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SSN21
77-
3734
CADERNOabea
43
CADERNO abea 43
XXXVIII ENSEA
Encontro Nacional sobre Ensino de
Arquitetura e Urbanismo
XXI CONABEA
Congresso Nacional da ABEA
INCLUSÃO, MATERIALIDADE E
PRESENCIALIDADE: O QUE (DES)APRENDEMOS
COM A PANDEMIA?
18 a 20 de abril de 2022
Instituto Federal Fluminense – IFF
Campos dos Goytacazes – RJ
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 2
APRESENTAÇÃO
O Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo [ENSEA] e o Congresso
Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo [CONABEA] são
organizados pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo [ABEA]
têm como objetivo compartilhar e refletir sobre os resultados de pesquisas e
experiências relativas à educação dos arquitetos urbanistas, de forma a contribuir para
o avanço do conhecimento neste campo.
O Ensino de Arquitetura e Urbanismo [AU], no Brasil, tem atravessado transformações
importantes, não só pelo aumento da diversidade no perfil dos alunos, graças às
políticas afirmativas, mas, também, pela inclusão de agendas abrangentes e transversais
como, por exemplo, a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
[ODS] pactuados pela ONU; as políticas públicas que visam garantir a acessibilidade para
todos por meio do desenho universal; a qualidade do meio ambiente etc. No entanto,
as práticas presenciais e as condições de ensino, como um todo, foram colocadas em
xeque a partir do início de 2020, no contexto da pandemia da COVID-19. Desde então,
vimos assistindo à aceleração da adoção do ensino remoto, síncrono, on-line. O
distanciamento socioespacial, a falta de convívio e a ausência de trocas que ocorreram
nos espaços de ensino e aprendizagem atingiram e continuam impactando a vida dos
professores, dos estudantes, os trabalhos acadêmicos e a educação dos futuros
arquitetos e urbanistas. No caso do ensino de AU mais uma questão se coloca: o
impedimento da vivência dos espaços urbanos pelos estudantes, experiência essencial
para uma formação de qualidade.
Essas condições adversas também atingem a organização da sociedade em
praticamente todas as áreas da vida. Como decorrência, observamos o acirramento da
pobreza, o aumento da fome, o aumento das populações em condições de
vulnerabilidade e o seu distanciamento do direito à cidade. A pandemia ampliou as
profundas disparidades socioeconômicas, escancarando o cenário socioambiental
brasileiro, caracterizado por um ambiente urbano excludente. Situação esta que adentra
os muros das Instituições de Ensino Superior e atinge diretamente os cursos de
graduação em Arquitetura e Urbanismo.
Emerge daí uma importante questão: como garantir um alto grau de qualidade de
ensino e formação para todos os estudantes mediante o complexo cenário imposto pela
pandemia?
Nesse cenário desafiador, agravado pela crise econômica, pela precarização das
relações de trabalho e pela instabilidade e redução dos quadros docentes do ensino
superior, a ABEA acredita que é necessário o estabelecimento de um amplo debate com
vistas a novas e futuras perspectivas e estratégias para o ensino, a formação e a
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 4
COMITÊ CIENTÍFICO
Coordenação: Profa. Giovanna Teixeira Damis Vital, Prof. Ivo Renato Giroto, Prof. Fabio
Mariz Gonçalves
PROFESSOR(A) IES
Adriano Tomitão Canas Dr UFU
Alessandra Prata Shimomura Dr USP
Alessandro Filla Rosaneli Dr UFPR
Ana Lucia Abrahim Msc UNINILTONLINS
Ana Maria Reis de Goes Monteiro Dr UNICAMP
Ana Paula Rabello Lyra Dr UVV
Barbara Irene Wasinski Prado Dr UEMA
Beatriz Diógenes Dr UFC
Carlos Eduardo Nunes-Ferreira Dr UFRJ
Cybelle Salvador Miranda Dr UFPA
Doriane Azevedo Dr UFMT
Eneida de Almeida Dr USJT
Ester Judite Bendjouya Gutierrez Dr UFPEL
Frederico Braida Rodrigues de Paula Dr UFJF
Fabio Mariz Gonçalves Dr USP
Giovanna Teixeira Damis Vital Dr UFU
Gleice Virginia Medeiros de Azambuja Elali Dr UFRN
Ivo Renato Giroto Dr USP
João Carlos Correa Dr Barão de Mauá
Juliana Demartini Dr UNEMAT
Juliano Cecílio Oliveira Dr UFU
Marcelina Gorni Msc UFG
Maria Beatriz Camargo Cappello Dr UFU
Renato Tibiriçá de Saboya Dr UFSC
Ricardo Trevisan Dr UNB
Verônica Garcia Donoso Dr UFSM
Wanda Vilhena Freire Dr UFRJ
Wilson Florio Dr Mackenzie
Zander Filho Msc IFF
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 6
PROGRAMAÇÃO
Dia 18 de abril de 2022 (segunda feira)
9h30 Abertura Solene do Evento – Mesa de abertura com autoridades da
instituição e convidados: CAU/RJ, IAB, FeNEA, ANPARQ, ABAP, CAU/BR,
FNA)
10h30 Palestra da Profa. Ilma Passos Alencastro Veiga: De Arquiteto e Urbanista à
Profissão Docente: uma travessia com formação pedagógica
12h30 Intervalo
14h00 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 01
16h00 Intervalo
16h15 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 02
18h30 Lançamento do livro e exposição virtual: Projeto Novos Olhares
Dia 19 de abril de 2022 (segunda feira)
9h30 CONABEA – Abertura do Processo Eleitoral ABEA 2022-2023
10H00 Apresentação do Relatório de Gestão 2020-2021
11h00 Palestra cancelada
12h30 Intervalo
14h00 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 03
16h00 Intervalo
16h15 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 04
18h15 Intervalo
18h30 Processo Eleitoral: encerramento das inscrições das chapas
Dia 20 de abril de 2022 (segunda feira)
9h30 Processo Eleitoral: abertura da votação para Gestão 2022-2023
11h00 Palestra da Profa. Suely Rolnik: As aranhas, os guarani e alguns europeus:
outras notas para descolonizar o inconsciente
12h30 Intervalo
14h00 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 05
16h00 Intervalo
16H15 Palestra da Profa. Mette Ramsgaard: Apresentação 28º Congresso Mundial
de Arquitetos
17h15 Lançamento do Guia Acadêmico ODS
17h30 Mesa de encerramento e posse da nova Diretoria
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 7
SUMÁRIO
Sumário
DIRETORIA ABEA BIÊNIO 2022/2023 .................................................................................. 2
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 3
COMITÊ CIENTÍFICO ........................................................................................................... 5
PROGRAMAÇÃO ................................................................................................................ 6
GALERIA DE IMAGENS ....................................................................................................... 9
Ata conjunta do XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e
Urbanismo e XXI CONABEA - Congresso Nacional da ABEA .............................................. 17
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE
GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO ...................................................... 21
COMUNICAÇÕES ...................................................................................................... 35
PAINEL 1 .......................................................................................................................... 35
EaD acerca de Regularização Fundiária Urbana durante a pandemia do COVID-19: metodologia e
contribuições para a política pública ................................................................................................ 36
O impacto da pandemia da COVID19 no desenvolvimento dos Trabalhos finais de Graduação do
curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte: uma análise a
partir da percepção discente ............................................................................................................51
Natal Desenhada, edição Alecrim: como foi possível estar no lugar durante a pandemia...............66
Pesquisa e Extensão em meio à pandemia: o projeto de reuso adaptativo do DIRA – Sorocaba-SP81
Curso Regularização Fundiária Urbana: Contribuições para efetivação do Programa Casa Verde e
Amarela.............................................................................................................................................96
Uma crítica dos Cursos de Livre Oferta (CLOs) em arquitetura: o discurso competente e a
monetização do conhecimento ......................................................................................................111
PAINEL 2 ........................................................................................................................ 130
Práxis em tempos de pandemia: desafios e possibilidades no ensino de arquitetura e urbanismo
........................................................................................................................................................131
Uma nova agenda para o ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil........................................145
Ensino de Arquitetura e Urbanismo em tempos de pandemia: revisão sistemática de literatura .153
Percepções de crianças e suas cuidadoras(es) sobre os espaços livres públicos do seu cotidiano na
região central de São Paulo ............................................................................................................164
A crise da presença no ensino de projeto: da escola Bauhaus aos tempos da quarentena ...........180
Lacunas (ir)recuperáveis: a incompletude do remoto no ensino de Arquitetura e Urbanismo
durante a pandemia .......................................................................................................................193
PAINEL 3 ........................................................................................................................ 208
Experiências virtuais e experimentações remotas no ensino de arquitetura e urbanismo ............209
Por um olhar mais próximo ............................................................................................................220
Inclusão digital e formação docente de professores de arquitetura e urbanismo no contexto da
pandemia da COVID-19: reflexões, desafios e dificuldades............................................................235
Estratégias de apoio ao ensino remoto de Projeto de Arquitetura no início do curso durante a
pandemia ........................................................................................................................................249
O Ensino Remoto Emergencial e a retomada da interatividade presencial no ensino e formação em
Arquitetura e Urbanismo ................................................................................................................262
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 8
GALERIA DE IMAGENS
Figura 1 Mesa de Abertura
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 10
ATA CONJUNTA
XXXVIII ENSEA
Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo
XXI CONABEA
Congresso Nacional da ABEA
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 17
Ata conjunta do
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura
e Urbanismo e XXI CONABEA - Congresso Nacional da ABEA
Às nove horas e trinta minutos do dia dezoito do mês de abril de dois mil e vinte e dois,
com base no Instituto Federal Fluminense (IFF) e transmissão pelo canal da ABEA no
Youtube, deu-se início à sessão solene de abertura conjunta do XXI Congresso da
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CONABEA) e do XXXVIII
Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ENSEA) sob o tema
“Inclusão, materialidade e presencialidade: o que (des)aprendemos com a pandemia?”
Após a saudação dos componentes da mesa, a presidente da ABEA, Ana Maria Reis de
Goes Monteiro saudou a todos e a todas e declarou aberto o XXI CONABEA e o XXXVIII
ENSEA. Em seguida, a professora Ilma Passos Alencastro Veiga proferiu a palestra “De
Arquiteto e Urbanista à Profissão Docente: uma travessia com formação pedagógica”.
O evento contou com 53 inscrições, representando vinte universidades, dois institutos
federais de ensino, cinco centros universitários e um representante da CEF-CAU/RS. As
inscrições dos representantes resultaram na seguinte lista:
Universidades -
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais;
Universidade de Brasília;
Universidade de São Paulo;
Universidade Estadual de Campinas;
Universidade Federal da Fronteira Sul;
Universidade Federal de Campina Grande;
Universidade Federal de Pelotas;
Universidade Federal de Roraima;
Universidade Federal de Santa Catarina;
Universidade Federal de Santa Maria;
Universidade Federal de Uberlândia;
Universidade Federal do Amapá;
Universidade Federal do Espírito Santo;
Universidade Federal do Paraná;
Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
Universidade Federal Rural do Semi-Árido;
Universidade Presbiteriana Mackenzie;
Universidade Vila Velha;
Institutos Federais de Ensino -
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 18
Aprovada no
XXI CONABEA
Congresso Nacional da ABEA
Campos dos Goytacazes, 2022
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 22
Art. 49º O Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo terá carga horária mínima
e referencial de 3.600 (três mil e seiscentas) horas dedicadas exclusivamente aos
componentes curriculares definidos nestas DCN, integralização mínima em cinco anos,
e deve ser oferecido na modalidade presencial, tendo em vista as características da
profissão e a natureza do saber da Arquitetura, do Urbanismo e da Arquitetura da
Paisagem, que demandam como fundamental a vivência das relações interpessoais, e
cuja produção inadequada pode apresentar risco à vida e à saúde dos usuários.
§ 1º Na carga horária definida acima, excetua-se o estágio curricular, as atividades
complementares e a Extensão Universitária.
§ 2º As atividades de ateliê, em laboratório e em canteiros experimentais, de orientação
e supervisão de estágio, de orientação de Trabalho Final de Graduação e de pesquisa e
práticas de extensão devem ser obrigatoriamente presenciais.
§ 3º As atividades extensionistas devem corresponder a, no mínimo, 10% da carga
horária total do curso e, de acordo com a Resolução 7 (MEC/CNE/CES) de 18/12/2018,
se inserem nas seguintes modalidades: programas; projetos; cursos e oficinas; eventos
e prestação de serviços, inclusive programas institucionais e de natureza
governamental, que atendam a políticas municipais, estaduais, distrital e nacional.
§ 4º Devem ser previstos no mínimo 10% da carga horária total do curso em disciplinas
de caráter extensionista e/ou atividades de extensão.
§ 5º As atividades de ateliê devem corresponder a, no mínimo, 40% da carga horária
total do curso.
§ 6º O projeto pedagógico do Curso deverá prever a proporção máxima de 1 professor
para 15 estudantes nos conteúdos práticos e de ateliê, e 1 professor para 45 alunos nos
conteúdos teóricos.
Art. 50º Nenhum conteúdo curricular pode ser ministrado totalmente à distância.
14. DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 51º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Arquitetura e
Urbanismo são obrigatórias em âmbito nacional, e as Instituições de Educação Superior
deverão implantá-las em até 2 (dois) anos, contados da data de publicação desta
Resolução.
§ 1º As IES poderão promover a aplicação integral ou proporcional das DCN de
Arquitetura e Urbanismo aprovadas nesta Resolução aos cursos iniciados no prazo
previsto no caput deste artigo e regidos pelas DCN de Arquitetura e Urbanismo, editadas
pela Resolução CNE/CES nº 2, de 17 de junho de 2010.
§ 2º Os cursos iniciados após o prazo mencionado no caput deste artigo se submeterão
integralmente às DCN de Arquitetura e Urbanismo aprovadas nesta Resolução.
Art. 52º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando a
Resolução CNE/CES nº 2, de 17 de junho de 2010, publicada no Diário Oficial da União,
em 18 de junho de 2010, e demais disposições em contrário.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 35
COMUNICAÇÕES
PAINEL 1
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 36
RESUMO
A modalidade de ensino à distância (EaD) possibilita profissionalizar e capacitar os mais diferentes públicos
em lugares e tempos distintos, por meio dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) e dos
mecanismos de interação que eles proporcionam, configurando-se como uma alternativa de
instrumentalização de atores envolvidos em políticas públicas, incluindo a Regularização Fundiária
Urbana, que é uma demanda urgente das cidades brasileiras. Neste sentido, o presente trabalho objetiva
analisar a oferta das duas primeiras turmas do curso EaD de Regularização Fundiária Urbana, construído
e oferecido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) em parceria com a Universidade Federal
Rural do Semi-Árido (UFERSA), durante a pandemia da COVID-19, e as possíveis contribuições destes para
a efetivação de políticas públicas. Identificou-se que os cursos tiverem conteúdo exclusivo escrito e
audiovisual, contaram com tutoria especializada em regularização fundiária urbana, suporte operacional
e metodologias de articulação variadas. Desse modo, possibilitaram conhecimento e qualificação técnica
de qualidade para os cursistas a partir dos conceitos e minúcias envolvidas no processo de Reurb, que
podem ser aplicadas nas mais diferentes realidades das regiões brasileiras, colaborando para a diminuição
gradual do déficit habitacional e dos componentes da inadequação das moradias por todo o território.
PALAVRAS-CHAVE: regularização fundiária, modalidade EaD, políticas públicas, COVID-19
1 INTRODUÇÃO
A falta de planejamento dos espaços urbanos, em especial os brasileiros, geram
consequências na realidade cotidiana bastante preocupantes, como é o caso da
urbanização desordenada. Esse cenário contribui para o déficit de serviços
fundamentais que garantem o direito à cidade (MARGUTI, 2018). Além disso, são
ampliadas a segregação socioespacial, a exclusão e a informalidade, seja pela
concentração geográfica e social ou pelas cidades serem capitalistas, conflituosas,
fragmentadas e divididas (MARICATO, 2013; HARVEY, 2013).
Diante deste quadro, as práticas que evidenciam o espaço urbano e auxiliam essa
segregação socioespacial são, segundo Harvey (2013), oriundas das particularidades e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 37
especificidades da malha, para cada segmento social e que, para Carvalho et. Al. (2019),
afetam os serviços mínimos de acesso à saúde e segurança, resultando em uma baixa
qualidade de vida.
Em 11 de Julho de 2017, foi instituído no território nacional a Lei nº 13.465/2017, que
trata de Regularização Fundiária Urbana (Reurb), que abrange medidas jurídicas, sociais,
ambientais e urbanísticas nos núcleos urbanos informais com o propósito de titular os
seus ocupantes. O objetivo da Reurb é prestar serviços públicos essenciais, integração
social, cumprir a função social, titular os proprietários, ratificando os direitos reais
através de uma moradia digna, além de influenciar a população a permanecer nessa
regularidade (BRASIL, 2017a).
Do mesmo modo que a regularização fundiária transforma o ocupante de uma
residência em titular dos direitos reais, a educação a distância é uma prática
estruturante, transformadora de democratização da educação e que avança com as
políticas públicas em um projeto político social que abrange local, regional e
nacionalmente os mais diferentes níveis de ensino (HETKOWSKI; LIMA, 2004). Neste
sentido, a formação de profissionais e comunidades é fundamental em uma perspectiva
que provoque a associação teórico e prática, pois a construção do conhecimento
envolve reflexões sobre as concepções que sustentam as formas de trabalho no
cotidiano.
A educação à distância (EaD) é uma modalidade de ensino que utiliza recursos
tecnológicos de informação e comunicação para os processos de ensino e
aprendizagem, entre os estudantes e professores em lugares e tempos diversos. Esta
modalidade requer vontade, empenho e leitura, aliado a um bom suporte didático, seja
de informática, recursos audiovisuais ou suporte tutorial (MARTINS; SOUZA, 2009;
BRASIL, 2005). Com o reconhecimento da extensão universitária como ponte entre a
sociedade e uma política social que responde aos seus anseios da sociedade (JEZINE,
2001; KOGLIN; KOGLIN, 2019), as universidades estão mais que preparadas para
profissionalizar a sociedade como um todo em suas mais diferentes formações e classes
sociais.
Nesta perspectiva, em 2019 foi pactuada uma parceria entre o Ministério do
Desenvolvimento Regional (MDR) e a Universidade Federal Rural do Semi-Árido
(UFERSA) com a finalidade de ser gerada instrumentalização de diferentes atores para a
execução de Regularização Fundiária Urbana e outras políticas públicas que a envolvem
diretamente, uma vez que além de se conhecer o que é evidenciado nas legislações e
normativos associados a estas, é preciso entender como aplicá-los nas diferentes
realidades. As atividades desta parceria são efetivadas pelo Projeto de Pesquisa e
Extensão Desenvolvimento de Conteúdo Técnico e Capacitação EaD sobre Regularização
Fundiária (MAPA), vinculado ao Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra
Urbanizada.
A primeira turma dos cursos foi ofertada a partir de abril de 2021, composta por cinco
módulos, de forma tutorada. Os cursos possuíam público-alvo específico, sendo eles:
gestores municipais, servidores estaduais e federais, além de profissionais que tivessem
relação direta com os processos de regularização fundiária, da organização, gestão do
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 38
processo, consultores e os profissionais que exerciam suas funções in loco nos núcleos
urbanos informais. A segunda oferta, a partir de maio de 2021, com os mesmos módulos
e apoio de tutores especializados em Reurb para os cursistas, incorporou também
professores, estudantes e outros interessados nesta temática. A abordagem adotada foi
na perspectiva de educação inclusiva, oferecendo atendimento educacional
especializado, abrangendo serviços de apoio operacional e recursos de forma
transversal.
Considerando a importância de se efetivar políticas públicas que promovam a redução
do déficit habitacional e a irregularidade fundiária, o objetivo do presente trabalho é
analisar a oferta das duas primeiras turmas do curso de Regularização Fundiária Urbana,
construído e oferecido pelo MDR em parceria com UFERSA, durante a pandemia de
COVID-19, e as possíveis contribuições destes para a efetivação e políticas públicas de
Reurb.
O texto é composto pelas seções: a) Metodologia, que aborda as etapas para a
realização desta pesquisa; b) Irregularidade fundiária e Educação a Distância (EaD), que
expõe aspectos teóricos e da realidade brasileira nestes dois temas, b) Curso EaD em
Regularização Fundiária Urbana, que apresenta características das turmas EaD em
análise neste trabalho e discorre a importância destes para efetivação de políticas
públicas.
2 METODOLOGIA
Para a concretização deste trabalho, realizou-se o acompanhamento do Curso EaD em
Regularização Fundiária Urbana, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR) em parceria com a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA),
oferecido entre abril e agosto de 2021 e colaborou-se para sua concretização.
O curso em discussão nesta pesquisa foi oferecido em duas turmas, compostas, cada
uma, por cinco módulos. Neste sentido, analisou-se a estruturação do curso; os
conteúdos disponibilizados; o perfil dos inscritos; os feedbacks de cursistas e; associou-
se esses elementos às contribuições para execução de políticas públicas, especialmente
as direcionadas à Reurb.
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Além disso, segundo esta lei, o poder
público a partir da educação continuada deve incentivar o ensino à distância,
regulamentado posteriormente pelo Decreto nº 5.057/2017 (BRASIL, 2017b), nos mais
diferentes níveis e modalidades.
A modalidade de educação à distância também é entendida por Landim (1997) e Alves
(2009) como efetiva, pois utiliza as tecnologias da informação e comunicação para
instruir alunos que estão separados fisicamente e no tempo. A EaD vem ganhando cada
vez mais destaque, principalmente no cenário pandêmico fortemente vivenciado a
partir de 2020, pois, adapta-se a realidades dos alunos, facilita a formação, sem deixar
de perder a qualidade, sendo um sistema que pode atender diversos públicos
específicos (FARIA; SALVADORI, 2010).
A modalidade EaD é defendida pelos acadêmicos, políticos e empresários, porque trata-
se de uma tendência mundial, principalmente no momento de pandemia da Covid-19
mais fortemente vivenciado a partir de 2020, uma vez que oferece a oportunidade de
continuidade de atividades com efetividade, considerando o respaldo por organismos
internacionais como, o Banco Mundial e a Unesco, que produzem documentos
orientadores (ZAN; KRAWCZYK, 2021; CASTRO; ARAÚJO, 2018).
Apesar das universidades terem inicialmente o propósito de ensino, com o passar dos
anos, revolução industrial e novo sistema de produção, estas instituições passaram a
deter a função de mão de obra com o objetivo de servir aos interesses do capital,
surgindo assim a pesquisa (FAGUNDES, 1986). Por agregarem também a prestação de
serviços, os cursos oferecidos pelas universidades podem ser disponibilizados de forma
remota, o que responde aos interesses e anseios da sociedade, em especial a de classes
menos favorecidas economicamente, o que colabora para a concretização da dimensão
social, apontada como presente nas instituições de ensino por Jezine (2001).
Por possibilitar capacitação concreta, permitindo atender a diversos públicos, que
poderão aprender de acordo com sua a disponibilidade de horário e lugar, a EaD pode
ser uma aliada para a superação da irregularidade fundiária urbana que acomete o Brasil
à medida que pode explanar conteúdos teóricos e práticos de procedimentos de sua
concretização e esclarecer dúvidas.
A nível nacional, segundo a Fundação João Pinheiro (FJP, 2021), em seu relatório de
2016-20191, os problemas relacionados à natureza fundiária estavam presentes em
2.514.972 domicílios em 2016 e, em 3.557.117 em 2019. O impasse fundiário é
considerado pela FJP (2021) uma inadequação das moradias. Entretanto, esta
inadequação inclui outros aspectos, como: adensamento excessivo, cobertura
inadequada, ausência de unidade sanitária, além de carência de infraestruturas, e,
apesar dos elevados números de inadequações, estes os números podem ser ainda
subestimados, pois existe um viés de aquiescência no ato da coleta de dados nos
domicílios (KRAUSE, 2019).
1Para conferir esse e outros dados referentes ao quadro situacional do país. acessar o referido relatório
em: http://fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/04/21.05_Relatorio-Deficit-Habitacional-no-Brasil-
2016-2019-v2.0.pdf
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 40
Figura 1 - Capas dos cadernos técnicos dos 5 módulos do Curso EaD em Regularização Fundiária Urbana
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Adaptada pelos Autores (2022).
A modalidade de ensino à distância foi eleita para o curso pelo fato de eliminar as
distâncias geográficas, propiciando qualificar os profissionais por todo o território
nacional, além de possibilitar para o aluno a escolha e organização do seu tempo e local
de estudo, seja na folga dos trabalhos ou finais de semana, e a oportunidade de rever
os conteúdos (COQUEIRO; SOUZA, 2021; HACK, 2011).
Para a divulgação do curso, utilizou-se uma estratégia de comunicação a nível nacional,
que envolveu as redes sociais, hotsite do Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra
Urbanizada; website e redes sociais do Ministério do Desenvolvimento Regional; envio
de E-mails para o público-alvo (servidores municipais, estaduais e conselhos de classe).
Para a inscrição do público-alvo do curso, foi adotado o Google Formulários, que permite
a organização e hospedagem de uma grande quantidade de informações.
O curso foi disponibilizado de forma online e gratuita pela plataforma Moodle,
selecionada por ser referência entre as instituições de ensino, uma vez que contém
diversas funcionalidades, como é o caso de pré-requisitos e conclusão de atividades, que
oferece um controle interno para melhor orientar, por exemplo, que para responder o
questionário avaliativo, é obrigatória a visualização de todas as videoaulas. Segundo
A plataforma Moodle também oferece soluções para possíveis problemas de
hospedagem e proporciona mudanças em seu layout, o que resulta na construção de
uma identidade visual única e de acordo com a proposta, o que foi realizado para este
curso.
Os cursistas contavam com o apoio de tutores especializados e suporte operacional da
plataforma de segunda à domingo, das 08 às 22 horas, com canais de interação por:
fóruns e chats (do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e de aplicação integrada).
Os tutores eram especialistas, mestres e doutores das áreas de Direito, Arquitetura e
Urbanismo, Engenharia Civil e Engenharia Ambiental e Sanitária. Havia também dois
supervisores com experiências na concretização de Reurb e Políticas Públicas, que
assessoravam e acompanhavam os tutores, participavam da materialização de tarefas e
realizavam planejamento das ações do curso junto à coordenação.
Coqueiro e Souza (2021), a existência de assessoramento especializado aos usuários do
EaD permite a construção progressiva do conhecimento à medida que se baseia no
construtivismo, ressaltado por uma interação entre seres humanos.
Foram disponibilizadas videoaulas, cadernos técnicos, materiais complementares que
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 42
TURMA 01 TURMA 02
REGIÃO Quant. de Porcentagem de Quant. de Porcentagem de
inscritos inscritos inscritos inscritos
Nordeste 208 29,89% 619 30,15%
Norte 73 10,49% 203 9,89%
Sul 117 16,81% 368 17,92%
Sudeste 221 31,75% 651 31,71%
Centro-Oeste 71 10,20% 207 10,08%
Sem o dado 6 0,86% 5 0,24%
Total 696 100% 2053 100%
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).
Quadro 2 – Quadro de número e porcentagem de inscritos nas turmas 01 e 02 dos Cursos de Regularização
Fundiária Urbana pelas unidades federativas.
TURMA 01 TURMA 02
UF Sigla Quant. de Porcentagem de Quant. de Porcentagem de
inscritos inscritos inscritos inscritos
Acre AC 0 0,00% 0 0,00%
Alagoas AL 2 0,29% 10 0,49%
Amapá AP 3 0,43% 7 0,34%
Amazonas AM 16 2,30% 9 0,44%
Bahia BA 70 10,06% 129 6,28%
Ceará CE 29 4,17% 102 4,97%
Espírito Santo ES 11 1,58% 30 1,46%
Goiás GO 15 2,16% 32 1,56%
Maranhão MA 13 1,87% 47 2,29%
Mato Grosso MT 9 1,29% 23 1,12%
Mato Grosso do Sul MS 10 1,44% 45 2,19%
Minas Gerais MG 78 11,21% 203 9,89%
Pará PA 28 4,02% 101 4,92%
Paraíba PB 8 1,15% 27 1,32%
Paraná PR 22 3,16% 84 4,09%
Pernambuco PE 32 4,60% 96 4,68%
Piauí PI 7 1,01% 20 0,97%
Rio de Janeiro RJ 11 1,58% 70 3,41%
Rio Grande do Norte RN 44 6,32% 151 7,36%
Rio Grande do Sul RS 42 6,03% 105 5,11%
Rondônia RO 8 1,15% 23 1,12%
Roraima RR 2 0,29% 13 0,63%
Santa Catarina SC 53 7,61% 178 8,67%
São Paulo SP 121 17,39% 353 17,19%
Sergipe SE 3 0,43% 38 1,85%
Tocantins TO 16 2,30% 51 2,48%
Distrito Federal DF 31 4,45% 94 4,58%
Sem o dado - 12 1,72% 12 0,58%
Total - 696 100% 2053 100%
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).
Nota-se, por meio do Quadro 2, que a maior porcentagem dos cursistas foi do estado de
São Paulo, totalizando pouco mais de 17% dos inscritos em ambas as turmas, seguido
de Minas Gerais para a turma 01, com 11,21% e, 9,89% na turma 02. Para Marçal, Pontes
e Randi (2020), a irregularidade fundiária é mais comum nas grandes cidades brasileiras,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 44
Porcentage Porcentage
Área ou Profissão Quant. de Quant. de
m de m de
inscritos inscritos
inscritos inscritos
Direito 182 26,15% 386 18,80%
Arquitetura e Urbanismo 103 14,80% 321 15,64%
Engenharia Civil 87 12,50% 276 13,44%
Serviço Social 55 7,90% 199 9,69%
Administração 38 5,46% 124 6,04%
Área Ambiental e Biológica 11 1,58% 56 2,73%
Agrimensura 12 1,72% 41 2,00%
Ciências Contábeis 15 2,16% 39 1,90%
Agronomia 9 1,29% 37 1,80%
Pedagogia 8 1,15% 32 1,56%
Agropecuária/Agricultura 3 0,43% 31 1,51%
Serviço Público 14 2,01% 29 1,41%
Geografia 7 1,01% 28 1,36%
Psicologia 4 0,57% 21 1,02%
Economia 5 0,72% 20 0,97%
Gestão Pública 7 1,01% 12 0,58%
Área Bancária 6 0,86% 11 0,54%
Área Cartorária 20 2,87% 9 0,44%
Comunicação Social 2 0,29% 1 0,05%
Outros 108 15,52% 380 18,51%
Total 696 100% 2053 100%
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).
Verifica-se que as cinco profissões mais presentes entre os inscritos foram: direito
(18,80% e 26,15%), arquitetura e urbanismo (15,64% e 14,80%), engenharia civil
(13,44% e 12,50%), serviço social (9,69% e 7,90%) e administração (6,04% e 5,46%).
Logo, constata-se que essas áreas estão intrínsecas à Reurb, que demanda a atuação
multidisciplinar. Para arquitetura e urbanismo, por exemplo, que possui como um dos
eixos de abordagem a do Planejamento Urbano e Regional/Demografia, o quantitativo
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 45
de inscritos no curso com esta área de atuação ou profissão expõe a pertinência do tema
para estes e destes para a Reurb.
Os números em relação à área e à profissão evidenciam o alcance do público-alvo
proposto e a instrumentalização dos principais profissionais habilitados a realizar as
atividades e produtos resultantes de uma regularização fundiária. Os profissionais de
Direito elaboram e analisam documentos, por exemplo, indicando os caminhos mais
adequados para cada caso, fiscalizando os procedimentos executados, além de facilitar
a compreensão da linguagem jurídica para as equipes e os beneficiários.
Os da engenharia civil podem ter suas funções locadas nos levantamentos dos imóveis
passíveis a regularização, gerando mapas e memoriais, além de estudos sobre áreas
ambientais e de risco, produzindo avaliações, laudos e pareceres técnicos, quando
necessário. Estes profissionais, também podem coordenar, executar e fiscalizar obras
quando estas são necessárias, durante ou depois da finalização do processo.
Para a área do Serviço Social, os profissionais são responsáveis pela elaboração do plano
de comunicação com os beneficiários, que implica em resultado nas etapas do cadastro
físico e social, disponibilização e assinatura de documentos, pactuação do projeto de
regularização fundiária. Existe um estigma por parte da população acerca da
Regularização Fundiária Urbana, que impossibilita muitas vezes a interação social entre
a equipe responsável pela regularização, uma vez que há uma tendência em assimilar a
Reurb a uma imagem de “política assistencialista”, principalmente se a abertura do
processo de regularização for em período eleitoral (MARÇAL; PONTES; RANDI, 2020) e o
profissional da área social é fundamental para superar esses e outros empecilhos que
possam vir a surgir nos núcleos em Reurb.
Os arquitetos e urbanistas identificam as desconformidades e áreas de risco, propondo
soluções, além de contribuírem para a elaboração de plantas urbanísticas, o que resulta
em vários documentos que são obrigatórios para o andamento do processo de
regularização fundiária. É a partir destes profissionais, em parceria com outros, que o
poder público terá à disposição documentação legal para realizar obras de melhoria
habitacional, que propiciam uma moradia minimamente digna para os beneficiários.
Segundo a Lei n° 13.465/2017, art. 10, a Regularização Fundiária tem o papel de
organizar e assegurar a prestação mínima de serviços públicos para núcleos urbanos
informais, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais (BRASIL, 2017a).
A Lei ainda assegura, quando necessárias, obras de infraestruturas que compõem o
projeto urbanístico de regularização fundiária e considera que estão são: sistema de
abastecimento de água potável (individual ou coletivo), sistema de coleta e tratamento
de esgotamento sanitário (individual ou coletivo), rede de energia elétrica domiciliar,
soluções de drenagem e outros equipamentos que serão definidos pelo poder público
municipal em função das necessidades locais e características regionais.
No que se refere ao papel dos profissionais atuam nos cartórios de registro de imóveis
(nas turmas 1 e 2 estes profissionais representam um número de 29), estes realizam a
busca de documentos de propriedade existentes; recebem, analisam e registram os
direitos reais em nome dos beneficiários, garantindo que a regularização dominial seja
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 46
concretizada.
Para as demais áreas e profissões, Martins e Souza (2022) revelam que a modalidade de
ensino à distância atualmente tende a atender as diferentes formações de nível
superior. É importante enfatizar que os profissionais que atuam nos municípios, são
agentes com papel significativo dentro do processo de regularização fundiária, e que
tendem a ter uma formação diferente da função a qual exercem, exemplo: Bacharelado
em Educação Física na função de Secretário de Assistência Social da cidade, dentre
muitos outros perfis identificados nas duas turmas.
A contribuição que o curso EaD em Regularização Fundiária Urbana para efetivação da
política pública, em especial a de Regularização Fundiária pode ser percebida pelos
feedbacks apresentados pelos cursistas na Pesquisa de Satisfação do curso, nas duas
turmas.
Depoimentos deixados nas turmas 1 e 2 mostram que os cursistas evidenciam a
quantidade de recursos e a amplitude da Regularização Fundiária Urbana: “O tema
Regularização Fundiária é bem abrangente e esse curso conseguiu sanar muitas dúvidas.
Infelizmente não consegui explorar melhor todas as ferramentas disponíveis (Aluno A)”;
“Acredito que o Curso foi bem pensado e organizado da forma que facilitasse o nosso
aprendizado, agregados através das videoaulas, livro e lives (Aluno B)”; “Ter sempre
professores com a didática do apresentador do Módulo V. Muito bom!!! A do Módulo I
também foi boa! (Aluno C)”.
O primeiro módulo, Introdução à Regularização Fundiária Urbana, debateu acerca da
origem do conceito de regularização fundiária, quais os seus marcos legais, quais os
tipos de irregularidade (favelas; loteamentos clandestinos ou irregulares; cortiços;
palafitas, margens de rios e canais; ocupação de terras públicas, dentre outros) que
assolam os núcleos urbanos informais, a sistemática que envolve o processo complexo
e multifacetário da Reurb, quem são os protagonistas e os envolvidos, além de discutir
o diagnóstico inicial das desconformidades presentes. Para Maricato (2013) as cidades
brasileiras são construídas por moradores (geralmente força de trabalho barata) em
áreas invadidas (segregadas), que carecem de fiscalização, são ambientalmente frágeis,
o que desrespeita as legislações vigentes, decorrentes da ausência em sua concepção
de profissionais arquitetos e engenheiros.
O módulo II, Procedimentos de Regularização Fundiária Urbana, enfatizou como
notificar os envolvidos no processo, o trabalho social, o projeto de regularização
fundiária (PRF), o projeto urbanístico e cronograma físico, se necessário, além das
especificidades entre a Reurb-E (Regularização Fundiária de Interesse Específico) e
Reurb-S (Regularização Fundiária de Interesse Social). A principal diferença entre essas
duas modalidades é descrita na Cap. I, art. 13 da Lei nº 13.465/2017, que é as faixas de
renda (BRASIL, 2017a).
No âmbito da Reurb, poderão ser empregados diversos instrumentos jurídicos e pelo
fato da lei amparar muitos instrumentos, o módulo III (Instrumentos de Regularização
Fundiária Urbana), tinha o objetivo de explicá-los e esclarecer em que situações podem
ser empregados. Importante ressaltar o papel da assessoria jurídica na consolidar desta
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 47
2 Para visualizar melhor e interagir com o Processo de Registro de Imóveis, acesse https://bizagi-
mapa.github.io/Processo_de_Registro_de_Imoveis
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 48
5 CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES
A regularização fundiária urbana, especialmente no que tange à modalidade Reurb-S, é
necessária para superar o cenário nacional segregador. Entretanto, é necessário que os
atores envolvidos no processo tenham conhecimento suficiente para efetivá-la.
Neste sentido, a parceria pactuada entre o Ministério do Desenvolvimento Regional e a
Universidade Federal Rural do Semi-Árido é um exemplo de capacitação técnica no tema
de Regularização Fundiária Urbana, oferecida na modalidade à distância em período
pandêmico, que pode colaborar para o avanço desta política pública.
O conteúdo, metodologia, suporte, quantitativo de inscritos (com a diversidade de
formações e áreas de atuação) e os depoimentos positivos demonstram que o curso
atingiu o objetivo de capacitação e amplia a perspectiva de aplicação dos aprendizados
obtidos na redução da informalidade das cidades.
AGRADECIMENTOS
Ao Projeto de Pesquisa e Extensão Desenvolvimento de Conteúdo Técnico e Capacitação
EaD sobre Regularização Fundiária Urbana (MAPA), vinculado ao Núcleo de Pesquisa e
Extensão Acesso à Terra Urbanizada, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, e ao
Ministério do Desenvolvimento Regional, pela oportunidade de desenvolver com
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 49
REFERÊNCIAS
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2021. (Série Informática na Educação CEIE-SBC, v.5) Disponível em https://ieducacao.ceie-br.org/ava. Acessado em
05/02/2022.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 50
RESUMO
No intuito de contribuir com a análise dos impactos da pandemia da COVID-19 no processo de ensino-
aprendizagem de arquitetura e urbanismo esse artigo se propõe a compreender alguns resultados dos
trabalhos finais de Graduação (TFG), desenvolvidos entre 2020 e 2021, utilizando o curso da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como objeto de reflexão. O Plano Pedagógico desse Curso (PPC)
tem com princípio norteador a integração de conteúdos, expressa tanto pelos componentes de projeto e
ateliê integrados, quanto pelos pré e co-requisitos. Além disso, é um curso que prima pelas atividades
práticas, visitas de campo, visitas técnicas e um contato direto aluno-professor. Esses fatores impactam
nos trabalhos finais de graduação que refletem, com qualidade, as complexidades da formação em
arquitetura e urbanismo. Entretanto, a pandemia da COVID-19 e, consequentemente, o ensino
emergencial remoto trouxeram necessárias mudanças e adaptações para o desenvolvimento dos TFG no
formato digital. Assim, a partir da escuta dos alunos formados nos anos 2020 e 2021, e considerando
alguns dados que já são possíveis serem extraídos do processo, este artigo inicia uma discussão urgente
sobre os impactos do formato remoto para o processo de ensino-aprendizagem de arquitetura e
urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho final de graduação, ensino remoto, pandemia COVID-19, ensino de
arquitetura e urbanismo
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo principal compreender os impactos da pandemia da
COVID-19 no desenvolvimento dos trabalhos finais de Graduação (TFG) no curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
especificamente no período compreendido entre 2020 e 2021 (considerando os três
semestres letivos finalizados: 2020.1, 2020.2 e 2021.1). Para tanto, busca construir um
retrato a partir da análise de dados quantitativos e qualitativos extraídos a partir das
informações de números de matriculados na atividade TFG, mas sobretudo, por meio
da percepção discente, obtida com a aplicação de formulários respondidos por meio
virtual, com o uso da ferramenta Google Form.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 52
Foi visto que outros autores desenvolveram pesquisas semelhantes, e em outras áreas
de formação (AMARAL, 2021) ou no ensino de AU, demonstrando inquietações quanto
a problemática identificada, relacionada diretamente com as atividades postas em
prática em situação emergencial no ensino superior. É o caso de PINHEIRO (2021) que
estudou em seu próprio trabalho de conclusão as experiências do ensino remoto no
cenário da pandemia da COVID-19 no ensino de arquitetura e urbanismo no estado de
Sergipe.
Inicialmente, o artigo apresenta a conceituação do Trabalho Final de Graduação e trata
da sua relevância para o processo de ensino-aprendizagem na formação em AU. A
seguir, contextualiza o universo de estudo: o curso de arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o papel dessa atividade de conclusão de
curso em sua estrutura curricular e em seu Projeto Pedagógico. Posteriormente,
discorre brevemente sobre o cenário emergencial vivenciado a partir de março de 2020,
para a seguir apresentar os dados coletados associados à questão problema. Ao fim são
desenvolvidas as considerações sobre as perdas, os ganhos e a aprendizagem a partir
dos esforços desenvolvidos durante a pandemia para alcançar qualidade no ensino em
Arquitetura e Urbanismo.
Vê-se, dessa maneira, que a relação estabelecida entre as duas partes é tida como
fundamental para os encaminhamentos do trabalho. Nesse processo, em que acontece
o que SCHÖN (ano) denomina de prática reflexiva, a figura do orientador é considerada
importante e quando as partes cumprem os seus respectivos papéis é de se esperar que
os resultados seja profícuos.
A respeito das áreas com maior ênfase nos trabalhos de curso, VELOSO (2009) após
pesquisa realizada com os acervos de trabalhos finais de graduação de nove instituições
brasileiras, indica que apesar dos temas dos trabalhos de conclusão serem de livre
escolha dos estudantes, podendo englobar as diferentes subáreas de conhecimento em
Arquitetura e Urbanismo, a maior parte dos TFG tem como objeto o projeto de
arquitetura. A autora ainda aponta que dentre os procedimentos identificados nas
elaborações dos trabalhos vê-se a realização de pesquisas teóricas e conceituais, além
da aplicação de instrumentos de coletas de dados por meio de metodologias
participativas junto a comunidades envolvidas na temática e/ou no objeto
arquitetônico/ urbano a ser desenvolvido. Além dessas estratégias, os estudantes fazem
uso de estudos de referências ou de precedentes arquitetônicos, realizados de maneira
direta (com visitas in loco) ou indiretamente, por meio, sobretudo, de consultas em
páginas da internet especializadas no conteúdo relacionado à área de Arquitetura e
Urbanismo.
O presente artigo, fundamentado seja nas investigações de outros autores que trataram
do tema, assim como a partir das experiências de seus autores, acumuladas por meio
do ensino em AU, reforça a compreensão de que o TFG adquire uma representação,
para além da atividade avaliativa, amparada em regras gerais e em outras indicações
próprias das instituições às quais se vinculam. Pois o trabalho de conclusão de curso,
converte-se também em um símbolo, que demarca a passagem da academia para a vida
profissional e que, naturalmente, incorpora um grande significado para aqueles que
estão envolvidos no processo. Desse modo, compreender esse rito de passagem e as
condições que o permeiam é essencial para valorizar as diversas reflexões que é capaz
de suscitar.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 55
A partir de 1989, foi implantado o currículo A3, que buscava eliminar esta fragmentação
com a inserção do princípio da integração de conteúdos disciplinares, princípio que
persistiu nas atualizações curriculares subsequentes, e que será reforçado e ampliado
no currículo que está em aprovação (A6). Nos dias atuais o curso é estruturado em cinco
áreas de estudos: Representação e Linguagem, Projeto de Arquitetura, Planejamento e
Projeto Urbano e Regional, História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo e
Tecnologia.
O curso encontra-se no quinto currículo, denominado A5 (implantado em 2005) e está
em vias de implementação de nova reforma curricular. A sua estrutura atual conta com
um total de cinquenta e sete disciplinas obrigatórias que equivalem a uma carga horária
total de 4580 horas-aula, além dos componentes optativos que somam 300 horas-aula,
tendo como carga horária mínima 4880 horas-aula.
A estrutura do curso atual segue baseada no princípio da integração de conteúdos, tanto
horizontal quanto vertical, expressa pelos componentes curriculares do curso tanto por
co e pré-requisitos, quanto por componentes integrados.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 56
a busca pela integração deve ser, mais uma vez, um imperativo do curso. A
integração procura a aproximação e a compreensão holística dos
conhecimentos, que estariam, de outra forma, compartimentados,
estudados como se não existisse qualquer relação entre si (UFRN, 2005).
No que diz respeito à integração horizontal, ou seja, no mesmo período, são previstos
três componentes que integram conteúdos de Projeto de Arquitetura, Projeto
Urbanístico e Projeto de Paisagismo ou Planejamento da Paisagem, sendo eles: Projeto
Integrado 3 (5º período), Projeto Integrado 5 (7º período) e Ateliê Integrado (9º
período). Além desses conteúdos, os componentes têm também os conteúdos
complementares compostos pelas disciplinas de estruturas, instalações, conforto
ambiental, teoria e história da arquitetura e do urbanismo, representação gráfica e
tecnologia, de acordo com as necessidades de cada período. Nos demais semestres,
apesar da não existência dos componentes oficialmente integrados, há a previsão de
correquisitos, e os docentes integram conteúdos de componentes diferentes, como por
exemplo, no 6º período em que é exigida uma correlação entre os componentes de
projeto de arquitetura, planejamento e projeto urbano e regional, planejamento da
paisagem e teoria e história da arquitetura e do urbanismo. Ainda complementam a
integração nesse momento, as disciplinas de conforto ambiental, instalações e de
estruturas.
Além da integração horizontal, também há a integração entre períodos, principalmente
a partir dos pré-requisitos. Alguns componentes dão continuidade ao aprendizado dos
conteúdos do período anterior, por exemplo, as análises urbanas feitas no 4º período
servem de base para o desenvolvimento do Projeto Integrado do 5º período. Por fim,
também há o esforço de integração entre a graduação e a pós-graduação,
principalmente a partir da atuação dos estagiários docentes, mas também por meio dos
componentes curriculares que são ofertados em conjunto para a graduação e a pós,
como por exemplo (ARQ0270) Introdução à Morfologia, optativa da graduação, que é
ofertada junto com (ARQ2014) Morfologia do Ambiente Construído, da pós-graduação
(Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU).
Para manter essa integração em funcionamento é necessário um planejamento
contínuo, que acontece ao longo dos semestres entre os professores dos períodos. Cada
período tem um coordenador responsável por promover o diálogo entre os docentes.
Além das reuniões ordinárias dos períodos, há semestralmente, no início do período
letivo, a semana de avaliação e planejamento, que é atualmente obrigatória pela UFRN,
mas que no curso de arquitetura e urbanismo reúne além dos docentes, os discentes
que já cursaram o período e os que irão cursar naquele semestre. Durante a semana, os
docentes avaliam atividades passadas e planejam o semestre que se inicia, e os
discentes podem opinar, colaborando nesse processo. Na opinião dos docentes e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 57
discentes, os resultados desse diálogo entre os professores e alunos têm sido muito
positivos.
Observa-se que, de acordo com o que foi declarado pelos professores, a integração de
conteúdos disciplinares adotada pelo CAU/UFRN aproxima-se do conceito de
Transdisciplinaridade proposto originalmente por Jean Piaget e defendida por
Campomori para o ensino de arquitetura (CAVALCANTE, 2015).
O princípio da integração, presente em todo o PPC do curso, aparece de forma clara nos
TFG, que apresentam a complexidade de temas e relação dos conteúdos:
Os temas, assuntos ou problemas a serem desenvolvidos pelos alunos no
Trabalho Final de Graduação (TFG) devem expressar o conhecimento
adquirido ao longo do Curso e, sempre que possível, devem estar
relacionados com os núcleos temáticos incluídos nas bases de pesquisa do
Departamento. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, 2006,
p. 03).
A dinâmica do TFG é composta por orientações com o professor orientador, uma pré-
banca que deverá ser realizada entre 50% e 65% da carga horária da atividade, com
professores internos ao curso, e a banca final, composta pelo orientador, um avaliador
interno ao curso e um avaliador externo ao curso. Os conteúdos dos TFG podem ser
analíticos e/ou propositivos.
Pode-se notar que há uma diferença entre o número de estudantes que no momento
estavam aptos a cumprir a atividade e o resultado final, com a quantidade de TFG
entregues. Naturalmente, em outros semestres que ocorreram antes da pandemia,
também aconteceram situações de “desistência” ou adiamento do TFG. No entanto, é
fato que as condições propiciadas pela pandemia acentuaram esse quadro, que chegou
a alcançar em dois semestres (20.1 e 21.1), taxas superiores a 30%.
Outra característica que coincide com o que foi visto na literatura científica (VELOSO,
2009) diz respeito às áreas de desenvolvimento dos trabalhos (quadro 2).
Quadro 2 –TFGs apresentados e suas áreas.
Teórico
Semestre TFG Projeto Planejamento/ (conforto ambiental,
apresentado Arquitetônico projeto Urbano história e teoria da
arquitetura)
2020.1 14 10 2 2
2020.2 11 9 2 0
2021.1 16 10 4 2
Apenas tal resultado já alcançaria uma resposta efetiva à questão apontada nessa
investigação, confirmando o impacto significativo nesse momento da formação dos
estudantes. No entanto, a fim de ir mais além e compreender como os trabalhos foram
impactados, questionamos quais mudanças específicas foram necessárias (figura 3).
Figura 3 - Adaptações ou mudanças que se fizeram necessárias para a realização dos TFGs durante a pandemia.
desafios que são condizentes com aspectos das propostas, seja a sua viabilidade na
captação de informações, a dimensão do problema, a formulação da metodologia para
alcançar os objetivos, entre outras situações e aspectos. Contudo, em meio a uma série
de restrições, consideramos relevante perguntar quais foram as principais dificuldades
para que pudessem realizar o trabalho, pretendendo identificar a partir da recorrência
dos termos que apareceram em seus discursos, quais teriam sido os fatores ou
condições (figura 4) mais prejudiciais.
Figura 4 - Nuvem de palavras com destaque para as principais dificuldades enfrentadas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim deste artigo, podemos afirmar que os impactos da pandemia no
desenvolvimento dos TFG da UFRN foram de várias dimensões, o que alterou não só a
dinâmica de desenvolvimento do trabalho, mas também seus conteúdos e até o formato
de participação da banca avaliadora.
Não foi objeto desse artigo analisar a qualidade dos trabalhos apresentados, pois isso
foi avaliado e atestado pelos membros das bancas, mas sim discutir as adaptações
necessárias para o funcionamento dessa atividade em meio ao ensino emergencial
remoto.
Os primeiros destaques a serem feitos dizem respeito ao distanciamento aluno-
professor, e a necessidade da mediação das orientações por meio de plataformas
virtuais. A qualidade das orientações e o estímulo dos alunos foram aspectos bastantes
prejudicados. A falta de vivência de campo, visita ao terreno ou a área de estudo, bem
como a falta de conversa direta com a população/comunidade que vivencia os espaços
trabalhados, também impactaram consideravelmente na percepção dos alunos do
objeto de estudo. Além dessas dificuldades, a falta de preparo e equipamentos
adequados dos professores e estudantes limitaram as conversas “síncronas”. Tudo isso
soma-se à redução do calendário estabelecido pela UFRN e o cansaço físico e mental de
passar o dia inteiro à frente de um computador.
Percebemos, portanto, as dificuldades do ensino de arquitetura e urbanismo no formato
remoto, e os impactos negativos no processo de ensino-aprendizagem ao avaliar os TFG.
Consideramos que esses impactos se distribuem também por todas as demais disciplinas
do curso. A evasão e desistências dos alunos de TFG refletem também o que aconteceu
nos demais componentes, que não são objeto de análise deste artigo.
Por outro lado, consideramos importante salientar que algumas possibilidades foram
mais levadas em consideração (ainda que não sejam o ideal) como a possibilidade de
“visitar” em formato virtual qualquer lugar do planeta (disponível nas plataformas
digitais como Google Street View). Além disso, em especial, considerando-se os TFG, as
bancas que aconteceram por videoconferência trouxeram o ganho de poder reunir
pessoas de diversos lugares diferentes, tanto para avaliação, quanto para compor a
“plateia”.
Consideramos, portanto, urgente, discutir esse formato de ensino, em um momento em
que cresceu o número de cursos disponíveis em formato EaD, e mesmo “digital” (figura
5).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 64
Fonte: Google imagens, 2022. Imagem editada pelos autores a fim de omitir o nome da instituição.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os que fazem o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, especialmente, aos nossos egressos que colaboraram
gentilmente com respostas aos formulários da pesquisa.
REFERÊNCIAS
AMARAL, F. de S. Trabalho de conclusão de curso e a pandemia de COVID-19: dificuldades enfrentadas
por licenciandos em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Ceará. 56 f. Trabalho de Conclusão
de Curso (Licenciatura em Ciências Biológicas) – Centro de Ciências, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, 2021.
ARCIPRESTE, C.M. Entre o discurso e o fazer arquitetônico: reflexões sobre o ensino de arquitetura e
urbanismo e seus referenciais a partir do trabalho final de graduação. Tese (Doutorado em Arquitetura
e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
BALBI, R. S. A poética do projeto: a expressão tectônica de projetos arquitetônicos desenvolvidos em
trabalhos finais de graduação em escolas brasileiras de arquitetura e urbanismo. 2018. 229f. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução Nº2, de 17 de junho de 2010. Institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, alterando dispositivos da
Resolução CNE /CE S nº 6/2006. Brasília, 17 jun. 2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5651-rces002-
10&category_slug=junho-2010-pdf&Itemid=30192
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 65
RESUMO
O artigo tem por objetivo apresentar o projeto de extensão NATAL DESENHADA e como foi possível a
adequação de suas atividades quando o mundo se viu diante da pandemia de COVID 19. O projeto que se
propõe a confirmar que a articulação entre duas atividades - o desenhar e o conversar sobre o patrimônio
cultural - , propicia um maior aprofundamento das discussões acerca da necessidade de se buscar o
fortalecimento do sentido de pertença a partir do “apropriar o lugar” o que pressupõe “estar no lugar”,
buscou alternativas digitais/virtuais para a realização dos encontros. Como principais constatações,
identificamos que o reconhecer para apropriar pelo observar/desenhar promove a possibilidade de
permanência e interação com o lugar, e favorece a criação de laços de afetividade com os lugares e de
pertencimento para que as pessoas possam de alguma forma se reconhecer como sendo parte deles.
Somados à prática do desenhar/observar, as rodas de conversa, provocadas pelos enfoques escolhidos –
potencialidades e riscos, descaso, ações de valorização do patrimônio cultural – possibilitam que as
pessoas participem das discussões, que envolvem aspectos relacionados a processos e ações – individuais
e coletivas – de valorização deste patrimônio, nas atividades relacionadas aos encontros de desenhos de
locação.
PALAVRAS-CHAVE: Natal Desenhada, Patrimônio cultural, Apropriação do espaço
1 INTRODUÇÃO
O artigo objetiva relatar como as atividades vinculadas ao projeto de extensão “Natal
Desenhada”, cuja proposta, que articula ações no âmbito do referido projeto com os
encontros do grupo Urban Sketchers Natal, buscou alternativas de continuidade no
contexto da pandemia da COVID 19. A proposta, ancorada na prática do “estar no lugar”,
apresenta a ideia de incorporar aos encontros para desenhar, propriamente ditos, um
espaço para rodas de conversa provocadas por enfoques escolhidos previamente, tais
como: potencialidades e riscos, descaso, ações de valorização do patrimônio cultural, de
modo a possibilitar que a comunidade, de uma forma mais ampla, se incorpore na
discussão, fortalecendo assim o objetivo maior de uma instituição de ensino, que é o de
construir e universalizar o conhecimento, rompendo os “muros” que dividem a
universidade da sociedade1.
1
O projeto de extensão “Natal Desenhada” traz em sua conceituação a intenção de se trabalhar em níveis
e escalas diversas de articulação. Inicialmente, procurou articular atividades com as ações do grupo Urban
Sketchers Natal, grupo este com atividades já consolidadas na cidade no âmbito do “desenhar a cidade”,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 67
A sua primeira edição, em 2018, ocorreu no Bairro da Ribeira, que é um dos espaços
mais significativos no que diz respeito ao patrimônio cultural da cidade, nas instâncias
do patrimônio material e imaterial. Em 2019, as atividades foram desenvolvidas no
bairro da Cidade Alta, local de origem da cidade de Natal. A proposta apresentada para
o ano de 2020, buscou levar a discussão sobre patrimônio para um dos bairros mais
populares da cidade – o Alecrim. Nas duas primeiras edições, pôde-se constatar a
importância de estarmos na rua a aprender a partir da observação das práticas sociais
estabelecidas nos espaços de nossas cidades, particularmente porque, além de
“desenhadores”, somos também professores de um curso de Arquitetura e Urbanismo
e temos constatado um distanciamento dos discentes com relação a apropriação da
cidade. Como forma de possibilitar uma mudança desta perspectiva, temos nos
empenhado em realizar atividades que propiciem este retorno à rua.
Para a terceira edição foi necessária uma adequação com relação ao desenvolvimento
das atividades, para o modelo remoto, em decorrência das recomendações de
isolamento social (COVID 19). Neste sentido, este artigo enfatiza a apresentação e
análise das adequações feitas para a realização da terceira edição do projeto, no intuito
de confirmar se a articulação entre as duas atividades (o desenhar e o conversar sobre
o patrimônio cultural), realizada de forma remota, propiciou o aprofundamento das
discussões acerca da necessidade de se buscar o fortalecimento do sentido de pertença
a partir do apropriar o lugar, alcançado nas duas edições anteriores.
CECI (2012), Cartas Patrimoniais (CURY, 2000), Carta de Reabilitação Urbana de Lisboa
(1995) – na edição ALECRIM DESENHADO, abordamos a temática da dimensão
“alargada” da definição de patrimônio cultural. A partir das referências de lugar e
cotidiano, propomos uma reflexão sobre os processos de apreensão e intervenção das
áreas de significação cultural na cidade contemporânea, tendo em vista a noção
ampliada do conceito de patrimônio cultural, em que os bens – isolados e/ou conjuntos
urbanos – passam a ser entendidos em uma relação complexa, que deve considerar,
dentre tantas questões, a necessidade de reforçar a importância do reconhecimento dos
processos históricos que definem estes espaços enquanto lugar, e a necessidade de
tratar os que habitam estes espaços como agentes desencadeadores nesta construção.
Neste âmbito, associado ao lugar e ao cotidiano, aspectos como pertencimento e
apropriação, são imprescindíveis ao debate proposto. Cabe salientar que estas
experiências apontam o caráter da cidade como espaço educativo. Corroborando com
a afirmativa de Moll (2009, p. 15 in IPHAN, 2014, p. 24), de que “a cidade precisa ser
compreendida como território vivo, permanentemente concebido, reconhecido e
produzido pelos sujeitos que a habitam”, entendemos que estas experiências são ações
de educação patrimonial, visto que “o processo educacional é mais amplo que a
escolarização – inserindo-se em contextos culturais nos quais a instituição escolar não é
o único agente educativo” (IPHAN, 2014). Reforçamos também que a utilização do
desenho como linguagem de apreensão do espaço urbano, estratégia já consolidada nas
atividades de articulação entre o grupo USK e as atividades de extensão já realizadas,
apresenta-se como ferramenta condizente com a abordagem da educação patrimonial.
Entendemos o desenho como “uma das múltiplas linguagens que produzem um
conhecimento mais rico sobre tudo que nos cerca” (KUSCHNIR, 2012, p. 295). O desenho
também nos possibilita “conhecer o mundo”: “apresentar, revelar, manifestar, expor,
marcar, dar provas de realçar, atestar, salientar, deixar ver, fazer compreender,
demonstrar, tornar visível” (KUSCHNIR, 2012, p. 296). Neste sentido, buscou-se reforçar
a ênfase no desenho como modo de observar o mundo a partir das seguintes
considerações: 1. A prática do desenho como a possibilidade do acúmulo e construção
de um quadro riquíssimo de imagens mentais (RICHARDS, in Urban Sketchers em Lisboa:
Desenhando a cidade, 2012, p. 15-16); O desenhar como um processo exploratório de
descoberta; 3. O desenho como processo de aprendizagem, onde, necessariamente, ao
se desenhar, busca-se aprender algo, e algo a mais, sobre uma pluralidade de coisas
(BREHM, in Urban Sketchers em Lisboa: Desenhando a cidade, 2012, p.20).
Os temas e locais para a realização dos encontros foram escolhidos tendo em conta as
discussões acerca da reabilitação urbana em áreas de valor patrimonial, o que
necessariamente incide sobre uma discussão mais ampla, sobre a própria definição do
que seja patrimônio cultural. Nesse sentido, publicações como as realizadas por
Castriota (2009), CECI (2012), Cartas Patrimoniais (CURY, 2000), Carta de Reabilitação
Urbana de Lisboa (1995), tornaram-se referências para a construção de um quadro
teórico-conceitual que nortearam as discussões estabelecidas nas atividades propostas.
Centrando as discussões na terceira edição do projeto (bairro do Alecrim): a princípio, a
ideia era dar continuidade à metodologia utilizada no “Ribeira Desenhada” e no “Cidade
Alta Desenhada”, fazendo algumas inserções, motivadas pela avaliação realizada dos
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 69
imaginar por quanto tempo ficaríamos distantes da sala de aula, dos projetos de
pesquisa e extensão, dos alunos e dos colegas de trabalho.
Com o semestre 2020.1, iniciado há três semanas suspenso, por dois meses aguardamos
a elaboração de normativas, protocolos e instrumental que permitissem a retomada do
semestre em modo remoto. Enquanto isso, mantínhamos contato com um grupo de
pessoas, notadamente formado por estudantes, que acompanham o projeto de
extensão, desde a sua primeira edição. Soubemos então, que muitos deles haviam
voltado para as suas cidades de origem no próprio Rio Grande do Norte ou até em outros
estados, a incerteza sobre o que viria pela frente predominava nesses contatos.
Por outro lado, o grupo Urban Sketchers também aguardava orientações de como dar
continuidade às suas atividades, uma vez que, por princípio, o desenho de locação
pressupõe estar no lugar em que se encontra o objeto a ser desenhado. Passamos a
propor que fossem desenhadas cenas do cotidiano de cada um: plantas, bichos de
estimação, o que se vê da janela, quem está isolado com você em casa, objetos de casa
etc. que seriam compartilhados nas mídias sociais do grupo. Uma forma de manter o
contato com os participantes do grupo, bem como a prática do desenho.
Uma vez que a coordenação internacional do grupo Urban Sketchers, decidiu que,
excepcionalmente, fossem utilizadas ferramentas como o Google Street View para
simular um encontro para desenhar em algum lugar da cidade e, ao mesmo tempo, a
reitoria da UFRN publica a resolução, que dispõe sobre a regulamentação, em caráter
excepcional, da oferta de componentes curriculares e de outras atividades acadêmicas,
no formato remoto, os coordenadores do projeto de extensão, passaram a discutir as
adequações que seriam necessárias à sua continuidade em modo remoto.
As imagens dos encontros realizados nas edições anteriores (Figura 1) povoavam as
nossas mentes e nos questionávamos sobre como substituir a experiência de, por
exemplo, desenhar a dinâmica da centenária feira do Alecrim sem estar em contato
direto com o cheiro, o som, a sensação térmica... Como desenhar o sertão presente nos
objetos comercializados no Mercado da 6, se o Street View não adentra o edifício? E
depois discutir sobre o que foi percebido/apreendido com essa experiência durante a
roda de conversa.
Consideramos, então, que: 1. Adotaríamos o recurso do Google Street View para simular
o “estar no lugar” para desenhar os espaços da cidade, mas que também
selecionaríamos vídeos disponíveis na internet quando a imagem em movimento fosse
essencial para a compreensão da dinâmica do lugar; 2. Utilizaríamos a mesma
plataforma disponibilizada pela UFRN para as aulas remotas, o Google Meet, para a
realização da roda de conversa e exposição de desenhos, por termos tempo ilimitado
para a realização da atividade e permitir a gravação; 3. Manteríamos a participação de
puxadores de conversa que tivessem alguma relação com o bairro; 4. Estimularíamos a
apresentação dos desenhos, por parte dos participantes, mantendo a tradição da
“exposichão” renomeada de “exposilive”, mesmo sabendo que muitos não abriam suas
câmeras devido a instabilidade da rede de internet.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 73
Figura 3 – Imagens de alguns dos participantes do evento e de alguns dos desenhos produzidos
perceber o uso dado aos espaços livres da cidade. No caso do cemitério do Alecrim, a
ferramenta disponibiliza imagens internas que destacam alguns túmulos de
personalidades locais ou túmulos que registram fatos históricos vividos na cidade, como
é o caso do cemitério dos judeus, os túmulos dos soldados Americanos da II Guerra
Mundial, Túmulo Maçom, o Mausoléu da Liga Operária e Artística Norte-Riograndense,
entre outros.
Durante a conversa com Thiago Medeiros que trouxe para a roda as memórias pessoais
de quem nasceu e cresceu no bairro, bem como sua experiência como artista que viu o
fechamento de importantes espaços culturais, como é o caso do Teatro Municipal
Sandoval Wanderley (o teatrinho do povo), que se encontra fechado até hoje e que já
sofreu a ameaça de ser demolido para a construção de um shopping center, fato que só
não ocorreu dada a mobilização da sociedade.
Na última parte da atividade, os participantes puderam apresentar seus registros e falar
sobre as descobertas feitas durante o percurso virtual e sobre suas experiências vividas
no bairro, antes da pandemia. Uma das participantes, moradora do bairro, nos trouxe
relatos do movimento do Alecrim durante os primeiros momentos de isolamento
durante a pandemia e a resistência em fechar o comércio.
ENCONTRO 2 – 27 de junho de 2020: Tema: Os descasos ao patrimônio. Local: Praça
Gentil Ferreira. Puxador de conversa: arquiteto Daniel Viana, que falou sobre a sua
experiência no desenvolvimento de seu Trabalho Final de Graduação, sobre o bairro.
Nessa atividade, os participantes foram incentivados a identificar e registrar os marcos
na paisagem, as transformações nos edifícios decorrentes principalmente da imposição
da lógica propagandística do comércio, as formas criativas presentes nos objetos de
design popular, os usos e apropriações dos espaços públicos.
As questões levantadas pelo arquiteto Daniel Viana durante a realização do seu TFG que
partiu da experiência do corpo na cidade, em que o pesquisador interage diretamente
com o objeto de estudo, através da realização de percursos pelas ruas do bairro e
registros imagéticos e sonoros, com o objetivo de assimilar as dinâmicas existentes em
um bairro que, para atender a certos interesses imobiliários, é apresentado na mídia
como abandonado, caótico, inseguro, o que justifica uma intervenção que desconsidera
completamente as necessidades de seus moradores e as características do comércio
popular que compõem a identidade do bairro. Para a sua modernização e higienização
um projeto apresentado por um grupo incorporador propôs a retirada do comércio
ambulante e a instalação de shopping centers.
Durante as falas dos participantes e exposição dos desenhos, pôde-se perceber a
pujança do comércio popular, uma vez que as imagens obtidas pelo Street View
registram as mercadorias expostas nos boxes do camelódromo, bem como a quantidade
de pessoas que frequentam o local, uma vez que são imagens de um dia comum de
funcionamento anterior à pandemia. Marcos históricos que fazem parte do patrimônio
cultural e dão identidade ao local também foram desenhados (Figura 4).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 76
Figura 4 – Desenho e relato do arquiteto André Baptista postados nas mídias do UsK Natal
não vende todos os dias, ele vende alguns dias da semana, em algumas feiras
só, meu pai chegava na feira do Alecrim no sábado e na feira da Esperança no
domingo…
Porém, com o pai impossibilitado de trabalhar por ter sido vítima de vários AVCs em um
curto período de tempo, os filhos tiveram que assumir a atividade que era o sustento da
família:
…mas o que aconteceu foi que eu tive que, nunca tendo sido treinado pra ir
pra feira, tive que ser feirante, aí nesse ano que eu tive que estudar, tava no
estresse do vestibular, tava e tudo mais, eu também fui feirante. E eu fui
feirante num setor da feira que eu tenho um sentimento bom com ele, mas
que nem todo mundo gosta que é o setor do peixe, né? Ele é meio fedorento,
ele tem um cheiro peculiar ali que não é todo mundo que gosta desse cheiro,
então nessa minha vivência da feira, eu lembro de duas coisas muito
marcantes assim nesse ano que foi, foi a primeira coisa de que era muito forte
o quanto eu tinha que estudar naquele momento pra que eu pudesse fazer
valer a pena todo aquele esforço que meu pai tinha tido e que eu tava vendo
agora saindo de 4 horas da manhã e voltando de 5 horas da tarde do outro
dia, andando em cima de caminhão carregando caixa de peixe, carregando
dentro daquele cheiro e os pés todos molhados…
Fechando o seu depoimento faz uma reflexão sobre como o bairro reagiu a imposição
de isolamento dada pelo contexto da pandemia:
E eu fico muito tocado assim com a história do Alecrim e de tudo o que vocês
falaram porque é muito importante é uma vida ativa que tem lá. É tão ativa
que é um dos pontos que mais polêmicos agora durante a tentativa de
lockdown que a cidade fez né, que o Alecrim era todo dia no RNTV os
profissionais que fazem aquele movimento daquele local gerando um conflito
de opinião sobre se precisava fechar, se tinha como, como ia, porque ia, pra
gente ver o quão aquilo é forte como é importante, então eu achei muito legal
a ideia, e foi muito especial, então valeu e era isso que eu queria dizer.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomamos o que foi estabelecido como objetivo neste artigo para apresentarmos
nossas considerações finais acerca do que foi proposto.
Um primeiro aspecto a se observar diz respeito ao fato de que os locais selecionados
para serem registrados – e a sua consequente apropriação – alcançaram o propósito de
trazer à tona e suscitar discussões acerca de temas de relevada importância sobre
questões relacionadas ao bairro do Alecrim enquanto patrimônio – no conceito mais
alargado do termo – da cidade do Natal que remete a origem de várias famílias,
migrantes do interior, cujos costumes encontram-se arraigados no bairro até os dias de
hoje. Estas “questões-chave”, portanto, estiveram presentes tanto nos registros como
nas rodas de discussão.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 79
REFERÊNCIAS
CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume;
Belo Horizonte: IEDS, 2009.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 80
RESUMO
Objetiva-se com este artigo apresentar a experiência de pesquisa e extensão no desenvolvimento do
projeto de reuso adaptativo do edifício que abrigava o Diretório Regional Agrícola (DIRA) na cidade de
Sorocaba. Ao final do primeiro semestre de 2021, o Centro Universitário Facens recebeu como demanda
da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) um estudo para verificar a viabilidade
de ocupação do edifício por seccionais de delegacia da Polícia Civil. Considerando os preceitos da pesquisa
e extensão, foi formada uma equipe que uniu professores e alunos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo,
Engenharia Civil e Elétrica, de modo que eles pudessem vivenciar uma demanda prática, atendendo a
sociedade. Entre o processo de investigação histórica sobre o edifício e o levantamento cadastral foi
possível ter acesso ao projeto original e seu autor – o arquiteto Abrahão Sanovicz – dando elementos
norteadores para a concepção dos estudos de ocupação de modo a valorizar seus elementos
arquitetônicos modernos. Ainda que de forma híbrida, o projeto foi realizado com sucesso. No entanto,
reconhecemos que a convivência de uma equipe de trabalho presencial se faz elementar inclusive
aumentando a produtividade no processo de desenvolvimento projetual.
PALAVRAS-CHAVE: extensão em arquitetura e urbanismo; Arquitetura Moderna; pesquisa histórica
1 INTRODUÇÃO
A formação universitária, incluindo a do Arquiteto e Urbanista, passou por uma série de
desafios nos últimos anos em virtude da pandemia. Diversas medidas foram tomadas
em todas as instituições de ensino superior no sentido de amenizar os impactos que o
ensino remoto poderia trazer. Em especial, no curso de Arquitetura e Urbanismo,
observou-se que as atividades preconizadas na Resolução número 02 do Conselho
Nacional de Educação (2010), como a participação em atividades extracurriculares;
visitas, levantamento de campo em edificações, bem como viagens de estudo, foram
impossibilitadas no ano de 2020.
Após o primeiro ano de pandemia, com o início do processo de vacinação da população
brasileira, iniciou-se o planejamento de retomada gradativa das atividades presenciais
e daquelas que haviam sido inviabilizadas no período que vivíamos, como as atividades
de extensão e outras práticas presenciais. Em meio a isso, ao final do primeiro semestre
de 2021, o Centro Universitário Facens recebeu como demanda da Secretaria de
Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) um estudo para verificar a viabilidade
de ocupação de um edifício público existente na cidade de Sorocaba, originalmente
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 82
1
Além do projeto de extensão foi possível, por meio da pesquisa, explorar o edifício do DIRA em um
projeto de Iniciação Científica que analisa a conservação dos edifícios em concreto aparente na cidade de
Sorocaba desenvolvida em conjunto por alunos e professores dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e
Engenharia Civil.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 84
No entanto, não se sabia ainda quem era o seu autor. Além desta questão, outras
perguntas foram colocadas naquele dia para além da autoria do projeto. Foi possível
identificar que somado ao volume principal, o edifício possuía um anexo com forma
predominantemente circular, em contraponto ao volume retangular. Assim, foi colocada
a dúvida se este compunha parte do projeto original ou se havia sido acrescentado
posteriormente. Eventualmente, foi questionado se os dois edifícios pertenciam ao
mesmo autor devido às suas diferentes características formais e de acabamento –
enquanto o edifício principal apresentava o concreto aparente, o anexo apresentava
pintura e cobertura de telhas termoacústicas no momento da visita.
Na sequência, em virtude da não existência de um projeto base em AutoCad para iniciar
os estudos de ocupação do edifício, na última semana do mês de junho iniciamos uma
série de visitas in loco, acompanhadas dos alunos selecionados para o desenvolvimento
do projeto. Tínhamos como base um arquivo em PDF, recebido pela Secretaria de
Segurança Pública do Estado e munidos das plantas dele, trenas e outros instrumentos
de levantamento precisávamos identificar medidas para elaborar o desenho de uma
base para estudos preliminares. Nessa etapa, como atestado por Braga (in OLIVEIRA,
2008), imaginávamos estar realizando um levantamento cadastral não apenas com a
finalidade de documentação, mas também de “preservação da memória” deste edifício.
Caminhando pelas salas e corredores, passamos a observar aspectos construtivos que
não estavam aparentes em nossa primeira visita, como a existência de uma série de
claraboias ao longo dos corredores do pavimento superior que se encontravam
desativadas após a cobertura da laje com telhas tipo calhetão.
Na sequência desta segunda visita, no mês de julho iniciou-se a pesquisa para identificar
nos acervos digitais (considerando o estágio da pandemia que vivíamos) e nas bases de
dados de teses e dissertações a presença de mais informações sobre o projeto. Foi nesse
momento que, por meio da base da Acervos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (FAUUSP), buscando pelos edifícios da cidade de Sorocaba,
foi possível ter acesso ao projeto original (1970), atestando a autoria ao arquiteto
Abrahão Sanovicz.
Ao ter acesso ao projeto do edifício, algumas das perguntas passaram a ser respondidas
como a existência das claraboias bem como a presença do anexo no projeto original.
Quanto ao anexo, a leitura do projeto disponível no Acervo da FAUUSP permitiu
reconhecer que ele guardava características semelhantes ao edifício principal no projeto
original. No entanto, por motivos desconhecidos, ele foi transformado ao longo do
tempo, ganhando a cobertura de telhas sobre a laje e a pintura de seu concreto
aparente, bem como a alteração de suas esquadrias.
A partir dessa primeira leitura do projeto original, parte da equipe foi designada para
realizar pesquisa histórica e iconográfica sobre o edifício e seu autor. Sobre Sanovicz, a
biografia escrita por Silva (2017) apresentava o projeto do DIRA de Sorocaba, ainda que
não tenha sido analisado, ele aparece na listagem da produção do arquiteto. Somado ao
DIRA ele foi autor de outras sub-regionais agrícolas como as das cidades de
Guaratinguetá, Botucatu, Catanduva e Santa Fé do Sul (1973)3. Além dessas, que foram
construídas, o arquiteto realizou o projeto da sub-regional de Campinas e de Andradina,
que não tiveram sua construção confirmada por Silva (2017).
Observando outros projetos institucionais de sua autoria, pôde-se notar que aspectos
presentes no partido arquitetônico do DIRA e algumas soluções formais se encontram,
por exemplo, na Escola Estadual de Santos4 (1961). Na imagem abaixo observa-se que o
programa do Ginásio foi solucionado sob uma grande cobertura na qual, assim como o
DIRA, tem beirais que se projetam até o apoio dos pilares externos. Estes, por sua vez,
têm forma trapezoidal, criando um desenho marcante na fachada. Em depoimento sobre
esse projeto, Sanovicz comentou: “a planta tinha uma referência muito grande ao
Ginásio de Itanhaém, do Artigas, já as fachadas lembravam a FAU, apesar de o prédio ser
térreo” (SILVA, 2004, p.146).
Somado à solução volumétrica, no Ginásio Estadual de Santos foi possível notar o uso
das claraboias nos corredores de circulação e no conjunto de sanitários. Dessa forma, o
arquiteto solucionava a iluminação natural nos espaços mais enclausurados do edifício.
Foi a mesma solução utilizada alguns anos depois no edifício do DIRA, tanto no volume
principal, como no anexo. Na imagem abaixo é possível ver a presença das claraboias
nos sanitários e corredores, bem como a projeção dos pilares externos à caixa principal
do volume principal do edifício.
Figura 03- Planta do Primeiro Pavimento do DIRA
concreto armado aparente. No caso do anexo, deve-se apontar que imagens evidenciam
a troca das esquadrias, alterando a composição em fita ao longo do corpo cilíndrico.
Além do concreto aparente, outro elemento utilizado nos dois blocos foram as
claraboias, posicionadas ao centro da cobertura do anexo, bem como nos corredores do
primeiro pavimento, conforme Figura 03 e 05, das plantas dos respectivos edifícios.
Figura 04- Edifício após sua construção.
Figura 05- Planta do nível de acesso da Rua Gustavo Teixeira e Luiz Silva Rodrigues.
acesso, sendo que um está integrado a um dos vãos, entre pilares, existente na fachada
posterior – o qual permite o acesso do pavimento intermediário ao superior; e o outro,
incluído no pavimento térreo, aproveita o espaço entre vigas da laje superior, e acessa
a área livre próxima à edificação principal, com pequeno volume independente, sem
alteração do conjunto proposto originalmente. Outra alteração, que considerou a
acessibilidade em circulação vertical, foi a substituição da escada caracol para uma
escada em formato “U”, no mesmo lugar da existente, com a ampliação do vão entre
vigas.
O reuso adaptativo deste conjunto apresentado acima, não somente contribui com a
abordagem de respeitar os preceitos da Arquitetura Moderna, mas também assume
papel importante nas práticas de sustentabilidade, tão enfatizadas na atualidade
(TOSTÕES, 2015).
Figura 07 – Planta nível 0.00.
Na figura 08, pode-se apontar que o ritmo das vigas da laje do piso superior orientou a
criação e disposição das salas (privativas). O mesmo foi considerado para o piso 6.89.
Por sua vez, o volume de sanitários foi mantido e também serviu para orientar a
expansão de outros sanitários que se fizeram necessários na proposta. As circulações
verticais apontadas, tendo diferentes tipos de acesso – privado e público, possibilitaram
setorizar o programa arquitetônico, principalmente por se tratar de uma integração
entre unidades diversas de delegacias.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de pesquisa e extensão teve êxito em sua execução. Contudo, devem-se
considerar alguns pontos para reflexão. O primeiro deles é de que o levantamento feito
por meio da pesquisa histórica não esgota o conhecimento da vida do conjunto
arquitetônico. Algumas questões poderiam ser respondidas se houvessem registros das
diferentes etapas de reforma e adequação pelas quais os edifícios passaram. No
entanto, nos acervos consultados não foi encontrada nenhuma informação como
documentação sobre sua construção, modificação e reparos ao longo dos anos.
Quanto ao desenvolvimento do projeto de reuso adaptativo, o objetivo deste artigo não
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 94
era apresentar seu resultado, mas sim seu processo com o envolvimento de alunos e
professores para desenvolvê-lo. No entanto, a proposta de estudo preliminar
apresentada à SSP-SP atendeu às expectativas de ocupação pelas equipes envolvidas
considerando as premissas do edifício existente como a distribuição perimetral das
estações de trabalho (privativas e coletivas) em cada pavimento, a reativação das
claraboias nos dois blocos, o respeito ao ritmo da estrutura das lajes e esquadrias, entre
outras.
Além disso, entende-se que foi possível trabalhar com o projeto de extensão de forma
remota. Na ocasião do levantamento do edifício in loco, por estar desocupado, não
houve risco motivado pela pandemia aos envolvidos. Entretanto, um aspecto notável do
trabalho remoto foi a desarticulação em alguns momentos das etapas de trabalho.
Entendemos que se estivéssemos trabalhando presencialmente muitas das decisões
que levavam intervalos de dias entre as reuniões poderiam ter sido realizadas de forma
mais ágil. Certamente, isso também favoreceria uma maior interação da equipe e do
aprendizado colaborativo. Não que isso não tenha sido possível, mas cremos que teria
se dado de modo mais espontâneo e profundo em um espaço físico coletivo.
No momento atual, não sabemos se o projeto entregue será implantado. Como
diretrizes das próximas etapas, possivelmente daremos sequência a seu
desenvolvimento para elaboração do projeto executivo. De qualquer forma, a aplicação
da pesquisa e extensão através deste caso real foi efetivada sendo uma excelente
oportunidade de aprendizagem para alunos e professores, bem como para a IES.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos coordenadores dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo (AU) e de
Engenharia Civil (EC), Profa. Dra. Giovanna T. Novellini Brígitte e Prof. Dr. Gustavo Isaia,
responsáveis pela supervisão do projeto e aos demais professores participantes,
representados pelo Prof. Dr. José Antônio de Milito. Aos nossos alunos pelo empenho
na pesquisa e elaboração dos estudos: Giovani Leonardo Gomes (AU), Gustavo César
Dias (AU), Júlia Ramos Costa (AU), Laura Campos Santos (EC), Lindalva de Barros Silva
(EC), Samantha F. Moreno (AU). A equipe do Escritório de Projetos (PMO) do Centro
Universitário Facens. À Juliana Lins, da Seção Técnica de Materiais Iconográficos do
Acervo da FAUUSP e à Bianca Cristina Duarte, do Arquivo Central da Prefeitura Municipal
de Sorocaba. Aos representantes da Secretaria Pública de Segurança do Estado de São
Paulo, locados no município de Sorocaba, fundamentais na elaboração e entendimento
do programa arquitetônico – Osmar Guimarães Junior, Fernanda Ueda e Paulo Melero.
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Urbanismo, alterando dispositivos da Resolução CNE/CNS no 6/2006. 2010. Disponível em:
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 95
RESUMO
O enfrentamento da irregularidade fundiária urbana no Brasil, após décadas de informalidade e contínuo
déficit habitacional, pode estar caminhando para mudanças significativas com a prática da produção e
melhoria de moradias para a população de baixa renda, além da segurança da propriedade a partir do
Programa Casa Verde e Amarela (PCVA), instituído pela Lei nº 14.118/2021. A Regularização Fundiária
Urbana, incluída neste programa, depende de processos jurídicos, sociais, ambientais e urbanísticos,
necessitando que todos os agentes envolvidos nestas questões estejam devidamente capacitados. A
melhoria habitacional considera mudanças nas inadequações nas moradias para prover habitabilidade e
segurança socioambiental. Neste sentido, o objetivo do trabalho é analisar as contribuições de cursos EaD
de Regularização Fundiária Urbana tutorados, promovidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional
em parceria com a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), no período pandêmico, entre 2021
e 2022, para a efetivação do PCVA. Investigou-se o conteúdo dos referidos cursos e foi realizada a
associação destes com as disposições do PCVA contidas em seus normativos. Percebeu-se que os cursos
colaboram para a concretização do PCVA porque transmitiram conhecimentos teóricos e práticas da
efetivação da Reurb, um dos eixos deste, e favoreceram a efetivação da política pública mesmo em período
pandêmico.
PALAVRAS-CHAVE: Informalidade Urbana; Pandemia; Educação à Distância; Capacitação; Política
Pública.
1 INTRODUÇÃO
A falta de planejamento com que se deu o processo de urbanização no Brasil a partir da
metade do século XX resultou em uma expansão urbana desordenada, marcada por
concentrar e centralizar a população e o poder territorial. Nesse período, a migração
campo-cidade sucedida no país, em um panorama de industrialização, teve como
consequência a informalidade urbana que, segundo Maricato (2009), consiste na
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 97
OGU e FGTS. Com a fundação do Ministério das Cidades em 2003, foi implementado o
Programa Nacional de Habitação (PNH) e idealizado o Programa Urbanização,
Regularização e Integração de Assentamentos Precários. Em 2005, o Sistema Nacional
de Habitação (SNHIS), financiado pelo Fundo Nacional de Habitação com intuito de
promover políticas e programas que promovessem o acesso à moradia digna para
população de baixa renda, tanto a partir da criação de novas unidades habitacionais
como por reformas/melhorias em edificações existentes (FERREIRA, 2017).
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007 teve como principal
meta a inserção de obras de infraestrutura e melhorias urbanas de grande porte,
principalmente em unidades precárias de assentamento. Em 2009, incluída como uma
das estratégias do PAC, foi elaborado o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), que
tinha o intuito de “garantir o direito à moradia digna”. A partir do PlanHab, implantou-
se o Programa Minha Casa Minha Vida entre os anos de 2009 a 2018, o qual intencionava
garantir o acesso de um milhão de moradias para a população menos favorecida, com o
objetivo de erradicar o déficit habitacional e impulsionar a economia (BONDUKI, 2009;
FERREIRA, 2017).
Apesar da contribuição das políticas habitacionais, nenhuma visou incluir,
conjuntamente, a produção de moradias, a melhoria habitacional e a regularização
fundiária urbana, apesar desta última ser importante na conquista do título de
propriedade e, consequentemente, na garantia do acesso à moradia digna, do direito à
cidade, da infraestrutura e serviços urbanos.
Com esta premissa, foi instituída em 2021 uma política habitacional que trata da
produção de moradias de interesse social, de reformas e melhorias nas edificações já
existentes e ainda da regularização de assentamentos irregulares. O Programa Casa
Verde e Amarela (PCVA), criado pela Lei nº 14.118/2021, tem por objetivo promover o
direito à moradia adequada à população de baixa renda por meio da concessão de
financiamento em condições especiais de subsídio, para a execução de obras e serviços
destinados à regularização fundiária de núcleos urbanos informais (áreas de REURB-S) e
a melhoria habitacional, a partir da redução da taxa de juros pelo Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS), sendo ainda menores nas regiões Norte e Nordeste.
Considerando as fontes dos recursos envolvidos e os regulamentos específicos de cada
uma, o art 8° da Lei nº 14.118/2021, traz operações que são passíveis de investimento
no PCVA: elaboração de estudos, planos e projetos técnicos sociais; execução de plano
de arborização e paisagismo; aquisição de imóvel para implantação de empreendimento
habitacional; Reurb; urbanização de assentamentos precários; aquisição ou produção
de habitações; melhoria de moradia ou requalificação de imóvel; obras, dentre elas: de
implantação de equipamentos públicos, saneamento, infraestrutura, mobilidade,
energia solar (instalação e equipamentos) ou outras que reduzam o consumo de água
dos domicílios e que estejam associadas a intervenções habitacionais; assistência
técnica; atividades de trabalho social e gestão com beneficiários de intervenções
habitacionais; elaboração e implementação de estudos, planos, treinamentos e
capacitações; aquisição de bens de apoio aos agentes públicos e privados envolvidos na
implementação do PCVA; produção de unidades comerciais, desde que atreladas às
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 102
Diferentemente do programa Minha Casa Minha Vida (que antecedeu esta política), o
PCVA inclui além das modalidades de produção subsidiada (faixa de renda até R$) e de
produção financiada (faixa de renda até R$7.000), o oferecimento de melhoria
habitacional (faixa de renda até R$2.000) e de Regularização Fundiária (faixa de renda
até R$5.000) (BRASIL, 2020).
O Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional (RegMel), conjunto às
ações do PCVA, pretende, a partir da Reurb, oferecer o acesso ao título de propriedade
dos imóveis para pelo menos 2 milhões de moradias até 2024, legitimando o uso sobre
as edificações para as famílias de baixo poder aquisitivo, garantindo assim a proteção
jurídica, diminuição de conflitos fundiários, maior acesso ao crédito, a amplitude do
patrimônio imobiliário nacional, entre outros benefícios. Além disso, com as melhorias
habitacionais, pretende-se realizar 400 mil reformas e ampliações de imóveis para
famílias com renda mensal de até R$2.000, incluindo problemas estruturais, carência de
banheiro, cobertura ou piso, complicações nas instalações, grande concentração de
residentes em um mesmo imóvel, entre outras adversidades (BRASIL, 2020).
Para a concretização das ações do programa são necessários diversos processos, sejam
eles jurídicos, institucionais, financeiros, até a realização das construções e melhorias
para as habitações contempladas. Os atores envolvidos nesses processos, servidores
públicos, advogados, arquitetos e urbanistas, população beneficiária, precisam estar
capacitados para realizar com êxito todas as tarefas e etapas das ações em âmbito
nacional.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 103
IV Registro da Reurb
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).
Cada um dos cursos conteve videoaulas dinâmicas, biblioteca com cadernos técnicos e
materiais complementares, com informações exclusivas de qualidade e de fácil
compreensão. Os cursos ofertados na modalidade tutorada possuíam apoio de tutores
e supervisores especialistas em Reurb, além de suporte operacional disponível das 08 às
22 horas para acompanhar a evolução e possíveis dúvidas dos cursistas. Além destes
mecanismos, foram promovidas lives “Debatendo a Reurb”, que tinham a finalidade de
discutir temas adicionais ou subsidiários aos expostos no material didático do curso e;
“Trocas de Experiências”, em que os cursistas expunham, a partir da mediação de
tutores, ações que executavam em seus municípios ou que pretendiam concretizar por
meio dos aprendizados obtidos com os cursos. Para Gomes e Pimentel (2020), essa troca
de experiências caracteriza uma composição híbrida do conhecimento.
Um dos objetivos do PCVA, de acordo com o art. 3º, inciso IV, da Lei nº 14.118/2021, é
a promoção do desenvolvimento institucional e da capacitação dos agentes envolvidos
(públicos e privados) nas atividades deste, como forma de fortalecê-los para o
cumprimento de suas atribuições (BRASIL, 2021c). Sendo assim, os cursos de
Regularização Fundiária Urbana pactuam com a promoção desta capacitação, prevista
em lei.
Importante ressaltar que a implantação da Regularização Fundiária Urbana é
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 105
2021c). Estas características são levantadas a partir do diagnóstico dos núcleos urbanos,
dos cadastros físicos e sociais executados na Reurb, que são abordados no módulo
Procedimentos de Regularização Fundiária Urbana.
As empresas ou entidades privadas, os Agentes Promotores e municípios são
responsáveis pela Regularização Fundiária e Melhorias Habitacionais (RegMel)
evidenciadas no PCVA. A concepção da proposta da RegMel leva em consideração pelo
Agente Promotor aspectos tangíveis a situação urbanística, ambiental e fundiária,
condições socioeconômicas das famílias, que são apresentadas no segundo módulo da
primeira oferta. É na fase de diagnóstico inicial, realizado por profissional competente,
que o imóvel torna-se elegível para receber Melhoria Habitacional, sendo necessário
observar: paredes em alvenaria, madeira aparelhada, com ou sem revestimento, taipa
ou revestida e não poderá ser reconstruída ou total substituída (BRASIL, 2021c). Estes
aspectos foram evidenciados no segundo módulo da primeira oferta.
Cabe então definir o que é Melhoria Habitacional no escopo do Programa Casa Verde e
Amarela. De acordo com o item 8, alínea b, anexo I, IN n° 02/2021, que trata da
composição de investimento da melhoria habitacional, os valores aplicados
correspondem a obras e serviços nas unidades habitacionais, buscando solucionar
problemas de insegurança, insalubridade, padrão de habitabilidade orientados pelos
municípios, número de famílias e seus integrantes por cômodo, adopção da unidade
para acessibilidade, entre outros.
O terceiro módulo, Instrumentos da Regularização Fundiária Urbana, explica os
instrumentos de política urbana presentes no capítulo II do Estatuto da Cidade, Lei
federal nº 10.257/2001, e os instrumentos sociais, ambientais, econômicos e jurídicos
que podem ser empregados na Reurb. A explicitação foi dividida em instrumentos de
apoio (Zeis - Zonas Especiais de Interesse Social, a Intervenção do poder público em
parcelamento clandestino ou irregular; Demarcação urbanística; de equacionamento da
gleba; Consórcio imobiliário; Transferência do direito de construir; Arrecadação do
imóvel abandonado; o direito de preempção; desapropriação; Desapropriação em favor
dos possuidores; e Requisição em caso de perigo público iminente) e instrumentos de
titulação (CUEM - concessão de uso especial para fins de moradia; Concessão de Direito
Real de Uso (CDRU); Legitimação de posse; Legitimação fundiária; Doação; Compra e
venda; Alienação de imóvel pela administração pública diretamente pelo seu detentor;
Usucapião; Usucapião extrajudicial). Outros instrumentos aplicáveis a reurb também
foram apresentados no módulo: Loteamento de acesso controlado; Condomínio em
lotes; Condomínio urbano simples; Direito de laje; Regularização especial de
parcelamentos anteriores a 1979.
As contribuições deste módulo para a concretização do Programa Casa Verde e Amarela
estão na capacitação dos profissionais dos municípios e do Distrito Federal acerca de
quais instrumentos jurídicos são adequados para as diferentes situações, com o objetivo
de garantir o direito à propriedade aos ocupantes dos núcleos urbanos informais,
notadamente quanto à Reurb-S, uma vez que para a conclusão do processo em cartório
é necessário emitir uma Certidão de Regularização Fundiária com indicação dos
instrumentos para cada lote, os quais serão responsáveis pela atribuição do direito real
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 107
Financeiro que em sua equipe um técnico social com experiência nas ações supracitadas
(BRASIL, 2021c). Assim, o curso de Cadastro Social na Reurb proporciona conteúdo que
torna os agentes capazes de exercerem essas ações.
Logo, os cursos EaD de Regularização Fundiária Urbana estão intrinsecamente
envolvidos em uma ou mais atividades e etapas do RegMel e, dessa forma, contribuem
para a sua efetivação à medida que capacita os atores envolvidos a nível nacional, a
partir de diferentes materiais e suporte para que estes além de compreenderem a
relevância da Reurb, possam executar as atividades e cumprirem suas atribuições.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O programa Regularização Fundiária e a Melhoria Habitacional, integrante do Programa
Casa Verde e Amarela, destinado ao atendimento de necessidades de moradia e a
titulação dos ocupantes dos núcleos urbanos informais, em especial as famílias de baixa
renda, busca atenuar uma problemática histórica do Brasil.
Entretanto, para sua efetivação, além da capacitação dos atores e atendimento a
critérios, é necessário que os agentes envolvidos na execução e a comunidade sejam
capacitados para fins de realização dos trâmites e concordância em participação destes,
dada a sua contribuição para o direito à moradia adequada e o direito à cidade.
Neste sentido, as ofertas dos cursos EaD acerca de Reurb possibilitaram conhecimento
para a atingir objetivos da política pública do PCVA, no âmbito da Reurb e,
consequentemente, das melhorias habitacionais para a população com menores
recursos financeiros, tendo em vista que a regularização fundiária é condição para
acesso às obras de infraestrutura nas moradias.
O conteúdo disponibilizado pelos cursos analisados neste trabalho foi dinâmico e
perpassou pelos conceitos e práticas da Reurb. Além disso, estes cursos permitiram que
os cursistas esclarecessem dúvidas acerca de seus casos particulares e expusessem suas
experiências para que houvesse troca de informações. Portanto, os cursos de Reurb
colaboraram para a promoção do PCVA em período de pandemia pelo Covid-19, uma
vez que estão diretamente associados aos seus preceitos, diretrizes e atribuições.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 111
Maycow N. C. GREGÓRIO
Me. em Planejamento Urbano – PPU / UFPR; maycow.arq@gmail.com
Isabela GIORGIANO
Ma. em Arquitetura – PPGAU / UFU; isagiorgiano@gmail.com
RESUMO
O trabalho visa apresentar uma crítica do caráter instrumental e ideológico de determinado segmento dos
Cursos de Livre Oferta (CLOs) em arquitetura, ligado ao âmbito da livre iniciativa econômica, de modo a
problematizar os seus possíveis impactos no mundo da formação, do trabalho e da produção da
arquitetura. A hipótese subjacente a esta investigação é que as formas contemporâneas de monetização
do conhecimento, também canalizadas por meio dos CLOs, avançaram em função do oportunismo e das
contingências impostas pela pandemia, tornando mais evidente as contradições entre espaços formais e
não-formais de educação, sob a intenção de determinar a totalidade dos processos da formação e da
profissionalização de estudantes e arquitetos, e das suas práticas que determinarão a produção geral da
arquitetura. Os CLOs viabilizam um canal por onde o discurso competente é interiorizado, contribuindo
com a consolidação do imaginário social neoliberal e seus mecanismos de agenciamento das
racionalidades, das subjetividades e da produção de mais valor por meio da prática da arquitetura.
Observa-se as transições do perfil do arquiteto, de um lado empresário (mantenedor de um regime de
exploração da mão de obra de outros arquitetos) e de outro subcontratado (trabalhador especializado,
operador de poucas funções e sem direitos trabalhistas).
PALAVRAS-CHAVE: cursos de livre oferta em arquitetura, discurso competente, monetização do
conhecimento, formação profissional e tecnológica
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão crítica do caráter
instrumental e ideológico de um determinado segmento dos Cursos de Livre Oferta
(CLOs) em arquitetura, ligado ao âmbito da livre iniciativa econômica (mercado digital,
educacional e financeiro), de modo a problematizar os seus possíveis impactos no
mundo da formação (da Educação Profissional e Tecnológica – EPT, da Formação Inicial
e Continuada – FIC, e da educação e da experiência informais do processo de
profissionalização), do trabalho e da produção da arquitetura. A hipótese subjacente a
esta análise é que as formas contemporâneas de monetização do conhecimento,
canalizadas por meio dos CLOs, avançaram em função do oportunismo e das
contingências impostas pela pandemia, tornando mais evidente as contradições entre
espaços formais e não-formais de educação, sob a intenção de determinar a totalidade
dos processos da formação e da profissionalização de estudantes e arquitetos, e das
suas práticas que determinarão a produção geral da arquitetura.
Os CLOs, entendidos como uma via comunicativa das transformações destas dimensões,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 112
neoliberalismo etc. Por outra parte, este debate pretende iniciar um diálogo sobre o
discurso e as consequências sociais, culturais e econômicas, acerca do trabalho e da
tecnologia1, em relação a determinados espaços formativos dos CLOs.
1 Entendida como um “processo social”, “como modo de produção, como a totalidade dos instrumentos, dispositivos
e invenções [...], ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma
manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e
dominação” (MARCUSE, 1999, p. 73).
2 A EPT é uma modalidade educacional que visa preparar os cidadãos “para o exercício de profissões”, de modo que
cada um possa se inserir no mundo do trabalho (leia-se mercado de trabalho) (MEC, 2021a, não p.).
3 De acordo com a Lei nº 9.394, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996), e a Lei nº 11.741
(BRASIL, 2008), a EPT deve estar integrada a diferentes níveis e modalidades de educação, às dimensões do trabalho,
da ciência e da tecnologia, abrangendo diferentes itinerários ou trajetórias formativas. São estabelecidas três
modalidades de cursos e/ou programas para a ETP: (i) de formação inicial e continuada (FIC) ou qualificação
profissional; (ii) de educação profissional técnica de nível médio; (iii) e de educação profissional tecnológica de
graduação e pós-graduação (BRASIL, 1996; 2008).
4 Também identificadas como Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores de acordo com o Decreto nº 8.268
(BRASIL, 2014).
5 Referente ao estabelecimento do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).
6 A educação abrangeria os processos formativos que se desenvolvem na “vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais” (BRASIL, 1996, não p., Art. 1º e 2º); sendo “direito de todos e dever do Estado e da família”
e devendo ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, não p., Art. 205).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 114
7 De acordo com os decretos nº 5.154 (BRASIL, 2004, não p.) e nº 8.268 (BRASIL, 2014, não p.), “consideram-se
itinerários formativos ou trajetórias de formação as unidades curriculares de cursos e programas da educação
profissional, em uma determinada área, que possibilitem o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos”.
8 No Art. 42 da LDB (BRASIL, 1996, não p.) fica expresso que instituições de EPT podem, além de seus cursos regulares,
oferecer “cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não
necessariamente ao nível de escolaridade”. Este artigo, que integra o capítulo III da referida lei, é o mais utilizado
para justificar a presença de CLOs em programas de ensino em instituições públicas e privadas e por empresas que
atuam no mercado educacional.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 115
flexibilização na conclusão dos seus roteiros formativos; acesso por qualquer dispositivo
móvel que tenha acesso à internet; valores mais acessíveis ou mesmo gratuitos;
desenvolvimento profissional por meio da formação continuada; atrativos para o
enriquecimento de currículos profissionais. Os CLOs se diversificaram dentro do
mercado digital e, maior ainda, dentro do mercado de cursos online. Atendendo aos
nossos objetivos, analisamos um conjunto de CLOs, no caráter da EPT e da FIC, que são
diretamente realizados por escritórios de arquitetura, empresas ligadas a escritórios de
arquitetura e criadas para este fim e/ou profissionais liberais e autônomos ligados ao
setor da construção civil. Fundamentalmente, dentro deste recorte e longe de qualquer
validação oficial, quem dita a qualidade e a quantidade dos CLOs é a própria lógica
interna do mercado, o também chamado consumidor (direto, pelos alunos, ou indireto,
pelas empresas que contratam seus egressos) e a livre iniciativa econômica.
9 A busca por cursos à distância na pandemia aumentou em pelo menos 50% em todo o país, e 34% das instituições
tiveram um aumento significativo no número de matrículas dos cursos online (ABED, 2021). O portal Cuponomia –
responsável por movimentar mais de R$500 milhões em cupons e cashbacks em várias categorias – obteve aumento
de 224% nas vendas de cursos online nos seis primeiros meses da pandemia (REVISTA PEGN, 2020). A plataforma
Certificado Cursos On-line obteve um aumento de mais de 300% nas buscas por cursos online somente em 2020
(TERRA, 2021a). A plataforma de cursos online HeroSpark apresentou um crescimento de 50 vezes o número de
matrículas de novos alunos, além de 60 mil novas contas cadastradas em 2020 (EXAME INVEST, 2021).
10 Coursera, EdX, Udacity, Codecademy, Linkedin Learning, Khan Academy e Udemy são alguns exemplos.
11 Uma espécie de shopping que abriga num mesmo espaço (ambiente virtual ou a plataforma digital) vários lojistas
(proponentes dos cursos) que expõem e comercializam seus produtos (cursos / infoprodutos). As plataformas
oferecem às instituições e profissionais a estrutura digital e todos os recursos para viabilizar a operação dos cursos.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 116
12 Vendas realizadas diretamente pela internet, em que os proponentes dos CLOs são responsáveis por toda a
estrutura da loja virtual e dos recursos para hospedagem dos cursos. Trata-se da criação de espaços virtuais exclusivos
de cada empresa, onde se tem a liberdade para tomar decisões sobre layout, formas de pagamento, frete, ofertas e
promoções, descontos, dentre outras coisas.
13 Observam-se dinâmicas para criar novas estratégicas neste âmbito, como: microlearning (a oferta de conteúdo é
realizada em módulos); gamificação (envolve conquistas, pontuações, placares, recompensas, prêmios); aprendizado
mobile (pensado para o tamanho das telas dos dispositivos móveis); ensino híbrido (blended learning); assistentes
virtuais (uso de inteligência artificial); realidade virtual; chatbot (programas de computador que utilizam inteligência
artificial para imitar conversas com usuários de várias plataformas e aplicativos).
14 Segundo Terra (2021b, não p.), na área de marketing digital “alguns infoprodutores de sucesso chegam a faturar
mais de 50 milhões de reais a cada lançamento de curso”.
15 “Como toda ideologia, oculta a divisão social das classes, mas o faz com a peculiaridade de afirmar que a divisão
social se realiza entre os competentes (os especialistas que possuem conhecimentos científicos e tecnológicos) e os
incompetentes (os que executam as tarefas comandadas pelos especialistas)” (CHAUI, 2016, p. 56-57).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 117
como seres competentes. Isto significa que precisamos ser ensinados ‘cientificamente’
– sob um modo cada vez mais privatizado, isto é, por ‘especialistas’ sobre como viver,
relacionar-se com o mundo e com os outros. Para a autora, isto explica a proliferação
de livros de autoajuda e toda sorte de programas e cursos que vemos hoje (incluídos os
CLOs). Neste sentido, os CLOs podem ser vistos como um canal, um meio pelo qual o
discurso competente é interiorizado (com suas regras e valores). Caso contrário,
qualquer indivíduo pode ser descartado se não atingir os padrões da competência –
“inteiramente absorvida pela indústria cultural e pela propaganda”, que passam a
manipular os signos e as imagens (CHAUI, 2016, p. 58)16. Na prática, este movimento
sustenta-se na cultura e na racionalidade do empreendedorismo, que hoje determina
muito das condições sociais e simbólicas das relações socioeconômicas dos mercados.
Isto é reflexo da economia neoliberal e da sua introdução como regime de trabalho que
preza por mecanismos de flexibilização como a troca do assalariamento da força de
trabalho por uma relação de prestação de serviço. Como se pode perceber, as
contradições que atravessam este regime, “esse novo estatuto do trabalho”,
apresentam-se “como relação de serviço e produção de si mesmo, produção de
subjetividade” (COCCO, 2013, 17). Neste contexto, esta produção de si mesmo e dos
outros torna-se cada vez mais difícil e cara.
Há todo um conjunto de novas funções, habilidades e competências que são exigidas
para se atuar num modelo de mercado cada vez mais acirrado e dependente de recursos
de pesquisa, coleta de dados, controle de informações, comunicações rápidas etc. Nossa
hipótese a este respeito é que a inserção de empresas e profissionais liberais e
autônomos (inclusive do campo da arquitetura) no mercado digital tem contribuído para
uma mudança dos seus perfis. De um lado, abandonam as atribuições históricas de suas
profissões para fazer delas um nicho ‘competente’ do mercado digital e educacional. Por
outro lado, de maneira sutil, mas profunda, captura-se o tempo das suas antigas
atividades e funções para alimentar seus canais e plataformas virtuais ou de
comunicação pelas redes sociais, alterando substancialmente a cultura e os
comportamentos na relação entre clientes e profissionais e também entre profissionais
e suas práticas cotidianas. Sendo assim, observa-se a formatação de profissionais para
uma instrumentalidade técnica e comunicativa cadenciada pelo mercado e pela
expropriação crescente de subjetividades e capacidades humanas como a do próprio
trabalho. Evidentemente, a tecnologia à serviço dos interesses financeiros e da livre
iniciativa econômica tem sido fundamental neste processo.
16 No âmbito do mercado digital, especialmente para desenvolvedores de conteúdo (como os proponentes de CLOs),
“não basta ter conhecimento, é preciso saber explorá-lo e divulgá-lo da melhor forma, com campanhas de tráfego,
anúncios e técnicas apuradas de copywriting, edição de vídeo e áudio, além de ferramentas para controle de
pagamento” (TERRA, 2021b, não p.). Além disso, é preciso definir um nicho de forma precisa, contar com uma boa
divulgação nas redes sociais, criar conteúdo e canais de comunicação atrativos, práticos e objetivos, visando atingir
algum aspecto da vida do consumidor (TERRA, 2021b). Estas são as novas exigências da competência e que se aplica
a quase totalidade do mundo do trabalho e dos negócios contemporâneos.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 118
17 Não tão orgânica assim. A identificação de perfis e plataformas foi realizada por meio da rede social do Instagram,
cujo funcionamento opera através de algoritmos que direcionam conteúdos e informações para um determinado
interesse indicado ou realizado em buscas.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 119
18 Dentre eles as operações compositivas, a organização e estruturação da forma, as imbricações das relações
programáticas, as determinações e imprevisibilidades dos usos, o contexto e a paisagem do espaço, a materialidade
e suas formas de expressão, etc.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 120
19 Método que tem sido muito difundido para a precificação dos serviços em arquitetura. Embora possa oferecer
determinadas vantagens quanto a outros, como o que se baseia em metragem quadrada, do ponto de vista do
trabalhador remonta à racionalização instituída com o taylorismo, isto é, a determinação de meios de controle que
é, essencialmente, “um método para se fazer trabalhar, mais do que um método para se trabalhar melhor” (WEIL,
1996, p. 146).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 122
20 É preciso construir um contraponto a este argumento ao mesmo tempo situar e organizar uma pluralidade de
práticas que reconsiderem a dimensão do tempo em regimes de trabalho que prezem por um progresso técnico-
social que não se constitui numa exploração maior da força de trabalho, isto corresponderia a uma “racionalização
verdadeira” (WEIL, 1996, p. 146). Como bem aponta Cândido apud Khel (2009, p. 110): “[...] tempo não é dinheiro.
Isso é uma monstruosidade. O tempo é o tecido da nossa vida”.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 123
21 A heteronomia ou “imposição de uma lei por outro (heteros)” pode ser traduzida, neste caso, como “a antecipação
de produtos (fins) ou processos (meios), feita por poucos e destinada a muitos” (KAPP, 2011, não p.).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 124
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise crítica em torno dos CLOs suscita reflexões sobre a relação entre o modo de
produção e os processos de formação e profissionalização de estudantes e arquitetos.
Foram levantadas questões suficientes para repensarmos a necessidade de ocupar os
espaços onde os CLOs estão sendo gestados. Embora carreguem como princípio a
liberdade de qualquer indivíduo aprender e ensinar conforme sua experiência de
mundo, vimos a conformação de um canal de comunicação estratégico às relações
capitalistas em torno do ensino, da formação, da profissionalização, do trabalho e da
tecnologia. O fenômeno de monetização do conhecimento acompanha outro, social e
político, de graves consequências: “um processo de formação de pessoas competentes
cuja contrapartida é a aparição dos incompetentes sociais” (CHAUI, 2016, p. 113). Esta
trama complexa por onde as relações sociais são atravessadas não se sustenta só da
(re)produção material da sociedade, mas também da (re)produção dos modos de vida e
das subjetividades, em que se observa o imaginário neoliberal (como ideologia da
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 126
22 Que toma o ser como “fragmentação econômico-social e a compressão espaçotemporal gerada pelas novas
tecnologias e pelo percurso do capital financeiro” (CHAUÍ, 2016, p. 91).
23 A racionalização tomada apenas como um aperfeiçoamento (quase natural) da produção, entre as sucessivas
inovações que fazem o progresso industrial (WEIL, 1996, p. 136).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 127
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 130
COMUNICAÇÕES
PAINEL 2
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 131
RESUMO
As mudanças vivenciadas no ensino superior na pandemia não foram diferentes para o ensino de
Arquitetura e Urbanismo. Contudo, elas não propuseram apenas desafios para nosso dia a dia, mas
também trouxeram oportunidades. Neste sentido, objetiva-se discutir os desafios e possibilidades de
inovação e ressignificação das estratégias pedagógicas interdisciplinares de ensino no curso de
Arquitetura e Urbanismo, frente às atuais mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. Para tal,
demonstram-se as estratégias e métodos aplicados no Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro
Universitário Facens implementados a partir do início da pandemia da Covid-19. Foi possível o uso de
novas ferramentas que permitiram dar continuidade ao desenvolvimento de habilidades e competências
aos estudantes, bem como potencializaram o desenvolvimento de visando reforçar as estratégias
interdisciplinares presentes no curso. Em todo esse cenário, apresentou-se uma oportunidade inovadora
o que se viu foi a necessidade de capacitar nossos estudantes e corpo docente para além dos
conhecimentos que envolvem a atuação técnica profissional do arquiteto e urbanista, mas uma
metodologia capaz a necessidade de cuidar de suas competências socioemocionais enquanto indivíduo e
cidadão neste período de distanciamento, contribuindo também para a formação humanista da profissão.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de arquitetura e urbanismo, estratégias pedagógicas, interdisciplinaridade,
competências socioemocionais.
1 INTRODUÇÃO
Os cursos de Arquitetura e Urbanismo fundamentam-se em disciplinas que preparam o
estudante para a prática profissional e que sejam contempladas nos diferentes campos
de atuação propostos pela Lei no 12.378/2010 (BRASIL, 2010b). Desta forma, o egresso
torna-se um profissional generalista que pode selecionar entre cada um destes campos
de atuação uma área de especialização. Os cursos devem atender à formação do
arquiteto e urbanista definido pelo artigo 4º da Resolução nº 2, que determina as
Diretrizes Curriculares para o curso de graduação, cujas características compreendem
uma "sólida formação de profissional generalista", "aptidão de compreender e traduzir
as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidade, com relação à concepção,
organização e construção do espaço interior e exterior, abrangendo o urbanismo, a
edificação e o paisagismo". Somado a isso, as diretrizes incluem a "conservação e
valorização do patrimônio construído", a "proteção do equilíbrio do ambiente natural e
utilização racional dos recursos disponíveis" (BRASIL, 2010a).
Conceitos importantes como a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade também
podem ser adotados para auxiliar na formação do arquiteto e urbanista. Se por um lado,
a interdisciplinaridade reforça a colaboração entre disciplinas e a existência de possíveis
conflitos entre elas, considerando sua autonomia e caráter independente. Por outro, a
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 132
2 MÉTODO
Este trabalho classifica-se segundo os procedimentos técnicos realizados em pesquisa
experimental. “A pesquisa experimental consiste em determinar um objeto de estudo,
selecionar as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo, definir formas de controle e
de observação dos efeitos que a variável produz no objeto” (GIL, 2009, p. 47). O
delineamento do método, encontra-se detalhado e explicado no Quadro 1.
Dentre os professores que participaram das práticas interdisciplinares no semestre, o
Quadro 2 mostra a caracterização do corpo docente segundo a formação. Quanto aos
alunos, sua distribuição por semestre se deu da seguinte forma - 62 alunos no 1o
semestre, 32 no 3o semestre, 41 no 5o e 40 no 7o semestre.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 134
nº Etapa Explicação
Frente ao perfil de ensino adotado no curso, quais
estratégias pedagógicas podem ser utilizadas para
1 Formulação do problema viabilizar e mitigar o impacto da pandemia da Covid-19
no ensino, pesquisa e extensão do curso de Arquitetura
e Urbanismo?
Se os estudantes tiverem acesso a todas as aulas,
eventos, pesquisas, extensões e apoio emocional de
2 Construção das hipóteses
forma virtual, então o impacto da pandemia no processo
de ensinagem será minimizado.
Acesso e participação nas aulas, participação em
Operacionalização das
3 eventos, desenvolvimento de pesquisa e extensão, apoio
variáveis
emocional.
Diversas estratégias pedagógicas relacionadas às
Definição do plano variáveis relacionadas acima foram experimentadas no
4
experimental curso de Arquitetura e Urbanismo, durante a pandemia
da Covid-19, ou seja, de maneira totalmente remota.
A população analisada compreende os docentes (15
professores) e discentes (171 alunos) do curso de
5 Determinação dos sujeitos
Arquitetura e Urbanismo, conforme explanado no
Quadro 2.
O uso do ambiente virtual para ensino, pesquisa e
6 Determinação do ambiente
extensão foi analisado.
A coleta de dados se deu ao longo da vivência do
7 Coleta de dados semestre, a partir dos recursos disponibilizados pela
Instituição.
A análise dos dados foi realizada a partir de avaliação
qualitativa por parte dos docentes e estudantes. As
Análise e interpretação dos
8 estratégias pedagógicas utilizadas foram avaliadas,
dados
ressaltando-se os pontos positivos e pontos de melhoria
da experiência.
Na conclusão, a análise da experiência realizada neste
9 Apresentação das conclusões estudo será considerada para reflexão de novas
diretrizes de ensino, pesquisa e extensão.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 2 – Caracterização do Corpo Docente
Engenharias
Professores / Área de Arquitetos e Outra Formação
(Agronômica,
Formação Urbanistas (Matemática e Física)
Ambiental, Civil)
Professores em
04 01
disciplinas teóricas
09
Professores em
01 00
disciplinas práticas
Fonte: Elaborado pelos autores.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 135
encontra, e eles devem aplicar o conhecimento adquirido nas disciplinas do curso para
resolução dos problemas de projeto. O desafio geralmente é proposto pelas disciplinas:
projeto de arquitetura, projeto de urbanismo e projeto de paisagismo. As demais
disciplinas, como: conforto, teoria e história, sistemas estruturais, instalações,
arquitetura digital etc., fornecem o suporte do conhecimento necessário em cada área
para auxiliar no desenvolvimento do projeto. Cada disciplina avalia os critérios objetivos
referentes aplicados em neste projeto. Um exemplo da integração entre as disciplinas
pode ser constatado na Figura 1.
Figura 1 – Interdisciplinaridade no curso de AU
acompanhamento das aulas. Todas as reuniões e eventos passaram a ser realizados por
meio de plataformas digitais.
O ensino, neste contexto, teve então que ser adaptado, de modo a atender todas as
competências necessárias para a formação do arquiteto e urbanista, possibilitando a
estruturação de uma nova forma de pensar, de ver o mundo e o espaço. Em meio aos
desafios impostos pela pandemia, implementaram-se estratégias de comunicação,
colaboração digital e laboratórios virtuais, como por exemplo, ensaio de compreensão
(Sistemas Estruturais: Aço) e Perfis e Movimentação de Terra (Topografia e
Geoprocessamento), de modo a garantir a comunicação e o engajamento dos
estudantes no desenvolvimento das atividades interdisciplinares propostas,
demandando dos docentes sintonia, alinhamento e acompanhamento aos planos de
aula entrelaçados.
Diversos instrumentos digitais de aprendizagem foram utilizados para apoiar o ensino
durante este período. Além das ferramentas institucionais, como o Canvas, Zoom e
OneDrive, outras plataformas foram utilizadas para incentivar a participação ativa dos
estudantes durante as aulas, e que estão demonstradas no Quadro 3. Os ambientes
virtuais de aprendizagem foram utilizados para auxiliar no desenvolvimento de das
competências dos estudantes de maneira remota e garantir a aplicação da APB ABP.
Algumas ferramentas digitais foram utilizadas para engajar os estudantes, motivar a
participação nas aulas e auxiliar no gerenciamento e desenvolvimento de trabalhos
colaborativos. Os docentes tiveram liberdade para implementar o uso de novas
ferramentas nas suas disciplinas, bem como, houve trocar de experiências, desafios e
benefícios dos usos destas.
Como exemplos de aplicação, os estudantes do 1º semestre utilizaram nas disciplinas de
Expressão e Representação Gráfica, bem como na de Introdução à Arquitetura e ao
Urbanismo, técnicas mistas de expressão, com desenhos, colagens, fotomontagem. Foi
livre o uso de técnicas manuais e/ou digitais e se deu o acompanhamento docente via
fotos e vídeos de registro do processo, através dos quais foi possível avaliar o produto e
entender a forma de pensar dos estudantes. Para estimular a aproximação dos espaços
das cidades e dos edifícios, visitas e derivas foram promovidas via Google Maps e Google
Earth por uma série de edifícios e cidades que dificilmente poderíamos reunir em uma
única aula devido à distância geográfica entre eles. Não queremos afirmar aqui que a
visita remota substitui todos os saberes adquiridos nas visitas presenciais, mas foram
oportunidades que se tornaram possíveis diante do exposto.
Os estudantes do 3º semestre experimentaram o desenvolvimento de projeto associado
à modelagem de informação e como esta possibilitaria a tomada de decisão ao longo de
desenvolvimento do projeto. Já os estudantes do 5º semestre, na disciplina de
Arquitetura Digital I, o método de sala de aula invertida foi utilizado, na qual os
estudantes tinham acesso a videoaulas sobre a matéria durante a semana e, no horário
da aula síncrona, era lhes solicitado que aplicassem o conteúdo ensinado em uma tarefa
que era então desenvolvida durante o horário de aula. Ao final, a apresentação dos
trabalhos ocorreu através de um vídeo-pitch, em que os estudantes gravaram um vídeo
salientando os principais pontos do modelo performativo desenvolvido.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 138
Através das estratégias apresentadas ao longo do artigo foi possível manter a prática da
interdisciplinaridade através da associação da ABP a múltiplos recursos digitais. No 2º
semestre de 2020, os estudantes do 2° semestre trabalharam com a escala do local, os
do 4º, na escala da cidade e, os do 6º semestre, na escala metropolitana. Por sua vez,
no 1o semestre de 2021, os estudantes ingressantes do curso exercitaram o raciocínio
criativo e expressivo de projeto por meio das "Cidades Invisíveis" (CALVINO, 1972),
enquanto os estudantes do 3o semestre atuaram na escala do bairro, implantando uma
unidade modular de um hotel urbano. Já os estudantes do 5o semestre atuaram na
escala da cidade, promovendo a criação de um equipamento cultural. Por fim, os
estudantes do 7o semestre atuaram junto às áreas de assentamento precário. Em todos
os semestres, o estudante tem a oportunidade de aplicar todos os conhecimentos
adquiridos em um projeto que atende a escala e complexidade relativa aos
conhecimentos esperados pelo estudante que se encontra em determinado semestre.
Entretanto, deve-se considerar que a interdisciplinaridade exercitada em cada semestre
apresenta desafios. O primeiro deles é levar aos alunos a importância do pensamento
interdisciplinar por meio de diferentes docentes que lecionam em dias distintos da
semana. Nesse sentido, desde a definição dos professores que atuam em cada semestre
é pensada a presença de um agente que esteja em mais de uma disciplina tronco desta
integração, compondo duplas ou trios com outros professores, de modo a incentivar o
pensamento complexo e interdependente nas disciplinas pelos estudantes. Ainda que
distantes geograficamente, os docentes conseguiram alinhar os objetivos com as
ferramentas digitais disponibilizadas, além de outros meios virtuais de comunicação e
troca de dados.
TRILHAS SOCIEMOCIONAIS
Os desafios socioemocionais enfrentados durante o período de isolamento social,
dificultaram o ensino e até mesmo a criação de vínculos com os estudantes ingressantes,
sensibilizando-os a pensarem como se sentiam face as novas condições impostas pela
pandemia. Dessa forma, o Laboratório ENLACE, foi desenvolvido pela instituição com
objetivo de sensibilizar a comunidade a reconhecer, despertar e desenvolver as
habilidades sociais e emocionais dos indivíduos, revelando oportunidades para seu bem-
estar e motivação durante a vida acadêmica, fortalecendo seus propósitos pessoais. O
ENLACE utiliza como referência o modelo dos Cinco Grandes Fatores (CFG), o Big Five,
em uma estrutura de 15 competências: Autoconfiança, Determinação, Persistência,
Organização, Foco, Responsabilidade, Iniciativa social, Assertividade, Entusiasmo,
Empatia, Respeito, Confiança, Cuidado, Curiosidade para aprender, Imaginação criativa,
Interesse artístico.
Durante o primeiro semestre de 2021, foi desenvolvida uma prática pedagógica
humanizadora para os alunos e professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo,
através de Trilhas Socioemocionais. A metodologia parte do diagnóstico socioemocional
aplicado entre os alunos e professores cujos resultados permitiram a seleção das trilhas
para cada um dos semestres. Foram realizados encontros síncronos de 1 hora com
alunos em parceria com os professores (intervenções reflexivas) e vivências no Canvas.
A fim de criar uma linguagem gráfica atraente e tratar o processo de desenvolvimento
das habilidades socioemocionais como uma jornada, foi criado um traçado de cinco
linhas de metrô visando relacioná-las com as competências principais da Facens:
Compaixão, Internacionalização, Empreendedorismo e Liderança, Sustentabilidade e
Inovação. Cada tema possuía estações de parada para reflexão, nas quais algumas das
linhas se cruzam para o desenvolvimento de habilidades específicas. Com isso, foi
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5 CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES
A pandemia da Covid-19 trouxe inúmeros desafios ao processo de ensinagem, mas
também trouxe inúmeras oportunidades de inovação e ressignificação das estratégias
pedagógicas interdisciplinares de ensino, pesquisa e extensão no curso de Arquitetura
e Urbanismo. De um lado, os estudantes enfrentaram desafios como a distância e as
consequências socioemocionais dos estudantes. Para aqueles que não enfrentaram
dificuldades – e foram muitas de ordem emocional, psicológica, financeira – e se
envolveram por inteiro no processo de aprendizagem. Por outro, identificou-se o
desenvolvimento e o avanço das habilidades digitais, as quais dificilmente seriam
conquistadas no contexto exclusivo presencial.
No ensino, uma das principais dificuldades foi a identificação do rendimento dos alunos
e sua participação de maneira remota. Para sanar este problema, o colegiado de
professores desenvolveu avaliações em grupo e individuais. Dessa forma, foi possível
identificar os alunos que necessitavam de maior acompanhamento e apoio diante da
aprendizagem autogerida em sua casa. Na correção dos trabalhos, quando os
estudantes optaram pelo desenvolvimento de trabalhos manuais considerou-se como
desafio a transmissão do trabalho pelos meios digitais. A baixa resolução e qualidade
das imagens enviadas muitas vezes dificultaram o processo de avaliação dos trabalhos.
Um dos aspectos que chamou atenção foi o alcance do engajamento nas trilhas
socioemocionais dos alunos por semestre. Ainda que as dinâmicas realizadas em aula
tivessem a participação significativa dos alunos, nas trilhas socioemocionais apenas 10%
do 1o semestre e 7% dos estudantes do 5o semestre avançaram na prática da proposta.
O semestre com maior participação foi o 3o, com 19% dos estudantes, enquanto o 7o
semestre não seguiu nenhuma trilha. Entende-se aqui que para aqueles estudantes
estão em fase mais avançada do curso, que trabalham e cursam o estágio obrigatório,
as atividades ficaram fora da lista de prioridades.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 143
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os estudantes, professores, coordenação e omitido para revisão
pelo incentivo e apoio.
REFERÊNCIAS
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para estratégias de trabalho em aula. Joinville: Editora Univille e ABEU Associação Brasileira de Editoras
Universitárias, 2003.
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Gráfico, 1988.
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Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez 1996.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. Resolução no 2, de 17 de Junho de 2010 –
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, alterando
dispositivos da Resolução CNE/CNS no 6/2006. 2010a.
BRASIL. LEI Nº 12.378, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010 - Regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e
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CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Editora Companhia das Letras, 1990.
CELANI, G. COLABORAÇÃO REMOTA NO PROJETO DE ARQUITETURA E URBANISMO EM UM CONTEXTO DE
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ISOLAMENTO SOCIAL. Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 6, n. 1, p. 163-167, 25 jan. 2021.
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MORIN, Edgar. Desafios da transdisciplinaridade e da complexidade. Inovação e interdisciplinaridade na
universidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 22-28, 2007.
MONTEIRO, A. M. R. DE G. ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO À DISTÂNCIA, REMOTO, HÍBRIDO. Revista
Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 6, n. 1, p. 157-162, 25 jan. 2021.
SÃO PAULO. DECRETO Nº 64.881, DE 22 DE MARÇO DE 2020. Decreta quarentena no Estado de São Paulo, no contexto
da pandemia do COVID-19 (Novo Coronavírus), e dá providências complementares. Diário Oficial do Estado de São
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2020. Disponível em http://www.abea-arq.org.br/?page_id=304.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 145
RESUMO
O ensino de Arquitetura e Urbanismo passa por transformações graduais que refletem uma nova visão
sobre a área de conhecimento que tem sido impulsionada pelos estudantes, na escolha de temas de
Trabalho de Final de Graduação, para citar um exemplo; por alguns docentes, na maneira de apresentar
os temas de análise e estudos de caso nas disciplinas de Projeto; e em diversos projetos de pesquisa e
extensão. Este novo olhar, que teve início na academia, já ganhou terreno no mainstream internacional
em algumas de suas referências conceituais mais fortes como o Prêmio Pritzker, a Bienal de Arquitetura
de Veneza e a UIA. Este artigo pretende identificar os temas principais desta nova visão a fim de chamar a
atenção dos professores para sua prática atual, assim como para os membros de núcleos docentes
estruturantes e coordenadores de curso no sentido de debaterem a possibilidade de inserção de alguns
dos temas aqui tratados nos seus respectivos projetos pedagógicos de curso.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Superior, Arquitetura e Urbanismo; Inovação, Boas Práticas de Ensino.
1 INTRODUÇÃO
As mudanças no pensamento predominante de Arquitetura e Urbanismo são
comumente sintetizadas em projetos visionários, publicações ou edifícios marcantes.
Foi assim com os desenhos para a Ville Contemporaine (1922) de Le Corbusier e as
pinturas de Zaha Hadid para The Peak (1982); as primeiras edições de Complexidade e
Contradição em Arquitetura (1966), de Robert Venturi, e Morte e vida das grandes
cidades (1961), de Jane Jacobs; assim como o Palácio Capanema (1935-1945), de Lucio
Costa, Oscar Niemeyer, Burle-Marx e Le Corbusier, entre outros, e o Museu Guggenheim
Bilbao (1997) de Frank Gehry.
Mas há mudanças que se insinuam de forma difusa, coletiva e sutil até alcançarem
algum reconhecimento mais amplo. Este parece ser o caso da nova agenda para o Ensino
de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, que pode ser resumida na palavra preexistência,
com seus diferentes desdobramentos, e no conceito de decolonialidade aplicado à
arquitetura e ao urbanismo. Ambos estão refletidos no renovado interesse de
estudantes pela arquitetura vernacular e pela bioconstrução, assim como na produção
acadêmica cada vez mais numerosa de projetos de graduação com o tema da habitação
de interesse social. Este movimento tem rebatimentos na prática profissional e se viu
refletido, este ano, em três marcos extremamente significativos: o Prêmio Pritzker, a
Bienal de Veneza e o Congresso Mundial da União Internacional de Arquitetos.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 146
em que o vencedor leva tudo no que diz respeito a infraestrutura, mobilidade e toda
sorte de serviços. Já o modelo da urbanização dispersa foi ressuscitado pelas classes
privilegiadas, com famílias se mudando para condomínios distantes ou cidades do
interior, pois grande parte do trabalho exclusivamente intelectual pode ser feita
remotamente.
Trabalho remoto nos remete ao ensino remoto. O termo foi amplamente difundido
como uma diferenciação metodológica em relação à Educação à Distância (EaD), mas
ambos dependem de uma mediação eletrônica das atividades de ensino e
aprendizagem. Falou-se muito na aceleração de uma mudança já em curso, que a
pandemia teria apenas precipitado, no sentido da ampliação da EaD. Contudo, o ensino
integralmente remoto acabou se provando fundamentalmente inadequado para
Arquitetura e Urbanismo. Evidenciou, por exemplo, como a presencialidade no espaço
urbano é essencial, a despeito dos inestimáveis recursos pedagógicos de programas
como Google Earth e afins. Na verdade, o ensino remoto atuou em dois sentidos
opostos. Houve certo maravilhamento pelas tecnologias digitais, como o BIM, ao mesmo
tempo em que os estudantes intensificaram seu interesse pelas técnicas tradicionais de
construção (da arquitetura indígena e da arquitetura vernacular), pela bioconstrução e
pela biofilia na arquitetura, entre outros conceitos cada vez mais presentes nos
trabalhos acadêmicos. Foi acionado, também, um sinal de alerta que nos fez repensar
como o ensino já vinha se distanciando da materialidade, da tectônica e da experiência
na obra tão fundamentais para o processo de formação dos futuros profissionais.
Mudanças no Ensino podem, sim, ocorrer para além dos processos de evolução
curricular ou mudanças nas DCN. Muitas vezes, são os alunos que provocam tais
transformações. Um concurso promovido recentemente pela ABEA revelou que a visão
dos estudantes sobre o patrimônio cultural tem se ampliado da tradição europeia para
incluir também a participação indígena e a contribuição africana. O concurso se chamava
exatamente Novos Olhares e foi criado para mostrar à sociedade, por meio das redes
sociais, que o Ensino tem evoluído acompanhando as pautas da sociedade.
uma peça de madeira e faz uso daquele pedaço de madeira no seu formato
natural e com as suas propriedades. Hoje o cimento me permite projetar um
edifício, enviar os desenhos para qualquer parte do mundo e ele é construído.
Eu não preciso ir até o terreno. A relação com o material acabou. A relação
com o local acabou. Wael Al Awar (Harrouk, 2021)
Se o Prêmio Pritzker endossou a nova sensibilidade para as preexistências, a Bienalle
catapultou a arquitetura vernacular do passado para o futuro. Ambos contribuem,
assim, para uma revisão urgente dos processos de concepção e execução da Arquitetura
do nosso tempo.
O 27º Congresso Mundial da União Internacional de Arquitetos (UIA2021RIO),
apresentou uma visão de Arquitetura e Urbanismo inclusiva, comunitária, decolonial e
humana. Tiveram destaque as experiências de países periféricos como Bangladesh,
Burkina-Faso, Indonésia, México ou Paraguai e países emergentes como Índia, China e
Brasil naturalmente. No UIA2021RIO, a arquitetura espetacular cedeu espaço para a
arquitetura vernacular e a palavra mais pronunciada pelos palestrantes foi:
comunidade.
O Congresso da UIA, que aconteceria na cidade do Rio de Janeiro em julho de 2020,
precisou ser transferido para 2021 e foi realizado por meio de plataformas digitais. De
qualquer forma, as conclusões dos debates e conferências foram reunidas em um
documento síntese que recebeu o nome da cidade-sede. A Carta do Rio apresenta
trechos inteiros que nos remetem a diversas pautas da nova agenda para a arquitetura
e o urbanismo do século XXI:
Não há uma só forma urbana, assim como não existe uma só cultura. É preciso
reconhecer as diversas formas de produção das cidades, incluindo as favelas
e periferias. (...)
É urgente modificar as bases conceituais e práticas do planejamento, do
urbanismo e da arquitetura, de modo a abarcar ações e processos que
respondam às demandas dos grupos mais vulneráveis, integrando questões
de renda, gênero e sexualidade, raça, das culturas tradicionais e dos
imigrantes. (...)
É preciso promover a implementação de políticas públicas integradas e
democráticas que garantam o direito à cidade a toda sociedade, valorizem o
patrimônio histórico e cultural, reconheçam as preexistências e preservem o
ambiente para gerações futuras. (...)
O conhecimento técnico dos arquitetos e urbanistas deve dialogar e
compartilhar com o saber popular (...).
A Arquitetura deve ser provida a partir de materiais locais, evitando
desperdícios de recursos, valorizando a qualificação da mão de obra local, os
saberes, os costumes e a cultura das comunidades e diversidades de climas.
(UIA2021RIO, 2021)
7 CONCLUSÃO
A ideia de que somente é belo o que é novo e jovem envenena nossas relações
com o passado e com o nosso próprio futuro. Impede-nos de compreender
nossas raízes e as maiores obras de nossa cultura e das outras culturas. Faz-
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 151
nos também recear o que está à nossa frente e leva muita gente a fugir da
realidade.
Walter Kaufmann, O tempo é um artista (Rónai, 1985)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABEA Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo. Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Arquitetura e Urbanismo. In: Anais: XXXVII ENSEA / XX CONABEA. Desafios no ensino de arquitetura e
urbanismo no século XXI. Rio de Janeiro: ABEA, 2019, p. 24-25.
AGENDA 2030. Plataforma Agenda 2030. Disponível em: <http://www.agenda2030.org.br/ods/11/>. Acesso em: 10
set. 2021.
BRASIL. Presidência da República. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em: 6 set. 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 152
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional da Educação, Lei nº 13.005/2014. Disponível em:
<http://pne.mec.gov.br> Acesso em: 12 set. 2021.
HADID, Z. Zaha Hadid: the complete buildings and projects. Londres: Thames and Hudson, 1998.
HARROUK, C.UAE / Wetland Wins the Golden Lion for Best National Participation at the 2021 Venice Biennale.
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IPHAN. Carta de Veneza de maio de 1964. Disponível em: <http:www.iphan.gov.br>. Acesso em: 12 set. 2021.
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<https://www.pritzkerprize.com >. Acesso em: 7 set. 2021.
REICHOLD, K.; GRAF, B. Buildings that changed the world. Munique: Prestel, 1999.
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SCHENK, L. Arquitetura da paisagem: entre o Pinturesco, Olmsted e o Moderno. São Carlos: USP, 2008. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo,
2008.
SEGRE, R. Ministério da Educação e Saúde: ícone urbano da modernidade brasileira. São Paulo: Romano Guerra
Editora, 2013.
UIA2021RIO. Carta do Rio. Disponível em: <https://www.uia2021rio.archi/wp-content/uploads/UIA2021RIO-
CARTA-DO-RIO.pdf>. Acesso em 12 set. 2021.
VENTURI, R. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 153
RESUMO
As reflexões acerca do ensino de arquitetura e urbanismo em seu modo, forma e lugar nunca geraram
tantas reflexões promovidas por meio de discussões digitais como lives, reuniões e artigos em um curto
espaço de tempo. A pandemia do Covid-19 transformou de forma abrupta - a partir de março de 2020 - o
modo de se comunicar e gerar conhecimento em todos os pontos do planeta. Com isso, esse estudo busca
analisar quais foram os principais impactos no processo de ensino aprendizagem de arquitetura
identificados nas publicações da área. Como método foi empregado a revisão sistemática da literatura
utilizando as bases de dados da SCOPUS e SCIENCE DIRECT. A partir de palavras-chave como “ensino de
arquitetura”, “pandemia”, “ensino remoto de arquitetura” e “estratégias de ensino de arquitetura” foram
selecionados 21 artigos nacionais e internacionais. Os resultados apontaram que houve uma aceleração
do processo de informatização e emprego das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs).
Ainda é cedo para definir o que esse período impactará nas futuras gerações de arquitetos, no entanto o
que se sabe até o momento é que muitas dessas inovações emergenciais permanecerão, o que torna
crucial a discussão de novas propostas de ensino nas escolas de arquitetura e urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: Estratégias de ensino; Arquitetura; Pandemia; Ensino remoto de arquitetura.
1 INTRODUÇÃO
A qualidade do ensino no Brasil nos últimos dois anos após o início da pandemia regrediu
consideravelmente. É o que divulgou a pesquisa intitulada “Resposta Educacional à
Pandemia de Covid-19 no Brasil” realizada pelo Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa
(INEP) e noticiada por meio da Agência do Senado Federal. Nos cursos de arquitetura e
urbanismo não foi diferente, onde as modalidades de ensino remoto precisaram se
desenvolver de forma emergencial. Apesar de a maioria das escolas privadas de ensino
de arquitetura já terem retornado ao chamado “ensino híbrido”, isto é, com algumas
atividades presenciais, sabe-se que muitas das instituições federais se preparam para
iniciar o terceiro ano de forma online. Importante pontuar aqui as diferenças do Ensino
Remoto e do Ensino a Distância (EAD), que embora ambos utilizem as chamadas TDICs
(Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação), o planejamento do
desenvolvimento da aprendizagem e suas relações configuram-se distintamente.
Segundo MORENO e VILLALBA (2018) o reconhecimento do nosso ambiente e o estudo
das relações entre os sistemas que o conforma (físico ou humano), constrói e transforma
nosso conhecimento e a maneira como nos comportamos individualmente e
coletivamente. Ou seja, relacionar a aprendizagem de arquitetura, da materialidade
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 154
2 METODOLOGIA
O procedimento de revisão sistemática da literatura caracteriza-se pelo emprego de
métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da informação
selecionada. Baseado na seguinte pergunta de pesquisa: “Quais as estratégias aplicadas
ou desenvolvidas para o ensino de Arquitetura na pandemia de covid-19?”, conforma-
se a pesquisa em questão.
Esse tipo de investigação disponibiliza um resumo como resultado das evidências
relacionadas ao tema proposto. As revisões sistemáticas de literatura são
particularmente úteis para integrar as informações de um conjunto de pesquisas
realizadas separadamente sobre determinado tema, que podem apresentar resultados
opostos e/ou iguais, bem como identificar potenciais investigações futuras.
Ao todo foram examinados 21 artigos incluídos por serem em língua portuguesa ou
inglesa e por apresentarem ao menos um dos quatro termos a seguir: ensino de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 155
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Inicialmente foram encontrados um total de 271 artigos. Destes, 21 foram selecionados
para análise depois da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Interessante
pontuar que ao aplicar as perguntas estabelecidas na metodologia, foi necessário
realizar um filtro manual, pois alguns artigos foram selecionados apenas pelo critério de
possuírem a palavra-chave “pandemia” e descartando ensino ou arquitetura e vice-
versa. Outro ponto também aplicado no filtro manual foi o uso do termo “ensino de
arquitetura” para referir-se a arquitetura de software ou de redes, uma área da ciência
da computação. O Quadro 1 mostra a distribuição dos autores dos 21 artigos,
sintetizados conforme o foco desta pesquisa.
1Parsifal é uma plataforma online e gratuita que auxilia pesquisadores para realização de revisões sistemáticas de
literatura. Ela possui como banco de dados as principais revistas científicas e possibilita ao usuário encontrar os
artigos e organizá-los.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 157
Eixos de pesquisa
Eixo 1: Análise da situação
atual (6/21)
Eixo 2: Proposição e
Testagem de Estratégias de
melhora no ensino (15/21)
4 CONCLUSÃO
Podemos considerar que o período de ensino remoto provocado pelas restrições
geradas pela pandemia de Covid-19 alterou as relações de ensino-aprendizagem nos
cursos de arquitetura. Alguns resultados imediatos já podem ser sentidos, mas esse
tópico irá requerer anos de estudos por vir, pois muitas das consequências das
estratégias emergenciais adotadas somente serão sentidas ao serem formadas as
primeiras levas dos chamados “egressos da pandemia”.
Porém, nem tudo pode ser considerado negativo nesse processo, pois a ruptura e a
desacomodação causada pela urgência de novas estratégias sacudiu as bases de muitas
escolas. Professores tiveram que acelerar um processo de informatização e emprego
das TDICs que já se anunciava há tempos. Como vimos, os estudos apresentam soluções,
ainda incipientes, mas que podem pôr em curso uma “reinvenção” do ensino nas escolas
de arquitetura.
Processos colaborativos e plataformas de interação virtual já estão presentes nos
escritórios pós-pandêmicos, que também foram impactados pelas novas demandas em
se comunicar intra e extra equipe. Muito disso permanecerá, e o papel das escolas será
formar alunos preparados para assumir essas novas habilidades que tais processos
demandam.
Sendo assim, revisões sistemáticas de literatura configuram um papel importante
perante o crescimento e acesso à informação científica. Espera-se que artigos como este
auxiliem os pesquisadores a sintetizar o conteúdo disponível sobre o tema, podendo
gerar novas discussões e investigações de forma mais aprofundada e eficiente.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 163
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 164
RESUMO
O artigo apresenta as percepções de crianças e suas cuidadoras(es) em relação aos caminhos que fazem
diariamente, dos seus locais de residência até as escolas. O público alvo são crianças entre 8 e 11 anos de
escolas públicas, localizadas no distrito Bela Vista, São Paulo. A primeira parte do artigo é uma articulação
bibliográfica que justifica a relevância do tema e as potencialidades do caminho escolar para as crianças;
a segunda apresenta os métodos utilizados nas oficinas, entendendo a busca da participação ativa das
crianças na análise e vivência dos espaços livres; e a terceira, por fim, apresenta as percepções em forma
de narrativas encontradas no processo todo. Nas considerações finais, se destaca a importância da
experiência da cidade para as crianças; se justifica a inclusão do olhar infantil de forma ativa nos projetos
e planejamento dos espaços urbanos; e, por último, aponta como essa vivência da cidade na infância pode
repercutir positivamente também na visão crítica dos indivíduos, jovens e adultos(as), especialmente
nos(as) estudantes de Arquitetura e Urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: crianças, caminho escolar, métodos de escuta, espaço livre público.
1 INTRODUÇÃO
O caminho escolar é o espaço livre público cotidianamente utilizado pelas crianças e
suas cuidadoras(es), o que desperta interesse em entender como esses espaços são
percebidos por esses usuários. Nesse sentido, essa pesquisa apresenta algumas
percepções de crianças estudantes do ensino fundamental I e de suas cuidadoras(es)
sobre esses espaços urbanos, a partir da realização de oficinas formuladas como
métodos de escuta. A pesquisa foi realizada entre agosto e outubro de 2021, em duas
escolas públicas do distrito Bela Vista, em São Paulo, e integra o trabalho de campo da
dissertação de mestrado em andamento da autora, em Arquitetura e Urbanismo na área
de Concentração Paisagem e Ambiente. Enquadra-se, portanto, como uma pesquisa e
extensão que reflete sobre a importância da cidade; e do espaço urbano como lugar de
aprendizados para as crianças em idade escolar.
Também busca-se compreender as relações e agentes envolvidos na vivência das
crianças com a cidade, especificamente do espaço urbano que frequentam diariamente
– o caminho até escola – caracterizando problemáticas e potencialidades desse espaço
livre, cuja estratégia fundamental foi a realização de oficinas, com crianças moradoras e
frequentadoras da área de estudo específica. Contudo, para a elaboração das atividades
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 165
que integram parte das escutas, foi necessário a articulação de bibliografia especializada
e do estudo de referências na realização de atividades com crianças no âmbito escolar,
tratando o tema da cidade.
As percepções das crianças e suas cuidadoras(es) são apresentadas em três partes: uma
primeira onde se expõe de forma sintética alguns conceitos de referência sobre as
relações que se tecem e os benefícios que as crianças e a cidade obtém quando esse
público infantil usufrui dos espaços urbanos; uma segunda sobre a descrição das
atividades propostas como métodos de escuta e as intenções com cada atividade; e uma
terceira com os resultados dessas atividades e ferramentas, onde se destacam os
elementos e relações presentes nas produções e falas das crianças desde um olhar
interpretativo devido ao carácter qualitativo dos dados.
A pesquisa foi desenvolvida para contribuir na elaboração de métodos de pesquisa e da
própria produção de arquitetura, urbanismo e paisagismo, mais plurais e que incluam
grupos supostamente minoritários, como neste caso específico: as crianças.
1
Região Metropolitana de São Paulo.
2
Origem Destino
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 167
O adulto anda para chegar a uma meta externa e segue diretamente para ela;
além disso, tem no passo um ritmo já estabelecido, que o transporta quase
mecanicamente. A criança anda para elaborar suas próprias funções e,
portanto, tem um objetivo criativo por natureza. É lenta e ainda não possui
um ritmo de passadas ou uma finalidade. Sente-se, porém, atraída pelas
coisas e afasta-se ocasionalmente do caminho. O auxílio que o adulto poderia
proporcionar seria abrir mão de seu próprio ritmo, de sua meta.
(MONTESSORI, 1989, p.91).
Esse caminhar despretensioso das crianças, lento e na busca do lúdico, deve ser
contemplado nos projetos e planejamento dos espaços urbanos; os quais devem buscar
ser flexíveis e acolhedores a existência de usos e apropriações não programadas e
informais, como o é o brincar nas crianças:
Batem com os pés em poças d’água, escrevem com giz, pulam corda, patinam,
jogam bolas de gude, exibem o que têm, conversam, trocam figurinhas, jogam
stoopball3, andam em pernas de pau, enfeitam patinetes feitos de caixa de
sabão, desmontam carros de bebê velhos, sobem em grades, correm de um
lado para o outro (...). Parte do seu atrativo reside na sensação que as
acompanha, de liberdade de vaguear para cá e para lá nas calçadas, situação
diferente de estar fechado dentro de um espaço (JACOBS, 2011, p. 94).
Nesse sentido, a potencialidade das calçadas para ser um dos principais espaços livres
públicos com crianças reside justamente na vida e movimentação das ruas, que
oferecem uma espécie de recreação informal (JACOBS, 2011), mas não só. Elas também
conseguem oferecer uma vida pública ativa que dá suporte a meninos e meninas
também em questões de segurança, de forma indireta, através dos conhecidos do bairro
e dos vizinhos, efetivando assim essa rede de relações nas quais as crianças se inserem.
Contudo, para qualificar esses caminhos e oferecer espaços que permitam o lúdico e
uma experiência estética para as crianças e cuidadoras, é imprescindível a participação
ativa das crianças nos projetos e no planejamento. Esse olhar particular e sensível que
as crianças possuem poderia tanto ser parte dos insumos de planejadores e governantes
locais para a construção de cidades e espaços públicos mais democráticos para e com
todos os grupos sociais, como ser aproveitado a partir de ações que promovam a
descoberta do urbano pelas crianças, como parte da sua própria formação humana e
cidadã. Em ambos os casos, envolver a percepção das crianças sobre suas vivências na
cidade por meio do planejamento do território e da paisagem, ou a realização de
iniciativas que promovam a exploração da cidade por elas, seria assumir que “a
diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança
não sabe menos, sabe outra coisa” (COHN, 2005, p.33).
3
Jogo baseado no beisebol que consiste em jogar a bola contra um muro e contar o número de vezes que ela pula
no chão.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 168
para esses espaços urbanos, foram propostos métodos de escutas a partir de oficinas,
em três atividades com cada turma, aplicadas em uma amostra da população infantil da
área de estudo. Elaboramos três tipos de oficinas com crianças das duas escolas públicas
que oferecem ensino fundamental I na área de estudo; as zonas OD4 Bexiga e Treze de
Maio, localizadas na parte norte do distrito Bela Vista sentido centro. Essas duas escolas
públicas são a EE5 Maria José e a EMEF6 Celso Leite Ribeiro Filho, dentro das quais
buscou-se a participação específica de crianças que tivessem entre 8 e 11 anos de idade,
pois é nessa idade que as crianças começam a se deslocar de forma mais autônoma,
sozinhas ou com mínima supervisão dos adultos7.
Figura 1 - Mapa da área de estudo (zonas OD Treze de Maio e Bexiga), localização das escolas que oferecem ensino
fundamental na área de estudo e seus raios de abrangência de uma caminhada de 10 minutos de um adulto8
Fonte: Elaboração própria a partir da Pesquisa OD – Metrô de São Paulo, 2019; Geosampa (Prefeitura Municipal de
São Paulo) e Google Earth.
Cada turma participante foi convidada a realizar as três atividades, sendo proposto que
a atividade 1 estimularia a análise do cotidiano e a percepção dos espaços urbanos, se
refletindo sobre eles no abstrato e dentro da sala de aula; que a atividade 2 dispararia
a discussão e reflexões sobre expectativas e desejos para os espaços frequentados
diariamente, na maioria das vezes vividos e aceitos sem crítica alguma sobre seu estado
de conservação ou configuração; e que a atividade 3 forneceria uma experiência coletiva
no entorno escolar, colocando a pesquisadora, as crianças e os outros adultos
(colaboradores da pesquisa e professores) em uma vivência sobre a qual depois se
conversaria e se trocariam as impressões das crianças, no pátio da escola.
4
Zonas OD, de pesquisa ou de tráfego é a unidade territorial básica para o levantamento de dados. É a menor unidade
para a qual está garantida a validade estatística das informações da pesquisa Origem Destino (OD) do Metrô (2019),
definidas com base na sua homogeneidade urbanística e socioeconômica, além de outros critérios técnicos.
5
Escola Estadual.
6
Escola Municipal de Ensino Fundamental.
7
Em programas da PMSP sobre mobilidade escolar e proteção ao pedestre, toma-se como referência que estudantes
do 5° ano do ensino fundamental e, em média com 10 anos de idade, já começam a ter a responsabilidade sobre sua
própria circulação. Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET.
8
Como referência tomou-se a premissa dos projetos do Território CEUs de contemplar intervenções do espaço
público num raio de abrangência de 600 a 1000 metros a partir do equipamento educacional, e a velocidade média
de um adulto de 1 m/s definido pelo Departamento Nacional de Infraestruturas de Transportes – DNIT.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 169
9
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
10
O registro das oficinas, especialmente no caso das saídas programadas, contou com a colaboração das professoras
e professores das turmas, assim como de outros adultos colaboradores da pesquisa, sendo eles: Paula Rodrigues,
Tayná Messinetti, Ana Giovani, Rôney Rodrigues e Bruna Lopes.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 171
Tipo de
informações
Itens pesquisados Destaque de elementos e relações presentes
coletadas das
crianças
Sobre o perfil das Idade, gênero e modo A maioria das crianças vai a pé até a escola (mais do 90% das
crianças de deslocamento crianças que responderam essa questão)
participantes
Qual e como é esse Intensa passagem, escassa permanência;
caminho
Relevância às fachadas ativas e serviços ambulantes;
Familiaridade e identificação com pessoas do bairro;
Demandas e sonhos Elementos de interação e atividades para o prazer;
para o urbano
Conflitos espaciais;
Meio ambiente e questões socioeconômicas;
Sobre os espaços Sensibilidade às problemáticas da configuração da rua;
livres do entorno
escolar Senso de coletividade11
Experiência coletiva Brincar espontâneo
do entorno escolar
Olhar de cima
Observações com o tato
Aula na praça?
Banco na calçada?
Calçada larga ou estreita?
11
Entende-se senso de coletividade como a noção ou juízo sobre a boa convivência em grupo, em termos de
solidariedade e sensibilidade social.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 172
Obstáculos e medos
Tensões e contradições
- A MAIORIA DAS CRIANÇAS VAI A PÉ ATÉ A ESCOLA: A maioria das crianças participantes
(62,3%) tinha entre 10 e 11 anos de idade, se dividindo por gênero em metades iguais a
amostragem total. Das crianças participantes, 122 responderam sobre o modo de
deslocamento que usam para ir até a escola (79,7%). Das respostas obtidas, 110 crianças
(90,2%) apontaram que vão a pé; 5 delas (4,1%) que vão a pé ou de carro; 6 (4,9%) que
vão de carro e uma criança (0,82%) de ônibus.
- INTENSA PASSAGEM, ESCASSA PERMANÊNCIA: No exercício de mapeamento das ruas que
utilizam para chegar até a escola e a localização dos lugares onde brincam – se o fazem
– nos entornos escolares, apenas 58 crianças (37,9% das participantes nessa atividade)
marcaram as ruas que percorrem e 25 crianças (16,3% desse mesmo grupo) apontaram
que brincavam ou já tinham brincado nos espaços livres da região. Percebeu-se que
grande parte das ruas do entorno escolar são utilizadas no deslocamento diário das
crianças e que os espaços onde brincam nesse território onde sempre passam é pontual,
sendo restrito aos equipamentos existentes para o lazer infantil.
- RELEVÂNCIA DAS FACHADAS ATIVAS E SERVIÇOS AMBULANTES: O destaque que as crianças
deram nos seus desenhos – e, posteriormente, em suas falas ─ às lojas e serviços,
principalmente à padaria, ao bar e ao mercado, e às interações dentro delas, ou de
vendedores ambulantes como no desenho de Isabelly, 11 anos, evidencia a relevância
que as crianças dão não só ao próprio caminho construído como às fachadas ativas,
assim como a outros elementos que também dinamizam o espaço livre como os serviços
ambulantes de alimentos.
Figura 4. Desenhos elaborados pelas crianças participantes das oficinas. De esquerda à direita: Desenho da Isabelly,
Gabrielle, Sofia e Ayla.
12 Os depoimentos de crianças e cuidadoras(es) foram citados como foram escritos nas cartas e questionários, e
EMEF Celso Leite R.F. que comparecem nos desenhos, demonstrando não só
familiaridade com a região como identificando pessoas específicas do bairro.
- ELEMENTOS DE INTERAÇÃO E ATIVIDADES PARA O PRAZER: Percebeu-se tanto nos desenhos
como nas falas, o desejo por elementos e espaços nos quais pudessem interagir e
atividades que fornecessem prazer e alegria a elas, como doces, brinquedos, piscinas de
bolinhas, áreas de gramado para piquenique, entre outros. Inclusive, desejos específicos
também foram desenhados, onde se almejava que a rua fosse esse lugar público que
privilegia o encontro e a cultura na esquina de casa, como na produção de Sofia, 11 anos,
na qual aparece um palco com cadeiras na rua fechando o trânsito de veículos onde ela
e sua amiga poderiam assistir a um show.
- CONFLITOS ESPACIAIS: Mesmo que as crianças tenham confirmado alguns dos pedidos
mais comuns nas escutas com crianças sobre o que tornaria a rua um lugar mais
agradável, como “menos lixo” e “mais árvores”, ressalta-se como os conflitos espaciais
e soluções para eles foram aparecendo de formas muito específicas, como, por exemplo,
no desenho de Ayla, 10 anos, que imaginou uma ponte para atravessar a rua pois,
segundo sua fala, os carros passam muito rápido e não deixam ela atravessar.
- MEIO AMBIENTE E QUESTÕES SOCIOECONÔMICAS: No exercício das cartas dirigidas a algum
responsável da cidade surgiram com maior destaque elementos relacionados ao meio
ambiente e questões socioeconômicas, até então não discutidas nem mencionadas pela
pesquisadora, ao lado das demandas pela manutenção das ruas. Por exemplo, “arrumar
os buracos das calçadas e ruas” apareceu com maior frequência nos escritos das crianças
do que nos desenhos, assim como “diminuir a poluição” e “abrigar os moradores de
rua”, foram demandas que surgiram pela primeira vez nas produções das crianças. Na
carta de Maria Luiza, 12 anos, por exemplo, quando escreve “porque não fazem outros
parques igual ao Parque Ibirapuera”, percebe-se uma inconformidade sobre a escassez
de parques públicos equipados com qualidade na cidade. Quando aponta “porque o
prefeito mandou os professores vir até a escola na fase roxa?” ou “porque deixam os
moradores de rua no frio ‘largados’”, se revela o pensamento sensível e crítico das
crianças sobre a sociedade e suas contradições.
- SENSIBILIDADE ÀS PROBLEMÁTICAS DA CONFIGURAÇÃO DA RUA: “Diminuísse as ruas, fazer
mais ciclovias, gostaria que o saneamento fosse melhor.... do lado da minha casa tem
uma rua podre e com a calçada muito pequena” (Bárbara, 11 anos) são também
reivindicações específicas que demonstram sensibilidade às problemáticas da
configuração da rua por parte das crianças, certamente aprendidas na experiência
cotidiana.
- SENSO DE COLETIVIDADE: Nos pedidos de melhoria ou saudações das crianças, surgiu uma
noção de coletivo no enfrentamento das problemáticas da cidade, apontando que não
é só o prefeito que faz as mudanças. Algumas das cartas pedem solidariedade “ao povo
de São Paulo” e parabenizam as “pessoas que ajudam aos moradores de rua” e as
“pessoas do campo”. Também se apresentaram pedidos coletivos de escala menor
quando se reivindicava “absorventes de graça pela saúde feminina”, “ar condicionado
em todas as escolas”, e “calçada sem buracos e com rampas para cadeirantes”.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 174
“de artes”, “geografia”, “de plantações”, entre outros. A partir das diferentes respostas
das crianças, evidenciou-se como um mesmo tipo de espaço urbano, em condições
contrastantes, pode despertar sensações praticamente opostas.
- BANCO NA CALÇADA?: Foi perguntado às crianças o que elas achavam de ter bancos na
calçada, e elas surpreendidas questionaram “banco na calçada?”. Nesse momento da
roda, a professora pretendia esclarecer a pergunta da pesquisadora: “ela quis dizer na
praça”, comentário para o qual as crianças acenaram com a cabeça demonstrando agora
entendimento: “ah tá”. Presume-se que, de alguma forma, elas entendem que
mobiliário urbano que propicie a permanência nas calçadas, espaços considerados de
passagem, é inimaginável tanto para as crianças como até para alguns adultos.
- CALÇADA LARGA OU ESTREITA?: Nas avenidas que atravessamos durante as saídas, as
calçadas possuíam maior largura, e era onde as crianças mais se espalhavam, podendo
ficar até cinco delas uma do lado outra. Quando perguntado às crianças se preferiam
calçada larga ou estreita, uma delas falou que preferia a larga porque “assim dava para
passar duas pessoas conversando indo, e tem duas voltando”; depois complementou
que a calçada estreita é ruim porque “têm umas pessoas que são entregador de carrinho
e aí, numa calçada estreita, uma pessoa pode estar com filho também e pode esbarrar
então tem que ir pelo meio da rua, e a rua ainda é pequena”. Porém, em um dos trajetos
algumas crianças preferiram a calçada estreita por “ser mais bonita”. Percebeu-se que
as crianças valorizam, além da largura dos espaços, elementos que forneçam
experiências estéticas.
- OBSTÁCULOS E MEDOS: Quando perguntado às crianças quais elementos atrapalharam
elas durante a saída programada, elas responderam: “o barulho dos carros”, “os buracos
na calçada”, “quando não tinha faixa de pedestre”, “o fedor” e “a poluição”. Também
apareceu novamente a presença do lixo como elemento incômodo para elas e,
inusitadamente, uma criança falou: “atrapalham os carros estacionados”. As respostas
das crianças indicam a percepção do entorno escolar através de todos os sentidos, além
da visão, quando mencionam, por exemplo, sons e cheiros desagradáveis para elas. Por
outro lado, quando perguntado às crianças do que ou quando elas sentiram medo no
trajeto, elas mencionaram: “dos cachorros soltos”, “na rua onde passava carro” (se
referindo ao leito carroçável) e “de cair da escadaria”. Acredita-se que a
imprevisibilidade e a alta velocidade dos elementos móveis nas ruas fazem as crianças
se sentirem desprotegidas e vulneráveis a algum tipo de agressão ou acidente.
- TENSÕES E CONTRADIÇÕES: As crianças também sentiam medo das pessoas em situação
de rua, especialmente na Praça Pérola Byington, onde permanecemos de 5 a 10 minutos
durante as saídas programadas, e onde tinha um grupo de mais de 10 pessoas com
barracas de camping no lugar. Por outro lado, lembra-se que nas cartas a um
responsável da cidade, os pedidos de abrigo para as pessoas sem-teto foram reiterados
com frequência nos textos das crianças. Nesse sentido, aponta-se como as crianças
possuem uma relação mais do que contraditória, complexa; no plano individual, e a
partir da experiência de estar na rua, as crianças sentem medo das pessoas em situação
de rua, mas, ao mesmo tempo, no plano coletivo, as crianças pedem enfaticamente que
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 176
estas mesmas pessoas sejam levadas em conta e que suas necessidades básicas sejam
atendidas.
Em relação aos questionários às cuidadoras(es), estes trouxeram o entendimento de
que no território pesquisado a maioria das famílias mora perto das escolas, e que a
caminhada é um modo de transporte frequentemente utilizado pelas adultas(os) para a
produção e reprodução da vida. Além disso, grande parte das famílias têm renda menor
que dois salários mínimos, e quem cuida delas são mulheres de até 40 anos de raça
parda. Vale salientar que, quando perguntado quantas crianças essas cuidadoras(es)
tinham sob sua responsabilidade, mais do 80% respondeu entre 1 ou 2 crianças, questão
que por um lado indica que o salário familiar suporta poucas crianças, e por outro revela
a importância da interação das crianças com outras pessoas da sua mesma idade na
escola, na rua e na cidade.
Por outro lado, quando perguntada a opinião das cuidadoras sobre o uso da rua pelas
crianças em três contextos diferentes (irem a pé até a escola – sem especificar as
condições -; irem a pé até a escola sozinhas e brincarem na rua) observou-se uma
mudança significativa na percepção da maioria das adultas.
Figura 6. Gráfico da opinião das respondentes sobre o uso da rua pelas crianças em três contextos diferentes: irem a
pé até a escola, irem a pé até a escola sozinhas e brincarem na rua.
Mesmo que a maioria das cuidadoras ache muito bom e bom as crianças irem a pé até a
escola (82,1%), quando questionadas sobre realizarem esse percurso sozinhas, as
categorias muito bom e bom somadas caíram para 42,9%, muitas mudando
radicalmente sua opinião para ruim e muito ruim. A maioria dos argumentos dessas
cuidadoras(es) se centraram na falta de segurança em relação a vários fatores: “É bom
ir a pé pois praticamos exercício. O ruim é irem sozinhas devido à falta de segurança do
bairro”; “Porque criança de 9 anos não pode andar só” (CUIDADORAS E CUIDADORES
RESPONDENTES, 2021).
As poucas que mantiveram essas categorias de muito bom e bom no quesito andarem
sozinhas no trajeto casa-escola também fizeram ressalvas, porém defenderam a
felicidade das suas crianças: “Porque eu acho que ele se sente mais feliz e livre ok mais
fica de olho”; “Porque aprende a ter responsabilidade, andar sozinhos e atentar ao
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 177
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência
realmente fundante de aprender” (FREIRE, 2002, p. 12-13). Acredita-se que o processo
desenvolvido com as crianças da área de estudo, muito além de ser a aplicação dos
métodos de escuta formulados, forneceu múltiplos aprendizados, dos quais se destacam
três aspectos.
Inicialmente, a potencialidade do caminho escolar como experiência formadora e
socializadora das crianças. O trabalho confirma que a compreensão dos espaços urbanos
é experiência que se constrói no cotidiano e vivência desde a infância. Demonstra que
crianças que moram em áreas centrais, densas e bem equipadas aprendem
precocemente a lidar com as contradições e problemas sociais presentes nos espaços
públicos. Contudo, mesmo cientes das dificuldades e perigos, as cuidadoras(es)
gradualmente liberam as crianças a fazerem trajetos até as escolas sozinhas, ainda que
mantenham receios sobre o uso e apropriação da rua pelas crianças, especialmente com
relação ao brincar.
Por outro lado, entende-se que essa relação das crianças nos seus espaços urbanos do
cotidiano é tão profícua e rica que deveria estimular a melhoria no desenho das vias,
considerando-se com mais cuidado a segurança e as especificidades da infância. Para
isso, será fundamental a realização e o aprofundamento dos métodos de participação
nos projetos e planejamento, os quais devem se adequar às particularidades de cada
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 178
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 179
RESUMO
O ensaio trata da crise da presença nos ateliês colaborativos a partir da situação extrema do ensino de
arquitetura e design em tempos de confinamento pela Covid-19, em direção a uma análise mais ampla,
que antecede a pandemia. As referências que compõem as bases curriculares das melhores escolas de
arquitetura e design permanecem as mesmas: os ateliês de projeto da escola Bauhaus e outras referências
europeias. Mais que repensar o ateliê remoto, é preciso repensar o sistema de ensino em direção à
qualidade formativa, como fizeram os professores e alunos, pioneiros da escola Bauhaus, durante as
décadas conturbadas que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Naqueles tempos, a inovação foi a
chave da sobrevivência.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de arquitetura, ateliê de projeto, Bauhaus
1 INTRODUÇÃO
A essa altura, não existirão fronteiras entre os ofícios, a escultura e a pintura;
tudo será uma coisa só, a Arquitetura. (Bruno Taut, sobre os princípios da
Proclamação da Bauhaus de 1919, FRAMPTON, 2015)
que influenciará nos séculos XVI e XVII as Academias de Belas Artes, nas quais o processo
pedagógico será fundamentado no repasse de normas e informações (CARSALADE,
1997). Nestas, existe uma formação científica (geometria, anatomia e perspectiva) e
humanística (história e filosofia).
Este modelo, principalmente baseados nas tradições clássicas (a Grega, a Romana e a
Renascentista), foi utilizado pelo Sistema de Ensino Belas-Artes, que:
Porém, essa visão de que o ensino da Belas Artes era baseado unicamente na cópia de
exemplos históricos, os quais seriam responsáveis pelas tendências retrógradas do
século XIX (neoclássico e eclético), segundo Kruft (1994) surge da crítica que os
seguidores do Movimento moderno lançam sobre a Beaux Art, justificando uma
arquitetura moderna que se afastaria da história.
A primeira academia francesa de artes é a Academíe Royale d'Architecture, que foi
fundada em 1671 e teve como seu primeiro professor Nicolas-François Blondel (1618-
1686). A Academíe era dividida em dois cursos baseados nas artes clássicas que se
propunham ao estudo e reprodução dos feitos da antiguidade, Curso de Pintura e
Escultura e o Curso de Arquitetura (MALACRIDA, 2010). No curso de arquitetura,
Malacrida (2010) aponta que Blondel foi o primeiro a formular uma didática para o
ensino de arquitetura e urbanismo descrita em seu tratado o Cours d'Architecture;
enquanto Carsalade (1997) menciona que o ensino-aprendizagem utilizado por ele se
dava primeiramente pelo estudo dos tipos, e posteriormente através da articulação dos
elementos arquitetônicos. Será neste sistema que se dará a divisão do ensino em duas
vertentes até hoje utilizadas: a de aulas teóricas, que no caso da Beaux-Arts seriam as
conferências e palestras realizadas na Academia, e as aulas práticas, realizadas nos
ateliês (CARSALADE, 1997).
Segundo Malacrida (2010), essa separação entre Teoria e Projeto se deu com o
surgimento das Academias Francesas no Renascimento, quando o ofício da profissão de
arquiteto deixou de ser ensinado no local de construção, o canteiro de obras, e passou
a ser lecionado em parte no ateliê, onde o desenho e o projeto passaram a ser as
aptidões prezadas nos estudantes. As aulas expositivas aconteciam na forma de
conferências, dentro da Academia, onde as doutrinas arquitetônicas eram expostas,
enquanto fora dela os estudantes, juntos, executavam os projetos, orientados por
líderes da comunidade arquitetônica (CHAFEE, 1977 apud MALACRIDA, 2010). Somente
dois séculos depois, já no século XVIII, os cursos de arquitetura tomaram uma nova
direção, aproximando-se do ensino modernista, quando houve uma diminuição no
número de horas teóricas e o consequente aumento da quantidade de horas de projeto.
O sistema de ensino Beaux-arts era dado através de uma relação entre mestre e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 183
Fonte: http://www.arteduca.unb.br/ava/file.php/173/3bauhaus2.pdf
3 O ATELIER DE PROJETO
Desde a segunda metade do século XX, grande parte dos ateliês no curso de Arquitetura
fizeram e fazem referência às configurações espaciais das oficinas da Bauhaus. A partir
da Bauhaus, difundiu-se não somente o design industrial, que foi a cooperação entre as
bases teóricas advindas das artes e da arquitetura com a práxis das antigas guildas de
artesãos, mas disseminou-se também a metodologia do ateliê de projeto.
O atelier é a base para as disciplinas de projeto arquitetônico, consideradas a espinha
dorsal dos cursos de arquitetura e urbanismo (LEITE e SILVA, 2018). Segundo Andrade
(2011, p.203 apud LEITE e SILVA, 2018) o ateliê se configura como "o centro de toda
escola de arquitetura, em torno do qual acontece o encontro entre os sujeitos da
aprendizagem e seu objeto". Sendo o lugar de relação entre o estudante e o seu
professor, o objetivo do atelier é a fabricação do processo de projeto.
De acordo com Vidigal (2010, p.23, apud LEITE e SILVA, 2018) o ateliê ou estúdio é o
espaço de produção que tem qualidades distintas das atividades de ensino
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 186
Fonte: https://www.goethe.de/ins/hr/de/kul/sup/bau/21387050.html
A história do Atelier de Projeto passa pela história dos modos de produção das artes e
da arquitetura, que, desde a Antiguidade, eram ofícios interligados entre arte,
artesanato, arquitetura e construção, sobrepondo as figuras do arquiteto-artista, do
arquiteto construtor e do artesão. A arquitetura como arte e ofício desdobra-se,
historicamente, das corporações de mestres e artesãos em direção à consolidação do
artista como profissional liberal. Para tanto, o Atelier de Artes e Ofícios é o espaço
protagonista para a evolução das técnicas projetuais e construtivas, e para a formação
profissional, o que levaria à distinção entre arte e artesanato.
A diferença essencial entre as duas profissões, artesão e artista, vai basear-se, segundo
GREFFE (2014), na formação, na retribuição ou nos honorários, e no status social,
fomentando uma economia de mercado direcionada ao produto com base no ofício,
uma economia de serviço direcionada ao talento e sustentada por uma profissão; uma
economia de renome focada nas obras-primas e instituindo o gênio artista como base.
Na prática, as guildas medievais não foram substituídas pelo produtor artista. O sistema
de produção nas artes e arquitetura entre os séculos XIV e XIX, foi predominantemente
coletivo, nos ateliês e escolas de artes e técnicas. Poucos artistas trabalhavam isolados.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 187
Mesmo esses, intercalavam períodos de produção nos ateliês, com aprendizes e colegas.
O que difere as guildas dos ateliês, basicamente, é a relação da produção com o mercado
da arte.
Historicamente, o arquiteto-artista se distingue do arquiteto-construtor, num processo
complexo entre as demandas da igreja, da nobreza e da burguesia. A partir do
Renascimento, a prática do mecenato e a consolidação da arte e arquitetura burguesa
alimentaram o mercado das artes e, consequentemente, a sua produção. Das guildas
medievais à Academia de Belas-Artes, os artistas adaptaram os seus modos de produção
a partir da sua sobrevivência no mercado das artes e na busca do seu lugar no mundo.
Se a corporação das guildas lhes assegurava o aprendizado dos ofícios e os contratos
comerciais de venda das obras, na academia os artistas se submeteram à erudição,
muitas vezes ortodoxa e determinante do bom gosto.
No ateliê liberal, vislumbravam a autonomia comercial e artística. Tal liberdade, no
entanto, trazia dificuldades de sobrevivência, principalmente entre os séculos XVII e
XVIII, período em que guildas e ateliês liberais competiam pelo mercado de arte
burguesa. Os que se destacavam de algum modo eram contratados pela igreja ou pela
nobreza. Nesse caso, os honorários e a posição social custavam, em parte, a autonomia
do artista diante das suas decisões e a vida social. Nesse contexto, ao longo dos séculos
XVI e XVII, os espaços dos ateliês e das academias de belas-artes seriam ocupados pela
nobreza, inclusive por mulheres. Nesse sentido, a profissão tomou um rumo mais
elitista, representante de determinados círculos sociais mais nobres. De fato, os artistas
do Renascimento eram filhos de artesãos ou comerciantes, o que de certo modo
representava uma ascensão social. Assim, as Belas-Artes (incluindo a arquitetura) seriam
classificadas como atividades mais elevadas, equiparadas à poesia e à literatura.
A democratização das habilidades artísticas e dos ofícios seria retomada no século XIX
pelo movimento de Artes e Ofícios na Inglaterra. Ali seria também retomado o modelo
corporativo dos modos de produção, em detrimento à escala industrial vigente nas
grandes cidades europeias. A escola Bauhaus de Weimar, Dessau na Alemanha, no início
do século XX, articulou a corporação entre artesãos e artistas à escala industrial, sob a
premissa de elevar a produção alemã de manufaturas em busca da sua identidade no
mercado europeu altamente competitivo.
No Brasil, entre as últimas décadas, a expansão do setor do Ensino Superior fomentou a
criação de inúmeras faculdades de Arquitetura e Urbanismo. Nesse contexto, os espaços
do ateliê voltaram-se para o ensino e aprendizagem mais pragmático e técnico, e menos
artístico, teórico e experimental. Apesar dos currículos enaltecerem a produção
individual do gênio-artista, as escolas de Arquitetura, desde então, consolidaram-se
como provedoras de estagiários e arquitetos assistentes para as grandes construtoras,
escritórios e profissionais autônomos.
O atelier guarda a potência de ser um espaço de superação da prática projetual pela
integração dos saberes intelectuais e os saberes manuais, como o desenho, os modelos
físicos, a prototipagem e os ensaios. Há a tendência das escolas exigirem habilidades
manuais prévias reconhecidamente importantes para a prática projetual, ao mesmo
tempo em que reduzem ou suprimem as habilidades manuais e artísticas nos ateliês.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 188
4 A CRISE DA PRESENÇA
Junto à ideia de que a rotina é entediante, as práticas artísticas desse século tendem ao
protagonismo do intelecto sobre o corpo, aliciando toda forma de abstração do mundo
real. A era da informação produziu uma nova linguagem “menos entediante”, a digital,
que, em muitos aspectos, está substituindo ou ofuscando os antigos modos de se fazer
e aprender arquitetura. O gesto feito pelo mouse, por exemplo, não corresponde ao
traço imediato do artista no papel, assim como a experiência da modelagem gráfica
difere fundamentalmente da modelagem física.
É fato que existem tecnologias, principalmente as de imersão virtual ou de realidade
aumentada, que proporcionam experiências táteis e até mesmo um ambiente de
aprendizagem favorável à evolução criativa. Essa perspectiva, entretanto, deve ser
analisada em diferentes aspectos. Primeiramente, é possível haver desenvolvimento
cognitivo real a partir da simulação? Se o fazer de conta vale tanto quanto o fazer de
fato, seria possível aprender a dirigir pelos simuladores. Mas o ponto aqui tratado não
é de adquirir uma habilidade e sim fazer algo bem feito, com qualidade. De qualquer
modo, quando o artista ou arquiteto experiente se depara com uma nova tecnologia,
ele não deixa de produzir arte ou arquitetura, mesmo que não a domine. Isso porque há
uma vivência anterior de desenvolvimento de habilidades e autocrítica suficientes para
que o “saber fazer” independa propriamente da técnica.
Algumas tecnologias mediadas permitem a experiência sensorial complexa. A imersão
em realidade virtual ou realidade aumentada, por exemplo, permite um tipo de
experiência tátil. Os jogos eletrônicos simulam de tal forma a realidade que alteram a
percepção dos jogadores, que passam a confundir existência real com os seus avatares.
Tais plataformas sofisticam-se em direção a uma maior interação entre homem e
máquina, assim como artífices digitais desenvolvem habilidades sofisticadas para
desenvolverem a programação e a modelagem dos jogos e das plataformas interativas.
O domínio dessa linguagem, entretanto, não garante a criação.
O ser humano é, por natureza, dependente do seu meio – não apenas por uma questão
de sobrevivência, mas também pelas suas práticas sociais e pelas noções de identidade
e de pertencimento. A modernidade trouxe ao indivíduo inéditas ferramentas de
interação com o mundo e um distinto entendimento sobre o espaço, não mais limitado
pelo concreto ou pela distância. Todavia, ainda que o ambiente virtual, hoje, coexista
com o físico, deve sempre ser reconhecido meramente como uma apurada mimese do
mundo que, de fato, é habitado. A tecnologia permite ilimitados parâmetros de criação,
de réplica e de compreensão, e um estado quase onipresente do ser humano, mas
existem qualidades do contexto físico que ainda não são passíveis de reprodução;
portanto, um ensaio fatídico da interação entre o indivíduo e o meio sempre deve se
voltar ao espaço primário – material e tangível.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 189
5 CONCLUSÕES
Desde a Bauhaus, o ateliê permite a convivência de um grupo de alunos e professores
em torno de objetivos comuns. Presume-se, nesse espaço, a presença atenta,
participativa e intensa dos estudantes de arquitetura, mas o que se vê, hoje, é a imagem
recorrente da encenação da aprendizagem presencial: o professor reclamando a
atenção e os alunos imersos nas redes sociais pelos dispositivos pessoais. A presença
sem qualidade, ou de outra qualidade, mascara uma crise profunda nas relações sociais:
vivemos dialeticamente a era da hiperconexão global e da crise da presença, que revela
uma desconexão entre passado, presente e futuro: projeta-se o futuro e nega-se
presente, numa presença virtualizada, projetada para fora de si. Os modos de produção
contemporâneos, por sua vez, afirmam a hiper-realidade e a simulação da vida social
pelo consumo. Simula-se, inclusive, a aprendizagem, o autodidatismo e a autonomia.
Arrastadas pela lógica de mercado, as instituições de ensino parecem cumprir
estatísticas sem respeitar o tempo da qualidade que as escolas, na sua função de gerar
humanidades, deveriam cumprir.
Parece haver o distanciamento cada vez maior entre o saber-intelectual e o saber-fazer,
entendendo que o saber-fazer está implícito na formação do artista ou do arquiteto. E
não está: é necessário incorporá-lo como práxis contínua e supervisionada. Está
implícita, no entanto, uma distinção entre o profissional liberal, o técnico e o artesão,
como se o primeiro fosse superior aos outros, sem que precise vivenciar os saberes
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 190
mecânicos.
Entre a desqualificação dos fazeres mecânicos e o simulacro das artes liberais, finge-se
a formação de gênios arquitetos com base numa prática sem a consistência curricular
humanista e filosófica, nem a prática dos ofícios requeridos. Exige-se do aluno uma
autonomia intelectual e produtiva que não condiz à formação escolar de base. Simula-
se a formação do jovem herói global, capaz de mudar o mundo e que tudo pode,
estruturando a ideia do conhecimento introjetado, orgânico a uma geração de artífices
do mundo digital – os gênios hiperconectados.
Historicamente, no entanto, a genialidade entendida como “inata” ou dom divino dos
alguns artistas estaria estruturalmente relacionada com o plano técnico, de rotinas e
repetições. A educação moderna, em geral, evita o aprendizado repetitivo,
considerando-o entediante. Evitando-se a rotina, porém, as crianças deixam de estudar
a própria prática e modulá-la de dentro para fora. (SENNET, 2009). Sem repetição, não
há prática suficiente para a autocrítica e a evolução da prática; o treino mecânico muda
a prática e a faz mais compreensível a quem pratica.
O artista diferencia-se do artesão não pela supressão, mas pela superação das técnicas,
assim como o arquiteto se diferencia do construtor-artesão. Ambos, fundamentaram os
seus ofícios, historicamente, a partir dos saberes mecânicos e manuais, nos ambientes
de colaboração e coletividade, e na repetição das técnicas e ofícios, recursos típicos do
artesanato. A rotina traz a habilidade do distanciamento de si, transcendendo a técnica
em direção ao instinto e à improvisação. O improviso, como acontece no jazz, depende
do domínio da técnica para resultar em certa qualidade. Assim como no jazz, variações,
subversões e até mesmo as inversões dependem de uma base técnica consistente, um
primeiro plano técnico para sustentar o plano artístico. O que depois pode ser invertido:
o artístico ser o primeiro plano.
A escola de arquitetura deve oferecer esse ambiente colaborativo – o ateliê de projeto
– para a formação do estudante de arquitetura, seja ele um gênio ou não. A questão é:
quais são os treinamentos necessários para alcançar os altos padrões de qualidade
exigidos para um profissional? Nesse sentido, o papel do atelier é de permitir e
potencializar a integração dos diferentes saberes.
A crise da presença nos ateliês colaborativos é mais ampla do que a situação extrema
do ensino de arquitetura e design em tempos de confinamento pela Covid-19 – ela a
antecede. A referência que compõe as bases curriculares das melhores escolas de
arquitetura e design do planeta permanece a mesma: os ateliês de projeto da escola
Bauhaus. Mais que repensar o ateliê remoto, é preciso repensar o sistema de ensino em
direção à qualidade formativa, como fizeram os professores e alunos, pioneiros da
escola Bauhaus, durante as décadas conturbadas que antecederam a Segunda Guerra
Mundial. Naqueles tempos, a inovação foi a chave da sobrevivência.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 193
RESUMO
Esse artigo trata de aspectos do ensino remoto emergencial de AU - Arquitetura e Urbanismo desenvolvido
pelos cursos do Brasil ao longo da pandemia da Covid-19, relacionando-os com limitações em comparação
ao ensino usual, quando ofertado com qualidade suficiente para atender a sociedade e as diretrizes
curriculares nacionais. Acata a premissa de que o ensino remoto pode se realizar utilizando o avanço dos
recursos tecnológicos de informação e comunicação e esforço pessoal significativo dos docentes. Alcançou
o êxito possível diante da conjuntura de crise, mas, mesmo na forma semipresencial adotado em algumas
instituições em fase posterior da crise sanitária, desenvolveu-se de maneira incompleta, limitando-se
praticamente a oferta de aulas teóricas, sem oferecer na plenitude as atividades inerentes ao ensino de
AU. Essa incompletude gera lacunas na formação de uma geração de profissionais em diferentes níveis de
profundidade, conforme o semestre que estavam no início da pandemia. O artigo especula sobre a
abrangência e forma como essas lacunas serão preenchidas visando recuperar e complementar a
formação sem prejuízo da qualidade, ou seja, formando arquitetos e urbanistas aptos a compreender e
intervir na concepção de espaços apropriados e necessários a sociedade brasileira atuando com ética e
responsabilidade, técnica e social.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de arquitetura e urbanismo, ensino remoto, qualidade de ensino
1 INTRODUÇÃO
Enquanto acompanhávamos e discutíamos no meio acadêmico e profissional as
deficiências do modelo tradicional de ensino, a crise de qualidade com provável nexo
com política educacional altamente liberalizante e quantidade excessiva de cursos de
AU1 no Brasil e, estarrecidos, nos defrontávamos com a realidade do surgimento de
dezenas de milhares de vagas de cursos na modalidade a distância, implantados por
determinação legal superior sem consulta, pesquisa ou garantia mínima de resultados
satisfatórios, fomos todos confrontados em março de 2020 com a realidade
intempestiva da pandemia da covid-19.
Com tudo praticamente paralisado, todos perplexos e alarmados, escolas e
universidades também foram fechadas, aulas suspensas pela necessidade do
distanciamento social e consequente suspensão das atividades presenciais. Foi preciso
que a área educacional em todo o mundo e também no Brasil se reinventasse.
Em relação aos docentes, de uma semana para outra, metodologias, ferramentas,
espaços de trabalho, enfim toda a vida acadêmica dos professores, foram
avassaladoramente transformadas. O espaço físico das salas de aula, ambiente de ricas
1
Tendo em vista o grande número de repetições, neste artigo optou-se por utilizar “AU” ao se referir a
“Arquitetura e Urbanismo”, exceto em títulos, nomes e citações.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 194
trocas e intercâmbios teve que ser substituído por espaços virtuais proporcionados pela
internet e seus aplicativos em que a interação visual passou a se dar por uma tela de
poucas ou pouquíssimas polegadas. Em relação aos estudantes a efervescência das
interações pessoais, da imersão em espaços mais ou menos, de acordo com as
instituições, apropriados, a disponibilidade de uma série de recursos e instalações, a
rotina de sair de casa para dedicar-se especificamente ao seu processo formativo
substituídos pelas diminutas telas, dependentes da qualidade de internet e submetidos,
na maior parte das vezes a interferências pela rotina doméstica, falta de privacidade,
inadequação de mobiliário e equipamento, entre outras dificuldades.
Podemos considerar que as TICs – tecnologias de informação e comunicação salvaram a
continuidade do ensino, mas a pode-se indagar a que preço. No ensino remoto, olhares,
gestos, sensações somáticas, interações face a face foram substituídos por interações
mediadas pelo celular ou computador de duas formas: 1- aulas assíncronas, onde
estudantes passaram a ver e ouvir aulas previamente gravadas com maior ou menor
qualidade, e as dúvidas podendo ser esclarecidas no momento por chats ou outras
formas de interação ou posteriormente, aproximando-se em parte com os modelos de
ensino a distância; 2- síncronas, alunos compartilham on-line, no mesmo horário, uma
sala virtual podendo ver e ouvir o professor, suas apresentações, bem como com ele
interagir com ele de maneira oral ou escrita e também compartilhando textos ou
desenhos, aproximando-se um pouco das práticas tradicionais presenciais.
Em um período muito pequeno de tempo foi necessário que professores e estudantes
se adaptassem ao novo modelo incorporando novo vocabulário, novas plataformas e
nova forma de interação. Professores tiveram que adquirir equipamentos, melhorar
redes, improvisar estúdios, inteirar-se sobre tecnologia para adaptar todo o conteúdo
desenvolvido para aulas presenciais em aulas remotas e transformar-se de um professor
de carne e osso em um professor remoto. Tudo por sua conta e risco, inclusive os
investimentos financeiros necessários. Raras instituições proporcionaram pagamentos
extras ou recursos técnicos, e suas jornadas foram alongadas ad infinitum.
A urgência serviu de pretexto para que as instituições não fizessem levantamento das
condições de estudo dos estudantes em suas casas, até porque isso poderia implicar em
assumir responsabilidade de adequação dos recursos e ambientes para o
desenvolvimento das aulas (TRAMONTANO et al, 2020).
espaços urbanos e territoriais, etc., permitindo concluir-se que, por melhor que consiga
ser oferecida, é impossível a virtualidade do remoto alcançar a plenitude e a suficiência
das atividades didático pedagógicas só alcançadas pela presencialidade. Como se
discute no âmbito da ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
e reforça a professora Ana Goes Monteiro (2021), sua atual presidente, “não é possível
formar Arquitetos e Urbanistas distantes da realidade sócio espacial em que vivem”.
A emergência determinou que assim fosse e, por mais que professores tenham se
empenhado buscando ser criativos no ensino remoto, muito se perdeu, ficou inconcluso
e pleno de lacunas. Lacunas que não se completam com mero atendimento, digamos
burocrático, de listas de conteúdo, carga horária, e outras exigências dos normativos de
pandemia do MEC. As listas com maior ou menor presteza foram atendidas pelas
instituições privadas e públicas, mas vale perguntar quem está avaliando e propondo
recuperação da formação humano-profissional dos jovens estudantes que se perdeu?
Em entrevista a um dos principais jornais do país Salman Khan (2021), considerado astro
das aulas online, reconhece que a “tecnologia possibilitou que professores
continuassem ensinando e alunos aprendendo”, mas não ele hesita em afirmar que
(...) se você comparar uma aula online a uma presencial, se todo o
resto for equivalente, a presencial é preferível. Se tivesse que escolher
entre uma aula presencial com um ótimo professor ou a melhor
tecnologia de ensino remoto, sempre iria escolher a presencial.
(KHAN, 2021)
2
O § 1º do Art. 6º da Resolução CNE/CES nº 2/2010 que trata do Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação foi
modificado pela Resolução CNE/CES nº 1/2021 introduzindo “Desenho Universal”. Modificação considerada indevida
pois apesar de se referir a “desenho”, o “Desenho Universal” relaciona-se a projeto e, portanto, ao Núcleo de
Conhecimentos Profissionais e não Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação.
3 PORTARIA MECNº 343 de 17/03/2020: Art. 1º. Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas
presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites
estabelecidos pela legislação em vigor (...)
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 198
assumem quase a mesma importância da sala não sendo substituíveis pelo modo digital.
Produção em Ateliê
A produção em ateliê4 onde se desenvolvem as atividades práticas de representação
gráfica e principalmente de projetos, nas diversas escalas de atuação do arquiteto e
urbanista sempre foi considerado a “espinha dorsal” dos cursos (CARSALADE, 2016).
Reconhecidamente se considera a mais importante, onde “se realiza a síntese de todos
os conhecimentos necessários ao projeto de edificações, espaços abertos e de
urbanismo” (MAHFUZ, 2009). Foi justamente a que enfrentou os maiores desafios de
adaptação na passagem do presencial ao remoto.
Vale observar que muito antes da introdução no ensino de medicina nos anos 1970 da
aprendizagem baseada em problemas, conhecida como PBL, sua sigla em inglês, ela de
certa forma já era aplicada na AU ainda que não descrito ou teorizado dessa forma. A
produção em ateliê das DCN baseia-se na resolução de problemas contextualizados pela
realidade de um espaço predeterminado. Nela o estudante exerce parcela de autonomia
mediado por professores. No modo habitual, presencial, além de aulas há visitas a obras
referenciais e espaços de intervenção seguido do desenvolvimento de um trabalho
coletivo, até colaborativo, de análise do problema e do espaço. A postura do professor
poderá ser mais ou menos flexível, impondo sua própria metodologia e visão ou
proporcionando maior autonomia.
Donald Shcön (1985) expõe que a produção em ateliê de projeto baseia-se
fundamentalmente em uma prática reflexiva em que o professor busca levar
conhecimentos práticos implícitos aos estudantes. Tais conhecimentos, por suas
características, não podem ser verbalizados objetivamente por ele, determinando a
adoção de uma “performance reflexiva” e colaborativa por todo o grupo, em ambiente
de confiança suficiente para que os estudantes possam aventurar-se em seus próprios
caminhos (INEICHEN, 2015). Para a discussão trazida nesse artigo é também importante
a conceituação de Schön (1985) sobre a educação através da produção em ateliê que se
baseia no “fazer as coisas” e representar “coisas destinadas a serem construídas”, onde
não é suficiente limitar a apreciação, crítica ou análise teóricas das variáveis, sejam dos
“mundos naturais ou construídos”. Segundo ele:
Trata-se de uma forma de educação ao fazer no sentido de um
envolvimento com os materiais concretos, com o objetivo de moldá-
los, segundo uma visão de resultados desejados. (SCHÖN, 1985, p. 94)
4
Os dicionários contemplam atelier e ateliê. A primeira é uma palavra estrangeira, de origem francesa enquanto a
segunda é a forma aportuguesada da palavra atelier. Neste artigo mantivemos a grafia utilizada nas DCN: ateliê.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 199
Experimentação em Laboratórios.
Algumas disciplinas, ademais dos ateliês de projeto, caracterizam-se como disciplinas
“práticas” constituindo componente significativo e fundamental na formação e exigindo
o uso de laboratórios. Tais disciplinas ocorrem não somente em laboratórios, mas
também nos chamados canteiros experimentais. As práticas além de dinamizar e
aprofundar conhecimentos teóricos, permitir experimentação e interação com
métodos, máquinas e equipamentos posteriormente empregados na vida profissional,
oferecem contato mais estreito com a realidade, com o aprender fazendo.
Alguns campos de saber relacionados ao “Núcleo de Conhecimentos Profissionais” como
tecnologia da construção, sistemas estruturais, conforto ambiental, técnicas
retrospectivas, informática aplicada e topografias embora contem também com
conteúdo teóricos não se finalizam sem essas atividades práticas. Neles a
experimentação é essencial para (re)cuperar o vínculo entre a Arquitetura e suas
dimensões socioeconômicas, para exercitar os estímulos sensoriais, estender a
concepção até a fase da construção, experimentar técnicas e materiais construtivos,
superar a abstração da representação gráfica, entre outras ações.
Exceto a informática pela natureza específica, nenhuma das demais está sendo
desenvolvida. Não somente pela impossibilidade do distanciamento determinado pela
pandemia, mas porque a portaria MEC que autorizou o ensino remoto de aulas teóricas
expressamente proibiu as práticas de laboratório5. Evidente que um estudante de AU
não estará completo e habilitado para o mercado profissional sem as experiências
práticas demandadas em sua formação.
Elaboração de Maquetes.
A percepção espacial é dos principais atributos a se desenvolver na formação de um
arquiteto e urbanista, sendo indispensável ao processo de perceber, pensar e conceber
os espaços arquitetônicos ou urbanos. Sabe-se que representação gráfica é sempre uma
abstração. Para uso próprio do estudante ou do profissional, para seu registro ou para
apresentar suas criações a terceiros utiliza-se a perspectiva, oferecendo sensação de
tridimensionalidade aos objetos desenhados. Se antes tudo era feito manualmente,
5
Portaria MEC 343/2020: Art. 1º - § 3º Fica vedada a aplicação da substituição de que trata o caput aos cursos de
Medicina bem como às práticas profissionais de estágios e de laboratório dos demais cursos. (BRASIL, 2020)
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 200
hoje é possível fazer com rapidez e precisão de maneira digital. Chega-se a um realismo
tão grande que mais parece uma foto. Uma fotografia do que ainda não existe. Porém,
como em uma foto, a imagem de um objeto tridimensional está sempre pendente do
olhar, do ponto de vista de quem fotografou ou desenhou e limitado a determinado
ângulo. As animações de certa forma superam essas limitações, mas elas também
dependem de percurso e olhares predeterminados, além de na maior parte das vezes r
As maquetes em suas diferentes modalidades permitem o olhar partindo do todo e
chegando a minúcia, dependendo do seu grau de detalhamento, sob uma visão livre do
observador. Como nos desenhos, há maquete para apresentar aos outros as ideias e há
a maquete para uso próprio do criador. Para estas, Paulo Mendes da Rocha (2007)
registrou que eram instrumento de desenho parte do processo de trabalho funcionando
como extensão do raciocínio do objeto já configurado na mente. As maquetes digitais
complementam com muita eficiência as físicas, mas não as substituem principalmente
por proporcionar a visão do todo no ângulo que o observador desejar.
A Portaria MEC 1.770/1994 e o Perfis da Área e Padrões de Qualidade (BRASIL, 1995)
constituem guia de qualidade de ensino de AU ainda não superado. Explicitam obrigação
de oficina de maquetes e laboratório de modelos como “espaço equipado de maneira a
permitir o trabalho de alunos na experimentação através de maquetes e modelos,
auxiliando todas as disciplinas no desenvolvimento dos trabalhos de curso” (IBID, p. 13).
A confecção de maquetes demanda aprendizado prático e aplicação em “todas”
disciplinas, especialmente as de projeto. Outra atividade prática que até pode ser
substituída por vídeos e tutoriais, mas sua experimentação se dá com maior eficiência
no presencial. Quantas disciplinas remotas de projeto estão orientando e exigindo ao
menos fotografia de maquetes físicas?
Utilização de Computadores.
Antes da pandemia, um dos laboratórios mais presentes e abundantes nos cursos era o
de informática. Nem sempre estavam adequados ou equipados para as peculiaridades
do ensino da área e muitas vezes eram compartilhados com muitos outros cursos,
sobrando poucos horários para uso livre pelos estudantes. Os de maior recursos
econômicos tratavam de adquirir seu próprio equipamento portátil, os demais por não
podiam fazê-los e ficavam dependentes do uso dos laboratórios.
Parece lógico que tenha sido a atividade mais contemplada pelo ensino remoto.
Entretanto em pesquisa citada só 75% dos professores podiam afirmar que a “maioria”
dos alunos dispunha de computador adequado, 25% não puderam informar
(TRAMONTANO et al, 2020) e convém destacar, maioria não significa totalidade. Raras
instituições supriram as demandas por equipamento de alunos. Como apresentações e
entregas passaram a ser no modo digital, a demanda por capacidade das máquinas
aumentou consideravelmente, sendo que nem todos os estudantes puderam atendê-
las. Houve prejuízos que resultaram em exclusão, abandono e desistência por parte do
alunato mais carente.
de interação social e física com colegas, tédio proporcionado pelas rotinas domésticas
intermináveis têm sido apontado como causa de sentimentos e comportamentos
desagradáveis e até mesmo de enfermidades como ansiedade e depressão.
Profissionais, professores e estudantes reconhecem que o aproveitamento e a interação
não é a mesma de um evento digital e um presencial. O aproveitamento de uma
conferência não se dá apenas pelo seu conteúdo, mas também pela troca de energia,
de gestos olhares, inclusive entre as pessoas nos intervalos.
Quadro 1 – Comparativo do grau de atendimento das atividades pedagógicas previstas nas DCN
pelo Ensino Remoto Emergencial de Arquitetura e Urbanismo
6
A legislação atual permite que cursos presenciais ofertem até 40% da carga horária em formato EaD, exceto em
Medicina. Essa medida vem sendo contestada em diversas áreas, como odontologia, direito e inclusive arquitetura e
urbanismo da mesma forma que os cursos totalmente a distância, por se tratar de áreas em que se ensina um ofício
que vir a acarretar prejuízos a população, ao patrimônio, meio ambiente, etc.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 206
Nos cursos de baixa qualidade o modo remoto agravou uma situação que já era
deficiente e crítica, pois é fato verificável que, da lista acima, muitas atividades já não
vinham sendo desenvolvidas satisfatoriamente mesmo no ensino anterior a pandemia,
presencial. O que não deve servir de pretexto de modo algum para admitir as lacunas
apontadas no ensino remoto.
O retorno às atividades didáticas plenas requer diagnóstico responsável por parte de
gestores, coordenadores e professores sobre a parcela do currículo pleno não atendida
de maneira total ou parcialmente suficiente. Além de conteúdo e carga horária há que
se considerar deficiência no desenvolvimento de habilidades e competências técnicas,
artísticas e sociais. Será preciso planejar para em curto, médio e longo prazo recuperar-
se as lacunas pedagógicas deste longo período, diferentemente para alunos de início,
meio e fim de curso. A recuperação será complexa. É imperativo a oferta de eventos
como oficinas de aceleração e recuperação de aprendizado, complementações
pedagógicas, educação continuada para os recém-egressos e o que mais estudos,
criatividade e responsabilidade apontarem. Apenas falar genericamente sobre
recuperar a “qualidade do ensino” não é suficiente, antes é preciso definir o que
constitui essa qualidade, ou seja, como formar arquitetos e urbanistas aptos a
compreender e intervir na concepção de espaços apropriados e necessários a sociedade
brasileira e aptos a inserir-se no mercado profissional com ética e responsabilidade,
tanto técnica quanto social.
5 REFERÊNCIAS
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Edições Técnicas, 2019.
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graduação em Arquitetura e Urbanismo. Brasília: MEC, 2010.
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Arquitetura e Urbanismo. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Ensino Superior. Comissão de
Ensino em Arquitetura, Brasília, 1995.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 207
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https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Acesso em:
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CAU/RS, 22 de junho de 2021. Disponível em: https://www.caurs.gov.br/cef-apresenta-resultados-da-pesquisa-
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tanta quantidade? Algumas questões sobre qualificação e ensino no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 208
COMUNICAÇÕES
PAINEL 3
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 209
RESUMO
A incorporação gradual e sistemática de ambientes digitais de aprendizagem no cotidiano das instituições
de ensino tem consolidado a sua parcela de contribuição à transmissão e à aquisição do conhecimento.
Ao potencializar as trocas e as influências recíprocas entre professores e alunos, a interação virtual é capaz
de atender tanto às demandas em tempo real quanto aquelas que transbordam os espaços e os tempos
usuais dedicados às aulas presenciais. Entretanto, até a crise pandêmica da COVID-19 nos inícios de 2020,
não se previa a necessidade de uma mudança tão súbita e tão radical para os meios virtuais – algo que
forçou a transferência total das práticas pedagógicas tradicionais para os âmbitos online. Tomando então
como base essa “nova realidade”, julga-se relevante relatar algumas experiências vivenciadas pelos
autores deste artigo, em uma disciplina optativa excepcionalmente oferecida em 2021 em sessões
semanais remotas e síncronas, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie de São Paulo. Terminado o ano letivo sob regime geral de contingência, percebe-se que esta
vivência virtual legitimou que as estratégicas pedagógicas definidas e adotadas pelos docentes, quando
conjugadas ao interesse e à dedicação dos alunos, converteram-se em caminho alternativo viável e
eficiente a um aprendizado de qualidade.
PALAVRAS-CHAVE: arquitetura, construção, estrutura, ensino remoto, experimentação.
1 INTRODUÇÃO
De casos isolados de pneumonia na cidade de Wuhan (província de Hubei, na República
Popular da China) em finais de 2019 para uma grave pandemia de extensão mundial em
menos de dois anos. A escala geográfica rapidamente amplificada pelo alastramento da
COVID-19 (provocada pelo vírus SARS-CoV-2 ou “Novo Coronavírus”), vem ganhando
desde então reverberações de base não apenas epidemiológica, mas também
vinculadas a perturbações sem precedentes nos campos políticos, econômicos, sociais,
culturais e históricos mundo afora.
Segundo indica a Fundação Oswaldo Cruz (2021), nesse mesmo período o prognóstico
da população mundial infectada e morta pela doença rivalizou aberta e diretamente
com seus vários e diferentes efeitos. É o que se tem, por exemplo, tanto nos sistemas
de saúde (até então não aparelhados o suficiente para absorver tão expressiva demanda
de contaminados), quanto no risco à exposição ao vírus por parte de grupos vulneráveis
e/ou desassistidos; na necessidade de manutenção econômica dos principais sistemas
financeiros; na saúde física e mental das populações em períodos prolongados de
confinamento; e na garantia ao pleno acesso aos recursos básicos para sobrevivência
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 210
2 ENSINO REMOTO
Na atual realidade anômala e distópica mundial, o distanciamento social levou as
instituições de ensino a aderir a um movimento generalizado de adaptação emergencial
compulsória. Ao perceber a sala de aula física inviável e proibitiva a encontros reais e a
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 211
permanências duradouras, houve uma migração maciça para o ensino online 100,0%
amparado e mediado pelas tecnologias digitais a partir das quais as plataformas virtuais
de aprendizagem se desenharam e se consolidaram. É nesse mesmo momento que
ganhou força o ambiente acadêmico remoto, no qual
o ensino presencial físico (mesmos cursos, currículo, metodologias e práticas
pedagógicas) é transposto para os meios digitais, em rede. O processo é
centrado no conteúdo, que é ministrado pelo mesmo professor da aula
presencial física. Embora haja um distanciamento geográfico, privilegia-se o
compartilhamento de um mesmo tempo, ou seja, a aula ocorre num tempo
síncrono, seguindo princípios do ensino presencial. A comunicação é
predominantemente bidirecional, do tipo um para muitos, no qual o
professor protagoniza uma vídeo-aula ou realiza uma aula expositiva por
meio de sistemas de webconferência. Dessa forma, a presença física do
professor e do aluno no espaço da sala de aula geográfica são substituídas
por uma presença digital numa sala de aula digital. [...] No ensino remoto ou
na aula remota o foco está nas informações e nas formas de transmissão
dessas informações. (MOREIRA e SCHLEMMER, 2020, p. 9)
O que de fato muda então são os meios, mas não os modos tradicionais de ensinar. Dito
de outra maneira, entende-se que o ensino remoto, por definição, busca incentivar para
conservar os mesmos itinerários das aulas praticadas presencialmente, e em cuja
dinâmica praticamente unidirecional é ressaltado o papel do docente como principal (ou
por vezes até único) agente detentor e transmissor de conteúdos e de conhecimento.
Logo, em um âmbito virtual de ensino à distância, as tecnologias digitais de informação
e de comunicação (TDIC) tendem a ser subaproveitadas, visto que são acionadas no mais
das vezes somente com o intuito de “transmitir as informações através de aulas
expositivas via ferramentas de webconferência ou videoaulas” (SOUZA, 2020, p. 4), por
exemplo. Em tempos de crise, o que se ganha com isso é uma adaptação mais acelerada
do tangível ao intangível, mas que se não bem orquestrada pode causar um aprendizado
relativamente limitado, pois em determinadas circunstâncias os alunos não poderão (ou
talvez até nem conseguirão) transitar com a devida propriedade entre a informação
obtida e o conhecimento construído.
Reforça a similaridade conceitual entre aulas presenciais e remotas o espaço em que
são ministradas. Não o espaço geográfico, claro, mas o espaço temporal. Há, no ensino
remoto, a possibilidade de promover certa “proximidade distanciada, mas coexistente”
entre os interlocutores, a fim de permitir a interatividade imediata entre eles. Às
reuniões realizadas em campos virtuais, e simultâneas para ambas as partes
(professores e estudantes), dá-se o nome de aulas remotas síncronas. Assim como a
própria designação indica,
a comunicação síncrona obriga a que os participantes se encontrem online ao
mesmo tempo para poderem comunicar-se entre si, na medida em que este
modo de comunicação se caracteriza pelo sincronismo da troca de
informação. Já no que se refere à comunicação assíncrona, a transmissão de
informação ocorre de modo diferido, não exigindo, por isso, a disponibilidade
simultânea dos diferentes interlocutores. (MORAIS e CABRITA, 2008, p. 161)
Ainda que em princípio possam causar certa estranheza (pois não há a reunião física
habitual dos participantes), as aulas virtuais estimulam dois tipos principais de contato
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 212
equipes de alunos a uma rotina guiada pela criatividade, buscou-se a adequação aos
recursos já existentes como alternativa plausível para o desenrolar das investigações,
isto é: sobras de materiais de trabalhos anteriores (papéis especiais, adesivos, suportes,
derivados de metais ou de madeiras); itens caseiros que em circunstâncias diferentes
não seriam adotados (tecidos, texturas, plásticos, recipientes diversos, arames,
barbantes, espumas, e até alimentos secos); ou o uso de utensílios ou de ferramentas
normalmente destinados a outras funções (martelos, pregos, parafusos, facas, tesouras,
serras, furadeiras).
Em um cenário delicado como esse, como então mensurar os resultados atingidos pelos
alunos da disciplina, de forma homogênea e eficiente? A qual critério prático e justo de
avaliação recorrer para não contornar, ignorar ou menosprezar as situações trazidas
pelos parágrafos anteriores? Especificamente em “Estruturas para Projeto de
Edificações e Obras Urbanas Contemporâneas”, optou-se por avaliar os resultados
atingidos pelas equipes em duas frentes (ambas complementares e simultaneamente
sobrepostas entre si): no atendimento aos requisitos técnicos demandados pela
disciplina ao estudar as obras urbanas ou arquitetônicas inicialmente escolhidas; e no
nível de participação ativa (ou pelo grau de interatividade) obtido no decorrer dos
encontros remotos e síncronos.
mas é importante lembrar que o desejo inicial de mudança de uma postura passiva para
um posicionamento ativo pode ser compreendido como uma fagulha à incorporação
voluntária do conhecimento, sendo essa a sua ação mais relevante (assim como estar
exposto a uma radiação).
Como visto, de circunstâncias alheias à vontade da FAU-Mackenzie na condução de suas
aulas presenciais, chegou-se a uma mudança de rota que privilegia uma realidade
digitalmente mediada. Nela, permanecem adaptadas as metas formativas em
modalidade presencial e suas respectivas particularidades. Mesmo que em meio a certas
dificuldades, assumiu-se como baliza a não ocorrência de perdas no envolvimento dos
alunos. Para tanto, perseguiu-se um grau acentuado de interatividade, de interesse e de
dedicação das equipes de alunos em relação às estratégias pedagógicas definidas e
coordenadas pelos autores. De modo geral, essas ações validaram e reforçaram o fato
de que as experiências virtuais e as experimentações remotas, no ensino de arquitetura
e urbanismo, foram fruto da conjugação permanente entre as próprias definições
defendidas nos fundamentos da disciplina pelo núcleo temático “experimentação e
tecnologia”.
Assim sendo, sugere-se que uma avaliação eficiente seja entendida aqui como a métrica
geral que permitiu revelar caminhos e indicadores de avanços na interatividade e na
parceria de ensino. O conjunto de experimentações realizado ao longo do semestre
letivo serviu então como gatilho gradual à aderência consistente de conhecimentos,
embasado nos sistemas estruturais e construtivos adotados nos projetos arquitetônicos
contemporâneos escolhidos pelas equipes de alunos no início das aulas.
Para Tori (2010), a decomposição de fenômenos em elementos basilares pelas ciências
exatas tende a facilitar sua medição e sua manipulação. Entretanto, é essencial que a
preocupação comum recaia por sobre os elementos de interatividade potencial mais
abrangentes e que atendam ao menos satisfatoriamente ao vasto leque de modalidades
de ensino. Para acolher tais objetivos – e para servir de parâmetro aos avanços e às
melhorias enquanto metas formativas conquistadas – optou-se por aplicar o método de
avaliação preconizado por Larel (1989) e exemplificado por Tori (2010), o qual conta
com as componentes para interatividade indicadas a seguir (a primeira e a segunda
colunas do Quadro 1 abaixo apresentam os valores atribuídos às considerações básicas):
Quadro 1 – Potencial de interação com base nas variáveis de Brenda Laurel (1989)1
Valores potenciais atribuídos especificamente à
Variáveis de Larel (1989) apud Tori (2010) disciplina
• Frequência: 0,80
Quanto o usuário pode interferir no A atividade foi desenvolvida sob orientação em duas
desenvolvimento da ação. Sendo: “nula” a horas-aula a cada semana. Neste momento, os alunos
ausência de interferência (exemplo: somente poderiam realizar a interação que julgassem
ouvinte); até uma “frequência contínua e a interessante por orientação e sugestão de
qualquer instante” (exemplo: ação em desenvolvimento apresentado pelos docentes,
videogame). quando o caso.
1 LAUREL, Brenda. A taxonomy of interactive movies. In: New Media News, 3 (1), The Boston Computer Society, 1989.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 218
Média 0,83
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A emergência trazida ao mundo pela pandemia do “Novo Coronavírus” vem desde 2019
ecoando em diversos campos de atuação, dentre eles, o da educação. Ao colocar em
dúvida os padrões tradicionais de ensino, essa nova realidade demonstrou o quão
importante e urgente é repensar os modelos educacionais conhecidos e agora
entendidos como ultrapassados. Ao migrar das salas de aula físicas convencionais para
os ambientes digitalmente mediados, foi necessário que as instituições acadêmicas se
reinventassem logística, comportamental e organizacionalmente. Uma ressignificação
do “ser professor”, do “ser aluno” e do “ser coletivo”. É um novo modo de atuar posto
em prática graças ao potencial fornecido pelas tecnologias digitais em rede.
“Estruturas para Projeto de Edificações e Obras Urbanas Contemporâneas” – disciplina
optativa ofertada temporariamente na modalidade remota e síncrona na Faculdade de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 219
5 REFERÊNCIAS
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 220
RESUMO
O presente artigo discute a oportunidade e os termos do debate sobre a Educação à Distância, questiona
a sua rejeição literal e a priori, como instrumento de aprendizado da Arquitetura e avalia aspectos do
ensino praticado no Brasil na busca de ações que deveriam anteceder à escolha do meio onde se darão as
atividades pedagógicas.
PALAVRAS-CHAVE: arquitetura, ensino, EaD
1. QUESTÕES INICIAIS
ARQUITETURA
O debate sobre a pertinência da Educação à Distância, doravante EaD, no ensino de
arquitetura, presente até aqui nos campos da pedagogia, dos costumes e no jurídico,
também pode ser trazido para o próprio campo da arquitetura, pois, afinal, estamos
especulando sobre quais espaços, virtuais ou não, seriam apropriados para uma
determinada função (a de ensinar), tarefa inerente à nossa profissão.
O papel do arquiteto não se resume a desenhar. O nosso ofício central é planejar, em
sentido amplo e com todas as implicações. Como esse processo acontece na nossa
disciplina? A definição dos espaços pelos arquitetos se dá em obediência a programas
de atividades que, por sua vez, derivam de contextos minunciosamente estudados. Em
arquitetura, esse embasamento, provido por um programa adensado por dados
diversos, é crucial para a eleição tanto do caráter quanto das qualidades dimensionais,
de conforto, de privacidade, etc., da futura edificação.
Analogamente, assim como o projeto de um edifício não se sustenta sem um programa
que nos permita perceber os requisitos a serem atendidos, se não tivermos clareza
acerca das atividades que devem ter lugar num curso de arquitetura, qualquer definição
espacial será precária.
Para que tais atividades sejam explicitadas, é preciso que os objetivos do curso estejam
claros e que não sejam genéricos. É a revelação dos objetivos que vai proporcionar a
definição das atividades que sustentarão o curso, e estas indicarão as necessidades
físicas necessárias aos usos previstos.
Portanto, fazer juízo acerca da adequação ou não do ensino à distância, só terá sentido
se a natureza das atividades didático-pedagógicas tiver sido apreendida com precisão.
Aí saberemos se elas são compatíveis ou não com aquela modalidade.
Como ocorre no modo do arquiteto fazer projetos, tal segurança se obtém por meio de
um estudo aprofundado, que explicite e hierarquize a problemática subjacente à
demanda e aos desejos.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 221
REFERENCIAIS
Três referências nos dão abrigo inicial nessa busca: as cartas da ABEA e do CAU-BR,
ambas de 2017 e o documento Perfis & Padrões de Qualidade, elaborado pela Comissão
de Especialistas de Arquitetura e Urbanismo da SESU/MEC, em 1996.
ABEA
A Carta da ABEA é tomada de posição e fixação de princípios. Ela não traz, no entanto,
argumentos consistentes, que desautorizem a EaD.
O texto superdimensiona a importância, inegável, da relação entre o ensino e o espaço
onde ele se dá, ao afirmar que “... o espaço físico adequado é parte do processo de
ensino e favorece o aprendizado”. Estudar num edifício como a FAU/USP, é uma vivência
com grandes chances de impactar o aprendizado. Entretanto, espaços educacionais
banais podem não ter o mesmo efeito no favorecimento do aprendizado, para além da
constituição de um abrigo adequado. A Escola de Arquitetura da UFMG começou as suas
atividades adaptando-se a um pequeno mercado cedido pela Prefeitura, tendo formado
grandes profissionais. Talvez isto comprove o que disse Louis Khan: a escola nasceu sob
uma árvore, quando alguém se levantou e começou a falar do que sabia.
Figura 1: uma aula de Louis Khan na Universidade de Rice, em 1967.
Também a relação professor/aluno é mistificada pela ABEA. Diz a Carta: “Como aceitar
que a relação professor/aluno presencial não seja importante, que a virtualidade basta?
”Aqui, acredito, não se trata de valorizarmos ou não a relação direta professor/aluno,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 222
mas de nos perguntarmos em que medida ela precisa acontecer e quais as formas
adequadas e desejáveis de contato.
A pandemia de 2020 e 2021, trouxe novos parâmetros, evidenciou tendências que já
iam avançadas, no que tange à virtualização das relações pessoais: uma mudança
comportamental significativa e que precisa ser incorporada.
Não obstante esses reparos, a Carta da ABEA lança um desafio importante, ao reafirmar
o valor do atelier: “O Ateliê de Arquitetura e Urbanismo é o espaço facilitador da
construção coletiva do conhecimento...”.
Conseguiremos resgatar o significado desse espaço, tão desfigurado no Brasil de hoje?
Me parece ser necessário redefinir a dinâmica do atelier e requalificar os seus agentes.
Ou seja, repensá-lo para o século XXI, já que subvertemos a tradição do XIX.
Por fim, a ABEA dá um passo fundamental ao se dispor a participar da busca de soluções
afirmando:
A ABEA reconhece que avanços na área de ensino a distância são importantes
e se propõe a participar de um amplo debate público sobre seu alcance e suas
limitações nas áreas de conhecimento que exigem formação teórico-prática
e que podem ensejar risco à vida, ao patrimônio e ao meio ambiente.
Faço uma pequena ressalva, no que tange à participação, pondero que as propostas
deveriam ser apresentadas pelos arquitetos, por meio da instituição que nos representa,
a ABEA, e não pela frágil burocracia estatal. Por isso, protestar ou estar disponível não é
suficiente: precisamos propor estratégias e condições para a Ead.
Essa é uma tarefa urgente, a ser executada antes que se instalem situações de fato.
CAU
A segunda carta é a manifestação do CAU-BR. Ela começa por uma afirmação
questionável, que considera efetivo o seu papel de “...autarquia que zela pelo
aperfeiçoamento do exercício da Arquitetura e Urbanismo. ” O CAU está distante disso,
tanto por ainda não possuir meios para enfrentar a enormidade da tarefa, quanto por
permitir que compromissos e conveniências políticas se sobreponham às suas
responsabilidades. Percebem-se ações da instituição no sentido de participar no
aprimoramento do exercício profissional, embora com pouco destaque na divulgação
para os associados e para a sociedade em geral, o que compromete sua eficácia.
Voltando à Carta, falta coerência ao documento. Num ponto ela fixa condições para um
ensino de qualidade, o que incluiria a inserção, “... no projeto pedagógico do curso, do
núcleo de conteúdos profissionais, (...), incluindo produção em ateliê, experimentação
em laboratórios, visitas a canteiros de obras, entre outros. ” E adverte: “ Se esses são
parâmetros para o ensino presencial, não podem ser ignorados em cursos oferecidos
integralmente a distância sem que haja sério comprometimento da qualidade da
formação. ”
Percebe-se que o CAU não considera EaD, em princípio, inviável. Parece admitir a
hipótese de um formato híbrido. Entretanto, mais à frente, a Carta atribui à EaD, a
capacidade de agravar uma situação já gravíssima:
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 223
Sendo como afirma, “... uma autarquia que zela pelo aperfeiçoamento do exercício da
Arquitetura e Urbanismo”, é de se esperar que todas as providencias legais, para coibir
esse crime, estejam sendo tomadas. Mas isto não é suficiente: os associados deveriam
estar sendo informados e instados a se posicionar, pois a questão ameaça os
fundamentos da profissão.
SESU/MEC
Até aqui, vimos que as cartas da ABEA e do CAU, marcam posições e expressam suas
preocupações, mas a rigor não trazem argumentos claros para a avaliação da EaD, de
modo que o debate se dê para além das emoções e da pré-disposição.
O terceiro documento, que poderia cumprir esse papel e trazer subsídios consistentes,
é o Perfis & Padrões de Qualidade, onde deveriam estar definidas as qualificações
necessárias para a oferta dos cursos.
De início, estranho a opção metodológica utilizada. Quando são definidas as fases de
trabalho, a primeira delas é descrita como “reconhecimento (estado da arte) da área a
partir do Inventário dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo conduzido pela ABEA. ” Se
“área”, for “profissão”, será o inventário, a fonte de informações adequada?
Concordo com a validade desse estudo, mas penso que teria sido fundamental
entender, desde o início, o fazer do arquiteto. Se o que se pretende é estabelecer as
bases para a definição dos conteúdos dos cursos, o Inventário não parece ser um
depositário isento e nem necessariamente consistente, de informações. Embora a
análise do Estado da Arte do ensino seja meritória, me parece inescapável estudar em
profundidade o Estado da Arte da profissão.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 224
Me parece que seria importante elucidar quais são as habilidades e distinguir os tais
campos, definindo as essências da nossa profissão, mas isto não é feito.
Creio que, passados quase 25 anos da sua elaboração, é preciso avançar em relação ao
que está exposto no documento Perfis & Padrões de Qualidade. Sem dúvida ele
representa um esforço de grande mérito e envergadura, mas precisamos estabelecer
um referencial mais cristalino e atual, para a partir dele reformular o nosso sistema de
ensino, dos conteúdos aos procedimentos.
Esta necessidade está muito além do que meramente nos defendermos da EaD.
2. ATERRIZAR NO REDONDO
Pelas circunstâncias descritas, também não parece suficiente que a nossa ação presente
se estruture como resposta a um acidente de percurso, a pandemia, conforme está
colocado na pergunta central do texto que baliza este encontro:
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“... como garantir um alto grau de qualidade de ensino e formação para todos os
estudantes mediante o complexo cenário imposto pela pandemia? ”
Se a pergunta focasse apenas os desafios decorrentes da pandemia, a situação ainda
seria dramática, porém, de solução mais simples. Por instaurar um clima de urgência, a
pandemia desloca o eixo do poder, reduzindo ainda mais a influência da Academia na
definição dos marcos de orientação do ensino de arquitetura, mas essa circunstância
não inaugura e nem é a causa da nossa miséria. Ainda que exista muito a ser desvelado,
o essencial da nossa tarefa continua em nossas mãos e o fracasso, em grande parte,
nossa responsabilidade.
Uma pequena alteração na pergunta, no desafio inicial estabelecido, talvez nos
colocasse mais próximos de um compromisso realista e necessário:
... como garantir um ensino de qualidade para todos os estudantes de arquitetura?
Me parece que este ideal tem sido olvidado. Tratamos o problema como parte da
paisagem, como uma quimera e não como um desafio concreto e superável.
Um dos sintomas da crise continuada do ensino de arquitetura no Brasil está na perda
de relevância da arquitetura brasileira no cenário mundial. Para um setor cuja influência
se estendia aos confins da Ásia, não ser importante sequer na América Latina, dá o que
pensar.
Sim, temos alguns expoentes, mas nada do que estamos vivendo se compara aos
tempos de Niemeyer, que era um gênio em meio a dezenas de arquitetos geniais. A
maioria deles não teve reconhecimento global, e não é disto que estou falando, mas o
seu trabalho fez caminhar a nossa cultura e beneficiou o nosso povo: a arquitetura, é
oportuno lembrar, tem a responsabilidade de melhorar a qualidade de vida de todos.
Esbarramos nas evidências de que algo não está dando certo, de que estamos falhando
enquanto categoria, no cotidiano das nossas cidades, em legislações, programas e
edifícios mal concebidos, em ideias desastrosas e no desastre da falta de ideias.
Com a expansão numérica e geográfica das escolas de arquitetura, o problema se
diversifica e demanda ainda maior atenção. Os trabalhos apresentados no programa
Novos Olhares são representativos desse estado de coisas: trazem a produção de um
grupo ansioso por fazer algo de valor, mas que, mal preparado, fracassa.
Precisamos olhar o mundo à nossa volta. O hábito, saudável, de estar atento à nossa
realidade, por se fazer exclusivo afastou a arquitetura brasileira da explosão de
criatividade programática e formal que tanto os países pobres quanto os emergentes e
os ricos, experimentam nos últimos 30 anos. Precisamos nos recompor.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 226
LITTLE ANGELS
Os estudantes são os grandes prejudicados por atividades pedagógicas que absorvem
cinco anos das suas vidas, na maioria dos casos com poucos resultados. Felizmente, o
maior ganho de quem faz um curso de arquitetura é a transformação do seu olhar sobre
o mundo, o que ocorre com quase todos os alunos. Mas cada vez menos.
Ao final do curso, a consciência acerca da importância e do alcance da Arquitetura, bem
como a aquisição das habilidades necessárias para um exercício profissional evolutivo,
deixam muito a desejar. Na verdade, via de regra, só alcança esse patamar uma parcela
pequena dos egressos, em geral os originalmente bem-dotados intelectualmente,
senhores da própria formação. Não falo aqui, de sucesso comercial.
Da grande massa de estudantes intermediários, a maioria se situa muito próxima ao
nível mínimo de suficiência. Nos critérios da Cooper Union, não poderiam nem mesmo
submeter o trabalho final para avaliação. Os demais querem produzir algo significativo
e de qualidade, mas as deficiências da formação, decorrentes dos problemas nos
diversos níveis da estrutura de ensino, os impede. São as maiores vítimas.
Por outro lado, o pragmatismo de grande parte dos alunos, que só querem colocar a
mão no diploma, a ação dos que não se dedicam aos estudos, confiando na leniência do
sistema para obter o título, têm consequências perversas. Estudantes dispersos
dificultam a criação de um ambiente positivo de aprendizado, o que é decisivo.
Como maus estudantes também são parte constituinte do ensino presencial, não podem
ser desconsiderados: eles são nefastos, mas não irrelevantes.
A inclusão desse quesito é importante quando apontamos as qualidades das atividades
presenciais, em oposição ao ensino à distância. A escola tem papel positivo como espaço
de convívio social e até o tempo que se passa nas lanchonetes é importante, mas quando
ele supera aquele empenhado nas bibliotecas, seus objetivos podem estar sendo
desvirtuados.
Em muitas escolas a atividade central do ensino de arquitetura, que se dá nas disciplinas
de Projetos, se transformou numa espécie de consultoria, reduzindo o tempo de
dedicação do estudante e de contato com o professor, a alguns minutos, burlando,
inclusive, a carga horária mínima obrigatória. O restante do tempo é gasto em
trivialidades, seja com os colegas ou no celular. A ideia mítica do atelier, onde questões
de peso são debatidas e compartilhadas se encontra num beco estreito e precisa ser
resgatada, aprimorando-se estratégias e qualificando-se os agentes.
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Outra prática que tem sido adotada com enorme prejuízo para a formação é a dos
trabalhos em grupo. Os imaginamos com os estudantes debatendo e pesquisando temas
em conjunto, com profundidade, mas o fatiamento interesseiro e irresponsável das
atividades, com cada um fazendo a sua parte, alheio ao que faz o outro, é tão
disseminado quanto compreensível. Esse procedimento também envolve a divisão num
nível mais amplo: cada um faz o trabalho de uma disciplina.
Em geral o professor é o maior beneficiado pelos trabalhos em grupo, pois suas tarefas
se reduzem à metade. Mas os estudantes não reclamam: se locupletam, embora se
prejudiquem.
THE PRIESTS
Um terceiro grupo que nem sempre é parte das soluções e, portanto, é parte do
problema, é o dos professores. Os docentes são o elo frágil da corrente, pois ao fazerem
da atividade pedagógica o seu meio de vida material, acabam pressionados diretamente
por seus empregadores e sub-repticiamente, pelos estudantes, que os avaliam
semestralmente. Com frequência essa avaliação se dá sob os efeitos da sedução ou do
ódio, retirando-lhe o caráter referencial que deveria ter.
Alguns exercem o magistério como uma filantropia, pois não precisam do soldo. Será
que se dedicam? Como bem lembrou Alfred North Whitehead, quem não é especialista
é diletante. Ser professor universitário é prestígio social e esses tantos que se
transformam em professores na porta da sala de aula causam prejuízos que na maior
parte dos casos superam a contribuição vinda da sua vida profissional.
Também há que lembrar que, se por um lado, os professores são eles mesmos, produto
de um processo educacional de longa data deficiente, incluindo a graduação e a pós, por
outro lado muitos se acomodam precocemente, diante da ausência de benefícios
profissionais na carreira: seu aprimoramento é descontinuado.
Um professor, não só os de história e teoria, deveria, a meu ver, buscar incessantemente
conhecer o estado da arte da profissão. Mas isso é pouco comum entre nós e impacta
enormemente a qualidade do ensino. Imaginem o corpo docente de um curso de
Medicina que não tivesse domínio sobre os avanços e possibilidades da disciplina, que
não conhecesse luminares e realizações: mergulharia nas trevas.
Obviamente minhas observações não se aplicam a todos, mas pontuo que é necessário
encarar com decisão a necessidade de qualificação do corpo docente.
SHADOW MEN
Por fim, um elemento conspira quase sem perceber, contra a excelência do ensino de
arquitetura. Movendo-se nos bastidores, a Corporação dos Arquitetos tem garantido
seus privilégios ao longo dos tempos. O maior deles é explorar a mão de obra mal paga
dos estagiários, que constituem sua força de trabalho fundamental.
Aos arquitetos, via de regra, interessa estagiários submissos, mas com iniciativa. Em
geral a sua demanda é no sentido da produtividade e raramente estimulam o trânsito
do estagiário pelo universo teórico. Este, é frequentemente desqualificado por muitos
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 229
profissionais, que fazem pouco daquilo que é a essência da academia: a reflexão. Quem
sabe faz, quem não sabe ensina, é um mote popular. Vem daí grande parte das
fragilidades, inclusive éticas, que o exercício profissional exibe no Brasil.
A adoção do Autocad teve um impacto enorme sobre a profissão, criando uma categoria
que substituiu os desenhistas profissionais a um custo infinitamente mais baixo: os
estudantes cadistas. A importância deles se amplia no contexto brasileiro atual, onde os
projetos elaborados sob o manto da Arquitetura são, via de regra, de baixíssima
qualidade, sendo equacionados mais ao nível do desenho arquitetônico do que no da
reflexão.
Desde as fases iniciais da sua formação, às vezes quando ainda estão cursando o P1,
estudantes assumem papel vital em escritórios de arquitetos cuja principal competência
profissional é captar serviços.
Estamos agora, diante da segunda onda digital, com a expansão do BIN, o que, num
contexto de penúria intelectual, desvia e ilude. Mais uma vez a academia está
pressionada pela Corporação dos Arquitetos a adotar medidas que ignoram o seu
contexto específico e a sua problemática própria, impondo prioridades e
comprometendo a legitimidade das escolas, transformadas em centros de treinamento
que antecedem ao verdadeiro aprendizado, que pretensamente se daria nos escritórios.
O resultado de tal distorção está nas ruas e dentro das nossas casas, em edifícios caros,
funcionalmente problemáticos e feios, além de cidades precárias.
A escola é o lugar da reflexão e da experimentação e não da simulação da prática.
O CAMPO TECNOLÓGICO
Quando se fala em softwares para a veiculação e para o desenvolvimento das atividades
pedagógicas no EaD, a estrutura (Meet, Zoom, Teams, etc.), já estava disponível, embora
subutilizada. Grande parte dos professores não sabia lidar com as plataformas e algumas
escolas falharam em prover treinamento adequado. Mesmo assim, em poucas semanas
o esquema estava funcionando.
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A partir daí, foi incorporada uma nova ferramenta que propicia os mais diversos usos e
estimula a produção de material didático de qualidade, renovando algumas atividades.
Já o quesito hardware apresentou complicações mais difíceis de serem equacionadas,
até mesmo porque foram pouco enfrentadas. Com o isolamento, algumas escolas
mundo afora fizeram de imediato uma pergunta óbvia: os estudantes têm meios para
acompanhar aulas online? Que tipo de equipamentos eles possuem? Mesmo em países
como a Inglaterra, o resultado foi surpreendente, identificando uma carência
considerável na posse de computadores em casa. Se lá é assim, a nossa situação deveria
ser fonte de preocupação.
Estamos falando basicamente de conexões estáveis e de computadores adequados,
aspectos que no interior do Brasil são limitações importantes. Trata-se na verdade de
uma suspeita pessoal, pois não tenho conhecimento de algum levantamento acerca da
situação dos alunos, nesse quesito. Entretanto, na minha experiência em classes de
Projeto, no interior de Minas Gerais, identifiquei um número elevado de celulares em
aulas onde seriam necessários, pelo menos, notebooks.
EaD à parte, a presença digital no processo projetual é positiva, insuperável e definitiva
e o acesso dos estudantes a equipamentos e meios de financiamento é tarefa que
deveria ser compartilhada pelas instituições ligadas ao ensino.
Saber com quais recursos os estudantes estão contando, seria uma radiografia
importante, que pode direcionar medidas e mesmo programas. A ABEA poderia
intermediar um processo de levantamento da demanda além de articular o
fornecimento dos equipamentos. Estamos falando, infiro, de milhares de
computadores, o que pode interessar à indústria.
Esse esforço poderia ser o início de uma ação promissora: a aproximação da ABEA com
os estudantes, promovendo o acesso deles a uma outra perspectiva da profissão.
O CAMPO PEDAGÓGICO
Um segundo impacto decorrente da pandemia foi a consciência da necessidade do
desenvolvimento de estratégias pedagógicas específicas para atividades online, aspecto
que ficou inibido pela própria negação do modelo.
Mas as deficiências verificadas no EaD, mostraram que o problema é mais profundo:
passada a fase dos grandes mestres professores, Costa, Artigas, Serpa e tantos outros,
cuja sabedoria ia muito além da erudição, e com a ascensão às cátedras de um grupo de
jovens doutores, muitos deles sem muita e às vezes nenhuma, experiência projetual, o
aprimoramento não só das atividades online, mas igualmente das práticas presenciais
se faz necessário. O debate sobre a viabilidade das cadeiras de Projeto funcionarem
online ainda não ocorreu e mesmo nas demais disciplinas, onde isto parece ser mais
natural, também há muito o que fazer.
Por fim, é preciso diferenciar entre atividades online com e sem interação. Assistir a
aulas pré-gravadas não induz ao engajamento verificado nas atividades ao vivo. Os
estudantes preferem a segunda versão, que possui qualidades semelhantes às
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 231
presenciais: perde-se alguma coisa e ganha-se outras. Por exemplo, a dispersão causada
pelo comportamento frequentemente deselegante de estudantes desinteressados,
fator mencionado anteriormente, é praticamente eliminada e os que estão interessados
se resguardam dos efeitos negativos de tais atitudes.
Temos nos preocupado em apontar as limitações da abordagem à distância, mas há um
largo campo de desenvolvimento pedagógico que poderá resultar no aprimoramento
das práticas, tanto presenciais quanto virtuais, propiciando mesmo o desenvolvimento
de métodos híbridos de grande eficácia.
A integração da internet tornou-se realidade, viabilizando pesquisas em tempo real,
dinamizando as aulas e ampliando seus conteúdos. Por outro lado, o uso de interfaces
gráficas no ensino de projetos pode abrir espaços insuspeitados e mesmo integrar
modos tradicionais de discurso, como o desenho autoral.
5. CONCEITOS VALIOSOS
O POSTULADO DE SAN SEBASTIAN
Sempre procurei estruturar as críticas aos exercícios de projeto, de modo que os
aspectos pessoal e técnico/arquitetural, instâncias que de fato existem, ficassem claros.
Mesmo áreas aparentemente intuitivas como a análise da forma, contém um elevado
grau de racionalidade e que deve ser identificado, deixando as preferências pessoais
livres para que também se manifestem. A nossa disciplina também é composta por
valores pessoais, mas o estudante deve saber quando são eles em ação.
A crítica é fundamental para o exercício criativo da profissão de arquiteto. No entanto,
quando acontece no ambiente acadêmico embora ela se assemelhe ao que acontece na
prática profissional, a entrada de um novo elemento, o estudante, demanda outras
posturas, específicas e essenciais.
Como percebeu o pensador argentino Álvaro San Sebastian5, as relações num ateliê de
projetos envolvem três elementos: o estudante, o professor e o projeto. É uma situação
ruim, quando dois deles se associam, excluindo o terceiro: o professor mete a mão no
projeto e o resolve, excluindo o estudante; o estudante não mostra o seu processo,
excluindo o professor. Uma terceira situação se dá quando professor e estudante
entram num jogo de interesses pessoais e o projeto perde a importância.
Tais percalços mostram que a crítica é um exercício que deve ser estimulado e
estruturado, ter objetivos explícitos e estar apoiada num conhecimento profundo do
estado da arte da Arquitetura. Quando analisamos uma solução arquitetônica o
resultado não é mera opinião pessoal, como acreditam na Terra Plana. Existem aspectos
objetivos e científicos a serem considerados.
Entretanto, não obstante a sua relevância, o discurso sobre o projeto, seja gráfico,
escrito ou oral, seja feito pelos estudantes ou pelos professores e avaliadores, tem sido
reduzido ao mínimo nas nossas escolas, privando os envolvidos e a própria comunidade
de aprender mais com as experiências realizadas.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 232
Mas não é esse o desejo de todos: a mediocridade se impõe sob a aura da eficiência em
muitos aspectos da organização acadêmica, soterrando ideias e idealistas. É o caso das
bancas finais a jato.
Ao negar o espaço para o debate, não só nas bancas finais, mas sobretudo no cotidiano
das disciplinas de projeto, agora consultorias, nos aproximamos da prática profissional,
focada no produto e não em pressupostos e processos. Em certo momento, os TCC’s
passaram a ter estimativa de custos, o que é fora de lugar e inibidor. Agora, todos
apresentam uma tabela de paisagismo, geralmente estúpida, pois o conteúdo não é
suficientemente trabalhado pelos currículos.
O que se avalia ao final é um produto, composto por um conteúdo burocrático e
medíocre, que nivela a todos, fazendo com que os trabalhos superficiais e mal
concebidos passem despercebidos. Até se compreende que o desejo das escolas em
tornar pública a sua própria produção praticamente inexista, pois estariam expostas a
um escrutínio cujas consequências elas não possuem controle. Entretanto, o estímulo à
divulgação dos trabalhos finais parece ser um caminho mais virtuoso do que as
competições: iniciativas como o programa Novos Olhares são preciosas e precisam ser
incentivadas e aperfeiçoadas.
É insuficiente, portanto, que a produção acadêmica se dê unicamente com o objetivo de
transformar programas em espaços. A Academia deveria engendrar confabulações,
considerações, insights e discutir continuamente a sua produção para aprimorar e
aprofundar a formação dos arquitetos.
7. CONCLUSÃO
A certeza de que a arquitetura pode melhorar a vida das pessoas move os arquitetos. O
debate sobre o lócus onde acontecerá a qualificação para essa missão é mais importante
por demandar respostas externas à dicotomia do que pelo próprio equacionamento:
procedimentos pedagógicos envolvem decisões que devem atender a necessidades
objetivas e não a decisões apriorísticas.
O nosso olhar sobre o ensino tem oscilado entre distância excessiva e proximidade
exagerada. Em ambas perdemos nuances fundamentais. Penso que podemos ocupar um
lugar de observação mais estratégico e revelador: um olhar mais próximo e imparcial.
" Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa”, sonhou
Clarice Lispector. O “E” da ABEA já foi Escola. Significativamente, mudou para Ensino. É
hora de encará-lo como Excelência e então seguir os rumos de uma transformação
necessária.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 235
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar alguns impactos das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) na formação dos docentes nos cursos de arquitetura e urbanismo, problematizando a inclusão
digital desses atores, com reflexões para os desafios e dificuldades, principalmente na pandemia da
COVID-19. A metodologia deste artigo fundamentou-se na pesquisa bibliográfica e documental sobre os
temas discutidos, por meio de livros e artigos como fonte secundária, complementados por pesquisa de
fonte primária através de questionário online e entrevista com docentes desses cursos em IES públicas e
particulares da cidade de Curitiba-PR no segundo semestre de 2021 e janeiro de 2022. Pela análise do
cenário atual sobre a formação dos professores, propõe-se uma revisão na conduta educacional,
proporcionando ao corpo docente outros componentes além da capacitação para o uso desses recursos e
a adoção de metodologia compatível com prestígio aos enfoques pedagógicos e educacionais, com ética
e responsabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: formação docente, inclusão digital, TICs, arquitetura e urbanismo.
1 INTRODUÇÃO
A partir do momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou a
classificação da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2) para pandemia global
(no dia 11 de março de 2020), muitos foram os impactos imediatos em diversos setores
da sociedade, principalmente na saúde, como também no comércio, nos serviços, na
educação. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), cerca de 8,6 milhões de estudantes de faculdades e
universidades públicas e privadas pararam de frequentar as aulas e as atividades
presenciais, como medida de prevenção à propagação desse agente infeccioso. Esse
número se constitui em uma estimativa do total de alunos matriculados em Instituições
de Ensino Superior (IES), de acordo com o último Censo da Educação Superior divulgado
em 2019 (INEP, 2020). Nesta mesma pesquisa, nas IES particulares, eram 124.085 alunos
matriculados em arquitetura e urbanismo no território nacional.
Enquanto muitos desses estudantes tiveram suas aulas canceladas sem previsão de
retorno, outros passaram a ter aulas em um formato denominado ensino remoto
emergencial (ERE), vinculado à Educação a Distância (EaD), sendo uma modalidade de
ensino mediada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). No que se
refere ao uso dessas tecnologias na educação, não se trata de uma novidade pois há
décadas têm sido utilizadas por escolas públicas e privadas em cursos de graduação e
pós-graduação no território nacional, em IES que possuem estrutura, infraestrutura e
equipe de suporte para essa finalidade.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 236
No entanto, em função das circunstâncias dessa crise sanitária, houve uma aceleração
da integração de tecnologias ao processo de ensino, sem planejamento ou preparação
pelas IES e pelos docentes. Na percepção de Hodges et al (2020) as experiências de
aprendizagem online do ERE, em resposta a uma crise ou desastre, são
significativamente diferentes dos cursos oferecidos online. Para esses autores, a
improvisação de soluções rápidas pelos docentes em circunstâncias abaixo do ideal
pode gerar muitas respostas perspicazes como também estresse, compreensivelmente.
Na opinião de Demo (2016, p. 38) a aprendizagem nessas circunstâncias “é dinâmica
tipicamente situada: aprende-se do que já se aprendeu, constrói-se do que já está
construído”, ou seja, no ERE, o ensino ocorre com a adoção e adaptação dos modelos
preexistentes.
No início da pandemia, evidenciaram-se as desigualdades de acesso e de domínio das
tecnologias na educação, acirrando o debate sobre as políticas para o campo da
formação docente. Particularmente para os cursos de arquitetura e urbanismo,
Monteiro (2021) aponta um protagonismo dos professores na busca de soluções de
forma a minimizar a mudança do ensino presencial para outro, síncrono e digital, e as
desvantagens em relação ao aprendizado tradicional, principalmente para a
comunicação entre educadores e estudantes, que na pandemia e nas aulas síncronas
tem sido realizada por meio de aplicativos e plataformas de reuniões virtuais.
Nesse contexto, este artigo busca analisar alguns impactos das TICs na formação dos
professores de arquitetura e urbanismo, problematizando a inclusão digital desses
atores, com reflexões para os desafios e dificuldades, principalmente na pandemia da
COVID-19. Este texto está estruturado em três partes. Na primeira, uma
contextualização inicial para o ensino atual no âmbito da crise sanitária. Na segunda,
reflexões relacionadas às tecnologias, inclusão digital e formação do professor. Na
última, a apresentação de uma pesquisa realizada com docentes de arquitetura e
urbanismo em Curitiba-PR, no período de 2021-2022, finalizando com algumas
considerações sobre os resultados obtidos.
atividades interativas de sua práxis junto aos discentes os quais estão sob sua
responsabilidade. Esta discussão volta-se para questões acerca da
incorporação das tecnologias digitais às ações educativas formais, e o papel
do professor frente às atuais demandas trazidas por essas tecnologias. O
objetivo é determinar em que medida as práticas pedagógicas desenvolvidas
na sala de aula estão orientadas para a qualidade do processo ensino-
aprendizagem com auxílio dessas novas tecnologias (SEEGGER ET AL, 2012, p.
1888).
Desta maneira, a formação dos professores deve ser constante, contínua, tanto para as
ferramentas tecnológicas, como qualquer conhecimento, exigindo também reflexão
crítica e consciência do papel legitimador e responsável para o ofício do ensino. A
preparação nesse processo, em condições normais, exige planejamento e tempo; em
condições de uma pandemia, requer iniciativa, obstinação e determinação. Neste
sentido, ocorre também um reposicionamento nesta habilitação com uma preparação
e repertório “dos saberes e conhecimentos das ciências e entendimentos da vida, dos
seus contextos e interações. Assim seremos fontes e instrumentos para o ensino-
aprendizagem de nossos educandos” (WICKERT, 2020, p. 9).
4 METODOLOGIA E RESULTADOS
Na busca de respostas para essas indagações, foi realizada uma pesquisa do tipo
exploratória que, segundo Gil (2002), tem como objetivo proporcionar maior
familiaridade com o problema, por meio de levantamento bibliográfico e entrevistas.
Esta investigação ocorreu durante o segundo semestre de 2021 e janeiro de 2022, cujos
dados foram produzidos por meio de questionários online e entrevistas. O questionário
foi aplicado a vinte e seis docentes de instituições de ensino superior (IES) e atuantes
em disciplinas de projeto (arquitetônico, de interiores, paisagístico, entre outras
especificidades e tipologias) e representação 2D ou 3D nos cursos de arquitetura e
urbanismo oferecidos nas IES públicas e particulares em Curitiba-PR. Esse instrumento,
elaborado com a ferramenta “Formulários” do Google Docs, foi enviado via e-mail por
meio de link de acesso a esse documento para os 26 professores selecionados com
vigência de trinta dias. Nesse prazo, foram obtidas dez contribuições (38,46% do
universo). As entrevistas foram realizadas com três docentes desse grupo majoritário,
sendo dois de uma IES particular e outro de uma IES pública, através da plataforma
Zoom, nos meses de novembro de 2021 e janeiro de 2022.
No questionário, ao serem indagados quanto ao tempo de docência nos cursos de
arquitetura e urbanismo, foram indicadas cinco respostas, para períodos que variavam
de dois anos ou menos, para a menor faixa temporal, até dezesseis anos ou mais, na
alternativa mais elástica, cujos resultados podem ser identificados quadro 1.
Quadro 1 – Tempo de atuação docente dos participantes
Tempo de Docência Percentual
2 anos ou menos -
3 a 5 anos 10%
6 a 10 anos 20%
11 a 15 anos 50%
16 anos ou mais 20%
Participante Respostas
P01 Computador, internet, celular, aplicativos do celular, softwares
P02 Vídeos, projeções, maquete física e eletrônica...
Apresentação de conteúdo, exercícios de simulação computacional,
P03
sites de pesquisa.
P04 Ferramentas digitais, livros digitais, aplicativos.
O uso do PPT para passar os slides...e solicitava aos alunos os
trabalhos gerados, geralmente, no CAD e outros programas para a
P05
apresentação das imagens em 3D. Utilizava também muito vídeos
como forma de aprendizagem
Meios visuais do computador (programas e imagens), trabalhos
P06
interativos (como jogos)
P07 Moodle
P08 Jogos Educacionais
Desde o quadro negro, até pesquisas online feitas na sala de aula.
P09
Práticas em laboratórios colocando a "mão na massa"
P10 Biblioteca digital, Power pointer (sic), e textos digitalizados.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Nas respostas obtidas, a presença das TICs predomina, com citações para as tecnologias
tradicionais, tais como a “apresentação de conteúdo” (P03), “trabalhos interativos
(como jogos)” (P06) e o “quadro negro” (P09). Nessas respostas, ampliam-se as
possibilidades das tecnologias educacionais não sendo limitadas ao campo digital.
Em outra questão, também aberta, foram indagadas as tecnologias educacionais
utilizadas no período da pandemia (de março de 2020 até a atualidade), com as
respostas transcritas no quadro 3.
Quadro 3- Tecnologias educacionais utilizadas nas aulas no ensino remoto emergencial
Participante Respostas
P01 Internet, aplicativos, softwares
P02 Vídeos, enquetes, além dos softwares de comunicação
Os próprios canais para as aulas, o Moodle como depositário de
P03
conteúdos, sites de pesquisa.
P04 TEAMS, Armazenamento de materiais em nuvens, gameficação (sic).
Os mesmos, por enquanto, mas tive conhecimento de vários
P05
softwares e aplicativos que poderia usar...
P06 Só os meios visuais do computador
P07 Moodle, Teams, Zoom, Discord
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 244
Nas citações dos professores, a predominância de TICs, pela citação de softwares que se
complementa com sistemas ou plataformas de reuniões, sendo também indicados
alguns métodos e procedimentos, tais como “aulas remotas, práticas à distância” (P09)
e “Assessoria por live” (P10).
Em outra questão fechada, específica e sobre a formação de professores, cada
participante deveria indicar o recebimento de treinamento, capacitação ou outra
preparação para a utilização das TICs, sendo disponibilizadas apenas duas respostas:
afirmativa (50% das respostas) e negativa (a outra metade).
O equilíbrio apresentado pela distribuição igualitária, demonstra um contraste na
preparação e formação dos docentes para as TICs, bem como na inclusão/exclusão
digital. Uma vez que todos os professores lecionam nos cursos de arquitetura e
urbanismo, nos quais há um mais intenso uso de diversas tecnologias, torna-se relevante
um percentual tão elevado sem programas de formação docente.
Na questão seguinte, foi solicitado àqueles que responderam positivamente na anterior,
de que maneira receberam o treinamento, capacitação ou formação para a utilização
das tecnologias educacionais nas aulas. A essas assertivas, foi elaborado o quadro 4.
Quadro 4 – Treinamento, capacitação ou formação recebida durante a pandemia
Formato Percentual
Oferecido pela IES onde trabalha 80%
Externo à IES, presencial em escola de formação -
Externo à IES, aulas síncronas em escola de formação -
Outros (aulas particulares, tutoriais na Internet) 20%
Fonte: Elaborado pelo autor.
Docente Respostas
[Hesitação inicial] Recursos digitais eu acho que só que foram oferecidas pela
DC-1 universidade, nada do que é utilizado pela própria universidade: Zoom, Teams,
esses que já são de utilização comum de todos. Fora desse contexto de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 245
Nas respostas obtidas, duas realidades bem distintas: enquanto DC-1 e DC-2, docentes
de uma mesma IES particular, não tiveram capacitação, treinamento ou outro
componente de formação para a utilização dos recursos digitais destacados pelos
entrevistados, DC-3, docente de instituição pública, indicou a existência de um
programa de capacitação, inclusive para o ensino híbrido em momento que antecedeu
a pandemia. Pode-se com isso, também, reconhecer o apoio determinante da instituição
pública em detrimento da IES particular, como fomento à formação docente.
Finalmente, nas entrevistas, foram averiguadas as possibilidades de retorno para o
ensino presencial ou híbrido, sendo considerados a preparação para o retorno e
reconfiguração das práticas pedagógicas, com a manutenção de determinados recursos
digitais, tendo como reflexões as respostas no quadro 6.
Quadro 6 – Respostas das entrevistas – Formação para recursos digitais
Docente Respostas
[...] eu acho que ferramentas de desenho [...] quando eu estiver em aulas
de desenho, por exemplo, eu acho que tem algumas ferramentas [...] de
compartilhamento de tela de AutoCAD, por exemplo, e eu acho que
mesmo que a gente esteja presencialmente, e que que isso facilita a
DC-1 comunicação, facilitaria até ir o quadro fazer um croqui, facilita eu pegar
um pedaço de papel do próprio aluno e desenhar para ele. Eu acho que
esse compartilhamento da tela em alguns momentos da aula de desenho,
por exemplo, eu acho que isso dá pra dar pra continuar por várias questões
eu acho que que isso dá para trazer.
Há sim, é, por exemplo, além dos arquivos compartilhados, não é? É o que
esse, que é uma ferramenta de gamificação, que eu achei muito bacana,
DC-2
que permite inclusive eles fazerem competições entre eles, não é? Achei
bem legal isso. Essas, com certeza eu vou continuar usando.
Com certeza, pretendo (usar vídeos como recursos digitais). É, eu acho, o
que que eu percebo, assim, que depois que eu fiz o curso de Educação
Híbrida, eu já comecei a acreditar que o formato híbrido é melhor, tanto
DC-3
que o 100% EaD como o 100% presencial. (Outros aprendizados) como o
roteiro que eu faço para os vídeos, então eu quero melhorar nesse
aspecto, sabe? E ter um plano de aula mais detalhado.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Todos os entrevistados manterão recursos testados e utilizados com êxito nas aulas
síncronas/assíncronas, seja para recursos de compartilhamento (tela e arquivos), seja
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para os conteúdos disponibilizados por vídeos, que podem ser vistos várias vezes pelos
alunos.
5 CONSIDERAÇÕES
Em quaisquer circunstâncias, normais ou pandêmicas, e em todos as conjunturas de
crises identificados nas últimas duas décadas, as TICs possuem um papel destacado no
âmbito cultural e social, sendo atualmente fundamentais para a construção de uma
sociedade democrática, para o fomento da inclusão digital, para a conscientização
coletiva, respeitadas as opiniões e pensamentos direcionados à produção e
disseminação da verdade, como meios de orientação e informação, sem se sobreporem,
no entanto, a outros meios fundamentais de aprendizado, como a escola.
Nisso, os professores têm relevância como agentes essencialmente sociais, “com suas
identidades pessoais e profissionais, imersos numa vida grupal na qual partilham uma
cultura, derivando seus conhecimentos, valores e atitudes dessas relações, com base
nas representações constituídas nesse processo que é, ao mesmo tempo, social e
intersubjetivo” (GATTI, 2003, p. 196). As áreas de arquitetura e urbanismo, basilares na
construção da cidadania e no contexto de pertencimento ao qual se consolida uma
sociedade, tornam-se ainda mais relevantes na formação de agentes transformadores
nesse processo, a começar pelos professores dos cursos vinculados a esses campos de
conhecimento.
Na pandemia da COVID-19, muitos foram os desafios e dificuldades, com cancelamentos
dos calendários acadêmicos ou pela adoção das aulas no ERE em 2020 e 2021. Houve a
necessidade de aceleração para decisões emergenciais e alterações imprevistas que
evidenciaram diferenças, mas que também tiveram prós e contras. Para muitos
professores nos cursos de arquitetura e urbanismo, uma necessidade de reinvenção, a
busca de novas metodologias mediadas pelas TICs, evidenciando, por um lado, as
dicotomias já existentes, por outro, um protagonismo na integração de novos modelos
didáticos e pedagógicos à prática docente com apoio nos recursos tecnológicos
disponíveis.
A formação dos professores se tornou um tema e estratégia na pauta das IES, sob
diversos aspectos. Carências e formações acadêmicas e profissionais heterogêneas
evidenciaram níveis distintos de familiaridade com as TICs, com maior ou menor grau
de conhecimento e de assimilação desses recursos, em um momento no qual todos os
professores deveriam migrar do ensino presencial, tradicional e corriqueiro, para uma
nova realidade, virtual e síncrona.
Nos cursos de arquitetura e urbanismo, os desafios foram ainda mais intensos, pela
mudança das percepções e referências essencialmente presenciais para um outro
modelo, mais voltado à busca de referências inseridas nos campos do imaginário e da
abstração.
Conforme destacado no texto, com o apoio de diversos autores, a utilização das TICs na
educação requer revisão na conduta educacional, proporcionando ao corpo docente
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 247
uma formação mais ampla e completa, que preze pela análise, crítica e interesse,
consideradas as particularidades, métodos e abordagens no ensino.
A capacitação, como um dos componentes da formação docente, deve integrar os
processos de preparação dos professores para o uso desses recursos e a adoção de
metodologia compatível com prestígio aos enfoques pedagógicos e educacionais,
alinhadas às práticas docentes, fomentando a interação e permuta no processo de
ensino-aprendizagem, aspirando a elevação na qualidade no todo, possibilitada pela
formação e/ou educação continuada de professores, com ética e responsabilidade, para
além desse período pandêmico ainda vigente.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 249
RESUMO
O componente Projeto de Arquitetura 01, ministrado no terceiro período do curso é a primeira disciplina
a desenvolver um projeto arquitetônico e já experimenta um esforço de integração em momentos
específicos do semestre. Devido o momento da pandemia de SAR-COV 2, o ensino do componente passou
a ocorrer de modo remoto, aumentando os desafios vivenciados no processo de ensino aprendizagem. O
programa de monitoria “O ensino de Projeto de Arquitetura 01 mediado por tecnologias de aprendizagem
remotas” surge com uma maneira de contornar as dificuldades perante esse momento crítico para todos.
A principal contribuição do projeto foi a elaboração de material didático que pudesse apoiar o
desenvolvimento de metodologias ativas de ensino. Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar a
contribuição do material didático desenvolvido para o apoio às estratégias de ensino remoto do
componente de Projeto de Arquitetura 01 na pandemia. Os procedimentos se deram em três momentos:
diagnóstico das necessidades da turma, produção de materiais dentro das metodologias ativas de ensino
e avaliação por parte da turma dos materiais produzidos. Esses produzidos foram percebidos como de
claros e relevantes para a turma, e a presença do monitor em sala foi vista como importante para todos
os estudantes.
PALAVRAS-CHAVE: Projeto em arquitetura. Ensino remoto. Monitoria. Metodologias ativas.
1 INTRODUÇÃO
A integração entre componentes curriculares é uma diretriz no curso de arquitetura e
urbanismo da UFRN desde seu currículo A3 (CAU, 2006). Os esforços para integrar o
conhecimento se baseiam na compreensão da quantidade de variáveis que são
envolvidas no fazer projetual (LAWSON, 2011) e que o processo de ensino aprendizagem
pode se beneficiar na reflexão durante a ação projetual, de maneira que, quanto mais
rebatimento das disciplinas no fazer projetual dos alunos, maior a reflexão e,
consequentemente, o aprendizado (SCHÖN, 2008).
O Componente curricular de Projeto de Arquitetura 01 (ARQ 0532), mesmo sendo a
primeira disciplina a desenvolver um projeto arquitetônico, já experimenta um esforço
de integração em momentos específicos do semestre. Objetiva-se proporcionar ao aluno
a percepção da imbricação entre o projeto arquitetônico a ser proposto e o meio urbano
no qual ele está inserido, ressaltando a integração com os componentes de
Planejamento e Projeto Urbano e Regional 1 (ARQ 0533) e Comunicação Visual (ARQ
0531); além das características topográficas na qual o terreno está inserido, conforme
trabalhado no componente de Topografia (ARQ 0535). Também visa-se introduzir a
estreita relação entre forma e sistemas estruturais na concepção projetual, para a qual
se destacam a integração com os componentes curriculares de Fundamentos das
Estruturas I (ARQ 0537) e Tecnologia da Construção II (ARQ 0536). Mas além desses
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semestre 2020.2 apontou para a monitoria como uma estratégia necessária. Em 2021.1
e 2021.2, integrou-se às atividades de Projeto de Arquitetura 01, o projeto “O ensino de
Projeto de Arquitetura 01 mediado por tecnologias de aprendizagem remotas”,
financiado pela Pró-Reitoria de Graduação da UFRN (PROGRAD), com o objetivo de
apoiar estratégias de ensino que busquem maximizar o aproveitamento da carga horária
síncrona dos componentes curriculares envolvidos neste projeto. A principal
contribuição do projeto foi a elaboração de material didático que pudesse apoiar o
desenvolvimento de metodologias ativas de ensino.
Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar a contribuição do material didático
desenvolvido para o apoio às estratégias de ensino remoto do componente de Projeto
de Arquitetura 01 na pandemia de SAR-COV 2.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos se deram em três momentos. Inicialmente foi feita uma avaliação com
a turma sobre a experiência do semestre com o objetivo de identificar possíveis
materiais a serem desenvolvidos. Os principais temas da conversa foram: se perceberam
a ausência de algum conteúdo no desenvolvimento do projeto; se a maquete teria
ajudado no processo de projeto (a confecção da maquete foi opcional em 2020.2);
sugestões de melhorias e identificação de pontos a serem mantidos. Essa avaliação foi
realizada em 2020.2 e foi repetida em 2021.1.
O segundo momento foi escolha e produção dos materiais, com base na fase anterior.
Os materiais didáticos produzidos, em formato de vídeo ou apostila, não seguem uma
tendência tradicional de ensino, provendo todas as respostas de forma direta e objetiva
ao aluno. Eles funcionam como guia para capacitar o aluno a buscar as respostas, se
aproximando de uma metodologia ativa de ensino.
Como exemplo, no material produzido sobre a NBR 9050 (ABNT, 2020) que trata de
acessibilidade nos ambientes, elencou-se alguns pontos chaves para introduzir a norma
aos alunos, e em seguida fez-se uma apresentação geral da mesma. Coube aos alunos se
aprofundarem e buscarem respostas para as demandas do projeto, aplicando o
conteúdo do vídeo no contexto do seu projeto. Essa estratégia de apresentação do
conteúdo foi adotada nos demais materiais.
O terceiro momento consiste na avaliação do material por parte dos estudantes. Foi
enviado um questionário via Google Forms (Quadro 2), sem a identificação dos
respondentes, para que os alunos se sentissem mais à vontade para críticas e sugestões
e tivessem oportunidade de avaliar o material individualmente.
4 A MONITORIA
O momento de ensino remoto que estamos passando trouxe novas questões aos cursos
que já tinham suas complexidades e desafios. O programa de monitoria busca contornar
esses desafios e facilitar a aprendizagem e a comunicação dos discentes entre si e entre
esses e os docentes. Devido a integração entre componentes curriculares nesse período
e o momento de aulas remotas, as atividades desenvolvidas no âmbito da monitoria se
tornam estratégicas para acompanhar os alunos nos momentos assíncronos, facilitar o
entendimento do projeto como um todo e trazer elementos para a experimentação e
aprendizado além dos momentos síncronos. No atual momento, as estratégias tomadas
para contornar as dificuldades só têm a acrescentar no processo de ensino e projeto.
Ao longo dos semestres 2021.1 e 2021.2, o projeto de monitoria se dedicou à produção
de materiais didáticos para serem utilizados nos momentos assíncronos, como: vídeos,
apostilas, digitalização de livros e seleção de sites e vídeos de terceiros, além de
atendimento aos alunos fora do horário de aula. Esses materiais dialogaram com o
conteúdo das aulas e acompanharam o desenvolvimento do processo projetual dos
discentes.
Além de maximizar o aproveitamento da carga horaria síncrona dos componentes
curriculares envolvidos neste projeto, a monitoria contribuir com a formação do discente
que atua como monitor por meio da oportunidade de acompanhamento das aulas,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 255
5 MATERIAIS DIDÁTICOS
Ao todo foram produzidos e postados no YouTube seis vídeos e duas apostila, também
disponibilizadas no YouTube através de link no Google Drive. Os conteúdos definidos de
acordo com a avaliação dos alunos no semestre 2020.2 foram: código de obras, material
de desenho técnico, sentiram falta de direcionamento para elaboração de maquete,
disponibilização das as normas técnicas utilizadas e presença de monitor para aumentar
o tempo de orientação. Já em 2021.1 foram sugeridos: material de apoio ao desenho
técnico, modulação de estrutura, cálculo de estacionamento e momento síncrono fora
do horário de aula.
Os vídeos, com duração de 03 a 07 minutos, abordaram os temas: NBR9050;
Fotografando desenhos e maquetes; Dimensionamento de banheiros; Maquetes de
concepção; Código de obras; Dimensionamento de reservatórios; e Fotografando
desenhos e maquetes. E duas apostilas: Fotografando desenhos e maquetes: Guia de
como fotografar desenhos e maquetes para arquitetura e Desenho Arquitetônico: Guia
de desenho a nível de anteprojeto para arquitetura. Os vídeos foram postados no modo
“Não listado” e enviados aos estudantes de Projeto de Arquitetura 01 via Sigaa.
O material da NBR9050 foi o primeiro produzido e disponibilizado para os alunos, trata
de uma explanação sobre os conceitos básicos da norma. Esse é o primeiro contato dos
alunos com um projeto que exige o conhecimento de parâmetros de acessibilidade para
compor o projeto é uma demanda. Foram utilizados imagens e dados da ABNT NBR9050
para montar um vídeo apresentação desses parâmetros, e no final foi ensinado a como
dimensionar um tipo de circulação vertical dentro dos parâmetros da norma. Além disso
o vídeo ensina a como se localizar no sumário e realizar pesquisas dentro da norma.
A dificuldade de comunicação foi um problema percebido durante o semestre 2020.2,
muitas vezes os alunos não conseguiam comunicar bem seus projetos por terem
fotografias pouco legíveis, então houve a demanda de um material para guiar os alunos
na hora de fotografar os projetos. Foram realizados dois materiais para esse fim: uma
apostila guia, e um vídeo complementar. A apostila “Fotografando desenhos e
maquetes” (Figura 11) divide o processo em cinco etapas: O objeto, O enquadramento,
A luz, O foco e Pós-produção. Nessas etapas foi explicado como chegar em uma boa
qualidade de fotografia dos desenhos arquitetônicos para serem enviados para os
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 256
a b c d
Fonte: autores, 2021.
1 Snapseed – aplicativo de edição de imagem disponível para smartphone IOS e Android, pertencente a Google
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 257
que pagou a disciplina de 2021.1 teve um mês de aula presencial, a que pagou em 2020.2
não teve nenhum momento presencial desde o início do curso, portanto era necessário
um material que apresentasse os diferentes tipos de maquetes, e os materiais e técnicas
para fazê-las, tal material não substitui a importância da dinâmica presencial do ensino,
mas auxilia no contexto de indisponibilidade de experimentação acompanhada. Esse
vídeo apresentou os diferentes tipos de maquete, os materiais básicos para fazê-las, e
em seguida técnicas de corte, colagem e montagem das maquetes. Foram
confeccionados pequenos modelos para demonstrar aos alunos diferentes maneiras de
se pensar partido e para mostrar o processo de produção delas. Esse material, por mais
que tenha tido um caráter mais técnico, usou como referência a aula de Paulo Mendes
da Rocha “Maquetes de Papel” que foi de grande importância para demonstrar o papel
da maquete no processo de projeto arquitetônico, e não apenas na apresentação final.
Figura 12 - Fragmento do vídeo “Maquetes de concepção”: possibilidade de estudo de partidos (a); esquema de
montagem (b).
a b
Fonte: autores, 2021.
Assim como o material da NBR9050, o material referente ao código de obras (
Figura 13) também se trata de uma explanação sobre os conceitos básicos da Lei
complementar N°055, de 27 de janeiro de 2004: Código de obras e edificações do
município de Natal. O material foi feito em formato de vídeo, e nele foram abordados os
temas: estacionamento, tipos de vias e acessos de veículos, tipos de compartimento e
áreas de abertura. Foi percebido uma dificuldade dos alunos para calcular as áreas
mínimas de aberturas em ambientes, por isso o material apresentou o procedimento
para realização desse cálculo para um cômodo fictício, também apresentou-se diferentes
tipos de abertura que levaram os alunos a pensarem seus benefícios de acordo com o
clima, iluminação, ventilação e transparência. O material foi explicado de modo que os
alunos tivessem autonomia para refletir e replicar o cálculo no contexto de seus projetos
e considerando suas necessidades.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 258
Figura 13 - Fragmento do vídeo “Código de Obras”: cálculo de abertura mínima (a), exemplos de tipo de abertura
(b).
a b
Fonte: autores, 2021.
a b
Fonte: autores, 2021.
A b c
Fonte: autores, 2021.
Ao decorrer de 2021.2 foi percebido que, assim como o semestre anterior, alguns alunos
utilizaram o material produzido e outros não. De antemão observa-se um movimento
semelhante ao do semestre anterior: os grupos que utilizaram o material disponibilizado
apresentaram menos dúvidas e mais desenvoltura nos conteúdos apesentados nos
materiais. Ainda não podemos afirmar com clareza a satisfação do conteúdo por parte
dos alunos dessa turma, uma vez que o semestre ainda não foi concluído e, portanto,
ainda não foi aplicado o questionário nem realizada a avaliação síncrona. No entanto,
porém, alguns alunos comentaram de forma positiva os materiais e que eles auxiliaram
na solução projetual. Sobre o atendimento extra horário do componente curricular para
tirar dúvidas, este não foi solicitado pelos alunos até então um momento fixo fora de
sala de aula, porém alguns grupos com frequência entram em contato por meio de
mensagem para tirar dúvidas.
7 CONCLUSÃO
O material didático desenvolvido no âmbito do projeto “O ensino de Projeto de
Arquitetura 01 mediado por tecnologias de aprendizagem remotas” atendeu aos
objetivos propostos e demonstrou-se relevante para o ensino remoto do componente
curricular Projeto de Arquitetura 01. Sua contribuição pode ser aferida pela avaliação
positiva realizada pelos estudantes, bem como compreensão e consideração das
diversas variáveis projetuais nos trabalhos produzidos durante o componente curricular.
É clara a necessidade de criar estratégias para fomentar que mais alunos acompanhem
os materiais postados, e de produzir mais conteúdos com base nas demandas que
surgem. São percebidas dificuldades em pensar, dimensionar e representar coberturas
e em apresentar os projetos focando na solução projetual e utilizando-se do desenho
técnico como uma linguagem para expressá-la. Esses temas estão na lista de materiais a
serem produzidos. Também ficam latentes as dificuldades de representação da solução
projetual devido à ausência de acompanhamento dos estudantes enquanto
desenvolvem seus projetos. Nesse sentido, estratégias têm sido pensadas para dirimir
as lacunas deixadas pelo ensino remoto, quando houver o retorno ao ensino presencial.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer Pró-Reitoria de Graduação da UFRN (PROGRAD), pelo
financiamento da bolsa que é indispensável para a continuidade do programa de
monitoria, a UFRN pelos esforços em adaptar-se a esse período de isolamento, a todos
os professores que indiretamente participam e acrescentam nos conteúdos produzidos,
e aos discentes que embarcam e colaboram com as atividades, por meio de feedback.
REFERÊNCIAS
CAU, Curso de Arquitetura e Urbanismo. Projeto Político-Pedagógico. Natal:UFRN, 2006. Disponível
em: http://darq.ufrn.br/wp-content/uploads/2016/10/PPP-A5.pdf. Acesso em: 19 abr. 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 261
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre:
artmed, 2000.
LAWSON, Bryan. Como arquitetos e designers pensam. Tradução: Maria Beatriz Medina. 2006.
OLIVEIRA, E. S. I.; COSTA, C. S. L. INTRODUÇÃO ÀS METODOLOGIAS ATIVAS. Natal: UFRN, 2020.
RODRIGUES, C. O. DE M.; LIMA, V. A BITÁCORA COMO FERRAMENTA DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA
ARQUITETURA. Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 2, n. 3, p. 47-60, 18 dez. 2017.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 262
Fábio MÜLLER
CEF-CAU/RS; assessoriacef@caurs.gov.br
Jéssica Nataly Santos de LIMA
CEF-CAU/RS; assessoriacef@caurs.gov.br
Rodrigo SPINELLI
CEF-CAU/RS; assessoriacef@caurs.gov.br
RESUMO
O artigo trata da experiência de acompanhamento da Comissão de Ensino e Formação do Conselho de
Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul ao Ensino Remoto Emergencial (ERE) em Cursos de
Arquitetura e Urbanismo no estado, em dois diferentes momentos da pandemia de COVID-19 até o
presente.
Diagnóstico, através de mesmo questionário, foi realizado com professores em maio de 2020 e setembro
de 2021, com os resultados quantitativos e recorrências apontadas sustentando as teses do documento
aprovado pelo Plenário do CAU/RS em novembro de 2021.
Divulgado no sítio eletrônico do CAU/RS e compartilhado com as gestões das IES gaúchas na forma de
Nota Pública, em síntese, reitera o caráter excepcional do ERE, a relevância crucial de um retorno ao ensino
presencial planejado gradativo urgentemente, em face das lacunas de formação evidenciadas, entende a
incorporação as TIC’s e AVEA no processo de ensino, contudo, sem substituir, mas em acréscimo às
metodologias, operacionalizações e cargas-horárias presenciais, a fundamental sustentação para tal
devidas pelas IES à docentes e discentes, tanto no sentido didático-pedagógico, como infraestrutural –
equipamentos e rede de internet adequados -, assim como toda a experiência do período, através de
avaliação séria e profunda por parte dos corpos docentes, núcleos docentes estruturantes, coordenações,
gestões e discentes como oportunidade ímpar de qualificar o ensino e formação em Arquitetura e
Urbanismo no Brasil, há tempo, distante da realidade social e do conhecimento prático inerentes à
natureza da disciplina e do ofício do (a) arquiteto (a) e urbanista.
PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura, Urbanismo, Ensino, Pandemia, CAU/RS
1
Encaminhou pesquisa realizada junto aos coordenadores de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre
o Ensino Remoto Emergencial.
Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/DeliberacaoCEF35-2020.pdf
2 Encaminhou pesquisa realizada junto aos docentes de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre o
Ensino Remoto Emergencial, por meio de formulário eletrônico sobre os Desafios do Ensino de Arquitetura e
Urbanismo durante a pandemia e encaminhou seu relatório de diagnósticos.
Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-content/uploads/2021/06/CEF-DLB-030-2021.pdf
3 PORTARIA MEC Nº 343, DE 17 DE MARÇO DE 2020: Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2020: (...)Art. 25. No período de estado de calamidade pública,
em caráter excepcional, as IES ficam dispensadas da obrigatoriedade de observância do mínimo de dias de efetivo
trabalho acadêmico, de acordo com o art. 3º, caput, da Lei nº 14.040/2020 e os Pareceres CNE/CP nº 5/2020 e CNE/CP
nº 11/2020, desde que observadas as DCN e as normas a serem editadas pelos respectivos sistemas de ensino, e
desde que mantida a carga horária prevista na grade curricular para cada curso, e que não haja prejuízo aos
conteúdos essenciais para o exercício da profissão. Art. 26. Podem ser desenvolvidas atividades pedagógicas não
presenciais vinculadas aos conteúdos curriculares de cada curso, por meio do uso de tecnologias da informação e
comunicação, para fins de integralização da respectiva carga horária.(...)
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 265
3. CONCLUSÕES
Aproximado o fim dessa surpreendente experiência, em análise, reitera-se a convicção,
por parte desse Conselho, de que o Ensino à Distância é modalidade inadmissível à
formação de arquitetos e urbanistas, devendo ser, veementemente, refutada, dada à
condição matérica e prática inerente da disciplina Arquitetura e Urbanismo – uma
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 266
REFERÊNCIAS
LEI N. 14.040, DE 18 DE AGOSTO DE 2020: Estabelece normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante
o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020; e altera a Lei nº
11.947, de 16 de junho de 2009.
PESQUISA CEF CAU/RS com coordenadores de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre o Ensino
Remoto Emergencial. Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/DeliberacaoCEF35-
2020.pdf
PESQUISA CAU/RS realizada junto aos docentes de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre o Ensino
Remoto Emergencial, por meio de formulário eletrônico sobre os Desafios do Ensino de Arquitetura e Urbanismo
durante a pandemia e encaminhou seu relatório de diagnósticos. Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-
content/uploads/2021/06/CEF-DLB-030-2021.pdf
PORTARIA MEC Nº 343, DE 17 DE MARÇO DE 2020: Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por
aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2020.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 267
COMUNICAÇÕES
PAINEL 4
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 268
RESUMO
Este artigo busca compreender como a experiência docente no ensino de Arquitetura e Urbanismo vem a
ser permeada por práticas insurgentes. Por meio de métodos de pesquisa qualitativa, buscamos consolidar
um conhecimento sobre distintas experiências de ensino que, em alguma medida, contribuem para
mudanças no presente cenário da educação. Junta-se a isso, na construção da própria pesquisa, questões
relativas às dificuldades potencializadas no ensino superior de Arquitetura em meio a pandemia da COVID-
19, de modo a ampliar as questões centrais do texto e seus desdobramentos em meio ao diferente cenário
iniciado no ano de 2020.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Arquitetura, Ensino Remoto, COVID-19
1 INTRODUÇÃO
1 Este artigo deriva de um trabalho feito em conjunto por 6 pesquisadores: Ana Bárbara Rodrigues, Flávio Raffaelli
Fonseca, Maiara Oliveira Silva de Aguiar, Stela Da Dalt, Thiago Pereira Melo e Victor Salgado; e foi reestruturado
visando integrar o XXXVIII ENSEA e XXI CONABEA, de modo que suas partes podem ser consideradas complementares.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 269
2
Por um ensino insurgente em arquitetura e urbanismo. EDUNILA, 2020.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 270
Em seu livro A pedagogia do oprimido, Paulo Freire evidencia a condição do ser humano
como um ser de práxis. A proposta educativa de Freire vai ao encontro de uma
sistemática inter-relação entre teoria e prática, apresentada como práxis pedagógica. O
diálogo é uma ação que configura a liberdade e é visto como uma maneira de entender
a existência a partir das relações entre objetividade e subjetividade; a educação estimula
a construção da filosofia do conhecimento para a democracia, assim como as práticas
democráticas constituem um papel central na formação e autonomia dos educadores.
Tendo em vista que a formação deste grupo de pesquisa é composta por pesquisadores
sem experiência em docência, notou-se a necessidade de um movimento em busca de
agregar pontos de vista distintos dentro da discussão proposta, visando sumariamente
o método de práxis pedagógica, que possui, na teoria e na prática, pontos chave na
construção epistemológica da pesquisa.
Sendo assim, foi realizado um exercício livre e assimilativo e cada membro se propôs a
encontrar alguma referência que tivesse uma ligação à prática docente. Considerando a
forma como foi desenvolvida a metodologia desta pesquisa, buscou-se respeitar a
liberdade individual e subjetiva de cada um, tentando não impor um caminho delineado
a ser seguido neste momento. Como resultado desta ação, três figuras de profissionais
docentes, sendo estes considerados formais ou informais, nos auxiliaram no processo
de consolidação do debate sobre o processo de ensino.
Consequentemente, configurou-se um novo exercício sobre como seria a abordagem
realizada junto aos docentes selecionados. Em conclusão unânime, a forma escolhida
foi o método das entrevistas individuais semiestruturadas. Para isso, iniciou-se um
processo de definição do que era desejado ser instigado e debatido, gerando um roteiro
3
Disponível em: https://www.dicio.com.br/insurgir/. Acesso em: 5 ago. 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 271
base, que pudesse ser utilizado a fim de pautar tópicos relevantes, assim como definir
momentos-chave do debate.
3 ENTREVISTAS
Esse glossário, por sua vez, foi apresentado aos entrevistados com o objetivo de tentar
extrair deles um pensamento crítico no que diz respeito às práticas insurgentes de
ensino, suas crises/dificuldades e potenciais transformadores. A entrevista está
estruturada de acordo com o Quadro 1 a seguir:
Quadro 1 – Estrutura sugerida para as entrevistas com docentes
4. Para além da sala de aula, onde você já levou o seu espaço de ensino? Como foi essa experiência?
2° MOMENTO
Apresentação do glossário
Arquiteto Operacional
Autonomia Liberdade
Decolonial Subalternidade
Hegemônico Contra-hegemônico
Insurgência
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 272
Metodologias Ativas
Universidade Operacional
Pensamento crítico
4
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP).
5
Arquiteta e filósofa livre-docente na FAU USP.
6
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 273
que sempre foram objeto de interesse do A.B. desde o início de sua trajetória até temas
novos propostos pelos frequentadores assíduos — muitos deles arquitetos.
A.B.: [...] A minha única imposição, digamos, ali, era que não fosse obrigatório
[o pagamento da taxa], que o dinheiro não mediasse a relação. Que essa é
outra coisa que eu acho que é danosa, quando as relações são mediadas por
dinheiro. Pense qual relação sua não é mediada por dinheiro, se você não
encontra, tal lugar, que tal pessoa, porque vocês matricularam no mesmo
curso ou porque sua condição prévia deu acesso à escola pública e eu sou um
dos privilegiados que podem estar nela, e tá tá tá. Sei lá [...], quer dizer, no
limite quase tudo quanto é relação nossa é mediada por dinheiro, então
minha ideia era tentar romper com isso. Então o dinheiro não é uma condição
para estar aqui, ninguém tem que marcar o que dá para o porquinho, as
pessoas podiam botar dinheiro e não marcar. [...] e esse espaço é isso
também, surgiu espontaneamente, mas nele eu tinha essa ideia fundamental
de que, quem tá aqui, tá aqui porque quer tá aqui. Não tem outro motivo. E
o que une as pessoas que estão aqui é uma vontade de pensar, de estudar,
de conhecer. Agora é muito interessante [...] no começo as pessoas aderem
a um grupo que tem a ver com um interesse específico dela. Eu sou arquiteto,
tem um grupo de arquitetura, eu vou para o grupo de arquitetura. [...] Só que
com o tempo os frequentadores do ateliê se tornaram frequentadores do
ateliê. Então as pessoas iam pro rumo que fosse, o importante é manter esse
grupo. “O que nós vamos ler?” “Tanto faz, vamos decidir agora.” Achei muito
legal quando teve esse giro, né? E as pessoas passaram a querer estar num
grupo daqueles, independentemente do que ele fosse ler, que acho que é a
situação atual da maioria dos grupos ali.
eu posso fazer?” “Isso, isso, isso”, né? [...] Então é tudo programa. Por isso
que eu acho assim [...], precisa levar a escola para a escola. A última coisa que
há na escola é escola. Não tem ócio, não tem tempo livre na escola. Então [...]
para mim é o caminho contrário, quer dizer, eu preciso de um espaço não
escolar para que algo ali aconteça e eu possa tentar levar algo disso para
escola.
Nos trechos em que a situação pandêmica surge na entrevista, A.B. aponta para as
dificuldades encontradas, e a falta de consentimento entre diretores e professores na
hora de definir diretrizes para enfrentar a situação, e aponta a necessidade constante
das pessoas cumprirem normas, mesmo essas não se apresentando como adequadas.
A.B.: [...] nessa história de pandemia toda, a questão de abrir e fechar a
escola. Teve mil brigas com as escolas e porque sim, porque não. Que critério
usar para abrir e para fechar. O pessoal caiu muito no normativismo, no
legalismo. "Olha, o que foi combinado foi isso e nós temos que fazer o que foi
combinado". Não, mas não está fazendo bem para a aula, para o aluno. "Não,
mas é o que está estabelecido. É o direito deles". Mas que direito vocês estão
usando? Você abre aula presencial, uma turma de 28 alunos, vão 5. Aí, você
tem que ficar dando aula na sala de aula, pela tela para ¾ da turma. Bom, eu
estou prejudicando a maioria, né? "Ah não, mas é o direito?" Que direito? Se
a minoria está indo. E essa minoria ainda está desanimada, porque imagina
que sua sala tem 28 alunos e tem 6 colegas nela. Ou seja, os alunos que
estavam lá, estavam deprimidos também. "Poxa, a escola está vazia". Mas às
vezes é difícil sair da regrinha. Todo mundo quer uma regrinha.
Outro ponto que damos destaque na fala de A.B., é a sua visão sobre uma possível
mudança das pessoas em relação aos meios digitais na pandemia. No qual, em um
primeiro momento todos buscavam por interação humana nas reuniões online, mas que
com o passar do tempo o excesso de telas, fez com que houvesse um movimento
contrário a tais práticas.
A.B.: [...] podem participar dos grupos online [...] vamos tirar vantagem da
Pandemia. O grupo virou um grupo nacional. Tem um cara do Rio, um cara de
Floripa, tem um cara que está em Pelotas. Está até divertido, assim. [Está
rolando ateliê online?] Está sim, no começo eu não quis, mas o pessoal
começou a pedir. No começo da Pandemia todo mundo sentiu mais a falta do
contato com as pessoas. Agora todo mundo está sentindo o excesso de tela,
então os grupos deram uma diminuída e tem menos grupo do que tinha o ano
passado, por exemplo. Eu atribuo a isso, sabe? Tem gente que não quer mais
ver tela, não aguenta mais uma hora a mais de tela, não. É muito louca a
mudança da Pandemia, da dinâmica assim. Ano passado foi muito diferente
desse, para mim não tem comparação. Esse, para mim, está muito pior. Para
quem achava 2020 um ano ruim, 2021 é muito pior.
3.2.2 ENTREVISTADA 2 - A.G.
Quando questionada por nós sobre quando surgiu a ideia de ensinar, A.G. respondeu
que nunca quis de fato sair da universidade. A.G. é graduada em Arquitetura e mestra
em Urbanismo pela PUC Campinas e doutora em Engenharia Civil, Arquitetura e
Urbanismo pela Unicamp.7 Trabalhou como arquiteta projetista antes de exercer a
7
Universidade Estadual de Campinas.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 275
docência, quando considera que adquiriu maturidade projetual e intelectual. Suas duas
primeiras experiências de ensino foram em universidades privadas; no início da década
de 1990 passou em um processo seletivo para professora substituta na Mackenzie8,
onde integrou a equipe por quase 10 anos e, logo em seguida, ao se mudar para
Campinas, entrou para a UNIP,9 onde deu aulas por mais uma década. Paralelo a isso,
ingressou na Unicamp por meio de um processo emergencial e agora completa 20 anos
na instituição. A.G. conta que durante sua trajetória na Mackenzie começou a chamar
sua atenção a discrepância social entre os estudantes, mas que foi na UNIP onde
começou sua busca por experiências na “cidade real” junto aos alunos – em disciplinas
regulares, na extensão e em projetos de iniciação científica –, processo de trabalho que
depois levou para a Unicamp. Ao longo desse percurso, afirma a importância de
construir coletivamente, de voltar o olhar para a sociedade e trabalhar não apenas “para
ela”, mas “em conjunto com ela”. Cita Rodrigo Lefèvre,10 que foi seu professor, e o
Grupo Arquitetura Nova11 como importantes referências pessoais. A.G. afirma que suas
principais influências vêm da sua própria vivência universitária na PUC e da sua relação
com o movimento estudantil. Dentre as estratégias que buscou aplicar ao longo de sua
trajetória numa tentativa de abrir as perspectivas de compreensão dos alunos, destaca
a fabricação de maquetes físicas, as viagens de estudos e, especialmente, as incursões
pela cidade. Desenvolveu com os alunos, por exemplo, projetos para uma cooperativa
de resíduos sólidos, para uma escola, um assentamento rural e um conjunto
habitacional, todos já consolidados.
A.G.: [...] tive oportunidade de trabalhar na extensão [...] com as cooperativas
de resíduos sólidos e a gente teve uma experiência muito interessante com a
primeira vez que eu fui convidada para projetar uma mesa, porque dizia que
as mulheres tinham uns ganchos na mesa que elas machucavam a barriga. E
eu na época era só da Unicamp, [...] Regime [de] Dedicação Integral à
[Docência e à] Pesquisa, não podia fazer projeto [...] e aí eu propus para os
alunos. Chamei no e-mail coletivo lá dos alunos que eu queria cinco alunos
que tivessem interesse em trabalhar nas cooperativas e a gente fez um
projeto. Eu não sei se a gente pode chamar colaborativo, participativo, etc…
[...] a primeira vez que eu fui nesta cooperativa eu quase morri, quase caí de
costas que as mulheres trabalhavam no meio do lixo [...] então a primeira
coisa que a gente fez foi pensar numa dinâmica industrial de produção. E aí
que eu falo que a minha experiência profissional me valeu em várias
situações, né? Porque eu fiz muitos projetos de indústria, de como trabalhar
com essa lógica dentro da cooperativa no espaço existente, mas que tivesse
uma entrada, uma dinâmica de materiais, que eles trabalhavam sei lá quantos
mil materiais, e uma saída que as pessoas ficassem num lugar mais ou menos
limpo. [...] E aí a gente percebeu que as mulheres faziam esse movimento o
8
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
9
Universidade Paulista.
10
Rodrigo Brotero Lefèvre (1938-1984) foi arquiteto e professor universitário, integrante do grupo Arquitetura Nova,
e responsável pelo desenvolvimento de grades curriculares de algumas faculdades criadas no início da década de
1970 no estado de São Paulo, juntamente a outros demagogos e arquitetos.
11
O grupo Arquitetura Nova, formado pelos arquitetos e professores Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro,
foi responsável por introduzir as discussões que relativizam o movimento moderno e sua linguagem
desenvolvimentista, tecendo críticas ao modo de fazer do arquiteto moderno, assim como o sistema que constitui o
canteiro de obras.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 276
dia inteiro [e] que atrás delas estavam os tambores. Eu disse: "gente, não é
possível essas pessoas quererem afinar a cinturinha, mas tem limite". E a
gente começou [...] [a] pensar [...] numa mesa que elas pudessem trabalhar
só separando. E aí a gente fez uma proposta, montamos maquetes e fomos lá
com elas, conversando o layout do galpão, o layout do carrinho, tudo em
maquete. Umas duas vezes. Na primeira, as mulheres falaram assim: "quem
trabalha sentado é vagabundo". Eu pensei: “vamos repensar a altura da
mesa”. Voltamos lá de novo, com outra proposta. Eu sei que o tal do carrinho
virou sensação. Até hoje as cooperativas em Campinas querem o tal do
carrinho, que ficou um carrinho prático e mais seguro e você não tem que
ficar se torcendo 6 horas por dia, 8 horas por dia, nem sei quantas horas de
trabalho. E depois disso a gente fez essa experiência de estudo de layout
participativo em outras cooperativas, aí foram algumas iniciações científicas.
Então o aluno ia, estudava e entendia qual era o percurso, qual era a
produção e propunha junto com os cooperados, né? E foi uma experiência
super legal. Tão legal que até hoje a gente ainda faz parte de alguns projetos,
que trabalham com isso e a ideia era mostrar para os estudantes que não tem
lugar [correto] para arquiteto trabalhar. [...] Óbvio que você não tá criando
museus, não tá criando biblioteca, mas você tinha que criar de verdade. E aí
você melhorou muito a qualidade de vida dos cooperados. Você tem um lugar
mais confortável para trabalhar, você tem uma lógica de produção. Então
você produz, você sabe, você vê o que está produzindo, está num lugar mais
limpo. Óbvio que todo mundo ganha com isso, mas isso foi algo muito legal,
porque a Unicamp tinha um convênio com a Universidade de Pittsburgh, que
eu não fazia parte, mas a Emília Rutkowski fazia e eu trabalhava junto com ela
e foi um sucesso. Ninguém queria levar o pôster, porque isso não era trabalho
de arquiteto. Ela bateu o pé e foi sucesso [...]
Nesse sentido, joga luz sobre a necessidade de pensar o espaço a partir do que já existe,
não apenas a partir do zero; “a cidade é palco de possibilidades”.
Quando surge a questão da Pandemia, A.G. aponta as dificuldades enfrentadas por
professores que do dia para noite precisaram transformar suas casas em locais de
trabalho, e suas disciplinas em modo online. Além dos prejuízos aos alunos, que
fragilizados pela situação, perdem não só em conteúdo, mas também em relação
extraclasse. Questões como acesso à internet de qualidade e aos espaços urbanos
também são apontados pela professora.
A.G.: [...] durante a pandemia tudo ficou nas costas dos professores. "Se vira
aí, peão". No fim das contas vários foram demitidos, demitidos em massa,
demitidos só com um WhatsApp ou um correio eletrônico, e como na
realidade, para o bem ou para o mal, a gente se reinventou e fomos nós que
nos reinventamos. Porque do dia pra noite eu tive que falar "Minha filha, sua
disciplina de projeto agora é online. Doa não doa. "O que eu dou? O que que
eu faço?" Eu paguei a minha luz, eu paguei a minha internet, a minha casa
virou o lugar de trabalho, a minha e a de tantos outros. Então eu imagino
professoras que tem filho pequeno, dar aula com o filho berrando, lá fora,
trancada em casa que não podia sair. Acho que essa questão dos estudantes
também é uma [questão]. A pandemia os fragilizou muito, psicologicamente
falando, é essencial o contato entre os estudantes. A coisa que a gente discute
da presencialidade não é só a presencialidade do professor, é os colegas
estarem juntos, é construir uma rede de relações que vão te dar suporte
profissional, se não é para o resto da vida por muito tempo. É não se afastar
do seu objeto de trabalho que é a cidade. Sem falar das questões da idade,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 277
né? Festa e churrasco... essas coisas... A questão territorial que aí foi abissal.
O território espelhando quem vai e quem não vai pra frente? Porque tem
acesso ou não, a questão da rede. E aí eu acho que essa questão de acesso à
internet é um dos pontos importantes e não é só do aluno, é do professor
também. Porque tem que ter uma rede boa. E o aluno também. E muitas
vezes [o aluno] não abre a câmera porque ele tá com vergonha. Porque
muitas vezes ele tá com o irmão menor lá junto com ele e o irmão menor tá
numa sala, porque enfim... tem 500 mil coisas. Obviamente não são todos.
Tem o povo que não liga a câmara porque tá dormindo, mas esses um dia vão
querer saber como é que foi. Então eu acho que assim, tem essas grandes
discussões, mas eu acho que a gente tinha que ter umas discussões mais
efetivas e é difícil na sociedade, que a gente está vivendo, engajar as pessoas.
Outro ponto destacado por P.E. foi a autonomia que o CASAS dava aos estudantes,
inclusive na gestão, na escolha de projeto, nas metodologias projetuais e diálogos com
a comunidade. Questões que não são desenvolvidas em um estágio tradicional.
P.E.: […] No CASAS a gente toda hora tinha que tá brigando por algum tipo de
legitimidade ali, porque a estrutura formal da universidade pede que você
tenha um professor que é o coordenador e tudo mais. E aí, nos primeiros anos
que eu tive no CASAS, existia uma dificuldade de encontrar esse professor
orientador que, de fato, participasse daquilo. A gente tinha professores que
assinavam no papel, e aí a gente tomava conta do Casas por nossa própria
conta em risco. Isso era bom? Era, porque a gente discutia tudo, né? A gestão
12
Universidade de Brasília.
13
Universidade Federal da Bahia.
14
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.
15
Centro de Ação Social em Arquitetura Sustentável.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 278
toda do escritório estava na mão dos estudantes. Não tinha ninguém que
usava [...] assim [...] aquela assimetria de poder, né?... De professor para
estudante, né? [...]
Além dessa experiência com o CASAS, P.E. destaca sua participação nos SeNEMAU16 e
SeREs17 — encontros promovidos pela FeNEA18 — como um motivador para uma
atuação mais política do ensino.
P.E.: […] acho que toda vez que a gente saia do escritório do CASAS e ia [...]
mesmo para um diálogo com [...] movimentos, [...] ia para um centro de
permacultura, por exemplo, era totalmente diferente [...] do que tinha nas
aulas mesmo, nas disciplinas. Eu me lembro que a gente trabalhou por um
tempo com [...] o MTST19 lá em Brasília, numa ocupação cultural que era com
os artistas que estavam pleiteando espaço para [...] de morar e de trabalho.
Eu me lembro também das vezes que a gente ia na estrutural, que era uma
comunidade lá em Brasília, bem [...] com vários problemas, né? E em uma
situação bem assim [...] cheia de absurdos, né? E [...] que mais? Acho que é
isso, toda vez que a gente saia era uma experiência boa. E principalmente na
FeNEA [...] na FeNEA a gente tinha [...] o SeNEMAU que eram os seminários
de escritórios modelos. Então, a gente via [...] uma infinidade de formas [...]
de trabalhar, que os escritórios modelos faziam, né? Eu acho que [...] lá em
Belo Horizonte também, as experiências do pessoal de Belo Horizonte e lá de
Porto Alegre foram assim [...], experiências que eu achava interessante, que
me provocava [...] chegava de volta a Brasília com a cabeça cheia de ideias
[...]
Como suas referências nas práticas de ensino, P.E. apontou, além de Paulo Freire e sua
metodologia de aprendizagem por problematização, alguns professores que traziam
questões de dimensão política para a prática da Arquitetura e Urbanismo e, ainda, a
figura de seus próprios pais, que são professores. Considera instigante o modelo de
ensino da Escola de Ponte, em Portugal, que busca romper com a estrutura de currículo
fechado e propõe a formação a partir dos interesses individuais de cada aluno. Nesse
sentido, P.E. faz uma crítica ao excesso de tutela na formação de arquitetos na UnB;
afirma que a instituição tinha inicialmente um projeto de maior autonomia, mas que,
apesar de toda a teoria, os docentes não avançam nessa prática.
16
Seminário Nacional de Escritórios Modelos de Arquitetura e Urbanismo.
17
Seminário Regional de Ensino.
18
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil.
19
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 279
TRAJETÓRIA PESSOAL
No caso de A.B. sua intenção se fez notar por um certo estranhamento das palavras
contidas no glossário, assim como um movimento de tentar se desvencilhar das ideias
pontuadas, muitas vezes se autodenominando um profissional informal do ensino.
Concomitantemente, A.G. diz possuir um problema sério com rótulos, problematizando
a falta de autonomia existente cada vez mais dentro do ensino universitário, deixando
claro a importância da pluralidade de referências para a formação da análise crítica do
que ela intitula uma boa arquitetura. P.E. se mostrou mais favorável a se reconhecer
dentro das palavras apresentadas, talvez pelo fato de possuir uma vivência profissional
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 280
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
"Professores que têm uma visão de educação democrática admitem que o
aprendizado nunca está confinado a uma sala de aula institucionalizada."
Bell Hooks, 2019
Ao final do trabalho, após realizarmos o movimento das entrevistas com agentes que
atuam em diferentes setores do universo educacional, compreendemos que hoje em
dia, em meio ao cenário de individualização extrema, estas práticas insurgentes se
pautam por diálogo, reconhecimento da alteridade e construção de relações-
interpessoais. Esse movimento vai em direção da dialogicidade, apontada por Freire
(2015) enquanto exigência da natureza humana e um reclamo da opção democrática do
educador, absolutamente indispensável ao processo de conhecimento. Não
consideramos o uso do termo insurgentes como uma adjetivação ou categorização
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 281
estilística das práticas, mas como atitude crítica consciente, com significado específico
para cada contexto aplicável. Isso porque, os entrevistados A.B. e A.G., com maior
experiência no ambiente de sala de aula, demonstraram não considerar suas práticas
como “insurgentes”, enquanto P.E., com vivência mais próxima de movimentos sociais
e ambientes de aprendizagem outros, demonstrou aderência a perspectivas do glossário
apresentado.
Além disso, de modo a abrir uma chave para futuros desdobramentos deste trabalho,
passamos à uma análise crítica de pontos que poderiam ter sido trabalhados. Uma
dimensão que não foi contemplada nas entrevistas e que merece melhor
aprofundamento seria a visão acerca do futuro da universidade. Consideramos ainda
que, no âmbito da entrevista, a concentração nas experiências relativas ao ambiente
docente, ao invés de trabalhar a partir da ótica do ensino-aprendizagem como um
sistema mais amplo, limitou as possibilidades de resposta dos entrevistados. Ainda
assim, a entrevista semiestruturada possibilitou um rearranjo que contemplasse as
diferentes atuações individuais.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 282
RESUMO
Com os desafios oriundos da pandemia da Covid-19 e das mudanças climáticas fica evidente que a
promoção do desenvolvimento sustentável é imprescindível. Dentre as atividades humanas que mais
impactam o meio ambiente está o setor da construção civil que tem contribuído para o agravamento de
problemas ambientais, sociais e econômicos. Nesse sentido, percebe-se que os projetistas das edificações
nem sempre utilizam princípios de sustentabilidade devido a uma formação acadêmica deficitária. Esta
pesquisa teve como objetivo realizar uma revisão de literatura acerca de como o conceito de
sustentabilidade tem sido abordado nos cursos de Arquitetura e Urbanismo. Para isso, foram realizadas
pesquisas nas bases de dados Scopus e Web of Science, na plataforma Periódicos Capes e nos Cadernos
ABEA. Os resultados obtidos foram de 1013 títulos, e a partir da aplicação de critérios de seleção
previamente definidos – como duplicação, ou não diretamente relacionado ao objetivo da pesquisa, -
foram considerados para análise 328 artigos. As produções demonstram que a integração da
sustentabilidade ao ensino de arquitetura é um desafio que precisa ser trabalhado nas instituições de
ensino por meio de uma maior integração entre as disciplinas, uso de diferentes metodologias e
ferramentas de ensino e ambientes de aprendizagem com infraestrutura adequada.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de arquitetura, sustentabilidade, ateliê de projeto
1 INTRODUÇÃO
Os desafios globais que a sociedade vem enfrentando, dentre elas, a pandemia da Covid-
19 e os impactos das mudanças climáticas, reforçam a essencialidade e a urgência na
promoção de ações que levem ao desenvolvimento sustentável, cuja base conceitual
estabelecida há mais de três décadas através da publicação do relatório Our common
future (WCED, 1987) ainda permanece atual.
Desde a década de 90 do século passado, o conceito de sustentabilidade vem sendo
discutido. Ferramentas estratégicas como a Agenda 21 (UNCED, 1992), Agenda 2030
(ONU, 2015), Educação para o Desenvolvimento Sustentável para 2030 (UNESCO, 2017),
entre outros, têm estabelecido diretrizes ou metas que auxiliam na busca pela
sustentabilidade nas dimensões ambiental, econômica e social.
O setor da construção civil desempenha papel relevante nesse cenário, visto que,
impacta significativamente os recursos naturais, a economia e o bem-estar da população
(SACARRO, 2016). Segundo a United Nations Environment Programme, em 2019, os
edifícios responderam por cerca de 35% do consumo de energia e 38% das emissões de
CO2 (UNEP, 2017).
Assim, percebe-se a necessidade de que os profissionais projetistas sejam capazes de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 283
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este artigo se trata de uma pesquisa exploratória realizada por meio de uma revisão de
literatura (GIL, 2017). Primeiramente, foi realizada a definição dos termos, descritores e
combinações que seriam utilizadas baseando-se no objeto de estudo. Após isso, as
palavras-chave com combinações diferentes (Tabela 1), foram inseridas na base de dados
Scopus (com a opção de pesquisa Article Title, Abstract, Keywords) e na Web of Science.
Considerando que a pesquisa com as palavras-chave em inglês abriu um grande leque
de publicações e que o tema possui um interesse maior no âmbito nacional, definiu-se
como recorte da busca somente as combinações em português na plataforma Periódicos
Capes, com refinamento para periódicos revisados por pares. Considerando ainda a
importância do tema no âmbito da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e
Urbanismo (ABEA), foram também considerados os artigos publicados nos Cadernos
ABEA e que continham no título, resumo ou palavras-chave, o termo sustentabilidade.
O recorte temporal foi de 2012 a 2021, o que gerou um resultado total de 1013 títulos.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 284
Tabela 1 - Termos, combinações e resultados das pesquisas nas bases de dados Scopus e Web of Science e na
plataforma Periódicos Capes
Termos Combinações Total de resultados Publicações
consideradas
1.teaching AND sustainability AND architecture AND Scopus = 107
design
Teaching Web of Science = 199
1. ensino AND sustentabilidade AND arquitetura AND
Periódicos Capes =
projeto
176
Sustainability
2. teaching AND education AND sustainability AND Scopus = 82
architecture AND design
Web of Science = 149
Architecture
2. ensino AND educação AND sustentabilidade AND
Periódicos Capes =
arquitetura AND projeto
127
Design
3. “architecture teaching” AND sustainability AND Scopus = 0
design
Web of Science = 3 321
Education 3. “ensino de arquitetura” AND sustentabilidade AND
projeto Periódicos Capes = 4
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os dados obtidos proporcionaram um panorama das pesquisas relacionadas a
integração do conceito de sustentabilidade ao ensino de arquitetura e urbanismo no
período de 2012 a 2021. O total de publicações resultou em 1013 títulos, sendo que,
após a retirada das duplicações e passando pelos critérios definidos nos procedimentos
metodológicos, 328 artigos foram considerados nesse trabalho.
Analisando quantitativamente os resultados, percebe-se que as pesquisas realizadas nas
bases de dados Scopus e Web of Science tiveram maior número de publicações
relacionadas ao objeto desse estudo, totalizando 312 artigos. Os resultados, conforme o
Gráfico 1, demostram que o ano com maior número de publicações nas mesmas foi 2020
(49 artigos), ano marcado pela pandemia da Covid-19 e, talvez, pela ênfase na
necessidade de produção de novos conhecimentos sobre o tema.
Gráfico 1 - Número de publicações por ano nas bases de dados Scopus e Web of Science
Observa-se que há um pequeno decréscimo no ano de 2021 em relação a 2020 que pode
ser desconsiderado em função da pesquisa ter se encerrado antes do término do ano.
Nas bases de dados Scopus e Web of Science apenas 4 artigos tinham autores vinculados
a instituições brasileiras. Isso justificou a pesquisa com termos em português na
plataforma Periódicos Capes – 9 artigos foram considerados – e, na adição, a pesquisa
nas publicações vinculadas à ABEA, onde 7 artigos foram considerados.
Outra análise realizada foi em relação a quantidade de artigos com pelo menos 1 autor
ligado a instituições de determinado país, conforme demonstrado na Figura 2. Como
mencionado anteriormente, um dos países que tiveram menos artigos com autores
ligados a instituições nacionais na Scopus e na Web of Science foi o Brasil e, o maior, os
Estados Unidos. No entanto, importantes países da Comunidade Europeia, como
Espanha, Itália e Turquia, também apresentam uma significativa produção.
Figura 2 - Número de artigos com pelo menos 1 autor ligado a instituições de cada país
4 CONSIDERAÇÕES
Para que seja possível a condução de ações visando o incremento dos temas
relacionados à sustentabilidade no ensino de arquitetura e urbanismo, é fundamental
que se conheça a produção científica sobre o assunto, visando a identificação de lacunas
e, principalmente, os experimentos exitosos ou não. Ao se analisar o conteúdo dos
trabalhos percebe-se que essa integração é uma preocupação na maioria dos países
urbanizados e que se apresenta como um desafio, provavelmente a ser ainda mais
valorizado no período pós pandêmico da Covid-19.
Não há uma concordância em qual abordagem pedagógica ou metodologia de ensino
deve ser utilizada. O que se discute é que a aplicação de diferentes métodos de ensino
que não inibam ou afetem o processo criativo dos alunos pode auxiliar, principalmente
os novos estudantes, a aprenderem novas técnicas e conceitos impulsionando a criação
de repertório e desenvolvimento de projetos mais sustentáveis.
Percebeu-se que, nas bases de dados Scopus e Web of Science e na plataforma Periódicos
Capes, poucas publicações relacionadas ao objeto de estudo, de autores ligados a
instituições brasileiras foram encontradas. Da mesma forma, esperava-se encontrar um
maior número de publicações relacionadas ao tema nos Cadernos ABEA, o que talvez
seja um demonstrativo da necessidade de aprofundamento de estudos relacionados ao
mesmo.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 289
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 292
RESUMO
Este artigo analisa a obra o canteiro e o desenho de Sérgio Ferro e estabelece um vínculo entre a
Colonialidade do Poder, de Aníbal Quijano (2005), a partir da percepção de que a relação de poder descrita
no primeiro teve origem nas instituições coloniais na América Latina. O recorte de estudo se centraliza na
região amazônica por suas particularidades morfológicas e sociais e por apresentar o maior índice
populacional indígena do Brasil. Realiza-se ainda estudos de caso de três referências arquitetônicas no
estado do Amapá – estado em que foi realizada a pesquisa de graduação – e uma experiência pedagógica
no Mato Grosso como forma de ilustrar como a colonialidade do poder incide sobre a percepção das
arquiteturas indígenas e tem pelo desenho uma ferramenta colonial de desqualificação destas.
PALAVRAS-CHAVE: colonialidade do poder, desenho, arquitetura indígena, Amazônia
1 INTRODUÇÃO
Este artigo analisa a obra o canteiro e o desenho de Sérgio Ferro e estabelece um vínculo
entre a Colonialidade do Poder, de Aníbal Quijano (2005), a partir da percepção de que
a relação de poder descrita no primeiro teve origem nas instituições coloniais na
América Latina. O recorte de estudo se centraliza na região amazônica por suas
particularidades morfológicas e sociais e por apresentar o maior índice populacional
indígena do Brasil.
Realizam-se ainda estudos de caso de três referências arquitetônicas no estado do
Amapá – estado em que foi realizada a pesquisa de graduação – e uma experiência
pedagógica no Mato Grosso como forma de ilustrar como a colonialidade do poder
incide sobre a percepção das arquiteturas indígenas e tem pelo desenho uma
ferramenta colonial de desqualificação destas.
O artigo está dividido em duas partes: a primeira discute os aspectos relativos ao
desenho como ferramenta colonialidade do poder, tomando como principais
referências os teóricos Sérgio Ferro (1979) e Aníbal Quijano (2005). A segunda parte
seleciona três referências de arquiteturas amazônicas que evidenciam os saberes
arquitetônicos da região, seus princípios e materialidades, e uma experiência
pedagógica desenvolvida pelo professor José Portocarrero (2018) ao criar uma disciplina
e um projeto de pesquisa específicos para o estudo da arquitetura indígena da região
do Mato Grosso, estado que compreende em seu território faixas do bioma amazônico.
O professor se utiliza de maquetes físicas como estratégia de estudo das arquiteturas
indígenas.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 293
Dessa forma, quanto mais distante do estado da natureza, mais evoluído, criando a ideia
de natureza como algo a ser superado ou conquistado, desvinculando a natureza da
ideia de civilização. De fato, Bertha Becker (2013) sinaliza para a emergência dos núcleos
urbanos na região amazônica como o estopim para a exploração do território, o que
demarca que a urbanização da Amazônia garantiu a exploração e permanência dos
colonizadores:
Cumpre ressaltar uma importante característica da Amazônia que tem
expressão em seus pequenos núcleos. Nessa economia regional comandada
de fora, a cultura e o saber indígena e caboclo permaneceram, em grande
parte, dissociados dos grandes movimentos de transformação. Constituem
um contingente diferenciado e historicamente resistente da população com
atividades e urbes específicas. (BECKER, 2013, p.47).
Segundo a autora, a ocupação do território pelos colonizadores se deu a partir da
implantação de núcleos urbanos que embora pequenos nas suas fases iniciais, tinham o
caráter simbólico de estabelecimento de um poder sobre o território e garantia as
posteriores explorações em busca de riquezas e mão de obra escravizada.
Foi possível a partir do estabelecimento dos primeiros núcleos urbanos o maior controle
sobre o território colonizado através do meticuloso registro de suas variáveis por meio
de cartas e desenhos como suas principais ferramentas. Embora não se debruce
especificamente sobre o tema da colonialidade, Ferro (1979) descreve as relações no
canteiro de obras como heterônomas, sendo lugar de reprodução de normas
previamente estabelecidas, o que pode não só descrever relações de trabalho livre
como também os processos de escravização a que foram submetidos os povos
originários do território. Assim,
O canteiro é heterônomo. Sua determinação vem de fora. O objeto a realizar,
o modo de realização, o tempo de realização, são impostos à produção
imediata. Consequência, entre outras, da separação entre meios e força de
trabalho, entre vontade e ação, entre finalidade aparente e a eficaz. (FERRO,
1979, p. 48).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 296
Após a primeira colheita, a mandioca pode ser colocada na água com casca ou descascada, e no
dia seguinte colhe-se mais mandioca que será descascada e ralada. Da mandioca ralada, mistura-
se água e isso faz com que o amido da mandioca decante e se transforme posteriormente em
goma de tapioca. A água, após fermentada, descansada e fervida, transforma-se no tucupi.
Para fazer farinha, mistura-se mandioca puba – ou carimã – mandioca que fermentou após
descansar na água – e mandioca ralada. A mistura é então colocada no tipiti, para ser espremida
até soltar todo o seu líquido e sobrar apenas o resíduo sólido, que será torrado no forno de
pedra.
Para além dos subprodutos extraídos da mandioca e a complexidade e refinamento dos
processos realizados nas casas de farinha, outras as atividades manuais podem ser observadas
também em outros elementos, pois são utilizados no processo instrumentos e utensílios de
palha, como peneiras, o tipiti, instrumento de palha confeccionado para secagem da mandioca
e extração do tucupi (figura 3), sendo um importante exemplo de construção de conhecimento
refinada e intergeracional que não utiliza o desenho para ser transmitido.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 298
As aldeias Wajãpi são formadas por casas e pátios que se ligam pelos caminhos que levam até
os igarapés, roças e florestas. Do ponto de vista paisagístico, o arranjo dos pátios varia de acordo
com os arranjos familiares e relações sociais. Com isso, tanto a variedade de vegetações como
sua disposição espacial refletem o uso e significado a que atribuem as famílias ali residentes. A
matéria prima para a construção de suas casas pode incluir cerca de 20 espécies vegetais
diferentes (quadro 1), em que cada espécie serve a um propósito de acordo com seu
desempenho, disponibilidade e variação de uso.
Do ponto de vista da paisagem, é possível considerar, portanto, que não só a diversidade
ambiental da Amazônia é vasta, mas também os modos com que as diferentes nações indígenas
da região interagem com esta. O modo com que se interage com os elementos da paisagem na
arquitetura não se restringe à catalogação das espécies e como se dá sua justaposição no
ambiente construído, mas a considera-se também seus significados e relevância para a
sociabilidade regional.
Uma iniciativa educacional de valorização dos conhecimentos tradicionais sobre a
biodiversidade e saberes populares no estado do Amapá foi a Escola Bosque do Amapá.
Construída em 1998, a Escola Bosque está no Arquipélago do Bailique, a 180km de barco da
capital do estado do Amapá. A escola atende o ensino básico para as crianças moradoras da
região.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 300
Em uma área suscetível a inundações, a escola foi construída a partir de técnicas largamente
utilizadas na região, com uma arquitetura palafítica, uma vez que o transporte de outros
materiais para a ilha seria um trabalho excessivo. O ambiente escolar foi executado em módulos
de madeira suspensos 1,5m acima do solo, cobertos com palha, conectados entre si por
passarelas de madeira.
A disponibilidade de materiais construtivos tradicionalmente utilizados na construção pelos
moradores da região sinaliza ao fato de que a presença da mata nos seus arredores é um fator
imprescindível à construção e manutenção da estrutura física da escola, pois sua ausência
implica na necessidade de importar materiais e consequentemente alterar a tecnologia
construtiva local.
Figura 21: Módulo de Múltiplos Usos
A Escola Bosque do Bailique buscou promover uma articulação do currículo escolar com as
características construtivas utilizadas, sendo voltado ao desenvolvimento e preservação dos
saberes tradicionais da região, como o manejo de plantas medicinais, carpintaria naval e
tradições orais da região.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 301
foi desenvolvido como um arquétipo dos objetos de estudo que os orienta. Foi
construída com base nos desenhos de variadas culturas indígenas e incorpora os
princípios materiais que puderam ser assimilados pelo trabalho de pesquisa.
Figura 23 - Fachada da sede do Núcleo Tecnoíndia – UFMT
É possível verificar por meio do quadro que para materializar as arquiteturas destacadas
é necessário o conhecimento acerca de todas essas espécies vegetais, suas formas de
cultivo, condições e processos específicos de manejo, onde são mais facilmente
encontradas, sua durabilidade e versatilidade de usos. Dessa forma, analisar as
arquiteturas indígenas e amazônicas na perspectiva do desenho limita
consideravelmente a interpretação sobre estas.
Ademais, a centralidade do desenho nas formas de discutir e produzir arquitetura
negligencia outras formas de produção e transmissão do conhecimento arquitetônico.
4 CONSIDERAÇÕES
Sendo parte significativa da espacialidade amazônica a autoconstrução sem desenho como
parte de tradições construtivas indígenas milenares, o desenho não deve ser a principal
ferramenta de análise e estudo sobre a arquitetura. A presença ou não de desenho não é
demarcador de complexidade da arquitetura, uma vez que esta não se restringe ao ambiente
construído, mas às epistemologias relativas a este. A complexidade da arquitetura reside na rede
de relações e percursos que a constituem para além de sua formalidade.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 305
RESUMO
O presente trabalho surge da busca por saídas para o desmonte do ensino público universitário —
emergência social que perpassa e acentua os efeitos devastadores da pandemia de Covid-19 para o
ensino. Iniciamos com a história do ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil para compreender as
origens da disciplina no país. A partir daí, passamos a uma revisão bibliográfica da situação que se
perpetua a partir dos anos 1990, momento em que políticas neoliberais passam a ser adotadas no Brasil.
Tal contexto impulsiona a privatização do ensino universitário, a proliferação de cursos à distância (EaD) e
o empresariamento do ensino, caracterizado pela formação de conglomerados ligados ao mundo das
finanças, que resultam na precarização do ensino e da profissão da docência universitária. A partir da
crítica ao contexto neoliberal e suas consequências para o direito constitucional à educação pública,
denominamos insurgência a atitude necessária de descolonização do saber, um mote para emergir da
situação atual de ameaça à democracia e ao ensino público universitário. Ao final, utilizamo-nos de revisão
bibliográfica da teoria crítica decolonial para indicar o movimento de decolonialidade do saber como um
caminho possível para a elaboração de propostas insurgentes para a docência pública de Arquitetura e
Urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Universitária, Ensino de Arquitetura e Urbanismo, Insurgências.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito de uma disciplina de Pós-graduação1
voltada à capacitação de alunos na Etapa de Preparação Pedagógica (EPP) para o
Programa de Aperfeiçoamento em Ensino (PAE) no Instituto de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (IAU USP). Durante o curso fomos instigados a discutir e
produzir reflexões sobre os desafios metodológicos que a pandemia e outras
emergências representavam para o ensino superior em Arquitetura e Urbanismo. Nesse
contexto, foi proposto o desenvolvimento de artigos com temas que girassem em torno
do termo emergências, podendo-se considerar uma dimensão ampla da palavra,
abrangendo outras questões além daquelas ligadas à pandemia de COVID-19.
1
Disciplina de Procedimentos e Métodos de Ensino em Arquitetura e Urbanismo, ministrada pelos docentes Dr. David
Sperling e Dr. Manoel Rodrigues Alves no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (PPGAU-IAU USP).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 307
De início nos interessamos pela ideia de insurgências, uma consequência (ou demanda)
possível em tempos de emergência. Durante o desenho da pesquisa o grupo elaborou
um duplo questionamento: diante do atual processo de dissolução do caráter
democrático e inclusivo da universidade pública, que perspectiva crítica pode subsidiar
fissuras à crescente consolidação de uma educação de mercado? E o que torna o ensino
em arquitetura e urbanismo parte deste processo?
A metodologia de investigação para o artigo utilizou-se de pesquisa bibliográfica para
alcançar seus objetivos, iniciada pelo exercício de criar um glossário de palavras-chave,
que desencadeou o percurso de aportes teóricos do estudo. Para pensar em
insurgências no ensino de arquitetura e urbanismo, primeiramente, nos voltamos à
história da formação do ensino de arquitetura no Brasil, que se deu em períodos
governamentais não democráticos. Tal investigação poderia evidenciar experiências
insurgentes na origem dos cursos de arquitetura do país. A partir daí, saltamos para a
contemporaneidade, em que se observa a generalização do padrão de desenvolvimento
econômico neoliberal, ancorado em ideais produtivistas, gerenciais e privatizantes
intensificados no sul global a partir dos anos 1990 (Paulani, 2008). Esse contexto foi
considerado como uma das latentes emergências que ameaçam o ensino
universitário — e principalmente no ensino público —, do país. Uma vez que estas
ameaças podem desestabilizar a natureza democrática e inclusiva de um direito social,
como o direito à educação pública.
Após a contextualização das emergências políticas entrelaçadas às insurgências no
ensino público, passamos à ideia de insurgir para descolonizar, discussão estruturada
em um plano conceitual, onde cabe usar o imaginário na busca de saídas de emergência.
Nesse momento, circunscrevemos o que se entende por insurgência e o porquê de
vincular essa ação à necessidade de descolonização do saber. Além disso, houve o
esforço de mencionar experiências internacionais consonantes a partir do cotejamento
de “pedagogias radicais” ocorridas no sul global no período pós-guerras do séc. XX
(Colomina, 2013). Propomos a realização de um movimento multi-escalar e multi-
situado para pensar em experiências insurgentes que ocorreram para responder a
emergências em tempos difíceis. Pensamos que, ao olhar para os desafios do passado e
para algumas respostas que surgiram nesses contextos, podemos ampliar o arcabouço
histórico e teórico que possa fundamentar estratégias de enfrentamento dos desafios
de agora, e dos que se anunciam, na educação universitária do Brasil.
2
O Decreto nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933, regulamentou as profissões de engenheiro, arquiteto e
agrimensor.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 308
extremamente baixa3. Uma das explicações para tal fato era a notória vinculação da
grade curricular dos cursos de Arquitetura a uma base de Engenharia ou Belas-Artes, o
que também apontava para o nicho elitista dos ingressantes.
3
A autora cita o ano de 1940 como exemplo. Foi o ano em que a escola Politécnica de São Paulo obteve o maior
número de inscritos no curso desde 1932, e continha apenas 7 alunos (Costa, 2008).
4
Para Artigas o decreto de 1933 apenas ajudou a intensificar a confusão entre os papéis exercidos pelos arquitetos
e engenheiros (Santos Neto, 2019).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 309
REFORMAS CURRICULARES
Em 28 de novembro de 1968 é sancionada uma Reforma Universitária (Lei nº 5540/68),
que tornou o modelo norte-americano de ensino daquela época, pautado
essencialmente na promoção da pesquisa acadêmica, como principal referência, mas
que não viu a curto prazo mudanças significativas. Neste período houve também a
criação de diversas faculdades privadas, impulsionadas pela necessidade de promover
uma imagem de modernização do Estado, articulado pelo governo militar. Houveram
grandes exemplos pedagógicos alternativos à visão hegemônica da época, como por
exemplo a criação das Faculdades de Arquitetura de Santos, São José dos Campos,
Guarulhos, Campinas, Taubaté e Mogi das Cruzes, no estado de São Paulo.
5
Termo contemporâneo de contraposição ao hegemonismo, a respeito do qual Williams (2007) se detém no trecho
destacado abaixo:
Esta palavra ganhou importância em uma forma do marxismo do século XX,
especialmente a partir da obra de Antonio Gramsci [...]. Em seu uso mais simples,
estende a noção de predomínio político das relações entre os Estados para as relações
entre as classes sociais, como em hegemonia burguesa. Mas o caráter desse predomínio
pode ser considerado de modo que produza um sentido ampliado, semelhante em
muitos aspectos a usos anteriores de hegemônico em inglês. Isso equivale a dizer que
o termo não se limita a questões de controle político direto, mas busca descrever um
predomínio mais geral que inclui, como uma de suas características centrais, um modo
particular de ver o mundo, a natureza humana e as suas relações.
(Williams, 2007, p. 199-200).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 310
Contudo, vale a pena ressaltar, que o sistema educacional superior brasileiro, apresenta
muitas falhas, como é o caso do aperfeiçoamento técnico x teórico, que muitas vezes
não é discutido ou apresentado como uma fragilidade, dando-se maior ênfase a
formação stricto sensu em detrimento do aprimoramento da docência.
brasileiras não se omitiram do compromisso de lutar por uma sociedade mais justa,
solidária e democrática. Neste sentido, enquanto agente de promoção e difusão da
educação como direito social, as instituições de ensino superior são perpassadas pela
interação com comunidades, movimentos sociais, práticas coletivas e atividades outras
alinhadas à perspectiva de transformação de estruturas hegemônicas. Porém, a partir
da década de 1980, com o declínio do Estado de Bem-Estar Social em países do Norte
global, é dada a prioridade à mercantilização da vida coletiva, e os princípios de
regulação da sociedade moderna (o Estado, o mercado e a comunidade) passam a ser
afetados pela onda global de privatização dos bens públicos (Sousa Santos, 2021; Chauí,
1999).
A mudança do modelo de acumulação do capital, vivida a partir dos anos 1980 em quase
todo o ocidente, transcorreu no Brasil por meio da reforma do Estado. Esse processo
redefiniu a relação entre o governo e o setor da educação, que passou a ser
compreendida como uma prestação de serviço que pôde ser realizada por instituições
não estatais, também denominadas “organizações sociais” (Chauí, 1999). Tais
instituições representam a criação de um codinome para a entrada de lógicas
capitalistas que convertem direitos sociais em privilégio, encolhendo o princípio
democrático constitucional promulgado em 1988. No âmbito das universidades
públicas, Boaventura de Souza Santos complementa:
[...] Isto sucedeu tanto nos serviços públicos, como nos serviços de
solidariedade social. Foi assim que as universidades públicas foram sujeitas à
lógica do capitalismo universitário com rankings internacionais, a
proletarização produtivista dos professores e a conversão de estudantes em
consumidores de serviços universitários.
[...] Em quase todos os países assistimos a mesma transição epocal: da
regulação estatal da economia para a regulação econômica do Estado.
(Sousa Santos, 2021, p.143).
6
Significado extraído do dicionário virtual Dicio. Disponível em: https://www.dicio.com.br/insurgir/. (Acessado em:
10. fev 2022).
7
Oprimidos e opressores são os pólos opostos das relações sociais de antagonismo. Fundamentalmente, oprimidos
e opressores são classes sociais antagônicas e em luta. No entanto, é possível que se instaurem relações de opressão
entre os próprios oprimidos. Enquanto seres envoltos em relação de dominação, tanto oprimidos quanto opressores
têm sua vocação ontológica negada pela realidade histórica de opressão que funda suas existências. (Streck et al.,
2015, p. 515).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 314
Assim, o Brasil e o seu povo são parte desta narrativa mundial de dominação. Uma vez
que estiveram sob regência dos portugueses e sua invenção surge da confluência, do
choque e do caldeamento do invasor português com os índios silvícolas e campineiros,
e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos (Ribeiro, 2015). Isto é, este
contexto histórico estabeleceu que, na contemporaneidade os brasileiros são
integrantes do denominado Sul Global. Um território invadido há pouco mais de cinco
séculos, oriundo de um processo colonial que se fez a partir do epistemicídio ao
conhecimento dos oprimidos.
Em Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1982), Paulo Freire afirma que os
oprimidos precisam expulsar os opressores não apenas enquanto presenças físicas, mas
também enquanto sombras míticas, introjetadas neles. Refere-se a uma dominação
intersubjetiva, de caráter identitário, pois o controle ocidental moderno se estabeleceu
nos últimos 500 anos de forma racista. Uma concepção fortemente atrelada a ideia de
Norte e Sul globais, um quadro geral de hierarquização geopolítica que, apesar de
muitas das localidades do Sul global estarem localizadas no hemisfério Sul, países do
hemisfério Norte também tem seu “Sul”, assim como países do Sul também têm seu
Norte, como fica evidente nas formas de colonização internacional e interna (Silva,
2015).
Neste sentido, insurgir abre fissuras. Seu potencial é elevado incorporando a esta
atitude o escopo decolonial. Buscar por epistemes mais emancipadoras é estabelecer
um contraponto, trata-se do objetivo do giro decolonial: questionar os discursos e
práticas que naturalizam o eurocentrismo como um padrão civilizatório e de progresso.
O contraponto são saberes outros, rudimentares, primitivos, subdesenvolvidos
(Quijano, 2005). Pensar a “geopolítica do conhecimento”, nas palavras de Mignolo
(2002) significa sobretudo questionar os conhecimentos ditos científicos. Neste sentido,
Moassab e Name apontam:
[...] o porto-riquenho Ramón Grosfoguel (2016) se pergunta como é possível
que o cânone do pensamento em todas as disciplinas das ciências sociais e
humanidades nas universidades ocidentalizadas se baseie no conhecimento
produzido por uns poucos homens de cinco países liberais industriais da
Europa Ocidental: Itália, França, Inglaterra, Alemanha e os Estados Unidos, ou
seja, em um quadro, na verdade, tão restrito (Moassab; Name, 2020, p.13).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 315
O ensino de Arquitetura e Urbanismo ocorre nas cinco regiões do país, com cerca de 500
cursos implementados, em distribuição desigual e na maioria dos casos dirigidos por
projetos políticos pedagógicos pouco sensíveis às regionalidades (Cunha; Moassab,
2020). No entanto, experiências insurgentes ou/e contra-hegemônicas, neste campo,
criam pontos de resistência às tentativas de afastamento das demandas sociais. Pois não
se tratam apenas de denúncias sobre a estrutura de dominação e opressão que
permanecem, mas de perspectivas para o rompimento com as mesmas. Pois as práticas
que conduzem a uma visão sem alternativas ao neoliberalismo precisam se manter
indetectáveis e operantes a medida do possível, na ausência da perspectiva crítica no
debate da área.
8
Desenvolvido pela arquiteta e professora Beatriz Colomina, (Que culminou num processo de pesquisa colaborativa
com os alunos de doutorado da Princeton University School of Architecture), o projeto explora e mapeia uma série
de experimentos pedagógicos, desenvolvidos na segunda metade do século XX, que desempenharam um papel
notório na formação do discurso e da prática arquitetônica daquele período, e que de certa forma ressoam até hoje,
no campo exploratório das relações pedagógicas e comportamentais. Disponível em: http://radical-pedagogies.com.
Acesso em: 06 ago 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 316
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inegavelmente mais complexa que uma situação adversa ou passageira, a circunstância
pandêmica atual instaurou-se como uma cruel catástrofe e um ponto de recomeço.
Abre-se para uma oportunidade de reimaginar o futuro e, portanto, mais um horizonte
de disputa é lançado. Desde então estamos sob novas regras, por exemplo, de
distanciamento socioespacial, o que de cara já afeta praticamente todas as áreas da
vida. Com os espaços físicos substituídos por ambientes virtuais, a troca de olhares e
acenos despretensiosos nos corredores das universidades não é mais rotina. Mas sem
dúvida a sala de aula, enquanto ambiente de aprendizagem, é um o lugar mais
prejudicado.
Neste contexto, a aceleração da adoção do ensino remoto é apenas a ponta do iceberg
dentro do cenário de avanços das frentes hegemônicas de cooptação e consolidação da
globalização neoliberal, discutida anteriormente. E portanto, insurgir é emergencial.
Torna-se irremediável a discussão sobre as transformações no ensino público
universitário e, principalmente, sua retomada como privilégio. As experiências das
“pedagogias radicais” abordadas neste artigo, reiteram a força dos movimentos sociais
dentro das universidades e a luta histórica por mudanças nas bases do ensino de
arquitetura.
Ainda no âmbito do ensino superior em Arquitetura e Urbanismo, propor insurgências
pedagógicas implica enfrentar a segmentação característica da colonialidade do poder,
reforçada pela estrutura curricular que fundou os cursos de arquitetura no Brasil,
conforme narrado nas partes dois e quatro do presente artigo. Cabe aqui citar uma
experiência vigente e cara a esta discussão, mas que não foi possível explanar nesta
pesquisa, o caso do projeto político-pedagógico do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA). Um importante registro da
possibilidade de se conceber e reconstruir práticas de ensino.
Uma das questões relacionadas a matriz curricular na maioria dos cursos, é referente a
interação restrita entre os conteúdos críticos das disciplinas ligadas às ciências sociais e
humanidades (de bases empíricas) — como urbanismo, habitação social e fundamento
sociais da arquitetura e do urbanismo — com as disciplinas relacionadas à tectônica e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 317
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer aos docentes Dr. David Sperling e Dr. Manoel Rodrigues
Alves, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (PPGAU-USP), que
proporcionaram a discussão e acolheram o debate.
Também queremos agradecer os colegas de grupo, Flávio Rafaelli Fonseca, Maiara
Oliveira Silva de Aguiar e Ana Bárbara Machado Rodrigues, que contribuíram para o
desenvolvimento deste trabalho. Isso porque, de modo a atender ao formato proposto
pelo congresso e respeitar o limite de três autores, desmembramos o artigo
desenvolvido para a disciplina, dividindo em dois artigos de três autores.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 320
COMUNICAÇÕES
PAINEL 5
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 321
RESUMO
Este artigo relata uma experiência didática realizada em disciplina de Representação Gráfica Digital de
curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo no contexto de transição para o ensino remoto
emergencial, o qual tem reforçado a necessidade de um processo de aprendizagem mais ativo, instigante,
flexível e auto- responsável. A experiência didática explorou estratégias de aprendizagem ativa no
exercício de reconstrução virtual em plataforma BIM de projeto arquitetônico exemplar. As principais
estratégias adotadas foram o uso de material didático em formato de vídeo e a maior liberdade de escolha
do projeto selecionado para estudo. A partir da percepção docente e discente e da comparação entre
turmas, a experiência demonstrou que os vídeos aumentaram a autonomia dos alunos ao facilitar a
visualização das demonstrações e flexibilizar o ritmo de aprendizagem. Já a liberdade de escolha
enriqueceu o processo de aprendizagem ao expor os alunos a uma maior diversidade de exemplos,
estimular a pesquisa, e promover a adaptação criativa de princípios e ferramentas a diferentes contextos.
Esta segunda estratégia se mostrou mais fundamental para alcançar uma aprendizagem ativa, pois sem
ela os alunos ainda poderiam meramente repetir de maneira mecânica os passos apresentados nos vídeos.
PALAVRAS-CHAVE: Metodologias Ativas de Aprendizagem, Representação gráfica, BIM, Arquitetura.
1 INTRODUÇÃO
O estudo de projetos arquitetônicos exemplares é amplamente adotado no processo de
ensino-aprendizagem de arquitetura para desenvolvimento de repertório projetual e de
pensamento arquitetônico pautado em referências, princípios e critérios sólidos. Este
estudo também é relevante para estimular uma atitude investigativa em sala de aula. É
necessário esforço para conhecer precedentes arquitetônicos de excelência que sejam
pertinentes aos objetivos específicos do estudo, pois estes precedentes costumam ser
escassos no contexto imediato. Ainda é necessário formular hipóteses plausíveis e
interpretações significativas diante da frequente inconsistência e incompletude dos
desenhos publicados, e da impossibilidade de se recompor totalmente o percurso
original do arquiteto—sua subjetividade, pensamento, circunstâncias e condicionantes
(OLIVEIRA, 2016).
Um método usual no estudo aprofundado de precedentes é a “reconstrução virtual” do
edifício em 3D e o “redesenho” de sua documentação em 2D. Simulando o ato de
“reprojetar”, este método facilita a percepção do ponto de vista do arquiteto que
concebeu o edifício. Este método também se caracteriza pela síntese dos dados
levantados e conhecimentos adquiridos em linguagem própria da arquitetura,
facilitando a sua visualização e contribuindo para o aprimoramento das habilidades de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 322
2 FUNDAMENTAÇÃO
O processo de atualização do ensino de arquitetura por meio da incorporação do BIM e
das metodologias ativas de aprendizagem tem demandado um esforço considerável de
convencimento, formação e adaptação. Os relatos apresentados no Encontro Nacional
de Ensino de BIM (ENEBIM) desde 2018 reforçam o caráter lento e gradual deste
processo ao demonstrarem que o ensino de BIM em cursos de arquitetura no Brasil
ainda é pouco voltado à formação de competências por meio de estratégias de
aprendizagem ativa, embora o contexto de ensino remoto imposto pela pandemia tenha
tornado a adoção destas estratégias ainda mais urgente (CHECCUCCI; RUSCHEL; LIMA,
2020). Em geral a introdução ao BIM tem ocorrido em disciplinas de representação
gráfica digital por meio de um processo de ensino-aprendizagem baseado na
transmissão de conteúdos técnicos, e na reprodução de desenhos e passos pré-definidos
pelos professores. Tarefas deste tipo podem ser realizadas de maneira mecânica pelo
aluno, e assim passar uma falsa impressão de aprendizagem, apenas revelada quando o
aluno tenta aplicar o que aprendeu em outro contexto (TAMASHIRO, 2010, p. 91). Esta
abordagem passiva também deixa o aluno mais dependente da explicação do professor,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 323
Impactos Ambientais
(MELLO et al., 2018) Colaboração e resolução de problemas.
Urbanos
3 METODOLOGIA
O exercício de reconstrução virtual e redesenho de projeto arquitetônico exemplar em
plataforma BIM apresentado no presente relato vem sendo desenvolvido pela autora—
juntamente com demais professores responsáveis, monitores e estagiários docentes—
na disciplina de Representação Gráfica II (RG2). Esta disciplina de seis créditos é ofertada
no terceiro semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul a aproximadamente 45 alunos divididos em quatro turmas. Desde
2017, este exercício tem introduzido os alunos do curso ao BIM, por meio da plataforma
Archicad Educacional, para estudo de projetos exemplares e desenvolvimento de
representações variadas, como modelos virtuais, diagramas, vistas ortográficas,
detalhes construtivos, perspectivas e animações. Em 2021, os alunos passaram a ser
introduzidos ao BIM na disciplina precedente de representação gráfica por meio de um
exercício similar, porém mais curto e básico, que proporcionou aos alunos uma melhor
preparação para o exercício mais completo e longo proposto em RG2. O presente relato
enfoca a fase mais recente e madura de desenvolvimento deste exercício ocorrida entre
2019 e 2021, sendo que em 2019 a disciplina foi ministrada em modo presencial, e em
2020 e 2021 em modo remoto devido ao contexto de pandemia. Os desenhos abaixo,
desenvolvidos por uma aluna da disciplina e selecionados por sua excelência,
exemplificam alguns dos resultados alcançados durante o exercício (Figura 1).
Figura 1 - Corte perspectivado e perspectiva explodida desenvolvidos por aluna da disciplina
2019/2
No segundo semestre de 2019, a disciplina de RG2 adotou o método tradicional de
ensino de representação gráfica digital baseado em aula expositiva com retroprojetor
em laboratório de informática. Para um maior controle do processo e de seus
resultados, facilitar o exercício, e otimizar o tempo de execução, o projeto arquitetônico
exemplar estudado foi pré-selecionado pelos professores e os passos necessários para
a execução do exercício em plataforma BIM foram apresentados em aula.
O questionário apresentado durante o exercício teve a participação de 20 alunos. Dentre
os aspectos da experiência didática considerados mais positivos, os alunos destacaram
a solicitude dos professores (8 menções), e a organização do cronograma e dos horários
(6 menções). Ainda foram mencionados como aspectos positivos o formato digital da
entrega, o assessoramento e monitoria, a colaboração entre colegas, os novos
aprendizados relevantes, e o hábito de revisão das aulas anteriores (1 menção para cada
item). Dentre os aspectos negativos, os alunos destacaram a falta de assessoria e
monitoria para atendimento de dúvidas em sala de aula (11 menções), falta de tempo
em sala de aula para a elaboração do exercício (6 menções), o ritmo acelerado das
explicações (5 menções), inconsistências na documentação do projeto selecionado para
estudo (5 menções); deficiências na explicação (4 menções); dificuldades de visualização
e escuta das aulas (3 menções); aulas excessivamente passivas, cansativas e propícias à
distração (3 menções); insatisfação com o projeto selecionado (2 menções); e falta de
material didático de apoio à aprendizagem de plataforma BIM (2 menções).
A experiência da docente-pesquisadora em sala de aula confirmou os problemas
identificados pelos alunos no questionário. Era difícil para eles conciliar atenção à
demonstração do uso da plataforma BIM e aplicação no computador. Imprevistos
durante a aplicação faziam com que os alunos perdessem uma etapa da demonstração
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 326
2020/1
No primeiro semestre de 2020, os alunos passaram a ter mais autonomia para escolher
o projeto exemplar de estudo, a fim de garantir um exercício mais significativo e
motivante; estimular o senso de corresponsabilidade pela aprendizagem; e promover a
metacognição e a criatividade na medida em que cada aluno teria que pesquisar a
documentação e as características do projeto escolhido e adaptar as ferramentas,
métodos, processos, e princípios de representação apresentados às singularidades do
seu projeto. A escolha do projeto deveria se basear nos seguintes critérios:
exemplaridade (ter qualidade reconhecida); viabilidade (conter informações acessíveis
e suficientes para a realização do exercício); singularidade (não ter sido escolhido por
outro aluno, inclusive de semestres anteriores); e complexidade baixa (edificação de
pequeno porte com dois andares). Atendendo a estes critérios, a maioria dos alunos
selecionou projetos residenciais construídos no Brasil entre 2010 e 2020 a partir de
pesquisa no site ArchDaily.
No primeiro semestre de 2020, também foi disponibilizado online material didático em
formato de vídeo, permitindo aos alunos visualizar a demonstração da plataforma BIM
com maior nitidez; e pausar e retomar a explicação no seu próprio ritmo, de acordo com
as suas necessidades. Os vídeos foram especialmente elaborados para a disciplina pela
docente-pesquisadora com o aplicativo gratuito Open Broadcaster Software (OBS
Studio), utilizando o recurso de gravação de tela e microfone. Optou-se por vídeos
curtos, claros e objetivos para facilitar a localização dos tópicos de interesse, e a pausa
necessária para aplicação e assimilação dos recursos apresentados. Uma playlist
contendo 110 vídeos de aproximadamente 4 minutos e meio cada foi publicada na
plataforma Youtube a fim de torna-la acessível além do âmbito da instituição de ensino
(COLOMBO, 2020). Os alunos foram orientados a assistir aos vídeos e praticar os seus
conteúdos fora do horário de aula. A aula era reservada para a fundamentação teórica,
assessoramento, esclarecimento de dúvidas e acompanhamento do processo de
aprendizagem.
O questionário apresentado durante o exercício teve a participação de 22 alunos. Na
questão de múltipla escolha sobre os materiais didáticos da disciplina 40.9% dos
respondentes considerou ótimo, 31.8% considerou bom, e 27.3% considerou regular.
Na questão sobre o meio de preferência para aprendizagem de ferramentas
computacionais, 72.7% dos respondentes preferiu vídeos gravados, 22.7% preferiu aulas
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 327
síncronas, e 4.5% não tinha preferência. No campo aberto para comentários, os alunos
destacaram como aspectos mais positivos da experiência didática: o uso de videoaulas
(12 menções), e o uso de reconstrução virtual como método de aprendizagem (2
menções). Ainda foram mencionados como aspectos positivos a liberdade de escolha
do projeto de estudo, os novos aprendizados relevantes e a solicitude dos professores
(1 menção para cada item). Dentre os aspectos apontados como negativos, destacaram-
se a sobrecarga de trabalho extraclasse (6 menções), deficiências nas explicações (4
menções), falta de plantão de monitoria fora do horário de aula (2 menções) e aulas
cansativas (1 menção).
O questionário apresentado no final do exercício teve a participação de nove alunos. As
respostas reforçaram os resultados gerais do questionário anterior, com exceção da
resposta de um aluno que relatou dificuldades para aprender ferramentas BIM por meio
de vídeos. Além da necessidade de constante aperfeiçoamento, esta resposta reforça o
entendimento de que cada aluno pode ter um tempo diferente de adaptação a novos
métodos e ferramentas; e de que um único tipo de material didático ou método de
aprendizagem raramente é capaz de atender às singularidades de todos os alunos
(SENSKE, 2017; TULLIO, 2017; Conf. FERREIRA et al., 2018).
O entusiasmo com o qual os alunos em geral receberam a introdução de vídeos refletiu
em parte o caráter de novidade que este tipo de material didático tinha na ocasião; bem
como a sua capacidade de facilitar a aprendizagem de ferramentas computacionais e o
acesso ao conteúdo das aulas. A introdução de vídeos contribuiu para superar os
seguintes problemas apontados pelos alunos no semestre anterior: falta de assessoria e
monitoria em aula; ritmo acelerado das explicações, dificuldade de escuta e
visualização, e falta de material didático. Já a introdução da oportunidade de escolha do
projeto contribuiu para superar a insatisfação com o projeto selecionado para estudo e
com a documentação fornecida; e para diminuir a percepção das aulas como sendo
passivas e cansativas. Esta estratégia também contribuiu para que os alunos
desenvolvessem uma postura mais proativa e autônoma, o que se refletiu, por exemplo,
no maior destaque dado por eles aos materiais e métodos de aprendizagem do que à
solicitude dos professores.
2020/2
Considerando estes resultados gerais positivos, as estratégias de aprendizagem ativa
implementadas no primeiro semestre de 2020 foram continuadas no segundo semestre
com alguns aperfeiçoamentos, como a introdução do plantão de monitoria fora do
horário de aula; do assessoramento em grupos menores (Breakout Rooms) onde os
alunos se sentiam mais à vontade para interagir, e da possibilidade de trabalho em dupla
na primeira etapa do exercício. Para reduzir a carga de trabalho extraclasse, os itens de
entrega foram revisados; o fluxo de trabalho foi fragmentado em etapas menores e mais
factíveis; e um template com configurações de leiaute, canetas, vegetais, cotas,
símbolos, rótulos, tramas e sobreposições gráficas foi elaborado e disponibilizado aos
alunos. Para acentuar o foco na aprendizagem, optou-se por omitir a nota de cada etapa
(avaliação somativa) e manter apenas os comentários, anotações e sugestões de
melhorias (avaliação formativa), os quais deveriam ser incorporados à entrega final.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 328
2021/1
No primeiro semestre de 2021, as estratégias de aprendizagem ativa foram continuadas
com novos aperfeiçoamentos. O template foi atualizado, a quantidade de entregas
intermediárias foi reduzida, as atividades foram melhor distribuídas durante o semestre,
e a necessidade de se selecionar projetos de baixa complexidade foi esclarecida. Além
disso, foi expandida a possibilidade de trabalho em dupla para outras etapas da
disciplina e aperfeiçoado o uso das ferramentas de colaboração BIM. Por fim, o
conteúdo dos vídeos passou a ser introduzido de maneira sucinta nas aulas síncronas,
diminuindo o tempo necessário para visualização e compreensão dos vídeos fora do
horário de aula; e permitindo aos professores atualizar e aperfeiçoar os conteúdos
abordados em vídeo apenas disponibilizando a gravação da aula síncrona, sem a
necessidade de produzir e editar novos vídeos fora do horário de aula.
O questionário apresentado durante o exercício teve a participação de sete alunos. As
respostas em geral se assemelharam àquelas do semestre anterior. Seis alunos (86%)
preferiram o exercício baseado em projeto selecionado pelo próprio aluno, enquanto
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 330
5 CONCLUSÃO
A partir da experiência de ensino relatada, constatou-se que o uso de material didático
em formato de vídeo e a ampliação da liberdade de escolha dos alunos contribuíram
significativamente para promover um processo de aprendizagem mais ativo. Os vídeos
aumentaram a autonomia dos alunos ao flexibilizar o ritmo de aprendizagem e ao
facilitar a visualização das demonstrações e explicações de maneira especialmente
relevante para a aprendizagem de ferramentas computacionais que envolvem muitas
etapas e configurações. Embora a produção de material didático em formato de vídeo
para visualização pelos alunos fora do horário de aula tenha tido resultados positivos, a
experiência relatada apontou que o uso de vídeos gravados durante as aulas síncronas
pode ser mais vantajoso por otimizar o tempo investido pelos professores na elaboração
dos vídeos, facilitar a atualização dos conteúdos abordados, permitir aulas mais
interativas, e diminuir o tempo dedicado pelos alunos à visualização de vídeos fora do
horário de aula. Apesar de suas importantes contribuições, o uso de vídeos não eliminou
a necessidade de assessoramento personalizado e acompanhamento da aplicação
prática dos conteúdos apresentados. Além disso, o uso de vídeos por si só se mostrou
insuficiente para garantir uma aprendizagem ativa, pois os alunos ainda poderiam
meramente repetir de maneira mecânica os passos apresentados nos vídeos. Para
alcançar uma aprendizagem ativa, ainda seriam necessárias estratégias como a
liberdade de escolha. Na experiência relatada, a oportunidade de escolha recaiu sobre
o projeto exemplar estudado. Esta estratégia mais aberta a imprevistos e desafios tende
a diminuir o controle dos professores sobre o processo de aprendizagem e seus
resultados, e a demandar mais tempo dos alunos para a elaboração do exercício em
comparação com a estratégia de seleção pelos professores de um único projeto para
todos os alunos. Entretanto, para os professores e para a maioria dos alunos, estas
dificuldades se mostraram menores diante do enriquecimento do processo de
aprendizagem derivado da exposição a uma maior diversidade de exemplos e situações
de projeto e representação; do estímulo à pesquisa sobre o projeto escolhido; da
intensificação do senso de responsabilidade, do maior foco no processo de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 331
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos alunos, monitores, estagiários docentes e professores que participaram
da experiência didática relatada neste trabalho por suas valiosas contribuições.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 334
RESUMO
O presente artigo trata-se de um estudo de caso que aborda o uso do software Revit, considerado
ferramenta de Building Information Modeling - BIM, como facilitador no ensino remoto da fase inicial de
análises locais de projeto de arquitetura. A experiência acontece dentro da disciplina de ateliê de projeto
de arquitetura de um curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo em Macapá-AP. A presente
pesquisa, através do software Revit 2019, simulou os estudos do terreno através de sua modelagem: em
suas formas e dimensões; em sua orientação quanto ao sol; acessos; legislação pertinente (gabarito e
afastamentos); e relações com o entorno através da inserção de base de imagem de satélite do software
Google Earth. Estes estudos foram expostos e discutidos em aula remota, regular com alunos do 4º termo
do curso de arquitetura e urbanismo, no segundo semestre de 2021, através do software Microsoft Teams.
1 INTRODUÇÃO
O ensino de Arquitetura e Urbanismo tem sofrido mudanças significativas no país. Desde
o início da pandemia da COVID-19, no primeiro semestre de 2020, temos assistido
cursos de arquitetura e urbanismo se tornarem adeptos de modelos de educação a
distância, o ensino remoto, on-line, síncrono ou assíncrono. As condições de ensino se
tornaram desafiadoras, em especial, para disciplinas com maiores cargas horárias
práticas, como o caso de disciplinas de prática projetual de arquitetura e urbanismo, os
ateliês de projeto de arquitetura.
No Brasil, o ensino superior enfrentou, e ainda enfrenta, o contexto do distanciamento
social e espacial, logo, a ausência do convívio da sala de aula e demais espaços de ensino
onde se permite a troca e experimentação in loco. Experiências estas comuns no ensino
de Arquitetura e Urbanismo. Em consequência, gerou-se impactos signativos na vida de
docentes e discentes.
Surge ainda outro conflito relacionado a práticas indissociáveis à formação de arquitetos
e urbanistas, estas são ligadas a vivência dos espaços urbanos e da cidade. Prática
impossibilitada dentro do contexto da pandemia da COVID-19. A experimentação do
espaço urbano norteia as soluções tomadas pelo arquiteto e urbanista. A compreensão
de sítios, terrenos, lugares torna o processo de se pensar arquitetura fluído e
contundente. Como reflexo, emerge o questionamento relativo a como garantir um
ensino de qualidade das materialidades inerentes a Arquitetura e Urbanismo frente ao
cenário pandêmico?
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 335
Dentro do universo do Building Information Modeling –BIM, com tradução literal para
Modelagem da Informação da Construção, entende-se o BIM como uma plataforma da
tecnologia da informação aplicada à construção civil, plataforma esta composta por
ferramentas inerentes (softwares). Este estudo de caso aborda o uso do software BIM
Revit como facilitador no ensino remoto da fase inicial de análises locais de projeto de
arquitetura, na disciplina de Atelier de Projeto de Arquitetura Residencial de Alta
Complexidade do curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Macapá, em Macapá-AP.
Para Batistello et al. (2019, p.13) “as ferramentas BIM ainda estão em processo de
pesquisa e desenvolvimento, no que diz respeito às áreas e conteúdos complementares
em relação ao processo de projeto arquitetônico”. Mas acredita-se que é possível
percorrer caminhos para a inovação de produtos e processos no ensino de disciplinas
relacionadas a construção civil, em particular com a ajuda das novas tecnologias digitais
como o BIM.
A orientação solar foi possível ser demostrada a partir das ferramentas de Localização
do Projeto e Configuração do sol do software Revit Architecture 2019. Onde foi possível
a inserção dos dados de localização geográfica do sítio e norte verdadeiro, e pode-se
obter simulações do caminho aparente do sol em determinados períodos do ano (Figura
3). O estudo da influência que o sol poderá exercer sobre edifício que será projetado é
necessário pois pode orientar o projetista à obter o melhor proveito das condições
naturais de conforto ambiental (NEVES, 1998). O software Revit permite através de
recursos ordinários e também componentes complementares a criação de diagramas
solares.
Figura 3 – Captura de imagem da aula do dia 11/10/21 de Atelier de Arquitetura Residencial de
Alta Complexidade – Caminho do sol
4 CONCLUSÃO
O uso de ferramentas BIM representa alternativas condizentes com o ensino remoto.
Uma vez digitais, podem ser utilizadas de forma positiva nas fases iniciais de ensino de
atelier de projeto de arquitetura, bem como nas fases seguintes. Ressalta-se que o
potencial de simulação de tridimensional de projetos agrega ao ensino, facilitando o
entendimento de aspectos do mundo real de forma clara por estudantes.
O software Revit Architecture 2019 possibilitou a simulação dos estudos do terreno
através de modelagem que focou nas características: de forma e dimensões; orientação
solar; acessos; aspectos legais; e relações da vizinhança através da inserção de imagem
de satélite obtida através do software Google Earth. Os estudos apresentados puderam
gerar familiarização e mesmo apropiação das análises do local por parte dos
acadêmicos.
A integração do software com base cartográfica e condições geográficas tornam o
processo ainda mais interessante. Sabe-se que é existem base de imagens de satélite
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 343
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APÊNDICE 1
Gravação da aula da disciplina de Atelier de Projeto de Arquitetura Residencial de Alta
Complexidade do curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Macapá, no dia 11 de outubro de 2021, através de videoconferência pelo software
Microsoft Teams.
Duração: 01:19:27
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7iBm_-eOdOU
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 344
RESUMO
Neste artigo será relatado a experiência de ensino de Ateliê de Projeto Integrado - Urbanismo no curso de
Arquitetura e Urbanismo no formato remoto com a mediação dos recursos TDIC, ministrado online, a fim
de possibilitar a construção de uma nova relação de troca, professor-aluno, no qual o aluno é o sujeito no
processo em relação aos conteúdos, de forma a interagir na construção do conhecimento. Seu objetivo
principal é o desenvolvimento da prática projetual na escala urbana abrangendo o conhecimento de
diferentes teorias urbanas e a reflexão dessa prática de projeto sobre o contexto urbano com o tema:
Loteamento em vazio urbano no setor Oeste de Uberlândia/MG com interdisciplinaridade vertical. Foram
estabelecidos os meios, conceitos, metodologias e ferramentas em três etapas: caracterização e análise
urbana da área para intervenção e leitura de textos, Estudo Preliminar e Anteprojeto. Os resultados
obtidos comprovaram potencialidades e limites do ensino remoto. Como potencialidades; a participação
e comprometimento dos alunos; o uso de novos instrumentos e ferramentas digitais como aliados no
ensino, representação e, sobretudo na qualidade do produto/projeto e no aprendizado. Como limites, a
necessária presença na sala de aula e o retorno à vivência da universidade e da cidade.
PALAVRAS-CHAVE: processo metodológico, ensino remoto, projeto urbanístico
ABSTRACT
In this article, the teaching experience of the Integrated Design Studio – Urbanism in the Faculty of
Architecture and Urbanism course in remote format with the mediation of TDIC resources will be reported,
taught online, in order to enable the construction of a new exchange relationship, teacher-student, on
what the student is the subject in the process in relation to the contents, in order to Interact in the
construction of knowledge. Its main objective is the development of design practice on the urban scale,
covering the knowledge of different urban theories and the reflection of this design practice on the urban
context with the theme: urban empty allotment in the West Sector of Uberlândia/MG with vertical
interdisciplinarity. The means, concepts, methodologies and tools were established in three stages:
characterization and urban analysis of the area for intervention and reading of texts, Preliminary Study
and Preliminary Project. The results obtained proved the potencial and limits of remote teaching. As
potentialities; student participation and commitment; the use of new digital instruments and tools as allies
in teathing, representation and, above all, in the quality of the produto/project and in learning. As limits,
the necessary presence in the classroom and the return to the experience of the university and the city.
KEYWORDS: methodological process, remote teaching, urban design
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 345
1 INTRODUÇÃO
A área foi selecionada pelos três professores, responsáveis por ministrar a disciplina e
de acordo com as possibilidades que o exercício proporcionaria aos discentes.
Compreendeu a elaboração de três etapas: Etapa 1: Análise Urbana e Projeto
Urbanístico – Etapa 2: Estudo Preliminar e Etapa3: Anteprojeto, em escala de
planejamento, desenho urbano e legislação urbana, (ver Figura 2).
que a população deve, apenas habitar e não morar, não usufruindo de seu bairro e da
cidade como um todo.
4 METODOLOGIA
1 GUERRA, M. E. A. A Metodologia para caracterização e análise intraurbana. Apostila Atelier de Projeto – Urbanismo
pela Metodologia de Análise Urbana que constam dos seguintes itens: O Bairro e seu
entorno dentro do Contexto Histórico; Aspectos socioeconômicos da população;
Metodologia social; Situação fundiária; Legislação e infraestrutura; Condições
urbanísticas e ambientais; Paisagem e Sistemas de Espaços Livres (SEL); Mobilidade e
Transportes e Mobiliário Urbano e Comunicação Visual. A pesquisa elaborada integra a
1ª Etapa do Atelier: Caracterização e análise urbana da área para intervenção e leitura
de textos. Os itens descritos foram sistematizados para auxiliar na análise da área de
estudo como um todo, e se inserem nas quatro dimensões a serem estudadas:
Dimensão Econômica, Dimensão Social, Dimensão Cultural e Dimensão Ambiental. Essas
relações devem ser entendidas como: “efeitos das transformações socioeconômicas
sobre o espaço (...) mas também o oposto, isto é, os efeitos das transformações
espaciais sobre a esfera socioeconômica (...)” (VILLAÇA, 2001).
Entendendo como “transformações” sobre o espaço e os “efeitos” do espaço na esfera
socioeconômica, que podemos denominar socoioespacialidade faz-se necessário uma
abordagem ampla, que nem sempre é possível em um atelier, mas que se ampara no
conjunto curricular. Para fundamentar as pesquisas e concepção projetual dos alunos,
foi dada ênfase, ainda que introdutória, às teorias que tratam da forma urbana, de
maneira a reforçar seus diferentes aspectos: funcionais (operativos e relacionais),
topoceptivos (percepção e formação da imagem mental), sintáticos (forma urbana,
localização relativa às atividades/uso do solo, características dos grupos sociais) e
bioclimáticos (conforto térmico, acústico, luminoso e qualidade do ar), etc.
Os dados levantados foram utilizados para a elaboração de Mapas Temáticos para as
quatro dimensões estudadas. Os dados obtidos através desse roteiro, em seus nove
itens listados (citados anteriormente), tiveram como objetivo conduzir à elaboração de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 351
Por sugestão dos alunos foi introduzida o uso da Plataforma MIRO, que permitia a
intervenção diretamente sobre os trabalhos tanto pelos alunos quanto pelos
professores de forma simultânea. (Ver Figura 4) - exemplos da utilização da Plataforma
MIRO.
Foram definidas as aulas teóricas e práticas a serem ministradas com respectivas datas,
horários e temáticas, bem como atendimento geral e revezamento nas orientações às
equipes. Destaca-se que todas as aulas síncronas foram realizadas “on line” de forma a
manter uma relação mais próxima, entre professores e alunos, apesar de ser uma
relação entre telas. As aulas assíncronas foram organizadas entre os grupos, o que
possibilitou entrosamento entre os demais, se assim desejassem.
Figura 4 – Exemplos de utilização do MIRO pelos alunos/professores
5.
Fonte: ABREU,G., GUIMARÃES, L., ROCHA, G. - API 7 , 2021.
Fonte: CARVALHO, L., CRISTINA, N., SARTIN, A., VIEIRA, R. - API 7 , 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 356
Fonte: CARVALHO, L., CRISTINA, N., SARTIN, A., VIEIRA, R. - API 7 ,2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 357
4 CONCLUSÃO
prática de projeto urbano poderá ser um elemento chave para a ideia da construção da
cidade enquanto construção socioespacial.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 359
RESUMO
A atual prática de arquitetura tem sido permeada pela adoção de técnicas digitais que oportunizam ao
projetista ir além da representação do projeto, abarcando questões performativas a partir principalmente
da abordagem da parametria. Neste contexto, geometrias complexas, antes consideradas como
impraticáveis, passam a ser vistas como potenciais na configuração de projetos, a partir de uma
abordagem em malhas. Estas têm seu histórico de aplicação em Gaudí, Otto e Gehry, pois são capazes de
gerar formas a partir de simulação de forças físicas, subdividir superfícies complexas, permitir métodos de
análises e otimizações e ainda resolver questões da construção civil. Com um propósito didático, adota-se
a noção estrutura de um saber, com o intuito de explicitar o saber envolvido em tais abordagens para a
formação em arquitetura. Os resultados referem-se à introdução dos conceitos envolvidos na estruturação
de malhas em superfícies complexas da arquitetura. A partir da metodologia empregada, busca-se
promover o conhecimento geométrico subjacente ao projeto paramétrico e ampliar as possibilidades de
os estudantes explorarem as tecnologias digitais de representação na elaboração de seus projetos. Dessa
maneira, faz-se indispensável a contribuição de novos materiais didáticos que abordem o saber da
geometria como suporte ao curso de arquitetura.
PALAVRAS-CHAVE: geometria complexa, projeto paramétrico, malhas geométricas, ensino de
arquitetura.
1 INTRODUÇÃO
O atual momento da prática profissional em arquitetura se caracteriza por processos de
projeto desenvolvidos em meio digital, envolvendo uma arquitetura que é concebida
computacionalmente. Mais do que nunca, o projetista tem a oportunidade de tratar com
questões para além da representação e que podem ser resolvidas digitalmente, tais
como análises e simulações de desempenho de diversos tipos (estrutural, de conforto
térmico e acústico), a partir principalmente da abordagem do projeto paramétrico. Este,
segundo Hernandez (2004), é um novo passo na evolução do projeto arquitetônico, visto
que é resultado de um avanço nos programas gráficos que incorporam tal tecnologia,
permitindo ir além dos limites encontrados nos sistemas CAD.
Definido como um processo de projeto baseado no pensamento algorítmico, o projeto
paramétrico promove a definição formal dos elementos e codifica suas relações por
intermédio de um sistema de expressões (JABI ET AL., 2017). Um projeto construído num
sistema paramétrico tem cada uma de suas partes delimitadas, estabelecendo uma
definição da geometria de cada elemento do design, mesmo que implicitamente. Esta
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 360
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este trabalho se insere em uma pesquisa aplicada e exploratória, segundo os conceitos
de Gerhardt e Silverira (2009), em razão de buscar questões além das soluções
geométricas específicas das situações arquitetônicas, mas também favorecer um maior
entendimento da geometria associada a requisitos projetuais, com intuito de evidenciar
os conhecimentos nessa área e sua transposição ao ensino de arquitetura.
Adota-se a noção estruturada de um saber, de Chevallard (1999), considerando-se o
saber como um objeto dinâmico e passível de transformações conforme o contexto de
sua aplicação. É pressuposto que a transposição do saber teórico para o saber ensinado
relativamente a aplicação de malhas na arquitetura para configuração de geometrias
complexas pode se apoiar na explicitação dos conceitos e técnicas envolvidos na
programação visual resultante do desenho paramétrico das obras arquitetônicas
contemporâneas selecionadas.
Inicialmente é realizada uma revisão bibliográfica sobre malhas na arquitetura, buscando
compreender suas diferentes finalidades, critérios para aplicação e propriedades. Nessa
etapa, destacam-se as pesquisas do matemático Helmut Pottmann (2007), por
aproximar a área da geometria com a prática arquitetônica. A partir de autores como
Luo (2014), Mitchell et al. (2015) e Lima (2021), busca-se relacionar as diferentes
abordagens de maneira a explicitá-las, para então se constituir como uma estrutura
integral do saber, nos termos de Chevallard (1999).
A busca por conceitos e termos referentes às aplicações de malhas na arquitetura apoia-
se em uma investigação sobre a estrutura geométrica de obras contemporâneas. Para
isso, em etapa posterior da pesquisa, será realizada uma análise em documentação
técnica e esquemas compositivos fornecidos pelos escritórios responsáveis pelos
projetos, de forma a compreender o processo pelo qual a geometria foi manipulada.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 362
Além disso, também se busca compreender o discurso dos arquitetos, para identificar as
terminologias associadas aos projetos.
A partir do discurso dos arquitetos responsáveis pelos projetos, sites e obras literárias
de arquitetos e pesquisadores, buscar-se-á investigar o tipo de estrutura de saber
presente associada ao emprego e importância das malhas na arquitetura,
compreendendo-se o processo de projeto pelo qual cada obra passou.
Neste artigo serão apresentados os resultados da etapa de revisão, abarcando
definições, classificações das geometrias em malhas e tipos de aplicações destas em
projetos de arquitetura.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
serem difíceis de representar, a indústria da construção civil ainda não possuía mão de
obra especializada para abordar tais geometrias complexas no canteiro de obras.
É apenas com F. Gehry que estas passam a ser introduzidas na arquitetura, devido a
modelagem computacional. A equipe do arquiteto se apropria das malhas e da
modelagem automobilística para modelar superfícies arquitetônicas por ser a tecnologia
existente para a época, tanto em questões de representação como adaptação para
tecnologias construtivas (POTTMANN; SCHIFTNER; WALLNET, 2008). Nesse contexto, as
malhas apresentavam uma função bem definida na representação, eram elas são
responsáveis pela conversão das geometrias complexas em formas elementares, ou seja,
o modelo passa a ser manipulado a partir de polígonos triangulares para simplificar o
processamento computacional (POTTMANN ET AL., 2007).
Uma das questões por trás das malhas no meio digital é a sua estrutura geométrica. Por
ser composta por faces, arestas e vértices, a superfície poligonal baseia-se na
conformação desses elementos de forma a criar um sistema organizacional para a
geometria digital (FLEISCHMANN; AHLQUIST, 2009). Ou seja, a superfície poligonal não
é apenas um conjunto de polígonos arbitrário, mas sim uma sequência ordenada desses
polígonos, adotando uma mesma lógica na identificação de cada um de seus pontos, de
maneira a identificar e diferenciar cada elemento do conjunto. Esse controle sobre a
ordem das faces, arestas e pontos não tem um uso consciente por parte dos arquitetos,
essa questão está presente como competência dos modeladores digitais e seu
processamento na manipulação e controle dos elementos da malha.
Com a evolução das tecnologias digitais, juntamente com o desenvolvimento de novas
técnicas construtivas, são manifestadas novas maneiras de representação de superfícies
complexas junto à arquitetura. Conhecidas como “Non Uniform Rational Basis Spline”
(NURBS), essas superfícies contínuas passam a ser exploradas na arquitetura
contemporânea como uma alternativa na representação, já que são facilmente
manipuladas mesmo sem a necessidade de conhecimento total da geometria da forma.
Embora represente um avanço para os arquitetos este tipo de superfície, segundo
Szalapaj (2005), ainda apresenta algumas barreiras na modelagem, já que a
complexidade da curvatura pode gerar buracos ou lacunas indesejadas, além de que as
operações digitais de composição não garantem que o resultado mantenha o mesmo
tipo de geometria. O autor ainda destaca que esta liberdade formal, proporcionada por
tais tipos de superfícies, pode levar a geometrias não desejadas, por isso considera a
importância de os arquitetos estarem conscientes do que estão produzindo, ou seja, a
estrutura da geometria arquitetônica.
A modelagem originada a partir de uma superfície contínua e posterior transformação
em uma malha recebe o nome de tesselação (LIMA, 2021) e pode ter diversas
justificativas: seja a compatibilidade construtiva, facilitar otimização estrutural ou
puramente estética.
Os modelos representados a partir de malhas também permitem a manipulação dessa
geometria na busca de formas otimizadas tanto visualmente (PAN ET AL., 2016) como
estruturalmente (FLEISCHMANN; AHLQUIST, 2009). As malhas podem sofrer uma
reestruturação e reorganização da sua estrutura (técnica denominada ‘remesh’) ou uma
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 366
Na sequência, buscou-se caracterizar cada uma das obras a partir dos conceitos e
propriedades identificados e apresentados anteriormente na revisão. A Tabela 1 traz a
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 368
O primeiro projeto, Shellstar, se caracteriza por apresentar uma malha com faces
predominantemente hexagonal (MATSYS, 2018). Segundo Blanco (2022), a membrana
que cobre o Estádio Olímpico de Munique é de acrílico, constituída de elementos
quadrados de 75x75cm. A Biosfera de Fuller é caracterizada por ter origem no icosaedro,
mas devido a fragmentação de suas faces em triângulos equiláteros, sua forma
poliédrica passa a ser percebida como curva, remetendo a imagem da esfera (LANGDON,
2018). Já o Eden Project, apresenta uma malha hexagonal, mas que possui um
pentágono ímpar para fechamento no topo (EDEN, 2021). A cobertura do Museu
Britânico é construída como um conjunto de triângulos distintos, porém estes não são
iguais, tendo configurações distintas obtida através de processos de relaxamento e
otimização da malha (BURRY; BURRY, 2010). E, por fim, o Water Cube que tem sua
fachada marcada por uma malha tridimensional irregular, definida por intermédio da
aplicação do diagrama de Voronoi (MICOOGULLARI, 2018).
A Biosfera de Montreal e o Eden Project apresentam duas camadas de malhas, com
geometrias distintas. Enquanto a Biosfera de Fuller conta com faces triangulares na parte
externa, sua malha interna apresenta uma estrutura hexagonal (BOAKE, 2008). Em
contrapartida, Eden Project apresenta as formas em ordem inversas, suas faces externas
são hexagonais e a estrutura interna é uma combinação de triângulos e hexágonos
(EDEN, 2021).
Além dessa classificação inicial quanto à geometria das faces, foram identificadas as
principais justificativas do emprego de malhas nesses projetos a partir da análise de
discurso dos responsáveis. Apesar de se ter identificado um conjunto de conceitos e
aplicações que são mais significativos em cada um dos projetos, estes acabam sendo
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 369
contidos em tal plano, que se conectam com os vértices de tais curvas. Com isso, a
geometria que conceitualmente é contínua se torna exequível na construção civil (LIMA,
2021), pois se apresenta por meio de polígonos.
A otimização da forma é realizada por meio da manipulação das malhas, aplicação de
técnicas para reorganizar seus elementos e consequentemente para mudar o
comportamento das faces da malha, resultando em alterações visuais do modelo
(ZAVATTIERI; DARI; BUSCAGLIA, 1996). Na Shellstar e na Biosfera foram utilizadas
técnicas de refinamento da malha, por meio do incremento na quantidade de faces
(MATSYS, 2018; LANGDON, 2018), com o intuito de uma maior aproximação à
conformação de uma forma curva. Já na cobertura do Museu Britânico, além do controle
da quantidade de faces, a posição dos pontos é ajustada para alcançar uma suavização
do conjunto de faces (BURRY; BURRY, 2010), ou seja, a continuidade da superfície.
Em Shellstar são resolvidas questões estruturais a partir da otimização da malha
(MATSYS, 2018). No estádio Olímpico de Munique a estrutura é consequência de
esforços de tensão aplicados à superfície, obtendo-se como resultado uma malha
ondulada (BRITTO, 2012). No Water Cube, a malha tem origem no diagrama de Voronoi
(BURRY; BURRY, 2010), o qual apresenta uma otimização estrutural que tem relação com
padrões geométricos de estruturas encontradas na natureza (POTTMANN ET AL., 2007).
Em relação ao emprego das malhas para a geração da forma, existe uma recorrência de
técnicas de simulação da atuação de forças físicas, como em Shellstar, que apresenta a
contrapartida digital do processo de Gaudí com o uso da força da gravidade (MATSYS,
2018) e no Estádio Olímpico de Munique, em que a forma final da edificação é resultado
da aplicação de forças por tracionamento da malha (BRITTO, 2012).
Essa revisão inicial possibilitou identificar que as obras selecionadas estão caracterizadas
pelas diferentes aplicações já reconhecidas, podendo também estarem caracterizadas
por outras que venham a ser identificadas. Neste artigo estão reunidos os usos
identificados durante a seleção das obras, as quais serão estudadas em maior
profundidade na sequência deste estudo. A abordagem realizada nesse trabalho visa
reforçar a importância da estruturação do saber para a adoção do desenho paramétrico
na arquitetura, a partir da explicitação das relações e conexões da geometria nesse
processo de projeto e de modelagem. Para isso, configura uma primeira abordagem
sobre as malhas em projetos paramétricos, a partir de uma estrutura de saber que
subsidia a compreensão da complexidade de tal geometria e de sua modelagem. Embora
ainda não seja um material didático capaz de diretamente capacitar os estudantes a
desenvolverem projetos a partir do desenho paramétrico, traz elementos que
possibilitam a introdução gradativa dos conceitos geométricos necessários para tal
abordagem.
Com isso, entende-se que é possível promover uma aproximação dos estudantes ao
vocabulário geométrico necessário para lidar com geometrias complexas da arquitetura
contemporânea e com o projeto paramétrico subjacente a estas. A partir do uso da
programação visual, juntamente com uma estrutura de saber que introduza os principais
conceitos geométricos aos estudantes, espera-se contribuir com a formação de novos
arquitetos capacitados para a prática profissional a partir do desenho paramétrico.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 371
4 CONCLUSÃO
O momento em que esse estudo está sendo desenvolvido, em meio a pandemia do
Coronavírus, em que cursos de graduação ainda se encontram sob o modelo remoto de
ensino, amplia-se a necessidade de estruturação de materiais didáticos de qualidade,
que permitam um aprendizado autônomo dos estudantes. A abordagem adotada neste
trabalho, de estruturação do saber como subsídio à elaboração de momentos e materiais
didáticos, pode ser empregada em qualquer modalidade de ensino.
Preparar os estudantes para estarem cada vez mais capacitados para as novas
tecnologias exige também um avanço nos materiais didáticos que suportam o ensino
principalmente quando se tratam de saberes ainda não reconhecidos no contexto
didático. Uma vez que a base do projeto paramétrico está na geometria, promover o
conhecimento desta associando-a a outras estruturas relacionadas, amplia as
possibilidades de os estudantes explorarem as tecnologias digitais de representação na
elaboração de seus projetos. Dessa maneira, faz-se indispensável a contribuição de
novos materiais didáticos que abordem o saber da geometria como suporte ao curso de
arquitetura.
O estudo desenvolvido está aberto a ampliações e configura uma parte da estrutura de
saber, a qual se constitui como base para avançar no conhecimento geométrico e
arquitetônico.
Como continuidade desse trabalho, tem-se ainda a identificação das propriedades
estruturais das malhas, dessa maneira, se buscará compreender sua natureza
construtiva pelo viés geométrico. E, como as estruturas do saber aqui apresentadas são
objetos em constante revisão, sujeitos a ampliação ou reestruturação à medida que
novos conceitos são abordados, pode-se supor que algumas propriedades estruturais
estarão relacionadas com as geometrias das faces, não somente pelo tipo de polígono
em si, como acontece com a estabilidade das formas triangulares, mas pelas
propriedades das conexões presentes nos seus vértices.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 374
RESUMO
A partir das experiências vivenciadas no ensino, pesquisa e extensão durante os tempos de pandemia e
ensino remoto emergencial, este artigo busca refletir sobre as possibilidades e limitações que a utilização
das ferramentas online trouxe para o ensino. Tais experiências foram aplicadas no curso de Bacharelado
em Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal Fluminense, em Campos dos Goytacazes/RJ. Os
potenciais observados têm feito com que sua utilização se perpetue no momento atual, que é de retorno
gradual das aulas presenciais. Por outro lado, impõe dificuldades e limitações que precisam ser
ponderadas para não comprometer a qualidade do ensino de arquitetura e urbanismo, especialmente em
disciplinas de caráter mais prático. Notou-se uma mudança de paradigma, proporcionada a partir da
experiência da pandemia. Diversos recursos, e aqui destaca-se a utilização de Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs), que em momentos anteriores, eram vistos com preconceito e conferido a eles
grande complexidade, tornaram instrumentos importantes na rotina do curso.
PALAVRAS-CHAVE: tecnologia da informação e comunicação, ensino, pesquisa, arquitetura e
urbanismo, COVID-19
1 INTRODUÇÃO
O curso de bacharelado em arquitetura e urbanismo do Instituto Federal Fluminense
(IFF), com a instauração da Pandemia da COVID-19 no Brasil, assim como os cursos da
área distribuídos pelo país, passou por um difícil processo de adequação de atividades,
até então totalmente presenciais, para o ensino remoto. Isso se deu a partir da
publicação da Resolução nº 38, de 27 de agosto de 2020, do IFF, que estabelece
diretrizes para a realização de atividades pedagógicas não presenciais para cursos
presenciais. As atividades do Instituto estavam suspensas desde a publicação da Portaria
nº 164, de 13 de março 2020, do IFF. Estes documentos se basearam nas orientações
recebidas pelo Governo Federal, com a adoção do Ensino Remoto Emergencial (ERE)
pelas Instituições de Ensino Superior, trazendo adaptações para as atividades até então
presenciais. (BRASIL, 2020a; BRASIL, 2020b).
Durante o período de suspensão total das atividades, que veio acompanhado pela
progressiva suspenção do calendário acadêmico, apenas os cursos de pós-graduação
stricto sensu foram autorizados a funcionar, substituindo as disciplinas presenciais, em
andamento, por aulas que utilizassem meios e tecnologias de informação e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 375
1
“As boas práticas envolvem o respeito à liberdade de expressão, aos direitos humanos, ao
desenvolvimento da personalidade, à pluralidade e à diversidade, e à finalidade social da rede, além de
proteção da privacidade e dos dados pessoais e estímulo ao exercício da cidadania em meios digitais”
(OLIVEIRA, 2016).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 379
uso impedido, uma vez que a instituição não pode arcar com estas compras de licenças
individuais em tempo hábil.
As tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) são, atualmente, um dos maiores
facilitadores na inserção de surdos nas Instituições de Ensino Superior (GEDIEL; SOARES;
OLIVEIRA, 2016). Mas muito além dos equipamentos e linguagens específicas para o
atendimento a estes estudantes, descobriu-se neste momento emergencial que os
recursos já existentes no Google YouTube e Google Classroom, de habilitação de
legendas durante as transmissões se mostrou bastante eficaz. No curso de Arquitetura e
Urbanismo, destacam-se dois casos específicos. Em um deles, de uma estudante que já
acompanhava o curso há algum tempo, e já com mais de 80% da carga horária cumprida.
Neste caso, lhe faltavam disciplinas específicas com alto grau de termos técnicos, e uma
carga de atividades maior. Com a possiblidade das aulas remotas e legendas, o
vocabulário que lhe era desconhecido, se apresentou de forma mais direta, facilitando a
compreensão e a levando ao cumprimento e entendimento amplo do conteúdo. Em
outro caso, um estudante de uma localidade distante da sede do curso viu na
possibilidade do ensino on-line a chance de ingressar no curso, e assim o fez. As
disciplinas dos períodos iniciais foram cumpridas, ainda sem a necessidade de
deslocamento e, principalmente, com o auxílio das legendas tanto nas aulas síncronas
quanto no material assíncrono. Outro ponto relevante nestes dois casos, foi que
parentes próximos, residentes com estes estudantes participaram ativamente das aulas,
dando apoio nas dúvidas e nos seus próprios graus de confiança.
Uma desvantagem que é válida de se destacar é o fato de nem todos os estudantes
abrem suas câmeras, nem participam do debate e que durante a apresentação de slides,
compartilhando a tela, perdia-se o contato visual e isso acarreta numa perda de
feedback, de olhares, que na presencialidade intensificaria as trocas durante a aula. Dar
aula para alunos com câmara desligada é angustiante, porque nos causa a impressão de
que estamos falando sozinho.
Outra atividade de ensino que merece destaque neste contexto é a realização das bancas
on-line de trabalhos das diversas disciplinas e de trabalhos finais de graduação. Por
muito tempo, os docentes encontraram na distância uma limitação na constituição de
bancas para avaliação de trabalhos acadêmicos, principalmente estando o curso em uma
região razoavelmente distante dos grandes centros e ainda em desenvolvimento na área
de arquitetura e urbanismo. Os escassos recursos e as dificuldades logísticas para o
deslocamento de convidados de outras cidades e estados, e até de outro país, limitavam
as opções de escolha.
A possibilidade de utilização de TICs para a participação remota de um dos membros da
banca era algo que ainda soava estranho e complexo. Com a necessidade de sua
utilização de forma emergencial, houve a quebra de uma barreira metodológica. Notou-
se a ampla possibilidade de integração entre as instituições de ensino superior. Neste
período de emergência e orientações de trabalho totalmente remotas, observou-se
também que estudantes que tinham dificuldade de conclusão de seus trabalhos finais,
a maioria das vezes por estarem se dedicando a outras atividades profissionais nos anos
finais do curso, encontram a chance de seu término. Houve, inclusive, casos de
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estudantes que já haviam retornado às suas cidades de origem – o IFF acolhe muitos
estudantes de outras cidades da região – e concluíram o curso a partir da redução de
tempo de deslocamento e custos associados a isto.
Outras linhas no processo ensino-aprendizagem que foram muito impactadas com esta
quebra de barreiras, e que incluem fortemente as atividades de orientação, foram as
atividades de extensão e pesquisa. Se, por um lado, da mesma forma que os convites
externos às bancas, possibilitou-se o acesso a profissionais estabelecidos em outras
localidades no Brasil e no mundo, para reuniões, parcerias e discussões, por outro lado,
algumas atividades previstas não puderam ser realizadas, como as pesquisas de campo.
Não existe ferramenta digital que substitua a inserção no território e a observação in
loco da dinâmica da cidade. Por isso, algumas das pesquisas tiveram que ter sua
metodologia modificada ou foram inviabilizadas.
O que não quer dizer que neste contexto, novas ferramentas digitais também foram
incorporadas. Aqui destaca-se o uso do Trello, uma ferramenta de gestão de equipes,
que vem sendo utilizada para gerenciar o trabalho de bolsistas e voluntários. Isso
dinamizou o trabalho e facilitou a divisão de trabalhos e acompanhamento pelo
orientador.
Quanto aos projetos de pesquisa, foi possível ocorrer com reuniões remotas (com os
bolsistas e voluntários de Iniciação Científica, no Conselho de Meio Ambiente e
Saneamento, com o Ateliê de Pesquisa da Paisagem), utilização de Google Maps, estudo
da legislação, elaboração de mapas entre outras dinâmicas que viabilizaram a execução
do Projeto, ainda que com adaptações metodológicas e suprimindo as visitas técnicas.
No âmbito da extensão, destaca-se a realização dos eventos on-line. Duas experiências
se destacam: ArqIFF em casa e o XV ENEPEA (Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo
em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil), ambos organizados por professores
do curso.
O ArqIFF em casa foi um projeto de extensão que envolveu a criação de um canal no
Youtube para os cursos da área de arquitetura e urbanismo do IFF e a realização de
palestras e mesas redondas por este canal, o ARQiFF Tube2. Esta ação se concentrou
principalmente no ano de 2020, enquanto o calendário da instituição estava suspenso.
Foi uma forma de manter um vínculo entre docentes e discentes, um momento de
encontro, mesmo que não presencial, trazendo contribuições diversas para o
conhecimento na área. Houve contribuições de outros cursos também, como a pós-
graduação stricto sensu. Todo o material produzido nesse momento emergencial está
hoje disponível para novas turmas ingressantes, e compõem mais material para serem
incluídos nas referências das disciplinas, mesmo em um momento futuro de retorno
total à presencialidade. As palestras do ArqIFF em casa, também subsidiaram as
atividades assíncronas de algumas disciplinas. Além disso, muitas das palestras
organizadas propiciaram a integração da graduação, com a Pós Lato Sensu e os
Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, como o Mestrado Profissional em
Arquitetura, Urbanismo e Tecnologias e o Doutorado Profissional em Modelagem e
2 https://www.youtube.com/c/ARQiFFtube
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das necessidades impostas por um momento de emergência sanitária mundial,
mais uma vez é explicitado o poder de transformação e de adaptação da educação.
Fica claro, a partir das experiências relatadas, que por mais viável que seja ministrar
remotamente uma disciplina, ao menos de cunho teórico, a necessidade de interação
durante o debate acaba sendo minimizada. Falta ao professor o feedback que tem se
mostrado possível apenas presencialmente, a partir da a troca de olhares, da observação
do comportamento e semblante.
Apesar disso, por meio do que vem sendo observado e das reflexões realizadas, notou-
se que é potencialmente positivo o retorno à presencialidade com a possibilidade de
incorporação das novas ferramentas no processo de ensino-aprendizagem, seja na
prática do ensino, propriamente dito, ou da pesquisa e da extensão. Observa-se que
muitas barreiras foram ultrapassadas no uso das TICs e também na compreensão da
necessidade de estímulo à autonomia do aluno neste processo. Parte das dificuldades
encontradas estão ligadas a falta de participação e iniciativa dos alunos, que passam a
ter um papel mais ativo na busca pelo conhecimento.
Cabe a nós docentes, em conjunto com os discentes, avaliar novamente as práticas na
sala de aula, a partir das novas contribuições, revisando o papel de cada um nesse
processo.
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