntima com um estadista ilustre, aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses
perguntou ainda, pondo nas palavras uma ansiedade de benefícios, ou explicavam demais, e restava a impressão
conservador assustado: de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer
– E crê Vossa Excelência que essas ideias de república, visitas, receber cartas, entrar para irmandades. E isso não
de materialismo, se possam espalhar entre nós? comovia ninguém. A loucura parecia antes erro do que
O conde riu: e dizia, caminhando entre os dois pa- miséria. E os três sentiam-se inclinados a lapidar1 a doida,
dres, até quase junto das grades que cercam a estátua de isolada e agreste no seu jardim.
Luís de Camões: Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam
– Não lhes dê isso cuidado, meus senhores, não lhes dizê-lo. Não aparecia de frente e de corpo inteiro, como
dê isso cuidado! É possível que haja aí um ou dois estur- as outras pessoas, conversando na calma. Só o busto,
rados que se queixem, digam tolices sobre a decadência recortado numa das janelas da frente, as mãos magras,

110 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


ameaçando. Os cabelos, brancos e desgrenhados. E a boca 1 lapidar: apedrejar.
inflamada, soltando xingamentos, pragas, numa voz rouca. 2 raconto: relato, narrativa.
Eram palavras da Bíblia misturadas a termos populares, 3 irrisão: zombaria.
dos quais alguns pareciam escabrosos, e todos fortíssimos
na sua cólera. “Como a doida respondesse sempre furiosa, criara-se
Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça na mente infantil a ideia de um equilíbrio por compen-
igual às outras no seu tempo remoto (contava mais de sação, que afogava o remorso.” (5o parágrafo)
sessenta anos, e loucura e idade, juntas, lhe lavraram o Em relação ao trecho que o sucede, o trecho subli-
corpo). Corria, com variantes, a história de que fora noiva nhado expressa ideia de
de um fazendeiro, e o casamento uma festa estrondosa; A finalidade.
mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara, B causa.
Deus sabe por que razão. O marido ergueu-se terrível C proporção.
e empurrou-a, no calor do bate-boca; ela rolou escada D comparação.
abaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois E consequência.
nunca mais se veriam. Já outros contavam que o pai, não
o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã o 45 UFPR 2019 A explosão das medusas em todo o mundo
velho sentira um amargo diferente no café, ele que tinha se deve a uma série de fatores inter-relacionados. Uma
dinheiro grosso e estava custando a morrer – mas nos ra- das principais causas é o excesso de pesca de seus pre-
contos2 antigos abusava-se de veneno. De qualquer modo, dadores naturais, como o atum, o que ao mesmo tempo
as pessoas grandes não contavam a história direito, e os elimina a concorrência pelo alimento e o espaço de re-
meninos deformavam o conto. Repudiada por todos, ela produção. Em paralelo, diversas atividades humanas em
se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e acabou regiões costeiras também ajudam a explicar o fenômeno:
perdendo o juízo. Perdera antes todas as relações. Nin- ali onde enormes quantidades de nutrientes são jogadas
guém tinha ânimo de visitá-la. O padeiro mal jogava o pão no mar (em forma de resíduos agrícolas, por exemplo),
na caixa de madeira, à entrada, e eclipsava-se. Diziam que produzindo grandes explosões de populações de algas
nessa caixa uns primos generosos mandavam pôr, à noite, e plânctons, que consomem o oxigênio da água e ge-
provisões e roupas, embora oficialmente a ruptura com a ram as denominadas zonas mortas. Não muitos peixes
família se mantivesse inalterável. Às vezes uma preta velha e mamíferos aquáticos conseguem sobreviver nelas, mas
arriscava-se a entrar, com seu cachimbo e sua paciência as medusas sim, além de encontrarem no plâncton uma
educada no cativeiro, e lá ficava dois ou três meses, cozi- fonte de alimentação abundante e ideal. Quando as po-
nhando. Por fim a doida enxotava-a. E, afinal, empregada pulações de medusas conseguem se estabelecer, as larvas
nenhuma queria servi-la. Ir viver com a doida, pedir a de outras espécies acabam sendo parte do cardápio tam-
bênção à doida, jantar em casa da doida, passaram a ser, bém, desequilibrando a cadeia trófica.
na cidade, expressões de castigo e símbolos de irrisão3. As medusas são, além disso, um dos poucos vence-
Vinte anos de uma tal existência, e a legenda está dores naturais da mudança climática, já que seu ciclo
feita. Quarenta, e não há mudá-la. O sentimento de que reprodutivo é favorecido pelo aumento da temperatura nos
a doida carregava uma culpa, que sua própria doidice era ciclos oceânicos. Mas há mais fatores. Existem evidências
uma falta grave, uma coisa aberrante, instalou-se no espíri- de que certas espécies de medusa se reproduzem com
to das crianças. E assim, gerações sucessivas de moleques mais facilidade junto a estruturas costeiras artificiais, como
passavam pela porta, fixavam cuidadosamente a vidraça e molhes e píeres. Por isso, é difícil saber se os esforços para
lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade. deter, ou até reverter a mudança climática, representam
Depois, por prazer. Finalmente, e já havia muito tempo, uma solução à crescente presença de medusas nos mares,
por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa, pelo menos enquanto continuem gerando problemas em
criara-se na mente infantil a ideia de um equilíbrio por ecossistemas costeiros e cadeias alimentares marinhas. [...]
compensação, que afogava o remorso. No entanto – e não muito longe de Monte Hermoso
Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quan- – um cientista elucubra uma ideia mais interessante: se
do meninos, os pais daqueles três tinham feito o mesmo, queremos resolver o problema das medusas, temos de
com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensí- parar de vê-las como um mal, e começar a vê-las como
veis lamentavam o fato, sugeriam que se desse um jeito comida.
para internar a doida. Mas como? O hospício era longe, (Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/18/
os parentes não se interessavam. E daí – explicava-se ao ciencia/1537282711_864007.html>.)
forasteiro que porventura estranhasse a situação – toda
cidade tem seus doidos; quase que toda família os tem. Entre o segmento “Quando as populações de me-
Quando se tornam ferozes, são trancados no sótão; fora dusas conseguem se estabelecer” e o segmento “as
disto, circulam pacificamente pelas ruas, se querem fazê- larvas de outras espécies acabam sendo parte do car-
-lo, ou não, se preferem ficar em casa. E doido é quem dápio também”, exprime-se uma relação de:
Deus quis que ficasse doido... Respeitemos sua vontade. A causalidade.
Não há remédio para loucura; nunca nenhum doido se B condicionalidade.
FRENTE 1

curou, que a cidade soubesse; e a cidade sabe bastante, C proporcionalidade.


ao passo que livros mentem. D temporalidade.
(Contos de aprendiz, 2012.) E complementaridade.

111
46 FAE 2019 (Adapt.) Leia o trecho do romance Lavoura arcaica, de Raduan Nassar, para responder à questão.
– Meu coração está apertado de ver tantas marcas no teu rosto, meu filho; essa é a colheita de quem abandona a casa
por uma vida pródiga.
– A prodigalidade também existia em nossa casa.
– Como, meu filho?
– A prodigalidade sempre existiu em nossa mesa.
– Nossa mesa é comedida, é austera, não existe desperdício nela, salvo nos dias de festa.
– Mas comemos sempre com apetite.
– O apetite é permitido, não agrava nossa dignidade, desde que seja moderado.
– Mas comemos até que ele desapareça; é assim que cada um em casa sempre se levantou da mesa.
– É para satisfazer nosso apetite que a natureza é generosa, pondo seus frutos ao nosso alcance, desde que trabalhemos
por merecê-los. Não fosse o apetite, não teríamos forças para buscar o alimento que torna possível a sobrevivência. O apetite
é sagrado, meu filho.
– Eu não disse o contrário, acontece que muitos trabalham, gemem o tempo todo, esgotam suas forças, fazem tudo que
é possível, mas não conseguem apaziguar a fome.
– Você diz coisas estranhas, meu filho.
(Lavoura arcaica, 2001.)

“– É para satisfazer nosso apetite que a natureza é generosa, pondo seus frutos ao nosso alcance, desde que traba-
lhemos por merecê-los.” (9o parágrafo)
Considerado no contexto, o trecho sublinhado expressa ideia de
A causa.
B consequência.
C condição.
D concessão.
E conclusão.

112 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Período composto por subordinação


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FRENTE 1

Regência

11
Imagine uma mãe dizendo a seguinte frase: “Meu lho, não esqueça do quadro
que eu lhe dei”. Nesta frase, observa-se uma inadequação de regência verbal; o verbo
“esquecer” deveria estar acompanhado do pronome “se” (não se esqueça do quadro,
ou simplesmente não esqueça o quadro, sem o “se” e o “de”).
O desvio de norma justica-se nesse caso, uma vez que o texto reproduz uma
situação de oralidade em que o falante costuma usar a linguagem coloquial. O uso de
uma regência que não obedece ao padrão culto é, no anúncio em análise, um efeito
de realidade produzido pela enunciação. Todavia, o erro prejudicaria a imagem do
enunciador se o verbo fosse utilizado em um texto culto.
Introdução Atenção
Regência (do latim regentia) significa comando. Assim
Apesar de VTI, esse verbo não aceita o pronome lhe (Os revolucioná-
como o maestro rege sua orquestra, o verbo e o nome
rios aspiravam a ele). Como VTD, aceita normalmente os pronomes
podem reger, comandar preposições. Neste capítulo, es- o, a, os, as (O garoto aspirou-o).
tudaremos a regência de verbos e nomes, sobretudo os
que costumam apresentar problemas em relação à norma.
Os exames modernos dão preferência à regência verbal. III. Verbo: assistir
O assunto também está associado às variantes linguís- Você
ticas, visto que o uso de determinado verbo ou nome assistiu o jogo
(sua regência) pode projetar o tipo de falante (mais ou ontem?
menos escolarizado) e a situação de comunicação (formal
Não! Eu
ou informal).
assisti AO jogo.

Regência verbal
Verbos, advérbios, substantivos e adjetivos podem
comandar ou não preposições; quando o comando é do
verbo, fala-se em regência verbal; quando é do substan-
tivo, adjetivo ou advérbio, fala-se em regência nominal. Fig. 1 Regência verbal.
Nas aulas de sintaxe, tratamos da regência verbal quando
fizemos alusão à transitividade dos verbos, isto é, se era a. VTD: no sentido de ajudar, socorrer
transitivo direto (não exige preposição), indireto (exige O massagista assistiu o jogador.
preposição) ou intransitivo (não possui complemento).
O massagista assistiu-o.
Por exemplo, em linguagem culta e formal, é mais usual
não utilizar um mesmo complemento verbal para verbos
b. VTI: no sentido de ver, presenciar (prep. a)
de transitividades diferentes.
regência incorreta regência correta A torcida assistiu ao jogo, vaiando o time adversário.

Vi e gostei do filme. Vi o filme e gostei dele. c. VI: no sentido de morar


O verbo “ver” é transitivo direto, não exige preposição; Caetano assistia em Salvador.
já o verbo “gostar” é transitivo indireto, exige a preposição
“de”. Como não é possível a regência “ver do filme”, temos Atenção
de usar um complemento para cada verbo, sem que haja
Apesar de VTI, o verbo assistir não aceita lhe com esse sentido (A
repetição. Se tivéssemos “vi o filme e gostei”, teríamos a torcida assistiu a ele). Lembre-se ainda de que não há voz passiva
elipse do complemento “dele”. com VTI. (O jogo foi assistido é linguagem coloquial).
Segue uma relação de verbos com suas respectivas
regências; leia-os e fique atento ao uso da preposição e ao
sentido; a classificação quanto à transitividade (VTD, VTI, d. VTI: no sentido de caber, pertencer (prep. a)
VI) foi colocada para melhor entendimento. A criança assiste ao pai.
A criança assiste-lhe.
I. Verbo: agradar
a. VTD: no sentido de fazer carinho IV. Verbo: chamar
a. VTD: no sentido de pedir para vir
Maria agradava o filho para que ele pudesse dormir.
... agradou-o para que... Os soldados chamavam o tenente.

b. VTI: no sentido de satisfazer (prep. a) b. VTD ou VTI + predicativo (com ou sem preposição): no
O espetáculo agradou ao público. sentido de denominar
... agradou-lhe. O governador chamou idiota o subordinado.
O governador chamou-o idiota.
II. Verbo: aspirar O governador chamou de idiota o subordinado.
a. VTD: no sentido de respirar, sorver O governador chamou-o de idiota.
O garoto aspirou o pó da lousa. O governador chamou idiota ao subordinado.
O governador chamou-lhe idiota.
b. VTI: no sentido de desejar (prep. a)
O governador chamou de idiota ao subordinado.
Os revolucionários aspiravam ao poder. O governador chamou-lhe de idiota.

114 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


V. Verbo: chegar/ir c. VTI: no sentido de não ter lembrança ou ter memória
a. VI: no sentido de atingir (local ou tempo) (regência mais literária)
Cheguei ao escritório. Esqueceu-me o teu nome. Lembrou-me o teu nome.
(suj. = o teu nome, OI = me)
Atenção
d. VTDI: no sentido de advertir (para o verbo lembrar ape-
Para alguns linguistas, os verbos “chegar” e “ir” são transitivos cir-
cunstanciais, pedem um complemento em forma de circunstância (os nas)
adjuntos adverbiais ou complementos locativos). Lembramos a todos a importância dessa reunião.
(OD = a importância; OI = a todos)
b. VI: no sentido de bastar Lembramos-lhes a importância...
Vinte bilhões chegam! Embora o sentido seja o mesmo nos três primeiros
casos, as regências são diferentes.
c. VTDI: no sentido de aproximar
Chegou-se mais a ele. VIII. Verbo: implicar
(se = OD; a ele = OI) a. VTD: no sentido de acarretar
A inflação implicou desemprego.
Atenção
Há uma diferença de sentido entre Chegou no trem e Chegou ao b. VTI: pronominal no sentido de envolver-se (prep. em)
trem. Na primeira oração, o sujeito estava dentro do trem; na se-
Maria implicou-se em brigas.
gunda, ele se dirigiu ao trem. O mesmo raciocínio pode ser aplicado
ao verbo ir. Ir no bar é linguagem coloquial, visto que a ideia é di-
rigir-se a. c. VTI: no sentido de antipatizar-se
O diretor implicou com o aluno.
O verbo “ir” possui mesma regência, observe:
a. ir a: dirigir-se a, rapidez; IX. Verbos: informar, avisar, notificar, prevenir
b. ir para: dirigir-se a, demora; a. VTDI: no sentido de dar esclarecimentos (prep. a, de
c. ir em (em linguagem culta): estar em. ou sobre)
Informei ao gerente o cancelamento.
VI. Verbo: custar (algo a alguém)
a. VTD: no sentido de valer
Informei o gerente sobre o cancelamento.
A construção do teatro custou trinta milhões de reais. (alguém sobre algo)
Informei o gerente do cancelamento.
b. VTI: no sentido de ser difícil (com ou sem prep. a/para)
(alguém de algo)
Custou ao empresário (a) aceitar a falência.
(suj. = aceitar a falência, sujeito oracional)
Há sempre um complemento com preposição e outro
Custou-lhe (a) aceitar a falência.
sem. Cuidado, pois, com o uso de pronomes em orações
subordinadas. Observe as frases a seguir.
c. VTDI: no sentido de ser obtido à custa de
Informei-lhe que a guerra tinha acabado.
A vitória custou ao jogador infinitos treinos. (OD = que a guerra tinha acabado; OI = lhe)
(OD: infinitos treinos; OI = lhe)
A vitória custou-lhe infinitos treinos. Informei-o de que a guerra tinha acabado.
(OD = o; OI = de que a guerra tinha acabado)
VII. Verbos: esquecer/lembrar
a. VTD: no sentido de não ter lembrança ou ter memória b. VTI: pronominal no sentido de inteirar-se
Esqueci o código. Lembrei o código. O governador informou-se da rebelião.
Esqueci-o... lembrei-o...
X. Verbos: obedecer, desobedecer
b. VTI: no sentido de não ter lembrança ou ter memória
VTI: no sentido de seguir ordens
(nessa regência são pronominais)
FRENTE 1

O tenente obedeceu ao general.


Esqueci-me do código. Lembrei-me do código.
(me = sem função sintática) Por ser transitivo indireto, o pronome adequado é lhe
Esqueceu-se do... lembrou-se do... (O tenente lhe obedeceu.).

115
XI. Verbos: pagar, perdoar XIII. Verbo: preferir

Deus
lhe abençoe, meu filho!

E aí,
Obrigado, vô, mas na
professor, o senhor
terceira pessoa é Deus o
gosta mais do Pelé ou
abençoe, o verbo é transitivo
direto! do Garrincha?

Prefiro
Então, mais o Garrincha do que
Deus te abençoe, porque tu o Pelé . E você?
estás sabendo regência!

Agora sim, Deus


lhe perdoe, vô! Eu
prefiro o Pelé ao
Garrincha.

Fig. 2 Regência verbal. Fig. 3 Regência verbal.

a. VTI: quando o objeto é pessoa a. VTDI (prep. a)

Pagamos ao cobrador. Preferia doce a salgado.

b. VTD: quando o objeto é coisa b. VTD


Pagamos o apartamento. Preferia doce.

Esse verbo não aceita em norma culta a preposição


c. VTDI: com objeto coisa e pessoa de e as expressões mais... que, muito mais. Frases como
Pagamos o apartamento ao cobrador. Prefiro mais Ganso do que Ronaldinho Gaúcho pertencem
à linguagem coloquial.
Por ser VTI para o objeto pessoa, o correto é Deus
lhe perdoe, Deus lhe pague. Deus lhe abençoe, porém,
é sintaxe coloquial; o verbo abençoar é VTD, o correto é XIV. Verbo: proceder
Deus o abençoe. a. VI: no sentido de ter fundamento
As reclamações procedem.
XII. Verbo: precisar
a. VTD: no sentido de indicar com precisão
b. VI: no sentido de originar-se (prep. de)
Precisou o momento da partida: às treze horas.
Os documentos procediam da Alemanha.
b. VTI: no sentido de ter necessidade (da Alemanha = adv.)
Precisou de ajuda.
c. VTI: no sentido de dar início (prep. a)
Alguns linguistas citam a regência VTD, principalmente
quando o objeto é o racional: preciso que você venha. O delegado procedeu ao interrogatório.

116 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


XV. Verbo: querer A seguir, uma lista de nomes com suas respectivas
a. VTD: no sentido de desejar regências.
Os empresários queriam tecnologia. acessível a/acesso a, de, para
(queriam-na) acostumado a, com
afável com, para com
b. VTI: no sentido de estimar (prep. a) afeição a, por
aflito com, por
O filho queria ao pai.
agradável a, de
(queria-lhe)
agradecido a, de, por
alheio a, de
XVI. Verbo: responder aliado a, com
a. VTD: no sentido de dar resposta análogo a
Respondi o bilhete. antipatia a, contra, por
(respondi-o) apto a, para
atencioso com, para com
b. VTI: no sentido de dar resposta a alguém aversão a, para, por
avesso a
Respondi ao gerente.
coerente com
(respondi-lhe)
conforme a, com
constituído com, de, por
c. VTDI: no sentido de dar resposta a alguém
contente com, de, em, por
Respondi aos colegas que não iria. cruel com, para, para com
(OD = que não iria) curioso de, por
desgostoso com, de
XVII. Verbos: simpatizar, antipatizar desprezo a, de, por
VTI: no sentido de sentir afeição devoção a, para com, por
Simpatizei com todos! devoto a, de
dúvida acerca de, de, em, sobre
Esses verbos são pronominais só em linguagem colo- empenho de, em, por
quial; em linguagem culta não se utiliza o pronome. fácil a, de, para
favorável a
XVIII. Verbo: visar feliz de, em
a. VTD: no sentido de pôr visto fértil de, em
hostil a, para com
Ela visou o passaporte.
horror a, de

b. VTD: no sentido de mirar, apontar igual a, para


imune a, de
O soldado visou o alvo. indulgente com, para com
inerente a
c. VTI: no sentido de pretender, objetivar junto a, de
O mestre visava ao doutorado. lento em
pasmado de
Apesar de VTI, não aceita “lhe”, a exemplo do verbo passível de
aspirar. peculiar a
pendente de
XIX. Alguns verbos pronominais preferível a
a. deitar-se, levantar-se propício a
próximo a, de
Deitava-se sempre cedo. Levantou-se na hora.
rente a
residente em
b. sentar-se (prep. a)
respeito a, com, de, para com, por
Sentou-se à mesa. simpatia a, para com, por
situado a, em, entre
FRENTE 1

Regência nominal solidário com

Dá-se o nome de regência nominal ao estudo da tran- suspeito a, de


sitividade dos nomes (substantivos, adjetivos e advérbios). vizinho a, com, de

117
Particularidades da regência O cientista estudou o comportamento de macacos
adultos, como subir árvores.
a. Quando a oração for adjetiva, é preciso verificar se
à direita do relativo há verbos ou nomes que exigem Oferece-se curso de inglês para senhoras.
preposição; se houver, esse conectivo aparecerá an-
tes mesmo do relativo. f. Quanto ao sentido das preposições em: dormir em/
dormir a; reparar algo/reparar em; homens em/ho-
coloquial mens de; veja os seguintes exemplos.
O artista que fiz referência foi premiado.

TIm SCOTT/123rF.COm
culto
O artista a que fiz referência foi premiado.
O substantivo referência pede a preposição a, a qual
foi omitida na primeira oração.

b. Um erro de regência pode comprometer o significado


da frase. Veja a frase a seguir.
O ator agradou o público.
Se a ideia for satisfazer, o correto seria O ator agradou
ao público. Sem a preposição, a mensagem tomaria outro
rumo: o ator teria feito carinho no público.
Fig. 4 Particularidades da regência.
c. Alguns verbos assumiram na linguagem coloquial
outra regência, de modo que a transgressão à norma Dormir ao volante é pegar no sono enquanto dirige;
torna-se imperceptível. É o caso do verbo assistir no dormir no volante é deitar-se sobre o volante, o que é des-
sentido de ver. Na linguagem do dia a dia, o verbo confortável. Observe o diálogo a seguir:
virou transitivo direto; todavia, na linguagem culta, o – Você reparou a perna da moça?
verbo continua pedindo a preposição a:
Vou assistir ao futebol. – Eu vou lá consertar a perna da moça? Eu reparo na
perna da moça.
d. É preciso ter cuidado com o uso dos pronomes oblí- Reparar a perna é consertar, inadequado para esse
quos lhe, lhes, o, a, os, as. É frequente a troca de um contexto; reparar na perna é observar.
pronome oblíquo por outro: “Eu lhe vi” em vez de “Eu Veja este outro exemplo:
o vi”; “Eu lhe convidei” em vez de “Eu o convidei”. O

ArTSIOm KIrEYAU/123rF.COm
critério é sintático; esses verbos são transitivos dire-
tos, não aceitam lhe.

e. Em um texto, a posição do regente, quem comanda


a preposição, e do regido, quem é comandado, é de
suma importância para a clareza da mensagem; se
houver uma distância considerável entre os dois, te-
remos um problema de coesão (ligação malfeita), que
acarretará um problema de compreensão (o signi-
ficado é prejudicado). Observe os textos a seguir.
O cientista estudou o comportamento como subir ár-
vores de macacos adultos.
Oferece-se curso para senhoras de inglês.
Nas duas frases, temos ambiguidade decorrente da
ordem das palavras; a distância entre o regente e o regido
possibilita interpretações não desejáveis, como: árvores
de macacos/senhoras de inglês.
Basta aproximar o regente do regido para que haja A preposição em (no teatro) indica algo passageiro; a
clareza e desapareça a ambiguidade. preposição de (de teatro), algo permanente (são atores).

118 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


Revisando
A reportagem abaixo servirá para as questões 1 e 2. 5 Interprete a frase que está acima da imagem.
Jogo do Brasil foi assistido por milhões
de telespectadores
6 Indique as diferenças sintático-semânticas presentes
O jogo do Brasil bateu todos os recordes de audiência; no emprego do verbo aspirar.
segundo as agências internacionais, cerca de 400 milhões
de telespectadores assistiram o amistoso. Para a satisfação
dos que apreciam o futebol-arte, a seleção fez uma ótima
apresentação, agora é só esperar a próxima partida.
Texto para as questões 7 e 8.
[...]
1 Na manchete, temos uma infração à norma; redija Você vale ouro todo o meu tesouro
novamente, sem que haja desvio de norma; altere tão charmosa da cabeça aos pés
o mínimo. Vou lhe amando lhe adorando
Digo mais uma vez
Agradeço a Deus porque lhe fez
[...]
Jorge Aragão; Almir Guineto; Luiz Carlos. “Coisinha do Pai”. Intérprete:
2 Em “400 milhões de telespectadores assistiram o Beth Carvalho. In: Millennium: Beth Carvalho: ao Vivo.
amistoso”, temos o uso coloquial ou culto? Justifique. Rio de janeiro: Universal Music, 1999. Faixa 18.

7 Identifique o erro de regência na letra “Coisinha do


Pai” e justifique.
3 Leia o texto a seguir.
Futebol com arte prevaleceu
Vi e gostei do jogo, a seleção parecia solta, sem o 8 Corrija o texto no tocante à regência e aponte uma
peso da cobrança. Parece que nossos jogadores não jo- razão que justifique a escolha do autor pela transgres-
gam sob pressão da torcida, Robinho deu suas pedaladas, são à norma.
brincou, gingou como quis. Os adeptos do futebol retranca
não entendem que no futebol também existe uma persona-
lidade, o Brasil do samba será sempre um Brasil criativo. 9 Leia a frase a seguir.
Os europeus que aprendam a sambar.
Intrigado, Cabral perguntou onde ele ia...
Identique a passagem em que se nota um erro de
regência; a seguir, corrija-o. Corrija o erro de regência.

Texto para questões 10 e 11.


4 Justifique a correção. Você
prefere mais as loiras
do que as morenas,
Tião?

Texto para as questões 5 e 6.


Leia o anúncio a seguir.
Charles Taylor/123rf.com

QUEM ASPIRA O PÓ A mulher


ASPIRA AO PÓ que eu gosto tem
coração e não cabelos,
Ricardão.

10 Como deve ser encarada a transgressão à norma (os


erros de regência) no texto acima?
FRENTE 1

11 Corrija as infrações relativas à regência nas duas falas.

119
Exercícios propostos
1 ITA Aponte a alternativa correta. 5 IFSP 2017 De acordo com a norma-padrão da Língua Por-
A Antes prefiro aspirar uma posição honesta que ficar tuguesa e com a gramática normativa e tradicional, quanto
aqui. à regência nominal, assinale a alternativa incorreta.
b Prefiro aspirar uma posição honesta que ficar aqui. A A opinião pública se encheu de cólera contra a corte.
c Prefiro aspirar à uma posição honesta que ficar aqui. b A hospedagem aos congressistas ficou a cargo do
d Prefiro antes aspirar a uma posição honesta que reitor.
ficar aqui. c Eliana é atenciosa com os colegas.
E Prefiro aspirar a uma posição honesta a ficar aqui. d Lucas deixou o cachorro atado por um poste.
E Antônio é leigo em astrofísica.
2 Mackenzie Em qual das alternativas ocorre erro de re-
gência verbal? 6 Acafe 2020 Assinale a frase que está de acordo com
A Aqui se jogam as sementes para informar-lhes de as normas da língua escrita padrão.
que a cultura não deve ser acadêmica. A Toda comunidade indígena, a cujas aspirações e ne-
b Prefiro os casos que a inteligência discute às for- cessidades devem vincular-se as políticas públicas,
possui cultura própria, que precisa ser respeitada.
mas tecnocráticas da resolução dos problemas.
b Toda comunidade indígena, de cujas aspirações e
c Lembrou-me a inusitada transformação por que
necessidades devem vincular-se às políticas públicas,
passa a universidade brasileira.
possui cultura própria, a que precisa ser respeitada.
d Procedeu-se com brandura quando querem detec-
c Toda comunidade indígena, a cujas aspirações e ne-
tar falhas no relacionamento humano.
cessidades devem vincular-se às políticas públicas,
E Esqueceu-me o desejo discreto de conhecer as
possui cultura própria, à qual precisa ser respeitada.
coisas do coração.
d Toda comunidade indígena, cujas aspirações e ne-
cessidades devem vincular-se as políticas públicas,
3 FEI Identifique as frases que apresentam regência ver- possui cultura própria, de que precisa ser respeitada.
bal correta.
I. Jaime aspirava a ser médico. 7 FGV Leia atentamente.
II. Algumas pessoas, de longe, assistiram ao comício.
III. Esqueci-me o nome do livro. Rero-me a esta carta e não aquela que recebi ontem.
IV. Ele perdoava seus devedores. Na frase citada, a falta de um acento gráco indica um
V. Prefiro trabalhar a passar fome. erro de:
A sequência que contém, somente, frases corretas é: A pontuação.
b regência nominal.
A I, IV, V. d II, III e V.
c regência verbal.
b I, II, V. E todas estão corretas.
d concordância nominal.
c I, II, III, V.
E colocação pronominal.

4 UFPR 2019 É verdade que na Alemanha (da mesma forma


8 Fatec A regência verbal está conforme a gramática nor-
que em outros países europeus) sempre existiram ressen-
mativa na alternativa:
timentos xenófobos e antissemitas, como também grupos
A Quero-lhe muito bem e vou assistir a seu casamento.
e partidos de extrema direita. Não são fenômenos novos.
b Logo que lhe encontrar, aviso-lhe do ocorrido.
A novidade desses últimos anos é o exibicionismo desa-
c Juliano desobedecia seus pais, mas obedecia ao
vergonhado são manifestadas em público
professor.
essas posturas desumanas, o desenfreio se
d João namora com Maria, mas prefere mais seus
assedia e se fustiga nas ruas os que têm aspecto, crenças
amigos de bar do que ela.
e uma forma de amar diferentes dos da maioria. A novi-
E Ele esqueceu do compromisso e não pagou o médico.
dade é o consenso social é tolerável dizer
e o que deve continuar sendo intolerável.
(https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/21/opinion/ 9 CMRJ 2019 Colecionar fotos é colecionar o mundo. As fotos
1537548764_065506.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM) são, de fato, experiência capturada, e a câmera é o braço
ideal da consciência, em sua disposição aquisitiva. Ima-
Assinale a alternativa que preenche corretamente as
gens fotografadas não parecem manifestações a respeito do
lacunas acima, na ordem em que aparecem no texto. mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que
A com que – que – sob aquilo. qualquer um pode fazer ou adquirir.
b onde – quanto ao que – sob o que. Fotos, que enfeixam o mundo, parecem solicitar que
c em que – que – sobre que. as enfeixemos também. São afixadas em álbuns, emoldura-
d com o qual – com o qual – sobre o que. das e expostas em mesas, pregadas em paredes, projetadas
E que – onde – sobre o qual. como diapositivos.

120 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


Por meio de fotos, cada família constrói uma crônica A O Brasil possui uma das principais fronteiras agrí-
visual de si mesma – um conjunto portátil de imagens colas do planeta.
que dá testemunho de sua coesão. Um álbum de fotos de b Em geral, consumimos produtos contaminados.
família é, em geral, um álbum sobre a família ampliada – c Empresas indenizaram cerca de mil trabalhadores.
e, muitas vezes, o que dela resta. d O ambientalista não cedeu aos constrangimentos.
Assim como as fotos dão às pessoas a posse imaginá- E O consumidor mais informado consome produtos
ria de um passado irreal, também as ajudam a tomar posse orgânicos.
de um espaço em que se acham inseguras.
(SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 14-5 e 19. Texto adaptado.) 13 Vunesp Examine os enunciados a seguir.
I. Este é um pormenor que nem todos se
Diapositivo: imagem positiva, estática e translúcida, de lembram.
modo geral em película, e que se pode projetar; imagem II. Esta é a razão que deixei de entregar
fotográfica. o trabalho.
Enfeixar: amarrar ou prender em feixe; colocar junto; III. As informações que lhe passei são si-
ajuntar; reunir. gilosas.
Na oração “as fotos dão às pessoas a posse imagi- IV. Estes são os livros que lhe falei.
nária de um passado irreal”, o verbo apresenta uma Os enunciados nos quais o pronome relativo que
regência equivalente à que ocorre em deve vir antecedido de preposição são os seguintes:
A “a câmera é o branco ideal da consciência.” A I e II.
b “Imagens fotografadas não parecem manifesta- b I, II, IV.
ções a respeito do mundo.” c I, II e III.
c “cada família constrói uma crônica visual de si mes- d III e IV.
ma.” E I, III, IV.
d “também as ajudam a tomar posse de um espaço.”
E “em que se acham inseguras” 14 Fuvest O progresso chegou inesperadamente
subúrbio. Daqui poucos anos, nenhum de seus
10 UFMG Em todas as alternativas, a regência verbal está moradores se lembrará mais das casinhas que,
correta, exceto em: tão pouco tempo, marcavam a paisagem familiar.
A Preferia-me às outras sobrinhas, pelo menos nessa A aquela – a – a
época. b àquele – à – há
b Você chama isso de molecagem, Zé Lins. c àquele – à – à
c Eu lhe acordo antes que meu marido se levante. d àquele – a – há
d De Barbacena, lembro-me do frio e da praça. E aquele – à – há
E Um implica o outro que, por sua vez, implica um
terceiro. 15 Fuvest Em que frase o espaço em branco deve ser
preenchido apenas com pronomes relativos, e não
11 UFV Assinale a alternativa que, em sequência, preen- com pronome relativo regido de preposição?
che corretamente as lacunas das seguintes frases. A Trata-se de joias de família jamais me des-
farei.
Devo obediência professor.
b O candidato expôs planos ninguém confiou.
Não z referência .
c Nesta rua, os serviços você tem acesso
Os alunos estavam presentes aconte-
são inúmeros.
cimentos.
d Foi positivo o resultado a empresa atingiu.
Continuaremos éis que são os nossos
E Eis o documento cópia me refiro.
amigos.
A àquele – àquilo – àqueles – àqueles
b àquele – aquilo – aqueles – àqueles 16 EEAR 2019 Conforme as recomendações da norma-
c aquele – aquilo – aqueles – aqueles -padrão, em qual alternativa o termo entre parênteses
d àquele – aquilo – aqueles – aqueles completa corretamente a frase?
E aquele – aquilo – àqueles – aqueles A Trata-se de regras rigorosas todos
terão de concordar. (pelas quais)
b O valor tínhamos não era suficiente
12 UFPE 2019 Considerando que a transitividade verbal
para cobrir as despesas do hotel. (de que)
trata do tipo de relação que um verbo estabelece com
c Esbarrei-me em um colega antipático
seu(s) complemento(s), analise o trecho em destaque
não estava mais disposto a conversar. (com quem)
FRENTE 1

e, em seguida, assinale a alternativa cujo verbo subli-


d Muitas foram as transformações físicas
nhado possui igual regência.
passou o jogador Neymar, desde o
Chico Mendes não sobreviveu aos ataques sofridos. início de sua carreira. (porque)

121
17 EEAR 2018 Leia: c [Estar doente era] uma realidade sobre a qual [o
I. Fábio aspirou o perfume das flores. cineasta] não sabia nada, sobre a qual jamais havia
II. O candidato aspirava a tal vaga do processo se- pensado.
letivo. d [Com ele, o cinema] não é mais um meio; torna-se
um fim, no qual o autor é a principal referência.
Em função da regência do verbo “aspirar”, consideran-
E Depois das três cirurgias às quais se submetera,
do a norma gramatical, marque a alternativa correta.
teve um ataque cardíaco.
A As sentenças I e II estão corretas, porém, em II, é
possível apagar a preposição “a”, posposta ao ver-
bo “aspirava”, mantendo a correção gramatical e o 21 Uerj As formas destacadas nos quatro fragmentos
sentido do enunciado. são usuais no português culto falado no Brasil. Três
b A sentença I está correta. A sentença II apresenta delas, porém, ainda são evitadas por escritores mais
erro de regência percebido pela presença da pre- conservadores e puristas. Ao escrever, estes es-
posição “a”, indevidamente colocada após o verbo. critores preferem as variantes que se acham entre
c As sentenças I e II estão corretas. Ambas as re- parênteses.
gências do verbo “aspirar” estão de acordo com a A forma destacada e a colocada entre parênteses
norma gramatical. que são aceitas sem restrição por esses escritores,
d Somente a sentença II está correta. Houve erro de como formas da escrita culta padrão, estão indica-
regência verbal na sentença I. das em:
A “Lembrando que havia (existiam) vários tipos de
18 ITA Leia com atenção a seguinte frase de um letreiro mulheres não escravas.”.
publicitário: b “Na seca de 1877, mulheres famintas, esquálidas, che-
garam na (chegaram à) casa do major Selemérico.”.
Esta é a escola que os pais conam. c “Ostentava-se (ostentavam-se) longos cabelos.”.
a) Identifique a preposição exigida pelo verbo e refaça d “Mesmo as mulheres ricas costumavam se vestir
a construção, obedecendo à norma gramatical. (vestir-se) com uma certa simplicidade.”.
b) Justifique a correção.
22 UFPE A regência verbal e a nominal estão conforme a
19 Unesp 2019 Leia o poema de Manuel Bandeira (1886- norma-padrão em:
1968) para responder à questão. A O povo parece desejoso de que se encontre uma
saída para a crise que o Brasil está submetido no
Poema tirado de uma notícia de jornal momento.
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no b O texto permite o leitor a verificação, por meio de
morro da Babilônia num barracão sem número. números, da situação do turismo no Brasil.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro c Custamos perceber que o Brasil tem progredido,
Bebeu pois a imprensa, em geral, parece ter aversão com
Cantou notícias boas.
Dançou d Quanto aos brasileiros, anima-lhes o ânimo ler
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu textos tão otimistas como esse, ao alcance de qual-
afogado. quer leitor.
(Libertinagem & Estrela da manhã, 1993.)
E Sabemos que nem sempre é possível aliar à vontade
a) Em que verso se verifica um desvio em relação de progredir à ação efetiva.
à norma-padrão da língua escrita (mas recorren-
te na língua oral)? Reescreva o verso, corrigindo 23 Ufal Assinale como verdadeiras as frases em que a
esse desvio. regência está correta e como falsas aquelas em que
b) Cite duas características, uma de natureza temá- isso não ocorre.
tica e outra de natureza formal, que afastam esse J É agradável sentir-lhe tão disposto ao trabalho no
poema da tradição parnasiano-simbolista qual conversamos ontem.
J O problema, cuja solução se torna cada vez mais dis-
20 ITA Assinale a opção em que o uso do pronome rela- tante, angustia todos os que nele estão envolvidos.
tivo não está de acordo com a norma-padrão escrita. J Importa saber as causas que deflagraram o acidente
(Excertos extraídos e adaptados de Folha de S.Paulo, o qual vitimou tantas pessoas.
1 nov. 1993.) J Poucos se preocupam com o que poderá suceder
A [O cineasta sofreu] um derrame, do qual não iria se devido à falta de senso de responsabilidade da parte
recuperar mais. de muitos.
b [O rosto e a voz do cineasta] são aqueles os quais es- J Convenci-me que ele será incapaz de opor-se con-
tamos acostumados, talvez um pouco mais cansados. tra os avisos de que todos ouviram.

122 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


24 PUC-SP Assinale a alternativa que preencha, pela or- 25 Fuvest A frase que está de acordo com a norma es-
dem, corretamente, as lacunas a seguir. crita culta é:
1. O verso se refere o poeta é mais belo. A O colégio onde estudei foi essencial na construção
2. O verso trata o poeta é mais belo, mais de grande parte dos valores que acredito.
variado e mais imprevisto. b Acho que esta acusação é uma das tantas coisas
3. O verso o poeta monta seu poema é ridículas que sou obrigado a me defender.
mais belo... c Há uma sensação que tudo, ou quase tudo, vai ser
4. O verso o poeta constrói é mais belo... diferente.
A em que – a que – que – de que d A boa escola seria a que submetesse seus alunos à
b com que – que – com que – que maior quantidade de experimentações e pesquisas.
c a que – de que – com que – que E Nós já estamos próximos de um consenso que o
d a que – de que – que – de que atual modelo está falido.
E que – de que – com que – que

e
Texto complementar
Regência e evolução
E tocamos num ponto importante: a evolução na re- algo ou alguém, regência reforçada pela regra citada [Prefixo
gência verbal. a Verbo Preposição a].
“A regência, como tudo na língua, a pronúncia, a acen- Em algo custa a alguém, custa-lhe, a regência do verbo
tuação, a significação etc., não é imutável. Cada época tem deve-se ao traço ‘ser difícil, custoso’. Com o traço ‘demorar
sua regência, de acordo com o sentimento do povo, o qual ou tardar’muda-se a regência para alguém custa a ...: cus-
varia, conforme as condições novas da vida. Não podemos tou a ele (ou custou-lhe) acreditar > ele custou a acreditar
seguir hoje exatamente a mesma regência que seguiam os (inovação da sintaxe brasileira).
clássicos; em muitos casos teremos mudado.” A regência originária TI assistir a algo está ligada ao
(Nascentes, 1960:18). traço “estar presente, junto”e é do modelo [Prefixo a Verbo
Preposição a]. O obscurecimento desses traços ajudou a
O “sentimento do povo” quer dizer, em parte, a
troca para “presenciar”, “ver”, que regem a construção TD
sensibilidade intuitiva ao sistema de regras (gramática) in-
assistir algo, assisti-lo.
ternalizado, constantemente revalidado e reforçado pelo
O originário x implica y, TD, “acarretar, envolver”, passa
comportamento linguístico coletivo, e em parte a percepção,
a “redundar, resultar, reverter”, TI, ajudado pela citada regra
também intuitiva, e obediência a tendências evolutivas (a
da preposição espelhando o prefixo: x implica em y (inova-
“deriva”) da língua, bem como a adaptação a novas neces-
ção da sintaxe brasileira).
sidades comunicativas.
Namorar, namorá-lo, TD, como “amar, cortejar” passa
Vimos que a regência dos verbos é governada pelos
a namorar com, TI, certamente por causa de traços como
traços semânticos destes. Alterados os traços, forçoso é que
“companhia”, “encontro” ou “noivado” e “casamento” (com).
se altere a regência.
Obedecer a, obedecer-lhe, TI, alterna com obedecer alguém
Alguns exemplos: agradar a alguém, agradar-lhe tor-
ou algo, obedecê-lo, TD, como “ouvir, acatar ou respeitar” e
na-se agradar alguém, agradá-lo, certamente por efeito de
“observar, seguir”.
sinônimos como ‘contentar, satisfazer’, ‘alegrar, deleitar’,
E assim por diante.
e obviamente prescinde de preposição com o traço de
Oportuno citar uma afirmação do francês Albert Dauzat:
‘acarinhar, mimar’, de um uso popular deste verbo (‘fazer
“Cada vez que um verbo, por uma evolução de sentido,
agrados ou mimos’ a alguém).
torna-se sinônimo de outro, ele tende a construir-se como o
Atingir, com o significado de ‘alcançar ou tocar (com a
rival cujas posições ameaça e que ele procura sobrepujar”.
mão)’, é TD: atingir algo ou alguém, atingi-lo. O traço ‘che-
TORRES, Artur de A. apud: LUFT, Celso P. Dicionário prático de regência
gar, aproximar-se (a)’ explica a mudança para TI: atingir a nominal. 9 ed. São Paulo: Ática, 2010.
FRENTE 1

123
Resumindo
Assistir: VI = morar; VTD = socorrer; VTI = ver; VTI = ter direito a

Visar: VTI = ter por objetivo; VTD = pôr visto, mirar


Apesar de VTI, “visar”, com o sentido de ter por objetivo, não aceita “lhe” (Visava a ele).

Aspirar: VTI = almejar; VTD = inspirar


Apesar de VTI, “aspirar”, com o sentido de almejar, não aceita “lhe” (Aspirava a ele).

Obedecer; desobedecer: VTI

Esquecer/lembrar: VTD = cair na lembrança/apagar-se da memória (sem preposição e sem pronome).


VTI pronominal = cair na lembrança/apagar-se da memória (com preposição e com pronome).
VTI = cair na lembrança/apagar-se da memória (com verbo sempre na terceira pessoa, sujeito à direita e objeto indireto posposto ao verbo, mas ante-
cedido ao sujeito).

Ir/chegar: ir em/chegar em = VI estar em; ir a/chegar a = VI dirigir-se a

Implicar: VTD = acarretar; VTI = meter-se; VTI = mostrar má-disposição com as pessoas
A regência “implicar em”, no sentido de acarretar, é largamente utilizada pelo povo, mas ainda não foi assimilada pela norma culta.

Informar, avisar, notificar: Informar algo a alguém. Informar alguém de algo. Informar alguém sobre algo.
Se utilizarmos os pronomes pessoais do caso oblíquo, teremos:
Informar ao professor que tudo estava certo. = Informar-lhe que tudo estava certo.
Informar o professor de que tudo estava certo. = Informá-lo de que tudo estava certo.

Querer: VTD = desejar; VTI = querer bem, estimar, amar

Agradar: VTD = fazer carinho; VTI = satisfazer

Custar: VTD = valer


VTI = ser difícil, ser obtido à custa de (com sujeito em forma de oração, a qual pode ser precedida ou não de preposição expletiva).
VTDI = causar, acarretar

Pagar, perdoar: VTD = objeto é coisa; VTI = objeto é pessoa; VTDI = objeto é coisa e pessoa
Se o verbo for transitivo direto, utiliza-se “o”, “a”, “os”, “as”; se indireto: “lhe”, “lhes”.

Preferir: VTDI = preferir uma coisa a outra, preferir uma entre duas coisas.
Construções como “prefiro mais”, “prefiro antes” e “prefiro mais.... que” não são aceitas pela norma, trata-se de linguagem coloquial.
VTD = dar primazia a

Responder: VTI/VI = dar resposta a alguém, replicar

No caso das adjetivas, a palavra que comanda a preposição está à direta desta e não à esquerda, como nos demais casos. Observe:
O presidente a que fiz referência estava em Londres.
Em relação às subordinadas substantivas, a preposição ocorre nas objetivas indiretas e nas completivas nominais.

Quer saber mais?

Livro
y BARROS, Leandro Gomes de. O cachorro dos mortos. (Literatura de cordel).

Site
y Gramatigalhas
Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/coluna/gramatigalhas>.

124 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


Exercícios complementares
1 UFV Substituindo a expressão destacada, em cada chamada a cobrar pode ser bem-vinda, se for grande a ansie-
uma das frases abaixo, pelo pronome oblíquo átono dade para se falar com alguém distante.
devidamente empregado, assinale a alternativa cuja O barulho da chuva forte no meio da madrugada, quando
substituição esteja incorreta. você está no quentinho da sua cama.
Uma conversa em outro idioma na mesa ao lado da sua,
Enviaram o relatório ao diretor. provocando a falsa sensação de que você está viajando, de férias
Dirão ao juiz o que souberem. em algum lugar estrangeiro. E estando em algum lugar estrangei-
Eis a história que narraram a meu avô. ro, ouvir o seu idioma natal sendo falado por alguém que passou,
Teremos iniciado os debates amanhã. fazendo você lembrar que o mundo não é tão vasto assim.
Quem houver concluído a prova poderá sair. O toque do interfone quando se aguarda ansiosamente a
A Dir-lhe-ão o que souberem. chegada do namorado. Ou mesmo a chegada da pizza.
b Eis a história que lhe narraram. O aviso sonoro de que entrou um torpedo no seu celular.
c Enviaram-no o relatório. A sirene da fábrica anunciando o fim de mais um dia de
d Tê-los-emos iniciado amanhã. trabalho.
E Quem a houver concluído poderá sair. O sinal da hora do recreio.
A música que você mais gosta tocando no rádio do carro.
Aumente o volume.
2 ITA Leia.
O aplauso depois que você, nervoso, falou em público
O programa Mulheres está mudando. Novo cenário, para dezenas de desconhecidos.
novos apresentadores, muito charme, mais informa- O primeiro eu te amo dito por quem você também co-
ção, moda, comportamento e prestação de serviços. meçou a amar.
Assista amanhã, a revista eletrônica feminina que é a E o mais raro de todos: o silêncio absoluto.
referência do gênero na TV. MEDEIROS, Martha. Feliz por nada. São Paulo: L&PM Editores, 2011.

O verbo assistir, empregado em linguagem coloquial, Em função de uma linguagem mais simples e colo-
está em desacordo com a norma gramatical. quial, a crônica, muitas vezes, pode “desrespeitar” a
a) Reescreva o último período de acordo com a norma. norma gramatical própria do uso culto da escrita for-
b) Justifique a correção. mal da língua, o que pode ser observado no texto de
Martha Medeiros na seguinte passagem:
3 Uece 2019 A “A música que você mais gosta tocando no rádio
do carro”, em que a regência do verbo “gostar” não
Sons que confortam é obedecida.
Martha Medeiros b “Eram quatro da manhã quando seu pai sofreu um
colapso cardíaco”, em que, gramaticalmente, o ver-
Eram quatro da manhã quando seu pai sofreu um colapso bo “ser”, indicando tempo, não varia em número
cardíaco. Só estavam os três na casa: o pai, a mãe e ele, um garo- para concordar com “quatro da manhã”.
to de 13 anos. Chamaram o médico da família. E aguardaram. E
c “Até a musiquinha que antecede a chamada a
aguardaram. E aguardaram. Até que o garoto escutou um barulho
cobrar pode ser bem-vinda”, em que o verbo “an-
lá fora. É ele que conta, hoje, adulto: Nunca na vida ouvira um
teceder” exige um complemento com preposição.
som mais lindo, mais calmante, do que os pneus daquele carro
d “O toque do interfone quando se aguarda ansiosa-
amassando as folhas de outono empilhadas junto ao meio-fio.
mente a chegada do namorado”, em que a expressão
Inesquecível, para o menino, foi ouvir o som do carro do
médico se aproximando, o homem que salvaria seu pai. Na
“a chegada’ deveria vir com o acento indicativo de
mesma hora em que li esse relato, imaginei um sem-número crase, já que o verbo “aguardar” exige complemento
de sons que nos confortam. A começar pelo choro na sala de com a preposição “a”, bem como o artigo que acom-
parto. Seu filho nasceu. E o mais aliviante para pais que pos- panha o substantivo é do gênero feminino.
suem adolescentes baladeiros: o barulho da chave abrindo a
fechadura da porta. Seu filho voltou. 4 EPCar
E pode parecer mórbido para uns, masoquismo para outros,
Rap: uma linguagem dos guetos
mas há quem mate a saudade assim: ouvindo pela enésima vez
o recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu. Entre as vozes que se cruzam na cacofonia urbana da
Deixando a categoria dos sons magnânimos para a dos sociedade globalizada, há uma que se sobressai pela sua
sons cotidianos: a voz no alto falante do aeroporto dizendo radicalidade marginal: o rap. A moderna tradição negra
que a aeronave já se encontra em solo e o embarque será feito dos guetos norte-americanos é, hoje, cantada pelos jo-
dentro de poucos minutos. vens das periferias de todos os quadrantes do globo. Mas
O sinal, dentro do teatro, avisando que as luzes serão diferentemente das estereotipias produzidas pela nação
FRENTE 1

apagadas e o espetáculo irá começar. hegemônica e difundidas em escala planetária, a cultura


O telefone tocando exatamente no horário que se espera, hip-hop costuma ser assimilada como uma fala histórica
conforme o combinado. Até a musiquinha que antecede a essencialmente crítica por uma juventude com tão escassas

125
vias de fuga ao sempre igual. Quando, por exemplo, jo- individualismo e exaltação da vida privada), como a maio-
vens de uma favela brasileira incorporam esta linguagem ria das canções ditas "de massa".
tornada universal, por mais que a sua realidade seja di- (COUTINHO, Eduardo Granja, ARAÚJO, Marianna. Rap: uma linguagem dos
ferente daquela dos marginalizados do país de origem, a guetos. In: PAIVA, Raquel, TUZZO, Simone Antoniaci (Orgs.).
Comunidade, mídia e cidade: possibilidades comunitárias
forma permanece associada a um conteúdo crítico – uma na cidade hoje. Goiânia: FIC/UFG, 2014.)
visão de mundo subalterna e frequentemente subversiva.
O rap é hoje uma forma de expressão comunitária, Assinale a alternativa em que a reescrita proposta
por meio da qual se comunicam e afirmam sua identidade NÃO está de acordo com a norma padrão da Língua
habitantes dos morros e comunidades populares. /.../ Portuguesa.
O surgimento do movimento hip-hop nos remete ao A “O rap é hoje uma forma de expressão comunitária,
contexto no qual estavam inseridos os Estados Unidos dos por meio da qual se comunicam...” => O rap é hoje
anos 60 e 70, no auge da Guerra Fria. Foram anos de ten- uma forma de expressão comunitária, com à qual se
são e muita agitação política. O descontentamento popular comunicam.
com a guerra do Vietnã somava-se à pressão das comuni- b “O descontentamento popular com a guerra do Vietnã
dades negras segregadas, submetidas a leis similares às do somava-se à pressão das comunidades negras...” =>
apartheid sul-africano. O clima de revolta e inconformismo Ao descontentamento popular com a guerra do Vietnã
tomava conta dos guetos negros. /.../ somava-se a pressão das comunidades negras.
Na trilha da agitação política ocorriam inovações c “...submetidas a leis similares às do apartheid...” =>
culturais. Nos guetos, o que se ouvia era o soul, que foi ...submetidas a leis similares àquelas do apartheid.
importante para a organização e conscientização daquela d “...denunciavam as condições às quais eram subme-
população. /.../ No mesmo período surge uma variedade tidas as populações dos guetos.” => denunciavam as
de outros ritmos, como o funk, marcados por pancadas condições a que eram submetidas as populações
poderosas que causavam estranhamento aos brancos, letras dos guetos.
que invocavam a valorização da cultura negra e denuncia-
vam as condições às quais eram submetidas as populações
dos guetos. O soul e o funk foram as bases musicais que
5 Unifesp 2019 Leia o trecho inicial do conto “A doida”, de Car-
permitiram o surgimento do rap, que virá a ser um dos los Drummond de Andrade, para responder à questão.
elementos do movimento hip-hop. A doida habitava um chalé no centro do jardim mal-
Por essa época ou um pouco antes, jovens negros já tratado. E a rua descia para o córrego, onde os meninos
dançavam [o break] nas ruas ao som do soul e do funk de costumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à es-
uma forma inovadora, executando passos que lembravam ao querda, entre o barranco e um chão abandonado; à direita,
mesmo tempo uma luta e os movimentos de um robô. /.../ o muro de um grande quintal. E na rua, tornada maior pelo
Finalmente, além da música e da dança, propagava-se silêncio, o burro que pastava. Rua cheia de capim, pedras
pelos guetos, ainda, o hábito de desenhar e escrever em soltas, num declive áspero. Onde estava o fiscal, que não
muros e paredes. /.../ Nesse contexto de efervescência mandava capiná-la?
político-cultural, grafiteiros, breakers e rappers começa- Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e
ram a se reunir para realizar eventos juntos, afinal suas a pega de passarinho. Só com essa intenção. Mas era bom
artes estavam relacionadas a uma experiência comum, a passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam
cultura de rua. /.../ o contrário: que era horroroso, poucos pecados seriam
Por volta de 1982, o rap chegou ao Brasil, fixando-se, maiores. Dos doidos devemos ter piedade, porque eles
sobretudo, em São Paulo. /.../ não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, fomos
Nos últimos anos da década de 90, o rap brasileiro aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses
ultrapassou os limites da periferia dos grandes centros e benefícios, ou explicavam demais, e restava a impressão
chegou à classe média. /.../ O rap de caráter mais comer- de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer
cial passou então a ser amplamente difundido pelo país, ao visitas, receber cartas, entrar para irmandades. E isso não
mesmo tempo em que, em sua forma marginal, a lingua- comovia ninguém. A loucura parecia antes erro do que
gem continuava a se desenvolver nos espaços populares. miséria. E os três sentiam-se inclinados a lapidar1 a doida,
Há que se destacar o caráter inovador do rap nacional, isolada e agreste no seu jardim.
que reelabora, de forma criadora, a partir de tradições Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam
populares brasileiras, a linguagem dos guetos norte-ame- dizê-lo. Não aparecia de frente e de corpo inteiro, como as
ricanos, mesclando o ritmo do Bronx a gêneros como o outras pessoas, conversando na calma. Só o busto, recortado
samba e a embolada. /.../ numa das janelas da frente, as mãos magras, ameaçando. Os
Não se trata, no entanto, de idealizar o hip-hop como cabelos, brancos e desgrenhados. E a boca inflamada, sol-
forma de conhecimento. O movimento, seguramente, não tando xingamentos, pragas, numa voz rouca. Eram palavras
é homogêneo: possui tendências mais ou menos politiza- da Bíblia misturadas a termos populares, dos quais alguns
das, mais ou menos engajadas e críticas. Há, por assim pareciam escabrosos, e todos fortíssimos na sua cólera.
dizer, uma vertente cuja tônica é a denúncia, a agitação Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça
e o protesto. Outra, espontânea, sem uma linha política igual às outras no seu tempo remoto (contava mais de
coerente e definida. E outra ainda, talvez hegemônica, já sessenta anos, e loucura e idade, juntas, lhe lavraram o
assimilada pelo mercado, que reproduz o modelo de com- corpo). Corria, com variantes, a história de que fora noiva
portamento, aspirações e ideais dominantes (consumismo, de um fazendeiro, e o casamento uma festa estrondosa;

126 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara, A fazemos jus.
Deus sabe por que razão. O marido ergueu-se terrível b recebemos.
e empurrou-a, no calor do bate-boca; ela rolou escada c somos merecedores.
abaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois d estamos satisfeitos.
nunca mais se veriam. Já outros contavam que o pai, não E nos orgulhamos.
o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã o
velho sentira um amargo diferente no café, ele que tinha
6 IFPE 2019
dinheiro grosso e estava custando a morrer – mas nos ra-
contos2 antigos abusava-se de veneno. De qualquer modo,
as pessoas grandes não contavam a história direito, e os
meninos deformavam o conto. Repudiada por todos, ela
se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e acabou
perdendo o juízo. Perdera antes todas as relações. Nin-
guém tinha ânimo de visitá-la. O padeiro mal jogava o pão
na caixa de madeira, à entrada, e eclipsava-se. Diziam que
nessa caixa uns primos generosos mandavam pôr, à noite,
provisões e roupas, embora oficialmente a ruptura com a
família se mantivesse inalterável. Às vezes uma preta velha
arriscava-se a entrar, com seu cachimbo e sua paciência
educada no cativeiro, e lá ficava dois ou três meses, cozi-
nhando. Por fim a doida enxotava-a. E, afinal, empregada
nenhuma queria servi-la. Ir viver com a doida, pedir a
bênção à doida, jantar em casa da doida, passaram a ser,
na cidade, expressões de castigo e símbolos de irrisão3.
Disponível em: <http://opsquebrou.blogspot.com/2012/08/respeito-terceira-idade.html>.
Vinte anos de uma tal existência, e a legenda está Acesso em: 01 out. 2018.
feita. Quarenta, e não há mudá-la. O sentimento de que
a doida carregava uma culpa, que sua própria doidice era Em um dos balões presentes no texto, há a seguinte
uma falta grave, uma coisa aberrante, instalou-se no espíri- sentença: “Queremos dignidade e cuidados”. Assinale
to das crianças. E assim, gerações sucessivas de moleques a alternativa na qual o verbo destacado possui igual
passavam pela porta, fixavam cuidadosamente a vidraça e regência à do que aparece sublinhado acima.
lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade. A Ricardo Moraes preferiu trocar a desaceleração
Depois, por prazer. Finalmente, e já havia muito tempo, de uma vida inteira de trabalho pelo desafio de
por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa, recomeçar.
criara-se na mente infantil a ideia de um equilíbrio por b E eles me ensinam muito sobre tecnologia.
compensação, que afogava o remorso. c O jornalista Ricardo Moraes tinha um sonho.
Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quan- d Eu gosto de organização e de excelente atendi-
do meninos, os pais daqueles três tinham feito o mesmo, mento ao cliente.
com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensíveis E Essa empresa prefere os funcionários idosos aos
lamentavam o fato, sugeriam que se desse um jeito para in- jovens.
ternar a doida. Mas como? O hospício era longe, os parentes
não se interessavam. E daí – explicava-se ao forasteiro que
7 Fuvest 2018 O rumor crescia, condensando-se; o zun-
porventura estranhasse a situação – toda cidade tem seus
zum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam
doidos; quase que toda família os tem. Quando se tornam
vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia
ferozes, são trancados no sótão; fora disto, circulam pacifi-
todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda;
camente pelas ruas, se querem fazê-lo, ou não, se preferem
ensarilhavam-se* discussões e rezingas**; ouviam-se gar-
ficar em casa. E doido é quem Deus quis que ficasse doido...
galhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se
Respeitemos sua vontade. Não há remédio para loucura;
naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa
nunca nenhum doido se curou, que a cidade soubesse; e a de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na
cidade sabe bastante, ao passo que livros mentem. lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir,
(Contos de aprendiz, 2012.)
a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
1 Da porta da venda que dava para o cortiço iam e
lapidar: apedrejar. vinham como formigas; fazendo compras.
2
raconto: relato, narrativa. Duas janelas do Miranda abriram-se. Apareceu numa
3
irrisão: zombaria. a Isaura, que se dispunha a começar a limpeza da casa.
No trecho “Dos doidos devemos ter piedade, porque – Nhá Dunga! gritou ela para baixo, a sacudir um
eles não gozam dos benefícios com que nós, os sãos, pano de mesa; se você tem cuscuz de milho hoje, bata
fomos aquinhoados” (2º parágrafo), em respeito à nor- na porta, ouviu?
FRENTE 1

Aluísio Azevedo, O cortiço.


ma-padrão, estaria correto o uso da preposição “a”
em lugar de “com” se a expressão sublinhada fosse * ensarilhar-se: emaranhar-se.
substituída por ** rezinga: resmungo

127
Constitui marca do registro informal da língua o trecho com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico,
A “mas um só ruído compacto” se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gra-
b “ouviam-se gargalhadas” tificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa:
c “o prazer animal de existir” “gratificar-se-á generosamente” – ou “receberá uma boa
d “gritou ela para baixo” gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao
E “bata na porta” lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara
ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo
o rigor da lei contra quem o acoitasse.
8 Fuvest A casa que papai alugara não ficava na praia exa-
Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo.
tamente, mas numa das ruas que a ela davam e onde
Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que
uns operários trabalhavam diariamente no alinhamento
se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza
de um dos canais que carreavam o enxurro da cidade
implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em
para o mar do golfo.
tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade
Mário de Andrade.
de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso,
No período acima, o segmento “que a ela davam e e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por ou-
onde” pode ser substituído, sem prejuízo para o senti- tra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante
do original do período, por: rijo para pôr ordem à desordem.
A para a cuja iam, nas quais. (Contos: uma antologia, 1998.)
b que lhe conduziam, aonde. “Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro
c a qual cortavam, em cuja rua. a quem lho levasse.” (4o parágrafo). Na oração em que
d nela terminavam, às quais. está inserido, o termo destacado é um verbo que pede
E que nela desembocavam, rua em que. A apenas objeto direto, representado pelo vocábulo “lho”.
b objeto direto e objeto indireto, ambos representa-
9 Unesp 2018 Leia o trecho do conto “Pai contra mãe”, de dos pelo vocábulo “lho”.
Machado de Assis (1839-1908), para responder à questão. c objeto direto, representado pelo vocábulo “dinheiro”,
A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como e objeto indireto, representado pelo vocábulo “lho”.
terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns d apenas objeto indireto, representado pelo vocábu-
aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles lo “quem”.
era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também E objeto direto, representado pelo vocábulo “dinheiro”,
a máscara de folha de flandres. A máscara fazia perder o e objeto indireto, representado pelo vocábulo “quem”.
vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca.
Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era 10 UFRGS 2018 – Temos sorte de viver no Brasil – dizia meu
fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de pai, depois da guerra. – Na Europa mataram milhões de
beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era judeus.
dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a Contava as experiências que os médicos nazistas fa-
sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a ziam com os prisioneiros. Decepavam-lhes as cabeças,
honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem faziam-nas encolher – à maneira, li depois, dos índios
social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e Jivaros. Amputavam pernas e braços. Realizavam estranhos
alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à transplantes: uniam a metade superior de um homem ........
venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras. metade inferior de uma mulher, ou aos quartos traseiros
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. de um bode. Felizmente morriam essas atrozes quimeras;
Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também, à expiravam como seres humanos, não eram obrigadas a
direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás viver como aberrações. (........ essa altura eu tinha os olhos
com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo cheios de lágrimas. Meu pai pensava que a descrição das
que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, maldades nazistas me deixava comovido.)
mostrava um reincidente, e com pouco era pegado. Em 1948 foi proclamado o Estado de Israel. Meu pai
Há meio século, os escravos fugiam com frequência. abriu uma garrafa de vinho – o melhor vinho do armazém –,
Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia
brindamos ao acontecimento. E não saíamos de perto do
ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam
rádio, acompanhando ........ notícias da guerra no Oriente
de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida;
Médio. Meu pai estava entusiasmado com o novo Estado:
havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo
em Israel, explicava, vivem judeus de todo o mundo, ju-
dono não era mau; além disso, o sentimento da proprieda-
deus brancos da Europa, judeus pretos da África, judeus
de moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga
da Índia, isto sem falar nos beduínos com seus camelos:
repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que
tipos muito esquisitos, Guedali.
o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo,
Tipos esquisitos – aquilo me dava ideias.
deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que se-
Por que não ir para Israel? Num país de gente tão es-
guiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor
tranha – e, ainda por cima, em guerra – eu certamente não
que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.
chamaria a atenção. Ainda menos como combatente, entre
Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinhei-
a poeira e a fumaça dos incêndios. Eu me via correndo pe-
ro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas,
las ruelas de uma aldeia, empunhando um revólver trinta e

128 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência


oito, atirando sem cessar; eu me via caindo, varado de balas. torpor4 que Thomas de Quincey relatou nas suas "Confissões
Aquela, sim, era a morte que eu almejava, morte heroica, de um Comedor de Ópio5". Como se chegou até aqui?
esplêndida justificativa para uma vida miserável, de monstro Verdade: o tédio sempre foi o grande terror dos homens
encurralado. E, caso não morresse, poderia viver depois num modernos. Ter no bolso um aparelho que garante distração
kibutz. Eu, que conhecia tão bem a vida numa fazenda, te- permanente é a melhor forma de afastar o fantasma.
ria muito a fazer ali. Trabalhador dedicado, os membros do Acontece que o tédio tem as suas vantagens. O filó-
kibutz terminariam por me aceitar; numa nova sociedade há sofo Mark Kingwell tem escrito sobre a matéria (...) Só o
lugar para todos, mesmo os de patas de cavalo. tédio, escreve ele, é capaz de sinalizar a existência de um
Adaptado de: SCLIAR, M. O centauro no jardim. 9. ed. problema entre nós e o mundo. O tédio é a "suspensão
Porto Alegre: L&PM, 2001. da suspensão" em que vivemos – uma forma terapêutica,
Se a forma verbal almejava fosse substituída por aspira- e até brutal, de olharmos para a realidade sem fugas. E de
agirmos em conformidade.
va em Aquela, sim, era a morte que eu almejava, qual
Quando abolimos o tédio, e o "dom da escuta" que
das alternativas abaixo estaria gramaticalmente correta?
só ele oferece, desaparece uma parte da nossa humani-
A Aquela, sim, era a morte a que eu aspirava.
dade – aquela parte que reflete, imagina ou cria. E que
b Aquela, sim, era a morte para a qual eu aspirava.
problematiza, critica, propõe.
c Aquela, sim, era a morte que eu aspirava. No futuro, não será apenas a audiência que estará
d Aquela, sim, era a morte de que eu aspirava. mergulhada nas telas dos smartphones. Também suspeito
E Aquela, sim, era a morte com a qual eu aspirava. que os próprios conferencistas, privados de pensar e sem
nada para dizer, terão o mesmo comportamento.
11 CMRJ 2017 Imagino um encontro de silêncios, onde todos os pre-
sentes estarão ausentes – e só o homem entediado terá
Só o homem entediado terá chance de salvação chance de salvação.
num futuro de smartphones Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/
João Pereira Coutinho joaopereiracoutinho/2017/06/1897093-so-o-homem-entediado-tera-
chance-de-salvacao-num-futuro-de-smartphones.shtml>.
Assisto a conferências e a moda não engana: metade Último acesso em 06 de julho de 2017. (Adaptado).
da sala (no mínimo) está com a cabeça enfiada em smart-
1. Toga – traje preto e comprido, usado por advogados e por
phones. Como seriam as conferências antigamente? O que
professores catedráticos e doutorados em ocasiões especiais.
fazia a audiência enquanto alguém falava no palanque?
2. Nefasto – nocivo, prejudicial, perverso, trágico, mau.
Provavelmente, escutava. Ou dormia. Ou dormia e
3. Espreitar – espiar, olhar demorada e fixamente.
escutava, em intervalos saudáveis.
4. Torpor – indiferença ou apatia moral; indolência, prostração.
Hoje, ninguém dorme. Duvido que alguém escute. O
5. Ópio – narcótico, droga que provoca adormecimento
smartphone é o inimigo do tédio, ou da reflexão, propor-
cionando uma festa permanente. O autor do texto escreve sua crônica praticamente
Este seria o momento ideal para eu vestir a toga¹ do toda de acordo com a norma padrão da Língua Portu-
moralista vulgar, lançando raios homéricos sobre a nefasta² guesa. Um exemplo claro é a regência do verbo assistir,
tecnologia. A data, aliás, seria a mais apropriada: o iPhone adequadamente aplicada na frase transcrita abaixo:
nasceu dez anos atrás e o dilúvio começou. “Assisto a conferências e a moda não engana”. Marque
Infelizmente, não posso pregar. Eu também faço parte a única opção que obedece à norma padrão quanto
do clube que prefere o smartphone ao velho e bom cochilo. à regência verbal ou nominal nas frases que seguem.
Especialistas diversos gostam de explicar a compulsão. A Consumidores preferem mais smartphones do que ce-
É como uma droga, dizem eles: quando espreitamos³ as lulares convencionais.
mensagens, o e-mail, as redes sociais, procuramos uma b Hoje todas as músicas que as pessoas gostam podem
espécie de recompensa neurobiológica muito semelhante ser acessadas no celular, por exemplo, pelo Spotify.
a um viciado. c Os smartphones também são usados para assistir ví-
O problema se agrava quando somos privados da deos no Youtube.
nossa dose – e eu sei, o leitor sabe, todos sabemos dessa
d O medo ao tédio leva muitas pessoas a se manterem
miserável privação.
conectadas todo o tempo em que estão acordadas.
Tempos atrás, esqueci-me do celular em casa e parti
E Hoje professores pedem constantemente a seus alu-
em viagem. Quando dei conta do estrago, uma inquietude
nos que deixem o celular e participem das aulas.
foi crescendo com o passar das horas.
Ainda pensei em pedir ao companheiro do lado para
me emprestar o smartphone dele. Só para eu ler as minhas 12 IFSP 2017 De acordo com a norma-padrão da Língua
mensagens. Ou até, sei lá, as mensagens dele. Qualquer Portuguesa e com a gramática normativa e tradicional,
coisa servia. Eu era como alguns alcoólatras que, na au- quanto à regência verbal, assinale a alternativa incorreta.
sência de bebidas legais, começam a despejar perfume A Aspiramos o ar poluído da carvoaria.
pela goela. b Apenas um sorvete não apetece o menino.
Controlei-me. Telefonei para casa – de um telefone fixo, c Custava-me lutar contra a ideia do trabalho infantil.
FRENTE 1

entenda – e pedi, com um último fôlego, que me lessem as d Lembro-me de que vimos os meninos encarapitados
novidades. Nenhuma delas era urgente, sequer interessan- nas alimárias.
te. Mas o corpo sossegou e mergulhou naquele estranho E Não pagaram o salário ao carvoeiro?

129
13 Vunesp Muitos verbos, como é o caso de “renunciar”, Fazer – fogo e fogueiras; barulho, buzinar e som alto;
apresentam mais de uma regência, por vezes sem não saia das trilhas ou dos pontos de visitação; pichar, escre-
alteração relevante de significado, de modo que a ver, riscar, danificar imóveis, placas, pedras e árvores; lavar
realização da regência em cada frase torna-se depen- utensílios e roupas nos rios.
Folheto do Parque Nacional de Itatiaia.
dente da escolha estilístico-expressiva do escritor.
Com base nesse fato: a) Identifique a inadequação sintática.
a) considerando que na frase “e renunciar o mau vezo b) Rescreva o texto, eliminando tal inadequação.
de querer bem à Humanidade” o verbo “renunciar” Faça as modificações necessárias.
aparece como transitivo direto, escreva uma frase
em que o mesmo verbo apareça como transitivo 18 UFRJ Leia o texto a seguir.
indireto e outra em que apareça como intransitivo.
b) reescreva a seguinte frase de Micura tornando [...] Nos consola é ver o povo inculto criando aqui uma
o verbo “precisar” transitivo indireto: “Não, este música nativa que está entre as mais belas e mais ricas.
também não é o fogo que precisamos”. Pois colhendo elementos alheios, triturando-os na
subconsciência nacional, digerindo-os, amoldando-os,
se fecundando, a música popular brasileira viveu todo o
14 Unicamp Leia o texto a seguir, propositalmente altera- século XIX, bem pouco étnica ainda. Mas no último quarto
do para esta questão. do século principiam aparecendo com mais frequência
O rádio demonstra constantemente sua condição de veí- produções dotadas de fatalidade racial. E, no trabalho
culo indispensável no cotidiano das pessoas, ao contrário do da expressão original e representativa, não careceu nem
que muitos podem pensar, quando o consideram um meio de cinquenta anos: adquiriu caráter, criou formas e proces-
difusão ultrapassado. Desde sua invenção, na passagem para sos típicos. Manifestações duma raça muito variada ainda
o século XX, época que era conhecido como “telégrafo sem como psicologia, a nossa música popular é variadíssima.
fio”, o papel que exerce na sociedade vem se reafirmando. Tão variada que às vezes desconcerta quem a estuda [...].
Apresentação da coletânea da prova de redação da Unicamp. Mário de Andrade. Pequena história da música. 8 ed.
São Paulo: Martins; Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.
Nota-se no texto acima erro de:
Substitua a forma verbal em destaque por outra equi-
A ortografia.
valente, de modo que mantenha a regência verbal e
b regência.
o sentido da frase.
c colocação pronominal.
d emprego dos tempos verbais.
Texto para a questão 19.
E concordância.
A chegada
15 Fuvest No dia 19, Juscelino registrou a amargura que lhe E quando cheguei à tarde na minha casa lá no 27, ela já
dominava: “Não estou bem por dentro”, anotou. “Uma me aguardava andando pelo gramado, veio me abrir o portão
das razões que tornaram (sic) triste a longa permanência pra que eu entrasse com o carro, e logo que saí da garagem
na fazenda é a ausência de alguns amigos.”. subimos juntos a escada pro terraço, e assim que entramos
O Estado de S. Paulo. 14 de mar. 1996. p. A7. nele abri as cortinas do centro e nos sentamos nas cadeiras
Usa-se sic entre parênteses, numa citação, para indi- de vime, ficando com nossos olhos voltados pro alto do lado
car que o texto original é aquele mesmo, por errado oposto, lá onde o sol ia se pondo, e estávamos os dois em
ou estranho que pareça. silêncio quando ela me perguntou “que que você tem?”,
mas eu, muito disperso, continuei distante e quieto, o pen-
a) Apresente uma justificativa para aceitar ou não o
samento solto na vermelhidão lá do poente, e só foi mesmo
sic usado pelo autor do texto.
pela insistência da pergunta que respondi “você já jantou?”
b) Há no texto uma construção que justifica o empre-
e como ela dissesse “mais tarde” eu então me levantei e fui
go do sic. Transcreva-a aplicando o sic no lugar
sem pressa pra cozinha (ela veio atrás), tirei um tomate da
adequado. geladeira, fui até a pia e passei uma água nele, [...].
Raduan Nassar. Um copo de cólera.
16 Fuvest Observe este texto, criado para propaganda de
embalagens.
19 UFF Com base no fragmento de Raduan Nassar:
Ao nal do processo de reciclagem, aquele lixo de lata
a) transcreva um exemplo de regência verbal de uso
vira lata de luxo, embalando as bebidas que todo mundo
coloquial.
gosta, das marcas que todo mundo pode conar.
b) reescreva a frase “que que você tem?”, de acordo
Reescreva, corrigindo os segmentos do texto que com a modalidade escrita culta.
apresentem algum desvio à norma culta. c) identifique, no trecho a seguir, um termo que represen-
ta um recurso de ênfase característico de estilização
da oralidade e dispensável na modalidade escrita: “e
17 ITA Considere o texto a seguir. logo que saí da garagem subimos juntos a escada
Você se encontra dentro de um parque nacional, por pro terraço, e assim que entramos nele abri as corti-
isso evite: nas do centro e nos sentamos nas cadeiras de vime”.
130 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Regência
Sergej Khackimullin/Photoxpress
FRENTE 1

CAPÍTULO Crase

12
O uso do acento grave (na verdade “crase” é a fusão da preposição com o artigo)
só interessa à língua escrita. Trata-se de uma forma de concisão (evita-se “a” + “a”). Em
alguns casos, o emprego desse acento altera a interpretação. Por exemplo, “Escrevia a
Oswald de Andrade” é diferente de “Escrevia à Oswald de Andrade”. Na primeira frase,
temos “Oswald de Andrade” como destinatário do que se escreve (quem recebia as car-
tas); na segunda, “à Oswald de Andrade” designa o modo, a maneira como se escrevia.
Introdução – regra geral Não há crase em ...chegou a falar..., pois o verbo falar
não aceita o artigo a, aliás, como todos os verbos.
O estudo da crase interessa à produção de texto e às
questões teóricas. A transgressão à norma em uma redação
sempre deve ser evitada. Este capítulo dará condições para Não há crase
que você empregue corretamente a crase. Quanto às ques- I. Diante de palavra masculina:
tões teóricas, elas ocorrem em todos os exames, modernos

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ou não. Há questões mais fechadas, que cobram a regra, e
questões mais abertas, que testam a interpretação. A me- Compre a vista a prazo
lhor forma para se estudar o assunto é resolvendo um bom
número de exercícios, pois eles ajudam na memorização.
Nesta introdução, apresentamos a regra geral.
Como se sabe, a crase é a contração de duas vogais
idênticas (em coordeno, temos uma crase na linguagem oral,
pois pronuncia-se apenas um o). Para que haja o acento grave
indicador da crase, é preciso que tenhamos uma preposição
a em contração com o artigo definido a. Por exemplo:

Chegou à fazenda do Presidente uma comitiva de traba-


lhadores sem-terra.

A crase ocorre no texto acima, pois o verbo chegar


demanda a preposição a e o substantivo fazenda aceita
o artigo a:
Chegou a + a fazenda = Chegou à fazenda O termo “a vista”, nessa frase, não recebe crase, pois é
objeto direto de comprar, significa “paisagem”; já “a prazo”
É preciso, pois, averiguar duas ocorrências: se o termo é locução masculina, não recebe acento (a exceção será
à esquerda do a pede preposição e se o termo à direita discutida posteriormente).
do a aceita artigo. Para isso, são necessários dois testes.
II. Diante de verbo:
y Teste 1 (o da preposição): substitua a palavra que está
à direita do a por um substantivo masculino que seja Nas lojas Crasil, acento grave a partir de 10 reais.
compatível com a frase.
Voltou a chorar.
Chegou a fazenda... Chegou ao escritório... III. Diante de certos pronomes:

Se o resultado for ao, é porque a palavra à esquerda Dei a ela tudo que um coração deseja.
pede preposição (ao = prep. a + artigo o); mas se o resultado
for apenas o..., é porque não há preposição. Se, em vez de Fui a esta vila outro dia.
Chegou à fazenda..., tivéssemos Ocupou a fazenda..., não Não há crase se o pronome não aceitar artigo. Para sa-
haveria a crase, pois o verbo ocupar não pede preposição. ber, basta posicioná-lo como sujeito, conforme regra geral.

Ocupou a fazenda... Ocupou o escritório... IV. Diante de pronomes de tratamento do tipo Vossa Ex-
celência, Vossa Santidade:
y Teste 2 (o do artigo): invente um predicado para a pala-
vra que está à direita do a, posicionando-a como sujeito Ofereceu a Sua Excelência a sua casa.
de uma oração. Em seguida procure colocar o artigo.
sujeito predicado Os pronomes senhora, senhorita, dona aceitam artigo,
possibilitando a crase.
Chegou à fazenda... Fazenda é bonita. A fazenda
é bonita. V. Diante de palavras de sentido indeterminado:
Como você pôde observar, a palavra fazenda aceita Deram o folheto a mulheres, a homens e a crianças.
o artigo, confirmando a crase. Imaginemos, porém, que a
frase fosse: A comitiva chegou a falar com o presidente. Não há crase, pois não há artigo. Se houvesse, tería-
O teste 2 ficaria assim: mos: [...] às mulheres, aos homens e às crianças. Como não
chegou a falar Falar é necessário. A falar é necessário? se quer especificar, o artigo não foi utilizado. O mesmo se
aplica quando há artigo indefinido (Referiu-se a uma crian-
sujeito predicado ça): a crase não existe.

132 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 12 Crase


VI. Em expressões repetidas: IX. Diante da palavra casa no sentido de residência pró-
pria, lar:
Esteve com seu opositor frente a frente.
Voltou a casa, pois estava morrendo de fome.
Fiquei cara a cara com o presidente.
Se a palavra casa estiver determinada, haverá crase:
VII. Diante dos relativos cujo, quem:
Foi à casa de José Silva.

Eis a mulher a cujas filhas fiz referência.


X. Diante da palavra terra, no sentido de terra firme:

Eis a mulher a quem fiz elogios. Os marinheiros voltaram a terra.

VIII. Diante de nomes de lugares que não admitem artigo: Se a palavra terra estiver determinada, haverá crase:

Mariana fez alusão a Ouro Preto. Foram à terra de seus antepassados.


Tristan Nitot/Wikimedia Commons

XI. Depois da palavra após:

Chegará após as onze horas.

Se a frase fosse: Chegará às onze horas, teríamos a


crase, pois a expressão às onze horas é uma locução ad-
verbial feminina.

Começou com “de”


(de 24/03 a 25/03)
não há acento;
Começou com “da” ou “das”
(das 14h às 16h),
há acento.

XII. Na locução a distância:

Os alunos ficaram a distância.


Se o lugar estiver acompanhado de especificador, o
nome receberá crase (Fui à Ouro Preto de Tiradentes). Para Se a distância estiver determinada, há crase:
saber se o nome de lugar aceita ou não artigo, utilize o ver-
bo vir. Se for vim de, não há artigo; se for vim da, há artigo. Os alunos ficaram à distância de duzentos metros.

Fui a Londres. Vim de Londres. XIII. Diante de numerais:


predicado predicado
O número de mortos na Casa de Detenção chega a quinze.
FRENTE 1

Fui à Londres dos Beatles. Vim da Londres dos Beatles.


Em expressões indicadoras de horas, temos o acento
prep. + artigo prep. + artigo grave (vide loc. adverbial feminina).

133
Há crase No primeiro quadro, “A tarde” é sujeito; no segundo,
é adjunto adverbial de tempo; o sujeito é oculto (ele = o
I. Quando o termo à esquerda (A) comandar a pre-
garoto). Veja outros exemplos.
posição a e quando o termo à direita (B) estiver
acompanhado do artigo definido a: Fazia tudo às pressas.
Dirigiu-se à sala escura. Compre à vista!
À noite, conversaremos, espere.
A B Bebia às vezes.
Matou o inimigo à fome.
Vide regra geral na introdução ao capítulo (teste 1 e Feche à chave, por favor.
teste 2). Cortou a barba à navalha.
Fez a lição à força.
II. Quando a preposição a estiver em contração com os
pronomes demonstrativos aquele, aquela, aqueles, As únicas locuções adverbiais masculinas acentuadas
aquelas, a, as: são aquelas em que a expressão à moda de (ou à maneira
Dirigiu-se àquela sala escura. [a] [aquela...] de) fica subentendida. Veja os exemplos a seguir.

a + aquela Escrevia à Fernando Pessoa.


Nesse caso, basta verificar se a palavra à esquerda do
Pintava à Picasso.
demonstrativo pede preposição ou não (usa-se só o teste
1: dirigiu-se ao bar).
Não há acento grave nas locuções adverbiais femininas
Dirigiu-se à que estava de amarelo. iniciadas por pronome ou artigo indefinido.

a + a (= aquela) A certa altura, desistiu.


(a = aquela) [a] [a]

Se passássemos para o masculino, teríamos a prepo-


sição e o pronome bem visíveis: Dirigiu-se ao que estava
de amarelo. Uma vez descoberto o demonstrativo (permu-
tando por aquela), basta aplicar o teste 1 para que você dê
conta da regra.

III. Quando a preposição a estiver contraída com o a de


a qual (ou “as” de “as quais”):
a + a qual

A cidade à qual me referi foi completamente


inundada. [a] [a qual]
Para saber se o relativo acima receberá o acento gra-
ve, basta verificar à direita do pronome. Se houver alguma
palavra que peça a preposição a, é só colocar o acento (no
caso acima, o verbo referir-se).
V. Nas locuções prepositivas femininas:
IV. Nas locuções adverbiais femininas (tempo, lugar,
Estávamos à espera de um final feliz.
modo, meio etc.):
À beira de uma explosão de nervos, apagou.

As locuções prepositivas começam e terminam com


preposição (a...de), funcionam na frase como locuções ad-
verbiais: à cata de, à semelhança de, à razão de, à frente
de, à procura de, à porta de, à vista de, à busca de, à
espera de, à custa de etc.
A tarde À tarde,
beijava as beijava as VI. Nas locuções conjuntivas proporcionais à medida
árvores... árvores... que, à proporção que:

À medida que caminhava, os corpos apareciam.

À proporção que lia, chorava.

134 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 12 Crase


VII. Quando o substantivo está elíptico em expressões do
tipo:
Essa boneca é igual à sua.
Funerária Boa Bagdá
a vinte minutos.
a + a sua (boneca)

Basta você passar a frase para o masculino para per-


ceber a contração da preposição a com o artigo a: Esse
carro é igual ao seu.

Crase facultativa
Coveiro Abud Abdala
I. Diante de nome próprio feminino: somente amanhã, às 14h,
se vivo. Caixão: entrega
em domicílio
Meu irmão fez companhia a Maria.

Meu irmão fez companhia à Maria.

II. Diante de possessivo: Quanto à expressão “entrega em domicílio”, leia o


exemplo e os argumentos que seguem.
Demos o troféu a minha professora.
Entrega do caixãono domicílio de Kadafi.
Demos o troféu à minha professora. A ideia de lugar ligada ao verboentregar ou ao subs-
tantivo entrega é mais bem contemplada com a preposição
III. Com a locução até a: em. A preposição a ligada ao verboentregar ou ao subs-
tantivo entrega costuma indicar o destinatário da entrega
Foi até a padaria. e não o lugar:
Entregar o caixão ao Kadafi.
Foi até à padaria.
Entrega do caixão ao Kadafi.

Caso particular Logo:


Quando a expressão adverbial iniciar com a preposi- Entregar o caixão ao Kadafi em (seu) domicílio.
ção “a” e remeter à ideia de falta (faltando duas horas/dois
Não há, entretanto, consenso; o emprego de “a domicí-
quilômetros/...), não haverá acento. Se indicar hora precisa, lio” é observado no uso veicular da língua. Recomenda-se,
receberá o acento grave. Veja: todavia, a preposição em.

Atenção
— O doutor chegará daqui a 20 minutos.
A vinte quilômetros, — Há pouco, recebi a ligação.
posto de saúde. Cuidado para não confundir a grafia da preposição com a do verbo
(haver).
Lembre-se de que para indicação de tempo futuro (a transcorrer), usa-se
a preposição (a).
Para tempo transcorrido, o verbo haver equivale a faz, como no exemplo.
FRENTE 1

135
Revisando
1 “Xampu produzido em Tarauacá traz esperanças con- Texto para questões 4 e 5.
tra à calvície”
O acento grave em “à calvície” está correto? Justique.

Reduza a 100 km

2 Leia o anúncio abaixo.

Reduza a 50 km

Reduza a 10 km
O emprego do acento grave está em conformidade
com a norma? Justique.

Bem-vindo
a Reduza
3 No provérbio a seguir, há erro no emprego do acento
grave. Corrija e justifique.
4 O que significa “a 10 km”? Há falta de acento grave?
Cautela e caldo de galinha não faz mal à ninguém...
exceto à galinha!

136 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 12 Crase


5 Em “Bem-vindo a Reduza”, a falta de acento grave 8 Estava escrito na porta de um banheiro:
pressupõe que “Reduza” não aceita artigo. E se
fosse Bagdá das mil e uma noites? Haveria acento
grave?

6 Leve em consideração a seguinte placa.


Reprodução

Os acentos estão corretamente empregados?

9 Leia o texto a seguir.


Gostava de oferecer as mesmas coisas: o pêssego
oriental com calda, o morango brasileiro com mel, o
abacaxi europeu misturado à laranja australiana, à
pera argentina e a maçã inglesa.
Levando em conta que não há erro de acentuação,
reescreva o texto de modo que que mais claro.

A frase do estacionamento é ambígua. Elimine o pro-


blema com as mínimas alterações possíveis.
10 Aponte a diferença de sentido.

7 Leia o texto a seguir e, se necessário, corrija-o. Não perca tempo, tome a caipira e saia.
Não perca tempo, tome à caipira e saia.
FRENTE 1

137
Exercícios propostos
1 ITA Assinale a alternativa que preenche corretamente 7 Cesgranrio Assinale a opção que completa correta-
as lacunas. mente as lacunas a seguir.
“Quando dois dias disse ela “As transformações tem passado a sociedade
que ia Itália para concluir meus estudos, parecem condenar o homem existência num
pôs-se chorar”. mundo dominado pela máquina”.
A a–a–a–a A porque – à
 há – à – à – a  porquê – à
C a–à–a–a C por que – a
 há – a – à – a  porque – a
E há – a – a – à E por que – à

2 Assinale a alternativa que completa adequadamente 8 Acafe 2020 Assinale a frase que está de acordo com
o texto a seguir. as normas da língua escrita padrão.
“ pouco considerar em relação A Toda comunidade indígena, a cujas aspirações
quem se comporta tão mal”. e necessidades devem vincular-se as políticas
A Há – a – à públicas, possui cultura própria, que precisa ser
 Há – a – a respeitada.
C A – há – à  Toda comunidade indígena, de cujas aspirações
 À–à–a e necessidades devem vincular-se às políticas
E Há – à – à públicas, possui cultura própria, a que precisa ser
respeitada.
3 Complete os textos a seguir utilizando a, à ou há. C Toda comunidade indígena, a cujas aspirações e
a) “Daqui pouco vai começar o exame” necessidades devem vincular-se às políticas pú-
b) “Compareci cerimônia de posse” blicas, possui cultura própria, à qual precisa ser
c) “Não tendo podido ir faculdade hoje, pro- respeitada.
meto assistir todas as aulas amanhã”  Toda comunidade indígena, cujas aspirações e ne-
cessidades devem vincular-se as políticas públicas,
4 FMU Assinale a alternativa que preenche corretamen- possui cultura própria, de que precisa ser respeitada.
te as lacunas da frase.
“ anos, ecologia alerta quem se in- 9 Acafe 2020 Preencha os espaços em branco com Há,
teressar, que, vezes, ganância é um risco a, à, nessa ordem.
para a cidade”. I. dois anos não visitava, mas sua mãe
A A – a – à – há – às  Há – a – à – as – à sempre esteve espera.
 Há – a – a – às – a E A – há – à – as – a II. beira do precipício, poucos arbustos
C A – a – à – as – a decorar a paisagem.
III. quem quisesse ver, demonstrei que não
possibilidade de resolver questão.
5 Sesp Assinale a alternativa que preenche corretamen-
IV. alguma chance, custa de muito esfor-
te as lacunas.
ço, de obter vaga pretendida.
“Daqui alguns dias, Paulo chegará Grécia,
V. ao menos três maneiras de encaminhar isso
sonho acalentado muito tempo, que nalmente
quem está disposição para ajudar.
passará ser realidade”.
A há – à – a – à As frases corretas, de acordo com a ordem proposta, são:
 à – a – há – a A III - V
C há – a – a – a  II - III - IV
 a – há – à – a C I - III - IV
E a – à – há – a  I-V

6 Fasp Indique a alternativa que permite preencher 10 UEL Quanto mim, nada mais direi favor ou
corretamente os espaços vazios do texto a seguir. contra uma decisão sobre a qual já opinei muito
“Aguardava carta muito tempo e, como tempo.
não chegasse, ele referia-se, todo instante, A a – a – há
consequências desastrosas que demora  à–à–à
tenderia provocar”. C a – à – há
A a – a – a – às – a – a C a – há – a – as – a – à  à–a–à
 a – há – a – às – a – a  a – à – a – as – a – a E à – à – há

138 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 12 Crase


11 Fuvest No texto a seguir, apenas um a deve receber o 18 EsPCEx 2019 Assinale a alternativa correta, quanto ao
acento grave. Transcreva esse segmento e justifique emprego do acento grave.
a crase. A As nações juntam-se a Assembleia da ONU, para eli-
minarem progressivamente os problemas de gestão
“Dirigiu-se a ela a passos lentos e disse: estou dispos-
do serviço.
to a contar tudo a senhora; mas não tenho coragem
 A Secretaria de Saneamento e as Conferências das
de falar a Mário sobre o ocorrido”.
Cidades foram criadas com vistas à diminuir as de-
12 Mackenzie Identifique o período em que a ocorrência sigualdades de acesso a esse serviço.
da crase é permitida. C Pode-se caminhar alguns passos no sentido de ga-
A Enviei à Roma suas fotografias. rantir que a essa tarefa alinhe-se a participação social.
 Foi à Lapa para inaugurar a gráfica.  A gestão dos serviços deve ser acrescentada uma vi-
C Alô, franceses, chegamos à Paris. são de saneamento básico como direito à cidadania.
 Viajou à Londres, a fim de rever antigo amor. E O marco legal estabelece que a prestação dos ser-
E Referimo-nos à Niterói, em nossa excursão pelo viços tem como foco à garantia do cumprimento
interior. das metas.

13 Complete as lacunas com a ou à. 19 Cesgranrio Assinale a frase em que à ou às está mal-


a) “Os marinheiros voltaram _____ terra muito can- -empregado.
sados. Depois de dois dias, eles terão de voltar A Amores à vista.
_____ terra de seus pais”.  Referi-me às sem-razões do amor.
b) “Voltou _____ casa depois de ter ido _____ casa C Desobedeci às limitações sentimentais.
da princesa”.  Estava meu coração à mercê das paixões.
c) “Comiam arroz _____ grega, vestidos _____ es- E Submeteram o amor à provações difíceis.
portiva”.
d) “Dia ______ dia, ficava frente ______ frente com 20 Mackenzie Considere as seguintes frases.
o problema”.
e) “Até _____ meia-noite, estaremos esperando. I. Refiro-me àquilo e não a isto.
Após as duas horas, estaremos partindo”. II. Sairemos bem cedo, para chegar à tempo de as-
f) “Dou _____ essa moça o meu colar e dou _____ sistir a cerimônia.
aquela senhora o meu brinco”. III. Dirigiram-se à Sua Excelência e declararam que
estão dispostos à cumprir o seu dever e a não
14 ESPM Identifique o caso em que nunca pode ocorrer permitir a violação da lei.
a crase.
Quanto ao emprego da crase, assinale:
A Nas expressões adverbiais femininas.
A se todas as afirmações estão incorretas.
 Na indicação do número de horas.
 se todas estão corretas.
C Antes do verbo.
C se apenas I está correta.
 Antes do feminino.
 se apenas III está correta.
E se apenas II está correta.
15 FEI Identifique a alternativa correta quanto à ocorrên-
cia da crase.
A Estamos à espera de vaga. 21 UEL “Uma uma, todas as alunas prestarão con-
 Refiro-me à alunas ausentes. tas diretora daquilo que fizeram pouco”.
C Transmita o recado à Sua Excelência, por favor. A à; a; a  a; a; há
 Começou à transcrever, uma a uma, as regras  a; à; há E à; à; há
gramaticais. C à; à; a
E Comprou roupas caras e pagou à ela.
22 EEAR 2019 Observe os enunciados a seguir:
16 Fuvest Identifique a frase gramaticalmente correta. 1. A medida que o engenheiro informou sobre a área
A O papa caminhava à passo firme. construída não confere com a planta do imóvel.
 Dirigiu-se ao tribunal disposto à falar ao juiz. 2. A medida que o tempo passa, vamos nos tornan-
C Chegou à noite, precisamente as dez horas. do mais tolerantes.
 Esta é a casa à qual me referi ontem às pressas. 3. A medida que a noite ia surgindo, a tensão au-
E Ora aspirava a isto, ora aquilo, ora a nada. mentava.
4. A medida que consta na receita é de duzentos
17 Corrija, se necessário, o trecho a seguir.
gramas de farinha.
“Quando dormi no volante, o carro foi ao encontro de
FRENTE 1

um poste. Dois meses depois, eu vi a foto: não sobrou Considerando os termos em destaque, há crase em
nada. Fui na seguradora, e eles me disseram que foi A 1 e 2. C 2 e 3.
perda total de todo o carro”.  1 e 4.  3 e 4.

139
Texto complementar
Linguagem
Em sentido amplo, pode-se entender por linguagem qualquer processo de comunicação:
a) a mímica, usada pelos estrangeiros que não sabem a língua de um país;
b) o semáforo, sistema de sinais com que se dão avisos aos navios e aviões que se aproximam das costas ou dos aeroportos;
c) a transmissão de mensagens por meio de bandeiras ou espelhos ao sol, empregada por marujos, escoteiros etc.
Para a Linguística, porém, só apresenta interesse aquele tipo de linguagem que se exterioriza pela palavra humana, fruto de uma atividade mental
superior e criadora.
Há dois tipos de expressão linguística: a falada e a escrita.
Na comunicação escrita, os sons da fala (que, em essência, constituem a linguagem dos homens) passam a ser apenas evocados mentalmente por
meio de símbolos gráficos; a rigor, ela não se apresenta senão como um imperfeito sucedâneo da fala. Esta é que abrange a revelação do eu em
sua totalidade, pressupondo, além da significação dos vocábulos e das frases, o timbre da voz, a entoação, os elementos subsidiários do gesto e
do jogo fisionômico.
Por isso, para bem se compreender a natureza e o funcionamento da linguagem, é preciso partir da fala para se examinar em seguida a escrita, a
qual se entenderá, assim, como uma espécie de linguagem mutilada, cuja eficácia estará na dependência da maior ou menor habilidade com que
conseguirmos obviar à falta inevitável dos elementos expressivos auxiliares.

Língua e estilo
A língua é um sistema: um conjunto organizado e opositivo de relações, adotado por determinada sociedade para permitir o exercício da linguagem
entre os homens.
Fato social por excelência, é aquele acervo de sons, estruturas vocabulares e processos sintáticos que a sociedade impõe a todos os membros de
uma comunidade linguística.
Do equilíbrio de duas tendências resulta sua estabilidade pelos tempos: de um lado, a diferenciação, força natural, espontânea, desagregadora; de
outro, a unificação, força coercitiva, disciplinante, conservadora.
Ao assenhorear-se dos recursos da língua, cada indivíduo, culto ou ignorante, executa à sua maneira, de acordo com a sua feição, com o seu
temperamento: um é aparatoso, verbalista, ama a riqueza das imagens, a veemência das antíteses, a audácia dos adjetivos extravagantes; outro é
sóbrio, cheio de delicadeza e pudor, prefere o desataviado da expressão direta, a singeleza de um vocabulário comum.
A contribuição pessoal do indivíduo, manifestada na seleção, por ele feita, dos recursos que a língua subministra, é o que se chama, em sentido
lato-estilo, que Sêneca já havia definido como “o espelho da alma”.
Sem embargo de se prestar à floração de mil estilos individuais, a língua não se desfigura: seu sistema permanece uno e íntegro. É a variedade na
unidade – a preservação histórica do seu gênio, da sua índole, à qual se hão de adaptar todas as particularizações.
Rocha Lima. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

Resumindo
A crase é a contração de duas vogais idênticas. Temos esse fenômeno na y Crase facultativa:
prosa e na poesia. A fusão ocorre entre a preposição “a”, comandada pelo 1. diante de possessivo;
verbo, advérbio ou adjetivo, e o artigo “a”, que precede o substantivo. O
2. diante de nome próprio feminino.
sinal sobre o “a” recebe o nome de acento grave.
y Crase obrigatória:
y Não há crase:
1. se a palavra à esquerda pedir preposição “a” e a palavra à direita aceitar
1. diante de masculino;
artigo feminino “a”;
2. diante de verbo;
2. se a palavra à esquerda pedir preposição “a” e a palavra à direita for
3. diante de pronomes que não aceitam artigo; um pronome demonstrativo (a, as, aquele, aqueles, aquela, aquelas,
4. em expressões repetidas; aquilo);
5. diante de palavras de sentido indeterminado; 3. se houver uma palavra à direita dos relativos “a qual”, “as quais” que
6. diante de nomes de lugares que não aceitam artigo; peça preposição “a”;
7. diante da palavra “casa” com o sentido de lar; 4. nas locuções adverbiais femininas e nas locuções prepositivas femininas
(à moda de, à custa de, à beira de, à maneira de, à vista de, à procura
8. diante da palavra “terra” como antônimo de “bordo”;
de etc.). Se subentender “à moda de”, haverá acento grave diante de
9. diante da palavra”distante”quando esta estiver indeterminada; masculino;
10. diante da palavra “após”; 5. nas locuções conjuntivas adverbiais proporcionais;
11. diante dos pronomes de tratamento iniciados por Vossa/Sua 6. diante da palavra “casa”, quando esta estiver determinada;
(de cerimônia);
7. diante da palavra “terra”, quando esta estiver determinada (ou quando
12. diante de numerais (exceto em indicações de horas). for planeta).

140 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 12 Crase


Quer saber mais?

Livro
y LUFT, Celso. Decifrando a crase. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2014.

Site
y Museu da Língua Portuguesa.
Disponível em: <www.museudalinguaportuguesa.org.br>.

Exercícios complementares
1 EEAR 2019 Leia o texto abaixo e responda à questão. nessa infância de uma terra longe. É verdade que jamais
comeu angu de fundo de panela?
Salve, lindo pendão¹ da esperança,
Bem pouca coisa eu sei: mas tudo que sei lhe ensino.
Salve, símbolo augusto² da paz! Estaremos debaixo da goiabeira; eu cortarei uma forquilha
Tua nobre presença à lembrança com o canivete. Mas não consigo imaginá-la assim; talvez
A grandeza da pátria nos traz. se na praia ainda houver pitangueiras... Havia pitangueiras
(trecho do Hino à Bandeira letra de Olavo Bilac- música
de Francisco Braga)
na praia? Tenho uma ideia vaga de pitangueiras junto à
praia. Iremos catar conchas cor-de-rosa e búzios crespos,
Glossário:
ou armar o alçapão junto do brejo para pegar papa-capim.
¹ Pendão – bandeira, flâmula
Quer? Agora devem ser três horas da tarde, as galinhas lá
² Augusto – nobre
fora estão cacarejando de sono, você gosta de fruta-pão
No fragmento do texto “Tua nobre presença à lem- assada com manteiga? Eu lhe dou aipim ainda quente com
brança/ A grandeza da pátria nos traz”, ocorre crase melado. Talvez você fosse como aquela menina rica, de
A por haver um verbo, embora posposto, que recla- fora, que achou horrível nosso pobre doce de abóbora
ma a preposição “a”. e coco.
 por conta da presença da preposição “traz” que re- Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na sombra
clama a ocorrência de crase. fria do bambual; ali pescarei piaus. Há rolinhas. Ou então
ir descendo o rio numa canoa bem devagar e de repente
C para evitar a ambiguidade gerada pela inversão dos
dar um galope na correnteza, passando rente às pedras,
versos, tratando-se de uso de acento diferencial.
como se a canoa fosse um cavalo solto. Ou nadar mar
 para que o leitor reconheça o sujeito “à lembrança”,
afora até não poder mais e depois virar e ficar olhando
por meio do acento grave em seu adjunto adnomi-
as nuvens brancas. Bem pouca coisa eu sei; os outros
nal “a”. meninos riram de mim porque cortei uma iba de assa-
-peixe. Lembro-me que vi o ladrão morrer afogado com
2 Efomm 2018 os soldados de canoa dando tiros, e havia uma mulher do
outro lado do rio gritando.
Passeio à Infância
Mas como eu poderia, mulher estranha, convertê-la
Primeiro vamos lá embaixo no córrego; pegaremos em menina para subir comigo pela capoeira? Uma vez vi
dois pequenos carás dourados. E como faz calor, veja, os uma urutu junto de um tronco queimado; e me lembro
lagostins saem da toca. Quer ir de batelão, na ilha, comer de muitas meninas. Tinha uma que era para mim uma
ingás? Ou vamos ficar bestando nessa areia onde o sol adoração. Ah, paixão da infância, paixão que não amar-
dourado atravessa a água rasa? Não catemos pedrinhas ga. Assim eu queria gostar de você, mulher estranha que
redondas para atiradeira, porque é urgente subir no morro; ora venho conhecer, homem maduro. Homem maduro,
os sanhaços estão bicando os cajus maduros. É janeiro, ido e vivido; mas quando a olhei, você estava distraída,
grande mês de janeiro! meus olhos eram outra vez os encantados olhos daquele
Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro lado do menino feio do segundo ano primário que quase não tinha
morro e descer escorregando no capim até a beira coragem de olhar a menina um pouco mais alta da ponta
do açude. Com dois paus de pita, faremos uma balsa, direita do banco.
e, como o carnaval é no mês que vem, vamos apanhar Adoração de infância. Ao menos você conhece um
tabatinga para fazer formas de máscaras. Ou então vamos passarinho chamado saíra? É um passarinho miúdo: ima-
jogar bola-preta: do outro lado do jardim tem um pé gine uma saíra grande que de súbito aparecesse a um
FRENTE 1

de saboneteira. menino que só tivesse visto coleiros e curiós, ou pobres


Se quiser, vamos. Converta-se, bela mulher estranha, cambaxirras. Imagine um arco-íris visto na mais remota
numa simples menina de pernas magras e vamos passear infância, sobre os morros e o rio. O menino da roça que

141
pela primeira vez vê as algas do mar se balançando sob a Cena 2
onda clara, junto da pedra.
Mais tarde no mesmo dia, um casal residente na
Ardente da mais pura paixão de beleza é a adoração
mesma cidade obtém financiamento imobiliário e decide
da infância. Na minha adolescência você seria uma tor-
pela compra de um apartamento. São inúmeras opções de
tura. Quero levá-la para a meninice. Bem pouca coisa eu
imóveis à venda. Para a escolha adequada do local de sua
sei; uma vez na fazenda riram: ele não sabe nem passar
morada em São Paulo, o casal deverá levar em conta, além
um barbicacho! Mas o que sei lhe ensino; são pequenas
do valor do apartamento, também outros critérios: variação
coisas do mato e da água, são humildes coisas, e você
do preço dos imóveis por bairro, distância do apartamento
é tão bela e estranha! Inutilmente tento convertê-la em
menina de pernas magras, o joelho ralado, um pouco de até a escola dos filhos pequenos, tempo gasto entre o
lama seca do brejo no meio dos dedos dos pés. apartamento e o local de emprego do casal, preferência
Linda como a areia que a onda ondeou. Saíra grande! por um bairro tranquilo e existência de linha de ônibus
Na adolescência me torturaria; mas sou um homem madu- integrada ao metrô nas proximidades do imóvel – entre
ro. Ainda assim às vezes é como um bando de sanhaços outros critérios.
bicando os cajus de meu cajueiro, um cardume de peixes Essas duas cenas urbanas descrevem situações comuns
dourados avançando, saltando ao sol, na piracema; um ........ passam diariamente muitos dos cidadãos residentes
bambual com sombra fria, onde ouvi silvo de cobra, e eu em grandes cidades. As protagonistas têm em comum a
quisera tanto dormir. Tanto dormir! Preciso de um sossego angústia de tomar uma decisão complexa, escolhida dentre
de beira de rio, com remanso, com cigarras. Mas você é várias possibilidades oferecidas pelo espaço geográfico.
como se houvesse demasiadas cigarras cantando numa Além de mostrar que a geografia é vivida no cotidiano, as
pobre tarde de homem. duas cenas mostram também que, para tomar a decisão
Julho, 1945 que ........ seja mais conveniente, nossas protagonistas de-
Crônica extraída do livro “200 crônicas escolhidas”, de Rubem Braga. verão realizar, primeiramente, uma análise geoespacial da
Texto adaptado à nova ortografia. cidade. Em ambas as cenas, essa análise se desencadeia
a partir de um sistema cerebral composto de informações
A possibilidade da presença de um acento grave geográficas representadas internamente na forma de mapas
ocorre na opção: mentais que induzirão as três protagonistas a tomar suas
A Podemos cortar folhas de pita, ir para o outro lado decisões. Em cada cena podemos visualizar uma pergunta
do morro e descer escorregando no capim até a espacial. Na primeira, o trabalhador pergunta: “qual a
beira do açude. melhor rota a seguir, desde este ponto onde estou até o
 Mas eu a levarei para a beira do ribeirão, na sombra local de meu trabalho, neste horário de segunda-feira?”
fria do bambual; ali pescarei piaus. Na segunda, o questionamento seria: “qual é o lugar da
C Ou nadar mar afora até não poder mais e depois cidade que reúne todos os critérios geográficos adequados
virar e ficar olhando as nuvens brancas. à nossa moradia?”
 (...) olhos daquele menino feio do segundo ano A cena 1 é um exemplo clássico de análise de redes,
primário que quase não tinha coragem de olhar enquanto a cena 2 é um exemplo clássico de alocação
a menina um pouco mais alta da ponta direita do espacial – duas das técnicas mais importantes da análise
banco. geoespacial.
E O menino da roça que pela primeira vez vê as algas A análise geoespacial reúne um conjunto de méto-
do mar se balançando sob a onda clara, junto da dos e técnicas quantitativos dedicados à solução dessas
pedra. e de outras perguntas similares, em computador, ........
respostas dependem da organização espacial de infor-
mações geográficas em um determinado tempo. Dada a
3 UFRGS 2019
complexidade dos modelos, muitas técnicas de análise
Cena 1 geoespacial foram transformadas em linguagem com-
Em uma madrugada chuvosa, um trabalhador residen- putacional e reunidas, posteriormente, em um sistema
te em São Paulo acorda, ao amanhecer, às cinco horas, de informação geográfica. Esse fato geotecnológico
toma rapidamente o café da manhã, dirige-se até o carro, contribuiu para a popularização da análise geoespacial
acessa a rua, e, como de costume, faz o mesmo trajeto realizada em computadores, que atualmente é simplifi-
até o trabalho. Mas, em um desses inúmeros dias, ouve cada pelo termo geoprocessamento.
Adaptado de: FERREIRA, Marcos César. Iniciação à análise geoespacial:
pelo rádio que uma das avenidas de sua habitual rota
teoria, técnicas e exemplos para geoprocessamento. São Paulo:
está totalmente congestionada. A partir dessa informação e Editora UNESP, 2014. p. 33 34.
enquanto dirige, o trabalhador inicia um processo mental
analítico para escolher uma rota alternativa que o faça Assinale a alternativa que preenche corretamente as
chegar ........ empresa no horário de sempre. lacunas do texto na ordem.
Para decidir sobre essa nova rota, ele deverá consi- A a – as quais – lhe – em que as
derar: a nova distância a ser percorrida, o tempo gasto no  à – com as quais – lhes – das quais as
deslocamento, a quantidade de cruzamentos existentes em C à – que – os – cuja
cada rota, em qual das rotas encontrará chuva e em quais  a – por que – lhe – de que as
rotas passará por áreas sujeitas a alagamento. E à – pelas quais – lhes – cujas

142 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 12 Crase


4 IFPE 2019 I. A expressão “à primeira vista” (1o parágrafo), re-
cebe o acento grave por causa da regência do
Como a desigualdade pode estar impulsionando as
verbo “parecer”, que exige complemento com a
selfies sensuais
preposição “a”.
O que está por trás do fenômeno da selfie sexy? A II. Em “A obsessão online que vivemos hoje tem
obsessão online que vivemos hoje tem sido vinculada à sido vinculada à vaidade” (1o parágrafo), o uso do
vaidade e até à opressão de gênero. Mas esse poderia ser acento grave indica a contração da preposição
também um comportamento guiado pela economia “a” exigida pela locução “tem sido vinculada” e o
(1) Uma imagem vale mais que mil palavras. Da mes- artigo “a”, determinante do substantivo “vaidade”.
ma forma, parece que há mais por trás das selfies do que III. Na expressão “até à opressão de gênero” (1o pa-
pode parecer à primeira vista. A obsessão online que vi- rágrafo), o uso do acento grave é facultativo, pois
vemos hoje tem sido vinculada à vaidade e até à opressão “até” já cumpre a função de preposição.
de gênero. Mas poderia ser também um comportamento
IV. No trecho “Conquistas femininas possibilitaram às
guiado pela economia?
mulheres denunciarem tudo que as objetifica” (3o
(2) Asma Elbadawi é uma artista visual de origem in-
parágrafo), o uso do acento grave é obrigatório
glesa e sudanesa. Ela acha que o capitalismo moderno
para indicar a junção da preposição exigida pelo
impulsiona as mulheres a se fotografarem como objetos de
verbo “possibilitar” com o artigo “as”, que antece-
desejo. Recentemente, ela postou uma selfie no Instagram
com desenhos no rosto, lembrando as marcas feitas em de o substantivo “mulheres”.
pacientes antes de uma cirurgia plástica. Elbadawi, ativista V. Em “descobriu que as mulheres são mais pro-
reconhecida pelo empoderamento de jovens muçulmanas, pensas a investir” (6o parágrafo), o uso do acento
afirma que sua intenção era usar a linguagem de cartazes grave diante do substantivo “mulheres” é faculta-
publicitários, criando uma mensagem irônica. tivo, pois a conjunção “que” já cumpre a função
(3) O trabalho de Elbadawi levanta uma questão inte- de preposição.
ressante. Conquistas femininas possibilitaram às mulheres Estão CORRETAS, apenas, as proposições
denunciarem tudo que as objetifica, desde a cantada na
A I, III e V.
rua até a cultura machista do teste de fidelidade de progra-
 I, II e III.
mas de auditório. Apesar disso, a disseminação das redes
C II, III e IV.
sociais faz com que sejamos bombardeados com imagens
 II, IV e V.
sexualizadas de mulheres. Por quê?
E I, IV e V.
(4) Khandis Blake, psicóloga na Universidade de New
South Wales, em Sydney, pesquisa o que a sexualização
das mulheres pode nos dizer sobre as sociedades. Segun- 5 Unesp (Adapt.) Em seu álbum póstumo, o cantor e
do ela, as selfies são geralmente tiradas como um sinal compositor Cazuza canta com sarcasmo:
de discriminação de gênero. Ou seja, as mulheres tiram A burguesia quer ser sócia do Country
selfies porque elas sentem que precisam parecer atraentes Quer ir em Nova Iorque fazer compras
para os homens. G. Israel; Cazuza; E. Neves. “Burguesia”. In: Burguesia. Brasil: PolyGram,
(5) Mas, além disso, a última pesquisa de Blake 1989.
encontrou um aspecto econômico. O resultado é que
o fenômeno da selfie sexy é mais prevalente em países No álbum, a letra da música aparece escrita com uma
educados e desenvolvidos, afirma Blake. “São as mes- diferença: [...] quer ir a Nova York [...]
mas sociedades que passaram décadas lutando contra a Explique o porquê da diferença em relação ao empre-
objetificação sexual de mulheres e garotas - e que estão go da preposição (ir em/ir a).
fazendo com que homens poderosos expliquem seu com-
portamento em relação a mulheres”. 6 UFPR 2019 Era uma vez um lobo vegano que não engo-
(6) Para entender essa aparente contradição, a equipe lia a vovozinha, três porquinhos que se dedicavam _____
da psicóloga avaliou indicadores econômicos e de gênero especulação imobiliária e uma estilista chamada Gretel
nesses países e descobriu que as mulheres são mais propen- que trabalhava de garçonete em Berlim. Não deveria
sas a investir tempo e esforço em tirar e postar selfies sexy nos surpreender que os contos tradicionais se adaptem
em países onde a desigualdade econômica está subindo. aos tempos. Eles foram submetidos _____ alterações no
(7) Isso explicaria, segundo ela, por que os Estados processo de transmissão, oral ou escrita, ao longo dos
Unidos, Reino Unido e Cingapura - onde a desigualdade séculos para adaptá-los aos gostos de cada momento. Ve-
de renda está aumentando - estão entre os países mais vi- jamos, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho. Em 1697 –
ciados em selfies, juntamente com um conjunto de países quando a história foi colocada no papel –, Charles Per-
menos desenvolvidos mas muito desiguais - como Brasil, rault acrescentou _____ ela uma moral, com o objetivo
México e Colômbia. de alertar as meninas quanto _____ intenções perversas
UCHOA, P. #Instaperfect: como a desigualdade pode estar impulsionando dos desconhecidos.
as selfies sensuais. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/
Pouco mais de um século depois, os irmãos Grimm
FRENTE 1

geral-45416858> . Acesso em: 25 set. 2018 (adaptado).


abrandaram o enredo do conto e o coroaram com um
A propósito do uso do acento grave indicativo de cra- final feliz. Se a Chapeuzinho Vermelho do século XVII
se no texto, avalie as análises a seguir. era devorada pelo lobo, não seria de surpreender que a

143
atual repreendesse a fera por sua atitude sexista quando 7 ITA Leia o texto seguinte.
a abordasse no bosque. A força do conto, no entanto,
Antes de começar a aula – matéria e exercícios no
está no fato de que ele fala por meio de uma lingua-
quadro, como muita gente entende –, o mestre sempre
gem simbólica e nos convida a explorar a escuridão
declamava um poema e fazia vibrar sua alma de tanta
do mundo, a cartografia dos medos, tanto ancestrais empolgação e os alunos ficavam admirados. Com a suti-
como íntimos. Por isso ele desafia todos nós, incluindo leza de um sábio foi nos ensinando a linguagem poética
os adultos. [...] mesclada ao ritmo, à melodia e a própria sensibilidade
A poetisa Wislawa Szymborska falou sobre um amigo artística. Um verdadeiro deleite para o espírito, uma sen-
escritor que propôs a algumas editoras uma peça infantil sação de paz, harmonia.
protagonizada por uma bruxa. As editoras rejeitaram a T. Osório. “Meu querido professor”. Valeparaibano, 15 out. 1999.
ideia. Motivo? É proibido assustar as crianças. A ganha-
a) Qual a interpretação que pode ser dada à ausên-
dora do prêmio Nobel, admiradora de Andersen – cuja
cia da crase no trecho “a própria sensibilidade
coragem se destacava por ter criado finais tristes –, res-
artística”?
salta a importância de se assustar, porque as crianças
b) Qual seria a interpretação caso houvesse a crase?
sentem uma necessidade natural de viver grandes emo-
ções: “A figura que aparece [em seus contos] com mais
frequência é a morte, um personagem implacável que
8 IFSul 2018 Em qual trecho a substituição proposta gera
erro no que diz respeito ao emprego do acento grave?
penetra no âmago da felicidade e arranca o melhor, o
A Passei dois anos escrevendo o livro que acabo de
mais amado. Andersen tratava as crianças com seriedade.
terminar. / Passei dois anos escrevendo a história
Não lhes falava apenas da alegre aventura que é a vida,
que acabo de terminar.
mas também dos infortúnios, das tristezas e de suas nem
 ...sou capaz de escrever no meio daqueles idio-
sempre merecidas calamidades”. C. S. Lewis dizia que
tas que xingam as secretárias pelo celular... / Sou
fazer as crianças acreditar que vivem em um mundo sem
capaz de escrever no meio daqueles idiotas que
violência, morte ou covardia só daria asas ao escapismo,
humilham as secretárias pelo celular.
no sentido negativo da palavra.
C ...escrevi uma coluna como esta sentado na primei-
Depois de passar dois anos mergulhado em relatos
ra fila, ao lado de um bebê com dor de ouvido... /
compilados durante dois séculos, Italo Calvino selecio-
Escrevi uma coluna como esta sentado na primeira
nou e editou os 200 melhores contos da tradição popular
fila, a esquerda de um bebê com dor de ouvido.
italiana. Após essa investigação literária, sentenciou: “Le
 Foi tão grande o prazer de contar aquelas his-
fiabe sono vere [os contos de fadas são verdadeiros]”.
tórias... / Foi tão grande o prazer de referir-me
O autor de O Barão nas Árvores tinha confirmado sua
àquelas histórias.
intuição de que os contos, em sua “infinita variedade
e infinita repetição”, não só encapsulam os mitos du-
9 UFF A prática da gramática não deve estar desvincu-
radouros de uma cultura, como também “contêm uma
lada da percepção das diferenças na produção de
explicação geral do mundo, onde cabe todo o mal e
sentido, encaminhadas pela língua no processo
todo o bem, e onde sempre se encontra o caminho para
de comunicação.
romper os mais terríveis feitiços”. Com sua extrema con-
Explique as diferentes regências do verbo “combater”
cisão, os contos de fadas nos falam do medo, da pobreza,
e as decorrentes produções de sentido.
da desigualdade, da inveja, da crueldade, da avareza...
“Combateremos a sombra. Com crase e sem crase.”
Por isso são verdadeiros. Os animais falantes e as fadas
madrinhas não procuram confortar as crianças, e sim do-
tá-las de ferramentas para viver, em vez de incutir rígidos
10 CPS 2018
patrões de conduta, e estimular seu raciocínio moral. Se
eliminarmos as partes escuras e incômodas, os contos
de fadas deixarão de ser essas surpreendentes árvores
sonoras que crescem na memória humana, como definiu
o poeta Robert Bly.
(Marta Rebón. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/18/
eps/1537265048_460929.html.) QUINO (Joaquin Salvador Lavado). Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes,
2008. P. 256.
Assinale a alternativa que preenche corretamente as A interpretação do humor da tirinha se dá, em partes,
lacunas do primeiro parágrafo, na ordem em que apa- pelo entendimento do funcionamento da crase utiliza-
recem no texto: da no segundo quadrinho. Assinale a alternativa em
A a – a – à – às. que há a explicação correta para esse caso especíco
 à – à – a – as. do uso da crase.
C à – a – a – às. A O verbo “chegar” estabelece, no segundo qua-
 a – à – à – as. drinho, regência com a preposição “a”, a qual se
E à – à – à – as. aglutina com o artigo que sucede o verbo.

144 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 12 Crase


b O uso da crase é opcional, pois a regência nomi- 12 EEAR 2017 Marque a opção correta em relação às
nal do substantivo “primavera” determina o uso do ocorrências de crase.
artigo “a”. a Exige-se a assistência às palestras.
c Sempre que o verbo “chegar” estiver conjugado na b Obra antiga cede lugar à condomínio.
primeira pessoa do singular haverá a crase. c Não dê atenção à pessoas suspeitas no local.
d O uso da crase é facultativo, uma vez que sucede d A fome abre caminho à fomentar doenças graves
uma locução prepositiva. no organismo.
e Antes de pronomes possessivos femininos o uso
da crase é obrigatório. 13 FCL Observe a coletânea de textos, extraídos do jor-
nal Metrô News, edição de 26 set. 2005, e o que se
11 UFRGS 2018 afirma sobre cada um deles.

– Temos sorte de viver no Brasil – dizia meu pai, de- Txto I


pois da guerra. – Na Europa mataram milhões de judeus.
Contava as experiências que os médicos nazistas fa- TERRENOS
ziam com os prisioneiros. Decepavam-lhes as cabeças,
440,00
e
rtir d
a pa
faziam-nas encolher – à maneira, li depois, dos índios Terrenos em prestações R$
Jivaros. Amputavam pernas e braços. Realizavam estranhos sem juros
transplantes: uniam a metade superior de um homem ........ Últimos lotes à venda à 15 km da Praça da Sé e a menos
de 1.000 m do shop. Aricanduva. Pequena entrada e o financiamento direto
metade inferior de uma mulher, ou aos quartos traseiros com o loteador. Plantão de vendas na Av. Oswaldo do Vale Cordeiro, 921
de um bode. Felizmente morriam essas atrozes quimeras; altura do n° 3.044 da Av. Itaquera.
HORÁRIO DE ATENDIMENTO:
expiravam como seres humanos, não eram obrigadas a De segunda a sábado das 9:00 as 18:00 • domingo das 9:00 às 13:00
viver como aberrações. (........ essa altura eu tinha os olhos Inscr. no 16° Cartório de Registro de Imóveis

cheios de lágrimas. Meu pai pensava que a descrição das


Todas as ocorrências de crase estão corretas.
maldades nazistas me deixava comovido.)
Em 1948 foi proclamado o Estado de Israel. Meu pai Txto II
abriu uma garrafa de vinho – o melhor vinho do armazém –,
brindamos ao acontecimento. E não saíamos de perto do
rádio, acompanhando ........ notícias da guerra no Oriente
Manoel Barbosa Victal
Médio. Meu pai estava entusiasmado com o novo Estado: partirá para sua aventura
em Israel, explicava, vivem judeus de todo o mundo, ju- no próximo sábado
deus brancos da Europa, judeus pretos da África, judeus
Percorrer 2.214 quilômetros
da Índia, isto sem falar nos beduínos com seus camelos:
em 80 dias, a pé, da Praça da Sé
tipos muito esquisitos, Guedali.
da Capital à Praça da Sé de
Tipos esquisitos – aquilo me dava ideias. Salvador (BA), cruzando quatro
Por que não ir para Israel? Num país de gente tão estados e dezenas de cidades de
estranha – e, ainda por cima, em guerra – eu certamente São Paulo, Rio de Janeiro,
não chamaria a atenção. Ainda menos como combatente, Espírito Santo e Bahia. Esse é o
entre a poeira e a fumaça dos incêndios. Eu me via corren- desafio que o atleta da terceira
do pelas ruelas de uma aldeia, empunhando um revólver idade Manoel Barbosa Victal,
trinta e oito, atirando sem cessar; eu me via caindo, varado de 68 anos, está se propondo.
de balas. Aquela, sim, era a morte que eu almejava, morte Com a façanha, ele pretende
heroica, esplêndida justificativa para uma vida miserável, quebrar o recorde mundial de
de monstro encurralado. E, caso não morresse, poderia trekking solitário, atualmente do
viver depois num kibutz. Eu, que conhecia tão bem a vida inglês Ranulph Fiennes, com a
numa fazenda, teria muito a fazer ali. Trabalhador dedi- marca de 2.170 quilômetros em
cado, os membros do kibutz terminariam por me aceitar; 94 dias de caminhada.
numa nova sociedade há lugar para todos, mesmo os de
patas de cavalo. No texto, não foi empregada corretamente a regência
Adaptado de: SCLIAR, M. O centauro no jardim. 9. ed. Porto Alegre:
do verbo propor.
L&PM, 2001.
Txto III
Assinale a alternativa que preenche corretamente as
lacunas do texto, na ordem. Fernando Aguiar Camargo, estudante do primeiro ano
a à – À – às do curso de secretariado, afirma que o preconceito quanto
à existência de homens na área existe tanto por parte dos
b a – A – às
FRENTE 1

homens quanto vindo de algumas mulheres. (Adapt.).


c à – A – às
d a – À – as O texto transgride o princípio do paralelismo de
e à – A – as construção.

145
Texto IV

COSTUREIRAS
Para vestidos de noiva e de festa, na empresa
ou em domicílio. Ótima remuneração.

Tratar com Márcia


horário comercial

Corrigindo-se a expressão em domicílio, tem-se: à domicílio.


Está correto o que se arma em:
a I, II, III e IV. d II e III, apenas.
b II, III e IV, apenas.  III e IV, apenas.
c I, II e III, apenas.

14 EEAR 2017 Assinale a alternativa em que o emprego do acento grave, indicador de crase, está correto.
a Peça desculpas à seu mestre.
b Atribuiu o insucesso à má sorte.
c Quando a festa acabou, voltamos à casa felizes.
d Daqui à quatro meses muita coisa terá mudado.

146 LÍNGUa PORTUGUSa Capítulo 12 Crase


COMMONS.WIKIMEDIA.ORG
José Ferraz de Almeida Júnior, Leitura, 1892, óleo sobre tela, 95 × 141 cm,
Pinacoteca do Estado, São Paulo, Brasil.
FRENTE 2

CAPÍTULO Romantismo: prosa

6
O Romantismo foi um período muito importante para a literatura brasileira, pois,
além de ter sido um momento determinante para o processo de formação de nossa
identidade cultural, mostrou-se muito fecundo, já que lançou vários escritores para a
carreira literária, entre eles José de Alencar, o maior romancista do período. Durante
esse movimento, começou a surgir um verdadeiro público leitor e, com ele, novos mo-
delos de representação e expectativas de textos.
Os romances de costumes e de folhetim nos contam muito sobre o modo de vida
daquela época, sem os quais não teríamos importantes registros de tal período histó-
rico do nosso país.
Os diferentes alencares e o retrato Histórica
do país Tal fase representa a valorização do solo nativo e o
período de invasão da terra americana pelo europeu.
José de Alencar (1829-1877) é um dos principais nomes
do Romantismo brasileiro. Ao conchego desta pujante criação, a têmpera se apura,
Formado em Direito, passou a se dedicar à carreira toma alas a fantasia, a linguagem se impregna de módulos mais
de advogado; a partir de 1854, trabalhou como cronista suaves; formam-se outros costumes, e uma existência nova,
no Correio Mercantil e como redator no Diário do Rio de pautada por diverso clima, vai surgindo.
Janeiro, atuando, também, na política como deputado, na É a gestação lenta do povo americano, que devia sair da
década de 1860. estirpe lusa, para continuar no novo mundo as gloriosas tra-
dições de seu progenitor. Esse período colonial terminou com
Em seu trabalho como escritor, empenhou-se em cons-
a independência.
truir a nossa própria identidade nacional. Suas obras são
A ele pertencem O guarani e As minas de prata. Há aí
lidas e analisadas até hoje por importantes críticos literários,
muita e boa messe a colher para o nosso romance histórico;
pois não houve autor mais notável que ele para a dissemi-
mas não exótico e raquítico como se propôs a ensiná-lo, a
nação do romance no Brasil no século XIX. nós beócios [...].
Sua produção literária abrange muitas etapas do país e ALENCAR, José de. Sonhos d’Ouro. In: Obras completas de
está voltada para um projeto de construção da cultura brasi- José de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012.
leira. Como ele mesmo explica no prefácio “Benção paterna”,

Carlo Ferrario/Museu Imperial (Domínio público)


do livro Sonhos d’Ouro – um de seus últimos trabalhos –, sua
ficção pode ser dividida em três fases, como descrito a seguir.

Primitiva
Essa fase está relacionada às tradições, às lendas e aos
mitos indígenas. Fazem parte dessa fase as obras Iracema
e Ubirajara.
A primitiva, que se pode chamar aborígene, são as lendas e
mitos da terra selvagem e conquistada; são as tradições que em-
balaram a infância do povo, e ele escutava como o filho a quem a
mãe acalenta no berço com as canções da pátria, que abandonou.
Iracema pertence a essa literatura primitiva, cheia de san-
tidade e enlevo, para aqueles que veneram na terra da pátria Fig. 2 Carlo Ferrario, Campo degli Aimoré, 1870, aquarela sobre papel, Museu
a mãe fecunda — alma mater, e não enxergam nela apenas o Imperial, Rio de Janeiro, Brasil. Cenário da ópera O guarani, no Teatro Scala de
chão onde pisam. Milão: 3o ato, cena 3.
ALENCAR, José de. Sonhos d’Ouro. In: Obras completas de
José de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012.
Pós-independência política
José Maria de Medeiros/Wikimedia Commons (Domínio público)

Considerada a “infância de nossa literatura”, esta fase


procura os traços nacionais próprios.
Onde não se propaga com rapidez a luz da civilização, que
de repente cambia a cor local, encontra-se ainda em sua pureza
original, sem mescla, esse viver singelo de nossos pais, tradições,
costumes e linguagem, com um sainete todo brasileiro. Há, não
somente no país, como nas grandes cidades, até mesmo na corte,
desses recantos, que guardam intacto, ou quase, o passado.
O tronco do ipê, o Til e O gaúcho vieram dali; embora,
no primeiro sobretudo, se note já, devido à proximidade da
corte e à data mais recente, a influência da nova cidade, que
de dia em dia se modifica e se repassa do espírito forasteiro.
[...]
Notam-se aí, através do gênio brasileiro, umas vezes
Fig. 1 José Maria de Medeiros, Iracema, 1884, óleo sobre tela, Museu Nacional
embebendo-se dele, outras invadindo-o, traços de várias na-
de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brasil. cionalidades adventícias; é a inglesa, a italiana, a espanhola,
a americana, porém especialmente a portuguesa e francesa,
que todas flutuam, e a pouco e pouco vão diluindo-se para
Atenção infundir-se n’alma da pátria adotiva, e formar a nova e grande
É preciso ter cuidado com o uso do termo “primitivo”. Nesse caso, nacionalidade brasileira.
estamos reproduzindo a expressão utilizada pelo autor; porém, de-
ve-se entendê-la com o significado de primário ou primeiro, e não Beócio: ignorante, ingênuo;
de algo inferior ou menos evoluído. Sainete: graça, gosto.

148 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Desta luta entre o espírito conterrâneo e a invasão estran- Nas obras, o auge do heroísmo do indígena está na
geira, são reflexos Lucíola, Diva, A pata da gazela, e tu, livrinho, sua integração com o homem branco. Quando os dois são
que aí vais correr mundo com o rótulo de Sonhos d’Ouro. postos juntos, o indígena consegue mostrar seu melhor.
ALENCAR, José de. Sonhos d’Ouro. Rio de Janeiro: Além disso, este tem seu valor reconhecido ao ser bati-
B. L. Garnier, 1872. p. 14-5.
zado na fé cristã introduzida pelos portugueses no Brasil.
Jerônimo José Telles Júnior/Wikimedia Commons (Domínio público)

Entretanto, a vida diária, a realidade da escravidão


e os desgostos políticos a que a sociedade estava sub-
metida na época não condiziam com tais seres míticos
das matas exuberantes do passado histórico resgatados
na literatura; assim, é claro que as habilidades de Peri e
Ubirajara são impossíveis para um homem comum, e o
senso de verossimilhança, necessário para que qualquer
leitor construa sua lógica, muitas vezes acaba por apontar
para um descontentamento com a leitura.
É possível, realmente, que tais criações pareçam
fantasiosas demais, maquiadas para parecerem muito
bonitas, de uma perfeição muito artificial. De fato, no ro-
mance heroico, as personagens são capazes de tudo;
porém, se é somente ali, no campo fictício do romance,
Fig. 3 Jerônimo José Telles Júnior, Paisagem, s.d., Museu do Estado de Pernam-
que elas podem tudo, então vale questionar: por que não
buco, Recife, Brasil.
satisfazer ao sonho de ver o ideal se realizar, especial-
José de Alencar foi, de fato, um escritor programático. mente em um momento que propicia o surgimento de um
A divisão da sua obra percorre diversos aspectos da vida orgulho nacional?
brasileira, tanto espaciais quanto temporais, o que demons- Assim, é preciso dar crédito especial à capacidade ro-
tra o compromisso do autor em produzir um retrato o mais mântica de suscitar o sonho de criar um passado lendário.
completo possível do nosso país.
Com o plano de fundar a Literatura brasileira, ele Atenção
acreditava que era o responsável por iniciar uma tradição
Quando o herói não é o indígena (Peri/Ubirajara), é o homem
literária no Brasil. Por isso, cada um de seus romances foi de regiões afastadas, como Estácio Correia (em As minas de
intencionalmente criado para representar uma face do prata), Manuel Canho (em O gaúcho) e Arnaldo Louredo (em
nosso país. O sertanejo). Obviamente, essas personagens são frutos da fértil
Após tantos anos, é possível dizer que José de Alen- imaginação do autor, o qual estava totalmente absorto na leitura
car realmente cumpriu o papel de fundador da Literatura de romances, em especial os franceses, e também inspirado pela
vontade de criar algo propriamente brasileiro, ainda que sob o
brasileira. Foi o escritor que publicou mais romances em reflexo dos europeus.
sua época, os quais tiveram significativa repercussão e o
tornaram a figura central do Romantismo brasileiro.
Além disso, as imagens e os símbolos que ele criou Iracema
são relevantes até hoje e continuam reverberando como
elementos essenciais de nossa identidade nacional. Este livro é pois um ensaio ou antes amostra. Verá reali-
zadas nele minhas ideias a respeito da literatura nacional; e
Heróis: o indianismo achará aí poesia inteiramente brasileira, haurida na língua dos
selvagens. A etimologia dos nomes das diversas localidades e
O primeiro ponto a ser destacado do trabalho literário
certos modos de dizer tirados da composição das palavras são
de José de Alencar é o advento do herói, consolidado na
de cunho original.
figura do indígena – uma solução exata para uma sociedade
ALENCAR, José de. “Carta ao Dr. Jaguaribe”. In: Iracema.
em transformação, cujos valores se concentravam cada vez Cotia: Ateliê Editorial, 2012. p. 19.
mais no dinheiro e no individualismo.
Anteriormente, já havia um desejo de encontrar essa O próprio José de Alencar definiu bem: Iracema não
figura, e as primeiras tentativas vieram dos poetas ár- é um mero romance, mas um ensaio, uma narrativa len-
cades e neoclássicos. Outros poetas do Romantismo, dária com os objetivos de criar uma identidade brasileira
sobretudo Gonçalves Dias, também se empenharam em e construir um passado mítico.
FRENTE 2

formar o símbolo nacional heroico; porém, nenhum es- Iracema, a virgem dos lábios de mel, é uma indígena da
critor soube emoldurar essa imagem melhor que José tribo dos Tabajara responsável por guardar o segredo da
de Alencar. jurema, uma espécie de alucinógeno que permitia o sonho
As personagens Peri e Ubirajara, criadas por ele, são de acordo com o que desejava cada guerreiro.
perfeitos indígenas: puros, leais e corajosos, apresentam-se
como seres completamente ideais, distantes tanto no tempo Haurido: extraído, colhido.
quanto no espaço.

149
Então, os jovens fogem para a tribo dos Pitiguara, mas
Zenon Barreto/© Pixatt tude Dreamstime.com

depois resolvem ir morar perto do mar, pois Iracema se


sentia mal por estar entre os inimigos do seu povo.
Martim parte para a guerra com Poti, deixando sua
paixão grávida. Iracema tem o bebê sozinha, ao qual dá
o nome de Moacir, e fica bastante debilitada. Quando o
amado retorna, ela lhe entrega o filho – Moacir, filho da
dor – e morre.
A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro
filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do
rio. Depois suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos então o
envolviam de tristeza e amor.
— Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento.
Fig. 4 Zenon Barreto, Iracema guardiã. Estátua feita de fibra de vidro, localizada A ará, pousada no olho do coqueiro, repetiu Moacir; e
na Praia de Iracema, em Fortaleza, Ceará. desde então a ave amiga em seu canto unia ao nome da mãe,
o nome do filho.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos O inocente dormia; Iracema suspirava:
mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe — A jati fabrica o mel no tronco cheiroso do sassafrás; toda
de palmeira. a lua das flores voa de ramo em ramo, colhendo o suco para
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a bau- encher os favos; mas ela não prova sua doçura, porque a irara
nilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. devora em uma noite toda a colmeia. Tua mãe também, filho
Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem cor- de minha angústia, não beberá em teus lábios o mel do sorriso.
ria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira ALENCAR, José de. Iracema. Cotia: Ateliê Editorial, 2012. p. 235.
tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçan-

© Lukas Blazek Dreamstime.com


do, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as
primeiras águas.
ALENCAR, José de. Iracema. Cotia: Ateliê Editorial, 2012. p. 99.

A indígena Iracema encontra Martim Soares Moreno,


o qual se perdera dos Pitiguara (tribo rival), e o leva para
a sua tribo. O jovem português se interessa por Iracema,
mas eles não podem se relacionar, já que ela é compro-
metida em guardar o segredo da jurema, devendo, para
isso, manter-se virgem por toda a vida. Depois de conflitos
e desventuras, os jovens acabam ficando juntos, e Iracema
se vê impossibilitada de voltar para a sua tribo, pois, se o Fig. 5 A jandaia (ou ará) é a ave-símbolo do Ceará. É citada no livro Iracema,
de José de Alencar: “Verdes mares bravios da minha terra natal, onde canta a
fizesse, morreria. jandaia nas frondes da carnaúba”.
Ela pôs os olhos cheios no cristão:
— Iracema não pode mais separar-se do estrangeiro. No local onde Iracema foi enterrada, cresceu um coquei-
— Assim é preciso, filha de Araquém. Torna à cabana de ro, no qual a jandaia vinha cantar; por isso, a terra passou a
teu velho pai, que te espera. se chamar Ceará, que significa “o canto da jandaia”.
— Araquém já não tem filha. Tudo é simbólico em Iracema, a começar pela lingua-
Martim tornou com um gesto rudo e severo: gem. Ainda que seja um romance narrado em terceira
— Um guerreiro da minha raça jamais deixou a cabana pessoa, pode ser considerado uma prosa de caráter poé-
do hóspede viúva de sua alegria. Araquém abraçará sua filha, tico pela alta carga de lirismo, pelas inúmeras figuras de
para não amaldiçoar o estrangeiro ingrato. linguagem e pela escolha e organização lexical.
A virgem pendeu a fronte; velando-se com as longas tran- Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos
ças negras que se espargiam pelo colo, cruzando ao grêmio raios do Sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas
os lindos braços, recolheu em seu pudor. Assim o róseo cacto, de coqueiros.
que já desabrochou em formosa flor, cerra em botão o seio Serenai verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuo-
perfumado. sa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
— Tua escrava te acompanhará, guerreiro branco; porque Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cea-
teu sangue dorme em seu seio. rense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Martim estremeceu. Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio
— Os maus espíritos da noite turbaram o espírito de Ira- nas solidões do oceano?
cema. ALENCAR, José de. Iracema. Cotia: Ateliê Editorial, 2012. p. 95.
— O guerreiro branco sonhava, quando Tupã abandonou
sua virgem, porque ela traiu o segredo da jurema. Alcíone: ave fabulosa, de canto lamentoso, considerada pelos gregos de
O cristão escondeu as faces à luz. bom augúrio, porque passava para fazer seu ninho no mar, quando calmo.
ALENCAR, José de. Iracema. Cotia: Ateliê Editorial, 2012. p. 171.

150 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Iracema e Martim representam o encontro idealizado — Chama-me Ceci, dizia às vezes ao índio sorrindo-se;
entre o indígena e o europeu, traduzindo um pensamento este doce nome me lembrará que fui má para ti; e me ensinará
vigente naquela época: a submissão que o indígena teria a ser boa.
ao branco. Martim representa a figura do branco coloni- ALENCAR, José de. O guarani. In: Obras completas de
José de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012.
zador que é também guerreiro, assim como o indígena, e
igualmente forte, se comparado a ele. Em uma caçada, Dom Diogo mata uma indígena ai-
Além de ser uma história muito bem construída e uma moré acidentalmente, e, como vingança, a família dela tenta
obra-prima do Romantismo nacional, o romance de Martim e atacar a família de Dom Antônio e matar Ceci. Desse fato,
Iracema tem como metáfora a formação do Ceará. Por meio decorrem vários conflitos, e a família fica em apuros.
do enredo, o autor elabora uma lenda de como o estado No entanto, Peri, que sempre se sacrificava por Ceci, é
teria sido criado, pois, quando Iracema morre, ela é enter- batizado por D. Antônio e, assim, autorizado por este a fugir
rada por Martim e seu amigo Poti à beira de um coqueiro. para bem longe com ela em uma canoa. Ceci e Peri veem a
Diante desse coqueiro, sempre se ouvia o lamento da ave casa sendo destruída, matando toda a família dela. Os dois
que acompanhou a indígena por toda a vida: a jandaia. seguem em frente com a canoa enfrentando uma enchente
Assim, a região ficaria conhecida como terra do canto da e somem no horizonte.
jandaia ou, simplesmente, Ceará. — Sobre aquele azul que tu vês, continuou ela, Deus mora
Outra observação a se fazer é que o nome Iracema no seu trono, rodeado dos que o adoram. Nós iremos lá, Peri!
é um anagrama de América, o que faria da personagem Tu viverás com tua irmã, sempre...!
uma representação simbólica do que teria sido (ou do que Ela embebeu os olhos nos olhos de seu amigo, e lânguida
deveria ter sido) a colonização no Brasil. reclinou a loura fronte.
O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face.
Saiba mais Fez-se no semblante da virgem um ninho de castos rubores
e límpidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúreas
Anagrama (do grego ana, que significa “voltar”, e graphein, que signi- de um beijo soltando o voo.
fica “escrever”) é uma transposição de letras de uma palavra – ou de A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia...
uma frase – para formar outra palavra ou frase. Observe os exemplos: E sumiu-se no horizonte.
Iracema – América ALENCAR, José de. O guarani. In: Obras completas de
José de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012.
Roma – amor
Alegria – regalia

O guarani
A obra conta a história do indígena Peri, cuja narra-
tiva se passa em uma única paisagem: uma propriedade
às margens do Rio Paquequer, em meio ao mato fechado.
Sob a proteção de uma muralha de rocha, D. Antônio de
Mariz construiu sua casa, grande e espaçosa, acreditan-
do estar protegido dos inimigos (brancos ou aimorés).
Na casa, viviam, além de D. Antônio e sua esposa, dona
Lauriana, os filhos Diogo e Cecília e a sobrinha Isabel
(na realidade, filha de um romance de D. Antônio com
uma indígena).
Cecília era venerada por Peri, o indígena-herói que
salvara a vida da jovem e que, desde então, encantado por
ela, fez-se voluntariamente seu escravo e passou a chamá-
-la Ceci.
— Meu pai, dizei-me o que significa Ceci nessa língua
selvagem que falais.
— Ceci?... disse o fidalgo procurando lembrar-se. Sim! É
um verbo que significa doer, magoar.
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A menina sentiu um remorso; reconheceu a sua ingratidão;


FRENTE 2

e lembrando-se do que devia ao selvagem e da maneira por


que o tratava, achou-se má, egoísta e cruel.
— Que doce palavra! disse ela a seu pai; parece um canto
de pássaro.
Desde este dia foi boa para Peri; pouco a pouco perdeu
o susto; começou a compreender essa alma inculta; viu nele
um escravo, depois um amigo fiel e dedicado. Fig. 6 Arco e flecha usados pelos indígenas para caça, principalmente.

151
Peri foi uma tentativa de poetizar a figura do indígena

© Tupungato Dreamstime.com
sem a visão grosseira que se tinha dele, retratando-o como
um selvagem com características morais e comportamentos
dignos de um cavaleiro medieval da Idade Média europeia,
de acordo com o mito do bom selvagem de Rousseau.
Tal figura do herói romântico idealizado, justo, fiel e
corajoso, é um resgate do cavaleiro medieval das novelas
de cavalaria do Trovadorismo. Porém, como o Brasil não
traz um passado medieval, encontramos no indígena as
qualidades do homem puro, ainda não corrompido pela
sociedade. Assim, Peri é o retrato idealizado de um povo,
simbolizando um país que buscava inventar a si próprio,
afirmando, desse modo, suas origens e, ao mesmo tempo,
incorporando a si as contribuições e influências dos con-
quistadores portugueses.
Fig. 7 Mata Atlântica, Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro.
José de Alencar alimentaria, dessa forma, a ideia de que
a verdadeira identidade nacional estava na união de forças
aparentemente antagônicas e que o surgimento de um povo José de Alencar: o romance urbano
miscigenado – o brasileiro – seria o resultado do amor purifi- e o romance regionalista
cado entre a filha de um fidalgo e um indígena.
A obra de José de Alencar busca traçar um perfil da
cultura e dos costumes de sua época, bem como da His-
Saiba mais tória do Brasil. Ao fazê-lo, o autor tem a preocupação de
criar uma identidade nacional, tratando de temas india-
Jean-Jacques Rousseau, uma das figuras mais ilustres do Iluminismo
nistas e descrevendo a sociedade burguesa do Rio de
do século XVIII, desenvolveu o mito do bom selvagem, defendendo
a tese de que, quanto mais distante da civilização, mais incorruptí- Janeiro (romance urbano) e das regiões mais afastadas
vel era o ser humano. Em outras palavras, Rousseau buscava uma do Brasil (romance regionalista). Estes dois últimos perten-
natureza humana selvagem pura, sem o corrompimento trazido pela cem à fase da infância de nossa literatura, como o próprio
civilização. O bom selvagem, então, corresponderia a um ser íntegro Alencar descreveu.
e primitivo.
Atenção
O fidalgo não sabia o que mais admirar, se a força e he- Os romances urbanos e regionalistas de José Alencar eram publicados
roísmo com que ele salvara sua filha, se o milagre de agilidade em folhetins, ou seja, eram divididos em capítulos curtos e veiculados
com que se livrara a si próprio da morte. um a um no jornal. Como o livro era um objeto caro até o século XIX,
Quanto ao sentimento que ditara esse proceder, D. Antônio essas histórias tinham a função de incrementar as vendas dos jornais,
já que atraíam um público vasto e fiel, ávido por histórias. Com os
não se admirava; conhecia o caráter dos nossos selvagens, tão
folhetins em jornais, as narrativas se tornavam acessíveis a um público
injustamente caluniados pelos historiadores; sabia que fora da muito mais amplo.
guerra e da vingança eram generosos, capazes de uma ação A técnica fundamental desse tipo de publicação é terminar um ca-
grande, e de um estímulo nobre. pítulo de forma a gerar no leitor expectativa e curiosidade, fazendo
ALENCAR, José de. O guarani. In: Obras completas de com que ele anseie saber o que acontecerá a seguir. Além disso, o
José de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012. romance conta com momentos que relembram episódios anteriores
(flashbacks), para que, assim, ele possa conquistar novos leitores
O guarani não só enaltece o nacional por meio da figu- que não conheciam a história até ali.
ra do indígena, mas também apresenta longas descrições
da natureza, da cor local brasileira, em um retrato minucio-
so da fauna e da flora, inaugurando uma nova paisagem O romance urbano
tropical e abundante na Literatura brasileira. Nos romances da cidade, é a vez das personagens
A vegetação nessas paragens ostentava outrora todo o seu femininas e do tom predominantemente leve. O lado huma-
luxo e vigor; florestas virgens se estendiam ao longo das mar- no é suave, as mulheres são puras e inocentes, descritas
gens do rio, que corria no meio das arcarias de verdura e dos
desde os trajes que vestiam até os sentimentos que carre-
gavam consigo. Assim, há a expressão do sentimentalismo
capitéis formados pelos leques das palmeiras.
amoroso, o que fez com que muitas leitoras daquela época
Tudo era grande e pomposo no cenário que a natureza,
se identificassem com os perfis das mulheres apresentadas
sublime artista, tinha decorado para os dramas majesto-
nas obras.
sos dos elementos, em que o homem é apenas um simples
comparsa. Realmente, a soberania da formosura e elegância, ela a
ALENCAR, José de. O guarani. In: Obras completas de tinha conquistado. Parecia que essa menina se guardara até
José de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012. aquele instante, para de improviso e no mais fidalgo salão da

152 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


corte fazer sua brilhante metamorfose. Nessa noite ela quis Então sua família participaria não só dos gozos materiais
ostentar-se deusa; e vestiu os fulgores da beleza, que desde desse viver opulento, como do brilho e prestígio de seu nome.
então arrastaram após si a admiração geral. O trato da sociedade lhes imprimiria o cunho de distinção de
Seu trajo era um primor do gênero, pelo mimoso e delicado. que precisavam para bem se apresentarem. Casaria as duas
Trazia o vestido de alvas escumilhas, com a saia toda rofada de irmãs vantajosamente; e faria assim a felicidade de todos esses
largos folhos. Pequenos ramos de urze, com um só botão cor-de- entes queridos confiados a seu desvelo.
-rosa, apanhavam os fofos transparentes, que o menor sopro fazia ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: FTD, 2010. p. 53.
arfar. O forro de seda do corpinho, ligeiramente decotado, apenas (Grandes leituras – Clássicos da Literatura Brasileira)

debuxava entre a fina gaza os contornos nascentes do gárceo colo; De certa forma, José de Alencar expressa em sua obra
e dentre as nuvens de rendas das mangas só escapava a parte o ressentimento com o mundo dominado por interesses em
inferior do mais lindo braço. que a sociedade brasileira estava inserida, no qual o sonho
ALENCAR, José de. Diva. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/bn000018.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2017.
de viver em plena harmonia com o amor e o espírito era
barrado pela necessidade social de ascensão.
Entretanto, há romances que se destacam por uma Mesmo que, de modo geral, o mundo burguês atra-
maior sofisticação e qualidade. Os perfis de mulheres da vessasse as histórias de José de Alencar, prevaleceram
tríade Senhora, Lucíola e Diva, por exemplo, como o pró- nos seus romances as saídas românticas para que as per-
prio Alencar a denominou, correspondem a personagens sonagens se mantivessem íntegras e o amor vencesse o
femininas fortes, altivas e donas do seu destino. A sua com- dinheiro no final.
plexidade as distancia, de certa maneira, da idealização
feminina tão presente nos romances urbanos, uma vez que Saiba mais
a conduta dessas personagens foge dos padrões morais
vigentes na época. Alguns folhetins fizeram sucesso entre o público leitor ainda em for-
mação no Brasil do século XIX. Entre eles, destacou-se o romance
— Aurélia! Que significa isto? urbano, também designado “romance de salão”. Ele tinha o objetivo
— Representamos uma comédia, na qual ambos desem- de ilustrar a vida na Corte e os costumes da burguesia. Buscando
penhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos preservar a estrutura dos folhetins estrangeiros, as suas histórias
ter esse orgulho, que os melhores atores não nos excederiam. apresentavam amores idealizados vividos por heróis e heroínas, os
Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação, com quais enfrentavam obstáculos para que ficassem juntos e vivessem
que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entrete- felizes para sempre.
mos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada A leitura de folhetins fazia parte do cotidiano das famílias burguesas,
um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor, um homem como afirma o próprio José de Alencar em relato autobiográfico:
vendido. Era eu quem lia para minha boa mãe não somente as cartas e os
— Vendido! Exclamou Seixas ferido dentro d’alma. jornais, como os volumes de uma diminuta livraria romântica
— Vendido sim; não tem outro nome. Sou rica, muito rica, formada ao gosto do tempo.
sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às ALENCAR, José de. Como e porque sou romancista. Rio de Janeiro:
mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1893. p. 17.
Custou-me cem mil cruzeiros, foi barato; não se fez valer. Eu
daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.
ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: FTD, 2010. p. 98-9. O romance regionalista
(Grandes leituras – Clássicos da Literatura Brasileira)
Já nos romances regionalistas, também conhecidos
Os romances urbanos retrataram a alta sociedade como sertanistas, Alencar demonstra seu interesse por
fluminense do Segundo Reinado, com enredos que regiões mais afastadas do Brasil, distantes da influência eu-
envolviam amores e segredos. Contudo, por trás dos ropeia que predominava na Corte fluminense. Seu objetivo
cenários burgueses, é possível afirmar que existe, de é alinhar a beleza natural e exótica das terras brasileiras aos
certa forma, uma crítica à hipocrisia, à ambição e à desi- costumes da vida no campo e à cultura popular, mostrando
gualdade social. Essa crítica se encontra no enredo do a unidade do país, os seus aspectos geográficos e da vida
romance Senhora, no qual a protagonista Aurélia com- regional e o homem rural brasileiro bravo e valente.
pra o marido, o ambicioso Fernando Seixas, por cem mil Entre os romances regionalistas de Alencar, podemos
cruzeiros. O amor, no entanto, sobrepõe-se à relação destacar O sertanejo, Til e O gaúcho.
comercial a que o casamento foi reduzido.
Cerca de uma légua abaixo da confluência do Atibaia
Frequentando assiduamente e com algum brilho a socie- com o Piracicaba, e à margem deste último rio, estava situada
dade, adquirindo relações e cultivando a amizade de pessoas a fazenda das Palmas.
influentes que o acolhiam com distinção, era natural que ele Ficava no seio de uma bela floresta virgem, porventura a
FRENTE 2

Seixas fizesse uma boa carreira. Poderia de um momento para mais vasta e frondosa, das que então contava a província de São
outro arranjar um casamento vantajoso, como tinham consegui- Paulo, e foram convertidas a ferro e fogo em campos de cultu-
do muitos que não estavam em tão favoráveis condições. Não ra. Daquela que borda as margens do Piracicaba e vai morrer
era difícil também que de repente se lhe abrisse essa estrada nos campos de Ipu, ainda restam grandes matas, cortadas de
real da ambição, que se chama política. roças e cafezais. Mas dificilmente se encontram já aqueles
Uma vez rico e ilustre, montaria sua casa com um estado gigantes da selva brasileira, cujos troncos enormes deram as
correspondente à sua posição. grandes canoas, que serviram à exploração de Mato Grosso.

153
Daí partiam pelo caminho d’água as expedições que os arro- psicológicas humanas. O mesmo não acontece em
jados paulistas levavam às regiões desconhecidas do Cuiabá, O guarani, O sertanejo e Sonhos d’Ouro, em que as ca-
descortinando o deserto, e rasgando as entranhas da terra vir- racterísticas das personagens são fixas do início ao fim da
gem, para arrancar-lhe as fezes, que o mundo chama ouro e história. Essas diferenças não significam, necessariamen-
comunga como a verdadeira hóstia. te, que as primeiras obras descritas sejam melhores que
ALENCAR, José de. Til. São Paulo: Melhoramentos, 2015. as segundas. É importante apenas reconhecer, sim, que
No terreiro das Palmas arde a grande fogueira. os diferentes esquemas de composição conferem valor
É noite de São João. à amplitude das obras de Alencar, muitas e bem variadas.
Noite das sortes consoladoras, dos folguedos ao relento, A sua escrita é consciente e detém todo o controle de
dos brincados misteriosos. suas nuances, desde a condução das personagens até a
Noite das ceias opíparas, dos roletes de cana, dos milhos descrição dos espaços e a caracterização do tempo. Todas
assados e tantos outros regalos. as instâncias colaboram para a evolução de um enredo
Noite, enfim, dos mastros enramados, dos fogos de artifí-
que prende a atenção dos leitores. O guarani, por exem-
cio, dos logros e estrepolias.
plo, além de ser uma excelente invenção, apresenta uma
Outrora, na infância deste século, já caquético, tu eras
festa de amor e da gulodice, o enlevo dos namorados, dos formação de imagens e condução da história excepcionais.
comilões e dos meninos, que arremedavam uns e outros. José de Alencar retratou a vida social brasileira com
As alas da labareda voluteando pelos ares como um nastro atenção e se lançou com profundidade às incertezas
de fitas vermelhas que farfalham ao vento na riçada cabeça psicológicas de suas personagens. Assim, é necessário
de linda caipira, derramam pelo terreiro o prazer e o conten- questionar os traços de fantasia e veleidade algumas vezes
tamento. atribuídos ao escritor, de capacidade de criação extraor-
Não há para alegrar a gente, como o fogo. Nos estalidos dinária.
da labareda, nas faíscas chispando pelos ares, nas vivas ondu- Era um escritor atento à realidade de seu tempo, que
lações da chama a crepitar, há como um riso expansivo que se
procurava abordar a sociedade brasileira com a maior
comunica à nossa alma e influi nela uma trepidação brilhante.
A luz é a vida; mas a chama é o júbilo, a cintilação do
abrangência possível e retratá-la a partir de uma reflexão
espírito. crítica própria e sagaz.
Formosa perspectiva tem neste momento a fachada da casa
das Palmas, assim iluminada pela fogueira. Atenção
ALENCAR, José de. Til. Lisboa: Atlântico Press, 2013.
José de Alencar também foi dramaturgo, sendo O demônio familiar
Apenas o sertanejo conheceu o perigo em que se achava uma de suas peças de maior sucesso.
a donzela, rompeu-lhe do seio um grito selvagem, o mesmo
grito que fazia estremecer o touro nas brenhas e que dava asas
ao seu bravo campeador. Romantismo e outras prosas
No mesmo instante achava-se perto da moça, a quem

Henry Koster/Internet Archives (Domínio público)


tomara nos braços. Para salvá-la era preciso voltar antes de
fechar-se o círculo de fogo, que já o cingia por todos os lados
com exceção da estreita nesga de terra por onde acabava de
passar.
Não houve de sua parte a mínima demora; o campeador
devorou o espaço, e não se poderia dizer que chegara, pois
sem parar voltara sobre os pés. Mas o incêndio tinha as asas
do dragão; retrocedendo, achou-se o sertanejo em face de um
bulcão de chamas que o investia.
ALENCAR, José de. O sertanejo. In: Obras completas de
José de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012.

É importante ressaltar que, embora as obras sertanistas


alencarianas celebrem os encantos rurais, pouco revelam
sobre a linguagem dessas pessoas do interior, pois o texto
é todo escrito no padrão culto urbano. Fig. 8 Henry Koster, Uma senhora indo a uma visita, 1816, gravura extraída do livro
Travels in Brazil (Londres: Longman, Hurst, Rees, Orme and Brown, 1816, p. 188).

José de Alencar: o romancista múltiplo O Romantismo nasceu das necessidades de entrete-


De modo regular, a oposição bem × mal aparece nas nimento burguesas e não pode ser definido apenas como
ficções de Alencar. O mal é responsável por agitar os um movimento literário, pois se manifestou em diversas
acontecimentos narrativos, mas nem sempre essa opo- artes, como na arquitetura, na música e na pintura. Foi muito
sição aparece de forma rígida, ao ponto de denotar um importante para a Literatura brasileira, visto que, além de
maniqueísmo. despertar o sentimento nacionalista-patriótico, lançou vá-
Em romances como Til, Lucíola e Senhora, exis- rios escritores para a carreira literária por meio de versos
te uma esfera complexa que aborda as instabilidades e folhetins.

154 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Além disso, a fundação das primeiras universidades que o estilo de Macedo pendia para o coloquialismo e
brasileiras (em São Paulo e Olinda – Direito, em 1827 –, e a simplicidade.
no Rio de Janeiro – em 1920) propiciou o aparecimento O senso de observação do escritor é aguçado, porém
de um verdadeiro público leitor e de dezenas de jovens restrito àquele meio fluminense, pois, diferentemente de
ligados às artes em geral, sobretudo à literatura. Manuel Antônio de Almeida, que não se enganava com o
ridículo das convenções da época, Macedo parecia estar
Joaquim Manuel de Macedo inserido naquela sociedade e conformado com ela. Falta-
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) foi um dos va-lhe um distanciamento mínimo para observar sua classe
escritores mais populares do século XIX. Formou-se em social com algum senso crítico ou visualizar o que existia
Medicina, mas nunca seguiu a profissão, porém atuou como além dela.
jornalista, professor e, também, como deputado pelo Par- As relações da sociedade que aparecem em seus
tido Liberal. romances são sempre pautadas pelo amor, mas não
Foi o autor do primeiro romance urbano do Brasil exatamente o amor romântico, puro e verdadeiro. Os rela-
(A moreninha, de 1844), recebendo, por isso, o mérito pela cionamentos entre homens e mulheres em suas obras eram
popularização desse novo gênero no país. Seu grande complicados na medida em que representavam meios de
sucesso se deve ao fato de os leitores se identificarem obter fortuna, representados pelos dotes, pelas proprie-
com suas histórias, pois estas, em sua maioria, descrevem dades e pela qualificação. Assim, o interesse econômico
ambientes e costumes da vida urbana do Rio de Janeiro está no cerne das relações, e Macedo não questiona isso;
da época. se essa era a realidade, assim ela deveria ser retratada, de
Grande parte de suas obras é muito semelhante e forma natural e harmônica.
parece seguir uma receita de sucesso, promovida desde A simplicidade das obras desse autor contempla os
A moreninha – personagens do dia a dia, um cenário ur- âmbitos psicológico, sociológico e estético. Para Macedo,
bano, o namoro impossível e um final revelador –, escrita qualquer manifestação do mal era temporária, passageira
em linguagem simples, quase coloquial. e fácil de resolver, e, ao final, os males eram justifica-
dos e perdoados, e o bem passava a ser definitivo. Essa
E dando mil desculpas ao homem, saí do teatro, pensando simplificação acontece de forma fácil nos romances: to-
no meu amor. dos os problemas são resolvidos pela história, e não há
Confesso que deveria ter notado que a minha paixão co- uma transformação interna nas personagens, mas sim
meçava debaixo de maus auspícios, mas a minha má fortuna uma adaptação do contexto exterior convenientemente
ou, melhor, os teus maus conselhos me empurravam para dian-
à narrativa.
te com força de gigante.
Sem pensar no que fazia, subi para os camarotes e fui dar Com efeito, Augusto, sem amar D. Carolina (ele assim o
comigo no corredor da quarta ordem; passei junto do camarote pensa) já faz dela ideia absolutamente diversa da que fazia
de minhas atenções: era o no 3 (número simbólico, cabalístico ainda há poucas horas: agora, segundo ele, a interessante
e fatal! repara que em tudo segui o Romantismo). A porta estava Moreninha é, na verdade, travessa, mas a cada travessura
cerrada; fui ao fim do corredor e voltei de novo; um pensa- ajunta tanta graça, que tudo se lhe perdoa. D. Carolina é o
mento esquisito e singular acabava de me brilhar na mente, e prazer em ebulição; se é inquieta e buliçosa, está em sê-lo
abracei-me com ele. a sua maior graça: aquele rosto moreno, vivo e delicado,
Eu tinha visto junto à porta no 3 um moleque com todas as aquele corpinho, ligeiro como a abelha, perderia metade
aparências de ser belíssimo cravo da Índia. Ora, lembrava-me do que vale se não estivesse em contínua agitação. O bei-
que nesse camarote a minha querida era a única que se achava ja-flor nunca se mostra tão belo como quando se pendura
vestida de branco e, pois, eu podia muito bem mandar-lhe um na mais tênue flor e voeja nos ares; D. Carolina é como um
recado pelo qual me fizesse conhecido. E, pois, avancei para beija-flor completo.
o moleque. MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha.
São Paulo: FTD, 2010. p. 120.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha.
São Paulo: Nobel, 2008. p. 17-8.
Apesar da simplicidade na escrita de Macedo, é indis-
Esse modelo podia ser importado, mas a matéria prin- pensável destacar que ele representa um escritor bastante
cipal dos romances correspondia à vida fluminense, e significativo da história de nossa literatura, visto que nos dei-
Joaquim Manuel de Macedo se esforçava para representá- xou importantes obras que dizem muito sobre os costumes
-la de forma verossímil. Assim, os tipos sociais, as cenas e o urbanos daquele período de formação da sociedade brasileira.
modo de vida daquela sociedade eram contados de modo É importante ressaltar que a visão de Macedo represen-
bastante familiar para seus leitores, que se identificavam ta um reflexo de um pensamento da época, de um regime
FRENTE 2

com as histórias e as personagens dos livros. que não mais se sustentava; demonstra uma tentativa de
Os principais temperos das narrativas eram os senti- convencer a sociedade, tão acostumada a ter os seus “ca-
mentos e as aventuras, os quais transportavam os leitores tivos”, de que a melhor saída era a emancipação.
para o plano do sonho e os levavam ao riso e ao choro.
Além disso, tratava-se de narrativas desenvolvidas de ma- Auspício: proteção, recomendação;
neira menos formal e grandiloquente que as de outros Voejar: bater as asas energicamente.
românticos, como José de Alencar e Gonçalves Dias, já

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consciente – diferente da de José de Alencar, que percorre
Augustus Earle, Edward Francis Finden/Library of Congress
(Domínio público)

o interior em suas obras literárias de forma exaltada e emo-


tiva. Além disso, Taunay era um homem culto, da cidade,
dotado de sensibilidade e refinamento estético. Assim, seus
romances se aproximam mais da função de documento,
marcando até mesmo um conhecimento reflexivo sobre
as questões econômicas e sociais que se concretizavam
como problemáticas no interior do país
Tudo que Taunay via em suas expedições era repro-
duzido em suas obras, muitas vezes com total fidelidade.
Assim, a fabulação e o estilo sofisticado do autor se inspi-
ravam nos modelos reais do interior do Brasil.
Fig. 9 Desenho de Augustus Earle, gravura de Edward Francis Finden, Mercado Ao homem do sertão afiguram-se-lhe tais momentos in-
escravo no Rio de Janeiro, c. 1824, extraído do Journal of a Voyage to Brazil comparáveis, acima de tudo quanto possa idear a imaginação
(Londres: Longman, Hurst, Rees, Orme, Brown, and Green and J. Murray, p. 23).
no mais vasto círculo de ambições.
Satisfeita a sede que lhe secara os lábios, e comidas umas
Visconde de Taunay colheres de farinha de mandioca ou de milho, adoçada com
Visconde de Taunay (1843-1899), além de engenheiro, rapadura, estira-se a fio comprido sobre os arreios desdobrados
militar e pintor, foi um dos principais escritores representan- e contempla descuidoso o firmamento azul, as nuvens que se
tes do regionalismo romântico, com Bernardo Guimarães espacejam nos ares, a folhagem lustrosa e os troncos brancos
e Franklin Távora. das pindaíbas, a copa dos ipês e as palmas dos buritis a ciciar,
Seu principal romance, de 1872, é Inocência, o qual a modo de harpas eólias, músicas sem conto com o perpassar
conta a história de uma jovem de 18 anos, moradora de da brisa.
uma fazenda no interior do atual Mato Grosso do Sul, que Como são belas aquelas palmeiras!
O estípite liso, pardacento, sem manchas mais que
vive um amor proibido escondido do pai rígido e violento.
pontuadas estrias, sustenta denso feixe de pecíolos longos e
A simplicidade e o refinamento da escrita de Inocência, um
canulados, em que assentam flabelas abertas como um leque,
romance de folhetim, foram reconhecidos pelo público de
cujas pontas se acurvam flexíveis e tremulantes.
sua época, tornando-o um grande sucesso, traduzido para
Na base em torno da coma, pendem, amparados por largas
diversas línguas.
spathas, densos cachos de cocos tão duros, que a casca luzidia,
Tímida voz murmurou uma resposta, ao passo que o jo- revestida de escamas romboidais e de um amarelo alaranjado,
vem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo junto desafia por algum tempo o férreo bico das araras.
à cama e tomava o pulso à doente. TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: FTD, 2011. p. 24.
Caía então luz de chapa sobre ela, iluminando-lhe o rosto,
Além de Inocência, que talvez seja sua maior obra, des-
parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço vermelho atado
por trás da nuca.
tacam-se o romance A retirada da Laguna (1871) e o conto
Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Ino- “Ierecê a Guaná” (1874); nestes, os principais temas que dão
cência de beleza deslumbrante. força à narrativa são a experiência da viagem, o sertão, a
Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora in- guerra e, sobretudo, o amor às indígenas e sertanejas. Há,
genuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, também, muitos livros do autor que seguem a linha dos
parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras, romances de costumes – ao modo de José de Alencar e
e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces. Joaquim Manuel de Macedo –, como Um manuscrito de
Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena, mulher (1873) e Ouro sobre azul (1878). Nessas histórias,
e o queixo admiravelmente torneado. predominam a vida urbana e a sociedade burguesa.
Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob o lençol, des- O escritor já foi situado por alguns críticos na transição
cera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando a nu do Romantismo para o Realismo. De fato, seu estilo é mais
um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava um ou outro sóbrio e elegante, existe um cuidado com o modo de trans-
sinal de nascença. figurar a realidade e uma ponderação acerca da matéria
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: FTD, 2011. p. 64-5.
narrada e da realidade social. Porém, ainda é predominante
Desde cedo, as exuberantes belezas naturais do Brasil o senso de apreensão do mundo que o classifica como
chamavam a atenção de Visconde de Taunay e eram objeto escritor romântico.
de seu registro pessoal. Ele mantinha uma relação interes-
sante com o interior brasileiro: era um viajante do sertão e Escabelo: pequeno banco; ciciar: produzir ruído fraco e contínuo;
se embrenhava em missões práticas na densidão do país. sibilar levemente; eólio: mesmo que eólico, ou seja, que se rela-
Ao participar dessas expedições e se relacionar com a natu- ciona ao vento; estípite: mesmo que estipe, caule; pardacento: que
reza, passou a exercer mais que a função de observador ou tem cor semelhante ao pardo; flabela: flor da palmeira; coma: copa
contemplador. Seus conhecimentos se aprofundaram nas da árvore; spathas: palavra latina aportuguesada para “espatas”,
matas, e ele viveu tais experiências pessoais entranhado que quer dizer ramo da palmeira; romboidal: que tem forma de um
no sertão. Por isso, sua descrição regionalista é sóbria e romboide (losango, paralelogramo).

156 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Bernardo Guimarães capitães de navios, mestres de rezas etc. Esse afastamen-
Bernardo Joaquim da Silva Guimarães (1825-1884), mi- to dos traços idealizantes do Romantismo descreve uma
neiro da cidade de Ouro Preto, foi advogado, jornalista e, das características que permitem classificar Memórias de
também, crítico literário e professor. Publicou o primeiro um sargento de milícias como um romance extemporâneo.
romance regionalista brasileiro, O ermitão de Muquém, em Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo
1868, e, como escritor romântico, seguiu a receita folheti- algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negó-
nesca: heróis nobres, conflitos amorosos e final feliz. cio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção
Em 1872, publica O seminarista, no qual apresenta sua de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado,
crítica ao celibato religioso, considerado a sua melhor obra. e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas
Em 1873, leciona latim e francês na cidade de Queluz, Mi- viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa
nas Gerais. Seu romance de maior popularidade, A escrava Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia
Isaura (1875), publicado em plena campanha abolicionista, rechonchuda e bonitona. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça,
tornou-se muito apreciado pelos leitores, já na época de seu não era nesse tempo de sua mocidade mal-apessoado, e sobre-
lançamento, graças ao apelo abolicionista misturado ao sen- tudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada
timentalismo, conquistando sobretudo o público feminino. à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por
Reproduzido para a televisão, com grande sucesso e junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valen-
levado para mais de 150 países, o romance conta o amor te pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por
aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe
de Isaura, uma escrava branca, que recebe todo cuida-
também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas
do e educação de sua senhora e, consequentemente,
da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo
transforma-se na típica mocinha romântica, o que desperta
os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao
paixões e disputas amorosas. Quando sua senhora morre,
anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com
Isaura vê-se sob a posse do filho dela, Leôncio, que se
a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia
recusa a alforriar a moça e se apaixona de maneira doentia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares,
pela jovem. que pareciam sê-lo de muitos anos.
Mesmo que superficialmente, Bernardo Guimarães Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir
toca na ferida da escravidão, pois o sofrimento de Isau- certos enojos: foram os dois morar juntos: e daí a um mês
ra advém do fato de ela ser uma “propriedade” de seu manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do be-
cruel senhor, deixando, dessa forma, a mensagem de que liscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável
o regime escravocrata passa por cima de valores morais, menino de quase três palmos de comprido, gordo e verme-
desumanizando pessoas e transformando-as em merca- lho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois
dorias. Colocar uma escrava branca foi uma estratégia de que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito.
Guimarães para se aproximar e conseguir a simpatia do seu E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o
público-leitor – o que, de fato, deu certo. Porém, não po- que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é
demos deixar de destacar que o romance pouco se detém o herói desta história.
à descrição dos sofrimentos provocados pela escravidão. ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. Ateliê
Editorial, 2003. p. 67-8. (Clássicos Ateliê)
Assim, ao ler A escrava Isaura, é necessário considerar que
a temática central é o amor, e não a escravidão. A narrativa é toda caracterizada por um constante mo-
vimento, por isso não há como se entediar com a leitura. Os
Manuel Antônio de Almeida acontecimentos são constantes – há um episódio atrás do
Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) era médico e outro, os pares se unem, rompem, e tudo rapidamente se
produziu, aos 21 anos, um único livro: o romance urbano rearranja. O narrador, astutamente, prioriza os casos mais
Memórias de um sargento de milícias, publicado em folhe- divertidos, em especial aqueles que impulsionam a história.
tins e que se tornou um clássico de nossa literatura. Assim, nessa narrativa, o que mais importa são os
O sucesso do livro na atualidade não foi conquista- acontecimentos, visto que há uma sequência de situações
do na época de seu lançamento, entre 1852 e 1853, pois apresentadas de forma quase aleatória: uma coletânea de
a obra não seguia o mesmo padrão de outras narrativas cenas que demonstram determinadas condições. Nesse
produzidas em pleno Romantismo. Por mais que diferissem encadeamento, o tempo linear não age como fio con-
naturalmente uns dos outros, os romances desse período dutor; ele existe somente como fator inevitável de cada
literário seguiam um mesmo padrão e tom altivo, orientados acontecimento.
pela exaltação do sentimento. Ao contrário dessas obras, Além disso, os elementos da narrativa não se dividem
Memórias de um sargento de milícias era um romance de rigidamente conforme a dicotomia “bem × mal”, como acon-
FRENTE 2

linguagem simples e direta, que traduzia um olhar atento tecia normalmente nas histórias românticas desse período.
e desencantado, no qual predominava uma divertida frieza O autor conduz os fatos de forma a diluir essa tensa re-
e imparcialidade, tanto que suas personagens mais impor- lação maniqueísta, sempre ressaltando o fluir natural e
tavam por seus tipos sociais do que como personalidades
humanas singulares e complexas. Algibebe: vendedor de roupas de tecido barato; mascate;
No livro, são apresentadas personagens que habitam Maganão: inescrupuloso, velhaco, malandro.
o subúrbio do Rio de Janeiro, como barbeiros, parteiras,

157
bem-humorado da vida. O eixo estrutural da obra está na Saiba mais
oscilação das personagens entre os universos da “ordem” e
da “desordem”, uma vez que todas cometem atos, de certa Na tradição literária espanhola, pícaro – uma espécie de anti-he-
maneira, ilícitos com naturalidade, vivendo em um mundo rói – narra sua própria história. É uma personagem que vive de
espertezas, procurando obter lucros e vantagens em tudo; além
sem culpa. Essa banalização do erro das personagens, disso, tem sua postura definida pelo choque brutal com a realida-
principalmente do protagonista, é o que permite entender de que o leva à dissimulação, ou seja, é originalmente ingênuo e
o caráter “malandro” do livro. está sempre na condição servil. Transpondo tais aspectos para a
O protagonista Leonardo, embora seja a figura central, tradição popular brasileira, podemos dizer que Leonardinho foi o
primeiro malandro da nossa literatura – o que é evidente desde
serve mais como pretexto para continuar a história do que
seu nascimento; ele tem a história narrada em terceira pessoa e fica
para demonstrar qualquer revelação ou caracterização. longe da condição servil.
Dessa forma, Manuel Antônio de Almeida se diferen- O malandro, como o pícaro, é espécie de um gênero mais amplo
cia dos românticos, mas também não se aproxima dos de aventureiro astucioso, comum a todos os folclores. Já notamos,
realistas. Seu intuito não é promover qualquer análise com efeito, que Leonardo pratica a astúcia pela astúcia (mesmo
profunda, discutindo os diferentes planos humanos que quando ela tem por finalidade safá-lo de uma enrascada), mani-
levam às mais sinistras ações, mas sim apenas observar a festando um amor pelo jogo-em-si que o afasta do pragmatismo
vida comum de um grupo popular da sociedade e as suas dos pícaros, cuja malandragem visa quase sempre ao proveito
ou a um problema concreto, lesando frequentemente terceiros
relações em um momento específico da história. Nessa
na sua solução.
dinâmica leve, o sabor da narrativa se dá pelo tom cínico,
CANDIDO, Antonio. “Dialética da malandragem: caracterização das
irônico e divertido. Memórias de um sargento de milícias”. In: Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros, n. 8, São Paulo, USP, 1970. p. 71.
À custa de muitos trabalhos, de muitas fadigas, e so-
bretudo de muita paciência, conseguiu o compadre que
o menino frequentasse a escola durante dois anos e que O teatro romântico
aprendesse a ler muito mal e escrever ainda pior. Em todo A tomada de consciência quanto à cultura na-
este tempo não se passou um só dia em que ele não levasse cional – inclusive no que diz respeito à dinamização de
uma remessa maior ou menor de bolos; e apesar da fama que suas expressões populares, capazes de uma comunicação
gozava o seu pedagogo de muito cruel e injusto, é preciso mais viva e direta com um público maior – foi o principal
confessar que poucas vezes o fora para com ele: o menino legado do Romantismo. Ainda que em menor escala do
tinha a bossa da desenvoltura, e isto, junto com as vontades que o relativo à poesia e ao romance, o desejo romântico
que lhe fazia o padrinho, dava em resultado a mais refinada de forjar e caracterizar uma arte literária autônoma incluiu
má-criação que se pode imaginar. Achava ele um prazer o decisivo influxo para a criação do teatro brasileiro, que
suavíssimo em desobedecer a tudo quanto se lhe ordenava; até então só registrava o importante marco das peças ca-
se se queria que estivesse sério, desatava a rir como um tequéticas escritas em língua tupi por José de Anchieta.
perdido com o maior gosto do mundo; se se queria que O pioneirismo coube a Gonçalves de Magalhães, que,
estivesse quieto, parece que uma mola oculta o impelia e em 1838 – dois anos após o manifesto poético romântico
fazia com que desse uma ideia pouco mais ou menos apro- configurado pela publicação, em Paris, da revista Niterói e
ximada do moto-contínuo. Nunca uma pasta, um tinteiro, do livro Suspiros poéticos e saudades –, viu subir à cena,
uma lousa lhe durou mais de 15 dias: era tido na escola
em um teatro do Rio de Janeiro, pela companhia do im-
pelo mais refinado velhaco; vendia aos colegas tudo que
portante ator João Caetano, sua peça Antônio José ou o
podia ter algum valor, fosse seu ou alheio, contanto que lhe
Poeta e a Inquisição. Nas palavras do autor, trata-se da
caísse nas mãos: um lápis, uma pena, um registo, tudo lhe fa-
“primeira tragédia escrita por um brasileiro, e a única de
zia conta; o dinheiro que apurava empregava sempre do
assunto nacional”.
pior modo que podia.
Ainda que importantes autores românticos de ficção,
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.
São Paulo: Nobel, 2008. p. 48. como José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo,
tenham se dedicado ao teatro, foram as comédias de cos-
Assim, o autor acabou por fazer um completíssimo rela- tumes – gênero que alia o jogo cênico ágil e divertido à
to de costumes da sociedade do século XIX, descrevendo perspicácia documental sobre a vida e a sociedade bra-
os hábitos populares, principalmente dos tipos sociais do sileira – de Martins Pena que fundaram definitivamente
subúrbio carioca. O livro, escrito em 1853, enfoca o Brasil da e deram vigor ao teatro brasileiro, pela amplitude pano-
época de Dom João VI (1808-1821), satirizando de maneira râmica de sua visada sobre diversos aspectos da nossa
alegórica a situação do país no momento em que foi escrito. realidade e pelo uso inequívoco da língua falada pelo
O tom irônico insinua que os problemas sociais apresenta- povo. Em peças ainda hoje bastante amadas e encenadas,
dos de forma satírica e caricata, como os sistemas judiciário, como O noviço, O juiz de paz da roça, As desgraças de
educacional e clerical, são similares aos vivenciados no uma criança e O Judas em sábado de Aleluia, Martins
Brasil na segunda metade do século XIX. Pena revela-se um admirável observador da nossa so-
O que mais interessa ao autor de Memórias de um ciedade, retratando instituições e tipos sociais os mais
sargento de milícias são as normas e os tipos sociais, não diversos, em enredos que flagram os diversos obstáculos
importando os conflitos morais e psicológicos de cada que simpáticos pares amorosos têm de enfrentar antes
personagem. da união definitiva.

158 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Revisando
O fragmento a seguir é uma das cenas nais do 2 A construção do trecho se assemelha a um gênero tex-
romance Iracema, de José de Alencar – um dos maio- tual muito popular no Brasil. Que gênero seria esse?
res romancistas do Brasil. Pela leitura do trecho, é Quais características permitem chegar a essa conclusão?
possível fazer inferências sobre o estilo do autor e as
características de sua obra. Leia-o atentamente para
responder às questões de 1 a 3.
A triste esposa e mãe soabriu os olhos, ouvindo a voz
amada. Com esforço grande, pôde erguer o filho nos braços
e apresentá-lo ao pai, que o olhava extático em seu amor.
— Recebe o filho de teu sangue. Chegastes a tempo;
meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!
Pousando a criança nos braços paternos, a desven-
turada mãe desfaleceu como a jetica se lhe arrancam o
bulbo. O esposo viu então como a dor tinha murchado seu
belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o 3 É possível afirmar que o autor valoriza os elementos
perfume na flor caída do manacá. nacionais?
Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram
os aflitos braços de Martim. O terno esposo, em que o amor
renascera com o júbilo paterno, a cercou de carícias que
encheram sua alma de alegria, mas não a puderam tornar à
vida: o estame de sua flor se rompera.
— Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro
que tu amaste. Quando o vento do mar soprar nas folhas,
Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos.
O lábio emudeceu para sempre; o último lampejo
despediu-se dos olhos baços.
Poti amparou o irmão em sua grande dor. Martim sen-
tiu quanto um amigo verdadeiro é precioso na desventura:
é como o outeiro que abriga do vendaval o tronco forte e 4 Leia o texto a seguir e responda:
robusto do ubiratã, quando o broca o cupim.
— Peri é um selvagem, filho das florestas; nasceu
O camucim recebeu o corpo de Iracema, embebido
no deserto, no meio das cobras; elas conhecem Peri e
de resinas odoríferas; e foi enterrado ao pé do coqueiro, à o respeitam.
borda do rio. Martim quebrou um ramo de murta, a folha O índio dizia a verdade; o que acabava de fazer era a
da tristeza, e deitou-o no jazigo de sua esposa. sua vida de todos os dias no meio dos campos: não havia
A jandaia pousada no olho da palmeira repetia tris- nisto o menor perigo.
temente: Tinha-lhe bastado a luz do seu facho e o canto da
— Iracema! cauã que ele imitava perfeitamente para evitar os rép-
Desde então os guerreiros pitiguaras, que passavam teis venenosos que são devorados por essa ave. Com este
perto da cabana abandonada e ouviam ressoar a voz plan- simples expediente de que os selvagens ordinariamente
gente da ave amiga, se afastavam, com a alma cheia de se serviam quando atravessavam as matas de noite, Peri
tristeza, do coqueiro onde cantava a jandaia. descera e tivera a felicidade de encontrar presa aos ramos
E foi assim que um dia veio a chamar-se Ceará o rio de uma trepadeira a bolsa de seda, que adivinhou ser o
onde crescia o coqueiro, e os campos onde serpeja o rio. objeto dado por Álvaro.
ALENCAR, José de. Iracema. Cotia: Ateliê Editorial, 2012. p. 247-8. Soltou então um grito de prazer que Cecília tomou
por grito de dor: assim como antes tinha tomado o eco do
1 É possível afirmar que a linguagem do romance é precipício por uma voz cava e surda.
poética? Por quê? Entretanto Cecília que não podia compreender como
um homem passava assim no meio de tantos animais ve-
FRENTE 2

nenosos sem ser ofendido por eles, atribuía a salvação do


índio a um milagre, e considerava a ação simples e natural
que acabava de praticar como um heroísmo admirável. A
sua alegria por ver Peri livre de perigo, e por ter nas suas
mãos a prenda de Álvaro foi tal, que esqueceu tudo o que
se tinha passado.
ALENCAR, José de. O guarani. In: Obras completas de José
de Alencar. São Paulo: Montecristo, 2012.

159
O texto sinaliza, na descrição de Peri, aquilo que o torna passageira que brilha algumas horas para aqueles que
um herói inigualável. Descreva essa(s) características(s). pelos seus vícios e pelas suas extravagâncias excitam um
momento a curiosidade pública.
ALENCAR, José de. A viuvinha. São Paulo: FTD, 2011. p. 80.
(Grandes leituras – Clássicos da Literatura Brasileira)

A viuvinha, de José de Alencar, é um romance do


começo de sua produção literária; e Senhora, do m.
Ambos apresentam uma crítica em comum, destacada
nos trechos apresentados. Explique.

5 Leia os textos e faça o que se pede a seguir:


Texto 1
Convencida de que todos os seus inúmeros apaixona-
dos, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela
riqueza, Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a
esses indivíduos o mesmo estalão. Assim costumava ela Leia o fragmento a seguir, do romance Memórias de
indicar o merecimento de cada um dos pretendentes, dan- um sargento de milícias, para responder às questões
do-lhes certo valor monetário. Em linguagem financeira, de 6 a 8.
Aurélia cotava os seus adoradores pelo preço que razoa-
Chegaram todos depois de longo caminhar, e quando
velmente poderiam obter no mercado matrimonial.
já brilhava nos céus um desses luares magníficos que só
Uma noite, no Cassino, a Lísia Soares, que fazia-se
fazem no Rio de Janeiro, a uma casa da Rua da Vala. Na-
íntima com ela, e desejava ardentemente vê-la casada,
queles tempos uma noite de luar era muito aproveitada,
dirigiu-lhe um gracejo acerca do Alfredo Moreira, rapaz
ninguém ficava em casa; os que não saíam a passeio sen-
elegante que chegara recentemente da Europa: tavam-se em esteiras às portas, e ali passavam longas horas
— É um moço muito distinto, respondeu Aurélia sor- em descantes, em ceias, em conversas, muitos dormiam a
rindo; vale bem como noivo cem contos de réis; mas eu noite inteira ao relento.
tenho dinheiro para pagar um marido de maior preço, Como os nossos conhecidos já tinham dado um gran-
Lísia; não me contento com esse. de passeio, adotaram o expediente das esteiras à porta, e
Riam-se todos destes ditos de Aurélia, e os lançavam continuaram assim pela noite em diante a súcia em que
à conta de gracinhas de moça espirituosa; porém a maior haviam gasto o dia, pois aquilo que Leonardo vira nos
parte das senhoras, sobretudo aquelas que tinham filhas Cajueiros, e em que também tomara parte, era o final de
moças, não cansavam de criticar desses modos desenvol- uma patuscada que havia começado ao amanhecer, de
tos, impróprios de meninas bem-educadas. uma dessas romarias consagradas ao prazer, que eram
ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: FTD, 2010. p. 15.
(Grandes leituras Clássicos da Literatura Brasileira)
então tão comuns e tão estimadas.
Agora devemos dar ao leitor conhecimento da nova
Texto 2 gente, no meio da qual se acha o nosso Leonardo. Se nós
Chegando à maioridade Jorge tomou conta de seu avul- pudéssemos socorrer aqui do amigo José Manuel, sem
tado patrimônio e começou a viver essa vida dos nossos dúvida nos desfolharia ele toda a árvore genealógica des-
moços ricos, os quais pensam que gastar o dinheiro que sa família a quem o amigo do Leonardo chamava a sua
seus pais ganharam é uma profissão suficiente para que se gente: porém contentem-se os leitores com o presente sem
dispensem de abraçar qualquer outra. indagar o passado. Saibam pois que a família era com-
Temos, infelizmente, muitos exemplos dessas esterili- posta de duas irmãs, ambas viúvas, ou que pelo menos
dades a que se condenam homens que, pela sua posição diziam sê-lo, uma com três filhos e outra com três filhas;
independente, podiam aspirar a um futuro brilhante. passando qualquer das duas dos seus quarenta e tantos;
Durante três anos o moço entregou-se a esse delírio ambas gordas e excessivamente parecidas. Os três filhos da
do gozo que se apodera das almas ainda jovens; saciou-se primeira eram três formidáveis rapagões de 20 anos para
de todos os prazeres, satisfez todas as vaidades. cima, empregados todos no Trem; as três filhas da segunda
As mulheres lhe sorriram, os homens o festejaram; eram três raparigas desempenadas, orçando pela mesma
teve amantes, luxo, e até essa glória efêmera, auréola idade dos primos, e bonitas cada uma no seu gênero.

160 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Uma delas já os leitores conhecem; é Vidinha, a cantora 9 Leia os textos a seguir:
de modinhas; era solteira como uma de suas irmãs; a úl-
tima era também solteira, porém não como estas duas. O
Texto I
Ao pôr do sol perde o pampa os toques ardentes da
amigo do Leonardo que explique o que isso quer dizer, e
explicando dará também a conhecer o que era ele próprio luz meridional. As grandes sombras, que não interceptam
na família. Os mais que se achavam presentes eram pela montes nem selvas, desdobram-se lentamente pelo campo
maior parte vizinhos que se reuniam para aquelas súcias, fora. É então que assenta perfeitamente na imensa planície
que eram tradicionais na família. o nome castelhano. A savana figura realmente em vasto
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.
lençol desfraldado por sobre a terra, e velando a virgem
São Paulo: Nobel, 2008. p. 115-6. natureza americana.
Essa fisionomia crepuscular do deserto é suave nos
6 No trecho do romance de Manuel Antônio de Almeida, primeiros momentos; mas logo após ressumbra tão funda
é possível identificar traços dos costumes da época? tristeza que estringe a alma. Parece que o vasto e imenso
orbe cerra-se e vai minguando a ponto de espremer o
Dê exemplos.
coração.
ALENCAR, José de. O gaúcho: romance brasileiro.
Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1870. v. I. p. 4. (Adapt.).

Texto II
Ora, é a perspectiva dos cerrados, não desses cerrados
de arbustos raquíticos, enfezados e retorcidos de São Paulo
e Minas Gerais, mas de garbosas e elevadas árvores que,
se bem não tomem todo o corpo de que são capazes à
beira das águas correntes ou quando regadas pela linfa
dos córregos, contudo ensombram com folhuda rama o
terreno que lhes fica em derredor e mostram na casca
lisa a força da seiva que as alimenta; ora são campos a
perder de vista, cobertos de macega alta e alourada ou
de viridente e mimosa grama, toda salpicada de silvestres
7 Quais estratégias o narrador utilizou para que o leitor
flores; ora sucessões de luxuriantes capões, tão regulares
daquele tempo se identificasse com o texto e se inte-
e simétricos em sua disposição que surpreendem e em-
ressasse por ele?
belezam os olhos; ora, enfim, charnecas meio apauladas,
meio secas, onde nasce o altivo buriti e o gravatá entrança
o seu tapume espinhoso.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: FTD, 2011. p. 20.

Ambos os textos apresentam uma detalhada des-


crição de espaços da natureza brasileira. Quais
são as semelhanças e as diferenças nessas duas
descrições?

8 É possível afirmar que a literatura pode ser o retrato


de uma época? Justifique.
FRENTE 2

161
Exercícios propostos
1 Famerp 2020 Quanto à matéria, o romance brasileiro nas- d Os Timbiras é um poema épico escrito por Alencar.
ceu regionalista e de costumes; ou melhor, pendeu desde Neste, ele retoma muitos dos personagens que en-
cedo para a descrição dos tipos humanos e formas de vida contramos em Iracema.
social nas cidades e nos campos. O romance histórico E Encontramos em Iracema tanto um delineado
se enquadrou aqui nesta mesma orientação; o romance argumento histórico quanto o lirismo que vai carac-
constituiu desenvolvimento à parte, do ponto terizar a literatura indigenista.
de vista da evolução do gênero, e corresponde a certas
necessidades, poéticas e históricas, de estabelecer um pas- 4 Unicamp 2012 Os animais desempenham um papel
sado heroico e lendário para a nossa civilização, a que
simbólico no romance Iracema. Dentre eles, desta-
os desejavam, numa utopia retrospectiva, dar
cam-se o cão Japi e a jandaia (ou ará), que aparecem
tanto quanto possível traços autóctones.
nos excertos a seguir.
A figura dominante do período, , passou
por todas essas vertentes e em todas deixou boas obras. Poti voltou de perseguir o inimigo. [...]
(Antonio Candido. Formação da literatura brasileira, 1975. Adaptado.) O cão fiel o seguia de perto, lambendo ainda nos
pelos do focinho a marugem do sangue tabajara, de que
As três lacunas do texto são preenchidas por:
se fartara; o senhor o acariciava satisfeito de sua coragem
A urbano – românticos – Manuel Antônio de Almeida. e dedicação. Fora ele quem salvara Martim [...].
b indianista – românticos – José de Alencar. — Os maus espíritos da floresta podem separar outra
c urbano – naturalistas – Aluísio Azevedo. vez o guerreiro branco de seu irmão pitiguara. O cão te
d urbano – românticos – José de Alencar. seguirá daqui em diante, para que mesmo de longe Poti
E indianista – naturalistas – Aluísio Azevedo. acuda a teu chamado.
— Mas o cão é teu companheiro e amigo fiel.
2 Fuvest 2018 Leia o texto e responda ao que se pede. — Mais amigo e companheiro será de Poti, servindo
a seu irmão que a ele. Tu o chamarás Japi; e ele será o pé
Não veem teus olhos lá o formoso jacarandá, que ligeiro com que de longe corramos um para o outro. [...]
vai subindo às nuvens? A seus pés ainda está a seca raiz Tanto que os dois guerreiros tocaram as margens do rio,
da murta* frondosa, que todos os invernos se cobria de ouviram o latir do cão, que os chamava, e o grito da ará, que
rama e bagos vermelhos, para abraçar o tronco irmão. Se se lamentava.
ela não morresse, o jacarandá não teria sol para crescer A ará, pousada no jirau fronteiro, alonga para sua
tão alto. formosa senhora os verdes tristes olhos. Desde que o
José de Alencar, Iracema.
guerreiro branco pisou a terra dos tabajaras, Iracema a
* Murta: arbusto, árvore pequena. esqueceu. [...]
Iracema lembrou-se que tinha sido ingrata para a jan-
a) É possível relacionar a imagem da murta ao desti- daia esquecendo-a no tempo da felicidade; e agora ela
no de Iracema no romance? Explique. vinha para a consolar no tempo da desventura. [...]
) A frase “Se ela não morresse, o jacarandá não te- Na seguinte alvorada foi a voz da jandaia que a des-
ria sol para crescer tão alto” pode ser entendida pertou. A linda ave não deixou mais sua senhora [...].
como uma alegoria do processo de colonização A jandaia pousada no olho da palmeira repetia tris-
do Brasil? Explique. temente:
— Iracema!
3 Uespi 2012 O Romantismo brasileiro encerra determi- Desde então os guerreiros pitiguaras, que passavam
nadas características próprias. Seja porque ele nasce perto da cabana abandonada e ouviam ressoar a voz plan-
quase conjugado com a nossa Independência política e gente da ave amiga, se afastavam, com a alma cheia de
a criação do Estado-Nação, seja porque recaiu sobre os tristeza, do coqueiro onde cantava a jandaia.
E foi assim que um dia veio a chamar-se Ceará o rio
escritores pátrios a missão de construir parte da nossa
onde crescia o coqueiro, e os campos onde serpeja o rio.
identidade nacional e cultural. Ainda sobre o Roman-
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1992. p. 52 e 80.
tismo no Brasil e a obra de José de Alencar, assinale a
alternativa correta. a) Explique o papel simbólico desempenhado pelo cão.
A Iracema não só inaugurou o indianismo, como ) Explique o papel simbólico desempenhado pela
José de Alencar lhe deu continuidade ao escrever jandaia ou ará.
O Guarani e Ubirajara.
b Iracema se enquadra dentro do chamado romance 5 Ufam 2015 Leia as armativas a seguir, feitas sobre a
psicológico, que veio a ser cultivado por quase to- obra de José de Alencar, um dos principais nomes da
dos os romancistas brasileiros. cção romântica brasileira. Em seguida, assinale aquela
c A paisagem brasileira foi sempre um elemento se- que não está correta.
cundário ou quase inexistente na obra de Alencar, A Escreveu cerca de vinte romances, com os temas mais
particularmente em Iracema. variados: indianistas, urbanos, regionais e históricos.

162 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


b O romance Senhora tem traços realistas, em vir- Com base no texto, que trata do papel do escritor
tude de pôr no centro da trama um ser venal e José de Alencar e da futura digitalização de sua obra,
inferior, como Fernando Seixas. depreende-se que
c Seus livros abrangem a totalidade brasileira no A a digitalização dos textos é importante para que os
tempo, pois vão desde as origens coloniais até a leitores possam compreender seus romances.
contemporaneidade do século XIX. b o conhecido autor de O guarani e Iracema foi im-
d Os heróis pícaros que criou, em seu aparente cinis- portante porque deixou uma vasta obra literária com
mo, apenas se defendem numa sociedade injusta, temática atemporal.
repleta de vilões encasacados. c a divulgação das obras de José de Alencar, por
E Em Lucíola, obra que apresenta o drama de uma meio da digitalização, demonstra sua importância
mulher, o final não é feliz, pois a protagonista era para a história do Brasil Imperial.
uma prostituta. d a digitalização dos textos de José de Alencar terá
importante papel na preservação da memória lin-
6 Fuvest 2019 O povo que chupa o caju, a manga, o cam- guística e da identidade nacional.
bucá e a jabuticaba, pode falar uma língua com igual E o grande romancista José de Alencar é importante
pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, porque se destacou por sua temática indianista.
a pera, o damasco e a nêspera?
José de Alencar. Bênção Paterna. Prefácio a Sonhos d’ouro.
8 UEM 2013 Assinale o que for orreto sobre Iracema e
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto sobre seu autor, José de Alencar.
dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a 01 Exemplar do romance indianista, Iracema apre-
virgem pelo nome, outras remexe o uru de palha matiza- senta características marcantes desse tipo de
da, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do produção literária, tal como o destaque dado à
crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda e as natureza, ou a apresentação do indígena como
tintas de que matiza o algodão. protagonista, ainda que essa apresentação seja
José de Alencar. Iracema.
idealizada.
Glossário: “ará”: periquito; “uru”: cesto; “crautá”: espécie 02 Em Iracema, o nascimento de Moacir, filho da per-
de bromélia; “juçara”: tipo de palmeira espinhosa. sonagem-título e de Martim, representa a fusão do
Com base nos trechos acima, é adequado armar: povo brasileiro e do europeu. Todavia, o significado
A Para Alencar, a literatura brasileira deveria ser ca- do nome da criança, “filho da dor”, aponta para as
paz de representar os valores nacionais com o dificuldades inerentes a semelhante fusão.
mesmo espírito do europeu que sorve o figo, a 04 No final do romance, a adoção por parte de Martim
pera, o damasco e a nêspera. de um nome indígena, bem como seu ato de rene-
b Ao discutir, no primeiro trecho, a importação de gar sua origem europeia representam uma visão
ideias e costumes, Alencar propõe uma literatura recorrente na obra de Alencar, segundo a qual, na
baseada no abrasileiramento da língua portuguesa, fusão dos povos, o elemento autóctone assume,
como se verifica no segundo trecho. ao fim, a posição preponderante.
c O contraste entre os verbos “chupar” e “sorver”, em- 08 Em função da valorização do elemento nacional,
pregados no primeiro trecho, revela o rebaixamento Iracema constitui um exemplo de como a proposta
de linguagem buscado pelo escritor em Iracema. do indianismo brasileiro afastou-se de qualquer
d Em Iracema, a construção de uma literatura exótica, modelo europeu, uma vez que a recuperação de
tal como se verifica no segundo trecho, pautou-se um ancestral mítico e formador não encontra pa-
pela recusa de nossos elementos naturais. ralelo em literatura alguma da Europa.
E (Ambos os trechos são representativos da tendên- 16 No que concerne ao foco narrativo, o fato de Iracema
cia escapista de nosso romantismo, na medida em apresentar uma narrativa somente em primeira pes-
que valorizam os elementos naturais em detrimen- soa (toda a história é contada a partir do ponto de
to da realidade rotineira. vista da personagem Moacir, já velho) destaca a
subjetividade romântica que perpassa toda a obra
7 Enem 2012 “Ele era o inimigo do rei”, nas palavras de seu de Alencar.
biógrafo, Lira Neto. Ou, ainda, “um romancista que colecio- Soma: 
nava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou inventando o
Brasil”. Assim era José de Alencar (1829-1877), o conhecido
FRENTE 2

9 UEM 2015 Assinale o que for correto sobre Iracema,


autor de O guarani e Iracema, tido como o pai do roman-
ce no Brasil. Além de criar clássicos da literatura brasileira
sobre a obra de seu autor, José de Alencar, e sobre o
com temas nativistas, indianistas e históricos, ele foi também Romantismo brasileiro.
folhetinista, diretor de jornal, autor de peças de teatro, advo- 01 Em consonância com as propostas da primeira ge-
gado, deputado federal e até ministro da Justiça. Para ajudar ração romântica brasileira, Iracema envereda por
na descoberta das múltiplas facetas dessa personagem do uma temática nacionalista, utilizando a figura do
século XIX, parte de seu acervo inédito será digitalizada. nativo indígena como um dos elementos funda-
História Viva. n. 99, 2011. mentais para essa ideia de nação.
163
02 Iracema segue um modelo de simplicidade nar- 01 O romance a que pertence o fragmento acima
rativa presente em outros romances indianistas, apresenta a lenda da fundação do Ceará e, por
como em O Uraguai, de Santa Rita Durão, e em extensão, da nação brasileira. Isso ocorre por meio
Caramuru, de Basílio da Gama. O resultado é um da união de Iracema, a índia que dá nome à obra,
texto objetivo, destituído de lirismo. e Martim, o colonizador português.
04 O romance indianista foi apenas uma das facetas 02 O romance está repleto de referências (idealizadas
da produção de José de Alencar, que também à moda romântica) ao processo de conquista do
possui, como obras representativas, romances de Brasil pelos portugueses. Um exemplo é a cena
temática urbana, dentre os quais se encontram transcrita, em que o Pajé tabajara abre as portas
Lucíola e Senhora. de sua cabana para o colonizador, sem oferecer
08 O poeta José de Alencar produziu pelo menos uma resistência.
obra paradigmática do ultrarromantismo: a peça 04 Ao acender “o fogo da hospitalidade”, conforme o
de teatro O navio negreiro. Ficou marcado por ter trecho transcrito, Iracema, que antes já havia que-
transitado pela geração condoreira ao compor o brado – em um gesto de arrependimento e desejo
poema Canção do exílio. de selar a paz – a “flecha homicida” que disparara
16 O Romantismo brasileiro, em função de sua varie- contra o guerreiro branco, se oferece (e oferece
dade de autores e tendências, teve duração de seu povo) simbolicamente, sem resistência, à co-
mais de dois séculos, partindo das décadas finais lonização europeia.
do século XVIII e chegando ao início do século XX, 08 Moacir, o filho da dor, nascido da união entre Irace-
com autores como Graciliano Ramos e João Cabral ma e Martim e, portanto, da índia brasileira com o
de Melo Neto. colonizador branco português, simboliza o primei-
ro brasileiro. No entanto, pouco tempo após seu
Soma:  nascimento, a mãe morre, imersa na solidão e no
abandono, e Moacir é criado e educado pelo pai,
10 UEM 2018 Leia o fragmento retirado do romance Irace- de modo que a cultura tabajara acaba esquecida.
ma, de José de Alencar, e assinale o que for orreto 16 O romance é narrado em primeira pessoa, pela
sobre o fragmento, sobre a obra a que ele pertence, so- narradora protagonista. Trata-se de uma estraté-
bre seu autor e o Romantismo. gia narrativa amplamente utilizada pelos escritores
“— Ele veio, pai. românticos, de tendência indianista, com o obje-
— Veio bem. É Tupã que traz o hóspede à cabana de tivo de dar voz ao índio que, historicamente, fora
Araquém. silenciado em favor da perspectiva do colonizador
Assim dizendo, o Pajé passou o cachimbo ao estran- português.
geiro; e entraram ambos na cabana.
O mancebo sentou-se na rede principal, suspensa no Soma: 
centro da habitação.
Iracema acendeu o fogo da hospitalidade; e trouxe 11 UPF 2016 Em Senhora, de José de Alencar, pode-se
o que havia de provisões para satisfazer a fome e a sede: observar que o autor emprega, de modo recorren-
trouxe o resto da caça, a farinha-d’água, os frutos silvestres, te, ao longo da narrativa, uma linguagem
os favos de mel, o vinho de caju e ananás. [...] para sustentar certo grau de diante do
Quando o guerreiro terminou a refeição, o velho Pajé tema central do romance, o casamento por dinheiro.
apagou o cachimbo e falou: Assinale a alternativa cujas informações preenchem
— Vieste? orretamente as lacunas do enunciado.
— Vim – respondeu o desconhecido. A jurídica/hermetismo.
— Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana b jornalística/imparcialidade.
de Araquém. [...] Se queres dormir, desçam sobre ti os c metafórica/idealização.
sonhos alegres; se queres falar, teu hóspede escuta. d jornalística/sensacionalismo.
O estrangeiro disse: E metafórica/realismo.
— Sou dos guerreiros brancos, que levantaram a taba
nas margens do Jaguaribe, perto do mar, onde habitam os
12 ITA 2014 Em uma passagem do romance Lucíola, de
pitiguaras, inimigos de tua nação. Meu nome é Martim,
José de Alencar, Lúcia e Paulo vão a uma praia em Ni-
que na tua língua quer dizer filho de guerreiro; meu san-
terói, local onde ela passou a infância. Podemos armar
gue, o do grande povo que primeiro viu as terras de tua
que esta cena
pátria. [...] Há três sóis partimos para a caça; e perdido
A reforça a percepção de que, para o Romantismo, o
dos meus, vim aos campos dos tabajaras.
amor não é possível no meio urbano, mas apenas
— Foi algum mau espírito da floresta que cegou o
guerreiro branco no escuro da mata – respondeu o an-
no meio natural.
cião. b acentua a diferença entre a violência urbana e a
A cauã piou, além, na extrema do vale. Caía a noite.” paz que reina no meio natural.
ALENCAR, J. Iracema; Cinco minutos. c mostra a praia como cenário perfeito para Lúcia
São Paulo: Martin Claret, 2011. p. 36-37. contar a Paulo como foi obrigada a se prostituir.

164 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


d faz Lúcia voltar a ser criança por um momento, 15 UPF 2019 Sobre o romance Lucíola, de José de Alencar,
revelando que, apesar de se prostituir, mantém o apenas é inorreto afirmar que
caráter puro e ingênuo. A destaca-se, na narrativa, a oscilação de Lúcia entre
E é apenas um bom exemplo do gosto romântico dois polos opostos, a pureza e o vício.
pela natureza brasileira e pela cor local. b o amor de Paulo estimula em Lúcia, que fora prostituída
em sua juventude, o desejo de regenerar-se e de cul-
13 Fuvest 2013 tivar os germes de virtude que conservara no coração.
c a castidade desenvolve-se na busca gradativa da
V – O samba
simplicidade, do contato com a natureza e do afas-
À direita do terreiro, adumbra-se na escuridão um maci- tamento, por parte da heroína, em relação ao luxo
ço de construções, ao qual às vezes recortam no azul do céu e à sofisticação.
os trêmulos vislumbres das labaredas fustigadas pelo vento. d Lúcia é influenciada pelas normas vigentes, mes-
[...] mo consciente das causas sociais da prostituição,
É aí o quartel ou quadrado da fazenda, nome que tem um
assumindo-a como um erro seu e renunciando à
grande pátio cercado de senzalas, às vezes com alpendrada
paixão sensual.
corrida em volta, e um ou dois portões que o fecham como
praça d’armas. E Paulo opõe-se frontalmente às convenções sociais
Em torno da fogueira, já esbarrondada pelo chão, que ela e assume uma relação amorosa com a heroína,
cobriu de brasido e cinzas, dançam os pretos o samba com um sem preocupar-se com sua própria reputação e
frenesi que toca o delírio. 7Não se descreve, nem se imagina com seu futuro profissional.
esse desesperado saracoteio, no qual todo o corpo estremece,
pula, sacode, gira, bamboleia, como se quisesse desgrudar-se. 16 UEL 2019 Leia a seguir o fragmento retirado da obra O
Tudo salta, até os crioulinhos que esperneiam no cangote demônio familiar, de José de Alencar.
das mães, ou se enrolam nas saias das raparigas. Os mais
taludos viram cambalhotas e pincham à guisa de sapos em CENA XIII - Alfredo, Azevedo
roda do terreiro. Um desses corta jaca no espinhaço do pai, Alfredo – É raro encontrá-lo agora, Sr. Azevedo. Já não
negro fornido, que não sabendo mais como desconjuntar-se, aparece nos bailes, nos teatros.
atirou consigo ao chão e começou de rabanar como um peixe Azevedo – Estou-me habituando à existência monó-
em seco. [...] tona da família.
José de Alencar, Til. Alfredo – Monótona?
Adumbra-se: delineia-se, esboça-se. Azevedo – Sim. Um piano que toca; duas ou três
moças que falam de modas; alguns velhos que dissertam
Considerada no contexto histórico a que se refere Til, sobre a carestia dos gêneros alimentícios e a diminuição
a desenvoltura com que os escravos, no excerto, se do peso do pão; eis um verdadeiro tableau de família no
entregam à dança é representativa do fato de que Rio de Janeiro. Se fosse pintor faria um primeiro prix au
A a escravidão, no Brasil, tal como ocorreu na Améri- Conservatoire des Arts.
ca do Norte e no Caribe, foi branda. Alfredo – E havia de ser um belo quadro, estou certo;
b se permitia a eles, em ocasiões especiais e sob vi- mais belo sem dúvida do que uma cena de salão.
gilância, que festejassem a seu modo. Azevedo – Ora, meu caro, no salão tudo é vida; en-
c teve início nas fazendas de café o sincretismo das quanto que aqui, se não fosse essa menina que realmente
culturas negra e branca, que viria a caracterizar a é espirituosa, D. Carlotinha, que faríamos, senão dormir
cultura brasileira. e abrir a boca?
d o narrador entendia que o samba de terreiro era, Alfredo – É verdade; aqui dorme-se, porém sonha-se
em realidade, um ritual umbandista disfarçado. com a felicidade; no salão vive-se, mas a vida é uma bem
E foi a generalização, entre eles, do alcoolismo, que triste realidade. Em vez de um piano há uma rabeca; as
tornou antieconômica a exploração da mão de moças não falam de modas, mas falam de bailes; os ve-
obra escrava nos cafezais paulistas. lhos não dissertam sobre a carestia, mas ocupam-se com
a política. Que diz deste quadro, Sr. Azevedo, não acha
que também vale a pena de ser desenhado por um hábil
14 ITA 2019 Senhora, de José de Alencar, é uma obra re- artista, para a nossa “Academia de Belas-Artes”?
presentativa do Romantismo porque apresenta Azevedo – A nossa “Academia de Belas-Artes”? Pois
A um par romântico que, para se casar, enfrenta a ri- temos isto aqui no Rio?
validade de suas famílias. Alfredo – Ignorava?
b personagens masculinas cuja retidão de caráter é Azevedo – Uma caricatura, naturalmente... Não há
FRENTE 2

sempre inabalável. arte em nosso país.


c importantes cenários naturais, circunscritos ao am- Alfredo – A arte existe, Sr. Azevedo, o que não existe
biente urbano. é o amor dela.
d o protagonista moldado irreversivelmente pela Azevedo – Sim, faltam os artistas.
educação e pelo meio social. Alfredo – Faltam os homens que os compreendam; e
E uma protagonista virtuosa e movida sobretudo sobram aqueles que só acreditam e estimam o que vem
pelo sentimento amoroso. do estrangeiro.

165
Azevedo (Com desdém) — Já foi a Paris, Sr. Alfredo? 18 Unicamp 2013 — [...] Quando o Bugre sai da furna, é
Alfredo – Não, senhor; desejo, e ao mesmo tempo mau sinal: vem ao faro do sangue como a onça.
receio ir. Não foi debalde que lhe deram o nome que tem. E
Azevedo – Por que razão? faz garbo disso!
Alfredo – Porque tenho medo de, na volta, desprezar — Então você cuida que ele anda atrás de alguém?
o meu país, ao invés de amar nele o que há de bom e — Sou capaz de apostar. É uma coisa que toda a
procurar corrigir o que é mau. [...] gente sabe. Onde se encontra Jão Fera, ou houve morte
ALENCAR, J. O demônio familiar. 4.ed. São Paulo:
ou não tarda.
Martin Claret, 2013. p.90-92. Estremeceu Inhá com um ligeiro arrepio, e volvendo
em torno a vista inquieta, aproximou-se do companheiro
Com base na obra O demônio familiar, de José de para falar-lhe em voz submissa:
Alencar, responda aos itens a seguir. — Mas eu tenho-o encontrado tantas vezes, aqui per-
a) A cena ressalta uma temática comumente explo- to, quando vou à casa de Zana, e não apareceu nenhuma
rada por José de Alencar. Indique qual é essa desgraça.
temática e explique como a cena a aborda. — É que anda farejando, ou senão deram-lhe no rasto
e estão-lhe na cola.
) De acordo com a temática indicada no item a),
— Coitado! Se o prendem!
aponte a personagem que mais se aproxima das — Ora qual. Dançará um bocadinho na corda!
concepções defendidas por Alencar. Justifique — Você não tem pena?
sua resposta. — De um malvado, Inhá!
— Pois eu tenho!
17 Fuvest 2015 Tornando da malograda espera do tigre, al- José de Alencar, Til, em Obra completa, vol. III.
Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, p. 825.
cançou o capanga um casal de velhinhos, que seguiam
diante dele o mesmo caminho, e conversavam acerca O trecho do romance Til transcrito acima evidencia a
de seus negócios particulares. Das poucas palavras que ambivalência que caracteriza a personagem Jão Fera
apanhara, percebeu Jão Fera que destinavam eles uns ao longo de toda a narrativa.
cinquenta mil-réis, tudo quanto possuíam, à compra de a) Explicite quais são as duas faces dessa ambiva-
mantimentos, a fim de fazer um moquirão, com que pre- lência.
tendiam abrir uma boa roça. ) Exemplifique cada face dessa ambivalência com
— Mas chegará, homem? perguntou a velha. um episódio do romance.
— Há de se espichar bem, mulher!
Uma voz os interrompeu: 19 ITA 2015 No romance Senhora, José de Alencar mostra
— Por este preço dou eu conta da roça! que
— Ah! É nhô Jão! A o dinheiro e a ambição impedem a realização do
Conheciam os velhinhos o capanga, a quem tinham por amor entre Aurélia e Seixas.
homem de palavra, e de fazer o que prometia. Aceitaram b Aurélia, moça de origem pobre, conquistou o amor
sem mais hesitação; e foram mostrar o lugar que estava de Seixas só porque enriqueceu.
destinado para o roçado. c o amor de Aurélia teve força suficiente para rege-
Acompanhou-os Jão Fera; porém, mal seus olhos des- nerar o caráter de Seixas.
cobriram entre os utensílios a enxada, a qual ele esquecera d Seixas se regenerou moralmente por si mesmo, in-
um momento no afã de ganhar a soma precisa, que sem dependentemente de Aurélia.
mais deu costas ao par de velhinhos e foi-se deixando-os E o meio social corrompeu de uma vez por todas o
embasbacados. caráter de Seixas.
José de Alencar, Til.

Moquirão: mutirão (mobilização coletiva para auxílio mútuo, 20 ITA 2017 Na cção romântica, em geral, o destino das
de caráter gratuito). personagens femininas é a felicidade pelo casamen-
to ou a morte trágica. Nesse aspecto, Til, de José de
Considerada no contexto histórico-social gurado no
Alencar, traz um nal inovador, resultante do amadure-
romance Til, a brusca reação de Jão Fera, narrada no cimento de Berta após conhecer a história de Besita,
nal do excerto, explica-se sua mãe. Podemos armar isso acerca do romance
A pela ambição ou ganância que, no período, carac- em questão, pois Berta
terizava os homens livres não proprietários. A recusa-se a se casar com Miguel quando descobre
b por sua condição de membro da Guarda Nacional, ser filha incógnita de Luís Galvão.
que lhe interditava o trabalho na lavoura. b abre mão do casamento, ainda que com algum so-
c pela indolência atribuída ao indígena, da qual era frimento, optando por cuidar de Zana e Brás.
herdeiro o “bugre”. c aceita ser reconhecida legalmente como filha
d pelo estigma que a escravidão fazia recair sobre o por Luís Galvão, mostrando-se mais flexível que
trabalho braçal. a mãe.
E pela ojeriza ao labor agrícola inerente a sua condi- d enfrenta o assédio de Jão Fera, que violentou Besita.
ção de homem letrado. E assassina Ribeiro, como vingança pela morte da mãe.

166 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Texto para as questões 21 e 22. Assinale a alternativa correta.
A Estão corretas apenas as alternativas I e II.
A esmeralda e o camafeu
b Estão corretas apenas as alternativas I e III.
— Se eu encontrasse!... c Estão corretas apenas as alternativas II e III.
— Então?... que faria?... d Todas as alternativas estão corretas.
— Atirar-me-ia a seus pés, abraçar-me-ia com eles e E Nenhuma das alternativas está correta.
lhe diria: “Perdoai-me, perdoai-me, senhora, eu já não
posso ser vosso esposo! tomai a prenda que me deste...”
22 Mackenzie 2015 Assinale a alternativa inorreta sobre
E o infeliz amante arrancou debaixo da camisa um
a prosa romântica brasileira.
breve, que convulsivamente apertou na mão.
A Destacam-se autores como Manuel Antônio de
— O breve verde!... exclamou D. Carolina, o breve
Almeida, Bernardo Guimarães, José de Alencar,
que contém a esmeralda!...
— Eu lhe diria, continuou Augusto: “recebei este breve Joaquim Manuel de Macedo e Visconde de Taunay.
que já não devo conservar, porque eu amo outra que não b Retrata a sociedade da época embasada pela
sois vós, que é mais bela e mais cruel do que vós!...” ideologia positivista e pelo cientificismo.
A cena se estava tornando patética; ambos choravam c Costuma girar em torno da descrição dos costumes
e só passados alguns instantes a inexplicável Moreninha da sociedade da época, criando identificação com o
pôde falar e responder ao triste estudante. público-leitor.
— Oh! pois bem, disse; vá ter com sua desposada, d É composta de romances de costumes, urbanos,
repita-lhe o que acaba de dizer, e se ela ceder, se perdoar, indianistas, regionalistas e históricos.
volte que eu serei sua... esposa. E Visconde de Taunay é um dos representantes do
— Sim... eu corro... Mas, meu Deus, onde poderei romance regionalista com a obra Inocência.
achar essa moça a quem não tornei a ver, nem poderei
conhecer?... onde meu Deus?... onde?... Texto para as questões 23 e 24.
E tornou a deixar correr o pranto, por um momento
suspendido. Inocência
— Espere, tornou D. Carolina, escute, senhor. Houve Depois das explicações dadas ao seu hóspede, sen-
um dia, quando a minha mãe era viva, em que eu também tiu-se o mineiro mais despreocupado.
socorri um velho moribundo. Como o senhor e sua cama- — Então, disse ele, se quiser, vamos já ver a nossa
rada, matei a fome de sua família e cobri a nudez de seus doentinha.
filhos; em sinal de reconhecimento também este velho — Com muito gosto, concordou Cirino.
me fez um presente: deu-me uma relíquia milagrosa que, E, saindo da sala, acompanhou Pereira, que o fez pas-
asseverou-me ele, tem o poder uma vez na vida de quem a sar por duas cercas e rodear a casa toda, antes de tomar
possui, de dar o que se deseja; eu cosi essa relíquia dentro a porta do fundo, fronteira a magnífico laranjal, naquela
de um breve; ainda não lhe pedi coisa alguma, mas trago-a ocasião todo pontuado das brancas e olorosas flores.
sempre comigo; eu lha cedo... tome o breve, descosa-o, — Neste lugar, disse o mineiro apontando para o po-
tire a relíquia e à mercê dela encontre sua antiga amada. mar, todos os dias se juntam tamanhos bandos de graúnas,
Obtenha o seu perdão e me terá por esposa. que é um barulho dos meus pecados. Nocência gosta mui-
— Isto tudo me parece um sonho, respondeu Augusto, to disso e vem sempre coser debaixo do arvoredo. É uma
porém, dê-me, dê-me esse breve! menina esquisita...
A menina, com efeito, entregou o breve ao estudan- Parando no limiar da porta, continuou com expansão:
te, que começou a descosê-lo precipitadamente. Aquela — Nem o Sr. imagina... Às vezes, aquela criança tem
relíquia, que se dizia milagrosa, era sua última esperança; lembranças e perguntas que me fazem embatucar... Aqui,
e, semelhante ao náufrago que no derradeiro extremo se havia um livro de horas da minha defunta avó... Pois não é
agarra à mais leve tábua, ele se abraçava com ela. Só falta que um belo dia ela me pediu que lhe ensinasse a ler? ...
a derradeira capa do breve... ei-la que cede e se descose... Que ideia! Ainda há pouco tempo me disse que quisera ter
Salta uma pedra... e Augusto, entusiasmado e como deli- nascido princesa... Eu lhe retruquei: E sabe você o que é
rante, cai aos pés de D. Carolina, exclamando: ser princesa? Sei, me secundou ela com toda a clareza,
— O meu camafeu!... o meu camafeu!... é uma moça muito boa, muito bonita, que tem uma coroa
MACEDO, Joaquim Manoel de. A moreninha. de diamantes na cabeça, muitos lavrados no pescoço e que
manda nos homens... Fiquei meio tonto. E se o Sr. visse
os modos que tem com os bichinhos?! ... Parece que está
21 Mackenzie 2015 A partir do fragmento selecionado, falando com eles e que os entende... [...] Quando Cirino
pode-se armar que a prosa de Joaquim Manoel de penetrou no quarto da filha do mineiro, era quase noite,
FRENTE 2

Macedo de maneira que, no primeiro olhar que atirou ao redor de


I. é marcada por enredos cheios de peripécias e si, só pôde lobrigar, além de diversos trastes de formas
final feliz. antiquadas, uma dessas camas, muito em uso no interior;
II. é composta com uma linguagem simples, estilo altas e largas, feitas de tiras de couro engradadas.
fluente e leve. [...] Mandara Pereira acender uma vela de sebo. Vinda
III. é elaborada em torno de objetividade temática, a luz, aproximaram-se ambos do leito da enferma que,
com negação do sentimentalismo. achegando ao corpo e puxando para debaixo do queixo

167
uma coberta de algodão de Minas, se encolheu toda, e 25 UFBA 2012
voltou-se para os que entravam.
— Está aqui o doutor, disse-lhe Pereira, que vem curar-
I.
Mas que é na realidade o negro escravo feiticeiro? Em que
-te de vez.
consiste a sua faculdade de fazer mal impunemente? Qual
— Boas noites, dona, saudou Cirino.
é a fonte de sua força, da sua influência ativa e funesta? [...]
Tímida voz murmurou uma resposta, ao passo que o
[...]
jovem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo
O feiticeiro não é mais nem menos do que um pro-
junto à cama e tomava o pulso à doente. pinador de venenos vegetais. [...]
Caía então luz de chapa sobre ela, iluminando-lhe o [...]
rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço Herbolários tremendos, os escravos feiticeiros têm
vermelho atado por trás da nuca. escondidos no bosque, e sempre à mão, e sempre certos
Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era de serem achados, os punhais invisíveis, os tiros sem es-
Inocência de beleza deslumbrante. trépito, os venenos ignorados, com que estragam a saúde,
Do seu rosto, irradiava singela expressão de encanta- ou apagam a vida daqueles de quem se querem vingar, ou
dora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno a quem se resolvem a matar.
que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes: quadros da
franjar-lhe as pálpebras, e compridos a ponto de projeta- escravidão. 4 ed. São Paulo: Zouk, 2005. p. 62.
rem sombras nas mimosas faces.
II.
Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pe-
A escrava já tinha feito da menina inocente, donzela
quena, e o queixo admiravelmente torneado.
maliciosa e sabida de mais do que para sua glória podia
Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob o lençol,
ignorar ainda por alguns anos.
descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando Da donzela maliciosa fizera depois moça hipócrita
nu um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava um ou e falaz.
outro sinal de nascença. Da moça hipócrita acabara por fazer indômita na-
Razões de sobra tinha, pois, o pretenso facultativo moradeira.
para sentir a mão fria e um tanto incerta, e não poder Matara-lhe a inocência, destruíra-lhe a virgindade do
atinar com o pulso de tão gentil cliente. sentimento, viciara-lhe o coração, sensualizara-lhe os senti-
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 2011. dos, desvirtuara-lhe a educação, e já lhe atirava o nome e o
graúna: pássaro de plumagem negra, canto melodioso e crédito aos insultos das murmurações e da maledicência.
A influência da mucama escrava produzia seus natu-
hábitos eminentemente sociais;
rais resultados. A árvore da escravidão envenenava com
livro de horas: livro de preces;
seus frutos a filha dos senhores.
secundar: responder;
A vítima era por sua vez algoz.
lavrado: na província de Mato Grosso, colar de contas de
MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes: quadros da
ouro e adornos de ouro e prata; escravidão. 4 ed. São Paulo: Zouk, 2005. p. 151
lobrigar: enxergar;
escabelo: assento; III.
facultativo: médico. [...] Aqui, destaca-se a atuação socializadora da mulher
negra servindo de “mãe-preta” no seio da família colonial e
23 Uerj 2013 A caracterização de Inocência confirma só o tráfico de influências exercido pelo escravo ladino (aquele
parcialmente a idealização da heroína romântica. que logo aprendia a falar português) sobre um número maior
Indique uma característica que Inocência apresenta de ouvintes. Subjacente a esse processo, o desempenho só-
cio-religioso de uma geração de sacerdotisas negras que
em comum com as heroínas românticas e outra que a
sobreviveu a toda a sorte de perseguições e preconceitos.
torna diferente dessas heroínas.
[...]
Na inevitabilidade desse processo de influências cul-
24 Uerj 2013 — Nem o Sr. imagina... Às vezes, aquela turais recíprocas e em resistência a ele, o negro terminou
criança tem lembranças e perguntas que me fazem em- impondo, de forma mais ou menos subliminar, alguns dos
batucar... Aqui, havia um livro de horas da minha defunta mais significativos valores do seu patrimônio cultural na
avó... Pois não é que um belo dia ela me pediu que lhe construção da sociedade nacional emergente no Brasil. [...]
ensinasse a ler?... Que ideia! Ainda há pouco tempo me É evidente o impacto da herança africana nas mais
disse que quisera ter nascido princesa... Eu lhe retruquei: conhecidas manifestações culturais que foram legitima-
E sabe você o que é ser princesa? Sei, me secundou ela das como autenticamente brasileiras e são utilizadas para
com toda a clareza, é uma moça muito boa, muito boni- projetar a imagem do Brasil no exterior, seja no samba, na
ta, que tem uma coroa de diamantes na cabeça, muitos capoeira, no traje da baiana, na cozinha à base de dendê,
lavrados no pescoço (l 16-24). no Candomblé com suas danças e seus ritos. Além disso,
O trecho anterior faz referência a crenças e valores de a herança africana no Brasil tem sido fonte valiosa de
Inocência e de seu pai, Pereira. criação artística e literária na promoção internacional
Apresente dois traços do comportamento de cada um de escritores, compositores, artistas plásticos, bailarinos,
desses personagens que revelam a diferença de valo- cineastas, fotógrafos, não só de nacionalidade brasileira.
CASTRO, Yeda Passos de. Dimensão dos aportes africanos no Brasil. In:
res entre eles. Em seguida, indique a modalidade de BACELAR, Jeferson; PEREIRA, Cláudio (Orgs.). Vivaldo da Costa Lima:
romance em que tais personagens se inserem. intérprete do Afro-Brasil. Salvador: EDUFBA; CEAO, 2007. p. 126-7.

168 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Os fragmentos apresentados avaliam a inuência afri- cambiantes cores; a tromba enrolada, com que
cana na formação da sociedade brasileira. suga o alimento no seio das flores; as antenas, ór-
Tomando-os como ponto de referência, é correto armar: gãos delicados do tato, que lhe coroam a cabeça
01 O ponto de vista do enunciador a propósito do cercada de uma rede admirável de mais de mil e
Pai-Raiol, no fragmento I, tem alcance restrito à duzentos olhos... – Bernardin de Saint-Pierre, Har-
personagem referida no texto. monias da Natureza”. (Capítulo 21)
02 O fragmento II põe em relevo a figura da mulher 5. “Eis que vi um cavalo amarelo, e quem o montava
negra, considerada a partir de um ponto de vista era a morte. – São João, Apocalipse”. (Capítulo 30)
antagônico ao sustentado por Yeda Castro, no frag-
A respeito da relação entre as epígrafes e o texto de
mento III.
Taunay, é correto armar:
04 Os fragmentos I e II, quando discutem a condição
A As ideias apresentadas pelas epígrafes não são
dos negros na sociedade colonial brasileira, iden-
ensinamentos morais preconizados pelo ro-
tificam-se ao destacarem os efeitos da escravidão.
mance, já que o narrador e a trama romanesca
08 O perfil do escravo construído no fragmento I ade-
desautorizam ideias como as das epígrafes 2 e 3,
qua-se àquele mostrado no fragmento III.
que expressam pensamentos de personagens.
16 O fragmento III, ao discutir a contribuição africana
b Por causa do diálogo construído entre a trama ro-
para a formação da sociedade brasileira, dá valida-
manesca e as epígrafes de autores estrangeiros, o
de aos pontos de vista enunciados nos fragmentos
romance de Taunay assume um caráter universali-
I e II.
zante, o que o distingue dos romances regionalistas,
32 A religião, nos três fragmentos, é valorizada pelos
que tratam de questões nacionais.
benefícios espirituais que produz.
c As epígrafes trazem para o romance ideias alheias
Soma:  que são discutidas pelas personagens, ao modo
dos romances de ideias, nos quais são debatidos
26 ITA 2018 Em Senhora, de José de Alencar, há uma fragmentos de discursos de renomados poetas, fic-
cena em que Aurélia sai bruscamente do jardim, onde cionistas e filósofos.
estava com Seixas, vai para a sala e fecha as corti- d O texto ficcional desenvolve as ideias sugeridas pe-
nas para apagar os reexos da “claridade argentina las epígrafes: a epígrafe 1 serve de comentário ao
da lua”. Assinale a opção que explica esse comporta- episódio no qual Cirino ilude os padres do Colégio
mento da personagem. do Caraça, estimulando-os a acreditarem que ele é
A Para Aurélia, assim como para Seixas, a natureza é médico formado.
pouco atrativa. E O romance dissemina ideias estrangeiras por meio
b A frieza de Aurélia para com Seixas quase foi que- das epígrafes oriundas de diferentes culturas e
brada no jardim. também pelos ensinamentos de Meyer, o natu-
c As atitudes fingidas do casal são as mesmas em ralista alemão cujas ideias são responsáveis por
qualquer lugar. civilizar as personagens sertanejas.
d Aurélia busca sempre humilhar o marido, ostentan-
do o luxo da casa. 28 Uece 2017 O texto a seguir consta como prefácio da
E Ela quer preparar a sala para jogar cartas com Sei- 2a edição do romance Janelas Fechadas, do maranhen-
xas e vencê-lo no jogo. se Josué Montello, publicado pela primeira vez em 1941.
Foi escrito por Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima),
27 UFPR 2013 Os capítulos do romance Inocência, de que compõe uma crítica na qual desenvolve ideias
Visconde de Taunay, são introduzidos por epígrafes originais, como uma aproximação entre Benzinho, prota-
de autores variados, entre as quais citamos: gonista do romance de Montello, e Capitu.
1. “Semeai promessas; a ninguém causam desfal-
Uma Capitu Nordestina
que, e o mundo é rico de palavras./ A esperança
1
quando outros nela creem faz ganhar muito tem- Cada novo livro de Josué Montello é um aconte-
po. – Ovídio, A arte de amar ”. (Capítulo 3) cimento em nossas letras. Sua fecundidade literária,
2. “Sganarelo — De toda a parte vem gente procu- aliás [...], nunca se fez com sacrifício de seu esmero na
rar-me, e, se as coisas continuarem assim, sou de expressão verbal. Pelo contrário, esse esmero atingiu
parecer que de uma vez devo dedicar-me à Medici- seu alto grau de perfeição com Aleluia, mas de forma
na. Acho que de todos os ofícios é este o preferível, alguma se esgotou na sua busca de concisão, outra meta
FRENTE 2

porque, ou se faça bem ou mal, sempre no fim há constante em sua estilística pessoal. 2Ainda agora, o
dinheiro. – Molière, O médico à força”. (Capítulo 3) que o levou a reeditar esse quase primeiro livro de sua
3. “Onde há mulheres, aí se congregam todos os “maturidade literária”, como ele próprio assinalou, foi
males a um tempo. – Menandro”. (Capítulo 5) a preocupação estritamente estilística e não estrutural,
4. “Considerai a arte da composição das asas da junto ao cuidado de preservar o tipo de sua personagem
borboleta: a regularidade das escamas, cobrin- central, a jovem Benzinho, e o ambiente maranhense de
do-as, como se fossem penas; a variedade das todos os seus romances.

169
Aliás, se a paisagem maranhense desse romance I. O crítico, nesta passagem do texto, refere-se di-
nada tem a ver com a rude paisagem tipicamente nor- retamente aos romances Inocência (de Visconde
destina dos romances de um José Lins do Rego ou de de Taunay) e A Moreninha (de Joaquim Manuel
um José Américo, o caráter da jovem Maria de Lourdes de Macedo) e indiretamente às personagens do
Silva, apelidada Benzinho desde a infância, nada tem a mesmo nome.
ver com o tipo genuíno das jovens nordestinas, como II. O que o crítico chama de “romantismo de sua
aliás dos homens da região, onde a firmeza de caráter é época” (época de Josué Montello) é um Roman-
a expressão mais representativa do temperamento nordes- tismo tardio, fora de época; extemporâneo.
tino, pela supremacia dos valores morais sobre os valores III. O pronome “qualquer”, no excerto transcrito,
eróticos e sobretudo hedonísticos. 3 Sendo esse romance equivale a “nenhuma”.
dos seus vinte anos uma tentativa quase subconsciente Está correto o que se diz apenas em
de reação antirromântica, não é de espantar que essa A II. b I e II. c III. d I e III.
adolescente dos subúrbios de São Luís, o bairro do Anil,
se pareça mais com a sofisticada carioca Capitu do que
29 PUC-PR 2015 Sobre o romance Inocência, de Visconde
com 4 qualquer das Inocências, ou Moreninhas do ro-
de Taunay, é orreto afirmar:
mantismo de sua época. A É uma das principais obras da primeira fase do Ro-
Benzinho, pela mão feiticeira de seu criador lite- mantismo, na qual ocorre uma idealização do caráter
rário, que, aliás, colheu o modelo na vida real, passa do indígena, retratado como exemplo de pureza e
ao longo do romance sem que o autor se aprofunde em inocência.
qualquer análise psicológica da passagem de uma con- b É com este romance que se inaugura o Naturalismo
dição de vítima inocente à de uma representante típica, no Brasil, que, em seguida, terá em Aluísio Azeve-
embora inconsciente, de um fenômeno sociológico, o do seu principal representante.
da ascensão social, que, ao contrário do tipo habitual c É umas das principais obras da primeira fase do
da mulher nordestina, coloca inteiramente de lado as Modernismo brasileiro, representando com candu-
razões do coração ou da sensualidade para se dirigir ra a vida e os costumes do sertão.
exclusivamente pela razão. E pelo raciocínio rigorosa- d Embora pertencendo ao Realismo, já traz traços do
mente interesseiro de promoção social ou de influência Naturalismo, sobretudo na caracterização do per-
exterior. Quando, pela primeira vez, se entrega a um sonagem Tico, um anão mudo que é o responsável
quase desconhecido, é levada exclusivamente por uma pela reviravolta da trama.
frase eventual de sua mãe, que lhe confidenciara a von- E Embora pertencendo ao Romantismo, já antecipa
tade de ter um neto. Pela segunda vez, o que a levou características do Realismo/Naturalismo, sobretudo
a fazer o mesmo foi simplesmente a ambição de casar por sua caracterização do ser humano como pro-
com um vizinho rico. duto do meio.
Em ambos os casos, absoluta ausência de sentimento
passional e, no fundo, preocupações de tipo masculino mais 30 Acafe 2012 Em relação a Cirino, personagem da obra
que feminino. Não é a preocupação feminista de emancipa- Inocência, de Visconde de Taunay, é correto o que se
ção de seu sexo, mas a passividade em face de um desejo afirma em:
materno e o impulso masculino de ambição social. A “Homem já de alguma idade, o recém-chegado era
Aliás, na criação da personagem central dessa jovem gordo, de compleição sanguínea, rosto expressivo
Capitu nordestina, tocava Josué Montello em um fenô- e franco. Trajava à mineira e parecia, como real-
meno típico das sociedades modernas: a confusão ou o mente era, morador daquela localidade”.
desencontro entre os sexos, em sua respectiva natureza b Aprendeu a receitar e passou a fazer excursões
biológica e psicológica. Já Aristóteles verificava haver pelo interior, medicando as pessoas, utilizando-se
homens de alma feminina e vice-versa. Assim como não “de alguns conhecimentos de valor positivo, outros
há, entre as várias idades do ser humano, limites claros e que a experiência lhe ia indicando ou que a voz do
positivos, assim também não existe, entre os sexos, uma povo e a superstição ministravam”.
psicologia respectivamente incompatível. O que é pre- c Padrinho de Inocência, morava “para lá das Parnaí-
ciso é não confundir o desencontro de psicologias com bas, já nos terrenos Gerais”.
a confusão, ou antes, a inversão das psicologias. Uma
d Depois de descobrir uma nova espécie de borboleta
e denominá-la Papilio Innocentia, em homenagem à
coisa é um homem de alma feminina e outra um homem
beleza de Inocência, continua a sua viagem.
efeminado. Naqueles, o que vemos é o predomínio de
certas qualidades, que normalmente distinguem a alma
feminina, sem que, entretanto, essa troca perturbe seus 31 Ufam 2015 Assinale a alternativa que se refere ao ro-
valores máximos. mance Memórias de um sargento de milícias, de
Introdução. ATHAYDE, Tristão de. In: MONTELLO, Josué. Manuel Antônio de Almeida.
Romances e novelas. v. 1. p. 109-11. A A ação se passa na ilha de Paquetá, onde um grupo de
Considere a expressão “qualquer das Inocências, ou estudantes, dentre os quais Leonardo, o protagonista,
Moreninhas do romantismo de sua época” (referên- vai passar um fim de semana. Este é o mote para o autor
cia 4): criticar a ociosa burguesia fluminense do século XIX.
170 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa
b O herói Leonardo é um provinciano ingênuo, que, 02 Uma importante característica romântica, o final
por acaso, se vê herdeiro de uma grande fortuna. feliz, não se verifica em Memórias de um sargento
A partir daí, o autor analisa a ambição do ser hu- de milícias, uma vez que Luisinha casa com José
mano, pois o protagonista foi enganado por um Manuel, e Leonardo acaba sozinho. Por outro lado,
casal inescrupuloso da Corte. a história cumpre à risca o projeto romântico no
c O enredo gira em torno de Leonardo, filho de que diz respeito à crítica que faz à falsa moral da
Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça. O herói burguesia.
apresenta traços picarescos, e a obra, além do 04 O texto sugere a inconstância dos amores de Leo-
valor documental, se passa em determinado mo- nardo apresentada ao longo do romance: o rapaz,
mento histórico (o Rio de D. João VI). que antes sofria por amor a Luisinha, apaixona-se
d Alinha-se na corrente conhecida como sertanismo, a por Vidinha logo após conhecê-la. Pouco depois,
qual, inserindo-se no quadro maior do Romantismo tem um relacionamento com a amante do Toma-
brasileiro, divulga aspectos pitorescos da vida rural -largura. Por fim, casa-se com Luisinha.
e das províncias, com seus tipos peculiares, em tudo 08 Caso a oração reduzida de infinitivo “a de lhe
diferentes do homem urbano. sobrevir sempre uma contrariedade em casos se-
E Narrado em primeira pessoa, apresenta traços do melhantes” (Ref. 1) fosse reescrita como uma oração
estilo posterior: o Realismo. Deve-se isso ao fato de desenvolvida, teríamos “a de que lhe sobrevinha
apresentar tipos caricaturais, das classes baixas sempre uma contrariedade em casos semelhantes”.
da sociedade, tipos que lutam pela sobrevivência 16 No trecho “José Manuel fora a primeira” (Ref. 2),
em meio a enganos e procura de emprego. temos um desvio na concordância nominal, porque
o adjetivo primeira deveria estar no masculino, de
32 UFSC 2013 Este último passo acabou de desorientar com- forma a concordar com José Manuel.
pletamente o Leonardo: ainda bem não tinham expirado
as últimas notas do canto, e já, passando-lhe rápido pela Soma: 
mente um turbilhão de ideias, admirava-se ele de como é
que havia podido inclinar-se por um só instante a Luisinha, 33 Unicamp 2014 O excerto a seguir é o trecho final de
menina sensaborona e esquisita, quando haviam no mun- Memórias de um sargento de milícias, de Manuel
do mulheres como Vidinha. Antônio de Almeida.
Decididamente estava apaixonado por esta última.
O segredo que a Maria-Regalada dissera ao ouvido
O leitor não se deve admirar disto, pois não temos ces-
sado de repetir-lhe que o Leonardo herdara de seu pai aquela do major no dia em que fora, acompanhada por D. Maria
grande cópia de fluido amoroso que era a sua principal ca- e a comadre, pedir pelo Leonardo, foi a promessa de que,
racterística. Com esta herança parece porém que tinha ele se fosse servida, cumpriria o gosto do major.
tido também uma outra, e era 1a de lhe sobrevir sempre uma Está pois explicada a benevolência deste para com
contrariedade em casos semelhantes. José Manuel fora a pri- o Leonardo, que fora ao ponto de não só disfarçar e ob-
meira; vejamos agora qual era, ou antes quem era a segunda. ter perdão de todas as suas faltas, como de alcançar-lhe
Se o leitor pensou no que há pouco dissemos, isto é, que aquele rápido acesso de posto.
naquela família havia três primos e três primas, e se agora Fica também explicada a presença do major em casa da
acrescentarmos que moravam todos juntos, deve ter cismado Maria-Regalada.
alguma coisa a respeito. Três primos e três primas, morando Depois disto entraram todos em conferência. O major
na mesma casa, todos moços... não há nada mais natural; um desta vez achou o pedido muito justo, em consequência
primo para cada prima, e está tudo arranjado. Cumpre porém do fim que se tinha em vista. Com a sua influência tudo
ainda observar que o amigo do Leonardo tomara conta de uma alcançou; e em uma semana entregou ao Leonardo dois
das primas, e que deste modo vinha a haver três primos para papéis: – um era a sua baixa de tropa de linha; outro, sua
duas primas, isto é, o excesso de um primo. À vista disto o nomeação de Sargento de Milícias.
negócio já se torna mais complicado. Pois para encurtar razão, Além disto recebeu o Leonardo ao mesmo tempo carta
saiba-se que havia dois primos pretendentes a uma só prima, e de seu pai, na qual o chamava para fazer-lhe entrega do
essa era Vidinha, a mais bonita de todas; saiba-se mais que um que lhe deixara seu padrinho, que se achava religiosa-
era atendido e outro desprezado: logo, o amigo Leonardo terá mente intacto.
desta vez de lutar com duas contrariedades em vez de uma.
ALMEIDA, M. A. Memórias de um sargento de milícias. Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo,
24 ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 101-2.
em uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na Sé
Com base no texto, na leitura do romance Memórias com Luizinha, assistindo à cerimônia a família em peso.
FRENTE 2

de um sargento de milícias e no contexto do Romantis- Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento


de Milícias. Cotia: Ateliê Ed., 2000.
mo brasileiro, marque a(s) proposição(ões) correta(s).
01 Da mesma forma que em outros romances ro- a) Que diferença significativa pode ser estabelecida
mânticos, temos em Memórias de um sargento de entre a condição inicial do herói do romance e sua
milícias a figura do herói idealizado, apresentado condição final, reproduzida no trecho anterior?
como um homem puro, corajoso e de princípios ) Essa condição foi alcançada por mérito de Leo-
morais elevados. nardo? Justifique.

171
34 Unicamp 2013 Em uma passagem célebre de Memórias b apresenta personagem feminina, Luisinha, cuja
de um sargento de milícias, pode-se ler, a respeito descrição fere a caracterização sempre idealizada
da personagem de Leonardo Pataca, que “o homem do perfil de mulher dentro da estética romântica.
era romântico, como se diz hoje, e babão, como se c caracteriza um romance histórico que pretende
dizia naquele tempo” (Manuel Antônio de Almeida, narrar fatos de tonalidade épica e heroica da vida
Memórias de um sargento de milícias. Rio de Janeiro: brasileira, ambientados no tempo do rei e vividos por
Livros Técnicos e Cientícos, 1978, p. 19). seus principais protagonistas.
a) De que maneira a passagem apresentada explici- d configura personagens populares que, pela primei-
ta o lugar peculiar ocupado pelo livro de Manuel ra vez, comparecem no romance brasileiro e que
Antônio de Almeida no Romantismo brasileiro? se tornam responsáveis pelo desprestígio da litera-
) Como essa peculiaridade do livro se manifesta, de tura brasileira junto ao público-leitor da época.
maneira geral, na caracterização das personagens
e na construção do enredo? 37 FICSAE – Medicina 2016 Considerando as situações
amorosas que se mostram no romance Memórias de
um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Al-
35 ITA 2017 O livro Memórias de um sargento de milí-
meida, é correto afirmar que
cias, de Manuel Antônio de Almeida, mostra como,
A há um relacionamento amoroso desinteressado
no Brasil, os agentes do poder costumam, por vezes,
entre José Manoel e Luisinha que se efetiva por
confundir as esferas do público e do privado. Como
um casamento feliz e duradouro.
afirma o narrador, no capítulo XLV: “Já naquele tempo
b cresce uma paixão entre Vidinha e Leonardo que
(e dizem que é defeito nosso) o empenho, o compa- resulta em união estável, consumada em casa-
dresco, eram uma mola de todo o movimento social”. mento aprovado por todos, mesmo tendo o herói
No enredo, isso é ilustrado pelo comportamento de tomado gosto pela vida de vadio.
Vidigal, que c renasce em Luisinha o sentimento adormecido que
A teve, na infância, uma educação familiar muito per- nutria por Leonardo e, após a decepção da primeira
missiva, que lhe afrouxou o caráter. união conjugal, casa-se com ele em bodas festivas
b sempre foi, desde menino, resistente aos valores e amparadas em herança recebida e na promoção
éticos ensinados pela escola e pela Igreja. às fileiras das Milícias no posto de sargento.
c teve expostas suas desventuras amorosas, sendo, d resulta do casamento feliz de Leonardo-Pataca com
muitas vezes, objeto da chacota coletiva. Maria das Hortaliças, o nascimento de um menino,
d optou, por interesse, pela carreira de meirinho, res- fruto de uma pisadela e de um beliscão e que será
peitada e promissora na época. a felicidade de todos porque nunca será malsinado.
E revelou ter um caráter não tão rígido ao ceder aos
apelos de sua amante. Leia o texto a seguir para responder à questão 38.
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonar-
36 FICSAE – Medicina 2016 Era no tempo do rei. do algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se, porém,
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ou- do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe
vidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se por proteção de quem, alcançou o emprego de que o
nesse tempo – O Canto dos Meirinhos –; e bem lhe assen- vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde
tava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não
todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira
pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota. O
do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei: Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de
esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; sua mocidade mal-apessoado, e sobretudo era maganão.
formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do
que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto
demanda era entre nós e um elemento da vida: o extremo dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valen-
oposto eram os desembargadores [...]. te pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse
por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e
deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão
O trecho apresentado inicia o romance Memórias de
nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em
um Sargento de Milícias, escrito em forma de folhe-
forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia
tim entre 1852 e 1853 por Manoel Antônio de Almeida. de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena
Deste romance como um todo, é correto armar que de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta
A reveste-se de comicidade, na linha do pitoresco, e vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os
desenvolve sátira saborosa aos costumes da época, dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam
que atinge todas as camadas sociais, em particular os sê-lo de muitos anos.
políticos e os poderosos. Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias.

172 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


38 FGV-RJ 2016 Embora de fato pertençam ao Roman- MANUEL ANDRÉ – 8Vossa Senhoria não pode pren-
tismo, as Memórias de um sargento de milícias não der-me à toa: a Constituição não manda.
apresentam as características mais típicas e notórias JUIZ – A Constituição!... Está bem!... Eu, o Juiz de Paz,
hei por bem derrogar a Constituição! Sr. Escrivão, tome
desse movimento. No entanto, analisando-se o trecho
termo que a Constituição está derrogada, e mande-me
aqui reproduzido, verifica-se que nele se apresenta
prender este homem.
claramente o seguinte traço do Romantismo: MANUEL ANDRÉ – Isto é uma injustiça!
A preferência pela narração de aventuras fabulosas e JUIZ – Ainda fala? Suspendo-lhe as garantias...
extraordinárias. MANUEL ANDRÉ – É desaforo...
b tendência a emitir juízos morais sobre as condutas JUIZ, levantando-se – Brejeiro!... (Manuel André corre;
das personagens. o Juiz vai atrás.) Pega... Pega... Lá se foi... Que o leve o
c livre expressão de conteúdos eróticos incomuns e diabo. (Assenta-se.) Vamos às outras partes.
chocantes. PENA, Martins. Trecho da Cena XI. O Juiz de Paz na roça.
Disponível em: <http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/
d tematização franca e aberta da vida popular e co- documentos/?action=download&id=28988> Acesso em: 24 nov. 2017.
tidiana.
E busca do raro e do exótico, como meio de fuga da Com base na variedade padrão escrita da língua por-
realidade burguesa. tuguesa, na leitura do texto, na peça O Juiz de Paz
na roça, de Martins Pena, encenada pela primeira vez
em 1838, e no contexto de produção desta obra, é
39 UFPR 2017 A respeito da obra teatral Os dois ou o in-
orreto armar que:
glês maquinista, de Martins Pena, é correto afirmar:
01 embora o diálogo reproduzido no excerto ocorra
A Por ser um texto teatral, do qual a figura do nar-
entre um homem simples da comunidade (Manuel
rador é ausente, não há espaço na sua estrutura
André) e um magistrado, nota-se que o homem
formal para descrição de ambientes ou de perso-
conhece os pronomes de tratamento adequados
nagens.
para um juiz. É o que comprovam os trechos onde
b As ações das personagens são mostradas ou relata-
Manuel André emprega “Ilmo. Sr.” (ref. 1), “V. Sa.”
das na peça, mas seus pensamentos não, de modo
(ref. 2) e “mercê” (ref. 3).
que o leitor ou o espectador ignora quais terão sido
02 o trecho reproduzido entre aspas (ref. 4) inscre-
suas emoções e reflexões.
ve-se no gênero abaixo-assinado, um documento
c As inovações técnicas apresentadas pelo inglês
coletivo que visa expressar os interesses de um
são bem recebidas pelos personagens brasileiros,
grupo ou comunidade que o subscreve. Nes-
que não emitem sinais de desconfiança, por admi-
te caso, trata-se de parabenizar o magistrado,
ração ao estrangeiro.
agraciá-lo com frutas e pedir sua intervenção na
d Por tratar de um tema tecnológico, a peça não con-
contenda que se passa entre dois vizinhos.
ta com personagens femininas, já que as mulheres
04 a peça O Juiz de Paz na roça expõe a situação dos
estavam desinteressadas do universo produtivo no
escravos no Brasil da primeira metade do século
século XIX.
XIX: faz menção ao mercado da Rua do Valongo,
E A ação se passa num momento em que o tráfico de
ao contrabando e à falta de mão de obra no campo
escravos já não era permitido, mas ainda assim sua
após a proibição do tráfico. Também menciona a
venda ilegal é praticada e discutida na peça.
relação servil, a jornada extenuante e a má alimen-
tação que recebiam.
40 UFSC 2015 ESCRIVÃO, lendo – 4“O abaixo-assinado vem 08 em O Juiz de Paz na roça, Manuel André luta para
dar os parabéns a V. Sa. por ter entrado com saúde no novo reaver na justiça parte do sítio de sua esposa, in-
ano financeiro. Eu, 1Ilmo. Sr. Juiz de Paz, sou senhor de
vadido por um membro da família Judas. Manuel
um sítio que está na beira do rio, 5aonde dá muito boas
André se mostra indignado com a situação, pois
bananas e laranjas, e 6como vem de encaixe, peço a 2V.
sua esposa comprou o imóvel com o que recebia
Sa. o favor de aceitar um cestinho das 7mesmas que eu
mandarei hoje à tarde. Mas, como ia dizendo, o dito sítio pelo seu trabalho como costureira.
foi comprado com o dinheiro que minha mulher ganhou 16 os termos “aonde” (ref. 5), “como vem de encaixe”
nas costuras e outras coisas mais; e, vai senão quando, um (ref. 6) e “mesmas” (ref. 7) podem ser substituí-
meu vizinho, homem da raça do Judas, diz que metade do dos, sem que lhes seja modificado o sentido, por
sítio é dele. E então, que lhe parece, Sr. Juiz, não é desafo- “onde”, “aproveitando a oportunidade” e “frutas”,
ro? Mas, como ia dizendo, peço a V. Sa. para vir assistir à respectivamente.
marcação do sítio. Manuel André. Espera receber 3mercê.” 32 em “Vossa Senhoria não pode prender-me à toa: a
FRENTE 2

JUIZ – Não posso deferir por estar muito atravancado Constituição não manda.” (ref. 8), há uma relação de
com um roçado; portanto, requeira ao suplente, que é o adversidade entre as orações que estão separadas
meu compadre Pantaleão. pelos dois-pontos, que poderiam ser substituídos
MANUEL ANDRÉ – Mas, Sr. Juiz, ele também está
por “todavia”.
ocupado com uma plantação.
JUIZ – Você replica? Olhe que o mando para a cadeia. Soma: 

173
Texto complementar
Na tradição literária espanhola, pícaro é uma personagem que vive de espertezas, procurando obter lucros e vantagens; é uma espécie de anti-
-herói que narra a própria história. Além disso, tem sua postura definida pelo choque brutal com a realidade que o leva à dissimulação, ou seja, é
originalmente ingênuo e está sempre na condição servil. Transpondo tais características para a tradição popular brasileira, podemos dizer que, na
nossa literatura, Leonardinho foi o primeiro malandro – o que é evidente desde seu nascimento. A sua história é narrada em terceira pessoa e fica
longe da condição servil.
O crítico Antonio Candido, em seu notável ensaio “Dialética da malandragem”, aborda a obra de Manuel Antônio de Almeida e mapeia diferenças
e semelhanças entre ela e os romances de tradição picaresca.
[...]
Em geral, o próprio pícaro narra as suas aventuras, o que fecha a visão da realidade em torno do seu ângulo restrito; e
esta voz na primeira pessoa é um dos encantos para o leitor, transmitindo uma falsa candura que o autor cria habilmente
e já é recurso psicológico de caracterização. Ora, o livro de Manuel Antônio é contado na terceira pessoa por um narra-
dor (ângulo primário) que não se identifica e varia com desenvoltura o ângulo secundário –, trazendo-o de Leonardo Pai a
Leonardo Filho, deste ao Compadre ou à Comadre, depois à Cigana e assim por diante, de maneira a estabelecer uma visão
dinâmica da matéria narrada. Sob este aspecto o herói é um personagem como os outros, apesar de preferencial; e não o
instituidor ou a ocasião para instituir o mundo fictício, como o Lazarillo, Estebanillo, Guzman de Alfarache, a Pícara Justina
ou Gil Braz de Santilhana.
Em compensação, Leonardo Filho tem com os narradores picarescos algumas afinidades: como eles, é de origem humil-
de e, como alguns deles, irregular, “filho de uma pisadela e um beliscão”. Ainda como eles é largado no mundo, mas não
abandonado, como foram o Lazarillo ou o Buscón, de Quevedo; pelo contrário, mal os pais o deixam o destino lhe dá um
pai muito melhor na pessoa do Compadre, o bom barbeiro que toma conta dele para o resto da vida e o abriga da adversi-
dade material. Tanto assim que lhe falta um traço básico do pícaro: o choque áspero com a realidade, que leva à mentira, à
dissimulação, ao roubo, e constitui a maior desculpa das “picardias”. Na origem o pícaro é ingênuo; a brutalidade da vida é
que aos poucos o vai tornando esperto e sem escrúpulos, quase como defesa; mas Leonardo, bem abrigado pelo Padrinho,
nasce malandro feito, como se se tratasse de uma qualidade essencial, não um atributo adquirido por força das circunstâncias.
Mais ainda: a humildade da origem e o desamparo da sorte se traduzem necessariamente, para o protagonista dos ro-
mances espanhóis e os que os seguiram de perto, na condição servil. Em algum momento da sua carreira ele é criado, de
tal modo que já se supôs erradamente que a sua designação proviesse daí –, o termo “pícaro” significando um tipo inferior
de servo, sobretudo ajudante de cozinha, sujo e esfarrapado. E é do fato de ser criado que decorre um princípio importante
na estruturação do romance, pois passando de amo a amo o pícaro vai-se movendo, mudando de ambiente, variando a
experiência e vendo a sociedade no conjunto. Mas o nosso Leonardo fica tão longe da condição servil, que o Padrinho
se ofende quando a Madrinha sugere que lhe mande ensinar um ofício manual; o excelente homem quer vê-lo padre ou
formado em direito, e neste sentido procura encaminhá-lo, livrando-o de qualquer necessidade de ganhar a vida. Por isso,
nunca aparece seriamente o problema da subsistência, mesmo quando Leonardo passa de raspão e quase como jogo pelo
serviço das cozinhas reais, o que o aproximaria vagamente da condição de pícaro no sentido acima referido.
Semelhante a vários pícaros, ele é amável e risonho, espontâneo nos atos e estreitamente aderente aos fatos, que o vão
rolando pela vida. Isto o submete, como a eles, a uma espécie de causalidade externa, de motivação que vem das circuns-
tâncias e torna o personagem um títere, esvaziado de lastro psicológico e caracterizado apenas pelos solavancos do enredo.
O sentimento de um destino que motiva a conduta é vivo nas Memórias, onde a Comadre se refere à sina que acompanha
o afilhado, acumulando contratempos e desmanchando a cada instante as combinações favoráveis.
Como os pícaros, ele vive um pouco ao sabor da sorte, sem plano nem reflexão; mas ao contrário deles nada aprende
com a experiência. De fato, um elemento importante da picaresca é essa espécie de aprendizagem que amadurece e faz o
protagonista recapitular a vida à luz de uma filosofia desencantada. Mais coerente com a vocação de fantoche, Leonardo
nada conclui, nada aprende; e o fato de ser o livro narrado na terceira pessoa facilita esta inconsciência, pois cabe ao narrador
fazer as poucas reflexões morais, no geral levemente cínicas e em todo o caso otimistas, ao contrário do que ocorre com o
sarcasmo ácido e o relativo pessimismo dos romances picarescos. O malandro espanhol termina sempre, ou numa resignada
mediocridade, aceita como abrigo depois de tanta agitação, ou mais miserável do que nunca, no universo do desengano e
da desilusão, que marca fortemente a literatura espanhola do Século de Ouro.
Curtido pela vida, acuado e batido, ele não tem sentimentos, mas apenas reflexos de ataque e defesa. Traindo os ami-
gos, enganando os patrões, não tem linha de conduta, não ama e, se vier a casar, casará por interesse, disposto inclusive
às acomodações mais foscas, como o pobre Lazarillo. O nosso Leonardo, embora desprovido de paixão, tem sentimentos
mais sinceros neste terreno, e em parte o livro é a história do seu amor cheio de obstáculos pela sonsa Luisinha, com quem
termina casado, depois de promovido, reformado e dono de cinco heranças que lhe vieram cair nas mãos sem que movesse
uma palha. Não sendo nenhum modelo de virtude, é leal e chega a comprometer-se seriamente para não lesar o malandro
Teotônio. Um antipícaro, portanto, nestas e outras circunstâncias, como a de não procurar e não agradar os “superiores”,
que constituem a meta suprema do malandro espanhol.
Se o protagonista for assim, é de esperar que o livro, tomado no conjunto, apresente a mesma oscilação de algumas
analogias e muitas diferenças em relação aos romances picarescos. [...]
CANDIDO, Antonio. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993. p. 21-4.

174 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


Resumindo
Neste capítulo, você viu...
A prosa multifacetada de José de Alencar y Os pontos altos dos romances eram os sentimentos e as aventuras.
José de Alencar, além de ser o nome central da prosa do Romantismo, é y Seu estilo era simples, e sua linguagem coloquial.
figura importante para a consolidação da Literatura brasileira. Uma de suas y Em suas obras, não havia críticas sociais mais evidentes.
metas era fundar a tradição literária do Brasil, e empenhou-se na criação
y Retratou a escravidão em uma de suas obras, abordando o tema da
de imagens e símbolos permanentes no imaginário nacional.
abolição, porém sob o ponto de vista dos senhores.
Alencar traçou um retrato completo do país, tanto temporalmente como
espacialmente. A sua produção literária encontra-se dividida nas se- Visconde de Taunay
guintes fases:
y Foi um dos principais representantes do regionalismo romântico.
y Primitiva: relacionada às tradições, às lendas e aos mitos indígenas.
Exemplo: Iracema. y Sua escrita era refinada e sofisticada.
y Histórica: relativa à valorização do solo nativo e ao período de invasão y Suas obras evidenciavam a visão de um homem culto e sensível sobre
da terra americana pelo europeu. Exemplo: O guarani. o sertão exuberante e inexplorado do Brasil.
y Pós-independência política: correspondente à infância de nossa lite- y Escreveu romances mais sóbrios (menos emotivos e exaltados que
ratura. Exemplos: Senhora e Til. José de Alencar), um registro consciente dos problemas econômicos
e sociais do sertão.
Tendo sido o escritor mais profícuo de sua época, podemos destacar os y Os principais movimentos de algumas narrativas são a experiência
seguintes aspectos e características de sua obra e de seu perfil literário: da viagem, o sertão, a guerra e, sobretudo, o amor às indígenas e
y O indianismo: sertanejas. Em algumas obras, ele também representou a vida urbana
e a sociedade burguesa.
– heróis inigualáveis: nobres e dominadores da natureza;
– contraposição aos valores da sociedade burguesa; Bernardo Guimarães
– influência dos romances franceses;
y Como escritor, publicou o primeiro romance regionalista brasileiro, O
– idealização do indígena; Ermitão de Muquém, em 1868.
– formação de um passado mítico. y Sua obra de maior destaque é A escrava Isaura (1875), na qual desen-
y As personagens femininas: volveu o tema da escravidão.
– destaque para os romances Senhora e Lucíola; y Ainda que tematize a escravidão, ao ler A escrava Isaura, o leitor deve
– profundidade psicológica e complexidade humana; considerar que a temática central é o amor.
– dado econômico como obstáculo constante;
O teatro romântico
– lado social das imposições da sociedade burguesa.
y O romancista múltiplo: y Ainda que em menor escala que o relativo à poesia e ao romance, o
desejo romântico de forjar e caracterizar uma arte literária autônoma
– grande variedade de produções;
incluiu o decisivo influxo para a criação do teatro brasileiro.
– oposição bem × mal em alguns romances e a complexidade dessa
y O pioneirismo coube a Gonçalves de Magalhães, que, em 1838, viu subir
mistura em outros;
à cena sua peça Antônio José ou o Poeta e a Inquisição.
– modos de composição diferentes;
y As comédias de costumes de Martins Pena fundaram, definitivamente,
– profundo domínio na condução do enredo; e deram vigor ao teatro brasileiro.
– retrato da vida social brasileira. y As peças de Martins Pena, como O noviço e O juiz de paz na roça, ainda
hoje são bastante amadas e encenadas.
Romantismo e outras prosas
Manuel Antônio de Almeida
No Brasil, os romances do século XIX retratam o modo de vida desse mo-
mento histórico, sendo considerados registros do período. Dessa forma, y Escreveu um único romance: Memórias de um sargento de milícias.
no romance social, no urbano e no regionalista, há trechos em que os y Sua obra é uma observação da vida comum de um grupo popular da
autores parecem pintar um quadro da época. sociedade e de suas relações, em um momento específico da história.
y Utiliza linguagem simples e direta e traz um olhar atento e desencan-
Autores românticos de destaque tado, tendo desenvolvido seu romance com frieza, imparcialidade,
Joaquim Manuel de Macedo cinismo e ironia.
y Escreveu obras que fizeram sucesso entre o público da época e que y As personagens são mais importantes como tipos sociais do que como
FRENTE 2

retratavam a vida urbana do Rio de Janeiro. personalidades.


y A verossimilhança estava presente nessas obras: eram histórias reais, y A narrativa tem movimento constante: trata-se de um conjunto de cenas
com personagens do dia a dia. e acontecimentos que revelam os costumes da época.

175
Quer saber mais?

Livro Site
y ALENCAR, José de. O demônio familiar. y Memórias de um sargento de milícias.
A obra de 1858 é uma peça na qual o autor expõe o debate em torno A página apresenta uma análise romântica feita em um programa
do tempo da escravidão em meados do século XIX. da rádio USP FM.
Disponível em: <http://p.p4ed.com/ZBUXE>.
Vídeos
y O guarani. Filme
O vídeo traz a bela ópera de Antônio Carlos Gomes, inspirada no y A moreninha. Direção: Glauco Mirko Laurelli. Brasil: Cinedistri, 1970,
romance homônimo de José de Alencar. 1h36min.
Disponível em: <http://p.p4ed.com/PEXGH>. O musical é um filme brasileiro baseado no romance homônimo de
y Vida e obra de José de Alencar. Joaquim Manuel de Macedo. A moreninha conta a história de dois
amantes que começam a se gostar durante a infância, e a vida acaba
Nestes vídeos educativos, há a análise da vida e obra do autor.
os separando. No futuro, eles tentam se reencontrar e resgatar esse
Disponíveis em: Parte 1: <https://www.youtube.com/watch?v= amor verdadeiro.
y8qb VtcaE6M>
Parte 2: <https://www.youtube.com/watch?v=0bMPPtkgwRw&feature=
emb_rel_err>.

Exercícios complementares
1 IFCE 2014 O trecho que você irá ler foi extraído da – Sim, a nuvem.
obra O Guarani, de autoria de José de Alencar. Leia Cecília pensou que o índio tinha perdido a cabeça;
atentamente o trecho do capítulo X – AO ALVORECER ele continuou:
e, baseado no texto, responda à questão. 35 – Somente como a nuvem não é da terra e o homem
– Tu, senhora, zangada com Peri! Por quê? não pode tocá-la, Peri morria e ia pedir ao Senhor do céu
– Porque Peri é mau e ingrato; em vez de ficar perto a nuvem para dar a Ceci.
de sua senhora, vai caçar em risco de morrer! Disse a Estas palavras foram ditas com a simplicidade com
moça ressentida. que fala o coração. A menina, que um momento duvidara
5 – Ceci desejou ver uma onça viva! 40 da razão de Peri, compreendeu toda a sublime abnegação,
– Então não posso gracejar? Basta que eu deseje uma toda a delicadeza de sentimento dessa alma inculta.
coisa para que tu corras atrás dela como um louco? A sua fingida severidade não pôde mais resistir; dei-
– Quando Ceci acha bonita uma flor, Peri não vai xou pairar nos seus lábios um sorriso divino.
buscar? Perguntou o índio. ALENCAR, José de. O Guarani.
10 – Vai, sim.
– Quando Ceci ouve cantar o sofrê, Peri não o vai Sobre o excerto da obra lida, é correto dizer-se que
procurar? A a relação entre o índio Peri e a fidalga Cecília: tra-
– Que tem isso? ta-se de um amor erótico e lascivo com requintes
– Pois Ceci desejou ver uma onça, Peri a foi buscar. de Naturalismo.
15 Cecília não pôde reprimir um sorriso ouvindo esse b Peri nutre por Cecília um amor incondicional, capaz
silogismo rude, a que a linguagem singela e concisa do dos maiores desafios, podendo, inclusive, pagar
índio dava uma certa poesia e originalidade. com sua própria vida para satisfazer os caprichos da
Mas estava resolvida a conservar a sua severidade e jovem.
ralhar com Peri por causa do susto que lhe havia feito na c a figura de Peri apresenta o índio como herói de
20 véspera. sentimentos puros e nobres, assim como o índio
– Isto não é razão, continuou ela; porventura um ani-
Macunaíma, na obra homônima de Mário de Andrade,
mal feroz é a mesma coisa que um pássaro, e apanha-se
no Modernismo.
como uma flor?
d predomina no trecho o discurso indireto, em que o
– Tudo é o mesmo, desde que te causa prazer, senhora.
25 – Mas então, exclamou a menina com um assomo de narrador interfere nas falas das personagens, rees-
impaciência, se eu te pedisse aquela nuvem?... crevendo-as a seu modo.
E apontou para os brancos vapores que passavam ain- E nas linhas 38 a 41, percebemos que Cecília mantém
da envolvidos nas sombras pálidas da noite. até o fim da narrativa a severidade com Peri, não
– Peri ia buscar. deixando indícios de que a moça possa nutrir por
30 – A nuvem? Perguntou a moça admirada. ele qualquer sentimento de admiração.

176 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


INSTRUÇÕES: Para a próxima questão, marque V para V. Apresenta, normalmente, histórias de amor, pois
verdadeiro e F para falso. o amor é um sentimento que se contrapõe quase
sempre ao ódio e à intolerância.
2 UFPE 2012 Considere as afirmações a seguir a respei-
to da produção literária brasileira que prosperou na Assinale a alternativa correta.
primeira metade do século XIX. A Somente as afirmativas III e V são verdadeiras.
 0-0 No Brasil, o Romantismo desenvolveu-se após b Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras.
a Independência. Na Europa, com o ressuscitar c Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras.
do passado, o nativismo explorou figuras e ce- d Somente as afirmativas I, II e V são verdadeiras.
nas medievais; em nosso país, com o indianismo E Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras.
romanceando as origens nacionais, o mundo
indígena foi enfocado com heróis baseados em Texto para as questões de 4 a 6.
personagens e ações reais. Nasceu o dia e expirou.
 1-1 José de Alencar, na prosa, criou uma galeria Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro
de heróis indígenas que se submetiam volun- da noite. Correm lentas e silenciosas no azul do céu, as
tariamente ao colonizador. Por exemplo, em estrelas, filhas da lua, que esperam a volta da mãe ausente.
O guarani, Peri é escravo de Ceci e converte-se Martim se embala docemente; e como a alva rede que
ao cristianismo, sendo batizado. Em Iracema, a vai e vem, sua vontade oscila de um a outro pensamento.
personagem-título se submete ao branco Mar- Lá o espera a virgem loura dos castos afetos; aqui lhe sorri
tim, entrega que implica sacrifício e abandono a virgem morena dos ardentes amores.
de sua tribo de origem. Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos
 2-2 Em Ubirajara, narrativa que enfoca uma fase an- negros e fúlgidos, ternos olhos de sabiá, buscam o estran-
terior à colonização, Alencar despertou para a geiro, e lhe entram n’alma. O cristão sorri; a virgem palpita;
falsidade da idílica submissão dos colonizados como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando o lasci-
aos colonizadores, escrevendo: “Foi depois da vo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro.
colonização que os portugueses, assaltando os José de Alencar, Iracema.
índios como a feras e caçando-os a dente de cão,
ensinaram-lhe a traição que eles não conheciam”. 4 Fuvest 2017 Atente para as seguintes afirmações, ex-
 3-3 Gonçalves Dias, que representa o indianismo traídas e adaptadas de um estudo do crítico Augusto
na poesia, já nos Primeiros cantos, tem a cons- Meyer sobre José de Alencar:
ciência do destino atroz que aguardava os tupis I. “Nesta obra, assim como nos ‘poemas americanos’
com a conquista portuguesa. Na fala do xamã, dos nossos poetas, palpita um sentimento sincero
as predições são assustadoras: “Manitós já fu- de distância poética e exotismo, de coisa notável por
giram da Taba/ ó desgraça! ó ruína! ó Tupã!”. estranha para nós, embora a rotulemos como nativa.”
 4-4 Gonçalves Dias lamentou a sorte do Novo II. “Mais do que diante de um relato, estamos diante
Mundo, com sua gente vencida e suas terras de um poema, cujo conteúdo se concentra a cada
profanadas. Além do mais, o escritor maranhen- passo na magia do ritmo e na graça da imagem.”
se, diferentemente de Alencar, dá voz ao nativo: III. “O tema do bom selvagem foi, neste caso, apro-
“Chame-lhe progresso, quem do extermínio veitado para um romance histórico, que reproduz
secular se ufana/ Eu, modesto cantor do povo o enredo típico das narrativas de capa e espada,
extinto,/Chorarei os vastíssimos sepulcros”. oriundas da novela de cavalaria.”
É compatível com o trecho de Iracema aqui reproduzido,
3 Udesc 2014 O Romantismo foi marcado pela populariza- considerado no contexto dessa obra, o que se arma em
ção da literatura, principalmente pelos “folhetins” que A I, apenas. d II e III, apenas.
tiveram importante papel no romance dessa época. b III, apenas. E I, II e III.
Analise as proposições em relação ao gênero romance c I e II, apenas.
no período literário denominado Romantismo.
I. Descreve costumes urbanos e apresenta perso- 5 Fuvest 2017 No texto, corresponde a uma das
nagens idealizadas, com as quais, muitas vezes, o convenções com que o Indianismo construía suas re-
leitor se identifica. presentações do indígena
II. Apresenta, entre outras tendências, a nacionalis- A o emprego de sugestões de cunho mitológico
ta, pois corresponde ao momento de afirmação compatíveis com o contexto.
da nossa nacionalidade. Isso ocorre principal- b a caracterização da mulher como um ser dócil e
FRENTE 2

mente com o escritor José de Alencar. desprovido de vontade própria.


III. Contém sempre cenas coletivas, grandes mul- c a ênfase na efemeridade da vida humana sob os
tidões, com personagens corrompidas e que trópicos.
apresentam desvios éticos. d o uso de vocabulário primitivo e singelo, de extra-
IV. Faz análise psicológica das personagens, é sem- ção oral-popular.
pre documental, a exemplo, todas as obras de E a supressão de interdições morais relativas às prá-
Machado de Assis. ticas eróticas.

177
6 Fuvest 2017 É correto afirmar que, no texto, o narrador c Pêro Coelho, Martim e Poti.
A prioriza a ordem direta da frase, como se pode veri- d Pêro Coelho, Peri e Poti.
ficar nos dois primeiros parágrafos do texto. E Poti, Jacaúna e Martim.
b usa o verbo “correr” (2º parágrafo) com a mesma
acepção que se verifica na frase “Travam das ar- 10 UEM 2017 Assinale o que for correto sobre o romance
mas os rápidos guerreiros, e correm ao campo” Iracema e sobre seu autor, José de Alencar.
(também extraída do romance Iracema). 01 A presença de espaços naturais é exclusiva do
c recorre à adjetivação de caráter objetivo para tor- Romantismo, período literário avesso aos cená-
nar a cena mais real. rios urbanos. A valorização da natureza explica a
d emprega, a partir do segundo parágrafo, o presen- existência de temas ecológicos no romance, como
te do indicativo, visando dar maior vivacidade aos o desmatamento e a extinção da fauna nativa.
fatos narrados, aproximando-os do leitor. O escritor quer conscientizar as pessoas sobre o
E atribui, nos trechos “aqui lhe sorri” e “lhe entram perigo do avanço da civilização europeia que Mar-
n’alma”, valor possessivo ao pronome “lhe”. tim representa.
02 A sedutora Iracema representa a rebeldia feminina.
7 Fuvest 2017 Leia o trecho de Machado de Assis sobre Ira- Infeliz com o seu destino de guardadora dos segre-
cema, de José de Alencar, e responda ao que se pede. dos da tribo, a índia vê em Martim a possibilidade
“ é o ciúme e o valor marcial; de fugir para a cidade, mais aberta às possibilida-
a austera sabedoria dos anos; Iracema o des de emancipação feminina.
amor. No meio destes caracteres distintos e animados, a 04 A história de amor entre Martim, o colonizador por-
amizade é simbolizada em . Entre os indí- tuguês, e Iracema, a índia tabajara, é uma espécie
genas a amizade não era este sentimento, que à força de de mito fundador da identidade brasileira. Moacir,
civilizar-se, tornou-se raro; nascia da simpatia das almas, o filho deles, representa a miscigenação do povo
avivava-se com o perigo, repousava na abnegação recí- brasileiro.
proca; e são os dois amigos 08 O escritor conciliou preceitos românticos com
da lenda, votados à mútua estima e ao mútuo sacrifício”. fortes influências árcades, motivo pelo qual os ce-
Machado de Assis, Crítica. nários são idealizados, mas a linguagem é concisa,
No trecho, os espaços pontilhados serão corretamen- sem adjetivação. As referências à mitologia clássica
te preenchidos, respectivamente, pelos nomes das são constantes. A convivência de Iracema com as
seguintes personagens de Iracema: ninfas (seres mitológicos que habitavam as matas)
A Caubi, Jacaúna, Araquém, Araquém, Martim. mostra a ruptura com o modelo romântico de cria-
b Martim, Irapuã, Poti, Caubi, Martim. ção de personagens.
c Poti, Araquém, Japi, Martim, Japi 16 A história de amor entre Iracema e Martim aconte-
d Araquém, Caubi, Irapuã, Irapuã, Poti. ce onde hoje é o estado do Ceará. O enfoque no
E Irapuã, Araquém, Poti, Poti, Martim. espaço natural tem intenção nacionalista, ou seja,
serve para destacar aspectos geográficos próprios
do Brasil.
8 Uespi 2012 Romance escrito em 1865, Iracema, de José
de Alencar, aborda fatos e feitos da colonização portu- Soma: 
guesa no Brasil. Sobre esta obra, é correto afirmar que:
A a história se passa no século XVI, durante a explo- 11 UFRGS 2012 O bloco superior, abaixo, lista quatro títu-
ração portuguesa no Amazonas. los de romances e seus respectivos autores; o inferior
b a principal característica deste romance é que par- apresenta resumos de enredo de três desses romances.
te dele é escrita em prosa, outra parte em versos. Associe corretamente o bloco inferior ao superior.
c apesar de ser um romance indigenista, Iracema 1. Senhora, de José de Alencar
também aborda com ênfase a questão da escravi- 2. Inocência, de Visconde de Taunay
dão negra no Brasil. 3. Dom Casmurro, de Machado de Assis
d Iracema é descrita por Alencar como virgem dos 4. O Mulato, de Aluísio Azevedo
lábios de mel, com cabelos mais negros que a asa  Moça órfã de pai recebe herança, que lhe permi-
da graúna. te comprar o marido, sendo a relação matrimonial
E a principal característica de Iracema é a objetivida- marcada pelos atritos entre o casal.
de da narrativa, que exclui qualquer traço lírico ou  Moça prometida pelo pai a um sertanejo apaixo-
subjetivo. na-se por outro homem e, a partir daí, passa a se
sentir dividida entre satisfazer a promessa paterna
9 Uespi 2012 Dentre os nomes a seguir, quais compõem e entregar-se ao amor.
o romance Iracema, de José de Alencar?  Moça de origem humilde, depois de um longo
A Peri, Ceci e Martim. namoro, casa-se com seu vizinho, que estava des-
b D. Antônio de Mariz, Poti e Jacaúna. tinado ao seminário por uma promessa de sua mãe.

178 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


A sequência correta de preenchimento dos parênte- correspondidos, inserindo as personagens na so-
ses, de cima para baixo, é ciedade fluminense do século XX.
A 1 – 2 – 4. d 1 – 2 – 3. E Modernismo, pois ela se opõe ao exagero na ex-
b 2 – 1 – 3. E 2 – 1 – 4. pressão dos sentimentos e ao papel de submissão
c 3 – 4 – 1. destinado às mulheres, retratando o cotidiano da
sociedade paulista do século XX.
12 Uerj 2016 Sobretudo compreendam os críticos a missão
dos poetas, escritores e artistas, neste período especial e 14 UFT 2013 Esqueci-me de dizer que a ópera começara; as
ambíguo da formação de uma nacionalidade. São estes nossas observações podiam fazer-se então em céu desnu-
os operários incumbidos de polir o talhe e as feições da blado. Vi Lúcia sentada na frente do seu camarote, vestida
individualidade que se vai esboçando no viver do povo. com certa galantaria, mas sem a profusão de adornos e
O povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a jabu- a exuberância de luxo que ostentam de ordinário as cor-
ticaba pode falar com igual pronúncia e o mesmo espírito tesãs, ou porque acreditam que a sua beleza, como as
do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e a nêspera? caixinhas de amêndoas, cota-se pelo invólucro dourado,
ALENCAR, José de. Prefácio a Sonhos d’ouro, 1872. ou porque, no seu orgulho de anjos decaídos desejem es-
Disponível em: <www.ebooksbrasil.org>. (Adapt.).
magar a casta simplicidade da mulher honesta, quantas
De acordo com José de Alencar, a caracterização da vezes defraudada nessa prodigalidade.
identidade nacional brasileira, no século XIX, estava Não me posso agora recordar das minúcias do traje
vinculada ao processo de: de Lúcia naquela noite. O que ainda vejo neste momento,
A promoção da cultura letrada. se fecho os olhos, são as nuvens brancas e nítidas, que se
b integração do mundo lusófono. frocavam graciosamente, aflando com o lento movimento
c valorização da miscigenação étnica. de seu leque; o mesmo leque de penas que eu apanhara e,
d particularização da língua portuguesa. que de longe parecia uma grande borboleta rubra pairando
no cálice das magnólias. O rosto suave e harmonioso, o
colo e as espáduas nuas, nadavam como cisnes naquele
13 Fatec 2016 Leia o fragmento da obra Senhora, de José
mar de leite, que ondeavam sobre formas divinas.
de Alencar.
A expressão angélica de sua fisionomia naquele ins-
Quando Seixas achava-se ainda sob o império desta tante, a atitude modesta e quase tímida, e a singeleza das
nova contrariedade, apareceu na sala a Aurélia Camargo, vestes níveas e transparentes, davam-lhe frescor e viço de
que chegara naquele instante. Sua entrada foi como sempre infância, que devia influir pensamentos calmos, se não
um deslumbramento; todos os olhos voltaram-se para ela; puros. Entretanto o meu olhar ávido e acelerado rasgava
pela numerosa e brilhante sociedade ali reunida passou o os véus ligeiro e desnudava as formas deliciosas que ainda
frêmito das fortes sensações. Parecia que o baile se ajoelhava sentia latejar sob meus lábios.
para recebê-la com o fervor da adoração. Seixas afastou-se. ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo: Ática, 1994. p. 28.
Essa mulher humilhava-o. Desde a noite de sua chegada que
O romance Lucíola, de José de Alencar, foi publicado
sofrera a desagradável impressão. Refugiava-se na indife-
rença, esforçava-se por combater com o desdém a funesta por volta de 1861, época em que a mulher era vista, de
influência, mas não o conseguia. A presença de Aurélia, acordo com o olhar romântico, como casta ou como
sua esplêndida beleza, era uma obsessão que o oprimia. dama impura. No fragmento, é orreto armar:
Quando, como agora, a tirava da vista fugindo-lhe, não A O narrador, embora esteja descrevendo uma corte-
podia arrancá-la da lembrança, nem escapar à admiração sã, a diferencia das demais. A singeleza, a cor das
que ela causava e que o perseguia nos elogios proferidos roupas, a expressão angelical da personagem Lúcia
a cada passo em torno de si. No Cassino, Seixas tivera um são elementos comuns à casta heroína romântica.
reduto onde abrigar-se dessa cruel fascinação. b O narrador tem um olhar peculiar ao Romantismo,
Disponível em: <http://tinyurl.com/ou5m65d>. no que se refere à mulher. A personagem Lúcia é
Acesso em: 2 jan. 2018. (Adapt.).
vista como imagem de pureza que inibe o desejo
É correto armar que essa obra pertence ao de posse masculino.
A Romantismo, pois ela critica os valores bur- c O narrador vivencia conflitos comuns ao herói
gueses, exalta a natureza e a vida simples do romântico, e se contradiz na descrição da perso-
campo, denunciando a corrupção e a hipocrisia nagem Lúcia: a descreve como angelical e como
na sociedade fluminense do século XX. mulher que deixa, propositalmente, partes do cor-
b Romantismo, pois ela enaltece a fragilidade da mu- po à mostra, como forma de sedução.
lher e exprime de forma contida os sentimentos d O narrador fala de uma cena antiga, acontecida
FRENTE 2

das personagens, situando-as no contexto da so- no teatro, em que ele observava uma mulher. A
ciedade paulista do século XX. recorrência de lembranças de fatos acontecidos
c Romantismo, pois ela exalta a figura feminina, ex- no passado é característica da narrativa romântica,
põe, de maneira exacerbada, os sentimentos das como forma de evasão do presente.
personagens, tendo como pano de fundo os costu- E O narrador, ao falar da personagem Lúcia como
mes da sociedade fluminense do século XIX. cortesã, antecipa o movimento realista, visto que
d Modernismo, pois ela idealiza a mulher e a ju- as personagens femininas do Romantismo eram
ventude e trata da infelicidade dos amores não tratadas somente como seres diáfanos e puros.
179
15 PUC-SP 2015 Til é uma obra escrita por José de Alencar d o narrador evidencia o cerceamento sexista à au-
e publicada em 1872, no Jornal A República. Recebeu toridade da mulher, financeiramente independente.
o subtítulo de “Romance Brasileiro” como forma de E o narrador incorporou em sua ficção hábitos mui-
evidenciar não só a autenticidade da autoria, como to avançados para a sociedade daquele período
também o espírito nacionalista do autor. Indique, das histórico.
alternativas a seguir, a que apresenta enunciado or-
reto, de acordo com o conteúdo da obra. 17 Unisc 2015 Considere as afirmativas a seguir, a respeito
A Estrutura-se em 4 volumes de tamanhos irregulares de José de Alencar.
que se ordenam sem interrupção do fio narrativo e I. Seu romance O Guarani é uma das obras mais
se desenvolvem de forma rigorosamente cronoló- importantes do indianismo brasileiro.
gica e sequenciada. II. A obra Lucíola inaugurou o Realismo no Brasil.
b Engendra uma história de vingança de um crime III. O sertanejo é uma das obras do autor a tratar da
cometido no passado, por suspeita de infidelidade temática regionalista.
conjugal e cujo causador precisa ser justiçado. IV. Em Escrava Isaura, José de Alencar antecipa, na
c Apresenta uma fábula de amor que envolve Berta
literatura, a discussão promovida pelo movimento
e Miguel e cujo desfecho é a união dos dois em
abolicionista.
enlace amoroso.
d Classifica-se como romance romântico porque, am- Assinale a alternativa correta.
bientado em plena natureza, enfoca a paixão entre Luiz A Somente as afirmativas I e II estão corretas.
Galvão e Besita, com desfecho trágico e criminoso. b Somente as afirmativas I e IV estão corretas.
E Caracteriza personagem que carrega um segredo, c Somente as afirmativas II e III estão corretas.
móvel da trama e que, desvendado ao final da nar- d Somente as afirmativas I e III estão corretas.
rativa, promove a dissolução da família. E Somente as afirmativas II e IV estão corretas.

16 Enem 2015 Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que 18 UFSC 2018 A lua vinha assomando pelo cimo das monta-
atravessou o firmamento da corte como brilhante meteo- nhas fronteiras; descobri nessa ocasião, a alguns passos
ro e apagou-se de repente no meio do deslumbramento de mim, uma linda moça, que parara um instante para
que produzira seu fulgor? Tinha ela dezoito anos quando contemplar no horizonte as nuvens brancas esgarçadas
apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conheciam; 5 sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro
e logo buscaram todos com avidez informações acerca da olhar um talhe esbelto e de suprema elegância. O vestido
grande novidade do dia. Dizia-se muita coisa que não repe- que o moldava era cinzento com orlas de veludo casta-
tirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os nho, e dava esquisito realce a um desses rostos suaves,
comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros. Au- puros e diáfanos que parecem vão desfazer-se ao menor
rélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, 10 sopro, como os tênues vapores da alvorada. Ressumbrava
viúva, D. Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanha- na sua muda contemplação doce melancolia, e não sei
va na sociedade. Mas essa parenta não passava de mãe que laivos de tão ingênua castidade, que o meu olhar
de encomenda, para condescender com os escrúpulos da repousou calmo e sereno na mimosa aparição.
sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admiti- ALENCAR, José de. Lucíola. 4. ed. São Paulo: FTD, 1997, p. 14-15.
do ainda certa emancipação feminina. Guardando com a
viúva as deferências devidas à idade, a moça não declinava Com base na leitura e interpretação do texto, na leitura
um instante do firme propósito de governar sua casa e dirigir integral do romance Lucíola, de José de Alencar, publi-
suas ações como entendesse. Constava também que Aurélia cado pela primeira vez em 1862, bem como no contexto
tinha um tutor; mas essa entidade era desconhecida, a julgar sócio-histórico e literário, é correto armar que:
pelo caráter da pupila, não devia exercer maior influência 01 pode-se perceber a idealização do par romântico
em sua vontade, do que a velha parenta. do século XIX que se materializa com o casamento
ALENCAR, J. Senhora. São Paulo: Ática, 2006. burguês: a jovem graciosa, meiga, contida e angeli-
O romance Senhora, de José de Alencar, foi publica- cal, atributos da personagem Lúcia, e o rapaz belo,
do em 1875. No fragmento transcrito, a presença de corajoso, forte e robusto, qualidades do persona-
D. Firmina Mascarenhas como “parenta” de Aurélia gem Paulo.
Camargo assimila práticas e convenções sociais inse- 02 no texto, a natureza e a beleza da mulher brasi-
ridas no contexto do Romantismo, pois leira são exaltadas para registrar a permanência
A o trabalho ficcional do narrador desvaloriza a mu- dos valores primordiais da literatura romântica, e
lher ao retratar a condição feminina na sociedade a identidade nacional é valorizada em relação à
brasileira da época. estrangeira – a europeia.
b o trabalho ficcional do narrador mascara os hábitos 04 em “sobre o céu azul e estrelado” (linha 5), “um ta-
sociais no enredo de seu romance. lhe esbelto e de suprema elegância” (linha 6), “um
c as características da sociedade em que Aurélia vi- desses rostos suaves, puros e diáfanos” (linhas 8-9),
via são remodeladas na imaginação do narrador a conjunção “e” relaciona termos que exercem a
romântico. mesma função sintática na oração.

180 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


08 o narrador do romance esboça em Lúcia um perfil lençol desfraldado por sobre a terra, e velando a virgem
de mulher burguesa da segunda metade do século natureza americana.
XIX: diverte-se em bailes e festas, frequenta tea- Essa fisionomia crepuscular do deserto é suave nos
tros, toca piano, lê romances de autores franceses primeiros momentos; mas logo após ressumbra tão funda
e faz compras na Rua do Ouvidor. tristeza que estringe a alma. Parece que o vasto e imen-
16 o texto retrata, com foco narrativo em primeira pes- so orbe cerra-se e vai minguando a ponto de espremer
soa, uma personagem diante de um cenário externo; o coração.
trata-se de uma descrição em linguagem puramente ALENCAR, José de. O gaúcho: romance brasileiro. Rio de Janeiro:
B. L. Garnier, 1870. v. I. p. 4. (Adapt.).
denotativa, objetiva, dinâmica, isenta de opiniões.
32 o texto é rico em descrição, mesclando sensa-
Texto II
ções e percepções, como se percebe em “céu
Ora, é a perspectiva dos cerrados, não desses cerrados
azul e estrelado” (linha 5), “muda contemplação”
de arbustos raquíticos, enfezados e retorcidos de São Paulo
(linha 11), e “doce melancolia” (linha 11).
e Minas Gerais, mas de garbosas e elevadas árvores que,
64 a imagem de Maria da Glória apresentada no texto
se bem não tomem todo o corpo de que são capazes à
é mantida ao longo do romance, mesmo que ela
beira das águas correntes ou quando regadas pela linfa
tenha tido a oportunidade de se redimir de suas dos córregos, contudo ensombram com folhuda rama o
ações diante do jovem pernambucano. terreno que lhes fica em derredor e mostram na casca
Soma:  lisa a força da seiva que as alimenta; ora são campos a
perder de vista, cobertos de macega alta e alourada ou
19 UFPR 2012 “Incompreensível mulher! / A noite a vira de viridente e mimosa grama, toda salpicada de silvestres
bacante infrene, calcando aos pés lascivos o pudor e a flores; ora sucessões de luxuriantes capões, tão regulares
dignidade, ostentar o vício na maior torpeza do cinismo, e simétricos em sua disposição que surpreendem e em-
com toda a hediondez de sua beleza. A manhã a encon- belezam os olhos; ora, enfim, charnecas meio apauladas,
trava tímida menina, amante casta e ingênua, bebendo meio secas, onde nasce o altivo buriti e o gravatá entrança
num olhar a felicidade que dera, e suplicando o perdão o seu tapume espinhoso.
da felicidade que recebera.” TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: FTD, 2011. p. 20.
(José de Alencar, em Lucíola)
Ambos os textos apresentam uma detalhada descri-
Em relação ao romance Lucíola, considere as seguin- ção de espaços da natureza brasileira. Quais são as
tes armativas: semelhanças e as diferenças nessas duas descrições?
1. Para Lúcia, a prostituição funciona como autopu-
nição, na medida em que reforça o sentimento de
21 Unesp 2016 Ultrapassando o nível modesto dos pre-
culpa pela pureza perdida e valorizada.
decessores e demonstrando capacidade narrativa bem
2. O idealismo romântico convive com a aguda
mais definida, a obra romanesca deste autor é bastante
percepção da importância da posição social, do
ambiciosa. A partir de certa altura, este autor pretendeu
conflito entre dinheiro e virtude e com o realismo abranger com ela, sistematicamente, os diversos aspectos
das descrições sem reticências. do país no tempo e no espaço, por meio de narrativas
3. O romance de Alencar coloca a literatura em re- sobre os costumes urbanos, sobre as regiões, sobre o ín-
levo, através das obras citadas, da crítica de Lúcia dio. Para pôr em prática esse projeto, quis forjar um estilo
à Dama das Camélias e da referência às leituras novo, adequado aos temas e baseado numa linguagem
permitidas às mulheres. que, sem perder a correção gramatical, se aproximasse da
4. O abandono da vida anterior não é purificação sufi- maneira brasileira de falar. Ao fazer isso, estava tocando
ciente, razão pela qual o corpo manchado pelo vício o nó do problema (caro aos românticos) da independên-
deve morrer junto com o fruto do amor impossível. cia estética em relação a Portugal. Com efeito, caberia
Assinale a alternativa correta. aos escritores não apenas focalizar a realidade brasileira,
A Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras. privilegiando as diferenças patentes na natureza e na po-
b Somente as afirmativas 1, 2 e 3 são verdadeiras. pulação, mas elaborar a expressão que correspondesse
c Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras. à diferenciação linguística que nos ia distinguindo cada
d Somente as afirmativas 3 e 4 são verdadeiras. vez mais dos portugueses, numa grande aventura dentro
E As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras. da mesma língua.
CANDIDO, Antonio. O romantismo no Brasil, 2002. (Adapt.).
FRENTE 2

20 Leia os textos a seguir: O comentário do crítico Antonio Candido refere-se ao


Texto I escritor
Ao pôr do sol perde o pampa os toques ardentes da A Raul Pompeia.
luz meridional. As grandes sombras, que não interceptam b Manuel Antônio de Almeida.
montes nem selvas, desdobram-se lentamente pelo campo c José de Alencar.
fora. É então que assenta perfeitamente na imensa planície d Machado de Assis.
o nome castelhano. A savana figura realmente em vasto E Aluísio Azevedo.

181
22 PUC-RS 2015 Leia o trecho do romance A escrava c Por sua pouca fantasia, Inocência não pode ser
Isaura, de Bernardo Guimarães. classificada como obra do romantismo.
d O senso de observação de Visconde de Taunay
– Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar
que és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de se- em Inocência o leva às portas do naturalismo.
nhores bárbaros e cruéis. Entretanto passas aqui uma vida E A fantasia, aliada ao senso de observação, torna
que faria inveja a muita gente livre. Gozas da estima de esta obra o melhor representante do regionalismo
teus senhores. Deram-te uma educação como não tiveram ultrarromântico.
muitas ricas e ilustres damas que eu conheço. És formosa, Leia o texto para responder às questões de 24 a 26.
e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas
veias uma só gota de sangue africano. [...] Um sarau é o bocado mais delicioso que temos, de
– Mas senhora, apesar de tudo isso, que sou eu mais telhado abaixo. Em um sarau todo o mundo tem que fazer.
do que uma simples escrava? Essa educação que me deram O diplomata ajusta, com um copo de champagne na mão,
e essa beleza, que tanto me gabam, de que me servem?... os mais intrincados negócios; todos murmuram, e não há
São trastes de luxo colocados na senzala do africano. A quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos
senzala nem por isso deixa de ser o que é: uma senzala. minuetes e das cantigas do seu tempo, e o moço goza
– Queixas-te de tua sorte, Isaura? todos os regalos da sua época; as moças são no sarau
– Eu não, senhora; não tenho motivo... o que quero como as estrelas no céu; estão no seu elemento: aqui uma,
dizer com isto é que, apesar de todos esses dotes e vanta- cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos
gens que me atribuem, sei conhecer o meu lugar. aplausos, por entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo
inopinado, que solta de lá da sala do jogo o parceiro que
Com base no texto e no contexto do qual o fragmento
acaba de ganhar sua partida no écarté, mesmo na ocasião
anterior faz parte, arma-se:
em que a moça se espicha completamente, desafinando
I. De acordo com a primeira fala, a cor de Isaura é
um sustenido; daí a pouco vão outras, pelos braços de seus
apontada como uma possível negação de sua ori-
pares, se deslizando pela sala e marchando em seu pas-
gem africana.
seio, mais a compasso que qualquer de nossos batalhões
II. Apesar de alguns questionamentos acerca da
da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que conversam
senzala, a escrava parece resignada ao lugar que sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e
ela ocupa na sociedade da época. risadinhas apreciáveis. Outras criticam de uma gorducha
III. A obra A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, vovó, que ensaca nos bolsos meia bandeja de doces que
integra um dos momentos cruciais do realismo veio para o chá, e que ela leva aos pequenos que, diz, lhe
literário brasileiro, no qual os autores se mostra- ficaram em casa. Ali vê-se um ataviado dandy que dirige
vam preocupados com a crítica social. mil finezas a uma senhora idosa, tendo os olhos pregados
Está/Estão correta(s) a(s) armativa(s): na sinhá, que senta-se ao lado. Finalmente, no sarau não
A I, apenas. d II e III, apenas. é essencial ter cabeça nem boca, porque, para alguns é
b II, apenas. E I, II e III. regra, durante ele, pensar pelos pés e falar pelos olhos.
c I e II, apenas. E o mais é que nós estamos num sarau. Inúmeros batéis
conduziram da corte para a ilha de... senhoras e senhores,
recomendáveis por caráter e qualidades; alegre, numerosa
23 PUC-PR 2016 Alfredo Bosi, em sua História concisa da
e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e
literatura brasileira, diz a respeito de Inocência, de
mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.
Visconde de Taunay:
Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que
Por temperamento e cultura, o Visconde de Taunay com aturado empenho se esforçam para ver qual delas
tinha condições para dar ao regionalismo romântico a vence em graças, encantos e donaires, certo sobrepuja a
sua versão mais sóbria. Homem de pouca fantasia, muito travessa Moreninha, princesa daquela festa.
senso de observação, formado no hábito de pesar com a Joaquim Manuel de Macedo. A Moreninha, 1997.
inteligência as suas relações com a paisagem e o meio
(era engenheiro, militar e pintor), Taunay foi capaz de en-
quadrar a história de Inocência (1872) em um cenário 24 Unifesp 2013 A forma como se dá a construção do tex-
e em um conjunto de costumes sertanejos onde tudo é to revela que ele é predominantemente
verossímil. Sem que o cuidado de o ser turve a atmosfera A dissertativo, com o objetivo de analisar criticamen-
agreste e idílica que até hoje dá um renovado encanto à te o que é um sarau.
leitura da obra. b descritivo, com o objetivo de mostrar o sarau como
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2003, uma festa fútil e sem atrativos.
p. 144-5.
c narrativo, com o objetivo de contar fatos inusitados
Com base no trecho acima, é possível dizer que: ocorridos em um sarau.
A Visconde de Taunay, com Inocência, é o introdutor d descritivo, com o objetivo de apresentar as carac-
do realismo no Brasil. terísticas de um sarau.
b O romantismo de Visconde de Taunay é, de certa E dissertativo, com o objetivo de relatar as experiên-
forma, um “realismo mitigado”. cias humanas em um sarau.

182 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa


25 Unifesp 2013 Levando em conta o contexto em que flo- cair até abaixo da cintura. Estava enrolado em bastas tranças,
resceu a literatura romântica, as informações textuais que davam duas voltas inteiras ao redor do cocoruto.
refletem, com [...]
a ufanismo, uma vida social de bem-aventurança. Não se descuidou Cirino, antes de se retirar, de no-
b desprezo, a cultura de uma sociedade poderosa. vamente tomar o pulso e, à conta de procurar a artéria,
c entusiasmo, uma sociedade frívola e hipócrita. assentou toda a mão no punho da donzela, envolvendo-lhe
d nostalgia, os valores de uma sociedade decadente. o braço e apertando-o docemente.
e amenidade, uma visão otimista da realidade social. Saiu-se mal de tudo isso; porque, se tratava da cura
de alguém, para si arranjava enfermidade e bem grave.
26 Unifesp 2013 Considerando os papéis desempenha- TAUNAY, A. d’E. Inocência. 3. ed. São Paulo: FTD, 1996. p. 57-58; 72.
dos pelas personagens no texto, é correto afirmar que Com base no texto e no romance Inocência e levando
a o diplomata é oportunista; o velho, conservador; os em consideração o contexto do Romantismo brasilei-
rapazes usufruem exageradamente os prazeres da
ro, marque a(s) proposição(ões) cORReTa(S).
vida; e as moças são frívolas.
01 O episódio descrito no texto refere-se ao momento
b o diplomata é astuto; o velho, intimista; os rapazes
em que Cirino vê pela primeira vez Inocência e fica
usufruem a vida dentro de suas possibilidades; e as
tão apaixonado pela moça que até sua atividade
moças vivem de sonhos.
médica é afetada.
c o diplomata é perspicaz; o velho, saudosista; os
02 Dois atos de Cirino – pedir a Inocência que solte
rapazes usufruem prazerosamente a vida; e as mo-
os cabelos e tomar-lhe o pulso logo depois de já
ças encantam a todos.
tê-lo feito – podem ter sido motivados não tanto
d o diplomata é trapaceiro; o velho, desencantado;
por razões médicas, mas pelo desejo do rapaz de
os rapazes usufruem a vida de modo fútil; e as mo-
ças investem tão somente na beleza exterior. ver melhor a moça e tocá-la.
e o diplomata é esperto; o velho, avançado; os rapa- 04 Inocência reúne algumas características bastante
zes usufruem a vida com parcimônia; e as moças comuns em heroínas românticas: ousadia, agilida-
vivem de devaneios. de, coragem e excepcional beleza.
08 No último parágrafo, percebe-se como Cirino é
contagiado pela malária, doença que acometia Ino-
27 UFSC 2012 Mandara Pereira acender uma vela de sebo.
Vinda a luz, aproximaram-se ambos do leito da enferma cência, vindo a ficar depois gravemente enfermo.
que, achegando ao corpo e puxando para debaixo do 16 Diferentemente de outras obras do Romantismo,
queixo uma coberta de algodão de Minas, se encolheu praticamente não existem em Inocência referên-
toda, e voltou-se para os que entravam. cias à religião, quer nas falas das personagens,
– Está aqui o doutor, disse-lhe Pereira, que vem curar- quer nos comentários do narrador.
-te de vez. 32 O romance Inocência explora uma temática bastan-
– Boas-noites, dona, saudou Cirino. te comum no Romantismo, que é o amor impossível
Tímida voz murmurou uma resposta, ao passo que o e trágico, mas a obra tem alguns trechos de humor,
jovem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo como o episódio em que Meyer é atacado por for-
junto à cama e tomava o pulso à doente. migas e tem que se despir.
Caía então luz de chapa sobre ela, iluminando-lhe o
Soma: 
rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço
vermelho atado por trás da nuca.
Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era 28 UFPR 2012 Considerando os contos de Urupês, de
Inocência de beleza deslumbrante. Monteiro Lobato, e o romance Inocência, de Visconde
Do seu rosto irradiava singela expressão de encanta- de Taunay, assinale a alternativa correta.
dora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno a Inacinho, do conto “Pollice Verso”, é pior profissio-
que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a nal do que Cirino, de Inocência. Embora o primeiro
franjar-lhe as pálpebras, e compridos a ponto de projeta- tenha se formado em medicina, ele é descrito de
rem sombras nas mimosas faces. maneira mais caricata e sarcástica que Cirino, que
[...] não se formou. O vocabulário sofisticado de Inaci-
Ligeiramente enrubesceu Inocência e descansou a
nho impressiona os itaoquenses, mas a qualidade
cabeça no travesseiro.
de sua atuação é desmerecida pelo narrador, que
– Por que amarrou esse lenço? perguntou em seguida
evidencia suas falhas de formação e de caráter.
FRENTE 2

o moço.
– Por nada, respondeu ela com acanhamento.
b Assim como Inocência, Zilda (de “O comprador de
– Sente dor de cabeça? fazendas”) e Pingo d’Água (de “A colcha de reta-
– Nhor-não. lhos”) evidenciam a tentativa dos dois autores de
– Tire-o, pois: convém não chamar o sangue; solte, caracterizar a vida da mulher brasileira do interior,
pelo contrário, os cabelos. representando literariamente a submissão da filha
Inocência obedeceu e descobriu uma espessa cabeleira, à autoridade paterna, o casamento como escolha
negra como o âmago da cabiúna e que em liberdade devia dos pais e o analfabetismo feminino.
183
c No conto “O mata-pau”, um homem das cidades Alfredo – Não, senhor; desejo, e ao mesmo tempo
aprende sobre a flora sertaneja com seu camarada, receio ir.
que tanto lhe tira dúvidas com relação à vegetação Azevedo – Por que razão?
avistada quanto lhe conta histórias sobre os habitan- Alfredo – Porque tenho medo de, na volta, desprezar
tes do lugar. É semelhante a essa a relação entre o o meu país, ao invés de amar nele o que há de bom e
naturalista Meyer e seu camarada, também um ser- procurar corrigir o que é mau.
tanejo contador de causos. ALENCAR, José de. O demônio familiar. Campinas, São Paulo: Pontes, 2003. p. 63.
d A desconfiança que cerca o monstruoso Bocatorta (do
conto homônimo) quanto às profanações de sepultu- a) No trecho citado, a personagem Alfredo expõe
ras, e que é anunciada no medo que Cristina sente, sua percepção a respeito da arte. O autor do texto,
é semelhante à desconfiança que ronda o anão Tico, José de Alencar, utiliza-se da fala da personagem
que nutre uma paixão doentia por Inocência, sentimen- para demonstrar uma preocupação em relação à
to que ele dissimula como se quisesse protegê-la. arte no Brasil. Qual é essa preocupação?
E O sertanejo de Lobato é semelhante ao de Taunay ) Explique a maneira pela qual o europeizado Azevedo
contribui para demonstrar os propósitos de Alencar?
sobretudo no que diz respeito a esta caracterização:
“O legítimo sertanejo, explorador dos desertos, não
tem, em geral, família. Enquanto moço, seu fim único 31 ESPM 2013 Os leitores devem estar lembrados de que o
é devassar terras, pisar campos onde ninguém antes nosso antigo conhecido, de quem por algum tempo nos
pusera o pé, vadear rios desconhecidos, despontar temos esquecido, o Leonardo-Pataca, apertara-se em laços
cabeceiras e furar matas, que descobridor algum até amorosos com a filha da comadre, e que com ela vivia em
então haja varado” (Inocência, capítulo 1). santa e honesta paz. Pois este viver santo e honesto deu
em tempo oportuno o seu resultado. Chiquinha (era este
29 Uepa 2012 O problema de Isaura sempre enseja situa- o nome da filha da comadre), achou-se de esperanças e
ções de violência simbólica. Leia o trecho abaixo em que pronta a dar à luz. Já veem os leitores que a raça dos Leo-
se evidencia uma cena relativa a uma dessas situações nardos não se há de extinguir com facilidade.
e, a seguir, assinale o comentário correto sobre ele. ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.

– Podem-se retirar, – disse Martinho ao oficial de jus- Com base no trecho apresentado e na obra em ques-
tiça e aos guardas, que se achavam postados do lado de tão, assinale a armação inaequaa.
fora da porta. A O fato de o narrador dirigir-se ao leitor caracteriza
– Sua presença não é mais necessária aqui. a metalinguagem e tem a função, nesse caso, de
– Não há dúvida! – continuou ele consigo mesmo; (...)Esta auxiliar na trama do folhetim.
escrava é uma mina que me parece não estar ainda esgotada. b Publicado originalmente em capítulos semanais, as in-
tervenções do narrador serviam também para aguçar
(GUIMARÃES: p.100)
a curiosidade em relação aos acontecimentos futuros.
A Foi extraído de um episódio da época em que Isau- c A maneira divertida de relatar, comum na obra,
ra vivia na fazenda do pai de Leôncio e contém a pode ser verificada no relacionamento entre Leo-
intervenção de Martinho, o irmão de Malvina, prote- nardo-Pataca e Chiquinha: “pronta a dar à luz”
gendo-a e elogiando sua beleza. como consequência do “viver santo e honesto”.
b Pertence à época em que Isaura, já foragida, é re- d Embora a obra prenuncie o Realismo, é possível
conhecida em uma recepção social por Martinho e detectar traços românticos em expressões como
revela sua intenção em tirar proveito do fato. “apertara-se em laços amorosos” e “honesta paz”.
c Pertence à época em que Isaura conhece Álvaro e E O posicionamento, por vezes irônico, do narrador é
concerne ao momento em que Martinho, seu advo- confirmado na declaração sobre a suposta dificul-
gado, impede que a capturem. dade em livrar-se da “raça dos Leonardos”.
d Foi extraído do episódio em que Martinho, o pai de
Isaura, impede que a capturem, usando o dinheiro 32 Fuvest 2011 Todo o barbeiro é tagarela, e principalmente
que acumulara para pagar-lhe a alforria. quando tem pouco que fazer; começou portanto a puxar
E Situa-se no trecho do romance em que Martinho, conversa com o freguês. Foi a sua salvação e fortuna.
arrependido da violência de ter denunciado Isaura, O navio a que o marujo pertencia viajava para a Costa e
despacha os oficiais de justiça e os guardas, impe- ocupava-se no comércio de negros; era um dos combóis que
dindo sua captura. traziam fornecimento para o Valongo, e estava pronto a largar.
— Ó mestre! disse o marujo no meio da conversa,
30 UFG 2011 Leia o trecho a seguir: você também não é sangrador?
Azevedo – […] Não há arte em nosso país. — Sim, eu também sangro...
Alfredo – A arte existe, Sr. Azevedo, o que não existe — Pois olhe, você estava bem bom, se quisesse ir
é o amor dela. conosco... para curar a gente a bordo; morre-se ali que
Azevedo – Sim, faltam os artistas. é uma praga.
Alfredo – Faltam os homens que os compreendam; e — Homem, eu da cirurgia não entendo muito...
sobram aqueles que só acreditam e estimam o que vem — Pois já não disse que sabe também sangrar?
do estrangeiro. — Sim...
Azevedo – (com desdém) Já foi a Paris, Sr. Alfredo? — Então já sabe até demais.
184 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa
No dia seguinte saiu o nosso homem pela barra fora: a — Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, con-
fortuna tinha-lhe dado o meio, cumpria sabê-lo aproveitar; tanto, etc. É conforme.
de oficial de barbeiro dava um salto mortal a médico de Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era
navio negreiro; restava unicamente saber fazer render a autoridade e mandava. Fabiano sempre havia obedecido.
nova posição. Isso ficou por sua conta. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava
Por um feliz acaso logo nos primeiros dias de viagem pouco e obedecia.
adoeceram dois marinheiros; chamou-se o médico; ele RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 28.
fez tudo o que sabia... sangrou os doentes, e em pouco
tempo estavam bons, perfeitos. Com isto ganhou imensa a) Que semelhanças e diferenças podem ser apontadas
reputação, e começou a ser estimado. entre o Major Vidigal, de Memórias de um sargento
Chegaram com feliz viagem ao seu destino; tomaram de milícias, e o soldado amarelo, de Vidas secas?
o seu carregamento de gente, e voltaram para o Rio. Gra- ) Como essas semelhanças e diferenças se relacio-
ças à lanceta do nosso homem, nem um só negro morreu, nam com as características de cada uma das obras?
o que muito contribuiu para aumentar-lhe a sólida repu-
tação de entendedor do riscado. 34 UFBA 2011
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.
I
Neste trecho, em que narra uma cena relacionada ao trá- Sob as apreensões de uma crise social iminente, in-
co de escravos, o narrador não emite julgamento direto falível, que a todos há de custar direta ou indiretamente
sobre essa prática. Ao adotar tal procedimento, o narrador onerosos sacrifícios, o povo brasileiro, e particularmente
A revela-se cúmplice do mercado negreiro, pois fica os lavradores, esperam ansiosos, entre receios por certo
subentendido que o considera justo e irrepreensível. justificáveis e clamores que se explicam sem desar, o pro-
b antecipa os métodos do Realismo/Naturalismo, o nunciamento legal e decisivo da solução do problema da
qual, em nome da objetividade, também abolirá os emancipação dos escravos.
julgamentos de ordem social, política e moral. [...]
c prefigura a poesia abolicionista de Castro Alves, Ninguém se iluda, ninguém se deixe iludir. Não há
que irá empregá-lo para melhor expor à execração combinação de interesses, não há partido político, não há
pública o horror da escravidão. governo, por mais forte que se presuma, que possa impedir
d contribui para que se constitua a atmosfera de au- o proceloso acontecimento.
sência de culpa que caracteriza a obra. [...]
E mostra-se consciente de que a responsabilidade A voz de Deus, o brado do século da liberdade, a
pelo comércio de escravos cabia, principalmente, opinião do mundo, o pronunciamento dos governos, o
aos próprios africanos, e não ao tráfico negreiro. espírito e a matéria, a ideia e a força querem, exigem, e em
caso extremo hão de impor a emancipação dos escravos.
33 Unicamp 2012 Os trechos a seguir foram extraídos de MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes: quadros da
Memórias de um sargento de milícias e Vidas secas, escravidão. 4 ed. São Paulo: Zouk, 2005. p. 7-8.
respectivamente.
O som daquela voz que dissera “abra a porta” lançara II
entre eles, como dissemos, o espanto e o medo. E não foi
sem razão; era ela o anúncio de um grande aperto, de que
por certo não poderiam escapar. Nesse tempo ainda não
estava organizada a polícia da cidade, ou antes estava-o
de um modo em harmonia com as tendências e ideias da
época. O Major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo
de tudo o que dizia respeito a esse ramo de administração;
era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo
o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua
imensa alçada não haviam testemunhas, nem provas, nem
razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça
era infalível; não havia apelação das sentenças que dava,
fazia o que queria, ninguém lhe tomava contas. Exercia
enfim uma espécie de inquirição policial. Entretanto, faça- Mané galinha: [...] Você é uma criança!
mos-lhe justiça, dados os descontos necessários às ideias Menino: — Que criança? Eu fumo, cheiro, já matei,
do tempo, em verdade não abusava ele muito de seu poder, já roubei [...] Eu sou sujeito homem.
e o empregava em certos casos muito bem empregado. Cidade de Deus. Direção: Fernando Meirelles. Roteiro: Bráulio Mantovani.
FRENTE 2

2002. Intérpretes: Matheus Nachtergaele e um grupo de atores, em sua


ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.
maioria, amadores, moradores da comunidade retratada no filme.
Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978. p. 21.

Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e Os fragmentos transcritos dizem respeito à visão c-
bateu familiarmente no ombro de Fabiano: cional da existência de afrodescendentes no Brasil,
— Como é, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um em momentos históricos distintos.
lá dentro? Teça um comentário sobre as representações do ne-
Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, gro brasileiro de ontem e de hoje, focalizadas nas
procurando as palavras de Seu Tomás da bolandeira: duas obras identicadas por I e II.
185
35 Unicamp 2014 O excerto a seguir é o trecho final de Texto para a(s) próxima(s) questão(ões).
Memórias de um sargento de milícias, de Manuel An- 1
Era no tempo do rei.
tônio de Almeida. Uma das quatro esquinas que formam as ruas do
O segredo que a Maria-Regalada dissera ao ouvido Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, cha-
do major no dia em que fora, acompanhada por D. Maria mava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos –; e bem lhe
e a comadre, pedir pelo Leonardo, foi a promessa de que, assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favo-
se fosse servida, cumpriria o gosto do major. rito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então
Está pois explicada a benevolência deste para com de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não
o Leonardo, que fora ao ponto de não só disfarçar e ob- são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo
ter perdão de todas as suas faltas, como de alcançar-lhe do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e
aquele rápido acesso de posto. respeitada; formavam um dos extremos da 2formidável
Fica também explicada a presença do major em casa cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no
da Maria-Regalada. tempo em que a 3demanda era entre nós um elemento de
Depois disto entraram todos em conferência. O major vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora,
desta vez achou o pedido muito justo, em consequência os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o
do fim que se tinha em vista. Com a sua influência tudo círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates
alcançou; e em uma semana entregou ao Leonardo dois das 4citações, provarás, 5razões principais e finais, e todos
papéis: — um era a sua baixa de tropa de linha; outro, sua esses 6trejeitos judiciais que se chamava o processo.
nomeação de sargento de milícias. Daí sua influência moral.
Além disto recebeu o Leonardo ao mesmo tempo carta de Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias.
seu pai, na qual o chamava para fazer-lhe entrega do que lhe
deixara seu padrinho, que se achava religiosamente intacto. 38 FGV-SP 2015 Já na frase de abertura das Memórias de
Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo, um sargento de milícias – “Era no tempo do rei.” (ref. 1)
em uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na Sé –, que remete ao mesmo tempo à abertura-padrão dos
com Luizinha, assistindo à cerimônia a família em peso. contos da carochinha e ao período joanino da história
ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento do Brasil, manifestam-se as duas modalidades do tempo
de milícias. Cotia: Ateliê Ed., 2000.
presentes nessa obra: uma, de caráter lendário e intem-
a) Que diferença significativa pode ser estabelecida poral e, outra, de caráter histórico bem determinado.
entre a condição inicial do herói do romance e O convívio dessas duas modalidades do tempo indica
sua condição final, reproduzida no trecho apre- que, do ponto de vista dessa obra, a história brasileira
sentado? caracterizou-se pela conjunção de
) Essa condição foi alcançada por mérito de Leo- A mudança e imobilismo.
nardo? Justifique. b realismo e alucinação.
c religiosidade e materialismo.
36 Unicamp 2013 Em uma passagem célebre de Memó- d liberdade e opressão.
rias de um sargento de milícias, pode-se ler, a respeito E localismo e cosmopolitismo.
da personagem de Leonardo Pataca, que “o homem
era romântico, como se diz hoje, e babão, como se 39 Acafe 2015 Assinale a alternativa que não se refere à
dizia naquele tempo”. (Manuel Antônio de Almeida. obra Juiz de Paz na Roça, de Martins Pena.
Memórias de um sargento de milícias. Rio de Janeiro: A O enredo é uma sátira da justiça na época do
Livros Técnicos e Científicos, 1978. p. 19.) Segundo Império, denunciando a corrupção e o
a) De que maneira a passagem apresentada explici- abuso das autoridades.
ta o lugar peculiar ocupado pelo livro de Manuel b O gênero textual que o autor utiliza para inventar
Antônio de Almeida no Romantismo brasileiro? sua história denomina-se fábula, que, na concep-
) Como essa peculiaridade do livro se manifesta, ção latina, é uma narrativa de caráter mítico. Essa
de maneira geral, na caracterização das persona- peça de teatro trata da avareza em tom de humor.
gens e na construção do enredo? c O momento histórico da ação é o mesmo da Re-
volução Farroupilha, acontecida no Rio Grande do
37 PUC-RS 2015 Considerando-se o intervalo entre o con- Sul, em 1834: e da convocação militar que José,
texto em que transcorre o enredo da obra Memórias noivo de Aninha, vem fugindo.
de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Al- d A peça enquadra-se na estética romântica, no en-
meida, e a época de sua publicação, é orreto afirmar tanto inclui traços de realismo, tanto na descrição
que a esse período corresponde o processo de do cotidiano rude da família de Manuel João quan-
A reforma e crise do Império Português na América. to no despreparo intelectual para exercer o cargo
b triunfo de uma consciência nativista e nacionalista de juiz de paz. Trata-se, em síntese, de uma obra
na colônia. romântica com características do realismo.
c independência do Brasil e formação de seu Estado
nacional. 40 Ufla Considerando-se que foram, entre outros, auto-
d consolidação do Estado nacional e de crise do re- res de teatro em língua portuguesa: Almeida Garrett,
gime monárquico brasileiro. Gil Vicente, Jorge Andrade, Machado de Assis e Nel-
E Proclamação da República e instauração da Primei- son Rodrigues, com qual deles o teatro de Martins
ra República. Pena tem fortes semelhanças?
186 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 6 Romantismo: prosa
Domínio público
Jean-François Millet, A fiandeira, 1868-69,
óleo sobre tela, Museu D’Orsay,
Paris, França.

FRENTE 2

CAPÍTULO Realismo: a desconstrução romântica

7
Em certo momento, chegava ao m o ideal de vida plena na natureza e de moças frágeis
em meio aos bailes à espera do cortejo do el cavalheiro. A vida passaria a ser descrita
com delidade, e os pormenores do cotidiano ganhariam importância. Ressentidos, os
escritores do Romantismo começam a assistir ao surgimento de uma nova geração, a qual
acusam de se inclinar xa e exageradamente pelo real e pela verdade.
Condenando piamente toda forma de escapismo e de sonho, essa escola, que veio a ser
chamada Realismo, preconizava uma literatura engajada com as questões sociais e os instru-
mentos de transformação da realidade, diretamente envolvida com os movimentos operários
e as lutas políticas. Para isso, os escritores realistas acreditavam que era preciso abordar
questões concretas sob a ótica dos métodos cientícos de observação das coisas e dos fatos.
Realismo: a consolidação da arte estudar os fenômenos naturais e humanos, já que exigia
uma delimitação precisa dos objetos de estudo, uma me-
burguesa todologia de pesquisa rigorosa e uma análise experimental
Na segunda metade do século XIX, seguindo uma dos fatos estudados. Essa teoria condenava os achismos
proposta realista de arte, as obras procuram expressar a e as explicações transcendentes, exigindo que as teorias
realidade de maneira objetiva, sem fantasia ou sentimenta- acadêmicas e científicas fossem comprovadas por meio de
lismo, opondo-se ao Romantismo e ao universo imaginário experimentos. O determinismo, por sua vez, estabeleceu
no intuito de apresentar uma representação mais fiel da vida que o comportamento humano era definido por três fatores:
das pessoas. Surge, assim, um novo estilo de época, que, o meio social, a raça e o momento histórico.
graças às suas características, foi denominado Realismo. Assim, os valores religiosos começaram a perder força
A literatura realista procurava atender às demandas e a ser questionados pelos jovens cientistas, os quais se
de um novo público leitor que se firmava: a classe média baseavam em suas descobertas, e a moral aristocrata foi
burguesa. Com o consolidar do estilo de vida desse público substituída pela ética burguesa, a qual ressaltava o valor
e com o avanço da industrialização, os países europeus do trabalho e do esforço individual. Em suma, o momento
sofreram grandes transformações sociais e ideológicas ao era de quebrar paradigmas e questionar tudo que se tinha
longo de todo o século XIX. como certeza.
Muitas mudanças, nesse sentido, puderam ser obser- O público leitor burguês, que surgiu durante o Roman-
vadas. Os trabalhadores do campo, por exemplo, passaram tismo, e o público universitário, que estudava as novas
a migrar cada vez mais para as cidades, assumindo posi- teorias, tornaram-se mais exigentes e interessados nas
ções nas fábricas e no comércio; já as famílias burguesas questões da vida cotidiana; além disso, formados segun-
enriqueceram, e as aristocratas começaram a perder seu do as regras e os interesses capitalistas, ambos preferiam
prestígio econômico e político; surgiram invenções tecno- textos mais objetivos, retratando a realidade sem floreios
lógicas que mudaram os comportamentos profissional e linguísticos ou sentimentalismos exagerados.
doméstico. Além disso, com o desenvolvimento da impren- Diante desse cenário, a produção literária realista pro-
sa, as notícias passaram a circular mais rapidamente e a curou dar conta da efervescência de um mundo que se
atingir um número cada vez maior de pessoas. Dessa forma, alterava rapidamente, aceitando o desafio de pensar nas
visando ao lucro, o capitalismo começou a exigir um modo mudanças que vinham ocorrendo no trabalho, na família, na
mais prático e objetivo de encarar a vida. fé, no amor e no conhecimento, a fim de poder discuti-las.
Os burgueses passaram a frequentar escolas e even- Nesse sentido, a vida difícil da população menos fa-
tos culturais, aumentando seu nível de escolaridade e seu vorecida começou a ser representada literariamente e
acesso à cultura, com o intuito de aprimorar, também, os encarada como um problema social; a persistência de
seus negócios. práticas arcaicas era constantemente denunciada, e as
Nos meios acadêmicos, o período era de cientificismo novas descobertas da ciência divulgadas para um público
e laicismo, visto que surgiram teorias como o racionalismo, mais amplo. No entanto, o contato com a literatura ainda
o positivismo e o determinismo. A primeira delas vinha se ficava restrito aos estratos sociais médios e superiores, já
consolidando como corrente filosófica e estabelecia uma que eles tinham acesso à educação, enquanto a grande
nova postura sobre o conhecimento; suas palavras de or- parcela do proletariado só consumia, quando muito, uma
dem eram “raciocínio” e “lógica”. Já o positivismo, com seu literatura de fuga, com tramas leves e repleta de clichês,
método científico, mudava completamente a maneira de voltada unicamente para o entretenimento.
Gustave Courbet/Web Gallery of Art (Domínio público)

Fig. 1 Gustave Courbet, Os quebrado-


res de pedras, 1849, óleo sobre tela,
Gemäldegalerie, Dresden, Alemanha.
Com essa pintura, Courbet buscou re-
presentar a vida rotineira e laboriosa
das pessoas comuns, transmitindo um
verdadeiro sentimento de realidade e
realçando o cotidiano rural tal como
ele é.

188 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Saiba mais
que um elemento simbolizasse todo o conjunto de determi-
Grandes transformações na área científica ocorreram durante a escola nado segmento social; desse modo, tais personagens-tipo
literária do Realismo. Nesse contexto, ao aplicar o método científico raramente apresentavam uma expressão particularizada, e
ao estudo das espécies animais, Charles Darwin desafiou o que a suas atitudes e falas eram facilmente estendidas à totalida-
Igreja ensinava sobre a origem dos seres humanos. Por meio do de do grupo ou da categoria que representavam, como o
conceito de seleção natural, o estudioso procurou provar que os proletariado, a imprensa etc.
seres vivos estavam em constante evolução enquanto se adaptavam Ao descrever tais personagens e refletir sobre elas, o
ao meio ambiente; dessa maneira, foi criada a teoria evolucionista,
narrador, por vezes, adotava uma postura extremamente crí-
conhecida como darwinismo. Essa descoberta chocou a sociedade –
ainda bastante presa aos dogmas da Igreja Católica –, mas apareceu tica, satirizando os ricos, os burgueses e os religiosos com
em um momento oportuno, quando tudo era questionado. o objetivo de denunciar a hipocrisia da classe dominante.
Dessa maneira, era comum a simpatia pelo proletariado e
pelos miseráveis.
Características do Realismo Os fatos narrados nos romances realistas compreen-
Os artistas que se afiliaram à estética realista adotaram diam recortes do cotidiano comum, aparentemente sem
a atitude de buscar um registro o mais próximo possível nada de extraordinário. Entretanto, os acontecimentos da
da realidade; por isso, questionaram qualquer postura de narrativa não eram aleatórios e costumavam seguir a lógica
idealização e de ufanismo, optando por uma visão mais fiel de causa/efeito e se desenvolver de modo perfeitamente
dos fatos. De modo intencional e sistemático, abordaram os racional. O leitor era convidado a adivinhar o que vinha a
problemas sociais, econômicos, políticos e psicológicos de seguir de acordo com as decisões tomadas por cada per-
seu tempo, escancarando, diante do público burguês, as sonagem e as pistas dadas pelo narrador.
próprias mazelas da vida burguesa. Interessavam-se pouco A maioria dos romances realistas era publicada como
pelo passado ou pelo futuro, já que retratavam em seus folhetins, ou seja, seus capítulos eram veiculados pro-
textos os problemas do presente. gressivamente, impressos de forma periódica nos jornais
No Realismo, havia o propósito de realizar uma análise e acompanhados pelo público leitor como se fossem epi-
rigorosa e precisa do mundo. Desse modo, costumava-se sódios de uma novela. Os seus escritores optavam por
construir narradores com discursos objetivos e elaborados, utilizar uma linguagem fácil e de rápida compreensão, a fim
por vezes de forma científica (com objetos bem delimitados, de conquistar o leitor apressado dos jornais. Posteriormen-
métodos rigorosos, estudos de casos etc.) e com dialética te, lançava-se o volume completo do romance no formato
(com tese, antítese e síntese). Os temas ficcionais eram de livro, sendo sua linguagem, muitas vezes, revista antes
tratados como se fossem casos exemplares das questões da publicação; o conteúdo de alguns romances, inclusive,
da realidade. passava por mudanças substanciais.
[...] o artista não tem direito de expressar a sua opinião São princípios gerais do Realismo:
sobre coisa alguma, não importando do que se trate. Deus já y Objetividade: o narrador deve ser imparcial e impes-
expressou alguma vez uma opinião? [...] Creio que a grande soal diante dos fatos que está narrando e manter o
arte é científica e impessoal [...] Não quero nem amor nem compromisso de fidelidade à realidade.
ódio, nem piedade nem raiva [...] Já não é tempo de introduzir y Contemporaneidade: o narrador se preocupa com
a justiça na arte? A imparcialidade da descrição tornar-se-ia,
o momento histórico atual; assim, os acontecimentos
então, igual à majestade da lei.
do passado e as reflexões sobre o futuro interessam
Carta de Émile Zola a George Sand. In: FISCHER, Ernest.
A necessidade da arte. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 89. apenas quando ajudam na compreensão de proces-
sos do presente.
Desprendendo-se da imaginação, do sonho, da fantasia
y Retrato de pessoas comuns: as personagens criadas
e da subjetividade, esses narradores apresentavam uma
se assemelham às pessoas do povo, ricas ou pobres.
imagem neutra da realidade representada, desprovida de
y Determinismo: as personagens são condicionadas
interpretações pessoais. Porém, na prática, os escritores
aos fatores físicos, como a raça, o gênero e o tempe-
realistas eram indivíduos muito pensantes, críticos e intru-
ramento, e ao meio social, por exemplo, o ambiente, a
sivos, adotando, muitas vezes, uma postura de delator de
educação e a classe social.
suas personagens.
y Lei da causalidade: os acontecimentos seguem a
As personagens realistas se assemelhavam às pessoas
relação de causa e efeito, sempre havendo uma ex-
comuns que transitavam pelas ruas e frequentavam os es-
plicação lógica para eles.
paços públicos, por isso não tomavam sempre as melhores
y Linguagem cotidiana: os narradores têm preferência
decisões nem viviam fatos fantásticos ou miraculosos; além
FRENTE 2

pela língua corrente, de compreensão imediata, com


disso, não sabiam nada além do que permitiria sua posição
períodos curtos e vocabulário simples.
na sociedade, por exemplo, de rico ou pobre, mulher ou
homem, estudado ou inculto, empregado ou empregador,
entre outros. Assim, as dificuldades dessas pessoas esta- Comezinho: o que é fácil e bom de comer. Em sentido figurado, o
que é simples, de rápido entendimento e próprio da vida comum;
vam ligadas ao cotidiano comezinho.
corriqueiro. Por extensão de sentido, o que faz parte da vida domés-
No entanto, apesar de semelhantes às pessoas reais, tica, que é caseiro.
essas personagens costumavam ser tipificadas, de maneira

189
Realismo na Europa Ainda na França, outro escritor que se destaca é Émile
Zola (1840-1902), que, levando os ideais de cientificismo e
É o escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880) quem
crítica social do Realismo ao extremo, funda uma escola
consolida os elementos da estética do Realismo.
literária própria: o Naturalismo.
Defendendo a neutralidade do artista, Flaubert procura
Enquanto o Realismo mostra as personagens intera-
ser imparcial e fiel à realidade; perfeccionista, desenvolve des-
crições minuciosas em que o mais ínfimo detalhe por vezes gindo com seu meio social, o Naturalismo as apresenta
ganha o centro da cena. Diante da obra desse artista, caberia como meros produtos desse meio: o ser humano naturalista
ao leitor fazer o próprio juízo sobre aquilo que é representado. é um indivíduo completamente condicionado aos fatores
Gustave Flaubert publicou o romance Madame Bovary hereditários e ambientais e com o instinto mais forte que
(1857), a partir do qual o Realismo passou a ganhar adeptos qualquer esforço consciente, o que o mantém mais próximo
por vários países da Europa e das Américas. de sua natureza animal.
Dentre os romances naturalistas de Zola, destaca-se
Tínhamos o costume, ao entrar na sala, de jogar os gorros a obra Germinal (1885), a qual, se fosse produzida nos
no chão, para ficar com as mãos mais livres; era preciso, desde
dias de hoje, seria descrita como jornalismo literário. Para
a soleira da porta, atirá-los debaixo das carteiras, de maneira a
retratar a realidade de uma mina de carvão onde havia
bater contra a parede fazendo muita poeira; era o que se fazia.
ocorrido uma greve violenta com dois meses de duração,
Mas ou porque ele não tivesse notado essa manobra, ou
porque não tivesse decidido submeter-se a ela, a oração já Zola foi trabalhar como mineiro e passou a viver em um
havia acabado e o novato ainda mantinha o casquete sobre os dos cortiços das redondezas; desse modo, o narrador da
dois joelhos. Era uma dessas carapuças de natureza compósita, obra fala com a autoridade de quem realmente se sub-
onde se encontram elementos de gorro de pelo, de chapska, meteu às experiências descritas. Com uma linguagem nua
do chapéu redondo, do boné de lontra e do gorro de algodão, e precisa, ele descreve o calor da luta de classes com
uma dessas pobres coisas enfim, cuja feiura muda tem a mesma primazia. Escrito após o Manifesto comunista, o romance
profundeza de expressão que o rosto de um imbecil. Ovoide e tem um desfecho otimista: os grevistas encerram a greve
abaulado com barbatanas, começava por três rolos circulares; conscientes de seu valor e confiantes no sucesso de uma
em seguida, alternavam-se, separados por uma faixa vermelha, futura revolução.
losangos de veludo e de pelos de coelho; vinha depois uma
espécie de saco que terminava por um polígono cartonado, Saiba mais
coberto por um bordado em galão complicado, e de onde pen-
dia, na ponta de um longo cordão bem fino, uma cruzinha de Desenvolvido pelo filósofo e economista alemão Karl Marx em
fios de ouro, à maneira de glande. Era novo; a viseira brilhava. parceria com Friedrich Engels, o marxismo surgiu no período
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary: costumes de província do Realismo e foi uma relevante doutrina social. Ao investigarem
[livro eletrônico]. LARANJEIRA, Mário (Trad.). São Paulo: Companhia as relações de trabalho e as condições de vida do proletariado,
das Letras, 2011. p. 61-2. (Clássicos Penguin) Marx e Engels conclamavam uma luta de classes que desse cabo
Este trecho, retirado do primeiro capítulo do romance, à exploração do homem pelo homem por meio de uma revolução
que pusesse fim ao modo de vida burguês e à miséria dos traba-
evidencia a obsessão do narrador de Flaubert pela descrição
lhadores. Dessa maneira, idealizavam, como consequência de tal
dos detalhes. O elemento prosaico e sem interesse do gorro revolução, uma sociedade comunista, em que haveria justiça e
surge como espelho do caráter do jovem Charles Bovary: igualdade entre todas as pessoas.
um palerma, apático e passivo. Assim, o episódio não só
demonstra a incapacidade que ele tem de seguir as tendên-

Samuel Luke Fildes (Domínio público)


cias, mas também seu apreço exagerado por “suas coisas”.
Madame Bovary ganhou notoriedade por abordar os
temas da traição e da sexualidade feminina, mas é digno
de nota seu enfoque nas dificuldades de adaptação aos
novos tempos e valores, principalmente das pessoas do
campo. Vale apontar que o subtítulo do romance é “costu-
mes de província”.

Saiba mais

Madame Bovary levou seu autor, Gustave Flaubert, aos tribunais


franceses, acusado de ofensa à moral pública. Inocentado das acu-
sações, o escritor fez história ao abordar o adultério e as fraquezas
humanas sem os floreios e a idealização da estética romântica. Sua
protagonista, Emma, educada em um convento segundo os moldes
burgueses e leitora assídua de obras românticas, idealiza o casamen- Fig. 2 Samuel Luke Fildes, Candidatos para admissão em uma enfermaria comum,
to perfeito com o médico Charles Bovary. No entanto, enfadada com 1874, óleo sobre tela, Tate, Londres, Inglaterra.
a mediocridade da vida burguesa e com próprio casamento, torna-se
uma mulher adúltera. Por fim, diante das desilusões e da hipocrisia Chapska: boné de origem polonesa usado pelos lanceiros franceses
da sociedade, Emma decide se matar por envenenamento. no século XIX.

190 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Fora da França, vários escritores de prestígio adotaram inovações técnicas, econômicas e culturais que observava
a estética realista, como o inglês Charles Dickens e o russo em outros países.
Fiódor Dostoiévski. Como os românticos – geração anterior de escrito-
Dickens (1812-1870) criticou rigorosamente os pro- res – já haviam consolidado um público massivo, formado
blemas sociais da Inglaterra vitoriana, denunciando o segundo a cultura laica e a ética burguesa, o problema
desemprego, a violência, a prostituição e as mazelas sur- dessa nova geração de escritores não era conquistar um
gidas das péssimas condições de trabalho nas fábricas. público, mas sim denunciar a situação estagnada do país
Apesar de elaborar descrições de extremo realismo, rara- e incentivar a corrida ao progresso. Para isso, seus textos
mente adotava narradores impessoais; ao contrário disso, confrontavam as práticas naturalizadas da sociedade, crian-
estes geralmente eram irônicos e com forte consciência do uma atmosfera de denúncia, deboche e crítica social
social – o próprio autor participou de atividades sociais e ferrenha.
buscou ajudar de forma prática a vida dos mais pobres e Dentre as Conferências Democráticas, vale destacar a
excluídos. Dentre as suas obras, destacam-se Oliver Twist, última palestra, proferida por Antero de Quental em 24 de
Um conto de Natal e David Copperfield. maio de 1871 e intitulada “Causas da decadência dos povos
Já o escritor Fiódor Dostoiévski (1821-1881) envolveu-se peninsulares nos últimos três séculos”. Tratava-se de um
com movimentos democráticos, chegando a ser preso e discurso bastante forte e centrado – publicado em livro,
condenado a trabalhos forçados na Sibéria. Muito afetado mais tarde, pelo próprio Antero de Quental –, que, como o
pela morte precoce do pai e por seus constantes ataques título indica, apresentava uma tese sobre as causas da ruína
epiléticos, costumava refletir bastante sobre a morte e as de Portugal e da Espanha. O texto é incisivo e eloquente,
condições fugidias da vida humana. Seu romance Crime e conclama os ouvintes a também se indignarem e, assim,
castigo é uma das obras mais célebres da literatura mun- moverem-se para participar ativamente da revolução e do
dial. Dentre seus escritos, destacam-se também O idiota, progresso. No entanto, Antero de Quental em momento
Recordações da casa dos mortos e Os irmãos Karamazov. algum renega as antigas glórias portuguesas; o que ele
ataca é a incapacidade de ação de seus contemporâneos,
Realismo em Portugal pois, confiantes em sua tradição de conquistadores, os
Observemos mais de perto como se deu a produção portugueses estavam atrasados na corrida europeia pela
literária realista em nossa Língua Portuguesa, com foco no modernização. As causas abordadas foram as seguintes:
Realismo em Portugal, o que será importante para, poste- y Causa moral: o catolicismo radical, instituído pelo Con-
riormente, entendermos mais a fundo os desdobramentos cílio de Trento (1545-1653), minou o desenvolvimento
do Realismo no Brasil. de uma sociedade liberal. A Inquisição da Península
Em meados do século XIX, Portugal já havia perdido, Ibérica procedia com intensa censura sobre qualquer
muito tempo antes, sua posição de potência mundial, o ideia aparentemente transgressora.
que aconteceu, entre outros fatores, em virtude da vinda y Causa política: o absolutismo dificultava os esforços
da Família Real Portuguesa para o Brasil. democráticos vitais para o desenvolvimento de uma
Assim, suas grandes cidades, Lisboa e Porto, pa- burguesia forte e transformava o povo em “patrimônio
reciam províncias quando comparadas às capitais dos providencial dos reis”.
demais países europeus. Nesse contexto, a atitude de y Causa econômica: as consequências das conquistas
contestação realista chegou com bastante força entre os ultramarinas, apontadas por Antero de Quental como
jovens intelectuais portugueses. O grupo conhecido como negativas ao desenvolvimento do país, levaram a uma
“Geração de 70”, encabeçado pelos jovens acadêmicos intensa emigração que minou o desenvolvimento da
de Coimbra Antero de Quental, Eça de Queirós, Guerra agricultura, dificultou o comércio interno e causou a
Junqueiro, Teófilo Braga e Oliveira Martins, promoveu um “inércia industrial” do país.
movimento realista que buscava o despertar da consciên- Apesar de seu tom pessimista, o texto apontava uma
cia entre os portugueses, criticando a elite letrada e sua solução para que Portugal se reerguesse: romper com o
cegueira diante dos problemas sociais e combatendo as passado e com o apego às grandes conquistas de outrora,
atitudes arraigadas na cultura nacional, que acreditavam enxergar seus limites e investir em si mesmo de dentro
ser o entrave ao progresso do país. A denominação do para fora. Dizer isso à terra da “saudade” era, no mínimo,
grupo veio das Conferências Democráticas do Cassino muito ousado.
Lisbonense, de 1871 – uma série de encontros que tinham Fomos os portugueses intolerantes e fanáticos dos séculos
como objetivo contribuir para a modernização e a refor- XVI, XVII e XVIII: somos agora os portugueses indiferentes do
ma da sociedade, fundamentais para a consolidação do século XIX. [...] do espírito guerreiro da nação conquistado-
FRENTE 2

Realismo em Portugal. Após cinco conferências públicas, ra, herdamos um invencível horror ao trabalho e um íntimo
dentre as quais duas de Antero de Quental e uma de Eça desprezo pela indústria. Os netos dos conquistadores de dois
de Queirós, os jornais conservadores concluíram que os mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a
encontros consistiam em reuniões subversivas, e o gover- fortuna, ou mendigar pelas secretarias um emprego: o que não
no proibiu a continuidade deles. podem, sem indignidade, é trabalhar! Uma fábrica, uma ofici-
A Geração de 70 tinha uma intensa comunicação com o na, uma exploração agrícola ou mineira, são coisas impróprias
exterior, principalmente com a França, e desejava trazer as da nossa fidalguia. Por isso as melhores indústrias nacionais

191
estão nas mãos dos estrangeiros, que com elas se enriquecem, público. Assim, o escritor não teve formação univer-
e se riem das nossas pretensões. [...] Dessa educação, que a sitária, mas, com suas ambições literárias, escreveu,
nós mesmos demos durante três séculos, provêm todos os nos- ainda bastante jovem, dramas históricos. Ao lado de
sos males presentes. As raízes do passado rebentam por todos Antero de Quental, participou do movimento socialista
os lados no nosso solo: rebentam sob forma de sentimentos, em Portugal e produziu textos sobre essa teoria, além
de hábitos, de preconceitos. Gememos sob o peso dos erros de alguns trabalhos de crítica literária. Fixando-se no
históricos. A nossa fatalidade é a nossa história. Que é pois Porto como administrador de uma ferrovia, dirigiu a
necessário para readquirirmos o nosso lugar na civilização? Revista Ocidental (1875) e continuou a publicar tex-
Para entrarmos outra vez na comunhão da Europa culta? É tos críticos e contestadores. Escreveu sobre assuntos
necessário um esforço viril, um esforço supremo: quebrar re-
diversos, tendo, inclusive, se aventurado pela Linguís-
solutamente com o passado.
tica. Empreendeu uma série de biografias e romances
QUENTAL, Antero de. “Causas da decadência dos povos peninsulares nos
últimos três séculos”. Lisboa, 27 maio 1871. Discurso proferido durante de viagem; porém, foi como historiador que produziu
sessão das Conferências Democráticas. seus trabalhos de maior peso.
y Teófilo Braga (1843-1924) formou-se em Direito,
seguiu carreira acadêmica e tornou-se professor uni-
Alguns doutrinários do Realismo em versitário de Letras antes de entrar para a política, na
Portugal qual cumpriu um mandato presidencial de transição.
y Antero de Quental (1842-1891) foi um dos mais im- Teve uma vasta produção acadêmica, principalmen-
portantes poetas realistas portugueses. Aos 16 anos, te em Teoria Literária, Filosofia e História. Foi também
ingressou no curso de Direito da Faculdade de Coim- um importante poeta realista, destacando-se por seus
bra e teve contato com as principais ideias liberais contos fantásticos.
vigentes na Europa, o que o levou a se afastar por com- y Guerra Junqueiro (1850-1923) veio de família abas-
pleto dos valores conservadores e católicos herdados tada, formou-se em Direito e seguiu a carreira de
nos Açores. Em 1864, publicou o livro de poemas Odes burocrata e político. Logo cedo, publicou seus primei-
modernas, que provocou muita polêmica. Em 1865, ros poemas. Em seu livro mais conhecido, Morte de
foi para Paris com a intenção de pôr em prática suas D. João (1874), fez uma sátira ao donjuanismo como
teorias socialistas e voltou de lá com as ideias que ex- forma de exploração e perversão social.
pressou nas Conferências de 1871. y Sampaio Bruno (1857-1915) foi formado no seio das
A produção poética de Antero está intimamente ligada ideias liberais e do pensamento socialista, juntando-
à sua vida pessoal e ao seu crescimento intelectual. Em -se cedo ao grupo liderado por Antero de Quental. Foi
seu livro Sonetos, há um eu lírico que inicia sua carreira o redator do manifesto da revolta republicana, de 31
seguindo as regras da escola romântica, mas que depois de janeiro de 1891. Mais tarde, acabou por se afastar
toma a frente de um apostolado social, passando a pro- da estética racionalista de seus primeiros trabalhos e
duzir uma poesia revolucionária atenta aos problemas da destacou-se pelo livro O encoberto (1904), de cunho
época. Por fim, o eu lírico se perde em um pensamento místico e metafísico. Seu pensamento filosófico influen-
pessimista, cheio de desejos de morrer. ciou significativamente o escritor Fernando Pessoa.
Antero de Quental é afastado do universo acadêmico y Cesário Verde (1855-1886) formou-se em Letras e pas-
para tomar conta dos negócios da família após a morte sou a vida entre aventuras noturnas e a administração
do pai. O escritor é, então, acometido por uma grave dos negócios paternos. Por meio de uma linguagem
doença que não lhe permite sair da cama e comete mais natural e de questionamentos ao romantismo
suicídio. piegas, produziu uma expressão poética superior à
y Ramalho Ortigão (1836-1915) é o membro mais ve- da pequena burguesia lisboeta irreligiosa e republica-
lho da Geração de 70. Foi folhetinista, crítico literário na da época. Muitos críticos consideram que Cesário
com forte atuação na cidade do Porto e amigo da fa- Verde foi o único poeta realista que, de fato, conse-
mília de Eça de Queirós. Por meio deste, Ortigão se guiu superar a herança romântica. Um ano após sua
aproximou da estética realista francesa e logo se morte, suas poesias foram coligidas de forma incom-
envolveu com a reforma literária proposta pelos jo- pleta por seu amigo Silva Pinto no Livro de Cesário
vens escritores de Coimbra. Em parceria com Eça, Verde, de 1887.
escreveu o romance realista O mistério da estra-
da de Sintra (1871), fundando, com ele, As farpas, Questão Coimbrã
uma publicação mensal em forma de folheto que tecia Ocorrida em 1865, a Questão Coimbrã foi um embate
comentários críticos e irônicos sobre os últimos aconte- literário-ideológico que colocou os velhos e consagrados
cimentos da época. Na produção literária de Ramalho escritores românticos de um lado e os jovens e polêmicos
Ortigão, destaca-se o livro Contos cor de rosa (1870), escritores realistas portugueses de outro, por meio de um
no qual se percebe um realismo dândi e irônico. debate veiculado em jornais, revistas e folhetos. Dessa for-
y Oliveira Martins (1845-1894) se viu obrigado a co- ma, os românticos, sobretudo Antônio Feliciano de Castilho,
meçar a trabalhar muito cedo e a abandonar o liceu insistiam em defender um modelo de “perfeição poética”, e
quando, aos 15 anos, perdeu o pai, um funcionário os realistas, liderados por Antero de Quental, uma literatura

192 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


voltada para os problemas sociais e escrita com a língua portuguesa da época. Pouco depois, foi nomeado cônsul e pas-
viva do falar cotidiano. sou a viver fora de Portugal permanentemente. Casou-se aos
Castilho chegou a escrever um tratado de metrifica- 41 anos de idade e faleceu aos 55, na França.
ção que traçava as características formais da verdadeira Nas Conferências Democráticas, conduziu uma pales-
arte literária, enquanto Quental editou um periódico cha- tra intitulada “O Realismo como nova expressão da arte”,
mado Bom senso e bom gosto para discursar sobre os na qual demonstrou seus interesses teóricos em torno da
novos ideais europeus e suas implicações artísticas. Um estética realista, mostrando-se, naquele momento, ainda
episódio marcante dessa querela foi o “duelo de penas”, completamente confiante em seus potenciais. Seu projeto
que se transformou em um duelo de espadas (literal- literário, formulado com objetividade e clareza, revelou a
mente) entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Tal intenção de criar romances com função social, o que se
situação ocorreu por conta do folheto “Literatura de hoje”, evidencia em uma carta escrita ao amigo Teófilo Braga:
em que Ortigão (que mais tarde iria integrar a Geração de
A minha ambição seria pintar a sociedade portuguesa [...]
70) acusava Quental de covarde por ter insultado o “cego
e mostrar-lhe como num espelho, que triste país eles formam –
velhinho” Feliciano de Castilho.
eles e elas. [...] É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo
sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo
António Carvalho da Silva Porto/Wikimedia Commons (Domínio público)

supersticioso – e com todo respeito pelas instituições que são


de origem eterna, destruir as “falsas interpretações e falsas
realizações”, que lhe dá uma sociedade podre.
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Nobel, 1980. p. 312.

A obra de Eça de Queirós é geralmente dividida em


três momentos:
y Textos iniciais, publicados em folhetim e, depois, reu-
nidos no volume Prosas bárbaras.
y Fase realista, iniciada em 1875 com a publicação
do romance O crime do padre Amaro, seguido por
O primo Basílio, de 1878, e Os Maias, de 1888.
y Fase pós-realista, com destaque para as obras
A ilustre casa de Ramires e A cidade e as serras.
Eça foi um ficcionista fenomenal e conseguiu trans-
Fig. 3 António Carvalho da Silva Porto, Colheita – Ceifeiras, 1893, óleo sobre tela,
Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, Portugal.
portar para a prosa todo o clima de revolução ideológica
presente nas ideias de seus colegas da Geração de 70.
Produziu inúmeras obras, dentre as quais destacamos, tam-
Eça de Queirós
bém, A relíquia, Uma campanha alegre, Correspondência
Apesar da importância militante de Antero de Quental, de Fradique Mendes, O mistério da estrada de Sintra (em
José Maria Eça de Queirós (1845-1900) foi um dos mais coautoria com Ramalho Ortigão) e Alves & Companhia.
importantes escritores portugueses de todos os tempos e

TEIXEIRA LOPES/© IOFOTO |DREAMSTIME.COM


considerado o grande nome do Realismo português. Pro-
sador, escreveu romances e contos que determinaram os
traços próprios dessa escola literária. Em seus textos, Eça
debatia as questões mais cotidianas do povo português
sempre com certo realismo sarcástico e zombeteiro. De-
nunciava os “falsos valores” protegidos pelo Estado, como o
mau uso do poder sacerdotal pelos padres e a má influência
das narrativas românticas sobre as “mulheres de família”.
Filho de um magistrado com uma viúva, o escritor teve
uma infância conturbada e, cedo, foi colocado no internato
Colégio da Lapa, de onde saiu direto para a Universidade
de Coimbra a fim de estudar Direito, como seu pai. Na uni-
versidade, conheceu Antero de Quental e envolveu-se na
Questão Coimbrã. Após concluir o curso, Eça de Queirós se Fig. 4 Estátua de Eça de Queirós em Lisboa.
mudou para Lisboa, onde começou a atuar como jornalista,
FRENTE 2

publicando seus primeiros textos na Gazeta de Portugal.


Assim, na função de repórter, passou a viajar pelo mundo O primo Basílio
e conheceu mais de perto o positivismo e o socialismo. Essa obra, a mais conhecida de Eça de Queirós, critica
Também participou de forma brilhante das Conferências um dos valores mais arraigados na sociedade portuguesa
Democráticas, assumindo definitivamente os ideais de- do século XIX: a criação romântica das moças. Em uma
fendidos pela Geração de 70. No mesmo ano, fundou relação intertextual evidente com Madame Bovary, de
As farpas, um periódico que criticava a sociedade Flaubert, O primo Basílio escancara o fato de as mulheres

193
portuguesas “de família” não serem preparadas para a vida Luísa se vê angustiada pela ideia de seu adultério ser des-
adulta, tampouco para os amores reais, e de o casamento coberto pelo marido e pela sociedade.
representar o palco de um jogo de interesses que move as Juliana, a “criada de dentro”, ávida por uma oportuni-
relações entre as pessoas nas mais diferentes esferas da dade de melhorar de vida, rouba algumas cartas trocadas
vida, como a econômica, social, psicológica etc. pelos amantes e começa a chantagear Luísa. O primo Ba-
Ainda que o tema conclame personagens caricatas, sílio desaparece sem explicações, o que inquieta Luísa
o livro apresenta personagens fascinantes, como a criada apenas por um tempo, pois, com a volta do marido, ela
Juliana e o bom Sebastião, tão secundárias na narrativa se sente “mais apaixonada do que nunca” por Jorge. O
quanto o seriam na vida real, mas que, de forma provoca- problema é proteger seu segredo; para isso, ela cede às
tiva, são convidadas a roubar a cena. chantagens de Juliana em episódios tratados de forma cô-
Nascera em Lisboa. O seu nome era Juliana Couceiro mica pelo narrador, nos quais patroa e criada trocam de
Tavira. Sua mãe fora engomadeira; e desde pequena tinha papéis. Por fim, Luísa recorre à ajuda do “bom Sebastião”,
conhecido em casa um sujeito, a quem chamavam na vizi- amigo da família, para recuperar as cartas das mãos de
nhança – o fidalgo, a quem sua mãe chamava – o senhor D. Juliana, e a criada vem a falecer no processo.
Augusto. [...] De qualquer modo, Jorge descobre o segredo ao ler
Servia, havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, uma nova carta enviada por Basílio, na qual este explica
mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifos; a seu repentino sumiço. Martirizado entre o desejo de matar
levantar-se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos e a vontade de perdoá-la – meio de retomar a vida co-
velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das mezinha de sempre –, a angustiosa indecisão de Jorge
senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha não tem chances de se tornar ação definitiva, pois Luísa,
a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde... Era demais! cada vez mais debilitada, acaba morrendo. Esse desfecho
Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e
pareceria até mesmo o de um texto romântico, não fosse
o ferro de engomar se lhe embrulhava o estômago. Nunca se
a narrativa terminar com o retorno do primo Basílio a Lis-
acostumara a servir. Desde rapariga a sua ambição fora ter
boa, vivendo despreocupadamente como sempre, sem
um negociozito, uma tabacaria, uma loja de capelista ou de
quinquilharias, dispor, governar, ser patroa; mas, apesar de quaisquer remorsos.
economias mesquinhas e de cálculos sôfregos, o mais que
conseguira juntar foram sete moedas ao fim de anos; tinha Atenção
então adoecido; com o horror do hospital fora tratar-se para
O romance O primo Basílio rendeu a conhecida polêmica Machado
casa de uma parenta; e o dinheiro, ai! Derretera-se! No dia × Eça. O grande representante do Realismo no Brasil, Machado
em que se trocou a última libra, chorou horas com a cabeça de Assis, escreveu um artigo criticando categoricamente tal roman-
debaixo da roupa. ce de Eça de Queirós. Segundo Machado, as personagens de O
Ficou sempre adoentada desde então; perdeu toda a espe- primo Basílio eram esquemáticas demais, principalmente Luísa, a
rança de se estabelecer. Teria de servir até ser velha, sempre, qual aparentava não ter vida própria. A trama também lhe parecia
de amo em amo! Essa certeza dava-lhe uma desconsolação por demais truncada e artificial. Machado de Assis condenou, ainda,
constante. Começou a azedar-se. o apelo exagerado ao erotismo na obra. Eça de Queirós, que era
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: grande admirador de Machado, chegou a responder ao artigo em
Martin Claret, 2008. p. 73-4. um prefácio, nunca publicado, de um de seus romances.
Luísa e Jorge formam um casal de pequenos burgueses
que vive em uma área empobrecida de Lisboa e participa
Eça de Queirós: outros romances
de um estreito círculo social, de conversas desinteressantes
e muitos mexericos. Jorge é funcionário de um ministério,
e Luísa tem um cotidiano ocioso, preenchido unicamente
O crime do Padre Amaro
pela leitura de romances. Originalmente publicado em 1875 em fascículos na Re-
O primo Basílio cruza a vida do casal em um momento vista Ocidental e, mais tarde, em 1876, como livro, O crime
em que Jorge viajava a negócios e Luísa se sentia ainda do Padre Amaro foi o primeiro romance de Eça de Queirós
mais inquieta pela falta de ter o que fazer, o que levou a vi- e rendeu-lhe polêmica e fama. O escritor não ficou satisfeito
sita familiar a evoluir, sem muitas dificuldades, para um caso com o resultado da primeira publicação, feita às pressas
amoroso. Basílio, acostumado a viver no exterior, estava por orientação do editor da revista e, por isso, publicou
motivado apenas pelo desejo de uma aventura que o liber- uma segunda versão do romance pouco tempo depois,
tasse do tédio de Lisboa, e Luísa estava mais empolgada alterando algumas passagens da narrativa. Considerando-o
com a possibilidade de viver uma história de amor intenso um romance de tese, Eça insistiu em corrigir as rebarbas
como a dos romances do que apaixonada, de fato, pelo da obra e, em 1880, publicou uma terceira versão de seu
primo. Quando passam os momentos de aventura fugidia, trabalho, que se tornou o texto definitivo de um dos roman-
ces mais lidos da Literatura portuguesa.
Cacifo: pequeno aposento em uma construção ou habitação; cubículo; O crime do Padre Amaro representa um documento do
Repelão: empurrão violento; encontrão; que era a sociedade portuguesa na segunda metade do
Esfalfar-se: cansar-se, fatigar-se. século XIX. Sua narrativa recria o modo de vida português
sem floreios, mas também sem excessos de sarcasmo.

194 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Amaro Vieira nascera em Lisboa em casa da senhora dirigindo-a conforme a sua vontade e usando como arma
Marquesa de Alegros. Seu pai era criado do marquês; a mãe a força que a religião tem sobre a jovem.
era criada de quarto, quase uma amiga da senhora marquesa. O livro desenvolve a tese de que o catolicismo é uma
Amaro conservava ainda um livro, o Menino das Selvas, com das causas da decadência dos povos peninsulares nos
bárbaras imagens coloridas, que tinha escrito na primeira pá- últimos três séculos até aquele momento, visto que, nessa
gina branca: À minha muito estimada criada Joana Vieira e obra, Eça mantém a mesma postura sobre a atitude do clero
verdadeira amiga que sempre tem sido, – Marquesa de Alegros.
e as consequências do Concílio de Trento apontadas por
Possuía também um daguerreótipo de sua mãe: era uma mulher
Antero de Quental.
forte, de sobrancelhas cerradas, a boca larga e sensualmente
fendida, e uma cor ardente. O pai de Amaro tinha morrido de
A cidade e as serras
apoplexia: e a mãe, que fora sempre tão sã, sucumbiu, daí a
um ano, a uma tísica de laringe. Amaro completara então seis Último romance de Eça de Queirós, A cidade e as ser-
anos. [...] Mas a senhora marquesa ganhara amizade a Amaro; ras foi publicado postumamente em 1901. Nele, Eça continua
conservou-o em sua casa, por uma adoção tácita; e começou, desenvolvendo uma forte crítica social, mas reconsidera a
com grandes escrúpulos, a vigiar a sua educação. força expressiva do Realismo e muda o foco dessa crítica.
A Marquesa de Alegros ficara viúva aos quarenta e três O ponto principal do pós-Realismo em Eça é a recon-
anos e passava a maior parte do ano retirada na sua quinta de ciliação com Portugal, visto que, nesse romance final, o
Carcavelos. Era uma pessoa passiva, de bondade indolente, autor explora a beleza e o potencial de sua terra natal e
com capela em casa, um respeito devoto pelos padres de S. revê sua confiança nos ideais estrangeiros apresentada nas
Luís, sempre preocupada com os interesses da Igreja. [...] obras da primeira e da segunda fase. Sua velha temática
A senhora marquesa resolvera desde logo fazer entrar cidade × campo é abordada ao revés: o campo deixa de
Amaro na vida eclesiástica. A sua figura amarelada e magrita ser o espaço do provincianismo e do retrocesso histórico,
pedia aquele destino recolhido: era já afeiçoado às coisas da como notamos em O crime do Padre Amaro, e passa a re-
capela, e o seu encanto era estar aninhado ao pé de mulheres,
presentar o lugar da calma, da sabedoria, do contato com
no calor das saias unidas, ouvindo falar de santas. A senhora
a natureza e do reencontro com o pensamento próprio.
marquesa não o quis mandar ao colégio, porque receava a
Enquanto isso, a cidade é entendida como um espaço te-
impiedade dos tempos e as camaradagens imorais. O capelão
da casa ensinava-lhe o latim, e a filha mais velha, a senhora
dioso e sem sentido, repleto de demagogia vã.
D. Luísa, que tinha o nariz de cavalete e lia Chateubriand,

António Carvalho da Silva Porto (Domínio público)


dava-lhe lições de francês e de geografia.
Amaro era, como diziam os criados, um mosquinha-morta.
Nunca brincava, nunca pulava ao Sol. Se à tarde acompanhava
a senhora marquesa às alamedas da quinta, quando ela descia
pelo braço do Padre Liset ou do respeitoso procurador Freitas,
ia a seu lado, mono, muito encolhido, torcendo com as mãos
unidas o forro das algibeiras – vagamente assustado das espes-
suras de arvoredos e do vigor das relvas altas.
QUEIRÓS, Eça de. O crime do Padre Amaro.
São Paulo: Marin Claret, 2007. p. 40-1.

Uma questão fulcral da obra é a contradição que existe


entre o que os padres pregam e o que fazem realmente e
o descompasso entre a pobreza das pessoas comuns do
povo e a vida abastada e ociosa dos clérigos.
O resumo da biografia heroica de Amaro é narrado em Fig. 5 António Carvalho da Silva Porto, Volta do mercado, 1886, óleo sobre tela,
retrospectiva, porque a ação efetiva do romance se passa Museu Nacional do Chiado, Lisboa, Portugal.
em Leiria, cidade do interior em que Amaro começou a
O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e
atuar como padre. Lá, o jovem padre aluga um quarto na nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de
casa de uma das beatas da igreja e passa seus dias entre cortiça e de olival.
cumprir as obrigações clericais e participar de serões com No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras,
os outros padres e um grupo de devotas. densas sebes ondulando pôr e vale, muros altos de boa pedra,
A narrativa propriamente dita segue o dia a dia de ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família
Amaro, um rapaz que não se tornou padre por vocação, agrícola que já entulhava o grão e plantava cepa em tempos
mas por subserviência aos desejos de sua protetora, e de el-rei D. Dinis. A sua Quinta e casa senhorial de Tormes, no
FRENTE 2

que finalmente assume uma identidade própria somente Baixo Douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, pôr
quando parte de Lisboa para o interior a fim de gerenciar cinco fartas léguas, todo o torrão lhe pagava foro. E cerrados
uma igrejinha. Apaixonado por Amélia, a jovem e bela filha pinheirais seus negrejavam desde Arga até ao mar de âncora.
de sua caseira, ele seduz a moça, afastando-a do noivo, Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara,
e vive uma paixão escondida com ela. É por meio dessa era em Paris, nos Campos Elísios, nº 202.
paixão que o “mosquinha-morta” descobre um modo de Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem
ele próprio mandar, dispondo de poder sobre aquela moça, chamavam em Lisboa o D. Galião, descendo uma tarde pela

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travessa da Trabuqueta, rente dum muro de quintal que uma metera frade cartuxo, aquele palacete dos Campos Elísios, nº
parreira toldava, escorregou numa casca de laranja e desabou 202. E sob o pesado ouro dos seus estuques, entre as suas
no lajedo. Da portinha da horta saía nesse momento um ho- ramalhudas sedas se enconchou, descansando de tantas agi-
mem moreno, escanhoado, de grosso casaco de baetão verde tações, numa vida de pachorra e de boa mesa, com alguns
e botas altas de picador, que, galhofando e com uma força companheiros de emigração (o desembargador Nuno Velho,
fácil, levantou o enorme Jacinto – até lhe apanhou a bengala o conde de Rabacena, outros menores), até que morreu de
de castão de ouro que rolara para o lixo. Depois, demorando indigestão, duma lampreia de escabeche que mandara o seu
nele os olhos pestanudos e pretos: procurador em Montemor. Os amigos pensavam que a Sra.
— Ó Jacinto Galião, que andas tu aqui, a estas horas, a D. Angelina Fafes voltaria ao reino. Mas a boa senhora temia
rebolar pelas pedras? a jornada, os mares, as caleças que racham. E não se queria
E Jacinto, aturdido e deslumbrado, reconheceu o Sr. Infante separar do seu Confessor, nem do seu Médico, que tão bem
D. Miguel! lhe compreendiam os escrúpulos e a asma.
Desde essa tarde amou aquele bom Infante como nunca — Eu, pôr mim, aqui fico no 202 (declarara ela), ainda
amara, apesar de tão guloso, o seu ventre, e apesar de tão que me faz falta a boa água de Alcolena...
devoto o seu Deus! Na sala nobre da sua casa (à Pampulha) O Cintinho, esse, em crescendo, que decida.
pendurou sobre os damascos o retrato do “seu Salvador”, enfei- O Cintinho crescera [...] no seu aferro de sombra, não se
tado de palmitos como um retábulo e, por baixo, a bengala que quis arredar da Teresinha Velho, de quem se tornara, através
as magnânimas mãos reais tinham erguido do lixo. Enquanto o de Paris, a muda, tardonha sombra. Como uma sombra, casou;
adorável, desejado Infante penou no desterro de Viena, o barri- deu mais algumas voltas ao torno; cuspiu um resto de sangue;
gudo senhor corria, sacudido na sua sege amarela, do botequim e passou, como uma sombra.
do Zé Maria em Belém à botica do Plácido nos Algibebes, a Três meses e três dias depois do seu enterro o meu Jacinto
gemer as saudades do anjinho, a tramar o regresso do anjinho. nasceu.
No dia, entre todos benedito, em que a Pérola apareceu à barra Desde o berço, onde a avó espalhava funcho e âmbar
com o Messias, engrinaldou a Pampulha, ergueu no Caneiro para afugentar a sorte-ruim, Jacinto medrou com a segurança,
um monumento de papelão e lona onde D. Miguel, tornado a rijeza, a seiva rica dum pinheiro das dunas.
S. Miguel, branco, de auréola e asas de arcanjo, furava de Não teve sarampo e não teve lombrigas. As letras, a tabua-
cima do seu corcel de Alter o Dragão do Liberalismo, que se da, o latim entraram por ele tão facilmente como o Sol por uma
estorcia vomitando a Carta. Durante a guerra com o “outro, vidraça. Entre os camaradas, nos pátios dos colégios, erguendo
com o pedreiro-livre” mandava recoveiros a Santo Tirso, a S. a sua espada de lata e lançando um brado de comando, foi
Gens, levar ao Rei fiambres, caixas de doce, garrafas do seu logo o vencedor, o rei que se adula, e a quem se cede a fruta
vinho de Tarrafal, e bolsas de retrós atochadas de peças que das merendas. Na idade em que se lê Balzac e Musset nunca
ele ensaboava para lhes avivar o ouro. E quando soube que o atravessou os tormentos da sensibilidade; – nem crepúsculos
Sr. Miguel, com dois velhos baús amarrados sobre um macho, quentes o retiveram na solidão duma janela, padecendo dum
tomara o caminho de Sines e do final desterro – Jacinto Ga- desejo sem forma e sem nome. Todos os seus amigos (éramos
lião correu pela casa, fechou todas as janelas como num luto, três, contando o seu velho escudeiro preto, o Grilo) lhe con-
berrando furiosamente: servaram sempre amizades puras e certas – sem que jamais a
— Também cá não fico! Também cá não fico! participação do seu luxo as avivasse ou fossem desanimadas
Não, não queria ficar na terra perversa de onde partia, pelas evidências do seu egoísmo.
esbulhado e escorraçado, aquele rei de Portugal que levantava QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras [livro eletrônico].
São Paulo: Saraiva, 2013. p. 5-8.
na rua os Jacintos! Embarcou para França com a mulher, a Sra.
D. Angelina Fafes (da tão falada casa dos Fafes da Avelã); com Dessa forma, o narrador personagem José Fernandes
o filho, o Cintinho, menino amarelinho, molezinho, coberto de inicia o relato sobre a vida de seu amigo de faculdade
caroços e leicenços; com a aia e com o moleque. Nas costas Jacinto de Tormes. Eles se reencontram em Paris depois
da Cantábria o paquete encontrou tão rijos mares que a Sra. de “Zé” ter passado sete anos administrando as terras de
D. Angelina, esguedelhada, de joelhos na enxerga do beliche, sua família em Guiães, uma província de Portugal. Após o
prometeu ao Senhor dos Passos de Alcântara uma coroa de
narrador se afastar do universo intelectual afrancesado da
espinhos, de ouro, com as gotas de sangue em rubis do Pegu.
elite portuguesa, o amigo urbano e suas ideias progressis-
Em Baiona, onde arribaram, Cintinho teve icterícia. Na estrada
tas pareciam-lhe desgastados e sem sentido.
de Orleães, numa noite agreste, o eixo da berlinda em que
Apesar de viver cercado de conforto e das mais im-
jornadeavam partiu, e o nédio senhor, a delicada senhora da
pressionantes novidades tecnológicas – ou seriam elas
casa da Avelã, o menino, marcharam três horas na chuva e
na lama do exílio até uma aldeia, onde, depois de baterem parafernálias inúteis? –, o próprio Jacinto aparentava infe-
como mendigos a portas mudas, dormiam nos bancos duma licidade, e tudo à sua volta tinha ares de artificialismo. Por
taberna. No “Hotel dos Santos Padres”, em Paris, sofreram os conta de problemas em suas terras em Tormes, ele decide
terrores dum fogo que rebentara na cavalariça, sob o quarto partir com José Fernandes para Portugal; assim, fazendo o
de D. Galião, e o digno fidalgo, rebolando pelas escadas em percurso da cidade para as serras, Jacinto encontra novo
camisa, até ao pátio, enterrou o pé nu numa lasca de vidro. sentido para sua vida. Depois de uma péssima primeira im-
Então ergueu amargamente ao céu o punho cabeludo, e rugiu: pressão – já que tudo em Tormes parecia parado no tempo –,
— Irra! É demais! ele ficou encantado com o contato com a natureza e com
Logo nessa semana, sem escolher, Jacinto Galião comprou as pessoas que trabalhavam no campo, o que permitiu que
a um príncipe polaco, que depois da tomada de Varsóvia se renovasse, inclusive, suas reflexões intelectuais. Por ter se

196 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


apaixonado por Joaninha, prima de José Fernandes, Jacinto y José de Alencar, que, por meio do romance Senhora
decide se instalar em Tormes e, na propriedade, conduz (1875), antecipa a abordagem do casamento subjuga-
reformas que aparentemente tornam melhores as condi- do à condição social, desmascarando, assim, a moral
ções de vida dos trabalhadores daquele local, os quais, por burguesa.
gerações, garantiram a comodidade de sua família em Paris. y Visconde de Taunay, que descreve com fidelidade a
paisagem e os costumes do sertão do Mato Grosso
Realismo no Brasil em Inocência (1872), equilibrando, com maestria, fic-
ção e realidade.
Antes de contextualizarmos o Realismo no Brasil, cabe
retomarmos as características do Romantismo nas últimas y Bernardo Guimarães, que explora o tema da falta de
décadas do século XVIII. Naquela época, o gosto burguês vocação para a vida sacerdotal e o autoritarismo fa-
prezava pela visão romântica da vida, na medida em que miliar em O seminarista (1872), mostrando-se contra o
esta era idealizada, pintada com as cores do imaginário; a celibato clerical.
natureza, por sua vez, era a extensão da própria pátria, um y Manuel Antônio de Almeida, que, em seu único roman-
refúgio do atribulado centro urbano. Dessa forma, o estado ce, Memórias de um sargento de milícias (1872-1873),
emocional do autor – intenso, melancólico, arrebatador e tem como protagonista um herói malandro ou um anti-
saudosista – prolongava-se por meio da literatura românti- -herói. Além disso, utiliza uma linguagem direta, irônica
ca, baseada no sonho, na imaginação, na fantasia, e sempre e coloquial quando se refere aos estratos médio e
com um final feliz que levava o leitor a suspirar aliviado. baixo da sociedade brasileira da época de D. João VI,
Contudo, surgiu um novo cenário: fortes transforma- classes até então ignoradas pela literatura.
ções no modo de viver e de pensar das pessoas foram Tais obras já se distanciavam, em parte, do Romantis-
presenciadas na segunda metade do século XIX. Inúmeras mo, com uma forma mais crítica e racional de ver e sentir
tendências ideológicas e correntes cientificistas – como o a realidade, fazendo com que o Brasil se abrisse para a
determinismo (de Hippolyte Taine), o positivismo (de Augus- perspectiva realista.
te Comte) e o evolucionismo (de Charles Darwin) – surgiram
para tentar explicar os fenômenos naturais, sociais e psi- Atenção
cológicos observados. As contradições sociais emergiram É difícil mensurar cronologicamente o início e o término exatos de
com força na segunda etapa da Revolução Industrial (inicia- cada uma das correntes estilísticas existentes. Como sua divisão é
da no século XVIII) e com a utilização do petróleo, do aço apenas didática, devemos levar em consideração o texto literário
e da eletricidade; assim, grandes complexos industriais se acima de tudo; por isso, é importante conhecermos o contexto his-
estruturaram e, com eles, irromperam a massa trabalhadora, tórico de cada época.
os sindicatos e as reivindicações do proletariado. Na Literatura brasileira, de 1881 a 1893, há três movimentos simul-
tâneos, e não sucessivos: na prosa, Realismo e Naturalismo e, na
Saiba mais poesia, Parnasianismo. Assim, é comum designar esse período como
realista, em virtude da atitude de observação crítica da sociedade e
A corrente ideológica do positivismo (do teórico francês Auguste da linguagem contida nos textos, sem exaltações emocionais.
Comte) se propunha a analisar o mundo partindo dos fatos observá-
veis e da experiência concreta. Essa concepção filosófica é muito
adequada para o entendimento do Realismo na literatura, visto que Brasil: inaugura-se o Realismo
a sociedade retratada nos textos da época valorizava, sobretudo, os
bens materiais e deixava em segundo plano a religião, a espiritua-
com a sua linguagem questionadora
lidade e o misticismo. Comumente, atribui-se a Machado de Assis o início do
Realismo no Brasil, em 1881, com o romance Memórias
póstumas de Brás Cubas. Notórios também são o nome de
Panorama histórico-cultural Aluísio Azevedo e seu romance O Mulato, igualmente de
Se observarmos a produção literária no Brasil de 1860 a 1881, despontando com o que conhecemos como Natura-
1870, referente à última geração romântica, veremos que os lismo. Já na poesia, em 1882, o livro Fanfarras, de Teófilo
textos já começavam a apresentar algumas características Dias, marca o advento do Parnasianismo em nosso país.
do Realismo. As tendências dessa última geração já apon- No Brasil, foi no Realismo que um panorama completo na
tavam para uma literatura mais libertária e reformadora, com literatura pôde germinar, permitindo que múltiplos gêneros
algum sentido social – como o que acontecia nos poemas literários florescessem. Assim, o romance, a poesia e o conto
escritos por Castro Alves; desse modo, certos romances passaram a coexistir, estabelecendo um contexto mais ma-
já apareciam com uma linguagem mais objetiva e distante duro de nacionalidade e de reconhecimento do papel social
FRENTE 2

daquela postura idealizada do início do período romântico, do escritor. Dentre esses gêneros, destaca-se o narrativo (de
denunciando certos problemas da sociedade da época. romances e contos), o qual tem a função de trazer à tona
Mesmo pertencentes ao período conhecido como personagens complexas e enredos psicológicos.
Romantismo, alguns autores se destacaram por recorrer Em 1897, foi fundada a Academia Brasileira de Letras,
a estratégias diferentes na descrição de ambientes rurais que teve como primeiro presidente Machado de Assis
e urbanos, sem os exageros da fantasia e o excesso de (1839-1908), fazendo uma intermediação entre a produção
imaginação: intelectual e o público.

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Nascido no Rio de Janeiro, Machado foi jornalista, tea- Rompimento com a linearidade da narrativa
trólogo, crítico literário, poeta, contista e romancista. De Nos textos literários de Machado de Assis, as ações
sua vasta obra, destacam-se seus contos e romances, uma e os fatos da narrativa não seguem uma linha cronológica
vez que o autor se preocupava não só com a composição em geral, ou seja, as histórias não obedecem a uma lógica
técnica desses textos, mas também com a boa articulação no tempo, podendo associar-se, por exemplo, à memória
dos temas, considerando o comportamento e o caráter do narrador.
humanos.
Adentrar o universo de Machado de Assis é estar diante Metalinguagem no discurso: o diálogo
de um leque de interpretações e uma infinita riqueza temá-
com o leitor
tica. Com seu olhar crítico, o autor é mestre em dissecar
a sociedade brasileira pelo prisma de suas personagens, Nos textos machadianos, é comum a presença de um
conduzindo os leitores à intensa meditação e induzindo-os narrador que interrompe o que está contando para “dialogar
a decifrar as intenções do texto a todo momento. com o leitor” ou fazer um comentário – irônico, cínico ou
A personagem de ficção de Machado, seja em conto, bem-humorado – sobre a própria escritura do conto ou do
seja em romance, é campo fecundo para outros olhares, romance (a esse procedimento, dá-se o nome de metalin-
sempre passíveis de novas interpretações; assim, a perso- guagem). Também são frequentes comentários sobre certa
nagem nunca se mostra como realmente é – mascara-se, personagem e reflexões sobre dado acontecimento. Essa
muda as suas vestes. Além disso, a personagem machadia- característica colabora para desnudar a literatura como um
na vive em uma “brincadeira triste”; já adulta e consciente artifício, ou seja, como algo construído segundo a escolha
de sua unidade perdida, sofre muito ao ver que a vida é de critérios, em certa medida, arbitrários.
uma “grande ópera”, um ato simbólico, dramático e doloroso
por excelência. Tais características podem ser encontradas O humor ácido, a ironia e o pessimismo
em variados contos, os quais priorizam uma vertente pes- Em seus textos, Machado de Assis revela forte des-
simista do cotidiano. contentamento com a vida e com o homem, evidenciando
Assim, conhecer um texto de Machado é experimentar a descrença na maneira como as instituições (Igreja, ca-
uma leitura que reúne em si o lírico e o dramático, com ini- samento e família) se apresentavam na burguesia. O riso
gualáveis descrições desenvolvidas por meio da ação das causado pelo narrador e pela personagem machadiana é
personagens. O drama está na própria linguagem do autor: amargo, revoltado com a miséria moral da sociedade, visto
ele é cético e transforma seu ceticismo em ironia. Além que a postura do autor diante da vida é mais que pessimista
disso, seu texto é o lugar de enfrentamento entre o herói ou negativista: é niilista (de “nihil”, que, do latim, significa
problemático e o mundo de convenções e conformismo, “nada”); cético e incrédulo nos valores humanos e nos va-
reproduzindo o homem em processo de autoconhecimento lores de seu tempo.
em uma sociedade fragmentada.
Diante disso, vale lembrar que o Realismo apareceu na A linguagem
literatura para romper com a idealização do ambiente e do A linguagem machadiana é um primado ao equilíbrio
ser humano, denunciando o simulacro no qual a sociedade e à clareza. O autor preza pela concisão e correção gra-
era induzida a viver. Simulamos para não sucumbirmos à matical, além de ser sóbrio, contido em adjetivações e
dura realidade, ou seja, nós nos sujeitamos à vivência de circunstâncias adverbiais. Dessa maneira, fica aparente a
certas inverdades para não sermos imediatamente margi- experiência antecipadora da modernidade, não só pelo
nalizados por aqueles que nos rodeiam e pensam de modo conteúdo e estilo, mas também pela simetria linguística e
diferente de nós. Machado de Assis denunciava justamente pelo ritmo interior.
essa falácia humana de querer ser aquilo que não se é,
opondo essência e aparência, vida pública e instintos da O conto do Realismo: requinte e prestígio
vida interior. Para alguns críticos, o Machado de Assis contista su-
pera o romancista. O mais importante é percebermos que,
O estilo de Machado de Assis em ambos os tipos de texto, o autor consegue ser denso
em sua linguagem e impactar o leitor, levando-o a reflexões
Universalismo mais aprofundadas sobre a estrutura social em que vive.
Machado de Assis extraiu da sociedade carioca do Não há como fixar exatamente o início da produção de
século XIX os principais temas para a composição de sua contos no Brasil, pois tal gênero não recebia tanto prestígio
obra. Sem se importar mais com o subjetivismo, buscou o quanto o romance e havia inerente dificuldade em classifi-
universal, os temas filosóficos (como essência versus apa- cá-lo. O fato é que a origem do conto na Literatura brasileira
rência), as convenções sociais, a crueldade, a ganância, o está intimamente relacionada à produção de textos nos
adultério e a loucura. Desse modo, percebe-se uma máxima jornais em meados do século XIX. Os textos ficcionais
concentração de análises psicológicas em detrimento das veiculados nesses periódicos aproximaram jornalismo e
descrições de paisagem e de cenário em sua obra, com literatura no que diz respeito ao público, modificando a
enredos da fase realista que poderiam acontecer com qual- circulação e abrangência social em que esse fenômeno
quer pessoa e em qualquer lugar. se daria.

198 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Machado de Assis escreveu cerca de duzentos contos. Vilela, marido de Rita, envia um bilhete a Camilo, cha-
Assim como aconteceu com alguns romances, seus contos mando-o para uma conversa; este, temendo o motivo do
surgiram em pleno Romantismo; é o caso da obra Contos encontro e com medo de ser descoberto, embora incrédulo,
fluminenses, de 1869. No entanto, ao passar por vastas procura a mesma cartomante, que lhe revela um futuro feliz.
modificações, essas produções mudaram de perspectiva No entanto, Machado enreda o leitor, tal como a cartomante
e de linguagem a partir de 1882, com Papéis avulsos. Essa faz com Camilo, para o surpreender no final.
obra foi de fundamental importância para o conto, assim Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita,
como Memórias póstumas de Brás Cubas para o romance como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo,
e para o estilo literário da época. fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno
na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos,
Fases do conto machadiano remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi
O conto é uma narrativa curta e densa que representa curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou
uma unidade de ação. Na atualidade, trata-se de um tipo que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada
de texto que vem sendo muito praticado pelos ficcionistas, fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e
pois, por meio dele, os escritores conseguem flagrar algo pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades,
quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima
importante do mundo moderno de forma sucinta e eficaz.
de Vilela continuavam a ser as mesmas.
A crítica aponta o conto de Machado de Assis, no Realismo,
Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que
como a grande força e representatividade desse gênero na
lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabi-
Literatura brasileira; assim, para que alcançasse tamanho
da de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas,
reconhecimento, o autor exercitou tal gênero largamente, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe
desde a sua fase romântica. as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma pai-
xão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências
Contos da fase romântica Contos da fase realista prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser
As personagens são angustia- Machado de Assis, a partir de que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma
das, implícita ou explicitamente, Papéis avulsos, aprofunda-se intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar
pela ânsia de obterem status na crítica ferina ao sujeito
menos dura a aleivosia do ato.
– seja pelo matrimônio com que se mantém preso às apa-
alguém mais abastado, seja pela rências (pensemos em como Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa,
aquisição de bens materiais. esse tema é, ainda hoje, caro correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa
Destacam-se, nessa fase, os con- à literatura). Em seus contos do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante res-
tos “Miss Dollar” e “Segredo de da fase realista, o autor deixa tituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter
Augusta”. Aqui, ainda impera o clara a relação de conveniên-
feito o que fez.
moralismo romântico, evidencia- cia que se estabelece entre
do pela tentativa de desmascarar as pessoas, e os narradores ASSIS, Machado de. “A cartomante”. In: As bases da literatura brasileira:
histórias, autores, textos e testes. Porto Alegre: AGE, 1999. p. 117.
e punir a mentira e a traição. Em se tornam peças-chave para
contrapartida, aparece, pela pri- que o teor irônico e crítico do
meira vez, em “A parasita azul”, autor seja apreendido pelo
uma personagem que triunfa leitor. São exemplos os títulos
“Uns braços”
mesmo sendo fria, calculista e “A cartomante”, “Uns braços” No conto “Uns braços”, Machado de Assis toca em um
enganadora. e “O alienista”. tema que se torna lírico pela sua linguagem: o amor entre
uma mulher (D. Severina, companheira de Borges) e Inácio,
Breve análise de alguns contos machadianos: um garoto de 15 anos de idade.
“A cartomante” A atualidade desse conto pode ser resumida em D.
Severina no papel da mulher da sociedade oitocentista –
Munido de uma visão pessimista e objetiva da vida,
os braços que intitulam o conto são os da própria mulher,
Machado de Assis elabora um enredo que torna possível
que os mantém à mostra em casa e à mesa na presença
uma análise psicológica das pessoas em suas contradições
de Inácio, que passa a morar com o casal para trabalhar
no conto. para Borges. Não era comum, à época, que as mulheres
A história é sobre quatro personagens: Rita, Camilo e mostrassem o mínimo de seus corpos; por isso, os braços
Vilela (o triângulo amoroso) e a cartomante. Camilo e Vi- de D. Severina são o alvo da paixão do garoto, que sonha
lela, amigos de infância, reencontram-se depois de anos, com um beijo da mulher.
quando Vilela e Rita já são um casal; Rita é apresentada
a Camilo, e os dois se apaixonam. Desenrola-se, assim, o Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! D. Seve-
tema do adultério. rina ter-se-ia visto a si mesma na imaginação do rapaz; ter-se-ia
FRENTE 2

Rita fica insegura com o fato de o amante de repente visto diante da rede, risonha e parada; depois inclinar-se, pe-
gar-lhe nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os braços,
distanciar-se dela sem um motivo aparente. Então, vai em
os famosos braços. [...] E tornando, inclinava-se, pegava-lhe
busca de uma cartomante, a fim de que esta a oriente sobre
outra vez das mãos e cruzava ao peito os braços, até que
seu destino amoroso, sendo, por isso, julgada ingênua por
inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e
Camilo. O casal de amantes se distancia deliberadamente deixou-lhe um beijo na boca.
depois que Camilo recebe algumas cartas anônimas que ASSIS, Machado de. “Uns braços”. Contos de Machado de Assis:
o advertiam sobre o romance clandestino. obras completas. São Paulo: LL Library, 2015. v. 2.

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“O alienista” do ilustre médico. Quanto à razão determinativa da captura e
aposentação na Casa Verde de todos quantos usaram do anel,
“O alienista” é um texto que se situa entre o conto e a
é um dos pontos mais obscuros da história de Itaguaí; a opinião
novela – muitos o consideram um conto pela sua narrativa
mais verossímil é que eles foram recolhidos por andarem a
íntima, outros o analisam como novela pelo tamanho do
gesticular, à toa, nas ruas, em casa, na igreja. Ninguém ignora
seu texto (algumas de suas edições chegam a somar mais
que os doidos gesticulam muito. Em todo caso, é uma simples
de oitenta páginas). Podemos ler “O alienista” como conto
conjetura; de positivo nada há.
em razão da profundidade e do tratamento dados ao tema,
ASSIS, Machado de. “O alienista”. Contos de Machado de Assis:
o qual se centra em uma unidade. obras completas. São Paulo: LL Library, 2015. v. 2.
No conto, Machado nos propõe a reflexão sobre os
limites entre a “normalidade” e a “anormalidade” na men-
te humana. O “alienista” é Simão Bacamarte, um médico Monumentos literários de
especializado na mente humana e nos seus desvios, que Machado de Assis: os romances
acata os preceitos científicos como fé e dogma. Assim, ele
passa a considerar loucura todos os comportamentos que Memórias póstumas de Brás Cubas: aspectos
apresentem algum desvio em relação a um critério rígido
gerais
de normalidade. Obcecado pelo tema de estudo, ele funda
a Casa Verde, seu próprio manicômio, e interna nele um Uma das características marcantes da escrita macha-
assombroso número de pessoas, como as que rezavam diana é a sobriedade com que o autor desnuda o mundo
muito e aquelas que eram vaidosas (neste último grupo, é e as hipocrisias humanas, mas sem que isso o iniba de
internada a sua própria esposa, por sua simples indecisão criar enredos que maximizam sua inventividade. É o que
quanto a qual colar usar nos bailes). comprovamos em Memórias póstumas de Brás Cubas, o
O médico tem as seguintes teorias durante a narrati- romance que inaugura o Realismo no Brasil, publicado ini-
va: loucos são os que têm um comportamento anormal e cialmente em folhetins, no ano de 1880, e, mais tarde, como
diferente da maioria; a loucura tem seu campo ampliado livro, em 1881.
(“A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades, Considerada por muitos o marco da maturidade literá-
fora daí, insânia, insânia e só insânia.”); os loucos passam ria de Machado de Assis, essa obra é uma ruptura com a
a ser os que tinham perfeito equilíbrio da mente, não os tradição do romance brasileiro, visto que, por meio dela, o
de doentio juízo – assim, ele libera os primeiros internos e autor faz um retrato social de personagens esquecidas por
aprisiona os considerados “normais”; o único ser com juízo muito tempo, como agregados, escravos e trabalhadores
perfeito em Itaguaí era ele próprio, logo deveria ser o único comuns. Assim, ao lermos um texto machadiano realista, de-
interno da Casa Verde. paramo-nos com marcas textuais que revelam pensamentos
Desse modo, em “O Alienista”, Machado de Assis sa- e contradições do comportamento de homens e mulheres
tiriza o cientificismo dominante no século XIX, ironizando do Segundo Império (século XIX) no Rio de Janeiro.
seus excessos, bem salientados no Naturalismo. Em Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado
de Assis optou pela desidealização da personagem e da
Daí em diante foi uma coleta desenfreada. Um homem
não podia dar nascença ou curso à mais simples mentira do
própria narrativa, na medida em que o humor e a ironia
mundo, ainda daquelas que aproveitam ao inventor ou di- prevalecem, e o defunto narrador tem seu foco na análise
vulgador, que não fosse logo metido na Casa Verde. Tudo era satírica do espetáculo da vida. Há pessimismo, vícios e
loucura. Os cultores de enigmas, os fabricantes de charadas, patologias sociais desfilando diante de Brás Cubas, os
de anagramas, os maldizentes, os curiosos da vida alheia, os quais acabam divertindo-o ou sofrendo julgamentos por
que põem todo o seu cuidado na tafularia, um ou outro almo- parte dele – tudo é dúbio na enunciação escorregadia
tacé enfunado, ninguém escapava aos emissários do alienista. do protagonista, como nos assevera o crítico literário Al-
Ele respeitava as namoradas e não poupava as namoradeiras, fredo Bosi:
dizendo que as primeiras cediam a um impulso natural, e as
A revolução dessa obra, que parece cavar um fosso entre
segundas a um vício. Se um homem era avaro ou pródigo ia
dois mundos, foi uma revolução ideológica e formal: apro-
do mesmo modo para a Casa Verde; daí a alegação de que não
fundando o desprezo às idealizações românticas e ferindo no
havia regra para a completa sanidade mental. Alguns cronistas
cerne o mito do narrador onisciente, que tudo vê e tudo julga,
creem que Simão Bacamarte nem sempre procedia com lisura,
deixou emergir a consciência nua do indivíduo, fraco e incoe-
e citam em abono da afirmação (que não sei se pode ser aceita)
o fato de ter alcançado da Câmara uma postura autorizando o rente. O que restou foram as memórias de um homem igual a
uso de um anel de prata no dedo polegar da mão esquerda, a tantos outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.
toda a pessoa que, sem outra prova documental ou tradicional, São Paulo: Cultrix, 1994. p. 177.
declarasse ter nas veias duas ou três onças de sangue godo.
Dizem esses cronistas que o fim secreto da insinuação à Câ- O romance apresenta 160 capítulos de extensões diver-
mara foi enriquecer um ourives, amigo e compadre dele; mas, sas e segue o fluxo de pensamento de Brás Cubas – o que
conquanto seja certo que o ourives viu prosperar o negócio nos leva a uma narrativa sem uma sequência cronológica.
depois da nova ordenação municipal, não o é menos que essa
postura deu à Casa Verde uma multidão de inquilinos; pelo Dúbio: ambíguo, indefinível;
que, não se pode definir, sem temeridade, o verdadeiro fim

200 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


São características marcantes da prosa de Machado de a presidente de uma província porque “o pai morreu em um
Assis em Memórias póstumas de Brás Cubas: dia 13, treze dias depois de um jantar em que havia treze
y Rompimento com a narrativa linear: recria-se o passa- pessoas. A casa em que morrera a mãe tinha o nº 13”.
do pelo fio condutor da memória.
Eugênia: moça bela, séria e “coxa” (manca) de nascença.
y Estilo de escrita: destaca-se pelo equilíbrio, pela con-
Teve um rápido relacionamento com Brás Cubas, que não a
cisão e pela contenção lírica, com frases simples e
tomou como esposa em razão de sua posição social inferior
vocábulos bem escolhidos.
e sua deficiência, não suplantada pela beleza.
y Temas abordados contraditórios e antagônicos: acen-
tuam-se os dilemas das personagens, as quais são Quincas Borba: aparece no romance em momentos dife-
reflexo da sociedade. rentes (como menino, amigo de Brás Cubas ainda na escola;
y Metalinguagem: o narrador comenta sua escritura e como mendigo, ao roubar um relógio de Cubas; e como
dialoga com o leitor sobre a construção literária. filósofo e rico, defensor do Humanitismo – filosofia que
y Presença do realismo mágico: Brás Cubas, morto, es- “retifica o espírito”).
creve suas memórias. Também tem delírios, como a
viagem em um hipopótamo e o encontro com Pandora Prudêncio: menino escravo da infância de Brás Cubas, é o
no capítulo “O delírio”. “brinquedo” do protagonista. Depois de alforriado, torna-se
y Análise da alma humana: Machado de Assis é um ana- senhor de escravos, o que, segundo o narrador, “era um
lista, pois mostra as personagens em suas camadas, modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas
máscaras, angústias e em seus anseios. recebidas, transmitindo-as a outro”.

Apresentação das personagens Enredo e fragmentos das memórias


Ao observar alguns momentos da obra, é importante
As personagens de Memórias póstumas de Brás Cubas
sintetizam as relações de uma sociedade completamente se atentar para a linguagem do autor e a ironia com que o
estratificada, cuja estrutura social se organizava em torno narrador personagem trata assuntos sérios.
do trabalho escravo. Ao mesmo tempo que se sobressaem Em 1805, no reinado de D. João VI, nasce Brás Cubas.
tipos da elite brasileira do século XIX, há personagens de Porém, a narrativa não começa com seu nascimento, mas
posição social inferior, o que evidencia a divisão entre os sim com sua morte, fato que é contado nos oito primeiros
donos de escravos e políticos e os próprios escravos, os capítulos. Brás Cubas, “do outro lado do mistério”, fala de
quais sustentavam diretamente o país. Há, também, a classe sua genealogia e, assim, conhecemos a história da famí-
média, formada pelos comerciantes, agregados e funcio- lia Cubas. Ele também conta que morreu de pneumonia,
nários públicos, entre outros. contraída enquanto trabalhava fixamente em sua invenção
São as personagens mais relevantes para o desenrolar medicamentosa – o emplasto Brás Cubas –, que seria a
da história: cura para os males e as angústias da humanidade. Nesse
momento, conhecemos um homem solitário, que tem “onze
Brás Cubas: é o protagonista; um defunto autor que tem amigos” acompanhando seu enterro; é a chuva fina e triste
como proposta narrar a própria história. Morto aos 64 anos, que realmente chora sua morte.
passou a vida como um burguês, sem nunca – conforme
ele mesmo dizia – ter precisado derramar suor para ganhar Capítulo I
o pão. Sempre fora mimado pelo pai e acabou se tornando Óbito do autor
um rapaz irresponsável e egoísta. Como narrador, é fonte [...] expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do
de caracterização de todas as outras personagens da tra- mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi.
ma. Além disso, é irônico e bem-humorado a seu modo, ao Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era soltei-
estilo machadiano de confrontar realidade e ficção. ro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao
Marcela: foi a primeira relação amorosa intensa do jovem cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não
Brás Cubas. Era uma cortesã espanhola sensual, interessei- houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava
ra, “luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes”. — uma chuvinha miúda, triste e constante [...]
Foi a perdição financeira de Brás, que afirmou que Marcela ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
Globo Livros, 2008. p. 41. (Coleção biblioteca popular)
o amou “durante quinze meses e onze contos de réis”.
No capítulo 7 (“O delírio”), Brás Cubas, em seu leito de
Virgília: é apresentada pela primeira vez, já idosa, no leito
morte, narra alguns “fenômenos mentais”, levando o leitor
de morte de Brás Cubas, antes mesmo de o leitor conhecer
a uma viagem transcendental: transforma-se na Suma Teo-
sua história. Filha do Comendador Dutra, era uma mulher
“bonita e fresca” na juventude. Acaba se casando com Lobo lógica de São Tomás e, retornando à forma humana, vê-se
montado em um hipopótamo e é levado a uma superfície
FRENTE 2

Neves movida pelo desejo de ascender socialmente, visto


que o rapaz prometera transformá-la em marquesa. Torna-
-se amante de Brás Cubas, formando o casal adúltero que Pandora: figura da mitologia grega que tem todos os dons e males
é protegido por D. Plácida. da humanidade.
Suma Teológica: escrita por São Tomás de Aquino no século XIII, é
Lobo Neves: casado com Virgília, é o “amigo” de Cubas que
obra de referência do catolicismo, abordando divergências e conver-
arrebatou a candidatura política do protagonista. Sério, am- gências entre a fé e a razão.
bicioso e, também, muito supersticioso, recusa a nomeação

201
em que tudo era de neve: “nós vamos à origem dos sécu- aqui como chegamos nós, sem esforço, ao dia 20 de outubro
los”, disse o animal. Encontra-se, então, com “Natureza, ou de 1805, em que nasci. Viram? Nenhuma juntura aparente,
Pandora”, que é “mãe e inimiga”. nada que divirta a atenção pausada do leitor: nada.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
Globo Livros, 2008. p. 59. (Coleção biblioteca popular)
Atenção
Ao se apresentar quando menino, Brás Cubas dá ao
No último capítulo de Memórias póstumas de Brás Cubas, lemos: ao capítulo 11 o título “O menino é pai do homem”. Nesse trecho
chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno
da história, o narrador fala sobre sua infância de “menino
saldo [...].
diabo”, maltratando escravos e fazendo o menino Prudêncio
A expressão em destaque nessa frase, “outro lado do mistério”, é uma
(escravo dos Cubas) servir-lhe de cavalinho todos os dias,
forma mais branda de dizer que Brás Cubas morreu, já que o maior
mistério da vida é a morte. Assim, o protagonista narra suas memórias uma “coisificação” do ser humano.
após já ter morrido. Denominar a morte de “outro lado do mistério” Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de
corresponde a um recurso chamado eufemismo, que consiste em todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos
amenizar alguma situação. Em nosso cotidiano, costumamos usar queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma
outros eufemismos para morte, como “passou dessa para melhor”, varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado,
“descansou”, “partiu”.
e ele obedecia – algumas vezes gemendo –, mas obedecia sem
O contrário de eufemismo é disfemismo, em que a intenção é trocar dizer palavra, ou, quando muito, um “ai, nhonhô!”, ao que eu
uma expressão comum por outra mais vulgar que a primeira, subs- retorquia: “— Cala a boca, besta!”.
tituindo “ele faleceu” por “ele bateu as botas”, “ele vestiu o paletó
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
de madeira” etc. Globo Livros, 2008. p. 62. (Coleção biblioteca popular)

Machado de Assis apresenta ao seu leitor, por meio da


— Não te assustes, disse ela, minha inimizade não mata; relação entre as diferentes classes existentes no Brasil, as
é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro contradições da sociedade – ao mesmo tempo que deseja
flagelo. a cultura e o conhecimento aos moldes europeus, vincula-
— Vivo?, perguntei eu, enterrando as unhas nas mãos, dos à liberdade, essa sociedade é sustentada por um modo
como para certificar-me da existência. de produção escravista, tipicamente colonial.
— Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo Posteriormente, o pai de Brás Cubas estimula o exer-
que é teu orgulho; provarás ainda, por algumas horas, o pão cício da masculinidade do filho assim que este se torna
da dor e o vinho da miséria. Vives: agora mesmo que ensan- jovem. Dessa forma, o narrador se apaixona por Marcela,
deceste, vives; e se a tua consciência reouver um instante de uma mulher espanhola que adorava joias, e se endivida
sagacidade, tu dirás que queres viver. fazendo-lhe todos os gostos. O que Machado de Assis faz
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: ao delinear Marcela é destituir a mulher da aura idealizada
Globo Livros, 2008. p. 54. (Coleção biblioteca popular)
das heroínas românticas, visto que Marcela é uma prosti-
Fazendo uma leitura desse delírio e levando em con- tuta ambiciosa que dá “amor” em troca de joias; leviana e
sideração todas as características do homem Brás Cubas, movida a interesses. O pai, tomando conhecimento dos
podemos inferir que a transformação da personagem na gastos excessivos do filho, manda-o à Europa para estudar.
Suma Teológica adquire um teor de remissão dos pecados, Rico, superprotegido e agora homem feito e instruído, ele
por isso a transfiguração no objeto sagrado. Mais coerente volta ao Brasil.
com a ironia machadiana, o delírio pode ser interpretado
[...] A que me cativou foi uma dama espanhola. Marcela, a
como um sarcasmo, um deboche a uma obra cujo con-
“linda Marcela”, como lhe chamavam os rapazes do tempo. [...]
teúdo sempre fora respeitado pelos cristãos. Pandora se Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, [...] luxuosa, impaciente,
revela sarcástica em seu encontro com Brás Cubas e, como amiga de dinheiro e de rapazes. [...] Gostava muito das nossas
portadora da vida e da morte, compara-o a um verme que antigas dobras de ouro, e eu levava-lhe quantas podia obter [...]
quer viver por egoísmo e vaidade – o que se estende ao ...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos
resto da humanidade. de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze
Com certo sentimentalismo, Virgília, amante de Brás por contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as
tempos, é apresentada enigmaticamente ao leitor. Até esse raias de um capricho juvenil.
momento, não se segue uma ordem de narração conven- — Desta vez, disse ele, vais para a Europa [...].
cional, e tudo parece desordenado; no entanto, no capítulo ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo
Livros, 2008. p. 73, 76 e 79. (Coleção biblioteca popular).
9 (“Transição”), o narrador retoma a data de seu nascimento,
dando-nos uma referência temporal. Repare, também, em Pensando em casar o filho e torná-lo deputado, o pai
seu diálogo com o leitor: de Brás Cubas quer fazer o casamento do filho com Virgí-
[...] Vejam: o meu delírio começou em presença de Vir- lia – a “Ursa Maior” –, filha do Conselheiro Dutra, de alta
gília; Virgília foi o meu grão pecado da juventude; não há classe social e forte influência política. Brás Cubas acaba
juventude sem meninice; meninice supõe nascimento; e eis perdendo a mulher e o cargo para Lobo Neves, mais astuto
politicamente. Tempos depois, Brás e Virgília reencontram-
-se em um baile e se tornam amantes, em uma relação
Andrajo: roupa velha, farrapos.
extraconjugal que dura muitos anos.

202 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Veja, no trecho a seguir, como Virgília é caracteriza- Elementos da narrativa
da, em uma crítica mordaz ao Romantismo – momento de Tempo
idealização feminina. Primeiro, é preciso lembrar que Brás Cubas narra suas
Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos memórias de seu túmulo, “do outro lado do mistério”, o que
depois...? A mesma; era justamente a senhora, que em 1869 é incomum até mesmo na literatura da atualidade, quem
devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, muito antes, dirá, então, em 1881. Didaticamente, dizemos que a perso-
teve larga parte nas minhas mais íntimas sensações. Naquele nagem narra suas memórias pautada em dois tempos: o
tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez tempo psicológico – um zigue-zague de acontecimentos
a mais atrevida criatura da nossa raça e, com certeza, a mais contados arbitrariamente – e o tempo cronológico – em
voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da be- que Brás Cubas protagoniza infância, adolescência, fase
leza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance,
adulta e morte.
em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às
sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o
rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Foco narrativo
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o foco narrati-
Globo Livros, 2008. p. 101. (Coleção biblioteca popular) vo é em 1ª pessoa, com um narrador personagem contando,
de forma onisciente e depois de morto, sobre a sua existên-
Em outro momento, Brás Cubas conhece Eugênia,
cia. Brás Cubas assume a posição de ator e espectador ao
uma moça com uma deficiência congênita na perna. O
mesmo tempo, o que confere à narrativa um ritmo próprio, o
pensamento de Cubas sobre a moça revela a oposição
qual é lento ou veloz de acordo com a experiência contada.
aparência × essência.
O narrador interrompe, comenta ou critica as situações e, é
O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca claro, ironiza-as – ri de sua miséria de alma e de si mesmo
tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste com ares de superioridade.
faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio.
Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?
Digressão
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo:
Globo Livros, 2008. p. 109. (Coleção biblioteca popular) O processo de digressão comum à obra machadiana
é um “passeio”, um desvirtuamento intencionado da ideia
Já Quincas Borba aparece pela primeira vez no capítulo principal, que dá espaço a comentários marginais. Com uma
13, ainda na infância dele e de Brás Cubas. narração de temporalidade dupla, Brás Cubas tem como
Uma flor, o Quincas Borba. Nunca em minha infância, hábito a interrupção dos fatos para entremear comentários
nunca em toda a minha vida, achei um menino mais gracioso, reflexivos ou críticos. Esse recurso acaba despistando leito-
inventivo e travesso. Era a flor, e não já da escola, senão de toda res desavisados, que precisam “fechar e abrir parênteses”
a cidade. A mãe, viúva, com alguma coisa de seu, adorava o para acompanhar a narrativa fragmentada.
filho e trazia-o amimado, asseado, enfeitado [...].
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo
Metalinguagem
Livros, 2008. p. 72. (Coleção biblioteca popular)
A metalinguagem, caracterizada como um recurso os-
Ora rico, ora mendigo – quando rouba um relógio tensivo, é um código que explica a ele mesmo: a linguagem
de Brás Cubas, desaparece e depois volta herdeiro rico fala sobre a própria linguagem, o livro fala sobre o livro, o
novamente –, Quincas Borba vai enlouquecendo progres- narrador fala sobre a narrativa, entre outros. Assim, nos
sivamente. É criador da teoria do Humanitismo, cuja síntese primeiros parágrafos, intitulados “Ao leitor” e “Óbito do Au-
está na frase “Ao vencedor, as batatas”, e encontra em Brás tor”, o narrador explica seu próprio texto e as razões pelas
um seguidor de sua proposta, e este acaba enxergando a quais o escreve.
explicação para sua vida esvaziada de sentido. A barreira da ilusão/ficção é rompida quando somos
Incidentes e fracassos constituem a vida de Brás Cubas, confrontados com a autoexplicação do romance. De início,
que termina suas memórias de forma bem melancólica, as- há um estranhamento; depois, o leitor é despertado, e sen-
severando a miséria da raça humana. te admiração pela maestria literária de Machado de Assis.
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a
celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não
Atenção
conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, Como um defunto autor, Brás Cubas faz sua narração indiferente às
coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor opiniões alheias, pois pode dispensar as regras de convivência social
do meu rosto. Mais: não padeci a morte de D. Plácida, nem e está na melhor situação para analisar e criticar os atos humanos.
a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e Assim, é possível perceber que há uma profunda descrença na socie-
FRENTE 2

outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem dade, a qual ele considera miserável. A essa atitude de inexistência
sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E ima- de sentido para as coisas da vida, de vazio e negação a qualquer
ginará mal; porque, ao chegar a este outro lado do mistério, princípio, dá-se o nome de niilismo. Portanto, além de pessimista,
achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa Brás Cubas é niilista, o que pode explicar a dedicatória de suas me-
deste capítulo de negativas: – Não tive filhos, não transmiti a mórias aos vermes: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes
nenhuma criatura o legado da nossa miséria. do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança estas memórias
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. póstumas”.
Cotia: Ateliê, 1998. p. 254.

203
A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pa- Sofia e Cristiano Palha: formam o casal que se aproveitará
go-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, da fortuna de Rubião com o intuito de ascender socialmente.
e adeus.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Enredo e fragmentos de uma teoria
São Paulo: Globo Livros, 2008. p. 40.
Quincas Borba abandona o Rio de Janeiro e parte
Mas não; não alonguemos este capítulo. Às vezes, esque- para Barbacena (MG). Logo que chega lá, enamora-se
ço-me a escrever, e a pena vai comendo papel, com grave de uma viúva (Maria da Piedade), irmã de Rubião, o qual
prejuízo meu, que sou autor. Capítulos compridos quadram fazia gosto em casá-los. A senhora acaba morrendo, e a
melhor a leitores pesadões; e nós não somos um público in- amizade entre os dois prospera. Quando Quincas adoe-
-folio, mas in-12, pouco texto, larga margem, tipo elegante, ce, Rubião passa a servi-lo como cuidador – era o seu
corte dourado e vinhetas... Não, não alonguemos o capítulo. único amigo na cidade.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Após a morte do rico filósofo, Rubião herda de
São Paulo: Globo Livros, 2008. p. 22.
Quincas Borba suas propriedades, suas apólices e uma
grande soma em dinheiro, além do seu cachorro (tam-
Quincas Borba: aspectos gerais bém chamado Quincas Borba), com a condição, para
Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as que recebesse toda a doação, de que cuidasse dele
Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago sem medir esforços.
da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado,
Quando o testamento foi aberto, Rubião quase caiu para
e inventor de uma filosofia.
trás. Adivinhais por quê. Era nomeado herdeiro universal do
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Penguin & Companhia das Letras, 2012. testador. Não cinco, nem dez, nem vinte contos, mas tudo,
o capital inteiro, especificados os bens, casas na Corte, uma
Quincas Borba, que intitula esse livro, corresponde ao em Barbacena, escravos, apólices, ações do Banco do Brasil
mesmo menino-mendigo-filósofo que aparece em Memó- e de outras instituições, joias, dinheiro amoedado, livros,
rias póstumas de Brás Cubas, mas é enganoso pensar que – tudo finalmente passava às mãos do Rubião [...]. Uma
Quincas será o protagonista dessa história, pois a atenção só condição havia no testamento, a de guardar o herdeiro
recairá sobre Rubião, amigo do filósofo. Quincas, ao morrer, consigo o seu pobre cachorro Quincas Borba, nome que lhe
deixa uma grande herança para esse amigo sob uma con- deu por motivo da grande afeição que lhe tinha. Exigia do
dição peculiar: ele deve cuidar de seu cachorro, chamado, dito Rubião que o tratasse como se fosse a ele próprio tes-
também, Quincas Borba. tador, nada poupando em seu benefício, resguardando-o de
Publicado em 1891, dez anos após Memórias póstumas moléstias, de fugas, de roubo ou de morte que lhe quisessem
de Brás Cubas, o romance Quincas Borba desenvolve a dar por maldade; cuidar finalmente como se cão não fosse,
tese do Humanitismo, já apontada no romance anterior, cujo mas pessoa humana.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
lema é “Ao vencedor, as batatas”. Dividida em 201 capítulos Penguin & Companhia das Letras, 2012.
curtos, a obra apresenta, ao estilo machadiano, temas críti-
co-reflexivos – os marginalizados, os diferentes, os pobres Rubião se muda de Barbacena para o Rio de Janeiro;
e os loucos. Com narração em 3a pessoa, acompanhamos agora, quer desfrutar do dinheiro recebido. Durante tal via-
a história de Rubião, que, feito rico, será explorado e se tor- gem de trem, conhece o casal Sofia e Cristiano Palha, para
nará miserável – exemplo concreto da teoria de Quincas –, os quais conta inocentemente sobre a fortuna que herdara.
pois, fraco e ingênuo, acaba sucumbindo aos que estão O casal se entreolha: era a situação perfeita; logo, oferecem
mais adaptados ao mundo capitalista. companhia e ajuda amistosa.
Sofia Palha era uma mulher belíssima e gostava de
Personagens principais ser desejada. Logo, torna-se alvo do desejo de Rubião.
Rubião: era professor da cidade de Barbacena, em Minas Cristiano, ao saber do interesse de Rubião por sua espo-
Gerais. Torna-se herdeiro universal de Quincas Borba, pois sa, sente-se dividido entre o ciúme e a conquista fácil de
era seu “enfermeiro” em seus últimos dias e seu único amigo. prestígio social. Sofia já não poupa esforços para seduzir
Rubião – astuciosamente, dribla o interesse do moço avan-
Quincas Borba (o filósofo): já aparece em Memórias çando e recuando nos cortejos – e ainda consegue manter
póstumas de Brás Cubas. Ao se mudar para Barbacena, intacto seu casamento.
cai nas graças da irmã de Rubião, do qual se torna ami-
— Meu Deus! como é bonita! Sinto-me capaz de fazer um
go. Tem como ideal a teoria do Humanitismo – os mais
escândalo! continuava a pensar o Rubião, encostado à janela,
fortes e adaptados sobrevivem, os mais fracos serão ma-
de costas para fora, com os olhos esquecidos na bela dama,
nipulados até sua completa aniquilação. “Ao vencedor,
que olhava para ele.
as batatas” é a síntese da alegoria criada para explicar ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
essa filosofia. Penguin & Companhia das Letras, 2012.

Quincas Borba (o cachorro): passa a viver com Rubião Cristiano Palha oferece a Rubião sociedade em uma
depois da morte de seu dono, o filósofo. É personagem casa de importação, a “Palha e Cia”. O afortunado ainda
fundamental na trama e apresenta comportamentos cada recuou por algum tempo, mas aceitou logo que Sofia, de
vez mais humanos. forma dissimulada, insistiu no acordo.

204 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Sofia (dona astuta!) recolheu-se à inconsciência do ho- princípio das coisas” e pode explicar tudo – é um darwinis-
mem, respeitosa da liberdade moral, e deixou-o resolver por mo caricato impregnando sua visão de mundo e do homem.
si mesmo que entraria de sócio com o marido, mediante cer- Com essa teoria, os meios para garantir a sobrevivência na
tas cláusulas de segurança. Foi assim que se fez a sociedade sociedade tornam-se justificáveis; assim, uma guerra para
comercial; assim é que Rubião legalizou a assiduidade das determinar qual é o elo mais forte da cadeia chega a ser
suas visitas.
uma necessidade.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Penguin & Companhia das Letras, 2012.
Atenção
Rubião é explorado e caminha rumo à derrota. Sua
riqueza se esvai nas mãos de aproveitadores, momento Já é sabido que o século XIX foi regado por concepções e esquemas
no qual ele assume seus delírios de grandeza, com “suas deterministas que visavam a explicar as relações sociais. Na ficção
ideias tortas e confusas”; torna-se imperador Napoleão III, de Machado de Assis, a teoria de Quincas Borba – o Humanitismo
vai a campos de batalha, entra em transe e se lembra de – tem bases explícitas na teoria darwiniana (de que “os mais aptos
sobrevivem”), conforme pode ser visto no trecho a seguir, escrito
Quincas Borba e de sua teoria.
pelo próprio Darwin:
Espalhou-se a nova da mania de Rubião. Alguns, não o
Tudo o que podemos fazer é lembrar-nos a todo o
encontrando nas horas do delírio, faziam experiências, a ver
momento que todos os seres organizados se esforçam
se era verdadeiro o boato; encaminhavam a conversação para
continuamente por se multiplicar segundo uma progres-
os negócios de França e do imperador. [...]
são geométrica; que cada um deles em certos períodos
Passaram-se alguns meses, veio a guerra franco-prussia-
da vida, durante certas estações do ano, no decurso de
na, e as crises de Rubião tornaram-se mais agudas e menos
cada geração ou em certos intervalos, deve lutar pela
espaçadas. [...]
existência e estar exposto a uma grande destruição. O
A queda de Napoleão III foi para ele a captura do Rei
pensamento desta luta universal provoca tristes refle-
Guilherme, a revolução de 4 de Setembro um banquete de
xões, mas podemos consolar-nos com a certeza de que
bonapartistas. [...]
a guerra não é incessante na natureza, que o medo é
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Penguin & Companhia das Letras, 2012. desconhecido, que a morte está geralmente pronta, e que
são os seres vigorosos, sãos e felizes que sobreviverão
Rubião vai à falência, adoece e é abandonado por to- e se multiplicarão.
dos que o cercavam, exceto pelo cachorro Quincas Borba. DARWIN, Charles. A origem das espécies. Paúl, Joaquim da Mesquita
Por fim, o protagonista é internado em um asilo, de onde (Trad.). Porto: Lello & Irmão, 2003.

foge para retornar a Barbacena, e, durante a exposição a


Mesmo não sendo da vontade de seu autor, a teoria da adaptação de
uma chuva, contrai pneumonia e morre. O cachorro Quincas Darwin se estendeu para justificar o capitalismo e seus efeitos. Ra-
Borba sai à procura de seu dono e morre três dias depois. cionalizando, os “mais aptos” da sociedade receberiam as benesses
No último capítulo do livro, há um diálogo do narrador do sistema, e seriam ignoradas as circunstâncias que rebaixariam os
com o leitor – uma das marcas da literatura de Machado outros membros à precariedade em educação e saúde, por exemplo.
de Assis. Estaria justificada a elevada “aptidão” de uns sobre os outros. Diante
desse raciocínio, Rubião fica sem as filosóficas batatas.
CAPÍTULO CCI
Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu
também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do Quincas Borba cria uma alegoria para explicar seu sis-
dono, e amanheceu morto na rua, três dias depois. Mas, ven- tema filosófico:
do a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável — Não há morte. O encontro de duas expansões, ou
que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que a expansão de duas formas, pode determinar a supressão
dá o título ao livro, e por que antes um que outro, – questão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida,
prenhe de questões, que nos levariam longe... Eia! chora os porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência
dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso ri-te! É da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e
a mesma coisa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra.
como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As
risos e as lágrimas dos homens. batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Penguin & Companhia das Letras, 2012.
assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra
vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas
tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a
Humanitismo: a teoria das batatas nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse
FRENTE 2

O Humanitismo, a teoria criada por Quincas Borba, apa- caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos
rece, inicialmente, em Memórias póstumas de Brás Cubas extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da
como “um novo sistema de filosofia”. Tratava-se de ideias vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos
compiladas “em quatro volumes manuscritos, de cem pá- os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse
ginas cada um” – uma mistura das teorias cientificistas da isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo
época, articuladas pelo narrador com tom irônico. Segundo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é apra-
o filósofo Quincas Borba, Humanitas ou Humanitismo é “o zível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma

205
pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. prosopopeia – do filósofo; uma metamorfose para explicar
Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas. o Humanitismo.
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Penguin & Companhia das Letras, 2012. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome
do meu bom cachorro. Ris-te, não?
Analisando essa teoria com base no romance de que ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
ela faz parte, temos, de um lado, Rubião, com sua fortuna e Penguin & Companhia das Letras, 2012.
ingenuidade e, do outro, o casal Palha e os outros usurpado-
res, com ganância e astúcia; na guerra pela sobrevivência, os
aptos são os golpistas, já Rubião é o mais frágil e “perde as
Machado de Assis: Bentinho e a
batatas”, sucumbindo à loucura até sua morte. tal Capitu
Podemos analisar o Humanitismo de Quincas Borba Capitu foi uma personagem do romance realista Dom
como uma espécie de “darwinismo social” se pensarmos Casmurro, de Machado de Assis, e inspiração para inú-
que as personagens menos adaptadas se tornam fantoches meras discussões sobre as personagens femininas na
e são manipuladas. A sociedade incentiva o capitalismo e Literatura brasileira. Assim, na ficção, existem as mulheres
“coisifica” o ser humano, que passa a figurar como consumi- antes e as depois de Capitu.
dor-consumido. Machado de Assis, em seu tempo absorto
em teorias cientificistas (como o darwinismo, determinismo, Dom Casmurro: aspectos gerais
positivismo e psicologismo), denuncia os possíveis graus de Indubitavelmente, Dom Casmurro é um marco na
incerteza dessas ciências, que podem ser relativas, abrindo literatura brasileira. O romance faz parte da fase ma-
espaço para discussões sobre o desconhecido justamente dura do Realismo de Machado de Assis, considerado
por meio de um filósofo insano. o principal escritor do período; o autor, além disso, é
um vanguardista de seu tempo e não se atém somente
Quincas Borba – o cão à clareza e ao equilíbrio: Machado de Assis é um ex-
O leitor crítico do romance Quincas Borba pode se perimentalista do Realismo ao brincar com as palavras,
perguntar o que representa o cachorro Quincas Borba e sendo sarcástico e valorizando as possibilidades de dis-
por que o dono e o animal têm o mesmo nome. Segundo
posição dos elementos gráficos na página em branco.
a doutrina do filósofo, Humanitas era o princípio da vida e
Dom Casmurro foi publicado em 1899, tem 148 capí-
existia em todo ser, inclusive nos cães.
tulos curtos e é considerado o terceiro romance da fase
Leia a narração feita sobre as características do cachor-
madura de Machado de Assis. O seu narrador, Bentinho,
ro e sua relação íntima com o dono:
é ardiloso ao arquitetar a trama de argumentos para nos
Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba, – convencer de que sua esposa, Capitu, é adúltera. Aliás,
um cão, um bonito cão, meio tamanho, pelo cor de chumbo, nós, leitores, precisamos de maturidade para entender
malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, o que há por trás do obscurantismo latente no narrador.
dormiam no mesmo quarto. De manhã, era o cão que acor-
dava o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras Atenção
saudações. Uma das extravagâncias do dono foi dar-lhe o seu
A fase madura de Machado de Assis é composta das seguintes obras:
próprio nome; mas, explicava-o por dois motivos, um doutri-
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); e
nário, outro particular.
Dom Casmurro (1899).
— Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o
princípio da vida e reside em toda a parte, existe também no
cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão Antes de abordar a questão do ciúme – base para a
ou muçulmano... acusação do hipotético adultério –, é importante atentar-se
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Penguin & Companhia das Letras, 2012.
às perspectivas histórica e familiar que também envolvem
a trama, já que há relações fundamentais no seio da família
Após a morte do homem Quincas Borba, o seu cão de Bentinho que propagam a ideia da traição: José Dias
passa a transmitir a Rubião as mesmas feições do dono, cria uma metáfora para o olhar de Capitu (“cigana oblíqua
com olhar sério e interpretativo. e dissimulada”), já Dona Glória mantém o filho sob suas ré-
Olhou para o cão, enquanto esperava que lhe abrissem a deas e superproteção durante boa parte de sua vida, tendo
porta. O cão olhava para ele, de tal jeito que parecia estar ali com ele um laço muito estreito e reforçando um modelo
dentro o próprio e defunto Quincas Borba; era o mesmo olhar feminino padronizado incutido na mente de Bento.
meditativo do filósofo, quando examinava negócios humanos Historicamente, a obra remonta a um momento da
[...] mas então os olhos do cão, meio fechados de gosto, tinham trajetória do Brasil baseado na família patriarcal e oligár-
um ar dos olhos do filósofo, na cama, contando-lhe coisas de quica, em que impera um sistema de classes com bases
que ele entendia pouco ou nada. escravocrata e conservadora – esta última, principalmente,
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: relacionada ao papel da mulher na sociedade e aos pre-
Penguin & Companhia das Letras, 2012.
conceitos a ela impostos. Segundo o desejo do narrador,
Uma leitura plausível é a de que o cachorro é o pro- reproduzir a vida de criança e adolescente é uma tentativa
longamento do homem, uma projeção – por meio da de manutenção desses valores, e feri-los consiste em uma

206 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


H. S. Storer/Biblioteca Nacional do Brasi (Domínio público)
Fig. 6 Henry Sargant, Rio de Janeiro: parte do Aqueduto, no cruzamento com a Rua Mata-cavalos visto através de seus arcos; acima do morro, está o Convento de
Santa Teresa, 1820, gravura. O Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX é o cenário do romance; Bento e Capitu moraram na Rua Mata-cavalos (atualmente
Rua Riachuelo).

nova maneira de leitura desses atos convencionais, o que José Dias: era um agregado da casa de Bentinho e repre-
Capitu faz ao revelar novas formas de encarar o mundo. senta, na obra, as pessoas que viviam de favor com os ricos
É Bento Santiago – o Dom Casmurro – quem preten- do Brasil Império, as quais, em muitos casos, influenciavam
de “atar as duas pontas da vida e restaurar, na velhice, a as decisões familiares. São figuras características desse
adolescência”. Sobre Capitu, há logo uma advertência: não período – pessoas ociosas, que não eram proprietárias nem
tente incriminá-la; existem muitas linhas tortuosas e psicolo- comerciantes –, cuja presença se mostra bem comum em
gismos que, por vias literárias, nos levam a uma sondagem obras do século XIX. José Dias se apresentou como um
tanto do mistério feminino quanto do narcisismo masculino. médico homeopata, mas isso não passava de uma mentira
para adentrar na família.
Atenção
Dona Glória: mãe de Bentinho e viúva de Pedro de
Desde sua publicação e por mais de 60 anos, Dom Casmurro foi ape- Albuquerque Santiago, dedicou-se exclusivamente ao filho
nas um exemplar de romance sobre o adultério feminino. Contudo, único e à memória do marido. Era superprotetora e muito
em 1960, a estudiosa norte-americana Helen Caldwell propôs a leitura religiosa, retrato de uma poderosa matriarca oitocentista.
da obra com os olhares voltados a Bentinho – já que ele é a perso-
nagem problemática, e não Capitu. Machado de Assis havia criado Escobar: era o melhor amigo de Bentinho. Conheceram-se
uma obra cujo narrador não dá voz à mulher; já que temos apenas no seminário, e a afeição veio da identificação de ambos,
uma versão da história, devemos desconfiar de tanta parcialidade. que não tinham vocação sacerdotal. Escobar era decidido,
de grande perspicácia intelectual, e teve êxito no comércio
Personagens: uma primeira perspectiva de café. Foi acusado de traidor por Bentinho quando este
desconfiou que o amigo lhe tomou a esposa. Era um exímio
Bento Santiago – Bentinho: o narrador da história é filho
nadador, mas acaba tragado pelo mar em um dia de ressaca.
único vindo de uma família rica. Já mais velho, escreve
para dar vazão a dúvidas e infelicidades da vida. Por uma Sancha: era amiga de Capitu dos tempos de colégio e
promessa da mãe, foi seminarista, mas não tinha vocação esposa de Escobar, com quem teve uma filha, a quem deu
para o sacerdócio – seu dom era amar Capitu, a quem o nome da amiga Capitu.
acusa de adultério com o melhor amigo de seminário. De
Ezequiel: era filho de Bentinho e Capitu e recebeu o nome
uma infância tímida e insegura, passa a uma velhice amarga
FRENTE 2

do amigo Escobar, o qual também se chamava Ezequiel.


e cética – fatos desfiados ao longo da narrativa.
Com o crescimento do menino, Bento começa a achar se-
Capitolina – Capitu: desde pequena, era amiga e vizinha melhanças entre o garoto e o melhor amigo, inclusive nos
de Bentinho. De personalidade forte, pouco sabemos de trejeitos, o que passou a confirmar a sua desconfiança de
seu físico: a atenção toda recai sobre seus olhos, que eram que Ezequiel seria fruto de uma relação entre Capitu e
“de cigana oblíqua e dissimulada”, na versão parcial de Escobar. O jovem passa pelo internato e quase é morto
José Dias. pelo pai.

207
Dom Casmurro Bento
Qualquer tentativa de contar a história ou resumir o Capitolina
enredo de Dom Casmurro acaba atendo-se aos fatos ex- [...] Em verdade, não falamos nada; o muro falou por nós.
teriores da obra, que, embora sejam importantes, ocupam Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a
um plano secundário em um romance no qual as sutilezas pouco, todas quatro, pegando-se, apertando-se, fundindo-se.
de análise e a caracterização das personagens são funda- [...] Conhecia as regras do escrever, sem suspeitar as do amar;
mentais. Podemos, a priori, comentar os fatos marcantes tinha orgias de latim e era virgem de mulheres.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 31.
do livro e citar trechos que comprovem o porquê de Dom
Casmurro ser uma obra de múltiplas leituras.
Capitu e o plano
Por uma questão didática, abordaremos os acon-
Capitu se irrita com a possibilidade de o namorado ir
tecimentos da vida de Bentinho da infância à velhice.
ao seminário e insulta Dona Glória, chamando-a de “Beata,
Salientamos que a obra machadiana é marcada pela di-
Carola, Papa-missas!”. Um plano é traçado pela garota: José
gressão do narrador – o livro começa pela solidão e velhice
Dias deveria interceder firmemente junto a Dona Glória para
trágica do protagonista.
que Bento estudasse Direito, evitando, assim, o seminário,
visto que ele seria o futuro senhor de todos os bens da
Atenção
família. Durante a conversa, que começou hesitante, José
Por que Dom Casmurro? O próprio narrador nos conta como ganhou Dias faz o comentário sobre Capitu que mudaria os rumos
esse apelido, logo no primeiro capítulo (“Do título”). Dom veio como da história.
um título de nobreza a quem aparentava vaidade e presunção – atri-
Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblí-
buição irônica, que fique bem claro. “Casmurro” foi o adjetivo dado
por ser “homem calado e metido consigo”. qua e dissimulada.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 52.

Em sua fala, José Dias referia-se ao poder de manipu-


As origens lação de Capitu, ao olhar esquivo e enganador, comparado
Bentinho nasceu de uma promessa de sua mãe. Depois ao dos ciganos, os quais sofriam preconceito na época.
de esta ter um filho morto, prometeu, por ser muito religiosa, Sobre a ideia de Bento estudar Direito, José Dias pensou
tornar padre o filho que lhe viesse forte e saudável; assim, logo em uma vida na Europa e, assim, foi convencido a levar
Bento, algum dia, iria ao seminário. Com Bentinho aos 2 a cabo o plano de Capitu.
anos de idade, a Família Albuquerque Santiago se instala Dias depois, Bentinho quis conferir os olhos da garota
no Rio de Janeiro em uma casa na Rua Mata-cavalos. Dona para comprovar o julgamento de José Dias. Ao contemplá-
Glória perde o marido dois anos depois; dona de toda a -los, definiu-os da seguinte forma:
herança, era respeitada e tinha todas as vontades feitas, Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia
principalmente pelo agregado José Dias. daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e
enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga
A relação com Capitu que se retira da praia, nos dias de ressaca.
Ao lado da casa de Dona Glória, vivia a família Pádua, ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 68.

formada por João, Fortunata e Capitu. Eram mais pobres


e deviam lealdade à Dona Glória, que os abrigara de uma O primeiro beijo e o juramento
enchente. Bentinho e Capitu foram criados juntos, e, com Atordoado com a miragem do olhar de Capitu, Bentinho
uma comunicação por meio do muro entre as duas casas, começa a pentear a namorada (uma trança desajeitada). Ao
a relação dos dois se estreitava. O ano era 1857: Bentinho olhar-se no espelho, Capitu deixa a cabeça cair para trás e
com 15 e Capitu com 14 anos de idade; era hora de enviar permanece na mesma posição até acontecer o primeiro beijo
Bentinho ao seminário ou, de acordo com o pensamento do casal; a partir desse momento, Bentinho “era um homem”.
de José Dias, haveria dificuldade de fazê-lo, dada a proxi- Dona Glória não cede ao apelo do filho e mantém a
midade entre os jovens. promessa de torná-lo padre; dentro de dois ou três meses,
entraria no seminário.
— Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me
À beira do poço do quintal de Capitu, deu-se a briga.
atrevia. Não me parece bonito que o nosso Bentinho ande
Capitu se enfurece ao perceber que o namorado não en-
metido nos cantos com a filha do Tartaruga [Pádua], e esta é a
frentaria a mãe nem discordaria de sua decisão. Deram-se
dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá
promessas e ameaças, e, assim, juraram jamais se casarem
muito que lutar para separá-los. [...] Bentinho quase que não
a não ser um com o outro.
sai de lá. A pequena é uma desmiolada [...].
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 9. — Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus Nosso
Senhor que só me casarei com você. Basta isto?
A essa altura, Bentinho já amava Capitu. Ao tentar con-
tar a ela que seria mandado ao seminário, viu uma inscrição
Vaga: grande elevação formada em rios, mares etc.; onda.
no muro, riscada a prego por Capitu.

208 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


— Devia bastar – disse ela –, eu não me atrevo a pedir Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. San-
mais. Sim, você jura... Mas juremos por outro modo; juremos cha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance
que nos havemos de casar um com outro, haja o que houver. consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mu-
Compreendeis a diferença, era mais que a eleição do côn- lheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a
juge, era a afirmação do matrimônio. A cabeça da minha amiga si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão
sabia pensar claro e depressa. era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 99. cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira
lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
O seminário As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxu-
Bentinho acaba indo para o Seminário de São José gou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala.
Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver
com a condição de abandoná-lo em um ano caso não fos-
parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos
se provada sua vocação ao celibato. Durante esse tempo,
de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto
Capitu tornou-se íntima de D. Glória, que já lhe tratava por nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar
“filha” – os olhos da garota, agora, eram lívidos. lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.
Minha mãe era de natural simpático [...]. Entrou a achar ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. In: MOISÉS, Massaud. A literatura
brasileira através dos textos. 20 ed. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 278.
em Capitu uma porção de graças novas, de dotes finos e raros;
deu-lhe um anel dos seus e algumas galanterias. [...] Os olhos
de Capitu, quando recebeu o mimo, não se descrevem, não Obsessões de Bento Santiago
eram oblíquos, nem de ressaca, eram direitos, claros, lúcidos. Bento agora acredita que fora traído pela esposa e
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 103.
pelo melhor amigo e que Ezequiel não é seu filho. Primeiro,
No seminário, longe de casa, Bentinho era provocado pensa em suicídio, depois em matar Capitu e, até mesmo,
por José Dias, que insinuava – dissimuladamente – que Ca- Ezequiel. Foram tais pensamentos obsessivos e desespe-
pitu era leviana e procurava casamento. Tomado de ciúme, rados que os levaram ao fim do casamento.
o garoto ficava cada vez mais inseguro. Capitu e Ezequiel partem para a Suíça, onde Capitu
Outro jovem do seminário sem nenhuma inclinação morre. Tempos depois, Ezequiel reencontra Bento, que
para a vida religiosa era Ezequiel Escobar, que se tornou ainda o compara com Escobar. O jovem parte para Jeru-
amigo e confidente de Bentinho. Tempos depois, para que salém, viagem custeada por Bento para manter distância do
ambos deixassem o seminário, uma ideia partiu de Escobar: “bastardo”. Onze meses depois, Ezequiel morre de febre
Dona Glória poderia financiar a ordenação de algum jovem tifoide, e Bento – o Casmurro – não demonstra tristeza: vai
pobre; assim, a promessa da mãe se cumpriria, e Bentinho ao teatro e janta normalmente.
não sairia prejudicado. Deu-se o plano.
Solidão e tentativa de reconstrução
O casamento Velho, sozinho e triste, Bento Santiago mantém-se re-
Já bacharel em Direito aos 22 anos, Bentinho retorna cluso e ensimesmado, recebendo a alcunha de “casmurro”.
ao Rio de Janeiro e, em 1865, casa-se com Capitu. Escobar Na tentativa de restaurar o passado, constrói, no Engenho
se casa com Sancha, amiga de Capitu, e a relação entre os Novo, uma casa igual à de Mata-cavalos, obedecendo a
dois casais se estreita cada vez mais. todos os detalhes. A tentativa frustrada de recompor a vida
Eram felizes, mas faltava um herdeiro a Capitu e Bento. de adolescente na velhice levou Bento Santiago a escrever
Ezequiel, filho do casal, vem ao mundo quando Capituzinha a narrativa citada.
– filha de Sancha e Escobar – já andava e falava. O nome
dos filhos de ambos foram homenagens recíprocas. Saiba mais
À medida que Ezequiel crescia, Bento começava a
notar certas feições do amigo Escobar no menino; aí ins- Em obras literárias, uma personagem pode se destacar por uma forte
taurava-se a dúvida. capacidade de fazer com que o leitor se identifique com ela, seja por
uma conexão afetiva e intelectual, seja por um mecanismo de transfe-
A morte – a lágrima – a dúvida rência e projeção. As personagens podem ser planas ou esféricas. As
primeiras são construídas de forma pura, através de uma única ideia,
Bento amava cada vez mais Capitu; porém, junto ao sem que haja nelas um aprofundamento emocional e psíquico. Já as
amor, estava o ciúme desmedido. personagens esféricas são organizadas com maior complexidade, e
Os dois casais agora moram mais próximos um do ou- suas realizações se configuram mais agudas; elas sempre podem nos
tro. À certa altura, na casa de Escobar, Bento supõe que ele surpreender, já que são imprevisíveis e dão vida ao livro.
e Sancha trocam olhares de cobiça; ambos se despedem Na obra Dom Casmurro, Bentinho e Capitu são personagens esféri-
FRENTE 2

apertando as mãos com lascívia. Depois, Bento narra que cas, porque não são apresentadas imediatamente ao leitor. As suas
tudo não passou de um delírio. personalidades vão se delineando aos poucos, com intensidade e
No dia seguinte, na praia do Flamengo com o mar “em destreza do autor. Bento ora se mostra frágil e se vitimiza, ora se apro-
xima de um ser cruel e vil. Capitu é insinuante e astuta e impressiona
dia de ressaca”, o exímio nadador Escobar morre afogado.
pela capacidade de dissimulação em várias passagens do enredo,
No funeral, dá-se a cena que eliminaria as dúvidas de Bento mas também não tem a chance de se defender, não é explícita nas
e que incriminaria Capitu de adultério: um olhar terno e uma ações e se mostra uma mulher sensível.
lágrima pelo morto.

209
O que faz de Dom Casmurro um grande Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já ideias atre-
vidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas
clássico da literatura? eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas,
Neste momento, conhecer o enredo do livro é fun- surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos
damental para uma leitura sóbria dos processos de saltinhos. Não sei se me explico bem. Suponde uma concepção
composição literária de Machado de Assis. Há alguns ele- grande executada por meios pequenos.
mentos recorrentes na obra machadiana que consolidam ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 41-2.
Dom Casmurro como um grande clássico na literatura bra- Pelo trecho apresentado anteriormente, já temos a
sileira, como as personagens complexas, os narradores dimensão do problema implantado, da desconfiança do
ambíguos, os trechos digressivos, e o tempo e os espaços narrador ao afirmar que Capitu, desde sempre, tivera ideias
que subvertem a lógica. A seguir, abordaremos sintetica- atrevidas: ela é a manipuladora; e ele, o manipulado. Essa
mente alguns desses recursos. é a visão para aquele leitor do século XIX, contemporâneo
Os perfis do narrador e do leitor de Casmurro. As pistas deixadas pelo narrador já envene-
nariam a leitura, e, assim, Capitu seria considerada adúltera.
Dom Casmurro é uma narrativa que se apresenta como
No século XXI, nós somos leitores conscientes da lin-
um “romance autobiográfico”, não só pelo título da obra
guagem ardilosa de um sujeito absorto em ciúme. Resta-nos
– que anuncia o narrador personagem –, mas também pe-
resolver que tipo de vínculo queremos estabelecer com
los primeiros capítulos, que esclarecem o porquê daquela
a trama e seu narrador – nós nos comportaremos como
escritura. Não é mesmo um romance tradicional, pois a per-
leitores passivos, recebendo as denúncias sem questio-
sonagem passa a ser o autor de sua própria ficção e tenta namentos, ou seremos dialéticos, aprofundando-nos nas
afirmar, desde o início, que essa parte de um drama pessoal entrelinhas dessas memórias? Como queremos preencher
é a realidade. Com ar melancólico, assume-se “morto por as lacunas deixadas por Bento Santiago?
dentro” e escreve o livro como uma quebra da monotonia Se um leitor existe no ato da leitura e, a cada leitura,
pela qual estava passando. uma obra ganha novas interpretações, a obra Dom Cas-
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e murro, de Machado de Assis, ainda será abordada com
restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui diferentes olhares – e isso a manterá viva como um grande
recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, clássico da nossa literatura.
a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um
homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais Atenção
falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. [...]
Ora, como tudo cansa, esta monotonia acabou por exaurir- A maestria narrativa de Dom Casmurro está justamente no misté-
-me também. Quis variar, e lembrou-me escrever um livro. [...] rio infindável sobre a fidelidade de Capitu, visto que o leitor pode
[...] Eia, comecemos a evocação por uma célebre tarde de acreditar nas palavras do narrador ou crer que tudo não passou de
novembro, que nunca me esqueceu. Tive outras muitas, me- imaginações da cabeça dele. Entretanto, nunca será possível ter
lhores, e piores, mas aquela nunca se me apagou do espírito. certeza da verdade dos fatos – eis o motivo pelo qual o romance
É o que vais entender, lendo. encanta e sempre será motivo de estudo.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 7-8.

Assim, divagando em suas próprias memórias, o nar- O tempo da memória


rador coloca-se como protagonista do que contará – uma Em uma obra literária, o tempo tem uma grande importân-
história fechada em si mesma, cuja intenção é reviver o pas- cia desde a elaboração do que será contado até a maneira
sado, apesar de doloroso, e eternizá-lo por meio da escrita. como será apresentada a realidade criada pelo autor. Em Dom
Lembremos que Dom Casmurro (idoso) é quem nar- Casmurro, o tempo da narrativa será o tempo da memória, da
ra a história, mas quem a vive é Bentinho. Temos, assim, evocação do passado, o que ocorrerá por meio do discurso
um narrador múltiplo, que é autor, narrador e personagem. de Bento Santiago. Realmente, não há uma preocupação cro-
Dessa forma, questiona-se até que ponto é possível que nológica para organizar e selecionar os registros do passado;
alguém conte sua própria história sem reconstruí-la com portanto, o que lemos na obra são as memórias dessa perso-
certa parcialidade, mostrando versões que sejam conve- nagem, que podem ser racionalizadas ou baseadas apenas
nientes a si próprio. O resgate por meio da memória sofrerá em emoções, dependendo das intenções dela.
interferência do tempo e do espaço; os fatos e as emoções A memória de Bento Santiago está intimamente ligada
já foram modificados, superados ou transformados em trau- à paixão por Capitu, e, por isso, ele pode distorcer fatos
mas. Portanto, há de se suspeitar das intencionalidades vividos para preencher as lacunas que lhe faltam.
desse narrador casmurro e ponderar seu ar de vitimização.
Outra vez senti os beiços de Capitu. Talvez abuso um pou-
Desse modo, o narrador em 1a pessoa, personagem, au-
co das reminiscências osculares, mas a saudade é isto mesmo;
tor e ficcionista, intima o leitor a participar de sua narrativa;
é o passar e repassar das memórias antigas. Ora, de todas as
somos coadjuvantes da história ao atuarmos como ouvintes, daquele tempo creio que a mais doce é esta, a mais nova,
advogados e até mesmo cúmplices dele. É notável, em a mais compreensiva, a que inteiramente me revelou a mim
muitos capítulos, o esforço em inocentar Bentinho e cul- mesmo. Outras tenho, vastas e numerosas, doces também, de
par Capitu pelo término do casamento, sendo esta, desde vária espécie, muitas intelectuais, igualmente intensas. Grande
sempre, mostrada como moça astuta e manipuladora, com homem que fosse, a recordação era menor que esta.
discursos persuasivos e ações intempestivas. ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 73-4.

210 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


O narrador pode modificar, omitir ou até mesmo inten- o Engenho Novo, tentando atar as pontas e aparar arestas
sificar suas recordações como melhor lhe convier. Ele se de sua vida; portanto, a estrutura é cíclica, e nada se altera,
mune da justificativa do esquecimento para pontuar seu o que prova que a ação do tempo pode ser dolorosa e nos
discurso com fantasia e imaginação, o que vai promovendo tornar solitários tanto na vida quanto na ficção.
a desconfiança no leitor.
Saiba mais
Não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é compa-
rável a alguém que tivesse vivido por hospedarias, sem guardar Alguma vez, você teve a sensação de já ter lido um texto sem nunca
delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstâncias. [...] ter passado os olhos nele? Isso, muitas vezes, ocorre em virtude da
[...] O que faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e intertextualidade, que é, basicamente, um diálogo entre textos que
evocar todas as cousas que não achei nele. [...] lembram, retomam e citam outros textos.
[...] É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor ami- As obras de Machado de Assis apresentam diversos elementos que
evocam outros discursos, gêneros e autores, o que se deve ao fato de
go. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também
o autor ter sido um leitor inveterado de filósofos e da literatura consi-
preencher as minhas.
derada “erudita”. Assim, bebendo das fontes clássicas literárias, ele nos
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Nobel, 1984. p. 120.
apresenta personagens de grande complexidade, narradores ousados
A forma de construção do romance machadiano nos e enredos que levam o leitor a reflexões e leituras diversas.
Dom Casmurro traz inúmeras passagens que dialogam com obras
leva a repensar a questão do tempo e a relevância da cro-
preexistentes. Desse modo, o narrador cita personalidades, passagens
nologia. Casmurro rememora a infância e a adolescência históricas e bíblicas e personagens de outras obras importantes na li-
para recobrar uma parte de si que foi comprometida. Entre- teratura mundial.
tanto, ele começa e termina sua narrativa no mesmo lugar,

Revisando
No fragmento a seguir, do conto “Os canibais”, de Álvaro do Carvalhal (1844-1868), o escritor português ressente-se da
xação pelo real e pela verdade que marca a literatura burguesa do século XIX. Leia-o atentamente para responder
às questões de 1 a 3.
Disse a crítica pela boca de Boileau: Rien n’est beau que le vrai [nada é belo senão o verdadeiro], e não tardou que as
fábulas, arabescos exóticos e exageros, oriundos principalmente dos tempos heroicos, perdessem toda a soberania dantes
exercida na ampla esfera das boas-letras. [...]
Todavia não deixarei eu de confessar o amor, que sempre tive por contos de fadas, para que se não estranhem algumas
murmurações, acaso fugitivas, no acto de me sacrificar às exigências desta geração pretenciosa.
CARVALHAL, Álvaro do. “Os canibais”. In: Contos.
Lisboa: Assírio & Alvim, 2004. p. 217.

1 Acredita-se que a fantasia seja o antônimo de realidade. Seria possível falar de coisas sérias por meio de “causos”
leves e divertidos? Dê um exemplo.

2 Tendo em vista que a literatura é uma forma de imitação da realidade, você acha que, como propõe o Realismo, ela
poderia ser científica?
FRENTE 2

211
3 Considerando a relação da literatura com as questões sociais e os instrumentos de transformação da realidade, é
possível, por meio dela, transformar o mundo?

Observe com atenção a pintura a seguir e, depois, responda às questões de 4 a 6.

Jean-François Millet/Web Gallery of Art (Domínio público)


Jean-François Millet, Colheita de trigo mourisco, 1868-74, óleo sobre tela, Museu de Belas Artes, Boston, Estados Unidos.

4 O pintor Gustave Courbet foi quem primeiro denominou de realista a arte que vinha fazendo, na exposição de seus
quadros em Paris, em 1855. Porém, foi Jean-François Millet quem abriu terreno para essa nova estética na pintura. Que
traços realistas você consegue identificar em seu quadro Colheita de trigo mourisco?

5 Descreva as semelhanças e diferenças entre as personagens apresentadas em primeiro plano e as que aparecem
no plano de fundo do quadro.

212 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


6 O quadro de Millet expressa o trabalho laborioso do campo, que muitas pessoas vinham abandonando para tentar a
sorte nas grandes cidades. Em que o trabalho nas fábricas se diferenciava do trabalho agrícola?

7 Assim como a metáfora, a metonímia e a hipérbole, a ironia é uma figura de linguagem. Porém, diferentemente de
outras figuras de linguagem, que se evidenciam no próprio aspecto verbal, a ironia só é reconhecida no momento da
interpretação, da recepção do texto pelo leitor. No trecho a seguir, extraído do conto “O alienista”, de Machado de Assis,
identifique a ironia e comente sobre a crítica feita pelo autor às características da personagem.
[...] o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e maior dos médicos do Brasil, de Portugal, e das Espanhas. Estu-
dara em Coimbra e Pádua [...]. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em
Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.
— A Ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único [...].
[...] Aos quarenta anos casou-se com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um
juiz de fora, e não bonita nem simpática [...] D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, di-
geria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos,
sãos e inteligentes [...].
D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos.
ASSIS, Machado de. “O alienista”. Contos de Machado de Assis:
obras completas. São Paulo: LL Library, 2015. v. 2.

8 Leia o seguinte trecho extraído do capítulo XIV do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e sangue nas veias,
cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo me-
dieval, para dar com ele nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem,
onde o realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por compaixão, o transportou para os seus livros.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo Livros, 2008. p. 72-3.

Garção: homem jovem; moço, mancebo.


O narrador faz um comentário crítico sobre um aspecto do Romantismo. Como o trecho apresentado pode represen-
tar o esgotamento da estética romântica?
FRENTE 2

213
Exercícios propostos
1 Ufes 2015 enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes
nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que
Heroísmos ia experimentar, sensações excepcionais! Havia tudo − a
Eu temo muito o mar, o mar enorme, casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações
Solene, enraivecido, turbulento, do perigo! Porque o aparato impressionava-a mais que o
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento; sentimento; e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que
O mar sublime, o mar que nunca dorme. Basílio! Como seria? [...] Desejaria antes que fosse no cam-
po, numa quinta, com arvoredos murmurosos e relvas fofas;
Eu temo o largo mar rebelde, informe,
passeariam então, com as mãos enlaçadas, num silêncio
De vítimas famélico, sedento,
poético; e depois o som da água que cai nas bacias de pedra
E creio ouvir em cada seu lamento
daria um ritmo lânguido aos sonhos amorosos... Mas era
Os ruídos dum túmulo disforme.
num terceiro andar − quem sabe como seria dentro? [...]
Contudo, num barquinho transparente, E ao descer o Chiado, sentia uma sensação deliciosa
No seu dorso feroz vou blasonar, em ser assim levada rapidamente para o seu amante, e
Tufada a vela e n’água quase assente, mesmo olhava com certo desdém os que passavam, no
E ouvindo muito ao perto o seu bramar, movimento da vida trivial − enquanto ela ia para uma hora
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente, tão romanesca da vida amorosa! [...] Imaginava Basílio
Escarro, com desdém, no grande mar! esperando-a estendido num divã de seda; e quase receava
VERDE, Cesário. O livro de Cesário Verde. Disponível em: www. que a sua simplicidade burguesa, pouco experiente, não
dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000070.pdf. achasse palavras bastante finas ou carícias bastante exalta-
Acesso em: 28 nov. 2017. das. Ele devia ter conhecido mulheres tão belas, tão ricas,
o mar mastiga a praia tão educadas no amor! Desejava chegar num cupê seu,
seus dentes, suas bocas com rendas de centos de mil-réis, e ditos tão espirituosos
seus lábios, suas línguas como um livro...
o mar mastiga a praia A carruagem parou ao pé duma casa amarelada, com
com avidez de água viva uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole
faz barulho quando come e salobre enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia
o mar mastiga a praia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía, e
com seus segredos a umidade fizera nódoas. No patamar da sobreloja, uma
desinfeta pensamentos janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó
acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja
(essa lâmina oceano
do saguão. E por trás duma portinha, ao lado, sentia-se o
que assume rios e enseadas
ranger dum berço, o chorar doloroso duma criança.
não carrega remorso
[...]
de água parada)
Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de ferro com
mar tem boca azul uma colcha amarelada, feita de remendos juntos de chitas
e línguas de ondas diferentes; e os lençóis grossos, dum branco encardido e
a lamber a areia mal lavado, estavam impudicamente entreabertos...
o mar mastiga a praia Queirós, Eça de. Obras de Eça de Queiroz. Porto: Lello & Irmão, s/d.
na maré mansa da manhã
Quinta: pequena propriedade campestre;
ele descansa
SALOMÃO, Douglas. Zero. Vitória: Secult, 2006. p. 57.
Lânguido: sensual;
Chiado: bairro de Lisboa;
Os dois poemas citados, de Cesário Verde e de Cupê: antiga carruagem fechada;
Douglas Salomão, pertencem a contextos literários Salobre: salgado;
distintos. Escolha um dos poemas, identique duas Nódoas: manchas;
marcas que lhe são próprias e justique sua resposta Impudicamente: sem pudor.
com o próprio poema.
O texto apresenta o contraste entre o cenário
desejado pela personagem Luísa e aquele que ver-
2 Uerj 2015
dadeiramente encontrou. Transcreva duas frases da
O primo Basílio narrativa: uma que expresse o desejo da personagem
e outra que indique a realidade encontrada.
Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. E
estava muito nervosa: não pudera dominar, desde pela
manhã, um medo indefinido que lhe fizera pôr um véu 3 Uerj 2019 O fragmento de texto apresentado nes-
muito espesso, e bater o coração ao encontrar Sebastião. ta prova foi retirado do romance O crime do padre
Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, Amaro, de Eça de Queirós. (Lisboa: Imprensa Nacio-
impelia-a, com um estremecimentozinho de prazer. − Ia, nal-Casa da Moeda, 2000)

214 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Fragmento I 4 FICSAE 2018 Jacinto, personagem de A Cidade e as
Ao outro dia, na cidade, falava-se da chegada do pá- Serras, deixa Paris e vai para Tormes, em Portugal.
roco novo, e todos sabiam já que tinha trazido um baú de Lá vive em contato com o campo, em uma quinta
lata, que era magro e alto, e que chamava padre-mestre herdada de seus ancestrais. Sua presença desperta
ao cónego Dias. curiosidade e suas ações contribuem para
As amigas da S. Joaneira, − as íntimas – a D. Maria da A ser considerado a reencarnação de D. Sebastião,
Assunção, as Gansosos, tinham ido logo pela manhã a casa que era aguardado por todos e que chegaria en-
dela para se porem ao facto... Eram nove horas; Amaro saíra volto em denso nevoeiro.
com o cónego. A S. Joaneira, radiosa, importante, recebeu- B ser chamado de “o pai dos pobres”, devido às re-
-as no alto da escada, de mangas arregaçadas, nos arranjos
formas e às benfeitorias nas casas dos rendeiros e
da manhã; e imediatamente, com animação, contou a che-
ao atendimento dispensado à melhoria de condi-
gada do pároco, as suas boas maneiras, o que tinha dito...
Foi-lhes mostrar o quarto do padre, o baú de lata, uma ções de vida de seus empregados.
prateleira que lhe arranjara para os livros.(...) C revelá-lo como miguelista, da facção opressora do
A S. Joaneira ia mostrando as outras maravilhas do povo português, e de esconder em sua casa a pes-
pároco, − um crucifixo que estava ainda embrulhado num soa de D. Miguel, sob o disfarce de um criado.
jornal velho, o álbum de retratos, onde o primeiro cartão D viver a experiência da natureza que tanto amava e
era uma fotografia do Papa abençoando a cristandade. de adquirir conhecimento de agricultura no traba-
Todas se extasiaram. lho diuturno da terra.
− É o mais que se pode, diziam, é o mais que se pode!
Ao sair, beijando muito a S. Joaneira, felicitaram-na
5 Uepa 2012 A estética realista primou pela objetivação
porque adquirira, hospedando o pároco, uma autoridade
quase eclesiástica. e clareza na exposição dos fatos cotidianos. Esses
(...) traços nortearam a intenção do autor de denunciar o
Ao meio-dia veio o Libaninho, o beato mais activo drama psicológico vivenciado pelo homem da época,
de Leiria; e subindo a correr os degraus, já gritava com a condicionado a viver em um mundo materialista, por
sua voz fina: isso em Cesário Verde, poeta representativo desta
− Ó S. Joaneira! estética, é recorrente a referência ao mal-estar ante à
− Sobe, Libaninho, sobe, disse ela, que costurava à modernização da cidade. Analise os versos e identifi-
janela. que a alternativa que comprove a afirmação.
− Então o senhor pároco veio, hem? perguntou o Li-
A Milady, é perigoso contemplá-la,
baninho, mostrando à porta da sala de jantar o seu rosto
Quando passa aromática e normal,
gordinho cor de limão, a calva luzidia; e vindo para ela
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
com o passinho miúdo, um gingar de quadris:
Com seus gestos de neve e de metal.
− Então que tal, que tal? Tem bom feitio?
A S. Joaneira recomeçou a glorificação de Amaro: B Quando eu via, invejoso, mas sem queixas,
a sua mocidade, o seu ar piedoso, a brancura dos seus Pousarem borboletas doidejantes
dentes... Nas tuas formosíssimas madeixas,
− Coitadinho! Coitadinho! dizia o Libaninho, baban- Daquela cor das messes lourejantes.
do-se de ternura devota. – Mas não se podia demorar, ia C Talvez já te não lembres com desgosto
para a repartição! – Adeus, filhinha, adeus! – E batia com Daquelas brancas noites de mistério,
a sua mão papuda no ombro da S. Joaneira. – Estás cada Em que a Lua sorria no teu rosto
vez mais gordinha! Olha que rezei ontem a salve-rainha E nas lajes campais do cemitério.
que tu me pediste, ingrata! D O céu parece baixo e de neblina,
A criada tinha entrado. O gás extravasado enjoa-me, perturba;
− Adeus, Ruça! Estás magrinha: pega-te com a Se- E os edifícios, com as chaminés, e a turba
nhora Mãe dos Homens. − E avistando Amélia pela porta Toldam-se duma cor monótona e londrina.
do quarto entreaberta: − Ai, que estás mesmo uma flor,
E Espreitam-te, por cima, as frestas dos celeiros;
Melinha! Quem se salvava na tua graça bem eu sei!
O Sol abrasa as terras já ceifadas,
E apressado, saracoteando-se, com um pigarrinho
E alvejam-te, na sombra dos pinheiros,
agudo, desceu a escada rapidamente, ganindo:
− Adeusinho! Adeusinho, pequenas! Sobre os teus pés decentes, verdadeiros,
(CAPÍTULO IV) As saias curtas, frescas, engomadas.
FRENTE 2

Em O crime do padre Amaro, Eça de Queirós tece du-


6 Unifesp 2013 Leia os versos de Cesário Verde.
ras críticas a alguns grupos da sociedade portuguesa
de ns de século XIX. Identique o grupo social que Duas igrejas, num saudoso largo,
é alvo da crítica do autor no fragmento I. Apresente, Lançam a nódoa negra e fúnebre do Clero:
também, um recurso expressivo empregado para Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
construir a crítica pretendida, ilustrando-o com um Assim que pela história eu me aventuro e alargo.
exemplo extraído das falas do narrador. Disponível em: <www.astormentas.com>. Acesso em: 28 nov. 2017.

215
Em relação à Igreja, o eu lírico assume, nesses versos, 9 Unesp 2012 Essa questão toma por base um fragmento
uma posição: de uma crônica de Eça de Queirós (1845-1900) escrita
A anticlerical. em junho de 1871.
B submissa.
Uma campanha alegre, IX
C evangelizadora.
D saudosista. Há muitos anos que a política em Portugal apresenta
E ambígua. este singular estado:
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alterna-
7 PUC-RS 2014 Para responder à questão, leia o trecho damente possuem o Poder, perdem o Poder, reconquistam
da obra de Eça de Queirós. o Poder, trocam o Poder... O Poder não sai duns certos
grupos, como uma pela que quatro crianças, aos quatro
Daí a pouco as pessoas que estavam nas lojas vi- cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, num
ram atravessar a praça, entre a corpulência vagarosa do rumor de risos.
cônego Dias e a figura esguia do coadjutor, um homem Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no
um pouco curvado, com um capote de padre. Soube-se Poder, esses homens são, segundo a opinião, e os dizeres
que era o pároco novo; e disse-se logo na botica que era de todos os outros que lá não estão – os corruptos, os
uma “boa figura de homem”. [...] Eram quase nove horas, esbanjadores da Fazenda, a ruína do país!
a noite cerrara. Em redor da praça as casas estavam já Os outros, os que não estão no Poder, são, segundo
adormecidas: das lojas debaixo da arcada saía a luz triste a sua própria opinião e os seus jornais – os verdadeiros
dos candeeiros de petróleo, entreviam-se dentro figuras liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do
sonolentas, caturrando em cavaqueira, ao balcão. As ruas povo, e os interesses do país.
que vinham dar à praça, tortuosas, tenebrosas, com um Mas, coisa notável! – os cinco que estão no Poder
lampião mortiço, pareciam desabitadas. E no silêncio o fazem tudo o que podem para continuar a ser os esbanja-
sino da Sé dava vagarosamente o toque das almas. dores da Fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo
Com base no trecho e em seu contexto, assinale a possível! E os que não estão no Poder movem-se, conspi-
única armativa incorreta. ram, cansam-se, para deixar de ser o mais depressa que
puderem – os verdadeiros liberais, e os interesses do país!
A O trecho pertence à obra O crime do padre Ama-
Até que enfim caem os cinco do Poder, e os outros, os
ro, cujo enredo traz uma relação amorosa entre um
verdadeiros liberais, entram triunfantemente na designação
padre e uma mulher.
herdada de esbanjadores da Fazenda e ruína do País; em
B Eça de Queirós, autor da obra Os Maias, pertenceu
tanto que os que caíram do Poder se resignam, cheios
à escola realista do século XIX e é considerado um
de fel e de tédio – a vir a ser os verdadeiros liberais e os
dos maiores escritores portugueses. interesses do país.
C O excerto apresenta uma característica do estilo Ora como todos os ministros são tirados deste grupo
de Eça de Queirós: a capacidade descritiva, que de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que
se evidencia quando o autor procura fotografar a não tenha sido por seu turno esbanjador da Fazenda e
realidade. ruína do País...
D O trecho apresenta uma primeira repercussão da Não há nenhum que não tenha sido demitido, ou
chegada do novo pároco, já reforçando uma ima- obrigado a pedir a demissão, pelas acusações mais graves
gem mais “carnal” do que “espiritual”. e pelas votações mais hostis...
E A obra à qual este trecho pertence apresenta um Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz
olhar benevolente para a Igreja Católica. de dirigir as coisas públicas – pela imprensa, pela palavra
dos oradores, pelas incriminações da opinião, pela afir-
8 UEL 2013 Sobre o romance O primo Basílio, de Eça de mativa constitucional do poder moderador...
Queirós, assinale a alternativa correta. E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os
A A empregada Juliana desempenha papel secundá- que continuarão dirigindo o país, neste caminho em que
rio na trama, o que demonstra certo preconceito do ele vai, feliz, abundante, rico, forte, coroado de rosas, e
escritor para com as classes subalternas. num chouto tão triunfante!
QUEIRÓS, Eça de. Obras. Porto: Lello & Irmão-Editores, [s.d.].
B A empregada Juliana desempenha papel de gran-
de relevância na narrativa, uma vez que é ela quem Pela: bola;
desencadeia a crise central do romance. Chouto: trote miúdo.
C A empregada Juliana tem importância relativa na
história, pois vê tudo de perto, mas resolve não se Considere as frases com relação ao que se arma na
envolver, narrando apenas os fatos para o leitor. crônica de Eça de Queirós:
D A amizade entre Luísa e Juliana dá continuidade I. Os que estão no poder não querem sair e os que
ao clichê romântico de que as empregadas contri- não estão querem entrar.
buem para o adultério feminino. II. Quando um partido ético está no poder, tudo fica
E Os desentendimentos entre Luísa e Juliana ocor- melhor.
rem porque a protagonista se sente ameaçada III. Os governantes são bons e éticos, mas vivem a
diante da beleza e do frescor da empregada. trocar acusações infundadas.

216 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


IV. Os políticos que estão fora do poder julgam-se os “louros imarcescíveis”, – expressão usada por ele mesmo,
melhores eticamente para governar. mas em um arroubo de intimidade doméstica; exterior-
mente era modesto, segundo convém aos sabedores.
As frases que representam a opinião do cronista es- — A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais
tão contidas apenas em: digna do médico.
A I e II. ASSIS, Machado de. O alienista. São Paulo: Ática, 1982. p. 9-10.
B I e III.
C I e IV. Dois dos mais signicativos aspectos da obra do autor
D I, II e III. de Dom Casmurro estão relacionados ao seu ceti-
E II, III e IV. cismo e à crítica corrosiva e sarcástica da sociedade
brasileira do seu tempo. Publicado entre outubro de
1881 e março de 1882, “O alienista” narra a trajetória
10 PUC-RJ 2013 As crônicas da vila de Itaguaí dizem que
de Simão Bacamarte, médico voltado para a pes-
em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr.
Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos quisa, entendimento e cura dos males do espírito.
médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara Tomando por base o fragmento selecionado, comen-
em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou te criticamente a visão de Machado de Assis sobre os
ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse postulados do pensamento positivista e da ideologia
em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, ex- do progresso tão valorizados no m do século XIX.
pedindo os negócios da monarquia.
— A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu 11 ITA 2019 No Realismo, o adultério subverte o ideal
emprego único; Itaguaí é o meu universo. romântico de casamento. Machado de Assis, porém,
Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de costuma tratá-lo de modo ambíguo, valendo-se, por
corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas exemplo, do ciúme masculino ou da dubiedade fe-
com as leituras, e demonstrando os teoremas com ca- minina. Com isso, em seus romances, a traição nem
taplasmas. Aos quarenta anos casou com D. Evarista da sempre é comprovada, ou, mesmo que desejada pela
Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, mulher, não se consuma. Constatamos tal ambiguida-
viúva de um juiz de fora, e não bonita nem simpática.
de em Quincas Borba, quando
Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e
A Palha se enraivece com os olhares de desejo que
não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e
os homens dirigem a Sofia nos eventos sociais.
disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista
B Sofia decide não contar ao marido que Rubião a
reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira
ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente,
assediou certa noite, no jardim da casa deles.
tinha bom pulso e excelente vista; estava assim apta C Palha, mesmo interessado na riqueza de Rubião, de-
para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além cide confrontá-lo ao perceber o assédio dele a Sofia.
dessas prendas – únicas dignas da preocupação de um D Sofia tenta esconder do marido o interesse que
sábio –, D. Evarista era mal composta de feições, longe tem por Carlos Maria, que a seduziu em um baile.
de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria E Sofia, mesmo interessada em Carlos Maria, faz de
o risco de preterir os interesses da ciência na contem- tudo para que Maria Benedita se case com ele.
plação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.
D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamar- 12 EsPCEx “Retórica dos namorados, dá-me uma compara-
te, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A índole ção exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos
natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem
esperou três anos, depois quatro, depois cinco. Ao cabo quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me
desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me
todos os escritores árabes e outros, que trouxera para dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que flui-
Itaguaí, enviou consultas às universidades italianas e do misterioso e enérgico, uma força que arrastava para
alemãs, e acabou por aconselhar à mulher um regímen dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de
alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusi- ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras
vamente com a bela carne de porco de Itaguaí, não partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos es-
atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistên- palhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as
cia – explicável mas inqualificável – devemos a total pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e
extinção da dinastia dos Bacamartes. escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.”
Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas ASSIS. Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ática,1999. p.55 (fragmento)
as mágoas; o nosso médico mergulhou inteiramente no
FRENTE 2

estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos Com Dom Casmurro, obra publicada em 1899, de-
recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, – o pois de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)
recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não e de Quincas Borba (1891), Machado de Assis deixa
havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade marcas indeléveis de que a Literatura Brasileira vivia
em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inex- um novo período literário, bem diferente do Roman-
plorada. Simão Bacamarte compreendeu que a ciência tismo. Nessas obras, nota-se uma forma diferente de
lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de sentir e de ver a realidade, menos idealizada, mais

217
verdadeira e crítica: uma perspectiva realista. O tre- posto usássemos também gravatas pretas. Só depois de
cho apresentado acima representa essa perspectiva tudo isso explicado é que ele consentiu em restituir-ma.
porque o narrador Atei-a enfim, depois vesti o colete.
A exagera nas imagens poéticas traduzidas por “fluido — Por Afrodita! exclamou ele. És a coisa mais sin-
misterioso”, “praia”, “cabelos espalhados pelos om- gular que jamais vi na vida e na morte. Estás todo cor da
bros” em uma realização imagética da mulher que o noite – uma noite com três estrelas apenas – continuou
tragava como fazem as ondas de um mar em ressaca. apontando para os botões do peito. O mundo deve andar
B deixa-se levar pelas ondas que saíam das pupilas imensamente melancólico, se escolheu para uso uma cor
de Capitu em um fluido, misterioso e enérgico, que tão morta e tão triste. Nós éramos mais alegres; vivíamos...
o arrasta depressa como uma vaga que se retira ASSIS, Machado de. “Uma visita de Alcibíades” (Carta do desembargador X...
ao chefe de polícia da Corte). In: Papéis avulsos. São Paulo: Penguin Classics
da praia em dias de ressaca, não adiantando agar- & Companhia das Letras, 2011. p. 230-1.
rar-se nem aos braços nem aos cabelos da moça.
C retira-se da praia como as vagas em dias de res-
saca por não ser capaz de dizer a Capitu o que 13 UEL 2014 Com base nesse trecho e na prévia leitura
está sentindo ao olhá-la nos olhos sem quebrar a do conto, é correto afirmar que a história é narrada
dignidade mínima daquele momento em que duas A em primeira pessoa, pelo ex-companheiro de
pessoas apaixonam-se. estudos do chefe de polícia, a quem dirige corres-
D solicita à “retórica dos namorados” uma compara- pondência relatando fato extraordinário ocorrido
ção que seja, ao mesmo tempo, exata e poética em sua residência.
capaz de descrever os olhos de Capitu, revelando B em primeira pessoa, por uma testemunha ocular,
a dificuldade de apresentar uma verdade que não detentora de carta escrita pelo desembargador X,
estrague a idealização romântica. na qual a autoridade registra sua falta de apreço
E ridiculariza a retórica dos românticos ao afirmar que
pela figura do ateniense Alcibíades.
os olhos de Capitu pareciam com uma ressaca do
C em primeira pessoa, por Machado de Assis, que
mar e, por isso, não seria capaz de descrevê-los
critica as frivolidades da classe dominante carioca
de maneira poética, traduzindo, assim, o realismo
do século XIX, preocupada mais com a aparência
literário de sua época.
do que com a essência.
Texto para as questões 13 e 14. D em terceira pessoa, pelo destinatário da carta,
delegado da Corte, responsável por investigar as
— Canudos pretos! exclamou ele.
causas da morte de seu amigo, o grego Alcibíades.
Eram as calças pretas que eu acabava de vestir. Excla-
mou e riu, um risinho em que o espanto vinha mesclado de
E em terceira pessoa, por Alcibíades, personagem
escárnio, o que ofendeu grandemente o meu melindre de grego ficcionalmente retirado das páginas de obra
homem moderno. Porque, note V. Ex.a, ainda que o nosso produzida por Plutarco e inserido na cidade do Rio
tempo nos pareça digno de crítica, e até de execração, não de Janeiro do século XIX.
gostamos de que um antigo venha mofar dele às nossas
barbas. Não respondi ao ateniense; franzi um pouco o 14 UEL 2014 Com base no texto, considere as afirmativas
sobrolho e continuei a abotoar os suspensórios. Ele per- a seguir:
guntou-me então por que motivo usava uma cor tão feia... I. O trecho “uma noite com três estrelas apenas”
— Feia, mas séria, disse-lhe. Olha, entretanto, a graça assinala a ideia de que somente três botões bri-
do corte, vê como cai sobre o sapato, que é de verniz, lhantes do colete contrastavam com a melancolia
embora preto, e trabalhado com muita perfeição.
evocada pela cor preta do traje.
E vendo que ele abanava a cabeça:
II. A passagem assinala o choque cultural entre figuras
— Meu caro, disse-lhe, tu podes certamente exigir que
representantes de momentos históricos distintos.
o Júpiter Olímpico seja o emblema eterno da majestade: é
o domínio da arte ideal, desinteressada, superior aos tem-
Diante do narrador, o homem da antiguidade as-
pos que passam e aos homens que os acompanham. Mas sombra-se com a moda oitocentista.
a arte de vestir é outra coisa. Isto que parece absurdo ou III. Ao reconhecer a supremacia da arte grega, cujo
desgracioso é perfeitamente racional e belo, – belo à nossa símbolo é o Júpiter Olímpico, o narrador admite a
maneira, que não andamos a ouvir na rua os rapsodas re- falta de requinte dos vestuários modernos.
citando os seus versos, nem os oradores os seus discursos, IV. Ironicamente, a escolha da cor preta para o ves-
nem os filósofos as suas filosofias. Tu mesmo, se te acos- tuário de uma noite de gala evoca, no conto, a
tumares a ver-nos, acabarás por gostar de nós, porque... ideia de luto pela extinção dos valores da antigui-
— Desgraçado! bradou ele atirando-se a mim. dade clássica.
Antes de entender a causa do grito e do gesto, fiquei
sem pinga de sangue. A causa era uma ilusão. Como eu Assinale a alternativa correta.
passasse a gravata à volta do pescoço e tratasse de dar o A Somente as afirmativas I e II são corretas.
laço, Alcibíades supôs que ia enforcar-me, segundo con- B Somente as afirmativas I e IV são corretas.
fessou depois. E, na verdade, estava pálido, trêmulo, em C Somente as afirmativas III e IV são corretas.
suores frios. Agora quem se riu fui eu. Ri-me, e expliquei- D Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
-lhe o uso da gravata, e notei que era branca, não preta, E Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

218 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Texto para as questões 15 e 16. Assinale:
A se as afirmações I, II e III estiverem corretas.
As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos
B se apenas as afirmações I e II estiverem corretas.
remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Baca-
marte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos C se apenas as afirmações II e III estiverem corretas.
do Brasil, de Portugal e das Espanhas. [...] D se apenas as afirmações I e III estiverem corretas.
5 Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa E se as afirmações I, II e III estiverem incorretas.
e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva
de um juiz de fora, e não bonita nem simpática. Um 17 UFRGS 2018 Leia as seguintes afirmações sobre os
dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não romances Dom Casmurro, de Machado de Assis, e
menos franco, admirou-se de semelhante escolha e dis- Diário da queda, de Michel Laub.
10 se-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista I. Os dois romances são narrados em primeira pes-
reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira soa, como processo de compreensão do vivido.
ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, II. Os dois narradores apresentam uma relação
tinha bom pulso e excelente vista; estava assim apta para amorosa com esposa e filhos, reproduzindo a tra-
dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. [...] dição familiar.
15 D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, III. O balanço final dos narradores de cada roman-
não lhe deu filhos robustos nem mofinos. ce demonstra grande aprendizado, a partir das
ASSIS, Machado de. Trecho inicial do conto “O alienista”.
experiências vividas, repleto de esperança e de
Observação: “caçador de pacas perante o Eterno” otimismo.
é uma alusão ao Rei Nimrod, poderoso, arrogante e Quais estão corretas?
herege, famoso também por ser um exímio caçador A Apenas I. D Apenas II e III.
de javalis. A expressão, extraída do texto bíblico, tem B Apenas II. E I, II e III.
conotações irônicas. C Apenas I e III.

15 Mackenzie 2013 Assinale a alternativa correta. 18 Unicamp 2020 No conto “O espelho”, de Machado de
A A referência às “crônicas da vila de Itaguaí” (linha 1), Assis, o esboço de uma nova teoria sobre a dupla na-
como documento de que se extraiu o relato, prova tureza da alma humana é apresentado por Jacobina.
que o conto resultou de um fato verídico. A personagem narra a situação em que se viu sozinha
B A informação de que D. Evarista não era bonita na casa da tia Marcolina.
nem simpática (linha 7) corrobora a hipótese de “As horas batiam de século a século no velho relógio
que “estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, da sala, cuja pêndula, tic-tac, tic-tac, feria-me a alma
sãos e inteligentes” (linhas 13 e 14). interior como um piparote contínuo da eternidade.”
C A frase “D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Considerando os indicadores da passagem do tempo
Bacamarte” (linha 15) insinua que a mulher, embora na citação, é correto armar que
sabendo de sua infertilidade, nada revelou ao marido. A o movimento oscilante do pêndulo do relógio ex-
D A razão pela qual o médico intencionava casar-se pressa a duplicidade da alma interior.
era a possibilidade de procriar, já que avaliava po- B o som do velho relógio da sala materializa acustica-
sitivamente o fato de a mulher reunir “condições mente a longevidade da alma interior.
fisiológicas e anatômicas de primeira ordem” (li- C a sonoridade repetitiva do pêndulo intensifica as
nhas 11 e 12). aflições da alma interior.
E O tio do Dr. Simão posicionou-se contra o casa- D o contínuo batimento das horas sugere o vigor da
mento, exclusivamente pelo fato de D. Evarista não alma interior.
ter aqueles atributos femininos que tanto aprecia-
va, ou seja, não ser “bonita nem simpática” (linha 7). 19 UPF 2016 Sobre o conto “O alienista”, que integra os
Contos definitivos, de Machado de Assis, apenas é in-
16 Mackenzie 2013 Com base no texto, considere as se- correto afirmar que:
guintes afirmações sobre Machado de Assis: A apresenta um narrador onisciente neutro, que não emi-
I. Embora pertença ao Realismo, produziu tam- te juízos sobre o caráter e a ação das personagens.
bém, na juventude, obras naturalistas, como, por B apresenta, como protagonista, o doutor Simão
exemplo, “O alienista”, conto em que valoriza o Bacamarte, hilariante caricatura de médico e de di-
cientificismo da época. tador científico.
FRENTE 2

II. Posicionou-se criticamente com relação aos valo- C se aproxima, pela longa sequência de ações que
res de seu tempo, questionando a supremacia da expõe, da forma da novela.
perspectiva científica vigente na segunda metade D tem como desfecho o confinamento solitário e a
do século XIX. morte do alienista, dentro do manicômio que fizera
III. A concepção irônica da vida já se revela no construir.
fragmento lido, na medida em que se frustra a con- E se constitui como um ponto de interrogação acerca
fiança na avaliação científica do biótipo da mulher. das fronteiras entre normalidade e loucura.

219
20 Unicamp 2014 [...] Marcela amou-me durante quinze Tendo em vista a autobiograa de Brás Cubas e as
meses e onze contos de réis; nada menos. considerações que, ao longo de suas memórias
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. póstumas, ele tece a respeito do tema do trabalho,
São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 101.
comente o conselho que, no excerto, ele dá a Quincas
Então apareceu o Lobo Neves, um homem que não Borba: “— Trabalhando, concluí eu”.
era mais esbelto que eu, nem mais elegante, nem mais
lido, nem mais simpático, e todavia foi quem me arrebatou 22 ITA 2018 Em várias passagens de Quincas Borba,
Virgília e a candidatura... [...] Dutra veio dizer-me, um dia,
de Machado de Assis, as personagens interpretam
que esperasse outra aragem, porque a candidatura de Lobo
erroneamente alguns fatos ou fazem ilações equi-
Neves era apoiada por grandes influências. Cedi [...]. Uma
semana depois, Virgília perguntou ao Lobo Neves, a sorrir,
vocadas a partir de algumas falas. Vemos isso, por
quando seria ele ministro. exemplo, no episódio em que, a partir do relato
— Pela minha vontade, já; pela dos outros, daqui a que ouve de um cocheiro, Rubião se convence
um ano. de que
Virgília replicou: A D. Tonica planeja casar-se com ele a qualquer custo.
— Promete que algum dia me fará baronesa? B Palha pretende desfazer os negócios que tem com
— Marquesa, porque serei marquês. ele.
Desde então fiquei perdido. C Sofia deseja casá-lo com Maria Benedita.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. D Sofia e Carlos Maria são amantes.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 138.
E Maria Benedita e Carlos Maria namoram em se-
[...] Virgília deixou-se estar de pé; durante algum tem- gredo.
po ficamos a olhar um para o outro, sem articular palavra.
Quem diria? De dois grandes namorados, de duas paixões
23 UPF 2014
sem freio, nada mais havia ali, vinte anos depois; havia
apenas dois corações murchos, devastados pela vida e sa- CAPÍTULO CCI
ciados dela, não sei se em igual dose, mas enfim saciados.
Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 76. adoeceu também, ganiu infinitamente, fugiu desvai-
a) No romance, Brás Cubas estabelece vínculos rado em busca do dono, e amanheceu morto na rua,
amorosos, em diferentes momentos, com Marce- três dias depois. Mas, vendo a morte do cão narrada
la e com Virgília. Explique a natureza desses dois em capítulo especial, é provável que me perguntes se
vínculos, considerando a classe social das perso- ele, se o seu defunto homônimo é que dá o título ao
livro, e por que um antes que outro – questão prenhe
nagens envolvidas.
de questões, que nos levariam longe... Eia! chora os
b) Considerando o último excerto, como o narrador
dois recentes mortos [Rubião e o cão], se tens lágrimas.
Brás Cubas avalia sua vivência amorosa ao final
Se só tens riso, ri-te! É a mesma coisa. O Cruzeiro que
do romance?
a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião,
21 Fuvest 2013 (Adapt.) No excerto a seguir, narra-se par- está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas
dos homens.
te do encontro de Brás Cubas com Quincas Borba,
MACHADO DE ASSIS – Quincas Borba
quando este, reduzido à miséria, mendigava nas ruas
do Rio de Janeiro. Assinale a armação correta sobre o texto acima.
Tirei a carteira, escolhi uma nota de cinco mil-réis, – a A O narrador emprega, de modo magistral, as téc-
menos limpa, – e dei-lha [a Quincas Borba]. Ele recebeu- nicas do distanciamento, ao narrar objetivamente,
-ma com os olhos cintilantes de cobiça. Levantou a nota sem qualquer comentário dirigido ao leitor, as
ao ar, e agitou-a entusiasmado. ações das personagens.
— In hoc signo vinces! bradou. B O narrador claramente se solidariza com os sofri-
E depois beijou-a, com muitos ademanes de ternura, mentos do protagonista da sua narrativa.
e tão ruidosa expansão, que me produziu um sentimento C O narrador mostra a cruel indiferença universal à
misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeu-me;
dor humana, ao neutralizar a distinção, por um lado,
ficou sério, grotescamente sério, e pediu-me desculpa da
entre o homem e o cão quanto ao título do livro
alegria, dizendo que era alegria de pobre que não via,
desde muitos anos, uma nota de cinco mil-réis. e, por outro lado, entre o riso e as lágrimas como
— Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu. possíveis reações às duas mortes e às desditas da
— Sim? acudiu ele, dando um bote para mim. personagem Rubião.
— Trabalhando, concluí eu. D O narrador mostra o universo em comunhão com
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. a dor humana, aqui representada pelo desengano,
In hoc signo vinces: citação em latim que significa “com loucura e morte da personagem Rubião.
este sinal vencerás” (frase que teria aparecido no céu, E O narrador se refere à constelação do Cruzeiro do
junto de uma cruz, ao imperador Constantino, antes de Sul como metáfora do universo essencialmente
uma batalha). orientado pelo amor.

220 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


24 UPF 2014 Leia as seguintes afirmações sobre a obra D Emprego de uma linguagem que evita chamar a
Quincas Borba de Machado de Assis. atenção sobre si mesma, apagando-se, assim, por
I. O autor realiza uma profunda análise social, reve- detrás da coisa narrada.
lando ceticismo em relação à sociedade de seu E Uso frequente de gêneros intercalados – por
tempo e em relação à espécie humana. exemplo, cartas ou bilhetes, historietas etc. – em-
II. Sofia é uma personagem ambígua, astuciosa e butidos no conjunto da obra global.
cerebral, que se distancia da fragilidade das he-
roínas românticas. 27 Enem 2013
III. A afeição de Sofia por Rubião, principalmente no
Capítulo LIV – A pêndula
final da narrativa, deixa transparecer a preocupa-
ção universal diante da dor humana. Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-
-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi
Está correto apenas o que se arma em: as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o
A I e III. sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique-ta-
B II e III. que soturno, vagaroso e seco, parecia dizer a cada golpe
C I e II. que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então
D I. um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e o
E II. da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte,
e a contá-las assim:
25 UFRN 2012 A passagem transcrita a seguir faz parte — Outra de menos...
do capítulo IX (“Transição”), de Memórias póstumas — Outra de menos...
de Brás Cubas. — Outra de menos...
— Outra de menos...
E vejam agora com que destreza, com que arte faço O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe
eu a maior transição deste livro. Vejam: o meu delírio corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pu-
começou em presença de Virgília; Virgília foi meu grão desse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções
pecado da juventude; não há juventude sem meninice; há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições
meninice supõe nascimento; e eis aqui como chegamos morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro
nós, sem esforço, ao dia 20 de outubro de 1805, em que homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um
nasci. Viram? Nenhuma juntura aparente, nada que divirta relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre.
a atenção pausada do leitor: nada. Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfa-
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. do, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-me cá
São Paulo: Ática, 2000.
dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança de devotas
Este fragmento ilustra bem o estilo narrativo da obra, que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não
que é marcada pela ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados.
A liberdade técnica com que se encadeiam os even- ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992 (fragmento).
tos da história.
B rigidez da técnica narrativa, indispensável à escola O capítulo apresenta o instante em que Brás Cubas
realista. revive a sensação do beijo trocado com Virgília, ca-
C fidelidade à ordem cronológica linear dos aconte- sada com Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora
cimentos. do relógio desconstrói certos paradigmas românticos,
D negação da cientificidade narrativa típica da escola porque:
romântica. A o narrador e Virgília não têm percepção do tempo
em seus encontros adúlteros.
26 Fuvest 2013 Em quatro das alternativas a seguir, B como defunto autor, Brás Cubas reconhece a inutili-
registram-se alguns dos aspectos que, para bem ca- dade de tentar acompanhar o fluxo do tempo.
racterizar o gênero e o estilo das Memórias póstumas C na contagem das horas, o narrador metaforiza o
desejo de triunfar e acumular riquezas.
de Brás Cubas, o crítico J. G. Merquior pôs em relevo
D o relógio representa a materialização do tempo
nessa obra de Machado de Assis. A única alternativa
e redireciona o comportamento idealista de Brás
que, invertendo, aliás, o juízo do mencionado crítico,
Cubas.
aponta uma característica que não se aplica à obra
E o narrador compara a duração do sabor do beijo à
em questão é:
FRENTE 2

perpetuidade do relógio.
A Ausência praticamente completa de distanciamen-
to enobrecedor na figuração das personagens e
de suas ações. 28 Unicamp 2015 Leia o seguinte excerto de Memórias
B Mistura do sério e do cômico, de que resulta uma póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis:
abordagem humorística das questões mais cruciais. Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pen-
C Ampla liberdade do texto em relação aos ditames sante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação
da verossimilhança. da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será

221
corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá II. a relevância da observação das relações in-
de graça aos vermes. terpessoais e dos funcionamentos mentais
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. correspondentes.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 120.
III. a operação consciente dos elementos envolvidos
Na passagem citada, a substituição da máxima pas- no processo de composição literária: narração,
calina de que o homem é um caniço pensante pelo personagens, motivação, trama, intertextualidade,
enunciado “o homem é uma errata pensante” signica recepção etc.
A a realização da contabilidade dos erros acumula-
Está correto o que se indica em
dos na vida porque, em última instância, não há
A I, somente.
“edição definitiva”.
B a tomada de consciência do caráter provisório da B II, somente.
existência humana, levando à celebração de cada C I e II, somente.
instante vivido. D II e III, somente.
C a tomada de consciência do caráter provisório da E I, II e III.
existência humana e a percepção de que esta é
passível de correção. 30 Unicamp 2011
D a ausência de sentido em “cada estação da vida”, Entre luz e fusco
já que a morte espera o homem em sua “edição
definitiva”. Entre luz e fusco, tudo há de ser breve como esse ins-
tante. Nem durou muito a nossa despedida, foi o mais que
pôde, em casa dela, na sala de visitas, antes do acender
29 Fuvest 2015
das velas; aí é que nos despedimos de uma vez. Juramos
novamente que havíamos de casar um com o outro, e
Capítulo CVII
não foi só o aperto de mão que selou o contrato, como
Bilhete no quintal, foi a conjunção das nossas bocas amorosas...
talvez risque isso na impressão, se até lá não pensar de
“Não houve nada, mas ele suspeita alguma cousa;
outra maneira; se pensar, fica. E desde já fica, porque,
está muito sério e não fala; agora saiu. Sorriu uma vez
em verdade, é a nossa defesa. O que o mandamento di-
somente, para Nhonhô, depois de o fitar muito tempo,
vino quer é que não juremos em vão pelo santo nome de
carrancudo. Não me tratou mal nem bem. Não sei o que
Deus. Eu não ia mentir ao seminário, uma vez que levava
vai acontecer; Deus queira que isto passe. Muita cautela,
por ora, muita cautela.” um contrato feito no próprio cartório do céu. Quanto ao
selo, Deus, como fez as mãos limpas, assim fez os lábios
limpos, e a malícia está antes na tua cabeça perversa que
Capítulo CVIII
na daquele casal de adolescentes... oh! minha doce com-
Que se não entende panheira da meninice, eu era puro, e puro fiquei, e puro
Eis aí o drama, eis aí a ponta da orelha trágica de Sha- entrei na aula de S. José, a buscar de aparência a investi-
kespeare. Esse retalhinho de papel, garatujado em partes, dura sacerdotal, e antes dela a vocação. Mas a vocação
machucado das mãos, era um documento de análise, que eras tu, a investidura eras tu.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Cotia:
eu não farei neste capítulo, nem no outro, nem talvez em
Ateliê Editorial, 2008. p. 195-6.
todo o resto do livro. Poderia eu tirar ao leitor o gosto de
notar por si mesmo a frieza, a perspicácia e o ânimo dessas a) Em que medida a imagem presente no título des-
poucas linhas traçadas à pressa; e por trás delas a tempes- se capítulo de Dom Casmurro define a natureza
tade de outro cérebro, a raiva dissimulada, o desespero da narrativa do romance?
que se constrange e medita, porque tem de resolver-se na b) No emprego da segunda pessoa, não há coin-
lama, ou no sangue, ou nas lágrimas? cidência do interlocutor. Indique duas marcas
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. linguísticas que evidenciam essa não coincidência,
Atente para o excerto, considerando-o no contexto da explicitando qual é o interlocutor em cada caso.
obra a que pertence. Nele, gura, primeiramente, o bi-
lhete enviado a Brás Cubas por Virgília, na ocasião em 31 Fuvest 2012 Leia o trecho de Dom Casmurro, de Ma-
que se torna patente que o marido da dama suspeita chado de Assis, para responder ao que se pede.
de suas relações adúlteras. Segue-se ao bilhete um
Um dia [Ezequiel] amanheceu tocando corneta com
comentário do narrador (cap. CVIII). Feito isso, consi-
a mão; dei-lhe uma cornetinha de metal. Comprei-lhe sol-
dere a armação que se segue:
dadinhos de chumbo, gravuras de batalhas que ele mirava
No excerto, o narrador frisa aspectos cuja presença por muito tempo, querendo que lhe explicasse uma peça
se costuma reconhecer no próprio romance macha- de artilharia, um soldado caído, outro de espada alçada,
diano da fase madura, entre eles, e todos os seus amores iam para o de espada alçada. Um
I. o realce da argúcia, da capacidade de exame dia (ingênua idade!) perguntou-me impaciente:
acurado das situações e da firmeza de propósito, — Mas, papai, por que é que ele não deixa cair a
ainda quando impliquem malignidade. espada de uma vez?

222 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


— Meu filho, é porque é pintado. entendermos que a audiência aqui não é das orelhas
— Mas então por que é que ele se pintou? senão da memória, chegaremos à exata verdade. A mi-
Ri-me do engano e expliquei-lhe que não era o solda- nha memória ouve ainda agora as pancadas do coração
do que se tinha pintado no papel, mas o gravador, e tive de naquele instante. Não esqueças que era a emoção do
explicar também o que era gravador e o que era gravura: primeiro amor. Estive quase a perguntar a José Dias que
as curiosidades de Capitu, em suma. me explicasse a alegria de Capitu, o que é que ela fazia,
se vivia rindo, cantando ou pulando, mas retive-me a
a) Se estabelecermos uma analogia ou um paralelo
tempo, e depois outra ideia...
entre a gravura, de que se fala no excerto, e o Outra ideia, não, – um sentimento cruel e desco-
romance Dom Casmurro, os termos “gravador” e nhecido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal
“gravura” corresponderão a que elementos inter- foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de
nos do livro? José Dias: «Algum peralta da vizinhança». Em verdade,
b) Continuando no mesmo paralelo entre gravura nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para
e Dom Casmurro, pode-se considerar que a li- ela, que a intervenção de um peralta era como uma no-
ção dada pelo pai ao filho, a respeito da gravura, ção sem realidade; nunca me acudiu que havia peraltas
serve de advertência também para o leitor do ro- na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores
mance? Justifique sua resposta. das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para
Capitu, – e tão senhor me sentia dela que era como se
32 UFMG 2012 Leia estes trechos: olhassem para mim, um simples dever de admiração e de
inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo desti-
Trecho 1 no, o mal aparecia-me agora, não só possível mas certo.
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, “Uma ponta de Iago”, Dom Casmurro, Machado de Assis
e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não
consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o Sobre o trecho acima, retirado do romance Dom
rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem Casmurro, escrito por Machado de Assis, assinale a
os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das alternativa correta.
pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é A As conclusões de Bentinho, o narrador do roman-
tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à ce, e a fala de José Dias atestam, sem sombra de
pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas dúvidas, o quanto a personagem Capitu, leviana e
conserva o hábito eterno, como se diz nas autópsias; o fútil, não é digna de confiança.
interno não aguenta tinta. B O trecho é revelador da natureza extremamente
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Globo, 1997. p. 3. ciumenta de Bentinho, pois não há nenhum indício
concreto de que Capitu deixara de gostar dele.
Trecho 2 C A palavra mal, na penúltima linha do trecho, diz res-
Desse antigo verão que me alterou a vida restam peito a algum transtorno físico sentido por Bentinho
ligeiros traços apenas. E nem deles posso afirmar que devido à sua decepção com Capitu, já que prova-
efetivamente me recorde. O hábito me leva a criar um velmente estaria apaixonada por algum peralta da
ambiente, imaginar fatos a que atribuo realidade. vizinhança.
RAMOS, Graciliano. Infância. Rio de Janeiro: Record. 1984. p. 26. D No seguinte trecho “Estive quase a perguntar a
A partir da leitura desses trechos, explique como, em José Dias que me explicasse a alegria de Capitu,
cada uma das obras referidas, o narrador aborda as o que é que ela fazia, se vivia rindo, cantando ou
possibilidades de a escrita reconstituir o passado. pulando, mas retive-me a tempo, e depois outra
ideia”, percebemos que o narrador desiste dos
seus ciúmes.
33 Mackenzie 2018 A pergunta era imprudente, na ocasião
em que eu cuidava de transferir o embarque. Equivalia E Pela fala de José Dias, Capitu está alegre pela cer-
a confessar que o motivo principal ou único da minha teza de que vai em poucos dias reencontrar com
repulsa ao seminário era Capitu, e fazer crer improvável Bentinho, o que é confirmado pela referência à
a viagem. Compreendi isto depois que falei; quis emen- peça Otelo, de Shakespeare, que intitula o capítulo
dar-me, mas nem soube como, nem ele me deu tempo. (“Uma ponta de Iago”).
— Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha.
Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, 34 UFRGS 2017 Leia o capítulo abaixo, retirado de Dom
que case com ela... Casmurro, de Machado de Assis.
Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um
FRENTE 2

CAPÍTULO VIII - É TEMPO


frio pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre,
quando eu chorava todas as noites, produziu-me aque- Mas é tempo de tornar àquela tarde de novembro,
le efeito, acompanhado de um bater de coração, tão uma tarde clara e fresca, sossegada como a nossa casa e
violento, que ainda agora cuido ouvi-lo. Há alguma exa- o trecho da rua em que morávamos. Verdadeiramente foi
geração nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, o princípio da minha vida; tudo o que sucedera antes foi
um composto de partes excessivas e partes diminutas, como o pintar e vestir das pessoas que tinham de entrar
que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se em cena, o acender das luzes, o preparo das rabecas, a

223
sinfonia... Agora é que eu ia começar a minha ópera. “A narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai
vida é uma ópera”, dizia-me um velho tenor italiano que este mesmo.
aqui viveu e morreu... E explicou-me um dia a definição,
Considere as armações a seguir referentes ao tre-
em tal maneira que me fez crer nela. Talvez valha a pena
cho, articuladas ao romance:
dá-la; é só um capítulo.
I. O narrador já apresenta seu estilo irônico de narrar.
Considere as armações abaixo, sobre o capítulo. II. O narrador assume uma alcunha que o caracteri-
I. O narrador refere-se ao momento em que desco- za ao longo do enredo.
briu sua vocação para a vida religiosa. III. Os eventos narrados no trecho inicial desenca-
II. O narrador recorda saudosamente as tardes deiam o conflito central da obra.
familiares e a fala de José Dias saudando seus IV. O título Dom Casmurro não caracteriza adequa-
amores com a vizinha, Capitu. damente a personagem Bentinho.
III. O narrador diz que sua vida começou, quando ou-
viu José Dias denunciar seus amores com Capitu. Estão corretas apenas:
A I e II.
Quais estão corretas? B I e III.
A Apenas I. C II e III.
B Apenas II. D II e IV.
C Apenas III. E III e IV.
D Apenas I e II.
E I, II e III. 37 FPP 2015 A respeito de Capitu, personagem de Dom
Casmurro, de Machado de Assis, é CORRETO afirmar
35 FPP 2017 Obra prima de Machado de Assis, “Dom Cas- que:
murro” pertence ao período Realista brasileiro. Entre A Pode-se dizer que seu comportamento dúbio e
outros elementos, sua perspectiva narrativa tem des- seu caráter inapreensível são traços que Capitu te-
taque e atesta a presença de um narrador: ria herdado da mãe, figura autoritária e insinuante,
A onisciente, que conhece os pensamentos de presente de modo destacado nas decisões que
Capitu e Escobar e pode compreender seus sen- ela toma. É a mãe quem incentiva Capitu a buscar
timentos. o envolvimento – por interesse – com o filho de
B que é testemunha do adultério de Capitu, compro- Dona Glória.
vado ao final da narrativa. B Descrita como figura feminina enigmática e sedu-
C que utiliza o recurso do fluxo de consciência, co- tora, mantém, desde a infância, um forte domínio
mum nos romances brasileiros dos séculos XVIII e sobre Bentinho. De certo modo, ele se sujeita às
XIX. determinações e aos encantos dela, reconhecendo
D que considera Capitu uma mulher sedutora, mas que ela se impõe. A suspeita da traição, contudo, o
suas dúvidas sobre a fidelidade da esposa desapa- marca de modo profundo, a ponto de ele se tornar
recem após o nascimento de seu filho. descrente e amargurado.
E personagem que compartilha com o leitor suas C É, desde a infância, vista por Dona Glória, mãe de
suspeitas a respeito da fidelidade da esposa. Bentinho, como um perigo para o filho. Devido ao
fato de Capitu representar os valores do mundo
36 ITA 2012 O texto a seguir é o início da obra Dom Cas- aristocrático, com suas malícias e hipocrisias, Dona
murro, de Machado de Assis. Glória teme que ela engane o filho, visto por ela
Uma noite dessas, vindo da cidade para o Engenho
como um jovem pobre, honesto e ingênuo.
Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do D Capitu rompe com sua amiga Sancha quando
bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumpri- descobre que esta se insinuava para Bentinho. A
mentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos desconfiança de que seu marido pudesse ser o pai
ministros, e acabou recitando-se versos. A viagem era da filha de sua amiga a leva a se mortificar e sofrer.
curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente E Capitu tem em José Dias, o agregado da família
maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, Santiago, um aliado em seu plano de ascensão
fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que social pelo casamento com Bentinho. Anos mais
ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso. tarde, será também ele o seu cúmplice na traição
[...] No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes que comete, mantendo relacionamento com Esco-
feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizi- bar, melhor amigo do marido.
nhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados,
deram curso à alcunha, que afinal pegou. 38 UPF 2015 Considere as asserções a seguir, em relação
[...] Não consultes dicionários. Casmurro não está aos romances Dom Casmurro, de Machado de Assis,
aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o
e São Bernardo, de Graciliano Ramos.
vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por
ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar I. O narrador-protagonista inicia o romance recons-
cochilando! Também não achei melhor título para a minha tituindo a situação que o levou a escrevê-lo.

224 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


II. A análise psicológica, especialmente a que o nar- 39 UPF 2015 Bento Santiago, no romance Dom Casmurro,
rador protagonista faz de si mesmo, ocupa papel de Machado de Assis, afirma que sua vida começou,
importante no romance. efetivamente, aos quinze anos, no dia em que se des-
III. A ação do romance evolui em torno de um triân- cobriu apaixonado por Capitu. De fato, ele já a amava
gulo amoroso real ou suposto. antes, mas não tinha consciência disso. Quem revela
IV. O narrador-protagonista reconhece, ao final do ao narrador-protagonista a verdadeira natureza do
romance, que se deixou cegar pelo ciúme e que sentimento que ele nutria por sua amiga de brincadei-
formou um juízo errôneo da amada. ras e travessuras é:
É igualmente verdadeiro, em relação aos dois roman-  Dona Glória, a mãe de Bentinho.
ces referidos, apenas o que se arma em: b Tio Cosme.
 I e II.  II e IV. c A própria Capitu.
b I e III.  III e IV.  José Dias, agregado da família.
c I, II e III.  Escobar, colega de seminário.

e
Texto complementar
Na crônica a seguir, o escritor Ferreira Gullar faz considerações acerca de suas experiências de leitura com as obras-primas de Machado
de Assis.
O feitiço do Bruxo
Uma rápida escaramuça encrespou o meio literário quando alguém afirmou que o romance Dom Casmurro, de Macha-
do de Assis, não era lá essa obra-prima que se diz que é. Ao ler alguma coisa a respeito, perguntei-me se não poderia essa
crítica ter algum fundamento – e fui conferir.
Fazia quase 20 anos que não relia o romance e, muito embora minha opinião sobre ele fosse a consagrada, alimentava,
machadianamente, a hipótese de vê-la desmentida. Não é que eu tenha restrições ao Bruxo do Cosme Velho, mas é que, a
exemplo dele, não gosto de mistificações, a verdade deve ser dita, ainda que doa um pouco. Assim, investido de total isenção,
iniciei a minha releitura e, logo no primeiro parágrafo, já estava de novo enfeitiçado por sua irreverência bem-humorada.
Depois de contar como ganhara o apelido de dom Casmurro, que decidira usar como título do livro, alude à hipótese de
que o autor do apelido venha a julgar-se também autor do livro, e arremata: “Há livros que apenas terão isso de seus autores;
alguns, nem tanto”.
Como não pretendo meter-me em polêmicas alheias nem fazer uma reavaliação crítica do famoso romance, vou tentar
dividir com você, leitor, as alegrias que a dita releitura me proporcionou. Mesmo que já tenha lido o romance – o que é bem
provável –, não deixará de reler com prazer trechos como este:
“Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi-me atrás da porta. A casa era a da rua de Ma-
ta-cavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas não hei de trocar as datas à minha vida só para agradar
às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857”.
Como o leitor bem sabe, Bentinho, já então velho e casmurro, imaginou preencher sua solidão escrevendo talvez sobre
jurisprudência, filosofia e política, mas logo desistiu e pensou em escrever uma “História dos Subúrbios”, de que abriu mão
por lhe faltarem documentos e datas. Restou-lhe, então, escrever sobre sua própria vida, o que implicaria contar a história de
um amor nascido na adolescência, quando conheceu a menina Capitu e os dois se apaixonaram; um puro amor de crianças,
que começou no quintal da casa e se alimentou dos sorrisos e olhares da menina que, segundo o agregado da família, José
Dias, tinha “uns olhos de cigana, oblíqua e dissimulada”.
Mas a Bentinho era difícil encontrar a definição para aqueles olhos: “Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá a
ideia daquela feição nova. Traziam um não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro como
a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos
braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo,
cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me, tragar-me”.
E, de fato, tragou-o. Tanto que tudo fez para se livrar do seminário e se entregar definitivamente à paixão de sua vida. Os
ciúmes que ela lhe despertava desvaneceram-se quando os dois juraram que haveriam de se casar e viver juntos o resto de
sua vida. Casaram-se e lhes nasceu um filho a que deram o nome de Ezequiel, em homenagem a Ezequiel Escobar, o melhor
amigo do casal. Só que, à medida que o menino crescia, mais se parecia com o amigo, e não com o pai. Bem, todo mundo
já conhece essa história e, se a relembro aqui, é por ser ela a matéria amarga com que Machado inocula seu pessimismo.
FRENTE 2

Dom Casmurro é um livro triste que nos faz rir de nossa própria fragilidade e nos encanta por sua qualidade literária. Se é
verdade que toda a obra de Machado está marcada pelo ceticismo e pela ironia, neste romance, o desencanto parece atingir
seu ápice. A traição de Capitu não é uma traição qualquer: ela trai o puro amor de sua vida, a que jurara fidelidade. Aqui,
o ceticismo de Machado revela-se implacável e irremissível. Que Marcela traia Brás Cubas, é compreensível; que Virgília
traia Lobo Neves, é corriqueiro, mas, ao levar Capitu a trair Bentinho, Machado nos deixa em total desamparo. Não obstan-
te, depois de tudo, nenhuma mulher levou Bentinho a esquecer Capitu, segundo ele, “a primeira amada” de seu coração.

225
E por quê? “Talvez porque nenhuma tinha olhos de ressaca e de cigana oblíqua e dissimulada.” À pergunta de se a Capitu
que o traiu já estava na menina da rua de Mata-cavalos, responde que sim, estava, como a fruta na casca. E conclui o livro
com estas palavras ressentidas, mas desabusadas: “A minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e
tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve. Vamos à ‘História
dos Subúrbios’”.
A releitura de Dom Casmurro levou-me a reler Memórias Póstumas de Brás Cubas, não menos amargas, mas das quais
tiro para o leitor uma frase que o faça rir: “E eu, atraído pelo chocalho de lata que minha mãe agitava diante de mim, lá ia
para a frente, cai aqui, cai acolá; e andava, provavelmente andava mal, mas andava, e fiquei andando”.
Pessimismos à parte, poucos escritores alcançaram, como Machado, tanta graça e mestria na arte de escrever.
Ferreira Gullar. “O feitiço do Bruxo”. Folha de S.Paulo, 30 abr. 2006.
Folhapress. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3004200617.htm>.
Acesso em: 2 out. 2017.

Resumindo
Neste capítulo, você viu...
Realismo: origens
y Realismo é o estilo de época que procurou introduzir o cientificismo na literatura.
y A crítica ao sentimentalismo, ao subjetivismo e à fantasia marca a escola Realista.
y Deseja-se uma transformação social por meio da crítica.
y Há confiança na ciência, no liberalismo e nas correntes intelectuais da época: racionalismo, positivismo e determinismo.
y O marxismo afeta o modo de pensamento burguês desenvolvido até então.
y A literatura realista é marcada pela objetividade, pela contemporaneidade, pelas personagens-tipo, pela lei da causalidade e pela linguagem cotidiana.
y O Realismo desenvolveu-se, primeiro, na França, por meio de autores como Balzac, Flaubert e Zola.
Realismo em Portugal
y Em Portugal, o Realismo foi marcado pela Questão Coimbrã – polêmica travada com a geração anterior de escritores, os românticos.
y Os escritores realistas portugueses ficaram conhecidos como Geração de 70 por terem organizado, em 1971, as Conferências Democráticas do Cassino
Lisbonense.
y Eça de Queirós foi o escritor que mais se destacou dentre os autores da Geração de 70. É um dos autores mais importantes da Literatura portuguesa.
Aliava os elementos da estética realista com uma forma particularmente sarcástica e zombeteira de enxergar a realidade.
y A obra de Eça de Queirós é didaticamente dividida em três fases: a fase inicial, com os textos reunidos no livro Prosas bárbaras; a fase realista pro-
priamente dita, cujo primeiro romance foi O crime do padre Amaro, e o último Os Maias; e a fase pós-Realista, com o repensar de sua estética realista
e destaque para os romances A ilustre casa de Ramires e A cidade e as serras.
y O romance O primo Basílio, de Eça de Queirós, critica, entre outros pontos, a criação romântica das moças portuguesas.
y Também de Eça de Queirós, o romance O crime do padre Amaro denuncia, principalmente, a excessiva influência do clero sobre a sociedade portuguesa.
y O romance A cidade e as serras, escrito na fase mais madura de Eça de Queirós, traça sua reconciliação com a sociedade portuguesa e faz uma
revisão dos princípios realistas.
Realismo no Brasil
O escritor Machado de Assis: o grande expoente do Realismo no Brasil
Características:
y Universalismo: aborda temas filosóficos e faz análises psicológicas e das convenções sociais.
y Rompe com a linearidade da narrativa.
y Elabora o discurso do narrador direcionado ao leitor, com frequentes referências ao texto (metalinguagem).
y Utiliza-se de ironia e niilismo.
y Tem um estilo próprio e único.
O legado literário de Machado de Assis
Seus contos de maior destaque são: “A cartomante”, “Uns braços”, “O alienista”, “A causa secreta”, “Teoria do medalhão” e “O enfermeiro”.
Memórias póstumas de Brás Cubas
y Inaugura o Realismo no Brasil, em 1881.
y Foco narrativo em 1ª pessoa: quem narra é um defunto autor, o que descontinua a tradição literária.
y Ruptura com a narrativa linear: não há sequência cronológica, e os fatos são narrados seguindo o fluxo de memória do narrador.
y Metalinguagem: o narrador interrompe a narrativa para comentar com o leitor sobre a própria obra.
y Temas: Machado de Assis critica e desmascara a sociedade carioca do século XIX a partir do jogo de valores – essência/aparência, convenções sociais,
hipocrisia, loucura, ambição e adultério.

226 LÍNGUa PORTUGUeSa Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


y Estilo: utiliza-se de ironia, pessimismo, niilismo e humor negro.
y Considerações: Brás Cubas discorre sobre a sua existência, no caso, mesquinha e solitária – reflexão que pode ser estendida aos leitores.
Quincas Borba
y Publicada em 1891, a obra pode ser vista como um prolongamento da teoria do Humanitismo, apresentada em Memórias póstumas de Brás Cubas.
y O foco narrativo está em 3ª pessoa.
y Protagonista: é Rubião, que enriquece após herdar a fortuna de Quincas Borba.
y Humanitismo: teoria de Quincas Borba que prediz que a vida é um campo de batalha, no qual apenas os mais adaptados sobrevivem.
y O autor parodia e critica as teorias cientificistas de sua época (com foco no darwinismo).
y Quincas Borba – o cão: o cachorro do filósofo Quincas Borba recebeu o mesmo nome do dono como prova da igualdade entre os seres, segundo um
dos preceitos da Humanitas – o princípio da existência.
y Rubião é manipulado pelo casal Palha; por ser o menos adaptado ao sistema, vai à falência e enlouquece – comprovando a teoria do Humanitismo
(“Ao vencedor, as batatas”).
Dom Casmurro
y Romance realista, foi escrito por Machado de Assis e publicado no ano de 1899.
y Bento Santiago – o Dom Casmurro – é o narrador e também protagonista da obra. Em sua velhice, ele escreve rememorando sua história com o intuito
de restaurar os momentos da infância e da adolescência.
y “Dom” é uma ironia, indicando um título de nobreza, e “Casmurro” refere-se aos hábitos do narrador personagem, sempre calado e recluso. Ele próprio
explica o título e o porquê da escrita do livro logo nos primeiros capítulos.
y O tempo do romance é, fundamentalmente, o da memória de Bentinho, e a narrativa é cíclica, visto que a obra começa e termina com o velho Casmurro
indicando a necessidade da escritura de sua história.
y A vizinha e amada de Bentinho é Capitu, moça de olhar sedutor e comportamento intrigante. De acordo com a visão do agregado José Dias, ela tem
“olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, metáfora que inicia as suspeitas de Bentinho.
y Bentinho acusa Capitu de adultério com seu melhor amigo, Escobar, o qual conhecera no seminário.
y Em nenhum momento, o autor nos confirma o adultério, mas também não o nega.
y A narrativa apresenta apenas o ponto de vista do narrador, portanto o leitor precisa ter em mente que lê uma versão parcial dos acontecimentos.
y Escobar morre afogado no mar, em um dia de ressaca (mar agitado). Há de se destacar outra metáfora para os olhos de Capitu, vinda de Bentinho:
“fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”.
y No velório de Escobar, em que estava presente a viúva Sancha, Bento Santiago vê uma lágrima nos olhos de Capitu, o que foi, para ele, a comprovação
do adultério.

Quer saber mais?

Sites Filmes
y Visita virtual. Os romances realistas do século XIX tiveram muitas adaptações cinema-
Faça uma visita virtual à Casa de Tormes (Museu Queirosiano) e à tográficas, com destaque para alguns ótimos filmes que complementarão
Casa do Silvério (casa de campo) para conhecer melhor o cenário os estudos literários.
que inspirou o romance As cidades e as serras. y O primo Basílio. Direção: Daniel Filho. Brasil: Globo Filmes, 2007
Disponível em: <https://feq.pt/>. (106 min).
y A vida de Machado de Assis. Essa adaptação traz a história de Eça de Queirós para o Brasil da
O expoente da Literatura brasileira teve uma vida instigante, e sua primeira metade do século XX, mostrando que os problemas critica-
obra, por tratar de temas ainda atuais, é lida até hoje. Neste site, dos pelos realistas no século XIX continuaram existindo com força
você encontrará mais sobre a biografia e a obra machadiana. total décadas mais tarde.
Disponível em: <http://p.p4ed.com/XMOVV>. y Os Maias: cenas da vida romântica. Direção: João Botelho. Portugal:
y Academia Brasileira de Letras. Alexandre Oliveira, 2014 (133 min).
Aprenda um pouco mais sobre a Academia fundada por Machado de Reconstruindo o contexto da época, o filme aborda de forma belís-
Assis e considerada berço dos maiores intelectuais de nosso país. sima a comédia e a tragédia que envolvem a família dos Maias, do
Disponível em: <http://p.p4ed.com/XMOVB>. romance escrito por Eça de Queirós.
FRENTE 2

y A obra de Machado de Assis. y A cartomante. Direção: Wagner de Assis e Pablo Uranga. Brasil:
Globo Filmes, 2004 (90 min).
O acervo do escritor está totalmente disponível na internet. Acesse o
link e conheça um pouco mais das obras desse mestre da literatura. O filme é uma adaptação cinematográfica do renomado conto
Disponível em: <http://p.p4ed.com/XMOVW>. “A Cartomante”, de Machado de Assis.
y Quincas Borba. Direção: Sérgio Machado. Brasil: Vídeo Filmes, 2010
(105 min).

227
O romance Quincas Borba, de Machado de Assis, foi adaptado para y Goida
os cinemas e conta os passos da personagem Rubião, que vai do O jornalista comenta rapidamente e de forma bastante pessoal o
interior de Minas Gerais ao Rio de Janeiro. romance A relíquia, de Eça de Queirós.
y Memórias póstumas de Brás Cubas. Direção: André Klotzel. Brasil: Disponível em: <http://p.p4ed.com/ZBUCY>.
Superfilmes, 2001 (101 min).
Assista a essa adaptação do romance de Machado de Assis, que Livros
conta com Reginaldo Faria, Marcos Caruso e Sônia Braga no elenco.
y CARVALHO, Castelar de. Dicionário de Machado de Assis. Rio de
y Dom. Direção: Moacyr Góes. Brasil: Telmo Farias, 2003 (91 min). Janeiro: Lexikon, 2010.
O filme é uma adaptação moderna para o enredo do romance realista A obra apresenta a língua, o estilo e os temas de Machado de Assis
Dom Casmurro. em forma de verbetes.
Confira o trailer do longa em: <http://p.p4ed.com/XMOVE>.
y BOSI, Alfredo. Brás Cubas em três versões. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.
Minissérie
Esse livro reúne ensaios em que Alfredo Bosi apresenta uma abor-
y Capitu. dagem multifacetada de Machado de Assis.
A minissérie é bastante fiel ao enredo da obra Dom Casmurro e y SABINO, Fernando. Amor de Capitu: leitura fiel do romance de Ma-
foi uma produção da Rede Globo, exibida em dezembro de 2008. chado de Assis sem o narrador Dom Casmurro (recriação literária).
São Paulo: Ática, 2003.
Vídeos Esse romance apresenta o famoso enredo de Machado de Assis em
terceira pessoa, tematizando o adultério sob a ótica de Bentinho,
y Helder Garmes.
que acredita ter sido traído por Capitu.
O professor de Literatura de Língua Portuguesa da Universidade de
y PROENÇA FILHO, Domício. Capitu: memórias póstumas. Rio de
São Paulo faz um apanhado do percurso artístico de Eça de Queirós
Janeiro: Artium, 1998.
e comenta o livro A ilustre casa de Ramirez.
Disponível em: <http://p.p4ed.com/ZBUXR>. Nesse romance, Capitu ganha espaço para se defender e combater
as acusações de adultério e de desvio de caráter.
y Samuel Titan Jr.
O professor de Teoria e Crítica Literária da Universidade de São
Paulo comenta o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert.
Disponível em: <http://p.p4ed.com/ZBUCT>.

Exercícios complementares
1 Fuvest 2014 Com base na leitura da obra A cidade e 2 Unicamp 2015 Sobre A cidade e as serras, de Eça de
as serras, de Eça de Queirós, publicada originalmente Queirós, é correto afirmar:
em 1901, é correto concluir que, nela, encontra-se: a A descrição do espaço parisiense no romance
a o prenúncio de uma consciência ecológica que iria retrata exclusivamente o submundo de uma metró-
eclodir com força somente em finais do século XX,
pole do final do século XIX e revela as contradições
mas que, nessa obra, já mostrava um sentido visio-
do processo de urbanização.
nário, inspirado pela invenção dos motores a vapor.
b O romance, cuja primeira edição é de 1901, faz uma
b uma concepção de hierarquia civilizacional entre as
regiões do mundo, na qual, a Europa representaria apologia da vida urbana e do desenvolvimento
a modernidade e um modelo a seguir, e a América, técnico que marcaram o final do século XIX nas
o atraso e um modelo a ser evitado. grandes cidades europeias.
c a construção de uma associação entre indivíduo e c No romance, Zé Fernandes é uma personagem
divindade, já que, no livro, a natureza é, fundamen- secundária que ganha importância no desenvolvi-
talmente, símbolo de uma condição interior a ser mento da narrativa ao apresentar a “seu Príncipe”,
alcançada por meio de resignação e penitência. Jacinto, a luxuosa Paris.
d a manifestação de um clima de forte otimismo, de- d No romance, é das rendas provenientes de pro-
corrente do fim do ciclo bélico mundial do século priedades agrícolas em Portugal que provém o
XIX, que trouxe à tona um anseio de modernização
sustento da cara e refinada vida de Jacinto em
de sociedades em vários continentes.
Paris.
e uma valorização do meio rural e de modos de vida
a ele associados, nostalgia típica de um momento
da história marcado pela consolidação da indus- 3 Fuvest 2014 (Adapt.) Considere o excerto abaixo, no
trialização e da concentração da maior parte da qual o narrador de A cidade e as serras, de Eça de
população em áreas urbanas. Queirós, contempla a cidade de Paris.

228 LÍNGUa PORTUGUeSa Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


(...) E por aquela doce tarde de maio eu saí para tomar no organismo moral modos alheios de pensar, modos
no terraço um café cor de chapéu-coco, que sabia a fava. alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído
Com o charuto aceso contemplei o Boulevard, àquela em estrangeirismo. [...]
hora em toda a pressa e estridor da sua grossa sociabilida- QUEIRÓS, Eça de. Correspondência de Fradique Mendes. In: Obras de Eça de
Queiroz. Porto: Lello & Irmão Editores, 1966. p. 1048.
de. A densa torrente dos ônibus, calhambeques, carroças,
parelhas de luxo, rolava vivamente, com toda uma es- O livro A correspondência de Fradique Mendes é
cura humanidade formigando entre patas e rodas, numa dividido em duas partes. Leia o fragmento extraído da se-
pressa inquieta. Aquele movimento indescontinuado e gunda parte – epístolas saídas supostamente do punho
rude depressa entonteceu este espírito, por cinco quietos de Fradique – e teça um comentário sobre o ponto de
anos afeito à quietação das serras imutáveis. Tentava en- vista dessa personagem a respeito da nacionalidade. Re-
tão, puerilmente, repousar nalguma forma imóvel, ônibus lacione também o fragmento à obra de que foi extraído.
que parara, fiacre que estacara num brusco escorregar da
pileca; mas logo algum dorso apressado se encafuava pela
portinhola da tipoia, ou um cacho de figuras escuras trepa- Instrução: Para a próxima questão, marque V (verda-
va sofregamente para o ônibus — e, rápido, recomeçava deiro) ou F (falso).
o rolar retumbante. 6 UFPE 2014 Em Portugal, a crítica social é realizada, entre
Tendo em vista que contemplar signica “xar o olhar outros, por dois grandes ficcionistas: Eça de Queirós
em (alguém, algo ou si mesmo), com encantamento, e José Saramago. Ambos, em diferentes momentos,
com admiração” (Dicionário Houaiss) ou “olhar, obser- abordam problemas semelhantes. Sobre os autores e
var, atenta ou embevecidamente” (Dicionário Aurélio), as obras referidas a seguir, julgue as proposições.
qual é a experiência vivida pelo narrador, no excerto, J 0-0 A ficção de Eça de Queirós revela a atitude de
e que sentido ela tem no contexto da época em que um pensador liberal que critica a falsa moral
se passa a história narrada no romance? burguesa, tal como no romance O primo Basílio,
quando Luísa sofre mais por ter que garantir o
sigilo do adultério do que por trair o marido.
4 Unicamp 2014 Uma cidade como Paris, Zé Fernandes,
J 1-1 Eça de Queirós foi muito questionado, em vida,
precisa ter cortesãs de grande pompa e grande fausto.
pelo modo crítico com que, em suas obras, enxer-
Ora para montar em Paris, nesta tremenda carestia de Pa-
gou e revelou a sociedade portuguesa, sobretudo
ris, uma cocotte com os seus vestidos, os seus diamantes,
os seus cavalos, os seus lacaios, os seus camarotes, as
a lisboeta da segunda metade do século XIX.
suas festas, o seu palacete [...], é necessário que se agre- J 2-2 A crítica à família burguesa e o triângulo amoro-
miem umas poucas de fortunas, se forme um sindicato! so, presentes no romance de Eça de Queirós,
Somos uns sete, no Clube. O primo Basílio, revelam a forte influência exer-
Eu pago um bocado.... cida por Flaubert, em Madame Bovary, sobre o
Queirós, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo: ficcionista português.
Ateliê Editorial, 2011. p. 94. J 3-3 Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Sara-
Fausto: luxo; mago tece críticas fortíssimas ao regime político
Cocotte: mulher de hábitos libertinos e vida luxuosa; português, quando recria a personagem nomea-
meretriz. da no título do romance. Na ficção de Saramago,
Ricardo Reis, republicano de formação clássica,
a) Que expressão do texto representa uma marca dire- sofreu perseguição política injustificada assim
ta de interação do narrador com outra personagem? que regressou do Brasil, após ter recebido tele-
b) Uma descrição pode ter um efeito argumentativo. grama do heterônimo Alberto Caeiro.
Que trecho descritivo do texto reforça a imagem J 4-4 Com discursos que se assemelham pela ironia con-
da vida luxuosa das cortesãs na Paris da época tundente, tanto Saramago, no século XX, quanto
(fim do século XIX)? Eça de Queirós, no século XIX, retrataram a so-
ciedade de seus respectivos tempos, revelando
o comportamento nada edificante que ela exibia.
5 UFBA 2013 Um homem só deve falar, com impecável
segurança e pureza, a língua da sua terra: – todas as ou-
O trecho do conto “Uns braços”, de Machado de As-
tras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele
sis, é base para responder às questões de 7 a 9.
acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.
Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; – e Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era
quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas sempre a mesma, sair de manhã com o Borges, andar por
FRENTE 2

da Europa vai gradualmente sofrendo uma desnacionali- audiências e cartórios, correndo, levando papéis ao selo,
zação. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto ao distribuidor, aos escrivães, aos oficiais de justiça. [...]
da fala materna, com as suas influências afetivas, que o Cinco semanas de solidão, de trabalho sem gosto, longe
envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo da mãe e das irmãs; cinco semanas de silêncio, porque ele
do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada.
do caráter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com “Deixe estar, – pensou ele um dia – fujo daqui e não
cada idioma alheio que assimila, introduzem-se-lhe volto mais.”

229
Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos 9 Unifesp Uma das características do Realismo é a in-
braços de D. Severina. Nunca vira outros tão bonitos trospecção psicológica. No conto, ela se manifesta,
e tão frescos. A educação que tivera não lhe permitira sobretudo,
encará-los logo abertamente, parece até que a princípio A no comportamento grosseiro de Borges, que im-
afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, põe medo a D. Severina e desperta ódio em Inácio.
ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os B nas vivências interiores de Inácio e de D. Severina,
foi descobrindo, mirando e amando. No fim de três se- que revelam seus sentimentos e conflitos.
manas eram eles, moralmente falando, as suas tendas C na forma solitária como Inácio se submete no traba-
de repouso. Aguentava toda a trabalheira de fora, toda
lho com Borges, sem que pudesse estar com sua
a melancolia da solidão e do silêncio, toda a grosseria
mãe e irmãs.
do patrão, pela única paga de ver, três vezes por dia, o
D nas reflexões de D. Severina, que vê Inácio como
famoso par de braços.
uma criança que merece carinho, e não o silêncio
Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e Inácio es-
e a reclusão.
tirava-se na rede (não tinha ali outra cama), D. Severina,
na sala da frente, recapitulava o episódio do jantar e, pela
E na forma como o contato é estabelecido entre as
primeira vez, desconfiou alguma cousa. Rejeitou a ideia personagens, já que a falta de diálogo é uma cons-
logo, uma criança! Mas há ideias que são da família das tante em suas vidas.
moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tor-
nam e pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu 10 UFPR 2015 Contei esta história a um professor de melanco-
que entre o nariz e a boca do rapaz havia um princípio de lia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho
rascunho de buço. Que admira que começasse a amar? E servido de agulha a muita linha ordinária! (“Um apólogo”)
não era ela bonita? Esta outra ideia não foi rejeitada, antes
Adeus, meu caro senhor. Se achar que esses aponta-
afagada e beijada. E recordou então os modos dele, os
mentos valem alguma coisa, pague-me também com um
esquecimentos, as distrações, e mais um incidente, e mais
túmulo de mármore, ao qual dará por epitáfio esta emenda
outro, tudo eram sintomas, e concluiu que sim.
que faço aqui ao divino Sermão da Montanha: “Bem-aven-
turados os que possuem, porque eles serão consolados”.
7 Unifesp De início, morar na casa de Borges era so- (“O enfermeiro”)
litário e tedioso, o que levou Inácio a pensar em ir
Esses são os parágrafos nais de contos do livro Vá-
embora. Todavia, isso não aconteceu, sobretudo por-
rias histórias (1896), de Machado de Assis. Sobre essa
que o rapaz
obra, considere as armativas a seguir:
A passou a ser mais bem tratado pelo casal após três
1. Todos os contos de Várias histórias terminam
semanas.
com algum ensinamento moral, conforme preco-
B teve uma educação que não lhe permitiria tal rebeldia.
nizava a estética realista.
C se pegou atraído por D. Severina, com o passar do
2. Na obra machadiana, a competição acirrada que
tempo.
caracteriza a vida humana tende a se resolver após
D gostava, na realidade, do trabalho que realizava
a morte, que serve de consolo e apaziguamento.
com Borges.
3. A agulha de “Um apólogo” identificou-se com
E sentia que D. Severina se mostrava mais atenciosa
a reflexão do professor de melancolia: os que
com ele.
abrem caminho nem sempre são premiados por
seus esforços.
8 Unifesp Analise as duas ocorrências: 4. O protagonista de “O enfermeiro”, que cogitou
“[...] uma criança!” não receber a herança do homem que ele matou,
“Criança?” termina a história rico e sem arrependimentos.
Essas duas passagens mostram que Assinale a alternativa correta.
A tanto os sentimentos de D. Severina como a sua A Somente as afirmativas 1 e 2 são verdadeiras.
razão mostravam-lhe que Inácio era ainda muito jo- B Somente as afirmativas 3 e 4 são verdadeiras.
vem para se dar às questões do amor. C Somente as afirmativas 1 e 3 são verdadeiras.
B havia duas vozes na consciência de D. Severina: D Somente as afirmativas 2, 3 e 4 são verdadeiras.
uma lhe proibia o desejo; outra o mostrava como E As afirmativas 1, 2, 3 e 4 são verdadeiras.
possibilidade.
C D. Severina via Inácio como uma criança apenas, o 11 UEL 2014 Leia o trecho a seguir, que faz parte do conto
que a perturbava muito, por sentir-se atraída por ele. “Teoria do medalhão”.
D D. Severina rejeitava qualquer possibilidade de
És moço, tens naturalmente o ardor, a exuberância,
uma relação com Inácio, já que não nutria nenhum
os improvisos da idade; não os rejeites, mas modera-os
sentimento pelo rapaz.
de modo que aos quarenta e cinco anos possas entrar
E havia um embate entre a consciência e a educação francamente no regime do aprumo e do compasso.
de D. Severina, o qual a impedia de aceitar o amor ASSIS, Machado de. “Teoria do medalhão”. In: Papéis Avulsos.
do rapaz. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. p. 100.

230 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Nesse conto, o pai explica ao lho o que é ser um Há, no penúltimo parágrafo, o emprego de uma gura
medalhão. de retórica que consiste no alargamento semântico
Explique por que Simão Bacamarte, protagonista de de termos que designam dois entes abstratos pela
“O alienista”, não pode ser considerado um “meda- atribuição a eles de traços próprios do ser humano.
lhão”, conforme conceituado em “Teoria do medalhão”. Quais são os dois entes abstratos que passam por tal
processo? Justique sua resposta. Como se denomi-
12 Unesp 2016 Leia o excerto do conto “A cartomante”, de na tal gura de retórica?
Machado de Assis, para responder à questão. Leia o trecho do conto “A igreja do Diabo”, de Macha-
Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu do de Assis (1839-1908), para responder às questões
e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma de 13 a 15.
explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto.
sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito
ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e ex-
é que o fazia por outras palavras. traordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do
— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias
nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Con-
da consulta antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. fessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a
Apenas começou a botar as cartas, disse-me: “A senhora noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias
gosta de uma pessoa...” Confessei que sim, e então ela que a seu respeito contavam as velhas beatas.
continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim decla- – Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noi-
rou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, tes sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas
mas que não era verdade... o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza,
— Errou! interrompeu Camilo, rindo. a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos
— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro
tenho andado, por sua causa. Você sabe, já lhe disse. Não pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu
ria de mim, não ria... desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei
Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...
fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pare- Era assim que falava, a princípio, para excitar o entu-
ciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum siasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as
receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, re- multidões ao pé de si. E elas vieram; e, logo que vieram,
preendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que
casas. Vilela podia sabê-lo, e depois... podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto
[...] à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes
sutil, outras cínica e deslavada.
Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima,
Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser subs-
que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura
tituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A
era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as
soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim
suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este
também a avareza, que declarou não ser mais do que a
notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo
mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta,
era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia.
e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na
As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram intei-
existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria
ramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco
a Ilíada: “Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu”...
de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios
[...] Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha
do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato. do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo,
Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos
correu à cartomante para consultá-la sobre a verda- seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto
deira causa do procedimento de Camilo. Vimos que à inveja, pregou friamente que era a virtude principal,
a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que
repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.
algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo
cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser incutia-lhes, a grandes golpes de eloquência, toda a nova
advertência da virtude, mas despeito de algum preten- ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar
dente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras as perversas e detestar as sãs.
FRENTE 2

mal compostas, formulou este pensamento: – a virtude Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição
é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo
interesse é ativo e pródigo. do homem; o braço direito era a força; e concluía: Muitos
Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que
que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem
então sem remédio. canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que
Contos: uma antologia, 1998. não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa

231
e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo 15 Unifesp 2017 No último parágrafo, o principal recurso
chegou a confessar que era um monumento de lógica. A retórico mobilizado pelo Diabo em sua argumentação
venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito a respeito da venalidade é
superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, a a repetição. d a hesitação.
o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas b a interrogação. e a periodização.
por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão c a citação.
fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o
teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que
tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo?
16 Enem 2014 Talvez pareça excessivo o escrúpulo do
Cotrim, a quem não souber que ele possuía um cará-
Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há
ter ferozmente honrado. Eu mesmo fui injusto com ele
mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem
durante os anos que se seguiram ao inventário do meu
vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro
pai. Reconheço que era um modelo. Arguiam-no de ava-
homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas,
reza, e cuido que tinha razão; mas a avareza é apenas
terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral
a exageração de uma virtude, e as virtudes devem ser
do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não
como os orçamentos: melhor é o saldo que o déficit.
se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou
Como era muito seco de maneiras, tinha inimigos que
pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconcei-
chegavam a acusá-lo de bárbaro. O único fato alegado
to social, conviria dissimular o exercício de um direito tão
neste particular era o de mandar com frequência escra-
legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade
vos ao calabouço, donde eles desciam a escorrer sangue;
e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.
Contos: uma antologia, 1998.
mas, além de que ele só mandava os perversos e os fu-
jões, ocorre que, tendo longamente contrabandeado em
cogula: espécie de túnica larga, sem mangas, usada por escravos, habituara-se de certo modo ao trato um pouco
certos religiosos; mais duro que esse gênero de negócio requeria, e não
desdouro: descrédito, desonra; se pode honestamente atribuir à índole original de um
lábaro: estandarte, bandeira; homem o que é puro efeito de relações sociais. A prova
esgalgado: comprido e estreito; de que o Cotrim tinha sentimentos pios encontrava-se no
venalidade: condição ou qualidade do que pode ser vendido; seu amor aos filhos, e na dor que padeceu quando mor-
casuísta: pessoa que pratica o casuísmo (argumento fun- reu Sara, dali a alguns meses; prova irrefutável, acho eu,
damentado em raciocínio enganador ou falso). e não única. Era tesoureiro de uma confraria, e irmão de
várias irmandades, e até irmão remido de uma destas, o
13 Unifesp 2017 “Ele prometia aos seus discípulos e fiéis que não se coaduna muito com a reputação de avareza;
as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais verdade é que o benefício não caíra no chão: a irmanda-
íntimos.” (1o parágrafo) de (de que ele fora juiz) mandara-lhe tirar o retrato a óleo.
Tal promessa do Diabo constitui, sobretudo, uma in- ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas.
Rio de Janeiro: Aguilar, 1992.
versão da seguinte máxima cristã:
a “Amai-vos uns aos outros.” Obra que inaugura o Realismo na literatura brasileira,
b “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra.” Memórias póstumas de Brás Cubas condensa uma
c “Não façais da casa do meu Pai casa de comércio.” expressividade que caracterizaria o estilo machadia-
d “Meu reino não é deste mundo.” no: a ironia. Descrevendo a moral de seu cunhado,
e “Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe Cotrim, o narrador personagem Brás Cubas rena a
também a outra face.” percepção irônica ao
a acusar o cunhado de ser avarento para confessar-
14 Unifesp 2017 Estão empregados em sentido figurado -se injustiçado na divisão da herança paterna.
os termos destacados nos seguintes trechos: b atribuir a “efeito de relações sociais” a naturalidade
a “a que podia ser na o de um espírito de negação” com que Cotrim prendia e torturava os escravos.
(3o parágrafo) e “sem o furor de Aquiles, não have- c considerar os “sentimentos pios” demonstrados
ria a Ilíada” (4o parágrafo). pela personagem quando da perda da filha Sara.
b “incutia-lhes, a grandes golps de eloquência” (5o d menosprezar Cotrim por ser tesoureiro de uma
parágrafo) e “a finição que ele dava da fraude” confraria e membro remido de várias irmandades.
(6o parágrafo). e insinuar que o cunhado era um homem vaidoso e
c “retificar a noção que os homens tinham dele” (1o egocêntrico, contemplado com um retrato a óleo.
parágrafo) e “congregar, em suma, as multidões ao
pé de si” (3o parágrafo). 17 Fuvest 2014
d “Sou o vosso verdadeiro pi.” (2o parágrafo) e “as
virtus aceitas deviam ser substituídas por ou- caPÍTULO LXXI
tras” (4o parágrafo)
e “uma voz que reboava nas ntrnhs do século”
O senão do livro
(1o parágrafo) e “a que se deu aquele nome para Começo o arrepender-me deste livro. Não que ele
arredá-lo do orção dos homens” (2o parágrafo). me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir

232 LÍNGUa PORTUGUeSa Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


alguns magros capítulos para esse mundo sempre é ta- uma calamidade, é uma operação conveniente, como se
refa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é disséssemos o estalar dos dedos de Humanitas; a fome
enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cada- (e ele chupava filosoficamente a asa de frango), a fome é
vérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito uma prova a que a Humanitas submete a própria vísce-
deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o ra. Mas eu não quero outro documento da sublimidade
livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de
o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são milho, que foi plantado por um africano, suponhamos,
como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e importado de Angola. Nasceu esse africano, cresceu, foi
param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, vendido; um navio o trouxe, um navio construído de ma-
escorregam e caem... deira cortada no mato por dez ou doze homens, levado
E caem! – Folhas misérrimas do meu cipreste, heis por velas, que oito ou dez homens teceram, sem contar
de cair, como quaisquer outras belas e vistosas; e, se eu a cordoalha e outras partes do aparelho náutico. Assim,
tivesse olhos, dar-vos-ia uma lágrima de saudade. Esta é este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado
a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para de uma multidão de esforços e lutas, executadas com o
rir, também não deixa olhos para chorar... Heis de cair. único fim de dar mate ao meu apetite.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas.
Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 1975.
Nas primeiras versões das Memórias póstumas de
A losoa de Quincas Borba – a Humanitas – contém
Brás Cubas, constava, no nal do capítulo LXXI, aqui
princípios que, conforme a explanação da persona-
reproduzido, o seguinte trecho, posteriormente supri-
gem, consideram a cooperação entre as pessoas uma
mido pelo autor:
forma de
[...] Heis de cair. Turvo é o ar que respirais, amadas A lutar pelo bem da coletividade.
folhas. O Sol que vos alumia, com ser de toda a gente, é B atender a interesses pessoais.
um Sol opaco e reles, de .................... e .................... . C erradicar a desigualdade social.
As duas palavras que aparecem no nal desse trecho, D minimizar as diferenças individuais.
no lugar dos espaços pontilhados, podem servir para E estabelecer vínculos sociais profundos.
qualicar, de modo gurado, a mescla de tonalidades
estilísticas que caracteriza o capítulo e o próprio livro. 20 UEL Leia o texto seguinte, extraído do sexto capítulo
Preenchem de modo mais adequado as lacunas as de Quincas Borba (1892), de Machado de Assis (1839-
palavras 1908).
A acaso e invernia. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas.
B finados e ritual. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos,
C senzala e cabaré. que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à
D cemitério e carnaval. outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as
E eclipse e cerração. duas tribos dividem em paz as batatas do campo, não che-
gam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A
18 PUC-RS No início de Quincas Borba, a personagem paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação.
Rubião avalia sua trajetória, enquanto olha para o mar, Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos.
para os morros, para o céu, da janela de sua casa, em Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompen-
Botafogo. Passara de ____________ a capitalista ao sas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se
a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam
____________. Mas, no final do romance, a persona-
a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora
gem acaba morrendo na miséria.
e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo
As lacunas podem ser correta e respectivamente racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que
preenchidas por: virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão;
A jornalista – receber um prêmio ao vencedor, as batatas.
B professor – receber uma herança ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1997. p. 648-9.
C enfermeiro – se tornar comerciante
D filósofo – investir em terras O Humanitismo, losoa criada por Quincas Borba, é
E enfermeiro – se casar com Sofia revelador:
A do posicionamento crítico de Machado de Assis
19 Enem – 2ª aplicação Quincas Borba mal podia encobrir aos muitos “ismos” surgidos no século XIX: darwi-
FRENTE 2

a satisfação do triunfo. Tinha uma asa de frango no prato, nismo, positivismo, evolucionismo.
e trincava-a com filosófica serenidade. Eu fiz-lhe ainda B da admiração de Machado de Assis pelos muitos
algumas objeções, mas tão frouxas, que ele não gastou “ismos” surgidos no início do século XX: futurismo,
muito tempo em destruí-las. impressionismo, dadaísmo.
— Para entender bem o meu sistema, concluiu ele, im- C da capacidade de Machado de Assis em antever
porta não esquecer nunca o princípio universal, repartido os muitos “ismos” que surgiriam no século XIX: dar-
e resumido em cada homem. Olha: a guerra, que parece winismo, positivismo, evolucionismo.

233
D da preocupação didática de Machado de Assis Quincas Borba situa-se entre as obras-primas do autor
com a transmissão de conhecimentos filosóficos e da literatura brasileira. No fragmento apresentado, a
consolidados na época. peculiaridade do texto que garante a universalização
E da competência de Machado de Assis em anteci- de sua abordagem reside
par a estética surrealista surgida no século XX. A no conflito entre o passado pobre e o presente
rico, que simboliza o triunfo da aparência sobre a
21 UFPR As quatro afirmativas a seguir dizem respeito ao essência.
romance Quincas Borba, de Machado de Assis. B no sentimento de nostalgia do passado devido à
substituição da mão de obra escrava pela dos imi-
I. No conjunto consagrado pela crítica como a trilogia
grantes.
de Machado de Assis (Memórias póstumas de Brás
C na referência a Fausto e Mefistófeles, que repre-
Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba), esse roman-
ce é o único que não recorre à técnica ficcional do sentam o desejo de eternização de Rubião.
discurso de memórias. O relato é apresentado por um D na admiração dos metais por parte de Rubião, que
narrador em terceira pessoa. metaforicamente representam a durabilidade dos
II. Quincas Borba, personagem que deixa a herança que bens produzidos pelo trabalho.
determina a trajetória do protagonista, incluindo-se E na resistência de Rubião aos criados estrangeiros,
no legado um cachorro também chamado Quincas que reproduz o sentimento de xenofobia.
Borba, morre logo no início da narração. Ao longo
de todo o relato, permanece a ambiguidade quanto 23 Fuvest 2015 Qual é a relação entre o “sistema de filoso-
a qual das personagens – homem ou cão – empresta fia” do Humanitismo, tal como figurado nas Memórias
seu nome ao título do romance. póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e as
III. O enredo é situado no tempo do Brasil colônia, o que correntes de pensamento filosófico e científico pre-
se revela desde a abertura, com a informação sobre sentes no contexto histórico-cultural em que essa
os fatos relatados terem ocorrido no tempo do rei. obra foi escrita? Explique resumidamente.
IV. Rubião e o casal Sofia e Cristiano Palha constituem o
triângulo amoroso em torno do qual giram os aconte-
cimentos do romance. O confronto de emoções entre
24 Fuvest 2015 (Adapt.) A uma religiosidade de superfície,
a paixão de Rubião e os ciúmes de Palha determina o menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias do que ao
desenlace. colorido e à pompa exterior, quase carnal em seu apego
ao concreto [...]; transigente e, por isso mesmo, pronta a
Assinale a alternativa correta. acordos, ninguém pediria, certamente, que se elevasse a
A Apenas as afirmativas I e II são verdadeiras. produzir qualquer moral social poderosa. Religiosidade
B Apenas as afirmativas I, II e III são verdadeiras. que se perdia e se confundia num mundo sem forma e
C Apenas as afirmativas II e III são verdadeiras. que, por isso mesmo, não tinha forças para lhe impor
D Apenas as afirmativas II, III e IV são verdadeiras. sua ordem.
E Todas as afirmativas são verdadeiras. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. (Adapt.).

Tendo em vista essas reexões de Sérgio Buarque de


22 Enem Holanda a respeito do sentido da religião na formação
Capítulo III do Brasil, responda ao que se pede.
Os juízos aqui expressos por Sérgio Buarque de
Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e,
Holanda encontram exemplificação em Memórias
enquanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando
póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis,
a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os
especialmente na parte em que se narra o perío-
metais que amava de coração; não gostava de bronze,
do de formação do menino Brás Cubas? Justifique
mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, e
assim se explica este par de figuras que esta aqui na sala:
sucintamente.
um Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher,
escolheria a bandeja – primor de argentaria, execução fina 25 Fuvest 2016 Nesse livro, ousadamente, varriam-se de
e acabada. O criado esperava teso e sério. Era espanhol; e um golpe o sentimentalismo superficial, a fictícia uni-
não foi sem resistência que Rubião o aceitou das mãos de dade da pessoa humana, as frases piegas, o receio de
Cristiano; por mais que lhe dissesse que estava acostumado chocar preconceitos, a concepção do predomínio do
aos seus crioulos de Minas, e não queria línguas estran- amor sobre todas as outras paixões; afirmava-se a pos-
geiras em casa, o amigo Palha insistiu, demonstrando-lhe sibilidade de construir um grande livro sem recorrer à
a necessidade de ter criados brancos. Rubião cedeu com natureza, desdenhava-se a cor local; surgiram afinal
pena. O seu bom pajem, que ele queria pôr na sala, como homens e mulheres, e não brasileiros (no sentido pito-
um pedaço da província, nem pôde deixar na cozinha, resco) ou gaúchos, ou nortistas, e, finalmente, mas não
onde reinava um francês, Jean; foi degradado a outros menos importante, patenteava-se a influência inglesa
serviços. em lugar da francesa.
ASSIS, M. Quincas Borba. In: Obra completa. v. 1. Lúcia Miguel-Pereira, História da Literatura Brasileira – Prosa
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993 (fragmento). de ficção – de 1870 a 1920. Adaptado.

234 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


O livro a que se refere a autora é A gravata de cetim preto, com um arco de aço por dentro,
A Memórias de um sargento de milícias. imobilizava-lhe o pescoço; era então moda. O rodaque
B Til. de chita, veste caseira e leve, parecia nele uma casaca
C Memórias póstumas de Brás Cubas. de cerimônia. Era magro, chupado, com um princípio de
D O cortiço. calva; teria os seus cinquenta e cinco anos. Levantou-se
E A cidade e as serras. com o passo vagaroso do costume, não aquele vagar ar-
rastado se era dos preguiçosos, mas um vagar calculado
26 Unifesp 2016 O que primeiro chama a atenção do crítico e deduzido, um silogismo completo, a premissa antes da
na ficção deste escritor é a despreocupação com as mo- consequência, a consequência antes da conclusão. Um
das dominantes e o aparente arcaísmo da técnica. Num dever amaríssimo!
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
momento em que Gustave Flaubert sistematizara a teoria
do “romance que narra a si próprio”, apagando o nar- Aponte, entre as alternativas, a que for incorreta em
rador atrás da objetividade da narrativa; num momento relação ao capítulo.
em que Émile Zola preconizava o inventário maciço da A O “dever amaríssimo” assumido por José Dias é o
realidade, observada nos menores detalhes, ele cultivou
de lembrar Dona Glória – a quem respeita com um
livremente o elíptico, o incompleto, o fragmentário, in-
misto de veneração e interesse – de que ela havia
tervindo na narrativa com bisbilhotice saborosa.
feito, anos antes, a promessa de enviar seu único
A sua técnica consiste essencialmente em sugerir as
coisas mais tremendas da maneira mais cândida (como os filho, Bentinho, para estudar em um seminário. Para
ironistas do século XVIII); ou em estabelecer um contraste reforçar seus argumentos, diz que isto deve ocorrer
entre a normalidade social dos fatos e a sua anormalidade para que se interrompa o nascente relacionamento
essencial; ou em sugerir, sob aparência do contrário, que de Bentinho com Capitu, antes que seja tarde.
o ato excepcional é normal, e anormal seria o ato corri- B José Dias representa no romance a figura do agre-
queiro. Aí está o motivo da sua modernidade, apesar do gado, alguém sem recursos que vive de favor na
seu arcaísmo de superfície. casa de uma família de posses e que, no relaciona-
Antonio Candido. Vários escritos, 2004. Adaptado. mento com esta, cumpre pequenas “tarefas” como
O comentário do crítico Antonio Candido refere-se ao uma espécie de paga. Em relação a Dona Glória e
escritor a Bentinho, José Dias tanto é o conselheiro – que
A Machado de Assis. simula ilustração e conhecimento – como o humil-
B José de Alencar. de serviçal, sempre prevendo as vantagens que
C Manuel Antônio de Almeida. levará com seus atos.
D Aluísio Azevedo. C José Dias terá grande importância no transcurso da
E Euclides da Cunha. ação, após a denúncia que faz a Dona Glória dos
perigos que a amizade de Bentinho e Capitu pode
27 ITA 2015 Em Dom Casmurro, de Machado de Assis, trazer. Na verdade, sua atitude é a de quem “joga”
Bentinho toma alguns episódios como evidências da com seus “protetores”. De um lado, ele suscita em
traição de Capitu, entre os quais não consta Dona Glória a necessidade de cumprir a promessa.
A a impressionante semelhança entre Ezequiel, tanto De outro, quando solicitado, oferecerá ajuda a Ben-
criança como adulto, e Escobar. tinho para que ele não vá para o seminário.
B o encontro dele com Escobar na porta de sua casa, D Pode-se dizer que, a despeito de sua atitude
quando retorna mais cedo do teatro. intrometida ao aconselhar Dona Glória sobre a ne-
C o fato de Dona Glória, a mãe dele, começar a mos- cessidade de separar Bentinho de Capitu – quando
trar-se fria com a nora e com o neto. os dois ainda eram crianças –, José Dias é o pri-
D a emoção de Capitu no velório de Escobar, quando meiro a perceber os defeitos da futura esposa de
ela tenta em vão disfarçar o choro. Bentinho. Sua observação a respeito dela aponta
E a cena em que ele a vê escrevendo uma carta a para o fato de ser “desmiolada”, filha de uma família
Escobar, mas ela diz que está fazendo contas. de moral condenável e intenções talvez interessei-
ras em relação àquela amizade.
28 PUC-PR Leia o capítulo IV de Dom Casmurro, de Machado E José Dias, descrito com ironia no fragmento cita-
de Assis, transcrito integralmente a seguir: do, é a personificação dos vícios da aristocracia
decaída e empobrecida depois do processo de In-
José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar
FRENTE 2

dependência do Brasil no século XIX. Outrora rico


feição monumental às ideias; não as havendo, servia a pro-
longar as frases. Levantou-se para ir buscar o gamão, que e influente – tendo sido sócio do falecido marido
estava no interior da casa. Cosi-me muito à parede, e vi-o de Dona Glória – José Dias tornou-se, com o tem-
passar com as suas calças brancas engomadas, presilhas, po, uma figura pouco relevante nas rodas sociais
rodaque e gravata de mola. Foi dos últimos que usaram de seu tempo, razão pela qual vive dos favores que
presilhas no Rio de Janeiro, e talvez neste mundo. Tra- lhe dirige a mãe de Bentinho, a quem respeita in-
zia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas. condicionalmente, sem lhe pedir nada.

235
Texto para as questões 29 e 30. passou de imaginação dele, como narrador? Reli mais uma
vez o romance e não cheguei a nenhuma conclusão. Um
Olhos de ressaca mistério que o autor deixou para a posteridade.
Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. SABINO, Fernando. O bom ladrão.
Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele
lance consternou a todos. Muitos homens choravam tam- Texto 2
bém, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera de-
5 parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria les, “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Eu não sabia
arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Ca- o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se se
pitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só
apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem al- me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei
gumas lágrimas poucas e caladas. As minhas cessaram extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A
10 logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do
olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los
de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, en-
parece que a retinha também. Momento houve em que os fiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos,
olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem crescidos e sombrios, com tal expressão que...
15 o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como Retórica dos namorados, dá-me uma comparação
a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de
nadador da manhã. Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Capítulo 123.
da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram.
São Paulo: Martin Claret, 2004.
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia
daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso
29 Uerj O personagem narrador do romance Dom Cas- e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a
murro encontra-se, no capítulo transcrito, angustiado vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.
pela dúvida: o possível adultério de sua esposa, Ca- ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
pitu, com seu melhor amigo, cujo velório ora se narra.
O título “Olhos de Ressaca” pode ser justicado pela
seguinte passagem: 31 Unifesp Considere as afirmações sobre o que diz o
A “Capitu olhou alguns instantes para o cadáver” (li- narrador do texto de Sabino:
nhas 6 e 7) I. O mistério a que ele se refere decorre de uma narrativa
B “olhando a furto para a gente que estava na sala.” ambígua, na qual há uma constante oscilação entre
(linha 11) a possibilidade – ou não – de Capitu ter cometido o
C “Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la;” adultério.
II. No romance a que ele se refere, o triângulo amoroso
(linhas 11 e 12)
é formado por Capitu, Escobar e Quincas Borba.
D “como se quisesse tragar também o nadador da
III. A sua frase final denuncia-o convicto de que Capitu
manhã.” (linhas 16 e 17)
não traiu o marido.

30 Uerj No texto, a descrição dos fatos não é objetiva, Está correto o que se arma apenas em:
pois temos acesso aos traços e às ações dos demais A I.
personagens apenas por meio do olhar comprometi- B II.
do da personagem narrador. A alternativa que indica C I e II.
uma estratégia utilizada pela personagem narrador D I e III.
para expressar um ponto de vista individual dos fatos E II e III.
e a passagem que a exemplifica é:
A enumeração de ações – “Consolava a outra, queria 32 Unifesp No texto de Sabino, o narrador questiona a
arrancá-la dali.” (linhas 5 e 6) traição de Capitu. Lendo o texto de Machado, pode-
B seleção de adjetivos e advérbios – “tão fixa, tão -se entender que esse questionamento decorre de
apaixonadamente fixa,” (linhas 7 e 8) A os fatos serem narrados pela visão de uma perso-
C narração em 1a pessoa – “As minhas cessaram nagem, no caso, o narrador em primeira pessoa,
logo.” (linhas 9 e 10) que fornece ao leitor o perfil psicológico de Capitu.
D imprecisão cronológica – “Momento houve em que B a personagem ser vista por José Dias como oblíqua
os olhos de Capitu fitaram o defunto,” (linhas 13 e 14) e dissimulada, o que gerou mal-estar no apaixona-
do de Capitu, deixando de vê-la como uma mulher
Textos para as questões de 31 a 33. de encantos.
C a apresentação da personagem Capitu ser feita no
Texto 1 romance de maneira muito objetiva, sem expres-
Ultimamente ando de novo intrigado com o enigma são dos sentimentos que a vinculavam ao homem
de Capitu. Teria ela traído mesmo o marido, ou tudo não que a amava.

236 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


D os aspectos psicológicos de Capitu serem apre- Texto I
sentados apenas pelos comentários de José Dias,
Tinha dado onze horas no cuco da sala de jantar. Jorge
o que torna a sua caracterização muito subjetiva. fechou o volume de Luís Figuier que estivera folheando
E o amado de Capitu não conseguir enxergar nela devagar, estirado na velha voltaire marroquim escuro, es-
características mais precisas e menos misterio- preguiçou-se, bocejou e disse:
sas, o que o faz descrevê-la de forma bastante — Tu não te vais vestir, Luísa?
idealizada. — Logo.
Ficara sentada à mesa a ler o Diário de Notícias, no
33 Unifesp Para o narrador, os olhos de Capitu eram “olhos seu roupão da manhã de fazenda preta, bordado a sutache,
de ressaca”, “como a vaga que se retira da praia, nos com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um
dias de ressaca”. Entende-se, então, que ele pouco desmanchado, com um tom seco do calor do tra-
A começava a nutrir sentimento de repulsa em re- vesseiro, enrolava-se, torcido no alto da cabeça pequenina,
lação a ela, como está sugerido em “[seus olhos] de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e láctea
entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, das louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a
com tal expressão que...”. orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois
anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates. [...]
B se sentia fortemente atraído por ela, como compro-
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio.
va o trecho: “Traziam não sei que fluido misterioso
e enérgico, uma força que arrastava para dentro”.
Texto II
C passou a desconfiar da sinceridade dela, como
está exposto em: “mas dissimulada sabia, e queria Capitu
ver se se podiam chamar assim”. — Que é que você tem?
D começava a vê-la como uma mulher comum, sem — Eu? Nada.
atrativos especiais, como demonstra o trecho: “eu — Nada, não; você tem alguma coisa.
nada achei extraordinário”. Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo
E deixava de vê-la como uma mulher enigmática, eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair,
como está sugerido em: “Olhos de ressaca? Vá, de com certeza, pela boca fora. Não podia tirar os olhos
daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia,
ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova”.
apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os
cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas
34 Fuvest Meses depois fui para o seminário de S. José. Se atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pe-
eu pudesse contar as lágrimas que chorei na véspera e na las costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e
manhã, somaria mais que todas as vertidas desde Adão e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a
Eva. Há nisto alguma exageração; mas é bom ser enfáti- despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor;
co, uma ou outra vez, para compensar este escrúpulo de não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas
exatidão que me aflige. com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula.
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela
Considerando-se o contexto desse romance de Ma- mesma dera alguns pontos.
chado de Assis, pode-se armar corretamente que, no ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.

trecho apresentado, ao comentar o próprio estilo, o


narrador procura: J 0-0 Os dois autores, do século XIX, revelam
A afiançar a credibilidade do ponto de vista que lhe concepções díspares ao construir suas per-
interessa sustentar. sonagens, pois, enquanto Machado de Assis
B provocar o leitor, ao declará-lo incapaz de com- cria tipos femininos frágeis e sem vida, Eça de
preender o enredo do livro. Queirós dá-lhes alma.
C demonstrar que os assuntos do livro são mero pre- J 1-1 Os dois textos explicitam as diferenças sociais
texto para a prática da metalinguagem. existentes entre as duas personagens. A primeira,
D revelar sua adesão aos padrões literários estabele- Luísa, é descrita como uma autêntica burguesa,
cidos pelo Romantismo. enquanto a segunda, Capitu, como uma ado-
E conferir autoridade à narrativa, ao basear sua argu- lescente pobre, cujo único objetivo é alcançar
mentação na história sagrada. a ascensão social, ainda que para isso precise
agir de modo a contrariar a moral vigente.
Instrução: Para a próxima questão, marque V (verda- J 2-2 O discurso dos narradores revela emoções re-
FRENTE 2

deiro) ou F (falso). sultantes das experiências por eles próprios


vivenciadas, o que torna ambas as narrativas
35 UFPE 2013 A construção das personagens em Eça de comprometidas, de tal modo que o adultério
Queirós e em Machado de Assis apresenta particulari- não se confirma, contribuindo para que as his-
dades que distinguem os dois escritores. Partindo da tórias não se concluam com a comprovação
leitura crítica dos dois textos que se seguem, julgue as do triângulo amoroso, pois ambas terminam
proposições seguintes. em aberto.

237
J 3-3 Capitu é uma personagem acerca da qual, “em- Trecho II
bora não possamos ter a imagem nítida da sua
Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo
fisionomia, temos uma intuição profunda de seu
se pode meter nos livros omissos. Eu, quando leio al-
modo de ser”. Por sua vez, Luísa, de acordo
gum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço,
com Machado de Assis, “resvala no lodo, sem
em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas
vontade, sem repulsa, sem consciência”.
as cousas que não achei nele. Quantas ideias finas me
J 4-4 O primo Basílio e Dom Casmurro têm persona- acodem então! Que de reflexões profundas! Os rios, as
gens femininas, que, apesar de se integrarem
montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos
plenamente à classe burguesa, nutrem um profun-
me aparecem agora com as suas águas, as suas árvores,
do respeito à instituição familiar e se caracterizam
os seus altares, e os generais sacam das espadas que
por serem simplesmente criadas para vivenciar
tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas
circunstâncias e acontecimentos, sem que te-
que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma
nham o menor poder de decisão sobre eles.
imprevista.
É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo.
36 Unicamp 2012 Os trechos a seguir foram extraídos de Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também
Dom Casmurro, de Machado de Assis. preencher as minhas.
Trecho I ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Cotia:
Ateliê Editorial, 2008. p. 213.
Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Mar-
colini, não só pela verossimilhança, que é muita vez toda
a) Como a narrativa de Bento Santiago pode ser re-
a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à defi- lacionada à afirmação de que a verossimilhança é
nição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois “muita vez toda a verdade”?
um quatuor... b) Considerando essa relação, explicite o desafio
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008. p. 213. que o segundo trecho propõe ao leitor.

238 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 7 Realismo: a desconstrução romântica


Wikimedia Commons (Domínio público)
Autor desconhecido, cartaz da peça Germinal
para o Théatre du Châtelet, 1890, litografia,
Biblioteca Nacional da França.

FRENTE 2

CAPÍTULO Naturalismo: o homem é bicho

8
O Naturalismo emergiu como uma subdivisão do Realismo, porém ambos são
correntes artísticas centradas na observação da realidade exterior e estão classicadas
pela literatura no mesmo período. O Naturalismo integrou ao Realismo personagens
submetidas às leis naturais e cientícas decodicadas da época, além do determinismo
e da crença de que os seres humanos estariam condicionados pela hereditariedade e
regidos por raça, meio e momento. Tais conceitos criaram romances de tese
experimental baseados nas comprovações da ciência, nos quais o artista produzia
situações de causa e efeito para descrever atitudes e personalidades, apresentando
preocupações patológicas.
Naturalismo: o olhar científico sobre como um organismo formado por células que funciona-
vam harmoniosamente e obedecendo a leis biológicas do
as relações humanas nascimento à morte. Homens e mulheres comuns viviam
No Brasil, o ano inaugural da doutrina do Naturalismo cotidianos triviais, por vezes monótonos, determinados por
foi 1881, com a publicação de dois grandes romances: Me- opostos: belo e feio, polido e grosseiro, por exemplo.
mórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e
O mulato, de Aluísio Azevedo, sendo o último considerado Momento histórico: o Brasil na segunda
o primeiro romance naturalista de nossa literatura.
Naturalismo e Realismo formam os movimentos literários
metade do século XIX
mais significativos da segunda metade do século XIX, marca- Durante o Segundo Reinado (de 1840 a 1889), D. Pedro II
dos pela tendência em retratar de forma objetiva a realidade. fazia a escolha de seu primeiro-ministro, de modo que os
As particularidades da estética realista estavam intimamente partidos Liberal e Conservador estivessem coniventes. O
relacionadas ao momento histórico de produção e, portanto, Brasil caracterizava-se pelo fortalecimento da burguesia e
refletiam os anseios da sociedade vigente. Já o Naturalismo, o crescimento do proletariado.
mais especificamente, revelava a paixão da elite intelectual Com a proibição do tráfico negreiro, a mão de obra
da época pelas ideias evolucionistas e pelo darwinismo e imigrante assalariada aumentou. Houve a expansão da in-
determinava o conceito do livre-pensamento em oposição dústria cafeeira e a construção de ferrovias, e, assim, as
ao excesso de espiritualização do Romantismo. cidades cresceram e passaram a concentrar fábricas. En-
Naquele momento, as ciências físicas e biológicas se tretanto, do ponto de vista social, a maioria da população
aliavam às psicológicas, e, também, à Geografia e à Antro- se mantinha alienada das decisões governamentais, pois
pologia, fixando o evento de maior importância da época: a sua única preocupação era a própria sobrevivência diária.
convergência de Sociologia e Biologia – o motor que gera À parte disso, via-se crescer uma classe média urbana
o enredo da obra O cortiço, de Aluísio Azevedo. insatisfeita com esse cenário e com sua fraca represen-
Desse modo, o ser humano passava a ser visto inte- tatividade política. Essa classe se apoiou no Exército e
grado ao ambiente natural, e a sociedade era encarada passou a ser liderada pelos cafeicultores paulistas, os quais

In: Frederico Guilherme Briggs. Brasilian souvernir: a selection of the most peculiar costumes of the Brazils. Rio de Janeiro: Ludwig and
Briggs, 1845. Biblioteca Nacional do Brasil. (Domínio público)

Fig. 1 Frederico Guilherme Briggs, Carregadores de café.

240 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


defendiam modificações na estrutura política – a substi- As mudanças socioculturais do século XIX
tuição da Monarquia pela República – e a introdução do

Honoré Daumier/Web Gallery of Art (Domínio público)


trabalho assalariado no país.
Por fim, os conflitos internos não se resolveram, já que
ideias antitéticas forçavam a coexistência de dois lados: um
deles, o ideário liberal, com conceitos modernos e republi-
canos, e o outro, a vigência da estrutura político-econômica
agrária, com características latifundiária e coronelista. Assim,
ideias modernas advindas da Europa começam a despontar
no Brasil, marcadas na literatura pelas doutrinas determi-
nista e positivista que fundamentaram a era pós-romântica.
O desenvolvimento dessas ideias aconteceu distintamente
nas chamadas escolas realistas.
Angelo Agostini. In: Revista Illustrada. Rio de Janeiro, ano 7, n. 283, 1882. (Domínio público)

Fig. 3 Honoré Daumier, A revolta, óleo sobre tela, c. 1848, The Phillips Collection,
Washington, Estados Unidos.

A partir da segunda metade do século XIX, a sociedade


e a cultura europeias apresentaram significativas transfor-
mações. As ideias liberais se espalharam e provocaram
rebeliões e protestos; a civilização materialista burguesa
foi se firmando; e um número muito grande de operários
foi atraído pelas cidades industriais em plena expansão e
passou a viver nelas, ainda que em condições subumanas.
Houve o desenvolvimento das ciências naturais, as quais
começaram a vigorar como as únicas metodologias de ob-
servação e experimentação que explicariam o mundo, o
que fez com que a religião e as visões mais idealistas quan-
to à natureza humana começassem a ser questionadas.
A seguir, serão apresentados os cientistas e pensado-
res que influenciaram a literatura da época, tanto na Europa
quanto no Brasil.

Karl Marx (1818-1883)


O alemão Karl Marx desenvolveu a teoria marxista, que
tem como núcleo o trabalho, visto como a grande expres-
são da vida humana: é por intermédio dele que se modifica
Fig. 2 “As falhas do trono fabricadas pelos nossos governos parecem não ter a relação homem-natureza e que o ser humano se transfor-
outro fim senão abalar o próprio trono e colocar a monarquia em tristíssima po- ma. Essa teoria política explicaria a história humana como
sição.” Charge de 1882, de Angelo Agostini, apontando as falhas do governo real
e indicando que a queda da monarquia se aproximava.
uma luta de classes, prevendo o fim do capitalismo como
consequência de seus contrastes internos. Tantas contradi-
ções resultariam na revolução do proletariado, que passaria
Atenção ao poder. Junto a Engels, Marx escreveu obras como Ma-
Em alguns períodos, a literatura tende a refletir o ser humano na socie- nifesto comunista e A ideologia alemã. Sua principal obra,
dade e na história; por isso, o conhecimento de alguns fatos ocorridos no O capital, data de 1867.
século XIX é importante para entendermos as motivações dos escritores
do Naturalismo: Friedrich Engels (1820-1895)
y 1840-1889: vigência do Segundo Reinado no Brasil. Socialista alemão, Engels foi parceiro de Karl Marx
FRENTE 2

y 1850: extinção do tráfico negreiro no Brasil. e denunciou a miséria e a condição precária na vida do
y Meados de 1870: aumento da imigração europeia e exportação operariado na primeira fase do capitalismo com o livro
de café. Expansão do comércio exterior e início da industrialização. A situação das classes trabalhadoras na Inglaterra, de 1845.
y 1888: extinção da escravidão no Brasil pela Lei Áurea.
Charles Darwin (1809-1882)
y 1889: Proclamação da República. Marechal Deodoro da Fonseca no
comando do Governo provisório. Charles Darwin foi um naturalista inglês que revolucionou
o mundo com sua teoria sobre a evolução das espécies. Ele

241
propôs a teoria da seleção natural, a qual defendia que, na Saiba mais
permanente competição entre os indivíduos, os mais capa-
citados sobreviveriam e a natureza que se incumbiria dessa No fazer literário, principalmente nas obras de tendência realista, é
seleção. Assim, a espécie evoluiria graças às favoráveis importante atentar-se à verossimilhança.
heranças genéticas que os indivíduos mais aptos transmi- A literatura realista é ficcional, mas transfigura o real em um mundo
tiriam à sua prole. Esse processo, poderia, eventualmente, imaginário em seus textos, mantendo o enredo e as personagens
determinar o desenvolvimento de novas espécies. Porém, dentro dos parâmetros equivalentes à verdade de modo que possam
o surgimento dessas espécies a partir de um ancestral co- pertencer a um universo possível. Assim, a natureza e a verossimi-
mum, conforme defendido por Darwin, contrapunha as ideias lhança de uma personagem dependem das intenções do autor e do
criacionistas da época, cujos princípios consideravam a diver- modo como ele as concebe.
sidade de seres vivos o resultado da criação divina. Em suma, verossimilhança é a produção de um “sentimento de ver-
dade” dentro do texto. Em um romance que prioriza o retrato da
Auguste Comte (1798-1857) realidade, a verossimilhança representa o fator primordial na cons-
tituição de personagens, ou seja, o ser fictício necessita parecer real.
Segundo esse pensador francês, considerado o pai
da Sociologia, as verdades e os métodos positivos de ou-
tras ciências – comparação, observação e experimentação Émile Zola, precursor do romance naturalista europeu,
– deveriam ser utilizados também na Sociologia. Apenas compara o ofício do escritor ao do médico – ambos devem
se conhecesse as leis naturais e sociais seria possível a estar munidos de objetividade e rigor absolutos. Para Zola,
intervenção do ser humano em certos fenômenos. Comte o escritor é um “ilustrador” do que a ciência diz, o que leva
influenciou todo o Ocidente; no Brasil, vários republicanos à denominação “romance experimental”.
eram positivistas, e nossa bandeira nacional tem como divi- Zola inaugura o romance experimental naturalista com
sa uma inspiração comtiana – Ordem e Progresso. Assim, de Thérèse Raquin, de 1868, cujo enredo ilustra o postulado
acordo com Comte, a Ciência é a única religião possível – darwinista sobre a natureza do ser humano. O prólogo da
a “religião da humanidade”. obra é revelador, pois explicita tendências naturalistas do
autor, como a crítica social, a comparação do ser humano
Hippolyte Taine (1828-1893) aos animais, a visão do ser humano como expressão de
Taine, historiador e filósofo positivista francês, é au- paixões, os instintos, as taras e as patologias.
tor da teoria que assevera que o comportamento humano

Edouard Manet/Web Gallery of Art (Domínio público)


determina-se por três fatores: o meio ambiente, a raça
(hereditariedade) e o momento histórico (circunstância) –
fatores imprescindíveis para a compreensão da estética
naturalista.

Naturalismo: das origens


O Realismo e o Naturalismo são movimentos concomi-
tantes, inicialmente com as mesmas características; porém,
o Naturalismo é um prolongamento, uma manifestação ex-
trema do Realismo. Assim, a escola naturalista também é
realista por apresentar princípios como:
y descrição objetiva da realidade.
y olhar sobre o presente.
y observação, análise e reflexão.
y busca da verdade.
y racionalidade.
y denúncias sociais.
y crítica a instituições como Igreja e família.
y verossimilhança.
A esses aspectos, somam-se a busca pela análise cien-
tífica da existência humana e o surgimento da visão de
mundo do Naturalismo.
Vimos que, na Europa, intelectuais disseminavam na
sociedade novas ideias sociológicas e científicas, com des-
taque para o evolucionismo de Darwin, o positivismo de
Comte e o determinismo de Taine. O Naturalismo ergue-se,
então, sobre os conceitos da hereditariedade biológica, o
ideário positivista da razão e da ciência como verdades
absolutas e as fontes que determinam o estado moral e Fig. 4 Edouard Manet, Émile Zola, 1868, óleo sobre tela, Musée d’Orsay, Paris,
elementar humano. França.

242 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


Naturalismo: principais características Subversão romântica
Os autores naturalistas criam personagens doen-
Determinismo e os instintos tes, pérfidas, pervertidas sexuais, assassinas, bêbadas,
O ser humano retratado nas obras naturalistas traz em si incestuosas, entre outras, opondo-as, claramente, às do
instintos reveladores que determinam seu comportamento. Romantismo. As mulheres em nada se parecem com as
A luxúria é uma característica recorrente nas personagens, heroínas românticas: podem ser retratadas como infiéis,
as quais, com a sexualidade aflorada, exalam odores, re- prostitutas, esposas e mães ruins, conforme os padrões
produzem sons e têm atitudes “animalescas”. da época. Assim, a postura realista/naturalista é, antes de
tudo, antirromântica, não idealizada.
[...] Não era a inteligência nem a razão o que lhe aponta-
va o perigo, mas o instinto, o faro sutil e desconfiado de toda
fêmea pelas outras, quando sente seu ninho exposto. O Naturalismo de Aluísio Azevedo:
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 79.
O cortiço
Determinismo biológico Na Literatura, estuda-se o Naturalismo como um seg-
mento acentuado e mais reforçado do Realismo, fortalecido
Segundo teorias biológicas vigentes até então, as
por teorias científicas e por uma visão mais materialista do
pessoas recebem hereditariamente características de tem-
ser humano.
peramento. Para a literatura, o temperamento (índole, gênio)
No Brasil, o escritor Aluísio Azevedo se destaca por sua
é fundamental para a formação do ser humano e de sua
literatura de desvelamento das relações humanas, traçando
personalidade; dessa forma, no Naturalismo, o ser humano
personagens com variados perfis e influenciadas pelo meio
representa o resultado de forças ancestrais.
em que vivem. Assim, o romance O cortiço é considerado
Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado o expoente de nossa literatura naturalista: o espaço é o
de brasileiro se não foram os grandes olhos azuis, que puxara protagonista, os seres humanos são representados com
do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e seus instintos primitivos aflorados, e, formalmente, somos
amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura surpreendidos por uma força vocabular geradora de ima-
do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e gens raramente imaginadas.
fronte espaçosa. A parte mais característica da sua fisionomia era
os olhos – grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis; pestanas
eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido; as
Aluísio Azevedo: biografia
sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim [...]

In: M. J. Garnier. Sonetos brasileiros: desenhos dos sonetos. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cie. Editores, [189-].
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. (Domínio público)
Tinha os gestos bem educados, sóbrios, despidos de pre-
tensão, falava em voz baixa, distintamente sem armar ao efeito;
vestia-se com seriedade e bom gosto; amava as artes, as ciên-
cias, a literatura e, um pouco menos, a política.
AZEVEDO, Aluísio. O mulato. [livro eletrônico]. [s.l.]: Obliq Press, 2013.

Determinismo de meio e de momento


O ser humano é equiparado ao seu ambiente e torna-
-se produto do seu meio. Assim, a personagem do romance
é fruto das condições socioambientais – tanto as de ordem
quanto as de desordem. Um ambiente enfermo faz com que
as pessoas que estão nele também se tornem enfermas.
O segundo andar vivia, pois, num brinco; nem um escarro
seco no chão. Os móveis luziam, como se tivessem chegado
na véspera da casa do marceneiro; as roupas da cama eram de
uma brancura fresca e cheirosa; não havia teias de aranha nos
tetos ou nos candeeiros e os globos de vidro não apresentavam
sequer uma nódoa de uma mosca.
E o Campos sentia-se bem no meio dessa ordem, desse
método. [...]
AZEVEDO, Aluísio. Casa de pensão. 5 ed. São Paulo: Ática, 1989.
FRENTE 2

O quarto respirava todo um ar triste de desmazelo e


boêmia. Fazia má impressão estar ali: o vômito de Amâncio Fig. 5 O escritor brasileiro Aluísio Azevedo (1857-1913).
secava-se no chão, azedando o ambiente; a louça, que servira
ao último jantar, ainda coberta de gordura coalhada, aparecia Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo (1857-1913) foi
dentro de uma lata abominável, cheia de contusões e comida jornalista, romancista, caricaturista, diplomata e fundador da
de ferrugem. [...] Cadeira 4 da Academia Brasileira de Letras. Maranhense
AZEVEDO, Aluísio. Casa de pensão. 5 ed. São Paulo: Ática, 1989. de São Luís, teve uma vida atípica para a época, a começar

243
pela mãe, D. Emília Amália Pinto, a qual pôs fim ao casa- “digeríveis”. E, ao mesmo tempo que seus textos eram
mento em virtude do temperamento bruto de seu marido vendidos, Aluísio tomava como inspiração as obras de
e passou a viver junto ao vice-cônsul de Portugal (David escritores europeus, como Émile Zola e Eça de Queirós,
Gonçalves de Azevedo – pai de Aluísio). O ato da mãe de encontrando na estética naturalista um estilo literário adulto
Aluísio representou um escândalo na sociedade maranhen- e maduro para a gênese de uma nova fase.
se do século XIX, a qual enxergava os atos de desquitar-se Assim como suas pinturas e caricaturas, carregadas de
e ter filhos com outro homem fora do casamento como ironia e sarcasmo, as descrições textuais de Aluísio toma-
algo impensável. vam rumos que abarcavam linguisticamente as vivências
Durante a infância e adolescência, Aluísio de Azevedo da sociedade e os seus hábitos coletivos. Dessa forma,
estudou e trabalhou em São Luís, revelando talento para ele intensificava as menções às patologias sociais e fazia
o desenho e a pintura desde cedo. Mudou-se para o Rio denúncias sobre o cotidiano dos menos favorecidos, além
de Janeiro, onde se tornou aluno da Imperial Academia de de contestar a desigualdade social – fruto do processo
Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes, e, para histórico referente à escravidão no país.
se manter na cidade, fazia caricaturas para jornais como Dentre as obras de Aluísio Azevedo, destacam-se três
O Figaro, Zig-Zag, O Mequetrefe e A semana ilustrada. A mais relevantes para o desdobramento da escola realista-
partir de seus desenhos e da técnica aprendida, derivou-se -naturalista no Brasil: O mulato (1881), Casa de pensão (1884)
a composição das personagens de seus romances, sempre e O cortiço (1890), sendo este último o romance de maior
representativas e, por vezes, caricaturais. profundidade produzido pelo autor. Nessa tríade naturalista,
Com o falecimento do pai em 1878, foi obrigado a re- alguns temas – muitos deles considerados tabus – fo-
tornar ao Maranhão para cuidar da família. No ano seguinte, ram explorados por Aluísio, como racismo, sexualidade,
iniciou a vida de escritor com o “dramalhão romântico” Uma opressão aos trabalhadores, instintos dos habitantes dos
lágrima de mulher. Engajado no mérito da abolição da es- “trópicos” e desigualdade social.
cravatura – em relação à qual muitos padres se mostraram
contrários, passou a colaborar com o jornal anticlerical O mulato (1881)
O pensador. Em 1881, com a publicação do romance

Almeida Júnior/Wikimedia Commons (Domínio público)


O mulato, Aluísio Azevedo adquiriu maturidade literária ao
tematizar o preconceito racial na sociedade maranhense,
assunto que provocou polêmica. Essa obra foi considerada
o primeiro grande romance Naturalista, sendo bem recebi-
do pela Corte, o que motivou o retorno do autor ao Rio de
Janeiro para, então, ganhar a vida como escritor.
A fim de se sustentar, Aluísio passou a publicar obras
menores em folhetins dos jornais da época. Depois, perce-
beu ser urgente uma nova abordagem dos agrupamentos
humanos, da vida em sociedade, das casas de pensão de-
gradadas e do processo de exploração da mão de obra
imigrante, focalizando o português. Do desenvolvimento
dessas temáticas, foram compostos seus melhores pro-
dutos literários: Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890).
Faleceu, em Buenos Aires, aos 56 anos.

Atenção
Um resumo de uma obra literária não substitui sua leitura na íntegra.
Conhecer ao menos o enredo de determinados romances – das
obras realistas-naturalistas citadas neste capítulo, por exemplo – é
importante, mas mais significativo que isso é observar a linguagem
empregada. Esta transformou Aluísio Azevedo em um clássico da lite-
ratura e o possibilitou fazer história na cultura brasileira. Cabe entrar Fig. 6 Almeida Júnior, O derrubador brasileiro, 1879, óleo sobre tela, Museu
em contato com a linguagem do Naturalismo: ela é forte, intensa e Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brasil.
exige fôlego do leitor a cada página.
A obra O mulato, precursora do Naturalismo no Brasil,
aborda, em seu enredo, o preconceito racial, a atmosfera
provinciana da época e, de maneira crítica, o clero. Sua per-
Principais obras naturalistas de Aluísio sonagem Raimundo é um homem negro de olhos azuis que
Azevedo volta de Portugal para São Luís, no Maranhão. Raimundo
A biografia de Aluísio Azevedo é marcada por um fato desperta paixão na prima Ana Rosa, com quem é proibido
relevante: ele foi o primeiro escritor do Brasil a sobrevi- de se casar em virtude da visão preconceituosa das suas
ver de literatura. Para tal, primeiro atendeu aos gostos do origens, já que o rapaz era filho de uma ex-escravizada.
público, produzindo textos melodramáticos e facilmente Assim, dramas de folhetins românticos se entrelaçam às

244 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


denúncias sociais, e crimes diversos têm lugar no enre- Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem.
do, como os castigos escravagistas aplicados à mãe, que Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte
enlouquece, e o assassinato do pai de Raimundo. Por fim, braças que separavam a venda do sobrado do Miranda, um
o leitor conhece o mandante dos delitos: o padre Diogo – grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de
personagem imoral, racista e sem escrúpulos. vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão no centro,
onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por
Casa de pensão (1884) cima de uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito
a tinta encarnada e sem ortografia:
Na obra, a personagem Amâncio é um maranhense “Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas
rico e namorador que parte para o Rio de Janeiro para para lavadeiras”.
estudar Medicina. João Coqueiro quer atrair Amâncio para As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia; tudo
sua pensão e, ainda, despertar o interesse do moço pela pago adiantado. [...]
irmã Amélia. O relacionamento entre os dois se efetiva, e AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 17.
eles passam a viver juntos; assim, João Coqueiro fica sa-
O romance traça um panorama sobre o modo de vida
tisfeito com o futuro casamento da irmã com o rapaz rico.
das classes populares e personagens de variadas etnias
Entretanto, Amâncio abandona a moça e parte para a casa
convivendo no mesmo ambiente – essa miscigenação tão
da mãe. João se enfurece e acaba por denunciar em falso
distinta entre si é novidade nos romances brasileiros. Além
testemunho Amâncio como estuprador da irmã. Para vingar
disso, a obra retrata a relação entre dois homens de nacio-
a honra da família, João Coqueiro mata Amâncio, em seu
nalidades diferentes: o português e o brasileiro. O primeiro
quarto, com seis tiros.
é o explorador em busca do enriquecimento; o último, o
explorado, visto como ser inferior ao europeu.
O cortiço (1890)
Para produzir a obra, Aluísio Azevedo foi ao cerne da
O romance O cortiço é a expressão máxima da escola questão, coletando informações com os cavouqueiros (tra-
naturalista no Brasil. Publicado em 1890, trata-se de um balhadores das pedreiras), as lavadeiras e os vendedores,
desfile dos mais variados tipos humanos vivendo juntos, observando o modo de falar de cada um, ouvindo os sons
provando a teoria determinista de que um ambiente deterio- característicos dos cortiços, sentindo seus cheiros e notando
rado pode degradar e corromper seus habitantes. A ficção com atenção o lado promíscuo de alguns, a fim de reproduzir
retrata figuras marginalizadas na época, como operários, com fidelidade essas características em suas personagens.
lavadeiras, mascates, prostitutas e homossexuais, todos Esses fatores se tornaram registros, que, além de ficção de
dividindo o espaço em um cortiço. qualidade, são um documento de uma época e de um gra-
ve problema social que se instaurava naquele momento de
Características da obra O cortiço industrialização no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro.
O cortiço corresponde ao reflexo de teorias cientifi-
cistas e filosóficas europeias – mais especificamente o A diversidade no cortiço
determinismo e o evolucionismo –, bem como do quadro O romance apresenta inúmeras personagens nomeadas
sociológico das transformações pelas quais o Brasil passava e caracterizadas por sua ocupação e personalidade. A des-
naquele tempo, focalizando o Rio de Janeiro. Na época, a crição das personagens a seguir, ainda que não substitua a
cidade carioca se desenvolveu expressivamente graças ao leitura da obra, proporcionará um olhar mais apurado da trama.
capital que, até então, era usado para atividades ligadas
ao tráfico negreiro. João Romão: português de baixa estatura, com barba sem-
Com a expansão do comércio de gás, da navega- pre por fazer, sovina e com ares de cobiça. É dono do
ção e do transporte, inúmeras fábricas dos mais variados cortiço e da pedreira e não mede esforços para acumular ri-
quezas; dorme sobre o balcão do próprio armazém e faz do
gêneros se instalaram no Rio de Janeiro, o que aumen-
trabalho a sua vida, privando-se dos mais simples prazeres.
tou consideravelmente o número de pessoas que se
mudavam para lá. Os novos habitantes passaram a se Miranda: também português, vive em um sobrado ao lado
aglomerar em moradias coletivas chamadas cortiços. do cortiço de João Romão, que o inveja por sua condição
Não havia conforto, higiene ou privacidade nessas aglo- social. É casado por conveniência com Estela, mulher com
merações, e, mesmo diante de tal situação precária, elas alguns casos extraconjugais.
eram, muitas vezes, disputadíssimas, e os seus morado-
Bertoleza: escravizada fugida que acredita ter sido alforria-
res obrigados a pagar adiantado um valor considerável
da e passa toda a trama prestando serviços humildemente
de aluguel.
a João Romão; vive como amante do “patrão”, é quitandeira
FRENTE 2

e limpa os peixes que darão apelido aos moradores do


Saiba mais
cortiço – “carapicus”.
Na segunda metade do século XIX, o Brasil passou por profundas
transformações que afetaram drasticamente a sua situação político- Cortiço: habitação coletiva da classe menos favorecida do fim do
-econômica e, consequentemente, suas artes. É nesse contexto que século XIX. Com instalações precárias e cômodos geralmente úmidos
emerge O cortiço, já que uma obra literária busca, muitas vezes, ser e mal ventilados, os cortiços são ocupados por um número muito
o reflexo da sociedade. grande de pessoas.

245
Jerônimo: português íntegro e bom. Inicialmente, apresen- Jerônimo é um português caracterizado, inicialmente,
ta-se como marido e pai gentil. Apaixona-se por Rita Baiana como um trabalhador honesto, marido íntegro e bom pai.
e passa por um “abrasileiramento”, degradando-se. Segundo o narrador, a personagem, já em terras cariocas,
acaba por se esvaziar da coragem de outrora e se torna
Piedade: esposa de Jerônimo, que é traída e abandonada
preguiçoso, indisciplinado e transgressor da moral. Desse
pelo marido; alcança, depois disso, sua completa degrada-
modo, a narrativa apregoa que o Brasil opera em Jerônimo
ção e é expulsa do cortiço.
uma “revolução tropical”, causada pelo sol e pela atração
Rita Baiana: conforme apontado no livro, é uma mulher que o rapaz sente por Rita Baiana. A sensualidade da mu-
negra dotada da sensualidade e do fascínio que contribuem lher brasileira é fator preponderante para que observemos
para a transformação de Jerônimo. uma transformação em Jerônimo, também abalado pela
música e pela dança. O rapaz se torna pura luxúria, pois,
O ser humano determinado pelo meio segundo a concepção da época, o cheiro e a luz do Rio de
O cortiço, uma habitação coletiva, é o espaço principal Janeiro são afrodisíacos.
do romance; esse importante cenário do enredo acaba se Comprovando o determinismo do meio, Jerônimo tor-
tornando o grande protagonista da obra. De sua entrada na-se indolente, preguiçoso e apreciador imoderado de
até os fundos (a pedreira), o espaço é descrito em toda sua fumo, de café, de cachaça e de sexo. Assim, ele deixa de
decrepitude: é sujo, malcheiroso, abarrotado de gente de trabalhar na terra e se deixa levar pelos prazeres, ao contrá-
péssimos hábitos de higiene, está em condições deplorá- rio de João Romão, também português e dono do cortiço,
veis e nele acontecem relações promíscuas. que triunfa sobre o meio e não é dominado por ele.
Uma das teorias da linha do Naturalismo tomada como
referência para a produção dessa obra – o determinismo, de João Romão: o êxito do ser humano sobre o meio
Hippolyte Taine – indica que o meio é capaz de determinar o João Romão é um português que se destaca pela
comportamento dos seres e modificá-los. Logo, o cortiço e sua força, pois, diferentemente de Jerônimo, não se submete
sordidez abrigaram também gente decrépita, suja e promíscua. ao meio. É um vendeiro que ascende na nova terra à custa
Os adjetivos para as personagens locais parecem cruéis, mas da exploração dos outros, principalmente de Bertoleza,
é o que se pretendia com a linguagem realista-naturalista: a uma escravizada fugida para quem ele acaba falsificando
observação e descrição objetivas da realidade circundante. uma carta de alforria. Todos os esforços de João Romão
Em grupo, os indivíduos devem moldar-se, adaptar-se se concentram em ocupar uma posição social superior,
ao ambiente; portanto, não podemos dizer que em O cortiço equiparando-se ao invejado Miranda, também português e
alguém figura como personagem principal, visto que, como vizinho do cortiço, morador de um sobrado “aristocrático”.
apontam muitos estudiosos, é o ambiente coletivo, ou seja, Por esse motivo, João Romão utiliza, de forma doen-
o próprio cortiço que pode ser considerada a personagem tia, recursos para guardar dinheiro. É ambicioso, rouba os
principal do livro. Observe os trechos a seguir, em que a clientes no armazém e abusa da companheira Bertoleza,
habitação ganha ares humanos. tanto do trabalho braçal quanto do corpo dela, acumulan-
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrin-
do primitivamente capital a fim de alcançar certa fortuna.
do, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas É ele quem cria o mundo do cortiço e o reduz ao feroz
alinhadas. antro fétido descrito na obra. Entretanto, João Romão
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 29. se nega a interagir com a desordem instaurada e com
a sensualidade/sexualidade sempre muito presentes na
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade rotina do local.
quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer
Com o único objetivo de ascender socialmente, tor-
um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar
na-se um ser humano desprezível. Por fim, consegue
espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como
uma considerável fortuna, conquistando certa admiração
larvas no esterco.
de Miranda, que acabara de receber o título de barão.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 18.
João agora compreende que seu império fora cons-
Ao recurso apresentado nos trechos anteriores, dá-se truído sobre o vazio. Tenta, a todo custo, casar-se com a
o nome de personificação (ou prosopopeia), em que algo vizinha Zulmira, filha de Miranda, como modo de pôr fim
inanimado, no caso a habitação coletiva, adquire vida e à sua existência nula e solitária, mas vê Bertoleza como
sentidos. Assim, justifica-se a tese de que o cortiço pode um grande problema. Como se casar com uma jovem aris-
ser considerado o protagonista do romance. tocrata tendo a escravizada fugida sob seu teto como
amásia? Ela já não lhe servia mais, era apenas um estorvo
Sobre o clima dos trópicos: o português em terras do qual ele precisava se livrar.
brasileiras Nessa passagem da história, Aluísio Azevedo nos
Além do cenário do cortiço, Aluísio Azevedo abordou brinda com uma forte cena, carregada de pessimismo e
a questão do “abrasileiramento” em sua obra. Não só a crueldade típicas do Realismo-Naturalismo: João Romão,
moradia pobre altera o comportamento da personagem, que forjara a carta de alforria de Bertoleza e a enganara
mas também a natureza tropical do Brasil, a qual é capaz para explorar sua mão de obra, denuncia a mulher ao filho
de modificar a estrutura emocional do estrangeiro. de seu antigo dono, a fim de que ela fosse capturada e

246 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


levada de volta ao cativeiro. Em seguida, constrói-se a Atenção
cena desoladora da exasperação de Bertoleza, a qual
se desespera diante da farsa do amante e crava em seu Nesse momento de ascensão de João Romão, o cortiço também
passa por um processo de renovação; assim, após a briga com o
ventre o mesmo facão com que rotineiramente limpava
cortiço rival, Cabeça-de-Gato, o ambiente desorganizado dá lugar
os peixes, rasgando-o. a um espaço reestruturado. O cortiço velho, chamado Carapicus,
Atravessaram o armazém, depois de um pequeno corredor transforma-se em um novo cortiço, que recebe o nome de Vila São
Romão. Este é limpo e organizado, já que o acúmulo de capital de
que dava para um pátio calçado, e chegaram finalmente à
seu proprietário, João Romão, estende-se ao ambiente coletivo,
cozinha. Bertoleza, que havia já feito subir o jantar dos cai- tornando-o renovado e urbanizado. Outro triunfo de seu projeto de
xeiros, estava de cócoras no chão, escamando peixe, para a ascensão é o sobrado que constrói, o qual define a sua entrada nas
ceia do seu homem, quando viu parar defronte dela aquele classes superiores e desbanca o sobrado do vizinho Miranda.
grupo sinistro.
Reconheceu logo o filho mais velho do seu primeiro se-
nhor, e um calafrio percorreu-lhe o corpo. Num relance de
Os instintos e a animalização do ser humano
grande perigo compreendeu a situação: adivinhou tudo com Em O cortiço, também é possível identificar o deter-
a lucidez de quem se vê perdido para sempre; adivinhou que minismo dos instintos sobre a racionalidade, visto que o
tinha sido enganada; que a sua carta de alforria era uma men- cenário é degradante e convida à liberação do lado mais
tira, e que o seu amante, não tendo coragem para matá-la, “animal” das personagens. Não há pudores no trato, na
restituía-a ao cativeiro. fala e no comportamento, e o ser humano é reduzido a
Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunva- um bicho que precisa de alimento e de sexo para seguir
gou os olhos em torno de si, procurando escapulir, o senhor bem com a vida. Satisfazendo essas necessidades bási-
adiantou-se dela e segurou-lhe o ombro. cas, as personagens são concebidas sem complexidade
— É esta! disse aos soldados, que, com um gesto, inti- psicológica: elas comem, bebem, brigam, fazem sexo e
maram a desgraçada a segui-los. — Prendam-na! É escrava se pervertem (nesse caso, trata-se da perversidade vista
minha! como índice de corrupção e degeneração). Observe o
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, seguinte trecho:
com uma das mãos espalmadas no chão e com a outra se- [...] depois de correr meia légua, puxando uma carga su-
gurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem perior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça,
pestanejar. estrompado como uma besta.
Os polícias, vendo que ela se não despachava, desem- Daí a pouco, em volta das bicas era um zum-zum crescen-
bainharam os sabres. Bertoleza, então, erguendo-se com te; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas.
ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que As corridas até a venda reproduziam-se, transformando-se
alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro num verminar constante de formigueiro assanhado.
e fundo rasgara o ventre de lado a lado. A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha
E depois emborcou para frente, rugindo e esfocinhando a “Machona”, portuguesa feroz, berradora, pulsos cabeludos
moribunda numa lameira de sangue. e grossos, anca de animal do campo.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. [s.l]: Nova Fronteira, 2014. AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 5, 29 e 31.

Pedro Weingärtner/Wikimedia Commons (Domínio público)

FRENTE 2

Fig. 7 Pedro Weingärtner, La faiseuse d’anges, 1908, óleo sobre tela, Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil. Essa obra é intitulada A fazedora de anjos,
inspirada em casos de mulheres que eram pagas para “criar” os bebês indesejados de moças burguesas.

247
Saiba mais No lugar em que estivera deitada o capim verde ficou ma-
tizado de pontos vermelhos. A mãe lavava à tina, ela chamou-a
Para entender o processo de construção das personagens de Aluísio com instância, enfiando cheia de alvoroço pelo número 15.
Azevedo no Naturalismo, é necessário lembrar do conceito de zoomor- E aí, sem uma palavra, ergueu as saias do vestido e expôs a
fização – que consiste na animalização do ser humano, ou seja, em Dona Isabel as suas fraldas ensanguentadas.
atribuir a ele características de animais. Mais que um mero recurso para — Veio?! – perguntou a velha com um grito arrancado do
a composição da linguagem, a zoomorfização é um conceito importante fundo d’alma.
da estética naturalista, cuja ideia era mostrar o ser humano em seu lado A rapariga meneou a cabeça afirmativamente, sorrindo fe-
instintivo e irracional, bastante influenciado pelo meio em que vivia. liz e enrubescida. As lágrimas saltaram dos olhos da lavadeira.
— Bendito e louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo! ex-
clamou ela, caindo de joelhos defronte da menina e erguendo
Entre as personagens do romance O cortiço, desta-
para Deus o rosto e as mãos trêmulas.
ca-se Pombinha – a “flor do cortiço” –, cuja transformação Depois abraçou-se às pernas da filha e, no arrebatamento
é marcante e delineia o forte apelo naturalista do autor. de sua comoção, beijou-lhe repetidas vezes a barriga e parecia
A princípio, Pombinha é apresentada como um escudo à querer beijar também aquele sangue abençoado, que lhes abria
forma de vida instintiva do local. A moça vive a adoles- os horizontes da vida, que lhes garantia o futuro; aquele sangue
cência sem sinais de menstruação, o que, simbolicamente, bom, que descia do céu, como a chuva benfazeja sobre uma
caracteriza-a ainda como uma menina, considerada pura e pobre terra esterilizada pela seca.
ingênua. Pombinha é prometida em casamento a um bom AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 138.
moço, e a primeira menstruação dela é ovacionada por sua — Não! Para quê!... Não quero despir-me...
mãe, que considera o sangue um milagre, um símbolo de — Mas faz tanto calor... Põe-te a gosto...
fertilidade e bonança. Assim, Pombinha também começa a — Estou bem assim. Não quero!
viver as primeiras experiências sexuais e aflora para a vida — Que tolice a tua...! Não vês que sou mulher, tolinha?...
em um encontro com Léonie, uma prostituta. A mocinha De que tens medo?... Olha! Vou dar exemplo!
casa-se em seguida, mas já não é a mesma menina que E, num relance, desfez-se da roupa, e prosseguiu na
amara o noivo um dia, mas sim uma mulher transformada campanha.
pelas circunstâncias da vida. Ela passa a trair o marido cons- A menina, vendo-se descomposta, cruzou os braços sobre
tantemente e só encontra felicidade plena quando passa a o seio, vermelha de pudor.
viver definitivamente um romance com Léonie e também se — Deixa! – segredou-lhe a outra, com os olhos envesga-
torna prostituta. Assim, surge o questionamento: tais even- dos, a pupila trêmula.
tos evidenciam seu instinto, sua essência ou a influência E, apesar dos protestos, das súplicas e até das lágrimas
da infeliz, arrancou-lhe a última vestimenta, e precipitou-se
do meio sobre ela?
contra ela, a beijar-lhe todo o corpo, a empolgar-lhe com os
Pombinha ergueu-se de um pulo e abriu de carreira lábios o róseo bico do peito.
para casa. AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Nobel, 2009. p. 138.

Revisando
Observe os dois excertos de romances a seguir. O diáfano onde a fantasia se embebe com a voluptuosidade
primeiro trecho refere-se à caracterização romântica casta da criança a aconchegar-se dentro, tão dentro do
de duas personagens da obra Til, de José de Alen- grêmio materno.
car, o maior prosador do Romantismo brasileiro; já o ALENCAR, José de. Til. São Paulo: L&PM, 2012.

segundo foi retirado de O cortiço, de Aluísio Azeve- Entretanto, das portas surgiam cabeças congestiona-
do. Leia-os atentamente para responder às questões das de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o
de 1 a 3. marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte;
Eram dois, ele e ela, ambos na flor da beleza e da começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café
mocidade. O viço da saúde rebentava-lhes no encarnado aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de ja-
das faces, mais aveludadas que a açucena-escarlate recém- nela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; [...]
-aberta ali com os orvalhos da noite. No fresco sorriso dos e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças
lábios, como nos olhos límpidos e brilhantes, brotava-lhes que ainda não andam. No confuso rumor que se formava,
a seiva d’alma. destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se
Ela, pequena, esbelta, ligeira, buliçosa, saltitava sobre saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar
a relva, gárrula e cintilante do prazer de pular e correr [...]. de galinhas. [...]
Ele, alto, ágil, de talhe robusto e bem conformado, Daí a pouco, em volta das bicas era um zum-zum cres-
calcando o chão sob o grosseiro soco da bota com a bi- cente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas.
zarria de um príncipe [...]. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo
Sete horas da manhã haviam de ser. A luz de um Sol do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos.
esplêndido fluía no éter [...]. O céu arreava-se do azul O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender

248 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a Era alta e esbelta. Tinha um desses talhes flexíveis
tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam e lançados, que são hastes de lírio para o rosto gentil;
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco [...]. porém na mesma delicadeza do porte esculpiam-se os
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Melhoramentos, 2015. contornos mais graciosos com firme nitidez das linhas e
uma deliciosa suavidade nos relevos.
Não era alva, também não era morena. Tinha sua tez
1 De que forma a linguagem naturalista se afasta da lin- a cor das pétalas da magnólia, quando vão desfalecendo
guagem romântica? ao beijo do Sol. Mimosa cor de mulher, se a aveluda a
pubescência juvenil, e a luz coa pelo fino tecido, e um
sangue puro a escumilha de róseo matiz. A dela era assim.
Uma altivez de rainha cingia-lhe a fronte, como dia-
dema cintilando na cabeça de um anjo. Havia em toda
a sua pessoa um quer que fosse de sublime e excelso
que a abstraía da terra. Contemplando-a naquele instante
de enlevo, dir-se-ia que ela se preparava para sua celeste
ascensão.
ALENCAR, José de. Diva. São Paulo: FTD, 2012. p. 21-2.

Era muito bem feita de quadris e de ombros. Esparti-


lhada, como estava naquele momento, a volta enérgica da
cintura e a suave protuberância dos seios, produziam nos
sentidos de quem a contemplava de perto uma deliciosa
impressão artística.
Sentia-se-lhe dentro das mangas do vestido a trêmula
2 O trecho da obra O cortiço nos apresenta, em um carnadura dos braços; e os pulsos apareciam nus, muito
mesmo espaço, homens e animais com sentidos agu- brancos, chamalotados de veiazinhas sutis, que se pro-
çados. Qual é a finalidade de tal aproximação? longavam serpeando. Tinha as mãos finas e bem tratadas,
os dedos longos e roliços, a palma cor-de-rosa e as unhas
curvas como o bico de um papagaio.
Sem ser verdadeiramente bonita de rosto, era muito
simpática e graciosa. Tez macia, de uma palidez fresca
de camélia; olhos escuros, um pouco preguiçosos, bem
guarnecidos e penetrantes; nariz curto, um nadinha arre-
bitado, beiços polpudos e viçosos, à maneira de uma fruta
que provoca o apetite e dá vontade de morder. Usava o
cabelo cofiado em franjas sobre a testa, e, quando queria
ver ao longe, tinha de costume apertar as pálpebras e abrir
ligeiramente a boca.
AZEVEDO, Aluísio. Casa de pensão. 5 ed. São Paulo: Ática, 1989.

3 Como o ambiente influencia a composição do perfil É possível perceber diferenças tanto no que a tange às
das personagens? descrições físicas e psicológicas das duas mulheres
quanto no modo como cada uma é concebida pelo
narrador. Com base nisso, relacione a diferença es-
sencial entre as duas personagens considerando os
princípios estéticos do Romantismo e do Naturalismo. FRENTE 2

4 Os trechos a seguir descrevem personagens femi-


ninas, o primeiro sob a perspectiva romântica e o
segundo sob o ponto de vista naturalista. Leia-os com
atenção.
Não é possível idear nada mais puro e harmonioso
do que o perfil dessa estátua de moça.

249
Observe a imagem a seguir para responder às questões de 5 a 7.

Fonte: Instituto Akatu - www.akatu.org.br/Leo Burnett Tailor Made/2005

5 A imagem apresentada é uma propaganda publicitária. Seu objetivo é provocar o leitor e instigá-lo, partindo do conceito
de que sua indiferença não lhe permite perceber que a foto está invertida. A que reflexões essa proposta poderia levar
o expectador da imagem?

6 Considerando o modo de vida em um ambiente coletivo, como podemos aproximar a situação de um cortiço no sé-
culo XIX ao de uma comunidade carente no século XXI?

7 Por meio de sua obra, Aluísio Azevedo apresentou o modo como as pessoas viviam em cortiços antigamente. Des-
creva como a vida em ambientes coletivos é representada atualmente, justificando sua resposta com exemplos de
filmes, livros, entre outros.

250 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


8 Leia um trecho do romance naturalista O cortiço, de Aluísio Azevedo:
E na sua alma enfermiça e aleijada, no seu espírito rebelde de flor mimosa e peregrina criada num monturo, violeta infeliz,
que um estrume forte demais para ela atrofiara, a moça pressentiu bem claro que nunca daria de si ao marido que ia ter uma
companheira amiga, leal e dedicada; pressentiu que nunca o respeitaria sinceramente como a um ser superior por quem damos
a vida; que nunca lhe votaria entusiasmo, e por conseguinte nunca lhe teria amor; desse de que ela se sentia capaz de amar
alguém, se na terra houvera homens dignos disso. Ah! Não o amaria decerto, porque o Costa era como os outros, passivo e
resignado, aceitando a existência que lhe impunham as circunstâncias, sem ideais próprios, sem temeridades de revolta, sem
atrevimentos de ambição, sem vícios trágicos, sem capacidade para grandes crimes; era mais um animal que viera ao mundo
para propagar a espécie; um pobre diabo enfim que já a adorava cegamente e que mais tarde, com ou sem razão, derramaria
aquelas mesmas lágrimas, ridículas e vergonhosas, que ela vira decorrendo em quentes camarinhas pelas ásperas e maltratadas
barbas do marido de Leocádia.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. p. 73-4. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000003.pdf>. Acesso em: 4 jan. 2018.

O trecho apresentado é sobre Pombinha. Levando-se em consideração a transformação dessa personagem no de-
correr do romance, pode-se armar que ela é um exemplo da inuência do determinismo ambiental presente na
obra? Justique sua resposta.

9 Leia o texto a seguir, um fragmento do livro Cidade de Deus, de Paulo Lins.


Cidade de Deus
Cidade de Deus deu a sua voz para as assombrações dos casarões abandonados, escasseou a fauna e a flora, remapeou
Portugal Pequeno e renomeou o charco: Lá em Cima, Lá na Frente, Lá Embaixo, Lá do Outro Lado do Rio e Os Apês.
Ainda hoje, o céu azula e estrelece o mundo, as matas enverdecem a terra, as nuvens clareiam as vistas e o homem inova
avermelhando o rio. Aqui agora uma favela, a neofavela de cimento, armada de becos-bocas, sinistros-silêncios, com gritos-de-
sesperos no correr das vielas e na indecisão dasencruzilhadas.
Os novos moradores levaram lixo, latas, cães vira-latas, exus e pombagiras em guias intocáveis, dias para se ir à luta,
soco antigo para ser descontado, restos de raiva de tiros, noites para velar cadáveres, resquícios de enchentes, biroscas, feiras
de quartas-feiras e as de domingos, vermes velhos em barrigas infantis, revólveres, orixás enroscados em pescoços, frango de
despacho, samba de enredo e sincopado, jogo do bicho, fome, traição, mortes, jesus cristos em cordões arrebentados, forró
quente para ser dançado, lamparina de azeite para iluminar o santo, fogareiros, pobreza para querer enriquecer, olhos para
nunca ver, nunca dizer, nunca olhos e peito para encarar a vida, despistar a morte, rejuvenescer a raiva, ensanguentar desti-
nos, fazer a guerra e para ser tatuado. Foram atiradeiras, revistas Sétimo Céu, panos de chão ultrapassados, ventres abertos,
dentes cariados, catacumbas incrustadas nos cérebros, cemitérios clandestinos, peixeiros, padeiros, missa de sétimo dia, pau
para matar a cobra e ser mostrado, a percepção do fato antes do ato, gonorreias mal curadas, as pernas para esperar ônibus,
as mãos para o trabalho pesado, lápis para as escolas públicas, coragem para virar a esquina e a sorte para o jogo de azar.
Levaram também as pipas, lombo para polícia bater, moedas para jogar porrinha e força para tentar viver. Transportaram
também o amor para dignificar a morte e fazer calar as horas mudas.
Por dia, durante uma semana, chegavam de trinta a cinquenta mudanças do pessoal que trazia no rosto e nos móveis
as marcas das enchentes. Estiveram alojados no estádio de futebol Mario Filho e vinham em caminhões estaduais cantando:
“Cidade Maravilhosa
FRENTE 2

cheia de encantos mil...”


Em seguida, moradores de várias favelas e da Baixada Fluminense habitavam o novo bairro, formado por casinhas
fileiradas brancas, rosas e azuis. Do outro lado do braço esquerdo do rio, construíram Os Apês, conjunto de prédios de
apartamentos de um e dois quartos, alguns com vinte e outros com quarenta apartamentos, mas todos com cinco andares.
Os tons vermelhos do barro batido viam novos pés no corre-corre da vida, na disparada de um destino a ser cumprido. O
rio, a alegria da molecada, dava prazer, areia, rã e muçum, não estava de todo poluído.
LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo: Planeta, 2012.

251
A obra Cidade de Deus, de Paulo Lins (1997), é fruto de um estudo antropológico do autor dos anos de 1986 a 1993.
Ele morou na própria favela Cidade de Deus, de onde tirou a matéria viva para todo o enredo do livro. As situações
se baseiam em fatos reais, a violência é a grande personagem da história. A obra impressionou os leitores e a crítica
não só pela qualidade literária, mas também por seu caráter documental e verossímil. Sendo assim, responda:
a) Explique a questão da verossimilhança na obra.

b) De que forma esse caráter documental pode ser visto na obra?

c) Relacione o trecho da obra Cidade de Deus às características do Naturalismo.

Exercícios propostos
1 Unesp 2012 De certo modo, a primeira fonte de ruptura 2 Enem PPL 2018 Quanto às mulheres de vida alegre, detesta-
com o antropocentrismo se encontra na teoria heliocên- va-as; tinha gasto muito dinheiro, precisava casar, mas casar
trica de Nicolau Copérnico, a assim chamada revolução com uma menina ingênua e pobre, porque é nas classes po-
copernicana. A segunda grande ruptura é provocada bres que se encontra mais vergonha e menos bandalheira.
pelo que se poderia chamar, em analogia com a pri- Ora, Maria do Carmo parecia-lhe uma criatura simples, sem
meira, de revolução darwiniana, resultado da obra de essa tendência fatal das mulheres modernas para o adul-
Charles Darwin, A origem das espécies pela seleção na- tério, uma menina que até chorava na aula simplesmente
tural, onde este formula sua famosa teoria da evolução por não ter respondido a uma pergunta do professor! Uma
das espécies. rapariga assim era um caso esporádico, uma verdadeira ex-
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia, 2001. (Adapt.) ceção no meio de uma sociedade roída por quanto vício há
no mundo. Ia concluir o curso, e, quando voltasse ao Ceará,
A partir do texto, explique o signicado do termo
pensaria seriamente no caso. A Maria do Carmo estava mes-
“antropocentrismo” e descreva por que as obras de mo a calhar: pobrezinha, mas inocente...
Copérnico e de Darwin são apresentadas como mo- CAMINHA, A. A normalista. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br.
mentos de ruptura com essa centralidade. Acesso em: 16 maio 2016.

252 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


Alinhado às concepções do Naturalismo, o fragmento 4 FGV 2017 Observe este quadro, para responder ao
do romance de Adolfo Caminha, de 1893, identica e que se pede.
destaca nos personagens um(a)

Caipira picando fumo, Almeida JÚnior. <http://pinacoteca.org.br>.


A compleição moral condicionada ao poder aquisitivo.
 temperamento inconstante incompatível com a
vida conjugal.
c formação intelectual escassa relacionada a desvios
de conduta.
d laço de dependência ao projeto de reeducação de
inspiração positivista.
E sujeição a modelos representados por estratifica-
ções sociais e de gênero.

Textos para a questão 3.


Texto 1
Desde que a febre de possuir se apoderou dele to-
talmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais simples,
visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupa-
ção: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e
para a companheira os piores legumes, aqueles que, por
maus, ninguém compraria; as suas galinhas produziam
muito e ele não comia um ovo, do que no entanto gostava
imenso; vendia-os todos e contentava-se com os restos
da comida dos trabalhadores. Aquilo já não era ambição,
era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de
acumular, de reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote,
socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, a) Em O cortiço, do escritor naturalista Aluísio Aze-
ia e vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e vedo, livro publicado apenas três anos antes da
ao capinzal, sempre em mangas de camisa, de tamancos, realização do “Caipira picando fumo”, de Almeida
sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno Júnior, o sol aparece como elemento definidor do
ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo meio brasileiro, estendendo a tudo e a todos sua
de que ele não podia apoderar-se logo com as unhas. influência determinante. Essa mesma preeminên-
Aluísio Azevedo, O Cortiço. cia do sol se manifesta na composição do quadro
Texto 2 de Almeida Júnior, também ele, em sua medida,
tributário das teorias naturalistas? Justifique sua
(...) Rubião é sócio do marido de Sofia, em uma casa de resposta, exemplificando com o tratamento dado
importação, à Rua da Alfândega, sob a firma Palha & Cia. à cor e à luz, no referido quadro.
Era o negócio que este ia propor-lhe, naquela noite, em que
b) Um crítico de arte* que analisou o quadro em
achou o Dr. Camacho na casa de Botafogo. Apesar de fácil,
questão, estudando inclusive suas relações com
Rubião recuou algum tempo. Pediam-lhe uns bons pares
o Naturalismo, escreveu que, em “Caipira pican-
de contos de réis, não entendia de comércio, não lhe tinha
do fumo”, “a ênfase negativa no determinismo do
inclinação. Demais, os gastos particulares eram já grandes;
o capital precisava do regime do bom juro e alguma pou- meio”, própria do naturalismo de Aluísio, é con-
pança, a ver se recobrava as cores e as carnes primitivas. trabalançada pela “apreciação positiva desse
O regime que lhe indicavam não era claro; Rubião não mesmo ambiente e de seus personagens”.
podia compreender os algarismos do Palha, cálculos de Indique, na caracterização da personagem, um
lucros, tabelas de preço, direitos da alfândega, nada; mas, a aspecto em que se manifesta essa “apreciação
linguagem falada supria a escrita. Palha dizia coisas extraor- positiva” de que fala o crítico. Explique.
dinárias, aconselhava o amigo que aproveitasse a ocasião *Rodrigo Naves. “Almeida Júnior: o sol no meio do caminho”.
Novos Estudos CEBRAP. São Paulo, n. 73. Nov. 2005.
para pôr o dinheiro a caminho, multiplica-lo.
Machado de Assis, Quincas Borba.

5 Fuvest 2019 Os trechos seguintes foram extraídos do


FRENTE 2

3 Fuvest 2020 (Adapt.) Como o contraste entre os tre- texto “Casas de cômodos”, que consiste em um apa-
chos “já não era ambição, era uma moléstia nervosa, nhado de impressões recolhidas pelo escritor Aluísio
uma loucura, um desespero de acumular” e “não Azevedo. Leia-os para responder às questões.
entendia de comércio, não lhe tinha inclinação”, res- I. Há no Rio de Janeiro, entre os que não trabalham e
pectivamente sobre as personagens João Romão e conseguem sem base pecuniária fazer pecúlio e até enri-
Rubião, reflete distintas linhas estéticas na prosa bra- quecer, um tipo digno de estudo – é o “dono de casa de
sileira do fim do século XIX? cômodos”; mais curioso e mais completo no gênero que

253
o “dono de casa de jogo”, pois este ao menos representa J As personagens femininas descritas no trecho – e
o capital da sua banca, suscetível de ir à glória, ao passo no romance de maneira geral – são estereotipa-
que o outro nenhum capital representa, nem arrisca, fi- das, respondem ao imaginário da mulata sensual
cando, além de tudo, isento da pecha de mal procedido. e ociosa, especialmente Bertoleza e Rita Baiana.
Quase sempre forasteiro, exercia dantes um ofício na J O narrador em terceira pessoa simpatiza com as
pátria que deixou para vir tentar fortuna no Brasil; mas, personagens populares; tal simpatia está presente
percebendo que aqui a especulação velhaca produz muito em todo o romance, nas inúmeras vezes em que a
mais do que o trabalho honesto, tratou logo de esconder narração em terceira pessoa cede espaço para o
as ferramentas do ofício e de fariscar os meios de, sem
diálogo entre escravos.
nada fazer, fazer dinheiro.
II. (...) há sempre uma quitandeira de quem o dono A sequência correta de preenchimento dos parênte-
da casa de cômodos, começando por merecer a simpatia, ses, de cima para baixo, é
acaba por conquistar a confiança e o amor. Juntam-se e, A V – V – F – F.
quando ela dá por si, está cozinhando e lavando para B F – F – V – V.
todos os hóspedes do eleito do seu coração, sem outros c F – F – F – V.
vencimentos além das carícias, que lhe dá o amado sócio.  F – V – F – V.
Assim chega a empresa ao seu completo desenvolvimento, E V – V – V – F.
e o dono da casa de pensão começa a ganhar em grosso,
acumulando forte, sem trabalhar nunca, nem empregar Texto para as questões de 7 a 10.
capital próprio, até que um dia, farto de aturar o Brasil,
passa com luvas o estabelecimento e retira-se para a pátria, E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a
deixando, naturalmente também com luvas, a preciosa alma pelos olhos enamorados.
quitandeira ao seu substituto. Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese
Aluísio Azevedo, Casas de cômodos. das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era
a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das
a) Que recurso da estética naturalista surge já no sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das
início das notas, feitas em razão do cotidiano na- baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a
cional da época? Justifique. palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhu-
b) Para o leitor de O Cortiço, salta à vista o apro- ma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso;
veitamento que Aluísio Azevedo fez de parte era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do
dessas impressões ao conceber a relação entre caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era
João Romão e Bertoleza. Há também, contudo, a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca
diferenças relevantes. Qual o fator que, central doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do
na sociedade brasileira do século XIX, acentua corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe
o tom perverso do final do romance? Justifique as fibras embambecidas pela saudade da terra, pican-
com base no enredo. do-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue
uma centelha daquele amor setentrional, uma nota da-
quela música feita de gemidos de prazer, uma larva da-
6 UFRGS 2016 Leia o seguinte trecho de O cortiço.
quela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da
A criadagem da família do Miranda compunha-se de Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência
Isaura, mulata ainda moça, moleirona e tola, que gastava afrodisíaca.
todo o vintenzinho que pilhava em comprar capilé na AZEVEDO, Aluísio. O cortiço.
venda de João Romão; uma negrinha virgem, chamada
Leonor, muito ligeira e viva, lisa e seca como um moleque,
conhecendo de orelha, sem lhe faltar um termo, a vasta 7 Fuvest 2015 Em que pese a oposição programática do
tecnologia da obscenidade, e dizendo, sempre que os cai- Naturalismo ao Romantismo, verifica-se no excerto – e
xeiros ou os fregueses da taverna, só para mexer com ela, na obra a que pertence – a presença de uma linha de
lhe davam atracações: “Óia, que eu me queixo ao juiz de continuidade entre o movimento romântico e a cor-
orfe!”; e finalmente o tal Valentim, filho de uma escrava rente naturalista brasileira, a saber, a
que foi de Dona Estela e a quem esta havia alforriado. A exaltação patriótica da mistura de raças.
Sobre o texto acima, assinale com V (verdadeiro) ou B necessidade de autodefinição nacional.
F (falso) as seguintes armações. c aversão ao cientificismo.
J O fragmento reflete o tom geral do romance, no  recusa dos modelos literários estrangeiros.
qual o narrador em terceira pessoa distancia-se E idealização das relações amorosas.
das personagens populares – especialmente as
negras –, pois está atrelado às reduções do cien- 8 Fuvest 2015 Entre as características atribuídas, no tex-
tificismo naturalista que antepõe raça superior a to, à natureza brasileira, sintetizada em Rita Baiana,
raça inferior. aquela que corresponde, de modo mais completo,
J A linguagem do narrador é diferente da linguagem ao teor das transformações que o contato com essa
da personagem: a fala de Leonor não segue o re- mesma natureza provocará em Jeronimo é a que se
gistro linguístico adotado pelo narrador. expressa em:

254 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


A “era o calor vermelho das sestas da fazenda”. mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a
B “era a palmeira virginal e esquiva que se não torce terra com as primeiras águas.
a nenhuma outra planta”. Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro
c “era o veneno e era o açúcar gostoso”. da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica3,
 “era a cobra verde e traiçoeira”. mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acá-
E “[era] a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito cia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos.
tempo em torno do corpo dele”. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho: o aljôfar4 d’água ainda a ro-
9 Fuvest 2015 O efeito expressivo do texto – bem como reja5, como à doce mangaba6 que corou em manhã de
seu pertencimento ao Naturalismo em literatura – ba- chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará7
seia-se amplamente no procedimento de explorar as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da mata,
de modo intensivo aspectos biológicos da natureza. pousado no galho próximo, o canto agreste.
Entre esses procedimentos empregados no texto, só A graciosa ará8, sua companheira e amiga, brinca
NÃO se encontra a junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá
A representação do homem como ser vivo em intera- chama a virgem pelo nome; outras, remexe o uru9 de palha
ção constante com o ambiente. matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos
B exploração exaustiva dos receptores sensoriais fios do crautá10, as agulhas da juçara11 com que tece a
humanos (audição, visão, olfação, gustação), bem renda e as tintas de que matiza o algodão.
como dos receptores mecânicos. Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta.
c figuração variada tanto de plantas quanto de ani- Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua
mais, inclusive observados em sua interação. vista perturba-se.
 ênfase em processos naturais ligados à reprodu- Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerrei-
ção humana e à metamorfose em animais. ro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da
E focalização dos processos de seleção natural como floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o
principal força direcionadora do processo evolutivo. mar, nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas12
armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
10 Fuvest 2015 Para entender as impressões de Jerônimo Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha
diante da natureza brasileira, é preciso ter como pres- embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na
suposto que há face do desconhecido.
A um contraste entre a experiência prévia da perso- De primeiro ímpeto, a mão lesta13 caiu sobre a cruz
nagem e sua vivência da diversidade biológica do da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na
país em que agora se encontra. religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura
B uma continuidade na experiência de vida da per- e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
sonagem, posto que a diversidade biológica aqui O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o
e em seu local de origem são muito semelhantes. sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba14
c uma ampliação no universo de conhecimento da e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
personagem, que já tinha vivência de diversidade A mão que rápida ferira estancou mais rápida e com-
biológica semelhante, mas a expande aqui. passiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou
 um equívoco na forma como a personagem perce- a flecha15 homicida; deu a haste ao desconhecido, guar-
be e vivencia a diversidade biológica local, que não dando consigo a ponta farpada.
comporta os organismos que ela julga ver. O guerreiro falou:
E um estreitamento na experiência de vida da perso- – Quebras comigo a flecha da paz?
nagem, que vem de um local com maior diversidade – Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem
de ambientes e de organismos. de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca
viram outro guerreiro como tu?
11 Unesp 2017 (Adapt.) Para responder à questão, leia o – Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das
segundo capítulo do romance Iracema, do escritor terras que teus irmãos já possuíram e hoje têm os meus.
José de Alencar (1829-1877), publicado em 1865. – Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos ta-
bajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém,
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no
horizonte, nasceu Iracema. pai de Iracema.
(Iracema, 2006.)
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os
FRENTE 2

cabelos mais negros que a asa da graúna1, e mais longos 1 graúna: pássaro de cor negra.
que seu talhe de palmeira. 2 jati: pequena abelha que fabrica delicioso mel.
O favo da jati2 não era doce como seu sorriso, nem a 3 oiticica: árvore frondosa.

baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. 4 aljôfar: pérola; por extensão: gota.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem 5 rorejar: banhar.

corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua 6 mangaba: fruto da mangabeira.

guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, 7 gará: ave de cor vermelha.

255
8 ará: periquito. Em que medida a descrição da personagem Rita
9 uru: pequeno cesto. Baiana afasta-se da descrição de Iracema? Exem-
10 crautá: bromélia.
plique sua resposta com dois trechos retirados do
11 juçara: palmeira de grandes espinhos.
texto de Aluísio Azevedo. Que traço da estética na-
12 ignoto: que ou o que é desconhecido.
turalista se mostra mais visível na descrição de Rita
13 lesto: ágil, veloz.
Baiana?
14 uiraçaba: estojo em que se guardavam e transportavam

as flechas.
15 quebrar a flecha: maneira simbólica de se estabelecer
12 Fuvest 2017 Considere o excerto em que Araripe Jú-
nior, crítico associado ao Naturalismo, refere-se ao
a paz entre os indígenas
“estilo” praticado “nesta terra”, isto é, no Brasil.

Agora, leia o trecho do romance O cortiço, de Aluísio O estilo, nesta terra, é como o sumo da pinha, que,
Azevedo (1857-1913), publicado em 1890. quando viça, lasca, deforma-se, e, pelas fendas irregulares,
poreja o mel dulcíssimo, que as aves vêm beijar; ou como
E [Jerônimo] viu a Rita Baiana, que fora trocar o ves- o ácido do ananás do Amazonas, que desespera de sabor,
tido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para deixando a língua a verter sangue, picada e dolorida.
dançar. A lua destoldara-se nesse momento, envolvendo-a a) O modo pelo qual o crítico explica a feição que
na sua coma1 de prata, a cujo refulgir os meneios da mesti- o “estilo” assume “nesta terra” indica que ele
ça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, compartilha com o Naturalismo um postulado
simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, fundamental. Qual é esse postulado? Explique re-
com muito de serpente e muito de mulher. sumidamente.
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, b) As características de estilo sugeridas pelo críti-
rebolando as ilhargas2 e bamboleando a cabeça, ora para
co, no excerto, aplicam-se ao romance O ortiço,
a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão
de Aluísio Azevedo? Justifique sucintamente sua
de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha
resposta.
ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando
de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse
afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se 13 UFG 2014 Leia o texto a seguir:
não toma pé e nunca se encontra fundo. Mas o cortiço já não era o mesmo; estava muito di-
[...] ferente; mal dava ideia do que fora. O pátio, como João
Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demô- Romão havia prometido, estreitara-se com as edificações
nio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de novas; agora parecia uma rua, todo calçado por igual e
cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam iluminado por três lampiões grandes simetricamente dis-
ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aque- postos. […] notavam-se por último na estalagem muitos
la voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e inquilinos novos, que já não eram gente sem gravata e
suplicante. sem meias. A feroz engrenagem daquela máquina terrível,
[...] que nunca parava, ia já lançando os dentes a uma nova
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese camada social que, pouco a pouco, se deixaria arrastar
das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era inteira lá para dentro.
a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 20 ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 181-2.
sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das
O trecho transcrito ilustra as transformações física e
baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a
social ocorridas no cortiço, que se relacionam aos
palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma
outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era
novos rumos estabelecidos por João Romão em sua
o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, vida. Considerando esse episódio no contexto geral
que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a do romance, responda:
cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca a) Que transformação física foi essa e qual sua cau-
doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do sa imediata?
corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe b) Que relação direta se estabelece entre as mudanças
as fibras embambecidas pela saudade da terra, pican- ocorridas na vida de João Romão e a transformação
do-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma social dos novos moradores do cortiço?
centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela
música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela 14 UFRGS 2018 Leia o trecho final de O cortiço.
nuvem de cantáridas3 que zumbiam em torno da Rita
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe,
Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência
com uma das mãos espalmada no chão e com a outra
afrodisíaca.
segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles,
(O cortiço, 2012.)
sem pestanejar.
1 coma: cabeleira. Os policiais, vendo que ela se não despachava, de-
2 ilharga: anca. sembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se
3 cantárida: besouro. com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes

256 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe 16 UFRGS 2014 No bloco superior a seguir, estão listados
certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. dois nomes de personagens da obra O cortiço, de
E depois embarcou para a frente, rugindo e esfoci- Aluísio Azevedo; no inferior, descrições dessas per-
nhando moribunda numa lameira de sangue. sonagens.
João Romão fugira até ao canto mais escuro do arma- 1. Pombinha 2. Rita Baiana
zém, tapando o rosto com as mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. J É loura, pálida, com modos de menina de boa família.
Era uma comissão de abolicionistas que vinha, de casaca, J Casa-se, a fim de ascender socialmente.
trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito. J Tem farto cabelo, crespo e reluzente.
Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas. J Mantém personalidade inalterada ao longo do
Considere as seguintes armações sobre o trecho. romance.
I. O narrador em terceira pessoa aproxima-se de J Descobre, a certa altura do romance, sua plenitude
Bertoleza, assumindo seu ponto de vista para na prostituição.
desmascarar o falso abolicionismo de João Ro-
A sequência correta de preenchimento dos parênte-
mão; ao mesmo tempo, mantém-se distante dela
ses, de cima para baixo, é
ao descrevê-la com traços animalescos.
A 2 – 1 – 1 – 2 – 1.
II. A morte terrível de Bertoleza destoa do anda- B 1 – 2 – 2 – 1 – 2.
mento geral do romance, marcado pelo lirismo c 1 – 1 – 2 – 1 – 2.
da narração, característica naturalista presente no  1 – 1 – 2 – 2 – 1.
texto de Aluísio Azevedo. E 2 – 2 – 1 – 2 – 1.
III. A última frase do trecho sugere que João Romão
receberá a comissão a despeito do fim de Berto-
17 UFG 2014 No romance O cortiço, de Aluísio Azevedo,
leza, em uma alegoria do Brasil: abolicionista na
tem-se a representação da prestação de serviços do-
sala de visitas, escravocrata na cozinha.
mésticos na sociedade carioca do século XIX. Nesse
Quais estão corretas? sentido, a relação entre o enredo e o espaço do tra-
A Apenas II. balho doméstico de tal período se expressa pelo fato
B Apenas III. de que
c Apenas I e II. A Piedade se torna lavadeira no Brasil, demonstran-
 Apenas I e III. do que os serviços domésticos eram realizados por
E I, II e III. pessoas de diversas classes sociais.
B Bertoleza serve João Romão como criada e aman-
15 UFRGS 2016 Sobre o romance O cortiço, de Aluísio te, o que expressa a presença da cultura escravista
Azevedo, assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as em ambiente urbano.
seguintes afirmações. c Pombinha se muda para a casa de Léonie, compro-
vando a possibilidade de ascensão social por meio
J No início do romance, está o vendeiro português da prostituição.
João Romão que, com força de trabalho e boa dose  Rita Baiana se destaca como exímia dançarina, o
de oportunismo, constrói o cortiço, seu primeiro ca- que reafirma o exercício das atividades artísticas
minho para a ascensão social. como uma especialidade feminina.
J No romance, a ex-escrava Bertoleza é a companhei- E Neném se especializa como engomadeira, o que
ra de João Romão, por ele tratada com respeito, o mostra a incorporação do modelo fordista de pro-
que dá mostras do resolvido. dução ao ambiente familiar.
J No sobrado contíguo ao cortiço de João Romão,
vivem Miranda, Dona Estela e a filha Zulmirinha, fa- 18 UFG 2013 As trajetórias das personagens do romance
mília financeiramente confortável, que cria sinceros O cortiço, de Aluísio Azevedo, são representativas da
vínculos de amizade com João Romão e Bertoleza. força com que o meio age sobre seus comportamen-
J No romance, Dona Estela, sempre descrita pelo tos. Afetadas por essa força, as personagens
narrador como uma dama séria e decorosa, sofre A Albino e Leocádia se tornam promíscuas devido às
más influências dos amigos do cortiço.
com as constantes traições de seu marido Miranda.
B João Romão e Bertoleza se anulam em nome da
FRENTE 2

A sequência correta de preenchimento dos parênte- ambição de fazer progredir o cortiço.


ses, de cima para baixo, é c Miranda e Estela se corrompem à medida que se
A V – F – V – F. aproximam dos moradores do cortiço.
B F – V – F – V.  Jerônimo e Pombinha são transformadas pela sen-
c V – F – F – F. sualidade reinante no cortiço.
 F – F – V – V. E Firmo e Rita Baiana têm seu caráter modificado pela
E V – V – F – V. malandragem própria dos habitantes do cortiço.

257
19 Unicamp 2014 Quase sempre levava-lhe presentes [...] O chorado arrastava-os a todos, despoticamente,
e perguntava-lhe se precisava de roupa ou de calçado. desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém
Mas um belo dia, apresentou-se tão ébrio, que a direto- como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico
ra lhe negou a entrada. [...] Tempos depois, Senhorinha segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada;
entregou à mãe uma conta de seis meses de pensão do aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro
colégio, com uma carta em que a diretora negava-se a que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, que-
conservar a menina [...]. Foi à procura do marido; [...] brada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante. [...]
Jerônimo apareceu afinal, com um ar triste de vicioso en- Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das
vergonhado que não tem ânimo de deixar o vício [...]. impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a
— Eu não vim cá por passeio! prosseguiu Piedade luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das
entre lágrimas! Vim cá para saber da conta do colégio!... sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das
— Pague-a você!, que tem lá o dinheiro que lhe dei- baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a
xei! Eu é que não tenho nenhum! [...] palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma
E as duas, mãe e filha, desapareceram; enquanto outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era
Jerônimo [...] monologava, furioso [...]. A mulata então o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju,
aproximou-se dele, por detrás; segurou-lhe a cabeça entre que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a
as mãos e beijou-o na boca... Jerônimo voltou-se para a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca
amante... E abraçaram-se com ímpeto, como se o breve doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do
tempo roubado pelas visitas fosse uma interrupção nos corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe
seus amores. as fibras embambecidas pela saudade da terra, pican-
AZEVEDO, Aluísio de. O cortiço. São Paulo: Ática, 1983. p. 137 e 139.
do-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma
O cortiço não dava ideia do seu antigo caráter. [...] e, centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela
com imenso pasmo, viram que a venda, a sebosa bodega, música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela
onde João Romão se fez gente, ia também entrar em obras. nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita
[...] levantaria um sobrado, mais alto que o do Miranda Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência
[...]. E a crioula? Como havia de ser? [...] Como poderia afrodisíaca. Isto era o que Jerônimo sentia, mas o que
agora mandá-la passear assim, de um momento para outro, o tonto não podia conceber. De todas as impressões
se o demônio da crioula o acompanhava já havia tanto daquele resto de domingo só lhe ficou no espírito o
tempo e toda a gente na estalagem sabia disso? [...] Mas, entorpecimento de uma desconhecida embriaguez, não
só com lembrar-se da sua união com aquela brasileirinha de vinho, mas de mel chuchurreado no cálice de flores
fina e aristocrática, um largo quadro de vitórias rasgava- americanas, dessas muito alvas, cheirosas e úmidas,
-se defronte da desensofrida avidez de sua vaidade. [...] que ele na fazenda via debruçadas confidencialmente
caber-lhe-ia mais tarde tudo o que o Miranda possuía... sobre os limosos pântanos sombrios, onde as oiticicas
AZEVEDO, Aluísio de. O cortiço. São Paulo: Ática, 1983. p. 133 e 145. trescalam um aroma que entristece de saudade. [...] E
ela só foi ter com ele, levando-lhe a chávena fumegan-
a) Considerando-se a pirâmide social representa-
te da perfumosa bebida que tinha sido a mensageira
da na obra, em que medida as personagens Rita
dos seus amores; assentou-se ao rebordo da cama e,
Baiana e Bertoleza, referidas nos excertos, pode-
segurando com uma das mãos o pires, e com a outra
riam ser aproximadas?
a xícara, ajudava-o a beber, gole por gole, enquanto
b) Levando em conta a relação das personagens
seus olhos o acarinhavam, cintilantes de impaciência
com o meio, compare o final das trajetórias do
no antegozo daquele primeiro enlace.
português Jerônimo e do português João Romão.
Depois, atirou fora a saia e, só de camisa, lançou-se
contra o seu amado, num frenesi de desejo doido.
20 Unicamp 2011 Pensando nos pares amorosos, já se AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
afirmou que “há n’O cortiço um pouco de Iracema 2005. p. 498 e 581. (Ficção Completa).
coada pelo Naturalismo” (CANDIDO, Antonio. “De cor-
a) Na descrição anterior, identifique dois aspectos
tiço em cortiço”. In: O discurso e a cidade. São Paulo:
que permitem aproximar Rita Baiana de Iracema,
Duas Cidades, 1993. p. 142).
mostrando os limites dessa semelhança.
Partindo desse comentário, leia o trecho a seguir e b) Identifique uma semelhança e uma diferença en-
responda às questões. tre Jerônimo e Martim.

258 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


Texto complementar
Francisco Goya: romântico, mas nem tanto

Francisco de Goya e Lucientes (Domínio público)


Nas Artes, quando falamos em “movimentos” ou “escolas”, utilizamos uma divisão
didática baseada na cronologia. Isso não significa que grandes artistas apresentem
em suas obras apenas características do movimento relacionado ao momento de
criação, ou sequer que apresente características ligadas a algum movimento ou
escola em particular.
Francisco Goya (1746-1828), pintor espanhol, produziu durante o Romantismo; po-
rém, como era um artista múltiplo e de forte intensidade temática, fez pinturas
atemporais, abordando desde a ideia de liberdade até as representações das mais
violentas emoções, atingindo até o grotesco e o obsceno. Veja a imagem ao lado,
intitulada Saturno devorando um filho, pertencente à fase das chamadas “pinturas
negras”, realizadas no fim da vida do pintor.
Facilmente identificamos a crueza e a violência expressas pelos traços e pelas
cores. O corpo devorado é de um adulto, com detalhes da musculatura, o que
reforça ainda mais o “horror” da obra.
Considerando a relação entre arte e literatura, é possível afirmar que há cenas no
livro O cortiço que geram essa sensação de horror no leitor, assim como a obra de
Francisco Goya? Essa intenção de chocar o público – característica do Naturalismo,
explorada por meio do caráter animalesco, por exemplo – pode ser vista como
uma oposição à idealização presente no Romantismo? Diante desse fato, pode-se
considerar que Goya é um pintor vanguardista, ou seja, ele se mostrava um artista
à frente de seu tempo?

Francisco de Goya e Lucientes, Saturno devorando um filho,


1820-1823, técnica mista, Museu do Prado, Madri, Espanha.

Resumindo
Neste capítulo, você viu...

Naturalismo: o olhar científico sobre as relações humanas


y O Naturalismo pertence à chamada “escola realista” por apresentar características do Realismo, mas vai além dele, com mais intensidade e vigor.
y O Naturalismo é fortalecido por teorias científicas – positivismo, determinismo e darwinismo –, logo, conforme a analogia entre escritor e médico, a
linguagem terá cunho científico.
y Há, no Naturalismo, uma visão materialista do ser humano e de sua vida em sociedade – o ser metafísico e abstrato cede lugar ao ser natural, que,
regido por leis físico-químicas e influenciado diretamente pelo meio, é uma máquina comandada pela natureza.
y A linguagem do Naturalismo será mais agressiva na escolha dos vocábulos, muito relacionados ao sexo, ao corpo humano e aos instintos primitivos.
y Os escritores naturalistas despertaram e voltaram os olhares para as classes mais baixas da sociedade, opuseram-se ao conceito religioso e acentuaram
os aspectos fisiológicos do ser humano, evidenciando sua origem (por meio do “parentesco” com os animais), – daí o conceito de zoomorfização das
personagens dos romances naturalistas – retratando-os em seu lado mais vil e sórdido.

O Naturalismo de Aluísio Azevedo: O cortiço


O romance O cortiço é considerado o expoente de nossa literatura naturalista. A partir do estudo da obra, é possível observar os seguintes aspectos:
y Há o predomínio do coletivo sobre o particular – habitação coletiva.
FRENTE 2

y O cortiço é um organismo vivo – com personificação – ainda na concepção das leis evolutivas e de adaptação.
y O meio determina o ser humano – segundo o determinismo de Taine. As personagens se transformam no decorrer da obra, com ênfase em Jerônimo
e Pombinha.
y João Romão sintetiza características do ser ganancioso, aproveitador e sem escrúpulos, desvencilhando o homem da imagem romântica.
y O narrador trabalha com o recurso da antropomorfização ao dar vida ao cortiço e comparar o ser humano ao animal em seus instintos.
y Na obra, celebra-se a força do instinto, do trabalho braçal, do grupo e da sensualidade da mulher brasileira.

259
Quer saber mais?
A adaptação cinematográfica do romance de Paulo Lins se passa
Livro na favela carioca cujo nome intitula o filme, lugar onde o menino
y OLIVEIRA, Nelson (Org.). Cenas da favela. São Paulo: Geração, 2007. Buscapé tenta escapar do mundo do crime por meio das lentes de
sua câmera fotográfica.
O livro é uma antologia de textos literários sobre o universo das
comunidades carentes brasileiras, com contos, crônicas, poemas y Germinal. Direção: Claude Berri. França, 1993 (160 min).
e trechos de romances. O filme é uma adaptação do livro homônimo de Émile Zola e retrata
as más condições de trabalho da classe operária francesa no fim
do século XIX.
Site
y Criação. Direção: Jon Amiel. Inglaterra, 2009 (108 min).
y Análise do romance
O filme mostra Darwin em conflitos, dividido entre propagar sua
O crítico literário Antonio Candido, no estudo “De cortiço a cortiço”, teoria ou encarar a repressão religiosa do ambiente em que vive.
faz uma excelente análise a respeito do romance de Aluísio Azevedo. A filha do cientista exerce papel fundamental na trama, como uma
Disponível em: <http://paginapessoal.utfpr.edu.br/mhlima/De%20 “consciência” que o impulsiona a revolucionar a história científica.
cortico%20a%20cortico%20-%20Antonio%20Candido.pdf/view>. y O cortiço. Direção: Francisco Ramalho Jr., Rio de Janeiro, 1978
(110 min).
Filmes Adaptado para o cinema em 1978, o longa é baseado no livro
y Cidade de Deus. Direção: Fernando Meirelles. Globo Filmes, 2002 O cortiço, de Aluísio Azevedo. Ele mostra a história de dois portu-
(130 min). gueses que vivem no Rio de Janeiro no século XIX.

Exercícios complementares
Textos para as questões 1 e 2. de largo fôlego; fez maravilhas na arte; parecia adivinhar
todos os segredos daquela vida; seus lábios não tocavam
Texto I
em ninguém sem tirar sangue; sabia beber, gota a gota,
[...] No lampejo de seus grandes olhos pardos bri-
pela boca do homem mais avarento, todo dinheiro que a
lhavam irradiações da inteligência. [...] O princípio vital
vítima pudesse dar de si.
da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Ática, 1997.
concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades es-
peculativas do homem.
[...] 1 Insper 2013 Os textos I e II, apesar de pertencerem
Era realmente para causar pasmo aos estranhos e susto a movimentos literários diferentes, assemelham-se ao
a um tutor, a perspicácia com que essa moça de dezoito pôr em destaque
anos apreciava as questões mais complicadas; o perfeito A a miséria em que a jovem se encontra.
conhecimento que mostrava dos negócios, a facilidade b a juventude da personagem.
com que fazia, muitas vezes de memória, qualquer ope- c a ambição da jovem.
ração aritmética por muito difícil e intrincada que fosse. d o caráter caprichoso e audacioso da moça.
Não havia porém em Aurélia nem sombra do ridí- E a sagacidade da personagem descrita.
culo pedantismo de certas moças, que tendo colhido em
leituras superficiais algumas noções vagas, se metem a
2 Insper 2013 Considerando as descrições presentes
tagarelar de tudo.
ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Ática, 1980.
nos fragmentos transcritos, é correto afirmar que
A o texto I filia-se ao Romantismo, uma vez que nele a
Texto II heroína é reflexo, em grande medida, das circuns-
Aquela pobre flor de cortiço, escapando à estupidez tâncias do ambiente em que se criou.
do meio em que desabotoou, tinha de ser fatalmente ví- b o texto I filia-se ao Romantismo, já que nele a figura
tima da própria inteligência. À míngua de educação, seu
feminina é descrita sob o prisma da idealização.
espírito trabalhou à revelia, e atraiçoou-a, obrigando-a a
c o texto I filia-se ao Naturalismo, pois as habilidades
tirar da substância caprichosa da sua fantasia de moça
da personagem são naturais no meio em que vive.
ignorante e viva a explicação de tudo que lhe não ensi-
naram a ver e sentir. d o texto II filia-se ao Realismo, já que a figura femini-
[...] na é descrita de forma fiel à realidade do período
Pombinha, só com três meses de cama franca, fi- histórico em que está inserida.
zera-se tão perita no ofício como a outra; a sua infeliz E o texto II filia-se ao Naturalismo, pois nele a perso-
inteligência nascida e criada no modesto lodo da esta- nagem constitui uma representação inequívoca do
lagem, medrou admiravelmente na lama forte dos vícios perfil feminino típico.

260 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


3 Enem PPL 2012 A “Erguia-se, cerrando os dentes, com uma decisão
brutal de a possuir”.
— É o diabo!... praguejava entre dentes o brutalhão,
B “Começara então a recomendar-lhe a leitura dos
enquanto atravessava o corredor ao lado do Conselheiro,
enfiando às pressas o seu inseparável sobretudo de casimi-
Cânticos a Jesus”.
ra alvadia. — É o diabo! Esta menina já devia ter casado! c “[...] deixando-lhe o livrinho uma noite no cesto da
— Disso sei eu... balbuciou o outro. – E não é por costura”.
falta de esforços de minha parte; creia!  “Queixou-se de insônia, de palpitações”.
— Diabo! Faz lástima que um organismo tão rico e tão E “Durante todo esse dia não ergueu os olhos para
bom para procriar, se sacrifique desse modo! Enfim – ainda Amaro”.
não é tarde; mas, se ela não se casar quanto antes – hum...
hum.. Não respondo pelo resto! 5 UFRGS 2017 Leia o segmento abaixo, do terceiro capí-
— Então o Doutor acha que...? tulo de O cortiço, de Aluísio Azevedo.
Lobão inflamou-se: Oh! o Conselheiro não podia Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum cres-
imaginar o que eram aqueles temperamentozinhos impres- cente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas.
sionáveis!... eram terríveis, eram violentos, quando alguém (...) O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os
tentava contrariá-los! Não pediam – exigiam – reclamavam! dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas
AZEVEDO, A. O homem. Belo Horizonte: UFMG. 2003 (fragmento).
um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começa-
O romance O homem, de Aluísio Azevedo, insere-se vam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões
no contexto do Naturalismo, marcado pela visão do e rezingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava,
cienticismo. No fragmento, essa concepção aplicada gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naque-
à mulher dene-se por uma la gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés
A conivência com relação à rejeição feminina de as- vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal
sumir um casamento arranjado pelo pai. de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
B caracterização da personagem feminina como um Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes
estereótipo da mulher sensual e misteriosa. armações sobre o segmento.
c convicção de que a mulher é um organismo frágil e J O segmento apresenta a descrição do cortiço sem
condicionado por seu ciclo reprodutivo. destacar um personagem, com ênfase na coletivi-
 submissão da personagem feminina a um processo dade para ações triviais de homens, mulheres e
que a infantiliza e limita intelectualmente. crianças.
E incapacidade de resistir às pressões socialmente
impostas, representadas pelo pai e pelo médico.
J O despertar, matéria cotidiana, é figurado como
fato rotineiro de pessoas executando seus hábitos
4 Unifesp 2011 Amaro lia até tarde, um pouco perturbado higiênicos matinais.
por aqueles períodos sonoros, túmidos de desejo; e no J A linguagem do narrador, preocupado em mostrar
silêncio, por vezes, sentia em cima ranger o leito de Amé- a dimensão natural presente nas ações humanas,
lia; o livro escorregava-lhe das mãos, encostava a cabeça evidencia-se em expressões como “prazer animal
às costas da poltrona, cerrava os olhos, e parecia-lhe vê- de existir”.
-la em colete diante do toucador desfazendo as tranças; J O objetivo, nesse segmento, é apresentar o cortiço
ou, curvada, desapertando as ligas, e o decote da sua ca-
e a venda como empreendimentos comerciais usa-
misa entreaberta descobria os dois seios muito brancos.
dos no enriquecimento de João Romão.
Erguia-se, cerrando os dentes, com uma decisão brutal
de a possuir. A sequência correta de preenchimento dos parênte-
Começara então a recomendar-lhe a leitura dos Cân- ses, de cima para baixo, é
ticos a Jesus. A V – V – F – F.
– Verá, é muito bonito, de muita devoção! Disse ele, B V – V – V – V.
deixando-lhe o livrinho uma noite no cesto da costura. c V – F – F – V.
Ao outro dia, ao almoço, Amélia estava pálida, com  F – F – F – V.
as olheiras até o meio da face. Queixou-se de insônia, de E V – V – V – F.
palpitações.
– E então, gostou dos Cânticos? 6 Unitau 2014 Como pode ser caracterizado o romance
– Muito. Orações lindas! respondeu. O cortiço, de Aluísio Azevedo?
Durante todo esse dia não ergueu os olhos para A Um romance naturalista, que se caracteriza pela
FRENTE 2

Amaro. Parecia triste – e sem razão, às vezes, o rosto abra- idealização das personagens. O meio social
sava-se-lhe de sangue.
retratado não interfere no comportamento das per-
QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro.
sonagens.
O trecho em que a ação de uma personagem se de- B Um romance naturalista que propõe o estudo de
monstra impregnada de determinismo biológico e personagens como se estudasse casos clínicos. O
permite associar o romance de Eça de Queirós ao meio social retratado no romance influencia o com-
movimento estético denominado Naturalismo é: portamento das personagens.

261
c Um romance realista, que se caracteriza pelo estu- J 4-4 O Realismo teve sua primeira manifestação
do da psicologia das personagens. O meio social importante com a publicação de Memórias pós-
em que vivem as personagens não interfere no tumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e
comportamento delas. o Naturalismo, com Dom Casmurro, do mesmo
 Um romance romântico, que se caracteriza pela autor, ambos em 1881.
idealização das personagens. O meio social em
que as personagens vivem não interfere no com- 9 PUC-RS Daí a pouco, em volta das bicas era um zum-zum
portamento delas. crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fê-
E Um romance romântico, que se caracteriza pelo es- meas. [...] O chão inundava-se. As mulheres precisavam
tudo do comportamento das personagens. O meio já prender as saias entre as coxas para não as molhar;
social interfere no comportamento delas. via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que
elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do
casco; os homens, esses não se preocupavam em não
7 Mackenzie [...] cara extensa, olhos rasos, mortos, de um
molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debai-
pardo transparente, lábios úmidos, porejando baba, mei-
xo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas,
guice viscosa de crápula antigo.
fossando e fungando contra as palmas da mão.
POMPÉIA, Raul.
[...]
Quanto ao estilo, esse fragmento descritivo destaca O rumor crescia, condensando-se; o zum-zum de todos
A a tendência do Naturalismo em revelar, através do os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes disper-
aspecto físico, traços do caráter. sas, mas um só ruído compacto [...]. Começavam a fazer
B a tendência dos escritores realistas de criticar a hi- compras na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas;
ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se.
pocrisia do comportamento aristocrático.
Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula vi-
c a oposição entre “físico grotesco” e “moral subli-
çosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos
me”, o que comprova sua característica romântica.
na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir,
 a concisão típica do Modernismo, comprovada a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
pelo uso comedido da adjetivação.
E o egocentrismo exacerbado, a irreverência e a Expressões tais como “machos e fêmeas”, “cabelo
visão mórbida do mundo que caracterizam o “byro- para o alto do casco”, “molhar o pelo” constroem ima-
nismo” do século XIX. gens que remetem a uma ________ entre homens
e animais, típica do ________, que se constitui num
prolongamento do ________.
Instrução: Para a próxima questão, marque V (verda-
A dissociação – Realismo – Naturalismo
deiro) ou F (falso).
B contemporização – Modernismo – Realismo
8 UFPE A estética antirromântica iniciou-se na segunda c dissociação – Romantismo – Naturalismo
metade do século XIX, com o Realismo, e aprofun-  associação – Naturalismo – Realismo
dou-se com o Naturalismo. Sobre esses movimentos, E contemporização – Realismo – Romantismo
julgue as proposições a seguir.
J 0-0 As transformações econômicas, científicas Leia o trecho do romance O cortiço, de Aluísio Azeve-
e ideológicas possibilitaram a Revolução do, para responder à questão 10.
Industrial, na qual os valores burgueses e ca- Junto dela pôs-se a trabalhar a Leocádia, mulher de
pitalistas suplantaram os valores românticos: um ferreiro chamado Bruno, portuguesa pequena e socada,
a fantasia e o mito da natureza entram, assim, de carnes duras, com uma fama terrível de leviana entre
em crise. suas vizinhas.
Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio idiota,
J 1-1 Surge, na literatura, o Realismo, movimen-
a quem respeitavam todos pelas virtudes de que só ela
to em que o artista é, ao mesmo tempo, um
dispunha para benzer erisipelas e cortar febres por meio
participante e um observador do mundo. Esse de rezas e feitiçarias. Era extremamente feia, grossa, tris-
aspecto conduz à representatividade histórico- te, com olhos desvairados, dentes cortados à navalha,
-social e à análise psicológica das personagens, formando ponta, como dentes de cão, cabelos lisos, es-
examinadas à luz do racionalismo e da contem- corridos e ainda retintos apesar da idade. Chamavam-lhe
poraneidade. “Bruxa”. Depois seguiam-se a Marciana e mais a sua
J 2-2 Entre as características do Realismo brasileiro, filha Florinda. A primeira, mulata antiga, muito séria e
estão a objetividade, a impessoalidade e o uso asseada em exagero: a sua casa estava sempre úmida das
consecutivas lavagens. Em lhe apanhando o mau humor
da linguagem regional.
punha-se logo a espanar, a varrer febrilmente, e, quando
J 3-3 O Naturalismo é um prolongamento do Realis- a raiva era grande, corria a buscar um balde de água e
mo, pois acrescenta uma visão cientificista da descarregava-o com fúria pelo chão da sala. A filha tinha
existência, a qual inclui o determinismo do meio quinze anos, a pele de um moreno quente, beiços sen-
ambiente, do instinto e da hereditariedade. suais, bonitos dentes, olhos luxuriosos de macaca. Toda

262 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


ela estava a pedir homem, mas sustentava ainda a sua Tinha agora o ouvido menos grosseiro para a música,
virgindade e não cedia, nem à mão de Deus Padre, aos compreendia até as intenções poéticas dos sertanejos,
rogos de João Romão, que a desejava apanhar a troco de quando cantam à viola os seus amores infelizes; seus
pequenas concessões na medida e no peso das compras olhos, dantes só voltados para a esperança de tornar à
que Florinda fazia diariamente à venda. terra, agora, como os olhos de um marujo, que se habitua-
O cortiço, 2007. ram aos largos horizontes de céu e mar, já se não re-
voltavam com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do
10 Famerp 2017 Uma relação correta entre o trecho apre- Brasil, e abriam-se amplamente defronte dos maravilho-
sentado e o movimento literário em que O cortiço está sos despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim,
inserido é: donde, de espaço a espaço, surge um monarca gigante,
A a referência cuidadosa e delicada à sexualidade que o sol veste de ouro e ricas pedrarias refulgentes e as
das personagens é parte de um esforço, típico do nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num luxo
Realismo, para apresentar o ser humano em sua to- oriental de arábicos príncipes voluptuosos.
talidade sem sobrecarregar um de seus aspectos. AZEVEDO, Aluísio. O cortiço.

B a caracterização das personagens como indivíduos


únicos e isolados da coletividade, deixando em 11 Fuvest 2012 Considere as seguintes afirmações, rela-
segundo plano suas relações sociais, é um traço cionadas ao excerto de O ortiço:
típico do Naturalismo. I. O sol, que, no texto, se associa fortemente ao Bra-
c a preferência das personagens pela razão e seu sil e à “pátria”, é um símbolo que percorre o livro
desprezo pela fé, em uma estratégia para valorizar como manifestação da natureza tropical e, em
a ciência e a objetividade e desvalorizar a religião, certas passagens, representa o princípio mascu-
são características do Realismo. lino da fertilidade.
 a valorização da vida perto da natureza, com perso- II. A visão do Brasil expressa no texto manifesta a
nagens que abrem mão dos métodos e dos objetos ambiguidade do intelectual brasileiro da época
frutos da tecnologia para se ligarem à tranquilidade em que a obra foi escrita, o qual acatava e rejeita-
de uma vida sem máquinas, é uma característica do va a sua terra, dela se orgulhava e envergonhava,
Naturalismo. nela confiava e dela desesperava.
E a descrição das características vulgares das per- III. O narrador aceita a visão exótico-romântica de
sonagens e a frequente associação entre homens uma natureza (brasileira) poderosa e transforma-
e animais, que ajudam a estabelecer uma concep- dora, reinterpretando-a em chave naturalista.
ção biológica do mundo, são características do
Naturalismo. Aplica-se ao texto o que se arma em
A I, somente.
Texto para as questões 11 e 12. B II, somente.
c II e III, somente.
Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, todas as  I e III, somente.
manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Riti-
E I, II e III.
nha, e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se
nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo 12 Fuvest 2012 O papel desempenhado pela persona-
e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e gem Ritinha (Rita Baiana), no processo sintetizado no
surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: excerto, assemelha-se ao da personagem
fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e A Iracema, do romance homônimo, na medida em
a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos que ambas simbolizam o poder de sedução da ter-
imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se ra brasileira sobre o português que aqui chegava.
dos seus primitivos sonhos de ambição, para ideali- B Vidinha, de Memórias de um sargento de milíias,
zar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se tendo em vista que uma e outra constituem fatores
liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar decisivos para o desencaminhamento de persona-
que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos gens masculinas anteriormente bem orientadas.
prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, ven-
c Capitu, de om casmurro, a qual, como a baiana,
cido, às imposições do Sol e do calor, muralha de fogo
também lança mão de seus encantos femininos
com que o espírito eternamente revoltado do último
para obter ascensão social.
tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores
FRENTE 2

aventureiros.
 Joaninha, de A idade e as serras, pois ambas re-
E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos presentam a simplicidade natural das mulheres do
os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo campo, em oposição à beleza artificiosa das mulhe-
abrasileirou-se. [...] res das cidades.
E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos E Dora, de capitães da areia, na medida em que
e costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apu- ambas são responsáveis diretas pela regeneração
ravam, posto que em detrimento das suas forças físicas. física e moral de seus respectivos pares amorosos.

263
13 UEM 2018 Assinale o que for orreto sobre estilos de Uma característica do Naturalismo presente no texto é:
época na literatura. A forte apelo aos sentidos.
01 O projeto literário do Romantismo comporta uma B idealização do espaço.
ruptura com os padrões clássicos de beleza, pauta- c exaltação da natureza.
dos na simplicidade e no equilíbrio que a natureza  realce de aspectos raciais.
inspira. Os escritores românticos tomam para si a E ênfase nas individualidades.
missão de criar uma identidade estética para a bur-
guesia ascendente, assim como uma identidade Instrução: Para a próxima questão, marque V (verda-
própria para o Brasil, alicerçando tudo isso em uma deiro) ou F (falso).
perspectiva frequentemente individualista, subjeti- 15 UFPE 2014 Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Lima
va, marcada pela negação do controle emocional. Barreto, em suas narrativas, retratam o Rio de Janeiro
02 A linguagem dos textos românticos é marcada pelo com foco em questões étnicas e sociais. Os dois pri-
rigor formal. Na poesia, tal rigor é anunciado por meiros representam a sociedade da segunda metade
fórmulas literárias assentadas em rígidos esquemas do século XIX, e o terceiro, as primeiras duas décadas
de métrica e de rimas. Na ficção, a escassez da do século XX. Em relação aos temas abordados por
adjetivação e de reticências remete a uma postura esses autores, analise as afirmações seguintes.
sóbria e lúcida. J 0-0 A produção romanesca dos três autores narra si-
04 A estética simbolista chega ao Brasil concomitante- tuações vividas por personagens pertencentes às
mente ao Realismo. E, com uma postura igualmente mesmas classes sociais, tendo em vista essas per-
assentada nos sentidos e nas sensações, edifica sonagens terem sido construídas com base em
uma poesia engajada e comprometida com os de- características de um mesmo movimento literário.
bates socioculturais e políticos que movimentavam J 1-1 Machado de Assis revela-se, principalmente em
a segunda metade do século XIX. seus romances da segunda fase, um profundo
08 Parte dos romances naturalistas é também conhe- observador da sociedade carioca, ao criar per-
cida como literatura de tese. Isso porque recebe a sonagens burguesas, como Brás Cubas, que se
apresentavam vulneráveis e, por vezes, detento-
influência do cientificismo que marcava a segunda
ras de uma visão de mundo cética e pessimista.
metade do século XIX por meio da larga difusão
J 2-2 Em Dom Casmurro, romance escrito, narrado
de ideias deterministas, evolucionistas, positivis-
e vivido por um autor-personagem, que pre-
tas. Inspirados nessas teorias, alguns escritores
tende “atar as duas pontas da vida e restaurar
construíam personagens e situações como se es- na velhice a adolescência”, Machado de Assis
tivessem demonstrando teses. retrata a burguesia carioca em seus mínimos
16 A poesia parnasiana desenvolveu-se a partir do detalhes e apresenta um triângulo amoroso ex-
pressuposto da arte pela arte, isto é, da arte com plícito, composto por Capitu, Bento Santiago e
um fim em si mesma, sem pretensões de contribuir Escobar, o melhor amigo da família.
com debates sociais, culturais e/ou políticos que J 3-3 Em O Cortiço, Aluísio Azevedo apresenta a ci-
constituem o contexto em que emergem. dade do Rio de Janeiro através de um narrador
Soma: JJ que retrata a realidade do cortiço, antiga estru-
tura habitacional. Nesses ambientes, residiam
pessoas de classes sociais mais humildes e de
14 Fuvest 2018 O rumor crescia, condensando-se; o zun-
origens étnicas distintas. Assim, negros, mulatos
zum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam
e portugueses convivem no mesmo ambiente e
vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia
por ele são influenciados.
todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda;
J 4-4 A ficção de Lima Barreto retrata o Rio de Janeiro
ensarilhavam-se* discussões e rezingas**; ouviam-se gar-
do começo da República, em que personagens,
galhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se
como Policarpo Quaresma, ao defenderem os
naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa
fracos e injustiçados, terminam condenados
de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na
pelo próprio sistema do qual participam. Além
lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir,
disso, o autor condena o preconceito contra
a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
negros e mulatos, moradores dos subúrbios
Da porta da venda que dava para o cortiço iam e cariocas, no início do século XX.
vinham como formigas; fazendo compras.
Duas janelas do Miranda abriram-se. Apareceu numa 16 Mackenzie 2012 Uma transformação, lenta e profunda,
a Isaura, que se dispunha a começar a limpeza da casa. operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe
– Nhá Dunga! gritou ela para baixo, a sacudir um o corpo e alando-lhe os sentidos [...]. A vida americana
pano de mesa; se você tem cuscuz de milho hoje, bata e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos
na porta, ouviu? imprevistos e sedutores que o comoviam [...].
Aluísio Azevedo, O cortiço. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos
os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo
* ensarilhar-se: emaranhar-se. abrasileirou-se1.
** rezinga: resmungo. AZEVEDO, Aluísio. O cortiço.

264 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


Considerado o fragmento transcrito no contexto do fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente,
romance, a expressão abrasileirou-se (ref. 1) do texto debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco
revela que Jerônimo palmos. O chão inundava-se.
A adquiriu comportamento solto e criativo, voltando- As mulheres precisavam já prender as saias entre as
-se para a fruição artística. coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez
B transformou-se num homem amoroso e mais in- dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspenden-
teligente. do o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses
c ficou motivado a ascender social e economicamente. não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário,
 recuperou a saúde física, graças aos estímulos da metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com
natureza tropical. força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra
E tornou-se mais inclinado aos prazeres sensuais. as palmas da mão. As portas das latrinas não descansa-
vam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e
sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham
17 UPE/SSA 2016 Machado de Assis e Aluísio Azevedo,
ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se
no mesmo ano, 1881, deram início, respectivamente,
davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo,
ao Realismo e Naturalismo no Brasil. O primeiro, com
no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no
Memórias Póstumas de Brás Cubas e o segundo, com
recanto das hortas.
O Mulato, embora O Cortiço é que tenha celebrizado
O rumor crescia, condensando-se; o zum-zum de
o autor maranhense. Sobre esses movimentos lite-
todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes
rários, aos quais pertencem os textos, leia o que se
dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o
segue:
cortiço. [...]
Texto 1
Analise as armativas a seguir:
Ao verme que primeiro roeu I. O texto 1 é a dedicatória de Brás Cubas, que
as frias carnes do meu cadáver inicia suas memórias póstumas. Nessa obra, o
dedico como saudosa lembrança autor textual e narrador ironicamente dedica suas
estas Memórias Póstumas memórias aos vermes. Trata-se de um aspecto
Texto 2 inerente à estética romântica, uma vez que nela
encontra-se subjacente a ideia de morte.
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e II. No texto 2, o narrador descreve o comportamento
janelas alinhadas. da coletividade que forma o cortiço. Note-se que
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma nele há o privilégio do coletivo sobre o individual,
assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam elemento peculiar ao Romantismo, o que não sur-
ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da preende o leitor, dado que o autor abraçou tanto
última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz a estética romântica quanto a realista.
loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade III. Os dois textos, embora escritos por autores di-
perdido em terra alheia. ferentes, apresentam as mesmas tendências
Roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, estéticas. Ambos são realistas e criticam o com-
umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão or- portamento da burguesia que vivia na ociosidade
dinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da explorando os menos favorecidos.
lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostra- IV. O texto 1 tem por narrador a personagem princi-
vam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações
pal que conta a sua própria história e o faz com a
de espumas secas. Entretanto, das portas surgiam cabeças
“tinta da galhofa e a pena da melancolia”, utilizan-
congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes
do-se de um gracejo de tom cômico, próximo do
como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda
a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente humor negro de origem inglesa.
do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se V. No texto 2, o relato é de um narrador observador
de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; que apresenta os acontecimentos de um ponto
reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada de vista neutro, porque não se envolve nem faz
cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros parte da história narrada. Seu discurso volta-se
abafados de crianças que ainda não andam. No confuso para a análise dos elementos deterministas e das
rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes patologias sociais, o que faz de O Cortiço um tex-
que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, to naturalista.
FRENTE 2

cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos


saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a Está orreto apenas o que se arma em
gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, A I e II.
cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz B IV e V.
nova do dia. c I, II e III.
Daí a pouco, em volta das bicas, era um zum-zum  II e III.
crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e E I, II e IV.

265
18 Enem PPL 2014
O mulato
Ana Rosa cresceu; aprendera de cor a gramática do Sotero dos Reis; lera alguma coisa; sabia rudimentos de francês e
tocava modinhas sentimentais ao violão e ao piano. Não era estúpida; tinha a intuição perfeita da virtude, um modo bonito,
e por vezes lamentara não ser mais instruída. Conhecia muitos trabalhos de agulha; bordava como poucas, e dispunha de
uma gargantazinha de contralto que fazia gosto de ouvir.
Uma só palavra boiava à superfície dos seus pensamentos: “Mulato”. E crescia, crescia, transformando-se em tenebrosa
nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que estrangulava todas as outras ideias.
– Mulato!
Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele.
Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; as reticências dos que lhe falavam de seus antepassados; a reserva
e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questões de raça e de sangue.
AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Ática, 1996 (fragmento).

O texto de Aluísio Azevedo é representativo do Naturalismo, vigente no nal do século XIX. Nesse fragmento, o nar-
rador expressa delidade ao discurso naturalista, pois
A relaciona a posição social a padrões de comportamento e à condição de raça.
B apresenta os homens e as mulheres melhores do que eram no século XIX.
c mostra a pouca cultura feminina e a distribuição de saberes entre homens e mulheres.
 ilustra os diferentes modos que um indivíduo tinha de ascender socialmente.
E critica a educação oferecida às mulheres e os maus-tratos dispensados aos negros.

266 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 8 Naturalismo: o homem é bicho


ALPHONSE MUCHA, AS ARTES: POESIA, PARTE DA SÉRIE AS ARTES: SÉRIE, 1898, LITOGRAFIA/WIKIMEDIA COMMONS (DOMÍNIO PÚBLICO)
A poesia é personificada por uma figura feminina
contemplando o campo iluminado pela lua. Ela está
enquadrada por um ramo de laurel, o atributo da
adivinhação e da poesia.

FRENTE 2

CAPÍTULO As vertentes poéticas do nal do século XIX

9
O nal do século XIX foi marcado por duas estéticas literárias que buscaram reagir à marca
romântica como sinônimo de poesia, ainda predominante, mas já claramente desgastada.
Assim, tanto o Parnasianismo quanto o Simbolismo trouxeram um grande cuidado com a
elaboração e o acabamento formal dos versos – aspectos que os exageros emocionais
do Romantismo haviam deixado em segundo plano. Essas novas escolas objetivaram um
caminho para a poesia que a libertasse da mera e, por vezes, banal expressão de sentimentos.
O Parnasianismo optou por condicionar a poesia menos ao conteúdo e mais à forma de
composição, muitas vezes tematizando o próprio fazer poético. Já o Simbolismo procurou
renovar a subjetividade romântica, trazendo à tona uma nova maneira de ver as palavras,
utilizando-se, sobretudo, da musicalidade, da sinestesia e das sugestões profundas.
Parnasianismo – o poeta e o ourives subjetivista do amor romântico idealizado, visando a uma
descrição mais objetiva dos desejos humanos.
O Parnasianismo apareceu simultaneamente ao Rea-
No entanto, dessa “batalha” ficaram somente as inspi-
lismo e ao Naturalismo nas últimas décadas do século XIX.
rações antirromânticas que levaram a uma nova forma de
Sua produção é apenas poética e traz importantes marcas
pensar a poesia, consolidando, anos mais tarde, o Parnasia-
da escola com especificidades típicas, como o distancia-
nismo no Brasil. O marco inicial desse movimento em terras
mento dos temas sociais, a impassibilidade, a descrição e
brasileiras é o livro de poesias Fanfarras, de Teófilo Dias,
a “arte pela arte”, além da busca do prazer que a beleza
publicado em 1882. Porém, foi com a chamada “Tríade parna-
proporcionava como finalidade.
siana” – formada pelos poetas Olavo Bilac, Raimundo Correia
Mas de onde vem a denominação para essa escola e Alberto de Oliveira – que se eternizou a “arte pela arte”.
literária que se expressou unicamente por meio da poesia?
O marco inicial desse movimento se deu na França, em Atenção
1866, quando os poetas Charles Baudelaire, Lecomte de
Lisle e Théophile Gautier publicaram e editaram a revista É importante lembrar que, na Literatura brasileira, a chamada “era
Le Parnasse Contemporain (O Parnaso contemporâneo). realista” incluiu três movimentos simultâneos: na prosa, o Realismo e
Nela, já se pôde observar um claro traço de crítica ao Ro- o Naturalismo, e, na poesia, o Parnasianismo. O que os aproxima são a
objetividade e a racionalidade no tratamento dos temas, distanciando-se
mantismo, sentimentalmente exagerado, e ao Realismo e
do subjetivismo e da idealização romântica.
ao Naturalismo, preocupados com a denúncia social.
Etimologicamente, o nome “Parnasianismo” é uma
referência ao Monte Parnaso: situado na Grécia, o lugar Características do Parnasianismo
mitológico seria a morada de deuses e musas, onde os
poetas se isolavam para buscar a inspiração e o aprimora- A arte pela arte
mento da técnica necessários para a composição artística.
A poesia parnasiana buscava propiciar a mais perfeita
Assim, nessa escola literária, buscavam-se a beleza, a per-
fruição estética, defendendo que o poema não deveria ter
feição, o equilíbrio entre as palavras e o rigor formal. O
outra finalidade que não fosse o compromisso com a beleza
poeta parnasiano é comparado ao ourives, pois ambos se
e com a perfeição formal. Para os poetas parnasianos, não
preocupam em lapidar sua matéria-prima – o ouro ou o
se deveria dar relevância aos motivos que levavam alguém
poema – a fim de torná-la uma obra de arte.
a escrever nem justificar os versos pela necessidade de
promover um questionamento social ou filosófico. A poesia
Parnasianismo no Brasil deveria ser autossuficiente, existir por ela mesma. Assim,
É na convergência de ideais antirromânticos, como a ob- nessa poesia, era constante o afastamento do cotidiano –
jetividade no trato dos temas e o culto da forma, que se situa repleto de imperfeições e problemas.
a poética do Parnasianismo.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. Poesia descritiva e impessoal
São Paulo: Cultrix, 1994. p. 219.
A poesia parnasiana é marcada pela visualidade de seus
Antes do surgimento do Parnasianismo no Brasil, houve temas, buscando inspiração nas artes plásticas. Nesse senti-
um embate em nosso país. O Brasil atravessava uma série do, opta-se pelas descrições dos fenômenos da natureza, tal
de crises políticas e sociais, e o único centro urbano do país como o amanhecer e o crepúsculo. Nessas obras, também
era o Rio de Janeiro, onde se concentravam a vida política e há constantes referências a figuras mitológicas greco-ro-
cultural. Os grandes veículos de difusão das novas teorias, manas e à beleza da mulher. Além disso, cenas históricas
inclusive literárias, eram os inúmeros periódicos surgidos e objetos podiam ser alvo das descrições racionalizadas e
com o desenvolvimento da imprensa nacional. E foi nas pági- objetivas do poeta. Assim, o subjetivismo (a visão pessoal do
nas do jornal Diário do Rio de Janeiro, no final da década de eu lírico) era deixado de lado, dando-se importância àquilo
1870, que se travou a “Batalha do Parnaso”, polêmica entre que todos podiam apreciar da mesma maneira.
escritores contrários e adeptos ao Romantismo. O embate
perpetuou-se com o uso de versos agressivos e questio- Perfeição formal
náveis quanto à qualidade. Os opositores, embasados por No movimento parnasiano, o poeta escolhia palavras e
autores realistas lusitanos, combatiam o sentimentalismo tinha o ofício de “lapidar” o verso em busca da perfeição –
excessivo, a falta de simetria entre os versos e o abandono daí a analogia com o trabalho do ourives –, acentuando
do estilo clássico, acusando os românticos de produzirem o uso da métrica perfeita, das estrofes carregadas de
versos frouxos e de acabamento duvidoso. Traziam, tam- expressões pouco utilizadas, capazes de deixar o poe-
bém, algumas sugestões quanto às mudanças que deveriam ma apreciável àqueles que optavam pelo rebuscamento
ocorrer, propondo uma poesia participante, que buscasse formal. Nesse contexto, os poetas parnasianos buscavam
trazer uma postura científica diante do mundo, bastante vaga utilizar rimas ricas e preferiam os versos de doze sílabas,
no pensamento da época. Essa nova poesia promoveria conhecidos como versos alexandrinos, além de considerar
reflexões sobre as questões lógicas e ligadas à justiça, enal- o soneto a mais perfeita composição poética.
tecendo o progresso científico e os avanços capitalistas.
Fruição: desfrute prazeroso.
Com certo cunho realista, proporia erradicar a descrição

268 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


Saiba mais A um poeta
Longe do estéril turbilhão da rua,
A busca parnasiana do afastamento temático das mazelas sociais Beneditino, escreve! No aconchego
foi a principal característica criticada nos poemas do Modernismo.
Do claustro, na paciência e no sossego,
A partir da Semana de 1922, a “fase heroica” da poesia moderna se
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
posiciona justamente contra essa negação dos problemas cotidianos
a qual os parnasianos tanto exaltavam.
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Tríade parnasiana: poetas e poemas Rica mas sóbria, como um templo grego.

Olavo Bilac (1865-1918) Não se mostre na fábrica o suplício


Neste literato de veia fácil, potencia-se a tendência par- Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
nasiana de cifrar no brilho da frase isolada e na chave de ouro Sem lembrar os andaimes do edifício.
de um soneto a mensagem toda da poesia.
Porque a beleza, gêmea da Verdade,
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.
São Paulo: Cultrix, 1994. p. 227. Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac nasceu
BILAC, Olavo. “A um poeta”. Poemas de Olavo Bilac: seleção de
no Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 1865. Cursou poemas [livro eletrônico]. São Paulo: Melhoramentos, 2014.
Medicina e Direito, mas nunca concluiu nenhum dos (Clássicos Melhoramentos)
cursos. Além de poeta, foi jornalista, escrevendo para “A um poeta” é um soneto composto de versos decas-
diversos jornais e revistas da época, como o Diário de sílabos. Trata-se de um texto metalinguístico, ou seja, é um
Notícias e o Gazeta de Notícias. Já em suas primeiras poema sobre o ato da escrita, o fazer poético. Olavo Bilac
obras, Bilac trouxe para a poesia uma forte e inegável aborda como tema o próprio trabalho do poeta parnasiano,
vertente parnasiana, sempre preocupado com a estéti- o qual busca incansavelmente a perfeição formal no am-
ca e a forma dos poemas. A dedicação de Olavo Bilac biente solitário de um claustro com o objetivo de trazer para
ao ofício poético rendeu-lhe a alcunha de “príncipe dos a poesia a perfeição e a sobriedade de um templo grego, a
poetas”. Seu primeiro livro, Poesias, publicado em 1888, beleza – gêmea da verdade – e a arte pura – pretensões
dividia-se, inicialmente, em três partes: “Panóplias” (poe- coerentes com a estética parnasiana. É possível notar que
mas com referência a elementos da tradição greco-romana), se repete a conjunção “e”, presente no quarto verso da
“Via Láctea” (conjunto de 35 sonetos) e “Sarças de fogo” primeira estrofe (“Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!”);
(poemas eróticos sobre a beleza física da mulher). essa reiteração, chamada de polissíndeto, intensifica o tra-
Em 1902, publicou dois outros livros: Viagens e Alma balho do poeta na criação de um verso perfeito e na sua
Inquieta, os quais combinam o influxo parnasiano a claras busca da “arte pela arte”.
tendências românticas, mas com versos comedidos por
rígida disciplina formal. Em 1918, o poeta faleceu, e, um Raimundo Correia (1859-1911)
ano depois, foi publicado seu livro Tarde, obra marcada
Com Sinfonias já temos o sonetista admirável de “As pom-
por temas históricos, mas também por certa subjetividade
bas”, “Mal do Século”, “Anoitecer”, “A cavalgada”, “Vinho de
que rompia com os paradigmas parnasianos do autor, ainda
Hebe”, “Americana”. Falando do sortilégio verbal do poeta,
que mesclada à sua tendência mais reflexiva, própria do Manuel Bandeira nos ensinou a ver nele o autor de “alguns dos
Parnasianismo. Dessa maneira, pode-se verificar em sua versos mais misteriosamente belos da nossa língua”, versos que,
obra, como na de todo grande poeta, certas características repetidos em tantas antologias escolares, nem por isso perde-
que remetem a diferentes estéticas literárias. riam o encanto de suas combinações semânticas e musicais.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.
Algumas características recorrentes na poética de Bilac São Paulo: Cultrix, 1994. p. 224.

Perfeição – metalinguagem Raimundo da Mota de Azevedo Correia nasceu em São


Antiguidade greco-romana Luís, no Maranhão, em 13 de maio de 1859. Cursou a facul-
dade de Direito, tornando-se juiz no Rio de Janeiro e em
Nacionalismo ufanista algumas comarcas de Minas Gerais. Com uma vida finan-
Lirismo amoroso ceiramente estável, começou a escrever sob a influência do
Parnasianismo. Contudo, trouxe resquícios do Romantismo
FRENTE 2

Reflexão sobre a existência humana


em suas primeiras obras.

269
Em 1879, publicou seu livro inaugural, intitulado Primeiros ano, tendo conhecido, durante o curso, Olavo Bilac, de
sonhos, que reúne poemas próprios de um adolescente, de quem se tornou amigo. Assim, os dois colegas, somados a
textos com idealizações femininas e com certo romantismo Raimundo Correia, formaram a “tríade parnasiana”. Entre os
velado. Porém, é com o livro Sinfonias que o poeta marca três, Alberto de Oliveira foi o mais fiel às normas parnasia-
sua estreia no movimento parnasiano, trazendo os poemas nas, o mais ortodoxo. Manteve-se, na maior parte de suas
que o tornaram mais conhecido: “As pombas” e “Mal secreto”. obras, leal aos exaustivos rigores formais do movimento,
cultivando a objetividade, a impassibilidade, a busca da
Características da poesia de Raimundo Correia arte pela arte e a linguagem descritiva em seus poemas.
Universalização da temática com o Tem como obras: Canções românticas, cujos poemas,
desenvolvimento de temas filosóficos ainda que de certa maneira voltados ao Romantismo, são
marcados pelo valor dado à técnica e pela contenção pró-
Afastamento da impassibilidade
pria ao estilo parnasiano; Meridionais; Sonetos e poemas
Tendência para a abordagem do noturno, – que publicou a pedido de seus leitores; Versos e rimas;
do negativismo (obsessão pela
Lua – antecipando a veia simbolista)
e Por amor de uma lágrima.

A crítica aponta como temas centrais


Mal secreto da poética de Alberto de Oliveira
Se a cólera que espuma, a dor que mora Observação e concepção estética da natureza,
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce, dos objetos e da mulher
Tudo o que punge, tudo o que devora Melancolia diante da perda do ser amado
O coração, no rosto se estampasse;
Sublimação amorosa

Se se pudesse, o espírito que chora, Uso das expressões míticas e históricas da arte grega e oriental
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora Vaso chinês
Nos causa, então piedade nos causasse! Estranho mimo, aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Quanta gente que ri, talvez, consigo Contador sobre o mármor luzidio,
Guarda um atroz, recôndito inimigo, Entre um leque e o começo de um bordado.
Como invisível chaga cancerosa! Fino artista chinês, enamorado
Nele pusera o coração doentio
Quanta gente que ri, talvez existe, Em rubras flores de um sutil lavrado,
Cuja ventura única consiste Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Em parecer aos outros venturosa!
Mas, talvez por contraste à desventura –
CORREIA, Raimundo. “Mal secreto”. In: SILVA, Antonio Manoel dos Santos;
SANT’ANNA, Romildo; SANTILLI, Maria Aparecida (Orgs.) et al. Literaturas de Quem o sabe?... de um velho mandarim
língua portuguesa: marcos e marcas. São Paulo: Arte & Ciência, 2007. p. 141. Também lá estava a singular figura;
“Mal secreto” compreende um soneto em versos de- Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a
cassílabos cujo tema central é a desilusão com o mundo Sentia um não sei quê com aquele chim
das aparências e com o verdadeiro “mal secreto” que nos De olhos cortados à feição de amêndoa.
OLIVEIRA, Alberto de. “Vaso chinês”. In: MOISÉS, Massaud. A literatura
assola – a adoção das máscaras sociais. Com acentuado brasileira através dos textos. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 241.
pessimismo, Raimundo Correia discorre poeticamente so-
bre a inveja que se sente de pessoas que, na verdade, No soneto decassílabo “Vaso chinês”, Alberto de Oli-
despertariam um sentimento de piedade. Dessa forma, o veira mostra sua preocupação com o rigor formal que o
poeta se afasta da impessoalidade pregada pelo Parna- Parnasianismo defendia. No poema, há predominância do
sianismo, abordando uma temática ligada às agruras mais aspecto descritivo – um vaso detalhado e cultuado –, o
prosaicas da condição humana. que reflete certo requinte próprio ao gosto da burguesia
da época do poeta. Com relação à linguagem, há hipérba-
Alberto de Oliveira (1859-1937) tos (inversões sintáticas), que garantem o rebuscamento
da forma. É fundamental atentarmos para o fato de que
O que, entretanto, sela a constância do Parnasianismo em “Vaso chinês” se distancia explicitamente de temas ligados
Alberto de Oliveira é a fidelidade a certas leis métricas [...].
ao cotidiano social: a sua intenção era mesmo valorizar a
Aliás, não só na métrica procurou ser duro o mestre flumi-
estética e a forma, ainda que o conteúdo pudesse parecer,
nense; também a sua sintaxe mais de uma vez se contrai em
principalmente aos olhos do leitor de hoje, alienante.
inversões neoclássicas [...].
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.
São Paulo: Cultrix, 1994. p. 222-3. Contador: tipo de armário antigo, com pequenas gavetas.
Lavrado: trabalhado.
Antônio Mariano Alberto de Oliveira nasceu em 28 de Mandarim: funcionário público da alta hierarquia da antiga china.
abril de 1859, em Saquarema, província do Rio de Janeiro. Chim: chinês.
Formou-se em Farmácia e cursou Medicina até o terceiro

270 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


Simbolismo – o poeta é um músico O alvo e o translúcido
Nas últimas décadas do século XIX na Europa, surgiu Nos poemas simbolistas, é constante o uso das co-
uma reação ao espírito positivista, pois era necessário reto- res claras para representar o profundo, o vago, o místico.
mar valores que se opunham ao objetivismo da era realista. Assim, são frequentes as menções à luz, aos astros, à né-
Assim, no momento histórico em que o racionalismo e o voa e à neblina. Os poetas também recorrem à ideia das
materialismo já não eram suficientes para refletir os anseios transparências permitindo o ver através das coisas, dando
humanos, passou a vigorar o Simbolismo. margem para a imaginação. Além desses elementos, eram
A escola foi considerada uma espécie de continuação comuns as menções à alma, ao ser, ao além e ao obscuro,
do Romantismo, na medida em que ansiava por reformas e, passíveis de personificação para transportarem o leitor à
ao mesmo tempo, buscava refúgio fora do mundo real – era dimensão do ilógico. Dessa forma, entendia-se o mundo
preciso fugir da racionalidade e mergulhar no interior do real como uma representação imperfeita do mundo ideal,
indivíduo, esbarrando na fronteira entre o sono e a vigília. o qual poderia ser tocado pela poesia.
O Simbolismo, de experiência mais sensível e delicada,
ocorre na mesma época do Parnasianismo, e ambas as es- Maiúsculas alegorizantes
colas são alienadas do contexto histórico-cultural em que se Uma das características mais marcantes do movimento
inserem. Contrariamente ao cientificismo e ao objetivismo simbolista era a utilização de iniciais maiúsculas em substan-
anteriores, a arte simbolista passa a representar o subjetivo tivos comuns no interior dos versos, realçando a importância
e o inconsciente, buscando a unidade do ser. dessas palavras e personificando elementos abstratos que
Dessa forma, tal estética pode ser considerada uma se faziam fundamentais para a mensagem do poema.
radicalização do movimento romântico, uma tentativa re- Geralmente, as maiúsculas eram usadas nas palavras
novada de expressar o dilema “eu x mundo”, em que o que exprimiam certas nuances e intensidades que podiam ser
eu lírico se encontra em constante conflito existencial e apreendidas pelos sentidos, como em “Cor”, “Aroma”,
na busca de sua verdade mais íntima. Ainda que possa “Doce” e “Áspero”, demonstrando uma busca sinestésica.
ser nomeado Neorromantismo, o Simbolismo e sua poe-
sia não são somente pautados pelo culto à emoção e ao O uso da sinestesia e da música
sentimentalismo. Para os simbolistas, os versos deveriam Os simbolistas defendiam que todas as vivências e
representar a busca do eterno conhecimento de si e da questões emocionais tinham equivalência no mundo espi-
arte, usando o racional para entender o emocional, na ritual do ser e do sentir – tudo era cor, movimento, perfume
tentativa de conciliar os dois opostos. Vale salientar que o ou sensação. Havia, também, a possibilidade de junção de
termo “símbolo”, que dá nome a esse movimento literário, dois ou mais sentidos dentro da mesma expressão, como
consiste na ideia de concentrar a expressão subjetiva de em “olhar amargo”. Nesse exemplo, fundem-se a visão e
sensações e sentimentos nas palavras por meio de grande o paladar do eu lírico. Dá-se o nome de sinestesia a essa
liberdade lógica. junção entre diferentes sentidos.
As primeiras manifestações simbolistas se deram ain- Além disso, a música era a forma máxima de expressivi-
da no âmbito da antologia Le Parnasse Contemporain, dade por ser capaz de transmitir sentimentos da maneira mais
com Mallarmé, Baudelaire e Verlaine; mas é com Charles verdadeira e intensa; os poetas acreditavam que, por meio do
Baudelaire, em As flores do mal, de 1857, que podemos som, era possível expressar a subjetividade em sua forma mais
confirmar o direcionamento da poesia simbolista em ter- plena. Assim, os poemas simbolistas buscavam assemelhar-se
ritório europeu. a uma canção, tornando-se, pelo trabalho com a sonoridade
das palavras, convidativos à audição. De certa maneira, pode-
Características do Simbolismo -se dizer que os poetas escreviam para aproximar seus textos
da música, utilizando alguns recursos para isso, como a rima
O “eu profundo” e o uso das metáforas aproximativa, equilibrada (e não extrema, como no Parnasia-
e evocações nismo); as aliterações; as assonâncias; as onomatopeias. As
já mencionadas sinestesias também colaboravam para essa
No Simbolismo, a busca da verdade e das respostas às
imersão no universo da indiferenciação dos sentidos.
questões existenciais era possível através de um mergulho
Observe exemplos de alguns desses recursos a seguir:
no subconsciente. Os simbolistas desejavam que a poesia
y Aliteração: repetição de sons consonantais (no início
interagisse com a vida cósmica, utilizando uma linguagem
ou no interior da palavra).
indireta e figurada, ou seja, eles faziam uso constante das
No trecho a seguir, a repetição da consoante V suge-
evocações e das metáforas, voltando-se para o próprio “eu”
FRENTE 2

re o som do vento.
e buscando se desapegar da realidade objetiva.
Cabe destacar que a diferença entre o Simbolismo e o
Vozes veladas veludosas vozes,
Parnasianismo não estava na forma, já que ambos aplica-
Volúpia dos violões, vozes veladas,
vam o formalismo em seus sonetos, com métrica tradicional,
Vagam nos velhos vórtices velozes
rimas ricas e raras e vocabulário requintado. Entretanto, Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
as escolas se distanciavam significativamente quanto ao CRUZ E SOUSA, João da. “Violões que choram”. In: PRANDINI, Paola (Org.).
conteúdo e à visão de mundo do artista. Cruz e Sousa: Retratos do Brasil negro. São Paulo: Selo Negro, 2011.

271
y Assonância: repetição de sons vocálicos (idênticos destacar a obsessão pelo branco, o que aumentava o cará-
ou semelhantes). ter místico de suas obras. Seus poemas eram arquitetados
pelo binômio “dor-revolta”, além do frequente uso de sines-
Gargalha, ri, num riso de tormenta, tesias e versos dotados de sonorização poética.
como um palhaço, que desengonçado, Suas obras mais representativas são Missal, Broquéis,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado Evocações, Faróis e Últimos sonetos, esta última publicada
de uma ironia e de uma dor violenta. postumamente, em 1905. Elas apresentavam uma série de pe-
CRUZ E SOUSA, João da. “Acrobata da dor”. Broquéis. culiaridades e inovações formais, mas mantinham, ainda, certo
São Paulo: Edusp, 1994. p. 105.
vínculo com o Parnasianismo, dada a preferência pelos sone-
y Sinestesia: fusão de sentidos (mistura de sensações tos, pelas rimas ricas e pelo cientificismo, usado para explicar
visuais, olfativas, táteis, auditivas e gustativas). o pessimismo e a certa obscuridade por trás de seus versos.
Violões que choram
E a Lua vai clorótica fulgindo
Nos seus alperces etereais e brancos, Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
A luz gelada e pálida diluindo Soluços ao luar, choros ao vento...
Das serranias pelos largos flancos... Tristes perfis, os mais vagos contornos,
CRUZ E SOUSA, João da. “Lua”. Broquéis. São Paulo: Edusp, 1994. p. 51. Bocas murmurejantes de lamento.

[...]
Simbolismo no Brasil
No Brasil, o Simbolismo teve início com a publicação de Quando os sons dos violões vão soluçando,
Missal e Broquéis, ambos do poeta Cruz e Sousa, em 1893. A Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
escola não foi um movimento de grande representatividade E vão dilacerando e deliciando,
como na Europa e não conseguiu se sobressair à literatura Rasgando as almas que nas sombras tremem.
realista e parnasiana, o que se explica, em parte, pelo fato
de que uma poesia do inconsciente e de caráter intimista [...]
não se prestava à reflexão sobre as questões nacionais que
se impunham racionalmente desde a Primeira República. Vozes veladas, veludosas vozes,
O Parnasianismo gozava de grande prestígio entre a Volúpias dos violões, vozes veladas,
elite “erudita” da época, que considerava os poemas dessa Vagam nos velhos vórtices velozes
estética mais fáceis de ler e mais palpáveis no tocante ao Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.
conteúdo. Nesse sentido, acabou-se criando certa rivalidade
Tudo nas cordas dos violões ecoa
entre o movimento parnasiano e o simbolista, entrave que
E vibra e se contorce no ar, convulso...
ganhou maior repercussão após os parnasianos apelidarem
Tudo na noite, tudo clama e voa
os simbolistas de “nefelibatas” – pessoas que “habitam as Sob a febril agitação de um pulso.
nuvens”, vivendo sonhos e escrevendo por meio de uma
linguagem sugestiva e sem contenção emocional. Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Cruz e Sousa (1861-1898) Para onde vão, fatigadas do sonho,
João da Cruz e Sousa nasceu em Nossa Senhora do Almas que se abismaram no mistério.
Desterro, antigo nome dado à cidade de Florianópolis, em
Santa Catarina, e era filho de escravos alforriados. O autor [...]
passou por inúmeras dificuldades por conta do preconceito CRUZ E SOUSA, João da. “Violões que choram”. In: PRANDINI, Paola
(Org.). Cruz e Sousa: Retratos do Brasil negro. São Paulo: Selo Negro, 2011.
racial, mas, desde criança, teve o amparo dos protetores
Marechal Guilherme Xavier de Sousa e de sua esposa – de “Violões que choram” é um poema de forte apelo sono-
quem herdara o sobrenome. O casal não tinha filhos e cui- ro, com variações nas aliterações e modulações vocálicas.
dou de Cruz e Sousa, dando-lhe educação e oportunidades. Ocorre sinestesia em “veludosas vozes”, já que o adjetivo
Em 1885, em parceria com Virgílio Várzea, o poeta publicou “veludosas” traduz uma impressão tátil e o substantivo “vo-
seus primeiros escritos na obra Tropos e fantasias, compos- zes” diz respeito ao que é audível. Ao todo, são 36 estrofes
ta por textos que versavam contra a escravidão. O ápice do de quatro versos decassílabos cada – o que ainda prende o
preconceito sofrido pelo poeta se deu quando foi impedido poema aos moldes mais clássicos de composição poética.
de assumir a promotoria de Laguna por ser negro. Mudan- Com relação à temática, o “violão” traz uma simbologia ain-
do-se para o Rio de Janeiro, Cruz e Sousa formou o primeiro da maior que a música, pois exala, também, certa sensualidade,
grupo simbolista, junto a Bernardino Lopes e Oscar Rosas. quando o poeta cita que os dedos “fazem as cordas gemerem”.
O poeta foi fortemente influenciado por Baudelaire, dan- As imagens do poema são imprecisas, fluidas, coerentes com
do à sua obra certo caráter obscuro e pessimista. Ele era a proposta do movimento de apenas sugerir sensações. Seu
obcecado pela noite e utilizava, sobretudo, versos filosófi- título, “Violões que choram”, também se faz notar pela personifi-
co-científicos para tentar explicar seu inconformismo com as cação do instrumento; os violões choram, soluçam e lamentam,
situações sociais. Como características estilísticas, podemos refletindo um estado de espírito angustiado e melancólico.

272 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
Alphonsus de Guimaraens era Afonso Henrique da Costa
Guimarães e nasceu na cidade de Ouro Preto, em Minas Ge-
E, no desvario seu,
rais, no dia 24 de julho de 1870. O poeta cursou a faculdade de
Na torre pôs-se a cantar...
Engenharia, mas, nesse período, acabou sofrendo um grande
Estava perto do céu,
abalo emocional ao perder Constança – nome que aparece
Estava longe do mar...
continuamente na lírica do poeta –, sua prima e noiva.
As obras do poeta tinham como temáticas centrais o E como um anjo pendeu
amor e a morte da amada, o que o leva a um tom elegíaco e As asas para voar...
fúnebre. A morte na poesia de Alphonsus de Guimaraens é Queria a lua do céu,
a forma sublime de transcendência e reaproximação de sua Queria a lua do mar...
amada. Alphonsus também foi um dos poetas mais místicos
do movimento simbolista, dada a sua ênfase na religiosida- As asas que Deus lhe deu
de, sobretudo no culto à Virgem Maria – a chamada lírica Ruflaram de par em par...
mariana. Seus poemas são compostos, esteticamente, tanto Sua alma subiu ao céu,
por redondilhas medievais quanto por versos decassílabos Seu corpo desceu ao mar...
(a chamada medida nova), sendo essas formas poéticas em- GUIMARAENS, Alphonsus de. “Ismália”. In: MOISÉS, Massaud. A literatura
pregadas de modo a submergir o leitor em seu mundo de brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 331-2.
ilusão e misticismo.
Ismália, personagem que dá título a este poema, é aquela
Ismália que sonha com a união entre o corpo e o espírito e que almeja
Quando Ismália enlouqueceu, se entregar ao amor absoluto e à loucura. A insanidade em
Pôs-se na torre a sonhar... “Ismália” é poética, aproxima-se do devaneio e distancia-se
Viu uma lua no céu, da realidade. Os quartetos do poema impressionam pela
Viu outra lua no mar. delicadeza narrativa para contar a saga de uma moça que,
No sonho em que se perdeu, metamorfoseada em anjo, vai ao encontro da lua no mar, das
Banhou-se toda em luar... duas imensidões e, assim, experimenta a completude.

Elegíaco: que exprime tristeza; lamentoso.

Revisando
Observe os dois fragmentos de poemas a seguir. Leia-os atentamente para responder às questões de 1 a 5.
Profissão de fé
[...] Sobre o papel Como um rubim.
Invejo o ourives quando escrevo: A pena, como em prata firme Quero que a estrofe cristalina,
Imito o amor Corre o cinzel. Dobrada ao jeito
Com que ele, em ouro, o alto-relevo [...] Do ourives, saia da oficina
Faz de uma flor. Torce, aprimora, alteia, lima Sem um defeito:
[...] A frase; e, enfim, [...]
Por isso, corre, por servir-me, No verso de ouro engasta a rima,
BILAC, Olavo. “Profissão de fé”. In: MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 224-5.

Antífona
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
de luares, de neves, de neblinas!... Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... [...]
Incensos dos turíbulos das aras... Infinitos espíritos dispersos,
[...] inefáveis, edênicos, aéreos,
Indefiníveis músicas supremas, Fecundai o Mistério destes versos
FRENTE 2

harmonias da Cor e do Perfume... Com a chama ideal de todos os mistérios.


CRUZ E SOUSA, João da. “Antífona”. In: MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2000. p. 308.

Ourives: profissional que produz peças/joias em ouro, prata e pedras preciosas.


Cinzel: instrumento feito de lâmina de aço para trabalhar metais e/ou pedras.
Antífona: versículo que prenuncia um salmo.
Inefável: aquilo que não se pode explicar com palavras; encantador, prazeroso.
Edênico: relativo a Éden; paradisíaco.
273
1 No poema “Profissão de fé”, o eu lírico afirma invejar 5 Em “Antífona”, Cruz e Sousa faz uso das chamadas
o ourives ao escrever. Qual é a intenção de se aproxi- maiúsculas alegorizantes. Qual é o propósito desse
mar o ofício do poeta ao trabalho do ourives? recurso da linguagem poética dos simbolistas?

2 No poema “Antífona”, lemos que as “formas” recebem


características impalpáveis, vagas e misteriosas. O
que seriam essas formas e qual seria o objetivo dessa
adjetivação?
Leia o poema a seguir, do poeta Olavo Bilac, e respon-
da às questões de 6 a 8.
Língua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,


Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
3 Em que esses dois poemas se aproximam e em que eles E o arrolo da saudade e da ternura!
se diferenciam? Considere forma, temática e linguagem.
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”


E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
BILAC, Olavo. “Língua Portuguesa”. Poemas de Olavo Bilac: seleção
de poemas [livro eletrônico]. São Paulo: Melhoramentos, 2014.
(Clássicos Melhoramentos).

Lácio: região da Itália onde se falava latim, que, poste-


riormente, deu origem a outras línguas; clangor: som
forte, estridente; trom: grande ruído, estrondo.

6 Sabe-se que Olavo Bilac, pertencente à tríade parna-


4 A escassez de verbos chama a atenção no poema de siana, exalta o idioma e valoriza a forma do poema,
Cruz e Sousa. A partir dessa constatação, o que é possí- transformando-o em arte. É possível afirmar que há,
vel deduzir das intenções literárias do poeta simbolista? no poema, função metalinguística? Qual é a relação
que o eu lírico mantém com o seu idioma?

274 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


7 Quais características o eu lírico atribui à Língua Portu- 8 Como podemos caracterizar a relação que o eu lírico
guesa em sua exaltação a ela? mantém com a tradição literária da Língua Portuguesa
(na referência ao poeta Camões)?

Exercícios propostos
1 EsPCEx 2018 Os parnasianos acreditavam que, apoian- As aves sonorizam-te o caminho...
do-se nos modelos clássicos, estariam combatendo E as vestes frescas, do mais puro linho
os exageros de emoção e fantasia do Romantismo e, e as rosas brancas dão-te um ar nevado...
ao mesmo tempo, garantindo o equilíbrio que alme- No entanto, ó Sonho branco de quermesse!
javam. Propunham uma poesia objetiva, de elevado Nessa alegria em que tu vais, parece
nível vocabular, racionalista, bem-acabada do ponto que vais infantilmente amortalhado!
de vista formal e voltada para temas universais. Esse CRUZ E SOUSA. “Sonho branco”.
racionalismo, que enfrentava os “exageros de emo-
ção” e fixava-se no formalismo, fica bem claro na a) Identifique o movimento literário ao qual está asso-
seguinte estrofe parnasiana de Olavo Bilac: ciado o poema, apontando uma característica típica
A E eu vos direi: “Amai para entendê-las!/Pois só dessa tendência. Transcreva um verso ou fragmen-
quem ama pode ter ouvido/Capaz de ouvir e de to do poema que exemplifique sua resposta.
entender estrelas”. b) Liste, de um lado, dois substantivos e, de outro,
 Não me basta saber que sou amado,/Nem só de- quatro adjetivos, dispersos ao longo do poema
sejo o teu amor: desejo/Ter nos braços teu corpo para criar sua atmosfera luminosa e etérea, ao
delicado,/Ter na boca a doçura de teu beijo. gosto do movimento literário em que se insere.
 Pois sabei que é por isso que assim ando:/Que é Identifique os versos que, em certo momento,
dos loucos somente e dos amantes/Na maior ale- criam uma tensão em relação à trajetória pura e
gria andar chorando. vivificante do poema, introduzindo uma nota som-
 Mas que na forma se disfarce o emprego/Do esforço; bria em sua atmosfera.
e a trama viva se construa/De tal modo, que a imagem
fique nua,/Rica, mas sóbria, como um templo grego. 3 Enem 2015
E Esta melancolia sem remédio,/Saudade sem razão,
louca esperança/Ardendo em choros e findando A pátria
em tédio. Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
2 Unifesp 2011 Leia o poema. Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
De linho e rosas brancas vais vestido, É um seio de mãe a transbordar carinhos.
FRENTE 2

sonho virgem que cantas no meu peito!...


Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
És do Luar o claro deus eleito,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
das estrelas puríssimas nascido.
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Por caminho aromal, enflorescido, Vê que grande extensão de matas, onde impera,
alvo, sereno, límpido, direito, Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
segues radiante, no esplendor perfeito, Boa terra! jamais negou a quem trabalha
no perfeito esplendor indefinido... O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

275
Quem com o seu suor a fecunda e umedece, superfetações em nosso meio, como a de Belas Artes da
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece! Missão Lebreton, mesmo criadas muito anteriormente, só
nesse período começam a produzir verdadeiros frutos na-
Criança! não verás país nenhum como este: tivos, na pintura, na música. Se dava então um progresso
Imita na grandeza a terra em que nasceste! cultural verdadeiramente fatal, escolas que tradicionaliza-
BILAC, Olavo. Poesias infantis. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929. vam seu tipo, maior difusão de leitura, maior difusão da
Publicado em 1904, o poema “A pátria” harmoniza-se imprensa. Essa difusão de cultura atingiu também a poesia.
com um projeto ideológico em construção na Primei- Excetuado um Gonçalves Dias, a nossa poesia românti-
ca é fundamentalmente um lirismo inculto. Todo o nosso
ra República. O discurso poético de Olavo Bilac ecoa
romantismo se caracteriza bem brasileiramente por essa
esse projeto, na medida em que
poesia analfabeta, canto de passarinho, ou melhor, canto
A a paisagem natural ganha contornos surreais, como de cantador; em sensível oposição à poética culteranista
o projeto brasileiro de grandeza. anterior. Mesmo da escola mineira, que, se não se poderá
 a prosperidade individual, como a exuberância da dizer culteranista, era bastante cultivada, principalmente
terra, independe de políticas de governo. com Cláudio Manuel e Dirceu. É possível reconhecer que
 os valores afetivos atribuídos à família devem ser os nossos românticos liam muito os poetas e poetastros
aplicados também aos ícones nacionais. estrangeiros do tempo. Isso lhes deu apenas uma chuvara-
 a capacidade produtiva da terra garante ao país a da de citações para epígrafe de seus poemas; por dentro,
riqueza que se verifica naquele momento. estes poemas perseveraram edenicamente analfabetos.
A necessidade nova de cultura, se em grande parte pro-
E a valorização do trabalhador passa a integrar o
duziu apenas, em nossos parnasianos, maior leitura e
conceito de bem-estar social experimentado.
consequente enriquecimento de temática em sua poesia,
teve uma consequência que me parece fundamental. Le-
4 Enem 2013 vou poetas e prosadores em geral a um... culteranismo
Mal secreto novo, o bem falar conforme às regras das gramáticas lusas.
Com isso foi abandonada aquela franca tendência pra es-
Se a cólera que espuma, a dor que mora crever apenas pondo em estilo gráfico a linguagem falada,
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce, com que os românticos estavam caminhando vertiginosa-
Tudo o que punge, tudo o que devora mente para a fixação estilística de uma língua nacional. Os
O coração, no rosto se estampasse; parnasianos, e foi talvez o seu maior crime, deformaram a
Se se pudesse, o espírito que chora, língua nascente, “em prol do estilo”. [...]
Ver através da máscara da face, Essa foi a grande transformação. Uma necessidade de
maior extensão de cultivo intelectual para o poeta, atingiu
Quanta gente, talvez, que inveja agora
também a poesia. Da língua boa passou-se para a língua certa.
Nos causa, então piedade nos causasse!
ANDRADE, Mário de. “Parnasianismo”. In: ______ O empalhador de
Quanta gente que ri, talvez, consigo passarinhos. 3. ed. São Paulo: Martins; Brasília: INL, 1972. p. 11-2.

Guarda um atroz, recôndito inimigo, Superfetações: a palavra significa, literalmente, fecun-


Como invisível chaga cancerosa! dação de um segundo óvulo, no curso de uma gestação.
Quanta gente que ri, talvez existe, Mário de Andrade a emprega em sentido figurado.
Cuja ventura única consiste À vista do texto e das teses correntes sobre os estilos
Em parecer aos outros venturosa! de época em nossa literatura, é correto armar que,
CORREIA, R. In: PATRIOTA, M. Para compreender Raimundo nesse texto, Mário de Andrade
Correia. Brasília: Alhambra, 1995. A recusa-se a ver aspectos culturais positivos na arte
Coerente com a proposta parnasiana de cuidado for- parnasiana, que considera culteranista, tal qual a
mal e racionalidade na condução temática, o soneto escola mineira (o Arcadismo), na qual ele reconhe-
de Raimundo Correia reete sobre a forma como as ce simplicidade no tratamento da linguagem.
emoções do indivíduo são julgadas em sociedade. Na  reconhece, na simplicidade da linguagem romântica,
concepção do eu lírico, esse julgamento revela que a aproximação entre língua escrita e língua falada, o
A a necessidade de ser socialmente aceito leva o esforço para afirmação de uma língua nacional na
indivíduo a agir de forma dissimulada. poesia, tal qual ocorreu na linguagem modernista.
 o sofrimento íntimo torna-se mais ameno quando  manifesta sua aprovação ao projeto parnasiano de
compartilhado por um grupo social. afirmar uma língua certa, em lugar de uma língua
 a capacidade de perdoar e aceitar as diferenças boa, visto que esta última servia apenas para ex-
neutraliza o sentimento de inveja. pressar o atraso intelectual do país.
 o instinto de solidariedade conduz o indivíduo a  contesta a importância que nossa cultura letrada dá
a Gonçalves Dias, o qual ele entende ser uma ex-
apiedar-se do próximo.
ceção no quadro de uma poesia que já se afirmava
E a transfiguração da angústia em alegria é um artifí-
como nacionalista.
cio nocivo ao convívio social.
E adere às teses estilísticas do Parnasianismo, as
5 Fatec 2011 O Parnasianismo, entre nós, foi especialmente quais caracteriza como culto à forma, em especial
uma reação de cultura. É mesmo isso que o torna simpá- pela contribuição daquelas para afirmar uma autên-
tico... As academias de arte, algumas delas, até ridículas tica língua brasileira.

276 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


6 UPF 2017 Sobre a poética do Parnasianismo, apenas é publica uma coletânea de poemas; em 1871 e 1876,
incorreto afirmar que saem outras duas coletâneas. Os poetas desse movi-
A expressa o desejo de impessoalidade, que com- mento literário pregam o princípio da Arte pela Arte,
partilha com os realistas. isto é, defendem uma arte que não sirva a nada e a nin-
 introduz a liberdade formal, mais tarde assumida guém, uma arte inútil, uma arte voltada para si própria.
pelos modernistas. A Arte procuraria a Beleza e a Verdade que existiriam
 caracteriza-se pela defesa de ideais antirromânticos. nos seres concretos, e não no sentimento do artista. Por
isso, o belo se confundiria com a forma que o reveste,
 distingue-se pela busca da objetividade no trata-
e não com algo que existiria dentro dele. Daí vem que
mento dos temas.
esses poetas sejam formalistas e preguem o cuidado da
E elege o culto da forma como um de seus princípios
forma artística como exigência preliminar. Para conse-
basilares.
gui-lo, defendem uma atitude de impassibilidade diante
das coisas: não se emocionar jamais; antes, impessoali-
7 UPF 2018 Considere as afirmações a seguir em rela- zar-se tanto quanto possível pela descrição dos objetos,
ção ao Parnasianismo. via de regra inertes ou obedientes aos movimentos pró-
I. Os autores realistas, diferentemente dos parna- prios da Natureza (o fluxo e refluxo das ondas do mar,
sianos, buscam a impessoalidade no tratamento o voo dos pássaros, etc.). Esteticistas, anseiam uma arte
dos temas. universalista. Em Portugal, tentou-se introduzir esse mo-
II. A poesia de Olavo Bilac, embora cronologicamen- vimento; certamente, impregnou alguns poetas, exerceu
te esteja vinculada ao Parnasianismo, destaca-se influência, mas não passou de prurido, que pouco al-
pela defesa dos ideais românticos. terou o ritmo literário do tempo. Na verdade, o modo
III. O culto da forma é uma característica marcante fortuito como alguns se deixaram contaminar da nova
desse estilo de época, que surge no Brasil na se- moda poética revelava apenas veleidade francófila, em
gunda metade do século XIX. decorrência de razões de gosto pessoal ou de grupos
restritos: faltou-lhes intuito comum.
Está correto apenas o que se arma em: (Massaud Moisés. A literatura portuguesa, 1999. Adaptado.)
A II.
 I. As informações apresentadas no texto referem-se à
 I e III. literatura
 II e III. A simbolista, cuja busca pelo Belo implicou a liberda-
E III. de na expressão dos sentimentos. O texto deixa
claro que essa literatura alcançou notável aceita-
ção entre os poetas da época.
8 Unesp 2018 Leia o soneto de Raimundo Correia (1859-1911).
 simbolista, cuja preocupação com a expressão do
Esbraseia o Ocidente na agonia sentimento filia-se à tradição poética do Renascimen-
O sol... Aves em bandos destacados, to. O texto deixa claro que essa literatura teve um
Por céus de ouro e de púrpura raiados, desenvolvimento tímido na cena literária portuguesa.
Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...  parnasiana, cuja preocupação com a objetividade a
opõe ao subjetivismo romântico. O texto deixa cla-
Delineiam-se, além, da serrania ro que essa literatura não se impôs na cena literária
Os vértices de chama aureolados, portuguesa.
E em tudo, em torno, esbatem derramados  parnasiana, cuja liberdade de expressão e cujo
Uns tons suaves de melancolia... compromisso social permitem fundamentar a Arte
pela Arte. O texto deixa claro que essa literatura
Um mundo de vapores no ar flutua...
teve pouco espaço na cena literária portuguesa.
Como uma informe nódoa, avulta e cresce
E realista, cuja influência da tradição clássica é fun-
A sombra à proporção que a luz recua...
damental para se chegar à perfeição. O texto deixa
claro que essa literatura teve uma disseminação
A natureza apática esmaece...
irregular na cena literária portuguesa.
Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula... Anoitece.
(Poesia completa e prosa, 1961.)
10 Unifor 2012 A poesia parnasiana tem como caracterís-
tica o antissentimentalismo e a consequente reposição
a) Transcreva da primeira estrofe um exemplo de de ideais clássicos de Arte, como a impassibilidade, o
FRENTE 2

personificação. Justifique sua resposta. racionalismo, o culto da forma, o sensacionalismo, o es-


b) Cite duas características que permitem filiar esse teticismo, o universalismo.
soneto à estética parnasiana. MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos.
22. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

9 Unifesp 2013 Essa poesia não logrou estabelecer-se em Manuel Bandeira faz uma crítica ao Parnasianismo e
Portugal. De origem francesa, suas primeiras manifes- assim produz uma declaração do que não queriam os
tações datam de 1866, quando um editor parisiense modernistas. Esse sentimento se encontra no poema:

277
A Estou farto do lirismo comedido do lirismo bem com- Atravessaste no silêncio escuro
portado a vida presa a trágicos deveres
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expe- e chegaste ao saber de alto saberes
diente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor tornando-te mais simples e mais puro.
(“Poética”)
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
 Vou-me embora pra Pasárgada magoado, oculto e aterrador, secreto,
Aqui eu não sou feliz que o coração te apunhalou no mundo.
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente Mas eu que sempre te segui os passos
Que Joana a Louca de Espanha sei que cruz infernal prendeu-te os braços
Rainha e falsa demente e teu suspiro como foi profundo!
Vem a ser contraparente CRUZ E SOUSA. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1961.

Da nora que eu nunca tive Com uma obra densa e expressiva no Simbolismo
(“Vou-me embora pra Pasárgada”) brasileiro, Cruz e Sousa transpôs para seu lirismo uma
sensibilidade em conito com a realidade vivenciada.
 Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. No soneto, essa percepção traduz-se em
A vida inteira que podia ter sido e que não foi. A sofrimento tácito diante dos limites impostos pela
Tosse, tosse, tosse. discriminação.
(“Pneumotórax”)  tendência latente ao vício como resposta ao isola-
mento social.
 Beijo pouco, falo menos ainda  extenuação condicionada a uma rotina de tarefas
Mas invento palavras degradantes.
Que traduzem a ternura mais funda  frustração amorosa canalizada para as atividades
E mais cotidiana intelectuais.
(“Neologismo”) E vocação religiosa manifesta na aproximação com
a fé cristã.
E Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
13 Unesp 2018 Esse movimento descobriu algo que ainda não
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
havia sido conhecido ou enfatizado antes: a “poesia pura”,
Em nenhuma epiderme a poesia que surge do espírito irracional, não conceitual
(“A morte absoluta”) da linguagem, oposto a toda interpretação lógica. Assim,
a poesia nada mais é do que a expressão daquelas rela-
11 UPF 2019 Sobre o Simbolismo e os poetas surgidos ções e correspondências, que a linguagem, abandonada a
nesse momento no Brasil, apenas é correto afirmar que si mesma, cria entre o concreto e o abstrato, o material e o
A na literatura europeia, o simbolismo não exerceu a ideal, e entre as diferentes esferas dos sentidos.
função relevante que o distinguiu no Brasil. Sendo a vida misteriosa e inexplicável, como pensa-
 os poetas simbolistas brasileiros não investem na vam os adeptos desse movimento, era natural que fosse
sonoridade como forma de provocar sensações. representada de maneira imprecisa, vaga, nebulosa, iló-
 a imagem, recurso empregado com frequência na gica e ininteligível.
poesia brasileira de outros períodos, está ausente (Afrânio Coutinho. Introdução à literatura no Brasil, 1976. Adaptado.)

nos versos dos simbolistas. O comentário do crítico Afrânio Coutinho refere-se ao


 a originalidade de Augusto dos Anjos não dificulta movimento literário denominado
sua inserção no Simbolismo, uma vez que o poeta A Parnasianismo.
em nada se aproxima de outras tendências e esti-  Romantismo.
los de época.  Realismo.
E destacam-se, entre os simbolistas brasileiros, Cruz  Simbolismo.
e Souza e Alphonsus de Guimaraens. E Arcadismo.

12 Enem 2014 Leia o poema a seguir para responder à questão 14.


Vida obscura Cárcere das almas
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
ó ser humilde entre os humildes seres, Soluçando nas trevas, entre as grades
embriagado, tonto de prazeres, Do calabouço olhando imensidades,
o mundo para ti foi negro e duro. Mares, estrelas, tardes, natureza.

278 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


Tudo se veste de uma igual grandeza  A exploração da musicalidade, de assonâncias e
Quando a alma entre grilhões as liberdades de aliterações e a presença de vocabulário litúrgi-
Sonha e, sonhando, as imortalidades co são comuns na poesia de Cruz e Sousa.
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza. E A percepção do objeto (pôr do sol) não pela visão,
mas pela audição – sinestesia – caracteriza o poe-
Ó almas presas, mudas e fechadas ma aludido no 2o terceto.
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo! 16 UFRGS 2018 No bloco superior abaixo, estão lista-
dos os movimentos literários brasileiros; no inferior,
Nesses silêncios solitários, graves,
características desses movimentos. Associe adequa-
que chaveiro do Céu possui as chaves
damente o bloco inferior ao superior.
para abrir-vos as portas do Mistério?!
1. Arcadismo
Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/1736821>.
Acesso em: 30 nov. 2012. 2. Parnasianismo
3. Simbolismo
14 IFG 2013 Considerando as particularidades do uso da J Representa um afastamento dos problemas sociais
linguagem nos textos literários e as características do brasileiros, seguindo uma estética rígida.
Simbolismo brasileiro, assinale a alternativa correta J Surge na periferia intelectual brasileira: Minas Ge-
quanto ao poema de Cruz e Sousa: rais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A As metáforas presentes na última estrofe do poe- J Recupera o padrão estético clássico, fazendo res-
ma ajudam a construir a ideia global de que nem surgir a epopeia.
mesmo a morte representa o fim do sofrimento J Busca transfigurar a condição humana, dando-lhe
para as almas privadas de liberdade. horizontes transcendentais.
 Não há presença de uso conotativo da linguagem
A sequência correta de preenchimento dos parênte-
nesse texto, pois ele retrata objetivamente uma si-
ses, de cima para baixo, é
tuação de aprisionamento dos corpos subjugados
A 1 – 1 – 3 – 2.
pela escravidão.
 1 – 3 – 2 – 2.
 A sugestão de sentimentos e estados de alma,
bem como a transcendência espiritual, são carac-  2 – 3 – 1 – 3.
terísticas simbolistas desse poema, que denuncia a  2 – 3 – 3 – 1.
opressão étnico-racial. E 3 – 1 – 3 – 2.
 O emprego de iniciais maiúsculas (“Dor”; “Misté-
rio”...) é um recurso simbolista que atribui um valor 17 Insper 2012 Acho que nunca falei do meu amigo parna-
objetivo e absoluto aos termos assim grafados. siano. Era poeta e jovem, hoje é mais poeta do que jovem.
E Predomina neste poema a função referencial da Fazia umas brincadeiras com a linguagem dos poetas
linguagem, haja vista que ele se atém à apresen- parnasianos, transplantando-a para banalidades de hoje.
tação direta de uma realidade social vivenciada no [...]
século XIX. Não sei dizer quando esse amigo começou com a brin-
cadeira. Talvez na faculdade de Direito, e além do talvez
15 Unioeste 2018 Tendo em vista os tercetos abaixo e não avanço. Uma noite, farreado, acabado e sem pouso,
ele chegou a um daqueles hotéis de má fama que havia
os poemas de onde foram extraídos, O Incêndio de
na Avenida Ipiranga, de escadaria longa, íngreme, estrei-
Roma e Sinfonias do Ocaso, bem como seus respec-
ta e desanimadora, e chamou lá de baixo:
tivos autores, Olavo Bilac e Cruz e Sousa, assinale a
— Estalajadeiro! Estalajadeiro!
alternativa INCORRETA.
Era já o parnasiano divertindo-se dentro dele. Um ho-
“Nero, com o manto grego ondeado ao ombro, assoma mem surgiu lá em cima, com má vontade. E o poeta, já
Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte, possuído pela molecagem parnasiana, exclamou, teatral:
Lira em punho, celebra a destruição de Roma”. — Bom estalajadeiro! Tendes um catre para o meu repouso?
Recebeu de troco palavrões bocagianos.
“Ah! por estes sinfônicos ocasos
ANGELO, Ivan. Veja SP, 2 maio 2012.
A terra exala aromas de áureos vasos,
Incensos de turíbulos divinos”. Considere estas armações:
o I. O adjetivo “parnasiano”, atribuído ao amigo do
A A impassibilidade de Nero (1 terceto) perante o in-
cêndio devastador pode ser interpretada como a narrador do texto, se deve à utilização de pala-
FRENTE 2

representação ideal do artista na estética parnasiana. vras pomposas, rebuscadas.


 A destruição de Roma (1o terceto) alude a um fato II. No último período, o termo “bocagianos” faz refe-
histórico e faz do Imperador Nero a representação rência aos versos satíricos de Manuel du Bocage,
de um louco. o mais importante autor do Parnasianismo lusitano.
 Ao contrário de Olavo Bilac, Cruz e Sousa conse- III. Depreende-se, da leitura do texto, que os poetas
guiu vencer os preconceitos e sobrepor-se ao jugo parnasianos valorizavam o plano da expressão,
de uma sociedade hostil e escravocrata. em detrimento do plano do conteúdo.

279
Está correto o que se arma em  I e II, apenas.
A I, apenas.  I e III, apenas.  II e III, apenas.
 I e II, apenas. E I, II e III.
 II e III, apenas. E I, II e III.
19 Unifesp 2016 O Simbolismo é, antes de tudo, antipo-
Para responder à questão 18, leia o poema “Encarnação”. sitivista, antinaturalista e anticientificista. Com esse
movimento, nota-se o despontar de uma poesia nova,
Carnais, sejam carnais tantos desejos,
que ressuscitava o culto do vago em substituição ao culto
carnais, sejam carnais tantos anseios,
da forma e do descritivo.
palpitações e frêmitos e enleios,
Massaud Moisés. A literatura portuguesa, 1994. Adaptado.
das harpas da emoção tantos arpejos...
Sonhos, que vão, por trêmulos adejos, Considerando esta breve caracterização, assinale a
à noite, ao luar, intumescer os seios alternativa em que se verica o trecho de um poema
láteos, de nos e azulados veios simbolista.
de virgindade, de pudor, de pejos... A “É um velho paredão, todo gretado,
Roto e negro, a que o tempo uma oferenda
Sejam carnais todos os sonhos brumos
Deixou num cacto em flor ensanguentado
de estranhos, vagos, estrelados rumos
E num pouco de musgo em cada fenda.”
onde as Visões do amor dormem geladas...
Sonhos, palpitações, desejos e ânsias  “Erguido em negro mármor luzidio,
formem, com claridades e fragrâncias, Portas fechadas, num mistério enorme,
a encarnação das lívidas Amadas! Numa terra de reis, mudo e sombrio,
Sono de lendas um palácio dorme.”
18 PUC-RS 2013 Com base no poema e em seu contexto,
afirma-se:  “Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
I. A atmosfera onírica, a sugestão através de sím- Casualmente, uma vez, de um perfumado
bolos, a musicalidade das palavras por meio da Contador sobre o mármor luzidio,
aliteração são características que permitem asso- Entre um leque e o começo de um bordado.”
ciar o poema à escola simbolista.
II. O eu lírico, em tom quase de súplica, ambiciona a  “Sobre um trono de mármore sombrio,
concretização daquilo que pensa e deseja. Num templo escuro e ermo e abandonado,
III. O autor do poema também escreveu as obras Triste como o silêncio e inda mais frio,
Missal e Broquéis. Seu nome é Alphonsus de Um ídolo de gesso está sentado.”
Guimaraens.
E “Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
A(s) armativa(s) correta(s) é/são De luares, de neves, de neblinas!...
A I, apenas. Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
 III, apenas. Incensos dos turíbulos das aras...”

e
Texto complementar
Entre parnasianos e simbolistas, figurou uma rara voz poética feminina. Conheça um pouco do perfil literário de Francisca Júlia no texto a seguir.

Francisca Júlia (1871-1920)


Francisca Júlia da Silva (1871-1920) nasceu em Eldorado Paulista (SP) e faleceu em São Paulo.
Sua estreia literária deu-se em 1891, nas páginas do jornal O Estado de São Paulo. Ao longo dos anos, publicou poemas
em jornais e revistas, destacando-se pela alta qualidade dos versos, segundo os critérios do tempo. Francisca Júlia publicou
quatro livros ao longo da vida. Seu primeiro e mais conhecido é Mármores, de 1895. Na sequência, compôs um volume de
versos para crianças, intitulado O livro da infância (1899) e Esfinges (1903). Em 1912, junto com seu irmão, Júlio da Silva,
publicou Alma infantil.
A crítica tem destacado usualmente, seguindo nisso a primeira recepção da sua obra, as características parnasianas da
poesia de Francisca Júlia, deixando em segundo plano aquilo que João Ribeiro notara no prefácio a esse livro de estreia: a
presença de significativos elementos simbolistas. A leitura, hoje, da sua obra, confirma a impressão do prefaciador. Embora
muitos dos seus sonetos estejam entre os mais bem-acabados de sua época e muitos deles se enquadrem nos preceitos da
impassibilidade parnasiana (que os melhores parnasianos, como Bilac, sistematicamente infringiram), é igualmente interes-
sante (e talvez até mais, para o gosto de hoje) a parte da sua obra que se aproxima da dicção simbolista.
Alguns fatores, herdados em parte da primeira recepção, têm orientado, nem sempre de modo a produzir justiça ao seu
talento e à qualidade da sua obra, a avaliação da sua poesia. Um deles é a insistência na condição feminina. No seu tempo,

280 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


causou muita espécie aquilo que a crítica sua contemporânea identificou como dicção máscula, ou, pelo menos, dicção
não feminina – entendido, nos moldes do tempo, o feminino como predominantemente sentimental e mesmo inferior, por
condição, em termos estéticos. Recentemente, a valorização do feminino parece operar uma inversão nessa perspectiva,
deslocando novamente a avaliação da obra para a questão do gênero. [...]
Com a disponibilização das primeiras edições, por certo a poesia de Francisca Júlia ganhará nova recepção, e – agora
que o preconceito modernista contra a poesia parnasiana e simbolista começa a perder força como padrão único de avaliação
literária no Brasil – os muitos poemas de primeiro nível presentes nos dois volumes, bem como a disposição significativa que
permite compreendê-los como parte de um desenho maior, poderão ser devidamente apreciados.
FRANCHETTI, Paulo. “Francisca Júlia (1871 1920)”. Biblioteca Brasiliana Mindlin.
Disponível em: <https://bbm.usp.br/node/89>. Acesso em: 25 out. 2017.

Resumindo
Neste capítulo, você viu...
Parnasianismo Simbolismo
y A estética parnasiana surge em oposição ao Romantismo e ao excesso y O Simbolismo é o movimento literário que surge como uma reação à
de sentimentalismo, com uma poesia contida e racional. Os poetas forma objetiva/científica de ver o mundo e refletir sobre ele. Nomes
parnasianos Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira ficaram como Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens estão entre os principais
conhecidos como a tríade parnasiana. poetas simbolistas no Brasil.
y Entre as características do Parnasianismo, destacam-se: mitologia grega y Entre as características do Simbolismo, destaca-se o resgate de ele-
e descrição objetiva de objetos e cenas. mentos românticos, como a emoção, a introspecção e a subjetividade.
y Há a valorização da forma, com métrica perfeita, rimas ricas e uso y Alguns dos temas no Simbolismo são mistério, ocultismo, morte, noite,
preferencial do soneto. abstrações, pessimismo e religiosidade.
y Entre as divergências com o Simbolismo, evidenciam-se poema descri- y A linguagem poética simbolista faz uso de aliterações, assonâncias e
tivo, não sugestivo, com texto lógico e racional. sinestesias.
y O trabalho do poeta parnasiano é comparado ao do ourives, pois ambos y Há referência constante à cor branca, transmitindo uma atmosfera de
trabalham sua matéria-prima (o ouro ou a palavra) para atingir a perfeição. mistério e de coisas vagas.

Quer saber mais?

Filme Livro
y Cruz e Sousa – o poeta do desterro. Direção: Sylvio Back. Agência y BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. São Paulo: Martin Claret,
Estado, 1998, 86 min. 2011.
O longa é uma reinvenção da vida e da obra do poeta simbolista João O livro é considerado um marco da poesia simbolista, no qual
da Cruz e Sousa (1861-1898). Retrata suas paixões, sua compreensão Charles Baudelaire criou uma nova linguagem, incorporando-a à
social, racial e intelectual, resultando em seu trágico fim. sublimada do Romantismo. Suas poesias retratam as paixões da
alma humana.

Exercícios complementares
1 Acafe 2017 Diferentemente do Realismo e do Naturalis- Sobre o Parnasianismo, assinale a alternativa correta.
mo, que se voltavam para o exame e para a crítica da A Os maiores expoentes do Parnasianismo, na poe-
FRENTE 2

realidade, o Parnasianismo representou na poesia um sia e na prosa, ocuparam-se da literatura indianista,


retorno ao clássico, com todos os seus ingredientes: o na qual exaltavam a dignidade do nativo e a beleza
princípio do belo na arte, a busca do equilíbrio e da per- superior da paisagem tropical.
feição formal. Os parnasianos acreditavam que o sentido  Um exemplo de poesia parnasiana é a obra Suspiros
maior da arte reside nela mesma, em sua perfeição, e não poéticos e saudade, de Gonçalves de Magalhães, na
na sua relação com o mundo exterior. qual o poeta anuncia a revolução literária, libertando-se
CEREJA; MAGALHÃES, 1999, p. 334. dos modelos românticos, considerados ultrapassados.

281
 Os parnasianos consideravam que certos prin- Não se mostre na fábrica o suplício
cípios românticos, como a simplicidade da Do mestre. E natural, o efeito agrade,
linguagem, valorização da paisagem nacional, em- Sem lembrar os andaimes do edifício:
prego de sintaxe e vocabulário mais brasileiros,
sentimentalismo, tudo isso ocultava as verdadeiras Porque a Beleza, gêmea da Verdade
qualidades da poesia. Arte pura, inimiga do artifício,
 Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Cos- É a força e a graça na simplicidade.
BILAC, Olavo. A um poeta.
ta exemplificam a tendência de uma poesia pura,
indiferente às contingências históricas, com sátira à Texto II
mestiçagem e elogio à nobreza local. Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
2 EsPCEx 2014 Quanto à poesia parnasiana, é correto e as palavras na folha de papel;
afirmar que se caracteriza por e depois joga-se fora o que boiar.
A buscar uma linguagem capaz de sugerir a rea-
lidade, fazendo, para tanto, uso de símbolos, [...]
imagens, metáforas, sinestesias, além de recursos
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
sonoros e cromáticos, tudo com a finalidade de
O de que entre os grãos pesados entre
exprimir o mundo interior, intuitivo, antilógico e
Um grão qualquer, pedra ou indigesto,
antirracional.
Um grão imastigável, de quebrar dente.
 cultivar o desprezo pela vida urbana, ressaltando o
gosto pela paisagem campestre; elevar o Ideal de
Certo não, quando ao catar palavras:
uma vida simples, integrada à natureza; conter nos A pedra dá à frase seu grão mais vivo;
poemas elementos da cultura greco-latina; apre- Obstrui a leitura fluviante, flutual,
sentar equilíbrio espiritual, racionalismo. Açula a atenção, isca-a com o risco.
 apresentar interesse por temas religiosos, refletindo NETO, João Cabral de Melo. Catar Feijão.
o conflito espiritual, a morbidez como forma de
acentuar o sentido trágico da vida, além do emprego J 0-0 Para Olavo Bilac, criar poemas exige esforço.
constante de figuras de linguagem e de termos Em A um poeta, ele afirma que o escritor deve
requintados. ser como um monge beneditino, pois a boa
 possuir subjetivismo, egocentrismo e sentimen- poesia resulta unicamente do silêncio e do
talismo, ampliando a experiência da sondagem isolamento, razão pela qual estabelece uma
Interior e preparando o terreno para investigação relação do poeta com um monge.
psicológica. J 1-1 Enquanto Bilac não apresenta preocupação
E pretender ser universal, utilizando-se de uma lin- formal com o fazer poético, o qual se restrin-
guagem objetiva, que busca a contenção dos ge a uma perspectiva conteudística, própria
sentimentos e a perfeição formal. da estética parnasiana, João Cabral se revela
um perfeito engenheiro, para quem catar feijão
metaforiza a produção escrita.
Instrução: Para a próxima questão, marque V (verda-
J 2-2 Olavo Bilac apresenta uma concepção estéti-
deiro) ou F (falso).
ca aristocrática; João Cabral parte da similitude
3 UFPE 2013 Ainda que o fazer poético seja um tema entre o ofício do poeta e a atividade de catar
recorrente na Literatura brasileira, suas diversas con- feijão. Assim, o poeta pernambucano se alinha
cepções são apresentadas de modo diferenciado de com o Modernismo, enfatizando o cotidiano, a
época para época. Assim, a partir da leitura dos poe- vida simples, o dia a dia.
mas a seguir, analise as proposições seguintes. J 3-3 Nas duas últimas estrofes, João Cabral revela
Texto I que o poético resulta não apenas da forma, mas
Longe do estéril turbilhão da rua, também do efeito que o texto pode provocar no
Beneditino escreve! No aconchego leitor, o que traduz uma perspectiva bem mais
Do claustro, na paciência e no sossego, contemporânea, ou seja, a valorização do texto
Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua! de acordo com sua recepção.
J 4-4 Os dois poemas, escritos em épocas distintas,
Mas que na forma se disfarce o emprego se constroem por uma linguagem que discorre
Do esforço; e a trama viva se construa sobre si mesma; daí, serem designados como
De tal modo, que a imagem fique nua metapoemas, ainda que apresentem diferentes
Rica mas sóbria, como um templo grego. pontos de vista sobre o mesmo tema.

282 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


4 UnB 2012 5 Insper 2012 Embora seja identificado como o principal
poeta parnasiano brasileiro, Olavo Bilac, nesse sone-
Vaso grego
to, explora um aspecto do Romantismo, o qual está
Esta, de áureos relevos, trabalhada explicitado na seguinte alternativa:
De divas mãos, brilhante copa, um dia, A objetividade e racionalismo do eu lírico.
Já de aos deuses servir como cansada,  subjetividade numa atmosfera onírica.
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
 forte presença de elementos descritivos.
Era o poeta de Teos que a suspendia
 liberdade de criação e de expressão.
Então e, ora repleta ora esvazada, E valorização da simplicidade, bucolismo.
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada. 6 Cesgranrio 2011 Entre as correlações a seguir, aquela
que associa corretamente o movimento literário à sua
Depois... Mas o lavor da taça admira, característica é
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas A Concretismo – valorização do espaço gráfico como
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
elemento estruturador do poema conjugada à sin-
taxe tradicional para enfatizar o lirismo do poeta.
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,  Realismo – retratação da realidade contempo-
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse. rânea, apresentando tipos concretos, vivos, não
OLIVEIRA, Alberto de. Poesias completas. In: Crítica. REIS, idealizados, na ânsia de apresentar uma visão pa-
Marco Aurélio de Mello. Rio de Janeiro: Eduerj, 1978, p.144. tológica do homem, reduzindo-o a simples animal.
A partir da leitura do soneto “Vaso grego”, assinale a  Parnasianismo – movimento eminentemente
opção correta a respeito do tratamento estético con- poético em que se observam o alheamento a
ferido aos mitos antigos pela poética parnasiana. problemas sociais, o culto da forma e poesias
A A recorrência a temas mitológicos atraía o leitor excessivamente descritivas, em um enfoque ob-
comum e amenizava os efeitos de distanciamento jetivo e impessoal.
impostos a ele pelo rebuscamento da linguagem  Simbolismo – expressão direta e precisa de ideias
parnasiana. e emoções na retratação da realidade, além da
 Os mitos antigos são atualizados na poesia parna- obsessão pela musicalidade e pela busca da es-
siana e recebem um significado poético novo, que sência do ser humano: a alma.
promove a ruptura efetiva com o passado e a tra- E Romantismo – movimento literário que, em sua con-
dição mítica. cepção primeira de traduzir a arte pela arte, evade-se
 O tratamento estético dos mitos gregos na poesia na aspiração por outro mundo, o mundo idealizado,
parnasiana aproxima o antigo mundo mitológico o que se configura em uma estrutura formal rígida.
dos problemas imediatos e concretos da vida so-
cial brasileira.
7 UFTM 2011 Considere as informações.
 A presença de elementos da arte e da mitologia
É na convergência de ideais antirromânticos, como a ob-
gregas no soneto apresentado está de acordo com
jetividade no trato dos temas e o culto da forma, que se
uma máxima do Parnasianismo: a arte pela arte.
situa a poética [desse movimento literário].
[...]
Utilize o texto a seguir para responder à questão 5. Seus traços de relevo: o gosto da descrição nítida (a mi-
I mese pela mimese), concepções tradicionalistas sobre
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via metro, ritmo e rima e, no fundo, o ideal da impessoalida-
Que, aos raios do luar iluminada, de que partilhavam com os [escritores] do tempo.
Entre as estrelas trêmulas subia BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira.

Uma infinita e cintilante escada. O texto alude aos poetas


A ultrarromânticos, que romperam com a poesia india-
E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada
nista e ufanista, a exemplo de Álvares de Azevedo.
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
 realistas, que trataram, em sua obra poética, de temas
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
ligados ao cotidiano, tal como o fez Machado de Assis.
Ressoante de súplicas, feria...
 parnasianos, que, afastando-se dos ideais românti-
Tu, mãe sagrada! vós também, formosas cos, buscavam a linguagem isenta de subjetivismo,
FRENTE 2

Ilusões! sonhos meus! Íeis por ela a exemplo de Olavo Bilac.


Como um bando de sombras vaporosas.  simbolistas, que romperam com o pessimismo ro-
mântico e propuseram uma poética espiritualizada,
E, ó meu amor! eu te buscava, quando como o fez Cruz e Sousa.
Vi que no alto surgias, calma e bela, E modernistas, que, negando os preceitos da poe-
O olhar celeste para o meu baixando... sia romântica, buscavam uma poética nacional, a
BILAC, Olavo. Via-Láctea. exemplo de Mário de Andrade.

283
8 UPE/SSA 2017 Em relação ao Parnasianismo e ao Sim- Pobre! por que, a sofrer, a leste e a oeste, ao norte
bolismo, analise as proposições a seguir e assinale E ao sul, desperdiçaste a força de tua alma?
com V as verdadeiras e com F as falsas. Tinhas tão perto o Bem, tendo tão perto a Morte!
J O Parnasianismo é uma manifestação vigorosamen-
te antirromantismo, por isso a presença do culto Paz à tua ambição! paz à tua loucura!
extremo da forma. A conquista melhor é a conquista da Calma:
J A origem do Parnasianismo é na Inglaterra, onde – Conquistaste o país do Sono e da Ventura!
foi lançada, em 1866, uma coletânea chamada Par- BILAC, Olavo.

nasse Contemporain. Poema 3


J Sobre os poetas simbolistas, percebe-se que, na
França, em Portugal e no Brasil, suas características A Morte
são muito parecidas e bem próximas dos poetas Oh! que doce tristeza e que ternura
parnasianos. No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
J Os simbolistas preservaram a preocupação com a De que âncoras profundas se socorrem
versificação dos parnasianos, mas, desejosos de Os que penetram nessa noite escura!
manter um clima de mistério e fluidez, optaram por
Da vida aos frios véus da sepultura
ritmos musicais e insinuantes.
Vagos momentos trêmulos decorrem…
J Missal e Broquéis são as mais importantes obras
E dos olhos as lágrimas escorrem
de Alphonsus de Guimaraens, poeta que inicia o
Como faróis da humana Desventura.
movimento simbolista no Brasil.
Descem então aos golfos congelados
A sequência correta, de cima para baixo, é:
Os que na terra vagam suspirando,
A V-V-V-F-V  F-F-F-V-V
Com os velhos corações tantalizados.
b V-F-F-V-F E V-V-V-V-F
 F-F-V-F-V Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro a baixo, aos ecos soluçados
9 UPE/SSA 2016 Enquadram-se os três sonetos em dis- Do vendaval da Morte ondeando, uivando…
tintos Movimentos Literários. Leia-os e analise-os. SOUSA, Cruz e.

Poema 1 A leitura dos poemas comprova que o tema da mor-


te tanto quanto o tema do amor estão presentes em
Já da morte o palor me cobre o rosto,
textos de todos os movimentos literários e em produ-
Nos lábios meus o alento desfalece,
ção de diferentes poetas. Nos três poemas, o tema
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto! da morte é ponto fundamental. Sobre isso, assinale a
alternativa correta.
Do leito embalde no macio encosto A Álvares de Azevedo, em diversos poemas, ao fa-
Tento o sono reter!… já esmorece lar da morte, tema pelo qual tem certa obsessão,
O corpo exausto que o repouso esquece… usa constantemente a palavra “palor”, cujo sentido
Eis o estado em que a mágoa me tem posto! cromático se refere à palidez mórbida da morte, ca-
racterística da poesia desse autor.
O adeus, o teu adeus, minha saudade, b Olavo Bilac toma a morte muito poucas vezes como
Fazem que insano do viver me prive tema, ainda que, ao fazê-lo, cria um eu lírico despo-
E tenha os olhos meus na escuridade. jado de tom confessional, próprio do Romantismo,
mantendo assim imparcialidade e impessoalidade.
Dá-me a esperança com que o ser mantive!
 O poema 3 apresenta elementos cromáticos e sines-
Volve ao amante os olhos por piedade,
tésicos, tais como “doce tristeza” e “noite escura”.
Olhos por quem viveu quem já não vive!
AZEVEDO, Álvares de. Lira dos 20 anos.
Contudo, embora seu tema seja a morte, o autor não
utiliza esse vocábulo, substituindo-o por metáforas, o
Poema 2 que é próprio daqueles que fazem parte do parnaso.
A Morte  Há, no poema 2, determinados elementos que re-
velam, à semelhança do 3, preocupação com os
Oh! a jornada negra! A alma se despedaça...
Tremem as mãos... O olhar, molhado e ansioso, espia, aspectos formais, aproximando-os do Classicismo
E vê fugir, fugir a ribanceira fria e do Arcadismo.
Por onde a procissão dos dias mortos passa. E Existe uma ordem sequencial dos poemas que
permite ao leitor relacioná-los ao Simbolismo, Ro-
No céu gelado expira o derradeiro dia, mantismo e Parnasianismo. Dessa forma, pode-se
Na última região que o teu olhar devassa! afirmar que o poema 1 é simbolista, pois apresenta
E só, trevoso e largo, o mar estardalhaça um discurso de cunho confessional, peculiar a esse
No indizível horror de uma noite vazia... movimento literário.

284 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


10 UEM 2016 Assinale o que for correto sobre o poema A questão 11 aborda um poema do português Eugênio
abaixo e sobre seu autor, Cruz e Sousa. de Castro (1869-1944).
Acrobata da Dor MÃOS
Gargalha, ri, num riso de tormenta, Mãos de veludo, mãos de mártir e de santa,
Como um palhaço, que desengonçado, o vosso gesto é como um balouçar de palma;
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado o vosso gesto chora, o vosso gesto geme, o vosso
De uma ironia e de uma dor violenta. gesto canta!
Mãos de veludo, mãos de mártir e de santa,
Da gargalhada atroz, sanguinolenta, rolas à volta da negra torre da minh’alma.
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, “gavroche”, salta, “clown”, varado
Pálidas mãos, que sois como dois lírios doentes,
Pelo estertor dessa agonia lenta...
Caridosas Irmãs do hospício da minh’alma,
O vosso gesto é como um balouçar de palma,
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Pálidas mãos, que sois como dois lírios doentes...
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço...
Mãos afiladas, mãos de insigne formosura,
E embora caias sobre o chão, fremente, Mãos de pérola, mãos cor de velho marfim,
Afogado em teu sangue estuoso e quente, Sois dois lenços, ao longe, acenando por mim,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço. Duas velas à flor duma baía escura.
(CRUZ E SOUSA, J. Poesias Completas. São Paulo: Mimo de carne, mãos magrinhas e graciosas,
Publifolha/Ediouro, 1997, p. 56.) Dos meus sonhos de amor, quentes e brandos ninhos,
Inflado: cheio; inchado. Divinas mãos que me heis coroado de espinhos,
Gavroche: S.m. nome de um personagem de Os miseráveis, Mas que depois me haveis coroado de rosas!
de Vítor Hugo; Adj. malicioso, travesso.
Clown: palhaço. Afilhadas do luar, mãos de rainha,
Estertor: respiração rouca e crepitante dos moribundos. Mãos que sois um perpétuo amanhecer,
Retesar: tornar tenso, endurecer, enrijecer. Alegrai, como dois netinhos, o viver
Fremente: agitado. Da minha alma, velha avó entrevadinha.
Estuoso: que jorra aos borbotões, jorro, golfada. Obras poéticas, 1968.

01 O poema compara as angústias do coração humano


a um palhaço que, mesmo sofrendo, se apresenta 11 Unesp 2016 A musicalidade, as reiterações, as ali-
ao público. A símile (figura de linguagem) encontra- terações e a profusão de imagens e metáforas são
-se na primeira estrofe do poema, no verso: “Como algumas características formais do poema, que apon-
um palhaço, que desengonçado, ...”. tam para sua filiação ao movimento
02 Inspirado no byronismo (Lord Byron), o poema perten- A romântico.
ce à geração do “mal do século” (mal du siècle). Há um  modernista.
erotismo ultrarromântico difuso e obsessivo que pode  parnasiano.
ser constatado nos versos “Nessas macabras piruetas  simbolista.
d’aço... /E embora caias sobre o chão, fremente, ...”. E neoclássico.
04 Um dos recursos poéticos utilizados no soneto para
descrever a dor à qual está sujeita a condição hu- 12 UEM 2014 Assinale o que for correto sobre o poema a
mana consiste na superposição de metáforas. O
seguir e sobre seu autor, Cruz e Sousa.
título do poema – “Acrobata da Dor” – constitui uma
metáfora do coração que, por sua vez, metaforiza Beleza morta
a capacidade de o ser humano sentir tristeza.
De leve, louro e enlanguescido helianto
08 O poema pode ser considerado um manifesto da
Tens a flórea dolência contristada...
escola realista-parnasiana, uma vez que prima
Há no teu riso amargo certo encanto
pelas marcas da objetividade, da contenção de
De antiga formosura destronada.
sentimentos e da impassibilidade, mantendo o eu
lírico distante da temática da dor.
No corpo, de um letárgico quebranto
FRENTE 2

16 A sonoridade do poema – provocada também pe-


Corpo de essência fina, delicada,
las rimas, aliterações, assonâncias e repetições de
Sente-se ainda o harmonioso canto
palavras – reforça a expressão de emoções, cor-
Da carne virginal, clara e rosada.
roborando a temática do sofrimento humano que
se repete, e estabelecendo percepções intuitivas
Sente-se o errante, as harmonias
preconizadas pela estética simbolista.
Quase apagadas, vagas, fugidias
Soma: JJ E uns restos de clarão de Estrela acesa...

285
Como que ainda os derradeiros haustos Voluptuosas: sensuais.
De opulências, de pompas e de faustos, Cálida: morna.
As relíquias saudosas da beleza. Langues: sensuais.
CRUZ E SOUSA, J. Poesias completas. Polichinelo: certa personagem do teatro do humor; fantoche.
São Paulo: Ediouro, 1997, p. 40. Púrpura: certo tom de vermelho; (fig.) roupas usadas por nobres.
Helianto: girassol. Vetusta: antiga; respeitável.
Hausto: aspiração, trago, gole. Augusta: elevada, solene.

01 O primeiro verso do poema já apresenta uma caracte- Com base na leitura do texto, no livro de poemas Úl-
rística formal marcante do Simbolismo, escola da qual timos sonetos, obra publicada pela primeira vez em
Cruz e Sousa faz parte: o uso de aliterações, recurso 1905, e no contexto geral da literatura brasileira da épo-
que intensifica o potencial melódico da linguagem. ca de sua primeira edição, assinale a(s) proposição(ões)
02 No primeiro terceto, as referências ao vago e ao fugi- correta(s).
dio relacionam-se à proposta literária do Simbolismo, 01 No elogio que faz à forma do soneto, Cruz e Sou-
que opta pelo sugestivo e pelo intuitivo em detrimento sa aproxima-se, tematicamente, de alguns poemas
de uma representação objetiva e direta da realidade. parnasianos que têm por tema a própria poesia; isso
04 Reagindo aos ditames formais do Parnasianismo pode estar relacionado ao desejo de reconhecimen-
contemporâneo, a lírica de Cruz e Sousa apresen- to, expresso em outros poemas de Últimos sonetos.
ta, em diversas ocasiões, poemas em versos nos 02 Neste, como em outros poemas de Últimos sone-
quais a métrica irregular antecipa o Modernismo tos, Cruz e Sousa exercita certa liberdade formal,
vindouro. A ode “Beleza morta” é um exemplo de manifesta especialmente na métrica irregular e no
tal procedimento. uso pouco convencional do vocabulário; essas ca-
08 O reconhecimento imediato do valor artístico da racterísticas fazem com que o poeta seja hoje visto
obra de Cruz e Sousa, que se mostrou semelhan- como um dos precursores da revolução modernista
te, no fim do século XIX, àquele experimentado da década de 1920.
pela de Olavo Bilac, contrasta com a crítica gene- 04 Neste poema, o soneto é visto, metaforicamente,
ralizada que essa obra sofreu no início do século como uma mulher sensual, o que sugere uma valo-
seguinte, sobretudo por parte de Manuel Bandeira rização da fertilidade e da vida; porém, a evocação
em seu primeiro livro publicado, Cinza das horas. da figura do esqueleto remete à ideia da morte
16 A utilização de termos preciosos e vocábulos inco- inevitável. Dessa tensão entre vida e morte, resulta
muns por parte dos autores simbolistas, tal como se a valorização da vida como um momento efêmero
percebe no poema “Beleza morta”, é fruto da recu- para celebração e humor, sintetizado na figura do
peração de um dos procedimentos mais marcantes polichinelo.
do Barroco: o conceptismo, no qual se verifica uma 08 Nos versos “tem fascinante, cálida fragrância” e “e
elaboração rebuscada da linguagem. as leves, langues curvas de elegância”, ocorrem,
Soma: JJ respectivamente, sinestesia e aliteração, figuras de
linguagem utilizadas na poesia do Simbolismo.
16 O primeiro quarteto do soneto “Vida obscura” –
13 UFSC 2014
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,/ ó ser
O Soneto humilde entre os humildes seres./ Embriagado,
tonto dos prazeres,/ o mundo para ti foi negro e
Nas formas voluptuosas o Soneto
duro. – revela o envolvimento de Cruz e Sousa,
tem fascinante, cálida fragrância
como poeta e jornalista, na denúncia das condi-
e as leves, langues curvas de elegância
ções miseráveis em que viviam os trabalhadores
de extravagante e mórbido esqueleto.
no início do processo de industrialização brasileiro.
A graça nobre e grave do quarteto 32 Nos dois últimos versos do soneto “Cárcere das
recebe a original intolerância, almas” – que chaveiro do Céu possui as chaves/
toda a sutil, secreta extravagância para abrir-vos as portas do Mistério?! –, aparece
que transborda terceto por terceto. um tema frequente na poesia de Cruz e Sousa, a
libertação do espírito pela morte.
E como um singular polichinelo Soma: JJ
ondula, ondeia, curioso e belo,
o Soneto, nas formas caprichosas. 14 UPF 2014 Leia as seguintes afirmações sobre os perío-
dos literários e assinale com V as verdadeiras e com
As rimas dão-lhe a púrpura vetusta F as falsas.
e na mais rara procissão augusta J A arte literária barroca emprega figuras de lin-
surge o sonho das almas dolorosas...
guagem que indicam oposições, evidenciando a
CRUZ E SOUSA, J. da. Últimos sonetos. p. 17. Disponível em:
<www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000078.pdf>. presença de um homem dividido entre as coisas
Acesso em: 1 dez. 2017. celestes e as coisas terrenas, ou seja, um conflito

286 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


entre valores tradicionalistas, ligados à consciência  O desejo de dar um caráter científico à obra lite-
medieval, e valores progressistas, que surgem com rária define as condições de produção dos textos
o avanço do racionalismo burguês. dessa estética. Os escritores acompanham com in-
J Os árcades idealizam a vida no campo, por meio da teresse as discussões feitas no campo da biologia
poesia de temática pastoril, construída com ideias e da medicina, acreditando na possibilidade de tor-
claras e simplicidade estilística. nar esse conhecimento como base para a criação
J Para o escritor simbolista, a poesia deve preocupar- de seus romances.
-se com a representação da vida objetiva, os fatos  Essa estética substitui a exaltação da nobreza pela
em desenvolvimento na realidade, enquanto à prosa valorização do indivíduo e de seu caráter. Em lugar
cabe a representação estática, isto é, uma constru- de louvar a beleza clássica, que exige uma natu-
ção literária na qual não aparece o fluir do tempo. reza e um físico perfeito, o artista desse período
literário elogia o esforço individual, a sinceridade, o
J A arte literária parnasiana prima pela clareza sin-
trabalho. Pouco a pouco, os valores burgueses vão
tática e pela correção e nobreza do vocabulário,
sendo apresentados como modelos de comporta-
bem como pelas composições de caráter eminen-
mento social nas obras de arte que começam a ser
temente confessional.
produzidas.
A sequência correta de preenchimento dos parênte- E O modelo de vida ideal adotado pelos autores do
ses, de cima para baixo, é: período envolve a representação idealizada da
A V - V - V - F.  V - V - F - V. Natureza como um espaço acolhedor, primaveril,
 F - V - F - V. E F - F - V - V. alegre. Os poemas apresentam cenários em que a
 V - V - F - F. vida rural é sinônimo de tranquilidade e harmonia.

15 EsPCEx 2012 Leia a estrofe que segue e assinale a al- Leia o poema de Camilo Pessanha para responder à
ternativa correta, quanto às suas características. questão 17.

“Visões, salmos e cânticos serenos Interrogação


Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Dormências de volúpicos venenos Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...” E apesar disso, crês? nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
A Valorização da forma como expressão do belo e a Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
busca pela palavra mais rara – Parnasianismo. E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
 Linguagem rebuscada, jogos de palavras e jogos Nem depois de acordar te procurei no leito,
de imagens, característica do cultismo – corrente Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
do Barroco. Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
 Incidência de sons consonantais (aliterações) explo- A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
rando o caráter melódico da linguagem – Simbolismo. Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
 Pessimismo da segunda geração romântica, mar-
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
cada por vocábulos que aludem a uma existência
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
mais depressiva – Romantismo. Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
E Lírica amorosa marcada pela sensualidade explícita Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
que substitui as virgens inacessíveis por mulheres Eu não sei se é amor. Será talvez começo.
reais, lascivas e sedutoras – Naturalismo. Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
16 EsPCEx 2016 Quanto ao Simbolismo, assinale a alter- Que adoecia talvez de te saber doente.
PESSANHA, Camilo. Clepsidra. São Paulo: Núcleo, 1989.
nativa correta.
A O objetivo declarado dos poetas desse movi-
mento literário era um só: desenvolver a beleza 17 Fatec 2017 O escritor português Camilo Pessanha faz
formal à poesia, eliminando o que consideravam os parte da escola literária denominada Simbolismo.
Assinale a alternativa com uma característica desse
excessos sentimentalistas românticos que compro-
movimento artístico presente no poema.
metiam a qualidade artística dos poemas. Na base
A Elipse, pois o autor omite todos os pronomes pes-
desse projeto, estava a crença de que a função es-
soais a fim de criar musicalidade.
sencial da arte era produzir o belo. O lema adotado  Bucolismo, pois o autor faz grande reverência à na-
FRENTE 2

– a arte pela arte – traduz essa crença. tureza ao evocar a sua sonoridade.
 A preocupação dos artistas desse período não é  Aliteração, pois o autor explora a repetição harmô-
mais a análise da sociedade. O principal interesse nica e ritmada de sons consonantais.
é a sondagem do “eu”, a decifração dos caminhos  Determinismo, pois o meio em que vive a pessoa
que a intuição e a sensibilidade podem descortinar. amada determina o ritmo de sua vida.
A busca é do elemento místico, não consciente, es- E Ornamentação exagerada, pois há vocabulário rit-
piritual, imaterial. mado com exclusividade de rimas ricas.

287
18 ESPM-RJ 2016 Das definições a seguir, uma delas nos remete diretamente ao período literário conhecido como
Simbolismo. Assinale-a:
A É a arte do conflito, do contraste, da contradição, do dilema e da dúvida, que se expressam pelo acúmulo de antí-
teses, paradoxos e oxímoros.
 A “arte pela arte” é um dos seus princípios centrais. A poesia volta-se para o belo (esteticismo), para o zelo da
perfeição formal, descompromissada com os problemas do mundo.
 Aderiu ao cientificismo e ao materialismo, opondo-se à metafísica, à religião e a tudo que escapasse aos limites
da matéria.
 Propõe uma volta aos modelos clássicos greco-romanos e renascentistas. Exalta a vida pastoril, campestre, enten-
dendo que a felicidade e a beleza decorrem da vida no campo.
E Adotou a teoria das correspondências que propõe um processo cósmico de aproximação entre as realidades, expresso
por meio da sinestesia, a qual consiste no cruzamento de percepção de um sentido para outro.

19 Unisc 2016 Leia atentamente o trecho do poema “Antífona”, de Cruz e Sousa.


Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...

Indefiníveis músicas supremas,


Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
[...]
SOUSA, João da Cruz e. Poesias completas de Cruz e Sousa. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d., p. 29.

A partir da interpretação dos versos apresentados, assinale a alternativa incorreta.


A Os versos de “Antífona” retomam a temática do vago e impreciso, tão característica da poesia simbolista.
 A musicalidade, um traço importante na obra de Cruz e Sousa, é resultado do uso constante de aliterações, como se
observa nos versos apresentados.
 Nota-se, no poema apresentado, a presença de versos brancos, um recurso bastante utilizado por Cruz e Sousa.
 Nos versos de “Antífona”, é possível identificar a presença marcante do elemento branco, uma das principais ca-
racterísticas da obra de Cruz e Sousa.
E Em alguns dos versos apresentados, encontramos o uso de sinestesias, algo muito próprio da poesia de Cruz e Sousa.

288 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 9 As vertentes poéticas do final do século XIX


FLÁVIO DE BARROS/WIKIMEDIA
COMMONS (DOMÍNIO PÚBLICO)
Os fotógrafos do Império: a fotografia brasileira no século XIX.
Rio de Janeiro: Capivara, 2005.
FRENTE 2

CAPÍTULO Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno

10
O Pré-Modernismo antecipa as ideias e práticas modernistas e não é propriamente
uma escola literária, mas um determinado período entre o m do século XIX e começo
do século XX – marcado pela Escola Modernista, iniciada em 1922.
As correntes consideradas pré-modernistas tornaram-se controversas desde o sur-
gimento por sua dualidade, já que a produção cultural desse período é complexa e
heterogênea: o conservador versus o moderno. O seu aspecto conservador (ou antimo-
derno) revela-se na permanência de características realistas e naturalistas no texto em
prosa – com a manutenção de ideias positivistas e deterministas. Já as características
modernas e inovadoras mostram o interesse dos escritores por uma análise social mais
apurada do Brasil de sua época, enterrando a idealização da realidade do povo denitiva-
mente; ao contrário disso, busca-se a denúncia dos desequilíbrios e das desigualdades.
Pré-Modernismo: contexto histórico y A Guerra de Canudos, na Bahia, de 1896 a 1897.
y O fenômeno do cangaço, tipicamente nordestino, sur-
Para pontuarmos historicamente o Pré-Modernismo
gido na segunda metade do século XIX.
no campo da literatura, devemos lembrar que foi um movi- y A Revolta da Vacina, em 1904, no Rio de Janeiro, con-
mento que se desenvolveu em uma época difícil, dividindo tra a vacinação obrigatória.
espaço com uma literatura “oficial” comprometida com y A Guerra do Contestado, de 1912 a 1916, em Santa
o poder, a classe dominante e as denúncias sociais dos Catarina.
naturalistas e realistas; além disso, havia a literatura sim- y O Ciclo da Borracha, no Amazonas, cujo apogeu se
bolista, composta daqueles denominados idealistas, os deu em 1913.
“que viviam nas nuvens” (nefelibatas). Do ponto de vista y A Revolta da Chibata, em 1910, no Rio de Janeiro.
histórico, os principais acontecimentos que permearam y As greves gerais operárias, em São Paulo, com rei-
tal tendência foram: vindicações de melhorias nas condições do trabalho
y Em 1894, a posse da presidência pelo paulista proletário, em 1917.
Prudente de Morais, primeiro civil a assumir o po-
Apesar desses acontecimentos, não houve, nesse pe-
der depois dos marechais Deodoro da Fonseca e
ríodo da história brasileira, revoluções semelhantes às que
Floriano Peixoto.
ocorreram na Europa. O golpe republicano e a abolição
y O início da política do café com leite com Pruden-
da escravatura pouco alteraram as estruturas do Brasil, e a
te de Morais – a partir da alternância de poder entre economia ainda se baseava em atender às necessidades
as oligarquias de São Paulo (centrada no cultivo e na dos países europeus. Em contrapartida, certas mudanças
exportação do café) e de Minas Gerais (focada na pro- foram delineando-se – a imigração, a urbanização e o rá-
dução de leite e de laticínios e o maior colégio eleitoral pido crescimento industrial aos poucos modificavam a face
do país). da sociedade brasileira.

GUILHERME GAENSLY/BIBLIOTECA NACIONAL DO BRASIL (DOMÍNIO PÚBLICO)


Fig. 1 Guilherme Gaensly. “Colheita de café em Araraquara”,
c. 1902. In: Álbum Lembrança de São Paulo.

É importante salientar que, mesmo com o Brasil se deflagrando em conflitos políticos e sociais, a riqueza do país aumentava.

290 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


Principais conitos no Brasil à época do Pré-Modernismo

RR Revolta de Juazeiro
Fanatismo religioso centrado
AP na figura do padre Cícero

AM PA
MA CE Fenômeno do cangaço
RN
em todo o Nordeste
PB
PI
AC PE
RO TO AL
SE
MT BA Guerra de Canudos
Conflito entre o Exército Brasileiro
DF e os integrantes do movimento
popular sociorreligioso liderado
por Antônio Conselheiro
GO
MG
MS ES
Revolta da Vacina
SP A vacina obrigatória contra a
RJ varíola foi pretexto para a
Guerra do Contestado PR população se revoltar contra
Conflito armado, originado por a opressão
problemas sociais e de terras, entre
camponeses e representantes do SC Revolta da Chibata
poder estadual e federal Movimento dos marinheiros (em sua maioria negros),
RS liderado por João Cândido Felisberto, contra as
péssimas condições de trabalho e os castigos físicos
Revolução Federalista impostos pela Marinha do Brasil
t rLuta
aut lacearum et ma
armada entre
maragatos e federalistas Greves operárias

Fig. 2 Mapa dos conflitos brasileiros na virada dos séculos XIX e XX.

Designação e características
Correntes e estilos são muito similares e se fundem; por essa razão, seria impossível rotular o momento pré-moder-
nista na literatura com conceitos já existentes. A posterior necessidade pedagógica de reunir os 20 anos de produção
anteriores à Semana de Arte Moderna (1902-1922) levou Tristão de Ataíde, pseudônimo do filósofo e crítico literário Alceu
Amoroso Lima, a criar, na década de 1950, o termo “pré-modernismo”. A nomenclatura, que se constitui em uma marca
quase somente temporal e sem abarcar a ideologia e a complexidade das obras produzidas, acabou cristalizando todo
o ecletismo de visões e estilos dos autores que interpretaram o Brasil, tanto os ligados a concepções artísticas de cunho
realista quanto ao influxo vanguardista, o qual já se fazia presente entre nós.
O Pré-Modernismo proporcionava novidades, oferecendo elementos estéticos e temáticos explorados mais tarde
pelos modernistas; não se caracterizava por uma identidade estética definida, mas era possível notar pontos em comum
entre alguns autores e certas obras pré-modernistas – marcadas pela redescoberta crítica do Brasil –, como é o caso de
Lima Barreto, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato (na prosa) e Augusto dos Anjos (na poesia).

Características do Pré-Modernismo
Ruptura com o academicismo do passado
O poeta Augusto dos Anjos não pode ser rotulado, pois sua obra é atemporal, difícil de categorizar; ele está na pas-
FRENTE 2

sagem entre o Simbolismo de Cruz e Souza e a modernidade que aparece em 1922. Se, de um lado, é musical como os
simbolistas e usa o soneto (herança parnasiana), de outro, seus temas em nada correspondem aos daquelas escolas: são
escatológicos, pinçando o ser humano em desintegração. A carne podre, a decomposição, a sujeira fétida, os vermes e
o escarro: Augusto dos Anjos é dono do estilo mais mórbido de nossa literatura.
Já Lima Barreto enquadra-se na literatura pré-modernista porque encara a realidade brasileira sem máscaras e a ex-
pressa mostrando seus problemas, criticando o excesso de patriotismo e o nacionalismo utópico e exagerado. Em suas
obras, emprega uma linguagem coloquial, bem próxima do falar de suas personagens e com irregularidades gramaticais.

291
Denúncia do real O fato é que a poesia de Augusto dos Anjos resiste às
A grande temática do Pré-Modernismo é o Brasil não rotulações. Estudos mais recentes apontam os versos da
oficial, aquele que revela e denuncia características profun- obra Eu como modernos pela fusão de vários elementos
das da vida no país, como o sertão nordestino, os caboclos literários e pelo desejo neles expresso de romper com o
do interior, a pobreza, a fome e a desesperança. As obras conformismo das convenções poéticas.
denunciam tais mazelas sociais adotando um tom quase
jornalístico, sem recorrer tanto ao pesado arsenal cientifi- Características de destaque do autor
cista do Naturalismo.
A
linguagem
Regionalismo corrosiva, a
escolha por temas
Os autores pré-modernistas traçam um vasto pano- poéticos nunca
rama das regiões brasileiras: Euclides da Cunha retrata o antes abordados
Norte e o Nordeste; Monteiro Lobato, o interior paulista – emprestados
da ciência.
mais precisamente o Vale do Paraíba; e Lima Barreto, o Predileção Poemas com
subúrbio carioca. pelo soneto, atmosfera de
preocupação sonho, imagens
formal e técnica sugestivas e certa
Ligação com a política e a economia apurada. musicalidade.
A intenção do Pré-Modernismo é diminuir a distância
entre a ficção e a realidade. Na obra Os sertões, Euclides
da Cunha aborda o fato histórico da Revolta de Canudos;
A poesia de Augusto dos Anjos apresenta outra carac-
Lima Barreto, no romance Triste fim de Policarpo Quaresma,
terística inovadora: o caráter cientificista. O poeta assimila
fala da política repressiva do governo do Marechal Floriano
termos da Biologia e do pensamento evolucionista e os utiliza
Peixoto; já Monteiro Lobato escreve sobre o ciclo do café
em seus versos de maneira inusitada, tornando-os singulares.
no Vale do Paraíba paulista e a decadência dos vilarejos e
O autor prima pela originalidade, incorporando palavras de
da população cabocla.
campos de estudo diversos para falar sobre o homem e a
vida em sua forma mais primitiva. Hemácias, células, vísceras,
Autores pré-modernistas: mucosas, vermes, moléculas e decomposição são exemplos
Augusto dos Anjos de vocábulos presentes em textos do escritor, os quais di-
vidiram o gosto dos leitores.
A seguir, leia um de seus poemas mais famosos.
Observe como a linguagem de Augusto dos Anjos pode
ser corrosiva e poética ao mesmo tempo. Note que, ao
final de cada verso, há uma letra que indica o esquema
rímico do texto.
Versos íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável (a)
Enterro da tua última quimera. (b)
Somente a Ingratidão – esta pantera – (b)
Foi tua companheira inseparável! (a)

Acostuma-te à lama que te espera! (b)


O Homem que, nesta terra miserável, (a)
Mora entre feras, sente inevitável (a)
Fig. 3 Caricatura do poeta pré-modernista Augusto dos Anjos. Necessidade de também ser fera (b)

Augusto dos Anjos (1884-1914) nasceu no interior da Pa- Toma um fósforo. Acende teu cigarro! (c)
raíba. Formou-se em Direito, mas nunca atuou nessa área, O beijo, amigo, é a véspera do escarro, (c)
começando logo a lecionar na capital. Depois de se casar, A mão que afaga é a mesma que apedreja. (d)
passou a viver no Rio de Janeiro e lá continuou sua carreira
como professor, até que, por indicação, assumiu o cargo de Se alguém causa inda pena a tua chaga, (e)
diretor de um grupo escolar em Leopoldina (MG). Pouco tem- Apedreja essa mão vil que te afaga, (e)
po depois, veio a falecer devido à pneumonia, aos 30 anos. Escarra nessa boca que te beija! (d)
É autor de apenas um livro de poemas – Eu –, publicado em ANJOS, Augusto dos. “Versos íntimos”. In: Eu.
Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.
1912, obra de destaque pela originalidade de seu tom e pela
diversidade de temas. Do ponto de vista formal, Augusto dos Anjos utiliza
Na época, registraram-se opiniões divergentes sobre formas clássicas de composição poética: o soneto (forma
sua poesia: era especialmente original ou vulgar e mórbida? fixa composta de dois quartetos e dois tercetos); os versos

292 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


decassílabos (versos com dez sílabas métricas); e a regula- Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) nasceu
ridade de rimas (abba; baab; ccd; eed). no Rio de Janeiro em uma família de origem humilde e
Essa preocupação com a forma do poema já era co- trabalhou como servidor público e colaborador de jornais
mum nos poetas parnasianos e simbolistas. A organização da época. Era filho de mestiços, o que o levaria a sofrer
objetiva e precisa dos versos revela a tendência parnasiana, preconceito racial pelo resto da vida, situação que o revol-
enquanto as letras maiúsculas em substantivos comuns no tou e marcou sua obra com um olhar especialmente crítico
meio do verso (como em “Ingratidão” e “Homem”) e o ritmo à sociedade.
forte e musical são características simbolistas. Lima Barreto criticava idealizações do país por meio de
uma literatura de contestação. Fez apontamentos contrários
Atenção aos estrangeirismos e acreditava que a literatura deveria
Sílabas métricas: as sílabas são contadas de acordo com a sua so- ajudar a construir a comunhão entre as pessoas de todas
noridade até a última sílaba tônica do verso. as etnias e classes. Leitor apaixonado, usou a voz de dife-
rentes personagens para espalhar tal crença em suas obras.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 O estilo de Lima Barreto é leve, aproximado da lin-
guagem jornalística – característica duramente criticada
Vês! Nin guém a ssis tiu ao for mi dá vel
pelos parnasianos, a qual o aproximaria dos modernistas
e granjearia admiração por parte destes.
É importante observar os traços autobiográficos em
O poema retoma, de certa forma, o Naturalismo, tra-
todos os seus romances. Neles, há personagens negros e
zendo-o inusitadamente para a poesia ao utilizar palavras
mestiços que sofrem preconceito racial, notadamente vi-
como escarro, lama e chaga – termos considerados gro-
venciando experiências pelas quais o próprio autor passou.
tescos. Há, também, algo da ironia e da atitude pessimista
Lima Barreto estreou como escritor no ano de 1909 com
diante do mundo próprias do Realismo: “Toma um fósforo.
Recordações do escrivão Isaías Caminha (com publicação
Acende teu cigarro!”.
em Portugal), obra de tom autobiográfico cujo protagonista,
O início do poema soa moderno com uma interlocução
vindo do interior para estudar e tentar a sorte na capital
direta (“Vês!”), propondo uma conversa entre o eu lírico
como jornalista, sofre preconceito no Rio de Janeiro.
e o leitor, a fim de que constatem que o fim do homem é
Em 1911, Lima Barreto escreveu Triste fim de Policarpo
solitário, que a vida arrebata a todos rapidamente e que
Quaresma, inicialmente publicado em folhetins no Jornal
as atitudes do outro não costumam proporcionar conforto.
do Comércio. A obra insere o leitor no universo da arguta
Dessa maneira, o possível afeto inerente a esse contato se
análise e crítica social, matizada por boas doses de humor
transforma em ações que chocam pela força dos termos
e pela composição de personagens inesquecíveis.
empregados, como “apedreja” e “escarra nessa boca”. É
Por fim, temos o romance Clara dos Anjos, uma obra
como se o eu lírico estivesse fazendo uma advertência
inacabada do autor, publicada em 1948, sobre uma mestiça
irônica acerca do romantismo e do sentimentalismo que
seduzida por um malandro do subúrbio.
costumam vigorar nos contatos entre as pessoas mediados
Em sua vida pessoal, o poeta acompanhou os transtor-
pela poesia.
nos mentais do pai, os quais, ao longo do tempo, também
Dessa forma, percebe-se a riqueza e a complexidade
viriam a acometer Lima Barreto. Depressivo e alcoólatra,
de sua obra, o que torna, muitas vezes, difícil a sua classi-
o poeta faleceu ainda jovem em novembro de 1922, dois
ficação em apenas um movimento literário.
dias antes da morte de seu pai.

Autores pré-modernistas: Triste fim de Policarpo Quaresma:


Lima Barreto o nacionalismo utópico
Lima Barreto é exemplar quanto ao poder de análise
social e denúncia que a literatura pode ter, sem perder
suas características imaginativas. Ele apresenta forte teor
questionador, e seu estilo despojado, composto de uma
linguagem que busca reproduzir literariamente o falar
cotidiano, fala às massas de maneira mais próxima. Essas
características da prosa de Lima Barreto moldaram-se no
Realismo, escola literária que objetivava o retrato fiel da
realidade e do homem, mas o autor acrescenta a elas
FRENTE 2

um despojado tom de crônica que não pode ser enqua-


drado pelo rigor cientificista daquele período literário,
aproximando-o mais dos modernistas, quase à maneira
de um precursor.
Triste fim de Policarpo Quaresma, publicado em folhe-
tins em 1911 e, depois, em livro em 1916, é considerada a
Fig. 4 Caricatura do autor pré-modernista Lima Barreto. obra-prima de Lima Barreto. Foi largamente estudada por

293
trazer ao leitor uma ácida crítica da visão ufanista da pátria Segunda parte: projeto agrícola
por meio da personagem Policarpo Quaresma e por apre- Após sair do hospício e se desiludir com a incom-
sentar, sem máscaras, a decepção com os rumos políticos preensão de sua ideologia, Quaresma se muda para o sítio
da então recentemente proclamada República. Sossego, em Curuzu. A partir de então, ele se dedica à re-
A proposta do romance foi desnudar o Brasil do go- forma da agricultura brasileira, principalmente ao combate às
verno de Floriano Peixoto, fase de instalação da República, saúvas (espécie de formiga). Pretende provar a todos que o
mais precisamente dos anos 1891 a 1894. O enredo se passa solo do Brasil é o melhor e mais fértil do mundo; entretanto,
no espaço suburbano, e o núcleo da trama são os cres- fracassa mais uma vez ao se dar conta da esterilidade e da
centes exageros do nacionalismo do ingênuo Policarpo má distribuição da terra. Além disso, passa a ser multado
Quaresma. Sua cultura literária tinha sido formada por nar- indevidamente por não compactuar com ações fraudulentas
rativas românticas indianistas de um José de Alencar, por de políticos locais. O golpe final vem do exército de saúvas,
exemplo, e, por isso, não concebia que a cultura brasileira as quais aniquilam seus grãos de milho e feijão.
se descaracterizasse e se apresentasse sob os moldes
importados da Europa. Terceira parte: projeto político
Narrada em 3a pessoa, a obra se divide em três partes,
Quando explode a Revolta da Armada – uma rebelião
as quais relatam os projetos linguístico-cultural, agrícola
de marinheiros –, Quaresma apoia o Marechal Floriano
e político do protagonista para a valorização da nacio-
Peixoto. Para Policarpo, somente com uma autoridade res-
nalidade.
peitada é que a nação poderia se engrandecer. Assim, volta
Não se sabia bem onde nascera, mas não fora decerto em para a capital e se alista em defesa do Regime. Com o
São Paulo, nem no Rio Grande do Sul, nem no Pará. Errava sufocamento da Revolta, Policarpo Quaresma é transferido
quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo: Quares- para trabalhar como carcereiro na Ilha das Cobras, e lá tem
ma era antes de tudo brasileiro. sua maior decepção: o juiz parece distribuir as penas e
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: condenações sem julgamento prévio. Tal ato feria seu ideal
Typographia Revista dos Tribunais, 1915. de justiça; por isso, decide fazer uma denúncia formal ao
presidente, pedindo reparações.
Primeira parte: projeto linguístico-cultural Novamente, o “herói” não é bem interpretado. Iro-
O início do romance acompanha o retrato de Policarpo nicamente, passa a ser acusado de traição, é preso e
como um burocrata patriota, muito interessado na cultura condenado à morte.
brasileira, nas manifestações musicais e na língua dos indí-
genas tupis-guaranis. Sua rotina é totalmente ligada àquilo
Então, qual foi o triste fim de Policarpo
que é nativo, e ele busca consumir e divulgar apenas o Quaresma?
tipicamente brasileiro – elementos que envolvem desde Ainda que a narrativa não acompanhe a execução de
as plantas de seu jardim, os alimentos que ingere até o Policarpo, podemos considerar que o “triste fim” a que alu-
instrumento musical que almeja tocar. Policarpo deseja co- de o título do romance foi o de ser considerado traidor
nhecer o violão a fundo, mesmo que, na época, este fosse depois de ter passado toda a vida defendendo sua pátria e
associado à malandragem. lutando pela manutenção da cultura brasileira. Assim, Qua-
Nesse contexto, uma personagem de destaque é Ricar- resma se dá conta de que a nação que tanto admirava era
do Coração dos Outros: seresteiro, suburbano e apaixonado pura ilusão, uma idealização.
por música e violão. Por essas características, é importante
na composição do cenário carioca da época na obra. Autores pré-modernistas:
Auge da primeira parte do livro e fato que beira o ab-
surdo é o requerimento que Policarpo Quaresma envia à Monteiro Lobato
Câmara: um pedido para que a língua portuguesa deixe de
ser o idioma oficial do Brasil em prol do tupi-guarani. Para
Quaresma, o português foi imposto em território brasileiro;
portanto, não é natural e constitui um desrespeito às ori-
gens da nação. Entretanto, tal demanda não se reveste de
caráter significativo por estar baseada no pedido de um
único cidadão, e, assim, começam as piadas, as chacotas
e os comentários irônicos de colegas de trabalho direcio-
nados a Quaresma.
Contrariando quem acreditava que Policarpo Quares-
ma não conhecia a língua que defendia, ele redigiu todo o
requerimento em tupi-guarani. A consequência desse fato
é drástica: Policarpo é internado em um hospício.

Ufanismo: orgulho exagerado de algo; excesso de patriotismo.


Fig. 5 Caricatura do autor pré-modernista Monteiro Lobato.

294 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


José Bento Monteiro Lobato (1882-1948) nasceu na Saiba mais
cidade de Taubaté, na região do Vale do Paraíba, estado
de São Paulo. Formado em Direito, nomeado promotor, A Literatura infantil de Monteiro Lobato formou e ainda forma
fracassou na administração da fazenda herdada do avô. muitos leitores com as histórias do Sítio do Picapau Amarelo. O
Já com certo prestígio, produzindo para O Estado de S. autor valorizou os elementos regionais e o folclore brasileiro,
introduzindo personagens como a Caipora, o Saci e a Cuca como
Paulo, escreveu o célebre e sensacionalista ensaio “Para-
uma forma de nacionalizar o imaginário infantil. Enquanto outros
noia ou mistificação”, em 1917, no qual atacou ferozmente a escritores buscavam moralizar os pequenos leitores com enredos
exposição da pintora Anita Malfatti, que, recém-chegada da mais autoritários, Monteiro Lobato apresentava a Dona Benta, o
Europa, adotava as técnicas vanguardistas trazidas de lá. Tio Barnabé e a Tia Nastácia, adultos gentis e compreensivos.
Lobato, assim como o público em geral, estava acostumado Além de encontrar uma linguagem acessível às crianças – sem
com o academicismo, com uma arte mais convencional, subestimar sua capacidade leitora –, é possível extrair inúmeras
sem maiores ousadias. “pílulas poéticas” da obra infantil lobatiana. Algumas falas da
atrevida personagem Emília, a boneca falante de pano, mere-
O autor viveu nos Estados Unidos entre os anos de
cem destaque:
1927 e 1931 como adido comercial e voltou de lá seduzido
pela crescente exploração dos recursos minerais e o con- — A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente
sequente desenvolvimento econômico. No Brasil, em 1931, nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar chegou
ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso.
fundou a Companhia Petróleo do Brasil, promovendo a ideia
É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não
da pesquisa de jazidas de petróleo sem a interferência do
acorda mais. [...]
governo. Para ele, apenas a iniciativa privada seria capaz
— [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sa-
de dar ao país o título de “autossuficiente em petróleo”. bugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um
Em suas palavras: “De modo nenhum é aconselhável que dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca
o Estado perfure ou se meta em mineração. Viraria logo e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos,
uma Central do Brasil”. Sua companhia acabou por falir em e por fim pisca pela última vez e morre.
decorrência da baixa capitalização e da impossibilidade — E depois que morre? – perguntou o Visconde.
de ampliar as perfurações; mesmo assim, Monteiro Lobato — Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?
prosseguiu na ideia de prospecção do “ouro negro” até LOBATO, Monteiro. Memórias da Emília. São Paulo: Globo, 2009.

que, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, o autor


escreveu uma carta sobre o problema do petróleo que o Monteiro Lobato compreende um exemplo de pré-mo-
levou à prisão por 90 dias. Curiosamente, esse episódio dernista, porque, ao mesmo tempo que é possível perceber
biográfico o aproxima da personagem Policarpo Quaresma, certa tendência idealizadora romântica em suas obras,
criada por Lima Barreto.
principalmente no tocante à representação da natureza,
Monteiro Lobato revolucionou a área editorial com
o autor utiliza uma linguagem mais simples e direta, mu-
iniciativas importantes realizadas na Companhia Editorial
nido de forte ironia na caracterização das personagens.
Monteiro Lobato, sendo um dos primeiros a vender livros
Além disso, contamina sua obra ficcional com a indigna-
com capas coloridas e ilustrações. Em 1920, publicou, com
grande sucesso, sua primeira obra para o público infantil: ção relativa aos problemas do Brasil e à fraqueza do povo.
A menina do narizinho arrebitado, livro incorporado pos- Assim, o escritor explora temáticas antes marginalizadas e
teriormente ao Reinações de Narizinho, de 1931; este, por mescla de maneira muito expressiva o conservadorismo
sua vez, serviu como propulsor para o lançamento da série e a valorização das inovações artísticas. Há, em sua obra,
Sítio do Picapau Amarelo. Seu trabalho na literatura infantil registros importantes do cenário rural paulistano, mais es-
é posterior à considerada "literatura adulta", a qual aborda- pecificamente das pequenas cidades decadentes do Vale
remos adiante. Interessa-nos, agora, a obra Urupês, que do Paraíba, que outrora se destacavam pela produção do
contém os traços específicos do marginalizado caboclo café. Lobato faz uma ficção que denuncia o descaso com
Jeca Tatu, habitante do Vale do Paraíba, região cafeeira o trabalhador da agricultura na roça, abandonado à miséria
em decadência. pelos órgãos oficiais.

São as principais obras de Monteiro Lobato: Urupês (1918)


y Urupês (1918);
Urupês, obra publicada em 1918, traz 14 contos com
y Cidades mortas (1919);
histórias reunidas a partir da experiência concreta de
y Negrinha (1920);
FRENTE 2

y Ferro (1931); Monteiro Lobato como fazendeiro. O livro trabalha com


y Reinações de Narizinho (1931); enredos centrados na vida do caboclo e contados por
y Viagem ao céu (1932); meio da cultura dos trabalhadores da terra. Quase todos
y Caçadas de Pedrinho (1933); os contos de Urupês têm como espaço a cidade de Itaoca
y Geografia de Dona Benta (1935); (interior de São Paulo) e, com uma mescla de teores cômico
y O escândalo do petróleo (1936); e dramático, retratam os “causos” das pessoas da região,
y Histórias de Tia Nastácia (1937). inclusive com o linguajar que lhes é peculiar.

295
O último conto, que dá nome ao livro, é um dos mais Autores pré-modernistas:
famosos de Monteiro Lobato. Nele, a cultura do caboclo
é exposta como atrasada – o senso estético inexiste; a Euclides da Cunha
religião baseia-se na magia; há pobreza no mobiliário da
casa e nenhuma consciência política. O grande símbolo do
conto é Jeca Tatu, representante do caboclo preguiçoso,
sempre sentado na posição de cócoras, doente, alcoólatra
e subnutrido: tornou-se, assim, uma das personalidades
literárias mais famosas do país.
Posteriormente, o próprio autor revisou sua criação.
Por ser fazendeiro, Monteiro tinha uma visão parcial do
homem do campo. Quando, porém, passou a ter um con-
tato maior com o tema de saneamento básico no país,
reconsiderou sua postura com relação a essa parcela
da população e, consequentemente, à sua personagem
Jeca Tatu. Nesse contexto, Jeca renasce como vítima das
enfermidades e de um Estado que deveria assumir o pa-
pel de regenerar os homens rurais por meio de políticas
sanitaristas. A personagem torna-se, inclusive, “garoto pro-
paganda” de um medicamento da época (Ankilostomina
Fontoura) contra vermes. Monteiro Lobato posteriormente
se retrata, demonstrando que foram as difíceis condições Fig. 7 Caricatura do autor pré-modernista Euclides da Cunha.
de vida e o descaso do governo os responsáveis pela si-
tuação miserável da personagem; em suas palavras "Jeca Após um longo período de gestação, foi publicada, em
Tatu não é assim, ele está assim". 1902, uma obra espantosa, que rapidamente se tornaria um
clássico da literatura brasileira: Os sertões, de Euclides da
Cunha. Esta surpreendeu a todos não só por combinar, em
uma prosa fascinante e muito trabalhada literariamente, um
ensaio sociológico e antropológico com o relato dramático
de uma guerra terrível, mas também por apresentar uma
visão desconcertante sobre o Brasil, mostrando ao povo
letrado das grandes cidades do litoral a situação de aban-
dono e miséria dos sertanejos que a eufórica República,
proclamada havia pouco, escondia no sertão do Nordeste.
Euclides da Cunha (1866-1909) nasceu em Cantagalo,
no Rio de Janeiro, e estudou na Escola Politécnica, mas,
por falta de recursos, transferiu-se para a Escola Militar,
tornando-se engenheiro militar. Por problemas pessoais
e também políticos, desligou-se do Exército e passou a
trabalhar como jornalista. No ano de 1897, escreveu dois
artigos publicados sob o título A nossa Vendeia, em que
comenta a Guerra de Canudos sob uma visão republicana,
defendendo e assegurando a vitória do Exército sobre os
revoltosos. Essa publicação lhe rendeu um convite do jornal
O Estado de S. Paulo (na época, A província de São Paulo)
para ir como correspondente ao sertão da Bahia a fim de
cobrir da Revolta de Canudos. Como ex-militar, Euclides da
Cunha conseguiu informar precisamente os movimentos
Fig. 6 lustração representando a personagem Jeca Tatu.
que ocorriam na guerra. O Sul do Brasil recebia essas infor-
Saiba mais mações sobre a guerra via telégrafo, as quais mobilizavam
e dividiam a opinião pública a respeito dos acontecimentos.
Urupê é o nome de um fungo, mais conhecido como “orelha-de- Ocorrida entre os anos de 1896 e 1897 e liderada por
-pau”, que se alimenta da seiva de árvores. Monteiro Lobato tomou Antônio Conselheiro, tal revolta seguida de terrível repres-
o urupê como referência para a comparação com o caboclo, o “jeca”, são foi considerada um dos conflitos mais violentos da
pois este vive à margem da sociedade pela lei do menor esforço. A história nacional, ocasionando a morte de cerca de 15 mil
imagem dessa personagem é caricata, retratando alguém indolente,
pessoas. Cinco anos depois, Euclides da Cunha publicou
preguiçoso e acometido por doenças desencadeadas por precárias
condições de higiene e saúde. Os sertões, uma obra riquíssima, que combinava documen-
tação jornalística, ensaio sociológico e literatura, visando

296 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


proporcionar uma explicação racional sobre o confronto, um revela, com pessimismo e, por vezes, com a denúncia da
retrato da nação e, também, certa visão que os brasileiros crueldade, o contraste entre dois “Brasis”: o do litoral e o do
tinham deles mesmos. sertão. Euclides da Cunha faz uma crítica incisiva ao excesso
de nacionalismo da população litorânea, que acabou não
As principais obras de Euclides da Cunha são: enxergando a real situação miserável dos mestiços do sertão.
y Os sertões (1902); Os sertões é uma obra híbrida, em que vários gêneros –
y Contrastes e confrontos (1907); do tratado antropológico e sociológico ao ensaio histórico e
y À margem da história (1909). crítico-cultural – cruzam-se e “conversam” harmonicamente.
Esses elementos são articulados por uma prosa vibrante
Saiba mais de tons narrativos dramáticos e poéticos, com descrições
muito expressivas de lugares e de pessoas. Ao longo da
Antônio Maciel – o Conselheiro – era considerado pelos sertanejos obra, há o permanente contato entre realidade e ficção, o
um enviado de Deus para abolir toda a miséria e as diferenças so- que torna Os sertões um importante texto literário, capaz
ciais que existiam no Nordeste. Assim, Antônio Conselheiro fundou de promover interpretações em campos diversos, como
o arraial de Canudos e se tornou seu líder. Em 1896, o local contava Geografia, História, Sociologia, Filosofia e Literatura.
com cerca de 20 mil habitantes, que lutavam pela sobrevivência e
Na narrativa, observamos uma linguagem rara, riquís-
acreditavam na salvação.
sima em termos científicos, em que é possível encontrar
Havia rumores de que grupos armados de Canudos atacariam cida-
uma séria discussão não apenas sobre a terrível condição
des vizinhas e partiriam para a capital, objetivando a derrocada do
de vida dos sertanejos do Nordeste, mas também sobre os
governo republicano recém-instaurado e a volta da monarquia. Os
grandes coronéis e a Igreja pressionaram o governo e exigiram me- problemas do Brasil como uma nação. Dessa forma, trans-
didas drásticas. O Exército foi enviado a Canudos – três expedições cende o núcleo emblemático do conflito em Canudos e
militares foram derrotadas e armou-se uma quarta, violentíssima, que desnuda um cenário de problemas políticos, econômicos
levou à tragédia: todas as casas foram incendiadas, os prisioneiros e sociais mais complexos.
degolados e a população local aniquilada. Era o fim da guerra. Há uma divisão importante do núcleo de Os sertões –
“A terra”, “O homem” e “A luta” –, que pode ser mais bem
compreendida se levarmos em conta a teoria determinis-
Os sertões: realidade em linguagem ta em que se estudam os seguintes fatores limitantes das
literária condições sociais:
y Meio geográfico: o homem é fruto do ambiente natural
Angelo Agostini. In: Revista Illustrada. Rio de Janeiro, ano 22, n. 727, jan. 1897. (Domínio público)

e de sua formação; assim se explica a impossibilidade


civilizatória em um local como o sertão.
y Momento histórico: o sertanejo não progride porque não
tem contato com a civilização do litoral; por essa razão, o
povo será considerado historicamente “retrógrado”.
y Raça: o “cruzamento” entre raças viria a enfraquecer a
espécie – o sertanejo é um exemplo da miscigenação
e do hibridismo racial (os quais o levam a impulsos
criminosos e à bestialidade).

No entanto, é importante observar que, embora Eucli-


des da Cunha adote inicialmente tal esquema interpretativo
da realidade, este não apazigua sua perplexidade diante do
massacre praticado pelo exército republicano em Canudos.

Os três núcleos de Os sertões


A terra
Nessa primeira parte da obra, Euclides da Cunha relata
Fig. 8 Gravura de Angelo Agostini, publicada em 1897 na Revista Illustrada, na
qual Antônio Conselheiro rechaça a República. Na imagem, lê-se: “até tomando minuciosamente a parte física do território, ou seja, as con-
ares de dizer à República: – Alto lá! D’aqui não passarás...”. dições geográficas de Canudos. Percebe-se, assim, uma
vasta pesquisa em Geografia e Ciências Naturais: foram
Assim são definidos a obra e o estilo de Euclides da estudadas características topográficas e geológicas das
FRENTE 2

Cunha: uma revelação, marcada tanto pelo espírito científico regiões que compreendem desde o Rio Grande do Norte
quanto pela sensibilidade literária, dos mistérios do homem até o norte de Minas Gerais, particularmente a bacia do Rio
e de sua terra. Os sertões foi publicado em 1902 após um São Francisco. O autor também discorre sobre a seca e as
longo período de elaboração; foi o resultado da incursão de suas causas nos sertões do Nordeste, e, especialmente,
Euclides da Cunha no sertão baiano como correspondente a respeito do papel do homem como agente dessa des-
do jornal O Estado de S. Paulo durante a Guerra de Canudos. truição, por exemplo, nas práticas agrícolas rudimentares,
Convencionou-se considerar a publicação da obra o início com o uso de queimadas. Fala-se também sobre o ciclo
do Pré-Modernismo na Literatura brasileira, uma vez que das secas, os desertos, a erosão e as florestas arrasadas.
297
As condições estruturais da terra lá se vincularam à violên- Euclides da Cunha narra uma verdadeira guerra civil
cia máxima dos agentes exteriores para o desenho de relevos movida contra eles, de descrição sombria. O esquema de-
estupendos. O regime torrencial dos climas excessivos, sobre- terminista da obra é sufocado no momento em que o autor
vindo, de súbito, depois das insolações demoradas, e embatendo dá um tom dramático para o relato da barbárie final praticada
naqueles pendores, expôs a muito, arrebatando-lhes para longe contra os sertanejos. Não faltam comoção e admiração pela
todos os elementos degradados, as séries mais antigas daqueles bravura dos canudenses a essa denúncia: “Avança, fraqueza
últimos rebentos das montanhas: todas as variedades cristalinas, do governo!” é o grito de guerra dos sertanejos.
e os quartzitos ásperos, e as filadas e calcáreos, revezando-se O autor também incorporou à narrativa os cânticos e
ou entrelaçando-se, repontando duramente a cada passo, mal rezas entoados no arraial durante todo aquele ato de vio-
cobertos por uma flora tolhiça – dispondo-se em cenários em
lência, cujo desfecho ocorreu no dia 5 de outubro de 1897,
que ressalta predominante o aspecto atormentado das paisagens.
colocando fim ao povoado de Canudos e a um dos principais
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 87.
combates da história do Brasil.
O homem Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as
Na segunda parte da obra, intitulada “O homem”, Eu- armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os cadáve-
clides da Cunha completa toda a descrição do cenário, res que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos.
narrando a gênese de Canudos. O autor estudou a origem Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da
do jagunço – o sertanejo – e também a do líder político estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se,
e religioso messiânico Antônio Conselheiro. Citam-se as faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos mar-
ginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e
raças formadoras da cultura brasileira – o índio, o branco
dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras,
português, o negro e o mestiço. Em “O homem”, o autor
capotes, mantas, cantis e mochilas...
caracteriza o sertanejo como um “Hércules-Quasímodo”,
A caatinga mirrada e nua, apareceu repentinamente desa-
feliz imagem-síntese de uma comparação antitética: Hér-
brochando numa florescência extravagantemente colorida no
cules, um semideus da mitologia grega que encarnava a vermelho forte das divisas, no azul desmaiado dos dólmãs e
valentia e a força, e Quasímodo (personagem literária de nos brilhos vivos das chapas dos talins e estribos oscilantes...
Victor Hugo), a feiura e a deformidade. Um pormenor doloroso completou essa encenação cruel:
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raqui- a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de
tismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. angico, o corpo do coronel Tamarindo.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, re- Era assombroso... Como um manequim terrivelmente
vela o contrário. Faltam-lhe a plástica impecável, o desempeno, lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos,
a estrutura corretíssima das organizações atléticas. oscilando à feição do vento no galho flexível e vergado, apa-
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo recia nos ermos feito uma visão demoníaca.
reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2001. p. 492-3.
firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a
translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura nor-
malmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá
Vanguardas europeias – o início
um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, turbulento do século XX na Europa
recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que
encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas pa- Modernismo na Europa: contexto histórico
lavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, Europa, primórdios do século XX: de um lado, uma mino-
descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo ria comemora o conforto oferecido pelas invenções e pelos
a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança progressos tecnológicos, como o automóvel, o avião e a
celeremente, num bambolear característico, de que parecem eletricidade; de outro, a fome assola quase um terço da po-
ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. [...] pulação mundial, marginalizada e em situação degradante.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 207-8.
© Photothèque R. Magritte, Magritte, René/Licenciado
por AUTVIS, Brasil, 2014

A luta
A terceira e última parte da obra Os sertões, “A luta”, é
considerada a de maior relevância e a mais tocante, cons-
tituída pela narração das quatro expedições do Exército
enviadas para conter a Revolta de Canudos. É importante
lembrar que, historicamente, a chamada “revolta” não pas-
sou de um movimento de busca por melhores condições
de existência empreendido por sertanejos miseráveis (que
foram chamados de “bandidos do sertão” e povoaram ex-
tensas regiões do Rio São Francisco. Fig. 9 René Magritte, La trahison des images (A traição das imagens), 1929, óleo
sobre tela, Museu de Arte do Condado de Los Angeles, Estados Unidos. O artista
provoca uma reflexão sobre a diferença entre a realidade e a representação – a
Tolhiça: atrofiada. inscrição “Ceci n’est pas une pipe” significa “Isto não é um cachimbo”. A arte deixa de
ser mimese ou mera reprodução, e a cópia e o retrato dão lugar aos questionamentos.

298 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


São inegáveis as mudanças radicais pelas quais a so- profundamente desestabilizados, provocavam sensações
ciedade passou entre o final do século XIX e o início do diferentes em cada indivíduo. Assim, não fazia mais sentido
século XX. Foram acontecimentos transformadores, entre representar a nova realidade humana e social conforme
crises políticas e sociais, que alteraram significativamente a os padrões artísticos de antes, e a arte moderna ganhou
face da Europa, bem como os progressos na ciência – em seu espaço.
áreas como Física, Biologia e Química – e os avanços nos Inicialmente, o movimento ateou fogo no terreno da
meios de comunicação e transporte, com invenções tecno- crítica. As novas artes não foram bem compreendidas e
lógicas, como o telefone, o rádio, o cinema e o automóvel. provocaram reações adversas, como se pode observar na
A nova forma de interpretar a sociedade como um crítica a seguir:
todo também teve grande importância nesse período, com
Sigmund Freud (1856-1939) tecendo teorias relevantes Em música são ridículos, na poesia são malucos e na
acerca das emoções e dos estados individuais, o que pintura são borradores de telas.
fascinava os artistas em suas explorações temáticas do Oscar Guanabarino (crítico de arte e ferrenho adversário da Semana de 1922).
In: BOAVENTURA, Maria Eugênia (Org.). 22 por 22: a Semana de Arte Moderna
eu em relação ao mundo. Com a Psicologia, outras ten- vista pelos seus contemporâneos. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2008. p. 13.
dências culturais emergiam na Europa e se difundiam mais
facilmente, já que os meios de comunicação se aperfei-
Assim, o início do século XX foi marcado por grande
çoavam. Essas manifestações – artísticas, mas também
efervescência cultural: um turbilhão de ideias, de mudanças
existenciais –, denominadas vanguardas europeias, efe-
e de grandes inovações. No Brasil, o movimento adquiriu
tivaram-se em um período de aproximadamente 15 anos.
proporções importantes, que definiram e propuseram uma
De teores distintos, tais vanguardas tinham como objetivo
longa caminhada de atualização da arte produzida aqui.
comum encarar o mundo com postura combativa e inovar
nas artes, trazendo à tona novas proposições estéticas. Atenção

Arte moderna É importante observar que Modernismo é o nome dado a um vasto


conjunto de movimentos culturais e artísticos do início do século XX.
A originalidade é um valor da arte moderna, da qual faz Isso ajuda a compreender a amplitude do movimento que revolucio-
parte a expressão própria do olhar humano, carregada com nou conceitos e práticas estéticas e modificou a forma de entender
as experiências particulares do artista, as suas imperfeições e conceber a arte no Ocidente.
naturais, e dotada das emoções e dos sentimentos acesos Vale entender que o Modernismo representa o desejo de universa-
no momento da criação. lizar, de romper com as amarras do passado; é o deslumbramento
Pode parecer que esses ideais fazem parte dos anseios pelo novo em detrimento das limitadas fronteiras artísticas.
de qualquer artista, mas nem sempre foi assim. Para se
chegar à concepção de arte atual, muitas mudanças foram
necessárias, grande parte delas conquistada por artistas Vanguardas e as inovações
do Modernismo.
De acordo com padrões anteriores e perfeitamente
europeias
estabelecidos até então, a qualidade de uma obra de arte No início do século XX, as tensões políticas entre os
residia na sua adequação às regras tradicionais de criação. países europeus tornavam a realidade instável. Nessa con-
A cópia correta e fiel dos clássicos era o critério de avalia- juntura de incertezas e ausência de valores confiáveis, os
ção dos bons artistas. referentes da arte perderam importância, e ela mudou seu
Já o moderno relaciona-se àquilo que está despren- foco: do produto ao processo.
dido do passado, que faz parte de correntes atuais de As obras provocavam intencionalmente no leitor um
pensamento e está em dia com seu tempo e sua realidade; sentimento de suspensão e de expectativa. O que esperar
assim, a arte moderna é a que olha para a frente, que se de uma obra modernista? Uma surpresa, sempre. Um não
adianta e que avança. acabamento permanente quanto às possibilidades de sig-
A arte moderna promoveu uma atitude de ruptura sem nificados que a ela poderiam ser associados. Frustrava-se
precedentes na história. Era o momento da descrença nos quem esperava encontrar nas manifestações artísticas uma
valores antigos e de sua desconstrução; tudo passava resposta completa e acabada. Ao contrário disso, o leitor
a ser visto como transitório e fugaz. Basta lembrar que, passou a ser chamado a exercer o papel fundamental de
no momento de emergência da arte moderna, o cenário participante, levantando hipóteses interpretativas quanto ao
mundial estava sendo totalmente abalado em seus pres- sentido da arte moderna, este sempre em aberto.
supostos mais básicos da vida humana devido às guerras, Assim, houve uma mudança na estrutura da arte, a qual
FRENTE 2

e os valores reconhecidos até então se tornavam obs- adquiriu um caráter performático: colocou o ato da criação
curos e questionáveis. As noções de tempo e espaço e da experiência estética que este pode provocar no es-
não eram mais as mesmas de antes, e esses elementos, pectador/leitor em evidência. Artista e público performam,
ou seja, dão forma à obra de arte e experimentam a sua
configuração praticamente em pé de igualdade. Muitas mu-
Vanguarda: termo derivado do francês avant-garde, que significa “o
que marcha para a frente”. danças dessa natureza foram propostas pelos movimentos
modernistas chamados de vanguardas.

299
A palavra “vanguarda” tem origem semântica relaciona-

Vincent van Gogh/Wikimedia Commons (Domínio público)


da ao vocabulário militar. De fato, as iniciativas vanguardistas
atuaram em uma linha de frente, travando uma verdadeira
batalha, com a missão de se impor sobre a arte acadêmi-
ca. Formaram-se várias correntes artísticas, cada uma com
suas propostas.
Entre as vanguardas, há cinco que podem ser consi-
deradas principais, como descrito a seguir.

Dadaísmo
O movimento dadaísta foi encabeçado por Tristan
Tzara, o escritor alemão Hugo Ball, o artista alsaciano
Jean Arp, entre outros intelectuais, todos residentes em
Zurique, na Suíça. Apresenta ideias derivadas do Roman-
tismo no que diz respeito à produção artística, partilhando
da “forma de espírito” do século XIX, que consistia no Fig. 11 Vincent van Gogh, A noite estrelada, 1889, óleo sobre tela, Museu de Arte
ato de escrever livremente, sem qualquer repressão da Moderna, Nova York, Estados Unidos.
consciência ou preocupação com a forma – coerente e
inteligível – da expressão resultante, e de um pessimismo Expressionismo
exacerbado. Por fim, seus intelectuais queriam destruir, De origem alemã, o movimento surgiu no final do
porque também se cria pela destruição. século XIX e início do século XX. Objetivava o impacto
emocional do espectador ao ser posto em contato com a
© Succession Marce Duchamp/Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2014

distorção intencional das formas movida pela emoção do ar-


tista; além disso, havia a explosão dos temas, univocamente
identificáveis com as cores fortes e as formas retorcidas dos
pesadelos acordados. Os expressionistas buscavam figurar
na arte o terrível estado psicológico da humanidade ao final
da Primeira Guerra Mundial ao mesmo tempo que se engaja-
vam em fortes denúncias sociais, expressas por meio da arte.

Edvard Munch/Wikimedia Commons (Domínio público)

Fig. 12 Edvard Munch, O grito, 1893, óleo, têmpera e pastel sobre cartão, The
Fig. 10 Marcel Duchamp, L.H.O.O.Q., 1919, litografia, coleção privada. A obra National Museum of Art, Oslo, Noruega. Nesta célebre obra de arte, as imagens do
demonstra a faceta divertida e irreverente proporcionada pela atitude de imitar indivíduo e da natureza se mesclam em sensações aterrorizantes, como as que saem
o já imitado. de um pesadelo. São explorados efeitos de simultaneidade e associações livres.

300 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


Cubismo

© Salvador Dalí, Fundación Gala-Salvador Dalí/ AUTVIS, Brasil, 2020.


De 1907 a 1914, o Cubismo representou um rompimento
drástico com a possibilidade de se projetar na arte a real
aparência das coisas do mundo. Tal movimento buscava
representar as diversas partes e visões possíveis de um
objeto em um único plano por meio de cortes geométricos.
Os cubistas apostavam na simultaneidade das visualiza-
ções, de modo a preservar a integridade mais profunda
do objeto. Na literatura, a realidade era representada de
modo fragmentário, por meio de palavras sem configuração
sintática clara dispostas nas orações, formando imagens
que recusavam o entendimento linear e as definições, mas
potencializavam percepções mais profundas da realidade.
O encouraçado Potemkin Direção Serguei Eisenstein.
Roteiro: Nina Agadzhanova. União Soviética, 1925/
Wikimedia Commons (Domínio público)

Fig. 14 Salvador Dalí. A persistência da memória, 1931. Óleo sobre tela; 24,1 × 33 cm.
Museu de Arte Moderna, Nova York. Nesse quadro, percebem-se traços surrealistas,
como a influência onírica, a abstração e a representação do irreal.

Futurismo
De proposição italiana (por Filippo Marinetti, em 1909),
o Futurismo tinha como pré-requisito estético a valorização
da velocidade e das inovações tecnológicas. “Liberdade
para as palavras” era o slogan dos escritores, que procura-
vam usá-las não pelo conjunto articulado de significados
Fig. 13 Cena do filme soviético O encouraçado Potemkin, dirigido por Sergei imediatos que elas abarcam, mas pela força e potência dos
Eisenstein e lançado em 1925. O filme exemplifica a forma como o cubismo pode seus fluxos e as correntes vibrantes de percepção que elas
ser explorado na esfera cinematográfica. Nesta cena intensa, um carrinho de
podem provocar. Assim, a propaganda passa a ser consi-
bebê corre sem controle pela escadaria abaixo, enquanto são expostos, através
da cerrada montagem dos planos, os diversos ângulos, as múltiplas formas da derada uma excelente forma de comunicação.
percepção do que ocorria, e as várias faces e reações sobre o mesmo aconteci-

© BALLA, Giacomo/AUTVIS, Brasil, 2020.


mento; todo o contexto real da cena é recriado de modo fragmentado, dissociado
e geometrizado.

Surrealismo
Derivado da ruptura do Dadaísmo, esse movimento
tem como base as misturas e a suspensão das contradi-
ções entre sonho e realidade, sanidade e loucura. O seu
objetivo era a criação de uma “suprarrealidade” – uma rea-
lidade absoluta – a fim de explodir a percepção racional
das contradições resultantes do apego às convenções.
Fig. 15 Giacomo Balla. Dinamismo de um cão em uma trela, 1912. Óleo sobre tela;
Tanto a pintura quanto os textos criados a partir da escrita 89,8 × 109,8 cm. Galeria de Arte Albright-Knox, Nova York. No quadro, as formas
automática buscavam dar vazão às pulsões vitais, vindas repetidas e pouco nítidas rompem com a representação tradicional da paisagem,
diretamente do inconsciente, sem a mediação da razão. transmitindo a ideia de velocidade e movimento.

Revisando
O Pré-Modernismo no Brasil foi um período de transição entre as correntes literárias do m do século XIX e as tendên-
cias mais modernas do início do século XX. Os trechos apresentados a seguir pertencem a autores de destaque de tal
época e evidenciam características marcantes da produção literária do período. Leia-os atentamente para responder às
questões de 1 a 3.
FRENTE 2

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Faltam-lhe a plástica impecável, o desempeno,
a estrutura corretíssima das organizações atléticas. [...]
É o homem permanentemente fatigado.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2001. p. 207-8.

301
O subúrbio é o refúgio dos infelizes. Os que perderam 4 Leia a epígrafe que Lima Barreto escolheu para seu
o emprego, as fortunas; os que faliram nos negócios, en- romance Triste fim de Policarpo Quaresma:
fim, todos os que perderam a sua situação normal vão se
O grande inconveniente da vida real e o que a torna
aninhar lá; e todos os dias, bem cedo, lá descem à procura
insuportável ao homem superior é que, se para ela trans-
de amigos fiéis que os amparem, que lhes deem alguma
portarmos os princípios do ideal, as qualidades se tornam
coisa para o sustento seu e dos filhos.
defeitos, de tal modo que frequentemente o homem ínte-
BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. São Paulo:
Penguin & Companhia das Letras, 2012. gro aí se sai menos bem que aquele que tem por causas
o egoísmo e a rotina vulgar.
O caboclo é soturno. [...] o caboclo é o sombrio urupê RENAN, Marc-Aurèle. In: BARRETO, A. H. Lima. Triste fim de Policarpo
de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas. Quaresma. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 45.
Só ele não fala, não canta, não ri, não ama.
Depois de conhecer as características do Pré-Moder-
Só ele, no meio de tanta vida, não vive...
LOBATO, Monteiro. Urupês. São Paulo:
nismo, como podemos associar esse texto ao referido
Brasiliense, 1972. p. 145-55. período da Literatura brasileira?
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga


Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga
ANJOS, Augusto dos. “Eterna Mágoa”. In: Eu.
Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

1 Os trechos das obras apresentados visam à idealiza-


ção ou à denúncia do homem e da sociedade?

Leia o fragmento a seguir, da obra Os sertões, para


responder às questões 5 e 6.
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o
raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
2 Os textos apresentam um tom de otimismo ou pessi-
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de
mismo?
vista, revela o contrário. Faltam-lhe a plástica impecável,
o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações
atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-
-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos
fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gin-
gante e sinuoso, aparenta a translação de membros
desarticulados. Agrava-o a postura normalmente aba-
3 O homem representado é da elite ou, de alguma forma, tida, num manifestar de displicência que lhe dá um
pertence a classes marginalizadas? caráter de humildade deprimente. A pé, quando para-
do, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou
parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para
trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre
um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela.
Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória
retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear
característico, de que parecem ser o traço geométrico os
meandros das trilhas sertanejas. [...]
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2001. p. 207-8.

302 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


5 Na terceira parte da obra Os sertões, “O homem”, d Mário de Andrade e Oswald de Andrade, partici-
Euclides da Cunha caracteriza o sertanejo como um pantes da Semana de Arte Moderna, em muitas
“Hércules-Quasímodo”. Explique a construção dessa ocasiões, negaram a relação existente entre as Van-
imagem. guardas europeias e os valores e as motivações das
obras modernistas brasileiras.
E Há uma relação intensa entre Futurismo e Cubismo.
Tanto uma quanto a outra têm os mesmos interes-
ses e objetivos e em nada se diferenciam, exceto
quando se relacionam com a arte literária.

8 Enem 2a aplicação 2016


Texto I

Disponível em: <www.moma.org>. Acesso em: 18 maio 2013


6 Identifique as características do sertanejo que, segun-
do o narrador, aproximam-no de um “Quasímodo”.

G. Severini, A hieroglífica dinâmica do Bal Tabarin, óleo sobre tela, 161,6 x


156,2 cm, Museu de Arte Moderna, Nova York, 1912.

Texto II
7 UPE 2015 As Vanguardas europeias são movimentos A existência dos homens criadores modernos é muito
artísticos e culturais, com repercussão em muitas es- mais condensada e mais complicada do que a das pes-
colas literárias brasileiras. Pode-se, inclusive, afirmar soas dos séculos precedentes. A coisa representada, por
que elementos constitutivos das Vanguardas estão imagem, fica menos fixa, o objeto em si mesmo se expõe
menos do que antes. Uma paisagem rasgada por um
presentes em autores e obras da estética literária
automóvel, ou por um trem, perde em valor descriti-
modernista. Sendo assim, diante dessa afirmativa, as-
vo, mas ganha em valor sintético. O homem moderno
sinale a alternativa correta.
registra cem vezes mais impressões do que o artista do
A As chamadas Vanguardas europeias foram impor-
século XVIII.
tantes para os movimentos culturais do início do
LEGÉR, F. Funções da pintura. São Paulo: Nobel, 1989.
século XX. No entanto, no Brasil, há um consenso
entre os estudiosos da literatura de que essas Van- A vanguarda europeia, evidenciada pela obra e pelo
guardas em nada nos influenciaram. texto, expressa os ideais e a estética do
B O Dadaísmo, uma das chamadas Vanguardas eu- A Cubismo, que questionava o uso da perspectiva
ropeias, defendia que somente a associação entre por meio da fragmentação geométrica.
todas as tendências vanguardistas poderia resultar B Expressionismo alemão, que criticava a arte acadê-
FRENTE 2

em avanços importantes para as artes e para a cul- mica, usando a deformação das figuras.
tura de modo geral. c Dadaísmo, que rejeitava a instituição artística, pro-
c Temáticas oriundas dos estudos freudianos como pondo a antiarte.
fantasia, sonho, ilusão, loucura estão presentes d Futurismo, que propunha uma nova estética, ba-
em obras surrealistas. Nas artes plásticas, Salvador seada nos valores da vida moderna.
Dali (1904/1989) é um dos principais representantes E Neoplasticismo, que buscava o equilíbrio plástico,
dessa Vanguarda. com utilização da direção horizontal e vertical.

303
Exercícios propostos
1 Enem 2014 Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco, Oh! Pitágoras da última aritmética,
Monstro de escuridão e rutilância, Continua a contar na paz ascética
Sofro, desde a epigênese da infância, Dos tábidos carneiros sepulcrais
A influência má dos signos do zodíaco.
Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Profundissimamente hipocondríaco, Porque, infinita como os próprios números
Este ambiente me causa repugnância… A tua conta não acaba mais!
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco. Vocabulário:
Carneiros - criptas, subterrâneos sepulcrais
Já o verme – este operário das ruínas – Fúlgidos - brilhantes
Que o sangue podre das carnificinas Ascética - próprio do asceta, de quem se entrega a
Come, e à vida em geral declara guerra, práticas espirituais, levando vida contemplativa
Tábidos - pobres, corruptos
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
Tíbias - ossos que constituem a perna
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Rádios - ossos que constituem o antebraço
Na frialdade inorgânica da terra!
ANJOS, Augusto dos. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
2 Mackenzie 2016 (Adapt.) É correto afirmar que em “Ver-
A poesia de Augusto dos Anjos revela aspectos de sos a um coveiro”:
uma literatura de transição designada como pré- A a construção do soneto com léxico das áreas da
-modernista. Com relação à poética e à abordagem Biologia e da Matemática reduz o impacto poético
temática presentes no soneto, identicam-se marcas da composição.
dessa literatura de transição, como
B a composição textual estruturada na função fática
A a forma do soneto, os versos metrificados, a pre-
e no uso de terminologia científica ampliam o valor
sença de rimas, o vocabulário requintado, além do
literário do soneto.
ceticismo, que antecipam conceitos estéticos vi-
c o racionalismo científico e a opção pela com-
gentes no Modernismo.
posição em forma de soneto vinculam o poema
B o empenho do eu lírico pelo resgate da poesia sim-
selecionado aos ideais do movimento Naturalista.
bolista, manifesta em metáforas como “Monstro de
d a exploração de caracteres patológicos, mórbidos
escuridão e rutilância” e “influência má dos signos
do zodíaco”. e pútridos afastam a possibilidade de o presente
c a seleção lexical emprestada do cientificismo, soneto ser considerado relevante para o universo
como se lê em “carbono e amoníaco”, “epigênese da literatura brasileira.
da infância”, “frialdade inorgânica”, que restitui a vi- E o emprego de terminologia técnica, das áreas da
são naturalista do homem. Biologia e da Matemática, concede tom de raciona-
d a manutenção de elementos formais vinculados à lidade à morte, tratada de forma quantificável.
estética do Parnasianismo e do Simbolismo, dimen-
sionada pela inovação na expressividade poética e 3 Mackenzie 2016 (Adapt.) Assinale a alternativa que
o desconcerto existencial. NÃO pode ser considerada como afirmação válida so-
E a ênfase no processo de construção de uma poe- bre a obra poética de Augusto dos Anjos.
sia descritiva e ao mesmo tempo filosófica, que A As suas imagens são tomadas à ciência e à técnica,
incorpora valores morais e científicos mais tarde cravando-se na sonoridade agressiva de um verso
renovados pelos modernistas. que incorpora a ênfase retórica e o mau gosto com
tamanho destemor, que a aparente vulgaridade tor-
Texto para as questões 2 e 3. na-se grandiosa e a oratória sai da banalidade para
Versos a um coveiro gerar uma espécie de mensagem apocalíptica. (An-
tônio Candido)
Numerar sepulturas e carneiros,
B [...] inferior, banalizada pela repetição de situações
Reduzir carnes podres a algarismos,
desprovidas de surpresas, pouco imaginativas
Tal é, sem complicados silogismos,
e repletas de clichês [...]. Uma literatura sem so-
A aritmética hedionda dos coveiros!
bressaltos, que responde às expectativas do leitor
Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos médio, estabelecendo com ele um pacto onde a
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros, função recreativa domina. (Nelly Novaes Coelho)

304 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


c Trata-se de um poeta poderoso, que deve ser men- J O soneto de Augusto dos Anjos apresenta as ener-
surado por um critério estético aberto que possa gias do universo, que se associam para formar o “Eu”,
reconhecer, além do “mau gosto” do vocabulário e não conseguem evitar a decomposição do corpo.
rebuscado e científico, a dimensão cósmica e a an- J O poema de Manuel Bandeira mostra a fragilidade do
gústia moral de sua poesia. (Alfredo Bosi) corpo, encarada de forma irônica, sem o tom grave
d Limita-se às formas convencionais, de versos, é cer- de conspiração encontrado em Augusto dos Anjos.
to, mas uma aspereza toda sua, uma angulosidade J Os dois poemas evidenciam o destino implacável
de expressão servida pelo seu conhecimento de da destruição do homem desde que nasce, marca-
palavras duramente científicas, dá aos seus poe- do pela presença dos vermes.
mas um audacioso sabor mais para os olhos do A V – F – V – V. d F – F – V – V.
que para os ouvidos. (Gilberto Freyre) B F – V – F – F. E V – F – F – V.
E [...] mais do que qualquer parnasiano [...], sendo c V – V – V – F.
também, mais do que qualquer simbolista, o rei
da aliteração. Raramente encontramos um hiato 5 PUC-Rio
sobrevivente à sua metrificação impiedosa. (Otto
Maria Carpeaux) Versos a um coveiro
Numerar sepulturas e carneiros,
4 UFRGS 2015 Leia o soneto de Augusto dos Anjos e o Reduzir carnes podres a algarismos,
poema de Manuel Bandeira. Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco, Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Monstro de escuridão e rutilância, Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Sofro, desde a epigênese da infância, Na progressão dos números inteiros
A influência má dos signos do zodíaco. A gênese de todos os abismos!

Profundissimamente hipocondríaco, Oh! Pitágoras da última aritmética,


Este ambiente me causa repugnância... Continua a contar na paz ascética
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Dos tábidos carneiros sepulcrais
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Já o verme – este operário das ruínas – Porque, infinita como os próprios números,
Que o sangue podre das carnificinas A tua conta não acaba mais!
ANJOS, Augusto dos. Toda a poesia. Rio de Janeiro:
Come, e à vida em geral declara guerra,
Paz e Terra, 1978.

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, a) Os versos de Augusto dos Anjos (1884-1914) já
E há de deixar-me apenas os cabelos, foram considerados “exatos como fórmulas ma-
Na frialdade inorgânica da terra! temáticas” (ROSENFELD, Anatol. A costeleta de
ANJOS, Augusto dos. prata de A. dos Anjos. Texto/contexto. São Paulo:
Perspectiva, 1969. p. 268). Justifique essa afirmati-
Pneumotórax va, destacando aspectos formais do texto.
Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. b) Transcreva de “Versos a um coveiro” palavras e
A vida inteira que podia ter sido e que não foi. expressões científicas, estabelecendo um con-
Tosse, tosse, tosse. traste entre o poema de Augusto dos Anjos e a
Mandou chamar o médico: tradição romântica, no que se refere à abordagem
— Diga trinta e três. da temática da morte.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire. 6 Enem – Cancelado
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo Texto 1
e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? O Morcego
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango ar- Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
FRENTE 2

gentino. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:


BANDEIRA, Manuel. Na bruta ardência orgânica da sede,
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as seguintes Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
armações sobre os poemas. “Vou mandar levantar outra parede...”
J Os dois poemas tratam do problema da finitude do Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
corpo, corroído por doenças, utilizando um vocabu- E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
lário técnico, pouco comum à poesia. Circularmente sobre a minha rede!

305
Pego de um pau. Esforços faço. Chego 8 UEM 2015 Assinale o quer for correto sobre a obra Eu
A tocá-lo. Minh’alma se concentra. e outras poesias e sobre seu autor, Augusto dos Anjos.
Que ventre produziu tão feio parto?! 01 Em Eu e outras poesias podem ser encontrados al-
guns dos temas mais presentes na obra de Augusto
A Consciência Humana é este morcego! dos Anjos, tais como o amor ingênuo e platônico
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra (fruto da influência da segunda geração romântica)
Imperceptivelmente em nosso quarto! e a exaltação de elementos nacionais que, não obs-
ANJOS, Augusto dos. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994. tante, é feita de maneira crítica e mordaz.
02 Um dos aspectos mais chamativos nos poemas
Texto 2 de Augusto dos Anjos – verificável em Eu e outras
poesias – é sua negação da ciência, que é vista
O lugar-comum em que se converteu a imagem de
como um elemento capaz de reduzir as possibili-
um poeta doentio, com o gosto do macabro e do horro-
dades de aprimoramento humano presentes na
roso, dificulta que se veja, na obra de Augusto dos Anjos,
intuição de cunho sentimental.
o olhar clínico, o comportamento analítico, até mesmo
04 Apesar do título, o volume Eu e outras poesias
certa frieza, certa impessoalidade científica.
apresenta exemplos de produções pouco recor-
CUNHA, F. Romantismo e modernidade na poesia. Rio de Janeiro:
Cátedra, 1988. (Adapt.). rentes na obra de Augusto dos Anjos: o conto “O
alienista”, que se configura como uma narrativa
Em consonância com os comentários do Texto 2 acerca poética, e a tragédia “Profissão de fé”, fortemente
da poética de Augusto dos Anjos, o poema “O mor- marcada pelo Simbolismo.
cego” apresenta-se, enquanto percepção do mundo, 08 A produção literária de Augusto dos Anjos,
como forma estética capaz de: embora habitualmente situada no contexto do Pré-
A reencantar a vida pelo mistério com que os fatos -Modernismo brasileiro, representa um problema de
banais são revestidos na poesia. classificação estética, de modo que sua obra – na
B expressar o caráter doentio da sociedade moderna qual se encontram influências do Naturalismo e do
por meio do gosto pelo macabro. Simbolismo – constitui fenômeno particular e original.
c (representar realisticamente as dificuldades do coti- 16 No poema “Psicologia de um vencido”, os versos
diano sem associá-lo a reflexões de cunho existencial. “Eu, filho do carbono e do amoníaco,/Monstro de
d abordar dilemas humanos universais a partir de escuridão e rutilância,/Sofro, desde a epigênesis
um ponto de vista distanciado e analítico acerca da infância,/A influência má dos signos do zodíaco”
do cotidiano. revelam uma visão sofredora do mundo, da vida. O
E conseguir a atenção do leitor pela inclusão de “eu” lírico angustia-se diante da previsão da própria
elementos das histórias de horror e suspense na es- morte e do destino reservado ao cadáver, confor-
me o verso “Na frialdade inorgânica da terra”
trutura lírica da poesia.
(ANJOS, Augusto. Eu e outras poesias. São Paulo:
Martin Claret, 2002, p. 38).
7 Unisc 2016 Assinale a alternativa que preenche corre-
tamente as lacunas do texto a seguir. Soma: JJ

O início do chamado Pré-modernismo na Literatura bra-


9 Uern 2015 Considere o texto e a imagem a seguir.
sileira data de 1902, com a publicação de .
Além dessa obra relevante, de autoria de , O decênio de 1930 teve como característica própria
merece destaque o romance , publicado um grande surto do romance, tão brilhante quanto o que
se verificou entre 1880 e 1910, e que apenas em pequena
por em 1915.
parte dependeu da estética modernista.
Já na poesia, o principal nome deste período foi
CANDIDO, Antônio e CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da Literatura
, autor de . Brasileira: Modernismo. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1979.

A Urupês/Graça Aranha/Macunaíma/Domingos Olím-


pio/Mário de Andrade/Cinza das horas.
B Canaã/Euclides da Cunha/Triste fim de Policarpo
Quaresma/Monteiro Lobato/Manuel Bandeira/Eu e
outras poesias.
c Os Sertões/Euclides da Cunha/Triste fim dePolicarpo
Quaresma/Lima Barreto/Augusto dos Anjos/Eu e
outras poesias.
d Urupês/Monteiro Lobato/Macunaíma/Mário de An-
drade/Manuel Bandeira/Cinza das horas.
E Canaã/Monteiro Lobato/Luzia-Homem/Mário de An- Seca: Bahia tem pelo menos 140 cidades em situação de emergência. 28 de agosto de
drade/Manuel Bandeira/Broquéis. 2014. Disponível em: <http://visaonacional.com.br>. Acesso em: 8 de jan. 2018.

306 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


O comentário do especialista associado à imagem apre- d A prosa da época é marcada por obras de análise
senta e representa características importantes da prosa e interpretação social significativas para a literatura
modernista da geração de 1930. Em relação à produção brasileira.
literária identicada, assinale a alternativa correta. E O pré-modernismo antecipou formal ou tematica-
A A preocupação com a documentação da realidade mente práticas e ideias que foram desenvolvidas
presente no Pré-Modernismo é retomada. pelos modernistas.
B Utiliza-se uma linguagem rebuscada objetivando
demonstrar a importância do tema abordado. 11 Mackenzie 2015 A partir do fragmento de Os Sertões,
c O regionalismo é explorado de forma preconcei- pode-se afirmar que todas as afirmações estão corre-
tuosa, demonstrando com exagero a situação difícil tas, EXcETO:
das regiões retratadas. A o autor compõe seu texto com traços tanto de uma
d O desejo por um país melhor, isento de desigual- prosa científica quanto de uma prosa literária.
dades sociais, faz com que os romancistas de 1930 B a constante utilização de termos científicos, como
descrevam cenários e personagens idealizados. cumeadas, taludes e morfogenia, compromete o
valor literário da obra.
Texto para as questões 10 e 11. c destacam-se contrastes geográficos do Brasil,
O planalto central do Brasil desce, nos litorais do como evidenciado no fragmento: Mas ao derivar
Sul, em escarpas inteiriças, altas e abruptas. Assoberba para as terras setentrionais diminui gradualmente
os mares; e desata-se em chapadões nivelados pelos visos de altitude (linhas 5 e 6).
das cordilheiras marítimas, distendidas do Rio Grande a d há uma detalhada descrição da região embasada
5 Minas. Mas ao derivar para as terras setentrionais diminui pelo conhecimento das Ciências Naturais.
gradualmente de altitude, ao mesmo tempo que descamba E a opção pela utilização de mais de um adjetivo
para a costa oriental em andares, ou repetidos socalcos, para caracterizar o substantivo, como em escarpas
que o despem da primitiva grandeza afastando-o consi- inteiriças, altas e abruptas (linha 2), está vinculada
deravelmente para o interior. à ideia da objetividade científica.
10 De sorte que quem o contorna, seguindo para o norte,
observa notáveis mudanças de relevos: a princípio o traço
Texto para a próxima questão.
contínuo e dominante das montanhas, precintando-o, com
destaque saliente, sobre a linha projetante das praias, de- Não se zanguem
pois, no segmento de orla marítima entre o Rio de Janeiro
A cartomancia entrou decididamente na vida nacional.
15 e o Espírito Santo, um aparelho litoral revolto, feito da
Os anúncios dos jornais todos os dias proclamam aos
envergadura desarticulada das serras, riçado de cumea-
quatro ventos as virtudes miríficas das pitonisas.
das e corroído de angras, e escancelando-se em baías,
Não tenho absolutamente nenhuma ojeriza pelas adi-
e repartindo-se em ilhas, e desagregando-se em recifes
vinhas; acho até que são bastante úteis, pois mantêm e
desnudos, à maneira de escombros do conflito secular que
sustentam no nosso espírito essa coisa que é mais neces-
20 ali se trava entre os mares e a terra; em seguida, trans-
sária à nossa vida que o próprio pão: a ilusão.
posto o 15o paralelo, a atenuação de todos os acidentes –
Noto, porém, que no arraial dessa gente que lida com o
serranias que se arredondam e suavizam as linhas dos
destino, reina a discórdia, tal e qual no campo de Agramante.
taludes, fracionadas em morros de encostas indistintas no
A política, que sempre foi a inspiradora de azedas
horizonte que se amplia; até que em plena faixa costeira
polêmicas, deixou um instante de sê-lo e passou a vara
25 da Bahia, o olhar, livre dos anteparos de serras que até lá o
à cartomancia.
repulsam e abreviam, se dilata em cheio para o ocidente,
Duas senhoras, ambas ultravidentes, extralúcidas e
mergulhando no âmago da terra amplíssima lentamente
não sei que mais, aborreceram-se e anda uma delas a dizer
emergindo num ondear longínquo de chapadas...
da outra cobras e lagartos.
Este fácies geográfico resume a morfogenia do grande
Como se pode compreender que duas sacerdotisas
30 maciço continental.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões.
do invisível não se entendam e deem ao público esse
espetáculo de brigas tão pouco próprio a quem recebeu
dos altos poderes celestiais virtudes excepcionais?
10 Mackenzie 2015 Assinale a alternativa incorreta sobre A posse de tais virtudes devia dar-lhes uma
o contexto histórico e literário da prosa pré-modernis- mansuetude, uma tolerância, um abandono dos interesses
ta a que pertence o fragmento de Os Sertões. terrestres, de forma a impedir que o azedume fosse logo
A Os prosadores pré-modernistas produziram uma abafado nas suas almas extraordinárias e não rebentasse
FRENTE 2

literatura problematizadora da realidade brasileira em disputas quase sangrentas.


de sua época. Uma cisão, uma cisma nessa velha religião de adivinhar
B Entre os temas pré-modernistas, está o subdesen- o futuro, é fato por demais grave e pode ter consequências
volvimento do sertão nordestino. desastrosas.
c A investigação social presente na prosa pré-mo- Suponham que F. tenta saber da cartomante X se coisa
dernista colabora para o aprofundamento do essencial à sua vida vai dar-se e a cartomante, que é dissi-
sentimento ufanista nacional. dente da ortodoxia, por pirraça diz que não.

307
O pobre homem aborrece-se, vai para casa de mau em geral, se veem na humilhante contingência de sofrer
humor e é capaz de suicidar-se. continuamente censuras ásperas dos proprietários da lín-
O melhor, para o interesse dessa nossa pobre humani- gua; usando do direito que lhe confere a Constituição,
dade, sempre necessitada de ilusões, venham de onde vier, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-gua-
é que as nossas cartomantes vivam em paz e se entendam rani como língua oficial e nacional do povo brasileiro.
para nos ditar bons horóscopos. Senhores Congressistas, o tupi-guarani, língua agluti-
(BARRETO, Lima. Vida urbana: artigos e crônicas. 2ª ed. nante, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de
São Paulo: Brasiliense, 1961.)
pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se
perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por
12 Uece 2018 A crônica Não se zanguem serve para mos- ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem.
trar muitas características que podem ser encontradas BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma.
na literatura de Lima Barreto de forma geral. Assinale Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008. (Adapt.).
a opção que NÃO condiz com essas características. A história narrada em Triste m de Policarpo Quares-
A Há presente, na prosa literária de Lima Barreto, uma ma se passa no momento de implantação do regime
galeria de fatos e personagens que ilustra bem o republicano no Brasil. Sua personagem principal, o
panorama dos primeiros vinte anos do século XX Major Quaresma, defende alguns projetos de reforma,
carioca, apresentando a cidade do Rio de Janeiro
um deles relatado no trecho citado.
com seus problemas e sua disparidade cultural, eco-
A justicativa da personagem para a adoção do tupi-
nômica e política.
-guarani como língua ocial brasileira baseia-se na
B As obras do autor de Triste Fim de Policarpo Qua-
associação entre nacionalidade e a ideia de:
resma estão pautadas em temáticas socialmente
A valorização da cultura local.
engajadas, que denunciam mazelas e criticam as-
B defesa da diversidade racial.
suntos do cotidiano.
c preservação da identidade territorial.
c O teor satírico e humorístico está presente forte-
d independência da população autóctone.
mente nos escritos literários de Lima Barreto.
d Como escritor vinculado ao chamado Pré-Moder-
nismo, Lima Barreto apresentou-nos uma prosa em 15 Enem 2012 Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe
linguajar excessivamente formal. absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades.
Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fos-
sem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o
13 Unioeste 2018 Com base no texto abaixo, assinale a al- nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é
ternativa cORRETA. que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das coisas
O fato mais importante de sua vida é sem dúvida votar do tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas... Res-
no governo. [...] Vota. Não sabe em quem, mas vota. [...] O tava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma!
sentimento de pátria lhe é desconhecido. Não tem sequer Nenhuma!
a noção do país em que vive. [...] Em matéria de civismo, O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a
não sobe de ponto. [...] A sua medicina corre parelhas com mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção.
o civismo. [...] O veículo usual das drogas é sempre a pinga E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela
– meio honesto de render homenagem à deusa Cachaça. não era fácil como diziam os livros. Outra decepção.
[...] Só ele não fala, não canta, não ri, não ama. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que
A O texto, extraído do romance Lavoura arcaica, de achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente?
Raduan Nassar, ironiza o povo brasileiro, cuja indo- Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via
lência e falta de patriotismo envergonham o País. matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida
B O narrador de Lavoura arcaica descreve a vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento
dos agregados, na fazenda do pai, interesseiros e de decepções.
preguiçosos, vítimas do álcool e da pobreza. A pátria que quisera ter era um mito; um fantasma
c Raduan Nassar, na descrição de um de seus per- criado por ele no silêncio de seu gabinete.
sonagens, critica o congressista brasileiro, corrupto BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. Disponível em:
<www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 8 nov. 2011.
e drogado, sempre pronto a defender o governo.
d O fragmento faz parte da crônica/conto Urupês, em O romance Triste m de Policarpo Quaresma, de Lima
que Monteiro Lobato descreve o Jeca Tatu, tecen- Barreto, foi publicado em 1911. No fragmento destaca-
do críticas violentas ao caboclo brasileiro. do, a reação da personagem aos desdobramentos de
E No texto em questão, Monteiro Lobato, conhecido suas iniciativas patrióticas evidencia que
por suas obras infantis, defende a nacionalização A a dedicação de Policarpo Quaresma ao conhe-
do petróleo em detrimento de políticos medíocres cimento da natureza brasileira levou-o a estudar
e puxa-sacos. inutilidades, mas possibilitou-lhe uma visão mais am-
pla do país.
14 Uerj 2014 Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, cer- B a curiosidade em relação aos heróis da pátria le-
to de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; vou-o ao ideal de prosperidade e democracia que
certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever, a personagem encontra no contexto republicano.

308 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


c a construção de uma pátria a partir de elementos mí- 04 Em “Negrinha”, conto que dá título à coletânea,
ticos, como a cordialidade do povo, a riqueza do solo o narrador, em primeira pessoa (“Negrinha olhou
e a pureza linguística, conduz à frustração ideológica. para os lados, ressabiada, com o coração aos pi-
d a propensão do brasileiro ao riso, ao escárnio, notes. Que ventura, santo Deus! Seria possível?
justifica a reação de decepção e desistência de Depois pegou a boneca”), faz um retrato elogioso
Policarpo Quaresma, que prefere resguardar-se em da sociedade, apontando o traço benemérito de
seu gabinete. Dona Inácia: “Excelente senhora, a patroa”; “Ótima,
E a certeza da fertilidade da terra e da produção a dona Inácia”. Na história, embora a menina seja
agrícola incondicional faz parte de um projeto filha de escravos, é criada no interior da casa da
ideológico salvacionista, tal como foi difundido na senhora, junto com as crianças da família.
época do autor. 08 Aldrovando Cantagalo, personagem do conto “O
colocador de pronomes”, “veio ao mundo em vir-
16 UEPB 2014 Sobre a obra de Lima Barreto não é correto tude de um erro de gramática. [...]. E morreu, afinal,
afirmar: vítima dum novo erro de gramática”. No primeiro
A Sua obra reflete a influência tardia do Naturalismo caso, o pai escreveu um bilhete à mulher amada –
na literatura brasileira, presa a uma abordagem das “Anjo adorado! Amo-lhe” – e o sogro muito esperto
personagens condicionada pelo meio, pela raça casou-o com Maria do Carmo, a filha encalhada, e
e pelo momento. Por isso, os pobres em sua obra não com Laurinha, a quem Aldrovando pretendia
são necessariamente derrotados, carentes de uma desposar. Quanto à morte, ocorreu em razão do erro
utopia de resistência, submetendo-se com facilida- na dedicatória do livro, cometido pelo tipógrafo, que,
de às imposições dos grandes. julgando incorreta a construção proposta pelo autor,
B Como poucos em nossa literatura, recusou-se a imprimiu: “daquele que sabe-me as dores”. O conto
separar vida e obra, revelando em suas melhores revela a veia satírica do escritor, que critica a lingua-
narrativas muito de seu “Diário íntimo”. gem conservadora e purista da época.
c Sobre a obra de Lima Barreto, afirmou o crítico 16 O conto “Bugio moqueado”, cuja novidade é a ade-
Antonio Arnoni Prado: “funde a alusão ficcional, o quação entre assunto e estrutura, apresenta uma
registro histórico e a notação biográfica”. organização narrativa inovadora para os padrões
d Sua obra se insere na tradição social da ficção literários da época em que foi escrito, semelhante
brasileira e dá um passo decisivo na sua consoli- aos “causos”, histórias narradas pelos interioranos
dação, assumindo muitas vezes um tom satírico e ao pé das fogueiras. A história é construída com
de denúncia. sobreposição de dois planos narrativos – o plano
E Suas personagens principais são geralmente peque- do jogo da pelota, pela voz do narrador e o plano da
nos funcionários públicos, donas de casa, desem- história do bugio moqueado, relatada por um dos
pregados, biscateiros, negociando sua cidadania assistentes da partida. Neste plano é narrada uma
precária em uma sociedade autoritária e excludente, história de paixão e crime, na qual, Leandro é morto
o Brasil da Primeira República. e sua carne, moqueada, é servida todos os dias à
pretensa amante.
17 UEM 2015 Assinale o que for correto. Soma: JJ
01 Monteiro Lobato, além da saga das personagens do
Sítio do Pica-pau Amarelo, produziu extensa obra
18 Uerj 2014
para adultos, com destaque para seus livros de con-
tos – Urupês, Cidades Mortas e Negrinha – cuja Recordações do escrivão Isaías Caminha
ambientação recorrente são as cidades decadentes
Eu não sou literato, detesto com toda a paixão essa
do interior paulista. Em contos que compõem essas
espécie de animal. O que observei neles, no tempo em
obras, o escritor aponta, com ironia e irreverência,
que estive na redação do O Globo, foi o bastante para
as misérias do espaço distante das grandes cida- não os amar, nem os imitar. 1São em geral de uma lasti-
des, apresenta os atrasos econômico e cultural da mável limitação de ideias, cheios de fórmulas, de receitas,
população sertaneja, criticando, assim, o desampa- só capazes de colher fatos detalhados e impotentes para
ro em que vivia o homem do campo. generalizar, curvados aos fortes e às ideias vencedoras, e
02 No livro Negrinha, Monteiro Lobato denuncia o antigas, adstritos a um infantil fetichismo do estilo e guia-
atraso da sociedade brasileira, pois acreditava dos por conceitos obsoletos e um pueril e errôneo critério
FRENTE 2

que todos mereciam condições dignas de vida, de beleza. Se me esforço por fazê-lo literário é para que
não apenas os mais afortunados. Nos contos que ele possa ser lido, pois quero falar das minhas dores e dos
constituem a obra, ressaltam-se personagens meus sofrimentos ao espírito geral e no seu interesse, com
simples e humildes, como Aldrovando, de “O co- a linguagem acessível a ele. É esse o meu propósito, o meu
locador de pronomes”; Timóteo, de “O jardineiro único propósito. Não nego que para isso tenha procurado
Timóteo”; Negrinha, de “Negrinha”; Téofrasto, de modelos e normas. Procurei-os, confesso; e, agora mesmo,
“O bom marido”, entre tantas outras que ilustram ao alcance das mãos, tenho os autores que mais amo. (...)
a veia crítica do escritor. Confesso que os leio, que os estudo, que procuro descobrir
309
nos grandes romancistas o segredo de fazer. Mas não é 19 Unicamp 2017 Além de escrever Dom Quixote das crian-
a ambição literária que me move ao procurar esse dom ças, Monteiro Lobato leva o “cavaleiro errante” para o
misterioso para animar e fazer viver estas pálidas Recor- Sítio do Picapau Amarelo.
dações. Com elas, queria modificar a opinião dos meus
concidadãos, obrigá-los a pensar de outro modo, a não se Lá na varanda, Dom Quixote conversava com Dona
encherem de hostilidade e má vontade quando encontrarem Benta sobre as aventuras, e muito admirado ficou de saber
na vida um rapaz como eu e com os desejos que tinha há que sua história andava a correr mundo; escrita por um tal
dez anos passados. Tento mostrar que são legítimos e, se não de Cervantes. Nem quis acreditar; foi preciso que Narizi-
merecedores de apoio, pelo menos dignos de indiferença. nho lhe trouxesse a edição de luxo ilustrada por Gustavo
Entretanto, quantas dores, quantas angústias! 2Vivo aqui Doré. O fidalgo folheou o livro muito atento às gravuras,
só, isto é, sem relações intelectuais de qualquer ordem. que achou ótimas, porém falsas.
Cercam-me dois ou três bacharéis idiotas e um médico — Isso não passa duma mistificação! – protestou ele.
mezinheiro, repletos de orgulho de suas cartas que sabe – Esta cena aqui, por exemplo. Está errada. Eu não espetei
Deus como tiraram. (...) Entretanto, se eu amanhã lhes fosse este frade, como o desenhista pintou – espetei aquele lá.
falar neste livro – que espanto! que sarcasmo! que crítica — Isto é inevitável – disse Dona Benta. – Os historia-
desanimadora não fariam. Depois que se foi o doutor Gra- dores costumam arranjar os fatos do modo mais cômodo
ciliano, excepcionalmente simples e esquecido de sua carta para eles; por isto a História não passa de histórias.
Adaptado de Monteiro Lobato, O Picapau Amarelo.
apergaminhada, nada digo das minhas leituras, não falo São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 18.
das minhas lucubrações intelectuais a ninguém, e minha
mulher, quando me demoro escrevendo pela noite afora, Na cena narrada,
grita-me do quarto: A Dona Benta mostra a Dom Quixote que a história
3
— Vem dormir, Isaías! Deixa esse relatório para ama- dele não é, de forma alguma, uma mistificação.
nhã! De forma que não tenho por onde aferir se as minhas B Dona Benta convence Dom Quixote de que as gra-
Recordações preenchem o fim a que as destino; se a minha vuras não refletem a História dos fatos.
inabilidade literária está prejudicando completamente o c Dona Benta concorda com Dom Quixote e critica o
seu pensamento. Que tortura! E não é só isso: envergo- fato de a História ser fruto de interesses.
nho-me por esta ou aquela passagem em que me acho, d Dona Benta opõe-se a Dom Quixote e critica a for-
em que me dispo em frente de desconhecidos, como uma ma como a história dele é narrada nos livros.
mulher pública... Sofro assim de tantos modos, por causa
desta obra, que julgo que esse mal-estar, com que às vezes
20 UFRGS 2014 A obra Os sertões, de Euclides da Cunha,
acordo, vem dela, unicamente dela. Quero abandoná-la;
está dividida em três partes: “A terra”, “O homem” e “A
mas não posso absolutamente. De manhã, ao almoço, na
luta”. Esses três elementos, no entanto, são interdepen-
coletoria, na botica, jantando, banhando-me, só penso
nela. À noite, quando todos em casa se vão recolhendo, dentes: a luta do homem em determinada terra. Assinale
insensivelmente aproximo-me da mesa e escrevo furiosa- a alternativa que exemplifica essa interdependência en-
mente. Estou no sexto capítulo e ainda não me preocupei tre as três partes do livro, nos fragmentos a seguir.
em fazê-la pública, anunciar e arranjar um bom recebi- A Ajusta-se sobre os sertões o cautério das secas;
mento dos detentores da opinião nacional. Que ela tenha esterilizam-se os ares urentes; empedra-se o chão,
a sorte que merecer, mas que possa também, amanhã ou gretando, recrestado; ruge o nordeste nos ermos;
daqui a séculos, despertar um escritor mais hábil que a e, como cilício dilacerador, a caatinga estende so-
refaça e que diga o que não pude nem soube dizer. bre a terra as ramagens de espinhos...
(...) Imagino como um escritor hábil não saberia dizer B É que nessa concorrência admirável dos povos,
o que eu senti lá dentro. Eu que sofri e pensei não o sei evolvendo todos em luta sem tréguas, na qual a
narrar. 4Já por duas vezes, tentei escrever; mas, relendo seleção capitaliza atributos que a hereditariedade
a página, achei-a incolor, comum, e, sobretudo, pouco conserva, o mestiço é um intruso.
expressiva do que eu de fato tinha sentido. c Para todos os rumos e por todas as estradas e em
BARRETO, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha. São Paulo: todos os lugares, os escombros carbonizados das fa-
Penguin Classics Companhia das Letras, 2010.
zendas e dos pousos avultavam, insulando o arraial
O texto de Lima Barreto explora o recurso da metalin- num grande círculo isolador, de ruínas. Estava pronto
guagem, ao comentar, na sua cção, o próprio ato de o cenário para um emocionante drama da nossa his-
compor uma cção. tória.
Esse recurso está exemplicado principalmente em: d [...] as caatingas são um aliado incorruptível do
A “São em geral de uma lastimável limitação de sertanejo em revolta. Entram também de certo
ideias,” (ref. 1) modo na luta. Armam-se para o combate; agridem.
B “Vivo aqui só, isto é, sem relações intelectuais de Trançam-se, impenetráveis, ante o forasteiro, mas
qualquer ordem.” (ref. 2) abrem-se em trilhas multívias, para o matuto que ali
c “— Vem dormir, Isaías! Deixa esse relatório para nasceu e cresceu.
amanhã!” (ref. 3) E O clima extremava-se em variações enormes: os
d “Já por duas vezes, tentei escrever; mas, relendo a dias repontavam queimosos, as noites sobrevi-
página, achei-a incolor, comum,” (ref. 4) nham frigidíssimas.

310 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


Instruções: Para a próxima questão, marque V (verda- pormenor! – o cadáver do comandante. Não o defende-
deiro) e F (falso). ram. Não houve um breve simulacro de repulsa contra
o inimigo, que não viam e adivinhavam no estrídulo dos
21 UFPE 2014 Ao se referir à obra de Euclides da Cunha, gritos desafiadores e nos estampidos de um tiroteio irre-
Alfredo Bosi declarou: “Os sertões é um livro de ciência gular e escasso, como o de uma caçada. Aos primeiros
e de paixão, de análise e de protesto: eis o paradoxo tiros os batalhões diluíram-se.
que assistiu à gênese daquelas páginas em que se Apenas a artilharia, na extrema retaguarda, seguia va-
alternam a certeza do fim das ‘raças retrógradas’ e a garosa e unida, solene quase, na marcha habitual de uma
denúncia do crime que a carnificina de Canudos repre- revista, em que parava de quando em quando para varrer
sentou”. Tomando como foco características referentes a disparos as macegas traiçoeiras; e prosseguindo depois,
a Os sertões e ao seu momento histórico, analise as lentamente, rodando, inabordável, terrível...
proposições a seguir. [...]
J 0-0 Tendo sofrido influência das teorias determi- Um a um tombavam os soldados da guarnição estoica.
nistas de seu tempo, Euclides, em Os sertões, Feridos ou espantados os muares da tração empacavam;
analisa o sertanejo como sujeito determinado torciam de rumo; impossibilitavam a marcha.
pelo espaço geográfico e pela raça. Isso per- A bateria afinal parou. Os canhões, emperrados, imo-
mite inserir a obra no movimento naturalista, bilizaram-se numa volta do caminho...
que, no Brasil, contou com a adesão de alguns O coronel Tamarindo, que volvera à retaguarda,
grandes escritores. agitando-se destemeroso e infatigável entre os fugitivos,
J 1-1 Em sua obra grandiosa, Euclides da Cunha, para penitenciando-se heroicamente, na hora da catástrofe,
da tibieza anterior, ao deparar com aquele quadro es-
chegar ao relato da luta travada em Canudos,
tupendo, procurou debalde socorrer os únicos soldados
percorre, com sua pena, o espaço inóspito que
que tinham ido a Canudos. Neste pressuposto ordenou
conduz ao local da chacina (no livro A terra) e en-
toques repetidos de “meia-volta, alto!”. As notas das
vereda pela análise do homem dessa árida região
cornetas, convulsivas, emitidas pelos corneteiros sem
(no livro O homem). fôlego, vibraram inutilmente. Ou melhor – aceleraram
J 2-2 Considerando o que diz Alfredo Bosi, é possível a fuga. Naquela desordem só havia uma determinação
compreender que, em Os sertões, Euclides da possível: “debandar!”.
Cunha, defensor do governo republicano, jus- Debalde alguns oficiais, indignados, engatilhavam
tifica a matança em Canudos em razão de ser revólveres ao peito dos foragidos. Não havia contê-los.
necessário pôr fim a uma raça atrasada. Passavam; corriam; corriam doudamente; corriam dos ofi-
J 3-3 Se, em Os sertões, Euclides da Cunha escreve ciais; corriam dos jagunços; e ao verem aqueles, que eram
com paixão, é possível identificar traços signi- de preferência alvejados pelos últimos, caírem malferidos,
ficativos do Romantismo, daí por que sua visão não se comoviam. O capitão Vilarim batera-se valentemen-
do sertão pouco se aproxima da realidade do te quase só e ao baquear, morto, não encontrou entre os
sertão nordestino. que comandava um braço que o sustivesse. Os próprios
J 4-4 Do ponto de vista literário, é tarefa complexa feridos e enfermos estropiados lá se iam, cambeteando,
enquadrar Os sertões num determinado gênero arrastando-se penosamente, imprecando os companheiros
literário, pois seu texto apresenta uma aborda- mais ágeis...
gem científica e histórica, mas num estilo que As notas das cornetas vibravam em cima desse tumul-
revela uma forma apaixonada e, por vezes, dra- to, imperceptíveis, inúteis...
mática de exprimir os acontecimentos, o que, Por fim cessaram. Não tinham a quem chamar. A in-
para alguns, constituiria seu caráter literário. fantaria desaparecera...
(Os sertões, 2016.)

Para responder às questões 22 e 23, leia o trecho da


obra Os sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), 22 Unifesp 2018 O trecho narra
em que se narram eventos referentes a uma das ex- A a debandada trágica dos seguidores de Antônio
pedições militares enviadas pelo governo federal Conselheiro.
para combater Antônio Conselheiro e seus seguido- B a completa aniquilação do povoado de Canudos.
res sediados em Canudos. c o desfecho desastroso da expedição militar.
d o desmantelamento dos dois grupos de combatentes.
Oitocentos homens desapareciam em fuga, abando-
E a resistência heroica dos soldados do governo.
nando as espingardas; arriando as padiolas, em que se
estorciam feridos; jogando fora as peças de equipamento;
FRENTE 2

desarmando-se; desapertando os cinturões, para a carreira 23 Unifesp 2018 No trecho, o estilo de Euclides da Cunha
desafogada; e correndo, correndo ao acaso, correndo em pode ser caracterizado, sobretudo, como
grupos, em bandos erradios, correndo pelas estradas e A transgressor.
pelas trilhas que as recortam, correndo para o recesso das B informal.
caatingas, tontos, apavorados, sem chefes... c didático.
Entre os fardos atirados à beira do caminho fi- d lacônico.
cara, logo ao desencadear-se o pânico – tristíssimo E rebuscado.

311
24 Unesp 2017 Trata-se de uma obra híbrida que transita pesquisa pura. Situando a obra na evolução do pensamen-
entre a literatura, a história e a ciência, ao unir a pers- to brasileiro, diz lucidamente o crítico Antonio Candido:
pectiva científica, de base naturalista e evolucionista, à “Livro posto entre a literatura e a sociologia naturalista,
construção literária, marcada pelo fatalismo trágico e por esta obra assinala um fim e um começo: o fim do impe-
uma visão romântica da natureza. Seu autor recorreu rialismo literário, o começo da análise científica aplicada
a formas de ficção, como a tragédia e a epopeia, para aos aspectos mais importantes da sociedade brasileira (no
compreender o horror da guerra e inserir os fatos em um caso, as contradições contidas na diferença de cultura en-
enredo capaz de ultrapassar a sua significação particular. tre as regiões litorâneas e o interior)”.
Roberto Ventura. “Introdução”. In: Silviano Santiago (org.). Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira, 1994. Adaptado.
Intérpretes do Brasil, vol 1, 2000. Adaptado.
O excerto trata da obra
Tal comentário crítico aplica-se à obra A O cortiço, de Aluísio de Azevedo.
A Capitães da Areia, de Jorge Amado. B Vidas secas, de Graciliano Ramos.
B Vidas secas, de Graciliano Ramos. c Os sertões, de Euclides da Cunha.
c Morte e vida severina, de João Cabral de Melo d Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
Neto. E Capitães da areia, de Jorge Amado.
d Os sertões, de Euclides da Cunha.
E Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
Para responder às questões 26 e 27, considere o texto
a seguir.
25 Unicamp 2016 Em ensaio publicado em 2002, Nicolau
Sevcenko discorre sobre a repercussão da obra de Eu- Euclides fora um dos que deram à nossa história um
clides da Cunha no pensamento político nacional. “estilo”: uma forma de pensar e sentir o país [...] Não
casualmente ele conferira lugar especial ao fenômeno da
Acima de tudo Euclides exaltava o papel crucial do mestiçagem [...] Ele teria descoberto nossa “tendência” à
agenciamento histórico da população brasileira. Sua maior fusão, nossa aptidão para a “domesticação da natureza”
aposta para o futuro do país era a educação em massa das e para a religiosidade. A figura do sertanejo como “forte
camadas subalternas, qualificando as gentes para assumir de espírito” por excelência era o símbolo de nossa origi-
em suas próprias mãos seu destino e o do Brasil. Por isso nalidade completa.
se viu em conflito direto com as autoridades republicanas, GOMES, Ângela de Castro. História e historiadores. A política cultural do
da mesma forma como outrora lutara contra os tiranetes Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 195.
da monarquia. Nunca haveria democracia digna desse
nome enquanto prevalecesse o ambiente mesquinho e 27 PUC-Campinas 2016 O seguinte trecho crítico alude à
corrupto da “república dos medíocres”[...]. Gente inca- obra-prima de Euclides da Cunha:
paz e indisposta a romper com as mazelas deixadas pelo A A vasta erudição histórica costuma desviar o leitor
latifúndio, pela escravidão e pela exploração predatória
do plano central desse grande romance intimista.
da terra e do povo.
B A descrição minuciosa da terra, do homem e da
[...] Euclides expôs a mistificação republicana de uma
luta situa essa obra literária no nível da cultura cien-
“ordem” excludente e um “progresso” comprometido com
tífica e histórica.
o legado mais abominável do passado. Sua morte precoce
foi um alívio para os césares. A história, porém, orgulhosa c Não se poderia imaginar que um testemunho sobre
de quem a resgatou, não deixa que sua voz se cale. a vida nos internatos resultasse num romance épico.
Nicolau Sevcenko, O outono dos césares e a primavera da história. d Tomando como modelo a queda da Bastilha, esse
Revista da USP, São Paulo, n. 54, p. 30-37, jun-ago 2002. romance repercutiu entre nós a destruição de
a) No último período do texto, há uma ocorrência do uma etnia.
conectivo “porém”. Que argumentos do texto são E Por vezes, o exibicionismo da oratória faz desse
articulados por esse conectivo? discurso histórico uma peça algo enigmática.
b) Apresente o argumento que embasa a posição
atribuída a Euclides da Cunha em relação ao lema 28 PUC-Campinas 2016 A valorização da mestiçagem,
da Bandeira Nacional. como uma das marcas características da nossa for-
mação cultural, é indicada por Euclides da Cunha
26 Unifesp 2015 É preciso ler esse livro singular sem a obses- numa formulação famosa, em que comparecem estas
são de enquadrá-lo em um determinado gênero literário, expressões:
o que implicaria em prejuízo paralisante. Ao contrário, a A O sertanejo é antes de tudo um forte / Hércules-
abertura a mais de uma perspectiva é o modo próprio de -Quasímodo.
enfrentá-lo. A descrição minuciosa da terra, do homem e B Miguilim e Dito / nascidos ali no Mutum.
da luta situa-o no nível da cultura científica e histórica. Seu c Fabiano e Sinha Vitória / matutavam junto ao fogo.
autor fez geografia humana e sociologia como um espírito d Riobaldo é Tatarana / agora chefe de jagunços.
atilado poderia fazê-las no começo do século, em nosso E Macunaíma era herói da nossa gente / ai que pre-
meio intelectual, então avesso à observação demorada e à guiça!

312 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


29 Enem 2015 B crítica ao passadismo, exposta na dupla imagem do
homem olhando sempre para a frente.
c construção de perspectiva, apresentada na sobre-
posição de planos visuais.
d processo de automatismo, indicado na repetição
da imagem do homem.
E procedimento de colagem, identificado no reflexo
do livro no espelho.

31 Enem 2016 Leia um trecho do Manifesto do Futurismo


publicado por Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) no
ano de 1909.
Nós cantaremos as grandes multidões movimenta-
das pelo trabalho, pelo prazer ou pela revolta; as marés
multicoloridas e polifônicas das revoluções nas capitais
Máscara senufo, Mali. Madeira e fibra vegetal. Acervo do MAE/USP.
modernas; a vibração noturna dos arsenais e dos estaleiros
sob suas luas elétricas; as estações glutonas comedoras
As formas plásticas nas produções africanas conduzi- de serpentes que fumam; as usinas suspensas nas nuvens
ram artistas modernos do início do século XX, como pelos barbantes de suas fumaças; os navios aventureiros
Pablo Picasso, a algumas proposições artísticas deno- farejando o horizonte; as locomotivas de grande peito,
minadas vanguardas. A máscara remete à que escoucinham os trilhos, como enormes cavalos de aço
A preservação da proporção. freados por longos tubos, e o voo deslizante dos aeropla-
nos, cuja hélice tem os estalos da bandeira e os aplausos
B idealização do movimento.
da multidão entusiasta.
c estruturação assimétrica.
Apud Gilberto Mendonça Teles.
d sintetização das formas. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro, 1992. Adaptado.
E valorização estética.
Em consonância com este preceito do Futurismo,
estão os seguintes versos, extraídos da produção
30 Unifesp 2017 poética de Fernando Pessoa (1888-1935):
A Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para
[longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos
[olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

B Ontem à tarde um homem das cidades


Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
MAGRITTE, R. A reprodução proibida. Óleo sobre tela, 81,3 x 65 cm.
Museum Boijmans Van Buningen, Holanda,1937. c Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
O surrealismo congurou-se como uma das vanguar-
FRENTE 2

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro


das artísticas europeias do início do século XX. René Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Magritte, pintor belga, apresenta elementos dessa Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
vanguarda em suas produções. Um traço do Surrea- No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
lismo presente nessa pintura é o (a) Este momento em que sossegadamente não cremos em
A justaposição de elementos díspares, observada na [nada,
imagem do homem no espelho. Pagãos inocentes da decadência.

313
d Levando a bordo El-Rei dom Sebastião, 33 Enem 2016
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?

E Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.


Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus! A origem da obra de arte (2002) é uma instalação
seminal na obra de Marilá Dardot. Apresentada original-
32 Enem 2016 mente em sua primeira exposição individual, no Museu
de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, a obra constitui
Texto I um convite para a interação do espectador, instigado a
compor palavras e sentenças e a distribuí-las pelo campo.
Cada letra tem o feitio de um vaso de cerâmica (ou será o
contrário?) e, à disposição do espectador, encontram-se
utensílios de plantio, terra e sementes. Para abrigar a obra
e servir de ponto de partida para a criação dos textos, foi
construído um pequeno galpão, evocando uma estufa ou
um ateliê de jardinagem. As 1.500 letras-vaso foram pro-
duzidas pela cerâmica que funciona no Instituto Inhotim,
em Minas Gerais, num processo que durou vários meses
BACON, F. Três estudos para um autorretrato. Óleo sobre e contou com a participação de dezenas de mulheres das
tela, 37,5 x 31,8 cm (cada), 1974. Disponível em: comunidades do entorno. Plantar palavras, semear ideias
www.metmuseum.org. Acesso em: 30 maio 2016.
é o que nos propõe o trabalho. No contexto de Inhotim,
Texto II onde natureza e arte dialogam de maneira privilegiada,
esta proposição se torna, de certa maneira, mais perto
Tenho um rosto lacerado por rugas secas e profundas,
da possibilidade.
sulcos na pele. Não é um rosto desfeito, como acontece
Disponível em: www.inhotim.org.br. Acesso em:
com pessoas de traços delicados, o contorno é o mesmo 22 maio 2013 (adaptado).
mas a matéria foi destruída. Tenho um rosto destruído.
DURAS, M. O amante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. A função da obra de arte como possibilidade de expe-
rimentação e de construção pode ser constatada no
Na imagem e no texto do romance de Marguerite Duras, trabalho de Marilá Dardot porque
os dois autorretratos apontam para o modo de repre- A o projeto artístico acontece ao ar livre.
sentação da subjetividade moderna. Na pintura e na
B o observador da obra atua como seu criador.
literatura modernas, o rosto humano deforma-se, des-
c a obra integra-se ao espaço artístico e botânico.
trói-se ou fragmenta-se em razão
d as letras-vaso são utilizadas para o plantio de mudas.
A da adesão à estética do grotesco, herdada do
E as mulheres da comunidade participam na confec-
romantismo europeu, que trouxe novas possibilida-
ção das peças.
des de representação.
B das catástrofes que assolaram o século XX e da des-
coberta de uma realidade psíquica pela psicanálise. 34 Unifesp 2016 O mundo dessa pintura, como o dos
c da opção em demonstrarem oposição aos limites sonhos, é ao mesmo tempo familiar e desconhecido: fa-
estéticos da revolução permanente trazida pela miliar, em razão do estilo minuciosamente realista, que
arte moderna. permite ao espectador o reconhecimento de uma figura
d do posicionamento do artista do século XX contra ou de um objeto pintados; desconhecido, por causa da
a negação do passado, que se torna prática domi- estranheza dos contextos em que eles aparecem, como
num sonho.
nante na sociedade burguesa.
Fiona Bradley. Surrealismo, 2001. Adaptado.
E da intenção de garantir uma forma de criar obras
de arte independentes da matéria presente em sua O comentário da historiadora de arte aplica-se à pin-
história pessoal. tura reproduzida em:

314 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


35 Unicamp 2012 O excerto a seguir foi extraído do poema
A
“Balada Feroz”, de Vinicius de Moraes.
[...] Lança o teu poema inocente sobre o rio venéreo
[engolindo as cidades
Sobre os casebres onde os escorpiões se matam à
[visão dos amores miseráveis
Deita a tua alma sobre a podridão das latrinas e das
[fossas
Por onde passou a miséria da condição dos escravos
[e dos gênios. [...]

B Amarra-te aos pés das garças e solta-as para que te


[levem
E quando a decomposição dos campos de guerra te
[ferir as narinas, lança-te sobre a cidade mortuária
Cava a terra por entre as tumefações e se encontrares
[um velho canhão soterrado, volta
E vem atirar sobre as borboletas cintilando cores que
[comem as fezes verdes das estradas.
[...]
Suga aos cínicos o cinismo, aos covardes o medo,
[aos avaros o ouro
E para que apodreçam como porcos, injeta-os de
c [pureza!

E com todo esse pus, faz um poema puro


E deixa-o ir, armado cavaleiro, pela vida
E ri e canta dos que pasmados o abrigarem
E dos que por medo dele te derem em troca a mulher
[e o pão.

Canta! canta, porque cantar é a missão do poeta


E dança, porque dançar é o destino da pureza
Faz para os cemitérios e para os lares o teu grande
[gesto obsceno
Carne morta ou carne viva – toma! Agora falo eu que
d [sou um!
Vinicius de Moraes, Antologia poética. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009, p. 51-53.

a) Como é próprio do modernismo poético, os ver-


sos apresentados contrariam a linguagem mais
depurada e as imagens mais elevadas da lírica
tradicional. Como podemos definir as imagens
predominantes em “Balada feroz”? A que se refe-
rem tais imagens?
b) Qual é o papel da poesia e do poeta diante da
realidade representada?
E
36 ESPM 2017 Centrando-se, assim, no moderno, [...]
faziam apologia da velocidade, da máquina, do au-
tomóvel (“um automóvel é mais belo que a Vitória de
FRENTE 2

Samotrácia”, dizia Marinetti no seu primeiro manifesto),


da agressividade, do esporte, da guerra, do patriotismo,
do militarismo, das fábricas, das estações ferroviárias,
das multidões, das locomotivas, dos aviões, enfim, de
tudo quanto exprimisse o moderno nas suas formas
avançadas e imprevistas.
(Massaud Moisés, Dicionário de Termos Literários, Cultrix, p.234)

315
O texto anterior dene um dos primeiros “ismos” das 38 Unesp 2016 Leia um trecho do “Manifesto do Surrealis-
vanguardas artísticas europeias que sacudiram o mo”, publicado por André Breton em 1924.
século XX. Trata-se do: Surrealismo: Automatismo psíquico por meio do qual
A Cubismo alguém se propõe a exprimir o funcionamento real do
B Futurismo pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de con-
c Surrealismo trole exercido pela razão, fora de qualquer preocupação
d Dadaísmo estética ou moral.
E Impressionismo O Surrealismo assenta-se na crença da realidade su-
perior de certas formas de associação, negligenciadas até
37 Enem 2012 aqui, na onipotência do sonho, no jogo desinteressado
do pensamento.
Apud Gilberto Mendonça Teles. Vanguarda europeia e
Modernismo brasileiro, 1992. Adaptado.

Tendo em vista as considerações de André Breton,


assinale a alternativa cujos versos revelam inuência
do Surrealismo.
A O mar soprava sinos
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos.
Minha memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
meus pesadelos atrasados de muitas noites.
João Cabral de Melo Neto, “Noturno”,
em Pedra do sono.

B Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.


Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
Carlos Drummond de Andrade, “Infância”, em Alguma poesia.

c Quando o enterro passou


Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Manuel Bandeira, “Momento num café”, em Estrela da manhã.

d Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,


Cartaz afixado nas bibliotecas centrais e setoriais da onde as formas e as ações não encerram nenhum
Universidade Federal de Goiás (UFG), 2011.
exemplo.
Considerando-se a nalidade comunicativa comum Praticas laboriosamente os gestos universais,
do gênero e o contexto especíco do Sistema de sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo
Biblioteca da UFG, esse cartaz tem função predomi- sexual.
Carlos Drummond de Andrade, “Elegia 1938”, em Sentimento do mundo.
nantemente
A socializadora, contribuindo para a popularização E – Bem me diziam que a terra
da arte. se faz mais branda e macia
B sedutora, considerando a leitura uma obra de arte. quanto mais do litoral
c estética, propiciando uma apreciação despreten- a viagem se aproxima.
siosa da obra. Agora afinal cheguei
nessa terra que diziam.
d educativa, orientando o comportamento de usuá-
Como ela é uma terra doce
rios de um serviço.
para os pés e para a vista.
E contemplativa, evidenciando a importância de artis- João Cabral de Melo Neto, “O retirante chega à Zona
tas internacionais. da Mata”, em Morte e vida Severina.

316 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


e
Texto complementar
José Geraldo Couto, jornalista e crítico de cinema, resenhou o livro A última quimera, da escritora Ana Miranda. Ela produziu uma biografia fascinante
sobre a vida e a obra de Augusto dos Anjos: o poeta pré-modernista que desconcertou a cena literária ao dosar a objetividade do cientificismo
com as atormentadas questões existenciais. A resenha é um convite para nos debruçarmos sobre a obra do poeta de vida “nada trepidante”, mas
cuja cabeça era uma “balbúrdia”.

Vida do poeta contrasta com suas obsessões


Ana Miranda não mentiu nem um pouco a respeito da vida de Augusto dos Anjos. Escudada por um narrador fictício, ela pôde
manter uma certa nebulosidade em torno dessa existência breve e desprovida de lances pitorescos.
Nascido num engenho no interior da Paraíba, Augusto dos Anjos estudou direito em Recife antes de levar uma vida
sacrificada de professor na Paraíba e no Rio, onde viveu de 1910 a 1914.
Poucos meses antes de morrer, – de pneumonia, aos 30 anos –, mudou-se para Leopoldina (MG).
O evento mais notável de sua vida – excluindo o suposto incesto com a irmã – foi o aborto de seu primeiro filho, no
sexto mês de gravidez de sua mulher, Esther.
No livro de Ana Miranda, o drama é narrado de modo discreto, se se leva em conta que o próprio poeta escreveu um
poema sangrento sobre ele, que entre outras coisas diz, dirigindo-se ao feto: “Em que lugar irás passar a infância, / tragica-
mente anônimo, a feder?!”.
Se a vida exterior de Augusto dos Anjos não era nada trepidante, sua cabeça era uma balbúrdia: teorias cientificistas (de
cujos termos ele se servia em seus poemas), filosofias longínquas (era budista), paixão pelo sofrimento e a morte.
Publicou em vida um único volume de poemas, Eu, que foi mal recebido pela crítica quando lançado, em 1912, mas
obteve um sucesso estrondoso a partir da segunda edição, póstuma, em 1920.
Basta ler os títulos de seus poemas para ver que o espírito do homem não era um jardim de rosas: “O Deus-Verme”, “A
um Carneiro Morto”, “Vozes da Morte”, “Asa de Corvo”, “Vozes de um Túmulo” e por aí afora.
A propósito: o título do romance é trecho do célebre início dos “Versos Íntimos” de Augusto dos Anjos: “Vês! Ninguém
assistiu ao formidável/ enterro de tua última quimera”.
(JGC)
José Geraldo Couto. “Vida do poeta contrasta com suas obsessões”.
Folha de S.Paulo, 9 maio 1995. Folhapress.
Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/09/ilustrada/2.html>.
Acesso em: 23 nov. 2017.

Resumindo
Neste capítulo, você viu...
Pré-Modernismo
y Período de transição das duas primeiras décadas do século XX até a Semana de 1922 que não se constitui uma escola literária.
y Denúncias de problemas que acometem a sociedade brasileira, sem idealizações, com obras que retratam objetivamente a realidade.
y Literatura preocupada com fatos políticos e econômicos, revelando engajamento.
y Temas novos, sem maiores inovações formais.

Os autores de destaque
y Augusto dos Anjos
Poeta de difícil classificação, é pré-modernista porque aglutina variadas tendências e inova no uso de vocabulário cientificista. Seus temas (junto aos termos
considerados grotescos) relacionam-se à morte, ao horror, à podridão, à constituição do corpo humano e à angústia de viver. Foi autor de um único livro: Eu.

y Lima Barreto
Fez denúncia ao abandono da periferia do Rio de Janeiro e aos preconceitos raciais e sociais. Criticou o nacionalismo ingênuo e os falsos nacionalistas
em Triste fim de Policarpo Quaresma, sua obra-prima.

y Monteiro Lobato
FRENTE 2

De linguagem irônica e por vezes amarga, abordou a decadência das cidades cafeeiras paulistas do Vale do Paraíba (por exemplo, na obra Urupês). Sua
literatura voltada para crianças revolucionou a literatura infantil no país.

y Euclides da Cunha
Tinha uma visão determinista da sociedade. Em Os sertões, revelou o abandono do sertão nordestino e o massacre na Guerra de Canudos.

317
O mundo ocidental no início do século XX
y Diferentes valores culturais.
y Grandes renovações no mundo das artes.

As vanguardas europeias
y Expressionismo: deformação da figura humana; mundo subjetivo e irracional.
y Cubismo: decomposição segundo a imaginação; ruptura da forma e geometrização.
y Futurismo: velocidade, anulação do tempo, simultaneidade e avanços.
y Dadaísmo: improviso; falta de significado e sentimento de decepção.
y Surrealismo: estado subconsciente, contrário à lógica, de abstração e busca do sonho e da loucura.

Quer saber mais?


y Policarpo Quaresma, herói do Brasil. Direção: Paulo Thiago.
Site Paramount Pictures, 1998, 123 min.
y Neste link, conheça mais sobre a vida e a obra de Euclides da Adaptação cinematográfica da obra de Lima Barreto. Policarpo Qua-
Cunha. Disponível em: <www.euclidesdacunha.org.br>. resma é um homem que acredita que pode fazer do Brasil um país
grandioso, e, para isso, tem ideias e estratégias mirabolantes, como
Filmes usar o tupi-guarani como língua-mãe.
y O encouraçado Potemkin. Direção: Sergei Eisenstein. Rússia, 1925,
y Guerra de Canudos. Direção: Sergio Rezende. Columbia Pictures
74 min.
Brasil, 1997, 2h50min.
O filme relata a revolta dos marinheiros no porto de Odessa e se
Filme com enredo baseado na Guerra de Canudos, episódio triste
passa durante a Revolução de 1905 na Rússia czarista.
da história do Brasil no sertão da Bahia entre 1866 e 1867. O conflito
envolveu a população sertaneja do interior do Nordeste.

Exercícios complementares
1 UPF 2017 Sobre as características e/ou os fatos que mar- Porque o amor, tal como eu o estou amando,
cam o Pré-Modernismo, apenas é incorreto afirmar que É Espírito, é éter, é substância fluida,
A uma das principais obras publicadas no período é É assim como o ar que a gente pega e cuida,
Grande sertão: veredas, de Euclides da Cunha. Cuida, entretanto, não o estar pegando!
b é considerada pré-modernista a literatura produzi-
da nas primeiras décadas do século XX.
É a transubstanciação de instintos rudes,
 nas obras dos escritores pré-modernistas, faz-se
Imponderabilíssima, e impalpável,
presente a crítica ao Brasil arcaico.
Que anda acima da carne miserável
d os autores do período procedem à problemati-
Como anda a garça acima dos açudes!
zação da realidade nacional em seus aspectos
ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro:
sociais e culturais, abordagem que seria desenvol- Nova Aguilar, 1996 (fragmento).
vida pelo Modernismo.
E a negação do ufanismo por parte dos pré-modernis- TEXTO II
tas fica evidenciada no tratamento que dispensam
aos temas colocados em pauta. Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
2 Enem PPL 2015 A alma é que estraga o amor.
TEXTO 1 Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Versos de amor Só em Deus – ou fora do mundo.
A um poeta erótico As almas são incomunicáveis.
Oposto ideal ao meu ideal conservas. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Diverso é, pois, o ponto outro de vista Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira.
Modo de ver, consoante o qual, o observas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

318 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


Os Textos I e II apresentam diferentes pontos de vis- Acostuma-te à lama que te espera!
ta sobre o tema amor. Apesar disso, ambos denem O Homem, que, nesta terra miserável,
esse sentimento a partir da oposição entre Mora, entre feras, sente inevitável
A satisfação e insatisfação. Necessidade de também ser fera.
B egoísmo e generosidade.
c felicidade e sofrimento. Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
d corpo e espírito. O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
E ideal e real. A mão que afaga é a mesma que apedreja.

3 UEM 2017 Assinale o que for correto. Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
01 Os sermões de Padre Vieira são marcados por Apedreja essa mão vil que te afaga,
profunda introspecção e moralismo. Avessos às Escarra nessa boca que te beija!
ANJOS, A. Eu e outras poesias. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 103.
questões mundanas e ao trato com o contexto
político, tornaram-se clássicos pelo caráter trans- Vocabulário: quimera – referência às fantasias inalcançá-
cendente de sua retórica eloquente. veis, às ilusões, às utopias.
02 A poesia de Augusto dos Anjos é reconhecida pela
01 O autor do poema é classificado pela crítica como
dificuldade de ser classificada em um movimento
estético determinado. Embora usasse, muitas vezes, escritor tipicamente parnasiano. Isso porque seus
formas consagradas, como o soneto, os assuntos versos, a exemplo do que ocorre no poema trans-
de seus poemas não se conformavam a nenhum crito, são caracterizados pela descrição, pela
quadro normativo esperado. Sua poesia é marcada impessoalidade face ao objeto descrito e pelo
pela degradação da matéria até a putrefação. tom racional das ideias e das imagens, à moda de
04 Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o autor uti- Olavo Bilac.
liza um artifício que demora muitas páginas até ser 02 O eu lírico dirige-se a um interlocutor – um ami-
revelado. De fato, o narrador desvia nossa atenção go – para explicar-lhe que a causa das desilusões
quando afirma que não é um defunto-autor, mas um humanas são as quimeras, ou seja, as ilusões, os
autor-defunto. Na verdade, o narrador Brás Cubas sonhos, as fantasias. Sendo assim, o melhor para
não morreu e nos narra, a partir da velhice, sua his- o “Homem” é não depositar ou nutrir esperança
tória. Ele finge sua morte para nos enganar quanto à em coisa alguma ou em alguém.
sua neutralidade em relação à história narrada. 04 No último terceto, o eu lírico aconselha o seu
08 José de Alencar é um dos nomes mais importantes interlocutor a apedrejar a mão que o afaga e a
do Romantismo brasileiro. Seu projeto de escre- escarrar na boca que o beija. Isso porque, se assim
ver sobre o Brasil não conheceu limites e o fez o fizer, ele simplesmente estará se antecipando à
passar por várias formas de romance: indianista, desilusão que, inevitavelmente, sucede à quimera,
regionalista, histórico e urbano. Além disso, foi conforme já anunciara no primeiro terceto.
poeta, dramaturgo, escreveu crítica literária, en- 08 A decomposição da matéria é um dos temas mais
saios sobre a literatura brasileira, não se furtando recorrentes da obra de Augusto dos Anjos. Nesse
a participar de polêmicas vigorosas. Em Iracema, poema, o verso “Acostuma-te à lama que te espe-
confere expressão literária à formação da identi- ra!” remete a essa ideia. Por outro lado, o vocábulo
dade brasileira, narrando a relação de amor entre “lama” pode, também, ser entendido no sentido
a índia Iracema e o português Martim.
figurado – como “sujeira” – no âmbito das relações
16 Cecília Meireles foi uma das principais figuras da
humanas.
Semana de Arte Moderna de 1922, contribuindo
16 O poema (constituído de versos livres) assim como
tanto com sua poesia quanto com seu engaja-
os demais poemas de Augusto dos Anjos são con-
mento no sentido de criar uma articulação entre
siderados precursores do Modernismo brasileiro.
os artistas de vanguarda. Sua poesia social foi uma
Isso porque são marcados pela liberdade formal,
das bases para autores como Carlos Drummond
pela casualidade dos temas abordados e, acima
de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
de tudo, pela irreverência da linguagem, como
Soma: JJ
se pode constatar em vocábulos como “escarro”,
“lama”, “cigarro”.
4 UEM 2018 Leia o poema de Augusto dos Anjos e assinale
FRENTE 2

Soma: JJ
o que for correto.
Versos íntimos 5 PUC-RS Associar a “Consciência Humana” à imagem de
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável um “morcego”, assim como fazer poesia sobre o “ver-
Enterro de tua última quimera. me”, ou afirmar que o homem, por viver “entre as feras”,
Somente a Ingratidão – esta pantera – também sente necessidade “de ser fera” são algumas das
Foi tua companheira inseparável! imagens poéticas de .

319
Apesar das críticas contundentes de que foi alvo, o A falta de aproximação entre a menina e a senhora,
poeta, muito distante da obsessão pela preocupada com as amigas.
forma, ou da sugestão das imagens , já re- B receptividade da senhora para com os padres, mas
velava, a seu tempo, elementos de modernidade. deselegante para com as beatas.
A Cruz e Souza – simbolista – parnasianas c ironia do padre a respeito da senhora, que era per-
B Augusto dos Anjos – parnasiana – simbolistas versa com as crianças.
c Alphonsus Guimaraens – parnasiana – realistas d resistência da senhora em aceitar a liberdade dos
d Cruz e Souza – romântica – parnasianas negros, evidenciada no final do texto.
E Augusto dos Anjos – simbolista – parnasianas
E rejeição aos criados por parte da senhora, que pre-
feria tratá-los com castigos.
6 Fuvest 2012 Leia este texto:
A correção da língua é um artificialismo, continuei Instruções: Para a próxima questão, marque V (verda-
episcopalmente. O natural é a incorreção. Note que a deiro) e F (falso).
gramática só se atreve a meter o bico quando escreve-
mos. Quando falamos, afasta-se para longe, de orelhas 8 UFPE 2012 Lima Barreto foi uma das figuras mais contradi-
murchas. tórias e controvertidas da literatura brasileira do início do
Monteiro Lobato, Prefácios e entrevistas. século XX. Sobre sua obra, podemos dizer o que segue.
J 0-0 Seu conto, o Homem que sabia Javanês, é um
a) Tendo em vista a opinião do autor do texto, po-
relato mordaz sobre um trapaceiro que se passa
de-se concluir corretamente que a língua falada
por tradutor de um idioma exótico.
é desprovida de regras? Explique sucintamente.
b) Entre a palavra “episcopalmente” e as expres-
J 1-1 O autor foi um dos pioneiros no uso do estilo
jornalístico na literatura. Com linguagem objetiva
sões “meter o bico” e “de orelhas murchas”,
dá-se um contraste de variedades linguísticas. e informal, descreve com clareza e simplici-
Substitua as expressões coloquiais, que aí apa- dade o cotidiano das classes desfavorecidas, às
recem, por outras equivalentes, que pertençam quais pertencia.
à variedade-padrão. J 2-2 Nos seus escritos, denuncia os problemas po-
líticos e os preconceitos sociais de seu tempo,
7 Enem que ele, como mulato pobre, vivenciou.
J 3-3 Em seu livro mais famoso, Triste Fim de Policarpo
Negrinha Quaresma, Lima Barreto foca a vida de uma per-
Negrinha era uma pobre orfã de sete anos. Preta? sonagem cujo nacionalismo beira a xenofobia.
Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos Por trás disso, faz uma grande crítica à política
assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus da República Velha.
primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, J 4-4 O romancista transforma o Marechal Floriano
sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, Peixoto num grande herói nacional em Triste
que a patroa não gostava de crianças. Fim de Policarpo Quaresma, atribuindo-lhe um
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do caráter magnânimo e superior.
mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e
camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas
no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali 9 UEPG 2015 Sobre Recordações do Escrivão Isaías Ca-
bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, minha e o autor Lima Barreto em seu tempo, assinale
discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma – o que for correto.
“dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião 01 Em 1908, prestes à publicação de Recordações do
e da moral”, dizia o reverendo. Escrivão Isaías Caminha, a obra foi divulgada pela
Ótima, a dona lnácia. “Revista do Brasil”, de Monteiro Lobato. Ocasião em
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os que Lima Barreto adentra a Academia Brasileira de
nervos em carne viva. Letras, sucedendo João do Rio e derrotando Hum-
[...] berto de Campos.
A excelente dona lnácia era mestra na arte de judiar 02 Após ser colocada à venda, no Rio de Janeiro, a
de crianças. Vinha da escravidao, fora senhora de escra-
obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha,
vos – e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e
Lima Barreto participa do Júri da “Primavera de
estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime nova – essa
Sangue” (em 1910), que condena um tenente pela
indecência de negro igual.
LOBATO, M. Negrinha. In: MORICONI, I.
repressão a estudantes no Largo de São Francisco.
Os cem melhores contos brasileiros do século. 04 O ano em que eclode a Primeira Grande Guerra
Rio de Janeiro: Objetiva, 2000 (fragmento).
(1914) coincide com o ano em que Lima Barreto é
A narrativa focaliza um momento histórico-social de internado pela primeira vez no Hospício Nacional.
valores contraditórios. Essa contradição infere-se, no Já havia, naquela ocasião, escrito a obra Recorda-
contexto, pela ções do Escrivão Isaías Caminha.

320 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


08 O ano em que a obra Recordações do Escrivão Isaías — Quá, ioiô, já mi esqueceu.
Caminha está em conclusão, em 1908, coincide com — E o “Boi Espácio”?
a ocasião do falecimento de Machado de Assis. — Cousa véia, do tempo do cativeiro – pra que sô
coroné qué sabê disso?
Soma: JJ
Vício na fala
Para responder à questão 10, leia o excerto do texto
dramático Os negros (esboço de uma peça?), de Lima Para dizerem milho dizem mio
Barreto, e preencha os parênteses com V (verdadeiro) Para dizerem melhor dizem mió
ou F (falso). Para pior pió
Para dizer telha dizem teia
3o Negro – Os navios, que não nos vejam eles... Para telhado dizem teiado
Quando vim, da minha terra, dentro deles... Que coisa! E vão fazendo telhados
Era escuro, molhado... Estava solto e parecia que vinha
amarrado pelo pescoço. Melhor vale a fazenda... Considere as seguintes armações sobre os dois textos.
2o Negro – É longe a tua terra? Lá só há negro? I. Os modernistas foram pioneiros na forma de
3o Negro – Não sei... Não sei... Era pequeno. Andei representar a linguagem popular, através da va-
uma porção de dias. As pernas doíam-me, os braços, o lorização do povo como elemento constitutivo da
corpo, e carregavam muito peso. Se queria descanso, lá
nação brasileira.
vinham uns homens com chicotes. Vínhamos muitos de
II. O narrador no romance e o sujeito lírico no poema
vários lugares. Cada qual falava uma língua. Não nos en-
tendíamos. Todo o dia, morriam dois, quatro; e os urubus são letrados, mas registram a linguagem popular
acompanhavam-nos sempre. ao reproduzirem a fala do povo.
– Minha terra... Não sei... Era perto de um rio, muito III. O romance de Lima Barreto evidencia a impor-
largo, como o mar, mas roncava mais... Sim! Tudo era tância do folclore brasileiro para a constituição da
negro lá... Um dia, houve um grande estrépito, barulho, cultura nacional.
tiros e quando dei acordo de mim estava atado, amarrado
e... marchei... Não sei... Não sei... Qual(is) está(ão) correta(s)?
Negra Velha – Eu não sei nada mais donde vim. Foi A Apenas I. d Apenas II e III.
dos ares ou do inferno? Não me lembro... B Apenas II. E I, II e III.
c Apenas I e II.
10 PUC-RS 2015 Com base no texto selecionado e na obra
de Lima Barreto, afirma-se: 12 UPE 2015 Triste Fim de Policarpo Quaresma é um ro-
J A fala dos escravos evidencia que, além da perda mance em terceira pessoa, em que se nota maior esforço
da liberdade, os negros tiveram suas raízes subtraí- de construção e acabamento formal. Lima Barreto nele
das pela escravidão. conseguiu criar uma personagem que não fosse mera
J O emprego reiterado de recursos expressivos, projeção de amarguras pessoais como o amanuense
como a antítese e a sinestesia, aproxima a lingua- Isaías Caminha, nem um tipo pré-formado, nos moldes
gem do texto dramático à estética simbolista. das figuras secundárias que pululam em todas as suas
J Uma das principais obras de Lima Barreto, Triste obras. O Major Quaresma não se exaure na obsessão na-
fim de Policarpo Quaresma, caracteriza-se por uma cionalista, no fanatismo xenófobo; pessoa viva, as suas
forte crítica às forças opressoras escravocratas du- reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a dis-
tanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais
rante o período colonial.
burocratas e militares reformados cujos bocejos amorne-
A sequência correta de preenchimento dos parênte- cem os serões do subúrbio.
ses, de cima para baixo, é Bosi, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira.
A V–V–F d F–V–V São Paulo: Editora Cultrix, 1998.

B V–F–F E F–F–V Quais dos trechos a seguir são da obra Triste Fim de
c V–F–V Policarpo Quaresma?
I. “Seriam nove horas do dia. Um sol ardente de
11 UFRGS 2015 Leia a seguir o fragmento, retirado do roman- março esbate-se nas venezianas que vestem as
ce Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, e sacadas de uma sala, nas Laranjeiras. A luz coa-
o poema de Oswald de Andrade. da pelas venezianas empanadas debuxa com a
— Não me conhece mais? Sou o general, o Coronel suavidade do nimbo o gracioso busto de Aurélia
Albernaz. sobre o aveludado escarlate do papel que forra
FRENTE 2

— Ah! É só coroné! ... Há quanto tempo! Como está o gabinete. Reclinada na conversadeira com
nhã Maricota? os olhos a vagar pelo crepúsculo do aposen-
— Vai bem. Minha velha, nós queríamos que você to, a moça parece imersa em intensa cogitação.
nos ensinasse umas cantigas. O recolho apaga-lhe no semblante, como no
— Quem sou eu, ioiô! porte, a reverberação mordaz que de ordinário
— Ora! Vamos, tia Maria Rita... você não perde ela desfere de si, como a chama sulfúrea de
nada... você não sabe o “Bumba-meu-Boi”? um relâmpago.”

321
II. “Na ficção, havia unicamente autores nacionais 13 Unifesp Leia o trecho de Triste fim de Policarpo Qua-
ou tidos como tais: o Bento Teixeira, da Proso- resma, de Lima Barreto, para responder à questão:
popeia; o Gregório de Matos, o Basílio da Gama,
Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou
o Santa Rita Durão, o José de Alencar (todo), o
a Pátria, nas suas riquezas naturais, na sua história, na sua
Macedo, o Gonçalves Dias (todo), além de muitos
geografia, na sua literatura e na sua política. Quaresma
outros. Podia-se afiançar que nem um dos autores
sabia as espécies de minerais, vegetais e animais que o
nacionais ou nacionalizados de oitenta pra lá fal-
Brasil continha; sabia o valor do ouro, dos diamantes ex-
tava nas estantes do major.” portados por Minas, as guerras holandesas, as batalhas do
III. “Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Paraguai, as nascentes e o curso de todos os rios.
Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui [...] Havia um ano a esta parte que se dedicava ao
do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. tupi-guarani. Todas as manhãs, antes que a “Aurora com
Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo”, ele se
da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me ver- atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y diccionario
sos. A viagem era curta, e os versos pode ser que de la lengua guarani ó más bien tupi, e estudava o jargão
não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, caboclo com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos
que, como eu estava cansado, fechei os olhos três empregados, amanuenses e escreventes, tendo notícia des-
ou quatro vezes; tanto bastou para que ele inter- se seu estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe
rompesse a leitura e metesse os versos no bolso. por que em chamá-lo – Ubirajara.
— Continue, disse eu acordando. Certa vez, o escrevente Azevedo, ao assinar o ponto,
— Já acabei, murmurou ele. distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em
— São muito bonitos. ” tom chocarreiro: “Você já viu que hoje o Ubirajara está
IV. “De sorte que quem o contorna, seguindo para o tardando?” Quaresma era considerado no Arsenal: a sua
norte, observa notáveis mudanças de relevos: a idade, a sua ilustração, a modéstia e honestidade do seu
princípio o traço contínuo e dominante das monta- viver impunham-no ao respeito de todos. Sentindo que
nhas, precintando-o, com destaque saliente, sobre a alcunha lhe era dirigida, não perdeu a dignidade, não
a linha projetante das praias; depois, no segmento prorrompeu em doestos e insultos. Endireitou-se, conser-
de orla marítima entre o Rio de Janeiro e o Espírito tou o seu pince-nez, levantou o dedo indicador no ar e
Santo, um aparelho litoral revolto, feito da enverga- respondeu:
dura desarticulada das serras, riçado de cumeadas — Senhor Azevedo, não seja leviano. Não queira le-
e corroído de angras, e escancelando-se em baías, var ao ridículo aqueles que trabalham em silêncio, para a
repartindo-se em ilhas, e desagregando-se em grandeza e a emancipação da Pátria.
recifes desnudos, à maneira de escombros do Examine a frase: Havia um ano a esta parte que se
conflito secular que ali se trava entre os mares e dedicava ao tupi-guarani.
a terra; em seguida, transposto o 15° paralelo, a
a) No conjunto da obra, que relação há entre nacio-
atenuação de todos os acidentes – serranias que
nalismo e o estudo de tupi-guarani?
se arredondam e suavizam as linhas dos taludes,
b) Quanto ao sentido, explique o emprego da forma
fracionadas em morros de encostas indistintas no
verbal “dedicava” e justifique sua resposta com
horizonte que se amplia; até que em plena faixa
uma expressão presente no texto.
costeira da Bahia, o olhar, livre dos anteparos de
serras que até lá o repulsam e abreviam, se dilata
em cheio para o ocidente, mergulhando no âma- 14 Imed 2015 Em sua obra Urupês, publicada em 1918, Mon-
go da terra amplíssima lentamente emergindo num teiro Lobato apresenta uma de suas personagens mais
ondear longínquo de chapadas.” representativas: Jeca Tatu. Sobre o autor e sua obra, é
V. “Tinha todos os climas, todos os frutos, todos os possível afirmar que:
minerais e animais úteis, as melhores terras de I. A personagem Jeca Tatu representa a miséria e o
cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, atraso econômico do país, principalmente o des-
mais inteligente e mais doce do mundo – o que caso do governo em relação ao Brasil rural.
precisava mais? Tempo e um pouco de origina- II. Jeca Tatu remete à figura do homem caboclo, e
lidade. Portanto, dúvidas não flutuavam mais no sua aparência ligada à falta de higiene passou a
seu espírito, mas no que se referia à originalidade ser relacionada à campanha sanitarista aderida
de costumes e usanças, não se tinham elas dis- por Monteiro Lobato.
sipado, antes se transformaram em certeza após III. Sem educação e alheio aos acontecimentos de
tomar parte na folia do ’Tangolomango’, numa fes- seu país, Jeca Tatu representa a ignorância do
ta que o general dera em casa.” homem do campo.
Estão corretos, apenas, os itens Qual(is) está(ão) correta(s)?
A I, II e III. d II e V. A Apenas I. d Apenas II e III.
B I e III. E IV e V. B Apenas III. E I, II e III.
c II e IV. c Apenas I e II.

322 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


Leia os Textos I e II para responder às questões 15 Urubu é negro, macaco trepa; assim como tem gente ne-
e 16. gra e que trepa. Não vejo razão para colocar a obra num
índex proibitivo. E são negros os olhos da minha amada.
Texto I
Cacemos Pedrinho! Vou fazer a minha perna de pau e
MEC quer rever veto a livro de Monteiro Lobato colocar sebo para a onça não pegar.
MATA, João da. Disponível em: <www.substantivoplural.com.br/
O ministro da Educação, Fernando Haddad, pedirá monteiro-lobato-e-a-proibicao-da-cacada-de-pedrinho/>.
que (sic) o CNE (Conselho Nacional de Educação) reveja o Acesso em: 6 nov. 2017.
parecer que recomendou restrições à distribuição do livro
Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, em escolas 15 Uepa 2012 Sobre os Textos I e II, é correto afirmar que:
públicas. O Conselho de Educação quer vetar livro de I. Ambos são contrários a qualquer proibição.
Monteiro Lobato em escolas.
II. O Texto II afirma que não cabe como livro de for-
Como revelou à Folha, o conselho sugeriu que a obra
mação para crianças.
não seja distribuída pelo governo ou, caso isso seja feito,
que contenha uma “nota explicativa”, devido a um suposto
III. No Texto I, constata-se, nesse caso, a volta da
teor racista. censura.
Haddad disse ter recebido diversas reclamações de IV. No Texto I, é possível vislumbrar certa defesa a
educadores e especialistas contra a decisão do CNE. “Fo- favor da obra em questão.
ram muitas manifestações para que o MEC afaste qualquer De acordo com as armativas apresentadas, a alter-
hipótese de censura a qualquer obra”, afirmou.
nativa correta é:
Ele disse não ver racismo na obra, mas ainda assim
A I e II
não descartou o contexto em que determinada obra foi
escrita quando isso for considerado necessário. Para o
B I e IV
ministro, qualquer que seja a decisão do CNE, ela deverá c II e III
valer para todos os livros, e não para apenas um específico. d III e IV
PINHO, Angela. Disponível em: <www.substantivoplural.com.br/ E I e III
monteiro-lobato-e-a-proibicao-da-cacada-de-pedrinho/>.
Acesso em: 6 nov. 2017.
16 Uepa 2012 No Texto II, a frase que revela uma opinião
Texto II do autor sobre a proibição do livro de Monteiro Lobato
Caçadas de Pedrinho é:
Monteiro Lobato e a A estou muito preocupado com essa proibição ao li-
proibição de Caçadas de Pedrinho vro Caçadas de Pedrinho.
Meus amigos e amigas, B foi um grande nacionalista e lutou pelo nosso pe-
Estou muito preocupado com essa proibição ao livro tróleo e recursos minerais.
Caçadas de Pedrinho, escrito por Monteiro Lobato em c a noite é negra sem luar e ninguém pode mudar a
1933. Estou aqui com as obras completas do Lobato e já natureza.
consultei o seu grande biógrafo Edgard Cavalheiro e não d um grave atentado contra a livre expressão e o fa-
vejo razão para essa proibição. Aprendi a gostar de ler zer literário e artístico.
com Monteiro Lobato. Li o D. Quixote das Crianças do
E vou fazer a minha perna de pau e colocar sebo
Lobato e nunca mais deixei de ler a grande obra-prima
para a onça não pegar.
de Cervantes. Vasculhei o céu com Lobato numa Viagem
ao Céu. Li sobre o explorador Hans Staden e me encantei
com Os Doze Trabalhos de Hércules recontado por esse 17 Unicamp 2016 Quanto ao conto Negrinha, de Monteiro
grande escritor e editor. Lobato, é correto afirmar que:
Monteiro Lobato reinventou o Brasil. Em alguns as- A O narrador adere à perspectiva de dona Inácia, fa-
pectos, inventou-o. Foi um grande nacionalista e lutou zendo com que o leitor enxergue a história guiado
pelo nosso petróleo e recursos minerais. Foi um grande pela óptica dessa personagem e se torne cúmplice
editor quando no Brasil quase não havia editoras. Um dos valores éticos apresentados no conto.
grande tradutor que lutou incansavelmente pelo Brasil. B O modo como o narrador caracteriza o contexto
As Aventuras do Picapau Amarelo foram transportadas histórico no conto permite concluir que Negrinha
para a televisão e ainda hoje encantam gerações de todas é escrava de dona Inácia e, portanto, está fadada a
as idades.
uma vida de humilhações.
Com relação à obra proibida Caçadas do Pedrinho, e
c A maneira como o narrador comenta as caracterís-
a justificativa das palavras preconceituosas e estereotipadas
FRENTE 2

ticas atribuídas às personagens contrasta com as


“trepar” e “negra”, que não ajudariam na educação com
base “nos estudos atuais e críticos que discutem a presença falas e as ações realizadas por elas, o que caracte-
de estereótipos raciais na literatura”, acho a justificativa riza um modo irônico de apresentação.
sem propósito e um grave atentado contra a livre expressão d O narrador apresenta as falas e pensamentos das
e o fazer literário e artístico. personagens de modo objetivo; assim, o leitor fica
Por isso mesmo meus protestos contra essa agressão a dispensado de elaborar um juízo crítico sobre as
um dos mais criativos e nacionalistas escritores do Brasil. relações de poder entre as personagens.

323
18 UEL Inspirado no determinismo mais rígido, em moda 5 e dos Fenton. No alto, volvendo o olhar em cheio para
no seu tempo, o autor procura mostrar que aqueles ser- os chapadões, o forasteiro sentia-se em segurança. Estava
tanejos não eram culpados como criminosos, mas que sobre ameias intransponíveis que o punham do mesmo
foram produto inevitável de um conjunto de fatores geo- passo a cavaleiro do invasor e da metrópole. Transpos-
gráficos, raciais e históricos. Nada mais natural que se ta a montanha – arqueada como a precinta de pedra de
10 um continente – era um isolador étnico e um isolador
unissem em torno de seu profeta e por ele morressem,
histórico. Anulava o apego irreprimível ao litoral, que se
defendendo casa a casa o estranho arraial.
exercia ao norte; reduzia-o a estreita faixa de mangues e
O trecho anterior está-se referindo à obra que con-
restingas, ante a qual se amorteciam todas as cobiças, e
sagrou
alteava, sobranceira às frotas, intangível no recesso das
A Olavo Bilac. 15 matas, a atração misteriosa das minas...
B Euclides da Cunha. Ainda mais – o seu relevo especial torna-a um con-
c Lima Barreto. densador de primeira ordem, no precipitar a evaporação
d Augusto dos Anjos. oceânica.
E Raul Pompéia. Os rios que se derivam pelas suas vertentes nascem de
Para responder à questão 19, leia o fragmento que se 20 algum modo no mar. Rolam as águas num sentido opos-
segue. to à costa. Entranham-se no interior, correndo em cheio
para os sertões. Dão ao forasteiro a sugestão irresistível
A travessia foi penosamente feita. O terreno incon- das entradas.
sistente e móvel fugia sob os passos aos caminhantes; A terra atrai o homem; chama-o para o seio fecundo;
remorava a tração das carretas absorvendo as rodas até 25 encanta-o pelo aspecto formosíssimo; arrebata-o, afinal,
ao meio dos raios; opunha, salteadamente, flexíveis irresistivelmente, na correnteza dos rios.
barreiras de espinheirais, que era forçoso destramar a Daí o traçado eloquentíssimo do Tietê, diretriz prepon-
facão; e reduplicava, no reverberar intenso das areias, derante nesse domínio do solo. Enquanto no S. Francisco,
a adustão da canícula. De sorte que ao chegar à tarde, à no Parnaíba, no Amazonas, e em todos os cursos d’água da
‘Serra Branca’, a tropa estava exausta. Exausta e sequio- 30 borda oriental, o acesso para o interior seguia ao arrepio
sa. Caminhara oito horas sem parar, em pleno arder do das correntes, ou embatia nas cachoeiras que tombam dos
sol bravio do verão. socalcos dos planaltos, ele levava os sertanistas, sem uma
remada, para o rio Grande e daí ao Paraná e ao Paranaíba. Era
19 PUC-RS O fragmento pertence ao livro Os sertões, de a penetração em Minas, em Goiás, em Santa Catarina, no Rio
Euclides da Cunha, que relata a Guerra de Canudos, 35 Grande do Sul, no Mato Grosso, no Brasil inteiro. Segundo
travada no Nordeste brasileiro entre os homens lide- estas linhas de menor resistência, que definem os lineamentos
rados por Antônio Conselheiro e as tropas militares mais claros da expansão colonial, não se opunham, como ao
norte, renteando o passo às bandeiras, a esterilidade da terra,
republicanas.
a barreira intangível dos descampados brutos.
Neste trecho da obra,
40 Assim é fácil mostrar como esta distinção de ordem
I. alternam-se a linguagem coloquial e a inconformi-
física esclarece as anomalias e contrastes entre os sucessos
dade com a exploração do homem pelo homem.
nos dous pontos do país, sobretudo no período agudo da
II. a complexidade vocabular e o predomínio da crise colonial, no século XVII.
descrição constituem características marcantes. Enquanto o domínio holandês, centralizando-se em
III. a reiteração de expressões regionais e a preo- 45 Pernambuco, reagia por toda a costa oriental, da Bahia ao
cupação com a condição humana permeiam o Maranhão, e se travavam recontros memoráveis em que,
ponto de vista do narrador. solidárias, enterreiravam o inimigo comum as nossas três
A(s) armativa(s) correta(s) é/são: raças formadoras, o sulista, absolutamente alheio àquela
agitação, revelava, na rebeldia aos decretos da metrópole,
A I, apenas.
50 completo divórcio com aqueles lutadores. Era quase um
B II, apenas.
inimigo tão perigoso quanto o batavo. Um povo estranho
c III, apenas.
de mestiços levantadiços, expandindo outras tendências,
d I e III, apenas.
norteado por outros destinos, pisando, resoluto, em de-
E I, II e III. manda de outros rumos, bulas e alvarás entibiadores.
55 Volvia-se em luta aberta com a corte portuguesa, numa
Utilize o texto a seguir para responder às questões reação tenaz contra os jesuítas. Estes, olvidando o holan-
de 20 a 22. dês e dirigindo-se, com Ruiz de Montoya a Madri e Díaz
Taño a Roma, apontavam-no como inimigo mais sério.
Os sertões
De feito, enquanto em Pernambuco as tropas de van
A Serra do Mar tem um notável perfil em nossa his- 60 Schkoppe preparavam o governo de Nassau, em São Pau-
tória. A prumo sobre o Atlântico desdobra-se como a lo se arquitetava o drama sombrio de Guaíra. E quando
cortina de baluarte desmedido. De encontro às suas es- a restauração em Portugal veio alentar em toda a linha a
carpas embatia, fragílima, a ânsia guerreira dos Cavendish repulsa ao invasor, congregando de novo os combatentes

324 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


exaustos, os sulistas frisaram ainda mais esta separação de d retifica a opinião vigente, passando a considerar a
65 destinos, aproveitando-se do mesmo fato para estadea- revolta resultante do atraso da nação.
rem a autonomia franca, no reinado de um minuto de E influencia a prosa do autor, antes impregnada de
Amador Bueno. cientificismo e reacionarismo.
Não temos contraste maior na nossa história. Está nele
a sua feição verdadeiramente nacional. Fora disto mal a
24 UFRGS Leia o trecho a seguir de Os Sertões, de Eucli-
70 vislumbramos nas cortes espetaculosas dos governadores,
des da Cunha.
na Bahia, onde imperava a Companhia de Jesus com o
privilégio da conquista das almas, eufemismo casuístico Daquela data ao termo da campanha a tropa iria viver
disfarçando o monopólio do braço indígena. em permanente alarma.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. Edição crítica de Walnice Nogueira Galvão. [...]
2 ed. São Paulo: Editora Ática, 2001, p. 81-82.
A tática invariável do jagunço, expunha-se temerosa
naquele resistir às recuadas, restribando-se em todos os
20 Unesp Representante do Pré-Modernismo brasileiro e acidentes da terra protetora. Era a luta da sucuri flexuosa
um dos maiores nomes de nossa literatura, Euclides com o touro pujante. Laçada a presa, distendia os anéis;
da Cunha nos encanta pelo vigor e variedade de seus permitiam-lhe a exaustão do movimento livre e a fadiga
procedimentos de estilo. Neste sentido, um dos recur- da carreira solta; depois se constringia repuxando-o, ma-
sos notáveis de Os sertões é o das personificações neando-o nas roscas contráteis, para relaxá-las de novo,
na descrição de acidentes geográficos, que em seu deixando-o mais uma vez se esgotar no escarvar, a marradas,
texto parecem dotados de vontade e atitude própria, o chão; e novamente o atrair, retrátil, arrastando-o –
o que confere bastante dramaticidade a passagens até ao exaurir completo...
como a apresentada. restribar: estar firme, estar escorado; flexuoso: sinuoso,
Tomando por base este comentário, releia o período torcido, tortuoso; escarvar: cavar superficialmente.
que constitui o quarto parágrafo e explique o proce-
dimento da personicação ou prosopopeia que nele Assinale a alternativa incorreta em relação ao trecho.
ocorre. A O jagunço, ao aproveitar-se dos “acidentes da ter-
ra protetora”, conseguia superar-se e confrontar-se
21 Unesp Os escritores utilizam, por vezes, expressões com o inimigo, trazendo-lhe novas dificuldades.
que, à primeira vista, parecem exageradas, mas que B O “touro pujante”, apesar de sua força, na ilusão do
carregam a intenção de tornar mais concreto um ar- movimento livre, acaba se exaurindo.
gumento para o leitor. Com base nesta observação, c No confronto, a “sucuri flexuosa” vence, pois usa os
releia o segundo período do quinto parágrafo e de- recursos de que dispõe.
monstre que Euclides da Cunha serviu-se desse d No trecho, a imagem da luta entre a “sucuri flexuo-
recurso ao empregar a expressão “sem uma remada”. sa” e o “touro pujante” é uma metáfora da luta entre
jagunços e expedicionários.
E A “sucuri flexuosa” e o “touro pujante” estão em
22 Unesp A retomada de um mesmo vocábulo, com a
constante confronto sem que haja um vencedor.
mesma flexão ou com variação de flexão, denominada
“poliptoto” pela retórica tradicional, é um recurso co- Textos para a próxima questão.
mumente usado para conferir ênfase à expressão de
Era um cavalo todo feito em lavas
determinados conteúdos em um período, como nesta
recoberto de brasas e de espinhos.
passagem de Os Lusíadas: “No mar, tanta tormenta e
Pelas tardes amenas ele vinha
tanto dano, / Tantas vezes a morte apercebida; / Na
e lia o mesmo livro que eu folheava.
terra, tanta guerra, tanto engano, / Tanta necessidade
aborrecida” (I, 106). Demonstre que Euclides da Cunha Depois lambia a página, e apagava
se serve desse recurso no terceiro período do sétimo a memória dos versos mais doridos;
parágrafo do texto. então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.
23 PUC-RS A viagem de Euclides da Cunha à região de
Canudos, onde ocorre a revolta dos seguidores de Bem se sabia que ele ainda ardia
Antônio Conselheiro, na salsugem do livro subsistido
A ratifica sua posição em relação aos fanáticos rebel- e transformado em vagas sublevadas.
des, expressa em seu artigo “A nossa Vendéia”.
FRENTE 2

B impulsiona-o a produzir Os sertões, baseando-se Bem se sabia: o livro que ele lia
somente no que realmente pôde presenciar. era a loucura do homem agoniado
c demove-o da concepção determinista vigente na em que o incubo cavalo se nutria.
época, que concebe o homem como um cruza- LIMA, Jorge de. Canto quarto, poemas II e IV. In: Invenção de Orfeu.
Disponível em: <http:www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet291.htm>.
mento de condicionamentos. Acesso em: 14 mai. 2016.

325
B uma referência ao tempo presente, com o emprego
da forma verbal “é”, evidenciando-se a atualida-
de do tema abordado tanto pelo pintor espanhol
quanto pelo chargista brasileiro.
c um termo pejorativo, “trânsito”, reforçando-se a
imagem negativa de mundo caótico presente tanto
em Guernica quanto na charge.
d uma referência temporal, “sempre”, referindo-se
à permanência de tragédias retratadas tanto em
Guernica quanto na charge.
E uma expressão polissêmica, “quadro dramático”,
remetendo-se tanto à obra pictórica quanto ao con-
texto do trânsito brasileiro.

27 PUC-Campinas 2017 Dentre as vanguardas artísticas


europeias que emergiram no entreguerras, destaca-
DALI, Salvador. Girafas em fogo em marrom. Disponível em: <http://www.allposters.com.br/-sp/
Girafas-em-Fogo em-Marrom-posters_i1781763_.htm>. Acesso em: 14 mar. 2016. -se o
A futurismo, movimento artístico e literário surgido na
25 UEG 2016 Em termos estéticos e de conteúdo, o Itália, marcado pela publicação do Manifesto Futu-
poema e a pintura vinculam-se a que movimento de rista de Filippo Marinetti, que anunciava uma nova
ordem após a destruição massiva provocada pela
vanguarda artística?
guerra.
A Expressionismo d Futurismo
B surrealismo, vanguarda que despontou na Fran-
B Surrealismo E Cubismo
ça, bastante influenciada pela psicanálise, que teve
c Dadaísmo
como um de seus principais expoentes André Breton
e valorizava os impulsos do inconsciente ante a crise
26 Enem 2014 da racionalidade provocada pela guerra.
c expressionismo, movimento artístico que aflorou
na Alemanha, liderado por Pablo Picasso, voltado à
denúncia realista do terrível quadro social provoca-
do pela derrota desse país na guerra.
d impressionismo, gênero pictórico que emergiu nos
Países Baixos e na França, marcado pela subjetivi-
dade, pela melancolia e pela angústia suscitados
nos indivíduos traumatizados pela guerra.
E fauvismo, corrente artística cujo nome deriva de
“fauve”, fera em francês, que tinha por objetivo
retratar o mundo bárbaro, não civilizado, porém
exótico e capaz de apresentar novos paradigmas
de modernidade à Europa arrasada após a guerra.

28 Fuvest 2017 Examine este cartaz, cuja finalidade é divul-


gar uma exposição de obras de Pablo Picasso.
Jornal Zero Hora, 2 mar. 2006.

Na criação do texto, o chargista Iotti usa criativamen-


te um intertexto: os traços reconstroem uma cena de
Guernica, painel de Pablo Picasso que retrata os horro-
res e a destruição provocados pelo bombardeio a uma
pequena cidade da Espanha. Na charge, publicada
no período de carnaval, recebe destaque a gura do
carro, elemento introduzido por Iotti no intertexto. Além
dessa gura, a linguagem verbal contribui para estabe-
Disponível em:<http://institotomieohtake.org.br>. Acesso em: 13 dez. 2017.
lecer um diálogo entre a obra de Picasso e a charge,
ao explorar Nas expressões “Mão erudita” e “Olho selvagem”, que
A uma referência ao contexto, “trânsito no feriadão”, compõem o texto do anúncio, os adjetivos “erudita” e
esclarecendo-se o referente tanto do texto de Iotti “selvagem” sugerem que as obras do referido artista
quanto da obra de Picasso. conjugam, respectivamente,

326 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


A civilização e barbárie. O quadro Les Demoiselles d’Avignon (1907), de Pablo
B requinte e despojamento. Picasso, representa o rompimento com a estética
c modernidade e primitivismo. clássica e a revolução da arte no início do século XX.
d liberdade e autoritarismo. Essa nova tendência se caracteriza pela
E tradição e transgressão. A pintura de modelos em planos irregulares.
B mulher como temática central da obra.
29 Enem 2015 c cena representada por vários modelos.
d oposição entre tons claros e escuros.
Casa dos Contos
E nudez explorada como objeto de arte.
& em cada conto te cont
o & em cada enquanto me enca 31 ITA 2014 Considere o poema a seguir, de Carlos
nto & em cada arco te a Drummond de Andrade, à luz da reprodução da pin-
barco & em cada porta m
tura de Edvard Munch a que ele se refere.
e perco & em cada lanço t
e alcamço & em cada escad
a me escapo & em cada pe
dra te prendo & em cada g
rade me escravo & em ca
da sótão te sonho & em cada
esconso me affonso & em O grito (Munch)
cada claúdio te canto & e A natureza grita,
m cada fosso me enforco & apavorante.
ÁVILA, A. Discurso da difamação do poeta. São Paulo: Summus, 1978. Doem os ouvidos,
dói o quadro.
O contexto histórico e literário do período barroco-
-árcade fundamenta o poema Casa dos Contos, de
1975. A restauração de elementos daquele contexto
por uma poética contemporânea revela que
A a disposição visual do poema reflete sua dimensão O grito – Edvard Munch (1863-1944), Noruega
plástica, que prevalece sobre a observação da rea-
lidade social. O texto de Drummond
B a reflexão do eu lírico privilegia a memória e res- I. traduz a estreita relação entre a forma e o conteú-
gata, em fragmentos, fatos e personalidades da do da pintura.
Inconfidência Mineira. II. mostra como o desespero do homem retratado
c a palavra “esconso” (escondido) demonstra o de- repercute no ambiente.
sencanto do poeta com a utopia e sua opção por III. contém o mesmo exagero dramático e aterrori-
uma linguagem erudita. zante da pintura.
d o eu lírico pretende revitalizar os contrastes barro- IV. interpreta poeticamente a pintura.
cos, gerando uma continuidade de procedimentos
Está(ão) correta(s):
estéticos e literários.
A apenas I e II. d apenas III e IV.
E o eu lírico recria, em seu momento histórico, numa
B apenas I, II e IV. E todas.
linguagem de ruptura, o ambiente de opressão vi-
c apenas II, III e IV.
vido pelos inconfidentes.

As questões de 32 a 35 abordam um poema de Raul


30 Enem 2012
de Leoni (1895-1926).
A alma das cousas somos nós...
Dentro do eterno giro universal
Das cousas, tudo vai e volta à alma da gente,
Mas, se nesse vaivém tudo parece igual
Nada mais, na verdade,
05 Nunca mais se repete exatamente...
FRENTE 2

Sim, as cousas são sempre as mesmas na corrente


Que no-las leva e traz, num círculo fatal;
O que varia é o espírito que as sente
Que é imperceptivelmente desigual,
Picasso, P. Les Demoiselles d’Avignon.
Nova York, 1907. ARGAN, G. C. Arte moderna: do Iluminismo aos 10 Que sempre as vive diferentemente,
movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. E, assim, a vida é sempre inédita, afinal...

327
Estado de alma em fuga pelas horas, 34 Unesp 2014 Embora pareça constituído de versos li-
Tons esquivos e trêmulos, nuanças vres modernistas, o poema em questão ainda segue
Suscetíveis, sutis, que fogem no Íris a versificação medida, combinando versos de dife-
15 Da sensibilidade furta-cor...
rentes extensões, com predomínio dos de doze e
E a nossa alma é a expressão fugitiva das cousas dez sílabas métricas. Assinale a alternativa que indi-
E a vida somos nós, que sempre somos outros!... ca, na primeira estrofe, pela ordem em que surgem,
Homem inquieto e vão que não repousas! os versos de dez sílabas métricas, denominados
Para e escuta:
decassílabos.
20 Se as cousas têm espírito, nós somos
A 1 e 5.
Esse espírito efêmero das cousas,
B 3 e 4.
Volúvel e diverso,
c 1, 2 e 3.
Variando, instante a instante, intimamente,
E eternamente,
d 2 e 3.
E 1, 3 e 5.
25 Dentro da indiferença do Universo!...
Luz mediterrânea, 1965.
35 Unesp 2014 No último verso do poema, o eu lírico con-
clui que
32 Unesp 2014 Uma leitura atenta do poema permite con-
A os espíritos mostram-se insensíveis ao volúvel
cluir que seu título representa
Universo.
A a negação dos argumentos defendidos pelo eu lírico.
B o Universo acompanha de perto a alma ou espírito.
B a confirmação do estado de alma disfórico do eu lírico.
c o Universo é indiferente à relação entre o espírito
c a síntese das ideias desenvolvidas pelo eu lírico.
e as coisas.
d o reconhecimento da supremacia do homem no
d a variação das coisas é indiferente ao espírito que
mundo.
as sente.
E uma afirmação prévia da incapacidade do homem.
E as coisas têm espírito, mas o Universo não tem.

33 Unesp 2014 Considerando o eixo temático do poema e


o modo como é desenvolvido, verifica-se que nele se
faz uma reflexão de fundo
A estético. c religioso. E científico.
B político. d filosófico.

328 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 10 Pré-Modernismo: entre o conservador e o moderno


WIKIMEDIACOMMONS (DOMÍNIO PÚBLICO)
Fernando Pessoa com Costa Brochado no interior do Café Martinho da Arcada, em 1914,
Praça do Comércio, Lisboa.

FRENTE 2

CAPÍTULO Modernismo em Portugal: o começo

11
A época em que surge o Modernismo em Portugal também corresponde a muitas mu-
danças que ocorreram no país, como o assassinato do rei e seu descendente, o início da
Primeira Guerra Mundial, o golpe militar em 1926, entre outros. Essas e outras mudanças
resultaram em uma forte tendência revolucionária que determinou não só o pensamento
losóco e político, como também a produção artística da época.
As ideias liberais oresceram, levando os intelectuais a uma participação mais ativa na
sociedade e rompendo com os padrões artísticos anteriores. A onda de renovação das
artes que varreu a Europa apenas expunha de modo mais claro as transformações que já
há muito se armavam no mundo ocidental.
Tal cenário turbulento explica o motivo de o Modernismo em Portugal não ter sido
festivo e anarquista como no Brasil, mas voltado para a busca da pátria perdida.
A Literatura moderna portuguesa publicada pela revista, as imagens mostravam-se carre-
gadas de inovações no vocabulário, tanto na semântica
O que se convencionou como o início do Modernismo
quanto na expressão geral, a qual começava a se conta-
português foi a publicação da revista Orpheu – revista tri-
minar pelo dinamismo da vida moderna.
mestral de literatura em 1915 –, feita com a colaboração de
São esclarecedoras as palavras de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Côrtes-Rodrigues,
sobre o novo grupo:
Alfredo Guisado, Eduardo Guimarães, Santa-Rita Pintor e
do brasileiro Ronald de Carvalho. Não somos portugueses que escrevem para portugueses;
Na época, Portugal vivia a repercussão do fim da monar- [...] somos portugueses que escrevem para a Europa, para toda
quia e da Proclamação da República (1910). Assim, o quadro a civilização; nada somos por enquanto, mas aquilo que agora
político também contribuía para que vários artistas se apro- fazemos será um dia universalmente conhecido e reconhecido.
ximassem das ideias de retomada da cultura portuguesa e [...] Não pode ser de outra maneira, realizamos condições
buscassem se expressar quanto à necessidade de reacender sociológicas cujo resultado é inevitavelmente esse. Afastamo-
o espírito saudosista e nacionalista do povo português. -nos de Camões, de todos os absurdos enfadonhos da tradição
No século XX, a Literatura portuguesa viveu três mo- portuguesa e avançamos para o futuro.
PESSOA, Fernando. Páginas íntimas e de autointerpretação. São Paulo: Ática,
mentos bem delineados: a Geração Orpheu, a Geração 1966. p. 121.
Presença e o Neorrealismo.

Geração Orpheu Geração Presença


Em 1915, a publicação da revista Orpheu impactou a so- O segundo momento modernista de Portugal tem início
ciedade lisboeta. Encabeçado por Fernando Pessoa, Mário em 1927 com a fundação, em Coimbra, da revista Presen-
de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, entre outros, o grupo fazia ça – folha de arte e crítica, por José Régio, João Gaspar
oposição ao academicismo e ao saudosismo. A finalidade Simões, Edmundo de Bettencourt e Branquinho da Fonseca.
do projeto era marcar a atualização da cultura portuguesa, Dando continuidade ao projeto Orpheu, o grupo Presen-
que já vinha recebendo influências isoladas dos movimen- ça aprofundou as pesquisas estéticas com o objetivo de
tos vanguardistas, como na obra notável do poeta Cesário defender uma literatura viva, em oposição a meras imita-
Verde. O orfismo tinha nítidas tendências futuristas. ções acadêmicas, rotineiras e livrescas.
Os presencistas almejavam uma literatura sem vínculo
Orpheu, Lisboa, v. 1, n. 1, 1915, p.1. (Domínio público)

com a política ou a religião, mas neutra, prezando por uma


temática universalizante marcada pela introspecção e por
um forte viés psicológico, na busca pela essência da própria
literatura. José Régio é o principal autor dessa fase, desta-
cando-se no romance, no teatro e na poesia.
O projeto contou com 54 números publicados dos
anos 1927 a 1940, com a colaboração dos heterônimos
de Fernando Pessoa em algumas edições.

Presença, Coimbra, v. 2, n. 39, jul. 1933, p.1. (Domínio público)

Fig. 1 Primeiro número da revista Orpheu (1915).

O projeto não foi além do segundo número por falta de


financiamento, mas as duas publicações foram suficientes Fig. 2 Revista Presença. Imagem da publicação do poema “Tabacaria”, de Álvaro
para apresentar uma nova concepção artística. Na literatura de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa).

330 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Neorrealismo Os estudiosos da obra pessoana já identificaram cerca
No contexto da Segunda Guerra Mundial, em 1940, ini- de 70 heterônimos, sendo os mais conhecidos e completos,
ciou-se o Neorrealismo em Portugal, com a obra Gaibéus, e de que trataremos mais adiante, Alberto Caeiro, Ricardo
de Alves Redol. Esse foi o marco de uma fase antigeração Reis e Álvaro de Campos, cada qual escrevendo de forma
Presença, que abarca grandes escritores, como Manuel da única sobre a percepção que tem do mundo à sua volta.
Fonseca, Fernando Namora, Vergílio Ferreira, Ferreira de A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria
Castro e José Miguéis. Todos eles tinham como meta fazer que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se
uma literatura crítica em relação às denúncias sociais do sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. Tendo para
período, e suas ideias foram veiculadas no jornal O Diabo esta segunda hipótese, porque há em mim fenômenos de abulia
e na revista Sol Nascente. que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos
O movimento neorrealista impunha-se buscando com- seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos heterônimos
bater o fascismo, atuando contra a ditadura salazarista e está na minha tendência orgânica e constante para a desper-
propondo uma literatura de cunho social e documental, sonalização e para a simulação. Estes fenômenos – felizmente
a qual procurava retratar as desigualdades sociais, espe- para mim e para os outros – mentalizaram-se em mim; quero
cialmente as mais arraigadas na estrutura agrária do país. dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de
Um caráter social aproximando-se muito do que faziam, no contato com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu
Brasil, as obras regionalistas da chamada 2a geração do a sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenômenos
Modernismo. O Neorrealismo estendeu-se até a década histéricos rompem em ataques e coisas parecidas – cada poema
de 1980, sendo sempre renovado. de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim)
seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos
homens a histeria assume principalmente aspectos mentais:
Fernando Pessoa e sua poesia assim tudo acaba em silêncio e poesia. […]
caleidoscópica Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui.
Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março
de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um
papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que
posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de
êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal
da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com
o título, O guardador de rebanhos. E o que se seguiu foi o
aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o
nome Alberto Caeiro.
PESSOA, Fernando. “Carta a Adolfo Casais Monteiro sobre a origem dos
heterônimos”. In: PESSÔA, Valdenir Araújo. O misticismo, o saudosismo e o
sebastianismo em Mensagem de Fernando Pessoa. Santarém:
Clube de Autores, 2014.

É necessário ter em mente que esse processo de he-


teronímia – claramente marcado pelo desejo de assumir
a fragmentação de toda identidade poética – vincula-se a
um contexto histórico-cultural modernista ao qual Fernando
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha
biografia, Pessoa já se relacionava desde a sua formação. Com sua
Não há nada mais simples. obra, entram definitivamente em crise o legado do positi-
Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha vismo, a fé na identidade imutável do sujeito e a certeza
morte. quanto à eficácia da linguagem em dizer ao mundo. O ser
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus. humano, inclusive – ou, principalmente, o poeta –, passa a
CAEIRO, Alberto [PESSOA, Fernando]. Poemas completos de Alberto ser visto como um organismo plural, multifacetado. Assim,
Caeiro. São Paulo: Nobel, 2008. p. 98. a arte poética torna-se o lugar da criação de um universo
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, autônomo, assumido como “fingimento”.
em 1888, e, ao lado de Luís Vaz de Camões, é considerado Mesmo quando Fernando Pessoa escrevia assinando
um dos maiores poetas de Portugal. O que difere Fernando poemas com seu próprio nome, a produção poética jamais
Pessoa de todos os outros autores da tradição literária é, se apresentava como mais “verdadeira” que a dos hete-
sem dúvida, a sua capacidade de se desdobrar, multiplican- rônimos, e, assim, constituía um “ele-mesmo” que tinha o
FRENTE 2

do-se em várias outras personalidades poéticas por meio mesmo estatuto “fingido” de qualquer outro dos heterô-
dos chamados heterônimos. nimos. A única diferença é que, ao nos referirmos a essa
Com um projeto artístico amplo, Pessoa deu à luz a parte de sua obra, dizemos que se trata da produção or-
“entidades” – autores com data de nascimento, mapa as- tonímica do poeta. São poemas repletos de saudosismo
tral, profissão, ideologia e estilos próprios de escrita –, e nacionalismo, ainda que marcados pelo claro desejo de
compondo um perfil poético multifacetado e realmente rever criticamente a história e os mitos nacionais, como
impressionante. estudaremos a seguir.

331
Fernando Pessoa ortônimo: o poeta fingidor o sacrifício que os portugueses viveram ao atravessá-lo. É
belíssima a metáfora de Fernando Pessoa ao transformar o
A principal obra de Fernando Pessoa ele-mesmo
sal do oceano no sal das lágrimas que nele se derramaram.
expressa em seus versos uma Portugal heroica. De tom
O poema nos faz lembrar das tragédias e desgraças
eloquente, os poemas do livro Mensagem, iniciado em
1913 e publicado em 1934, oscilam entre o épico e o líri- promovidas pelas navegações por lugares desconhecidos –
co. A grandiosidade da nação portuguesa é retomada de as lágrimas, tanto da tripulação quanto dos familiares (mães,
forma nostálgica, mas também crítica, por meio da referen- filhos, noivas) que ficaram em terra, são de sofrimento, ab-
ciação ao período da conquista territorial levada a cabo negação, coragem e dor.
pelas Grandes Navegações – fase heroica de um povo que A linguagem emotiva do poeta é marcada pontualmen-
teve sua chama apagada após o desaparecimento de Dom te pelas exclamações e pelo uso do vocativo em segunda
Sebastião, na África. pessoa do singular (tu/te), caracterizando a relação afetiva
Em Mensagem, o caráter nacionalista surge na intenção com quem é invocado, no caso, o próprio mar, personificado
de rever e cantar o passado português a partir do ponto de desde o primeiro verso. Ao mesmo tempo, há o uso do “nós”,
vista da modernidade. Nela, Portugal é o país dos sonhos uma voz plural e coletiva que transforma a glória dos tripulan-
grandiosos e belos, mas interrompidos e falhos, sempre tes dos navios em uma vitória de toda a nação portuguesa.
em uma vibrante busca da retomada de sua evolução no Outra obra relevante de Fernando Pessoa ele-mesmo
tempo e no espaço por uma nova, ainda que talvez apenas é o Cancioneiro. De teor acentuadamente lírico, os poemas
mítica, grande nação portuguesa. reunidos nesse livro falam sobre a arte, a infância, a solidão, a
Com esse livro, Fernando Pessoa participa de um con- saudade e o tédio. Leia o poema “Autopsicografia”, provavel-
curso patrocinado pelo governo português e fica em 2o lugar, mente o mais conhecido do Cancioneiro, de Fernando Pessoa.
o que o entristece. Ainda em 1934, começa a apresentar pro- Autopsicografia
blemas físicos e morre no ano seguinte, de cirrose hepática.
O poeta é um fingidor
A seguir, leia um dos mais célebres poemas da obra,
Finge tão completamente
intitulado “Mar português”.
Que chega a fingir que é dor
Mar português A dor que deveras sente.

Ó mar salgado, quanto do teu sal E os que leem o que escreve,


São lágrimas de Portugal! Na dor lida sentem bem,
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Não as duas que ele teve,
Quantos filhos em vão rezaram! Mas só a que eles não têm.
Quantas noivas ficaram por casar
E assim nas calhas de roda
Para que fosses nosso, ó mar!
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Que se chama coração.
Se a alma não é pequena.
PESSOA, Fernando. Cancioneiro. Lisboa: Atlântico Press, 2014.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Os heterônimos de Fernando Pessoa
Mas nele é que espelhou o céu. No centro do Modernismo português, está a radical
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: Leya, 2013. p. 58.
invenção literária de Fernando Pessoa ao se expressar
poeticamente por meio de um conjunto articulado de poe-
tas que, rigorosamente inventados, escrevem, cada um à
sua maneira, as suas próprias poesias, todas diferentes
e complementares entre si. Esse modo desnorteante de
experimentar a expressão literária e sugeri-la aos leitores
faz de Pessoa um poeta fundamental para toda a literatura
ocidental no raiar da modernidade. Escrever por meio da
invenção de um mundo de escritores que se relacionam
explode, de vez, para o mundo contemporâneo, a suposta
unidade de todo poeta e de qualquer fazer poético.

Alberto Caeiro: o mestre das sensações


Alberto Caeiro nasceu em Lisboa a 16 de abril de 1889, e
Inicialmente, deve-se destacar do título do poema o
nessa cidade faleceu, tuberculoso, em *de 1915. [...]
adjetivo “português”, o qual faz menção ao domínio dos
A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nele
mares por Portugal; mares esses que sempre serão lusita-
de que narrar. Seus poemas são o que viveu. Em tudo mais não
nos – daí o peculiar saudosismo do eu lírico. houve incidentes, nem há história.
Na primeira estrofe, há a invocação do sujeito poético REIS, Ricardo [PESSOA, Fernando]. “Prefácio de Ricardo Reis”. In: PESSOA,
ao mar que tanto lhe arranca lágrimas – pelo sofrimento e Fernando. Poemas completos de Alberto Caeiro. São Paulo: Nobel, 2008. p. 7.

332 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Nos textos em que Fernando Pessoa comenta sobre a marca caracterizadora de qualquer “poesia”. Em Caeiro, ao
criação dos heterônimos, Alberto Caeiro é descrito como contrário, tudo parece compor apenas uma maneira clara e
o mestre de todos eles, tanto de Ricardo Reis e Álvaro de objetiva de falar sobre o real sem complicá-lo.
Campos quanto do próprio Fernando Pessoa, o que mostra Nos versos livres “Sinto todo o meu corpo deitado na
a peculiar complexidade da heteronímia pessoana. realidade/ Sei a verdade e sou feliz”, Caeiro mostra um eu
Caeiro é o “mais simples” dos poetas, pois extrai sua lírico que considera a natureza (“erva”) o real; para ele, ape-
matéria poética e seu modo de vida do contato íntimo e nas o visível e o palpável existem. É alguém que se abstém
direto com a natureza em vez daquele mediado pela civili- do conforto da cidade e se coloca como um aprendiz da
zação ou do propiciado pelo conhecimento enciclopédico. natureza – aquilo que os sentidos podem apreender (tato,
Para Alberto Caeiro, o ser humano complicou a existência visão, olfato, paladar e audição) o faz vivo e feliz.
de seus dias com a adesão a exagerados pensamentos
metafísicos, religiões, filosofias e teorias científicas. Ricardo Reis: o apelo clássico
A voz desse poeta defende a busca pela simplicidade Ricardo Reis teria nascido em 19 de setembro de 1887,
dos sentidos como única forma de obter conhecimento – conforme descreveu Pessoa. Assim como o mestre Caeiro,
essa estética recebe o nome de sensacionismo. Reis é amante da natureza e alheio à vida social. O que os
A poesia do mestre Alberto Caeiro recusa os atributos difere é o posicionamento diante da humanidade. Enquanto
habituais do gênero poético, como o metro, a rima, as me- Caeiro se sente plenamente feliz em sua integração com o am-
táforas e metonímias e os demais ornamentos. Seu verso é biente natural e faz o elogio dessa postura em seus poemas,
livre, em estilo coloquial e espontâneo, e sua linguagem é Ricardo Reis revela-se frustrado com a decadência da civili-
simples e de adjetivação objetiva. O que distingue a poesia zação cristã, a qual, a seu ver, caminha para o aniquilamento.
de Caeiro da dos outros heterônimos é a maneira como ele Neoclássico e apegado à filosofia epicurista, Ricardo
denuncia o uso de “máscaras”, como as figuras de linguagem Reis sabe que a vida é breve e que a morte é inevitável. Mos-
mencionadas (metáforas e metonímia), com a finalidade de tra-se em busca de dias com prazeres naturais, equilibrados,
encobrir e “embelezar” a realidade. Ironicamente, Caeiro sem excessos. A completa felicidade lhe parece improvável,
talvez possa ser considerado o heterônimo de maior com- por isso apresenta-se controlado racionalmente. Sua visão
plexidade filosófica, já que esta, em seus poemas, nasce de mundo é pautada na filosofia clássica, o que atinge seu
justamente da simplicidade mais absoluta e da recusa radical estilo de escrita: equilibrado, sempre em busca da perfeição
de todos os conceitos. Esse paradoxo justifica plenamente a formal, distanciado dos arrebatamentos amorosos e marcado
aproximação que alguns críticos fizeram de sua visão poética pela presença da cultura mitológica pagã.
com a “filosofia” oriental do zen-budismo. Leia os trechos a seguir atentando para a temática da
O guardador de rebanhos (IX) brevidade da vida.

Sou um guardador de rebanhos Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.


O rebanho é os meus pensamentos Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
E os meus pensamentos são todos sensações. Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
Penso com os olhos e com os ouvidos (Enlacemos as mãos.)
E com as mãos e os pés [...]
E com o nariz e a boca. Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto. Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
E me deito ao comprido na erva, No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
E fecho os olhos quentes, Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Pagãos inocentes da decadência.
Sei a verdade e sou feliz. PESSOA, Fernando. Poemas de Ricardo Reis.
CAEIRO, Alberto [PESSOA, Fernando]. O guardador de rebanhos Lisboa: Atlântico Press, 2013.
e outros poemas. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 99-100.
Em um primeiro momento, percebemos que o eu líri-
“O guardador de rebanhos” é um dos poemas que co propõe à sua interlocutora, Lídia, que desfrutem do dia
conseguem refletir as marcas da poesia caeiriana. Tendo a de forma serena. O rio que corre é metáfora da inevitável
natureza como “deus”, já que é a única coisa que vê e sente, passagem do tempo; a única certeza existente é a mor-
o poeta louva o sol e outros elementos em decorrência de
FRENTE 2

te, que não deve compreender um motivo de sofrimento.


seu poder vital sobre os homens. É interessante notar que,
Se a vida passa, não se deve assumir compromissos, mas
logo nos primeiros versos, há uma construção metafórica
– “Sou um guardador de rebanhos/ O rebanho é os meus
pensamentos” –, mas ela é tão simples e direta que seu uso Epicurismo: sistema filosófico de Epicuro (341-270 a.C.) que pregava
a busca equilibrada por prazeres com a finalidade de desfrutar o mo-
não se confunde com as “máscaras” referidas anteriormente,
mento presente, aliviando as dores e os sofrimentos e libertando-se
as metáforas “embelezadoras” e “poéticas” que frequentam do medo da morte.
os poemas mais convencionais e que, para muitos, são a

333
viver tranquilamente. Há, também, a recusa do amor carnal Mais da geração Orpheu:
(“beijos e abraços e carícias”), pois a sexualidade é instin-
tiva – lembremo-nos de que a razão deve se sobrepor à
Mário de Sá-Carneiro
emoção, segundo o epicurismo.
Outro aspecto a ser notado é a presença de elementos
clássicos: o ambiente bucólico que serve de cenário ao
poema – o rio, as flores – e a referência direta ao próprio
paganismo. Se a vida passa, e a morte é inevitável, há, no
poema, um convite amoroso e sereno para que vivam com
tranquilidade, sem sobressaltos, com o perfume das flores
suavizando o momento.

Álvaro de Campos: a fé no futuro


Segundo Fernando Pessoa, Álvaro de Campos estudou
em Glasgow, na Escócia, onde cursou Engenharia mecâni-
ca e, posteriormente, naval. É alto, magro, de cabelo liso,
cosmopolita e vanguardista. Diferentemente dos outros
dois heterônimos (Alberto Caeiro e Ricardo Reis), Álvaro
de Campos é afeito ao Modernismo e transmite as concep-
ções futuristas por meio de versos livres, que compõem,
na maioria das vezes, uma ode ao mundo moderno. Os Como vimos, 1915 é um marco para o Modernismo
sons das máquinas e os ruídos das engrenagens são a português como o ano de lançamento da revista Orpheu,
trilha sonora dos poemas desse heterônimo, e a imitação divulgadora das novas concepções estéticas. Além de
desses sons (onomatopeia), muitas vezes, é explícita no Fernando Pessoa, outro nome importante no cenário da
próprio texto dos poemas. Os seus versos são enérgicos, literatura portuguesa desse período é Mário de Sá-Carneiro.
ricos em exclamações e interrogações. Nascido em Lisboa, Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)
A poesia de Álvaro de Campos pode ser dividida di- passa seus primeiros anos sob os cuidados dos avós, pois
daticamente em três fases (ou, mais corretamente, faces, perde a mãe aos 2 anos de idade, e seu pai, militar, segue
já que são coexistentes): a vida em inúmeras viagens.
Em 1911, matricula-se na faculdade de Direito, mas logo
se transfere para Paris em 1912, ano em que inicia sua vida
1a– fase literária. Em 1915, durante suas férias, retorna a Lisboa e se
DECADENTISTA junta ao grupo que lançou a revista Orpheu. Muito amigo
Expressa o tédio, o cansaço e a vontade de ter novas sensações. Essa fase de Fernando Pessoa, passa a se corresponder com ele
é a tradução da necessidade de se conhecer algum sentido para a vida. A
poesia é marcada pelo preciosismo formal e certo romantismo.
por cartas (entre Portugal e França), as quais se tornam
importantes instrumentos para a análise da obra de ambos
por críticos literários futuramente.
A vida em Paris o leva à boemia, e os rumos de sua vida
2a– fase são dramáticos: Mário de Sá-Carneiro sucumbe aos con-
FUTURISTA/SENSACIONISTA flitos sentimentais e financeiros, revela um intenso desejo
É nessa fase que o poeta celebra a máquina, principal símbolo da civiliza- de morte, dá indícios de um possível suicídio e o comete,
ção moderna. Seus poemas vêm exaltar a “beleza” da industrialização e do
progresso técnico. Formalmente, os versos são livres e há o uso intenso de
de fato, em 1916, na França, envenenando-se com alguns
exclamações e onomatopeias para representar o barulho das engrena- frascos de estricnina.
gens de uma máquina. Álvaro de Campos também apresenta uma faceta
sensacionista, mas se distingue da de Caeiro porque pretende “sentir tudo Sua obra foi marcada por uma busca de respostas sem
de todas as maneiras”; as sensações chegam excessivas, sem delicadeza – sentido, pela plenitude sensorial e pela tentativa de cap-
ele intelectualiza as sensações, pois conhece a complexidade da vida mo-
derna e citadina e, assim, busca sentir de todas as formas. tar o mundo através dos sentidos. A preocupação estética
do autor também incluía o cuidado de fazer da poesia um
lugar privilegiado para que ele abordasse as frustrações
consigo e com o mundo de maneira destemida, tratando
3a– fase da dificuldade do sujeito em se conhecer. A vida e a obra
PESSIMISTA/INTIMISTA do autor se confundem inextricavelmente, e o processo
A fase pessimista de Álvaro de Campos ocorre diante da incapacidade de
dessa dolorosa busca de identidade transparece tanto na
realizações na vida. Lê-se um eu lírico frustrado, cansado da tentativa de elaboração quanto na leitura de sua obra.
comunhão entre mundo interior e exterior. Aproximando-se de Fernando O teor das cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando
Pessoa ortônimo, revela ser nostálgico em relação à infância a dor de
pensar o corrói e o faz adentrar uma angústia existencial. Pessoa revela um sentimento de abandono, uma atitude
desesperada em relação à vida resultante de um estado
emocional sempre instável. A sua linguagem é marcada
pela ironia, pelo sarcasmo em relação a si próprio e por
Ode: composição poética que objetiva fazer uma homenagem.
certa violência verbal.

334 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Dispersão quem está caído no chão e morto é Ricardo, não Marta.
Além disso, o revólver está aos pés de Lúcio. Então, quem
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto, foi a vítima? Marta existia ou era uma projeção do fascínio
E hoje, quando me sinto, que Ricardo e Lúcio tinham um pelo outro? Assim, a obra
É com saudades de mim. funde magistralmente sonho e realidade.
[...] Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pra-
E sinto que a minha morte — tiquei e do qual, entanto, nunca me defendi, morto para a vida
Minha dispersão total — e para os sonhos… nada podendo já esperar e coisa alguma
Existe lá longe, ao norte, desejando — eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é,
Numa grande capital. demonstrar a minha inocência.
[...] [...]
Eu tenho pena de mim, Tínhamos chegado. Ricardo empurrou a porta brutalmente…
Pobre menino ideal... Em pé, ao fundo da casa, diante de uma janela, Marta
Que me faltou afinal? folheava um livro…
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!... A desventurada mal teve tempo para se voltar… Ricardo
[...] puxou de um revólver que trazia escondido no bolso do casaco
SÁ-CARNEIRO, Mário de. Dispersão. PAIXÃO, Fernando (Org.).
Poesias. São Paulo: Iluminuras, 2001. e, antes que eu pudesse esboçar um gesto, fazer um movimen-
to, desfechou-lho à queima-roupa…
Os versos do poema apresentado revelam, essencial- Marta tombou inanimada no solo… Eu não arredara pé
mente, as dúvidas e angústias em relação à vida e à dor de do limiar…
viver. Em “Dispersão”, o ato de dispersar-se evoca não só E então foi o mistério… o fantástico mistério da minha
o de não conseguir concentrar-se e encontrar sentido para vida…
os dias, mas também a profunda divisão interior resultante Ó assombro! ó quebranto! Quem jazia estiraçado junto
desse movimento. Tanto esse quanto os outros poemas do da janela, não era Marta – não! —, era o meu amigo, era
livro expressam a inadequação do eu lírico (e, arriscamos Ricardo… E aos meus pés – sim, aos meus pés! – caíra o seu
dizer, a inadequação do poeta) ao mundo e sua impossibi- revólver ainda fumegante!…
lidade de se reconciliar com a vida. Marta, essa desaparecera, evolara-se em silêncio, como
se extingue uma chama…
A confissão de Lúcio SÁ-CARNEIRO, Mário de. A confissão de Lúcio.
Rio de Janeiro: Ediouro, 1991.
Obra-prima de Mário de Sá-Carneiro, A confissão de
Lúcio é uma novela de 1914; portanto, anterior à publicação
da revista Orpheu e ao próprio Modernismo português. Fernando Pessoa revisitado: O ano
Com narração em primeira pessoa e cronologia inver- da morte de Ricardo Reis, de José
tida (do fim para o começo), o protagonista Lúcio começa
sua “confissão” em flashback para provar sua inocência Saramago
em um crime que afirma não ter cometido – o assassinato
do poeta Ricardo Loureiro, seu amigo íntimo. Durante a
narração dos fatos, as lembranças da personagem come-
çam a se confundir e, assim, paira uma forte atmosfera de
ambiguidade sobre todo o relato.
Um fato importante do enredo é a relação que existe
entre Lúcio, o amigo Ricardo e a esposa do amigo, Marta,
por quem Lúcio se apaixona e de quem se torna amante.
Esse triângulo amoroso seria como outros na literatura se
não houvesse a dúvida sobre a existência real de Marta,
já que a ambiguidade se instaura em vários elementos da
trama. Lúcio descobre que não é o único amante de Marta;
há outro, um artista russo que frequentava a residência do
casal. O narrador se enfurece e acaba rompendo a amiza-
de com o amigo Ricardo, porque achava que ele sabia do
adultério da esposa com o tal russo.
Um tempo depois, quando Lúcio e Ricardo se reencon-
FRENTE 2

tram, Ricardo reconhece o adultério da esposa e explica


que Marta foi o meio que lhe permitiu sentir verdadeiramen-
te a amizade entre os dois. Ricardo quer provar, de todas as
maneiras, sua afeição por Lúcio, e o ambíguo relato de um
mistério se efetiva: Ricardo leva Lúcio até sua casa, entra
no quarto de Marta e, supostamente, mata a mulher com
um tiro. Porém, nesse momento, será revelado ao leitor que

335
Em 1984, já rumo ao final do século XX – o qual portuguesa de dizer que o dito corpo não veste sobretudo nem
Pessoa e a geração Orpheu abriram de modo genial para a gabardina nem qualquer outra protecção contra o mau tem-
Literatura portuguesa –, o escritor José Saramago (1922-2010), po, nem sequer um chapéu para a cabeça, este tem só o fato
expoente da literatura contemporânea portuguesa, lançou um preto, jaquetão, colete e calça, camisa branca, preta também
intrigante romance, O ano da morte de Ricardo Reis, que relata gravata, e o sapato, e a meia, como se apresentaria quem esti-
o retorno de Ricardo Reis a Portugal, após seu exílio no Brasil. vesse de luto ou tivesse por ofício enterrar os outros. Olham-se
Saramago passou a ser conhecido pelo público em ambos com simpatia, vê-se que estão contentes por terem se
1980 com o seu primeiro grande romance, Levantado do reencontrado depois da longa ausência, e é Fernando Pessoa
chão, obra passível de associar ao Neorrealismo português. quem primeiro fala, Soube que foi me visitar, eu não estava,
Marcado pela denúncia da exploração e opressão às quais mas disseram-me quando cheguei, e Ricardo Reis respondeu
os latifundiários e as autoridades oficiais e clericais subme- assim, Pensei que estivesse, pensei que nunca saísse de lá.
tiam o povo português, o livro ganhou o Prêmio Cidade de SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis.
Alfragide: Leya, 1984.
Lisboa e inaugurou para a obra do autor uma importante
sequência de prêmios, que culminaria no recebimento do Saramago, em O ano da morte de Ricardo Reis, assim
Prêmio Camões de Literatura, em 1995, e, finalmente, o como Pessoa, parece querer nos dizer que a literatura é
mais importante, o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998. sempre o reino do improvável e daquilo que não pode ser
Curiosamente, suas obras seguintes, os romances Me- dito ou definido.
morial do convento, de 1982, e O ano da morte de Ricardo
Reis, deslocam-se da temática social mais direta e passeiam Saiba mais
de modo bastante peculiar e criativo pela história e cultura
de Portugal. No romance, o heterônimo Ricardo Reis é uma personagem de carne
Crítico por excelência, o escritor revela em suas obras e osso que viveu no Brasil. Quando o seu criador, Fernando Pessoa,
temas diversos e reflexões em torno da política (da mani- morre, Ricardo volta a Lisboa e convive por nove meses com o seu
pulação política, mais especificamente) e da participação “fantasma”, o que aproxima a obra do que a teoria literária denomina
das pessoas na construção da própria história. Sua escrita Realismo maravilhoso.
é inconfundível, porque subverte as regras de pontuação Teoricamente, a ideia do maravilhoso provém do insólito implicado
e o uso de sinais gráficos de diálogo. nesse tipo de quebra da ordem e do equilíbrio na narrativa e objetiva
fundir elementos irreais a situações corriqueiras e comuns, sem gerar
Leia, a seguir, um trecho extraído do romance O ano da
dúvida ou hesitação. No caso do romance de Saramago, mais impor-
morte de Ricardo Reis, obra que traz no enredo a relação tante que filiar a obra a esta ou àquela tendência literária, é perceber
que o heterônimo Ricardo Reis (o único sem data de mor- o quanto a rede de estranhamento posta pela mistura entre seres
te na obra pessoana) estabelece com o próprio Fernando ficcionais e seres “históricos”, criada pelo autor, recria e traz nova-
Pessoa já morto, ou seja, o “fantasma” dele. mente para a cena literária a própria abordagem aberta e complexa
do fenômeno literário que Fernando Pessoa propôs. Relembra-se não
[...] é então que Ricardo Reis repara que por baixo de
só da invenção dos heterônimos, mas também do curioso sistema de
sua porta passa uma réstia luminosa, [...], meteu a chave na relações, proximidades e diferenças entre eles, sobre o qual Pessoa
fechadura, abriu, sentado no sofá estava um homem, reco- escreveu diversos textos em prosa ensaística e cartas.
nheceu-o imediatamente apesar de não o ver há tantos anos,
e não pensou que fosse acontecimento irregular estar ali à sua
espera Fernando Pessoa, disse Olá, embora duvidasse de que É fácil perceber a utilização de períodos longos, a
ele lhe responderia, nem sempre o absurdo respeita a lógica, pontuação não convencional e os diálogos sem os usuais
mas o caso é que respondeu, disse Viva, e estendeu-lhe a mão, travessões, apenas encadeados às frases que os antece-
depois abraçaram-se, Então como tem passado, um deles fez
dem; o ponto final só é utilizado para marcar o fim de uma
a pergunta, ou ambos, não importa averiguar, considerando
cena. Aos olhos de leitores desavisados ou aos que não
a insignificância da frase. Ricardo Reis despiu a gabardina,
pousou o chapéu, arrumou cuidadosamente o guarda-chuva no
conhecem a linguagem de Saramago, essas intervenções
lavatório, se ainda pingasse lá estaria o oleado do chão mesmo autorais podem parecer incorretas, mas fazem parte de
assim certificou-se primeiro, apalpou a seda húmida, já não seu projeto literário. A sua intenção é que o texto passe
escorre, durante todo o caminho de regresso não chovera. Pu- a sensação do próprio fluxo de consciência, fazendo com
xou uma cadeira e sentou-se defronte do visitante, reparou que que o leitor chegue à dúvida sobre se o que foi lido é um
Fernando Pessoa estava em corpo bem feito, que é a maneira diálogo direto ou um pensamento.

336 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Revisando
Leia o poema “Autopsicograa”, de Fernando Pessoa, para responder às questões de 1 a 4.
Autopsicografia
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
PESSOA, Fernando. Cancioneiro. Lisboa: Atlântico Press, 2014.

1 “Autopsicografia” é um dos poemas mais conhecidos de Fernando Pessoa. Logo na primeira estrofe, o eu lírico fisga a
atenção do leitor ao jogar com as palavras “fingidor”, “fingir” e “dor”. Que tipo de mecanismo para criação poética está
apontado nesse jogo de palavras?

2 Sabemos que o prefixo “auto” significa por si mesmo. Já “psicografia” é um termo que se refere a um texto transcrito por
alguém e ditado por outrem já falecido. Interpretando coerentemente o poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa,
relacione o título dessa obra às esferas realidade/fingimento (ficção). ATENÇÃO: os poemas de Fernando Pessoa exi-
gem um leitor colaborativo, inventivo, capaz de fazer inferências no texto.

3 Quais seriam as duas dores referidas na segunda estrofe do poema?

4 Na terceira estrofe, o eu lírico, ao confrontar “razão” e “coração”, explicita o efeito da representação poética sobre o
leitor. Como isso ocorre?
FRENTE 2

337
Na imagem a seguir, estão representados três dos mais conhecidos heterônimos do escritor Fernando Pessoa: Alberto
Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Ao lado de cada heterônimo, estão reproduzidos versos atribuídos a eles.
Observe as imagens e leia atentamente os versos para responder às à questão 5.

Sê todo em cada coisa. Não posso querer ser


Põe quanto és nada.
No mínimo que fazes. À parte isso, tenho em
mim todos os sonhos do
mundo.

Eu não tenho
losoa: tenho
sentidos...

5 Relacione a imagem do heterônimo aos versos e caracterize brevemente cada um dos heterônimos criados por
Fernando Pessoa.

338 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Leia atentamente o trecho para responder às questões 6 e 7.
Sujeito em crise de identidade, poeta em crise de língua, gênio poético acuado num país que atravessara ele mesmo
uma crise política e econômica. Pessoa era demais.
Demais para seu país, que não sabia o que fazer daquele grande poeta épico, daquele “supra-Camões” advindo num
momento em que a glória das Navegações se perdia num passado longínquo. Demais para ele mesmo, na medida em que
esse “ele mesmo” tinha recebido uma educação aristocrática, moralista e traumatizante, e vivia numa pequena sociedade
repressiva, em que “o desacordo entre o intelectual e o meio atinge proporções desconhecidas em qualquer outro país do
mundo”.
[...]
Excessivo, Pessoa transbordou (“Transbordei, não fiz senão extravasar-me”). Transbordamento aterrorizante, que ele
tentava conter pelo recalque, pela ocultação, pela camuflagem. Tendo malogrado em todas as tentativas de contenção,
ele transbordou em poesia, e o transbordo poético arrastou o sujeito em seus turbilhões.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Fernando Pessoa, aquém do eu,
além do outro. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 15.

6 Como a existência dos heterônimos valida a afirmação de Leyla Perrone-Moisés de que “Pessoa transbordou”?

7 Camões foi um importante poeta português do período das Grandes Navegações. O que a autora do trecho apresen-
tado quis dizer ao chamar Fernando Pessoa de o “supra-Camões”?

8 O português José Saramago se destaca no cenário da literatura em língua portuguesa tanto por sua temática social,
sempre crítica e questionadora, quanto pelo uso do idioma, rompendo com as estruturas canônicas de construção
frasal. Leia a seguir um trecho do romance Ensaio sobre a cegueira (1995) e responda ao que se pede.
O semáforo já tinha mudado de cor, alguns transeuntes curiosos aproximavam-se do grupo, e os condutores lá de trás,
que não sabiam o que estava a acontecer, protestavam contra o que julgavam ser um acidente de trânsito vulgar, farol partido,
guarda-lamas amolgado, nada que justificasse a confusão, Chamem a polícia, gritavam, tirem daí essa lata. O cego implorava,
Por favor, alguém que me leve a casa. A mulher que falara de nervos foi de opinião que se devia chamar uma ambulância,
transportar o pobrezinho ao hospital, mas o cego disse que isso não, não queria tanto, só pedia que o encaminhassem até à
porta do prédio onde morava, Fica aqui muito perto, seria um grande favor que me faziam. E o carro, perguntou uma voz.
Outra voz respondeu, A chave está no sítio, põe-se em cima do passeio. Não é preciso, interveio uma terceira voz, eu tomo
conta do carro e acompanho este senhor a casa. Ouviram-se murmúrios de aprovação. O cego sentiu que o tomavam pelo
braço, Venha, venha comigo, dizia-lhe a mesma voz. Ajudaram-no a sentar-se no lugar ao lado do condutor, puseram-lhe
o cinto de segurança, Não vejo, não vejo, murmurava entre o choro, Diga-me onde mora, pediu o outro. Pelas janelas do
carro espreitavam caras vorazes, gulosas da novidade.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 23 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Explique, com argumentos concretos, por quais meios um leitor pode identicar o trecho apresentado como um texto
de Saramago.
FRENTE 2

339
Exercícios propostos
1 UFRGS 2017 Assinale a alternativa correta sobre Men- Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
sagem, de Fernando Pessoa. O mar universal e a saudade.
A Mensagem traz as marcas da vanguarda sensacio- Mas a chama, que a vida em nós criou,
nista, na medida em que busca articular a história Se ainda há vida ainda não é finda.
de Portugal ao mito, em um mesmo poema. O frio morto em cinzas a ocultou:
b A imagem do mar expressa simbolicamente a A mão do vento pode erguê-la ainda.
busca do infinito, que poderia apaziguar as almas
Dá o sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia –,
atormentadas de Fernando Pessoa e de seus he-
Com que a chama do esforço se remoça,
terônimos.
E outra vez conquistaremos a Distância –
 Fernando Pessoa, nessa obra publicada em vida,
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
deu voz a seus heterônimos para expor uma visão
PESSOA, Fernando. Mensagem, 1995.
poética e múltipla sobre a história portuguesa.
d Dom Sebastião é uma figura central para com- Extraído do livro Mensagem, o poema pode ser con-
preender Mensagem e a expectativa de uma siderado nacionalista, na medida em que o eu lírico:
possível redenção de Portugal. A apresenta Portugal como uma nação decadente, que
E Os heróis da navegação portuguesa, símbolos do não faz jus ao seu passado de heroísmo e glórias.
processo civilizacional, cristão, levado aos povos b inspira-se no passado de heroísmo do povo portu-
colonizados, são euforicamente celebrados em guês que, no presente, já não acredita na sua história.
Mensagem.  busca reviver o sonho de uma nação grandiosa, can-
tando um Portugal almejado por seus feitos gloriosos.
2 Uespi 2012 Sobre A Confissão de Lúcio, de Mário de d reconhece o desejo de o povo português glorificar
Sá-Carneiro, é correto afirmar: seus heróis, o que não foi possível até o seu presente.
A Ricardo de Loureiro, português assim como Lúcio, E descreve o Portugal de seu tempo como uma na-
era conhecido como o poeta das Brasas. ção gloriosa e marcada por histórias de heroísmo.
b No primeiro encontro entre Lúcio e Gervásio Vila-
-Nova, este lhe fala de uma nova escola literária: o Instrução: Para a próxima questão, marque V (verda-
“Banalismo”. deiro) ou F (falso).
 O principal traço psicológico de Gervásio Vila-Nova
5 UFPE 2014 Mensagem foi o único livro que Fernan-
era jamais falar da sua obra.
do Pessoa publicou em vida. Nele, estão reunidos
d Gervásio Vila-Nova é um personagem que se ca-
poemas de caráter nacionalista, que compõem uma
racteriza pelo intenso otimismo com a vida.
unidade significativa. Sobre essa obra e seu autor,
E Como escultor, a obra de Gervásio Vila-Nova se ca-
analise as afirmações a seguir.
racteriza por perseguir uma estética realista.
J 0-0 Mensagem é uma obra que trata do caráter
heroico do povo português e está composta
3 Uespi 2012 Mário de Sá-Carneiro, ao lado de Fernando em versos regulares. Dessa forma, é possível
Pessoa, Almada-Negreiros e Tomás de Almeida, entre
classificá-la como uma epopeia.
outros, fundou em 1915, em Portugal, a revista Orpheu.
J 1-1 Fernando Pessoa era adepto do sebastianismo e
Além de ser uma revista de princípios estetizantes e
evocou o rei D. Sebastião em seu livro, no afã de
esotéricos, qual outro traço programático se pode re-
transformar Portugal no Quinto Império, o que re-
conhecer nesta publicação?
vela o sentimento monárquico do poeta português.
A Os colaboradores da revista Orpheu perseguiam
J 2-2 Em Mensagem, Fernando Pessoa deixa claro
uma poesia realista e de cunho social.
seu nacionalismo fervoroso, pois acreditava que
b A busca por uma poesia científica terminou por
Portugal pudesse voltar a ser o grande império
caracterizar toda a produção poética da geração
de outrora, exercendo seu poder político-eco-
Orpheu.
nômico sobre o mundo.
 Há visivelmente nesta geração influências do hu-
J 3-3 “Mar Português” é um dos poemas presentes na
manismo e do racionalismo renascentista.
obra em análise. Nele, o poeta personifica o mar,
d A poesia veiculada pela revista Orpheu é alucina-
que há de reconhecer a disposição dos portu-
da, chocante e irreverente.
gueses para enfrentar todos os tipos de revezes,
E A geração Orpheu exalta o progresso de Portugal e
no ideal de conquistar as terras do além-mar.
defende apaixonadamente o seu regime monárquico.
J 4-4 Nos versos de Mensagem, pode-se perceber
que a Pátria é de natureza espiritual. Pessoa
4 Unifesp 2013 Leia o poema “Prece”, de Fernando Pessoa. procura fazer renascer Portugal através dos mi-
Senhor, a noite veio e a alma é vil. tos nacionais, particularmente o da Saudade,
Tanta foi a tormenta e a vontade! “sangue espiritual da Raça”.

340 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


6 UFGD 2014 Leia o poema de Fernando Pessoa, pre- bolso do casaco e, antes que eu pudesse esboçar um ges-
sente em Ficções do interlúdio: to, fazer um movimento, desfechou-lho à queima-roupa...
Marta tombou inanimada no solo... Eu não arredara
Sou um guardador de rebanhos. pé do limiar...
O rebanho é os meus pensamentos E então foi o mistério... o fantástico mistério da minha
E os meus pensamentos são todos sensações. vida...
Penso com os olhos e com os ouvidos Ó assombro! Ó quebranto! Quem jazia estiraçado
E com as mãos e os pés junto da janela, não era Marta – não! –, era o meu amigo,
E com o nariz e a boca. era Ricardo... E aos meus pés – sim, aos meus pés! – caíra
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la o seu revólver ainda fumegante!...
E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Marta, essa desaparecera, evolara-se em silêncio,
como se extingue uma chama...
Por isso quando num dia de calor
SÁ-CARNEIRO, Mário de. A confissão de Lúcio.
Me sinto triste de gozá-lo tanto, São Paulo: Princípio, 1994. p. 93-5.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes, Em A conssão de Lúcio, o narrador inicia a histó-
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, ria dizendo que escrevia o livro com o intuito de se
Sei a verdade e sou feliz. defender da acusação de assassinato que pesava
sobre ele.
A propósito do poema apresentado, é correto armar
que: A partir do texto, considere as armativas a seguir.
A O poema é de autoria do heterônimo Ricardo Reis, I. Lúcio tenta provar a sua inocência, revelando que
como provam a atitude contemplativa e as referên- a verdadeira assassina era Marta, cujo desapare-
cias a personagens da mitologia greco-latina. cimento fez recair a culpa sobre ele.
b O eu lírico defende que pensar e teorizar sobre a II. Lúcio envolve o leitor em uma aura de mistério,
realidade é melhor do que vivenciá-la e senti-la, já deixando em aberto o final da história, e indica
que seus “pensamentos são todos sensações”. uma possível relação homossexual entre ele e
 O poema é de autoria do heterônimo Alberto Ricardo.
Caeiro, autor de “O guardador de rebanhos”, e um III. O narrador desiste de provar a sua inocência e
entusiasta da modernidade e da tecnologia viven- confessa ter matado o amigo após uma violenta
ciadas nas grandes cidades. briga causada por ciúmes da amante.
d O poema é de autoria do heterônimo Álvaro de IV. O narrador acena com a possibilidade de Marta
Campos, autor da série “O guardador de reba- não existir fisicamente, sendo apenas uma proje-
nhos”, e defensor de uma reflexão metafísica sobre ção dos dois amigos.
a natureza. Assinale a alternativa correta.
E O eu lírico defende que é mais importante vivenciar A Somente as afirmativas I e II são corretas.
a natureza, através do culto dos sentidos, do que b Somente as afirmativas II e IV são corretas.
estabelecer um discurso racional sobre ela.  Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
7 UEL 2012 “Uma noite, porém, finalmente, uma noite E Somente as afirmativas I, III e IV são corretas.
fantástica de branca, triunfei! Achei-A... sim, criei-A!...
criei-A... Ela é só minha – entendes? – é só minha!...
8 Fuvest 2014 Considere o seguinte texto, para atender
Compreendemo-nos tanto, que Marta é como se fora a
ao que se pede:
minha própria alma. Pensamos da mesma maneira; igual-
mente sentimos. Somos nós-dois... Ah! e desde essa noite O orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso
eu soube, em glória soube, vibrar dentro de mim o teu próprio mérito; a vaidade, a consciência (certa ou errada)
afeto – retribuir-to: mandei-A ser tua! Mas, estreitando-te da evidência do nosso próprio mérito para os outros. Um
ela, era eu próprio quem te estreitava... Satisfiz a minha homem pode ser orgulhoso sem ser vaidoso, pode ser
ternura: Venci! E ao possuí-la, eu sentia, tinha nela, a ambas as coisas, vaidoso e orgulhoso, pode ser — pois
amizade que te devera dedicar – como os outros sentem tal é a natureza humana — vaidoso sem ser orgulhoso.
na alma as suas afeições. Na hora em que a achei – tu É difícil à primeira vista compreender como podemos ter
ouves? – foi como se a minha alma, sendo sexualizada, consciência da evidência do nosso mérito para os outros,
se tivesse materializado. E só com o espírito te possuí sem a consciência do nosso próprio mérito. Se a natureza
materialmente! Eis o meu triunfo... Triunfo inigualável! humana fosse racional, não haveria explicação alguma.
FRENTE 2

Grandioso segredo!...” [...] Contudo, o homem vive a princípio uma vida exterior, e
Tínhamos chegado. Ricardo empurrou a porta bru- mais tarde uma interior; a noção de efeito precede, na
talmente... evolução da mente, a noção de causa interior desse mes-
Em pé, ao fundo da casa, diante de uma janela, Marta mo efeito. O homem prefere ser exaltado por aquilo que
folheava um livro... não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a
A desventurada mal teve tempo para se voltar... vaidade em ação.
Ricardo puxou de um revólver que trazia escondido no Fernando Pessoa, Da literatura europeia.

341
a) Considerando-a no contexto em que ocorre, ex-  Como um ruído de chocalhos
plique a frase “o homem vive a princípio uma vida Para além da curva da estrada,
exterior, e mais tarde uma interior”. Os meus pensamentos são contentes.
) Reescreva a frase “O homem prefere ser exaltado Só tenho pena de saber que eles são contentes,
por aquilo que não é, a ser tido em menor conta Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
por aquilo que é”, substituindo por sinônimos as
Seriam alegres e contentes.
expressões sublinhadas.
d Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
9 Unicamp 2016 Leia o poema “Mar Português”, de Fer- Morre! Tudo é tão pouco!
nando Pessoa. Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
MAR PORTUGUÊS
E cala. O mais é nada.
Ó mar salgado, quanto do teu sal E Acima da verdade estão os deuses.
São lágrimas de Portugal! A nossa ciência é uma falhada cópia
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Da certeza com que eles
Quantos filhos em vão rezaram! Sabem que há o Universo.
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar! 11 Unesp 2018 Ricardo Reis é, assim, o heterônimo clássico,
ou melhor, neoclássico: sua visão da realidade deriva da
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Antiguidade greco-latina. Seus modelos de vida e de poe-
Se a alma não é pequena. sia, buscou-os na Grécia e em Roma.
Quem quer passar além do Bojador (Massaud Moisés. “Introdução”. In: Fernando Pessoa. O guardador de
Tem que passar além da dor. rebanhos e outros poemas, 1997.)
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Levando-se em consideração esse comentário, per-
Mas nele é que espelhou o céu.
tencem a Ricardo Reis, heterônimo de Fernando
Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/fpesso03.html.
Acesso em: 18 dez. 2017.
Pessoa (1888-1935), os versos:
A Nada perdeu a poesia. E agora há a mais as máquinas
No poema, a apóstrofe, uma gura de linguagem, indi- Com a sua poesia também, e todo o novo gênero
ca que o enunciador de vida
A convoca o mar a refletir sobre a história das nave- Comercial, mundana, intelectual, sentimental,
gações portuguesas. Que a era das máquinas veio trazer para as almas.
b apresenta o mar como responsável pelo sofrimen- b Súbita mão de algum fantasma oculto
to do povo português. Entre as dobras da noite e do meu sono
 revela ao mar sua crítica às ações portuguesas no Sacode-me e eu acordo, e no abandono
período das navegações. Da noite não enxergo gesto ou vulto.
d projeta no mar sua tristeza com as consequências  Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
das conquistas de Portugal. Sossegadamente temos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
10 Unesp 2017 Carpe diem: Esse conhecido lema, extraído
d À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da
das Odes do poeta latino Horácio (65 a.C.-8 a.C.), sinte-
fábrica
tiza expressivamente o seguinte motivo: saber aproveitar
Tenho febre e escrevo.
tudo o que se apresente de positivo (mesmo que pouco)
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
e transitório.
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos
Renzo Tosi. Dicionário de sentenças latinas e gregas, 2010. Adaptado.
antigos.
Das estrofes extraídas da produção poética de Fernando E O poeta é um fingidor.
Pessoa (1888-1935), aquela em que tal motivo se manifes- Finge tão completamente
ta mais explicitamente é: Que chega a ngir que é dor
A Nem sempre sou igual no que digo e escrevo. A dor que deveras sente.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol 12 PUC-SP
De que quando uma nuvem passa Sou um guardador de rebanhos.
Ou quando entra a noite O rebanho é os meus pensamentos
E as flores são cor da sombra. E os meus pensamentos são todos sensações.
b Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, Penso com os olhos e com os ouvidos
E deseja o destino que deseja; E com as mãos e os pés
Nem cumpre o que deseja, E com o nariz e a boca.
Nem deseja o que cumpre. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la

342 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Instrução: Para a próxima questão, marque V (verda-
Por isso quando num dia de calor deiro) ou F (falso).
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva, 14 UFPE 2012
E fecho os olhos quentes,
Texto 1
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Sei a verdade e sou feliz.
Tinha não sei qual guerra,
No poema de Alberto Caeiro: Quando a invasão ardia na Cidade
A a visão de mundo não se confunde com a sensa- E as mulheres gritavam,
ção de mundo. Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.
b a atividade mental é muito lúcida e extremamente
À sombra de ampla árvore fitavam
racional.
O tabuleiro antigo,
 o conhecimento da natureza e do mundo é obtido E, ao lado de cada um, esperando os seus
por meio dos sentidos. Momentos mais folgados,
d o entendimento da realidade resulta do exagerado Quando havia movido a pedra, e agora
racionalismo do eu lírico. Esperava o adversário.
E os termos “rebanho” e “pensamentos” se distan- Um púcaro com vinho refrescava
ciam por força da metáfora. Sobriamente a sua sede.
Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
13 UFSCar 2014 Leia o poema de Fernando Pessoa.
Violadas, as mulheres eram postas
Faróis distantes, Contra os muros caídos,
De luz subitamente tão acesa, Traspassadas de lanças, as crianças
De noite e ausência tão rapidamente volvida, Eram sangue nas ruas...
Na noite, no convés, que consequências aflitas! Mas onde estavam, perto da cidade,
Mágoa última dos despedidos, E longe do seu ruído,
Ficção de pensar… Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.
Faróis distantes… REIS, Ricardo.

Incerteza da vida… Texto 2


Voltou crescendo a luz acesa avançadamente, ...aos poucos as coisas perdem o seu contorno como
No acaso do olhar perdido… se estivessem cansadas de existir, será também o efeito
de uns olhos que se cansaram de as ver. Ricardo Reis
Faróis distantes… nunca se sentiu tão só. Dorme quase todo o dia, sobre a
A vida de nada serve… cama desmanchada, no sofá do escritório, chegou mesmo
Pensar na vida de nada serve… a adormecer na privada, aconteceu-lhe uma vez apenas,
Pensar de pensar na vida de nada serve… porque então acordara em sobressalto ao sonhar que podia
Vamos para longe e a luz que vem grande morrer ali, descomposto de roupas, um morto que não se
[vem menos grande. respeita não mereceu ter vivido.
SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis.

Faróis distantes… J 0-0 Escritor contemporâneo, partidário do comu-


Ficções do interlúdio. Poesias de Álvaro de Campos, 1995. nismo até a morte, José Saramago escreveu
É correto armar que o poema apresenta um tom de: romances históricos, como Memorial do con-
vento, mas também enveredou pela fantasia,
A indignação, e o eu lírico mostra-se inconformado
como em Ensaio sobre a cegueira.
diante da ambição dos navegadores portugueses,
J 1-1 Dos heterônimos pessoanos, o clássico Ricar-
simbolizados pelos “faróis distantes”.
do Reis era defensor da monarquia e escreveu
b desdém, e o eu lírico expressa seu desprezo pelas
poemas de índole pagã, pregando uma absolu-
pessoas que nunca vacilam, têm sempre certeza, a
ta indiferença ao mundo circundante.
qual é simbolizada pelos “faróis distantes”. J 2-2 Fernando Pessoa, que determinava o ano de
 melancolia, e o eu lírico parece encontrar-se desilu- nascimento e de morte de seus heterônimos,
FRENTE 2

dido diante do caráter incerto da vida, simbolizado apenas não determinou o fim de Ricardo Reis.
pelos “faróis distantes”. J 3-3 Saramago dedicou um importante romance a
d confiança, e o eu lírico sente-se tranquilo diante da Ricardo Reis, cuja ideologia era compartilhada
natureza, simbolizada pelos “faróis distantes”. pelo romancista português.
E esperança, e o eu lírico emprega um discurso afi- J 4-4 Saramago apropriou-se da criação pessoana
nado com a crença ingênua em um futuro melhor, o e aproveitou para decretar o seu fim, ridiculari-
qual é simbolizado pelos “faróis distantes”. zando-o em O ano da morte de Ricardo Reis.

343
Texto para a questão 15. e nesse momento percebemos que os soldados que nos
vigiavam tinham desaparecido, E saíram, Sim, Os vossos
O aspecto das ruas piorava a cada hora que ia pas-
soldados devem ter sido dos últimos a cegar, toda a gente
sando. O lixo parecia multiplicar-se durante as horas
está cega, Toda a gente, a cidade toda, o país,
nocturnas, era como se do exterior, de algum país des-
SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.
conhecido onde ainda houvesse uma vida normal, viesse
pela calada despejar aqui os contentores, não fosse estar- A cena retrata as experiências das personagens em
mos em terra de cegos veríamos avançar pelo meio desta um país atingido por uma epidemia. No diálogo, a vio-
branca escuridão as carroças e os caminhões fantasmas lação de determinadas regras de pontuação
carregados de detritos, sobras, destroços, depósitos quí- A revela uma incompatibilidade entre o sistema de
micos, cinzas, óleos queimados, ossos, garrafas, vísceras, pontuação convencional e a produção do gênero
pilhas cansadas, plásticos, montanhas de papel, só não romance.
nos trazem restos de comida, nem sequer umas cascas de b provoca uma leitura equivocada das frases interro-
frutos com que pudéssemos ir enganando a fome, à espera gativas e prejudica a verossimilhança.
daqueles dias melhores que sempre estão para chegar. A  singulariza o estilo do autor e auxilia na representa-
manhã vai ainda no princípio, mas o calor já se sente. ção do ambiente caótico.
O mau cheiro desprende-se da imensa lixeira como uma d representa uma exceção às regras do sistema de
nuvem de gás tóxicos, Não tarda que apareçam por aí pontuação canônica.
umas quantas epidemias, voltou a dizer o médico, não E colabora para a construção da identidade do narra-
escapará ninguém, estamos completamente indefesos [...]. dor pouco escolarizado.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira.

17 UFRGS 2015 Leia o poema a seguir, presente em O


15 UFU 2011 Sobre o trecho apresentado, assinale a alter- guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro, heterôni-
nativa correta. mo de Fernando Pessoa.
A A fala do médico, no fim do trecho, sintetiza a total Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no
descrença no ser humano transmitida pelo roman- [Universo....
ce de Saramago, uma vez que nele se demonstra a Por isso a minha aldeia é tão grande como outra
impossibilidade de a humanidade sobreviver a uma [terra qualquer,
situação catastrófica que viesse a demolir a socie- Porque eu sou do tamanho do que vejo
dade tal como a conhecemos. E não do tamanho da minha altura...
b Ao descrever o impacto que a produção indus- Nas cidades a vida é mais pequena
trial tem sobre o meio ambiente, o texto denuncia Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
a completa ineficácia do avanço científico para Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
construir uma sociedade melhor. Por isso, é correto Escondem o horizonte, empurram nosso olhar
afirmar que Ensaio sobre a cegueira vai contra a [para longe de todo o céu,
tecnologia e a ciência. Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que
 A cidade é apresentada como um espaço de [os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza
degradação de toda forma de vida, motivo pelo
é ver.
qual as personagens centrais pensam em fugir
para o campo, onde poderiam viver dignamente. Considere as seguintes armações sobre o poema.
Quanto a este aspecto, há uma idealização da na- I. Há uma oposição entre a aldeia e a cidade, e o
tureza que permeia todo o romance. sujeito lírico prefere a primeira.
d O texto baseia-se em dados científicos para II. Há, na cidade, a riqueza, as grandes construções
construir uma hipótese razoável sobre como se que ampliam a visão de horizonte do sujeito lírico.
comportaria uma sociedade tomada por uma ce- III. Há desarmonia entre o poema e o conjunto de
gueira repentina. Tal atitude investigativa se repete O guardador de rebanhos, pois o livro tematiza a
por todo o livro e é um dos aspectos que explicam euforia modernizadora.
sua qualidade de ensaio. Qual(is) está(ão) correta(s)?
A Apenas I.
16 Enem 2017 O homem disse, Está a chover, e depois, b Apenas II.
Quem é você, Não sou daqui, Anda à procura de comi-  Apenas I e II.
da, Sim, há quatro dias que não comemos, E como sabe d Apenas II e III.
que são quatro dias, É um cálculo, Está sozinha, Estou E I, II e III.
com o meu marido e uns companheiros, Quantos são,
Ao todo, sete, Se estão a pensar em ficar conosco, tirem 18 Uepa 2012 Como aludido, Ricardo Reis é um poeta doutri-
daí o sentido, já somos muitos, Só estamos de passagem, nário. Ele considera a existência humana um jogo em que,
Donde vêm, Estivemos internados desde que a ceguei- por definição, sairemos derrotados – o xeque-mate nos é
ra começou, Ah, sim, a quarentena, não serviu de nada, aplicado pelas mãos hábeis e insondáveis do Destino.
Por que diz isso, Deixaram-nos sair, Houve um incêndio OLIVEIRA, Paulo. In: Revista Discutindo Literatura. Ano 1. 2 ed.

344 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Segundo a citação anterior, Ricardo Reis – heterôni- Instrução: As questões 19 e 20 referem-se aos poe-
mo pagão de Fernando Pessoa – põe a existência mas de Fernando Pessoa.
humana nas mãos das forças irrevogáveis do Des-
tino. Há momentos que seus versos inamam-se 19 UFRGS 2018 Leia as seguintes afirmações sobre os
de tamanha consciência da brevidade da vida, que poemas “Autopsicografia” e “Isto”. ]
beiram a um pessimismo esnobe por considerar- I. Em ambos os poemas, são apresentados os prin-
-se único sabedor de que tudo passa. Deste modo cípios de Pessoa para a construção da poesia,
investe-se de certo didatismo e convida o leitor a constituindo-se como “arte poética”.
atentar para a consciência de que nada somos, de II. Nos dois poemas, não há referência à figura do
que nada sabemos. Com base na citação e na ar- leitor.
mação apresentadas, interprete os versos em que o III. Em ambos os poemas, o sujeito lírico admite
poeta, afastando-se dessa linha, propõe uma meta construir sua poética inventando e falseando.
apenas para si próprio.
Quais estão corretas?
A Ninguém, na vasta selva virgem
A Apenas II.
Do mundo inumerável, finalmente
b Apenas III.
Vê o Deus que conhece.
 Apenas I e II.
b Seja qual for o certo,
d Apenas I e III.
Mesmo para com esses
E I, II e III.
Que cremos sejam deuses, não sejamos
Inteiros numa fé talvez sem causa.
 Deixemos, Lídia, a ciência que não põe 20 UFRGS 2018 Assinale a alternativa correta sobre o poe-
Mais flores do que a Flora pelos mesmos campos ma VI, de Chuva oblíqua.
Nem dá de Apolo ao carro A O poema é escrito em versos brancos e livres,
Outro curso que Apolo. constituindo um exemplo do interseccionismo de
d Quero ignorado, e calmo Pessoa.
Por ignorado, e próprio b O poema apresenta a temática da infância como o
Por calmo encher meus dias. tempo da felicidade.
De não querer mais deles.  O sujeito lírico apresenta-se eufórico, festivo e
E Não te destines que não és futura. satisfeito.
Quem sabe se, entre a taça que esvazias, d O sujeito lírico recorda a infância em preto e branco.
E ela de novo enchida, não te há sorte E O sujeito lírico sente a multidão no teatro como a
Interpõe o abismo? possibilidade de encontrar a felicidade.

Texto complementar
As resenhas, muitas vezes, lançam luz sobre determinados textos e, A Princesa Adormecida,
por isso, oferecem importantes chaves para a interpretação das muitas se espera, dormindo espera.
obras que nos encantam. Leia a resenha do poema “Eros e Psique”, um Sonha em morte a sua vida,
dos mais famosos e enigmáticos do Cancioneiro de Fernando Pessoa.
e orna-lhe a fronte esquecida,
Eros e Psique verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
“… E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que
vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos sem saber que intuito tem,
foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que rompe o caminho fadado.
opostas, a mesma verdade. ” Ele dela é ignorado.
– Do Ritual do Grau de Mestre do Átrio da Ordem Ela para ele é ninguém.
Templária de Portugal
Mas cada um cumpre o Destino –
Conta a lenda que dormia ela dormindo encantada,
uma Princesa encantada ele buscando-a sem tino
a quem só despertaria pelo processo divino
um Infante, que viria
FRENTE 2

que faz existir a estrada.


de além do muro da estrada.

E, se bem que seja obscuro


Ele tinha que, tentado,
vencer o mal e o bem, tudo pela estrada fora,
antes que, já libertado, e falso, ele vem seguro,
deixasse o caminho errado e, vencendo estrada e muro,
por o que à Princesa vem. chega onde em sono ela mora.

345
E, inda tonto do que houvera, recebida pelo Adepto Menor. O Infante é “esforçado”,
à cabeça, em maresia, mas não sabe por que faz o que faz; o próprio “processo
ergue a mão, e encontra hera, divino” é obscuro, ainda que Pessoa o esteja descre-
e vê que ele mesmo era vendo naquele momento, em mais um dos paradoxos
a Princesa que dormia. do poema. Ao fim, ignorante do que faz, mas “esforça-
do” e “seguro”, Eros finalmente encontra Psique. Mais
No século XX, após todos os golpes que sofreu curioso ainda é que Eros leva a mão à própria cabeça,
Portugal, quando Os Lusíadas já eram relíquias da casa encontra a hera que cobre a “fronte esquecida” de Psi-
velha, Fernando Pessoa surgiu como a voz de um país que, mas… não levanta o último véu! Atendo-nos ao
marginal e subterrâneo, dirigindo-se ao único espaço texto do poema, é olhando para a hera e não para seu
onde se podia falar francamente: o da intimidade da rosto que Eros percebe que “ele mesmo era / a Princesa
consciência. Mesmo assim, a sua é uma consciência que dormia”, reforçando a tese de que estamos falando
conturbada, aprisionada, obscura, em que o sonhado ainda de uma suposta verdade intermediária, e não da
é confundido com o visto e o pensado com o vivido. verdade final da busca.
Ignorar é ser; saber é não ser, ou ser menos. Em Pessoa, Camões nos deixava perplexos por fazer ver um
ortônimo e heterônimos, encontramos sempre o desejo problema real; basta ler seus poemas com calma e
da pura espontaneidade, alheia a tudo e a todos; melhor atenção para que nos fique claro do que é que ele está
fulgurar um instante do que meditar por uma vida. Por falando. Pessoa opta pelas sete sílabas, ritmo embala-
isso mesmo esse falar francamente precisa ser de certo dor das cantigas, ao mesmo tempo em que entrecorta
modo encantatório, como se houvesse mais sinceridade a sintaxe com inversões na ordem habitual – como em
e comunicação na sugestão do que na apresentação de “orna-lhe a fronte esquecida, verde, uma grinalda de
teses claras. Não se trata de apresentar problemas, nem hera”, em que até parece que a fronte é que é verde –,
de descrever com clareza uma experiência paradoxal, quebrando expectativas e criando uma espécie de dis-
mas de colocar a incerteza no próprio texto do poema. sonância cognitiva. Tudo para mostrar que seu amador
A quantidade de vezes que “Eros e Psique” é apre- pode se transformar na coisa amada, mas é coisa amada
sentado como poema de amor mostra a força dessa sem saber, ou não é verdadeiramente amada, já que
sugestão e testemunha que a “música que se faz com as não é o verdadeiro término da busca. Mesmo enquanto
ideias” – e com as palavras – pode facilmente confundir etapa, ela não passa de uma princesa adormecida e
o intelecto. Mesmo assim, é curioso que, ainda que a alheia cujo rosto, ainda recoberto de hera, devolve a
epígrafe ocultista seja costumeiramente suprimida, não ignorância e a indiferença. Pessoa parece estar seguindo
se perceba, já no meio do poema, que “ela para ele é Camões à sua maneira ocultista e denunciando também
ninguém”, o que, mesmo não sendo dito em tom de que o amor não se encerra na imitação, que encontrar-se
desprezo, dificilmente sugere um enamoramento. Eros a si mesmo no outro pode parecer muito profundo, mas
segue por um “caminho errado” para chegar à Prince- sem dúvida não é suficiente – nem enquanto resultado
sa, e o faz antes de vencer o Bem e o Mal – ou seja, final, nem enquanto identidade em nenhum momento.
encontrá-la será apenas um passo intermediário. Não CÂMARA, Pedro Sette. Eros e Psique, de Fernando Pessoa. Dicta &
é à toa que a epígrafe nos informa que se trata da dife- Contradicta nº 1, 10 de junho de 2008.
Disponível em: <www.dicta.com.br/edicoes/edicao-1/eros-e-psique/>.
rença entre uma verdade recebida pelo neófito e outra Acesso em: 9 nov. 2017.

Resumindo
Neste capítulo, você viu...
O Modernismo em Portugal
y O Modernismo português, didaticamente, teve seu início com a publicação da revista Orpheu, em 1915.
y A Literatura portuguesa viveu três momentos bem delineados: a Geração Orpheu, a Geração Presença e o Neorrealismo.
y O Modernismo passou a ser considerado um movimento que visava, artisticamente, a romper com o Romantismo idealizante e os convencionalismos
linguísticos.
Autores de destaque
y Fernando Pessoa
É o grande nome do Modernismo português: apresenta-se sob a forma de Pessoa ortônimo, ou seja, ele-mesmo, e sob heterônimos, que são perso-
nalidades diferentes criadas para existirem de maneira independente. Os três principais heterônimos são: Alberto Caeiro (simples, campestre), Ricardo
Reis (neoclássico) e Álvaro de Campos (engenheiro de tendência futurista).
y Mário de Sá-Carneiro
Demonstra a angústia existencialista e aborda suas frustrações com o mundo e a dificuldade do sujeito em se conhecer.
y José Saramago
Nobel de Literatura em 1998, também se destaca em Portugal por falar dos anseios por solidariedade e da esperança em uma sociedade criticada
por ser hipócrita e indolente.

346 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Quer saber mais?
y Ensaio sobre a cegueira. Direção: Fernando Meirelles. Fox Film do
Sites Brasil, 2008, 1h58min.
y Neste link, conheça mais sobre a vida e a obra de Fernando Pessoa. O filme retrata a cegueira como a única forma de realmente enxer-
Disponível em: <http://p.p4ed.com/TCGOI>. gar a alma humana. É uma adaptação do livro homônimo de José
Saramago. Confira o trailer e leia mais sobre o filme na página da
Academia Brasileira de Cinema. Disponível em: <http://p.p4ed.com/
Filmes TVGOP>.
y (Vento lá fora) E a poesia de Fernando Pessoa. Direção: Marcio y A maior flor do mundo. Direção: Juan Pablo Etcheverry. Espanha,
Debellian. Biscoito Fino, 2014, 1h04min. 2006, 10 min.
Este documentário foi criado a partir da leitura dos poemas de Na animação, o próprio autor transforma-se em personagem e conta
Fernando Pessoa pela professora Cleonice Berardinelli (da Academia que sempre quis escrever um livro infantojuvenil sobre um menino
Brasileira de Letras), os quais foram declamados brilhantemente por Ma- que faz nascer a maior árvore do mundo. Disponível em: <https://
ria Bethânia. Veja o trailer, disponível em: <http://p.p4ed.com/TCGOO>. www.youtube.com/watch?v=YUJ7cDSuS1U>.

Exercícios complementares
1 Unesp 2014 Cancioneiro, do modernista português Fernando
Pessoa (1888-1935).
Ó mar salgado, quanto do teu sal
Velho Tema – 1
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Só a leve esperança, em toda a vida,
Quantos filhos em vão rezaram! Disfarça a pena de viver, mais nada;
Quantas noivas ficaram por casar Nem é mais a existência, resumida,
Para que fosses nosso, ó mar! Que uma grande esperança malograda.
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena. O eterno sonho da alma desterrada,
Quem quer passar além do Bojador Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
Tem que passar além da dor. É uma hora feliz, sempre adiada
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, E que não chega nunca em toda a vida.
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa. “Mar Português”. Essa felicidade que supomos,
Obra poética, 1960. Adaptado.
Árvore milagrosa, que sonhamos
Entre outros aspectos da expansão marítima portu- Toda arreada de dourados pomos,
guesa a partir do século XV, o poema menciona
a o sucesso da empreitada, que transformou Portugal Existe, sim: mas nós não a alcançamos
na principal potência europeia por quatro séculos. Porque está sempre apenas onde a pomos
b o reconhecimento do papel determinante da Coroa E nunca a pomos onde nós estamos.
no estímulo às navegações e no apoio financeiro Vicente de Carvalho. Poemas e Canções. 5 ed. São Paulo:
Monteiro Lobato & C. – Editores, 1923.
aos familiares dos navegadores.
c a crença religiosa como principal motor das navega-
ções, o que justifica o reconhecimento da grandeza
Cancioneiro, 150
da alma dos portugueses. Não sei se é sonho, se realidade,
d a percepção das perdas e dos ganhos individuais Se uma mistura de sonho e vida,
e coletivos provocados pelas navegações e pelos Aquela terra de suavidade
riscos que elas comportavam. Que na ilha extrema do sul se olvida.
e a dificuldade dos navegadores de reconhecer as É a que ansiamos. Ali, ali
FRENTE 2

diferenças entre os oceanos, que os levou a con- A vida é jovem e o amor sorri.
fundir a América com as Índias. Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Instrução: Utilize os textos a seguir para responder Sombra ou sossego deem aos crentes
às questões de 2 a 5 e tomam por base um soneto De que essa terra se pode ter.
do livro Poemas e Canções, do parnasiano brasilei- Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
ro Vicente de Carvalho (1866-1924), e um poema de Naquela terra, daquela vez.

347
Mas já sonhada se desvirtua, Tempo foi. Nem primeiro nem segundo
Só de pensá-la cansou pensar, Volveu do fim profundo
Sob os palmares, à luz da lua, Do mar ignoto à pátria por quem dera
Sente-se o frio de haver luar. O enigma que fizera.
Então o terceiro a El-Rei rogou
Ah, nessa terra também, também
Licença de os buscar, e El-Rei negou.
O mal não cessa, não dura o bem.
Não é com ilhas do fim do mundo,
Como a um cativo, o ouvem a passar
Nem com palmares de sonho ou não, Os servos do solar.
Que cura a alma seu mal profundo, E, quando o veem, veem a figura
Que o bem nos entra no coração. Da febre e da amargura,
É em nós que é tudo. É ali, ali, Com fixos olhos rasos de ânsia
Que a vida é jovem e o amor sorri. Fitando a proibida azul distância.
(30.08.1933)
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
Fernando Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro:
— O Poder e o Renome —
Aguilar Editora, 1965.
Ambos se foram pelo mar da idade
À tua eternidade;
2 Unesp 2011 Os poemas de Vicente de Carvalho e E com eles de nós se foi
Fernando Pessoa focalizam o tema da busca da fe- O que faz a alma poder ser de herói.
licidade pelo ser humano e se servem de antigas
alegorias para simbolizar o que seria essa felicidade Queremos ir buscá-los, desta vil
que todo homem procura em sua vida, embora nem Nossa prisão servil:
sempre a encontre. É a busca de quem somos, na distância
Identique essas alegorias em cada poema. De nós; e, em febre de ânsia,
A Deus as mãos alçamos.

3 Unesp 2011 A felicidade existe? – Como encontrar a fe- Mas Deus não dá licença que partamos.
licidade?
Considere as seguintes armações sobre o poema e
Estabeleça um paralelo entre as respostas que cada suas relações com o livro Mensagem.
um dos poemas apresenta a estas duas questões. I. As três primeiras estrofes estão relacionadas a um
episódio real: a história dos irmãos Gaspar e Miguel
4 Unesp 2011 Ah, nessa terra também, também / O mal não Corte Real que desapareceram em expedições ma-
cessa, não dura o bem. rítimas, no início do século XVI, para desespero do
terceiro irmão, Vasco, que queria procurá-los, mas
A capacidade de signicar muito com um discurso re-
não obteve a autorização do rei.
duzido, que é uma das características permanentes II. O sujeito lírico, na quarta e na quinta estrofes, assume
da poesia, pode fazer com que, por vezes, uma ou a primeira pessoa do plural, sugerindo que o drama
duas palavras recuperem todo um conteúdo não ne- individual dos irmãos pode representar um problema
cessariamente expresso no poema. Com base nesta coletivo: a perda de poder e renome de Portugal,
observação, descreva e explique o conteúdo refe- perda esta já associada à difícil situação do país no
renciado na terceira estrofe do poema de Fernando início do século XX, momento da escritura do poema.
Pessoa apenas pela palavra “também”. III. O diagnóstico das perdas de Portugal está ausen-
te em outros poemas de Mensagem, por exemplo,
5 Unesp 2011 Os dois poemas se identificam por empre- Mar português, Autopsicografia e Nevoeiro, que
gar mais de uma vez a palavra “sonho” com significado apresentam a visão eufórica e confiante do sujeito
equivalente. O que querem dizer ambos os eu líricos lírico em relação ao futuro de Portugal.
com essa palavra no contexto dos poemas? Qual(is) está(ão) correta(s)?
A Apenas I. d Apenas II e III.
6 UFRGS 2016 Leia o poema a seguir, presente em Men- b Apenas II. E I, II e III.
sagem, de Fernando Pessoa.  Apenas I e II.

Noite
7 UFRGS 2016 Assinale a alternativa correta a respeito da
A nau de um deles tinha-se perdido vida e da obra do poeta português Fernando Pessoa.
No mar indefinido. A Pessoa foi um dos líderes da revista de literatura
O segundo pediu licença ao Rei Orpheu, juntamente com Mário de Sá-Carneiro e
De, na fé e na lei Eça de Queiroz.
Da descoberta, ir em procura b A criação da revista de literatura Orpheu identifica Pessoa
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura. como um dos fundadores do Modernismo português.

348 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


 Pessoa foi responsável pelo espírito derrotista, em que J 0-0 O texto de Fernando Pessoa reflete sobre as
Portugal estava mergulhado no final do século XIX. várias formas que um “eu” pode assumir, ge-
d Os heterônimos de Pessoa, tais como Álvaro de rando diversas identidades. Com ele, podemos
Campos e Ricardo Reis, podem ser vistos como pseu- compreender melhor o projeto poético do autor
dônimos, utilizados pelo poeta para burlar a censura. português.
E A criação de heterônimos é uma prática comum J 1-1 No poema de Drummond, o sujeito poético
aos poetas colaboradores da revista Orpheu. questiona a própria identidade, através de uma
reflexão sobre o verbo “ser”, anunciado já no tí-
Instrução: Marque V (verdadeiro) ou F (falso). tulo. Os versos “Ser; pronunciado tão depressa,
e cabe tantas coisas? Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.”
8 UFPE 2013 Fernando Pessoa, considerado o maior demonstram a impossibilidade de se definir a
poeta do Modernismo português, produziu uma obra própria identidade de forma absoluta.
literária esteticamente variada. No Brasil, na mesma J 2-2 Em Pessoa, o sujeito do discurso, após vários
década em que morre Pessoa, Carlos Drummond de questionamentos, chega à conclusão de que
Andrade avulta como uma das principais expressões os “não-eus” são criações imaginárias de um
literárias nacionais. A produção de ambos apresen- “eu” verdadeiro. Contrariamente, o poema de
ta um forte questionamento existencial do homem Drummond nos faz ver que o “eu” se multiplica
diante do mundo, como se percebe nos dois textos a em diversos “eus”.
seguir. Leia-os e analise as afirmativas apresentadas. J 3-3 Tanto Pessoa quanto Drummond criaram heterô-
nimos, cujas produções poéticas tinham temas e
Texto I estilos bem distintos. Os dois textos em questão
Não sei quem sou, que alma tenho. são, respectivamente, uma espécie de explica-
ção dos vários heterônimos por eles inventados.
Não sei quem sou, que alma tenho.
J 4-4 Os dois poetas refletiram, cada qual a seu
Quando falo com sinceridade não sei com que since-
modo, sobre a impossibilidade de o homem se
ridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não
sei se existe (se é esses outros).
definir, com palavras, de forma única e absoluta.
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que A linguagem não consegue ter o alcance do
repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetua- sujeito em sua complexidade.
mente me aponta traições de alma a um carácter que
talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. 9 UFRGS 2017 Leia o poema abaixo, de Fernando Pessoa.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúme-
Pobre velha música!
ros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma Pobre velha música!
e está em todas. Não sei porque agrado,
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu Enche-se de lágrimas
sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em Meu olhar parado.
mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de
todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma Recordo outro ouvir-te.
suma de não-eus sintetizados num eu postiço. Não sei se te ouvi
PESSOA, Fernando. Nessa minha infância
Que me lembra em ti.
Texto II
Verbo Ser Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
Que vai ser quando crescer?
E eu era feliz? Não sei:
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
Fui-o outrora agora.
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou? Considere as seguintes armações sobre o poema.
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, I. O sujeito-lírico elege a “pobre velha música” para
corpo e jeito? expressar o desejo de recuperar a infância.
Ou a gente só principia a ser quando cresce? II. O verso final indica que a felicidade passada
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste? pode ser uma memória vivida no presente.
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
FRENTE 2

III. A musicalidade do poema, de métrica tradicional,


Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R. traduz uma luta contra a poesia moderna, através
Que vou ser quando crescer? da nostalgia presente em outros heterônimos.
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser. Quais estão corretas?
Vou crescer assim mesmo. A Apenas I. d Apenas II e III.
Sem ser Esquecer. b Apenas III. E I, II e III.
ANDRADE, Carlos Drummond de.  Apenas I e II.

349
Instrução: Marque V (verdadeiro) ou F (falso). 11 Unifesp 2015 Leia o poema de Ricardo Reis, heterôni-
mo de Fernando Pessoa.
10 UFPE 2013 Em O ano da morte de Ricardo Reis,
Saramago retoma trechos de poemas de Alberto Coroai-me de rosas,
Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, indo mais Coroai-me em verdade
além do próprio Fernando Pessoa. A partir da leitura De rosas –
dos fragmentos do romance de Saramago, analise Rosas que se apagam
as proposições a seguir. Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Fragmento I
Coroai-me de rosas
Aos deuses peço só que me concedam o nada lhes
E de folhas breves.
pedir [...].
E basta.
Fragmento II As múltiplas faces de Fernando Pessoa, 1995.
[...] este Tejo que não corre pela minha aldeia, o Tejo
O tema tratado no poema é a
que corre pela minha aldeia chama-se Douro, por isso,
 fugacidade do tempo, remetendo à ideia de brevi-
por não ter o mesmo nome, é que o Tejo não é mais belo
dade da vida.
que o rio que corre pela minha aldeia.
b busca pela simplicidade da vida, representada pela
Fragmento III natureza.
[...] não esquecer que todas as cartas de amor são c rapidez com que as relações verdadeiras come-
ridículas [...]. çam e terminam.
Fragmento IV d necessidade de se buscar a verdadeira razão para
[...] eu tenho sido cómico às criadas de hotel. uma vida plena.
 brevidade com que o verdadeiro amor perpassa a
Fragmento V vida das pessoas.
[...] sempre valeu a pena, seja a alma grande ou pe-
quena, como mais ou menos disse o outro [...].
12 Fuvest Entre os seguintes versos de Alberto Caeiro,
Saramago, José. O ano da morte de Ricardo Reis.
aqueles que, tomados em si mesmos, expressam
J 0-0 No primeiro fragmento, Saramago resgata um ponto de vista frontalmente contrário à orientação
poema do heterônimo de Fernando Pessoa, dominante que se manifesta em A rosa do povo, de
protagonista do romance em foco, no qual Carlos Drummond de Andrade, são os que estão em:
há uma boa dosagem de fantástico, pois é o  “Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o te-
relato dos encontros de Fernando Pessoa, já nho:/O valor está ali, nos meus versos.”
morto, com Ricardo Reis, único dos heterôni- b “Eu nunca daria um passo para alterar/Aquilo a que
mos que não tem a biografia concluída por chamam a injustiça do mundo.”
seu criador. c “Como o campo é grande e o amor pequeno!/Olho,
J 1-1 “Todas as cartas de amor são ridículas” é um e esqueço, como o mundo enterra e as árvores se
verso de Álvaro de Campos; sendo ele um poe- despem.”
ta clássico, epicurista, o sentimento amoroso d “Quando a erva crescer em cima da minha sepultu-
sempre vai lhe parecer inoportuno e ridículo. ra,/seja esse o sinal para me esquecerem de todo.”
J 2-2 No fragmento II, José Saramago retoma, atra-  “Quem me dera que eu fosse o pó da estrada/E
vés de um jogo de palavras, um poema de que os pés dos pobres me estivessem pisando...”
Alberto Caeiro, o qual exalta o rio de sua al-
deia, reconhecendo que o Rio Tejo é bonito, 13 Unesp 2017 Leia o poema “Sonetilho do falso Fernando
mas não mais do que aquele que corre pela Pessoa”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987),
sua aldeia. que integra o livro Claro enigma, publicado em 1951.
J 3-3 No fragmento IV, as irreverências do heterôni-
Onde nasci, morri.
mo Álvaro de Campos, engenheiro nauta que Onde morri, existo.
cultua a era da mecânica, refletem também E das peles que visto
o tédio profundo resultante da inadaptação à muitas há que não vi.
sociedade contemporânea.
J 4-4 O quinto fragmento resgata o poema “Mar Sem mim como sem ti
Português”. Nele, Pessoa questiona se valeu posso durar. Desisto
a pena o sacrifício da nação portuguesa, para de tudo quanto é misto
conquistar os mares. e que odiei ou senti.

350 LÍNGU PORTUGUS Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Nem Fausto1 nem Mefisto2, Nas cidades a vida é mais pequena
à deusa que se ri Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
deste nosso oaristo3 , Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para
eis-me a dizer: assisto longe de todo o céu,
além, nenhum, aqui, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nos-
mas não sou eu, nem isto. sos olhos nos podem dar,
(Claro enigma, 2012.) E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza
é ver.
1Fausto: personagem alemão que fez um pacto com PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro:
o diabo. Editora Nova Aguilar, 1983, p. 142.
2 Mesto: personagem alemão considerado a personi-
a) Explique a oposição estabelecida entre a aldeia
cação do diabo.
3 oaristo: conversa carinhosa e familiar.
e a cidade.
) De que maneira o uso do verso livre reforça essa
Carlos Drummond de Andrade intitulou seu poema de oposição?
“Sonetilho do falso Fernando Pessoa”. Por que razão Texto para a questão 16.
o poeta refere-se a seu poema como “sonetilho”?
Transcreva um verso em que a referência aos hete- Mar Português
rônimos do escritor português Fernando Pessoa se Ó mar salgado, quanto do teu sal
mostra evidente. Justique sua resposta. São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
14 PUC-SP Leia o poema a seguir, de Alberto Caeiro, e Quantos filhos em vão rezaram!
indique a alternativa que estabelece conexão entre o Quantas noivas ficaram por casar
poeta e o texto. Para que fosses nosso, ó mar!

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Mas porque a amo, e amo-a por isso, Tem que passar além da dor.
Porque quem ama nunca sabe o que ama Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar... 16 Mackenzie 2017 Assinale a alternativa INORRETA so-
A Médico e estudioso da cultura clássica, desenvolve bre Fernando Pessoa e sua obra.
em seus poemas temas mitológicos, em composi- A Dos três heterônimos, Álvaro de Campos é o mais
ções denominadas odes. afinado com a tendência modernista, particular-
b Poeta bucólico, vive em contato direto com a natu- mente com o Futurismo. (William Roberto Cereja e
reza; daí sua lógica ser a mesma da ordem natural. Thereza Cochar Magalhães)
 Como engenheiro do século XX e poeta futurista, b [...] já iniciou comungando com a estética do mo-
os temas de sua obra estão voltados para as fábri- vimento: desde o princípio buscou a perfeição
cas, a energia elétrica, as máquinas e a velocidade. formal. Tinha a preocupação de escrever versos
d Apresenta um conceito direto das coisas, um ob- alexandrinos e concluir com “chave de ouro”. (José
jetivismo absoluto, apesar de a sensação não se de Nicola)
 O poeta finge-se outros para sentir, descrever ou
manifestar em seus poemas.
interpretar o mundo de diversas maneiras, que se
E Cultor do paganismo, foi mestre apenas de Fernando
revelam no plano da expressão e no plano do con-
Pessoa e manteve-se distanciado dos demais
teúdo. (Mariella Augusta Pereira)
heterônimos.
d As características predominantes de sua obra são
o nacionalismo místico, presente principalmente
15 Unicamp O poema a seguir pertence a O Guardador em Mensagem, as sondagens sobre o ser, a busca
FRENTE 2

de Rebanhos, de Alberto Caeiro: incessante pelo (auto)conhecimento e a tentativa


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no de compreensão sobre o fazer poético. (Rogério
Universo... de Almeida)
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra E [...] em sua obra, a heteronímia é apresentada de
qualquer uma maneira tão particular, de tal forma unida à dita
Porque eu sou do tamanho do que vejo ortônima, que hoje é impossível falar de uma sem a
E não do tamanho da minha altura... outra. (Lisa Carvalho Vasconcellos)

351
17 UFPA 2013 A viagem do elefante, de José Saramago, A “Estive a pensar, (disse o rei) acho que deveria ir
narra a viagem, de Lisboa até Viena, de um elefante ver Salomão [...]. Sendo cinco horas, quero quatro
asiático (ao qual José Saramago chamou Salomão), cavalos à porta do palácio, recomende que aquele
presente de D. João III a seu primo Maximiliano II, ar- que montarei seja grande, gordo e manso, nunca
quiduque da Áustria. O tempo da narrativa é o século fui de cavalgadas, e agora ainda menos, com esta
XVI e a obra enfatiza, entre outras coisas, contradições idade e os achaques que ela trouxe.” (p. 16-18)
e fraquezas humanas encarnadas pelos personagens b “Só partiram passadas as cinco horas e meia por-
e criticadas pelo narrador. que a rainha, ao saber da excursão que se estava
A rainha bisbilhava uma oração, principiara já ou- preparando, declarou que também queria ir. Foi
tra, quando de repente se interrompeu e gritou, Temos o difícil convencê-la de que não tinha qualquer sen-
Salomão, Quê, perguntou o rei, perplexo, sem perceber tido fazer sair um coche só para ir a Belém, que
a intempestiva invocação ao rei de judá, Sim, senhor, Sa- era onde havia sido levantado o cercado para
lomão o elefante, E para que quero eu aqui o elefante, Salomão. E certamente, senhora, não quererá ir a
perguntou o rei já algo abespinhado, Para o presente, se- cavalo, disse o rei [...]. ” (p. 18)
nhor, para o presente de casamento, respondeu a rainha,  “A rainha acatou a mal disfarçada proibição e re-
pondo-se de pé, eufórica, excitadíssima, Não é presente tirou-se, murmurando que Salomão não tinha, em
de casamento, Dá o mesmo. O rei acenou com a cabeça todo o portugal, e mesmo em todo o universo mun-
lentamente três vezes seguidas, fez uma pausa e acenou
do, quem mais lhe quisesse. [...] catarina de Áustria
outras três vezes, ao fim das quais admitiu, Parece-me
exibia agora assomos de paladino arrependimento
uma ideia interessante, É mais do que interessante, é uma
ideia boa, é uma ideia excelente, retrucou a rainha com
que quase a tinham levado a desafiar, pelo menos
um gesto de impaciência, quase de insubordinação, que nas formas, a autoridade de seu senhor, marido e
não foi capaz de reprimir, há mais de dois anos que esse rei”. (p. 18)
animal veio da índia, e desde então não tem feito outra d “Se o arquiduque aceitar o elefante, o problema re-
coisa que não seja comer e dormir a dorna da água sempre solver-se-á por si mesmo, ou melhor, resolvê-lo-á a
cheia, forragens aos montões, é como se estivéssemos a viagem para Viena, e, se não o aceitar, então será o
sustentar uma besta à argola, e sem esperança de pago caso para dizer, uma vez mais, com a milenária ex-
[...], então que vá para viena. periência dos povos, que, apesar das decepções,
SARAMAGO, José. A viagem do elefante. São Paulo: frustrações e desenganos que são o pão de cada
Companhia das Letras, 2008, p. 13.
dia dos homens e dos elefantes, a vida continua.
bisbilhava: murmurava; Salomão não tem nenhuma ideia do que o espera”.
abespinhado: zangado, irritado, agastado (p. 19)
Dos fragmentos a seguir, extraídos da obra de José E “O elefante morreu [...] no último mês de mil qui-
Saramago, apenas um expõe os sentimentos contra- nhentos e cinquenta e três. A causa da morte
ditórios da esposa de Dom João III, rei de Portugal e não chegou a ser conhecida, ainda não era tem-
dos Algarves, dona Catarina D’Áustria, em relação ao po de análises de sangue, radiografias do tórax,
“magníco exemplar de elefante asiático” oferecido endoscopias, ressonâncias magnéticas e outras
como presente de casamento ao arquiduque austría- observações que hoje são o pão de cada dia para
co Maximiliano II. os humanos, não tanto para os animais, que sim-
O fragmento em que se expõe esses sentimentos da plesmente morrem sem uma enfermeira que lhes
rainha é: ponha a mão na testa”.

352 LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 11 Modernismo em Portugal: o começo


Gabarito
15. E 22.
Frente 1
16. a) Trata-se do campo semântico dos medi-
Capítulo 6 – Sintaxe e a) ação de caminhar, predicado verbal; camentos.
semântica, tipos de predicado b) sinônimo de estar, predicado nominal; b) Ele fala da “medicalização” do mundo
moderno, por meio da criação de pala-
c) sinônimo de ter (auxiliar: tem fumado), vras que lembram os nomes de diversos
Revisando
predicado verbal. remédios.
1. Em a, temos verbo transitivo direto e
17. D 23. C
objeto direto; em b, temos verbo in-
transitivo e adjunto adverbial; mas em 18. B
ambos temos predicado verbal. 19. A
Capítulo 7 – A palavra “se”
2. A enunciação emprega verbos transiti- 20. A topicalização do objeto indireto.
vos e intransitivos, pois denotam ação, Revisando
característica da dança. Exercícios complementares 1. Trata-se da condição.
3. Há os verbos de ação física e os verbos 1. A falta do adjunto adnominal que es- 2. Trata-se do índice de indeterminação do
de ação mental. Os verbos de ação físi- pecifique o termo “salários” cria uma sujeito, o “se” indetermina a ação de ar-
ca, como “dance”, “entre”, “abra”, “solte”, ambiguidade: salário de quem? Dos ser- gumentar.
“caia” estão ligados mais ao corpo; ver- vidores ou dos políticos pertencentes à
3. O sujeito não seria mais “selos antigos”,
bos como “sente”, “sofre” remetem mais nova administração?
mas indeterminado.
aos efeitos psicológicos da dança.
2. Processo contra Motta: Motta é o calu- 4. Sabe-se que o país está melhorando,
4. Há várias passagens: “Abra suas asas/ niador; calúnia contra Motta: Motta foi é o esforço político, conjugado com a
Solte suas feras/Caia na gandaia/Seu caluniado. vontade popular, que fará a nação evo-
sonho mais louco”.
3. Nas duas orações, a estrutura sintática é luir muito mais; percebe-se nitidamente
5. A aliteração do fonema l cria um efeito a mesma: sujeito, verbo e complemento. que o povo está mais cônscio dos seus
de leveza que se liga à ideia de liber- deveres e direitos.
4. A
dade associada à dança pela própria
5. O termo “com cerimonial de chefe de 5. Como se trata de boato, há uma im-
enunciação (“abra suas asas”).
estado” pode estar ligado ao verbo precisão, isso faz com que os falantes
6. O ritmo pressupõe repetição; na dança, empreguem a indeterminação do sujeito.
há a melodia e a expressão corporal; em “regressou” ou à expressão “cirurgia
cardíaca”. 6. Enfatiza-se o estado de alegria e tristeza.
ambos, a repetição existe. Além disso, a
reiteração do verbo dançar visa conven- 6. A 9. D 7. O emprego do sujeito indeterminado
cer o interlocutor a praticar esta arte. visa à rapidez da comunicação, pois
7. E 10. E
a frase em que é empregado é o cha-
7. Não, para o autor o importante é dançar, 8. D 11. D mado principal do anúncio e com maior
bem ou mal, sem parar. destaque. Se o leitor interessar-se, lerá o
12. 2.2
8. Trata-se do predicado nominal, sua fun- Ênfase para Roma: restante do anúncio e saberá quem é
ção é informar, revelar algo novo. Murilo Mendes, que nasceu em Juiz de o anunciante. O uso do se é marca de
9. Trata-se da seguinte passagem: “a Fora e teve seu centenário de nascimen- concisão e impessoalidade.
campeã europeia torna-se agora cam- to comemorado neste 2001, viveu muitos 8. Não se sabe se a ideia é de reflexivida-
peã mundial”; temos uma mudança de anos em Roma. de ou de reciprocidade... coçavam a si
estado. 2.3 mesmos/ ... coçavam um ao outro.
10. Ênfase para o centenário: 9. Nos dois casos, temos a estrutura de
a) É ambígua, “rápida e entrosada” pode Murilo Mendes, que nasceu em Juiz de voz passiva sintética.
referir-se à “Espanha” ou à “copa”. O fator Fora e viveu muitos anos em Roma, teve 10. O sujeito não é mais humano, mas um
responsável foi a ordem das palavras. seu centenário de nascimento comemo- objeto, casa, ou outro ser qualquer, que
rado neste 2001. não seja o ser humano.
b) Entrosada e rápida, Espanha ganha copa.
13. E 16. B
Exercícios propostos 14. A 17. D Exercícios propostos
1. D 8. C 15. A 18. D 1.
2. B 9. B 19. a) Em “Procura-se engenheiro de minas...”,
o sujeito é “engenheiro de minas”, tra-
3. D 10. A a) Passa a variante geográfica do interior.
ta-se de passiva sintética. Em “Paga-se
4. C 11. C b) Predomínio da coordenação. bem”, o sujeito é indeterminado, há o ín-
5. A 12. D 20. dice de indeterminação do sujeito (“se”).
6. A 13. B a) Trata-se do pronome demonstrativo de b) O objetivo é empregar estruturas rá-
terceira pessoa “aquilo”, o qual faz refe- pidas, enxutas, pois casa letra tem seu
7. D
rência a parte do esgoto, metáfora do preço; portanto, o objetivo é a concisão.
14. 1a interpretação: o filho já era problemá-
Sistema de Saúde em nosso país. 2. A 3. B 4. C
tico (qualidade velha); “problemático”
b) A carga é negativa, pois o esgoto é me- 5. O pronome “os” está no lugar de “votos
é adjunto adnominal, e o predicado é
táfora (comparação implícita) do Sistema e sentenças” em uma estrutura de voz
verbal. passiva sintética (por mais que os votos
2a interpretação: o filho ficou problemá- de Saúde; a comparação deixa implícita
e as sentenças sejam vistos). Ocorre que
tico por causa da mãe (qualidade nova); a ideia de que esse sistema está em pés-
não é possível utilizar esse pronome,
“problemático” é predicativo do objeto, simas condições. pois a função é de sujeito. O pronome
e o predicado é verbo-nominal. 21. C “os” funciona como objeto.

353
6. D Inaceitável é o comentário, segundo o Exercícios propostos
7. O sujeito é a autoridade (elíptico) do qual o erro que o título traz é de nature- 1. C
mestre: vê-se a autoridade do mestre za ortográfica. Trata-se, na verdade, de
substituída [...] (trata-se de uma voz pas- um erro sintático, mais precisamente, 2. O “se” pode ser recíproco ou reflexivo.
siva sintética). de um erro de concordância verbal. 3. B 4. D
8. No caso, como o se é pronome apas- 5. A frase é ambígua, “ela” pode recuperar
a) Partícula de realce. sivador, o sujeito da oração é moças, e “mãe” ou “filha”. O pronome “ela” pode
b) Índice de indeterminação do sujeito. o verbo deve, portanto, ir para o plural: ser substituído por demonstrativos (esta,
c) Partícula de realce. alugam-se moças equivale a moças são aquela) ou por um sinônimo de “filha”: a
alugadas. “garota”, por exemplo.
d) Partícula apassivadora.
Quanto à expressão “um dos maiores
e) Partícula apassivadora. 6. E
erros”, convém observar que toda men-
f) Partícula apassivadora. suração comparativa de erros é, no 7. E
g) Partícula de realce. mínimo, discutível, sejam eles de que 8. mim, eu
h) Índice de indeterminação do sujeito. natureza forem. 9. B
9. b) Em caso de dúvida, aceite ajuda somen-
10.
a) Índice de indeterminação do sujeito. te de funcionário do banco.
a) o
b) Partícula apassivadora. 9. C
c) Pronome reflexivo. b) lhe
10. No último, a palavra “se” vem enclítica a
d) Pronome reflexivo. uma interjeição. 11. A
10. D 11. Contribui para a sonoridade do poema e 12. D
11. Simão Bacamarte e um modesto, res- realça a ação do verbo. 13. A
pectivamente. 12. Trata-se de um paradoxo, o fato de vomi- 14. O barbeiro não parou de falar, enquanto
12. A tar algo que não fora ingerido. cortava-me os cabelos.
13. A 13. Partícula de realce. 15.
14. C 14. D a) E como sempre teve a intenção de
15. No Brasil, fala-se de corrupção de juízes. possuir as terras de São Bernardo, consi-
16. derou legítimas as ações que o levaram a
Capítulo 8 – Sintaxe dos obtê-las.
a) Não, pois “passes” é o sujeito da frase.
b) O valor implícito em 20% é ambíguo:
pronomes b) Que: ações; me: o narrador; las: as terras.
20% a menos do valor do passe (se o 16. D 18. B
Revisando
passe custa dois reais, paga-se 1,80), ou 17. A 19. A
1. Trata-se do pronome “me”, refere-se ao
20% do valor do passe (se dois reais, pa-
eu lírico. 20.
gam-se vinte centavos).
2. O pronome pessoal do caso reto “eu” a) Primeira ocorrência: pronome “ele” (que,
17. Deitei-me...
exerce a função de sujeito da oração, por sua vez, retoma “poeta”). Segunda
18. Partícula apassivadora.
daí seu emprego. ocorrência: “a beleza do rosto e do cor-
19. Reflexivo (suicídio); partícula apassiva- po humanos”.
3. O pronome “meu” pode remeter ao fato
dora (foi assassinado); índice de inde-
terminação do sujeito (há mortes, mas de que a pessoa amada pertence ao eu b) O pensamento de que toda aquela
não se sabe quem mata). lírico, ou ao fato de que o eu lírico é um beleza estava condenada à extinção in-
20. Não há passiva para verbos transitivos apaixonado por pronomes possessivos, comodava-o.
indiretos, como “assistir” na acepção de por exemplo, o “meu”. 21. (1) Sentia o peso rico da seda azul-celes-
ver. Correção: A partida foi vista...Cerca 4. Refere-se ao eu lírico e a quem usa a te. (2) Ela, Amélia, parecia ser uma santa
de vinte mil assistiram à partida... língua. no andor. (3) Uma onda de sangue escal-
21. B 5. O objeto do amar costuma ser a se- dou o rosto de Amélia. (4) Tira o manto
gunda pessoa “te” ou a terceira “você”; de mim.
Exercícios complementares contudo temos a primeira pessoa “me”;
1. D 2. E 3. B 4. B trata-se de uma declaração de amor do Exercícios complementares
5. eu lírico para ele mesmo. 1. C 3. C 5. B
a) Se eu não estivesse atento e não tivesse 6. Eu a amo ou Eu o amo. 2. E 4. E
olhado o rótulo, o paciente teria morrido. 7. “Encontrar-me foi difícil para mim”. O 6. Nota-se que...
sujeito de “foi” é “encontrar-me” (sujei-
b) Ambientalistas defendem a econologia, 7. Nós nos olhamos, mas não o reconheci.
to oracional). A expressão “para mim” é
combinação de princípios da economia, Deixei-o sair e fiquei pensando. Nós nos
complemento nominal de “difícil”.
sociologia e ecologia, como maneira de enganamos com as aparências [...].
viabilizar formas alternativas de desen- 8. Não vou deixar-me fugir de mim.
8. A
volvimento. 9. Sim, pois a letra é irreverente e possui
o traço do humor; a paródia às canções 9. Soma: 01 + 04 + 08 + 16 = 29
6. D
românticas faz com que se ressalte o 10. O emprego do pronome do caso reto na
7. O se pode ser partícula apassivadora pronome pessoal do caso reto “eu”, ex- função de objeto é coloquial e denota
(gente nunca é vista) ou pronome recí- pressão máxima do lirismo em termos intimidade. Em linguagem culta, não se
proco (um não vê o outro). de pronome. A linguagem coloquial utiliza esse pronome na função de ob-
8. está, pois, em harmonia com o contexto jeto direto.
a) Não há dúvida de que a correção feita e com as intenções da enunciação. 11. Eu juro isso (o = não te esquecer) a você
pelo jornal é perfeitamente justificável 10. O pronome “me” indica o interesse do (te); trata-se sintaticamente de um objeto
do ponto de vista gramatical. A frase pai em relação à compra; trata-se do direto (o) e um objeto indireto (te) numa
correta é, de fato, “Alugam-se moças”. pronome de interesse (assim chamado). só palavra (to).

354 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


12. eu, mim Exercícios propostos 3.
13. 1. B a) Às vezes tenho a impressão de que to-
a) O enunciador utiliza a terceira pessoa dos me olham e de que me querem tirar
2. A
a alma.”
no lugar da primeira, criando um efeito 3. D
de distanciamento e respeitabilidade. b) A subordinada exerce o papel de
4. B complemento nominal, o qual é prepo-
b) “Vivi”, “tá”, “superanimada”, “você”.
5. D sicionado.
14. B 4.
6. B
15. Na letra de Chico Buarque, a personagem a) Todos pediram a tua colaboração.
7. A
feminina faz referência ao ex-compa-
8. D b) É preciso cortar as verbas exorbitantes
nheiro com a forma de tratamento você.
no Senado.
Sabe-se que, embora do ponto de vista 9.
gramatical, essa forma de tratamento se 5.
a) mas
comporte como terceira pessoa, na in- a) Os conectivos “pois” e “porque”.
b) ou
terlocução, o tratamento você indica a b) Trata-se do sujeito, no caso sujeito ora-
segunda pessoa, ou seja, a pessoa com 10. D cional, oração subordinada substantiva
quem se fala. Coerentemente, todos os 11. B subjetiva.
verbos que têm o você como sujeito 6.
12. D
estão na terceira pessoa do singular (dei- a) Sim, pois a oração passaria a ter o se-
xou, disse, quiser rever, pode crer, faz...). 13. A
guinte sentido: todos os homens voam e
Mas, curiosamente, o eu lírico não faz uso 14. A todos são pássaros.
dos pronomes pessoais átonos (o, lhe) 15. E b) Homens voadores são pássaros.
como anafóricos de você, reiterando este
16. C 7.
pronome de tratamento ao longo de todo
o texto. Apenas uma vez, e corretamente, 17. C a) Trata-se da passagem “que estava em
faz-se uso do possessivo sua relaciona- 18. E Paris”.
do ao você. 19. B b) ...a qual/o qual...
16. 20. A 8.
a) A personagem de óculos usa o “te”, 21. D a) ...de que gostava...
pronome oblíquo átono de segunda b) O conectivo que retoma “bar”.
22. A
pessoa; todavia, também emprega a ter- 9.
ceira pessoa para o verbo “estar” (você) 23. A
a) Trata-se da passagem “..., que possuem
e para o pronome possessivo (seu). 24. E
má distribuição de renda,...”. As vírgulas
b) Eu o demiti primeiro. generalizam, afirma-se que todos os paí-
Exercícios complementares
17. B ses da América possuem má distribuição
1. B 3. A 5. C de renda.
18. B
2. B 4. B b) Respectivamente, temos: “países”,
19. A
6. [...] perigosamente, por isso (logo) o de- “povo”, “comércio” e “indústria”.
20. A sequilíbrio ecológico se instala. 10.
7. C 9. E 11. D a) Conhecemos o coronel de cujo filho fa-
Capítulo 9 – Período 8. C 10. A 12. E lávamos.
b) No Rio de Janeiro, encontram-se belas
composto por coordenação 13. Desespero meu: leitura obrigatória de
praias a cujas areias fiz alusão.
livro, no entanto foi uma surpresa, pois
Revisando era muito bom aquele livro, cuja leitura 11.
1. Na manchete, temos uma coordenada não causou nenhum aborrecimento. a) Como você disse que eu desafino amor/
assindética, “vaca vai para o brejo”, se- 14. C saiba que isso provocou imensa dor.
guida de uma coordenada sindética, “e b) Quando você disse que eu desafino
quase leva fazendeiro”. amor/ saiba que isso provocou imensa
2. Possui valor semântico de adição.
Capítulo 10 – Período dor.

3. Há cogumelos venenosos. O conectivo composto por subordinação 12.


introduz uma oposição. a) Não se via a paisagem porque era muito,
Revisando muito veloz.
4. Pode-se usar “mas”, “todavia”, “contudo”,
1. b) Embora não fosse veloz, a paisagem
“entretanto”, “no entanto”.
a) Overman disse a sua querida que ia sair não se via.
5. Possui valor adversativo.
em missão e pediu que lhe desse um 13.
6. Indica a sucessão de ações realizada beijo de boa sorte. a) O mundo gasta muito com armamento,
pelo casal. b) Duas orações principais seguidas de su- embora muitas pessoas passem fome
7. Valor explicativo. bordinadas objetivas diretas. no planeta.
8. Pode-se colocar “porque”, “pois”. 2. b) À medida que o mundo gasta muito com
9. Eu te quero todo meu; logo (portanto, a) Com o conectivo “que”, o enunciador armamento, muitas pessoas passam
por conseguinte) vem. sabe (frase asseverativa), mas o coveiro, fome no planeta.
não; com o “se”, ambos não sabem (fra- 14.
10. O episódio foi constrangedor não ape-
nas pela falha técnica como também se não asseverativa). a) Condição, dependência.
pela indiscrição dos comentários da jor- b) Trata-se de conjunção integrante, introduz b) Sem que houvesse o ingrediente negro,
nalista sobre sua vida familiar. subordinada substantiva objetiva direta. o Brasil não teria a menor graça.

355
15. 25. [...] pela qual se propõe a torcer (ou pelo 53. B
a) Trata-se da comparação, a palavra elípti- qual). 54. E
ca é o verbo “pensar”. 26. E 55. E
b) Faça e consuma arte para que você não 27. Existem escolas em que (nas quais) as 56. D
use drogas. aulas da noite são iluminadas à luz de
57. A
velas.
Exercícios propostos 28. B
58. A
1. B 59. C
29. A
2. A 60. C
30. E
3. Faltava-lhes [...]. Quando o sujeito é ora- 61. A
31. O presidente fica em Brasília ou a casa
cional (oração subordinada subjetiva), o 62. E
do presidente fica em Brasília.
verbo da oração principal deve perma-
32. 63. [...] praça pública em que (no qual) sob
necer no singular.
os [...].
4. C a) Vimos um homem que pescava.
64. E
5. b) As nuvens são cabelos que crescem
como os rios.
a) As expressões são: não é necessário e Exercícios complementares
não precisa ainda. 33.
1. E
b) Isso porque não é necessário que nesse a) Havia no avião pessoas vomitando.
2. C
estágio o Planalto apresente sua defesa. b) Esta foi a causa divulgada pela polícia.
3. O sacerdote, com o coração a sangrar,
Ou: Isso porque nesse estágio o Pla- 34. B disse que positivamente aquele país
nalto não precisa ainda apresentar sua
35. C não era amigo de Deus.
defesa.
36. A 4. O médico recusou pagamento, acres-
6. D
centando que era cristão levar a saúde
37. C
7. A à casa dos pobres.
38. D
8. C 5. or. sub. subst. subjetiva
39. B
9. C 6. Desejava que me ajudasses.
40. D
10. D 7. Queria o seu socorro.
41. C
11. C 8.
42. B
12. E a) de que preparassem.
43. A
13. A b) Coordena aditivamente duas orações
44. D subordinadas substantivas completivas
14. B
45. A nominais.
15. D
46. [...] no Rio para o abrigo de flagelados. 9.
16.
47. C a) Trata-se das passagens “É preciso...” e
a) É bom que estejamos atentos.
48. “É necessário...”
b) Acho que estou convencido.
a) [...] que parece o poema dos cuidados b) É necessário que se tire o preconceito
c) Espero que eu possa sair de lá amanhã. [...].
maternos um artifício sentimental.
d) Temos a impressão de que a estamos 10.
b) O poema dos cuidados maternos.
vendo.
49. a) “Que raio de língua” e “eu percebo
e) Disse-me que está (ou estava) sendo in- tudo”; se ele percebe tudo, a dúvida é
1
vestigado. incoerente.
Dentro dele um desejo abre-se em flor
f) Afirmou o cantor que não há público pa- b) [...] que raio de língua era aquela que es-
gante (ou havia). tavam ali a falar, que ele percebia tudo.
coord. assindética
17. 2 3 11.
a) Não convém procederes dessa forma. e cresce e ele pensa, a) Uma possibilidade de resposta, entre
b) O fundamental é jogares o feijão com o tantas, seria:
arroz. coord. sind. aditiva coord. sind. aditiva — Deus me livre! Eu não quero lhe ceder
c) Só vos falta uma virtude: serdes mais hu- 4 minhas ideias e não quero ficar com as
milde. ao sentir esses sonhos ignotos, suas.
d) Tinha ânsia de chegar ao hotel. b) Há várias maneiras de fazer essa trans-
sub. adv. temporal formação. Eis uma delas:
18. A
5 6
Uma pessoa diz (disse) à outra que que-
19. B ria propor-lhe uma troca de ideias, ao
que a alma é como uma planta.
20. D que esta (ela) responde (respondeu) que
Deus a livrasse daquilo.
21. A sub. subst. od. sub. adv. comparativa
12. A mãe disse ao filho que um dia tudo
22. B obs.: a número 3 também é oração
aquilo seria dele. Ou: O pai disse ao filho
23. D principal de 4 e 5; a número 5 é
que um dia tudo aquilo seria dele.
também or. principal de 6.
24. Em a, todos os homens têm seu preço e 13. ..., que provêm de quase...
todos são facilmente corrompidos. Em b, 50. C
14.
são facilmente corrompidos apenas os 51. A
homens que têm seu preço. a) Minha janela dava para um canal em que
52. A
(onde, no qual) oscilava um barco.

356 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


b) Para onde iam aquelas flores que (as 38. C 9. Aonde.
quais) o barco carregava? 39. Se considerarmos...(condicional)/Quan- 10. No diálogo, o erro de regência justifica-
15. E do se faz a compensação... (temporal) ou -se pelo fato de termos uma situação de
16. [...] leis determinantes do comportamen- Se se faz a compensação... (condicional). oralidade.
to do povo. 40. 11. Você prefere as loiras às morenas, Tião?
17. A impressão de que é a psicóloga que a) As coisas não andam porque ninguém A mulher de que (da qual) gosto.
está localizada na rua Campo Grande (e confia no governo e ninguém confia no
não a clínica). A psicóloga Iracema Leite governo porque as coisas não andam.
Exercícios propostos
Duarte está fazendo sucesso com sua 1. E 10. C
b) No uso da conjunção, ele repetiu o que
nova clínica, localizada na rua Campo fez, a causa continua causa e a conse- 2. A 11. A
Grande. quência continua consequência (a causa 3. B 12. D
18. Maria Helena Arruda embarcou para deve virar consequência e a consequên-
4. D
São Paulo onde ficará hospedada no lu- cia deve virar causa). 13. B
xuoso hotel Maksoud Plaza. 5. D
41. Ainda que (embora... por mais que... mes- 14. D
19. “... povo que quer o que quer o príncipe 6. A
mo que...) não cheguem a configurar...
que quer o que quer o povo.” 7. C 15. D
42. O simbolismo, embora acentue sob al-
20. Povo que quer o que quer o príncipe guns aspectos o requinte da arte pela 8. A 16. C
que quer o que quer o povo que quer o arte, opõe-se tanto ao Realismo quanto 9. D 17. C
que quer o príncipe que quer o que quer ao Parnasianismo, situando-se muito pró- 18.
o povo que quer o que quer o príncipe. ximo das orientações românticas, de que
O algarismo seria a expressão “que quer é em parte uma revivescência. a) Há duas redações possíveis:
o que quer”, a qual deve ser repetida Esta é a escola em que os pais confiam.
43. As duas conjunções, “quando” e ou
mais três vezes. “enquanto”, são classificadas como Esta é a escola na qual os pais confiam.
21. Trata-se do relativo “que”, o qual possui subordinativas adverbiais temporais,
a função de recuperar o termo anterior porém existe uma diferença de senti- b) O verbo “confiar” é transitivo indireto,
(povo, o e príncipe). O termo “o” é um do entre elas: a primeira, na oração (2), exige a preposição “em”. A omissão da
pronome demonstrativo, significa “aqui- exprime a ideia de que não existem sa- preposição antes do pronome relativo é
lo” (... o povo que quer aquilo que...). cerdotes respeitáveis; já a segunda, na uso coloquial.

22. oração (1), exprime a ideia de que exis- 19.


tem sacerdotes respeitáveis. O efeito a) É possível verificar incorreção gramatical
a) Ao chegar ao ancoradouro, Alzira Alves Fi-
de sentido produzido pelo emprego da no segundo verso do poema: “Uma noite
lha, que estava acompanhada de um gru-
conjunção “enquanto” é irônico, pois o ele chegou no bar Vinte de Novembro”.
po de adeptos do Movimento Evangélico
locutor considera que existem sacerdo- O verbo “chegar”, quando apresenta o
Unido, recebeu um colar indígena feito de
tes respeitáveis em Portugal, porém a sentido de atingir, rege a preposição “a”
escamas de pirarucu e frutos do mar.
obra tematiza o contrário. e não a preposição “em”. A forma corre-
b) Trata-se de um deslocamento, a oração
44. B ta de escrita do verso é: Uma noite ele
adjetiva (que estava...) está muito distan-
45. D chegou “ao” bar Vinte de Novembro.
te de seu antecedente (Alzira).
46. C b) São características que afastam o poe-
23. C 25. A 27. E
ma da tradição parnasiano-simbolista a
24. E 26. B temática cotidiana e a ausência de mé-
28. Capítulo 11 – Regência trica e de rimas.
a) Os meninos de rua, que procuram traba- 20. B
lho, são repelidos pela população.
Revisando
21. A
1. Milhões de telespectadores assistiram
b) Com as vírgulas, todos os meninos 22. D
ao jogo do Brasil.
procuram trabalho e todos são repelidos
23. F; V; V; V; F
pela população. 2. Temos o coloquial, pois o verbo “assistir”
pede preposição no sentido de “ver”. 24. C 25. D
29.
3. Trata-se da passagem “vi e gostei do
a) Porque o sentido é restritivo, homena- Exercícios complementares
jogo”; Vi o jogo e gostei dele.
geia-se apenas os que já se foram. 1. C
4. Não se pode usar um mesmo comple-
b) Os sambistas aos quais o texto se refere 2.
mento para verbos que possuem regên-
são os que faleceram, como Cartola. a) Assista, amanhã, à revista eletrônica femi-
cias diferentes.
30. B 32. A nina que é a referência do gênero na TV.
5. Quem consome cocaína objetiva morrer.
31. B 33. A b) O verbo “assistir” na acepção de “ver”,
6. Na primeira ocorrência, o verbo aspirar
34. A humanidade consegue gerar energia, “observar” é transitivo indireto, rege a
é transitivo direto e significa inalar, ins-
embora suje perigosamente a camada preposição “a”. O acento grave indica
pirar; na segunda, significa objetivar, ter
de atmosfera. a contração da preposição “a”, coman-
em vista.
dada pelo verbo assistir, com o artigo
35. A percepção de que o planeta é finito 7. O emprego do “lhe” contraria a norma, definido feminino “a”, que precede o
ficou exposta com muita nitidez quando pois os verbos são transitivos diretos. substantivo “revista”.
o homem pôde ver com seus próprios
8. Corrigindo: Vou amando-a... porque a 3. A 8. E
olhos as fotografias da Terra tiradas do
fez. O uso do “lhe” é mais coloquial, cria 9. B
espaço. 4. A
um efeito de aproximação com aqueles
36. D 5. A 10. A
que o empregam cotidianamente; dessa
37. Apesar de magra... (ainda que magra, forma, seria mais sonoro, mais prosaico, 6. C 11. E
mesmo magra). próximo do público adepto ao samba. 7. E 12. B

357
13. 7. Apartamento à venda, próximo à praça... 5. Ao cantar, o compositor utilizou a lingua-
a) O verbo renunciar é empregado como: à dona Leonora. gem coloquial, que é mais compatível
8. Não, “de segunda a sexta” não leva o com a oralidade: ir em. No texto escrito,
• transitivo indireto, por exemplo, em
acento, mas se iniciamos apenas com Cazuza procurou usar a norma culta, mais
“É sempre difícil renunciar a velhos compatível com a linguagem escrita.
hábitos”. O verbo “renunciar” apare- preposição, o segundo termo também
ce com o objeto indireto “a velhos será preposição. Teremos o uso da 6. C
hábitos”; crase em “das 8h às 17h”, pois inicia- 7.
-se com a contração preposição mais ar-
• intransitivo, por exemplo, em “Jânio a) Sem crase, a expressão é complemento
tigo (por paralelismo, o segundo termo
Quadros não foi o único presidente verbal de ensinar (objeto direto), ou seja,
apresentará a contração também).
que renunciou”. O verbo “renunciar” o mestre ensinava a linguagem poética
é usado desacompanhado de com- 9. Gostava de oferecer as mesmas coisas: e a própria sensibilidade.
plemento, seja direto, seja indireto. a maçã inglesa, o pêssego oriental com
b) Com crase, a expressão é um comple-
calda, o morango brasileiro com mel,
b) “Não, este também não é o fogo de que mento nominal do adjetivo “mesclada”,
o abacaxi europeu misturado à laranja ou seja, a linguagem poética estaria tam-
precisamos”. Para que um verbo seja
australiana e à pera argentina. bém mesclada à sensibilidade artística.
caracterizado como transitivo indireto é
necessário que ele reja uma preposição 10. Na primeira frase, é pedido para que se 8. C
para seu complemento. Daí a necessidade tome a bebida, a caipirinha; na segun-
da, pede-se para que se beba à moda 9. As regências do verbo combater como
de introduzirmos a preposição de antes do transitivo direto e intransitivo, respecti-
que (anafórico que recupera “fogo”). caipira.
vamente, passam a ideia de:
• Na frase de referência, o mesmo ver- Exercícios propostos Primeiro caso: a sombra representa o ter-
bo foi usado como transitivo direto, mo passivo (objeto direto), ou seja, aquilo
1. D
uma vez que seu complemento não que será combatido – não haverá crase.
é regido de nenhuma preposição. 2. B Segundo caso: a sombra representa o
14. B 3. modo como será combatido, portan-
to tem função de adjunto adverbial de
15. a) a. b) à. c) à; a.
modo – haverá crase (às ocultas).
a) Não há erro nesse trecho, logo o sic é 4. B
10. A
inadequado no lugar onde está; o verbo 5. E
tornar está concordando com o antece- 11. E
6. B
dente razões. 12. A
7. E
b) lhe dominava, o verbo dominar é VTD: 13. D
o dominava. ... a amargura que lhe (sic) 8. A
14. B
dominava... 9. D
16. … as bebidas de que todo mundo gosta, 10. A Frente 2
das marcas em que todo mundo pode
confiar. 11. [...] à senhora. [...] O verbo contar pede
preposição (contar a alguém) e a palavra Capítulo 6 – Romantismo:
17.
senhora aceita artigo. prosa
a) Falta de paralelismo a partir de “não saia
12. B
das trilhas”, pede uma sequência de infi- Revisando
nitivos. 13.
1. Uma das características marcantes do
b) [...] evite: fazer – fogo e fogueiras; baru- a) a, à. romance Iracema é a linguagem poé-
lho, buzinar e som alto; sair das trilhas ou b) a, à. tica, pois há elementos como rimas,
dos pontos de visitação; pichar, [...]. c) à, à. paranomásias, aliterações etc. No trecho
18. Exigiu, levou, demorou, durou. em questão, a linguagem poética reve-
d) a, a. la-se pelos vocábulos e pela construção
19.
e) Crase facultativa. de expressões como “a folha da triste-
a) ... cheguei... na minha casa... za”, “embebido” e “voz plangente”.
f) a, àquela.
b) O que você tem? 2. A construção do texto assemelha-se às
14. C
c) ... entramos nele... lendas, aos chamados contos etiológi-
15. A
cos, nos quais uma narrativa explica o
16. D surgimento de algo ou o acontecimen-
Capítulo 12 – Crase 17. Quando dormi ao volante, o carro foi de to de algum fenômeno. Nesse trecho,
encontro a um poste. [...] Fui à segurado- explica-se como a terra passou a se
Revisando ra [...] perda total do carro. chamar Ceará (o canto da jandaia).
1. Não, pois já temos uma preposição (contra). 18. C 3. O autor valoriza os elementos nacionais
2. Não, pois não se emprega o acento gra- na medida em que cita elementos indí-
19. E
ve diante de palavras masculinas. genas e da natureza; além disso, o fato
20. C de ele criar um passado mítico para o
3. “Não faz mal a ninguém”. Não há crase
21. B Ceará revela sua intenção de valorizar
diante do pronome indefinido.
22. C o nacional.
4. Faltando 10 quilômetros. Não há acento
4. Peri apresenta todas as características
quando a expressão adverbial iniciar com
Exercícios complementares de um herói clássico: é sempre leal
a preposição a e indicar ideia de falta.
1. A (reverencia Ceci, sua senhora, incon-
5. Sim, pois “Bagdá” está especificado por dicionalmente), é corajoso (enfrenta
“das mil e uma noites”, o que faz surgir 2. A
qualquer perigo), é forte e valente (tem
o artigo. 3. E capacidade de vencer qualquer luta) e é
6. Estacione até às 24h (ou durante 24h). 4. C esperto e inteligente (sabe utilizar suas

358 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


forças). Mas, além disso, o que o torna estrangeiro, como se nota no trecho No entanto, o fato de ela ser iletrada,
diferente dos outros heróis (como D. “mais amigo e companheiro será de Poti, viver no campo e querer aprender a ler
Antônio de Mariz) é seu domínio sobre servindo ao seu irmão que a ele”. distancia-a desse perfil idealizado.
a natureza local. Nenhum outro herói b) A ará representa a natureza selvagem 24. Inocência era ousada, vaidosa, queria
da história seria capaz de vencer as di- com a qual Iracema se identificava aprender a ler e tinha a mente cheia de
ficuldades daquela terra além de Peri, completamente antes da chegada de sonhos. Já Pereira era repressor e au-
o qual tinha conhecimento total sobre Martim; na ausência do amado, a índia toritário e reprovava os desejos da filha
a natureza. volta a se associar a essa natureza. A por achá-los esquisitos. Ambos os per-
5. A crítica de José de Alencar presen- ave pode ainda ser relacionada à fide- sonagens estão inseridos no contexto
te nos dois romances é direcionada lidade, já que esteve sempre pronta do romance regionalista.
aos valores materialistas da socieda- a consolar Iracema, por mais que esta 25. Soma: 02 + 04 = 06
de burguesa que se consolidava em a tivesse esquecido por um longo tempo.
26. B
sua época. Ele aponta para os aspec- 5. D
tos dessa sociedade que se movia em 27. A
6. B
razão do dinheiro, deixando para um 28. B
segundo plano as relações humanas 7. D
29. E
de respeito e dignidade. Em especial, o 8. Soma: 01 + 02 = 03
foco da crítica de Alencar é o casamen- 30. B
9. Soma: 01 + 04 = 05
to por dinheiro. 31. C
10. Soma: 01 + 02 + 04 + 08 = 15
6. No trecho apresentado, o autor descre- 32. Soma: 04 + 08 = 12
11. C
ve alguns costumes da época: passeios 33.
à luz da lua, pessoas sentadas nas estei- 12. D
a) Entre as condições inicial e final do
ras das casas e romarias. 13. B protagonista do romance, há duas
7. Muitos dos romances urbanos do 14. E mudanças significativas: posição so-
Romantismo foram publicados no forma- 15. E cial e econômica e estrutura familiar.
to de folhetim e faziam sucesso porque A primeira refere-se à ideia de que
16.
os leitores se identificavam com as nar- Leonardo surge como pertencente
rativas, as quais se dirigiam diretamente a) Temática nacionalista, abordada nas às camadas baixas do Rio de Janeiro
a eles. palavras de Alfredo, que defende a cul- e termina por ascender socialmente
tura local como resposta ao desdém ao receber heranças dos parentes. A
8. Sim, é possível fazer essa afirmação. No
demonstrado por Azevedo (que enalte- segunda faz alusão ao fato de que, ini-
caso dos romances urbanos e regiona-
ce “o que vem do estrangeiro”). cialmente, ao ser visto como “filho de
listas, isso fica ainda mais evidente, pois
há trechos em que os autores parecem b) A personagem Alfredo representa o uma pisadela e de um beliscão”, é des-
pintar um quadro de época. caráter nacionalista de Alencar, pois, du- prezado pela mãe (Maria da Hortaliça
rante todo o diálogo, elogia os costumes volta para Portugal com o comandante
9. Os dois textos exaltam a natureza e real- e a arte nacional. do navio que a trouxera para o Brasil) e
çam a exuberância dela. No texto de
17. D pelo pai (Leonardo Pataca deixa o filho
Alencar, a paisagem parece estar mais in-
18. aos cuidados do Barbeiro – seu compa-
timamente ligada ao sentimento humano:
dre – para se aventurar amorosamente
“o vasto e imenso orbe cerra-se e vai min- a) A ambivalência de Jão Fera é expli- com a cigana). Mas, ao final, quando
guando a ponto de espremer o coração”. citada pela sua natureza de “monstro se reencontra com o seu grande amor
No segundo texto, também há compara- angelical”. O lado monstruoso da perso- (Luisinha), faz questão de estruturar sua
ções da natureza com o aspecto humano, nagem é referente à sua transformação própria família, ao contrário do que fize-
porém predomina certo distanciamento e em um matador de aluguel (chamado ram seus pais.
há uma descrição mais minuciosa. de facínora no romance), que é temido
pelos habitantes das terras de Santa b) A condição final alcançada por Leo-
Exercícios propostos Bárbara – por isso, o apelido “Fera”. O nardo não é fruto de seu esforço e
1. B lado angelical é comprovado pelos atos determinação, pois, na condição de
de bondade e proteção à menina Ber- anti-herói (malandro que vive ao sabor
2.
ta, que, ao final do romance, consegue do acaso), ele não se preocupava com
a) Sim. Assim como a morte da murta sig- sua conduta, em arranjar emprego ou
transformá-lo em lavrador.
nifica o crescimento saudável de um zelar pela própria imagem. Ao longo
jacarandá, a morte de Iracema repre- b) A monstruosidade de Jão Fera é exem-
do romance, ao conquistar a simpatia
senta a liberdade de Martim, que não plificada na passagem em que ele vinga
das demais personagens, Leonardo é
estará mais preso ao Brasil e poderá a morte de sua amada, Besita, ao estra-
constantemente ajudado. São exem-
retornar à terra natal. çalhar, como se fosse um animal, o corpo
plos: a Parteira (sua grande protetora),
de Barroso (Ribeiro), assassino de Besita.
b) Com a morte de Iracema, Martim retor- que livra o afilhado da prisão ao pedir
Nessa mesma cena, Berta, ao se deparar
na a Portugal e, depois de quatro anos, ajuda à amiga Maria Regalada; o Bar-
com tamanha violência, expulsa Jão dali,
vem para o Brasil com a intenção de ini- beiro, que cria o afilhado e lhe dá todo o
que, entristecido, acaba chorando.
ciar o processo de colonização efetiva carinho possível; e o Major Vidigal,
em terras cearenses. Martim representa 19. C que não só permite que Leonardo saia
o desenvolvimento dessa região brasi- 20. B da prisão como também eleva a pa-
leira, no campo social, econômico e até tente dessa personagem de simples
21. A
mesmo no religioso, com a catequese. granadeiro a sargento da milícia cario-
22. B ca. Além disso, a sorte parece estar ao
3. E
23. A personagem Inocência apresenta al- lado de Leonardo, pois ganha dinheiro
4. gumas características românticas, como sem trabalhar (recebe heranças) e o
a) O cão Japi representa a fidelidade e a o fato de ser sonhadora, querer ser seu casamento só foi possível pelo fato
amizade. Ao doar o cão, Poti reforça princesa, ter uma beleza deslumbrante de o marido de Luisinha, José Manuel,
a relação afetiva que o prende ao e apresentar uma aparência física frágil. ter morrido.

359
34. 20. Os dois textos exaltam a natureza e real- ficção Cidade de Deus, locado em uma
a) O trecho “o homem era romântico, como çam a exuberância dela. No texto de comunidade carioca, evidencia-se que a
se diz hoje, e babão, como se dizia na- Alencar, a paisagem parece estar mais abolição da escravatura não emancipou
quele tempo” indica características que intimamente ligada ao sentimento hu- de fato os negros e seus descendentes,
permeiam todo o livro: a ironia ao pró- mano: “o vasto e imenso orbe cerra-se como se discutia no fragmento I. Por
prio Romantismo exagerado e o uso de e vai minguando a ponto de espremer não estarem, de fato, inseridos na so-
uma linguagem simples e direta. Esses o coração”. No segundo texto, também ciedade brasileira, os afrodescendentes
artifícios, não tão frequentes nos livros há comparações da natureza com o as- vivem em um espaço pervertido pelas
tipicamente românticos da época, pro- pecto humano, porém predomina certo drogas e pelas condições sociais de
porcionaram certo distanciamento do distanciamento e há uma descrição mais descaso do poder governamental.
livro de Manuel Antônio de Almeida com minuciosa. Há, na atualidade, um espaço de violên-
relação ao próprio Romantismo. Por isso, 21. C cia e de ameaça à sociedade como um
Memórias de um sargento de milícias é todo, tanto quanto na época em que
22. C
considerado um romance extemporâ- se produziu o primeiro excerto, intitulado
23. B As vítimas-algozes. Tal espaço, conse-
neo, ou seja, obra romântica, mas que
apresenta características excêntricas: 24. D quente da segregação e do tratamento a
ironia, linguagem simples, cenas não que o negro tem sido submetido ao lon-
25. E
idealizadas e ausência de herói. go de sua vida no Brasil, forma crianças e
26. C jovens facilmente cooptados pelo tráfico:
b) As personagens de Memórias de um
27. Soma: 01 + 02 + 32 = 35 são eles, também, “vítimas-algozes”.
sargento de milícias não pertencem à
burguesia, pelo contrário, são estereóti- 28. A 35.
pos das camadas populares do Rio de 29. B a) No início do romance, a personagem Leo-
Janeiro, do período joanino, e não apre- 30. nardo se caracteriza por sua condição
sentam traços de idealização (típicos conflituosa com as normas sociais, tanto
do Romantismo, mas ausentes na obra a) A preocupação de José de Alencar é
em sua infância, na qual são descritas
de Manuel Antônio de Almeida). Além defender uma arte verdadeiramente na-
suas traquinagens na escola, quanto
cional.
disso, o protagonista é um anti-herói – em sua juventude, quando seu desajus-
Leonardinho é um malandro que vive b) Azevedo serve de contraponto aos te social é marcado pelo termo “vadio”,
sem preocupações e ao sabor do aca- ideais nacionalistas de Alencar, eviden- isto é, pela ausência de uma ocupação
so. O enredo, diferentemente das obras ciados no trecho por meio das falas de profissional de prestígio social. Vale lem-
tipicamente românticas, não aponta para Alfredo. brar o fracasso dos seguintes projetos:
uma edificação moral das personagens 31. D do padrinho, para que Leonardo seguis-
para servir de exemplo aos leitores, ou se a carreira eclesiástica; da madrinha,
32. D
seja, não há a preocupação em demons- para que ele fosse artista; e de D. Maria,
trar qualquer tipo de julgamento moral, 33. para que ele se tornasse um funcioná-
pois não existe maniqueísmo (divisão a) Major Vidigal e o soldado amarelo rio das lides jurídicas. Todavia, ao final
das personagens em boas ou más). se assemelham por representarem a do romance, Leonardo não somente se
35. E autoridade, a qual exercem com arbi- integra ao eixo da ordem social e moral
trariedade. Quanto às diferenças, há a ao se casar com uma moça de extrato
36. B
posição hierárquica de cada um: o major social privilegiado, mas também assu-
37. C é o representante supremo da lei, en- me uma ocupação profissional que zela
38. D quanto o soldado amarelo representa pela manutenção da ordem referida.
39. E apenas um membro subalterno da polí- b) A condição social de Leonardo não foi
40. Soma: 04 + 16 = 20 cia. Este, no entanto, caracteriza-se por alcançada por mérito próprio, mas de-
uma arbitrariedade escancarada e pela veu-se aos esforços de sua madrinha, D.
Exercícios complementares brutalidade com que trata os desvali- Maria, e de Maria Regalada. Isso indica
dos diante da lei, ao passo que o Major um mecanismo fundamental da socie-
1. B
Vidigal exerce a autoridade com uma dade descrita no romance: a ascensão
2. F; V; V; V; V bonomia paternalista. social não ocorre pelo esforço pessoal –
3. D b) Memórias de um sargento de milícias o mérito −, mas sim pelo favor recebido
4. C é um romance de costumes do Roman- de outro indivíduo que ocupa posição
5. A tismo, que, fazendo uso do humor e da de classe hierarquicamente superior.
caricatura, conduz a um desfecho conci- Desenha-se, assim, no romance, uma
6. D
liador, em que as faltas das personagens lógica das relações de poder em que a
7. E são contempladas com benevolência mobilidade social depende dos contatos
8. D maliciosa; Vidas secas, por sua vez, é sociais e da troca de favores, e não da
9. E representante do romance social da dé- competência ou da capacidade profis-
cada de 1930 e contém uma denúncia sional.
10. Soma: 04 + 16 = 20
da opressão, excluindo a possibilida- 36.
11. D de de conciliação entre a autoridade
a) No Romantismo brasileiro, o livro de Ma-
12. D arbitrária e as personagens vítimas da
nuel Antônio de Almeida representa uma
13. C opressão por ela exercida.
tendência satírica, a qual utiliza bastante o
14. A 34. Na primeira obra, há a representação
humor e a ironia no retrato dos costumes
ficcional do negro ainda no período da
15. B brasileiros do tempo da Corte portugue-
escravidão, na segunda metade do sécu-
lo XIX. Tratado como ser inferior, vítima da sa no Brasil. Dessa forma, Memórias de
16. D
escravidão, segregado e em condições um sargento de milícias se diferencia
17. D sensivelmente da tendência dominante
sub-humanas, ele se torna, revoltado e
18. Soma: 04 + 08 + 32 = 44 violento, uma ameaça para a sociedade. na ficção romântica de seus contemporâ-
19. E Já na segunda obra, o filme de neos, tanto por seu teor cômico e satírico

360 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


como por sua linguagem; esta, ao tom realidade com o intuito de transformá-la, pelo Realismo. Dizer que o “o corcel foi
elevado e sublime, prefere a fluidez e a levando seus leitores a tomarem conhe- estafado e deitado à margem onde o
coloquialidade. Por tais características, cimento dos problemas do mundo e a realismo o veio achar” é exatamente a
parte da crítica chegou até mesmo a refletirem sobre eles; dessa forma, a lite- metáfora para o sentido de esgotamen-
considerá-lo um precursor do Realismo ratura pode ajudar a tornar o mundo um to da estética romântica.
literário. lugar melhor para todos.
b) Como romance satírico, o livro de Manuel 4. A cena é representada como se fosse
Exercícios propostos
Antônio de Almeida apresenta perso- uma fotografia, de modo que parece o 1. O poema de Cesário Verde tem fortes
nagens pouco idealizados, desde seu registro de um momento captado da elementos da literatura realista, entre
protagonista, Leonardo, até o Major Vi- própria realidade. Assim, optou-se por os quais podemos destacar a retomada
digal, chefe da polícia e representante mostrar pessoas comuns, em sua ativi- do soneto (estrofes de dois quartetos
da lei e da ordem. Aquele é o primeiro dade de trabalho; além disso, os traços e dois tercetos), formato deixado um
exemplo da figura de um malandro na Li- e as cores são usados com muita sobrie- tanto de lado pelos poetas românticos;
teratura brasileira; este, por sua vez, ajeita dade, evitando-se julgar a cena como o uso de coloquialismo (“barquinho”,
arbitrariamente a situação de Leonardo boa ou ruim, apesar de o trabalho pare- “escarro”), comum entre os realistas;
ao final da trama em troca dos amores cer bastante laborioso. e a crítica ao idealismo romântico, vis-
de Maria Regalada, por quem nutria uma to que, na primeira parte do poema, o
5. O enquadramento privilegia o trabalho
antiga paixão. O autor da obra, ao fazer eu lírico parece temer o mar (“enor-
das figuras femininas, as quais, tidas
com que suas personagens encontrem me”, “solene”, “enraivecido”), mas, na
normalmente como sexo frágil, demons-
a saída para os conflitos por meio de ar- verdade, está sendo irônico com re-
tram aqui bastante força e destreza
timanhas nem sempre muito honestas, lação a isso (“No seu dorso feroz vou
em sua atividade, além de trabalharem
evita as soluções sentimentais e dis- blasonar”). Desse modo, o poema se
de modo solitário, cada uma envolvi-
pensa a necessidade de que o herói se antepõe à poesia romântica e critica o
da com a própria parcela no trabalho
regenere para merecer o final feliz a que teor sublime que os românticos agre-
coletivo. Ao fundo, são representadas
suas aventuras o conduzem. gavam à imagem do mar e às Grandes
figuras masculinas envolvidas em um
Navegações portuguesas. Já o poema
37. C esforço coletivo, movimentando-se,
de Douglas Salomão (escritor capixaba
38. A aparentemente, em harmonia para con-
contemporâneo formado em Letras e
seguir um grande resultado. Todas as
39. B artista plástico) apresenta elementos do
personagens parecem ter uma força so-
40. O teatro de Martins Pena representa a rea- Concretismo. Abordando o mar de uma
bre-humana, o que é possível observar
lidade brasileira de seu tempo com aguda perspectiva completamente diferente,
nos vultos que carregam grandes quan-
capacidade de observação, embora com distante do universo português, explora
tidades de trigo nas costas.
profundidade social ou psicológica. Assim, uma figura de linguagem – a prosopo-
6. As condições de trabalho nas fábricas peia –, conferindo ao mar características
o gênero pertence à escola do Realismo.
da cidade também envolviam grande animais, relacionadas ao ato de comer
Seu teatro se assemelha muito às peças
esforço e muitas horas de trabalho, mas, (“mastiga”, “dentes”, “bocas”, “línguas”,
de Gil Vicente, pois, como este, Martins
diferentemente do trabalho no campo, “lamber”). Além disso, utiliza o verso li-
Pena fazia uma observação direta da
que muda conforme as estações e eta- vre, dispondo as estrofes irregulares de
província e da Corte com seus tipos carac-
pas do plantio, o trabalho industrial exigia forma imagética, em uma diagramação
terísticos, que o comediógrafo soube tão
um homem-máquina, que funcionasse concretista da forma poética.
bem representar.
como uma única engrenagem, muitas ve-
2. Frases relativas ao desejo de Luí-
zes sequer visualizando o produto final.
sa: “Desejaria antes que fosse numa
Capítulo 7 – Realismo: a 7. Percebe-se, logo no início do conto, quinta, com arvoredos murmurosos e
que o protagonista Simão Bacamarte relvas fofas; passeariam as mãos enla-
desconstrução romântica é retratado, ironicamente, como uma çadas, num silêncio poético; e depois
Revisando autoridade da ciência. O que Macha- o som da água que cai nas bacias de
do pretende com o conto “O alienista” pedra daria um ritmo lânguido aos so-
1. Sim, é possível falar de coisas sérias é fazer uma crítica ao cientificismo do
por meio do humor e da fantasia. Um nhos amorosos...”; “Imaginava Basílio
século XIX. Nessa época, a ciência esperando-a estendido num divã de
bom exemplo são os shows de stand progressista era muito valorizada, e as
up, que, fazendo uso do humor e da iro- seda; e quase receava que a sua sim-
respostas a todos os questionamentos plicidade burguesa, pouco experiente,
nia, discutem problemas sociais, ainda se pautavam em explicações observá-
que muitas vezes incorram em visões não achasse palavras bastante finas ou
veis – lembrando-se do positivismo (de carícias bastante exaltadas.”; “Desejava
preconceituosas. Auguste Comte). Assim, a personagem chegar num cupê seu, com rendas de
2. De fato, o Realismo preconiza uma escolhe a esposa por características centos de mil-réis, e ditos tão espirituo-
proposta mais científica da literatura; po- biológicas e fisiológicas, como aque- sos como um livro...”. Frases relativas à
rém, não se pode ignorar que os textos la que poderia lhe dar filhos fortes, realidade encontrada: “A carruagem pa-
literários, mesmo que apresentem essa inteligentes e saudáveis. A moça o rou ao pé de uma casa amarelada, com
característica, jamais serão teses cien- “desaponta” e fere as expectativas uma portinha pequena.”; “Logo à entra-
tíficas, pois trazem consigo uma carga do doutor ao não lhe dar filho algum, da um cheiro mole e salobre enojou-a.”;
subjetiva. A literatura seria uma projeção frustrando até mesmo os preceitos “A escada, de degraus gastos, subia
da realidade, um retrato verossimilhante, científicos, o que evidencia uma ironia ingrememente, apertada entre paredes
mas nunca uma cópia fiel do real. no enredo de Machado, apreendida onde a cal caía, e a umidade fizera nó-
3. No mundo da arte e do entretenimento, pelo leitor que tem em mente a teoria doas.”; “No patamar da sobreloja, uma
as “questões sérias” geralmente são tra- positivista que perpassa a obra. janela com um gradeadozinho de ara-
balhadas com fundamentos sustentados 8. O texto apresentado é uma defesa do me, parda do pó acumulado, coberta
na coleta de dados e informações reais Realismo. É preciso atentar a termos de teias de aranha, coava a luz suja do
e comprovadas, mesmo quando o tom como “corcel”, “chicote” e “castelo saguão.”; “E por trás de uma portinha,
da fala é engraçado. Muitas vezes, a li- medieval”, que remetem ao contexto ao lado, sentia-se o ranger de um ber-
teratura empenha-se em denunciar uma idealizador do Romantismo – combatido ço, o chorar doloroso de uma criança.”;

361
“Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de b) Ao final do romance, Brás Cubas avalia narrativa do romance (elaborada pelo
ferro com uma colcha amarelada, feita de um modo pessimista a sua existência. próprio Bento Santiago).
de remendos juntos de chitas diferen- Em seu leito de morte, não considera b) Sim, pois a lição do narrador protago-
tes; e os lençóis grossos, de um branco que o amor possa ser redentor, afinal nista ao seu filho – de que o soldado
encardido e mal lavado, estavam impu- a experiência amorosa não o tornou é uma representação da realidade – é
dicamente entreabertos...”. uma pessoa melhor nem deixou algu- uma metáfora, uma advertência ao leitor.
3. Eça de Queiróz critica o grupo de beatas, ma marca positiva em si. Dessa forma, Assim como o soldado é uma “gravura”
pois Amélia e a S. Joaneira são consi- a experiência amorosa do narrador com e, portanto, criado por alguém para re-
deradas concubinas, relacionando-se Virgília e com Marcela é marcada pelo presentar o real, o romance que o leitor
com os párocos da região. Ao colocar signo do fracasso. lê também é uma “gravura”, uma narrati-
pessoas religiosas mantendo relações 21. O conselho que Brás Cubas dirige a va fictícia, criada com o intuito de revelar
carnais, Eça faz uso da ironia para tecer Quincas Borba é irônico e hipócrita, os sentimentos do “gravador” (Bentinho)
sua crítica a esse grupo, percebida em: pois o trabalho nunca foi uma atividade conforme sua visão pessoal dos fatos
“Todas se extasiaram”, “uma autoridade exercida pelo protagonista da história. narrados.
quase eclesiástica” e “A S. Joaneira re- Membro da elite carioca da 2ª metade 32. Em Dom Casmurro, o narrador persona-
começou a glorificação de Amaro: a sua do século XIX, Brás Cubas relacionou-se, gem assume a dificuldade no registro de
mocidade, o seu ar piedoso, a brancura na sua adolescência, com uma prostitu- suas memórias pela distância temporal
dos seus dentes...”. ta (Marcela), roubando dinheiro do pai; dos acontecimentos; assim, ele conside-
4. B logo depois, foi enviado a Coimbra, ra que a escrita só consegue recuperar
5. D onde se formou em Direito, profissão imperfeitamente o passado. Na obra
que não exerceu; e, por último, no ca- Infância, de Graciliano Ramos, há im-
6. A
pítulo final – “Das negativas” –, ainda se precisão das lembranças, o que levará
7. E vangloria afirmando: “coube-me a boa o narrador personagem à criação, a um
8. B fortuna de não comprar o pão com o relato memorialístico revestido de fanta-
9. C suor do meu rosto”. sia e mais liberdade criadora.
10. No texto, nota-se a maneira irônica com 22. D 33. B
que são descritos tanto a chegada do 23. C 34. C
médico à vila quanto os critérios utiliza-
24. C 35. E
dos pelo Dr. Bacamarte na escolha da
futura esposa. No primeiro caso, confi- 25. A 36. A
gura-se a ideia de progresso por meio 26. D 37. B
da atividade científica mencionada. Em 27. D
relação ao positivismo, percebe-se que 38. C
D. Evarista é eleita por suas “condições 28. C 39. D
fisiológicas e anatômicas”, distantes da 29. E
ideia previsível de uma escolha pelo 30. Exercícios complementares
amor e pela beleza física. 1. E
a) O título aponta, metaforicamente, para
11. D a indefinição constitutiva do romance, 2. D
12. D em que nada é dito, narrado ou descrito 3. A experiência vivida pelo narrador é
13. A de modo objetivo e claro. As incertezas a do choque contínuo presente no
14. A cercam a hipótese de adultério, que está movimento incessante das massas
no centro da obra, assim como os reais humanas que perambulam por uma
15. D
sentimentos e as intenções das perso- grande cidade europeia do século XIX.
16. C nagens permanecem na sombra. Nesse caos urbano, manifestam-se, de
17. A b) A não coincidência do interlocutor está forma incontornável, os efeitos da Se-
18. C marcada linguisticamente em diferentes gunda Revolução Industrial (1850-1917).
19. A lugares. Há uma relação eu/tu marcada Portanto, o vocábulo “contemplar”, em-
em diversas passagens (inclusive, pela pregado no trecho transcrito, assume
20.
presença do pronome possessi- uma dimensão irônica diante de seu
a) É preciso perceber que o vínculo de vo “nossa” e pela terminação verbal em significado corrente, marcado por uma
Brás Cubas com Marcela é ironicamente 1a pessoa do plural, que mostram uma carga semântica positiva (“encantamen-
marcado pelo interesse econômico, o relação entre o narrador e a persona- to”, “admiração” e “embevecimento”),
que se verifica no elemento quantitativo gem Capitu). Na passagem “e a malícia uma vez que revela uma experiência
que determina a duração e o custo da está antes na tua cabeça perversa que conflitiva por parte do narrador-persona-
relação amorosa. Na experiência amo- na daquele casal de adolescentes”, “tua” gem, José Fernandes. Dizendo de outra
rosa com Virgília (a paixão “sem freios”), e “daquele” marcam a posição do nar- forma, o narrador parece se sentir “atro-
que supostamente poderia ter transcen- pelado” pelo vertiginoso movimento da
rador, que se coloca fora da cena e se
dido o interesse econômico, o vínculo “grossa sociabilidade” da Paris da Belle
refere ao leitor como seu interlocutor.
afetivo entre os amantes não superou
Essa relação de interlocução se rompe Époque, em tudo distante do sossego
a exigência social da vida matrimonial
na passagem “Mas a vocação eras tu, a das serras portuguesas a que ele esta-
para a condição feminina (Virgília não
investidura eras tu”, em que a 2a pessoa va acostumado (“este espírito... afeito à
rompe seu vínculo matrimonial com o
se refere, então, à Capitu. Essa refe- quietação das serras imutáveis”).
marido Lobo Neves em razão da pro-
rência é confirmada pelo vocativo: “oh! 4.
messa de ascensão social). Portanto,
minha doce companheira de meninice”.
em ambas as experiências, o desejo foi a) O vocativo “Zé Fernandes” expressa a
absorvido pela engrenagem da vida so- 31. interlocução direta com essa persona-
cial, ou seja, as posições de classe são a) Os termos mencionados, “gravador” gem. Vale lembrar que José Fernandes
determinantes no estabelecimento dos e “gravura”, correspondem, respecti- é o narrador-personagem desse roman-
vínculos amorosos nesse romance. vamente, ao narrador (Bentinho) e à ce de Eça de Queirós.

362 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


b) O trecho que reforça tal imagem é “uma medalhão” e de Simão Bacamarte em pode ser tomada como um bom exem-
cocotte com os seus vestidos, os seus “O Alienista” são totalmente distintos, o plo dessa religiosidade epidérmica e
diamantes, os seus cavalos, os seus la- que nega ser este último um medalhão. feita de conveniências, pois foi marcada,
caios, os seus camarotes, as suas festas, 12. O autor emprega a personificação (ou entre outros aspectos, pela convivência
o seu palacete”. prosopopeia) – recurso expressivo de com uma mãe beata e simplória e um tio
5. Segundo Fradique, a aprendizagem de natureza retórica que consiste em atribuir cônego considerado pelas hierarquias
uma língua estrangeira afeta a identida- palavras do campo semântico humano eclesiásticas, o que não impediu o jovem
de nacional, o patriotismo e o modo de a objetos, seres e elementos abstratos Cubas de espancar e martirizar negros,
pensar do indivíduo, pois língua, cultura não humanos. No penúltimo parágrafo, o chegando mesmo a usá-los como monta-
e identidade estão interligadas. Essa uso dessa figura está presente no pen- ria em suas brincadeiras infantis.
postura é contraditória, pois ele próprio samento de Rita, quando a personagem 25. C
é um cosmopolita, que mora em Paris e confere à virtude um caráter de “preguiça 26. A
visita até mesmo o Oriente. Eça critica, e avareza”, além de atribuir ao interesse 27. E
por meio dessa caricatura, a figura do pu- um caráter “ativo e pródigo”.
28. E
rista: ao aprender a língua do outro, basta 13. D 18. B
aprendê-la mal para não se contaminar 29. D
com ela. Ao afirmar essa posição mesqui- 14. E 19. B 30. B
nha, o autor implícito acaba por criticá-la. 15. B 20. A 31. A
6. V; V; V; F; V 16. B 21. A 32. A
7. C 8. B 9. B 17. D 22. A 33. B
10. B 23. O Humanitismo se constitui em uma 34. A
11. Em “Teoria do Medalhão”, um pai dá demolidora sátira ao pensamento cien- 35. F; F; F; V; F
conselhos ao filho, Janjão, sobre como tífico dominante na segunda metade do
36.
ser bem-sucedido em sua sociedade. século XIX, isto é, ao evolucionismo, ao
darwinismo social, ao positivismo e, até a) O relato apresentado por Bento Santiago
Ser um medalhão é estar em posição de
mesmo, ao espiritismo, entre os sistemas baseia-se na afirmação da culpa de Ca-
destaque, de prestígio, é distinguir-se
mais conhecidos. Todas essas doutrinas pitu. No entanto, o narrador personagem
dos demais e ter seu nome em relevo e,
tinham como base uma visão otimista não apresenta nenhuma prova irrefutá-
por isso mesmo, ser tratado com defe-
da realidade e se constituíam, em última vel do adultério que teria sido cometido
rência pelos outros. Porém, como essa
instância, como formas de justificar a do- pela esposa e por seu melhor amigo. A
sociedade vive pela aparência e tenta, a
minação de classe presente no coração narrativa do ex-seminarista passa por
todo custo, preservar a tradição, ser me-
da moderna sociedade capitalista con- verossímil, não sendo necessariamente
dalhão significa não ter ideias próprias
temporânea ao autor. O absurdo dessas verdadeira. Podemos, então, afirmar que,
e não agir pela razão, já que isso pode na frase destacada, há uma falácia, pois
subverter a ordem social estabelecida e concepções ficava ainda mais evidente
em um país como o Brasil, onde a força a verossimilhança se confunde com a
quebrar a tradição. Ser medalhão, então, veracidade. Trata-se, portanto, de uma ar-
é entregar-se à tradição e ao conheci- de trabalho era majoritariamente cons-
tituída pela escravidão negra. Portanto, dilosa operação retórica do narrador para
mento já estabelecidos. O medalhão enredar o leitor em suas suposições.
fino é aquele que renuncia à possibi- apesar de ter uma aparência risonha e
lidade de ter ideias próprias para não bem-humorada, a frase síntese do Huma- b) Segundo Bento Santiago, cabe ao leitor
nitismo – “Ao vencedor, as batatas” – traz preencher as lacunas de sua narrativa,
sucumbir à tentação de ser traído pelo
como pano de fundo a amarga realidade ou seja, o leitor deve distanciar-se critica-
seu intelecto independente.
da exploração social do mundo capita- mente daquilo que é exposto no relato e
Em “O Alienista”, Simão Bacamarte
lista moderno, na qual a vitória dos mais buscar a decifração dos enigmas que o
constrói um asilo chamado Casa Verde,
fortes sobre os mais fracos é vista como livro apresenta. Bento Santiago, sem dú-
em Itaguaí, onde recolhe os loucos da
“natural” e meritocrática. vida alguma, não é um narrador confiável.
cidade. Sua finalidade é estabelecer
24. Memórias póstumas de Brás Cubas Portanto, não podemos tomar como certa
as bases científicas entre a sanidade e
demonstra, ainda de forma mais con- a traição imputada por Bentinho à Capi-
a loucura. Simão Bacamarte é um ho-
tundente, as afirmações presentes no tu. Desconfiar do narrador seria a tarefa
mem que vive para a ciência e ignora
trecho transcrito no corpo da questão, fundamental para desarmar a armadilha
as máximas de um bom convívio social.
pois, como seu foco é a crítica ao com- central que estrutura todos os níveis de
Por isso, coleciona muitos desafetos ao
portamento da elite brasileira, patriarcal, significação de Dom Casmurro. Ao pro-
longo do conto, perde seu prestígio,
católica e escravocrata, contemporânea ceder dessa forma, o leitor seria capaz de
e a população se revolta contra ele.
ao autor, a presença da religiosidade preencher as muitas lacunas presentes
Assim, há vários argumentos que mos-
ocupa lugar central no fluxo narrativo. ao longo da narrativa.
tram que Simão Bacamarte não pode
ser considerado um “medalhão”. Ele Tome-se, como exemplo, a desabusada
tem como primazia a razão, o que tor- comparação que o narrador personagem
Brás Cubas faz entre seu livro e o Pen-
Capítulo 8 – Naturalismo: o
na seu convívio social deficitário e frio.
Ser medalhão implica justamente negar tateuco, de Moisés. Em um país como o homem é bicho
a razão e fortalecer os relacionamentos Brasil, marcado secularmente pela escra-
sociais para tirar proveito deles. Simão vidão negra, os valores cristãos católicos Revisando
Bacamarte foi o pivô da rebelião dos estavam permanentemente em xeque 1. Enquanto a linguagem romântica é sub-
Canjicas justamente porque não tinha diante da realidade social da nação. Por- jetiva e adjetivada emocionalmente, com
como finalidade manter um convívio so- tanto, a religiosidade oficial funcionava ambiente e personagens idealizados, a
cial estável, mas sim promover o espírito como uma espécie de justificação de linguagem naturalista se destaca por seu
humano por meio da razão, da inova- um estado de relações humanas mar- aspecto de verdade, de fotografia fiel ao
ção do pensamento. Com suas ideias cadas pela brutalidade da escravidão, cenário sem retoques. É essa linguagem
científicas inovadoras, promove o caos o que impedia a religião de ser um ele- e crueza que consagraram Aluísio Azeve-
social. Dessa forma, os interesses e o mento verdadeiro da organização moral do e seu livro O cortiço como elementos
modus operandi do pai em “Teoria do dos indivíduos. A infância de Brás Cubas ímpares do Naturalismo no Brasil.

363
2. Uma das características do Naturalismo do barro batido viam novos pés no 5.
é a zoomorfização, que consiste na com- corre-corre da vida” – e da audição – “si- a) É o propósito de produzir literatura por
paração entre o ser humano e o animal nistros-silêncios, com gritos-desesperos meio de pesquisas de feição científica –
com a finalidade de destacar compor- no correr das vielas”. o que se verifica na expressão “um tipo
tamentos ou traços humanos que se b) Observa-se o caráter documental pre- digno de estudo”. Para os autores natu-
assemelham aos dos animais. sente na obra de Paulo Lins no retrato ralistas, a obra literária deveria conter
3. No romance naturalista, também fazem da cultura da favela e de seus morado- estrutura similar à de uma pesquisa cien-
parte da ficção as teorias cientificistas, res, como a religião, a própria estrutura tífica, aproximando-se da tese.
como o determinismo, o qual preconiza da favela – que é explorada – os gostos b) Essa passagem brutal, em que, para
a influência direta do meio na personali- musicais, o relacionamento social, os há- manter a liberdade, a escravizada tira a
dade das pessoas/personagens. bitos corriqueiros, entre outros. própria vida, revela a perversidade das
4. O Romantismo é uma estética que tem c) Tais descrições objetivas e, ao mes- relações sociais no Brasil, marcadas
idealização como palavra-chave, por mo tempo, baseadas em sensações pela escravidão.
isso a personagem de José de Alencar é são próprias do Naturalismo. Há de se
6. A 9. E
extremamente idealizada, inatingível em destacar, também, as imagens relaciona-
beleza e valores. Já a personagem na- das ao corpo que padece em doença: 7. B 10. A
turalista de Aluísio Azevedo é retratada “ventres abertos, dentes cariados, ca- 8. C
com mais sensualidade, é mais “terrena”, tacumbas incrustadas nos cérebros”, 11. Iracema é descrita de maneira ideali-
e as descrições a respeito dela são ob- “gonorreias mal curadas”. zada, como as heroínas românticas. Já
jetivas, passíveis de observação. Rita Baiana é estereotipada, marcada
5. A proposta da imagem é levar o expecta- Exercícios propostos pela sensualidade e por características
dor a refletir sobre o modo de encarar a 1. O antropocentrismo corresponde à con- degradantes: “era veneno e era açúcar
vida e sobre como ele enxerga o próximo cepção de que o ser humano é o centro gostoso”, “a cobra verde e traiçoeira, a
e o seu cotidiano, permitindo-o analisar a do universo. De acordo com a teoria dos lagarta viscosa, a muriçoca doida, que es-
realidade de maneira mais objetiva. corpos celestes de Copérnico, a Ter- voaçava havia muito tempo em torno do
6. Se comparadas aos cortiços do século ra – considerada o centro do universo corpo dele, assanhando-lhe os desejos”.
XIX, as comunidades carentes atuais até então – torna-se apenas um corpo O determinismo do meio é o traço que
ainda são espaços de precariedade, qualquer; logo, o antropocentrismo é mais se nota em Rita Baiana: “Naquela
retratos da desigualdade social e da notavelmente enfraquecido. Darwin tam- mulata estava o grande mistério, a sín-
má distribuição de renda no Brasil. Exis- bém assevera que o ser humano apenas tese das impressões que ele recebeu
tem vários movimentos e projetos que sobrevive, sem nenhuma outra finalida- chegando aqui: ela era a luz ardente do
atenuam tais dificuldades e evidenciam de específica. meio-dia; ela era o calor vermelho das
possibilidades de vida digna. 2. E sestas da fazenda; era o aroma quente
7. Tanto em livros como O cortiço, de 3. O primeiro trecho, que se refere a João das trevas e das baunilhas, que o ator-
Aluísio Azevedo, do século XIX, quan- Romão, coloca sua vontade de ganhar doara nas matas brasileiras”.
to em obras como Cidade de Deus, do dinheiro como “moléstia”, dando-lhe 12.
autor Paulo Lins, publicada em 1997 e componente biológico, como se fosse a) Araripe Júnior afirma que o Naturalismo
adaptada para o cinema em 2002, há uma patologia. Isso reflete a postura brasileiro se impregnou da tendência
considerações acerca da vida em am- naturalista, que trazia uma visão cienti- naturalista europeia, mas passou por
bientes coletivos. Nesses dois momentos ficista e determinista para construir suas transformações, adaptando-se à sua
históricos, os artistas se preocuparam em personagens e para explicar a maneira cultura local, como se esse estilo, no
deixar clara a luta de todos pela sobrevi- de se relacionarem com o meio em que Brasil, fosse vítima do fator meio, de-
vência, uns com mais dignidade e outros vivem. Já o trecho que se refere a Ru- senvolvido no determinismo de Taine.
com menos. bião discorre sobre sua falta de tino para O Naturalismo é um estilo marcado pelo
8. Sim, Pombinha pode ser considerada o comércio como fruto de sua vontade, determinismo de Taine, e, no Brasil, além
exemplo da influência do determinismo afirmando que ele não tinha “inclinação” de haver a presença desse postulado
ambiental. Por força do meio em que vi- para a atividade. Tal opção reflete a nas narrativas naturalistas, o próprio es-
via e também pela influência de Léonie, postura realista, na qual os fatores psico- tilo, nesta terra, adequa-se a um modo
a moça acaba se tornando prostituta e lógicos são os determinantes das ações mais tropical de apresentar tal posição
mudando completamente a personali- e posturas humanas.
cientificista. Temos, portanto, no Bra-
dade que apresentava no princípio da 4. sil, na segunda metade do XIX, a forte
narração. a) Nas duas obras referidas, o sol ocupa influência do estilo naturalista, porém
9. posição central, tributário das teorias na- pintado com cores mais quentes, mais
turalistas. Na tela, o sol atinge o “Caipira sensuais, mais tropicais, como o sabor
a) A verossimilhança – característica bas-
picando fumo”, marcando não apenas a de uma pinha ou o cítrico de um abacaxi.
tante comum no Naturalismo – é uma
questão de plausibilidade, de fazer paisagem (como se verifica pelas som- b) Sim, as características apontadas no
parecer real. A linguagem utilizada por bras), como também o homem (que item anterior são pertinentes à obra O
Paulo Lins corrobora a ideia de veraci- tem a pele bronzeada). A impressão de cortiço, haja vista a presença do cien-
dade, trazida pela experiência do autor quem vê o quadro é que a luz solar tem tificismo europeu (como exemplo de
na própria favela Cidade de Deus. Do presença marcante. determinismo, temos o abrasileiramento
texto, podemos ler descrições daquela b) A “apreciação positiva” apontada pelo de Jerônimo ao entrar em contato com
realidade com o apelo sensorial da vi- crítico de arte se dá pelo fato de o caipi- a terra e com a mulher brasileira) mar-
são – “o céu azula e estrelece o mundo, ra apresentar-se plenamente integrado cado pela sensualidade, por um lirismo
as matas enverdecem a terra, as nuvens ao meio em que está inserido: sua ativi- mais luxurioso que o apresentado na
clareiam as vistas e o homem inova dade de picar fumo para próprio deleite literatura europeia. Poderíamos concluir,
avermelhando o rio [...] o novo bairro, é tranquilamente realizada, apesar da portanto, que o Naturalismo no Brasil é
formado por casinhas fileiradas bran- grande luminosidade – o sol não inter- mestiço, com traços europeus e brasilei-
cas, rosas e azuis. [...] Os tons vermelhos fere negativamente em seu cotidiano. ros, simultaneamente.

364 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


13. à origem racial representativa do Brasil: Ambos buscam definir a natureza do
a) A transformação física foi a reforma rea- Iracema é índia, e Rita é negra. O trecho próprio fazer poético ou aproximar-se
lizada nas instalações/na estrutura do reproduzido permite, ainda, aproximar as dela, com inclinação metalinguística cla-
cortiço, e sua causa imediata foi o incên- duas personagens na cena da sedução ramente perceptível nos versos. Ambos
dio provocado pela Bruxa. do português: o episódio da chávena os autores fazem alusão à “forma” e à
de café oferecida por Rita a Jerôni- poesia como um ofício importante e di-
b) À medida que João Romão conquista
mo faz lembrar o famoso episódio em fícil. Quanto às diferenças, percebe-se
uma nova posição social, classes mais
que Iracema oferece o licor da jurema que o poeta parnasiano Bilac é mais
favorecidas/menos pobres passam a ha-
a Martim, seguido da consumação do contido emocionalmente, pois preza
bitar o cortiço. ato amoroso entre ambos. Ocorre que, ainda mais pela forma, pela estética do
14. D 17. B no caso de Iracema, esse ato encerra texto, enquanto o poeta simbolista Cruz
15. C 18. D uma contravenção com consequências e Sousa deseja se deixar levar pela mu-
desastrosas, pois, enquanto sacerdotisa sicalidade dos versos.
16. D
dos tabajaras, ela tinha de permanecer
19. 4. É possível deduzir que, pela quase au-
virgem e jamais revelar o segredo da
sência de verbos (com apenas duas
a) Além de Rita Baiana e Bertoleza serem jurema – interdições essas que não se
ocorrências, “resume” e “fecundai”),
marcadas pelas relações que estabele- colocam no caso de Rita Baiana.
a produção poética de Cruz e Sousa
cem com as figuras masculinas Jerônimo b) As personagens de Martim e Jerônimo está mais comprometida em produzir
e João Romão, respectivamente, ambas representam o europeu ou o português imagens e sensações a serem experi-
são mestiças, pobres, tratadas como nos trópicos e sua interação com esse mentadas e sentidas pelo leitor, como em
objetos sexuais e estão na base da pi- meio. Além disso, como portugueses, inatividade, em êxtase. Isso se dá
râmide social, constituída, no romance, mostram-se saudosos de sua terra natal; em detrimento da ação que exigiria o
pela grande massa de brasileiros (mesti- ambos são homens já comprometidos uso mais assíduo de verbos no decorrer
ços, negros alforriados, brancos pobres) que se deixam seduzir pela beleza da dos versos.
explorados por portugueses, como João mulher dos trópicos. A diferença é que
Romão e Miranda, que vieram “fazer di- 5. No poema, podemos observar o uso das
Martim se caracteriza como herói coloni-
nheiro” no Brasil. zador, guerreiro branco que sai vitorioso maiúsculas alegorizantes nas palavras
de sua empreitada à custa do sacrifício da “Formas”, “Cor”, “Perfume”, “Ocaso”, “Sol”,
b) O romance, em linhas gerais, apresen-
amada indígena, ao passo que Jerônimo “Dor”, “Luz” e “Mistério”. Esse recurso tem
ta duas categorias de portugueses: os
é apresentado de maneira nada elevada o propósito de personificar os elementos
que sucumbem ao meio e, desse modo,
(é um fraco, nada tem de heroico e chega destacados. No entanto, há a dificuldade
fracassam, e os que vencem o meio e
a ser chamado de “tonto”), sucumbindo a de atribuirmos sentido para o emprego
prosperam. Segundo tal perspectiva, o
essa sedução e à força do meio. desse recurso, como se o poeta quises-
primeiro excerto narra o infortúnio/fra-
se chamar a nossa atenção para palavras
casso do português Jerônimo, que era
Exercícios complementares cujos sentidos sejam difíceis de acessar,
honesto e pai zeloso, mas que se deixara
1. E 7. A mas não impossíveis de revelar.
levar pelas pressões/tentações do meio,
sucumbindo aos apelos sensuais da mu- 2. B 8. V; V; F; V; F 6. É possível perceber a função metalin-
lata Rita Baiana; já o segundo excerto guística de Bilac ao exaltar a língua por
3. C 9. D meio dela própria. Há o fato de o poema
narra o “sucesso” do ambicioso vendei-
ro João Romão, que, vencendo o meio, 4. A 10. E ter como nome o próprio código utili-
enriquece e ascende socialmente graças 5. E 11. E zado em sua feitura, ou seja, a Língua
ao oportunismo e à exploração, sobretu- Portuguesa. A relação que o eu lírico
6. B 12. A
do de Bertoleza. Trata-se, assim, de duas mantém com o idioma é de intimidade
13. Soma: 01 + 08 + 16 = 25 e valorização do padrão culto, do “bem
trajetórias opostas do ponto de vista da
ascensão social. Se, para Jerônimo, o 14. A 17. B falar” e “bem escrever”. É importante
meio atua como influência desagre- 15. F; V; F; V; V 18. A notar que essa tendência parnasiana de
gadora de sua antiga identidade, para rebuscamento formal e apego ao clássi-
16. E
João Romão, ele se mostra como inten- co fica evidente na composição de um
sificador da antiga identidade. soneto em versos decassílabos.
20. Capítulo 9 – As vertentes 7. Inicialmente, ele a caracteriza a partir
de atributos opostos, ligados tanto à
a) Iracema e Rita Baiana encarnam a poéticas do final do
beleza e a exuberância brasileiras in- beleza quanto à força bruta de suas for-
século XIX mas (“ouro” × “cascalhos”, por exemplo),
timamente ligadas à natureza local,
embora de modo diverso. Como he- aproximando-as das formas naturais. A
Revisando mesma oposição é estabelecida quan-
roína tipicamente romântica, Iracema é
1. Olavo Bilac segue à risca os princípios to à sonoridade da língua, ora bela, ora
associada a elementos da fauna e da
da poesia parnasiana: tal como o ouri- simples (“lira singela”), ora forte, ora po-
flora brasileiras que ajudam a criar uma
ves, ele molda a matéria para produzir a tente (“clangor”; “trom”). Para o eu lírico,
imagem idealizada, enobrecedora. Já a
sua joia, no caso, o poema. trata-se, também, de uma entidade so-
imagem de Rita Baiana é associada a
elementos naturais que sugerem tanto 2. O poeta simbolista opta por chamar berana (o “oceano largo”) e capaz de
qualidades positivas (como “o aroma de “formas” tudo o que sente como exprimir tanto o amor (na “voz materna”)
quente dos trevos e das baunilhas”, “a vibrações de seu eu interior e que se quanto a dor (na ideia da língua “em que
palmeira virginal e esquiva”) quanto apresenta como algo forte, perceptível, Camões chorou”).
negativas, que tendem a uma represen- mas sem existência material definível, 8. Neste poema, Olavo Bilac confirma o
tação bestial da personagem (como a como a música. Adota, para isso, uma valor dado pelos parnasianos ao uso no-
comparação com “cobra amaldiçoada”, linguagem consideravelmente subjetiva. bre e exemplar da língua pelos poetas
“cobra verde e traiçoeira” e “muriçoca 3. Tanto o Parnasianismo quanto o Sim- do período clássico, como Camões for-
doida”). Outra diferença significativa na bolismo partilham da valorização do jou o uso literário da Língua Portuguesa
comparação entre ambas diz respeito acabamento formal para o poema. em Os lusíadas.

365
Exercícios propostos 10. Soma: 01 + 04 + 16 = 21 Exercícios propostos
1. D 11. D 1. D
2. 12. Soma: 01 + 02 = 03 2. E
a) Cruz e Sousa é poeta simbolista; o 13. Soma: 01 + 08 + 32 = 41 3. B
Simbolismo pautou-se, sobretudo, pelo 14. C 4. C
subjetivismo (no qual se inclui o indi- 5.
15. C
vidualismo), pelo espiritualismo e pelo
16. B a) A precisão matemática pode ser ob-
culto ao onírico (exploração do in-
17. C servada no rigor formal que estrutura
consciente). São constantes, na poesia
o poema: a forma clássica do soneto
simbolista, a musicalidade, a sinestesia e 18. E (14 versos, 2 quartetos e 2 tercetos); a
a ideia de transparência, de translucidez.
19. C métrica e as rimas regulares (há predo-
— Onírico: “sonho virgem/ [...] ó Sonho
minância de versos decassílabos e, nos
branco [...]”.
quartetos, as rimas obedecem ao es-
— Espiritualismo: “És do Luar o claro Capítulo 10 – quema abba: rimam as últimas palavras
deus eleito”.
— Musicalidade (aliterações e assonân- Pré-Modernismo: entre o do primeiro e quarto versos e as do se-
gundo e terceiro versos; nos tercetos, o
cias): conservador e o moderno esquema é aab).
“[...] rosas brancas vais vestido/no perfei-
to esplendor indefinido”. Revisando b) O poema faz uso de palavras e ex-
— Sinestesia: “As aves sonorizam-te/E pressões do campo semântico da
1. Percebe-se, pela amostra de trechos,
as vestes frescas [...]”. Matemática (“algarismos”; “silogismos”;
que a literatura do Pré-Modernismo se
“aritmética”; “progressão dos núme-
b) No poema, os vocábulos responsáveis volta para os problemas do país e faz
ros inteiros”; “Pitágoras”) e da Biologia
pela atmosfera luminosa e etérea são: denúncias sociais. A “idealização” seria
(“Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úme-
Substantivos: “sonho”, “luar”. projetar o país e a sociedade à perfei-
ros”). O emprego de termos técnicos
Adjetivos: “branco”, “claro”. ção. O Pré-Modernismo faz o contrário
racionaliza a morte, tratada como uma
disso – ele revela verdades.
3. B realidade objetiva, quantificável, sem
2. O tom dos textos é de pessimismo, como mistificação. Tal perspectiva contrasta
4. A
uma forma de a linguagem literária repre- com o sentimentalismo e o subjetivismo
5. B sentar o contexto histórico-social. da tradição romântica, que idealiza a
6. B 3. Nos trechos são destacados, por morte como evento transcendental.
7. E exemplo, o conflito em Canudos e a 6. D
8. marginalização dos homens do subúr-
7. C
bio, portanto pode-se depreender que
a) “Fecha-se a pálpebra do dia [...]”. Há pro- 8. Soma: 08 + 16 = 24
a literatura dos autores pré-modernistas
sopopeia ao atribuir a ideia de fechar a volta-se especialmente para as classes 9. A
pálpebra, característica de seres huma- menos favorecidas do ponto de vista so-
nos, ao dia. 10. C
cioeconômico.
b) Possibilidade de resposta: a descrição 11. B
4. O texto em questão ilustra com muita
minuciosa do crepúsculo e o gosto por 12. D
propriedade o que o leitor de Lima Bar-
termos rebuscados (“embraseia”, “aureo- reto encontrará nas páginas de seu livro 13. D
lados”, “esmaece”). e que também condiz com as caracterís- 14. A
9. C ticas do Pré-Modernismo: a realidade é 15. C
10. A desnudada, e o homem em sociedade
16. A
é exposto como alguém vil e mesqui-
11. E 17. Soma: 01 + 16 = 17
nho. O texto de Marc-Aurèle mostra a
12. A inversão de valores humanos, em que 18. D
13. D qualidades se tornam defeitos e a per- 19. C
14. C versidade se sobrepõe à integridade.
20. D
15. C 5. “Hércules-Quasímodo” é a imagem-
21. F; V; F; F; V
-síntese de uma comparação antitética:
16. C 22. C
Hércules é um semideus da mitologia
17. D grega que encarnava a valentia e a for- 23. E
18. C ça, enquanto Quasímodo (personagem 24. D
19. E literária do romance O corcunda de No-
25.
tre-Dame, de Victor Hugo) representa a
Exercícios complementares feiura e a deformidade. a) Ao empregar a conjunção adversativa
"porém", o texto contrapõe a ideia de que
1. C 6. A feiura e a deformidade, características
a morte de Euclides da Cunha foi um alí-
de Quasímodo que, segundo Euclides
2. E vio para os incapazes em “romper com
da Cunha, aproximam-no do sertanejo,
3. F; F; V; V: V as mazelas deixadas pelo latifúndio, pela
começam a ser explicitadas no terceiro
escravidão e pela exploração predatória”.
4. D parágrafo: “É desgracioso, desengon-
De acordo com o texto, apesar do fale-
5. B çado, torto. [...] O andar sem firmeza,
cimento precoce de Euclides, a história
sem aprumo, quase gigante e sinuoso,
6. C não permitiu que o “ambiente mesquinho
apresenta a translação de membros de-
e corrupto da ‘república dos medíocres’”
7. C sarticulados”.
fosse apagado de seus registros, de for-
8. B 7. C ma que o legado de desigualdade ainda
9. A 8. D pode ser estudado nos dias atuais.

366 LÍNGUA PORTUGUESA Gabarito


b) Para Euclides da Cunha, a ordem e o pro- 6. o pronome “outro”, apenas variando
gresso mencionados na bandeira nacional a) O que o autor quis dizer é que a língua a flexão, no texto do parágrafo de Eu-
se relacionam, respectivamente, à exclu- falada não está atenta às regras grama- clides da Cunha, tais diferenças ficam
são social e a um legado abominável do ticais como ocorre com a norma culta; enfatizadas, do mesmo modo que ocor-
passado brasileiro. O autor defendia que isso não significa, porém, que a oralida- re com a repetição do vocábulo “tanto”,
o Brasil era dirigido por ideais fiéis à desi- de seja desprovida de regras, mas que em Os lusíadas.
gualdade social, bem como à escravidão nem todas são observadas, pois o con- 23. D
e à exploração “predatória da terra e do texto em que se insere a linguagem oral 24. E
povo” – herança histórica recebida pela é, na maioria das vezes, de informalida-
República e que foi a ferramenta principal 25. B
de, o que dispensa o rigor da norma.
do governo republicano para a manuten- 26. E
b) A palavra “episcopalmente” e as expres-
ção de privilégios de classe oriundos da 27. B
sões “meter o bico” e “orelhas murchas”
época da monarquia.
podem ser substituídas, respectivamen- 28. E
26. C 29. D 32. B te, por “com autoridade” (pois o advérbio
29. E
27. B 30. A 33. B refere-se à autoridade do bispo), “intro-
meter-se” e “envergonhada” (ou ainda 30. A
28. A 31. E 34. C
“humilhada”). 31. E
35.
7. D 32. C
a) As imagens presentes em “Balada
feroz” são marcadas por uma dimen- 8. V; V; V; V; F 33. D
são escatológica (“latrinas”, “fossas”, 9. Soma: 02 + 04 + 08 = 14 34. A
“fezes”), ou seja, estão relacionadas 10. B 35. C
à ideia de apodrecimento e de pu-
11. D
trefação. Imagens que, por sua vez,
referem-se a um mundo em colapso, 12. D Capítulo 11 – Modernismo em
que marcha para seu próprio aniquila- 13.
mento. A atmosfera presente no poema
Portugal: o começo
a) Na obra, Policarpo Quaresma defende
associa-se ao período que antecede a que os brasileiros devem falar o tupi- Revisando
Segunda Guerra Mundial, pois os ver- -guarani, já que é o idioma dos “donos”
sos de Vinicius de Moraes transcritos 1. As palavras “fingir” e “dor” estão conti-
do Brasil. Segundo a personagem, a das na primeira, “fingidor”; a partir daí,
na questão foram compostos no final língua portuguesa é emprestada dos co-
da década de 1930. o eu lírico insinua que um dos procedi-
lonizadores e não é natural. mentos da criação poética consiste em
b) Segundo os versos apresentados, o papel b) O pretérito imperfeito indica que uma ativar o mecanismo do fingimento.
do poeta e o da poesia seria o de transfor- ação que se iniciou no passado não foi
mar a matéria putrefata do mundo em um 2. O poema trata desse fingimento de for-
concluída - é um prolongamento do que
“poema puro”, ou seja, a matéria confliti- ma conotativa, salientando o aspecto
significa o verbo: “[...] ele se tracava até o
va do mundo deveria ser purificada pelo de ficção da literatura. As “dores” do eu
almoço [...] e estudava o jargão caboclo
poeta, caberia à sensibilidade lírica subli- lírico são duas porque um poeta consi-
com afinco e paixão”.
mar o “pus” em poesia. Assim sendo, a dera intraduzíveis as aflições humanas;
partir da tragédia social humana que lhe é 14. E nós apenas nos aproximamos verbal-
contemporânea, o poeta deveria produzir 15. D mente e expressamos nossas emoções
algo que permitisse a redenção espiritual 16. D com a poesia.
de seu tempo (“Lança o teu poema ino- 3. Elas são a dor que realmente se mani-
17. C
cente [...]”). O raciocínio implícito nesses festa e a representação literária da dor.
versos revela o mal disfarçado peso da 18. B
4. Na última estrofe, “coração” tem rela-
tradição religiosa cristã na produção ini- 19. B ção com a sensibilidade, que entretém
cial de Vinicius de Moraes, aspecto que
20. Denomina-se prosopopeia a figura de lin- o lado racional visando ao equilíbrio. Ao
nem mesmo o emprego exímio do verso
guagem na qual palavras e sentimentos se envolver e se disponibilizar para a
livre pode superar. Sob a capa da mo-
humanos são empregados para caracte- fruição da obra literária, o leitor alcança,
dernidade formal, insinua-se uma visão rizar seres inanimados. A prosopopeia é em certa medida, um alívio para o peso
conservadora e idealizada da função da vista no quarto parágrafo do fragmento, que a razão impõe sobre o sujeito.
arte no mundo moderno. Não é, portan- quando o autor atribui à “terra” ações que
to, destituído de consciência crítica que o 5. Nos textos de Fernando Pessoa, Alberto
a associam à imagem de mulher: “A ter-
próprio poeta, na advertência que abre sua Caeiro é descrito como o mais simples
ra ‘atrai’ o homem; ‘chama-o’ para o seio
Antologia poética, afirme que a poesia de dos poetas, pois extrai sua matéria poéti-
fecundo; ‘encanta-o’ [...]; ‘arrebata-o’ [...]”.
sua primeira fase seria fruto “dos precon- ca e seu modo de vida do contato íntimo
ceitos e enjoamentos de sua classe e do 21. Para deixar mais claro ao leitor a facili- e direto com a natureza. Segundo Caei-
seu meio [...]”. dade com que os canoeiros navegavam ro, o ser humano acabou por complicar
pelo Tietê, o autor utiliza a expressão a existência de seus dias pela adesão a
36. B “sem uma remada”, uma hipérbole. exagerados pensamentos metafísicos,
37. D 22. No terceiro período do sétimo parágrafo, a religiões, a filosofias e teorias científicas.
38. A lê-se sobre as divergências de projeto A busca da simplicidade dos sentidos
político em duas regiões: norte e sul. A como única forma de obter conhecimen-
Exercícios complementares população do norte era favorável à me- to está presente nos versos destacados
1. A trópole (Madri) e contrária ao domínio ao lado da imagem de Caeiro: “Eu não
2. D dos holandeses. Já os habitantes do sul tenho filosofia: tenho sentidos...”
não compartilhavam dos mesmos inte- Ricardo Reis é tido como amante da
3. Soma: 02 + 08 = 10 resses que a Espanha e desejavam que natureza e alheio à vida social. Esse
4. Soma: 02 + 04 + 08 = 14 Portugal recuperasse seu domínio e sua heterônimo revela-se frustrado com a
5. B autonomia. Ao se utilizar repetidamente decadência da civilização cristã, a qual,

367
a seu ver, caminha para o aniquilamento. interior”: este prefere – em um primeiro felicidade estava no “já”, no momento
Reis é um poeta neoclássico apegado momento, em que lhe falta maturidade – presente, e não em um lugar que não
à filosofia epicurista; sabe que a vida é agradar ao gosto de terceiros, pois isso fosse possível alcançá-la, porque, se
breve e a morte inevitável, como indica lhe afagará o ego, a viver independen- nos sentíssemos “realizados”, de certo
nos seus versos: “Sê todo em cada coi- temente da opinião alheia, o que exige modo, a teríamos alcançado.
sa. Põe quanto és/No mínimo que fazes”. maturidade, pois não agradar aos outros 4. Verificamos nos versos de Pessoa, “Ah,
Álvaro de Campos é retratado como um pode não inflar seu ego. nessa terra também, também/O mal não
engenheiro cosmopolita e vanguardis- b) Eis a frase reescrita: “O homem prefere cessa, não dura o bem”, que o “também”,
ta. Campos é afeito ao Modernismo, ser louvado/engrandecido/vangloriado de maneira repetida, significa que tanto
transmite as concepções futuristas por por aquilo que não é, a ser difamado/ em uma quanto na outra terra (a dos so-
meio de versos livres, enérgicos, ricos aviltado/rebaixado por aquilo que é”. nhos ou a da realidade) vige uma forma
em exclamações e interrogações: "[...] de pessimismo com relação à vida.
9. A
Não posso querer ser nada. [...]/À parte
10. D 5. Verificamos que tanto Vicente de Car-
isso, tenho em mim todos os sonhos do
valho quanto Fernando Pessoa utilizam
mundo”. 11. C a palavra “sonho” no sentido de uma
6. Fernando Pessoa era um poeta além do 12. C busca de felicidade humana, que nunca
seu tempo e conseguiu criar múltiplas se realiza. Para o primeiro, “hora feliz,
13. C
personalidades com biografias distintas. sempre adiada/E que não chega nunca
Por essa razão, Leyla Perrone-Moisés, em 14. V; V; F; F; V
em toda a vida”. Para Pessoa, “a vida é
seu comentário, chamou-o de “excessivo”. 15. D jovem e o amor sorri”.
7. Ao nomear Pessoa como o “supra-Ca- 16. C 6. C
mões”, Leyla Perrone-Moisés infere que 17. A 7. B
o poeta moderno teria conseguido su-
18. D 8. V; V; F; F; V
perar o poeta mais famoso da literatura
portuguesa. 19. D 9. C
8. É preciso levar em consideração as 20. B 10. V; F; V; V; V
rupturas gramaticais de Saramago, que 11. A
opta por um texto com muitas vírgulas, Exercícios complementares
12. B
ausência de dois-pontos e travessões, 1. D
13. Geralmente, um soneto é composto por
parágrafos muito longos e letras maiús- 2. Podemos observar que os dois poetas, versos de 10 sílabas poéticas. Já o soneto
culas no meio da frase (objetivando Vicente de Carvalho e Fernando Pessoa, de Drummond apresenta versos de seis
indicar início de diálogo). O autor trans- buscam de maneira alegórica, ou figura- sílabas poéticas, assim o poeta brinca com
fere para a escrita o fluxo de consciência da, a felicidade. De um lado, temos em o diminutivo “sonetilho” para dizer que seu
da personagem, formando-se, assim, um Vicente de Carvalho o retorno ao mito poema é um soneto, só que menor.
todo coerente. grego no qual fala do “pomo dourado”,
Como exemplo, podem-se citar os ver-
citando “a árvore milagrosa, que sonha-
Exercícios propostos sos “mas não sou eu, nem isto” e “E
mos/ Toda arreada de dourados pomos”.
1. D das peles que visto”, em que se faz re-
É a busca do que não temos no momento,
ferência às várias personalidades que
2. A que está mais além, em um plano quase
Fernando Pessoa assume em sua obra,
inatingível a nós. De outro, Fernando Pes-
3. D como em uma indefinição de si mesmo.
soa se volta ao carpe diem. O poema de
4. C Pessoa mostra que a felicidade não está 14. D
5. F; F; F; V; V em “coisas metafóricas”, mas sim dentro 15.
6. E de nós: “É em nós que é tudo. É ali, ali,/ a) No texto, a aldeia é caracterizada como
Que a vida é jovem e o amor sorri”. Assim, um lugar “tão grande como outra terra
7. B
Pessoa procura destacar a importância qualquer”, de onde é possível ver “quan-
8. do tempo presente. to da terra se pode ver no Universo...”. Já
a) De acordo com o excerto, orgulho difere 3. Podemos observar na poesia de Vicen- a cidade seria responsável por tornar a
de vaidade: enquanto esta é a evidência te de Carvalho que a felicidade está em vida muito menor, um lugar em que tudo
do mérito pessoal para terceiros, aque- um plano no qual não podemos atingi-la. nos torna pequenos porque nos dificulta
la refere-se à consciência do mérito Temos, sim, como objetivo alcançá-la. E a possibilidade de ver.
pessoal para si próprio. Sendo assim, o isto fica claro no final do poema: “Existe b) O verso livre confirma a ideia de valori-
orgulho volta-se para o interior de quem sim, mas nós não a alcançamos/Porque zação da pequena aldeia em detrimento
o sente, e a vaidade para o exterior de está sempre apenas onde a pomos/E das grandes cidades. Além disso, contri-
quem a sente. Ainda de acordo com o nunca a pomos onde nós estamos”. bui para reforçar a noção de amplitude
excerto, é mais fácil um homem ser vai- Na poesia de Fernando Pessoa, encon- que se opõe à de limitação característi-
doso sem ser orgulhoso, “pois tal é a tramos a possibilidade de se ter a sua ca do verso metrificado.
natureza humana”. Por isso, Fernando idealização, mas não significa que va-
Pessoa afirma que “o homem vive a prin- 16. B
mos alcançá-la. No trecho: “É em nós
cípio uma vida exterior, e mais tarde uma que é tudo”, podemos perceber que a 17. C

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