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3734
CADERNOabea
43
CADERNO abea 43

XXXVIII ENSEA
Encontro Nacional sobre Ensino de
Arquitetura e Urbanismo

XXI CONABEA
Congresso Nacional da ABEA

INCLUSÃO, MATERIALIDADE E
PRESENCIALIDADE: O QUE (DES)APRENDEMOS
COM A PANDEMIA?

18 a 20 de abril de 2022
Instituto Federal Fluminense – IFF
Campos dos Goytacazes – RJ
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 2

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

DIRETORIA ABEA BIÊNIO 2022/2023


DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente ANA MARIA REIS DE GOES MONTEIRO UNICAMP/SP
Vice-Presidente WANDA VILHENA FREIRE UFRJ/RJ
Secretária GIOVANNA TEIXEIRA DAMIS VITAL UFU/MG
Sub-Secretário IVO RENATO GIROTO USP/SP
Secretária de Finanças ANDREA LUCIA VILELLA ARRUDA
Sub-Secretário de Finanças JOSÉ ANTONIO LANCHOTI Moura Lacerda/SP

DIRETORIA CONSELHO FISCAL


ANTONIO RODRIGUES FILHO Titulares
CARLOS EDUARDO NUNES FERREIRA CARLOS HARDT
EULER SOBREIRA MUNIZ GOGLIARDO VIEIRA MARAGNO
FABIO MARIZ GONÇALVES NEWTON MARÇAL SANTOS
FREDERICO LOPES MEIRA BARBOZA JR Suplentes
HUMBERTO MAURO ANDRADE CRUZ AUGUSTO NILO BARBOSA CAPIBARIBE
FERNANDES
JUAN JOSÉ MASCARO CARLOS MURDOCH FERNANDES
LUCIANO FALCAO DA SILVA ESTER JUDITE MENDJOUYA GUTIERREZ
MARCELO AUGUSTO COSTA MACIEL
PAULA KATAKURA

Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo (38.: 2022: Campos


dos Goytacazes, RJ).
Anais: XXXVIII ENSEA / XX CONABEA: Inclusão, materialidade e presencialidade:
o que (des)aprendemos com a pandemia? XXXVIII Encontro Nacional sobre Ensino
de Arquitetura e Urbanismo, XXI Congresso da Associação Brasileira de Ensino de
Arquitetura e Urbanismo. Campos dos Goytacazes, RJ – Brasil, 18 a 20 de abril de
2022, Instituto Federal Fluminense; Campos dos Goytacazes: ABEA, 2022.
388 p.: Il. – (Caderno, 43)
ISSN: 2177-3734
1. Arquitetura – Ensino. 2. Arquitetura - Congresso. 3. Urbanismo. 4. Prática
Pedagógica. I. Freire, Wanda Vilhena. II. Monteiro, Ana Maria Reis de Goes. III.
Vital, Giovanna Teixeira Damis.
CDU 72
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

APRESENTAÇÃO
O Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo [ENSEA] e o Congresso
Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo [CONABEA] são
organizados pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo [ABEA]
têm como objetivo compartilhar e refletir sobre os resultados de pesquisas e
experiências relativas à educação dos arquitetos urbanistas, de forma a contribuir para
o avanço do conhecimento neste campo.
O Ensino de Arquitetura e Urbanismo [AU], no Brasil, tem atravessado transformações
importantes, não só pelo aumento da diversidade no perfil dos alunos, graças às
políticas afirmativas, mas, também, pela inclusão de agendas abrangentes e transversais
como, por exemplo, a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
[ODS] pactuados pela ONU; as políticas públicas que visam garantir a acessibilidade para
todos por meio do desenho universal; a qualidade do meio ambiente etc. No entanto,
as práticas presenciais e as condições de ensino, como um todo, foram colocadas em
xeque a partir do início de 2020, no contexto da pandemia da COVID-19. Desde então,
vimos assistindo à aceleração da adoção do ensino remoto, síncrono, on-line. O
distanciamento socioespacial, a falta de convívio e a ausência de trocas que ocorreram
nos espaços de ensino e aprendizagem atingiram e continuam impactando a vida dos
professores, dos estudantes, os trabalhos acadêmicos e a educação dos futuros
arquitetos e urbanistas. No caso do ensino de AU mais uma questão se coloca: o
impedimento da vivência dos espaços urbanos pelos estudantes, experiência essencial
para uma formação de qualidade.
Essas condições adversas também atingem a organização da sociedade em
praticamente todas as áreas da vida. Como decorrência, observamos o acirramento da
pobreza, o aumento da fome, o aumento das populações em condições de
vulnerabilidade e o seu distanciamento do direito à cidade. A pandemia ampliou as
profundas disparidades socioeconômicas, escancarando o cenário socioambiental
brasileiro, caracterizado por um ambiente urbano excludente. Situação esta que adentra
os muros das Instituições de Ensino Superior e atinge diretamente os cursos de
graduação em Arquitetura e Urbanismo.
Emerge daí uma importante questão: como garantir um alto grau de qualidade de
ensino e formação para todos os estudantes mediante o complexo cenário imposto pela
pandemia?
Nesse cenário desafiador, agravado pela crise econômica, pela precarização das
relações de trabalho e pela instabilidade e redução dos quadros docentes do ensino
superior, a ABEA acredita que é necessário o estabelecimento de um amplo debate com
vistas a novas e futuras perspectivas e estratégias para o ensino, a formação e a
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produção de AU no Brasil. Um debate interdisciplinar reunindo pesquisas, estudos e


experiências, e amparado pela reflexão crítica sobre: a imprescindibilidade da inclusão
social e da equidade de gênero; a vivência e a experimentação da materialidade
intrínseca à AU; a necessária experiência presencial e os processos cognitivos do ensino
e aprendizagem neste período excepcional de pandemia.

O ENSEA E O CONABEA EM 2022


O tema do XXXVIII ENSEA e do XXI CONABEA foi Inclusão, materialidade e
presencialidade: o que (des)aprendemos com a pandemia? O evento foi realizado de
forma remota entre os dias 18 e 20 de abril de 2022 sediado no Instituto Federal
Fluminense [IFF], na cidade de Campos dos Goytacazes no Rio de Janeiro.
A experiência trazida pela pandemia da COVID-19 levou à revisão da proposta de
alteração das Diretrizes Curriculares Nacionais [DCN], anteriormente aprovada no XX
CONABEA. A fim de que fosse incorporada essa experiência dos últimos anos, foi
organizada uma mesa de debates que se debruçou sobre as inadequações do ensino
remoto emergencial no campo de AU. As alterações aprovadas seguirão os trâmites
necessários à sua desejável implantação.
No ENSEA, foram apresentados diversos artigos que versaram sobre atividades
pedagógicas relacionadas ao ensino de AU de forma ampla, valorizando experiências
relacionadas aos desafios, consequências e aprendizados decorrentes do contexto de
distanciamento social imposto pela pandemia.
O 28º Congresso Mundial de Arquitetos foi apresentado em sessão aberta pela
Professora Mette Ramsgaard Thomsen, representante do Comitê Científico do evento,
que discutirá os 17 ODS, para o qual será lançado um Guia Acadêmico, cujo edital será
divulgado em breve.
As sessões do CONABEA, as palestras e o lançamento do Projeto Novos Olhares, em livro
e em vídeo, foram abertos ao público geral e permitiram maior participação. As
Professoras Ilma Passos Alencastro Veiga e Suely Rolnik versaram sobre a formação de
professores e sobre a descolonização do inconsciente, respectivamente. Todas as
sessões abertas estão disponíveis a partir da página da ABEA.
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COMITÊ CIENTÍFICO
Coordenação: Profa. Giovanna Teixeira Damis Vital, Prof. Ivo Renato Giroto, Prof. Fabio
Mariz Gonçalves
PROFESSOR(A) IES
Adriano Tomitão Canas Dr UFU
Alessandra Prata Shimomura Dr USP
Alessandro Filla Rosaneli Dr UFPR
Ana Lucia Abrahim Msc UNINILTONLINS
Ana Maria Reis de Goes Monteiro Dr UNICAMP
Ana Paula Rabello Lyra Dr UVV
Barbara Irene Wasinski Prado Dr UEMA
Beatriz Diógenes Dr UFC
Carlos Eduardo Nunes-Ferreira Dr UFRJ
Cybelle Salvador Miranda Dr UFPA
Doriane Azevedo Dr UFMT
Eneida de Almeida Dr USJT
Ester Judite Bendjouya Gutierrez Dr UFPEL
Frederico Braida Rodrigues de Paula Dr UFJF
Fabio Mariz Gonçalves Dr USP
Giovanna Teixeira Damis Vital Dr UFU
Gleice Virginia Medeiros de Azambuja Elali Dr UFRN
Ivo Renato Giroto Dr USP
João Carlos Correa Dr Barão de Mauá
Juliana Demartini Dr UNEMAT
Juliano Cecílio Oliveira Dr UFU
Marcelina Gorni Msc UFG
Maria Beatriz Camargo Cappello Dr UFU
Renato Tibiriçá de Saboya Dr UFSC
Ricardo Trevisan Dr UNB
Verônica Garcia Donoso Dr UFSM
Wanda Vilhena Freire Dr UFRJ
Wilson Florio Dr Mackenzie
Zander Filho Msc IFF
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PROGRAMAÇÃO
Dia 18 de abril de 2022 (segunda feira)
9h30 Abertura Solene do Evento – Mesa de abertura com autoridades da
instituição e convidados: CAU/RJ, IAB, FeNEA, ANPARQ, ABAP, CAU/BR,
FNA)
10h30 Palestra da Profa. Ilma Passos Alencastro Veiga: De Arquiteto e Urbanista à
Profissão Docente: uma travessia com formação pedagógica
12h30 Intervalo
14h00 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 01
16h00 Intervalo
16h15 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 02
18h30 Lançamento do livro e exposição virtual: Projeto Novos Olhares
Dia 19 de abril de 2022 (segunda feira)
9h30 CONABEA – Abertura do Processo Eleitoral ABEA 2022-2023
10H00 Apresentação do Relatório de Gestão 2020-2021
11h00 Palestra cancelada
12h30 Intervalo
14h00 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 03
16h00 Intervalo
16h15 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 04
18h15 Intervalo
18h30 Processo Eleitoral: encerramento das inscrições das chapas
Dia 20 de abril de 2022 (segunda feira)
9h30 Processo Eleitoral: abertura da votação para Gestão 2022-2023
11h00 Palestra da Profa. Suely Rolnik: As aranhas, os guarani e alguns europeus:
outras notas para descolonizar o inconsciente
12h30 Intervalo
14h00 ENSEA – Sessão de Comunicações – Painel 05
16h00 Intervalo
16H15 Palestra da Profa. Mette Ramsgaard: Apresentação 28º Congresso Mundial
de Arquitetos
17h15 Lançamento do Guia Acadêmico ODS
17h30 Mesa de encerramento e posse da nova Diretoria
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

SUMÁRIO

Sumário
DIRETORIA ABEA BIÊNIO 2022/2023 .................................................................................. 2
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 3
COMITÊ CIENTÍFICO ........................................................................................................... 5
PROGRAMAÇÃO ................................................................................................................ 6
GALERIA DE IMAGENS ....................................................................................................... 9
Ata conjunta do XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e
Urbanismo e XXI CONABEA - Congresso Nacional da ABEA .............................................. 17
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE
GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO ...................................................... 21
COMUNICAÇÕES ...................................................................................................... 35
PAINEL 1 .......................................................................................................................... 35
EaD acerca de Regularização Fundiária Urbana durante a pandemia do COVID-19: metodologia e
contribuições para a política pública ................................................................................................ 36
O impacto da pandemia da COVID19 no desenvolvimento dos Trabalhos finais de Graduação do
curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte: uma análise a
partir da percepção discente ............................................................................................................51
Natal Desenhada, edição Alecrim: como foi possível estar no lugar durante a pandemia...............66
Pesquisa e Extensão em meio à pandemia: o projeto de reuso adaptativo do DIRA – Sorocaba-SP81
Curso Regularização Fundiária Urbana: Contribuições para efetivação do Programa Casa Verde e
Amarela.............................................................................................................................................96
Uma crítica dos Cursos de Livre Oferta (CLOs) em arquitetura: o discurso competente e a
monetização do conhecimento ......................................................................................................111
PAINEL 2 ........................................................................................................................ 130
Práxis em tempos de pandemia: desafios e possibilidades no ensino de arquitetura e urbanismo
........................................................................................................................................................131
Uma nova agenda para o ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil........................................145
Ensino de Arquitetura e Urbanismo em tempos de pandemia: revisão sistemática de literatura .153
Percepções de crianças e suas cuidadoras(es) sobre os espaços livres públicos do seu cotidiano na
região central de São Paulo ............................................................................................................164
A crise da presença no ensino de projeto: da escola Bauhaus aos tempos da quarentena ...........180
Lacunas (ir)recuperáveis: a incompletude do remoto no ensino de Arquitetura e Urbanismo
durante a pandemia .......................................................................................................................193
PAINEL 3 ........................................................................................................................ 208
Experiências virtuais e experimentações remotas no ensino de arquitetura e urbanismo ............209
Por um olhar mais próximo ............................................................................................................220
Inclusão digital e formação docente de professores de arquitetura e urbanismo no contexto da
pandemia da COVID-19: reflexões, desafios e dificuldades............................................................235
Estratégias de apoio ao ensino remoto de Projeto de Arquitetura no início do curso durante a
pandemia ........................................................................................................................................249
O Ensino Remoto Emergencial e a retomada da interatividade presencial no ensino e formação em
Arquitetura e Urbanismo ................................................................................................................262
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PAINEL 4 ........................................................................................................................ 267


Práticas insurgentes e o ensino de Arquitetura no contexto da COVID-19 ....................................268
A integração do conceito de sustentabilidade no ensino de arquitetura e urbanismo: uma
sistematização da literatura............................................................................................................282
Colonialidade e desenho arquitetônico na natureza amazônica ....................................................292
Saídas de emergência: conceber e reconstruir práticas do ensino em arquitetura e urbanismo na
universidade pública .......................................................................................................................306
PAINEL 5 ........................................................................................................................ 320
Explorando estratégias de aprendizagem ativa no exercício de reconstrução virtual de projeto
arquitetônico exemplar em plataforma BIM durante o ensino remoto emergencial ....................321
O uso de ferramentas BIM como alternativa para análises locais no ensino de fases iniciais do
projeto de arquitetura no período pandêmico da COVID-19 .........................................................334
Relato do processo pedagógico aplicado ao Projeto Integrado de Ateliê de Urbanismo na
modalidade remota ........................................................................................................................344
Malhas poliédricas em superfícies complexas da arquitetura: uma abordagem didática ao processo
de projeto paramétrico...................................................................................................................359
As tecnologias da informação e da comunicação em experiências pedagógicas em arquitetura e
urbanismo em tempos de pandemia ..............................................................................................374
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GALERIA DE IMAGENS
Figura 1 Mesa de Abertura
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Figura 2. Professora Ilma Veiga


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Figura 3. Lançamento do livro e da Exposição de vídeos Projeto Novos Olhares


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Figura 4. CONABEA – apresentação da chapa candidata à eleição da Diretoria da ABEA


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Figura 5. Professora Suely Rolnik


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Figura 6. Professora Mette Ramsgaard Thomsen

Figura 7. Lançamento do Guia Acadêmico


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Figura 8. Encerramento do Processo Eleitoral e Posse da Diretoria


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ATA CONJUNTA

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XXI CONABEA
Congresso Nacional da ABEA
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Ata conjunta do
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura
e Urbanismo e XXI CONABEA - Congresso Nacional da ABEA

Realizados remotamente a partir do Instituto Federal Fluminense – IFF, em Campos


dos Goytacazes, no período de 18 a 20 de abril de 2022

Às nove horas e trinta minutos do dia dezoito do mês de abril de dois mil e vinte e dois,
com base no Instituto Federal Fluminense (IFF) e transmissão pelo canal da ABEA no
Youtube, deu-se início à sessão solene de abertura conjunta do XXI Congresso da
Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CONABEA) e do XXXVIII
Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ENSEA) sob o tema
“Inclusão, materialidade e presencialidade: o que (des)aprendemos com a pandemia?”
Após a saudação dos componentes da mesa, a presidente da ABEA, Ana Maria Reis de
Goes Monteiro saudou a todos e a todas e declarou aberto o XXI CONABEA e o XXXVIII
ENSEA. Em seguida, a professora Ilma Passos Alencastro Veiga proferiu a palestra “De
Arquiteto e Urbanista à Profissão Docente: uma travessia com formação pedagógica”.
O evento contou com 53 inscrições, representando vinte universidades, dois institutos
federais de ensino, cinco centros universitários e um representante da CEF-CAU/RS. As
inscrições dos representantes resultaram na seguinte lista:
Universidades -
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais;
Universidade de Brasília;
Universidade de São Paulo;
Universidade Estadual de Campinas;
Universidade Federal da Fronteira Sul;
Universidade Federal de Campina Grande;
Universidade Federal de Pelotas;
Universidade Federal de Roraima;
Universidade Federal de Santa Catarina;
Universidade Federal de Santa Maria;
Universidade Federal de Uberlândia;
Universidade Federal do Amapá;
Universidade Federal do Espírito Santo;
Universidade Federal do Paraná;
Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
Universidade Federal Rural do Semi-Árido;
Universidade Presbiteriana Mackenzie;
Universidade Vila Velha;
Institutos Federais de Ensino -
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Institutos Federal de São Paulo;


Institutos Federal Fluminense;
Centros Universitários e outros -
Centro Universitário de Brasília;
Centro Universitário FACENS;
Centro Universitário Moura Lacerda;
Centro Universitário Municipal de Franca;
Faculdade Calafiori;
Entidades, Serviço Público e ONG;
Comissão de Ensino e Formação do CAU/RS;
Os 27 trabalhos selecionados para o XXXVIII ENSEA foram apresentados e debatidos
em cinco painéis na parte da tarde dos dias 18, 19 e 20 de abril. Ao final do dia 18,
houve o lançamento da edição especial dos Cadernos ABEA e da Exposição Virtual,
ambos relativos ao Projeto Novos Olhares 2020-2021. O XXI CONABEA teve reinício as
09h30 horas do dia 19 de abril. No primeiro momento foi apresentada a Comissão
Eleitoral para a Eleição da Diretoria e Conselho Fiscal da ABEA para o biênio
2022/2023. A Comissão Eleitoral ficou composta por Fernando José de Medeiros
Costa, Tercia de Almeida de Oliveira e Fernando Netto, como titulares, e José Roberto
Geraldine Júnior, Daniela Bogado e Giovani da Silva Barcelos, como suplentes. Houve
a aprovação do Regimento Eleitoral com o seguinte cronograma: até as 10:00 horas,
inscrições das chapas; das 8:00 às 17:00 do dia 20 de abril, a eleição. Após o almoço,
houve a apresentação de trabalhos e, às 18h30 foi retomado o XXI CONABEA tendo a
Presidente passado a palavra para Fernando José de Medeiros Costa, presidente da
Comissão Eleitoral, para o informe sobre as inscrições de chapas: houve uma única
chapa inscrita e homologada. Na sequência, a Presidente exaltou os 50 anos da ABEA,
a serem completados em 2023, e passou a palavra a Frederico Lopes Meira Barboza Jr.
que apresentou a identidade visual para a celebração do cinquentenário. O ponto
seguinte foi o debate para a atualização da proposta das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino de Arquitetura e Urbanismo aprovadas em 2019, no XX
CONABEA. O relator, professor Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, leu os pontos
considerados passíveis de alteração que foram debatidos e aprovados pelos presentes
no CONABEA para as devidas providências.
No dia 20, a professora Suely Rolnik proferiu a palestra de encerramento “As aranhas,
os guarani e alguns europeus: outras notas para descolonizar o inconsciente”. Após o
intervalo para almoço, houve o último painel de apresentação de trabalhos e, em
seguida, a arquiteta Mette Ramsgaard Thomsen apresentou o 28º Congresso Mundial
de Arquitetos que ocorrerá em Copenhagen, em julho de 2023. Após esta apresentação
e o encerramento da eleição, o Presidente da Comissão Eleitoral divulgou o relatório
eletrônico: 24 (vinte e quatro) votos válidos, 0 (zero) votos brancos e 0 (zero) votos
nulos, totalizando 24 (vinte e quatro) votos na Chapa 1. Com base no resultado aferido,
foi declarada eleita a Chapa 1, com a seguinte composição: Diretoria Executiva:
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Presidente - ANA MARIA REIS DE GOES MONTEIRO – UNICAMP/SP, Vice-Presidente –


WANDA VILHENA FREIRE – UFRJ; Secretária – GIOVANNA TEIXEIRA DAMIS VITAL –
UFU/MG, Subsecretário – IVO RENATO GIROTO – USP; Secretário de Finanças - ANDREA
LÚCIA VILELLA ARRUDA – MG, Subsecretário de Finanças – JOSÉ ANTONIO LANCHOTI –
CUML/SP. Como Diretores: LUCIANO FALCÃO DA SILVA – IFF/RJ, CARLOS EDUARDO
NUNES-FERREIRA - UFRJ, HUMBERTO MAURO ANDRADE CRUZ – USP, ANTONIO
RODRIGUES SILVA FILHO – UnB, FABIO MARIZ GONÇALVES – USP, JUAN JOSÉ MASCARO
– UPF/RS, MARCELO AUGUSTO COSTA MACIEL – UFS/SE, EULER SOBREIRA MUNIZ –
UniFor/CE, PAULA KATAKURA – IMT/SP e FREDERICO LOPES MEIRA BARBOZA JR – DF. O
Conselho Fiscal NEWTON MARÇAL SANTOS – UNIARP/SC, CARLOS HARDT – PUC-PR e
GOGLIARDO VIEIRA MARAGNO – UFSC, como titulares, e CARLOS MURDOCH
FERNANDES – UVA/RJ, ESTER J. B. GUTIERREZ – RS e ANTONIO NILO BARBOSA
CAPPIBARIBE FERNANDES – FIED, UNINTA, TIANGUA/CE, como suplentes. Após a
proclamação do resultado da eleição, a Presidente reeleita ANA MARIA REIS DE GOES
MONTEIRO tomou posse para o exercício do mandato de vinte de abril de dois mil e
vinte e dois a trinta e um de dezembro de dois mil e vinte e três. Seguem as palavras
proferidas pela presidente ANA MARIA REIS DE GOES MONTEIRO:
Boa noite. Antes de mais nada quero reconhecer o trabalho dos colegas que comigo estiveram
na diretoria do biênio 20/21 e agradecer àqueles que permaneceram e aos que se juntaram a
nós na direção do próximo biênio 22/23.
Para o Programa da chapa Relevância, nós elencamos 10 pontos que julgamos serem prioritários
e que falarei brevemente:
- O primeiro deles é a defesa incondicional do ensino e formação presencial e de qualidade em
Arquitetura e Urbanismo;
- O segundo é a retomada do encaminhamento das Diretrizes Curriculares Nacionais. Durante o
presente ENSEA/CONABEA nós realizamos ampla discussão e atualização do texto das DCN
aprovadas no CONABEA de 2019 e pretendemos dar seguimento ao seu encaminhamento junto
aos órgãos federais competentes;
- Pretendemos fortalecer as relações com os cursos/coordenadores e, especialmente com nossos
colegas professores;
- Temos a intenção de fomentar a discussão sobre as atividades de extensão nos currículos e
estabelecer critérios na área específica;
- É fundamental que se fomente o debate sobre o papel do estágio supervisionado nos currículos
e sugerir dinâmicas, responsabilidades e procedimentos na área específica;
- Temos a intenção de promover a aproximação da ABEA às entidades brasileiras e da América
Latina;
- Dar continuidade ao Projeto Novos Olhares e ao Guia ODS ABEA-IAB;
- Pretendemos também promover cursos para aprimoramento dos docentes.
Existem outros pontos, mas os dez acima resumem a prioridade que daremos na nossa atuação
para os próximos 2 anos. Agradeço mais uma vez aos colegas que tomam parte desta nova
diretoria e declaro encerrado o XXXVIII ENSEA | XXI CONABEA.
Em nada mais havendo a tratar, eu Wanda Vilhena Freire, Secretária da ABEA lavrei a
presente ata que vai por mim assinada e pela presidente Ana Maria Reis de Goes
Monteiro que encerra a gestão 2020-2021 e reassume a condução da entidade para
2022-2023.
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Campos dos Goytacazes, 20 de abril de 2022.

Wanda Vilhena Freire


Secretária da ABEA

Ana Maria Reis de Goes Monteiro


Presidente da ABEA – 2020-2021
Presidente da ABEA – 2022-2023
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PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DAS


DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM
ARQUITETURA E URBANISMO

Aprovada no

XXI CONABEA
Congresso Nacional da ABEA
Campos dos Goytacazes, 2022
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Institui as Diretrizes Curriculares


Nacionais do Curso de Graduação em
Arquitetura e Urbanismo e dá outras
providências.

Art. 1º Ficam instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em


Arquitetura e Urbanismo a serem observadas na organização, no desenvolvimento e na
avaliação do referido curso, no âmbito dos sistemas de ensino superior do País.
Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Arquitetura e
Urbanismo definem, em âmbito nacional, os princípios, os fundamentos, as condições e
os procedimentos da formação de Arquitetos e Urbanistas e devem ser aplicadas aos
projetos políticos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Arquitetura e Urbanismo
ofertados pelas instituições de ensino superior do País.
Art. 3º A Arquitetura, a qualidade socioambiental dos espaços, o Urbanismo, a
organização do território e as paisagens naturais e urbanas são questões vitais de
interesse público, e constituem patrimônio cultural coletivo.
Art. 4º A Arquitetura e o Urbanismo tratam das condições de habitabilidade de todos os
lugares nos quais as atividades humanas ocorrem, e têm papel importante na saúde das
populações. Todo espaço, seja interno ou externo, pode contribuir para a mitigação ou
para a disseminação de crises sanitárias e, portanto, deve ser tratado como um espaço
de saúde, cujo projeto deve ser concebido e realizado com a consciência de que pode
promover o bem-estar ou pôr em risco a saúde e a vida das pessoas.
Art. 5º A Arquitetura e o Urbanismo constituem área de conhecimento próprio e
utilizam conhecimentos dos campos das ciências exatas, contemplando os domínios
teóricos e práticos dos campos da física, da matemática, da estatística e da tecnologia
de informação aplicados à Arquitetura e ao Urbanismo; das ciências humanas e sociais,
contemplando os fatores sociais, econômicos, históricos, políticos, culturais,
ambientais, geracionais, étnico-raciais, de gênero e de orientação sexual, psicológicos e
comportamentais determinantes na compreensão da produção do espaço e na
concepção da Arquitetura e do Urbanismo; das ciências ambientais, contemplando os
princípios da sustentabilidade socioambiental, da recuperação ambiental e da
conservação energética; das ciências dos materiais, contemplando impactos
socioambientais e ciclos de vida dos materiais aplicados à Arquitetura e ao Urbanismo;
das artes, contemplando a influência dos diversos tipos de manifestação artística na
concepção e na produção da Arquitetura e do Urbanismo; dos saberes produtivos,
eruditos e vernaculares, contemplando experiências no enfrentamento dos desafios
cotidianos e de longo prazo na produção de espaços coletivos e autônomos e na
preservação ambiental.
Art. 6º A Arquitetura e o Urbanismo são disciplinas que envolvem o estudo, a pesquisa,
a inovação, a concepção, o planejamento, a execução, a gestão e o gerenciamento de
projetos de Arquitetura, Arquitetura de Interiores, Arquitetura da Paisagem, Desenho
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da Paisagem, Preservação do Patrimônio Cultural, Natural e Construído, Urbanismo,


Desenho Urbano, Planejamento Urbano e Planejamento Regional, em diversas escalas.
Art. 7º O projeto de Arquitetura e de Urbanismo constitui-se em um processo intelectual
e criativo baseado no conhecimento da realidade e na experiência crítica, como ação
transformadora e constituição do devir, cuja finalidade precípua é melhorar a vida
individual, coletiva e pública.
1. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CURSO
Art. 8º Os componentes curriculares do Curso de Graduação em Arquitetura e
Urbanismo deverão ser claramente estabelecidos e constar do projeto político
pedagógico do Curso, o qual abrangerá, sem prejuízo de outros aspectos que o tornem
consistente:
I. clara concepção curso, com suas peculiaridades, eu currículo pleno e sua
operacionalização;
II. objetivos gerais, condições de oferta e vocação do curso, considerando a inserção
institucional e regional;
III. perfil desejado do formando, considerando as características locais e regionais;
IV. descrição de competências e habilidades e de conteúdos que as contemplem;
V. formas de realização da interdisciplinaridade, modos de integração ente teoria e
prática e indicação das metodologias de ensino-aprendizagem;
VI. modos de incentivo à pesquisa e à extensão;
VII. concepção e composição das atividades de Estágio Curricular Supervisionado;
VIII. concepção e composição das Atividades Complementares de Graduação;
IX. regulamentação das atividades relacionadas com o Trabalho Final de Graduação;
X. incorporação de tecnologias de informação de comunicação;
XI. especificação de infraestrutura de laboratórios, ateliês e salas de projetos,
instalações para pesquisas e estudos avançados, canteiros experimentais de
obras, e bibliotecas com acervo adequado, suficiente e atualizado, com
disponibilidade de tecnologias atualizadas para o intercâmbio de informações;
XII. formas de registro, acompanhamento e avaliação do ensino e da aprendizagem;
XIII. modos de integração entre graduação, pós-graduação e residência profissional,
quando houver;
XIV. estratégias de atualização continuada dos docentes; e
XV. estratégias de atualização para atendimento a novas demandas e novas
possibilidades do campo profissional.
2. PERFIL DO FORMANDO
Art. 9º O Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo tem como objetivo a
formação do Arquiteto e Urbanista com habilitação única, apto para a atuação
profissional nas diversas áreas e nos diferentes níveis de complexidade da Arquitetura
e do Urbanismo e para a pesquisa e para o ensino de Arquitetura e Urbanismo como
área de conhecimento próprio.
Art. 10º O Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo deve assegurar uma
formação científica, artística, ética, política, generalista, humanista, crítica, reflexiva,
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democrática e laica, embasada nos Direitos Humanos e na responsabilidade técnica e


social, contribuindo para a formação integral dos estudantes para a atuação profissional
e para a cidadania, por meio do aprimoramento das inteligências cognitiva, emocional
e social, da estreita relação entre teoria e prática e da vivência de diversas realidades.
3. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
Art. 11º O curso deverá estabelecer ações pedagógicas visando ao desenvolvimento de
conhecimentos, habilidades, competências e atitudes com responsabilidade técnica,
artística e social que compreendam, pelo menos:
I. o conhecimento dos aspectos filosóficos, antropológicos, históricos, sociológicos,
geográficos e econômicos relevantes e do espectro de necessidades, aspirações
e expectativas individuais e coletivas quanto ao ambiente natural e construído;
II. o conhecimento da história das artes, da estética e das diversas formas de
manifestações artísticas capazes de influenciar a análise, a síntese, a concepção
e a prática da arquitetura, do urbanismo e da arquitetura da paisagem;
III. os conhecimentos de teoria e de história da arquitetura, do urbanismo e da
arquitetura da paisagem, considerando a produção do espaço no contexto social,
cultural, político e econômico, para a reflexão crítica, a pesquisa e a
fundamentação da prática projetual;
IV. as habilidades de desenho e expressão tridimensional, o domínio da geometria e
de outros meios de expressão e representação para suas aplicações em todas as
fases de projeto;
V. o domínio dos instrumentais de informática para tratamento e modelagem da
informação de projeto para a concepção, a expressão, a representação, a
experimentação e a fabricação aplicadas à arquitetura, ao urbanismo e à
arquitetura da paisagem;
VI. a compreensão das questões que envolvem o projeto da paisagem e do ambiente
e a avaliação dos impactos socioambientais com vistas ao desenvolvimento
sustentável, à preservação, conservação, e recuperação ambiental e à garantia à
vida;
VII. os conhecimentos especializados para a elaboração de estudos de viabilidade
técnica e ambiental;
VIII. as habilidades e competências necessárias e os conhecimentos especializados
para conceber projetos e executar obras de arquitetura, urbanismo e arquitetura
da paisagem em todas as suas escalas, de modo a incorporar as exigências
culturais, econômicas, estéticas, técnicas, ambientais, de segurança, de
desempenho, de ergonomia, e de acessibilidade e mobilidade dos usuários;
IX. a compreensão dos sistemas estruturais e o domínio do projeto estrutural para
conceber e elaborar projetos e executar obras de arquitetura, de urbanismo e de
arquitetura da paisagem;
X. os conhecimentos especializados de técnicas e sistemas construtivos, de
instalações e equipamentos prediais, de organização de obras e canteiros e de
infraestrutura urbana, considerando a redução dos impactos negativos
socioambientais advindos do desempenho e do ciclo de vida dos materiais
empregados;
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XI. o entendimento das variáveis bioclimáticas e das demandas de habitabilidade e


conforto humano e o domínio das técnicas geradoras de eficácia acústica,
lumínica e energética para aplicação em projetos de arquitetura, de urbanismo e
de arquitetura da paisagem;
XII. o domínio de metodologias, técnicas e tecnologias referentes ao patrimônio
cultural (de acordo com o Art. 216 da CF1988), para a preservação, conservação,
restauração, reconstrução, reabilitação, revalorização, requalificação e
reutilização de edifícios, conjuntos edificados, conjuntos paisagísticos, sítios
urbanos, cidades e regiões. Deve-se considerar como patrimônio cultural todas
as contribuições oriundas tanto dos povos originários, das pessoas escravizadas,
dos imigrantes, assim como da metrópole colonizadora;
XIII. o domínio de metodologias e técnicas de pesquisa para compreensão, análise e
proposição em arquitetura, urbanismo e arquitetura da paisagem;
XIV. o conhecimento de técnicas e metodologias para análise, concepção,
implementação e gestão de projetos e planos de sistemas de infraestrutura
urbana, mobilidade e gestão urbana e demais intervenções nos espaços urbano,
metropolitano e regional
XV. as habilidades, as competências e os conhecimentos especializados para
elaborar, executar e interpretar estudos topográficos com os recursos de
geoprocessamento, aerofotogrametria e fotointerpretação necessários à
organização de espaços em projetos de arquitetura, de urbanismo e de
arquitetura da paisagem;
XVI. o domínio de metodologias e técnicas necessárias para o planejamento, a gestão,
a coordenação, a compatibilização e o monitoramento de processos de projeto
desenvolvidos por equipes multidisciplinares, desde sua concepção até seus
estudos de pós-ocupação;
XVII. o domínio de metodologias e técnicas e os conhecimentos específicos para
planejar, gerir, coordenar e executar obras de arquitetura e de urbanização;
XVIII. o domínio de metodologias e técnicas para elaborar relatórios e pareceres
técnicos nas áreas de arquitetura, urbanismo e arquitetura da paisagem;
XIX. o conhecimento de tecnologias de informação e comunicação em suas diferentes
formas, para aplicação nas relações interpessoais, pautado pela interação,
participação, colaboração e diálogo, tendo em vista o bem-estar do indivíduo e
da sociedade.
4. CONTEÚDOS CURRICULARES
Art. 12º Os conteúdos curriculares do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo
deverão se basear nos seguintes princípios:
XX. respeito aos direitos humanos e sociais;
XXI. valorização da qualidade de vida dos habitantes dos assentamentos humanos e
da qualidade material do ambiente construído, suas condições de habitabilidade,
manutenção e durabilidade;
XXII. uso responsável da tecnologia incorporando necessidades sociais, culturais,
estéticas, econômicas, ambientais e de segurança dos espaços e das
comunidades;
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XXIII.busca da sustentabilidade social, cultural e econômica do ambiente construído e


natural, a partir da compreensão do papel central das formas de ocupação do
território e da exploração dos recursos naturais no comprometimento da
viabilidade da vida no planeta;
XXIV. valorização e preservação da arquitetura, do urbanismo e da paisagem como
XXV. responsabilidade e patrimônio coletivos;
XXVI. valorização e respeito ao pluralismo e à diversidade cultural.
Art. 13º Os conteúdos curriculares devem ser organizados em dois núcleos e trabalho
final de graduação, recomendando-se sua interpenetrabilidade e as possibilidades de
incorporação de tecnologias e inovações inerentes ao desenvolvimento do campo
profissional:
I. Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação, composto por campos do saber
que forneçam o necessário embasamento para o desenvolvimento do espírito
crítico e criativo, integrado por Artes, Estética e História das Artes, Estudos
Sociais e Econômicos, Filosofia e Antropologia Cultural, Desenho e meios de
expressão e representação, Informática aplicada à Arquitetura, ao Urbanismo e
à Arquitetura da Paisagem; Processos e Ferramentas de Modelagem Digital e
Física; Estudos das relações entre ambiente e comportamento;
II. Núcleo de Conhecimentos Profissionais, composto por campos do saber
destinados à caracterização da identidade profissional do Arquiteto e Urbanista,
constituído por: Teoria e História da Arquitetura, do Urbanismo e do Arquitetura
da Paisagem; Projeto de Arquitetura; Projeto de Arquitetura de Interiores;
Projeto de Urbanismo; Projeto de Arquitetura da Paisagem; Projeto e
Planejamento Urbano, Regional e Metropolitano; Planos e Projetos Ambientais;
Infraestrutura Urbana; Mobilidade e Acessibilidade; Tecnologia da Construção;
Gestão de Obras; Sistemas Estruturais; Conforto Ambiental; Desempenho e
Segurança das Edificações; Desenho Universal; Teoria, Projeto e Técnicas de
Restauro e Conservação do Patrimônio Cultural Edificado; Projetos e Produção
de Habitação de Interesse Social e Assessoria Técnica; Topografia; Gestão de
Projetos, Processos e Técnicas em Arquitetura e Urbanismo; Ética e Prática
Profissional;
III. Trabalho Final de Graduação.
Art. 14º Os conteúdos de Teoria e História da Arquitetura, do Urbanismo e do
Arquitetura da Paisagem compreendem o estudo crítico das condições socioeconômicas
e culturais de produção do espaço habitado pela atividade humana, e devem enfatizar
as diversas influências culturais na formação do espaço brasileiro e latino-americano,
abordando a história e a cultura portuguesa, africana e indígena e dos povos imigrantes.
Art. 15º Os conteúdos de Projeto de Arquitetura, Projeto de Arquitetura de Interiores,
Projeto de Urbanismo e Projeto de Arquitetura da Paisagem compreendem o conjunto
organizado dos conhecimentos científicos, empíricos e intuitivos relativos ao espaço
construído, etapas e processos projetuais de elaboração de programas de necessidades,
concepção, expressão e representação, estudos, definição de processos e técnicas
construtivas, detalhamentos e soluções executivas para obras de Arquitetura,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 27

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Arquitetura de Interiores, Urbanismo, Arquitetura da Paisagem ; e os processos


projetuais, a partir do entendimento da cadeia produtiva da construção civil e das
necessidades da sociedade, devem incorporar as exigências culturais, econômicas,
estéticas, simbólicas, técnicas, ambientais, de segurança, de desempenho, de
ergonomia, e de acessibilidade e mobilidade dos habitantes.
Art. 16º Os conteúdos de Planejamento e Projeto Urbano, Regional e Metropolitano
compreendem o conjunto organizado dos conhecimentos científicos, empíricos e
intuitivos relativos aos fenômenos urbanos, estudos, interpretações, análises,
proposições, concepções, metodologias, processos e técnicas para o planejamento a
gestão físico territorial do espaço urbano, metropolitano e regional. Metodologias e
técnicas de regularização fundiária e urbanística.
Art. 17º Os conteúdos de Planos e Projetos Ambientais compreendem o conjunto
organizado dos conhecimentos científicos, empíricos e intuitivos relativos à
recuperação, preservação e incremento do ambiente natural e urbano; estudo e
avaliação dos impactos socioambientais; concepção e proposições, metodologias,
processos e técnicas de recuperação e manejo ambiental.
Art. 18º Os conteúdos de Infraestrutura Urbana, Resíduos Sólidos, Mobilidade e
Acessibilidade compreendem os estudos, interpretações, proposições, concepções,
metodologias, processos, técnicas e soluções executivas para os sistemas de
infraestrutura, saneamento básico e ambiental, sistema viário, sinalização, tráfego e
trânsito urbano e rural, mobilidade e acessibilidade.
Art. 19º Os conteúdos de Tecnologia da Construção e Sistemas Estruturais
compreendem o conjunto organizado dos conhecimentos científicos, empíricos e
intuitivos dos sistemas construtivos e estruturais no campo da Arquitetura, do
Urbanismo e do Arquitetura da Paisagem empregados na pesquisa, no
desenvolvimento, na produção, na avaliação de desempenho, no reconhecimento de
patologias e sua recuperação, na manutenção, na qualidade e na provisão de elementos
e produtos de construção, levando em conta o impacto socioambiental da produção, do
uso e do descarte dos materiais e estruturas.
Art. 20º Os conteúdos de Gestão de Obras compreendem o conjunto organizado dos
conhecimentos científicos, empíricos e intuitivos empregados na supervisão,
coordenação, gestão e orientação técnica; na direção de obras e serviços técnicos; na
execução, fiscalização e condução de obras, instalações e serviços técnicos.
Art. 21º Os conteúdos de Conforto Ambiental e desempenho do espaço construído
compreendem o conjunto organizado dos conhecimentos científicos, empíricos e
intuitivos e os experimentos laboratoriais relativos à habitabilidade e ao conforto
humano nos ambientes; estudos, concepções e proposições para assegurar condições
de habitabilidade e conforto, e a eficiência lumínica, térmica e acústica das edificações
e dos espaços públicos respeitando as características ambientais locais; a busca por
tecnologias e alternativas de redução do consumo de água, de energia e de recursos
naturais no enfrentamento da emergência climática.
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Art. 22º Os conteúdos de Desempenho e Segurança das Edificações compreendem o


conjunto organizado dos conhecimentos científicos, empíricos e intuitivos relativos às
condições de segurança na construção, no uso e na manutenção dos edifícios; estudos,
proposições, projetos e especificações para assegurar condições de segurança contra
incêndio e pânico e a prevenção de riscos, sob todas as suas formas, nas edificações.
Art. 23º Os conteúdos de Desenho Universal compreendem o conjunto organizado dos
conhecimentos científicos, empíricos e intuitivos relativos à percepção, ao
entendimento e às possibilidades para a utilização com segurança e autonomia de
edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, objetivando projetar
e adaptar espaços que atendam às necessidades dos usuários de forma universal.
Art. 24º Os conteúdos de Teoria, Projeto e Técnicas de Restauro e Conservação do
Patrimônio Cultural compreendem o entendimento dos processos de constituição e
preservação da memória, o conjunto organizado dos conhecimentos científicos,
empíricos e intuitivos relativos ao patrimônio cultural, o domínio de metodologias,
técnicas e tecnologias para a preservação, conservação, restauração, reconstrução,
reabilitação, revalorização, requalificação e reutilização de edifícios, conjuntos
edificados, ruínas, conjuntos paisagísticos, paisagens, sítios urbanos, cidades e regiões.
Art. 25º Os conteúdos de Projetos e Produção de Habitação de Interesse Social e
Assessoria Técnica compreendem a elaboração de programas de necessidades, estudos,
concepções, definição de processos e técnicas construtivas, detalhamentos e soluções
executivas para obras de Habitação de Interesse Social; metodologias de planejamento
e projeto colaborativos a partir do entendimento da produção social do espaço urbano
e da cadeia produtiva da construção civil, técnicas, aspectos regulatórios e estudos
econômicos voltados para a Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social.
Art. 26º Os conteúdos de Topografia compreendem a elaboração e a interpretação de
levantamentos topográficos e cadastrais para a realização de projetos de arquitetura,
de urbanismo e de arquitetura da paisagem, fotointerpretação, geoprocessamento,
leitura, interpretação e análise de dados e informações topográficas e sensoriamento
remoto.
Art. 27º Os conteúdos de Gestão de Projetos, Processos e Técnicas em Arquitetura e
Urbanismo compreendem o entendimento das relações de trabalho na cadeia produtiva
da construção civil, o conhecimento e a aplicação de normas e técnicas relativas ao
espaço natural e construído, a compatibilização de projetos e o processo técnico,
econômico, ambiental, político e social capaz de integrar recursos e ações para a
produção de resultados.
Art. 28º Os conteúdos de Ética e Prática Profissional compreendem o entendimento das
relações éticas no campo do trabalho e o conjunto organizado dos conhecimentos sobre
a prática profissional, modos de organização do trabalho, responsabilidades e
obrigações para com a sociedade e para com a comunidade profissional, considerando
o papel social da Arquitetura e do Urbanismo. O arquiteto e urbanista deverá promover
a produção de espaços acolhedores e seguros para todos os segmentos da população,
independentemente de classe social, etnia, identidade de gênero, idade, condição física
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 29

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e orientação sexual, além de eliminar barreiras arquitetônicas e urbanísticas sempre que


possível.
5. ORGANIZAÇÃO CURRICULAR / PEDAGÓGICA
Art. 29º O conteúdo dos núcleos de conhecimento deverá ser disposto, em termos de
carga horária e de planos de estudo, em atividades práticas e teóricas, individuais ou em
equipe, tais como:
I. aulas teóricas, complementadas por conferências e palestras programadas como
parte do trabalho didático regular;
II. aulas práticas, produção em ateliê e espaços destinados às atividades projetuais;
III. experimentação e fabricação em laboratórios e canteiros de obras, elaboração
de modelos e protótipos, consulta a bibliotecas e a bancos de dados;
IV. viagens de estudos para o conhecimento de obras arquitetônicas, conjuntos
históricos, unidades de conservação do patrimônio natural, cidades e regiões que
ofereçam questões de interesse;
V. visitas a obras e canteiros de obras, levantamento em campo de edificações e
bairros, consultas a arquivos e a instituições, contatos com gestores, grupos
sociais e comunidades;
VI. pesquisas temáticas, bibliográficas e iconográficas, documentação de
arquitetura, urbanismo e arquitetura da paisagem e produção de inventários e
bancos de dados;
VII. projetos de pesquisa e de extensão;
VIII. atividades extensionistas vinculadas aos conteúdos curriculares;
IX. experiências em escritórios modelo de arquitetura e urbanismo, ateliês
universitários de extensão e núcleos de práticas de projetos serviços à
comunidade, relacionadas com as atribuições profissionais da área e sob
supervisão de docente arquiteto e urbanista, dedicadas preferencialmente a
ações de assessoria técnica a comunidades e grupos sociais; e
X. participação em atividades extracurriculares, como encontros, exposições,
concursos, premiações, seminários internos ou externos à instituição, bem como
sua organização.
Parágrafo único O projeto político-pedagógico do Curso deverá demonstrar
claramente, tendo em vista o perfil desejado do egresso e as relações entre teoria e
prática, como o conjunto das atividades previstas garantirá o desenvolvimento das
competências e habilidades necessárias à atuação profissional do Arquiteto e Urbanista.
Art. 30º O projeto pedagógico do Curso deverá prever em sua organização curricular:
I. uso de metodologias ativas de ensino com critérios coerentes de
acompanhamento e avaliação do processo de ensino-aprendizagem e
participação do estudante no processo de construção e difusão do
conhecimento;
II. uso de metodologias de ensino presencial voltadas ao desenvolvimento das
capacidades crítica, criativa e propositiva e da autonomia intelectual;
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 30

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III. uso de metodologias projetuais de ateliê, presenciais e investigativas, para os


conteúdos de Projeto de Arquitetura, Projeto de Arquitetura de Interiores,
Projeto de Urbanismo, Projeto de Arquitetura da Paisagem, Planejamento e
Projeto Urbano, Regional e Metropolitano, Planos e Projetos Ambientais, Planos
e Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural Construído, Projetos e
Produção de Habitação de Interesse Social e Assessoria Técnica, sem prejuízo de
outros conteúdos considerados adequados a tal metodologia;
IV. estratégias e dinâmicas pedagógicas que possibilitem situações de reflexão e
prática presenciais sobre a participação e a colaboração popular no
planejamento e na gestão democrática dos espaços naturais e construídos;
V. diversificação dos cenários de ensino e aprendizagem, possibilitando ao
estudante vivenciar presencialmente a realidade profissional, a organização do
trabalho em Arquitetura e Urbanismo e as práticas interprofissionais
colaborativas;
VI. possibilidades de flexibilização curricular que se coadunem com a busca de
inovação inerente ao campo da Arquitetura e do Urbanismo, sem perda do
conhecimento essencial ao exercício da profissão;
VII. uso de tecnologias de informação e comunicação viabilizando o acesso digital e
comunicacional e a interatividade entre docentes, discentes e comunidades
externas, assegurando o acesso a materiais e a recursos didáticos e propiciando
experiências diferenciadas de aprendizagem;
VIII. apoio ao estudante contemplando ações de acolhimento e permanência,
acessibilidade metodológica e instrumental, monitoria, nivelamento, apoio
psicopedagógico, participação em centros acadêmicos, incentivo aos
intercâmbios nacionais e internacionais, mobilidade acadêmica e ações
inovadoras.
6. ESTÁGIO
Art. 31º O Estágio é componente curricular indispensável à formação do arquiteto e
urbanista, supervisionado e desenvolvido no ambiente de trabalho, e visa ao
aprendizado e à consolidação das competências próprias da atividade profissional.
Art. 32º O Estágio Obrigatório é conteúdo curricular obrigatório, requisito para
aprovação e obtenção de diploma, com carga horária mínima de 360 horas, regido por
regulamento próprio definido pela Instituição.
Art. 33º O projeto pedagógico do Curso poderá incluir nas atividades de formação o
estágio não obrigatório, desenvolvido como atividade opcional e acrescido à carga
horária regular.
Art. 34º Os Estágios obrigatório e não obrigatório deverão ter acompanhamento efetivo
pelo supervisor da parte concedente, comprovado por vistos em relatórios e chancelado
por professor coordenador de estágio do Curso.
Art. 35º O termo de compromisso celebrado entre a Instituição de Ensino e a
concedente do estágio deverá indicar as condições de adequação do estágio ao projeto
pedagógico do curso.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 31

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Art. 36º A Instituição de Ensino poderá reconhecer e aproveitar atividades realizadas


pelo estudante em ambientes profissionais, desde que contribuam para o
desenvolvimento das habilidades e competências previstas no projeto político-
pedagógico do curso e compreendam o atendimento às atribuições profissionais
estabelecidas.
Art. 37º As atividades de extensão, de monitorias e de iniciação científica na educação
superior, desenvolvidas pelo estudante, somente poderão ser equiparadas ao estágio
em caso de previsão no projeto pedagógico do curso.
Art. 38º A Instituição deverá emitir regulamentação própria contendo,
obrigatoriamente, critérios, procedimentos e mecanismo de avaliação, abrangendo
diferentes modalidades de operacionalização e diretrizes para celebração dos convênios
de estágio.
7. ATIVIDADES COMPLEMENTARES DE GRADUAÇÃO
Art. 39º As atividades complementares de graduação são componentes curriculares
enriquecedores e implementadores do perfil do formando e deverão possibilitar o
desenvolvimento de habilidades, conhecimentos, competências e atitudes do
estudante, considerando também as adquiridas fora do ambiente acadêmico, que serão
reconhecidas mediante processo de avaliação.
§ 1º As atividades complementares podem incluir projetos de pesquisa, monitoria,
iniciação científica, cursos e projetos de extensão, módulos temáticos, seminários,
simpósios, congressos, conferências, disciplinas oferecidas por outras instituições de
educação, além de participação comprovada em atividades extracurriculares como
encontros, exposições, concursos, premiações, seminários internos ou externos à
instituição, viagens de estudo e visitas técnicas.
§ 2º As atividades complementares devem corresponder a no máximo 3% (três por
cento) da carga horária total do curso, e devem ser distribuídas entre diferentes tipos
de atividades.
§ 3º As atividades complementares devem ser validadas por instância própria, cabendo
à Instituição aprovar o correspondente regulamento.
§ 4º As atividades complementares não poderão ser confundidas com o estágio
obrigatório.
8. PESQUISA E EXTENSÃO
Art. 40º O projeto pedagógico do Curso deve demonstrar em seus componentes
curriculares, de modo inequívoco, a articulação entre ensino, pesquisa e extensão,
considerando-as como inseparáveis e indispensáveis à formação para a prática da
função social do Arquiteto e Urbanista e à inserção da academia no conjunto da
sociedade.
§ 1º Os incentivos à pesquisa e à extensão devem considerar a diversidade de campos
inerentes à educação do Arquiteto e Urbanista e contemplar as demandas efetivas de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 32

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natureza econômica, social, cultural, política e ambiental, convergindo para a promoção


da cidadania, da inclusão e do desenvolvimento social;
§ 2º as atividades, programas e projetos de extensão devem assegurar, no mínimo, 10%
(dez por cento) do total de horas do curso orientando sua ação, prioritariamente, para
áreas de pertinência social;
§ 3º a integração entre ensino, pesquisa e extensão, assim como a curricularização desta
última, deverá estar expressa nos projetos políticos pedagógicos do Curso.
9. TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
Art. 41º O Trabalho Final de Graduação é componente curricular obrigatório e realizado
ao longo do último ano ou semestre de estudos, após a integralização dos componentes
curriculares relativos ao núcleo de conhecimentos profissionais, centrado em
determinada área teórico-prática de formação profissional, como consolidação das
metodologias de pesquisa e projetuais, configurando atividade de síntese e integração
de conhecimento, e observará os seguintes preceitos:
I. ter como objetivo avaliar as condições de qualificação do formando para acesso
à atuação profissional;
II. ser trabalho individual, com tema de livre escolha do aluno, obrigatoriamente
relacionado com as atribuições profissionais, com abordagem teórico-prático e
elaboração propositiva;
III. ser desenvolvido sob a supervisão de professor orientador, escolhido pelo
estudante entre os docentes arquitetos e urbanistas do curso, segundo critérios
da Instituição, com atendimento de forma individual;
IV. atender à carga horária mínima de orientação semanal individual e presencial de
1 hora aula; e
V. ser avaliado por uma comissão que inclui, obrigatoriamente, a participação de
arquiteto(s) e urbanista(s) não pertencente(s) ao próprio curso, cabendo ao
examinando a defesa presencial do TFG perante essa comissão.
Parágrafo único A Instituição deverá emitir regulamentação própria contendo,
obrigatoriamente, critérios, procedimentos e mecanismo de avaliação, além das
diretrizes e técnicas relacionadas com sua elaboração.
10. INFRAESTRUTURA (ATELIÊS, LABORATÓRIOS E BIBLIOTECA)
Art. 42º O processo de ensino-aprendizagem no Curso de Graduação em Arquitetura e
Urbanismo exige estreita interação entre teoria e prática, e deve ser estruturado a partir
das práticas em ateliê e laboratórios e no diálogo direto e presencial entre professor e
aluno.
Art. 43º Para atingir os objetivos e o desenvolvimento pleno dessas Diretrizes, o Curso
de Graduação em Arquitetura e Urbanismo deverá ser equipado adequadamente com
laboratórios específicos de Conforto ambiental, Instalações prediais, Maquetes,
modelagem e fabricação digital, Materiais e técnicas construtivas, Topografia e
geoprocessamento, Ateliês e salas de projetos, Instalações para pesquisas e estudos
avançados, Canteiros experimentais de obras e Bibliotecas com acervo adequado,
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suficiente e atualizado, incluindo acervo físico e digital, e disponibilidade de tecnologias


atualizadas para o intercâmbio de informações.
§ 1º Os laboratórios e ateliês deverão estar equipados com instrumentos e
equipamentos necessários e prever espaços para respectivas aulas teóricas.
§ 2º Deverá ser previsto o acesso à utilização de computadores, equipamentos de mídia,
modelagem e fabricação digital.
§ 3º Os laboratórios citados no caput do artigo poderão ser compartilhados, desde que
garantido o acesso dos docentes e discentes.
11. COORDENAÇÃO E CORPO DOCENTE
Art. 44º A Coordenação do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo deve ser
exercida exclusivamente por docente arquiteto e urbanista.
Art. 45º As coordenações e supervisões de Estágio, Atividades Complementares de
Graduação, Pesquisa e Extensão devem ser exercidas por docente arquiteto e urbanista
ou de áreas afins.
Art. 46º Os docentes do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo devem ter
qualificação acadêmica e experiência profissional em suas áreas de atuação específica,
como requisito mínimo para ministrar os conteúdos sob sua responsabilidade.
Art. 47º A qualificação e a capacitação docente devem ser estimuladas pela Instituição,
tendo como finalidade a melhoria da qualidade do ensino e a construção coletiva da
função social dos professores, através de estratégias de mobilidade acadêmico-
profissional, cooperação e capacitação de profissionais por meio de redes nacionais e
internacionais.
12. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DO CURSO
Art. 48º O Projeto pedagógico do Curso deverá prever processos de acompanhamento
e avaliação que considerem:
I. sistema de avaliação do aprendizado dos estudantes claramente definido nas
descrições dos componentes curriculares, baseando-se nas competências,
habilidades, atitudes e conhecimentos curriculares desenvolvidos, com
informações sistematizadas e acessíveis.
II. procedimentos de acompanhamento e de avaliação dos processos de ensino-
aprendizagem, que possibilitem o desenvolvimento e a autonomia do estudante
de forma contínua e efetiva, com mecanismos que garantam sua natureza
formativa e resultem em ações concretas para a melhoria da aprendizagem;
III. mecanismos de autoavaliação periódica do Curso que envolvam a comunidade
acadêmica, e que resultem em ações para o contínuo aprimoramento das
práticas pedagógicas; e
IV. incorporação das avaliações externas como insumo para o aprimoramento
contínuo do planejamento do curso
13. DURAÇÃO E CARGA HORÁRIA
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Art. 49º O Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo terá carga horária mínima
e referencial de 3.600 (três mil e seiscentas) horas dedicadas exclusivamente aos
componentes curriculares definidos nestas DCN, integralização mínima em cinco anos,
e deve ser oferecido na modalidade presencial, tendo em vista as características da
profissão e a natureza do saber da Arquitetura, do Urbanismo e da Arquitetura da
Paisagem, que demandam como fundamental a vivência das relações interpessoais, e
cuja produção inadequada pode apresentar risco à vida e à saúde dos usuários.
§ 1º Na carga horária definida acima, excetua-se o estágio curricular, as atividades
complementares e a Extensão Universitária.
§ 2º As atividades de ateliê, em laboratório e em canteiros experimentais, de orientação
e supervisão de estágio, de orientação de Trabalho Final de Graduação e de pesquisa e
práticas de extensão devem ser obrigatoriamente presenciais.
§ 3º As atividades extensionistas devem corresponder a, no mínimo, 10% da carga
horária total do curso e, de acordo com a Resolução 7 (MEC/CNE/CES) de 18/12/2018,
se inserem nas seguintes modalidades: programas; projetos; cursos e oficinas; eventos
e prestação de serviços, inclusive programas institucionais e de natureza
governamental, que atendam a políticas municipais, estaduais, distrital e nacional.
§ 4º Devem ser previstos no mínimo 10% da carga horária total do curso em disciplinas
de caráter extensionista e/ou atividades de extensão.
§ 5º As atividades de ateliê devem corresponder a, no mínimo, 40% da carga horária
total do curso.
§ 6º O projeto pedagógico do Curso deverá prever a proporção máxima de 1 professor
para 15 estudantes nos conteúdos práticos e de ateliê, e 1 professor para 45 alunos nos
conteúdos teóricos.
Art. 50º Nenhum conteúdo curricular pode ser ministrado totalmente à distância.
14. DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 51º As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Arquitetura e
Urbanismo são obrigatórias em âmbito nacional, e as Instituições de Educação Superior
deverão implantá-las em até 2 (dois) anos, contados da data de publicação desta
Resolução.
§ 1º As IES poderão promover a aplicação integral ou proporcional das DCN de
Arquitetura e Urbanismo aprovadas nesta Resolução aos cursos iniciados no prazo
previsto no caput deste artigo e regidos pelas DCN de Arquitetura e Urbanismo, editadas
pela Resolução CNE/CES nº 2, de 17 de junho de 2010.
§ 2º Os cursos iniciados após o prazo mencionado no caput deste artigo se submeterão
integralmente às DCN de Arquitetura e Urbanismo aprovadas nesta Resolução.
Art. 52º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando a
Resolução CNE/CES nº 2, de 17 de junho de 2010, publicada no Diário Oficial da União,
em 18 de junho de 2010, e demais disposições em contrário.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 35

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COMUNICAÇÕES

PAINEL 1
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 36

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EaD acerca de Regularização Fundiária Urbana durante a


pandemia do COVID-19: metodologia e contribuições para a
política pública

Francisco Álisson da SILVA


Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA);
alissonqaz2015@gmail.com
Daniela de Freitas LIMA
Doutoranda em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Mestra em Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN); danielafreitas1218@gmail.com
Almir Mariano de Souza JUNIOR
Professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e do Programa de Pós-Graduação em
Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido (PLANDITES/UERN); almir.mariano@ufersa.edu.br

RESUMO
A modalidade de ensino à distância (EaD) possibilita profissionalizar e capacitar os mais diferentes públicos
em lugares e tempos distintos, por meio dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) e dos
mecanismos de interação que eles proporcionam, configurando-se como uma alternativa de
instrumentalização de atores envolvidos em políticas públicas, incluindo a Regularização Fundiária
Urbana, que é uma demanda urgente das cidades brasileiras. Neste sentido, o presente trabalho objetiva
analisar a oferta das duas primeiras turmas do curso EaD de Regularização Fundiária Urbana, construído
e oferecido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) em parceria com a Universidade Federal
Rural do Semi-Árido (UFERSA), durante a pandemia da COVID-19, e as possíveis contribuições destes para
a efetivação de políticas públicas. Identificou-se que os cursos tiverem conteúdo exclusivo escrito e
audiovisual, contaram com tutoria especializada em regularização fundiária urbana, suporte operacional
e metodologias de articulação variadas. Desse modo, possibilitaram conhecimento e qualificação técnica
de qualidade para os cursistas a partir dos conceitos e minúcias envolvidas no processo de Reurb, que
podem ser aplicadas nas mais diferentes realidades das regiões brasileiras, colaborando para a diminuição
gradual do déficit habitacional e dos componentes da inadequação das moradias por todo o território.
PALAVRAS-CHAVE: regularização fundiária, modalidade EaD, políticas públicas, COVID-19

1 INTRODUÇÃO
A falta de planejamento dos espaços urbanos, em especial os brasileiros, geram
consequências na realidade cotidiana bastante preocupantes, como é o caso da
urbanização desordenada. Esse cenário contribui para o déficit de serviços
fundamentais que garantem o direito à cidade (MARGUTI, 2018). Além disso, são
ampliadas a segregação socioespacial, a exclusão e a informalidade, seja pela
concentração geográfica e social ou pelas cidades serem capitalistas, conflituosas,
fragmentadas e divididas (MARICATO, 2013; HARVEY, 2013).
Diante deste quadro, as práticas que evidenciam o espaço urbano e auxiliam essa
segregação socioespacial são, segundo Harvey (2013), oriundas das particularidades e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 37

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especificidades da malha, para cada segmento social e que, para Carvalho et. Al. (2019),
afetam os serviços mínimos de acesso à saúde e segurança, resultando em uma baixa
qualidade de vida.
Em 11 de Julho de 2017, foi instituído no território nacional a Lei nº 13.465/2017, que
trata de Regularização Fundiária Urbana (Reurb), que abrange medidas jurídicas, sociais,
ambientais e urbanísticas nos núcleos urbanos informais com o propósito de titular os
seus ocupantes. O objetivo da Reurb é prestar serviços públicos essenciais, integração
social, cumprir a função social, titular os proprietários, ratificando os direitos reais
através de uma moradia digna, além de influenciar a população a permanecer nessa
regularidade (BRASIL, 2017a).
Do mesmo modo que a regularização fundiária transforma o ocupante de uma
residência em titular dos direitos reais, a educação a distância é uma prática
estruturante, transformadora de democratização da educação e que avança com as
políticas públicas em um projeto político social que abrange local, regional e
nacionalmente os mais diferentes níveis de ensino (HETKOWSKI; LIMA, 2004). Neste
sentido, a formação de profissionais e comunidades é fundamental em uma perspectiva
que provoque a associação teórico e prática, pois a construção do conhecimento
envolve reflexões sobre as concepções que sustentam as formas de trabalho no
cotidiano.
A educação à distância (EaD) é uma modalidade de ensino que utiliza recursos
tecnológicos de informação e comunicação para os processos de ensino e
aprendizagem, entre os estudantes e professores em lugares e tempos diversos. Esta
modalidade requer vontade, empenho e leitura, aliado a um bom suporte didático, seja
de informática, recursos audiovisuais ou suporte tutorial (MARTINS; SOUZA, 2009;
BRASIL, 2005). Com o reconhecimento da extensão universitária como ponte entre a
sociedade e uma política social que responde aos seus anseios da sociedade (JEZINE,
2001; KOGLIN; KOGLIN, 2019), as universidades estão mais que preparadas para
profissionalizar a sociedade como um todo em suas mais diferentes formações e classes
sociais.
Nesta perspectiva, em 2019 foi pactuada uma parceria entre o Ministério do
Desenvolvimento Regional (MDR) e a Universidade Federal Rural do Semi-Árido
(UFERSA) com a finalidade de ser gerada instrumentalização de diferentes atores para a
execução de Regularização Fundiária Urbana e outras políticas públicas que a envolvem
diretamente, uma vez que além de se conhecer o que é evidenciado nas legislações e
normativos associados a estas, é preciso entender como aplicá-los nas diferentes
realidades. As atividades desta parceria são efetivadas pelo Projeto de Pesquisa e
Extensão Desenvolvimento de Conteúdo Técnico e Capacitação EaD sobre Regularização
Fundiária (MAPA), vinculado ao Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra
Urbanizada.
A primeira turma dos cursos foi ofertada a partir de abril de 2021, composta por cinco
módulos, de forma tutorada. Os cursos possuíam público-alvo específico, sendo eles:
gestores municipais, servidores estaduais e federais, além de profissionais que tivessem
relação direta com os processos de regularização fundiária, da organização, gestão do
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 38

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processo, consultores e os profissionais que exerciam suas funções in loco nos núcleos
urbanos informais. A segunda oferta, a partir de maio de 2021, com os mesmos módulos
e apoio de tutores especializados em Reurb para os cursistas, incorporou também
professores, estudantes e outros interessados nesta temática. A abordagem adotada foi
na perspectiva de educação inclusiva, oferecendo atendimento educacional
especializado, abrangendo serviços de apoio operacional e recursos de forma
transversal.
Considerando a importância de se efetivar políticas públicas que promovam a redução
do déficit habitacional e a irregularidade fundiária, o objetivo do presente trabalho é
analisar a oferta das duas primeiras turmas do curso de Regularização Fundiária Urbana,
construído e oferecido pelo MDR em parceria com UFERSA, durante a pandemia de
COVID-19, e as possíveis contribuições destes para a efetivação e políticas públicas de
Reurb.
O texto é composto pelas seções: a) Metodologia, que aborda as etapas para a
realização desta pesquisa; b) Irregularidade fundiária e Educação a Distância (EaD), que
expõe aspectos teóricos e da realidade brasileira nestes dois temas, b) Curso EaD em
Regularização Fundiária Urbana, que apresenta características das turmas EaD em
análise neste trabalho e discorre a importância destes para efetivação de políticas
públicas.

2 METODOLOGIA
Para a concretização deste trabalho, realizou-se o acompanhamento do Curso EaD em
Regularização Fundiária Urbana, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR) em parceria com a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA),
oferecido entre abril e agosto de 2021 e colaborou-se para sua concretização.
O curso em discussão nesta pesquisa foi oferecido em duas turmas, compostas, cada
uma, por cinco módulos. Neste sentido, analisou-se a estruturação do curso; os
conteúdos disponibilizados; o perfil dos inscritos; os feedbacks de cursistas e; associou-
se esses elementos às contribuições para execução de políticas públicas, especialmente
as direcionadas à Reurb.

3 IRREGULARIDADE FUNDIÁRIA E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA


Existem diversas vertentes para o “surgimento” da EaD, uma delas é que foi dividida em
cinco gerações (desde as correspondências até o aprendizado online por meio das
tecnologias de internet) (MOORE; KEARSLEY, 2007), e no Brasil, a história do ensino à
distância ocorreu em três momentos (inicial, intermediário e moderno) (ALVES, 2009).
Passando a ser mais conhecida por meio do ensino supletivo via televisão (COSTA, 2017).
Segundo Coqueiro e Souza (2021), a Educação à Distância tem sua normatização
oficializada no Brasil em 1996, quando foi criada a Secretaria de Educação à Distância
(SEED) pelo Ministério da Educação (MEC). Ao longo do tempo, a EaD foi sendo mais
fortalecida a partir de legislações, a exemplo: Lei nº 9.394/1996, que trata sobre as
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 39

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Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Além disso, segundo esta lei, o poder
público a partir da educação continuada deve incentivar o ensino à distância,
regulamentado posteriormente pelo Decreto nº 5.057/2017 (BRASIL, 2017b), nos mais
diferentes níveis e modalidades.
A modalidade de educação à distância também é entendida por Landim (1997) e Alves
(2009) como efetiva, pois utiliza as tecnologias da informação e comunicação para
instruir alunos que estão separados fisicamente e no tempo. A EaD vem ganhando cada
vez mais destaque, principalmente no cenário pandêmico fortemente vivenciado a
partir de 2020, pois, adapta-se a realidades dos alunos, facilita a formação, sem deixar
de perder a qualidade, sendo um sistema que pode atender diversos públicos
específicos (FARIA; SALVADORI, 2010).
A modalidade EaD é defendida pelos acadêmicos, políticos e empresários, porque trata-
se de uma tendência mundial, principalmente no momento de pandemia da Covid-19
mais fortemente vivenciado a partir de 2020, uma vez que oferece a oportunidade de
continuidade de atividades com efetividade, considerando o respaldo por organismos
internacionais como, o Banco Mundial e a Unesco, que produzem documentos
orientadores (ZAN; KRAWCZYK, 2021; CASTRO; ARAÚJO, 2018).
Apesar das universidades terem inicialmente o propósito de ensino, com o passar dos
anos, revolução industrial e novo sistema de produção, estas instituições passaram a
deter a função de mão de obra com o objetivo de servir aos interesses do capital,
surgindo assim a pesquisa (FAGUNDES, 1986). Por agregarem também a prestação de
serviços, os cursos oferecidos pelas universidades podem ser disponibilizados de forma
remota, o que responde aos interesses e anseios da sociedade, em especial a de classes
menos favorecidas economicamente, o que colabora para a concretização da dimensão
social, apontada como presente nas instituições de ensino por Jezine (2001).
Por possibilitar capacitação concreta, permitindo atender a diversos públicos, que
poderão aprender de acordo com sua a disponibilidade de horário e lugar, a EaD pode
ser uma aliada para a superação da irregularidade fundiária urbana que acomete o Brasil
à medida que pode explanar conteúdos teóricos e práticos de procedimentos de sua
concretização e esclarecer dúvidas.
A nível nacional, segundo a Fundação João Pinheiro (FJP, 2021), em seu relatório de
2016-20191, os problemas relacionados à natureza fundiária estavam presentes em
2.514.972 domicílios em 2016 e, em 3.557.117 em 2019. O impasse fundiário é
considerado pela FJP (2021) uma inadequação das moradias. Entretanto, esta
inadequação inclui outros aspectos, como: adensamento excessivo, cobertura
inadequada, ausência de unidade sanitária, além de carência de infraestruturas, e,
apesar dos elevados números de inadequações, estes os números podem ser ainda
subestimados, pois existe um viés de aquiescência no ato da coleta de dados nos
domicílios (KRAUSE, 2019).

1Para conferir esse e outros dados referentes ao quadro situacional do país. acessar o referido relatório
em: http://fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/04/21.05_Relatorio-Deficit-Habitacional-no-Brasil-
2016-2019-v2.0.pdf
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 40

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O espaço urbano tende a privilegiar determinadas localidades, dotando algumas de


todos os aparatos necessários à qualidade de vida e deixando outras com escassez de
serviços básicos. Este fenômeno altera a realidade nas formas de se habitar, gerando
constantes ocupações irregulares, principalmente em espaços de proteção ambiental,
tanto público quanto privado, e em periferias (MONTEIRO; VERGAS, 2017; SINGER,
1982). Esta desigualdade nítida que ocorre entre as classes sociais é inerente ao
capitalismo (HARVEY, 2005).
A irregularidade fundiária urbana tem uma perpetuação histórica, que afeta todas as
classes sociais, mesmo que com finalidades distintas, e tem ênfase na classe mais
vulnerável social e economicamente, persistindo em seu crescimento (KRAUSE, 2019;
FRANÇA NETO et al., 2019; LIMA; SOUSA JUNIOR, 2020). Este fato ocorreu e ocorreu
tanto pela grande migração campo cidade, com planejamentos que dispersaram a
população em sistemas que privilegiam as forças produtivas e força de trabalho
(HARVEY, 2005).
Para o IPEA (2016), a precariedade habitacional que as residências brasileiras sofrem é
decorrente da baixa oferta de soluções habitacionais, que resulta em uma informalidade
crescente do ponto de vista fundiário e urbanístico, o que afeta o custo da terra, serviços
e infraestrutura. Esse panorama reflete em condições de ocupação ilegal intrínsecas ao
processo de urbanização das cidades brasileiras (MARICATO, 2003).
Com a criação da Lei nº 13.465/2017 que trata sobre a Regularização Fundiária Urbana,
o intuito é que o quadro de informalidade das cidades brasileiras seja reduzido e que o
ambiente urbano possa ser ordenado a partir dos produtos que são gerados em todo o
processo, incluindo o projeto de regularização fundiária (PRF), composto por diferentes
diagnósticos e representações da situação real dos núcleos objeto de Reurb.

4 CURSO EAD EM REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA


O curso EaD em Regularização Fundiária Urbana, ofertado para a primeira (abril a junho
de 2021) e segunda (maio a agosto de 2021) turmas, em um período pandêmico, foi
composto por cinco módulos (Figura 01): Introdução à regularização fundiária urbana;
Procedimentos de regularização fundiária urbana; Instrumentos de regularização
fundiária urbana; Registro da Reurb e; Projetos e Minutas de Lei sobre Reurb; com aulas
gravadas por professores especializados nos assuntos, que detinham atuação em órgãos
públicos nos mais diferentes estados do território nacional.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 41

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Figura 1 - Capas dos cadernos técnicos dos 5 módulos do Curso EaD em Regularização Fundiária Urbana

Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Adaptada pelos Autores (2022).

A modalidade de ensino à distância foi eleita para o curso pelo fato de eliminar as
distâncias geográficas, propiciando qualificar os profissionais por todo o território
nacional, além de possibilitar para o aluno a escolha e organização do seu tempo e local
de estudo, seja na folga dos trabalhos ou finais de semana, e a oportunidade de rever
os conteúdos (COQUEIRO; SOUZA, 2021; HACK, 2011).
Para a divulgação do curso, utilizou-se uma estratégia de comunicação a nível nacional,
que envolveu as redes sociais, hotsite do Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra
Urbanizada; website e redes sociais do Ministério do Desenvolvimento Regional; envio
de E-mails para o público-alvo (servidores municipais, estaduais e conselhos de classe).
Para a inscrição do público-alvo do curso, foi adotado o Google Formulários, que permite
a organização e hospedagem de uma grande quantidade de informações.
O curso foi disponibilizado de forma online e gratuita pela plataforma Moodle,
selecionada por ser referência entre as instituições de ensino, uma vez que contém
diversas funcionalidades, como é o caso de pré-requisitos e conclusão de atividades, que
oferece um controle interno para melhor orientar, por exemplo, que para responder o
questionário avaliativo, é obrigatória a visualização de todas as videoaulas. Segundo
A plataforma Moodle também oferece soluções para possíveis problemas de
hospedagem e proporciona mudanças em seu layout, o que resulta na construção de
uma identidade visual única e de acordo com a proposta, o que foi realizado para este
curso.
Os cursistas contavam com o apoio de tutores especializados e suporte operacional da
plataforma de segunda à domingo, das 08 às 22 horas, com canais de interação por:
fóruns e chats (do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e de aplicação integrada).
Os tutores eram especialistas, mestres e doutores das áreas de Direito, Arquitetura e
Urbanismo, Engenharia Civil e Engenharia Ambiental e Sanitária. Havia também dois
supervisores com experiências na concretização de Reurb e Políticas Públicas, que
assessoravam e acompanhavam os tutores, participavam da materialização de tarefas e
realizavam planejamento das ações do curso junto à coordenação.
Coqueiro e Souza (2021), a existência de assessoramento especializado aos usuários do
EaD permite a construção progressiva do conhecimento à medida que se baseia no
construtivismo, ressaltado por uma interação entre seres humanos.
Foram disponibilizadas videoaulas, cadernos técnicos, materiais complementares que
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auxiliam no ensino-aprendizagem dos cursistas e momentos de diálogo ao vivo. Os


materiais complementares produzidos foram: vídeos animações acerca do papel dos
principais atores da regularização fundiária urbana; Fluxogramas no formato Canva e no
formato Bizagi, com o propósito de gerar eficiência em uma notação BPMN (Business
Process Model and Notation) sobre o Processo Administrativo da Reurb, o Projeto de
Regularização Fundiária e o Registro de Imóveis, no âmbito da Lei nº 13.465/2017, todos
com um caráter didático. Além destes, legislações e normativos também foram
disponibilizados de forma subsidiária.
Lives com debate de temas extras aos apresentados no curso foram concretizadas, com
abertura para a realização de perguntas pelos participantes. Além disso, foram
efetivados momentos de trocas de experiências, em que os cursistas, intermediados
pelos tutores, expuseram atividades da Reurb que já desenvolviam em seus municípios
ou que pretendiam implantar com o conhecimento adquirido com o curso. Esses
encontros caracterizaram uma composição híbrida de oferta de conhecimento,
defendida por Gomes e Pimentel (2020).
A primeira turma do curso teve 696 inscritos e a segunda 2053. O Quadro 1 mostra o
número e a porcentagem de inscritos nessas duas turmas, distribuídos nas regiões
brasileiras.
Quadro 1 – Número e porcentagem de inscritos nas turmas 01 e 02 dos Cursos de Regularização Fundiária Urbana
pelas grandes regiões brasileiras.

TURMA 01 TURMA 02
REGIÃO Quant. de Porcentagem de Quant. de Porcentagem de
inscritos inscritos inscritos inscritos
Nordeste 208 29,89% 619 30,15%
Norte 73 10,49% 203 9,89%
Sul 117 16,81% 368 17,92%
Sudeste 221 31,75% 651 31,71%
Centro-Oeste 71 10,20% 207 10,08%
Sem o dado 6 0,86% 5 0,24%
Total 696 100% 2053 100%
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).

Verifica-se, a partir do Quadro 1, que a maior porcentagem de inscritos foi da região


Sudeste, com pouco mais de 31% (31,75% e 31,71%) do total, em ambas as turmas,
seguido das regiões Nordeste (29,89% e 30,15%) e Sul (16,81% e 17,92%). Percebe-se,
nesse sentido, uma homogeneidade e representatividade entre as grandes regiões
brasileiras.
O Quadro 2 explicita o quantitativo e a porcentagem de inscritos nas turmas 01 e 02
distribuídas em unidades federativas (UF).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 43

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Quadro 2 – Quadro de número e porcentagem de inscritos nas turmas 01 e 02 dos Cursos de Regularização
Fundiária Urbana pelas unidades federativas.

TURMA 01 TURMA 02
UF Sigla Quant. de Porcentagem de Quant. de Porcentagem de
inscritos inscritos inscritos inscritos
Acre AC 0 0,00% 0 0,00%
Alagoas AL 2 0,29% 10 0,49%
Amapá AP 3 0,43% 7 0,34%
Amazonas AM 16 2,30% 9 0,44%
Bahia BA 70 10,06% 129 6,28%
Ceará CE 29 4,17% 102 4,97%
Espírito Santo ES 11 1,58% 30 1,46%
Goiás GO 15 2,16% 32 1,56%
Maranhão MA 13 1,87% 47 2,29%
Mato Grosso MT 9 1,29% 23 1,12%
Mato Grosso do Sul MS 10 1,44% 45 2,19%
Minas Gerais MG 78 11,21% 203 9,89%
Pará PA 28 4,02% 101 4,92%
Paraíba PB 8 1,15% 27 1,32%
Paraná PR 22 3,16% 84 4,09%
Pernambuco PE 32 4,60% 96 4,68%
Piauí PI 7 1,01% 20 0,97%
Rio de Janeiro RJ 11 1,58% 70 3,41%
Rio Grande do Norte RN 44 6,32% 151 7,36%
Rio Grande do Sul RS 42 6,03% 105 5,11%
Rondônia RO 8 1,15% 23 1,12%
Roraima RR 2 0,29% 13 0,63%
Santa Catarina SC 53 7,61% 178 8,67%
São Paulo SP 121 17,39% 353 17,19%
Sergipe SE 3 0,43% 38 1,85%
Tocantins TO 16 2,30% 51 2,48%
Distrito Federal DF 31 4,45% 94 4,58%
Sem o dado - 12 1,72% 12 0,58%
Total - 696 100% 2053 100%
Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).

Nota-se, por meio do Quadro 2, que a maior porcentagem dos cursistas foi do estado de
São Paulo, totalizando pouco mais de 17% dos inscritos em ambas as turmas, seguido
de Minas Gerais para a turma 01, com 11,21% e, 9,89% na turma 02. Para Marçal, Pontes
e Randi (2020), a irregularidade fundiária é mais comum nas grandes cidades brasileiras,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 44

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bem como em locais em que a predominância é a população de renda baixa. Assim, o


número elevado de inscritos destas regiões refletem além da população, a possibilidade
de contornar a informalidade urbana a partir da assimilação de conhecimento no EaD.
O único estado que não registrou inscritos foi o Acre e os que tiveram um número baixo
se comparado aos demais estados foram: Alagoas, Amapá, Mato Grosso e Roraima.
O quadro 3 evidencia o perfil dos inscritos quanto a sua área de atuação ou profissão.
Quadro 3 – Número e porcentagem de inscritos nas turmas 01 e 02 dos Cursos de Regularização Fundiária Urbana
pelas suas profissões ou áreas de atuação.
TURMA 01 TURMA 02

Porcentage Porcentage
Área ou Profissão Quant. de Quant. de
m de m de
inscritos inscritos
inscritos inscritos
Direito 182 26,15% 386 18,80%
Arquitetura e Urbanismo 103 14,80% 321 15,64%
Engenharia Civil 87 12,50% 276 13,44%
Serviço Social 55 7,90% 199 9,69%
Administração 38 5,46% 124 6,04%
Área Ambiental e Biológica 11 1,58% 56 2,73%
Agrimensura 12 1,72% 41 2,00%
Ciências Contábeis 15 2,16% 39 1,90%
Agronomia 9 1,29% 37 1,80%
Pedagogia 8 1,15% 32 1,56%
Agropecuária/Agricultura 3 0,43% 31 1,51%
Serviço Público 14 2,01% 29 1,41%
Geografia 7 1,01% 28 1,36%
Psicologia 4 0,57% 21 1,02%
Economia 5 0,72% 20 0,97%
Gestão Pública 7 1,01% 12 0,58%
Área Bancária 6 0,86% 11 0,54%
Área Cartorária 20 2,87% 9 0,44%
Comunicação Social 2 0,29% 1 0,05%
Outros 108 15,52% 380 18,51%
Total 696 100% 2053 100%

Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).

Verifica-se que as cinco profissões mais presentes entre os inscritos foram: direito
(18,80% e 26,15%), arquitetura e urbanismo (15,64% e 14,80%), engenharia civil
(13,44% e 12,50%), serviço social (9,69% e 7,90%) e administração (6,04% e 5,46%).
Logo, constata-se que essas áreas estão intrínsecas à Reurb, que demanda a atuação
multidisciplinar. Para arquitetura e urbanismo, por exemplo, que possui como um dos
eixos de abordagem a do Planejamento Urbano e Regional/Demografia, o quantitativo
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de inscritos no curso com esta área de atuação ou profissão expõe a pertinência do tema
para estes e destes para a Reurb.
Os números em relação à área e à profissão evidenciam o alcance do público-alvo
proposto e a instrumentalização dos principais profissionais habilitados a realizar as
atividades e produtos resultantes de uma regularização fundiária. Os profissionais de
Direito elaboram e analisam documentos, por exemplo, indicando os caminhos mais
adequados para cada caso, fiscalizando os procedimentos executados, além de facilitar
a compreensão da linguagem jurídica para as equipes e os beneficiários.
Os da engenharia civil podem ter suas funções locadas nos levantamentos dos imóveis
passíveis a regularização, gerando mapas e memoriais, além de estudos sobre áreas
ambientais e de risco, produzindo avaliações, laudos e pareceres técnicos, quando
necessário. Estes profissionais, também podem coordenar, executar e fiscalizar obras
quando estas são necessárias, durante ou depois da finalização do processo.
Para a área do Serviço Social, os profissionais são responsáveis pela elaboração do plano
de comunicação com os beneficiários, que implica em resultado nas etapas do cadastro
físico e social, disponibilização e assinatura de documentos, pactuação do projeto de
regularização fundiária. Existe um estigma por parte da população acerca da
Regularização Fundiária Urbana, que impossibilita muitas vezes a interação social entre
a equipe responsável pela regularização, uma vez que há uma tendência em assimilar a
Reurb a uma imagem de “política assistencialista”, principalmente se a abertura do
processo de regularização for em período eleitoral (MARÇAL; PONTES; RANDI, 2020) e o
profissional da área social é fundamental para superar esses e outros empecilhos que
possam vir a surgir nos núcleos em Reurb.
Os arquitetos e urbanistas identificam as desconformidades e áreas de risco, propondo
soluções, além de contribuírem para a elaboração de plantas urbanísticas, o que resulta
em vários documentos que são obrigatórios para o andamento do processo de
regularização fundiária. É a partir destes profissionais, em parceria com outros, que o
poder público terá à disposição documentação legal para realizar obras de melhoria
habitacional, que propiciam uma moradia minimamente digna para os beneficiários.
Segundo a Lei n° 13.465/2017, art. 10, a Regularização Fundiária tem o papel de
organizar e assegurar a prestação mínima de serviços públicos para núcleos urbanos
informais, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais (BRASIL, 2017a).
A Lei ainda assegura, quando necessárias, obras de infraestruturas que compõem o
projeto urbanístico de regularização fundiária e considera que estão são: sistema de
abastecimento de água potável (individual ou coletivo), sistema de coleta e tratamento
de esgotamento sanitário (individual ou coletivo), rede de energia elétrica domiciliar,
soluções de drenagem e outros equipamentos que serão definidos pelo poder público
municipal em função das necessidades locais e características regionais.
No que se refere ao papel dos profissionais atuam nos cartórios de registro de imóveis
(nas turmas 1 e 2 estes profissionais representam um número de 29), estes realizam a
busca de documentos de propriedade existentes; recebem, analisam e registram os
direitos reais em nome dos beneficiários, garantindo que a regularização dominial seja
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 46

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concretizada.
Para as demais áreas e profissões, Martins e Souza (2022) revelam que a modalidade de
ensino à distância atualmente tende a atender as diferentes formações de nível
superior. É importante enfatizar que os profissionais que atuam nos municípios, são
agentes com papel significativo dentro do processo de regularização fundiária, e que
tendem a ter uma formação diferente da função a qual exercem, exemplo: Bacharelado
em Educação Física na função de Secretário de Assistência Social da cidade, dentre
muitos outros perfis identificados nas duas turmas.
A contribuição que o curso EaD em Regularização Fundiária Urbana para efetivação da
política pública, em especial a de Regularização Fundiária pode ser percebida pelos
feedbacks apresentados pelos cursistas na Pesquisa de Satisfação do curso, nas duas
turmas.
Depoimentos deixados nas turmas 1 e 2 mostram que os cursistas evidenciam a
quantidade de recursos e a amplitude da Regularização Fundiária Urbana: “O tema
Regularização Fundiária é bem abrangente e esse curso conseguiu sanar muitas dúvidas.
Infelizmente não consegui explorar melhor todas as ferramentas disponíveis (Aluno A)”;
“Acredito que o Curso foi bem pensado e organizado da forma que facilitasse o nosso
aprendizado, agregados através das videoaulas, livro e lives (Aluno B)”; “Ter sempre
professores com a didática do apresentador do Módulo V. Muito bom!!! A do Módulo I
também foi boa! (Aluno C)”.
O primeiro módulo, Introdução à Regularização Fundiária Urbana, debateu acerca da
origem do conceito de regularização fundiária, quais os seus marcos legais, quais os
tipos de irregularidade (favelas; loteamentos clandestinos ou irregulares; cortiços;
palafitas, margens de rios e canais; ocupação de terras públicas, dentre outros) que
assolam os núcleos urbanos informais, a sistemática que envolve o processo complexo
e multifacetário da Reurb, quem são os protagonistas e os envolvidos, além de discutir
o diagnóstico inicial das desconformidades presentes. Para Maricato (2013) as cidades
brasileiras são construídas por moradores (geralmente força de trabalho barata) em
áreas invadidas (segregadas), que carecem de fiscalização, são ambientalmente frágeis,
o que desrespeita as legislações vigentes, decorrentes da ausência em sua concepção
de profissionais arquitetos e engenheiros.
O módulo II, Procedimentos de Regularização Fundiária Urbana, enfatizou como
notificar os envolvidos no processo, o trabalho social, o projeto de regularização
fundiária (PRF), o projeto urbanístico e cronograma físico, se necessário, além das
especificidades entre a Reurb-E (Regularização Fundiária de Interesse Específico) e
Reurb-S (Regularização Fundiária de Interesse Social). A principal diferença entre essas
duas modalidades é descrita na Cap. I, art. 13 da Lei nº 13.465/2017, que é as faixas de
renda (BRASIL, 2017a).
No âmbito da Reurb, poderão ser empregados diversos instrumentos jurídicos e pelo
fato da lei amparar muitos instrumentos, o módulo III (Instrumentos de Regularização
Fundiária Urbana), tinha o objetivo de explicá-los e esclarecer em que situações podem
ser empregados. Importante ressaltar o papel da assessoria jurídica na consolidar desta
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escolha. Por se tratar de um conteúdo extenso, os alunos deixaram sugestões como: “O


Módulo III - Instrumentos de Regularização Fundiária ficou bastante extenso. Talvez
dividi-lo em um módulo de instrumentos de apoio e outro de titulação. (Aluno D)”.
A Reurb é parte integrante do desenvolvimento urbano, pois constitui uma das
ferramentas do poder público que promove melhoria das moradias e habitabilidade
(ÁVILA; FERREIRA, 2016). Uma das etapas indispensáveis para a Regularização Fundiária
Urbana é o Registro do Imóvel, motivo pelo qual o módulo IV (Registro da Reurb) foi
dedicado a este conteúdo. Neste foram efetivadas orientações dos princípios
(impessoalidade, continuidade, publicidade, instância, etc.) e dos procedimentos
registrais necessários (averbação, instauração, abertura, ato, etc.) em uma Reurb, quais
peças técnicas devem ser encaminhadas aos cartórios (CRF, Projetos, etc.), quais tipos
de documentos são emitidos por estes (notas, certidões, declarações, notificações) e os
emolumentos envolvidos. Um dos materiais complementares desenvolvidos para este
módulo foi o fluxograma em Bizagi do Processo de Registro de Imóveis, descrevendo as
atividades, agentes e fases2 (Figura 2).
Figura 2 - Fluxo que descreve as atividades do processo de Registro de Imóveis com base na Lei nº 13.465/2017

Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021).

Ter a segurança jurídica que o processo de regularização fundiária garante é essencial


(SATHLER, 2020; MOREIRA; FERREIRA JÚNIOR, 2020), pois a partir dela é propiciado,
entre muitos outros benefícios, que o município arrecade impostos para possíveis
investimentos em obras, e que seja efetivada a justiça social e o direito à cidade
(RODRIGUES, 2016; DESENGRINI, 2019).
A Certidão que é emitida no cartório é associada aos direitos reais listados pelo art. n°
1.225 do Código Civil: propriedade; superfície; servidões; usufruto; uso; habitação;
direito do promitente comprador do imóvel; penhor; hipoteca; anticrese; concessão de
uso especial para fins de moradia; concessão de direito real de uso; laje. Para Rodrigues
(2016), ter o título de propriedade possibilita que o morador agora beneficiário titular
dos direitos reais, negociar individualmente ou coletivamente o seu imóvel,
transformando a terra em mercadoria com as garantias jurídicas.

2 Para visualizar melhor e interagir com o Processo de Registro de Imóveis, acesse https://bizagi-

mapa.github.io/Processo_de_Registro_de_Imoveis
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Esses e outros detalhes exibem a complexidade de informações necessárias para


entender, com conhecimento técnico, as minúcias do processo de regularização
fundiária desde sua implantação até a entrega dos títulos. Corroborando com este
pensamento, em resposta à Pesquisa de Satisfação, um cursista comentou:
“Regularização Fundiária é um tema complexo, demanda a explicação de muitos
detalhes [...] (Aluno E)”
O módulo V (Projetos e Minutas de Lei sobre Reurb) colaborou na promoção das
políticas habitacionais à medida que aborda o papel dos municípios e dos estados (que
podem ser um dos legitimados, no processo de regularização fundiária) no que cerne
em especial o direito à cidade, além de discorrer sobre a regulamentação desses entes
na promoção da Reurb e apresentar exemplos de Certidões de Regularização Fundiária.
A Certidão de Regularização Fundiária é um documento enviado ao cartório vinculado à
circunscrição na qual estão localizados os imóveis objeto da Reurb para que ocorram os
procedimentos registrais necessários.
Portanto, o conteúdo do curso de Regularização Fundiária Urbana, ofertado nas duas
turmas discutidas neste trabalho, contribuiu para a efetivação da política pública que
reduz a informalidade urbana e gera planejamento da cidade, porque instrumentalizou
diversos atores promotores ou em potencial para executarem a Reurb e também
oportunizou aprendizado para a sociedade em geral, que pode ser beneficiária da Reurb
e deve aceitar o processo para que ele ocorra, uma vez que as inscrições poderiam ser
realizadas por qualquer público na segunda turma.

5 CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES
A regularização fundiária urbana, especialmente no que tange à modalidade Reurb-S, é
necessária para superar o cenário nacional segregador. Entretanto, é necessário que os
atores envolvidos no processo tenham conhecimento suficiente para efetivá-la.
Neste sentido, a parceria pactuada entre o Ministério do Desenvolvimento Regional e a
Universidade Federal Rural do Semi-Árido é um exemplo de capacitação técnica no tema
de Regularização Fundiária Urbana, oferecida na modalidade à distância em período
pandêmico, que pode colaborar para o avanço desta política pública.
O conteúdo, metodologia, suporte, quantitativo de inscritos (com a diversidade de
formações e áreas de atuação) e os depoimentos positivos demonstram que o curso
atingiu o objetivo de capacitação e amplia a perspectiva de aplicação dos aprendizados
obtidos na redução da informalidade das cidades.

AGRADECIMENTOS
Ao Projeto de Pesquisa e Extensão Desenvolvimento de Conteúdo Técnico e Capacitação
EaD sobre Regularização Fundiária Urbana (MAPA), vinculado ao Núcleo de Pesquisa e
Extensão Acesso à Terra Urbanizada, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, e ao
Ministério do Desenvolvimento Regional, pela oportunidade de desenvolver com
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qualidade e excelência pesquisas em uma das áreas da Arquitetura e Urbanismo.

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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

O impacto da pandemia da COVID19 no desenvolvimento dos


Trabalhos finais de Graduação do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte:
uma análise a partir da percepção discente

Amíria Bezerra BRASIL


Universidade Federal do Rio Grande do Norte; amiria.brasil@ufrn.br
Renato de MEDEIROS
Universidade Federal do Rio Grande do Norte; renato.medeiros.1@ufrn.br

RESUMO
No intuito de contribuir com a análise dos impactos da pandemia da COVID-19 no processo de ensino-
aprendizagem de arquitetura e urbanismo esse artigo se propõe a compreender alguns resultados dos
trabalhos finais de Graduação (TFG), desenvolvidos entre 2020 e 2021, utilizando o curso da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como objeto de reflexão. O Plano Pedagógico desse Curso (PPC)
tem com princípio norteador a integração de conteúdos, expressa tanto pelos componentes de projeto e
ateliê integrados, quanto pelos pré e co-requisitos. Além disso, é um curso que prima pelas atividades
práticas, visitas de campo, visitas técnicas e um contato direto aluno-professor. Esses fatores impactam
nos trabalhos finais de graduação que refletem, com qualidade, as complexidades da formação em
arquitetura e urbanismo. Entretanto, a pandemia da COVID-19 e, consequentemente, o ensino
emergencial remoto trouxeram necessárias mudanças e adaptações para o desenvolvimento dos TFG no
formato digital. Assim, a partir da escuta dos alunos formados nos anos 2020 e 2021, e considerando
alguns dados que já são possíveis serem extraídos do processo, este artigo inicia uma discussão urgente
sobre os impactos do formato remoto para o processo de ensino-aprendizagem de arquitetura e
urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho final de graduação, ensino remoto, pandemia COVID-19, ensino de
arquitetura e urbanismo

1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo principal compreender os impactos da pandemia da
COVID-19 no desenvolvimento dos trabalhos finais de Graduação (TFG) no curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
especificamente no período compreendido entre 2020 e 2021 (considerando os três
semestres letivos finalizados: 2020.1, 2020.2 e 2021.1). Para tanto, busca construir um
retrato a partir da análise de dados quantitativos e qualitativos extraídos a partir das
informações de números de matriculados na atividade TFG, mas sobretudo, por meio
da percepção discente, obtida com a aplicação de formulários respondidos por meio
virtual, com o uso da ferramenta Google Form.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 52

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Foi visto que outros autores desenvolveram pesquisas semelhantes, e em outras áreas
de formação (AMARAL, 2021) ou no ensino de AU, demonstrando inquietações quanto
a problemática identificada, relacionada diretamente com as atividades postas em
prática em situação emergencial no ensino superior. É o caso de PINHEIRO (2021) que
estudou em seu próprio trabalho de conclusão as experiências do ensino remoto no
cenário da pandemia da COVID-19 no ensino de arquitetura e urbanismo no estado de
Sergipe.
Inicialmente, o artigo apresenta a conceituação do Trabalho Final de Graduação e trata
da sua relevância para o processo de ensino-aprendizagem na formação em AU. A
seguir, contextualiza o universo de estudo: o curso de arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o papel dessa atividade de conclusão de
curso em sua estrutura curricular e em seu Projeto Pedagógico. Posteriormente,
discorre brevemente sobre o cenário emergencial vivenciado a partir de março de 2020,
para a seguir apresentar os dados coletados associados à questão problema. Ao fim são
desenvolvidas as considerações sobre as perdas, os ganhos e a aprendizagem a partir
dos esforços desenvolvidos durante a pandemia para alcançar qualidade no ensino em
Arquitetura e Urbanismo.

2 O TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO


Pelo fato do trabalho final de graduação representar na formação do Arquiteto e
Urbanista um momento importante desse processo, vários autores já discorreram sobre
o assunto e desenvolveram investigações que buscaram compreender os seus diversos
papéis, seja como etapa de uma fase avaliativa e indicadora da qualidade do ensino
(ARCIPRESTE, 2012), enquanto um produto que busca associar teoria e prática
(MARQUES E LOUREIRO, 2009) sobre o seu potencial de integração de conhecimentos
(VELOSO E ELALI, 2011; CAVALCANTE, 2015), entre outras pesquisas mais específicas
como a realizada por (MACEDO, 2010) que trata das representações (desenhos e textos)
nos produtos apresentados pelos discentes e outra que enfoca relações presentes em
projetos arquitetônicos desenvolvidos nessa etapa de conclusão do curso com as
questões tectônicas (BALBI, 2018).
Segundo Arcipreste (2012), para além das funções que desempenham, os trabalhos
finais de curso, apresentam potencial para expor mais do que neles usualmente tem
sido buscado. Sendo parte de um contexto sistêmico e resultado de uma formação mais
ampla que vai além do que a autora denomina de percurso escolarizado, tratam de
questões atuais, que fomentam os interesses dos atores e instituições envolvidas no
processo. Desse modo, “podem revelar sobre o que as escolas estão, de fato,
conseguindo ou não construir” (ARCIPRESTE, 2012, p. 13).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 53

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Do ponto de vista da sua historiografia, o Trabalho Final de Graduação se tornou


obrigatório a partir de 1994, com a primeira edição das Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) que estabeleceram uma nova estrutura para o ensino de arquitetura. No entanto,
como é informado por Balbi (2018), o TFG já era uma atividade comum na maioria das
escolas de Arquitetura no Brasil e neste momento, foi apenas confirmada a exigência de
um trabalho que deveria apresentar características semelhantes em todos os cursos
superiores nacionais.
De fato, os trabalhos de curso, como são denominados desde a última atualização das
diretrizes curriculares nacionais e ocorrida por meio de resolução Nº 2, de 17 de junho
de 2010, possuem o seu devido destaque na organização dos cursos brasileiros. Tal é a
sua relevância que o mesmo documento indica em seu artigo número 6 que
os conteúdos curriculares do curso de graduação em Arquitetura e
Urbanismo deverão estar distribuídos em dois núcleos e um Trabalho de
Curso, recomendando-se sua Interpenetrabilidade: I – Núcleo de
Conhecimentos de Fundamentação; II – Núcleo de Conhecimentos
Profissionais; III – Trabalho de Curso (BRASIL, 2010).

Desse modo, o Trabalho de Curso configura-se como um componente curricular


obrigatório, realizado ao longo do último ano de estudos, centrado em determinada
área teórico-prática ou de formação profissional. Segundo as diretrizes curriculares
nacionais (BRASIL, 2010) trata-se de uma atividade de síntese, integração de
conhecimento e de consolidação das técnicas de pesquisa que deve observar duas
condições: a primeira que indica que o trabalho precisa ser individual e com tema de
livre escolha do estudante que, obrigatoriamente, deve estar relacionado com as
atribuições da profissão e a segunda que aponta para que o seu desenvolvimento ocorra
sob a supervisão de um orientador – um professor escolhido pelo estudante entre os
docentes do curso.
Ao mesmo tempo e conferindo certa autonomia, as diretrizes indicam que cada
instituição deve emitir a sua regulamentação própria, aprovada em suas instâncias
superiores e que por meio dessa, devem ser estabelecidos os critérios, procedimentos,
mecanismos de avaliação, além das diretrizes e técnicas relacionadas com a elaboração
do trabalho de curso.
De acordo com pesquisa realizada em seis instituições do país, Arcipreste (2012)
verificou que, apesar das diretrizes curriculares abrirem espaço para os cursos de
Arquitetura e Urbanismo adotarem abordagens próprias que melhor se ajustem às suas
características e demandas, a condução dos processos do TFG é similar na grande
maioria das escolas pesquisadas. Além disso, observou que são oferecidas disciplinas
preparatórias para o trabalho final; que são realizadas avaliações intermediárias e, em
geral, são aplicados os mesmos instrumentos de controle dos processos (ARCIPRESTE,
2012, p.14).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 54

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A mesma autora também aponta para o modo como os estudantes percebem a


orientação junto aos docentes:
A investigação também evidencia, principalmente na fala dos ex-alunos, a
importância do professor/orientador, a quem cabe tarefa decisiva nas
práticas didático-pedagógicas do TFG. Ainda que o estudante tenha
liberdade de proposição e que dele se espere a condução dos percursos de
problematização envolvidos, em geral, a elaboração do projeto ocorre na
interação e no diálogo orientador-orientando (ARCIPRESTE, 2012, p.14).

Vê-se, dessa maneira, que a relação estabelecida entre as duas partes é tida como
fundamental para os encaminhamentos do trabalho. Nesse processo, em que acontece
o que SCHÖN (ano) denomina de prática reflexiva, a figura do orientador é considerada
importante e quando as partes cumprem os seus respectivos papéis é de se esperar que
os resultados seja profícuos.
A respeito das áreas com maior ênfase nos trabalhos de curso, VELOSO (2009) após
pesquisa realizada com os acervos de trabalhos finais de graduação de nove instituições
brasileiras, indica que apesar dos temas dos trabalhos de conclusão serem de livre
escolha dos estudantes, podendo englobar as diferentes subáreas de conhecimento em
Arquitetura e Urbanismo, a maior parte dos TFG tem como objeto o projeto de
arquitetura. A autora ainda aponta que dentre os procedimentos identificados nas
elaborações dos trabalhos vê-se a realização de pesquisas teóricas e conceituais, além
da aplicação de instrumentos de coletas de dados por meio de metodologias
participativas junto a comunidades envolvidas na temática e/ou no objeto
arquitetônico/ urbano a ser desenvolvido. Além dessas estratégias, os estudantes fazem
uso de estudos de referências ou de precedentes arquitetônicos, realizados de maneira
direta (com visitas in loco) ou indiretamente, por meio, sobretudo, de consultas em
páginas da internet especializadas no conteúdo relacionado à área de Arquitetura e
Urbanismo.
O presente artigo, fundamentado seja nas investigações de outros autores que trataram
do tema, assim como a partir das experiências de seus autores, acumuladas por meio
do ensino em AU, reforça a compreensão de que o TFG adquire uma representação,
para além da atividade avaliativa, amparada em regras gerais e em outras indicações
próprias das instituições às quais se vinculam. Pois o trabalho de conclusão de curso,
converte-se também em um símbolo, que demarca a passagem da academia para a vida
profissional e que, naturalmente, incorpora um grande significado para aqueles que
estão envolvidos no processo. Desse modo, compreender esse rito de passagem e as
condições que o permeiam é essencial para valorizar as diversas reflexões que é capaz
de suscitar.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 55

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Ao tratarmos do caso da formação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal


do Rio Grande e levando em conta como esses trabalhos foram desenvolvidos nos
últimos semestres nos quais vivenciamos a pandemia da COVID-19, faz-se necessário
apresentar o contexto ao qual esta pesquisa se relaciona e como está regimentado o
TFG nesse curso.

3 O CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL


DO RIO GRANDE DO NORTE E O SEU TFG
O curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(CAU/UFRN) foi criado pela Resolução CONSUNI-58/73 de 13 de agosto de 1973, tendo
se desmembrado do Curso de Engenharia em maio de 1977, quando passou a fazer parte
do Centro de Tecnologia. O curso foi reconhecido pelo MEC, através do Decreto Lei n°
83208/79, datado de 28 de fevereiro de 1979 (DARQ, 2006).
Segundo o texto do Projeto Político Pedagógico vigente, o primeiro currículo do
CAU/UFRN baseou-se nos currículos dos cursos de Arquitetura da Universidade de
Brasília e da Universidade Federal do Ceará, refletindo diretamente o momento de seu
surgimento, uma vez que:
(i) submetia os estudantes a uma grande carga de tecnologia; (ii) era
composto por muitas disciplinas isoladas, oferecidas por vários
departamentos da universidade; (iii) impunha um saber compartimentado e
pouco direcionado para a área de atuação profissional (DARQ, 2005, p.4).

A partir de 1989, foi implantado o currículo A3, que buscava eliminar esta fragmentação
com a inserção do princípio da integração de conteúdos disciplinares, princípio que
persistiu nas atualizações curriculares subsequentes, e que será reforçado e ampliado
no currículo que está em aprovação (A6). Nos dias atuais o curso é estruturado em cinco
áreas de estudos: Representação e Linguagem, Projeto de Arquitetura, Planejamento e
Projeto Urbano e Regional, História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo e
Tecnologia.
O curso encontra-se no quinto currículo, denominado A5 (implantado em 2005) e está
em vias de implementação de nova reforma curricular. A sua estrutura atual conta com
um total de cinquenta e sete disciplinas obrigatórias que equivalem a uma carga horária
total de 4580 horas-aula, além dos componentes optativos que somam 300 horas-aula,
tendo como carga horária mínima 4880 horas-aula.
A estrutura do curso atual segue baseada no princípio da integração de conteúdos, tanto
horizontal quanto vertical, expressa pelos componentes curriculares do curso tanto por
co e pré-requisitos, quanto por componentes integrados.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 56

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a busca pela integração deve ser, mais uma vez, um imperativo do curso. A
integração procura a aproximação e a compreensão holística dos
conhecimentos, que estariam, de outra forma, compartimentados,
estudados como se não existisse qualquer relação entre si (UFRN, 2005).

No que diz respeito à integração horizontal, ou seja, no mesmo período, são previstos
três componentes que integram conteúdos de Projeto de Arquitetura, Projeto
Urbanístico e Projeto de Paisagismo ou Planejamento da Paisagem, sendo eles: Projeto
Integrado 3 (5º período), Projeto Integrado 5 (7º período) e Ateliê Integrado (9º
período). Além desses conteúdos, os componentes têm também os conteúdos
complementares compostos pelas disciplinas de estruturas, instalações, conforto
ambiental, teoria e história da arquitetura e do urbanismo, representação gráfica e
tecnologia, de acordo com as necessidades de cada período. Nos demais semestres,
apesar da não existência dos componentes oficialmente integrados, há a previsão de
correquisitos, e os docentes integram conteúdos de componentes diferentes, como por
exemplo, no 6º período em que é exigida uma correlação entre os componentes de
projeto de arquitetura, planejamento e projeto urbano e regional, planejamento da
paisagem e teoria e história da arquitetura e do urbanismo. Ainda complementam a
integração nesse momento, as disciplinas de conforto ambiental, instalações e de
estruturas.
Além da integração horizontal, também há a integração entre períodos, principalmente
a partir dos pré-requisitos. Alguns componentes dão continuidade ao aprendizado dos
conteúdos do período anterior, por exemplo, as análises urbanas feitas no 4º período
servem de base para o desenvolvimento do Projeto Integrado do 5º período. Por fim,
também há o esforço de integração entre a graduação e a pós-graduação,
principalmente a partir da atuação dos estagiários docentes, mas também por meio dos
componentes curriculares que são ofertados em conjunto para a graduação e a pós,
como por exemplo (ARQ0270) Introdução à Morfologia, optativa da graduação, que é
ofertada junto com (ARQ2014) Morfologia do Ambiente Construído, da pós-graduação
(Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU).
Para manter essa integração em funcionamento é necessário um planejamento
contínuo, que acontece ao longo dos semestres entre os professores dos períodos. Cada
período tem um coordenador responsável por promover o diálogo entre os docentes.
Além das reuniões ordinárias dos períodos, há semestralmente, no início do período
letivo, a semana de avaliação e planejamento, que é atualmente obrigatória pela UFRN,
mas que no curso de arquitetura e urbanismo reúne além dos docentes, os discentes
que já cursaram o período e os que irão cursar naquele semestre. Durante a semana, os
docentes avaliam atividades passadas e planejam o semestre que se inicia, e os
discentes podem opinar, colaborando nesse processo. Na opinião dos docentes e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 57

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discentes, os resultados desse diálogo entre os professores e alunos têm sido muito
positivos.
Observa-se que, de acordo com o que foi declarado pelos professores, a integração de
conteúdos disciplinares adotada pelo CAU/UFRN aproxima-se do conceito de
Transdisciplinaridade proposto originalmente por Jean Piaget e defendida por
Campomori para o ensino de arquitetura (CAVALCANTE, 2015).
O princípio da integração, presente em todo o PPC do curso, aparece de forma clara nos
TFG, que apresentam a complexidade de temas e relação dos conteúdos:
Os temas, assuntos ou problemas a serem desenvolvidos pelos alunos no
Trabalho Final de Graduação (TFG) devem expressar o conhecimento
adquirido ao longo do Curso e, sempre que possível, devem estar
relacionados com os núcleos temáticos incluídos nas bases de pesquisa do
Departamento. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, 2006,
p. 03).

O Projeto Pedagógico do CAU/UFRN apresenta como objetivos específicos do TFG:


a) Desenvolver um trabalho que contribua para uma resposta própria à
questões relacionadas com a produção social do espaço;
b) Demonstrar o aprendizado de métodos e técnicas de apreensão,
reflexão e concepção do espaço socialmente produzido com a
proposição de soluções de problemas pertinentes à Arquitetura e Urbanismo;
c) Contribuir para a compreensão e solução de problemas sócio-espaciais
locais, regionais e nacionais;
d) Inserir a atividade exercida pelo estudante no TFG em uma perspectiva de
profissionalização como arquiteto e urbanista, uma vez que o mesmo deve
ser visto como uma experiência que introduz o formando na vida profissional.
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, 2006, p.41).

A dinâmica do TFG é composta por orientações com o professor orientador, uma pré-
banca que deverá ser realizada entre 50% e 65% da carga horária da atividade, com
professores internos ao curso, e a banca final, composta pelo orientador, um avaliador
interno ao curso e um avaliador externo ao curso. Os conteúdos dos TFG podem ser
analíticos e/ou propositivos.

4 O IMPACTO DA PANDEMIA DA COVID-19 NA PRODUÇÃO DOS TFG A


PARTIR DO PONTO DE VISTA DOS ESTUDANTES
Com base nas recomendações da Declaração de Emergência em Saúde Pública de
Importância Internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em normativas
do Ministério da Saúde, da Economia e do Comitê local da instituição, a fim de
implementar ações preventivas em combate ao novo coronavírus, a UFRN suspendeu
no dia 17 de março de 2020, em caráter excepcional e por tempo indeterminado, as
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 58

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aulas; os eventos acadêmicos, científicos, culturais e esportivos, além de todas as


demais atividades que pudessem gerar comprometimento a saúde dos seus usuários e
da população local.
As constantes discussões no âmbito institucional que se seguiram, fizeram com que o
semestre letivo viesse a ser reiniciado apenas em setembro de 2020, após a
implementação de um semestre suplementar e facultativo (denominando 2020.5) com
a duração de 6 semanas, entre junho e agosto do mesmo ano. A aprovação do calendário
para a retomada das aulas referentes ao semestre 2020.1, foi marcado pela publicação
da resolução No 062/2020-CONSEPE, de 05 de novembro de 2020, que instituiu o
formato remoto de ensino e, dentre outras determinações, diminuiu o número de
semanas dedicadas ao período letivo, fazendo com que o semestre acadêmico que,
anteriormente contava com 18 semanas, passasse a ter apenas 15, com a definição de
atividades que passaram a ser tratadas como síncronas e assíncronas. Ou seja, com a
aplicação de métodos distintos, pois, enquanto no momento síncrono deve haver um
contato direto entre o professor e o aluno, a atividade assíncrona é atemporal.
Diante dessa situação e de fatos que aconteceram de modo semelhante por todo o
território nacional, os cursos precisaram desenvolver planejamentos estratégicos para
a retomada e a condução das atividades que compõem a vida universitária: o ensino, a
pesquisa e a extensão. No caso do curso analisado, as principais dificuldades debatidas
em reuniões constantes entre gestores, docentes e discentes, tratavam dos desafios de
tornar uma formação presencial, com suas aulas práticas de ateliês, visitas técnicas e
aulas de campo, em disciplinas mediadas por meio digitais, que muitas vezes eram
pouco familiares aos próprios professores. Além disso, outro problema que suscitou
diversas preocupações, dizia respeito às fragilidades econômicas de uma parte do corpo
discente, que poderia vir a ser prejudicado pelo fato de não ter acesso a conexões de
internet de boa qualidade e mesmo ao essencial: equipamentos e instrumentos básicos
de desenho (muitas vezes compartilhados entre os próprios colegas nos laboratórios do
curso) e até computadores, agora considerados indispensáveis para proporcionar
acesso às novas salas de aula, em formato virtual.
A fim de não nos prolongarmos com a descrição de todos os fatos relacionados ao que
ocorreu, e que ainda estamos vivenciando em todo o Brasil e no mundo, pode-se dizer
que em pouquíssimo tempo, professores e estudantes passaram de um modo de ensino
para o outro, em uma tentativa de se adaptar à situação vigente. Alguns autores já
apresentaram em periódicos e eventos científicos as suas experiências remotas,
inúmeras “lives” já foram veiculadas a fim de discutir e compartilhar reflexões sobre o
que passou a ser denominado como “novo normal”, porém, consideramos que seria
relevante, após quase dois anos depois da suspensão das atividades acadêmicas, focar
nos impactos da pandemia na produção dos TFG, a partir da análise da percepção
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 59

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discente, tendo em vista a relevância dessa atividade para a formação acadêmica e


profissional.
Assim, baseados em dados coletados junto à coordenação do curso, foi possível
identificar o número de 41 TFG apresentados no CAU/ UFRN entre os primeiros
semestres de 2020 e 2021. Desse total, 14 foram apresentados em 2020.1, 11 em 2020.2
e 16 em 2021.1 (quadro 1).

Quadro 1 – Cenários das entregas de TFG entre 2020.1 e 2021.1

Semestre Alunos aptos Não entregaram TFG entregues


2020.1 21 7 14
2020.2 13 2 11
2021.1 24 8 16

Fonte: Elaborado pelos autores.

Pode-se notar que há uma diferença entre o número de estudantes que no momento
estavam aptos a cumprir a atividade e o resultado final, com a quantidade de TFG
entregues. Naturalmente, em outros semestres que ocorreram antes da pandemia,
também aconteceram situações de “desistência” ou adiamento do TFG. No entanto, é
fato que as condições propiciadas pela pandemia acentuaram esse quadro, que chegou
a alcançar em dois semestres (20.1 e 21.1), taxas superiores a 30%.
Outra característica que coincide com o que foi visto na literatura científica (VELOSO,
2009) diz respeito às áreas de desenvolvimento dos trabalhos (quadro 2).
Quadro 2 –TFGs apresentados e suas áreas.

Teórico
Semestre TFG Projeto Planejamento/ (conforto ambiental,
apresentado Arquitetônico projeto Urbano história e teoria da
arquitetura)
2020.1 14 10 2 2
2020.2 11 9 2 0
2021.1 16 10 4 2

Fonte: Elaborado pelos autores.

Desses 41 trabalhos realizados no CAU/ UFRN identificamos 29 propostas dedicadas a


diversos temas de projetos arquitetônicos (quase 71% da amostra). Os TFG que foram
desenvolvidos nas áreas de Projeto e Planejamento Urbano representaram apenas 19%
do total e outros 4 trabalhos, de caráter teórico, somam 10% da totalidade identificada.
Com essa caracterização foi possível aplicar um formulário semiestruturado,
disponibilizado por mensagem eletrônica aos egressos. Foram realizadas perguntas
objetivas e outras abertas com o intuito de extrair informações sobre as suas
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 60

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

percepções, visando a compreender as repercussões e efeitos nos processos e nos


produtos finais apresentados. Dos 41 indivíduos que apresentaram o trabalho de curso
no recorte temporal indicado, foram obtidas 27 respostas, o que equivale a 66 % do
universo pesquisado. Os percentuais de participantes segundo os períodos aos quais
estão vinculados foi equivalente, com uma participação um pouco mais intensa
daqueles que concluíram o curso no semestre de 2020.2 (figura 1). Assim, consideramos
que as respostas obtidas possibilitaram uma análise representativa para a pesquisa
realizada.
Figura 1 - Gráfico sobre o perfil do respondente em relação ao semestre de apresentação do TFG.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados.

Questionados sobre a necessidade ou não de fazer adaptações ou mudanças em


seus TFG devido à pandemia, foram recebidas 23 respostas que indicaram que foi
preciso ajustar o trabalho, o que representa em números relativos mais de 85% da
amostragem. Do total de respostas, apenas 4 formulários indicaram que não foi
necessário fazer adaptações (figura 2).

Figura 2 - Gráfico sobre a necessidade em adaptar/ ajustar o TFG devido à pandemia.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 61

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Apenas tal resultado já alcançaria uma resposta efetiva à questão apontada nessa
investigação, confirmando o impacto significativo nesse momento da formação dos
estudantes. No entanto, a fim de ir mais além e compreender como os trabalhos foram
impactados, questionamos quais mudanças específicas foram necessárias (figura 3).
Figura 3 - Adaptações ou mudanças que se fizeram necessárias para a realização dos TFGs durante a pandemia.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados.

As diversas respostas apontaram para quatro aspectos mais relevantes quanto às


adaptações nos TFG. Em primeiro lugar, com mais de 44% dos resultados, vê-se a
necessidade em diminuir o nível de detalhamento das propostas projetuais, o que se
justifica pelo prazo menor com a diminuição do número de semanas e se relaciona com
aspectos também apontados nesse mesmo gráfico e que estão em segundo lugar, entre
os mais votados: a dificuldade em realizar entrevistas com experts, consultas
participativas com usuários e ainda, a impossibilidade de realizar estudos diretos em
obras consideradas como referências projetuais e aplicar ferramentas de análise como
avaliações pós-ocupação (APO). Em seguida, uma parte significativa dos egressos (37%)
indicou que não procederam com visitas in loco às áreas e terrenos onde foram
realizadas as intervenções. O cruzamento dos dados permitiu compreender que os
maiores afetados com as dificuldades de acesso aos locais, foram os concluintes do
período 2020.1, tendo em vista que, paulatinamente, situações de lockdown foram
menos intensas nos semestres seguintes. Logo, acredita-se que os outros 63% dos
respondentes viabilizaram essa atividade, considerada condição fundamental para
compreender o ambiente e as suas condicionantes.
Outras adaptações como tema, mudanças no objeto do TFG e de professor orientador
foram menos presentes nos dados obtidos, no entanto, aconteceram em um número
menor de casos. Também nesses trabalhos, os ajustes foram mais incisivos porque o seu
desenvolvimento ocorreu no início da pandemia.
Sabemos que a realização de uma atividade que pretende demonstrar o grau de
conhecimento e a capacidade reflexiva que se espera desenvolvida em cinco anos (no
mínimo) de formação educacional, naturalmente é atravessada por dificuldades,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 62

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desafios que são condizentes com aspectos das propostas, seja a sua viabilidade na
captação de informações, a dimensão do problema, a formulação da metodologia para
alcançar os objetivos, entre outras situações e aspectos. Contudo, em meio a uma série
de restrições, consideramos relevante perguntar quais foram as principais dificuldades
para que pudessem realizar o trabalho, pretendendo identificar a partir da recorrência
dos termos que apareceram em seus discursos, quais teriam sido os fatores ou
condições (figura 4) mais prejudiciais.
Figura 4 - Nuvem de palavras com destaque para as principais dificuldades enfrentadas.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados coletados.

Como visto, a partir da compreensão da nuvem de palavras, algumas dificuldades foram


mais contundentes. De maneira objetiva, pode-se dizer que problemas com acessos às
pessoas (professores, colegas, outros profissionais, autoridades e comunidades), uma
menor aproximação junto às áreas de estudo, levantamento dos dados em seus próprios
ambientes, por meio de visitas de campo, pesquisas in loco e por meio de acervos
bibliográficos representaram as principais adversidades enfrentadas. A falta do contato,
que também se associa a todos os aspectos ligados ao termo “acesso”, a falta das
pessoas e das atividades presenciais, vai de encontro com outras três palavras
destacadas e que dizem muito sobre esse período pesquisado: estresse, saúde e
ansiedade. Por fim, o tempo: apresentado ao centro da nuvem, configura-se como mais
uma das limitações de destaque que interferiram no processo daqueles que, diante de
tantas outras tribulações, finalizaram o percurso da graduação em arquitetura e
urbanismo em meio a uma situação de calamidade na saúde pública.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 63

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim deste artigo, podemos afirmar que os impactos da pandemia no
desenvolvimento dos TFG da UFRN foram de várias dimensões, o que alterou não só a
dinâmica de desenvolvimento do trabalho, mas também seus conteúdos e até o formato
de participação da banca avaliadora.
Não foi objeto desse artigo analisar a qualidade dos trabalhos apresentados, pois isso
foi avaliado e atestado pelos membros das bancas, mas sim discutir as adaptações
necessárias para o funcionamento dessa atividade em meio ao ensino emergencial
remoto.
Os primeiros destaques a serem feitos dizem respeito ao distanciamento aluno-
professor, e a necessidade da mediação das orientações por meio de plataformas
virtuais. A qualidade das orientações e o estímulo dos alunos foram aspectos bastantes
prejudicados. A falta de vivência de campo, visita ao terreno ou a área de estudo, bem
como a falta de conversa direta com a população/comunidade que vivencia os espaços
trabalhados, também impactaram consideravelmente na percepção dos alunos do
objeto de estudo. Além dessas dificuldades, a falta de preparo e equipamentos
adequados dos professores e estudantes limitaram as conversas “síncronas”. Tudo isso
soma-se à redução do calendário estabelecido pela UFRN e o cansaço físico e mental de
passar o dia inteiro à frente de um computador.
Percebemos, portanto, as dificuldades do ensino de arquitetura e urbanismo no formato
remoto, e os impactos negativos no processo de ensino-aprendizagem ao avaliar os TFG.
Consideramos que esses impactos se distribuem também por todas as demais disciplinas
do curso. A evasão e desistências dos alunos de TFG refletem também o que aconteceu
nos demais componentes, que não são objeto de análise deste artigo.
Por outro lado, consideramos importante salientar que algumas possibilidades foram
mais levadas em consideração (ainda que não sejam o ideal) como a possibilidade de
“visitar” em formato virtual qualquer lugar do planeta (disponível nas plataformas
digitais como Google Street View). Além disso, em especial, considerando-se os TFG, as
bancas que aconteceram por videoconferência trouxeram o ganho de poder reunir
pessoas de diversos lugares diferentes, tanto para avaliação, quanto para compor a
“plateia”.
Consideramos, portanto, urgente, discutir esse formato de ensino, em um momento em
que cresceu o número de cursos disponíveis em formato EaD, e mesmo “digital” (figura
5).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 64

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Figura 5 – Banner de propaganda de curso de graduação digital.

Fonte: Google imagens, 2022. Imagem editada pelos autores a fim de omitir o nome da instituição.

Em outro momento da pesquisa, seria importante sistematizar a percepção docente,


pois como apontado, esses profissionais também foram impactados na condução de
suas tarefas e sabemos, por meio dos diálogos vivenciados entre colegas, das
dificuldades às quais também foram submetidos. Ao mesmo tempo, salientamos a
importância de valorizar as iniciativas, as estratégias e a capacidade demonstrada de se
reinventarem, defendendo, junto ao corpo discente a qualidade do ensino e a sua
aprendizagem. Mais que um dever, todas as ações desempenhadas se converteram em
bravos atos de resistência, como forma de sinalizar que a esperança também se ancora
na ciência e na pesquisa, ainda que o cenário, muitas vezes, vocifere o contrário.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os que fazem o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, especialmente, aos nossos egressos que colaboraram
gentilmente com respostas aos formulários da pesquisa.

REFERÊNCIAS
AMARAL, F. de S. Trabalho de conclusão de curso e a pandemia de COVID-19: dificuldades enfrentadas
por licenciandos em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Ceará. 56 f. Trabalho de Conclusão
de Curso (Licenciatura em Ciências Biológicas) – Centro de Ciências, Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, 2021.
ARCIPRESTE, C.M. Entre o discurso e o fazer arquitetônico: reflexões sobre o ensino de arquitetura e
urbanismo e seus referenciais a partir do trabalho final de graduação. Tese (Doutorado em Arquitetura
e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
BALBI, R. S. A poética do projeto: a expressão tectônica de projetos arquitetônicos desenvolvidos em
trabalhos finais de graduação em escolas brasileiras de arquitetura e urbanismo. 2018. 229f. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Centro de Tecnologia, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução Nº2, de 17 de junho de 2010. Institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, alterando dispositivos da
Resolução CNE /CE S nº 6/2006. Brasília, 17 jun. 2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5651-rces002-
10&category_slug=junho-2010-pdf&Itemid=30192
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 65

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

CAVALCANTE, E. S. Repercussão da integração de conteúdos das disciplinas nos Trabalhos Finais de


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Natal Desenhada, edição Alecrim: como foi possível estar no


lugar durante a pandemia

Eunádia Silva CAVALCANTE


Universidade Federal do Rio Grande do Norte; eunadia.cavalcante@ufrn.br
José Clewton do NASCIMENTO
Universidade Federal do Rio Grande do Norte; jotaclewton@gmail.com

RESUMO
O artigo tem por objetivo apresentar o projeto de extensão NATAL DESENHADA e como foi possível a
adequação de suas atividades quando o mundo se viu diante da pandemia de COVID 19. O projeto que se
propõe a confirmar que a articulação entre duas atividades - o desenhar e o conversar sobre o patrimônio
cultural - , propicia um maior aprofundamento das discussões acerca da necessidade de se buscar o
fortalecimento do sentido de pertença a partir do “apropriar o lugar” o que pressupõe “estar no lugar”,
buscou alternativas digitais/virtuais para a realização dos encontros. Como principais constatações,
identificamos que o reconhecer para apropriar pelo observar/desenhar promove a possibilidade de
permanência e interação com o lugar, e favorece a criação de laços de afetividade com os lugares e de
pertencimento para que as pessoas possam de alguma forma se reconhecer como sendo parte deles.
Somados à prática do desenhar/observar, as rodas de conversa, provocadas pelos enfoques escolhidos –
potencialidades e riscos, descaso, ações de valorização do patrimônio cultural – possibilitam que as
pessoas participem das discussões, que envolvem aspectos relacionados a processos e ações – individuais
e coletivas – de valorização deste patrimônio, nas atividades relacionadas aos encontros de desenhos de
locação.
PALAVRAS-CHAVE: Natal Desenhada, Patrimônio cultural, Apropriação do espaço

1 INTRODUÇÃO
O artigo objetiva relatar como as atividades vinculadas ao projeto de extensão “Natal
Desenhada”, cuja proposta, que articula ações no âmbito do referido projeto com os
encontros do grupo Urban Sketchers Natal, buscou alternativas de continuidade no
contexto da pandemia da COVID 19. A proposta, ancorada na prática do “estar no lugar”,
apresenta a ideia de incorporar aos encontros para desenhar, propriamente ditos, um
espaço para rodas de conversa provocadas por enfoques escolhidos previamente, tais
como: potencialidades e riscos, descaso, ações de valorização do patrimônio cultural, de
modo a possibilitar que a comunidade, de uma forma mais ampla, se incorpore na
discussão, fortalecendo assim o objetivo maior de uma instituição de ensino, que é o de
construir e universalizar o conhecimento, rompendo os “muros” que dividem a
universidade da sociedade1.

1
O projeto de extensão “Natal Desenhada” traz em sua conceituação a intenção de se trabalhar em níveis
e escalas diversas de articulação. Inicialmente, procurou articular atividades com as ações do grupo Urban
Sketchers Natal, grupo este com atividades já consolidadas na cidade no âmbito do “desenhar a cidade”,
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A sua primeira edição, em 2018, ocorreu no Bairro da Ribeira, que é um dos espaços
mais significativos no que diz respeito ao patrimônio cultural da cidade, nas instâncias
do patrimônio material e imaterial. Em 2019, as atividades foram desenvolvidas no
bairro da Cidade Alta, local de origem da cidade de Natal. A proposta apresentada para
o ano de 2020, buscou levar a discussão sobre patrimônio para um dos bairros mais
populares da cidade – o Alecrim. Nas duas primeiras edições, pôde-se constatar a
importância de estarmos na rua a aprender a partir da observação das práticas sociais
estabelecidas nos espaços de nossas cidades, particularmente porque, além de
“desenhadores”, somos também professores de um curso de Arquitetura e Urbanismo
e temos constatado um distanciamento dos discentes com relação a apropriação da
cidade. Como forma de possibilitar uma mudança desta perspectiva, temos nos
empenhado em realizar atividades que propiciem este retorno à rua.
Para a terceira edição foi necessária uma adequação com relação ao desenvolvimento
das atividades, para o modelo remoto, em decorrência das recomendações de
isolamento social (COVID 19). Neste sentido, este artigo enfatiza a apresentação e
análise das adequações feitas para a realização da terceira edição do projeto, no intuito
de confirmar se a articulação entre as duas atividades (o desenhar e o conversar sobre
o patrimônio cultural), realizada de forma remota, propiciou o aprofundamento das
discussões acerca da necessidade de se buscar o fortalecimento do sentido de pertença
a partir do apropriar o lugar, alcançado nas duas edições anteriores.

2 O APROPRIAR PELO OBSERVAR / DESENHAR


Com o intuito de dar continuidade à consolidação das discussões sobre reabilitação
urbana em áreas de valor patrimonial, o que necessariamente incide sobre uma
discussão mais ampla acerca da própria definição do que seja patrimônio cultural, para
além das referências utilizadas na proposta do “Ribeira Desenhada” – Castriota (2009),

que segue os princípios do movimento Urban Sketchers - movimento de abrangência internacional -


fundado em 2008 pelo jornalista espanhol Gabriel Campanario e consolidado em diversos países como
uma comunidade de correspondentes (pintores, arquitetos, jornalistas, educadores, entre outros)
interessados em produzir e compartilhar na web seus desenhos feitos na rua. Em Natal, o grupo promove,
além dos encontros regulares, oficinas de desenhos de observação in loco, notadamente em escolas de
Arquitetura e em eventos relacionados ao campo disciplinar da Arquitetura e Urbanismo. Já foram
desenvolvidas várias atividades decorrentes das articulações entre os USK, o Departamento de
Arquitetura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Conselho de Arquitetos e
Urbanistas (CAU/RN) tais como: Passos e Traços - A Caminhada Desenhada do CAU/RN (2021); Ilustração
do livro Caminhos de Natal de autoria de Jeanne Nesi (2021); Desenhadores urbanos: um percurso pela
história do RN através dos traços (2016); Percursos itinerários para a leitura da cidade (2016); Desenho,
Patrimônio e Paisagem Urbana: registro de áreas de valor patrimonial em cidades potiguares (2015). A
articulação se faz presente no âmbito do vínculo entre pesquisa e extensão, visto que as atividades
propostas se concatenam com as atividades relacionadas ao projeto de pesquisa intitulado “Reabilitação
em Áreas de Valor Patrimonial: Valorização do Lugar? Análises de programas e ações à luz de casos
brasileiros e portugueses”, que visa analisar programas e ações de reabilitação urbana implementadas no
Brasil e em Portugal, na perspectiva de se identificar se e como a ênfase dada às ideias de valorização do
lugar, contidas nos discursos balizados pela ideia de Conservação Integrada se materializa nas ações
desenvolvidas, quer sejam intervenções físicas, quer sejam ações de outra natureza.
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CECI (2012), Cartas Patrimoniais (CURY, 2000), Carta de Reabilitação Urbana de Lisboa
(1995) – na edição ALECRIM DESENHADO, abordamos a temática da dimensão
“alargada” da definição de patrimônio cultural. A partir das referências de lugar e
cotidiano, propomos uma reflexão sobre os processos de apreensão e intervenção das
áreas de significação cultural na cidade contemporânea, tendo em vista a noção
ampliada do conceito de patrimônio cultural, em que os bens – isolados e/ou conjuntos
urbanos – passam a ser entendidos em uma relação complexa, que deve considerar,
dentre tantas questões, a necessidade de reforçar a importância do reconhecimento dos
processos históricos que definem estes espaços enquanto lugar, e a necessidade de
tratar os que habitam estes espaços como agentes desencadeadores nesta construção.
Neste âmbito, associado ao lugar e ao cotidiano, aspectos como pertencimento e
apropriação, são imprescindíveis ao debate proposto. Cabe salientar que estas
experiências apontam o caráter da cidade como espaço educativo. Corroborando com
a afirmativa de Moll (2009, p. 15 in IPHAN, 2014, p. 24), de que “a cidade precisa ser
compreendida como território vivo, permanentemente concebido, reconhecido e
produzido pelos sujeitos que a habitam”, entendemos que estas experiências são ações
de educação patrimonial, visto que “o processo educacional é mais amplo que a
escolarização – inserindo-se em contextos culturais nos quais a instituição escolar não é
o único agente educativo” (IPHAN, 2014). Reforçamos também que a utilização do
desenho como linguagem de apreensão do espaço urbano, estratégia já consolidada nas
atividades de articulação entre o grupo USK e as atividades de extensão já realizadas,
apresenta-se como ferramenta condizente com a abordagem da educação patrimonial.
Entendemos o desenho como “uma das múltiplas linguagens que produzem um
conhecimento mais rico sobre tudo que nos cerca” (KUSCHNIR, 2012, p. 295). O desenho
também nos possibilita “conhecer o mundo”: “apresentar, revelar, manifestar, expor,
marcar, dar provas de realçar, atestar, salientar, deixar ver, fazer compreender,
demonstrar, tornar visível” (KUSCHNIR, 2012, p. 296). Neste sentido, buscou-se reforçar
a ênfase no desenho como modo de observar o mundo a partir das seguintes
considerações: 1. A prática do desenho como a possibilidade do acúmulo e construção
de um quadro riquíssimo de imagens mentais (RICHARDS, in Urban Sketchers em Lisboa:
Desenhando a cidade, 2012, p. 15-16); O desenhar como um processo exploratório de
descoberta; 3. O desenho como processo de aprendizagem, onde, necessariamente, ao
se desenhar, busca-se aprender algo, e algo a mais, sobre uma pluralidade de coisas
(BREHM, in Urban Sketchers em Lisboa: Desenhando a cidade, 2012, p.20).
Os temas e locais para a realização dos encontros foram escolhidos tendo em conta as
discussões acerca da reabilitação urbana em áreas de valor patrimonial, o que
necessariamente incide sobre uma discussão mais ampla, sobre a própria definição do
que seja patrimônio cultural. Nesse sentido, publicações como as realizadas por
Castriota (2009), CECI (2012), Cartas Patrimoniais (CURY, 2000), Carta de Reabilitação
Urbana de Lisboa (1995), tornaram-se referências para a construção de um quadro
teórico-conceitual que nortearam as discussões estabelecidas nas atividades propostas.
Centrando as discussões na terceira edição do projeto (bairro do Alecrim): a princípio, a
ideia era dar continuidade à metodologia utilizada no “Ribeira Desenhada” e no “Cidade
Alta Desenhada”, fazendo algumas inserções, motivadas pela avaliação realizada dos
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referidos projetos de extensão. Partimos, portanto, da definição da temática


(patrimônio cultural) e do universo empírico onde seriam desenvolvidas as atividades (o
bairro do Alecrim), para definirmos as temáticas a serem abordadas, que nortearam a
escolha dos locais a serem registrados por desenhos. Nesta edição, a alteração mais
significativa seria dada pela valorização e o protagonismo do desenhador nas atividades
desenvolvidas em cada encontro, ou seja, para além da realização dos registros, os
desenhadores seriam desafiados, através de seus registros, a identificar elementos
caracterizadores do lugar registrado (patrimônio material / imaterial; cotidiano;
tradição; usos e apropriações dos espaços), de modo que estes registros, a princípio
individuais, ao serem coletivizados, gerassem discussões acerca dos aspectos
identificadores do lugar. Com relação aos enfoques, foram definidos quatro eixos,
inicialmente denominados de: 1. As origens do bairro do Alecrim; 2. Saberes e formas
de expressão no cais do sertão; 3. A lógica e a diversidade do bairro; 4. Os descasos ao
patrimônio. Todos os enfoques apresentados foram permeados pela ideia de que estes
são também espaços de sociabilidade.
Ao todo, foram planejadas cinco atividades em espaços previamente escolhidos. Sobre
os procedimentos em si: 1. Cada um dos encontros tem início com a atividade do
desenhar - Os encontros para desenhar são relevantes em razão da percepção dos
espaços urbanos e dos edifícios arquitetônicos, a partir do desenho de observação e
locação, se utilizando de diversas técnicas de representação, de acordo com a expressão
artística de cada desenhista; 2. Compartilhamento dos desenhos; 3. Roda de conversa -
Essas rodas de discussão são conduzidas pelos que denominamos “puxadores de
conversa”: pessoas que tenham de alguma forma contato com o espaço / edifício-tema,
e cujo vínculo seja tanto na perspectiva acadêmica (professores, pesquisadores), de
gestão (técnicos, gestores), ou que estão relacionados a partir do uso/ apropriação dos
espaços (moradores, usuários, frequentadores); 4. Apresentação/discussão sobre o que
foi apreendido e registrado pelos participantes.
Ao longo dos encontros, buscamos observar temas recorrentes nos registros, vinculados
a aspectos diversos: escala de abrangência dos aspectos morfológicos (dimensões física
e social) e tipológicos dos locais (escalas: urbana / panorâmicas; os edifícios; os detalhes;
as pessoas, as práticas sociais, os cotidianos); questões relacionadas à discussão sobre
o patrimônio (autenticidade; integridade; grau de conservação e de preservação, com
ênfase ao descaso a este patrimônio). Esses temas foram abordados nas rodas de
conversas, fato que reforça o sentido de articulação e complementaridade entre as
atividades que integram cada encontro.
Particularmente sobre o Bairro do Alecrim, quarto bairro da cidade de Natal – o Cais do
Sertão –, que ainda hoje guarda características culturais desde a sua formação,
presentes no comércio popular, na arquitetura e na ocupação urbana. É também palco
da mais antiga feira livre da capital e, apesar disso, é alvo de propostas de
“modernização” e “desenvolvimento” que não consideram a permanência dessas
tradições. Partimos do entendimento de que a percepção do observador/desenhador,
nesta edição, deve ser valorizada a partir da apropriação desse patrimônio, de forma a
contribuir para a construção de uma reflexão coletiva acerca do patrimônio cultural da
cidade bem como do bairro do Alecrim. Neste sentido, considerando que o projeto foi
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elaborado para ocorrer de modo presencial, os espaços / edifícios a serem desenhados,


foram selecionados também como espaços que pudessem gerar / potencializar registros
e discussões acerca da valorização / requalificação dos espaços, bem como discussões
acerca das transformações vivenciadas pelo bairro. A seguir são apresentados os
encontros da forma como concebidos originalmente:
ENCONTRO 1: abril de 2020: Tema: As origens do bairro do Alecrim. Local: imediações
do cemitério e da Igreja São Pedro. O Alecrim é o quarto bairro de Natal, que assim foi
reconhecido em 23 de outubro de 1911. Nas terras em que predominava um
descampado, constituído por algumas pequenas casas e seus roçados e por onde
passava a estrada velha dos Guarapes que ligava a capital ao sertão, foi inaugurado, em
1856, o Cemitério Público pelo então Presidente da Província, Antônio Bernardo de
Passos. Tal fato marca a ocupação inicial do bairro. A história oral indica que a origem
do nome, do que viria a ser o bairro de comércio popular mais dinâmico da cidade, está
relacionada ao costume de uma senhora que enfeitava com ramos de alecrim os caixões
dos anjinhos enterrados no cemitério, ou devido a abundância de alecrim-do-campo na
região. Antes disso, a origem dos primeiros moradores nomeou a região que por algum
tempo foi conhecida como Cais do Sertão, tendo sido conhecido também como Refoles
e Alto da Santa Cruz. Foi oficializado como bairro pela Lei Nº. 251, de 30 de setembro de
1947, na administração do Prefeito Sylvio Piza Pedroza, e teve seus limites redefinidos
pela Lei nº. 4.330, de 05 de abril de 1993. Para este encontro, além da atividade do
desenhar, será formada uma roda de conversa com convidados chamados a falar sobre
o Alecrim, enquanto processo de formação histórica; sobre as práticas cotidianas; sobre
as manifestações culturais. A ideia é que a roda de conversa sirva como apresentação e
boas-vindas para a continuidade das atividades a serem realizadas durante o
desenvolvimento do projeto de extensão.
ENCONTRO 2: junho de 2020: Tema: Saberes e formas de expressão no cais do sertão.
Local: Mercado da 6. O Plano de Sistematização para expansão urbana da cidade, de
1929, proposto pelo arquiteto italiano Giacomo Palumbo, a convite do Prefeito Omar
O’Grady, delineou o traçado do bairro caracterizado por avenidas e ruas largas. As
avenidas numeradas são associadas com o nome de Presidentes de Província e de tribos
indígenas. Durante a II Guerra Mundial, em 1941, com a instalação da Base Naval,
registou-se no bairro o aumento da população que se desloca, predominantemente, do
sertão, atraídos pela oportunidade de negócios na capital gerada pela presença do
contingente militar americano que se instalou na cidade. Nessa atividade os
participantes serão convidados a observar traços da cultura sertaneja (barro, do couro,
da palha, o fazer popular e o lúdico) presentes nos objetos e cotidiano do Mercado da
6.
ENCONTRO 3: julho de 2020: Tema: A lógica e a diversidade. Local: Feira do Alecrim. O
comércio de produtos populares é, sem dúvidas, a maior característica do bairro até
hoje, com a presença de vendedores ambulantes que, na década de 1980, gerou a
construção de um camelódromo visando resolver os conflitos com os comerciantes
formais. A feira que ocorre aos sábados, uma das mais tradicionais da cidade, teve a sua
primeira edição em 18 de julho de 1920, um domingo, organizada pelo paraibano José
Francisco dos Santos e três amigos, ou seja, a feira completará um século de existência
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em 2020. Nessa atividade os participantes serão convidados a percorrer todos os setores


da feira e observar a sua dinâmica, os pregoeiros, os frequentadores, as mercadorias.
ENCONTRO 4: setembro de 2020: Tema: Os descasos ao patrimônio. Local: Praça Gentil
Ferreira. O Alecrim já teve cinco cinemas, foi palco de grandes festas de carnaval e era
lugar de encontro de boêmios. A vida cultural do Alecrim registra a existência de
cinemas, até a década de 80, que, gradativamente, foram fechados: o São Luiz, o São
Pedro, o São Sebastião, o Paroquial e o Old. Nos carnavais, a cidade se voltava para ver
os desfiles dos corsos (carros alegóricos dos carnavais do passado) que se realizavam
nas ruas Sílvio Pélico, Amaro Barreto e adjacências. O bairro teve, em sua história, como
um dos principais pontos de encontro o bar Quitandinha na Praça Gentil Ferreira, local
de “bate papo”, onde boêmios varavam as madrugadas, desde a época da II Guerra
Mundial. Nessa atividade, os participantes serão incentivados a identificar e registrar os
marcos na paisagem, as transformações nos edifícios decorrentes principalmente da
imposição da lógica propagandística do comércio, as formas criativas presentes nos
objetos de design popular, os usos e apropriações dos espaços públicos.
ENCONTRO 5: novembro de 2020: Tema: Uma experiência sensível pelo Alecrim. Trata-
se de uma atividade de finalização e síntese das apreensões realizadas durante os
encontros anteriores, que estará vinculada a um evento sobre “educação patrimonial”,
a ser organizado pelos coordenadores deste projeto de extensão, articulado com
coordenadores de projetos em andamento que seguem a temática da educação
patrimonial. De natureza teórico-prática, o evento prevê atividades de apresentação e
discussão de pesquisas e ações em andamento, articuladas à prática da experiência
sensível a ser realizada no bairro do Alecrim. Para esta atividade deveremos contar com
a participação de representantes de instituições locais, nacionais e internacionais que
contribuirão para a qualificação do debate e a proposição de ações que valorizem a
temática da educação patrimonial. Dentre as instituições a serem convidadas elencamos
o Projeto Circular (Belém/Pará) e a Câmara Municipal de Torres Vedras, Portugal, cuja
participação reforçarão conjunto de ações já desenvolvidas no âmbito do acordo de
parceria firmado entre o Departamento de Arquitetura da UFRN e a Câmara Municipal
do referido município português.
Porém, no meio do caminho havia uma pandemia... houve uma pandemia no meio do
caminho.

3 17 DE MARÇO, O DIA EM QUE FOMOS PRA CASA


Não se pode afirmar que fomos pegos de surpresa, uma vez que o mundo acompanhava
pela televisão ou pela internet o drama que se desenrolava, principalmente na Itália
àquela altura, com a disseminação do novo coronavírus sars-cov-2 e o número elevado
de mortes causadas pela COVID 19 porém, o dia 17 de março de 2020 parecia um dia
normal de expediente até que uma determinação da reitoria suspendeu todas as
atividades, o acesso ao campus foi reduzido, houve a suspensão de atendimento
presencial ao público nas unidades administrativas e acadêmicas, ressalvados os casos
de extrema necessidade institucional e fomos meio atordoados para casa, sem sequer
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 72

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imaginar por quanto tempo ficaríamos distantes da sala de aula, dos projetos de
pesquisa e extensão, dos alunos e dos colegas de trabalho.
Com o semestre 2020.1, iniciado há três semanas suspenso, por dois meses aguardamos
a elaboração de normativas, protocolos e instrumental que permitissem a retomada do
semestre em modo remoto. Enquanto isso, mantínhamos contato com um grupo de
pessoas, notadamente formado por estudantes, que acompanham o projeto de
extensão, desde a sua primeira edição. Soubemos então, que muitos deles haviam
voltado para as suas cidades de origem no próprio Rio Grande do Norte ou até em outros
estados, a incerteza sobre o que viria pela frente predominava nesses contatos.
Por outro lado, o grupo Urban Sketchers também aguardava orientações de como dar
continuidade às suas atividades, uma vez que, por princípio, o desenho de locação
pressupõe estar no lugar em que se encontra o objeto a ser desenhado. Passamos a
propor que fossem desenhadas cenas do cotidiano de cada um: plantas, bichos de
estimação, o que se vê da janela, quem está isolado com você em casa, objetos de casa
etc. que seriam compartilhados nas mídias sociais do grupo. Uma forma de manter o
contato com os participantes do grupo, bem como a prática do desenho.
Uma vez que a coordenação internacional do grupo Urban Sketchers, decidiu que,
excepcionalmente, fossem utilizadas ferramentas como o Google Street View para
simular um encontro para desenhar em algum lugar da cidade e, ao mesmo tempo, a
reitoria da UFRN publica a resolução, que dispõe sobre a regulamentação, em caráter
excepcional, da oferta de componentes curriculares e de outras atividades acadêmicas,
no formato remoto, os coordenadores do projeto de extensão, passaram a discutir as
adequações que seriam necessárias à sua continuidade em modo remoto.
As imagens dos encontros realizados nas edições anteriores (Figura 1) povoavam as
nossas mentes e nos questionávamos sobre como substituir a experiência de, por
exemplo, desenhar a dinâmica da centenária feira do Alecrim sem estar em contato
direto com o cheiro, o som, a sensação térmica... Como desenhar o sertão presente nos
objetos comercializados no Mercado da 6, se o Street View não adentra o edifício? E
depois discutir sobre o que foi percebido/apreendido com essa experiência durante a
roda de conversa.
Consideramos, então, que: 1. Adotaríamos o recurso do Google Street View para simular
o “estar no lugar” para desenhar os espaços da cidade, mas que também
selecionaríamos vídeos disponíveis na internet quando a imagem em movimento fosse
essencial para a compreensão da dinâmica do lugar; 2. Utilizaríamos a mesma
plataforma disponibilizada pela UFRN para as aulas remotas, o Google Meet, para a
realização da roda de conversa e exposição de desenhos, por termos tempo ilimitado
para a realização da atividade e permitir a gravação; 3. Manteríamos a participação de
puxadores de conversa que tivessem alguma relação com o bairro; 4. Estimularíamos a
apresentação dos desenhos, por parte dos participantes, mantendo a tradição da
“exposichão” renomeada de “exposilive”, mesmo sabendo que muitos não abriam suas
câmeras devido a instabilidade da rede de internet.
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Figura 1 – Imagens de um dos encontros do projeto Ribeira Desenhada

Fonte: Acervo dos autores

Deste modo, considerando as restrições impostas pelo momento, o número de


encontros foi reduzido e a partir de agora, faremos o relato de como foram organizados
e como ocorreram.
Os três eventos foram divulgados com antecedência nas mídias sociais do grupo UsK
Natal, incluindo a sugestão de percursos a serem realizados de forma virtual (Figura 2).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 74

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Figura 2 – Imagens do material de divulgação de um dos encontros

Fonte: Acervo dos autores

ENCONTRO 1 – 23 de maio de 2020: Tema: As origens do bairro do Alecrim. Local:


imediações do cemitério e da Igreja São Pedro. Puxador de conversa: Thiago Medeiros,
ator, poeta e produtor cultural, nascido no bairro. Participação do arquiteto André
Duarte Baptista, da Câmara Municipal de Torres Vedras, Portugal (Figura 3).

Figura 3 – Imagens de alguns dos participantes do evento e de alguns dos desenhos produzidos

Fonte: Acervo dos autores

No que se refere ao uso do Street View, percebe-se a limitação da ferramenta para a


escolha do ângulo e distanciamento do objeto a ser desenhado. Em algumas situações,
o mesmo edifício pode ter cores diferentes uma vez que há um acúmulo de imagens que
compõem o percurso que foram registradas em anos distintos. Algumas ruas não foram
acessadas pela ferramenta e só podem ser vistas de topo. Por outro lado, mesmo com
a estratégia de borrar a face das pessoas, é possível registrar cenas do cotidiano e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 75

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perceber o uso dado aos espaços livres da cidade. No caso do cemitério do Alecrim, a
ferramenta disponibiliza imagens internas que destacam alguns túmulos de
personalidades locais ou túmulos que registram fatos históricos vividos na cidade, como
é o caso do cemitério dos judeus, os túmulos dos soldados Americanos da II Guerra
Mundial, Túmulo Maçom, o Mausoléu da Liga Operária e Artística Norte-Riograndense,
entre outros.
Durante a conversa com Thiago Medeiros que trouxe para a roda as memórias pessoais
de quem nasceu e cresceu no bairro, bem como sua experiência como artista que viu o
fechamento de importantes espaços culturais, como é o caso do Teatro Municipal
Sandoval Wanderley (o teatrinho do povo), que se encontra fechado até hoje e que já
sofreu a ameaça de ser demolido para a construção de um shopping center, fato que só
não ocorreu dada a mobilização da sociedade.
Na última parte da atividade, os participantes puderam apresentar seus registros e falar
sobre as descobertas feitas durante o percurso virtual e sobre suas experiências vividas
no bairro, antes da pandemia. Uma das participantes, moradora do bairro, nos trouxe
relatos do movimento do Alecrim durante os primeiros momentos de isolamento
durante a pandemia e a resistência em fechar o comércio.
ENCONTRO 2 – 27 de junho de 2020: Tema: Os descasos ao patrimônio. Local: Praça
Gentil Ferreira. Puxador de conversa: arquiteto Daniel Viana, que falou sobre a sua
experiência no desenvolvimento de seu Trabalho Final de Graduação, sobre o bairro.
Nessa atividade, os participantes foram incentivados a identificar e registrar os marcos
na paisagem, as transformações nos edifícios decorrentes principalmente da imposição
da lógica propagandística do comércio, as formas criativas presentes nos objetos de
design popular, os usos e apropriações dos espaços públicos.
As questões levantadas pelo arquiteto Daniel Viana durante a realização do seu TFG que
partiu da experiência do corpo na cidade, em que o pesquisador interage diretamente
com o objeto de estudo, através da realização de percursos pelas ruas do bairro e
registros imagéticos e sonoros, com o objetivo de assimilar as dinâmicas existentes em
um bairro que, para atender a certos interesses imobiliários, é apresentado na mídia
como abandonado, caótico, inseguro, o que justifica uma intervenção que desconsidera
completamente as necessidades de seus moradores e as características do comércio
popular que compõem a identidade do bairro. Para a sua modernização e higienização
um projeto apresentado por um grupo incorporador propôs a retirada do comércio
ambulante e a instalação de shopping centers.
Durante as falas dos participantes e exposição dos desenhos, pôde-se perceber a
pujança do comércio popular, uma vez que as imagens obtidas pelo Street View
registram as mercadorias expostas nos boxes do camelódromo, bem como a quantidade
de pessoas que frequentam o local, uma vez que são imagens de um dia comum de
funcionamento anterior à pandemia. Marcos históricos que fazem parte do patrimônio
cultural e dão identidade ao local também foram desenhados (Figura 4).
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Figura 4 – Desenho e relato do arquiteto André Baptista postados nas mídias do UsK Natal

Fonte: Acervo dos autores

ENCONTRO 3 – 18 de julho de 2020: Tema: A lógica e a diversidade. Local: Feira do


Alecrim. Puxadores de conversa: a professora Ruth Ataíde do DARQ/UFRN e o
historiador Luciano Capistrano.
O dia 18 de julho de 2020 marcou a celebração do centenário da tradicional Feira do
Alecrim, e desde o período de elaboração do projeto de extensão, já tínhamos definido
a feira como o local de realização da atividade nesta data, tendo em vista a possibilidade
de a atividade fazer parte das comemorações do centenário da feira. É fato que a
comemoração não pôde ocorrer de modo presencial, porém mantivemos a data para a
realização da atividade.
Tendo em vista que que não era possível obter imagens via Google Street View pelos
espaços de circulação da feira, optamos por selecionar os vídeos compartilhados na
internet, que buscam retratar o cotidiano da feira, rico em construções de
sociabilidades, seja sob o ponto de vista da atividade comercial propriamente dita, seja
pelas relações de vínculo afetivo, a história, a memória social e de lugar, as tradições, a
cultura.
Esta prática cotidiana foi o aspecto mais evidenciado durante a roda de conversa,
composta pelo professor Luciano Capistrano, historiador e frequentador assíduo da
feira; e pela professora Ruth Ataíde, que morou um tempo considerável no bairro.
Aspectos como: o bairro como suporte dos saberes e formas de expressão do sertão, de
onde se origina boa parte da população do bairro; o Alecrim como espaço do
acolhimento (“aquilo que o centro “rejeita” – cemitério, leprosário), mas também passa
a conformar o espaço do comércio popular e da “vida”; um local que já foi grande foi
referência na vida cultural da cidade (teatros, cinemas, festas); o bairro como espaço
tradicional da política, foram evidenciados nas falas dos dois professores.
Quanto à feira, especificamente, as falas contemplaram os seguintes aspectos: a feira
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 77

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como expressão maior da economia de base popular (trabalho e sociabilidades); o lugar


de realização da vida e das práticas cotidianas (moradores / vendedores / compradores);
a feira como lugar de histórias, memórias e afetos; a feira também como espaço de
apreensão estética (os seus sons, cheiros, texturas); a feira como o lugar do movimento,
evidenciando que também existe lógica em um aparente caos.
Em síntese: as falas e seus desdobramentos em discussão realizada em seguida,
buscaram evidenciar a feira como patrimônio cultural (material e imaterial) da cidade,
como expressão da vida e da cultura popular, bem como suscitaram uma questão para
reflexão: é possível se pensar em propostas projetuais que respeitem a identidade do
bairro do Alecrim, em seu caráter popular?
Com o auxílio dos vídeos sugeridos, os participantes puderam registrar através de
desenhos os feirantes e suas histórias relacionadas à atividade na feira e a vivência no
bairro do Alecrim.
Figura 4 – Desenhos produzidos durante o evento

Fonte: Acervo dos autores

Durante a exposição dos desenhos, dois arquitetos egressos da UFRN, fizeram


depoimentos emocionantes sobre sua relação pessoal com o espaço da feira. Um deles
relacionado a uma feira instalada em outro bairro da cidade, na qual, quando criança
ajudava o avô feirante empurrando o carrinho de mão. Sem saber direito o significado
da profissão, afirmava a quem perguntasse que quando crescesse seria Arquiteto. Sonho
que foi realizado com as ações afirmativas de acesso e permanência no sistema federal
de ensino, desde o ingresso no Instituto Federal e posteriormente na UFRN. O outro
depoimento relatou a vivência de um filho de feirante, cujo pai afastava os filhos dessa
atividade, para que esses pudessem estudar:
…nós íamos estudar pra poder realizar os desejos que a nossa mãe sempre
quis que era que a gente tivesse uma profissão, tivesse um trabalho mais
voltado que pudesse dar um futuro melhor para nossa família, e aí ele me
afastou muito da feira... Eu sou das Rocas para quem não sabe, mais
precisamente lá da favela do Maruim, minha família toda e... a gente meio
que foi afastado da feira, meu pai como peixeiro, normalmente o peixeiro ele
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 78

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não vende todos os dias, ele vende alguns dias da semana, em algumas feiras
só, meu pai chegava na feira do Alecrim no sábado e na feira da Esperança no
domingo…
Porém, com o pai impossibilitado de trabalhar por ter sido vítima de vários AVCs em um
curto período de tempo, os filhos tiveram que assumir a atividade que era o sustento da
família:
…mas o que aconteceu foi que eu tive que, nunca tendo sido treinado pra ir
pra feira, tive que ser feirante, aí nesse ano que eu tive que estudar, tava no
estresse do vestibular, tava e tudo mais, eu também fui feirante. E eu fui
feirante num setor da feira que eu tenho um sentimento bom com ele, mas
que nem todo mundo gosta que é o setor do peixe, né? Ele é meio fedorento,
ele tem um cheiro peculiar ali que não é todo mundo que gosta desse cheiro,
então nessa minha vivência da feira, eu lembro de duas coisas muito
marcantes assim nesse ano que foi, foi a primeira coisa de que era muito forte
o quanto eu tinha que estudar naquele momento pra que eu pudesse fazer
valer a pena todo aquele esforço que meu pai tinha tido e que eu tava vendo
agora saindo de 4 horas da manhã e voltando de 5 horas da tarde do outro
dia, andando em cima de caminhão carregando caixa de peixe, carregando
dentro daquele cheiro e os pés todos molhados…
Fechando o seu depoimento faz uma reflexão sobre como o bairro reagiu a imposição
de isolamento dada pelo contexto da pandemia:
E eu fico muito tocado assim com a história do Alecrim e de tudo o que vocês
falaram porque é muito importante é uma vida ativa que tem lá. É tão ativa
que é um dos pontos que mais polêmicos agora durante a tentativa de
lockdown que a cidade fez né, que o Alecrim era todo dia no RNTV os
profissionais que fazem aquele movimento daquele local gerando um conflito
de opinião sobre se precisava fechar, se tinha como, como ia, porque ia, pra
gente ver o quão aquilo é forte como é importante, então eu achei muito legal
a ideia, e foi muito especial, então valeu e era isso que eu queria dizer.

Relatos como esses que, além de emocionar a todos os presentes na atividade,


corroboram a noção de que o sentido de pertença ocorre a partir do “apropriar o lugar”
o que pressupõe “estar no lugar” nos mostraram que valeu a pena insistir na execução
do projeto de extensão, mesmo que de modo não presencial.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomamos o que foi estabelecido como objetivo neste artigo para apresentarmos
nossas considerações finais acerca do que foi proposto.
Um primeiro aspecto a se observar diz respeito ao fato de que os locais selecionados
para serem registrados – e a sua consequente apropriação – alcançaram o propósito de
trazer à tona e suscitar discussões acerca de temas de relevada importância sobre
questões relacionadas ao bairro do Alecrim enquanto patrimônio – no conceito mais
alargado do termo – da cidade do Natal que remete a origem de várias famílias,
migrantes do interior, cujos costumes encontram-se arraigados no bairro até os dias de
hoje. Estas “questões-chave”, portanto, estiveram presentes tanto nos registros como
nas rodas de discussão.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 79

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O reconhecer para apropriar pelo observar / desenhar – que possibilita a permanência


e interação com o lugar, uma ação indispensável para a criação de laços de afetividade
com os lugares e de pertencimento para que as pessoas possam de alguma forma se
reconhecer como sendo parte dele – foi alcançado em parte nessa versão virtual, apesar
das limitações do Street View, devido ao fato de os locais selecionados serem conhecidos
pela maioria dos participantes. Nas duas edições anteriores (Ribeira e Cidade Alta) a
interação com o lugar mostrou-se essencial para esse reconhecimento, por se tratar de
áreas da cidade menos frequentadas pelos participantes, de modo que foi possível
fomentar as discussões acerca das dificuldades encontradas nas tentativas de
valorização / requalificação dos espaços, bem como discussões acerca do processo de
descaso / abandono vivenciado pelos bairros. No entanto, a interação dos desenhadores
entre si e com os transeuntes, no momento em que os registros estão sendo feitos, que
consideramos fundamental para a troca de experiências e para atração e sensibilização
de um número maior de pessoas acerca do patrimônio cultural foi completamente
eliminada no modo virtual.
Somados à prática do desenhar / observar, as rodas de discussão, provocadas pelos
enfoques escolhidos, possibilitaram que as pessoas participassem das discussões, com a
incorporação de conversas que envolveram aspectos relacionados a processos e ações –
individuais e coletivas – de valorização deste patrimônio cultural de origem popular que
hoje se encontra sob ameaça da expansão do mercado imobiliário nas áreas centrais da
cidade dotadas de infraestrutura.
As ferramentas digitais adotadas pelo projeto e que possibilitaram a realização dos três
encontros virtuais, apresentam limitações e, portanto, não são capazes de substituir a
experiência de “estar no lugar”.
Desse modo, considerando todas as limitações impostas pela pandemia, entendemos
que o diálogo estabelecido entre o observar e o conversar, mesmo que
excepcionalmente de modo remoto, contribuíram para construir uma reflexão acerca do
patrimônio cultural do Alecrim, o que nos deu a possibilidade de pensarmos na
continuidade das ações durante o ano de 2021, lançando a edição “Natal Desenhada em
Movimento”, buscando expandir o universo de trabalho para cidades do interior e da
região metropolitana de Natal, conectando virtualmente os participantes que voltaram
às suas cidades de origem, bem como possibilitando a participação de pessoas dessas
cidades, de outros estados e até de outros países.
Consideramos que o mais importante nesse momento foi manter o contato com as
pessoas que buscam apreender a cidade através do desenho de locação, que se
identificam com as questões relacionadas à preservação do patrimônio cultural e de
formar multiplicadores dessas práticas, numa ação de educação patrimonial que rompe
os muros da academia e alcança a sociedade.

REFERÊNCIAS
CASTRIOTA, Leonardo. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume;
Belo Horizonte: IEDS, 2009.
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CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS DA CONSERVAÇÃO INTEGRADA – CECI. Plano de Gestão da


Conservação Urbana: Conceitos e Métodos. Norma Lacerda e Sílvio Mendes Zancheti / Olinda: Centro
de Estudos Avançados da Conservação Integrada, 2012.
CURY, Isabelle (org.) Cartas Patrimoniais. Edições do Patrimônio. IPHAN. Rio de Janeiro, 2000.
IPHAN, BRASIL. Educação Patrimonial:Histórico, conceitos e processos. Brasília: IPHAN, 2014.
KUSCHNIR, Karina. Desenhando Cidades. In: Revista sociologia & antropologia, v.02.04, 2012.
URBAN SKETCHERS EM LISBOA. Desenhando a Cidade. Lisboa: Quimera Editores, 2012.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 81

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Pesquisa e Extensão em meio à pandemia: o projeto de reuso


adaptativo do DIRA – Sorocaba-SP

Ana Carolina Formigoni Basso MARQUES


Centro Universitário Facens; ana.marques@facens.br
Taiana Car VIDOTTO
Centro Universitário Facens; taiana.vidotto@facens.br

RESUMO
Objetiva-se com este artigo apresentar a experiência de pesquisa e extensão no desenvolvimento do
projeto de reuso adaptativo do edifício que abrigava o Diretório Regional Agrícola (DIRA) na cidade de
Sorocaba. Ao final do primeiro semestre de 2021, o Centro Universitário Facens recebeu como demanda
da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) um estudo para verificar a viabilidade
de ocupação do edifício por seccionais de delegacia da Polícia Civil. Considerando os preceitos da pesquisa
e extensão, foi formada uma equipe que uniu professores e alunos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo,
Engenharia Civil e Elétrica, de modo que eles pudessem vivenciar uma demanda prática, atendendo a
sociedade. Entre o processo de investigação histórica sobre o edifício e o levantamento cadastral foi
possível ter acesso ao projeto original e seu autor – o arquiteto Abrahão Sanovicz – dando elementos
norteadores para a concepção dos estudos de ocupação de modo a valorizar seus elementos
arquitetônicos modernos. Ainda que de forma híbrida, o projeto foi realizado com sucesso. No entanto,
reconhecemos que a convivência de uma equipe de trabalho presencial se faz elementar inclusive
aumentando a produtividade no processo de desenvolvimento projetual.
PALAVRAS-CHAVE: extensão em arquitetura e urbanismo; Arquitetura Moderna; pesquisa histórica

1 INTRODUÇÃO
A formação universitária, incluindo a do Arquiteto e Urbanista, passou por uma série de
desafios nos últimos anos em virtude da pandemia. Diversas medidas foram tomadas
em todas as instituições de ensino superior no sentido de amenizar os impactos que o
ensino remoto poderia trazer. Em especial, no curso de Arquitetura e Urbanismo,
observou-se que as atividades preconizadas na Resolução número 02 do Conselho
Nacional de Educação (2010), como a participação em atividades extracurriculares;
visitas, levantamento de campo em edificações, bem como viagens de estudo, foram
impossibilitadas no ano de 2020.
Após o primeiro ano de pandemia, com o início do processo de vacinação da população
brasileira, iniciou-se o planejamento de retomada gradativa das atividades presenciais
e daquelas que haviam sido inviabilizadas no período que vivíamos, como as atividades
de extensão e outras práticas presenciais. Em meio a isso, ao final do primeiro semestre
de 2021, o Centro Universitário Facens recebeu como demanda da Secretaria de
Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) um estudo para verificar a viabilidade
de ocupação de um edifício público existente na cidade de Sorocaba, originalmente
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projetado para ser a sede do Diretório Regional Agrícola (DIRA).


O objetivo era elaborar um projeto básico arquitetônico que verificasse a possibilidade
de o edifício sediar seccionais das delegacias da Polícia Civil respeitando as estruturas
existentes, além de adaptações para atendimento considerando as normas vigentes de
acessibilidade e demais regulamentações para os projetos de edifícios de uso público.
Ao final, essa atividade pretendia entregar o projeto básico arquitetônico, em
conformidade com a fase de anteprojeto, considerando a identificação e locação de
pontos de elétrica, hidráulica, circuito fechado de televisão (CFTV), sistema de proteção
contra descargas atmosféricas (SPDA), Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndios
(PPCI) e ar-condicionado, bem como orçamento sintético que possibilitasse à Polícia Civil
direcionar as ações em prol da futura ocupação do edifício.
Ao receber a demanda, a coordenação do Curso de Arquitetura e Urbanismo em
conjunto com a do Curso de Engenharia Civil estabeleceram diretrizes para que fosse
formada uma equipe multidisciplinar. Em conjunto, o Centro de Inovação em Tecnologia
Cidade e Construção (CIT), um dos laboratórios do Centro Universitário, e o Laboratório
de Projetos de Arquitetura e Urbanismo (LabProjAU) abriram um processo seletivo para
inscrição de alunos interessados dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia
Civil. Criado para organizar os projetos de extensão do curso de Arquitetura e
Urbanismo, o Laboratório visa atender a Resolução no 07 do Conselho Nacional de
Educação (2018), a qual estabelece diretrizes para a extensão na educação superior
brasileira. Seu principal objetivo é contribuir com a formação dos estudantes,
possibilitando e incentivando a aplicação dos conhecimentos, promovendo a aplicação
dos conceitos e práticas acadêmicas em atividades reais, unindo o corpo docente e
discente do curso, de acordo com a matriz curricular.
Além disso, o LabProjAU tem como objetivo atender as solicitações da sociedade e da
Instituição de Ensino Superior (IES), incentivando o desenvolvimento de atividades junto
aos estudantes, aplicando os conteúdos apreendidos ao longo da graduação. É uma
grande oportunidade de gerar retorno à comunidade, com enfrentamento de
problemas reais, buscando soluções coerentes com a futura profissão. A fim de alcançar
esse objetivo maior, o LabProj AU conta com seguintes atuações:
1. Incentivar e apoiar a participação discente em concursos nas áreas de arquitetura,
urbanismo, design, paisagismo, integrando as experiências acadêmicas a situações-
problemas de prática projetual;
2. Incentivar o debate e áreas de pesquisa nos diversos campos de atuação em
Arquitetura e Urbanismo, em busca de resultados para alimentar os conteúdos em sala
de aula, com reflexões de situações reais, e auxiliar à comunidade interna e externa à
IES;
3. Prestar consultoria a instituições públicas ou privadas, em desenvolvimento de
projetos e demais atividades inerentes ao campo de Arquitetura e Urbanismo,
principalmente em áreas não contempladas ou absorvidas por profissionais do mercado
de trabalho local;
4. Responder às demandas da comunidade local, seja em grupos, associações,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 83

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instituições públicas ou privadas, com intuito de auxiliar nas soluções de problemas


enfrentados, principalmente de grupos ou áreas carentes de recursos.
Após a inscrição dos voluntários a equipe foi formada por duas alunas (8º semestre) e
um professor do curso de Engenharia Civil; quatro alunos (duas alunas do 4º semestre,
um aluno do 6º e outro do 8º) e duas professoras do curso de Arquitetura e Urbanismo;
e um professor do curso de Engenharia Elétrica.
Até aquele momento os responsáveis pelo prédio desconheciam a autoria do seu
projeto – do arquiteto Abrahão Sanovicz – e iniciou-se uma pesquisa sobre seu histórico,
junto ao processo para o desenvolvimento do estudo de reuso do edifício. Nesse
sentido, objetiva-se apresentar a experiência de extensão e pesquisa no
desenvolvimento deste projeto.
Os projetos de pesquisa e extensão se alinham tanto ao parágrafo 5º do 6º artigo da
Resolução que estabelece as diretrizes curriculares, como com a Carta da UIA/UNESCO
(2011). O primeiro, estabelece que os conteúdos do curso devem ser abordados por
meio de "pesquisas temáticas, bibliográficas e iconográficas, documentação de
arquitetura, urbanismo e paisagismo e produção de inventários e bancos de dados,
projetos de pesquisa e extensão." (BRASIL, 2010).
Além disso, conforme a recomendação da Carta da UIA/UNESCO deve ser promovida a
formação dos estudantes no que se refere a técnicas de pesquisa "como parte
integrante da educação em arquitetura". Nesse sentido, as pesquisas devem capacitar
o estudante para reunir informações divergentes, identificar problemas, observar
requisitos do contexto, tanto no aspecto das pesquisas de Iniciação Científica1 quanto
no desenvolvimento de investigações, como objetivo das disciplinas.
Dessa forma, o artigo apresentado divide-se em duas sessões. A primeira delas
apresenta a pesquisa como base do desenvolvimento do projeto de reuso adaptativo. A
segunda, o processo de desenvolvimento de projeto em si. Ainda que as atividades
tenham se desenvolvido em meio à pandemia, foi possível aos alunos desenvolver novas
habilidades a partir de um caso real, respondendo a uma demanda da sociedade local e
atendendo aos objetivos do LabProjAU.

2 O PROJETO DE EXTENSÃO POR MEIO DA PESQUISA HISTÓRICA


O projeto teve início no mês de junho de 2021, quando realizamos a primeira visita ao
edifício. Essa visita tinha como objetivo o reconhecimento tanto dos professores que
atuariam como coordenadores no processo de trabalho quanto dos futuros usuários. Na
ocasião, o objetivo era atestar a condição geral na qual o edifício se encontrava. Ainda
que as instalações sanitárias, elétricas e hidráulicas apresentassem alguns danos visíveis
a estrutura geral estava preservada, considerando o sistema de pilares e vigas, bem

1
Além do projeto de extensão foi possível, por meio da pesquisa, explorar o edifício do DIRA em um
projeto de Iniciação Científica que analisa a conservação dos edifícios em concreto aparente na cidade de
Sorocaba desenvolvida em conjunto por alunos e professores dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e
Engenharia Civil.
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

como sua caixilharia. Pôde-se perceber também pontos de umidade e infiltração, os


quais indicavam a ausência de manutenção em especial das lajes de piso e fachada em
concreto aparente.
O que se sabia sobre o projeto naquele momento fora abordado por Mestre (2014)
quanto a implantação do edifício em uma quadra com lotes residenciais e comerciais,
cujas características estéticas adotavam elementos da corrente brutalista:
(...) uma laje única de cobertura, sustentada por uma sequência de pórticos
em concreto aparente, abrigam os volumes envidraçados do térreo e do andar
superior que recuam sucessivamente criando largos beirais e áreas de
transição entre interior e exterior – remetendo ao diagrama compositivo de
obras consagradas do brutalismo paulista, como o prédio da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP (MESTRE,
2012, p.182).
Chamava atenção em sua implantação a orientação do edifício sem paralelismo com
relação ao lote, indicando uma possível referência à implantação do edifício do SESI2 a
frente, conforme Figura 01.
Figura 01- Implantação do DIRA

Fonte: Elaborado pelas Autoras.

No entanto, não se sabia ainda quem era o seu autor. Além desta questão, outras
perguntas foram colocadas naquele dia para além da autoria do projeto. Foi possível
identificar que somado ao volume principal, o edifício possuía um anexo com forma
predominantemente circular, em contraponto ao volume retangular. Assim, foi colocada
a dúvida se este compunha parte do projeto original ou se havia sido acrescentado
posteriormente. Eventualmente, foi questionado se os dois edifícios pertenciam ao
mesmo autor devido às suas diferentes características formais e de acabamento –
enquanto o edifício principal apresentava o concreto aparente, o anexo apresentava
pintura e cobertura de telhas termoacústicas no momento da visita.
Na sequência, em virtude da não existência de um projeto base em AutoCad para iniciar
os estudos de ocupação do edifício, na última semana do mês de junho iniciamos uma
série de visitas in loco, acompanhadas dos alunos selecionados para o desenvolvimento
do projeto. Tínhamos como base um arquivo em PDF, recebido pela Secretaria de
Segurança Pública do Estado e munidos das plantas dele, trenas e outros instrumentos
de levantamento precisávamos identificar medidas para elaborar o desenho de uma

2 Projeto de Rodolpho Ortenblad Filho (1967) (Revista Acrópole, 1966).


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base para estudos preliminares. Nessa etapa, como atestado por Braga (in OLIVEIRA,
2008), imaginávamos estar realizando um levantamento cadastral não apenas com a
finalidade de documentação, mas também de “preservação da memória” deste edifício.
Caminhando pelas salas e corredores, passamos a observar aspectos construtivos que
não estavam aparentes em nossa primeira visita, como a existência de uma série de
claraboias ao longo dos corredores do pavimento superior que se encontravam
desativadas após a cobertura da laje com telhas tipo calhetão.
Na sequência desta segunda visita, no mês de julho iniciou-se a pesquisa para identificar
nos acervos digitais (considerando o estágio da pandemia que vivíamos) e nas bases de
dados de teses e dissertações a presença de mais informações sobre o projeto. Foi nesse
momento que, por meio da base da Acervos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (FAUUSP), buscando pelos edifícios da cidade de Sorocaba,
foi possível ter acesso ao projeto original (1970), atestando a autoria ao arquiteto
Abrahão Sanovicz.
Ao ter acesso ao projeto do edifício, algumas das perguntas passaram a ser respondidas
como a existência das claraboias bem como a presença do anexo no projeto original.
Quanto ao anexo, a leitura do projeto disponível no Acervo da FAUUSP permitiu
reconhecer que ele guardava características semelhantes ao edifício principal no projeto
original. No entanto, por motivos desconhecidos, ele foi transformado ao longo do
tempo, ganhando a cobertura de telhas sobre a laje e a pintura de seu concreto
aparente, bem como a alteração de suas esquadrias.
A partir dessa primeira leitura do projeto original, parte da equipe foi designada para
realizar pesquisa histórica e iconográfica sobre o edifício e seu autor. Sobre Sanovicz, a
biografia escrita por Silva (2017) apresentava o projeto do DIRA de Sorocaba, ainda que
não tenha sido analisado, ele aparece na listagem da produção do arquiteto. Somado ao
DIRA ele foi autor de outras sub-regionais agrícolas como as das cidades de
Guaratinguetá, Botucatu, Catanduva e Santa Fé do Sul (1973)3. Além dessas, que foram
construídas, o arquiteto realizou o projeto da sub-regional de Campinas e de Andradina,
que não tiveram sua construção confirmada por Silva (2017).
Observando outros projetos institucionais de sua autoria, pôde-se notar que aspectos
presentes no partido arquitetônico do DIRA e algumas soluções formais se encontram,
por exemplo, na Escola Estadual de Santos4 (1961). Na imagem abaixo observa-se que o
programa do Ginásio foi solucionado sob uma grande cobertura na qual, assim como o
DIRA, tem beirais que se projetam até o apoio dos pilares externos. Estes, por sua vez,
têm forma trapezoidal, criando um desenho marcante na fachada. Em depoimento sobre
esse projeto, Sanovicz comentou: “a planta tinha uma referência muito grande ao
Ginásio de Itanhaém, do Artigas, já as fachadas lembravam a FAU, apesar de o prédio ser
térreo” (SILVA, 2004, p.146).

3 Os projetos das sub-regionais “padrão” foram explorados por Silva (2004).


4 Atualmente nomeada como Escola Estadual Dona Luiza Macuco.
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Figura 02- Planta e Corte Longitudinal do Ginásio Estadual de Santos

Fonte: Silva (2004), p. 148

Somado à solução volumétrica, no Ginásio Estadual de Santos foi possível notar o uso
das claraboias nos corredores de circulação e no conjunto de sanitários. Dessa forma, o
arquiteto solucionava a iluminação natural nos espaços mais enclausurados do edifício.
Foi a mesma solução utilizada alguns anos depois no edifício do DIRA, tanto no volume
principal, como no anexo. Na imagem abaixo é possível ver a presença das claraboias
nos sanitários e corredores, bem como a projeção dos pilares externos à caixa principal
do volume principal do edifício.
Figura 03- Planta do Primeiro Pavimento do DIRA

Fonte: Acervo FAUUSP.

Semelhantemente a outros projetos do arquiteto, se vê do DIRA uma racionalização


construtiva, com modulação regular impactando não apenas o sistema estrutural, mas
as esquadrias. Conforme Silva (2017), Sanovicz seguiu aplicando esse raciocínio modular
em uma série de projetos, com destaque aos edifícios residenciais modulares.
Outros aspectos identificados na pesquisa foram imagens de sua construção
evidenciando que a unidade entre os blocos se dava justamente pela estética do
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 87

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concreto armado aparente. No caso do anexo, deve-se apontar que imagens evidenciam
a troca das esquadrias, alterando a composição em fita ao longo do corpo cilíndrico.
Além do concreto aparente, outro elemento utilizado nos dois blocos foram as
claraboias, posicionadas ao centro da cobertura do anexo, bem como nos corredores do
primeiro pavimento, conforme Figura 03 e 05, das plantas dos respectivos edifícios.
Figura 04- Edifício após sua construção.

Fonte: Brazil Books, sem data.

Quanto à implantação, o terreno onde localiza-se o DIRA era de posse da Prefeitura


Municipal de Sorocaba, o qual foi doado ao Instituto de Previdência do Estado de São
Paulo, segundo a Lei Municipal no 722 de 07 de julho de 1960, para a construção do
edifício. A mesma Lei definia que o projeto e sua construção fossem realizados
prontamente, o que levou mais de dez anos para se efetivar após a promulgação desta.
Seu formato, com a face maior voltada para a Rua Gustavo Teixeira e uma pequena face
voltada para a Rua Luiz Silva Rodrigues, fez com que o arquiteto implantasse o bloco
principal paralelo ao limite posterior do lote (sua maior face). Desse modo, o projeto se
aproxima do paralelismo da implantação do SESI, como apontado na Figura 01. No
entanto, o uso do recuo à Rua Gustavo Teixeira, com forma triangular, permitiu a
implantação do anexo em sua porção maior, além de garantir uma maior visibilidade do
conjunto arquitetônico projetado.
Em seu projeto original, a distribuição do edifício se deu em três níveis. O primeiro deles,
de acesso ao anexo e aos usos estabelecidos na esquina das Ruas Gustavo Teixeira e Luiz
Silva Rodrigues. Enquanto o anexo apresentava a distribuição de salas de forma radial,
além dos sanitários e uma sala de arquivo, o acesso da esquina abrigava um espaço para
a moradia do zelador. Por sua vez, no acesso à Rua Luiz Silva Rodrigues, já no limite
posterior do lote, se encontrava o almoxarifado, conforme Figura 05.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 88

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Figura 05- Planta do nível de acesso da Rua Gustavo Teixeira e Luiz Silva Rodrigues.

Fonte: Acervo FAUUSP.

O nível subsequente, de acesso ao bloco principal do edifício, se encontra elevado a 3,24


metros. Sobre a laje de cobertura da zeladoria e do almoxarifado do projeto original, se
estabeleceu uma praça, cujos bancos fazem papel de guarda corpo, conforme pode-se
notar na Figura 04, à esquerda da imagem. Ao acessar o bloco principal, o programa
original estava subdividido em duas porções, com a circulação vertical centralizada no
hall de entrada. Na porção da esquerda, junto à praça elevada, localizavam-se os
sanitários e um espaço de auditório e exposições. Na porção direita estavam a
biblioteca, o protocolo e o arquivo. Encontravam-se ainda com acesso direto do hall de
entrada o setor de expediente e departamento pessoal. Do ponto de vista estrutural, os
pilares internos ao edifício apresentam formato cilíndrico, diferentemente dos pilares
da fachada, destacando a independência dos fechamentos dos espaços e sua estrutura,
conforme Figura 06.
Figura 06- Nível 3,24 metros.

Fonte: Acervo FAUUSP.

Já o primeiro pavimento apresentava o programa administrativo e os diferentes setores


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 89

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do DIRA como departamento de sementes e mudas, defesa sanitária animal e outros.


Neste pavimento, as salas foram distribuídas no perímetro do edifício, usufruindo da
iluminação e ventilação naturais propiciadas pela caixilharia de vidro do piso ao teto.
Dois blocos de sanitários, copa e depósito estão distribuídos de modo equidistante
atendendo aos funcionários. Dois sanitários individuais também estavam implantados
nas faces laterais da planta – um junto à sala do diretor e outro ao setor administrativo
– visíveis na Figura 03.
Além do acesso ao projeto original, no mês de agosto, após a realização do
levantamento e elaboração dos desenhos base, foi realizada uma consulta ao Arquivo
Central da Prefeitura Municipal de Sorocaba. Na ocasião, foi disponibilizado o
levantamento topográfico e cadastral do edifício (considerando seus limites), o que
pôde complementar as informações do levantamento realizado pela equipe de trabalho.
Ler e documentar o edifício, bem como ter acesso às fontes iconográficas permitiu que
aos professores e alunos que fossem estabelecidas algumas premissas de projeto, sendo
parte fundamental dessa atividade de extensão. Conforme nos lembra Oliveira (2008)
os cadastros e registros de edifícios “podem permitir a leitura e o entendimento das
corretas proporções do projeto original e descobrir eventuais traçados reguladores que
comandaram a concepção da arquitetura” (OLIVEIRA, 2008, p.13).
Contudo, foi possível atestar algumas diferenças entre o projeto original e o estado atual
do edifício, sem que as fontes pesquisadas pudessem atestar quando as mudanças se
deram. Entre os aspectos mais notáveis estão o prolongamento do pavimento de acesso
pela Rua Luiz Silva Rodrigues, conformando o uso de um estacionamento com escada
que permite subir ao nível 3,24 metros sem sair do edifício; as mudanças no anexo
quanto sua cobertura e esquadrias; a desativação das claraboias e a não existência do
banheiro individual junto à administração do pavimento superior. Nas fachadas laterais,
o projeto original previa a instalação de um brise fixo horizontal, que foi comprovada
pelas imagens, mas que foi removido com o passar dos anos.

3 O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO DE REUSO ADAPTATIVO


Atendendo a um dos objetivos desse projeto de extensão, o desenvolvimento do projeto
arquitetônico básico deveria contemplar um novo uso para a edificação existente,
considerando adaptação e atualização para abrigar suas novas funções, legislações
atuais, novos meios de comunicação, especificidade e diversidade de usuários, entre
outros.
Como visto anteriormente, esse projeto de extensão buscou alinhar a pesquisa histórica
sobre o conjunto de edificações para intervenção, que pode ser percebido claramente
como um representante da Arquitetura Moderna na cidade, e uma nova proposta de
ocupação do mesmo, com nova atividade. A esse trabalho conjunto, atribuiu-se o
conceito de Reuso Adaptativo, de acordo com Silva e Alves (2019): “(...) reuso adaptativo
como instrumento norteador de projeto, compreendendo seus impactos na
preservação do patrimônio e na inserção destas edificações na contemporaneidade”
(SILVA e ALVES, 2019, pag.04).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 90

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Visando respeitar o construído, mesmo sem ter reconhecimento oficial como


patrimônio, as estratégias de ocupação da edificação foram norteadas pela estrutura
existente, procurando manter o máximo de sua morfologia e tipologia preservadas.
Pode-se destacar também, e com mesma importância, a busca por soluções projetuais
eficientes, o processo percorrido para entender o programa, o estudo do uso dos
espaços das unidades da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo,
usuários frequentes e público atendido.
Concomitante à visita de reconhecimento da edificação alvo do projeto, foram
propostas visitas em duas unidades de delegacia, com atendimento a públicos-alvo
diferentes. Foi realizada também uma reunião online com os responsáveis em orientar
a definição do programa arquitetônico para a nova ocupação.
As visitas às unidades trouxeram a oportunidade de conhecer a hierarquia do trabalho
realizado, além de gerar repertório para a organização espacial necessária ao projeto.
Os alunos puderam listar equipamentos, mobiliários, áreas de atendimento e de
funcionários exclusivamente; entender a lógica de relacionamento entre os espaços;
quantificar os colaboradores e suas funções; levantar medidas gerais; entre outras
informações relevantes para o desenvolvimento da nova proposta de unidade
integrada, que, como dito anteriormente, foi uma das premissas elencadas pela
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, como forma de aproveitar o
amplo espaço construído para abrigar algumas unidades de delegacias, que hoje,
encontram-se dispersas em imóveis distintos pela cidade.
Além do reconhecimento arquitetônico da edificação, também foi realizado
levantamento métrico, fotográfico (com detalhes), verificação de elétrica e hidráulica
existente para aproveitamento ou relocação, caso fosse necessário. Essas informações,
além de compor base para o desenvolvimento de projeto, também serviram para
entender a lógica de distribuição original. Foi possível perceber alterações recentes -
tomadas, equipamentos de ar-condicionado acoplados às esquadrias da fachada - que
se acreditou necessária para a dinâmica de ocupação anterior.
Cabe ressaltar aqui, que todo esse processo – visitas ao conjunto arquitetônico do antigo
DIRA e visitas de investigação sobre as atividades nas unidades de delegacias – foi
desenvolvido com a participação ativa da equipe de alunos e professores já
mencionados.
Essa aproximação com o tema a ser desenvolvido foi realizada de forma presencial,
adotando medidas e critérios sanitários na pandemia, devido à importância de
reconhecer o espaço físico da intervenção, através de conferência de medidas e, de
percepções, como insolação, ventilação, acessos, topografia, muito mais palpáveis
através da experimentação física da edificação e entorno. As visitas em unidades de
delegacias, também presenciais, tiveram a mesma importância em registros sobre a
circulação dos funcionários, público atendido, relacionamento entre os agentes, acessos
restritos e públicos, embasando, portanto, o programa arquitetônico que estava sendo
elaborado para a proposta.
Após a aproximação às fontes históricas e dados coletados para elaboração da proposta
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 91

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de projeto, foram criadas frentes de trabalho, dividindo a equipe de alunos e professores


conforme as habilidades. No total de quatro alunos do curso de Arquitetura e
Urbanismo, um ficou responsável em levantar informações sobre a história do prédio e
do arquiteto, além de legislações e normas específicas para atualização da edificação, e
os outros três desempenharam trabalho de desenho arquitetônico em ajustes na base
do levantamento, realização de estudos e modelagem da construção. Esses quatro
alunos foram supervisionados pelas duas docentes de Arquitetura e Urbanismo. A outra
parte integrante da equipe, ou seja, as duas alunas do curso de Engenharia Civil, junto
ao docente responsável, atuaram em pesquisa de legislação de Combate a Incêndio,
laudos técnicos de verificação da estrutura, elétrica e hidráulica, além da composição
do orçamento estimativo para adequação da construção.
O desenvolvimento efetivo dos estudos, contando com o desenho de levantamento
para criação de uma base, diagrama de bolhas, setorização, layout’s mínimos, definição
de acessos, circulação vertical e horizontal, entre outros, foi realizado de forma remota,
através de meios digitais e colaborativos como whatsapp, zoom, discord,
compartilhamento de arquivos de autoCAD, Revit e e-mails. Uma nova ferramenta que
nos foi apresentada na IES – Monday – também colaborou para organização da equipe,
e contabilização de tempo de trabalho para cada integrante.
Foram desenvolvidos alguns estudos por parte dos alunos, com a corrente orientação
dos professores envolvidos. A cada nova proposta, os desafios entre atender legislações
atuais, adequar ao uso e organização pretendida, e manter a integridade física,
morfológica e tipológica da arquitetura existente, reforçava o caminho a ser trilhado.
Dessa forma, a proposta final, apresentada à Secretaria de Segurança Pública do Estado
de São Paulo, conseguiu aliar o programa proposto, atualizações, e o respeito às
edificações (principal e anexo) e seu entorno, garantindo, inclusive, a reativação de
alguns aspectos que haviam sido modificados ao longo dos tempos, como as claraboias.
Cita-se aqui algumas decisões de projeto norteadas pela arquitetura existente, como a
divisão de espaços de trabalho individuais ou por setores, que foi alinhada ao ritmo das
vigas aparentes nas lajes e esquadrias originais; a iluminação indireta de algumas salas
através de esquadrias altas e próximas das claraboias a serem reativadas – inclusive essa
estratégia atuou como razão principal para assegurar a reconstrução da estrutura das
claraboias, troca dos domus, e impermeabilização correta da laje de cobertura, tanto
para o edifício principal, quanto para o edifício anexo; os acessos existentes ajudaram a
definir setores conforme a dinâmica de atendimento das unidades integradas; a
circulação vertical principal, com a escadaria existente, também colaborou para compor
as áreas de atendimento geral e áreas de atendimento mais restrito; a ampliação de
sanitários para diversidade de usuários próximos ou contíguos à área hidráulica
existente na edificação.
No âmbito de atendimento às normas de acessibilidade, que foi o maior desafio devido
à topografia e implantação da edificação principal no terreno, as decisões, em
consonância de respeito e reaproveitamento do existente, propuseram o mínimo de
intervenção na edificação, de forma a não haver prejuízo morfológico ou tipológico
significativo à arquitetura presente. Cita-se a implantação de dois elevadores para
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 92

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acesso, sendo que um está integrado a um dos vãos, entre pilares, existente na fachada
posterior – o qual permite o acesso do pavimento intermediário ao superior; e o outro,
incluído no pavimento térreo, aproveita o espaço entre vigas da laje superior, e acessa
a área livre próxima à edificação principal, com pequeno volume independente, sem
alteração do conjunto proposto originalmente. Outra alteração, que considerou a
acessibilidade em circulação vertical, foi a substituição da escada caracol para uma
escada em formato “U”, no mesmo lugar da existente, com a ampliação do vão entre
vigas.
O reuso adaptativo deste conjunto apresentado acima, não somente contribui com a
abordagem de respeitar os preceitos da Arquitetura Moderna, mas também assume
papel importante nas práticas de sustentabilidade, tão enfatizadas na atualidade
(TOSTÕES, 2015).
Figura 07 – Planta nível 0.00.

Fonte: Elaborado pelas autoras

A figura 07 evidencia os acessos existentes, os quais foram primordiais para a


setorização da nova proposta de ocupação, considerando as áreas de atendimento ao
público junto às entradas.
As claraboias do anexo, hoje desativadas, possibilitaram o uso privativo em salas da área
central do volume, garantindo entrada de luz para as atividades propostas. O mesmo foi
possível realizar no nível 6.89, contribuindo para a locação de salas privativas, em acordo
com o programa arquitetônico elaborado.
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Figura 08 – Planta nível 3.24.

Fonte: Elaborado pelas autoras

Na figura 08, pode-se apontar que o ritmo das vigas da laje do piso superior orientou a
criação e disposição das salas (privativas). O mesmo foi considerado para o piso 6.89.
Por sua vez, o volume de sanitários foi mantido e também serviu para orientar a
expansão de outros sanitários que se fizeram necessários na proposta. As circulações
verticais apontadas, tendo diferentes tipos de acesso – privado e público, possibilitaram
setorizar o programa arquitetônico, principalmente por se tratar de uma integração
entre unidades diversas de delegacias.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de pesquisa e extensão teve êxito em sua execução. Contudo, devem-se
considerar alguns pontos para reflexão. O primeiro deles é de que o levantamento feito
por meio da pesquisa histórica não esgota o conhecimento da vida do conjunto
arquitetônico. Algumas questões poderiam ser respondidas se houvessem registros das
diferentes etapas de reforma e adequação pelas quais os edifícios passaram. No
entanto, nos acervos consultados não foi encontrada nenhuma informação como
documentação sobre sua construção, modificação e reparos ao longo dos anos.
Quanto ao desenvolvimento do projeto de reuso adaptativo, o objetivo deste artigo não
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era apresentar seu resultado, mas sim seu processo com o envolvimento de alunos e
professores para desenvolvê-lo. No entanto, a proposta de estudo preliminar
apresentada à SSP-SP atendeu às expectativas de ocupação pelas equipes envolvidas
considerando as premissas do edifício existente como a distribuição perimetral das
estações de trabalho (privativas e coletivas) em cada pavimento, a reativação das
claraboias nos dois blocos, o respeito ao ritmo da estrutura das lajes e esquadrias, entre
outras.
Além disso, entende-se que foi possível trabalhar com o projeto de extensão de forma
remota. Na ocasião do levantamento do edifício in loco, por estar desocupado, não
houve risco motivado pela pandemia aos envolvidos. Entretanto, um aspecto notável do
trabalho remoto foi a desarticulação em alguns momentos das etapas de trabalho.
Entendemos que se estivéssemos trabalhando presencialmente muitas das decisões
que levavam intervalos de dias entre as reuniões poderiam ter sido realizadas de forma
mais ágil. Certamente, isso também favoreceria uma maior interação da equipe e do
aprendizado colaborativo. Não que isso não tenha sido possível, mas cremos que teria
se dado de modo mais espontâneo e profundo em um espaço físico coletivo.
No momento atual, não sabemos se o projeto entregue será implantado. Como
diretrizes das próximas etapas, possivelmente daremos sequência a seu
desenvolvimento para elaboração do projeto executivo. De qualquer forma, a aplicação
da pesquisa e extensão através deste caso real foi efetivada sendo uma excelente
oportunidade de aprendizagem para alunos e professores, bem como para a IES.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos coordenadores dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo (AU) e de
Engenharia Civil (EC), Profa. Dra. Giovanna T. Novellini Brígitte e Prof. Dr. Gustavo Isaia,
responsáveis pela supervisão do projeto e aos demais professores participantes,
representados pelo Prof. Dr. José Antônio de Milito. Aos nossos alunos pelo empenho
na pesquisa e elaboração dos estudos: Giovani Leonardo Gomes (AU), Gustavo César
Dias (AU), Júlia Ramos Costa (AU), Laura Campos Santos (EC), Lindalva de Barros Silva
(EC), Samantha F. Moreno (AU). A equipe do Escritório de Projetos (PMO) do Centro
Universitário Facens. À Juliana Lins, da Seção Técnica de Materiais Iconográficos do
Acervo da FAUUSP e à Bianca Cristina Duarte, do Arquivo Central da Prefeitura Municipal
de Sorocaba. Aos representantes da Secretaria Pública de Segurança do Estado de São
Paulo, locados no município de Sorocaba, fundamentais na elaboração e entendimento
do programa arquitetônico – Osmar Guimarães Junior, Fernanda Ueda e Paulo Melero.

REFERÊNCIAS
ACRÓPOLE. Conjunto Assistencial do Sesi de Sorocaba. São Paulo: Acrópole, n. 327, 1966.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. Resolução no 2, de 17 de Junho
de 2010 – Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e
Urbanismo, alterando dispositivos da Resolução CNE/CNS no 6/2006. 2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5651-rces002-
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 95

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

10&Itemid=30192. Acesso em 14.fev.2022


BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. Resolução no 7, de 18 de
Dezembro de 2018 – Estabelece as diretrizes para extensão na Educação Superior Brasileira e
regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei no 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação –
PNE 2014 – 2024 e dá outras providências. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=104251-rces007-
18&category_slug=dezembro-2018-pdf&Itemid=30192. Acesso em 14.fev.2022
MESTRE, J. L. B. A arquitetura moderna em Sorocaba: décadas de 50, 60 e 70. Dissertação (Mestrado).
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.
OLIVEIRA, M. M. de. A documentação como ferramenta de preservação da memória. Brasília, DF:
IPHAN / Programa Monumenta, 2008.
SILVA, H. A. A. Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais
Urbanas) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
SILVA, H. A. A. Abrahão Sanovicz: arquiteto. 2005. São Paulo: Romano Guerra / Instituto P. M. e Lina Bo
Bardi, 2017.
SILVA, P. F.; ALVES, A. A. A. Intervenções sobre o Patrimônio Arquitetônico Moderno da saúde: O caso
do Instituto Vital Brazil em Niterói. In: SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, 13., 2019, Salvador. Disponível
em: https://docomomobrasil.com/wp-content/uploads/2020/04/110911.pdf. Acesso em 08.fev.2022.
TOSTÕES, A. Património Moderno: a conservação e a reutilização como recurso sustentável. Coimbra:
Revista de Cultura Arquitetônica Joelho #06. EDARQ, 2015. Disponível em: https://impactum-
journals.uc.pt/joelho/article/view/_6_12. Acesso em 08.fev.2022.
UIA/UNESCO. Carta para Educação dos Arquitetos. Tradução Luis Augusto Contier. Disponível em
http://www.abea-arq.org.br/?page_id=304. Acesso em 14.fev.2022.
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Curso Regularização Fundiária Urbana: Contribuições para


efetivação do Programa Casa Verde e Amarela

Artur Souto de BRITO


Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA);
artur.brito@alunos.ufersa.edu.br
Francisco Álisson da SILVA
Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA);
alissonqaz2015@gmail.com
Daniela de Freitas LIMA
Doutoranda em Engenharia Civil e Ambiental pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG);
danielafreitas1218@gmail.com
Almir Mariano de Sousa JUNIOR
Professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e do Programa de Pós-Graduação em
Planejamento e Dinâmicas Territoriais no Semiárido (PLANDITES/UERN);
almir.mariano@ufersa.edu.br

RESUMO
O enfrentamento da irregularidade fundiária urbana no Brasil, após décadas de informalidade e contínuo
déficit habitacional, pode estar caminhando para mudanças significativas com a prática da produção e
melhoria de moradias para a população de baixa renda, além da segurança da propriedade a partir do
Programa Casa Verde e Amarela (PCVA), instituído pela Lei nº 14.118/2021. A Regularização Fundiária
Urbana, incluída neste programa, depende de processos jurídicos, sociais, ambientais e urbanísticos,
necessitando que todos os agentes envolvidos nestas questões estejam devidamente capacitados. A
melhoria habitacional considera mudanças nas inadequações nas moradias para prover habitabilidade e
segurança socioambiental. Neste sentido, o objetivo do trabalho é analisar as contribuições de cursos EaD
de Regularização Fundiária Urbana tutorados, promovidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional
em parceria com a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), no período pandêmico, entre 2021
e 2022, para a efetivação do PCVA. Investigou-se o conteúdo dos referidos cursos e foi realizada a
associação destes com as disposições do PCVA contidas em seus normativos. Percebeu-se que os cursos
colaboram para a concretização do PCVA porque transmitiram conhecimentos teóricos e práticas da
efetivação da Reurb, um dos eixos deste, e favoreceram a efetivação da política pública mesmo em período
pandêmico.
PALAVRAS-CHAVE: Informalidade Urbana; Pandemia; Educação à Distância; Capacitação; Política
Pública.

1 INTRODUÇÃO
A falta de planejamento com que se deu o processo de urbanização no Brasil a partir da
metade do século XX resultou em uma expansão urbana desordenada, marcada por
concentrar e centralizar a população e o poder territorial. Nesse período, a migração
campo-cidade sucedida no país, em um panorama de industrialização, teve como
consequência a informalidade urbana que, segundo Maricato (2009), consiste na
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conjuntura ilegal e pré-capitalista de produção do meio urbano, sendo a ilegalidade


diretamente relacionada à pobreza, à exclusão social e à segregação.
As formas de se ocupar o espaço urbano irregularmente são inúmeras. Uma das
classificações que se aproximam da definição de áreas irregulares é a de aglomerados
subnormais, que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010)
correspondem a conjuntos de unidades habitacionais de ocupação urbana irregular em
propriedade alheia, seja ela pública ou privada, que carece de serviços públicos básicos
e que estão localizados em áreas de fragilidade ambiental. Uma pesquisa preliminar do
IBGE (2019) conferiu a existência de 13.152 aglomerados subnormais no ano de 2019,
onde eram distribuídos 5.127.747 domicílios particulares (37,2% a mais que no censo
2010), em condições precárias de habitação e serviços essenciais. Os números
alarmantes da pesquisa mostram a dimensão da problemática habitacional no país e
denunciam a ausência de medidas eficazes até então. Estes resultados, após quase um
século de crescimento das cidades brasileiras, indicam uma realidade domiciliar precária
marcada pela irregularidade fundiária e o descumprimento da função social da
propriedade, frutos da desigualdade socioespacial existente.
Apesar das diversas políticas públicas direcionadas à questão habitacional implantadas
no Brasil desde o final do século XIX até 2021, o panorama da falta de acesso à moradia
adequada é caótico. Dados da Fundação João Pinheiro (2021) mostram que, em 2019, a
estimativa do déficit habitacional no Brasil foi de 5,876 milhões de domicílios, dos quais
5,044 milhões estavam situados no espaço urbano.
Visando contornar esta realidade excludente, foi instituído o Programa Casa Verde e
Amarela (PCVA), por meio da Lei nº 14.118, de 12 de janeiro de 2021. Além de atender
à modalidade de produção habitacional, essa política contempla o Programa de
Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional (RegMel), tendo como público alvo
para a regularização fundiária os núcleos urbanos caracterizados como de interesse
social, ou seja, ocupados predominantemente pela população de baixa renda, como
previsto no inciso I do caput do art. 13 da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017 e, para
melhoria habitacional as famílias com renda bruta mensal de até R$ 2.000,00 (dois mil
reais) que aderiram à Regularização Fundiária Urbana (Reurb) (BRASIL, 2021b).
De acordo com Lei nº 13.465/2017 em seu Art. 9º, a Reurb abrange medidas
urbanísticas, ambientais, jurídicas e sociais em todo o território nacional, além de
normas e procedimentos destinados a ordenar territorialmente e titular os ocupantes
dos núcleos urbanos informais. A Reurb objetiva melhorar a distribuição de moradia nas
cidades com enfoque na regulação de ocupação do uso do solo em habitações
subnormais, garantindo o direito à moradia digna e o cumprimento da função social da
propriedade (TARTUCE, 2018). A lei federal da Reurb no Brasil é regulamentada a partir
do decreto nº 9.310/2018. A Reurb a ser materializada pelo PCVA será executada a partir
dos profissionais e entes atuantes no processo de regularização fundiária, dentre eles:
advogados; arquitetos; assistentes sociais; engenheiros; atuantes dos cartórios de
registro de imóveis. Nessa perspectiva, a capacitação desses atores e da sociedade em
geral se faz necessária, para que sejam efetivadas todas as etapas requeridas para a
Reurb.
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Neste sentido, este trabalho objetiva analisar as contribuições de cursos EaD de


Regularização Fundiária Urbana tutorados, promovidos pelo Ministério do
Desenvolvimento Regional em parceria com a Universidade Federal Rural do Semi-Árido
(UFERSA), entre os anos de 2021 e 2022, para a efetivação do Programa Casa Verde e
Amarela. Para a concretização desta pesquisa, realizou-se a colaboração e o
acompanhamento de seis destes cursos no período de abril a agosto 2021, e de
novembro de 2021 a fevereiro de 2022, quando a pandemia do Covid-19 estava
instalada.
Os cursos em foco foram disponibilizados em duas ofertas, cada uma composta por duas
turmas. A primeira oferta foi integrada por cinco módulos: Introdução à Regularização
Fundiária Urbana; Procedimentos de Regularização Fundiária Urbana; Instrumentos de
Regularização Fundiária Urbana; Registro da Reurb; Projetos e Minutas de Lei sobre
Reurb. A segunda oferta avaliada neste trabalho corresponde ao Cadastro Social na
Reurb. Executou-se a análise dos conteúdos dos referidos cursos e os associou aos
preceitos do Programa Casa Verde e Amarela, contidos na Lei nº 14.118/2021 e na
Instrução Normativa (IN) nº 02/2021, especificamente no âmbito do Programa de
Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional (RegMel).
Além desta introdução e das considerações finais, o artigo está dividido em três seções:
Espaço urbano e Políticas habitacionais do Brasil, que contextualiza a situação da
questão habitacional no Brasil, as políticas públicas instauradas ao longo do tempo,
incluindo a apresentação do Programa Casa Verde e Amarela, nova política pública
habitacional brasileira; Educação à Distância: Aspectos históricos, que disserta acerca
desta modalidade e a importância da metodologia de educação à distância (EaD) para a
capacitação de agentes promotores de políticas públicas e sociedade em geral; Curso de
Reurb na efetivação do PCVA, que expõe as principais contribuições que os conteúdos
dos cursos oferecem para materialização do PCVA enquanto política habitacional
brasileira.

2 ESPAÇO URBANO E POLÍTICAS HABITACIONAIS DO BRASIL


Os espaços urbanos brasileiros são e foram constituídos por uma falta constante de
planejamento que diariamente favorece o crescimento do déficit habitacional, da
segregação socioespacial, da exclusão social, do distanciamento para com o direito à
cidade, da informalidade, refletindo em uma cidade capitalista, conflituosa, dividida e
fragmentada (MARICATO, 2013; HARVEY, 2013; MARGUTI, 2018).
Para entender a segregação urbana é pertinente pontuar que o espaço urbano é
socialmente produzido, isto é, o crescimento das cidades é um produto das atividades
humanas. De acordo com Villaça (2011), só poderá ser estudada e entendida a sociedade
brasileira se levar em consideração a vasta desigualdade econômica e de domínio
político que assola o povo. Logo pode–se dizer que a segregação social urbana reflete
espacialmente a dominação social e a injustiça nas cidades brasileiras, a qual é definida
pela separação social e espacial entre as classes dominantes, os mais ricos, e as classes
dominadas, os mais pobres (VILLAÇA, 2011).
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Este desdobramento não é o único, consequente a este têm-se a preocupante falta de


serviços essenciais constituintes no espaço urbano. A classe trabalhadora da cidade
preocupa-se em alcançar a moradia, os serviços e os espaços (MARICATO, 2013). Muitas
vezes falta até mesmo a infraestrutura essencial, que de acordo com a Lei nº
13.465/2017 contempla os equipamentos urbanos de abastecimento de água potável e
o esgotamento sanitário (coletivo ou individual), energia elétrica domiciliar, outros
equipamentos determinados pelos municípios, levando em consideração a sua
localidade e regionalidade, além de soluções de drenagem, quando necessários (BRASIL,
2017).
Assim, faz-se necessária a presença desses e outros equipamentos para a garantia do
bem-estar da população e desenvolvimento econômico das cidades (MORAES;
GOUDARD; OLIVEIRA, 2008). De acordo com o IBGE (2010), há no Brasil 57.320.555
domicílios particulares permanentes, dos quais 85,8% estão localizados no espaço
urbano. Desse total, aproximadamente 200 mil não possuem iluminação elétrica (0,3%);
8,9 milhões não têm lixo coletado diretamente (15,6%); 8,3 milhões não utilizam da rede
geral como principal forma de abastecimento de água (14,5%); 18,1 milhões não
possuem esgotamento sanitário (31,7%) (IBGE, 2010; 2019). Dados gerais da Fundação
João Pinheiro (2021), indicam que em 2019 foram registrados 14.257.395 domicílios
com inadequações de infraestrutura urbana, 11.246.366 com inadequações edilícias e
3.557.117 com inadequação fundiária, totalizando 24.893.961 de domicílios com algum
tipo de inadequação. No mesmo ano, foram registradas 5.876.699 moradias com déficit
habitacional, indicando uma tendência ao aumento, comparada a anos anteriores (FJP,
2021).
Para Maricato (2001), a realidade do cenário de moradias inadequadas localizadas em
bairros mais pobres das cidades é sustentada pela especulação imobiliária e os vazios
urbanos, que geram consequências orçamentárias de alto custo para sua urbanização.
Neste sentido, a insuficiência das moradias é ligada à qualidade e considera quatro
componentes, segundo a Secretaria Nacional da Habitação (2022): a coabitação, o ônus
excessivo de aluguel, número de domicílios precários e adensamento excessivo em
domicílios alugados.
A falta de alternativas habitacionais para as camadas de baixa renda, tanto pelo
mercado imobiliário quanto pelas políticas públicas sociais, gera ocupação ilegal e
predatória do solo, de forma que esta informalidade da propriedade é uma das
principais operadoras da segregação urbana. As áreas que não competem aos interesses
do mercado capitalista são as que sobram para a classe trabalhadora, em regiões
desvalorizadas, acidentadas ou de zonas de proteção ambiental. A construção ilegal
nestas áreas, desprovidas da fiscalização pelo poder público, geram uma lista de
problemas socioambientais graves, como desmoronamentos, enchentes, poluição
urbana e hídrica, epidemias, entre outros (MARICATO, 2003; 2001). A informalidade
também incide na invisibilidade pública destas áreas. Segundo Rolnik (1999), uma vez
que a legislação define regiões dentro e fora da lei, viver no âmbito informal significa
limitar sua cidadania, de maneira que “não existir”, no sentido burocrático, é não incluir-
se nas responsabilidades da cidade política para com seus habitantes.
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Dentre as tentativas de contornar a problemática habitacional, foram implantados


programas que visavam a construção de novas moradias, outros objetivando a melhoria
habitacional e a regularização de moradias. Porém, a política habitacional no Brasil não
foi, desde o início, vinculada à resolução da problemática urbana como um todo, na
verdade, priorizou isoladamente a perspectiva da habitação, e só com o passar do tempo
foi abrangendo a escala urbana como parte integrante da problemática (ANDRADE,
AZEVEDO, 2011).
A história da política habitacional no Brasil inicia-se no século XIX, onde o contexto de
precariedade sanitária na cidade de São Paulo tornou-se insuportável frente ao
desenvolvimento econômico e populacional. Assim, as primeiras medidas de cunho
político para a questão habitacional foram adotadas com ideais “higienistas”, atuando
no controle sanitário habitacional, códigos de postura, obras de saneamento,
urbanização do centro e implantação de redes de água e esgoto (BONDUKI, 1998).
Na década de 1940, começaram a ser instauradas políticas voltadas à habitação popular
com ideais do populismo, sendo a Fundação Casa Popular (FCP) a primeira na oferta de
produção de moradias para população de baixa renda. Porém, a política não atingiu os
resultados esperados pela falta de recursos e problemas estruturais decorrentes o levou
à sua extinção em 1964. No mesmo ano, foi instaurado o Banco Nacional da Habitação
(BNH), órgão responsável por tratar das questões financeiras relacionadas aos projetos
habitacionais e de saneamento para a população de menor renda. Criou-se então as
Companhias de Habitação Popular (COHABs), que promovia moradias de baixa renda,
com apoio do BNH. Durante os vinte e dois anos de atuação do BNH (1964-1986)
constatou-se que apesar de resultados satisfatórios de produção habitacional,
disponibilidade de recursos, retorno financeiro e de desenvolvimento, a meta social
proposta em sua concepção não se efetivou como o esperado, visto que os
investimentos do mercado popular privilegiavam os grupos de maior renda, em
detrimento dos grupos menos favorecidos incluídos no programa desde o início
(FERREIRA, 2017; ANDRADE; AZEVEDO, 2011).
O reconhecimento do direito à moradia no país, a partir da Constituição Federal de 1988,
foi um importante passo para a história da política habitacional no Brasil, de maneira
que direcionou o olhar para a carência domiciliar vivida pela população de baixa renda
(SANTOS; DUARTE, 2010). Após a extinção do BNH, vieram a ser implementadas novas
políticas voltadas à habitação no início dos anos 1990. O Pró-Moradia e o habitar-Brasil
eram programas com enfoque assistencialista, visando o melhoramento de áreas
habitacionais degradadas a partir da concessão de financiamento aos estados e cidades
brasileiras. A diferença entre os dois programas era justamente a forma de
financiamento, onde o primeiro recebia recursos do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e o segundo do Orçamento Geral da União (OGU) (SANTOS, 1999).
Em 1999 foi fundado o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que promovia a
recuperação dos centros urbanos a partir da ocupação de vazios existentes e
consequentemente diminuir a segregação socioespacial (BONATES, 2009). Em 2000 foi
formulado o Projeto Moradia, a partir do Sistema Nacional de Habitação, o qual
objetivava o acesso à moradia para a classe de renda mínima, a partir de recursos do
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OGU e FGTS. Com a fundação do Ministério das Cidades em 2003, foi implementado o
Programa Nacional de Habitação (PNH) e idealizado o Programa Urbanização,
Regularização e Integração de Assentamentos Precários. Em 2005, o Sistema Nacional
de Habitação (SNHIS), financiado pelo Fundo Nacional de Habitação com intuito de
promover políticas e programas que promovessem o acesso à moradia digna para
população de baixa renda, tanto a partir da criação de novas unidades habitacionais
como por reformas/melhorias em edificações existentes (FERREIRA, 2017).
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007 teve como principal
meta a inserção de obras de infraestrutura e melhorias urbanas de grande porte,
principalmente em unidades precárias de assentamento. Em 2009, incluída como uma
das estratégias do PAC, foi elaborado o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), que
tinha o intuito de “garantir o direito à moradia digna”. A partir do PlanHab, implantou-
se o Programa Minha Casa Minha Vida entre os anos de 2009 a 2018, o qual intencionava
garantir o acesso de um milhão de moradias para a população menos favorecida, com o
objetivo de erradicar o déficit habitacional e impulsionar a economia (BONDUKI, 2009;
FERREIRA, 2017).
Apesar da contribuição das políticas habitacionais, nenhuma visou incluir,
conjuntamente, a produção de moradias, a melhoria habitacional e a regularização
fundiária urbana, apesar desta última ser importante na conquista do título de
propriedade e, consequentemente, na garantia do acesso à moradia digna, do direito à
cidade, da infraestrutura e serviços urbanos.
Com esta premissa, foi instituída em 2021 uma política habitacional que trata da
produção de moradias de interesse social, de reformas e melhorias nas edificações já
existentes e ainda da regularização de assentamentos irregulares. O Programa Casa
Verde e Amarela (PCVA), criado pela Lei nº 14.118/2021, tem por objetivo promover o
direito à moradia adequada à população de baixa renda por meio da concessão de
financiamento em condições especiais de subsídio, para a execução de obras e serviços
destinados à regularização fundiária de núcleos urbanos informais (áreas de REURB-S) e
a melhoria habitacional, a partir da redução da taxa de juros pelo Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço (FGTS), sendo ainda menores nas regiões Norte e Nordeste.
Considerando as fontes dos recursos envolvidos e os regulamentos específicos de cada
uma, o art 8° da Lei nº 14.118/2021, traz operações que são passíveis de investimento
no PCVA: elaboração de estudos, planos e projetos técnicos sociais; execução de plano
de arborização e paisagismo; aquisição de imóvel para implantação de empreendimento
habitacional; Reurb; urbanização de assentamentos precários; aquisição ou produção
de habitações; melhoria de moradia ou requalificação de imóvel; obras, dentre elas: de
implantação de equipamentos públicos, saneamento, infraestrutura, mobilidade,
energia solar (instalação e equipamentos) ou outras que reduzam o consumo de água
dos domicílios e que estejam associadas a intervenções habitacionais; assistência
técnica; atividades de trabalho social e gestão com beneficiários de intervenções
habitacionais; elaboração e implementação de estudos, planos, treinamentos e
capacitações; aquisição de bens de apoio aos agentes públicos e privados envolvidos na
implementação do PCVA; produção de unidades comerciais, desde que atreladas às
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operações habitacionais; seguros. A Figura 1, mostra, de forma resumida, estas


operações.
Figura 1 – Operações passíveis de compor o Programa Casa Verde e Amarela.

Fonte: Elaboração Gráfica: Autores (2022), a partir do disposto em Brasil (2021c).

Diferentemente do programa Minha Casa Minha Vida (que antecedeu esta política), o
PCVA inclui além das modalidades de produção subsidiada (faixa de renda até R$) e de
produção financiada (faixa de renda até R$7.000), o oferecimento de melhoria
habitacional (faixa de renda até R$2.000) e de Regularização Fundiária (faixa de renda
até R$5.000) (BRASIL, 2020).
O Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional (RegMel), conjunto às
ações do PCVA, pretende, a partir da Reurb, oferecer o acesso ao título de propriedade
dos imóveis para pelo menos 2 milhões de moradias até 2024, legitimando o uso sobre
as edificações para as famílias de baixo poder aquisitivo, garantindo assim a proteção
jurídica, diminuição de conflitos fundiários, maior acesso ao crédito, a amplitude do
patrimônio imobiliário nacional, entre outros benefícios. Além disso, com as melhorias
habitacionais, pretende-se realizar 400 mil reformas e ampliações de imóveis para
famílias com renda mensal de até R$2.000, incluindo problemas estruturais, carência de
banheiro, cobertura ou piso, complicações nas instalações, grande concentração de
residentes em um mesmo imóvel, entre outras adversidades (BRASIL, 2020).
Para a concretização das ações do programa são necessários diversos processos, sejam
eles jurídicos, institucionais, financeiros, até a realização das construções e melhorias
para as habitações contempladas. Os atores envolvidos nesses processos, servidores
públicos, advogados, arquitetos e urbanistas, população beneficiária, precisam estar
capacitados para realizar com êxito todas as tarefas e etapas das ações em âmbito
nacional.
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3 EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: ASPECTOS HISTÓRICOS


A modalidade de Educação à Distância (EaD) vem ganhando destaque e tornando-se
cada vez mais comum pois, caracteriza-se por uma forma de ensino-aprendizagem
mediada por Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que permitem romper
fronteiras geográficas e temporais aos profissionais que almejam aperfeiçoamento.
Cada usuário tem a possibilidade de delimitar seu horário e definir o local de estudo sem
comprometer a qualidade e atendimento aos diversos públicos (LANDIM, 1997; ALVES,
2009; FARIA; SALVADORI, 2010). Esta modalidade é regulamentada no Brasil pelo
decreto nº 5.622/2005.
Porém, esta modalidade de ensino não é totalmente nova, uma vez que seu histórico
por mais impreciso que seja é marcado por eventos cronológicos que reformulam ou
acrescentam ao seu conceito. No Brasil, a EaD é dividida em três momentos (Alves,
2009), que podem ser reconhecidos por acontecimentos desde a década de 40 até os
anos 2000, passando pela criação de telecursos via rádio, cursos à distância via TV,
criação de entidades como a Canal Futura, Telecurso 2000, entre outros (MAIA;
MATTAR, 2007; COSTA, 2017). No século 21, a educação à distância é marcada pela
presença onisciente da Internet. E por estar atrelada à mediação tecnológica, a
oportunidade, por essa vez, possibilita a interação virtual a um só tempo, um número
expressivo do alcance e extensão territorial. A Educação a Distância é eficaz e
proporciona uma forte relevância de discussões e diversidades de conteúdos (BROILO;
NETTO, 2021).
A importância da EaD para a capacitação dos atores na Reurb é notável, pois facilita o
acesso ao conteúdo que deverá ser adotado na prática de maneira objetiva. A EaD
possui respaldo por organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Unesco, que
produzem documentos orientadores para este ensino (CASTRO; ARAÚJO, 2018) e,
permite a continuidade de ações de capacitações mesmo em momento pandêmico,
vivenciado com maior ênfase a partir de 2020.

4 CURSOS DE REURB NA EFETIVAÇÃO DO PCVA


Os cursos EaD de Regularização Fundiária Urbana em abordagem neste trabalho foram
oferecidos gratuitamente por meio da parceria entre o Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR) e a Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA), a partir do
Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada, especificamente pelo Projeto
de Pesquisa e Extensão Desenvolvimento de Conteúdo Técnico e Capacitação Sobre
Regularização Fundiária Urbana (MAPA), integrante deste núcleo.
O objetivo foi capacitar profissionais relacionados ao processo de regularização
fundiária urbana, nos moldes da Lei nº 13.465/2017, entre eles: advogados; arquitetos
e urbanistas; engenheiros e assistentes sociais; gestores e servidores públicos
municipais; profissionais de cartórios responsáveis pela área de circunscrição dos
imóveis; além de abranger interessados na temática e a sociedade em geral, presentes
em todo o território nacional.
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Os cursos em discussão foram disponibilizados em período pandêmico, em duas ofertas


tutoradas, a primeira entre abril e agosto de 2021 e a segunda entre novembro de 2021
e fevereiro de 2022. Cada uma das ofertas foi integrada por duas turmas. Para a primeira
oferta, foi oferecido um curso composto por cinco módulos. A segunda oferta foi
referente ao curso Cadastro Social na Reurb (Quadro 1).
Ressalta-se que concomitantemente à oferta tutorada do curso de Cadastro Social na
Reurb, os módulos da primeira oferta, com mesmo conteúdo, foram disponibilizados em
formato autoinstrucional e como cursos independentes. Entretanto, o foco desta
pesquisa é direcionado aos cursos tutorados.
Quadro 1 – Módulos do curso EaD de Regularização Fundiária Urbana

Turmas Ordem Módulo/Curso

I Introdução à Regularização Fundiária Urbana

II Procedimentos de Regularização Fundiária Urbana

Oferta 1 - Turmas 1 e 2 III Instrumentos da Regularização Fundiária Urbana

IV Registro da Reurb

V Projetos e Minutas de Lei sobre Reurb

Oferta 2 - Turmas 1 e 2 VI Cadastro Social na Reurb

Fonte: Núcleo de Pesquisa e Extensão Acesso à Terra Urbanizada (2021). Elaboração gráfica: Autores (2022).

Cada um dos cursos conteve videoaulas dinâmicas, biblioteca com cadernos técnicos e
materiais complementares, com informações exclusivas de qualidade e de fácil
compreensão. Os cursos ofertados na modalidade tutorada possuíam apoio de tutores
e supervisores especialistas em Reurb, além de suporte operacional disponível das 08 às
22 horas para acompanhar a evolução e possíveis dúvidas dos cursistas. Além destes
mecanismos, foram promovidas lives “Debatendo a Reurb”, que tinham a finalidade de
discutir temas adicionais ou subsidiários aos expostos no material didático do curso e;
“Trocas de Experiências”, em que os cursistas expunham, a partir da mediação de
tutores, ações que executavam em seus municípios ou que pretendiam concretizar por
meio dos aprendizados obtidos com os cursos. Para Gomes e Pimentel (2020), essa troca
de experiências caracteriza uma composição híbrida do conhecimento.
Um dos objetivos do PCVA, de acordo com o art. 3º, inciso IV, da Lei nº 14.118/2021, é
a promoção do desenvolvimento institucional e da capacitação dos agentes envolvidos
(públicos e privados) nas atividades deste, como forma de fortalecê-los para o
cumprimento de suas atribuições (BRASIL, 2021c). Sendo assim, os cursos de
Regularização Fundiária Urbana pactuam com a promoção desta capacitação, prevista
em lei.
Importante ressaltar que a implantação da Regularização Fundiária Urbana é
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condicionante para a concretização da Melhoria Habitacional, porque é a partir dela que


20% (vinte por cento) dos domicílios dos núcleos urbanos informais terão a previsão
indicada para solucionar problemas de insegurança, insalubridade, habitabilidade
(previsto por lei municipal) e padrões mínimos da moradia, como a adequação a
quantidade de cômodos em virtude da quantidade de integrantes da família.
O primeiro módulo da primeira oferta, Introdução à Regularização Fundiária Urbana,
tratou dos conceitos básicos e notas introdutórias referentes à Reurb. Versou acerca da
participação social, definiu a irregularidade fundiária, contextualizou sua existência na
realidade brasileira, demonstrou os tipos de irregularidade e, a partir disto, descreveu o
que é a Reurb, expôs os marcos legais que a regulamentam, além dos princípios,
diretrizes e objetivos da política de Regularização Fundiária Urbana. Abordou a execução
da política de Regularização Fundiária, indicando o papel dos municípios e a estrutura
municipal necessária para a promoção da Reurb, enfatizou conceitos de os núcleos
urbanos informais, modalidades da Reurb (Reurb-S e Reurb-E) e diagnóstico inicial
destes núcleos.
Esse módulo, portanto, permitiu que os diferentes atores do PCVA compreendessem o
panorama das cidades brasileiras, a relevância da Reurb e as diretrizes gerais de sua
materialização. Além disso, os agentes financeiros, com os ensinamentos deste módulo,
tornaram-se aptos a exercer suas atribuições da RegMel de forma a avaliar, acompanhar
e orientar os agentes promotores do programa, a fim de identificar irregularidades e
propor soluções para estas, através dos serviços e obras em seus contratos (BRASIL,
2021c).
Procedimentos de Regularização Fundiária Urbana foi o segundo módulo da primeira
oferta de curso e compreendeu as fases e tarefas da Reurb. Este módulo discorreu
acerca das competências municipais para a promoção da Reurb, englobando autuação
do processo administrativo, definição de modalidade da Reurb, levantamento
documental para identificação de estratégias de Reurb, notificação dos interessados na
Reurb, diagnóstico integral, trabalho social, projeto de regularização fundiária, projeto
urbanístico, cronograma físico, especificações da Reurb-S para conjuntos habitacionais
e Reurb-E.
Os municípios e o Distrito Federal (na perspectiva do PCVA) são responsáveis pela
adesão e anuência das propostas dos agentes promotores, seleção de famílias,
pactuação do compromisso na execução dos projetos de obras e serviços quando
necessários, pela implantação ou complementação das infraestruturas essenciais, além
dos cronogramas físicos, nos termos da Lei nº 13.465/2017. Tais competências são
explicadas no segundo módulo. Além disso, todas as atividades da Reurb devem ser
concretizadas pelos agentes promotores, o que é possível compreender a partir deste
módulo.
Destaca-se que no item 7, alínea e, anexo I, IN n° 02/2021, a concessão de melhorias
habitacionais é listada como uma das diretrizes gerais do Programa RegMel,
considerando as características inadequadas das residências dos núcleos urbanos
informais, dentre elas: adensamento excessivo de moradores, cobertura inadequada,
ausência de unidade sanitária domiciliar exclusiva e o alto grau de deterioração (BRASIL,
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2021c). Estas características são levantadas a partir do diagnóstico dos núcleos urbanos,
dos cadastros físicos e sociais executados na Reurb, que são abordados no módulo
Procedimentos de Regularização Fundiária Urbana.
As empresas ou entidades privadas, os Agentes Promotores e municípios são
responsáveis pela Regularização Fundiária e Melhorias Habitacionais (RegMel)
evidenciadas no PCVA. A concepção da proposta da RegMel leva em consideração pelo
Agente Promotor aspectos tangíveis a situação urbanística, ambiental e fundiária,
condições socioeconômicas das famílias, que são apresentadas no segundo módulo da
primeira oferta. É na fase de diagnóstico inicial, realizado por profissional competente,
que o imóvel torna-se elegível para receber Melhoria Habitacional, sendo necessário
observar: paredes em alvenaria, madeira aparelhada, com ou sem revestimento, taipa
ou revestida e não poderá ser reconstruída ou total substituída (BRASIL, 2021c). Estes
aspectos foram evidenciados no segundo módulo da primeira oferta.
Cabe então definir o que é Melhoria Habitacional no escopo do Programa Casa Verde e
Amarela. De acordo com o item 8, alínea b, anexo I, IN n° 02/2021, que trata da
composição de investimento da melhoria habitacional, os valores aplicados
correspondem a obras e serviços nas unidades habitacionais, buscando solucionar
problemas de insegurança, insalubridade, padrão de habitabilidade orientados pelos
municípios, número de famílias e seus integrantes por cômodo, adopção da unidade
para acessibilidade, entre outros.
O terceiro módulo, Instrumentos da Regularização Fundiária Urbana, explica os
instrumentos de política urbana presentes no capítulo II do Estatuto da Cidade, Lei
federal nº 10.257/2001, e os instrumentos sociais, ambientais, econômicos e jurídicos
que podem ser empregados na Reurb. A explicitação foi dividida em instrumentos de
apoio (Zeis - Zonas Especiais de Interesse Social, a Intervenção do poder público em
parcelamento clandestino ou irregular; Demarcação urbanística; de equacionamento da
gleba; Consórcio imobiliário; Transferência do direito de construir; Arrecadação do
imóvel abandonado; o direito de preempção; desapropriação; Desapropriação em favor
dos possuidores; e Requisição em caso de perigo público iminente) e instrumentos de
titulação (CUEM - concessão de uso especial para fins de moradia; Concessão de Direito
Real de Uso (CDRU); Legitimação de posse; Legitimação fundiária; Doação; Compra e
venda; Alienação de imóvel pela administração pública diretamente pelo seu detentor;
Usucapião; Usucapião extrajudicial). Outros instrumentos aplicáveis a reurb também
foram apresentados no módulo: Loteamento de acesso controlado; Condomínio em
lotes; Condomínio urbano simples; Direito de laje; Regularização especial de
parcelamentos anteriores a 1979.
As contribuições deste módulo para a concretização do Programa Casa Verde e Amarela
estão na capacitação dos profissionais dos municípios e do Distrito Federal acerca de
quais instrumentos jurídicos são adequados para as diferentes situações, com o objetivo
de garantir o direito à propriedade aos ocupantes dos núcleos urbanos informais,
notadamente quanto à Reurb-S, uma vez que para a conclusão do processo em cartório
é necessário emitir uma Certidão de Regularização Fundiária com indicação dos
instrumentos para cada lote, os quais serão responsáveis pela atribuição do direito real
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 107

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da propriedade. Uma das diretrizes do RegMel é a aplicação dos procedimentos,


instrumentos e atividades, em especial os referentes à Reurb-S (BRASIL, 2021c).
O quarto módulo dispôs a respeito do Registro da Regularização Fundiária Urbana,
analisou a legislação aplicável ao exercício dos cartórios de registro de imóveis, tratou
da fiscalização, das normas gerais de procedimentos de registro da Reurb e do ato único
de registros, com seus respectivos detalhamentos. O Registro de Imóveis é importante,
pois finaliza o processo relacionado à garantia da propriedade, materializado na
abertura das matrículas individuais em nome dos titulares do imóvel. Para Rodrigues
(2016), o morador tem a possibilidade de tornar-se beneficiário titular dos direitos reais,
que permite a este negociar a terra, com as garantias jurídicas asseguradas e registradas
em cartório.
O módulo Projetos e Minutas de Lei sobre Reurb apresentou as noções de direito
urbanístico e seu envolvimento com a regularização fundiária urbana, abordou as
regulamentações municipais, recapitulou os instrumentos vinculados à Reurb, explicitou
competências estaduais associadas.
Esse módulo colaborou para a efetivação de ações para além do PCVA, demonstrou
quais os instrumentos passíveis de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ou
Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e os possíveis caminhos
para a publicação de mecanismos legais a estes relacionados, o que está diretamente
associado ao item 11.3 do anexo I da Instrução Normativa nº 02/2021 que dispõe que:
“caso a estratégia de regularização fundiária escolhida implique em recolhimento de
ITBI ou ITCMD, o poder público local deverá aportar contrapartida à operação para
inclusão dos valores necessários ao seu pagamento no título concedido às famílias,
vedado o pagamento com recursos do FDS”. Live adicional que incluiu estes impostos
na discussão foi executada por um dos professores do curso.
O curso Cadastro Social na Reurb discorreu elementos da participação social, conceito,
breve histórico e os marcos normativos, os desafios, o planejamento vinculados ao
processo de participação social ligados à Reurb; discutiu o cadastro social no processo
da Reurb, sua relevância e o passo a passo para sua efetivação; tratou do projeto social
na Reurb, os dispositivos legais, sua construção e gestão.
As famílias são agentes essenciais da Reurb, pois sem o seu consentimento e apoio para
a concretização desta, não é possível realizá-la. Assim, é preciso que ela seja capacitada,
informada, mobilizada para que entenda a relevância da Reurb, receba as equipes e
colabore com a disponibilização de dados necessários. No PCVA, os moradores têm
papel primordial para aderir, prestar informações (cadastramento físico e social), aceitar
termo, fornecer documentos, assinar contratos (quando necessário), para que assim
possam contribuir para as condições sociais da moradia digna e adequada da vida, além
da função social dos núcleos urbanos informais que o RegMel almeja (BRASIL, 2021c).
Além disso, no RegMel todas as propostas submetidas para análise do Órgão Gestor
deverão contemplar ações sociais com a comunidade do núcleo urbano informal,
promovendo sensibilização, mobilização, informação e envolvimento dentro de todo o
processo até a sua concretude. E os agentes promotores devem comprovar ao Agente
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 108

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Financeiro que em sua equipe um técnico social com experiência nas ações supracitadas
(BRASIL, 2021c). Assim, o curso de Cadastro Social na Reurb proporciona conteúdo que
torna os agentes capazes de exercerem essas ações.
Logo, os cursos EaD de Regularização Fundiária Urbana estão intrinsecamente
envolvidos em uma ou mais atividades e etapas do RegMel e, dessa forma, contribuem
para a sua efetivação à medida que capacita os atores envolvidos a nível nacional, a
partir de diferentes materiais e suporte para que estes além de compreenderem a
relevância da Reurb, possam executar as atividades e cumprirem suas atribuições.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O programa Regularização Fundiária e a Melhoria Habitacional, integrante do Programa
Casa Verde e Amarela, destinado ao atendimento de necessidades de moradia e a
titulação dos ocupantes dos núcleos urbanos informais, em especial as famílias de baixa
renda, busca atenuar uma problemática histórica do Brasil.
Entretanto, para sua efetivação, além da capacitação dos atores e atendimento a
critérios, é necessário que os agentes envolvidos na execução e a comunidade sejam
capacitados para fins de realização dos trâmites e concordância em participação destes,
dada a sua contribuição para o direito à moradia adequada e o direito à cidade.
Neste sentido, as ofertas dos cursos EaD acerca de Reurb possibilitaram conhecimento
para a atingir objetivos da política pública do PCVA, no âmbito da Reurb e,
consequentemente, das melhorias habitacionais para a população com menores
recursos financeiros, tendo em vista que a regularização fundiária é condição para
acesso às obras de infraestrutura nas moradias.
O conteúdo disponibilizado pelos cursos analisados neste trabalho foi dinâmico e
perpassou pelos conceitos e práticas da Reurb. Além disso, estes cursos permitiram que
os cursistas esclarecessem dúvidas acerca de seus casos particulares e expusessem suas
experiências para que houvesse troca de informações. Portanto, os cursos de Reurb
colaboraram para a promoção do PCVA em período de pandemia pelo Covid-19, uma
vez que estão diretamente associados aos seus preceitos, diretrizes e atribuições.

REFERÊNCIAS
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 111

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Uma crítica dos Cursos de Livre Oferta (CLOs) em arquitetura: o


discurso competente e a monetização do conhecimento

Maycow N. C. GREGÓRIO
Me. em Planejamento Urbano – PPU / UFPR; maycow.arq@gmail.com
Isabela GIORGIANO
Ma. em Arquitetura – PPGAU / UFU; isagiorgiano@gmail.com

RESUMO
O trabalho visa apresentar uma crítica do caráter instrumental e ideológico de determinado segmento dos
Cursos de Livre Oferta (CLOs) em arquitetura, ligado ao âmbito da livre iniciativa econômica, de modo a
problematizar os seus possíveis impactos no mundo da formação, do trabalho e da produção da
arquitetura. A hipótese subjacente a esta investigação é que as formas contemporâneas de monetização
do conhecimento, também canalizadas por meio dos CLOs, avançaram em função do oportunismo e das
contingências impostas pela pandemia, tornando mais evidente as contradições entre espaços formais e
não-formais de educação, sob a intenção de determinar a totalidade dos processos da formação e da
profissionalização de estudantes e arquitetos, e das suas práticas que determinarão a produção geral da
arquitetura. Os CLOs viabilizam um canal por onde o discurso competente é interiorizado, contribuindo
com a consolidação do imaginário social neoliberal e seus mecanismos de agenciamento das
racionalidades, das subjetividades e da produção de mais valor por meio da prática da arquitetura.
Observa-se as transições do perfil do arquiteto, de um lado empresário (mantenedor de um regime de
exploração da mão de obra de outros arquitetos) e de outro subcontratado (trabalhador especializado,
operador de poucas funções e sem direitos trabalhistas).
PALAVRAS-CHAVE: cursos de livre oferta em arquitetura, discurso competente, monetização do
conhecimento, formação profissional e tecnológica

1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão crítica do caráter
instrumental e ideológico de um determinado segmento dos Cursos de Livre Oferta
(CLOs) em arquitetura, ligado ao âmbito da livre iniciativa econômica (mercado digital,
educacional e financeiro), de modo a problematizar os seus possíveis impactos no
mundo da formação (da Educação Profissional e Tecnológica – EPT, da Formação Inicial
e Continuada – FIC, e da educação e da experiência informais do processo de
profissionalização), do trabalho e da produção da arquitetura. A hipótese subjacente a
esta análise é que as formas contemporâneas de monetização do conhecimento,
canalizadas por meio dos CLOs, avançaram em função do oportunismo e das
contingências impostas pela pandemia, tornando mais evidente as contradições entre
espaços formais e não-formais de educação, sob a intenção de determinar a totalidade
dos processos da formação e da profissionalização de estudantes e arquitetos, e das
suas práticas que determinarão a produção geral da arquitetura.
Os CLOs, entendidos como uma via comunicativa das transformações destas dimensões,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 112

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desenvolvem-se por meio do fortalecimento de um corpo explicativo (ideológico), do


discurso competente (CHAUÍ, 2016), do uso sistemático da retórica e de narrativas do
‘novo’ (FIGUEIRAS, 2021), transformando-se em dispositivos que atravessam os
processos de subjetivação dos indivíduos e que procuram legitimar e criar espaços para
que o capitalismo contemporâneo (pós-fordista e neoliberal) possa exercer sua
hegemonia e diversificar suas formas de produção de mais valor (COCCO, 2013;
MARAZZI, 2009).
Sob esta ótica, pretende-se evidenciar a dinâmica e a tendência em curso onde
profissionais de arquitetura, ao monetizarem seus conhecimentos e experiências por
meio de CLOs, permitem-se fazer parte de um processo mais amplo de expansão dos
mercados digital, financeiro e educacional, em que se observa as tentativas de
determinar o caráter de um suposto ‘novo mercado’ e a formatação de um ‘novo
profissional’. Isto ocorre em detrimento do valor crítico, educativo, formativo, reflexivo
e social que as universidades possam oferecer. Estes princípios são suplantados para dar
lugar às lógicas do capital: acumulação, crescimento, competição, exploração,
alienação, expropriação, precarização, etc. Do ponto de vista adotado aqui, estes
fenômenos dirigem-se à interdependência e simultaneidade das formas de reprodução
material e imaterial da sociedade.
A publicidade dos CLOs cria a imagem (por meio da comunicação, marketing,
publicidade, gestão, planejamento) de reintegração do canteiro e do desenho,
afirmando que o objeto (mercadoria a ser vendida) da profissão de arquitetura é ‘a obra
construída’ e que o produto dos arquitetos não é apenas o projeto. Mas isto é uma
‘fachada’. Boa parte dos CLOs que observamos aproveitam desta representação, que
possui força evocativa – dar segurança, confiança, habilidades e eficiência no trato entre
desenho e canteiro –, para encobrir o fato do canteiro permanecer inerte do ponto de
vista das mudanças nas relações de produção e de trabalho. O desenho, por outro lado,
se transforma numa máquina autônoma que permite que se tenha sobre este momento
várias possibilidades de extração de mais valor. Ele permanece como um “agente
secundário de peso” (FERRO, 2010, p. 14), como elemento de diferenciação e separação
do arquiteto, exterior à construção e prescritivo em relação ao canteiro; ainda que se
articule um discurso contrário. Mesmo assim, o discurso dos CLOs segue tentando
construir uma imagem de redenção: primeiro de forma teológica, como uma espécie de
resgate da ‘arquitetura’ que as universidades perderam e que só o mercado pode
encontrar; segundo, de forma figurada, no sentido da salvação que estes cursos podem
oferecer aos estudantes e arquitetos ao lhes propiciarem o encontro do projeto e da
construção dentro de uma determinada prática que fará da sua carreira ‘um sucesso’.
Portanto, as reflexões aqui construídas situam a questão do ensino, dos processos e
roteiros formativos em arquitetura, para além da educação formal mas à ela vinculadas
por evidenciar as crises e contradições associadas a problemas estruturais das
sociedades contemporâneas: desigualdades e segregações sociais; desemprego,
subcontratações e a precarização geral do trabalho; financeirização dos mercados e a
sobredeterminação do capital sobre as demais dimensões da vida; o processo
tecnológico e o uso aplicado de técnicas para a reprodução do capital; a irrupção dos
processos de subjetivação pela racionalidade instrumental e empresarial oriundas do
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neoliberalismo etc. Por outra parte, este debate pretende iniciar um diálogo sobre o
discurso e as consequências sociais, culturais e econômicas, acerca do trabalho e da
tecnologia1, em relação a determinados espaços formativos dos CLOs.

2 DE QUE CURSOS ESTAMOS FALANDO?


O MEC (2021b) compreende os Cursos de Livre Oferta (CLOs) como aqueles que se
integram à Educação Profissional e Tecnológica (EPT)2 e ao programa de cursos da
Formação Inicial e Continuada (FIC)3 ou Qualificação Profissional4. Diferentemente das
demais modalidades, os CLOs não precisam se ater às diretrizes curriculares nacionais,
determinadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Caso eles visem o
atendimento de regulamentações para o reconhecimento do MEC e para provável
certificação profissional, deverão cumprir as condições instituídas pela Lei nº 12.513
(BRASIL, 2011)5 de maneira a alterar seu regime de formação e credenciamento. De
acordo com o Art. 41 da LDB (BRASIL, 1996, não p.), todo o conhecimento adquirido por
meio da EPT e do trabalho, poderá ser “objeto de avaliação, reconhecimento e
certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos”.
Considerando o regime primário dos CLOs, estes não possuem carga horária
preestabelecida e “podem apresentar características diversificadas em termos de
preparação para o exercício profissional de algumas ocupações básicas do mundo do
trabalho ou relacionadas ao exercício pessoal de atividades geradoras de trabalho e
renda” (MEC, 2021b, não p.). Neste sentido, eles atendem tanto aos princípios gerais da
LDB (BRASIL, 1996) quanto da Constituição (BRASIL, 1988), que consideram a educação
e o processo formativo a partir de uma perspectiva ampla das possibilidades e da
totalidade da experiência de um indivíduo6.
Os CLOs, portanto, constituem uma modalidade especial não regulamentada, mas
legitimada dentro da FIC, como proposto pela LDB (BRASIL, 1996). Podem não ser
credenciados pelo MEC, mas possuem respaldo da legislação brasileira – a LDB (BRASIL,

1 Entendida como um “processo social”, “como modo de produção, como a totalidade dos instrumentos, dispositivos
e invenções [...], ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma
manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e
dominação” (MARCUSE, 1999, p. 73).
2 A EPT é uma modalidade educacional que visa preparar os cidadãos “para o exercício de profissões”, de modo que
cada um possa se inserir no mundo do trabalho (leia-se mercado de trabalho) (MEC, 2021a, não p.).
3 De acordo com a Lei nº 9.394, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996), e a Lei nº 11.741
(BRASIL, 2008), a EPT deve estar integrada a diferentes níveis e modalidades de educação, às dimensões do trabalho,
da ciência e da tecnologia, abrangendo diferentes itinerários ou trajetórias formativas. São estabelecidas três
modalidades de cursos e/ou programas para a ETP: (i) de formação inicial e continuada (FIC) ou qualificação
profissional; (ii) de educação profissional técnica de nível médio; (iii) e de educação profissional tecnológica de
graduação e pós-graduação (BRASIL, 1996; 2008).
4 Também identificadas como Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores de acordo com o Decreto nº 8.268
(BRASIL, 2014).
5 Referente ao estabelecimento do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).
6 A educação abrangeria os processos formativos que se desenvolvem na “vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais” (BRASIL, 1996, não p., Art. 1º e 2º); sendo “direito de todos e dever do Estado e da família”
e devendo ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, não p., Art. 205).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 114

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1996) e a própria Constituição (BRASIL, 1988). Conforme o Decreto nº 5.154 (BRASIL,


2004) os cursos da FIC abarcam capacitação, aperfeiçoamento, especialização e
atualização em qualquer nível de escolaridade, oferecidos de acordo com diferentes
itinerários formativos7 e objetivos do desenvolvimento das aptidões para a vida
produtiva e social. Podem ser ofertados por instituições que compõem as redes federal,
estadual, distrital e municipais de EPT; os Serviços Nacionais de Aprendizagem (SNAs); a
rede privada de EPT; escolas habilitadas para oferta de cursos no âmbito do Pronatec;
empresas; associações de classe; ONGs; sindicatos; coletivos; movimentos sociais;
igrejas; pessoas físicas; microempreendedores; trabalhadores autônomos e liberais etc8.
De modo geral os CLOs se caracterizam da seguinte forma: (i) pela ausência de atos
normativos por parte do Poder Público; (ii) por não serem formais e estarem
desassociados de órgãos reguladores ou normatizadores; (iii) por corresponderem à
liberdade de oferta, tratando-se em grande parte de um modelo de educação baseado
no mercado e na livre iniciativa econômica. O suporte legislativo primário, ainda que
rudimentar e generalista, tem servido de base para fundamentar ou dar credibilidade a
diferentes modos de certificações profissionais (ainda que sem credenciamento)
propostas por instituições (públicas e privadas), empresas, profissionais, pessoas físicas
e jurídicas, coletivos etc., que estão buscando meios de monetizar os seus
conhecimentos e experiências como forma de geração de renda.
Quaisquer pessoas, estudantes e profissionais, já se depararam com a oferta de cursos
online pela internet. Entende-se que o fenômeno mais recente de monetização do
conhecimento difere da simples venda e oferta de cursos que tem relação com uma
demanda por conhecimento técnico, por exemplo. Hoje, ele integra uma construção
mais ampla e estratégica dos mercados educacional, digital e financeiro, e que está
alinhada com as tendências de acumulação e transformação do capitalismo pós-
industrial (COCCO, 2013; MARAZZI, 2009). Este processo serve à manutenção de uma
racionalidade técnico-instrumental, à valorização do perfil empreendedor e dos
modelos de formação baseados em coaching e ao estabelecimento de um corpo
explicativo (ideológico) para profissões; tendo como plano de fundo a preservação do
status quo e das estruturas de exploração e dominação por meio do trabalho e da
tecnologia. Um dos canais que alimenta este fenômeno é constituído por meio dos CLOs
– observados aqui de acordo com a oferta de cursos online –, cuja venda, muito mais
que uma renda lucrativa, está transformando as maneiras de produzir e consumir
conhecimento. De outra parte, o campo de formação e profissionalização da arquitetura
não só é participante deste processo como não está isento dos seus impactos.
A publicidade dos CLOs aponta algumas características gerais tidas como as suas
principais vantagens: curta duração de tempo; objetividade prática dos conteúdos;

7 De acordo com os decretos nº 5.154 (BRASIL, 2004, não p.) e nº 8.268 (BRASIL, 2014, não p.), “consideram-se
itinerários formativos ou trajetórias de formação as unidades curriculares de cursos e programas da educação
profissional, em uma determinada área, que possibilitem o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos”.
8 No Art. 42 da LDB (BRASIL, 1996, não p.) fica expresso que instituições de EPT podem, além de seus cursos regulares,
oferecer “cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não
necessariamente ao nível de escolaridade”. Este artigo, que integra o capítulo III da referida lei, é o mais utilizado
para justificar a presença de CLOs em programas de ensino em instituições públicas e privadas e por empresas que
atuam no mercado educacional.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 115

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flexibilização na conclusão dos seus roteiros formativos; acesso por qualquer dispositivo
móvel que tenha acesso à internet; valores mais acessíveis ou mesmo gratuitos;
desenvolvimento profissional por meio da formação continuada; atrativos para o
enriquecimento de currículos profissionais. Os CLOs se diversificaram dentro do
mercado digital e, maior ainda, dentro do mercado de cursos online. Atendendo aos
nossos objetivos, analisamos um conjunto de CLOs, no caráter da EPT e da FIC, que são
diretamente realizados por escritórios de arquitetura, empresas ligadas a escritórios de
arquitetura e criadas para este fim e/ou profissionais liberais e autônomos ligados ao
setor da construção civil. Fundamentalmente, dentro deste recorte e longe de qualquer
validação oficial, quem dita a qualidade e a quantidade dos CLOs é a própria lógica
interna do mercado, o também chamado consumidor (direto, pelos alunos, ou indireto,
pelas empresas que contratam seus egressos) e a livre iniciativa econômica.

3 O MERCADO DE CURSOS ONLINE E A MONETIZAÇÃO DO


CONHECIMENTO
A modalidade de Educação a Distância (EAD) tem se expandido, apresentando um
crescimento exponencial e atendendo fatias cada vez maiores dos cursos ou programas
da EPT. Os mercados educacional, digital e financeiro têm oferecido esta modalidade
como ‘solução e oportunidade’ para a área da educação (ABED, 2021; THINK WITH
GOOGLE, 2020b; WILDEROM e ARANTES, 2020), principalmente após o fechamento de
escolas e universidades em função da pandemia pelo COVID-19 – quando se observou o
aumento (além da média) da busca por plataformas de ensino virtual9. O Think With
Google (2020a) apresentou uma pesquisa sobre o comportamento dos brasileiros nos
primeiros meses da pandemia em relação à procura por produtos e serviços de startups,
em que aponta o crescimento de 73% nas buscas por educação online e software
educacional, evidenciando uma das formas de adaptação às condições da rotina e do
cotidiano que se impunham.
A principal referência para a venda e difusão dos cursos online e dos CLOs é o formato
identificado como MOOC (Massive Open Online Course / “Curso Online Aberto e
Massivo”) – um modelo de oferta (às vezes gratuita) por meio da web e de Ambiente de
Aprendizagem Virtual (AVA), visando o alcance indefinido de pessoas. Um conjunto de
plataformas digitais10 têm difundido este modelo e a lógica de sua estruturação,
mostrando a capacidade como provedoras de serviços e de hospedagem de cursos na
internet e, em alguns casos, constituindo-se em maketplace11 globais de ensino e

9 A busca por cursos à distância na pandemia aumentou em pelo menos 50% em todo o país, e 34% das instituições
tiveram um aumento significativo no número de matrículas dos cursos online (ABED, 2021). O portal Cuponomia –
responsável por movimentar mais de R$500 milhões em cupons e cashbacks em várias categorias – obteve aumento
de 224% nas vendas de cursos online nos seis primeiros meses da pandemia (REVISTA PEGN, 2020). A plataforma
Certificado Cursos On-line obteve um aumento de mais de 300% nas buscas por cursos online somente em 2020
(TERRA, 2021a). A plataforma de cursos online HeroSpark apresentou um crescimento de 50 vezes o número de
matrículas de novos alunos, além de 60 mil novas contas cadastradas em 2020 (EXAME INVEST, 2021).
10 Coursera, EdX, Udacity, Codecademy, Linkedin Learning, Khan Academy e Udemy são alguns exemplos.
11 Uma espécie de shopping que abriga num mesmo espaço (ambiente virtual ou a plataforma digital) vários lojistas
(proponentes dos cursos) que expõem e comercializam seus produtos (cursos / infoprodutos). As plataformas
oferecem às instituições e profissionais a estrutura digital e todos os recursos para viabilizar a operação dos cursos.
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aprendizagem. Os MOOcs compartilham ou determinam as características dos CLOs,


mas se diferenciam pela sua capacidade de escalabilidade. Quanto ao segmento de CLOs
em arquitetura que estamos analisando aqui, ele se assemelha mais ao modelo de e-
commerce12. Pela própria natureza dos seus infoprodutos (cursos diversificados dentro
da mesma área), este segmento também busca dar escalabilidade ao negócio
aproximando-se das características difundidas pelos MOOCs, utilizando-se das
estruturas de EAD e mantendo a essência de monetização do conhecimento. Seus
infoprodutos estão se diversificando, às vezes disponibilizados por meio de aplicativos,
outros como serviço de streaming por assinatura, além de treinamentos e certificações
próprias. A produção de conteúdo permanece como centralidade do mercado de cursos
online13.
A tendência ou dinâmica geral por trás destes processos é o fenômeno socioeconômico,
cultural e político de monetização que pessoas, profissionais e empresas estão
realizando sobre seus conhecimentos, habilidades, experiências e paixões. Os cursos
online tornaram-se um negócio muito rentável para profissionais14. Além disso, há certa
construção e preservação de capital social, cultural e econômico, ao ganharem relativa
autoridade, credibilidade e/ou relevância nas suas respectivas áreas. Nos interessa o
fato de que o mercado digital criou segmentos que antes não existiam, além de
atravessar e transformar quase todos os mercados existentes. Na era digital e das redes
de comunicação via internet não basta que um profissional tenha somente
conhecimento sobre sua especialidade, é necessário que seja empreendedor e produza
conteúdo ou algum tipo de infoproduto que possam ser vendidos, mas, sobretudo, que
possam servir de ‘ensino’ e ‘aprendizagem’, isto é, de instrumentalidade da
comunicação. Conforme Chauí (2016, p. 56), esta condição se identifica como
tecnociência – “a transformação da técnica em tecnologia e a absorção das ciências
pelas tecnologias”. Este movimento, que marca o capitalismo contemporâneo, é
legatário da participação direta das ciências no processo produtivo. Ele institui a noção
de sociedade do conhecimento, cuja expressão indica que “a economia contemporânea
se funda sobre a ciência e a informação graças ao uso competitivo do conhecimento, da
inovação tecnológica e da informação nos processos produtivos e financeiros, bem
como em serviços” (CHAUI, 2016, p.56).
De acordo com Chaui (2016), é neste contexto que se opera a ideologia da
competência15 e o discurso competente (proferido por especialistas) que nos invalida

12 Vendas realizadas diretamente pela internet, em que os proponentes dos CLOs são responsáveis por toda a
estrutura da loja virtual e dos recursos para hospedagem dos cursos. Trata-se da criação de espaços virtuais exclusivos
de cada empresa, onde se tem a liberdade para tomar decisões sobre layout, formas de pagamento, frete, ofertas e
promoções, descontos, dentre outras coisas.
13 Observam-se dinâmicas para criar novas estratégicas neste âmbito, como: microlearning (a oferta de conteúdo é
realizada em módulos); gamificação (envolve conquistas, pontuações, placares, recompensas, prêmios); aprendizado
mobile (pensado para o tamanho das telas dos dispositivos móveis); ensino híbrido (blended learning); assistentes
virtuais (uso de inteligência artificial); realidade virtual; chatbot (programas de computador que utilizam inteligência
artificial para imitar conversas com usuários de várias plataformas e aplicativos).
14 Segundo Terra (2021b, não p.), na área de marketing digital “alguns infoprodutores de sucesso chegam a faturar
mais de 50 milhões de reais a cada lançamento de curso”.
15 “Como toda ideologia, oculta a divisão social das classes, mas o faz com a peculiaridade de afirmar que a divisão
social se realiza entre os competentes (os especialistas que possuem conhecimentos científicos e tecnológicos) e os
incompetentes (os que executam as tarefas comandadas pelos especialistas)” (CHAUI, 2016, p. 56-57).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 117

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como seres competentes. Isto significa que precisamos ser ensinados ‘cientificamente’
– sob um modo cada vez mais privatizado, isto é, por ‘especialistas’ sobre como viver,
relacionar-se com o mundo e com os outros. Para a autora, isto explica a proliferação
de livros de autoajuda e toda sorte de programas e cursos que vemos hoje (incluídos os
CLOs). Neste sentido, os CLOs podem ser vistos como um canal, um meio pelo qual o
discurso competente é interiorizado (com suas regras e valores). Caso contrário,
qualquer indivíduo pode ser descartado se não atingir os padrões da competência –
“inteiramente absorvida pela indústria cultural e pela propaganda”, que passam a
manipular os signos e as imagens (CHAUI, 2016, p. 58)16. Na prática, este movimento
sustenta-se na cultura e na racionalidade do empreendedorismo, que hoje determina
muito das condições sociais e simbólicas das relações socioeconômicas dos mercados.
Isto é reflexo da economia neoliberal e da sua introdução como regime de trabalho que
preza por mecanismos de flexibilização como a troca do assalariamento da força de
trabalho por uma relação de prestação de serviço. Como se pode perceber, as
contradições que atravessam este regime, “esse novo estatuto do trabalho”,
apresentam-se “como relação de serviço e produção de si mesmo, produção de
subjetividade” (COCCO, 2013, 17). Neste contexto, esta produção de si mesmo e dos
outros torna-se cada vez mais difícil e cara.
Há todo um conjunto de novas funções, habilidades e competências que são exigidas
para se atuar num modelo de mercado cada vez mais acirrado e dependente de recursos
de pesquisa, coleta de dados, controle de informações, comunicações rápidas etc. Nossa
hipótese a este respeito é que a inserção de empresas e profissionais liberais e
autônomos (inclusive do campo da arquitetura) no mercado digital tem contribuído para
uma mudança dos seus perfis. De um lado, abandonam as atribuições históricas de suas
profissões para fazer delas um nicho ‘competente’ do mercado digital e educacional. Por
outro lado, de maneira sutil, mas profunda, captura-se o tempo das suas antigas
atividades e funções para alimentar seus canais e plataformas virtuais ou de
comunicação pelas redes sociais, alterando substancialmente a cultura e os
comportamentos na relação entre clientes e profissionais e também entre profissionais
e suas práticas cotidianas. Sendo assim, observa-se a formatação de profissionais para
uma instrumentalidade técnica e comunicativa cadenciada pelo mercado e pela
expropriação crescente de subjetividades e capacidades humanas como a do próprio
trabalho. Evidentemente, a tecnologia à serviço dos interesses financeiros e da livre
iniciativa econômica tem sido fundamental neste processo.

4 O DISCURSO ATRAVÉS DOS CLOS EM ARQUITETURA


Os CLOs em arquitetura são um produto/serviço por meio do qual as empresas e

16 No âmbito do mercado digital, especialmente para desenvolvedores de conteúdo (como os proponentes de CLOs),
“não basta ter conhecimento, é preciso saber explorá-lo e divulgá-lo da melhor forma, com campanhas de tráfego,
anúncios e técnicas apuradas de copywriting, edição de vídeo e áudio, além de ferramentas para controle de
pagamento” (TERRA, 2021b, não p.). Além disso, é preciso definir um nicho de forma precisa, contar com uma boa
divulgação nas redes sociais, criar conteúdo e canais de comunicação atrativos, práticos e objetivos, visando atingir
algum aspecto da vida do consumidor (TERRA, 2021b). Estas são as novas exigências da competência e que se aplica
a quase totalidade do mundo do trabalho e dos negócios contemporâneos.
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profissionais estão monetizando o seus conhecimentos e suas experiências, ao mesmo


tempo buscando determinar parâmetros para o mercado da construção civil e sua
aproximação aos demais (digital e educacional). Não há a pretensão de radiografar o
diversificado conjunto destes CLOs. De uma maneira relativamente orgânica17 pretende-
se apresentar algumas de suas características, levantar e analisar algumas problemáticas
e contradições em torno do discurso construindo para se legitimarem, além dos
impactos que podem ocasionar ao mundo do trabalho. Ainda que o conteúdo dos cursos
sejam pertinentes e relevantes, focamos apenas nos aspectos críticos gerais da natureza
dos discursos. Nos servimos da análise de posts realizados por 45 perfis no Instagram,
cuja publicidade reproduz a mesma estrutura de outros segmentos que não da
arquitetura. Trata-se de um formato amplamente difundido pelas áreas de marketing,
venda e pesquisa de comportamentos. Basicamente, se organiza em três momentos: (1)
o disparo de posts com textos, imagens e/ou vídeos de divulgação do curso e da semana
gratuita de preparação; (2) a semana gratuita de preparação ou semana de treinamento
técnico; (3) e a realização do curso efetivamente. Além desta estrutura básica de venda
e publicidade, os CLOs em arquitetura também guardam características comuns em
relação ao discurso e à visão sobre o trabalho, a técnica, a tecnologia e a prática da
produção da arquitetura. A seguir, apresentamos as características e a análise crítica
deste discurso.

A CONTRADIÇÃO COM A UNIVERSIDADE E O FALSO ‘REINO DA PRÁTICA’


Muitos dos proponentes de CLOs em arquitetura atribuem a sua existência à
incapacidade das universidades formarem profissionais qualificados para o mercado de
trabalho. Veem as universidades como uma espécie de ‘indústria de diplomas’, cuja
atuação resulta na cultura do ‘brasileiro bacharelista’ e do ‘academicismo que não gera
dinheiro aos profissionais’. São ambientes de formação em que nada muda, ao passo
que ‘o mercado está em constante evolução’. Seriam também o lugar de uma ‘geração
passada’, mas acima de tudo, onde não se ensina o conhecimento prático-aplicável ao
mercado. Um dos posicionamentos dos CLOs é o de que toda extensão da atuação
profissional repousa no ‘reino da prática’ (essencialmente a mercadológica e
dominante). Esta prática aparece em sua forma instrumentalizada, imediatamente
pronta para ser reproduzida como uma ‘receita de bolo’ e traduzida num ‘passo a passo’.
Aqui, o discurso competente se estende para a divisão dentro dos próprios especialistas:
aqueles que operam no mundo prático (o mercado de projetos e obras) e aqueles que
elaboram conhecimento teórico sem aplicabilidade no mercado de trabalho. Um dos
agravantes a este respeito é que esta noção de prática é utilizada como representação
do lugar por meio do qual se participa do mercado de trabalho (ao que os CLOs estariam
voltados inteiramente), em oposição às universidades e seu lugar da teoria, pouco ou
nada aplicada ao mercado de trabalho. Disciplinas como história, teoria e crítica da
arquitetura são irrelevantes pois ‘não oferecem conteúdo prático’. No ambiente
formativo dos CLOs nem sequer são relacionadas como parte necessária da

17 Não tão orgânica assim. A identificação de perfis e plataformas foi realizada por meio da rede social do Instagram,
cujo funcionamento opera através de algoritmos que direcionam conteúdos e informações para um determinado
interesse indicado ou realizado em buscas.
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profissionalização. Constituem uma dimensão paralela do ofício e, principalmente,


distante da técnica.
Observa-se duas questões pelas quais esta situação se estabelece, uma mais evidente e
outra mais latente. Os círculos sociais e intelectuais de reconhecimento e de
preservação do capital social e cultural (BOURDIEU, 2015) da arquitetura são restritos e
a crítica especializada pouco tem de afinidade com a grande massa da produção da
arquitetura. Deslegitimar estas áreas, como se não fossem capazes de interferir na
produção, faz parte de uma estratégia para descredenciar possíveis avaliações sobre o
próprio processo de ensino e aprendizagem, além do modo de produção em que estão
assentados. Uma análise por pares não é bem-vinda, a autopromoção e a autoavaliação
são os parâmetros que validam os CLOs e que preconizam a liberdade individual e a livre
iniciativa econômica. Outro aspecto é que historicamente estas áreas trabalharam com
a construção teórico-crítica do pensamento arquitetônico e projetual. Elas lidam com a
observação e a avaliação de diferentes atributos da arquitetura18 que podem, sob uma
análise crítica, oferecer riscos ao empreendimento financeiro dos CLOs.
A evidência contraditória desta situação é que os objetos arquitetônicos produzidos por
estes profissionais estão ausentes das suas referências e conteúdos transmitidos, ou
então aparecem de forma fragmentada sem dar condições para percebermos o
processo global que os levaram a cabo. O objeto arquitetônico como produto some para
dar lugar à práticas e atividades fragmentadas. O que importa é a operação de
subfunções sem, necessariamente, correspondê-las a um processo global minimamente
coerente em termos socioculturais, formais, estruturais, econômicos, ambientais etc. Os
atributos a que o processo projetual deve responder sumariamente são aqueles que
impactam diretamente nos resultados financeiros, mercadológicos e de retorno dos
clientes. As disciplinas de caráter crítico-social possuem potencial de desencobrir
camadas da realidade que para a lógica da produção capitalista é problemático, uma vez
que podem revelar os mecanismos e contradições de seu funcionamento. Por isso, estas
disciplinas e a própria universidade devem ser rechaçadas.
Esta relação entre CLOs e universidade é uma relação contraditória nos termos da
dialética de Hegel. Uma parte deles procuram se diferenciar da formação universitária
apoiando-se na sua abordagem ‘técnica e prática’, em detrimento do foco teórico e
‘tarefista’ das universidades; e no conjunto de vantagens ‘próprias’ relacionadas à
liberdade, velocidade e flexibilidade de realização, além do ‘retorno econômico
imediato’ que podem oferecer ao supostamente facilitar a conquistar de um posto de
trabalho. Depois se opõem à universidade, criando argumentos sobre sua incapacidade
de formar profissionais qualificados para o mercado de trabalho. Apresentam-se como
a ‘tábua de salvação’, o espaço por excelência de formação e qualificação profissional.
Verifica-se, então, a relação contraditória dado o contexto e oportunismo do
capitalismo: a existência de alguns CLOs só se faz possível como ‘alternativa’ de
formação e qualificação profissional justamente porque existem instituições

18 Dentre eles as operações compositivas, a organização e estruturação da forma, as imbricações das relações
programáticas, as determinações e imprevisibilidades dos usos, o contexto e a paisagem do espaço, a materialidade
e suas formas de expressão, etc.
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universitárias, sendo possível apontar (identificar e criar) suas ‘fragilidades’ ou


‘deficiências’. É preciso que estas instituições permaneçam como tal, para que esta
outra via do processo de formação e profissionalização ocorra. Portanto, as
argumentações e delimitações apontadas até aqui são incompatíveis com a realidade
das universidades, ainda que elas apresentem muitos problemas.

NARRATIVAS DO ‘NOVO’ E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO


O discurso em torno dos CLOs também busca legitimar (criar) a existência e a
virtualidade de um ‘novo mercado’ que, por sua vez, exige a formação de um ‘novo
profissional’. Este ‘novo mercado’ estaria apto a realizar ‘um processo de seleção
natural’ ao diferenciar ‘profissionais e amadores’, baseando-se num ‘novo perfil de
cliente’: ‘conectado e consciente dos assuntos técnicos’. Este ‘novo mercado é onde os
fracos não têm vez’; onde se determina que o profissional seja ‘resiliente’; onde a
concorrência simplesmente não existe pois todos são ‘potenciais clientes e parceiros’;
nele, apenas os ‘profissionais memoráveis’ possuem sucesso.
Figueiras (2021) mostra como o discurso sobre a necessidade de adaptações e mudanças
nas relações de trabalho tem servido à uma narrativa do capitalismo contemporâneo
(principalmente desde o fim do século XX) para, em suas contradições e verdadeiros
objetivos, legitimar a destruição de direitos trabalhistas e aprofundar a assimetria entre
capital e trabalho. Expressões como ‘novo’, ‘flexibilizar’, ‘modernizar’, ‘adaptar’ e ‘ser
resiliente’ fazem parte da gramática desta narrativa e são interiorizadas pelo mundo do
trabalho e pelos trabalhadores que passam a reproduzi-las (FIGUEIRAS, 2021). O ‘novo’
(de novo), como aborda Figueiras (2021), coloca para o trabalhador o dilema entre ter
um emprego ou conquistar seus direitos ou, ainda, de que são responsáveis pela solução
do desemprego, cabendo-lhes apenas aceitar as condições impostas pelo mercado.
Trata-se de um recurso ideológico que transforma o dominado em refém de sua
condição de dominação. Consolidam-se, assim, as condições para o regime de
subcontratações e terceirizações – a ‘inovação mágica’ do empreendedorismo que
transforma os trabalhadores em ‘autônomos’ para aumentar a produtividade e a
eficiência das empresas (MARAZZI, 2009). Como afirmam alguns proponentes dos CLOs,
é importante ‘saber delegar, ter coragem para contratar e terceirizar’.
Com a especialização das atividades de projeto, de planejamento e gestão, tornou-se
mais fácil consolidar este regime de trabalho. Terceiriza-se o trabalho de arquitetos com
base em subfunções, como desenhar (que varia de complexidade: desenho de
detalhamento, desenho artístico para apresentação etc.), realizar a modelagem de
maquetes físicas ou virtuais, renderizar imagens para apresentação, fazer orçamento,
compatibilizar projetos e uma infinidade de outras. Numa busca rápida por vagas para
arquitetos e urbanistas no Google é possível encontrar muitas ‘oportunidades’ em que
o regime de contratação definido se dá por meio de pessoa jurídica (PJ), isto é, uma
pessoa prestadora de serviço (‘empreendedora’) mas que tem o seu cotidiano de
trabalho como quem é contratada sob regime de CLT (Consolidação das Leis
Trabalhistas) mas sem os direitos trabalhistas.
A estrutura, organização e difusão dos CLOs estão assentados na lógica do
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 121

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empreendedorismo e, como tal, uma empresa possui ‘função social’ somente se é


‘vendável’. O papel do arquiteto é gerir e fazer crescer a sua empresa, esta é a sua
‘contribuição ao mundo’. Para isso, é preciso saber ‘cooperar’, isto é, delegar e
contratar. O arquiteto deve conquistar ‘mais tempo para fazer a sua empresa crescer’,
enquanto os demais devem responsabilizar-se ‘por fazer a empresa funcionar’. O
arquiteto se ocupa da gestão dos resultados, da avaliação da performance dos seus
empregados, da criação dos mecanismos para vincular valor e benefícios às ofertas que
faz aos seus clientes. Ele deve adquirir as competências necessárias para empreender:
‘ser anti-frágil’, ‘resiliente’, ‘persistente’, ‘líder’, ‘campeão’.
Isso representa a passagem da persona do arquiteto para a persona do empresário. Mas
esta mudança é para poucos, é preciso manter outros arquitetos submetidos à
realização de subfunções para que este esquema funcione. Daí a importância de um
processo de formação e profissionalização para estudantes e arquitetos recém-
formados, eles são a massa trabalhadora. Nestas circunstâncias as atribuições
tradicionais que identificam o ofício do arquiteto, como projetar por exemplo, são
apagadas. Se observarmos as características apresentadas acima, não é necessário que
um escritório de arquitetura seja comandado por um arquiteto. Qualquer profissional
que desenvolva as habilidades necessárias para empreender podem,
independentemente da sua área de formação, gerenciar um escritório. Desta forma, a
imagem profissional deste ‘novo’ arquiteto é destituída do seu próprio ofício. Isto só não
é pior porque os arquitetos ainda mantêm um status (capital social e cultural) que figura
no imaginário consumidor. No limite, um escritório que tem à sua frente um arquiteto
tem a possibilidade de uma marca, de realizar um branding.

CAPTURA E ABSTRAÇÃO DO TEMPO, TODOS NÓS TEMOS UM MÉTODO


Observam-se expressões como: ‘simplificamos a sua rotina’, ‘aprenda o método ágil de
projeto’, ‘detalhe seu projeto com confiança até 5 vezes mais rápido’, ‘descubra como
reduzir em até 50% o tempo de execução do seu projeto’, ‘você poderá trabalhar sem
madrugar’, , ‘projetos em tempo express’, ‘desenhos em um clique’, ‘troque horas por
segundos’, ‘projete lucros, tempo livre e liberdade’. Há que se verificar, empiricamente,
os impactos destes fatores na dinâmica e organização cotidianas de escritórios de
arquitetura e da prática de profissionais que estão traduzindo estes argumentos em
velocidade, celeridade, divisão e organização social do tempo, tomando-os como
referenciais para a cadência e os ritmos de uma prática da arquitetura que seja, acima
de tudo, lucrativa. O problema é que o enquadramento do processo projetual como uma
mercadoria que pode ser produzida como qualquer outra, como se dependesse de uma
sucessão de atividades mecanizadas e que podem ser cronometradas de forma exata19,
é incompatível com a natureza do desenho, cuja temporalidade se expressa por formas
de organização e percepção subjetiva do tempo, marcados pela contingência de um

19 Método que tem sido muito difundido para a precificação dos serviços em arquitetura. Embora possa oferecer
determinadas vantagens quanto a outros, como o que se baseia em metragem quadrada, do ponto de vista do
trabalhador remonta à racionalização instituída com o taylorismo, isto é, a determinação de meios de controle que
é, essencialmente, “um método para se fazer trabalhar, mais do que um método para se trabalhar melhor” (WEIL,
1996, p. 146).
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número grande de fatores e variáveis.


A racionalidade econômica, empreendedora e instrumentalizada que se percebe nos
discursos dos CLOs retoma com bastante virulência a máxima da modernidade
capitalista, a de que “o capitalismo é o senhor do tempo” (CÂNDIDO apud KHEL, 2009,
p. 110). Como observam Khel (2009) e Gourevitch (1975), as representações do tempo
são componentes essenciais da consciência social, refletem os ritmos e as cadências que
orientam o desenvolvimento da sociedade e da cultura, cuja ordem social é marcada
por um modo de controle do tempo. Esta máxima, destitui a noção do tempo como
construção social, captura-o e reduz tudo ao tempo econômico, inclusive as
subjetividades. Tempo de trabalho e tempo de vida se diluem neste tempo econômico,
que quer ser totalidade20. Esta é uma das formas pelas quais se dá a imbricação entre
trabalho material e trabalho imaterial no capitalismo contemporâneo, por esta mistura
de tempos (de vida e de trabalho), quando a produção se torna bioprodução: “produção
do homem por meio do homem” (COCCO, 2013, p. 12-13).
Em decorrência desta abstração e representação do tempo, os proponentes dos CLOs
atribuem-se a originalidade e a posse de um ‘método’ ou uma ‘metodologia’ que
possam suprimir os erros, dar um caminho para o sucesso na carreira e manter um certo
estado de perfeição e maturidade, mesmo que o que os estejam oferecendo seja apenas
a instrumentalização de uma única ferramenta (como o uso de um software) ínfima
diante da prática global da arquitetura. Estes termos evocam a ideia de uma
“racionalização” que se apresenta como “método de organização científica do trabalho”
(WEIL, 1996, p. 135), mas que agora se reveste de uma comunicação fácil, ágil e sutil das
formas de controle do trabalhador, da determinação de mercados (de cursos online, de
tecnologias de softwares etc.) e de prováveis mudanças no estilo e nos modos de vida.
Expressões como ’o método que revolucionou a minha vida’, ‘minha vida ficou muito
mais simples depois que comecei a utilizar esta ferramenta’, ‘como você pode despertar
a magia do BIM em você na prática’, ‘não existe nada que você não possa fazer quando
a metodologia te dá a liberdade’, exemplificam o tipo de apelo realizado. Esta
comunicação caricata é uma estratégia coercitiva do capital e que pode afetar a
construção de subjetividades e a visão sobre as relações de trabalho, formas de
organização e cooperação entre profissionais etc.

OS PIONEIROS E A REINVENÇÃO DA RODA DE ILUSÕES


Outra componente (contradição) do discurso dos CLOs apoia-se no enredo de que os
proponentes desbravaram e superaram todas as dificuldades e adversidades do
mercado, quando ‘nada’ e nem ‘ninguém’ haviam realizado qualquer coisa a respeito,
de tal modo que estão prontos para serem nossos ‘guias’ ou ‘mentores’. Eles fazem
parecer que inovação e descoberta são fatores banais da cotidianidade das suas práticas

20 É preciso construir um contraponto a este argumento ao mesmo tempo situar e organizar uma pluralidade de
práticas que reconsiderem a dimensão do tempo em regimes de trabalho que prezem por um progresso técnico-
social que não se constitui numa exploração maior da força de trabalho, isto corresponderia a uma “racionalização
verdadeira” (WEIL, 1996, p. 146). Como bem aponta Cândido apud Khel (2009, p. 110): “[...] tempo não é dinheiro.
Isso é uma monstruosidade. O tempo é o tecido da nossa vida”.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 123

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profissionais. Como tal, conseguiram sistematizar uma ‘metodologia’ capaz de levar


cada um ao estágio ‘previsível’ de sucesso financeiro. Mas isto é para poucos, apenas
para os ‘corajosos’ e ‘empreendedores’. No limite, este ‘conto’ reproduz estratégias de
venda já amplamente conhecidas e reforça a ideia do ‘passo a passo’ e da ‘receita de
bolo’ com o ‘fermento’ capaz de acelerar os resultados, ao mesmo tempo que se veem
no papel de ‘protagonistas’, ‘heróis’ e ‘pioneiros’ do ‘novo mercado’.
Do ponto de vista da formação e da profissionalização, esta postura e estratégia
destituem um verdadeiro processo técnico e criativo do trabalho. Entregamo-nos à um
conjunto de heteronomias21 e representações hegemônicas da prática profissional em
arquitetura e lançamos mão das possibilidades de qualquer ideia de construção social e
autônoma de outras práticas, outros modos de produção e, consequentemente, outros
arranjos sociais, culturais e técnicos para o mercado de trabalho. Reduz-se assim os
horizontes e oportunidades de atuação profissional. O objetivo dos proponentes é
estabelecer um ambiente em condições de se ‘ter toda a segurança para criar sem
medo’, desde que esteja tudo dentro de limites muito bem determinados pelas
‘competências’. Como afirma um dos proponentes, ‘você pode sim projetar interiores
sem cometer os mais de 400 erros que eu batalhei para superar’. O ‘pioneirismo’ dos
CLOs não é mais que uma forma de autopromoção e auto avaliação. Seu discurso
acompanha expressões como: ‘o melhor e mais completo curso de arquitetura do
Brasil’, ‘cursos irresistíveis’, ‘um dos maiores eventos de arquitetura’. Estas noções,
junto a ideia de inovação, exercem um papel sutil na comunicação no contexto do
capitalismo contemporâneo. Elas sugerem atravessamentos e determinações dadas por
um “movimento de adesão coletiva, numa espécie de crença mimética” (ORLÉAN apud
COCCO, 20103, p. 9), que se estende com a manipulação de símbolos e de informações
dentro das redes de produção cultural.
Na mesma esteira destes argumentos, observam-se uma variedade de expressões que
são verdadeiras frases de efeito. Nelas dirigem-se promessas que só são possíveis com
a abstração do mercado e uma máquina ativa de manipulação e captura da produção
de subjetividades e que foca na debilidade do próprio mundo do trabalho e das
precariedades por que passam os profissionais. Vemos outro conjunto de sentenças
como: ‘tenha uma fila infinita de clientes’, ‘como fechar projeto todos os meses’, ‘tudo
o que você precisa saber para se tornar um arquiteto de sucesso’, ‘temos o mapa da
mina’, ‘o evento que vai revolucionar sua carreira na arquitetura’, ‘o segredo para você
faturar seis dígitos na arquitetura’, ‘você vai aprender a lotar a sua agenda de projetos’.
Não seria necessário dizer o quão descabidas são estas afirmações senão fossem parte
de uma comunicação efetiva deste mercado de cursos online. Alguns proponentes
prometem aos seus alunos, caso apliquem os seus métodos, a ‘conquista’ de salários de
no mínimo R$ 10.000,00, ou então, o aumento de seus faturamentos em três, cinco ou
dez vezes, alcançando mais que seis dígitos de remuneração. Este é um dos recursos
mais primários, e alienador, que se interpõe às relações sociais e mercantis na sociedade
burguesa: a percepção do valor das coisas medida conforme o registro que elas possuem
em termos de dinheiro. Weil (1996, p. 137) denominou isto como a “monomania da

21 A heteronomia ou “imposição de uma lei por outro (heteros)” pode ser traduzida, neste caso, como “a antecipação
de produtos (fins) ou processos (meios), feita por poucos e destinada a muitos” (KAPP, 2011, não p.).
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contabilidade”, tratando-se de “uma deformação do espírito” desta sociedade e que nos


leva à incapacidade de perceber o mundo por outra forma que não seja por meio do
dinheiro, do lucro e da abstração dos números, influenciando diretamente os nossos
desejos e decisões.
Sendo assim, na maioria das vezes só conseguiríamos estabelecer uma censura à
exploração do regime econômico e de trabalho por meio do que se pode quantificar
como dinheiro, representado na forma de salários por exemplo (WEIL, 1996). No caso
dos CLOs, o investimento do consumidor em determinado processo de formação e
profissionalização não é apenas o que ele paga efetivamente no ato da compra, mas
todo o seu tempo e desempenho que é dado não pela qualidade deste processo, mas
pela virtualidade destes números. As estratégias de coerção e persuasão são violentas.
Estes processos como um todo valem a virtualidade de ‘R$ 10.000,00’, embora o aluno
também tenha que bancar, antecipadamente, o custo efetivo dos CLOs. Esta confusão
representa uma das contradições que atravessam a (re)produção material das
sociedades e a produção de subjetividades.

ESTILOS DE VIDA E A EQUIVALÊNCIA DOS INDIVÍDUOS COM O DINHEIRO


Podemos ainda discorrer sobre os estilos de vida presentes nos discursos dos CLOs.
Vemos as manifestações de ‘como se tornar autoridade na arquitetura’, de ‘pensar
como um arquiteto premiado’, ou de diferenciar ‘arquiteto famoso versus arquiteto sem
status’. Estas expressões mostram como a racionalidade neoliberal depende de um
trabalho imaterial que avança sobre a vida cotidiana de arquitetos e estudantes,
buscando formatar seus desejos, valores, crenças e, com isso, justificar determinados
padrões de vida. Esta estratégia de representação ideológica de um estilo de vida foi
remontada por Lefebvre (1969) como um mecanismo (ou programa) intrínseco de
realização da modernidade capitalista, como elemento constitutivo do seu modus
operandi. O que o autor revela de agudo e contraditório nesta relação é o seu caráter
alienante que desconsidera o problema entre a história e o vivido: o fato do tempo dos
homens não coincidir com o tempo de sua história; a falsa situação de que estas
representações ponham um fim à inadequação do homem e da história, que ponham
um fim ao tempo que escapa às vontades e às consciências (LEFEBVRE, 1969).
Pode-se dizer, tomando como referência a discussão de Lefebvre (1969), que estas
representações são capazes de levar uma grande massa de estudantes e profissionais a
não constituírem uma forma imediatamente política do seu trabalho – a forma de uma
ação –, mas realizarem desvios para uma ideologia. Este percurso deve ocorrer, num
primeiro momento, com a conversão intelectual para exaltar a ordem dominante – a
relação dos processos de formação com a racionalidade econômica e a produção de
subjetividades em referência à instrumentalidade dos estilos de vida hegemônicos.
Posteriormente, deve-se dar a construção de um processo de dominação universal
relacionado à técnica, às ferramentas e mecanismos de controle, coerção,
subordinação, gestão e planejamento em todas as dimensões do trabalho e da vida
cotidiana.
Neste mesmo quadro de produção das subjetividades e com forte apelo à vida cotidiana,
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alguns CLOs realizam a equivalência dos indivíduos com o dinheiro. Observamos


expressões como: ‘a vida ruim que você leva se resume à falta de dinheiro e por isso a
falta de acesso a tudo que é bom na vida’; ‘não há limite entre ganhar dinheiro e o
propósito espiritual da sua vida’; ‘o dinheiro é um símbolo que determina se o que você
faz tem valor ou não’, ‘o dinheiro que não se ganha é fruto do conhecimento que não se
tem’; ‘se não ganha dinheiro é sinal que não presta serviço ao mundo’. Sendo assim, o
dinheiro não é só a “medida de valor” das mercadorias, isto é, “do tempo de trabalho”
(MARX, 2017, p. 169), mas do próprio indivíduo e do seu tempo de vida.
É necessário que esta racionalidade econômica e instrumental, a difusão das técnicas,
das tecnologias e dos modelos organizacionais da empresa encontrem vigor na vida
cotidiana, isto é, que a modifique profundamente e que assuma formas políticas para
dar impulso aos seus processos de ‘inovação’ (MARAZZI, 2009). A vida cotidiana é uma
importante dimensão da realidade social e constitui-se em baliza de análise e
compreensão das transformações socioeconômicas, culturais e sócio-espaciais –
“aconteça o que acontecer, a mudança no cotidiano continuará sendo o critério da
mudança” (LEFEBVRE, 1981, p. 46, tradução nossa). Para Lefebvre (1981; 1991) e
Marazzi (2009) é necessário que as transformações se deem na vida cotidiana, entrem
numa cotidianidade, que sejam aplicadas numa rotina para que se efetivem os modos
de produção. Portanto, deve-se tomar cuidado com a inserção das formas de
organização empresarial nos modos de vida. Por outra parte, nos parece que numa
sociedade burguesa o arquiteto tem por obrigação obter lucro, dinheiro, patrimônio e
propriedade por meio do seu trabalho. É inadmissível que um arquiteto não consiga
enriquecer-se financeiramente, não importando qual seja sua origem, o contexto
sociocultural de sua vivência, o momento histórico e econômico da sua ‘vida produtiva’.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise crítica em torno dos CLOs suscita reflexões sobre a relação entre o modo de
produção e os processos de formação e profissionalização de estudantes e arquitetos.
Foram levantadas questões suficientes para repensarmos a necessidade de ocupar os
espaços onde os CLOs estão sendo gestados. Embora carreguem como princípio a
liberdade de qualquer indivíduo aprender e ensinar conforme sua experiência de
mundo, vimos a conformação de um canal de comunicação estratégico às relações
capitalistas em torno do ensino, da formação, da profissionalização, do trabalho e da
tecnologia. O fenômeno de monetização do conhecimento acompanha outro, social e
político, de graves consequências: “um processo de formação de pessoas competentes
cuja contrapartida é a aparição dos incompetentes sociais” (CHAUI, 2016, p. 113). Esta
trama complexa por onde as relações sociais são atravessadas não se sustenta só da
(re)produção material da sociedade, mas também da (re)produção dos modos de vida e
das subjetividades, em que se observa o imaginário neoliberal (como ideologia da
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 126

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

competência)22 tentando se firmar como racional23, moldando formas de vida e de


trabalho determinadas pela insegurança e a violência institucionalizada do mercado.
Vimos por meio da difusão dos CLOs as relações de mercado anunciarem uma falsa
‘solução’ (uma ‘nova’ qualificação profissional) para um ‘problema’ (a ‘desqualificação
profissional’) que foi historicamente determinado como útil à produção de mais-valor e
ao barateamento da força de trabalho. Neste caso, a mão de obra desqualificada não é
só a do canteiro, mas a do desenho também. É possível perceber o processo em que o
desenho é ‘explodido’. Cada fragmento representa uma subfunção, que requer um
conjunto de competências para ser realizada, e que depende de um corpo sempre ativo
para reintegrá-lo à uma lógica produtiva para os negócios. Qualquer momento
produtivo do desenho se torna mercadoria, seja o momento em si que é vendido como
serviço, o conhecimento técnico para executar que é transformado em produto
vendável em ambientes formativos, ou as inúmeras subfunções que se traduzem em
mão de obras cada vez mais especializadas. Não é só a ‘obra de arquitetura’ acabada
que importa como mercadoria, mas seu processo de realização e sua capacidade de
comunicação. O processo (em suas várias dimensões), assim como o produto, passa a
servir ao encantamento e fetiche de toda mercadoria (MARX, 2017).
Sob a trama destas relações e discursos vê-se uma complexidade nas relações de
trabalho, de dominação e exploração entre arquitetos, engenheiros e profissionais
ligados à gestão e planejamento de projetos e obras. Sendo que os conflitos e
contradições ocorrem entre profissionais já diferenciados no campo da construção civil.
Como bem observa Ferro (2012, p. 8), na cisão entre concepção e realização “o
desmonte real é o do corpo produtivo, não o do desenho, sempre monocefálico
enquanto prescrição autoritária”. Contudo, há um rearranjo das relações de trabalho
em torno do desenho e que estão em consonância com a inserção de tecnologias,
ferramentas e processos de gestão para projetos, com a racionalidade empreendedora
e a precariedade do trabalho. Nesta dinâmica ocorre uma mudança do perfil do
arquiteto, sua atuação se aproxima ou dos postos de gerência ou é reduzida à
subfunções e à operações de poucas ferramentas.
Portanto, os processos em torno do desenho e da representação dos objetos
arquitetônicos servem à divisão do trabalho intelectual e material, mas também à
subdivisão do PRIMEIRO em subfunções heterogêneas e em subprofissões (quem
concebe a ideia, quem gera o desenho, quem renderiza, quem especifica, quem aprova,
quem orça, quem gerencia os projetos, a obra etc.) diferentemente qualificadas e
exploradas. Nesta lógica, o papel do arquiteto (aquele que consegue reunir recursos
financeiros, construir relações de propriedade e colocar em prática técnicas de
dominação) se transforma substancialmente, de arquiteto a empresário. Enquanto tal,
movido pelas facilidades tecnológicas e de comunicação, o ‘novo arquiteto’ quer reunir
todo o corpo produtivo, do desenho e do canteiro, sob um ecossistema que vai da
formação e qualificação de profissionais à execução da obra. O processo de formação

22 Que toma o ser como “fragmentação econômico-social e a compressão espaçotemporal gerada pelas novas
tecnologias e pelo percurso do capital financeiro” (CHAUÍ, 2016, p. 91).
23 A racionalização tomada apenas como um aperfeiçoamento (quase natural) da produção, entre as sucessivas
inovações que fazem o progresso industrial (WEIL, 1996, p. 136).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 127

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torna-se fundamental deste empreendimento, pois organiza, modula, influencia e gesta


profissionais à reproduzir a lógica do sistema.
A difusão dos CLOs aponta para uma forma mais sutil, não menos violenta, de
organização social do trabalho no desenho e no canteiro. Pela própria natureza com que
o desenho se constituiu – como prescrição e antecipação do futuro, com uma
capacidade maior de comunicação e intermediação (entre agentes, objetos e
conhecimentos) – ele tornou-se, por meio da mobilização do conhecimento e da
tecnologia (por processos de formação, comunicação e mercantilização), um momento
ou estágio preponderante para a canalização de novas formas de exploração do
trabalho, produção de mais valor, ampliando as contradições entre os momentos de
profissionalização, produção e consumo. Se por um lado segue uma política de não
mudança dos canteiros, por outro o desenho deve ser transformado incessantemente.
As inovações tecnológicas no que se refere a processos, ferramentas e técnicas ocorrem
em maior velocidade e intensidade em relação ao desenho. De outra parte, o número
maior de mão de obra com curso superior torna possível o barateamento e a
especialização em subfunções da força de trabalho (de arquitetos) dentro da
concorrência cada vez mais acirrada do mercado e das suas exigências voluptuosas por
novas competências. Não só os produtos arquitetônicos se adequam ao consumo, mas
também o processo que lhes dá vida é mercantilizado, tendo como suporte um processo
de formação e profissionalização que articula os parâmetros, as representações e
ideologias do mercado.
Se tomarmos a crítica do trabalho como momento por meio do qual é possível
desmanchar as relações de produção que o fazem alienado ou desfazer a sua divisão
capitalista (eliminando hierarquias e heteronomias), então a análise geral apresentada
em relação aos CLOs mostra que este processo também deve passar pela crítica e
transformação dos processos de formação, profissionalização e comunicação. Todos
estes fatores são indissociáveis para uma crítica da produção e do trabalho na
arquitetura, levando-se em consideração os aspectos materiais e imateriais, igualmente
atuantes sobre a (re)produção da sociedade. Por conseguinte, em conjunto eles dão
forma e caráter à tecnologia que aplicamos e construímos socialmente, inclusive ao seu
desenvolvimento de modo a excluir os trabalhadores do conhecimento, da decisão e do
controle do processo de trabalho, além da divisão do conhecimento em especialidades
e a hierarquização burocrática dos especialistas (CHAUI, 2016).
Entende-se que é preciso pensar e discutir os múltiplos espaços de formação de um
profissional, de um estudante, ou de um professor, principalmente a partir dos espaços
não-formais de educação cuja dinâmica vem transformando as fronteiras com os
espaços formais. Onde nos instruímos e nos formamos para além da universidade e da
escola faz diferença, principalmente no contexto de uma sociedade hiper conectada que
alimenta a paixão pelo efêmero e pelas imagens, que coloca a tecnologia a serviço da
publicidade e do marketing – responsáveis não só pela promoção e venda de
mercadorias mas também pela manipulação de signos e imagens. Estes espaços estão
sendo ocupados e colonizados por lógicas que, além do amplo alcance, da facilidade de
comunicação e do poder de coerção, não vão, definitivamente, nos conduzir à
(re)produção de uma sociedade melhor.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 128

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Neste momento em que as universidades e a educação públicas são tão atacadas e


sofrem com desmontes é preciso remontar o papel que possuem na construção do tipo
de sociedade que queremos. Instituições privadas não estão isentas, pelo contrário. O
processo formativo e profissional é global, atravessa todos os setores de organização da
sociedade. O desafio está em identificar uma formação que crie alternativas de métodos
de organização do trabalho que sejam aceitáveis ao mesmo tempo para a produção,
para o trabalho, para o consumo e para a vida cotidiana.

REFERÊNCIAS
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 130

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COMUNICAÇÕES

PAINEL 2
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Práxis em tempos de pandemia: desafios e possibilidades no


ensino de arquitetura e urbanismo

Giovanna Tomczinski Novellini BRÍGITTE


Centro Universitário Facens; giovanna.novellini@facens.br
Natália Nakamura BARROS
Centro Universitário Facens; natalia.barros@facens.br

RESUMO
As mudanças vivenciadas no ensino superior na pandemia não foram diferentes para o ensino de
Arquitetura e Urbanismo. Contudo, elas não propuseram apenas desafios para nosso dia a dia, mas
também trouxeram oportunidades. Neste sentido, objetiva-se discutir os desafios e possibilidades de
inovação e ressignificação das estratégias pedagógicas interdisciplinares de ensino no curso de
Arquitetura e Urbanismo, frente às atuais mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. Para tal,
demonstram-se as estratégias e métodos aplicados no Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro
Universitário Facens implementados a partir do início da pandemia da Covid-19. Foi possível o uso de
novas ferramentas que permitiram dar continuidade ao desenvolvimento de habilidades e competências
aos estudantes, bem como potencializaram o desenvolvimento de visando reforçar as estratégias
interdisciplinares presentes no curso. Em todo esse cenário, apresentou-se uma oportunidade inovadora
o que se viu foi a necessidade de capacitar nossos estudantes e corpo docente para além dos
conhecimentos que envolvem a atuação técnica profissional do arquiteto e urbanista, mas uma
metodologia capaz a necessidade de cuidar de suas competências socioemocionais enquanto indivíduo e
cidadão neste período de distanciamento, contribuindo também para a formação humanista da profissão.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de arquitetura e urbanismo, estratégias pedagógicas, interdisciplinaridade,
competências socioemocionais.

1 INTRODUÇÃO
Os cursos de Arquitetura e Urbanismo fundamentam-se em disciplinas que preparam o
estudante para a prática profissional e que sejam contempladas nos diferentes campos
de atuação propostos pela Lei no 12.378/2010 (BRASIL, 2010b). Desta forma, o egresso
torna-se um profissional generalista que pode selecionar entre cada um destes campos
de atuação uma área de especialização. Os cursos devem atender à formação do
arquiteto e urbanista definido pelo artigo 4º da Resolução nº 2, que determina as
Diretrizes Curriculares para o curso de graduação, cujas características compreendem
uma "sólida formação de profissional generalista", "aptidão de compreender e traduzir
as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidade, com relação à concepção,
organização e construção do espaço interior e exterior, abrangendo o urbanismo, a
edificação e o paisagismo". Somado a isso, as diretrizes incluem a "conservação e
valorização do patrimônio construído", a "proteção do equilíbrio do ambiente natural e
utilização racional dos recursos disponíveis" (BRASIL, 2010a).
Conceitos importantes como a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade também
podem ser adotados para auxiliar na formação do arquiteto e urbanista. Se por um lado,
a interdisciplinaridade reforça a colaboração entre disciplinas e a existência de possíveis
conflitos entre elas, considerando sua autonomia e caráter independente. Por outro, a
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 132

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transdisciplinaridade é definida como a "união de diferentes disciplinas em um conjunto


coerente", a qual permite a ligação de conhecimentos muitas vezes separados (MORIN,
2007, p.24).
Preconiza-se para a formação de um profissional preparado para o mercado de trabalho,
três pilares fundamentais – ensino, pesquisa e extensão – nesse sentido, devem ser
trabalhados indissociavelmente durante toda a vida acadêmica (BRASIL, 1988; 1996) e,
sempre retroalimentados durante o processo de desenvolvimento dos cursos. O ensino
conceitua os saberes da profissão; a pesquisa, além de ampliar os conhecimentos,
também agrega seus resultados ao ensino; e a extensão aplica os saberes e pesquisa em
atividades reais, beneficiando a sociedade, enquanto também auxilia no retorno a
reflexões nas atividades acadêmicas.
Diversas são as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas que têm transformado os
processos de ensino-aprendizagem nas áreas de Arquitetura, Urbanismo, Design e
Engenharias (AUDE). Ademais, a pandemia da Covid-19 trouxe uma série de alterações
nas rotinas das pessoas, que impactaram inclusive o ensino, e aceleraram
transformações que impulsionaram novas estratégias de ensino-aprendizagem através
dos recursos tecnológicos disponíveis como laboratórios virtuais, ambientes
colaborativos digitais, entre outros.
Diante deste cenário, diversos desafios foram impostos no processo de ensino-
aprendizagem, como a falta de engajamento dos estudantes, falta de recursos
tecnológicos para acompanhamento das aulas, dificuldades socioemocionais, entre
outros. Dessa forma, construir os processos de ensinagem é uma importante premissa
para engajar os estudantes nas estratégias de ensino, entende-se como ensinagem:
uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno,
englobando tanto a ação de ensinar quanto a de aprender, em um processo
contratual, de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na
construção do conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na sala
de aula e fora dela. Trata-se da ação de ensino da qual resulta a aprendizagem
do estudante, superando o simples dizer do conteúdo por parte do professor,
pois é sabido que na aula tradicional, que se encerra numa simples exposição
de tópicos, somente há garantia da citada exposição, e nada se pode afirmar
acerca da apreensão do aluno (ANASTASIOU, 2003, pp.03-04).
Efetivar a ensinagem por meio das telas como mediadoras se apresentou como um dos
pontos de atenção ao longo dos últimos três semestres. Ainda assim, algumas vantagens
foram conquistadas por meio do uso de ferramentas digitais e de colaboração que
puderam se dar especialmente por estarmos com o distanciamento social obrigatório.
Por meio de ferramentas de comunicação foi possível, por exemplo, permitir a
participação remota de palestrantes em disciplinas tanto para discussões teóricas
quanto para o acompanhamento de assessorias. Conforme apontado por Celani (2020),
esta não é uma modalidade recente, sendo praticada desde a década de 1990 no
contexto do MIT – Massachussets Institute of Technology. Contudo, a partir da mudança
compulsória, essa possibilidade foi utilizada de forma extensiva e com sucesso nos
contextos em que existiu o engajamento entre o ensino e a aprendizagem.
Por outro lado, não se podem negar outros desafios. Como Arquitetos e Urbanistas a
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ausência da vivência de espaços nas três dimensões, exercitando percepções e


identificando as relações de escala ainda não foram repostas pelas telas. Segundo
Monteiro (2020), questões como a falta de vivência presencial do ateliê de projetos, o
contato com a vida universitária entre os estudantes, bem como a separação das
experiencias socioespaciais se colocaram como pontos de atenção, considerando o
tempo extenso que temos vivido do ensino exclusivamente remoto. Soma-se a isso, os
desafios socioemocionais enfrentados durante o período de isolamento social, que
dificultou a criação de vínculos com os estudantes, sensibilizando-os a pensarem como
se sentiam face às novas condições impostas pela pandemia.
Isto posto, o objetivo do artigo é discutir os desafios e possibilidades de inovação e
ressignificação das estratégias pedagógicas interdisciplinares de ensino no curso de
Arquitetura e Urbanismo, frente às atuais mudanças sociais, econômicas e tecnológicas.
Para tal, demonstram-se as estratégias e métodos aplicados no Curso de Arquitetura e
Urbanismo do Centro Universitário Facens implementados a partir do início da
pandemia da Covid-19.
Em um primeiro momento, apresentaremos o curso de Arquitetura e Urbanismo do
Centro Universitário Facens considerando seu papel no contexto da instituição, seu
vínculo com laboratórios e outros organismos. Em um segundo momento serão
destacadas as estratégias pedagógicas utilizadas durante a pandemia da Covid-19: o
ensino - através da aplicação de práticas interdisciplinares, bem como as estratégias de
apoio socioemocional realizadas. Por fim, uma análise crítica evidenciou os desafios e as
possibilidades de ressignificação das estratégias pedagógicas interdisciplinares de
ensino, frente às atuais mudanças e práticas de interdisciplinaridade em meio à
pandemia.

2 MÉTODO
Este trabalho classifica-se segundo os procedimentos técnicos realizados em pesquisa
experimental. “A pesquisa experimental consiste em determinar um objeto de estudo,
selecionar as variáveis que seriam capazes de influenciá-lo, definir formas de controle e
de observação dos efeitos que a variável produz no objeto” (GIL, 2009, p. 47). O
delineamento do método, encontra-se detalhado e explicado no Quadro 1.
Dentre os professores que participaram das práticas interdisciplinares no semestre, o
Quadro 2 mostra a caracterização do corpo docente segundo a formação. Quanto aos
alunos, sua distribuição por semestre se deu da seguinte forma - 62 alunos no 1o
semestre, 32 no 3o semestre, 41 no 5o e 40 no 7o semestre.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 134

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Quadro 1 – Delineamento explicativo do método de pesquisa experimental aplicado

nº Etapa Explicação
Frente ao perfil de ensino adotado no curso, quais
estratégias pedagógicas podem ser utilizadas para
1 Formulação do problema viabilizar e mitigar o impacto da pandemia da Covid-19
no ensino, pesquisa e extensão do curso de Arquitetura
e Urbanismo?
Se os estudantes tiverem acesso a todas as aulas,
eventos, pesquisas, extensões e apoio emocional de
2 Construção das hipóteses
forma virtual, então o impacto da pandemia no processo
de ensinagem será minimizado.
Acesso e participação nas aulas, participação em
Operacionalização das
3 eventos, desenvolvimento de pesquisa e extensão, apoio
variáveis
emocional.
Diversas estratégias pedagógicas relacionadas às
Definição do plano variáveis relacionadas acima foram experimentadas no
4
experimental curso de Arquitetura e Urbanismo, durante a pandemia
da Covid-19, ou seja, de maneira totalmente remota.
A população analisada compreende os docentes (15
professores) e discentes (171 alunos) do curso de
5 Determinação dos sujeitos
Arquitetura e Urbanismo, conforme explanado no
Quadro 2.
O uso do ambiente virtual para ensino, pesquisa e
6 Determinação do ambiente
extensão foi analisado.
A coleta de dados se deu ao longo da vivência do
7 Coleta de dados semestre, a partir dos recursos disponibilizados pela
Instituição.
A análise dos dados foi realizada a partir de avaliação
qualitativa por parte dos docentes e estudantes. As
Análise e interpretação dos
8 estratégias pedagógicas utilizadas foram avaliadas,
dados
ressaltando-se os pontos positivos e pontos de melhoria
da experiência.
Na conclusão, a análise da experiência realizada neste
9 Apresentação das conclusões estudo será considerada para reflexão de novas
diretrizes de ensino, pesquisa e extensão.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Quadro 2 – Caracterização do Corpo Docente

Engenharias
Professores / Área de Arquitetos e Outra Formação
(Agronômica,
Formação Urbanistas (Matemática e Física)
Ambiental, Civil)
Professores em
04 01
disciplinas teóricas
09
Professores em
01 00
disciplinas práticas
Fonte: Elaborado pelos autores.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 135

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3 O CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO


O curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Facens tem como objetivo
prover em Sorocaba e região um ensino diferenciado voltado à sustentabilidade,
tecnologia e empreendedorismo com ênfase em questões humanas e sociais. Com uma
proposta curricular elaborada e estruturada para a formação de arquitetos e urbanistas
habilitados a atuar nas demandas atuais, em problemas complexos que demandam de
vários conhecimentos, habilidades e inovações. Para isso, a matriz curricular estrutura-
se em diferentes eixos de formação, distribuídos em carga horária conforme ilustra o
Gráfico 1.
Gráfico 1 - Carga horária total de acordo com os eixos de formação

Fonte: Elaborado pelos autores.

O Gráfico 1 apresenta os eixos de formação: (i) Linguagens de Arquitetura e Urbanismo:


responsável pelas disciplinas de representação e expressão analógicas e digitais
inerentes ao processo de projeto; (ii) Projeto: que contempla os campos de Arquitetura,
Arquitetura de Interiores, Paisagismo e Patrimônio; Urbanismo e Planejamento Urbano
e Regional; (iii) Tecnologia do Ambiente Construído: abordam os outros campos como o
de Topografia, Sistemas Construtivos e Estruturais, Instalações, Conforto e Meio
Ambiente (iv) História: responsável pela formação teórica-crítica de repertório e
valorização do patrimônio material e imaterial (v) Formação Geral e (vi) TFG.
As práticas interdisciplinares no curso de Arquitetura e Urbanismo da Facens perpassam
todos os semestres do curso. A interdisciplinaridade a cada semestre ocorre a partir de
uma integração entre as disciplinas, nas quais, os conhecimentos adquiridos são
aplicados nos projetos em desenvolvimento nas disciplinas de projeto de urbanismo,
projeto de arquitetura e projeto de paisagismo. Para tal, o plano de aulas de cada
disciplina é desenvolvido em conjunto entre os docentes responsáveis pelas disciplinas,
de modo que os conhecimentos se complementem ao longo do semestre. Há também
a comunicação constante entre os docentes para acompanhamento da turma e
desenvolvimento dos trabalhos através da proposta de aprendizagem baseada em
projetos (ABP).
A ABP é uma metodologia de aprendizagem ativa muito utilizada para promover a
integração entre as disciplinas. Os estudantes são então apresentados a um desafio de
projeto, cuja complexidade aumenta de acordo com o semestre em que o estudante se
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 136

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encontra, e eles devem aplicar o conhecimento adquirido nas disciplinas do curso para
resolução dos problemas de projeto. O desafio geralmente é proposto pelas disciplinas:
projeto de arquitetura, projeto de urbanismo e projeto de paisagismo. As demais
disciplinas, como: conforto, teoria e história, sistemas estruturais, instalações,
arquitetura digital etc., fornecem o suporte do conhecimento necessário em cada área
para auxiliar no desenvolvimento do projeto. Cada disciplina avalia os critérios objetivos
referentes aplicados em neste projeto. Um exemplo da integração entre as disciplinas
pode ser constatado na Figura 1.
Figura 1 – Interdisciplinaridade no curso de AU

Fonte: Elaborado pelos autores.

4 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS NO CURSO DE ARQUITETURA


E URBANISMO DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
Com a publicação do Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2020, que definiu a
quarentena no Estado de São Paulo, no contexto da pandemia do Covid-19 (SÃO PAULO,
2020), houve inicialmente a suspensão das aulas por uma semana para ampliação de
infraestrutura remota e capacitação dos professores. Neste momento, todos os planos
de aula foram revistos e estratégias foram pensadas para viabilizar e mitigar os impactos
no ensino de maneira remota. Para isso, foi elaborado um Plano de Gestão do impacto
de suspensão das aulas presenciais mapeando o impacto nas competências e objetivos
de aprendizado em cada uma das disciplinas e elencando as estratégias para manter o
nível de qualidade e planejar a reposição a partir da retomada presencial. Quanto a
infraestrutura adotada, a instituição realizou a aquisição da plataforma de comunicação
Zoom e laboratórios virtuais, para realização das aulas online síncronas. O ambiente de
aprendizagem, Canvas, já era utilizado mesmo antes da pandemia e, neste sentido, os
professores foram capacitados para utilizar todas as ferramentas disponíveis na
plataforma. Além disso, a instituição disponibilizou notebooks, a título de empréstimo,
para os estudantes que não continham equipamentos eletrônicos adequados para o
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 137

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

acompanhamento das aulas. Todas as reuniões e eventos passaram a ser realizados por
meio de plataformas digitais.
O ensino, neste contexto, teve então que ser adaptado, de modo a atender todas as
competências necessárias para a formação do arquiteto e urbanista, possibilitando a
estruturação de uma nova forma de pensar, de ver o mundo e o espaço. Em meio aos
desafios impostos pela pandemia, implementaram-se estratégias de comunicação,
colaboração digital e laboratórios virtuais, como por exemplo, ensaio de compreensão
(Sistemas Estruturais: Aço) e Perfis e Movimentação de Terra (Topografia e
Geoprocessamento), de modo a garantir a comunicação e o engajamento dos
estudantes no desenvolvimento das atividades interdisciplinares propostas,
demandando dos docentes sintonia, alinhamento e acompanhamento aos planos de
aula entrelaçados.
Diversos instrumentos digitais de aprendizagem foram utilizados para apoiar o ensino
durante este período. Além das ferramentas institucionais, como o Canvas, Zoom e
OneDrive, outras plataformas foram utilizadas para incentivar a participação ativa dos
estudantes durante as aulas, e que estão demonstradas no Quadro 3. Os ambientes
virtuais de aprendizagem foram utilizados para auxiliar no desenvolvimento de das
competências dos estudantes de maneira remota e garantir a aplicação da APB ABP.
Algumas ferramentas digitais foram utilizadas para engajar os estudantes, motivar a
participação nas aulas e auxiliar no gerenciamento e desenvolvimento de trabalhos
colaborativos. Os docentes tiveram liberdade para implementar o uso de novas
ferramentas nas suas disciplinas, bem como, houve trocar de experiências, desafios e
benefícios dos usos destas.
Como exemplos de aplicação, os estudantes do 1º semestre utilizaram nas disciplinas de
Expressão e Representação Gráfica, bem como na de Introdução à Arquitetura e ao
Urbanismo, técnicas mistas de expressão, com desenhos, colagens, fotomontagem. Foi
livre o uso de técnicas manuais e/ou digitais e se deu o acompanhamento docente via
fotos e vídeos de registro do processo, através dos quais foi possível avaliar o produto e
entender a forma de pensar dos estudantes. Para estimular a aproximação dos espaços
das cidades e dos edifícios, visitas e derivas foram promovidas via Google Maps e Google
Earth por uma série de edifícios e cidades que dificilmente poderíamos reunir em uma
única aula devido à distância geográfica entre eles. Não queremos afirmar aqui que a
visita remota substitui todos os saberes adquiridos nas visitas presenciais, mas foram
oportunidades que se tornaram possíveis diante do exposto.
Os estudantes do 3º semestre experimentaram o desenvolvimento de projeto associado
à modelagem de informação e como esta possibilitaria a tomada de decisão ao longo de
desenvolvimento do projeto. Já os estudantes do 5º semestre, na disciplina de
Arquitetura Digital I, o método de sala de aula invertida foi utilizado, na qual os
estudantes tinham acesso a videoaulas sobre a matéria durante a semana e, no horário
da aula síncrona, era lhes solicitado que aplicassem o conteúdo ensinado em uma tarefa
que era então desenvolvida durante o horário de aula. Ao final, a apresentação dos
trabalhos ocorreu através de um vídeo-pitch, em que os estudantes gravaram um vídeo
salientando os principais pontos do modelo performativo desenvolvido.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 138

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Com os estudantes do 7º semestre, foi aplicado na disciplina de Design do Mobiliário a


elaboração de um portifólio/caderno de referências da História do Mobiliário na
plataforma aberta Issuu. Dessa forma, os estudantes refletiram sobre as formas de
produção de material gráfico para o público de fora do curso local. Já na disciplina de
Projeto de Arquitetura VI, neste mesmo semestre, o levantamento e análise de
informações acerca de moradores em assentamentos precários foi realizada a partir de
questionários elaborados no Google Forms e disponibilizados no Facebook, buscando
atingir um grupo de pessoas de determinado bairro. Além de integrar de forma digital
as pesquisas relacionadas ao contexto urbano e social da área, em conjunto com a
disciplina de Urbanismo, foi estudada, de forma remota a área e seus usuários para
identificar um problema presente. Os estudantes, além do uso de ferramentas digitais
exploratórias do território, também aproveitaram de notícias em jornais digitais para
caracterizar seu problema.
Quadro 03– Ambientes e ferramentas digitais

Ambientes Ferramentas Exemplos das Práticas


Simulação de atividades em sala de aula presencial:
Ambientes de salas separadas para discussão em grupos, enquetes,
Zoom
comunicação interação com vídeo, áudio e reações (ícones);
recepção de convidados/ profissionais externos.
Repositório de conteúdo, comunicação com os
Ambientes de Canvas
estudantes, entregas de trabalhos e devolutivas;
aprendizagem
Laboratórios virtuais Realização de práticas virtualizadas de laboratório;
Ambientes de
colaboração e Autodesk a360 Compartilhamento de arquivos entre e intra grupos;
compartilhamento
OneDrive Compartilhamento de arquivos;
Jamboard Apresentação e discussão de projeto;

Ambientes de Miro Apresentação e discussão de projeto em áreas comuns;


edição e Visualização de ideias e estímulo à participação (nuvem
apresentação Mentimeter
de palavras);
interativas
Issuu Apresentação de portfólio/caderno de referências
Visualização de ideias, acompanhamento do
PowerPoint Online
andamento do trabalho;

Ambientes de Trello Organização de fluxo de trabalho;


gerenciamento Excel Online Criação e gerenciamento de grupos de trabalho;
Ambientes de Google Earth / street
Navegação em edificações e cidades (deriva);
investigação view
Levantamento e análise de informações acerca do
Ambientes de Google Forms
usuário;
coleta e análise de
dados Criação, edição, visualização, análise e publicação de
QGIS
informações geoespaciais;
Ambientes de Biblioteca Virtual
Consulta aos livros digitais e normas;
consulta (acervo institucional)
Fonte: Elaborado pelos autores.
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Através das estratégias apresentadas ao longo do artigo foi possível manter a prática da
interdisciplinaridade através da associação da ABP a múltiplos recursos digitais. No 2º
semestre de 2020, os estudantes do 2° semestre trabalharam com a escala do local, os
do 4º, na escala da cidade e, os do 6º semestre, na escala metropolitana. Por sua vez,
no 1o semestre de 2021, os estudantes ingressantes do curso exercitaram o raciocínio
criativo e expressivo de projeto por meio das "Cidades Invisíveis" (CALVINO, 1972),
enquanto os estudantes do 3o semestre atuaram na escala do bairro, implantando uma
unidade modular de um hotel urbano. Já os estudantes do 5o semestre atuaram na
escala da cidade, promovendo a criação de um equipamento cultural. Por fim, os
estudantes do 7o semestre atuaram junto às áreas de assentamento precário. Em todos
os semestres, o estudante tem a oportunidade de aplicar todos os conhecimentos
adquiridos em um projeto que atende a escala e complexidade relativa aos
conhecimentos esperados pelo estudante que se encontra em determinado semestre.
Entretanto, deve-se considerar que a interdisciplinaridade exercitada em cada semestre
apresenta desafios. O primeiro deles é levar aos alunos a importância do pensamento
interdisciplinar por meio de diferentes docentes que lecionam em dias distintos da
semana. Nesse sentido, desde a definição dos professores que atuam em cada semestre
é pensada a presença de um agente que esteja em mais de uma disciplina tronco desta
integração, compondo duplas ou trios com outros professores, de modo a incentivar o
pensamento complexo e interdependente nas disciplinas pelos estudantes. Ainda que
distantes geograficamente, os docentes conseguiram alinhar os objetivos com as
ferramentas digitais disponibilizadas, além de outros meios virtuais de comunicação e
troca de dados.

CONCURSOS, EVENTOS E INTERNACIONALIZAÇÃO


O curso também seguiu com o desenvolvimento de atividades extracurriculares. Este
incentivo também é reforçado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, bem como a
participação em encontros, premiações e seminários (BRASIL, 2010a). Em relação a
essas práticas, pode-se ressaltar a participação dos estudantes em concursos, conforme
as diretrizes curriculares preconizam. Por meio deles, foi possível aos alunos a atuação
integrada com estudantes e professores de outros cursos como as Engenharias Civil e
Agronômica, ampliando o repertório de soluções diante de cada um dos problemas
propostos. Como estratégia já mencionada, as orientações e troca de informações
correram por meios digitais, bem como as pesquisas necessárias para o
desenvolvimento dos objetos dos concursos.
Entre os concursos em que os estudantes participaram está o evento promovido pelo
Centro Brasileiro de Construção em Aço, do Design for Living do Instituto de
Desenvolvimento Avançado em Arquitetura - IAAC de Barcelona, Espanha e do Concurso
Promovido pelo Laboratório Plasma, para a criação de um Parklet como um espaço de
convívio junto ao seu edifício. Nestes concursos foi promovida a integração entre
estudantes e professores de outros cursos, ampliando o repertório de soluções diante
de cada um dos problemas propostos. No caso do concurso do CBCA, os estudantes
contaram com apoio de uma professora do curso de Engenharia Civil para definição do
sistema estrutural metálico. Por sua vez, no Design for Living, além de estudantes e
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

professores do curso de Arquitetura e Urbanismo, a equipe foi composta por estudantes


de Engenharia Agronômica, contemplando a definição de uma horta junto a moradia
proposta já que o objetivo do concurso era refletir sobre a forma como habitaremos as
cidades e outros espaços no contexto que se apresenta durante e pós pandemia. Por
sua vez, no concurso do Parklet do Plasma – Unicamp, o edital requeria a integração
entre cursos o que se tornou fundamental considerando o uso da energia solar para
alimentação dos pontos elétricos do Parklet. Assim, participaram do projeto estudantes
de Arquitetura e Urbanismo e de Engenharia Elétrica.
Os estudantes também foram incentivados a participar das práticas de
internacionalização como meio de manter o incentivo aos estudantes em
internacionalização foi promovido o programa “Academia and Society - Collaboration
Across Borders: A Virtual Exchange Program”, projeto em parceria entre o DRI Facens,
Instituto de Línguas CCBEU e New York Institute of Technology (NYTech). No módulo 1,
os estudantes tiveram a oportunidade de explorar o contexto de negócios, suas
melhores práticas, diferenças culturais e gestão de conflitos no Brasil, EUA e outras
regiões em 8 encontros síncronos. No módulo 2, ocorreu a "Global Business Students
Competition", que reuniu estudantes com líderes empresariais a fim de resolver
problemas de negócios do mundo real. O desafio foi desenvolvido em parceria com as
empresas Apex Tools Group e Emicol. Resultando na premiação de uma equipe
multidisciplinar composta por dois estudantes de Arquitetura e Urbanismo dentre 12
equipes inscritas para o case da Emicol. No total, 30 equipes, com a participação de 106
estudantes, sendo 58 brasileiros, 34 chineses, 6 estadunidenses, 3 indianos, 1 argentino,
1 australiano, 1 birmanês, 1 filipino e 1 indiano.
Além dos concursos e programas de internacionalização, eventos tradicionais foram
adaptados a plataformas digitais com ferramentas como Zoom, Discord, Youtube e
recursos como a gameficação. Tais eventos foram realizados em um intervalo entre as
avaliações continuadas das disciplinas e as avaliações finais, tendo a finalidade de
propiciar aos estudantes de todos os cursos um momento de reflexão e aplicação dos
saberes construídos ao longo dos semestres na solução de problemas – no caso do
Plugin: Competições – ou para debates sobre novos temas – no caso do Plugin:
inovações. Deve-se destacar que as competições incentivam o estabelecimento de
equipes compostas por estudantes de diferentes cursos. Na última edição as equipes
formadas foram compostas por 40% dos estudantes da Arquitetura e Urbanismo e 60%
de outros cursos de Engenharia como Civil, Computação, Produção e Mecatrônica.
Consideramos esses eventos positivos não apenas pela prática dos saberes, mas
também pela socialização entre os estudantes, tão rica em meio presencial, mas que foi
possível estabelecer em meio digital/virtual.
Na Facens, os estudantes têm a oportunidade de praticarem e demonstrarem as suas
competências técnicas e socioemocionais participando de competições. Durante o ano
de 2020, uma competição visou o projeto de um pocket park com a finalidade de
proporcionar experiências capazes de identificar o comportamento dos usuários e
influenciar seu comportamento a ponto de estimular uma real mudança em prol de sua
saúde e dos demais usuários do espaço. Este problema foi motivado pela pandemia da
Covid-19, que aumentou as discussões acerca da qualidade dos espaços públicos e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 141

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novos modos de uso destes espaços, considerando as restrições preconizadas pela


Organização Mundial da Saúde. Em outra competição, os participantes tiveram que
projetar uma Playhouse com a finalidade de proporcionar experiências capazes de
inspirar a brincadeira de faz de conta estimulando o desenvolvimento socioemocional
das crianças através da imaginação. As competições auxiliam na complementação e
consolidação do conhecimento do estudante. Neste ano, as equipes formadas foram
compostas por 40% dos estudantes da Arquitetura e Urbanismo e 60% de outros cursos
de Engenharia como Civil, Computação, Produção e Mecatrônica, salientando a
proposta de integração entre estudantes de diferentes cursos.
Entre as oportunidades emergentes neste período esteve a realização de uma Mostra
de Projetos Virtual, que como o próprio nome apresenta, conformou-se em um
encontro virtual entre os estudantes, de todos os semestres, simultaneamente. Ao final
de cada um dos três semestres de ensino remoto foi possível unir todos os estudantes
do curso, compartilhando os projetos realizados no semestre. Nesse momento o
contato entre eles permitiu que se conhecessem - já que não tínhamos mais os
encontros de corredores e outras formas de contato - além de conhecer os desafios que
estão por vir nos anos à frente. Ao final, foram publicados e-books que ilustram os
trabalhos desenvolvidos pelos estudantes, valorizando as conquistas semestrais.

TRILHAS SOCIEMOCIONAIS
Os desafios socioemocionais enfrentados durante o período de isolamento social,
dificultaram o ensino e até mesmo a criação de vínculos com os estudantes ingressantes,
sensibilizando-os a pensarem como se sentiam face as novas condições impostas pela
pandemia. Dessa forma, o Laboratório ENLACE, foi desenvolvido pela instituição com
objetivo de sensibilizar a comunidade a reconhecer, despertar e desenvolver as
habilidades sociais e emocionais dos indivíduos, revelando oportunidades para seu bem-
estar e motivação durante a vida acadêmica, fortalecendo seus propósitos pessoais. O
ENLACE utiliza como referência o modelo dos Cinco Grandes Fatores (CFG), o Big Five,
em uma estrutura de 15 competências: Autoconfiança, Determinação, Persistência,
Organização, Foco, Responsabilidade, Iniciativa social, Assertividade, Entusiasmo,
Empatia, Respeito, Confiança, Cuidado, Curiosidade para aprender, Imaginação criativa,
Interesse artístico.
Durante o primeiro semestre de 2021, foi desenvolvida uma prática pedagógica
humanizadora para os alunos e professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo,
através de Trilhas Socioemocionais. A metodologia parte do diagnóstico socioemocional
aplicado entre os alunos e professores cujos resultados permitiram a seleção das trilhas
para cada um dos semestres. Foram realizados encontros síncronos de 1 hora com
alunos em parceria com os professores (intervenções reflexivas) e vivências no Canvas.
A fim de criar uma linguagem gráfica atraente e tratar o processo de desenvolvimento
das habilidades socioemocionais como uma jornada, foi criado um traçado de cinco
linhas de metrô visando relacioná-las com as competências principais da Facens:
Compaixão, Internacionalização, Empreendedorismo e Liderança, Sustentabilidade e
Inovação. Cada tema possuía estações de parada para reflexão, nas quais algumas das
linhas se cruzam para o desenvolvimento de habilidades específicas. Com isso, foi
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 142

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

possível engajar 115 alunos (67% do corpo discente) e 15 docentes.


Partiu-se do diagnóstico de cada turma e do corpo docente, no qual cada pessoa pôde
se conhecer e reconhecer como gestores de seu tempo, dos seus desafios, com apoio
psicopedagógico oferecido pela Instituição. Para a aplicação das trilhas, os estudantes
foram submetidos a um questionário avaliativo que deu diretrizes para o Enlace
elaborar trilhas específicas para cada um dos semestres e para o colegiado. Dessa forma,
o 1º semestre teve atividades relativas à Autoconfiança, Cuidado, Determinação,
Empatia e Imaginação criativa; o 3º semestre, Autoconfiança, Cuidado, Determinação,
Empatia e Estética; o 5º semestre sobre Autoconfiança e Empatia; e o 7º semestre
Autoconfiança, Entusiasmo e Foco. Além dos estudantes, o corpo docente do curso
também recebeu atividades relativas aos temas de Autoconfiança, Cuidado, Entusiasmo
e Empatia. Como resultados das trilhas, identificou-se que a Autoconfiança e a Confiança
foram habilidades que obtiveram menor índice, sendo escolhidas como tema para as
intervenções nas aulas síncronas com a participação de estudantes, professores e
organizadores do Enlace.

5 CONCLUSÃO OU CONSIDERAÇÕES
A pandemia da Covid-19 trouxe inúmeros desafios ao processo de ensinagem, mas
também trouxe inúmeras oportunidades de inovação e ressignificação das estratégias
pedagógicas interdisciplinares de ensino, pesquisa e extensão no curso de Arquitetura
e Urbanismo. De um lado, os estudantes enfrentaram desafios como a distância e as
consequências socioemocionais dos estudantes. Para aqueles que não enfrentaram
dificuldades – e foram muitas de ordem emocional, psicológica, financeira – e se
envolveram por inteiro no processo de aprendizagem. Por outro, identificou-se o
desenvolvimento e o avanço das habilidades digitais, as quais dificilmente seriam
conquistadas no contexto exclusivo presencial.
No ensino, uma das principais dificuldades foi a identificação do rendimento dos alunos
e sua participação de maneira remota. Para sanar este problema, o colegiado de
professores desenvolveu avaliações em grupo e individuais. Dessa forma, foi possível
identificar os alunos que necessitavam de maior acompanhamento e apoio diante da
aprendizagem autogerida em sua casa. Na correção dos trabalhos, quando os
estudantes optaram pelo desenvolvimento de trabalhos manuais considerou-se como
desafio a transmissão do trabalho pelos meios digitais. A baixa resolução e qualidade
das imagens enviadas muitas vezes dificultaram o processo de avaliação dos trabalhos.
Um dos aspectos que chamou atenção foi o alcance do engajamento nas trilhas
socioemocionais dos alunos por semestre. Ainda que as dinâmicas realizadas em aula
tivessem a participação significativa dos alunos, nas trilhas socioemocionais apenas 10%
do 1o semestre e 7% dos estudantes do 5o semestre avançaram na prática da proposta.
O semestre com maior participação foi o 3o, com 19% dos estudantes, enquanto o 7o
semestre não seguiu nenhuma trilha. Entende-se aqui que para aqueles estudantes
estão em fase mais avançada do curso, que trabalham e cursam o estágio obrigatório,
as atividades ficaram fora da lista de prioridades.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 143

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

As trilhas socioemocionais, que surgiram como necessidade e oportunidade, serão


desenvolvidas continuamente no curso. Ela se fundamenta na Carta da UIA/UNESCO, na
qual explora a necessidade de os estudantes formados em Arquitetura terem, para além
da capacidade de "conceber, projetar, entender e realizar o ato de construção",
equilibrar as tensões entre "emoção, a razão e a intuição". Sendo assim, cremos na
formação dos nossos estudantes como indivíduos completos, com habilidades e
competências para além daquelas requeridas tecnicamente pela profissão.
Fazendo um comparativo entre o perfil do curso, que se propôs antes da pandemia,
pode-se confirmar que houve uma continuidade às atividades pretendidas, mesmo
sendo necessário realizar ajustes para o meio virtual e digital, devido às condições
impostas pelo momento vivido. Porém, é inegável que identificamos algumas lacunas
nesse período vivenciado como a ausência das visitas técnicas e viagens de estudo, que
seguem sendo insubstituíveis. Outro aspecto insubstituível foi a visita às áreas de
projeto e a realização de atividades nas quais o método participativo era requerido.
Mesmo com o uso dos formulários para pesquisa em algumas ocasiões, sabe-se que a
vivência com os agentes do processo de projeto é imprescindível. No âmbito de garantir
a interdisciplinaridade não houve prejuízo, pois foi possível desenvolver os objetivos e
caminhos das disciplinas de forma coerente, como aconteceria presencialmente.
Entre perdas e ganhos, acreditamos que os desafios ocasionados pela pandemia ainda
serão visíveis por muito tempo. Ao mesmo tempo, os avanços conquistados
permanecerão, lançando bases para diferentes oportunidades e estratégias para o
ensino-aprendizagem da arquitetura e urbanismo.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os estudantes, professores, coordenação e omitido para revisão
pelo incentivo e apoio.

REFERÊNCIAS
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para estratégias de trabalho em aula. Joinville: Editora Univille e ABEU Associação Brasileira de Editoras
Universitárias, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro
Gráfico, 1988.
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Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez 1996.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. Resolução no 2, de 17 de Junho de 2010 –
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, alterando
dispositivos da Resolução CNE/CNS no 6/2006. 2010a.
BRASIL. LEI Nº 12.378, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2010 - Regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo; cria o
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e
do Distrito Federal - CAUs; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 dez 2010b.
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Editora Companhia das Letras, 1990.
CELANI, G. COLABORAÇÃO REMOTA NO PROJETO DE ARQUITETURA E URBANISMO EM UM CONTEXTO DE
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ISOLAMENTO SOCIAL. Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 6, n. 1, p. 163-167, 25 jan. 2021.
GIL, A. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2009.
MORIN, Edgar. Desafios da transdisciplinaridade e da complexidade. Inovação e interdisciplinaridade na
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MONTEIRO, A. M. R. DE G. ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO À DISTÂNCIA, REMOTO, HÍBRIDO. Revista
Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 6, n. 1, p. 157-162, 25 jan. 2021.
SÃO PAULO. DECRETO Nº 64.881, DE 22 DE MARÇO DE 2020. Decreta quarentena no Estado de São Paulo, no contexto
da pandemia do COVID-19 (Novo Coronavírus), e dá providências complementares. Diário Oficial do Estado de São
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UIA/UNESCO. Carta para Educação dos Arquitetos. Tradução Luis Augusto Contier. Consultado em 30 de Junho de
2020. Disponível em http://www.abea-arq.org.br/?page_id=304.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 145

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Uma nova agenda para o ensino de Arquitetura e Urbanismo no


Brasil

Carlos Eduardo NUNES-FERREIRA


FAU-UFRJ; carlos.ferreira@fau.ufrj.br

RESUMO
O ensino de Arquitetura e Urbanismo passa por transformações graduais que refletem uma nova visão
sobre a área de conhecimento que tem sido impulsionada pelos estudantes, na escolha de temas de
Trabalho de Final de Graduação, para citar um exemplo; por alguns docentes, na maneira de apresentar
os temas de análise e estudos de caso nas disciplinas de Projeto; e em diversos projetos de pesquisa e
extensão. Este novo olhar, que teve início na academia, já ganhou terreno no mainstream internacional
em algumas de suas referências conceituais mais fortes como o Prêmio Pritzker, a Bienal de Arquitetura
de Veneza e a UIA. Este artigo pretende identificar os temas principais desta nova visão a fim de chamar a
atenção dos professores para sua prática atual, assim como para os membros de núcleos docentes
estruturantes e coordenadores de curso no sentido de debaterem a possibilidade de inserção de alguns
dos temas aqui tratados nos seus respectivos projetos pedagógicos de curso.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Superior, Arquitetura e Urbanismo; Inovação, Boas Práticas de Ensino.

1 INTRODUÇÃO
As mudanças no pensamento predominante de Arquitetura e Urbanismo são
comumente sintetizadas em projetos visionários, publicações ou edifícios marcantes.
Foi assim com os desenhos para a Ville Contemporaine (1922) de Le Corbusier e as
pinturas de Zaha Hadid para The Peak (1982); as primeiras edições de Complexidade e
Contradição em Arquitetura (1966), de Robert Venturi, e Morte e vida das grandes
cidades (1961), de Jane Jacobs; assim como o Palácio Capanema (1935-1945), de Lucio
Costa, Oscar Niemeyer, Burle-Marx e Le Corbusier, entre outros, e o Museu Guggenheim
Bilbao (1997) de Frank Gehry.
Mas há mudanças que se insinuam de forma difusa, coletiva e sutil até alcançarem
algum reconhecimento mais amplo. Este parece ser o caso da nova agenda para o Ensino
de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, que pode ser resumida na palavra preexistência,
com seus diferentes desdobramentos, e no conceito de decolonialidade aplicado à
arquitetura e ao urbanismo. Ambos estão refletidos no renovado interesse de
estudantes pela arquitetura vernacular e pela bioconstrução, assim como na produção
acadêmica cada vez mais numerosa de projetos de graduação com o tema da habitação
de interesse social. Este movimento tem rebatimentos na prática profissional e se viu
refletido, este ano, em três marcos extremamente significativos: o Prêmio Pritzker, a
Bienal de Veneza e o Congresso Mundial da União Internacional de Arquitetos.
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

2 EDUCAÇÃO SUPERIOR: UM CONCEITO PLURAL


Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei nº
9.394 de 20/12/1996), a educação superior no Brasil não pode ser analisada como se
fosse um setor monolítico. Em seu Artigo 45, a LDB estabelece que “a educação superior
será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados
graus de abrangência ou especialização”. A autonomia universitária assegura a cada
instituição de educação superior (IES) “fixar os currículos de seus cursos”. Isto explica,
em boa parte, porque, apenas no Estado do Rio de Janeiro, existem cursos de
Arquitetura e Urbanismo em cinco IES públicas com projetos pedagógicos de curso (PPC)
bastante distintos (Brasil, 1996).
As IES privadas podem ser administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito
privado, com ou sem fins lucrativos. As faculdades, os centros universitários e as
universidades privadas com fins lucrativos são administrados por sociedades anônimas,
de capital fechado ou aberto (com ações na bolsa de valores), e podem fazer parte de
grupos locais, familiares, regionais, nacionais ou multinacionais com recursos de
investidores estrangeiros. As mantenedoras privadas sem finalidade de lucro se dividem
em comunitárias, confessionais e filantrópicas (MRE, 2021).
A LDB também criou as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) que definem habilidades,
competências e conteúdos imprescindíveis à formação do futuro profissional. O grande
salto qualitativo das DCN em relação ao antigo currículo mínimo foi permitir que cada
curso possa estabelecer uma estrutura curricular própria, com matérias e disciplinas de
diferentes denominações e recortes. E aí residem dois desafios conflitantes. Do ponto
de vista da regulação: garantir ao estudante a formação mínima indispensável para o
exercício da profissão e, ao mesmo tempo, estimular a inovação em um país com a
dimensão e a diversidade do Brasil. Do ponto de vista do PPC: equacionar o caráter
generalista da graduação com a necessidade de conhecimentos especializados em
diversas áreas como o cálculo estrutural, a arquitetura da paisagem e a restauração do
patrimônio, para citar apenas algumas. Por outro lado, a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão preconizada na LDB pode auxiliar na aproximação entre a teoria e
a prática. A curricularização da extensão prevista na meta 12.7 do Plano Nacional da
Educação também cria grandes oportunidades para isso (Brasil, 2014).
O PPC exerce verdadeiramente sua autonomia ao estabelecer o elemento principal
desta construção que, a meu ver, é o perfil do egresso - expressão que significa,
basicamente, qual arquiteto(a) e urbanista aquele curso pretende formar. A nova
agenda parece exigir transformações significativas no perfil do egresso, na estrutura
curricular e no projeto pedagógico dos cursos de arquitetura e urbanismo do Brasil.

3 PANDEMIA E ENSINO: EXPECTATIVA E REALIDADE


Os efeitos da pandemia para a arquitetura e o urbanismo têm aspectos qualitativos,
sociais e urbanos. Afinal, espaços saudáveis e flexíveis exigem melhores projetos. Casas
incorporaram as funções de escritórios, creches, salas de aula, academia, bar,
restaurante etc. Do ponto de vista social, evidenciou-se a insustentável lógica territorial
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 147

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

em que o vencedor leva tudo no que diz respeito a infraestrutura, mobilidade e toda
sorte de serviços. Já o modelo da urbanização dispersa foi ressuscitado pelas classes
privilegiadas, com famílias se mudando para condomínios distantes ou cidades do
interior, pois grande parte do trabalho exclusivamente intelectual pode ser feita
remotamente.
Trabalho remoto nos remete ao ensino remoto. O termo foi amplamente difundido
como uma diferenciação metodológica em relação à Educação à Distância (EaD), mas
ambos dependem de uma mediação eletrônica das atividades de ensino e
aprendizagem. Falou-se muito na aceleração de uma mudança já em curso, que a
pandemia teria apenas precipitado, no sentido da ampliação da EaD. Contudo, o ensino
integralmente remoto acabou se provando fundamentalmente inadequado para
Arquitetura e Urbanismo. Evidenciou, por exemplo, como a presencialidade no espaço
urbano é essencial, a despeito dos inestimáveis recursos pedagógicos de programas
como Google Earth e afins. Na verdade, o ensino remoto atuou em dois sentidos
opostos. Houve certo maravilhamento pelas tecnologias digitais, como o BIM, ao mesmo
tempo em que os estudantes intensificaram seu interesse pelas técnicas tradicionais de
construção (da arquitetura indígena e da arquitetura vernacular), pela bioconstrução e
pela biofilia na arquitetura, entre outros conceitos cada vez mais presentes nos
trabalhos acadêmicos. Foi acionado, também, um sinal de alerta que nos fez repensar
como o ensino já vinha se distanciando da materialidade, da tectônica e da experiência
na obra tão fundamentais para o processo de formação dos futuros profissionais.

4 PATRIMÔNIO E EMERGÊNCIA CLIMÁTICA


Os debates sobre o Patrimônio têm-se dado em um novo contexto que vai além do valor
histórico, material ou imaterial, daquilo que mereça ser preservado. A Carta de Veneza
falava em uma certa mensagem espiritual do passado (IPHAN, 2021). Hoje, também o
futuro parece nos enviar recados acerca de nossa própria sobrevivência.
Em tempos de emergência climática, preservar pode significar uma redução significativa
de emissões de gás carbônico (CO²) e, ao mesmo tempo, uma nova ética profissional.
Afinal, toda e qualquer demolição implica em produção, transporte e descarte de
resíduos sólidos (entulho), assim como uma nova construção equivale à produção e ao
transporte de novo material. Tudo isso é extremamente danoso para o meio ambiente
e pode ser evitado com a preservação e a reutilização da construção original. Por outro
lado, toda edificação é resultado de algum empenho intelectual, físico, financeiro,
pessoal ou social. Neste sentido, seja do ponto de vista pragmático ou ético, econômico
ou ecológico, toda demolição e toda nova construção devem ser evitados. Além disso, a
ONU lançou, em 2015, 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda
2030, que estabelece metas socioambientais a serem atingidas até o final desta década.
O ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis) tem como objetivo principal “tornar as
cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”
(Agenda 2030, 2021). A nova agenda para o ensino está ligada diretamente ao ODS 11,
mas pode encontrar relação com todos os demais. Há casos de IES que incorporaram os
ODS ao seu Projeto Pedagógico Institucional, como a Universidade Veiga de Almeida.
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Atualmente, parece haver um encantamento e uma consciência crescentes da


importância do Patrimônio por parte de alunos e professores. Os trabalhos finais de
graduação (TFG) com esta temática, que eram relativamente raros até bem pouco
tempo, têm crescido em quantidade e qualidade nos últimos anos. Entretanto, a análise
dos projetos pedagógicos dos cursos em oferta no país revela que existe uma parcela
relativamente pequena da carga horária dedicada à matéria dentro das matrizes
curriculares e uma fragmentação entre a teoria, o projeto e as técnicas de restauração,
para as quais a estrutura de laboratórios específicos é, geralmente, insuficiente. Alguns
cursos têm apenas aulas teóricas. E há matrizes que situam o Patrimônio na sequência
de Projetos de Arquitetura. Neste contexto, as melhores experiências parecem ser
aquelas de caráter transversal multidisciplinar, em que as preexistências são
consideradas como chave de todo e qualquer partido arquitetônico a ser desenvolvido
pelos estudantes.
Incialmente, a denominação Técnicas Retrospectivas representou uma conquista, mas
terminou por induzir a uma compreensão restritiva da matéria. Por isso, na proposta de
DCN debatida no Congresso Nacional da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura
(CONABEA) de 2019, lê-se que:
Os conteúdos de Teoria, Projeto e Técnicas de Restauro e Conservação do
Patrimônio Cultural compreendem o entendimento dos processos de
constituição e preservação da memória, o conjunto organizado dos
conhecimentos científicos, empíricos e intuitivos relativos ao patrimônio
cultural, o domínio de metodologias, técnicas e tecnologias para a
preservação, conservação restauração, reconstrução, reabilitação,
revalorização, requalificação e reutilização de edifícios, conjuntos edificados,
ruínas, conjuntos paisagísticos, paisagens, sítios urbanos, cidades e regiões.
(ABEA, 2019)

Mudanças no Ensino podem, sim, ocorrer para além dos processos de evolução
curricular ou mudanças nas DCN. Muitas vezes, são os alunos que provocam tais
transformações. Um concurso promovido recentemente pela ABEA revelou que a visão
dos estudantes sobre o patrimônio cultural tem se ampliado da tradição europeia para
incluir também a participação indígena e a contribuição africana. O concurso se chamava
exatamente Novos Olhares e foi criado para mostrar à sociedade, por meio das redes
sociais, que o Ensino tem evoluído acompanhando as pautas da sociedade.

5 DECOLONALIDADE, VERNÁCULO, BIOARQUITETURA E HABITAÇÃO


SOCIAL
Embora o debate acadêmico sobre os efeitos epistêmicos da colonização tenha origem
no século passado, o termo decolonialidade ganhou impulso nos primeiros anos do
século XXI. Em uma perspectiva específica do campo de Arquitetura e Urbanismo no
Brasil, grosso modo, a decolonialidade implica em dar visibilidade ao legado dos povos
originários e afrodescendentes (diáspora africana), assim como estabelecer
interlocuções com a América Latina e a África.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 149

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Colonização e industrialização são processos historicamente interligados. Afinal, as


colônias a que nos referimos foram subalternizadas pelas nações europeias
industrializadas. Por isso, combater o legado de uma significa, em alguma medida,
questionar alguns resultados da outra. A busca por métodos construtivos que utilizem
material local, como o hiperadobe, em detrimento do uso de material industrializado,
como os blocos de concreto, é um exemplo simples da pauta da nova agenda que tem
sido trazida ao debate pelos estudantes e pouco aparece nos planos de ensino.
Exceção também são os conteúdos que deslocam a produção de projetos da cidade
formal para as zonas de especial interesse social (ZEIS) - como é o caso da disciplina
Áreas Periféricas, do IBMR. Considerando-se que o percentual de assentamentos
informais nas grandes cidades brasileiras varia de 20% a 40% (Maricato, 2018), seria de
se esperar um percentual equivalente de disciplinas de Projeto dedicadas ao tema. Mais
uma vez, a nova agenda tem sido impulsionada, principalmente, pelos estudantes. O
TFG é, na maioria das estruturas curriculares vigentes, o único momento em que o(a)
aluno(a) pode escolher o tema do projeto que irá desenvolver. E, cada vez mais,
formandos decidem trabalhar com o tema da Habitação de Interesse Social (HIS) no TFG.

6 PRÊMIO PRITZKER, BIENAL DE VENEZA E UIA: A NOVA AGENDA OFICIAL


O aspecto antissistêmico da nova agenda não significa que ela não tenha o endosso do
establishment internacional. Na última edição do Prêmio Pritzker, os laureados foram
Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal. O parecer do Júri ressaltou que eles demonstraram
que “o compromisso com uma arquitetura restauradora, que é, ao mesmo tempo,
tecnológica, inovadora e ecologicamente responsável pode ser perseguido sem
nostalgia”. A dupla francesa também foi enaltecida por seguir um princípio que pode
sintetizar o espírito da nova agenda: “observar e encontrar valor naquilo que já existe”.
Anne Lacaton considera qualquer demolição “um desperdício de energia, um
desperdício de material e um desperdício de história. Além disso, tem um impacto social
muito negativo. Para nós, é um ato de violência” (Pritzker, 2021).
Uma declaração do arquiteto Wael Al Awar, vencedor do Leão de Ouro da 17ª Bienal de
Arquitetura de Veneza, aponta nessa mesma direção: “a arquitetura vernacular do
futuro pode vir a ser produzida com nossos resíduos industriais”. (Harrouk, 2021)
O pavilhão dos Emirados Árabes Unidos, projetado por Awar e Teramoto, ganhou
destaque porque exibia a utilização do sal marinho como alternativa ao cimento como
material de construção. Os países do Conselho de Cooperação do Golfo produzem este
resíduo em quantidade devido ao processo de dessalinização da água, utilizado em
grande escala na região. O objetivo final da pesquisa é desenvolver habitações
sustentáveis, pois o processo de solidificação do material desenvolvido só é possível pela
absorção de CO². (Harrouk, 2021)
Este trabalho levanta uma questão muito simples. (...) O cimento é
responsável por 8% das emissões de carbono. Mas quais são os impactos da
arquitetura atual na produção do espaço? Para onde foram a cultura e a
identidade? Como podemos trazer de volta a relação do arquiteto com o
edifício e com o material? Na arquitetura vernacular, o arquiteto encontra
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

uma peça de madeira e faz uso daquele pedaço de madeira no seu formato
natural e com as suas propriedades. Hoje o cimento me permite projetar um
edifício, enviar os desenhos para qualquer parte do mundo e ele é construído.
Eu não preciso ir até o terreno. A relação com o material acabou. A relação
com o local acabou. Wael Al Awar (Harrouk, 2021)
Se o Prêmio Pritzker endossou a nova sensibilidade para as preexistências, a Bienalle
catapultou a arquitetura vernacular do passado para o futuro. Ambos contribuem,
assim, para uma revisão urgente dos processos de concepção e execução da Arquitetura
do nosso tempo.
O 27º Congresso Mundial da União Internacional de Arquitetos (UIA2021RIO),
apresentou uma visão de Arquitetura e Urbanismo inclusiva, comunitária, decolonial e
humana. Tiveram destaque as experiências de países periféricos como Bangladesh,
Burkina-Faso, Indonésia, México ou Paraguai e países emergentes como Índia, China e
Brasil naturalmente. No UIA2021RIO, a arquitetura espetacular cedeu espaço para a
arquitetura vernacular e a palavra mais pronunciada pelos palestrantes foi:
comunidade.
O Congresso da UIA, que aconteceria na cidade do Rio de Janeiro em julho de 2020,
precisou ser transferido para 2021 e foi realizado por meio de plataformas digitais. De
qualquer forma, as conclusões dos debates e conferências foram reunidas em um
documento síntese que recebeu o nome da cidade-sede. A Carta do Rio apresenta
trechos inteiros que nos remetem a diversas pautas da nova agenda para a arquitetura
e o urbanismo do século XXI:
Não há uma só forma urbana, assim como não existe uma só cultura. É preciso
reconhecer as diversas formas de produção das cidades, incluindo as favelas
e periferias. (...)
É urgente modificar as bases conceituais e práticas do planejamento, do
urbanismo e da arquitetura, de modo a abarcar ações e processos que
respondam às demandas dos grupos mais vulneráveis, integrando questões
de renda, gênero e sexualidade, raça, das culturas tradicionais e dos
imigrantes. (...)
É preciso promover a implementação de políticas públicas integradas e
democráticas que garantam o direito à cidade a toda sociedade, valorizem o
patrimônio histórico e cultural, reconheçam as preexistências e preservem o
ambiente para gerações futuras. (...)
O conhecimento técnico dos arquitetos e urbanistas deve dialogar e
compartilhar com o saber popular (...).
A Arquitetura deve ser provida a partir de materiais locais, evitando
desperdícios de recursos, valorizando a qualificação da mão de obra local, os
saberes, os costumes e a cultura das comunidades e diversidades de climas.
(UIA2021RIO, 2021)

7 CONCLUSÃO
A ideia de que somente é belo o que é novo e jovem envenena nossas relações
com o passado e com o nosso próprio futuro. Impede-nos de compreender
nossas raízes e as maiores obras de nossa cultura e das outras culturas. Faz-
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 151

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

nos também recear o que está à nossa frente e leva muita gente a fugir da
realidade.
Walter Kaufmann, O tempo é um artista (Rónai, 1985)

Os diferentes temas da Arquitetura e do Urbanismo do século XXI estão imbricados com


movimentos sociais e culturais anti-hegemônicos que ocorrem simultaneamente em
diferentes áreas como a Moda, a Publicidade e a Psicanálise. E a Universidade é o lócus
privilegiado para este encontro de saberes interdisciplinares. Por isso é tão importante
definir os temas da nova agenda para o Ensino de Arquitetura e Urbanismo: (i) o olhar
ampliado do Patrimônio, que deriva da análise ambientalista de toda preexistência; (ii)
a disseminação do conceito de decolonialidade; (iii) o resgate da arquitetura vernacular
como abordagem teórica e prática; (iv) o estudo de técnicas construtivas tradicionais
dos povos originários e o resgate de práticas pré-industriais; e (v) o renascimento do
papel social da Arquitetura, renovado sob a égide da ATHIS (Assistência Técnica para
Habitação de Interesse Social).
A nova agenda pode ser um instrumento de reparação histórica, conciliação epistêmica
e atualização dos projetos pedagógicos de curso. Entre algumas propostas, poderíamos
citar: valorizar as renovações de uso em estruturas existentes em vez de propor
majoritariamente intervenções de Projeto em terrenos vazios; promover a
sustentabilidade sobre a novidade, de modo que a preservação se torne a verdadeira
inovação; articular defesa do Patrimônio cultural, responsabilidade social e
compromisso ambiental; ressignificar Paisagem como “um grande articulador de temas”
(Schenck, 2008): edificação, cidade, natureza, cultura, público, privado etc.; privilegiar
local a global, consuetudinário a dogmático, identitário a genérico; instrumentalizar o(a)
estudante para que ele(a) seja capaz de trabalhar tanto com a alta quanto com a baixa
tecnologia, projetar tanto para a cidade formal quanto para a cidade informal, sempre
de maneira igualmente inovadora, competente e responsável.
Os temas abordados são matizes de um movimento antissistêmico crescente, com
dimensão social, política, econômica e cultural. Por tudo isso, torna-se inescapável,
desejável e urgente debater o impacto desta nova agenda para a produção
arquitetônica e para a construção de cidades, mas, principalmente, analisar a sua
implantação no Ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil e a sua repercussão na
formação dos(as) futuros(as) arquitetos(as) e urbanistas brasileiros(as).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABEA Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo. Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Arquitetura e Urbanismo. In: Anais: XXXVII ENSEA / XX CONABEA. Desafios no ensino de arquitetura e
urbanismo no século XXI. Rio de Janeiro: ABEA, 2019, p. 24-25.
AGENDA 2030. Plataforma Agenda 2030. Disponível em: <http://www.agenda2030.org.br/ods/11/>. Acesso em: 10
set. 2021.
BRASIL. Presidência da República. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em: 6 set. 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 152

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional da Educação, Lei nº 13.005/2014. Disponível em:
<http://pne.mec.gov.br> Acesso em: 12 set. 2021.
HADID, Z. Zaha Hadid: the complete buildings and projects. Londres: Thames and Hudson, 1998.
HARROUK, C.UAE / Wetland Wins the Golden Lion for Best National Participation at the 2021 Venice Biennale.
Archdaily, 30 ago. 2021. Disponível em: <https://www.archdaily.com/967667>. Acesso em: 6 set. 2021.
IPHAN. Carta de Veneza de maio de 1964. Disponível em: <http:www.iphan.gov.br>. Acesso em: 12 set. 2021.
JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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MARICATO, E. Favelas: um universo gigantesco e desconhecido. LABHAB/FAU-USP, 11 jan. 2018. Disponível em:
<https://labhab.fau.usp.br>. Acesso em: 8 set. 2021.
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<http://dce.mre.gov.br>. Acesso em: 10 set. 2021.
PRITZKER. Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal 2021 Laureates. The Pritzker Architectural Prize. Disponível em:
<https://www.pritzkerprize.com >. Acesso em: 7 set. 2021.
REICHOLD, K.; GRAF, B. Buildings that changed the world. Munique: Prestel, 1999.
RÓNAI, P. Dicionário universal Nova Fronteira de citações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SCHENK, L. Arquitetura da paisagem: entre o Pinturesco, Olmsted e o Moderno. São Carlos: USP, 2008. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo,
2008.
SEGRE, R. Ministério da Educação e Saúde: ícone urbano da modernidade brasileira. São Paulo: Romano Guerra
Editora, 2013.
UIA2021RIO. Carta do Rio. Disponível em: <https://www.uia2021rio.archi/wp-content/uploads/UIA2021RIO-
CARTA-DO-RIO.pdf>. Acesso em 12 set. 2021.
VENTURI, R. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 153

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Ensino de Arquitetura e Urbanismo em tempos de pandemia:


revisão sistemática de literatura

Jenifer Godoy DALTROZO


Universidade Federal do Rio Grande do Sul; jegodoy.arq@gmail.com
Betina Tschiedel MARTAU
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; betina.martau@ufrgs.br

RESUMO
As reflexões acerca do ensino de arquitetura e urbanismo em seu modo, forma e lugar nunca geraram
tantas reflexões promovidas por meio de discussões digitais como lives, reuniões e artigos em um curto
espaço de tempo. A pandemia do Covid-19 transformou de forma abrupta - a partir de março de 2020 - o
modo de se comunicar e gerar conhecimento em todos os pontos do planeta. Com isso, esse estudo busca
analisar quais foram os principais impactos no processo de ensino aprendizagem de arquitetura
identificados nas publicações da área. Como método foi empregado a revisão sistemática da literatura
utilizando as bases de dados da SCOPUS e SCIENCE DIRECT. A partir de palavras-chave como “ensino de
arquitetura”, “pandemia”, “ensino remoto de arquitetura” e “estratégias de ensino de arquitetura” foram
selecionados 21 artigos nacionais e internacionais. Os resultados apontaram que houve uma aceleração
do processo de informatização e emprego das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs).
Ainda é cedo para definir o que esse período impactará nas futuras gerações de arquitetos, no entanto o
que se sabe até o momento é que muitas dessas inovações emergenciais permanecerão, o que torna
crucial a discussão de novas propostas de ensino nas escolas de arquitetura e urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: Estratégias de ensino; Arquitetura; Pandemia; Ensino remoto de arquitetura.

1 INTRODUÇÃO
A qualidade do ensino no Brasil nos últimos dois anos após o início da pandemia regrediu
consideravelmente. É o que divulgou a pesquisa intitulada “Resposta Educacional à
Pandemia de Covid-19 no Brasil” realizada pelo Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa
(INEP) e noticiada por meio da Agência do Senado Federal. Nos cursos de arquitetura e
urbanismo não foi diferente, onde as modalidades de ensino remoto precisaram se
desenvolver de forma emergencial. Apesar de a maioria das escolas privadas de ensino
de arquitetura já terem retornado ao chamado “ensino híbrido”, isto é, com algumas
atividades presenciais, sabe-se que muitas das instituições federais se preparam para
iniciar o terceiro ano de forma online. Importante pontuar aqui as diferenças do Ensino
Remoto e do Ensino a Distância (EAD), que embora ambos utilizem as chamadas TDICs
(Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação), o planejamento do
desenvolvimento da aprendizagem e suas relações configuram-se distintamente.
Segundo MORENO e VILLALBA (2018) o reconhecimento do nosso ambiente e o estudo
das relações entre os sistemas que o conforma (físico ou humano), constrói e transforma
nosso conhecimento e a maneira como nos comportamos individualmente e
coletivamente. Ou seja, relacionar a aprendizagem de arquitetura, da materialidade
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 154

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

física em modo remoto promove uma nova forma de comportamento profissional.


O comprometimento das atividades de ensino, pesquisa e em especial extensão,
promoveram pontos de investigação e observação do desenvolvimento dos
profissionais arquitetos, muitos dos quais poderão graduar-se tendo pelo menos
metade do curso em modo remoto emergencial. A preocupação maior volta-se aos
ateliês de arquitetura, caracterizados historicamente pela relação direta professor-
aluno no desenvolvimento de projeto, os quais configuram na grande maioria das
escolas de arquitetura a base fundamental do curso. Segundo MANO (2012), a
transmissão do saber em arquitetura, que inicialmente se dava no canteiro de obra na
própria ação, a partir do século dezessete gradativamente migra para a academia,
intelectualizando-se. O que ocorre hoje é que basicamente sobre uma estrutura de
ateliês de projeto articulam-se uma grade de disciplinas específicas. Com uma base
comprometida, muito do currículo desenvolvido em período pandêmico tende a ser
desarticulado entre si, com claro prejuízo à aprendizagem do futuro profissional
arquiteto.
Nesse contexto, faz-se necessária a investigação sobre o que tem sido produzido de
conhecimento e pesquisa sobre a qualidade das práticas de ensino e de aprendizagem
utilizadas na pandemia. Reforçamos a ideia de que o presente artigo está focado no
chamado Ensino Remoto e não nas práticas já consolidadas de Ensino à Distância.
O objetivo deste artigo é apresentar a revisão sistemática de literatura sobre práticas de
ensino remoto aplicadas aos cursos de arquitetura e urbanismo, em função das
restrições da pandemia de Covid-19, realizada como parte inicial de um estudo de
doutorado que avalia as práticas de ensino aprendizagem de conforto ambiental no
Brasil. Sendo assim, este artigo pode contribuir com a discussão sobre o ensino através
de análises comparativas entre estudos já realizados e com isso ampliar o debate e as
reflexões sobre a importância do tema num novo período que há de vir, onde as práticas
antigas podem fundir-se com as novas, visando qualificar o ensino.

2 METODOLOGIA
O procedimento de revisão sistemática da literatura caracteriza-se pelo emprego de
métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese da informação
selecionada. Baseado na seguinte pergunta de pesquisa: “Quais as estratégias aplicadas
ou desenvolvidas para o ensino de Arquitetura na pandemia de covid-19?”, conforma-
se a pesquisa em questão.
Esse tipo de investigação disponibiliza um resumo como resultado das evidências
relacionadas ao tema proposto. As revisões sistemáticas de literatura são
particularmente úteis para integrar as informações de um conjunto de pesquisas
realizadas separadamente sobre determinado tema, que podem apresentar resultados
opostos e/ou iguais, bem como identificar potenciais investigações futuras.
Ao todo foram examinados 21 artigos incluídos por serem em língua portuguesa ou
inglesa e por apresentarem ao menos um dos quatro termos a seguir: ensino de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 155

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

arquitetura, pandemia, ensino remoto de arquitetura e estratégias de ensino de


arquitetura a partir de revistas de relevância na área.
Esta pesquisa de revisão da literatura se desenvolveu em três etapas. Como base para
organização do método foi utilizado o artigo intitulado: “Estudos de Revisão Sistemática:
um guia para síntese criteriosa da Evidência Científica” de SAMPAIO e MANCINI (2007).
A primeira etapa baseou-se em definir o objetivo da revisão a partir da pergunta chave
já citada. Assim, atendendo os três pontos cruciais para estabelecer a pergunta: a
intervenção como desenvolvimento de estratégias, a população por meio de constituir
a inserção dentro dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo e o desfecho através da
relação temporal com as respostas encontradas.
A segunda etapa foi marcada pela revisão de literatura através de um protocolo de busca
planejado a partir de respostas às seguintes perguntas:
a) Como os estudos serão encontrados? A partir de revistas em bases de pesquisa
científicas como SCOPUS e SCIENCE DIRECT. A escolha dessas bases ocorreu por serem
utilizadas na ferramenta de revisão de literatura Parsifal, ter disponibilidade de acesso
online e apresentarem renome mundial na área da arquitetura.
b) Quais os Critérios de inclusão e exclusão? Os critérios de inclusão foram baseados no
idioma (português e inglês), no critério temporal (a partir de 2020), por estarem focados
em Cursos de Arquitetura e Urbanismo e relacionarem-se com o período da pandemia.
Os artigos deveriam apresentar no título, resumo ou palavras-chave os seguintes
termos: “ensino de arquitetura na pandemia”, “ensino de arquitetura”,
“arquitetura/pandemia”, “ensino remoto na arquitetura” e suas traduções
correspondentes em inglês. Considerando a configuração da plataforma foi aplicado o
seguinte código: TITLE-ABS-KEY (architecture AND teaching AND pandemic) AND
PUBYEAR > 2019 AND PUBYEAR < 2023 e TITLE-ABS-KEY (remote teaching in
architecture) AND PUBYEAR > 2019 AND PUBYEAR < 2023. Outro ponto de exclusão
também foi sobre o sobre tratar somente sobre o ensino de arquitetura,
desconsiderando a pandemia e o ensino remoto.

Os critérios de exclusão, além do oposto da inclusão, foram baseados nos fundamentos


de relevância na resposta da pergunta-chave. Para auxiliar nessa revisão cega, foi
utilizada uma tabela na qual foi estabelecida uma pontuação de 0 a 10 para cada critério
definido. Os artigos com pontuação total menor ou igual a três foram excluídos da
análise. Os critérios e pontuação correspondente são:
1. Artigo trata sobre as aplicações práticas do ensino? (2 pontos)
2. Artigo trata sobre estratégias de ensino? (1 ponto)
3. Artigo discute revisão bibliográfica sobre o assunto? (2 pontos)
4. Artigo aplica as estratégias levantadas? (1 ponto)
5. Artigo está dentro do período temporal 2020+? (1 ponto)
6. Artigo relata sugestões para aplicação futura? (1 ponto)
7. Artigo traz reflexões teóricas sobre o tem? (2 pontos)
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

c) Definição dos desfechos de interesse: a definição dos desfechos ficou em torno do


interesse em coletar informações a respeito de possíveis estratégias testadas e
sugeridas de implantação com finalidade de melhorar a qualidade do ensino nos cursos
de Arquitetura e Urbanismo.
d) Análise da estatística utilizada: a estatística utilizada será a partir da utilização da base
Parsifal1.
Na terceira etapa foram realizadas análises qualitativas e quantitativas dos artigos
encontrados, de forma manual, onde puderam ser selecionados estudos a serem
incluídos. Desta maneira foi possível averiguar os tipos de estudos realizados, as
estratégias e os caminhos utilizados.
Na quarta e última etapa os documentos foram lidos e analisados criticamente com
intuito de levantar pontos importantes de observação da pergunta-chave definida
inicialmente.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Inicialmente foram encontrados um total de 271 artigos. Destes, 21 foram selecionados
para análise depois da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Interessante
pontuar que ao aplicar as perguntas estabelecidas na metodologia, foi necessário
realizar um filtro manual, pois alguns artigos foram selecionados apenas pelo critério de
possuírem a palavra-chave “pandemia” e descartando ensino ou arquitetura e vice-
versa. Outro ponto também aplicado no filtro manual foi o uso do termo “ensino de
arquitetura” para referir-se a arquitetura de software ou de redes, uma área da ciência
da computação. O Quadro 1 mostra a distribuição dos autores dos 21 artigos,
sintetizados conforme o foco desta pesquisa.

Quadro1: Resumo dos 21 artigos analisados depois da revisão sistemática


Autores e ano Título Palavras- O que descreve
chave
Borde, Andréa de "Pandemic Architecture and Analisa o impacto das medidas da COVID-19
Lacerda Pessôa; drawings’: Are we urbanism; no ensino do curso de desenho conceitual da
Pessoa, Alexandre still teaching conceptual FAU/UFRJ e descreve sobre o resultado da
(2021) conceptual drawing; drawing proposição de modelos híbridos de desenho
drawing? methods; hybrid chamados “desenhos pandêmicos”.
drawing; pandemic
drawings
Anwar F. Ibrahim; Evaluation of the Distance education; Este estudo avaliou o ensino online de projeto
Ahmed S. Attia; online teaching of Online learning; de arquitetura no Departamento de
Asma’ M. Bataineh; architectural Blended learning; Arquitetura da Jordânia (segundo semestre
Hikmat H. Ali design and basic Covid-19 pandemic 2019/2020). A partir de um questionário
(2021) design courses Architecture; colheu informações sobre a satisfação dos
case study: education

1Parsifal é uma plataforma online e gratuita que auxilia pesquisadores para realização de revisões sistemáticas de

literatura. Ela possui como banco de dados as principais revistas científicas e possibilita ao usuário encontrar os
artigos e organizá-los.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 157

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

College of alunos e professores diferenciando entre


Architecture at disciplinas teóricas e práticas.
JUST, Jordan
Gerigk, Mateusz Improvements to Não possui A partir de uma abordagem sistêmica do
(2021) the STEAM-based modelo de ensino existente STEAM (science,
teaching of tecnology, engineering, artandmath) propõe-
architectural se um avanço no modelo para o atual
drawing ambiente em mudança por meio do método
processamento de análise de dados na
Faculdade de Arquitetura da Universidade de
Tecnologia de Gdańsk na Polônia.
Gyurkovich, Jacek New challenges in Architecture Este artigo sinaliza novos desafios no processo
(2020) teaching education, de ensino de estudantes de arquitetura, tanto
architecture environmental em termos de organização do ensino quanto
students in the protection, sanitary do conteúdo a ser ensinado.
third decade of regulations, shared
the 21st Century space, virtual
education, COVID-
19
Makowska, Beata Teaching freehand Não possui O objetivo deste artigo é apresentar as
(2021) drawing on-line to experiências e problemas decorrentes do
architecture ensino on-line de desenho à mão livre na
students Faculdade de Arquitetura da Universidade de
Tecnologia de Cracóvia (FA-CUT), na Polônia.
O artigo discute quanto à interação entre
alunos e professores e os melhores resultados
pedagógicos.
Hassan, A blended Architecture, O estudo propõe uma visão para reimaginar a
NaglaaMegahed learning strategy: Blended learning, educação pós-Covid-19 e a estratégia de
and Asmaa (2021) reimagining the Covid-19, Blended Learning necessária para fornecer
post-Covid-19 Education, Online, uma bagagem teórica que integre os modelos
architectural Technology instrucionais que devem ser investigados
education pelos educadores.
Deshmukh, Jay Speculations on Future of campus Discute sobre o ambiente (campus) no ensino
(2020) the post- design, Post- de arquitetura considerando “o ambiente
pandemic pandemic campus, como o terceiro professor” e que o curso
university campus Speculative design fomenta a aprendizagem e molda a
– a global inquiry experiência coletiva. Este estudo de pesquisa
oferece novas perspectivas de planejamento
e design como respostas institucionais à
pandemia.
Maani, Duaa Al; Transforming Virtual learning, Este estudo explorou o ateliê de design virtual
Alnusairat , Saba; learning for Online design como um modelo de aprendizagem
Al-Jokhadar, Amer architecture: studio, Crises, transformadora para o contexto de
(2021) online design COVID-19, resiliência, incluindo os fatores que afetaram
studio as the new Transforming as percepções e experiências dos alunos sobre
norm for crises learning, a qualidade de esta adaptação.
adaptation under Sustainable e-
COVID-19 learning
Pathirage, Enhancing Teaching and O estudo teve como objetivo fornecer
KasunGomis, learning learning pedagogy, recomendações para aumentar as
Mandeep Saini and opportunities in National student “oportunidades de aprendizagem” para
Chaminda; Arif, higher education: survey, NSS estudos relativos ao ambiente construído de
Mohammed (2021) best practices that learning alunos de graduação em Arquitetura e áreas
reflect on the opportunities,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 158

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

themes of the Quality in afins. Ao todo foram expostos 12 drives que


national student education, Teaching podem servir de auxílio.
survey, UK practice in HE
Staniewska, Anna; Minecraft games Não possui Neste artigo, os autores resumem
Konopacki, Jacek and public experiências da disciplina de Comunicação
(2021) participation in Social durante o 4º e 5º semestre de
landscape design - arquitetura paisagista diretamente vinculada
current teaching ao ateliê de projeto integrado. Os resultados
experience indicam que, embora a participação on-line
possa ser frutífera, requer esforços
consideráveis em termos de tempo e carga de
trabalho.
Wu, Wei-Long; Hsu, A Spherical Video- Spherical video- O presente estudo adotou um formato
Yen; Yang, Qi-Fan; Based Immersive based immersive esférico mais acessível e interativo para o
Chen, Jiang-Jie Virtual Reality virtual reality; ensino de paisagismo no curso de Arquitetura
(2021) Learning System landscape e Urbanismo. A partir de uma abordagem de
to Support architecture realidade virtual imersiva baseada em vídeo
Landscape education; (SV-IVR), desenvolveu uma arquitetura de
Architecture landscape Design; paisagem SVIVR e conduziu um estudo quase
Students’ Learning VR-based teaching– experimental para examinar sua eficácia. Os
Performance learning resultados indicaram que os alunos do grupo
during the COVID- environments; experimental apresentaram resultados
19 Era immersive virtual positivos em seu aprendizado. Além disso, foi
environments; encontrado que os alunos necessitavam de
learning system; mais tempo para desenvolver sua autoeficácia
COVID-19 e que este sistema não teria um efeito sobre
a carga cognitiva dos alunos.
Chan, Chiu-Shui; Applying Immersive virtual A pesquisa apresentada neste artigo explora o
Bogdanovic, Jelena; immersive virtual reality; Virtual uso de tecnologias de Realidade Virtual
Kalivarapu, Vijay reality for remote environment; Imersiva (IVR) que consiste em ambientes
(2021) teaching Remote teaching; artificiais gerados por computador que
Architectural Pantheon; permitem ao usuário perceber a sensação de
history Architectural estar presente e interagir em um ambiente
history que substitui de forma convincente o mundo
físico. Ao contrário da Realidade Aumentada
(AR), onde a informação virtual é sobreposta
em objetos físicos do mundo real, esta
pesquisa concentra-se na implantação de IVR
e sua eficácia como meio de ensino de
história. O uso ofereceu a oportunidade para
os alunos avaliarem, reconhecerem e apreciar
os aspectos 3D, tamanho e proporção de
espaços virtuais.
Antonini, Ernesto; Collaborative Critical pedagogy; A pesquisa investiga a eficácia e os impactos
JacopoGaspari; Learning experiential de métodos de aprendizagem baseados na
Visconti, Cristina Experiences in a learning; co- experiência e ferramentas educacionais
(2021) Changing production inovadoras em arquitetura que visam formar
Environment: conhecimentos que abordam os aspectos do
Innovative ambiente e das alterações climáticas no
Educational contexto da dinâmica sociocultural e suas
Approaches in trajetórias transdisciplinares. Os resultados
Architecture mostraram que mudar o paradigma
pedagógico para modelos baseados na
experiência pode melhorar a conscientização
dos futuros profissionais para as implicações
climáticas do projeto arquitetônico, além de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 159

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

implementar suas habilidades de análise e


projeto.
Jafri, Anurag Varma COVID-19 Blended learning, O artigo articula uma visão sobre a adequação
and Mohammad responsive online education, do ensino online para o ensino de arquitetura
Shoeb (2020) teaching of Covid-19, na Índia, com base nas experiências de ensino
undergraduate Architecture dos educadores durante a pandemia. O
architecture education, trabalho levanta a necessidade de formação
programs in India: Pandemic continuada profissional. Um terço dos
learnings for post- responsive entrevistados expressa satisfação com o
pandemic pedagogy ensino online, apesar da baixa satisfação com
education a eficácia do ensino online de um ateliê de
projeto. Os resultados transmitem a
necessidade de maior engajamento com
ferramentas digitais e softwares de
representação em plataformas integradas.
Ferreira, Paulo; Design Teaching Drawing, Remote O artigo trata de uma parceria das
Antunes, Filipa and Learning in education, Covid19, universidades UNICAMP (Brasil) e Lusófona
Oliveira; Gallo, Covid-19 Times: NPS, Online (Portugal) na adoção de uma metodologia
Haroldo; Tognon, Na International education, Open específica para alunos do primeiro ano do
Marcos; Pereira, Experience edx, MOOC’s Curso de Arquitetura e Urbanismo. Os
Heloisa Mendes resultados dos testes apontaram para o
(2021) sucesso da metodologia do curso para
oferecer ensino a distância na disciplina do
ensino de projeto em comparação com as
aulas regulares.
Alatni, COVID-19 and Course adaptations, Esta pesquisa examina os desafios e impactos
BasimSulaiman; Rapid Course online education, da Pandemia COVID-19 sobre o modo de
Abubakar, Adaptations in student ensinar e aprender e as inúmeras adaptações
IsmailaRimi; Igbal, Saudi Arabia: An satisfaction, no quadro pedagógico do curso de
SaadArslan (2021) Experiential emergency remote Arquitetura e Paisagismo da Universidade
Learning and education, COVID- Imam Abdulrahman Bin Faisa na, Arábia
Recommendations 19, Experiential Saudita. A pesquisa constata que a transição
for Online learning, higher repentina para o ensino e a aprendizagem on-
Education education line interrompeu atividades acadêmicas e
afetou negativamente.
Krstikj, Aleksandra Social Innovation Social innovation; Um novo método educacional colaborativo foi
(2021) in the architectural proposto com base em uma estrutura de
Undergraduate education; public plataformas de exploração, experimentação e
Architecture space; place execução de extra empreendedores sociais, e
Studio imagination; social aprendizagem baseada em problemas. O
media;inclusion método foi projetado para 90 h síncrono e 90
h assíncrono na modalidade de ensino
remoto. Os resultados preliminares mostram
que o método proposto possibilita o
pensamento crítico, estabelece a base da ação
na justiça social e transforma os alunos em
agentes ativos de mudança social;
Milovanovic´, Transferring Emergency O artigo aborda a mudança na educação
Aleksandra; Kostic´, COVID-19 architecture; arquitetônica em relação à necessidade de
Miloš; Zoric´, Ana; Challenges into workshops; COVID- desenvolver novas abordagens na
Ðord¯evic´, Learning 19; education; metodologia de ensino, melhorar os
Aleksandra; Potentials: Online teaching methods currículos e fazer avanços em novos
Peši´c,Mladen; Workshops in aprendizados em ambientes digitais. A
BugarskiJovana; Architectural pesquisa parte do pressuposto de que as
Todorovi´c, Dejan; Education oficinas online podem oferecer uma
Sokolovi´cNeda; experiência de aprendizagem única para os
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 160

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

JosifovskiAndrej alunos do ensino superior em Arquitetura da


(2020) Universidade de Belgrado.
Komarzy´ nska- Transition from Architecture A pesquisa descreve o processo sistemático
´Swie´sciak, Physical Design education; online de traduzir o Physical Design Studio em
El˙zbieta; Adams, Studio to teaching; virtual Estúdio Virtual de Projeto e sua percepção
Britt; Thomas, Emergency Virtual design studio; pelos alunos matriculados nos cursos
Laura (2021) Design Studio. COVID-19; remote investigados. O foco estava principalmente
Available Teaching collaboration; nas ferramentas e métodos que se
and Learning educational destinavam a compensar os tradicionais
Methods and technology métodos de oficina (por exemplo, o exercício
Tools—A Case tátil de modelagem física e prancha de pin-up
Study apresentações). Os resultados contribuem
para a criação de diretrizes de ensino de
projeto numa configuração pós-COVID-19.
Koh, Pouline Chai Students' COVID-19 A pesquisa foi realizada por meio de
Lin; Wong, Sook perception of pandemic; Higher questionário on-line entre 716 estudantes de
Khuan (2021) online learning education; design, arquitetura e engenharia da Taylor's
and institution's Institution University para examinar melhor a percepção
engagement engagement; do aprendizado on-line e o envolvimento da
during the Covid- Online learning instituição durante a pandemia do COVID-19.
19 pandemic: A Os resultados mostram que a quantidade de
survey study of tempo gasto na conclusão de tarefas
Taylor's design, aumentou em comparação com o período
architecture, and anterior (52%), mas os alunos levantaram a
engineering preocupação em acompanhar o curso no
students ambiente de aprendizado on-line (56%). A
maioria dos alunos associou seus sentimentos
de aprendizado on-line com preocupação
(49,6%), distração (31,6%) e nervosismo
(24,3%). Além disso, 49% dos alunos apreciam
o esforço da universidade, seguidos de 31%
sentindo-se gratos pelo retorno e 20% estão
satisfeitos com o envolvimento da
universidade relacionado ao bem-estar.
Gómez-Tone H.C.; The architectural 360° Video; Esta pesquisa buscou comparar a percepção
Manchego- space perception Architectural space; do pavilhão de Barcelona projetado pelos
Huaquipaco E.G.; through different Spatial experience; arquitetos Mies Van der Rohe e Lilly Reich
Butron-Revilla C.; visualization Spatial perception; através de quatro diferentes meios de
Zeballos-Velarde C. media Visualization media visualização: vídeo 360°, vídeo, fotografias
(2021) coloridas e desenhos à mão livre. O desenho
experimental foi aplicado a 74 alunos do
primeiro ano do curso de Arquitetura da
Universidade Nacional de San Agustín de
Arequipa, no Peru. Um questionário foi usado
para avaliar cinco componentes da percepção
espacial: medidas e proporções, relações
espaciais e orientação, formas e materiais,
iluminação e sombras e sensações
experimentadas do espaço. Concluiu-se que o
vídeo 360° se destaca na percepção integral
do espaço, permitindo que os alunos tenham
uma experiência espacial quase real, como
alternativa à experimentação física de os
espaços construídos.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 161

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Depois de levantados os 21 artigos, podemos identificar dois eixos principais das


pesquisas dentro da temática chave. Conforme visualizado no gráfico 01, o primeiro eixo
pode ser definido pela busca em compreender a situação atual em que os alunos e
professores estão inseridos, ou seja, seis artigos (28,57%, n=21). O segundo eixo o que
abrange quinze artigos (71,43%, n=21) elaboram simulações teste de estratégias de
melhoria no ensino, podendo ser focados nas disciplinas de projeto arquitetônico,
paisagismo, história ou teoria.
Gráfico 01: Gráfico dos dois eixos de pesquisa identificados na amostra total de artigos (n=21)

Eixos de pesquisa
Eixo 1: Análise da situação
atual (6/21)

Eixo 2: Proposição e
Testagem de Estratégias de
melhora no ensino (15/21)

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Quanto às análises das situações atuais de aprendizagem e ensino durante a pandemia,


em diferentes países os resultados foram similares. Na Amity University Rajasthan
(JAFRI; MOHAMMAD, 2020), localizada na Índia, foi pontuado que o trabalho remoto
traz a necessidade de formação continuada dos docentes com a necessidade de maior
engajamento com ferramentas digitais e softwares de representação em plataformas
integradas. Na Universidade Imam Abdulrahman Bin Faisa (ALATNI; ABUBAKAR; IGBAL,
2021) da Arábia Saudita, a transição repentina para o ensino e aprendizagem on-line
afetou negativamente. Na Taylor's University (KOH; WONG, 2021), localizada na
Malásia, a pesquisa concluiu que os alunos observaram o aumento da quantidade de
tempo gasto na conclusão de tarefas em comparação com o período anterior ao início
da pandemia e que embora os estudantes apreciem o esforço da universidade, relatam
um grande índice de preocupação, distração e nervosismo.
Quanto às práticas inovadoras, alguns cursos de Arquitetura e Urbanismo optaram e
analisaram a implantação de chamados “eventos” com o intuito de promover a
interação e interesse dos alunos, como por exemplo, a realização de “oficinas online”,
“ateliê de design virtual”, parcerias com universidades de outros países e a divulgação
dos chamados “desenhos pandêmicos”. Também alguns estudos (GERIGK, 2021)
realizaram abordagens sistêmicas de análises dos métodos atuais e discutiram a
possibilidade de avanço no modelo para o atual ambiente em mudança. Além disso,
outra estratégia foi utilizar uma plataforma de exploração, experimentação e execução
de empreendedores sociais com a aprendizagem baseada em problemas, sistema este
chamado por muitos estudiosos da educação como “metodologia de ensino ativo”.
Também foram propostas estratégias e aproximação com áreas de inteligência artificial
através realidade virtual imersiva tanto em disciplinas de projeto de paisagismo como
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 162

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

de teoria e história, trazendo os ambientes artificiais gerados por computador e


permitindo aos estudantes a interação e percepção do ambiente existente no mundo
físico. Além disso, a Universidade Nacional de San Agustín de Arequipa (GÓMEZ-TONE
et al. 2021) no Peru realizou um teste aplicando o vídeo 360°, vídeo padrão, fotografias
coloridas e desenhos à mão livre. O experimento indicou que o vídeo 360° se destaca na
percepção integral do espaço, permitindo que os alunos tenham uma experiência
espacial quase real, como alternativa à experimentação física. Outra atividade foi o
Physical Design Studio em Estúdio Virtual de Projeto (KOMARZY´ NSKA et al. 2021) com
foco nas ferramentas e métodos que se destinavam a compensar os tradicionais
métodos empregados em ensino presencial (por exemplo, o exercício tátil de
modelagem física e prancha de pin-up apresentações).
Deste modo, é possível observar que a promoção e testagem de novas estratégias e
métodos foram fundamentais para um melhor desenvolvimento da aprendizagem dos
estudantes neste período de ensino remoto emergencial, em que ambiente físico
(campus) - que segundo Deshmukh (2020) era o terceiro professor e um agente de
fomento da aprendizagem e experiência coletiva – foi substituído por plataformas e
sistemas virtuais. Por fim, outro ponto de observação é que na esfera nacional muito
pouco se publicou de análises neste período, encontrando apenas dois artigos dentre os
21 analisados.

4 CONCLUSÃO
Podemos considerar que o período de ensino remoto provocado pelas restrições
geradas pela pandemia de Covid-19 alterou as relações de ensino-aprendizagem nos
cursos de arquitetura. Alguns resultados imediatos já podem ser sentidos, mas esse
tópico irá requerer anos de estudos por vir, pois muitas das consequências das
estratégias emergenciais adotadas somente serão sentidas ao serem formadas as
primeiras levas dos chamados “egressos da pandemia”.
Porém, nem tudo pode ser considerado negativo nesse processo, pois a ruptura e a
desacomodação causada pela urgência de novas estratégias sacudiu as bases de muitas
escolas. Professores tiveram que acelerar um processo de informatização e emprego
das TDICs que já se anunciava há tempos. Como vimos, os estudos apresentam soluções,
ainda incipientes, mas que podem pôr em curso uma “reinvenção” do ensino nas escolas
de arquitetura.
Processos colaborativos e plataformas de interação virtual já estão presentes nos
escritórios pós-pandêmicos, que também foram impactados pelas novas demandas em
se comunicar intra e extra equipe. Muito disso permanecerá, e o papel das escolas será
formar alunos preparados para assumir essas novas habilidades que tais processos
demandam.
Sendo assim, revisões sistemáticas de literatura configuram um papel importante
perante o crescimento e acesso à informação científica. Espera-se que artigos como este
auxiliem os pesquisadores a sintetizar o conteúdo disponível sobre o tema, podendo
gerar novas discussões e investigações de forma mais aprofundada e eficiente.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 163

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

REFERÊNCIAS
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for post-pandemic education. Archnet-IJAR: International Journal of Architectural Research, [s. l.], v. 15, n. 1, p.
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Architecture Students’ Learning Performance during the COVID-19 Era. Land, v. 10, n. 6, p. 561-584, 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 164

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Percepções de crianças e suas cuidadoras(es) sobre os espaços


livres públicos do seu cotidiano na região central de São Paulo

María Fernanda A. GODOY


FAUUSP; mf.ariasgodoy@usp.br
Fábio Mariz GONÇALVES
FAUUSP; fabiomgoncalves@usp.br

RESUMO
O artigo apresenta as percepções de crianças e suas cuidadoras(es) em relação aos caminhos que fazem
diariamente, dos seus locais de residência até as escolas. O público alvo são crianças entre 8 e 11 anos de
escolas públicas, localizadas no distrito Bela Vista, São Paulo. A primeira parte do artigo é uma articulação
bibliográfica que justifica a relevância do tema e as potencialidades do caminho escolar para as crianças;
a segunda apresenta os métodos utilizados nas oficinas, entendendo a busca da participação ativa das
crianças na análise e vivência dos espaços livres; e a terceira, por fim, apresenta as percepções em forma
de narrativas encontradas no processo todo. Nas considerações finais, se destaca a importância da
experiência da cidade para as crianças; se justifica a inclusão do olhar infantil de forma ativa nos projetos
e planejamento dos espaços urbanos; e, por último, aponta como essa vivência da cidade na infância pode
repercutir positivamente também na visão crítica dos indivíduos, jovens e adultos(as), especialmente
nos(as) estudantes de Arquitetura e Urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: crianças, caminho escolar, métodos de escuta, espaço livre público.

1 INTRODUÇÃO
O caminho escolar é o espaço livre público cotidianamente utilizado pelas crianças e
suas cuidadoras(es), o que desperta interesse em entender como esses espaços são
percebidos por esses usuários. Nesse sentido, essa pesquisa apresenta algumas
percepções de crianças estudantes do ensino fundamental I e de suas cuidadoras(es)
sobre esses espaços urbanos, a partir da realização de oficinas formuladas como
métodos de escuta. A pesquisa foi realizada entre agosto e outubro de 2021, em duas
escolas públicas do distrito Bela Vista, em São Paulo, e integra o trabalho de campo da
dissertação de mestrado em andamento da autora, em Arquitetura e Urbanismo na área
de Concentração Paisagem e Ambiente. Enquadra-se, portanto, como uma pesquisa e
extensão que reflete sobre a importância da cidade; e do espaço urbano como lugar de
aprendizados para as crianças em idade escolar.
Também busca-se compreender as relações e agentes envolvidos na vivência das
crianças com a cidade, especificamente do espaço urbano que frequentam diariamente
– o caminho até escola – caracterizando problemáticas e potencialidades desse espaço
livre, cuja estratégia fundamental foi a realização de oficinas, com crianças moradoras e
frequentadoras da área de estudo específica. Contudo, para a elaboração das atividades
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 165

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

que integram parte das escutas, foi necessário a articulação de bibliografia especializada
e do estudo de referências na realização de atividades com crianças no âmbito escolar,
tratando o tema da cidade.
As percepções das crianças e suas cuidadoras(es) são apresentadas em três partes: uma
primeira onde se expõe de forma sintética alguns conceitos de referência sobre as
relações que se tecem e os benefícios que as crianças e a cidade obtém quando esse
público infantil usufrui dos espaços urbanos; uma segunda sobre a descrição das
atividades propostas como métodos de escuta e as intenções com cada atividade; e uma
terceira com os resultados dessas atividades e ferramentas, onde se destacam os
elementos e relações presentes nas produções e falas das crianças desde um olhar
interpretativo devido ao carácter qualitativo dos dados.
A pesquisa foi desenvolvida para contribuir na elaboração de métodos de pesquisa e da
própria produção de arquitetura, urbanismo e paisagismo, mais plurais e que incluam
grupos supostamente minoritários, como neste caso específico: as crianças.

2 POTENCIALIDADES DO CAMINHO DA CASA ATÉ A ESCOLA


A experiência diária de ir até a escola, por vezes, é um dos poucos momentos em que as
crianças vivenciam a cidade, atravessando ruas e avenidas, fora do âmbito doméstico
ou escolar. Essa vivência faz parte do seu desenvolvimento e formação humana e,
inclusive, pode ser contemplada dentro da concepção de Educação Integral, a qual
compreende que a educação deve garantir o desenvolvimento dos sujeitos
em todas as suas dimensões – intelectual, física, emocional, social e cultural
– e se constituir como projeto coletivo, compartilhado por crianças, jovens,
famílias, educadores, gestores e comunidades locais (CENTRO DE
REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, s/d).
Ou seja, o desenvolvimento intelectual das crianças é tão importante como as
experiências no âmbito físico, emocional, social e cultural; estando todos os tipos de
aprendizagem interligados, sem hierarquia, na contramão do que os currículos da
educação tradicional querem colocar. Nesse sentido, brincar, experimentar, imaginar, e
outras ações que se destacam na infância, precisam ser compreendidas e tratadas não
como uma etapa preparatória para o futuro, mas como fase da vida em si (CENTRO DE
REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2018), a qual ocupa espaço no território, e é
permanente nas cidades ao longo das gerações, como parte da reprodução da vida. No
fim, as crianças “não distinguem o brincar do aprender, o corpo da mente, o social do
individual, a cidade se apresenta a elas como cenário que as convoca ou que as deixa
fora completamente” (CARVALHO; GOUVEA, 2019, p. 157, tradução nossa).
Sob essa premissa de aprendizagem multidimensional, a cidade tem grande potencial
formador, para crianças e adultos, quando entendida como Território Educativo,
conceito que se fundamenta sobre três aspectos fundamentais: o primeiro é a
consideração do território como assunto educativo; o segundo como lugar onde
acontece a educação; e o terceiro como agente participante desse processo (GOULART,
s/d apud ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA APRENDIZ, s/d). Em outros termos, trata-se
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 166

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sobre a aprender na, da e a cidade, entendendo que os espaços urbanos e a educação


são fenômenos profundamente sobrepostos (BERNET, 1997).
Entretanto, acredita-se que, em termos de sociabilidade, experienciar a cidade para as
crianças é essencial. Esse trajeto cotidiano, preferencialmente em forma de caminhada,
permite à criança experimentar de forma ativa o ambiente em que é participante.
Enxergar-se como parte do território que habita é se reconhecer e reconhecer ao outro
dentro da rede de relações sociais em que se insere desde o momento em que se nasce,
e mediado no começo pelo seu contexto familiar. Ao mesmo tempo, permite a
construção da autonomia por parte das crianças, a qual “vai se constituindo na
experiência de várias inúmeras decisões que vão sendo tomadas” (FREIRE, 2002, p. 41),
e que está tensionada com proteção; situação que termina sendo uma responsabilidade
dos adultos resolver, “encontrar as brechas: Como cuidar? Como proteger? Como dar
autonomia às crianças nas cidades? Não podem estar alheios, excluídos” (CARVALHO;
GOUVEA, 2019, p.166, tradução nossa).
O uso dos espaços urbanos no cotidiano das crianças, além de fazer parte da sua
educação integral e sociabilidade, também influenciam seu desenvolvimento, o qual em
parte depende da interação com o ambiente e a adaptação ao meio, em termos de
afetividade, atividades motoras, estímulos e liberdade, utilizando a assimilação como
forma de inteligência que ajuda a organizar e incorporar os elementos do meio exterior
(MUNARI, 2010; GRATIOT-ALFANDÉRY, 2010).
Nesse sentido, entendendo que o caminho até a escola – como o espaço urbano mais
frequentado -- tem grande repercussão no crescimento das crianças e na própria fruição
da sua infância, acredita-se necessário contemplar a população infantil no planejamento
e projetos que envolvem os espaços livres públicos das cidades. Contudo, o acesso aos
bens urbanos das crianças não pode ser apenas a formulação de espaços para elas, mas
também com elas; entendendo o direito à cidade da população infantil e de outros
grupos específicos como o direito à vida urbana, transformada e renovada, sem
saudosismos a um inconcebível retorno às cidades tradicionais, destacando o urbano
como “lugar de encontro, prioridade do valor de uso, inscrição no espaço de um tempo
promovido à posição de supremo bem entre os bens” (LEFEBVRE, 2001, p. 118).
A preocupação com as experiências que se forjam nesse trajeto escolar diário, além de
possuir fundamentação na grande quantidade de crianças que o realizam a pé, tem
outra conotação em relação a própria fruição desse caminhar. Por um lado, presume-se
que na cidade São Paulo são muitas as crianças que realizam a rota escolar andando,
pois a cada três deslocamentos na RMSP1, um tem por motivo Educação, e de todas
essas viagens com fins educacionais, metade são realizadas a pé, segundo dados da
pesquisa OD2 do Metrô de São Paulo (2019). Por outro, analisar a mobilidade das
crianças na cidade questiona o pragmatismo do ir e vir e acentua a importância da
paisagem urbana para além de cenário à funcionalidade da vida.

1
Região Metropolitana de São Paulo.
2
Origem Destino
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 167

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

O adulto anda para chegar a uma meta externa e segue diretamente para ela;
além disso, tem no passo um ritmo já estabelecido, que o transporta quase
mecanicamente. A criança anda para elaborar suas próprias funções e,
portanto, tem um objetivo criativo por natureza. É lenta e ainda não possui
um ritmo de passadas ou uma finalidade. Sente-se, porém, atraída pelas
coisas e afasta-se ocasionalmente do caminho. O auxílio que o adulto poderia
proporcionar seria abrir mão de seu próprio ritmo, de sua meta.
(MONTESSORI, 1989, p.91).
Esse caminhar despretensioso das crianças, lento e na busca do lúdico, deve ser
contemplado nos projetos e planejamento dos espaços urbanos; os quais devem buscar
ser flexíveis e acolhedores a existência de usos e apropriações não programadas e
informais, como o é o brincar nas crianças:
Batem com os pés em poças d’água, escrevem com giz, pulam corda, patinam,
jogam bolas de gude, exibem o que têm, conversam, trocam figurinhas, jogam
stoopball3, andam em pernas de pau, enfeitam patinetes feitos de caixa de
sabão, desmontam carros de bebê velhos, sobem em grades, correm de um
lado para o outro (...). Parte do seu atrativo reside na sensação que as
acompanha, de liberdade de vaguear para cá e para lá nas calçadas, situação
diferente de estar fechado dentro de um espaço (JACOBS, 2011, p. 94).

Nesse sentido, a potencialidade das calçadas para ser um dos principais espaços livres
públicos com crianças reside justamente na vida e movimentação das ruas, que
oferecem uma espécie de recreação informal (JACOBS, 2011), mas não só. Elas também
conseguem oferecer uma vida pública ativa que dá suporte a meninos e meninas
também em questões de segurança, de forma indireta, através dos conhecidos do bairro
e dos vizinhos, efetivando assim essa rede de relações nas quais as crianças se inserem.
Contudo, para qualificar esses caminhos e oferecer espaços que permitam o lúdico e
uma experiência estética para as crianças e cuidadoras, é imprescindível a participação
ativa das crianças nos projetos e no planejamento. Esse olhar particular e sensível que
as crianças possuem poderia tanto ser parte dos insumos de planejadores e governantes
locais para a construção de cidades e espaços públicos mais democráticos para e com
todos os grupos sociais, como ser aproveitado a partir de ações que promovam a
descoberta do urbano pelas crianças, como parte da sua própria formação humana e
cidadã. Em ambos os casos, envolver a percepção das crianças sobre suas vivências na
cidade por meio do planejamento do território e da paisagem, ou a realização de
iniciativas que promovam a exploração da cidade por elas, seria assumir que “a
diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança
não sabe menos, sabe outra coisa” (COHN, 2005, p.33).

3 UMA PROPOSTA DE ESCUTA SOBRE A CIDADE COM CRIANÇAS ENTRE 8


E 11 ANOS DE IDADE E SUAS CUIDADORAS(ES)
Na busca dessa participação ativa das crianças, para o entendimento da sua percepção
sobre os caminhos que realizam todos os dias até a escola, seus desejos e reivindicações

3
Jogo baseado no beisebol que consiste em jogar a bola contra um muro e contar o número de vezes que ela pula
no chão.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 168

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para esses espaços urbanos, foram propostos métodos de escutas a partir de oficinas,
em três atividades com cada turma, aplicadas em uma amostra da população infantil da
área de estudo. Elaboramos três tipos de oficinas com crianças das duas escolas públicas
que oferecem ensino fundamental I na área de estudo; as zonas OD4 Bexiga e Treze de
Maio, localizadas na parte norte do distrito Bela Vista sentido centro. Essas duas escolas
públicas são a EE5 Maria José e a EMEF6 Celso Leite Ribeiro Filho, dentro das quais
buscou-se a participação específica de crianças que tivessem entre 8 e 11 anos de idade,
pois é nessa idade que as crianças começam a se deslocar de forma mais autônoma,
sozinhas ou com mínima supervisão dos adultos7.
Figura 1 - Mapa da área de estudo (zonas OD Treze de Maio e Bexiga), localização das escolas que oferecem ensino
fundamental na área de estudo e seus raios de abrangência de uma caminhada de 10 minutos de um adulto8

Fonte: Elaboração própria a partir da Pesquisa OD – Metrô de São Paulo, 2019; Geosampa (Prefeitura Municipal de
São Paulo) e Google Earth.

Cada turma participante foi convidada a realizar as três atividades, sendo proposto que
a atividade 1 estimularia a análise do cotidiano e a percepção dos espaços urbanos, se
refletindo sobre eles no abstrato e dentro da sala de aula; que a atividade 2 dispararia
a discussão e reflexões sobre expectativas e desejos para os espaços frequentados
diariamente, na maioria das vezes vividos e aceitos sem crítica alguma sobre seu estado
de conservação ou configuração; e que a atividade 3 forneceria uma experiência coletiva
no entorno escolar, colocando a pesquisadora, as crianças e os outros adultos
(colaboradores da pesquisa e professores) em uma vivência sobre a qual depois se
conversaria e se trocariam as impressões das crianças, no pátio da escola.

4
Zonas OD, de pesquisa ou de tráfego é a unidade territorial básica para o levantamento de dados. É a menor unidade
para a qual está garantida a validade estatística das informações da pesquisa Origem Destino (OD) do Metrô (2019),
definidas com base na sua homogeneidade urbanística e socioeconômica, além de outros critérios técnicos.
5
Escola Estadual.
6
Escola Municipal de Ensino Fundamental.
7
Em programas da PMSP sobre mobilidade escolar e proteção ao pedestre, toma-se como referência que estudantes
do 5° ano do ensino fundamental e, em média com 10 anos de idade, já começam a ter a responsabilidade sobre sua
própria circulação. Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego – CET.
8
Como referência tomou-se a premissa dos projetos do Território CEUs de contemplar intervenções do espaço
público num raio de abrangência de 600 a 1000 metros a partir do equipamento educacional, e a velocidade média
de um adulto de 1 m/s definido pelo Departamento Nacional de Infraestruturas de Transportes – DNIT.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 169

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Entretanto, a atividade 1, chamada de Os caminhos do dia a dia começou com a


apresentação da pesquisa e conversas com a turma, realizando perguntas às crianças,
com o intuito de construir a contextualização de forma coletiva, sobre o que é
arquitetura, o que são espaços livres públicos, e como nos comportamos
diferentemente nesses lugares do que dentro das casas. Após a apresentação da
pesquisadora e do projeto, pediu-se às crianças que desenhassem o caminho que
realizam da casa até a escola diariamente, convidando-as a incluir na composição os
elementos mais relevantes para elas. Suas produções foram consideradas parte das
expressões infantis que desvendam suas experiências urbanas nas quais foi necessário
“parar para olhar cada elemento do desenho infantil, ir além da mera decifração de
fragmentos, compreendendo o que as crianças queriam dizer, conhecer o contexto no
qual estavam inseridas” (GOBBI, 1999, P. 142). Contudo, nesta pesquisa os desenhos
foram trabalhados como elementos em que as crianças reproduzem suas percepções
sobre os espaços da cidade de forma mais livre e sensível, sem avaliar qualitativamente
os desenhos, questões que seriam relevantes em outros campos como na psicologia ou
no desenvolvimento infantil.
Na segunda parte da atividade, se apresentou às crianças um mapa de 90x90 cm da
região, sendo este mapa a impressão da imagem aerofotogramétrica, a partir do qual
elas marcaram numa folha com a reprodução deste mapa simplificado em linhas, as ruas
que usam para chegar até a escola e a localização dos lugares onde brincam, se brincam
na região, a partir de legenda criada pelas próprias crianças. Em ambas as folhas
fornecidas as crianças preencheram seus nomes, idades, ano que cursam e o modo de
transporte que utilizam para se deslocar até à escola, antes da pandemia de coronavírus
(março de 2020) e no período da realização das oficinas (agosto a outubro de 2021).
A atividade 2, chamada de Expectativas sobre a cidade, começou a partir da conversa
com as crianças sobre o que é uma expectativa, e depois se fez o convite a imaginar e
expressar em desenho o que elas gostariam que tivesse nos espaços da cidade. Com
intuito de testar dois tipos de disparadores para essas imagens mentais, forneceu-se a
cada criança uma palavra e uma frase em pedaços de papéis recortados, sendo o
primeiro com palavras como: calçada, rua, praça, bairro e cidade; e o segundo com
frases que ajudavam a contextualizar como: rua da escola, em frente de onde moro, indo
na casa da avó, na rua da minha vizinha favorita e onde encontro meus primos/amigos.
Para a segunda parte da atividade, pediu-se às crianças que escrevessem uma carta a
algum responsável da cidade, solicitando alguma melhora no seu bairro, ou
parabenizando ele ou ela por algum mérito.
Por fim, a atividade 3, chamada de Pesquisadores da rua, propôs explorar a percepção
sobre o entorno escolar através de uma saída programada, com trajeto definido. No
percurso, foram incluídos alguns momentos de interação, denominados paradas
pedagógicas, como provocações para induzir o tema de pesquisa durante a caminhada
coletiva, que se encerraria com uma roda conversa com cada turma participante. A saída
contemplou a atividade anterior preparatória em sala de aula, onde se forneceu a cada
criança uma fita métrica, com a qual o grupo todo mediria um passo, o espaço que ocupa
um braço esticado ou os dois, a altura dos olhos quando se está de pé ou sentado, para
o entendimento das relações dos corpos com os espaços urbanos. Nesse mesmo
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 170

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encontro, ou no final da atividade 2, foi feita a apresentação às crianças sobre o dia da


saída, os termos de segurança, e o papel que elas teriam como ajudantes de pesquisa.
As saídas foram em grupos de até 15 crianças, e cada criança foi identificada com uma
fita colorida, para rápida localização delas na rua.
As atividades foram expostas e aprovadas pelas diretorias e coordenações pedagógicas,
para as turmas selecionadas (os 4° anos da EE Maria José e os 5° e 6° da EMEF Celso
Leite R. F.) e, inclusive, os percursos a serem feitos nas atividades 3. A cada adulto
responsável pelas crianças foi enviado o TCLE9, no qual eles podiam escolher se a criança
participaria de todas as atividades ou apenas das que seriam realizadas dentro de sala
de aula. Através das crianças foram enviados também questionários às suas
cuidadoras(es), os quais elas preencheram de forma voluntária e anônima, a partir dos
quais se conheceu o perfil socioeconômico das famílias e a opinião delas em relação ao
estado e uso dos espaços livres que as crianças frequentam na sua rota escolar.
Figura 2. Registros fotográficos da atividade 1 e 2 das oficinas com várias turmas.

Fonte: Acervo pessoal10, 2021.


Figura 3. Registros fotográficos da atividade 3 das oficinas com turmas da EMEF Celso L. R. F.

Fonte: Acervo pessoal, 2021.

9
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
10
O registro das oficinas, especialmente no caso das saídas programadas, contou com a colaboração das professoras
e professores das turmas, assim como de outros adultos colaboradores da pesquisa, sendo eles: Paula Rodrigues,
Tayná Messinetti, Ana Giovani, Rôney Rodrigues e Bruna Lopes.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 171

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4 NARRATIVAS DAS CRIANÇAS E CUIDADORAS(ES) ESTUDADAS SOBRE OS


ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS QUE FREQUENTAM
No total, 158 crianças participaram nas oficinas, mas não todas nas três atividades. A
partir das atividades propostas, foram coletadas e, posteriormente analisadas,
aproximadamente 765 produções realizadas pelas crianças entre desenhos, mapas e
cartas, e as anotações e registros fotográficos de seis saídas programadas.
Percebeu-se que as crianças ficaram mais confortáveis durante a elaboração da
atividade 1; que era onde elas apresentavam seu caminho diário, e tiveram maior
dificuldade na atividade 2; pareceu que expor seus sonhos para os espaços urbanos as
tirou da zona de conforto. Por outro lado, acredita-se que a saída programada da
atividade 3 não teria sido tão proveitosa sem as atividades preparatórias de introdução
ao tema da cidade e dos espaços livres, e sem essa reflexão anterior sobre o caminho e
o que gostariam que ele tivesse, em desenho e texto.
Os resultados do material coletado e das vivências das oficinas se estruturaram da
seguinte forma, com o intuito de sistematizar algumas das narrativas das crianças sobre
a cidade. A partir do olhar da pesquisadora, procurou-se descobrir alguns dos elementos
e relações presentes nas suas produções, falas e gestos.
Quadro 1 - Sínteses dos resultados das oficinas com as crianças

Tipo de
informações
Itens pesquisados Destaque de elementos e relações presentes
coletadas das
crianças
Sobre o perfil das Idade, gênero e modo A maioria das crianças vai a pé até a escola (mais do 90% das
crianças de deslocamento crianças que responderam essa questão)
participantes
Qual e como é esse Intensa passagem, escassa permanência;
caminho
Relevância às fachadas ativas e serviços ambulantes;
Familiaridade e identificação com pessoas do bairro;
Demandas e sonhos Elementos de interação e atividades para o prazer;
para o urbano
Conflitos espaciais;
Meio ambiente e questões socioeconômicas;
Sobre os espaços Sensibilidade às problemáticas da configuração da rua;
livres do entorno
escolar Senso de coletividade11
Experiência coletiva Brincar espontâneo
do entorno escolar
Olhar de cima
Observações com o tato
Aula na praça?
Banco na calçada?
Calçada larga ou estreita?

11
Entende-se senso de coletividade como a noção ou juízo sobre a boa convivência em grupo, em termos de
solidariedade e sensibilidade social.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 172

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Obstáculos e medos
Tensões e contradições

Fonte: Elaboração própria.

- A MAIORIA DAS CRIANÇAS VAI A PÉ ATÉ A ESCOLA: A maioria das crianças participantes
(62,3%) tinha entre 10 e 11 anos de idade, se dividindo por gênero em metades iguais a
amostragem total. Das crianças participantes, 122 responderam sobre o modo de
deslocamento que usam para ir até a escola (79,7%). Das respostas obtidas, 110 crianças
(90,2%) apontaram que vão a pé; 5 delas (4,1%) que vão a pé ou de carro; 6 (4,9%) que
vão de carro e uma criança (0,82%) de ônibus.
- INTENSA PASSAGEM, ESCASSA PERMANÊNCIA: No exercício de mapeamento das ruas que
utilizam para chegar até a escola e a localização dos lugares onde brincam – se o fazem
– nos entornos escolares, apenas 58 crianças (37,9% das participantes nessa atividade)
marcaram as ruas que percorrem e 25 crianças (16,3% desse mesmo grupo) apontaram
que brincavam ou já tinham brincado nos espaços livres da região. Percebeu-se que
grande parte das ruas do entorno escolar são utilizadas no deslocamento diário das
crianças e que os espaços onde brincam nesse território onde sempre passam é pontual,
sendo restrito aos equipamentos existentes para o lazer infantil.
- RELEVÂNCIA DAS FACHADAS ATIVAS E SERVIÇOS AMBULANTES: O destaque que as crianças
deram nos seus desenhos – e, posteriormente, em suas falas ─ às lojas e serviços,
principalmente à padaria, ao bar e ao mercado, e às interações dentro delas, ou de
vendedores ambulantes como no desenho de Isabelly, 11 anos, evidencia a relevância
que as crianças dão não só ao próprio caminho construído como às fachadas ativas,
assim como a outros elementos que também dinamizam o espaço livre como os serviços
ambulantes de alimentos.
Figura 4. Desenhos elaborados pelas crianças participantes das oficinas. De esquerda à direita: Desenho da Isabelly,
Gabrielle, Sofia e Ayla.

Fonte: Acervo pessoal, 2021.

- FAMILIARIDADE E IDENTIFICAÇÃO COM PESSOAS DO BAIRRO: Em outros desenhos, como o da


Gabrielle, 10 anos, e em muitas das falas das crianças ao explicar seus desenhos, elas
apontavam como referência do caminho comércios locais como a "Abelhinha"12 e a
“Vanessa”, uma padaria e um mercadinho (Vanessa é a dona), respectivamente. O bar
“do Jackson”, a lojinha “do Paulo”, entre outros, são também comércios próximos à

12 Os depoimentos de crianças e cuidadoras(es) foram citados como foram escritos nas cartas e questionários, e

expressados nas falas.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 173

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EMEF Celso Leite R.F. que comparecem nos desenhos, demonstrando não só
familiaridade com a região como identificando pessoas específicas do bairro.
- ELEMENTOS DE INTERAÇÃO E ATIVIDADES PARA O PRAZER: Percebeu-se tanto nos desenhos
como nas falas, o desejo por elementos e espaços nos quais pudessem interagir e
atividades que fornecessem prazer e alegria a elas, como doces, brinquedos, piscinas de
bolinhas, áreas de gramado para piquenique, entre outros. Inclusive, desejos específicos
também foram desenhados, onde se almejava que a rua fosse esse lugar público que
privilegia o encontro e a cultura na esquina de casa, como na produção de Sofia, 11 anos,
na qual aparece um palco com cadeiras na rua fechando o trânsito de veículos onde ela
e sua amiga poderiam assistir a um show.
- CONFLITOS ESPACIAIS: Mesmo que as crianças tenham confirmado alguns dos pedidos
mais comuns nas escutas com crianças sobre o que tornaria a rua um lugar mais
agradável, como “menos lixo” e “mais árvores”, ressalta-se como os conflitos espaciais
e soluções para eles foram aparecendo de formas muito específicas, como, por exemplo,
no desenho de Ayla, 10 anos, que imaginou uma ponte para atravessar a rua pois,
segundo sua fala, os carros passam muito rápido e não deixam ela atravessar.
- MEIO AMBIENTE E QUESTÕES SOCIOECONÔMICAS: No exercício das cartas dirigidas a algum
responsável da cidade surgiram com maior destaque elementos relacionados ao meio
ambiente e questões socioeconômicas, até então não discutidas nem mencionadas pela
pesquisadora, ao lado das demandas pela manutenção das ruas. Por exemplo, “arrumar
os buracos das calçadas e ruas” apareceu com maior frequência nos escritos das crianças
do que nos desenhos, assim como “diminuir a poluição” e “abrigar os moradores de
rua”, foram demandas que surgiram pela primeira vez nas produções das crianças. Na
carta de Maria Luiza, 12 anos, por exemplo, quando escreve “porque não fazem outros
parques igual ao Parque Ibirapuera”, percebe-se uma inconformidade sobre a escassez
de parques públicos equipados com qualidade na cidade. Quando aponta “porque o
prefeito mandou os professores vir até a escola na fase roxa?” ou “porque deixam os
moradores de rua no frio ‘largados’”, se revela o pensamento sensível e crítico das
crianças sobre a sociedade e suas contradições.
- SENSIBILIDADE ÀS PROBLEMÁTICAS DA CONFIGURAÇÃO DA RUA: “Diminuísse as ruas, fazer
mais ciclovias, gostaria que o saneamento fosse melhor.... do lado da minha casa tem
uma rua podre e com a calçada muito pequena” (Bárbara, 11 anos) são também
reivindicações específicas que demonstram sensibilidade às problemáticas da
configuração da rua por parte das crianças, certamente aprendidas na experiência
cotidiana.
- SENSO DE COLETIVIDADE: Nos pedidos de melhoria ou saudações das crianças, surgiu uma
noção de coletivo no enfrentamento das problemáticas da cidade, apontando que não
é só o prefeito que faz as mudanças. Algumas das cartas pedem solidariedade “ao povo
de São Paulo” e parabenizam as “pessoas que ajudam aos moradores de rua” e as
“pessoas do campo”. Também se apresentaram pedidos coletivos de escala menor
quando se reivindicava “absorventes de graça pela saúde feminina”, “ar condicionado
em todas as escolas”, e “calçada sem buracos e com rampas para cadeirantes”.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 174

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- BRINCAR ESPONTÂNEO: No começo da saída programada, as crianças começaram


andando muito rapidamente, tendo a pesquisadora que marcar um passo mais lento e
pedir para elas observarem com calma o que ia acontecendo pelo caminho. Quando
desaceleramos, uma das meninas até dançava enquanto caminhávamos. Observou-se
posteriormente nas fotos como as crianças inventaram brincadeiras durante o percurso,
fora das atividades propostas para a saída: de se tirar fotos entre elas com elementos
do caminho, de andar se equilibrando no meio fio, entre outras. Observou-se que
quando se deram as condições para observar e andar devagar elas foram se
relacionando com o entorno de forma mais lúdica.
- OLHAR DE CIMA: “Quando a gente parou na escada eu gostei da paisagem que a gente
viu”, falou uma criança quando perguntado na roda de conversa o que agradou elas
durante a saída. Quando estivemos na Praça Dom Orione, uma das crianças subiu em
um dos brinquedos apenas para contemplar a vista da praça de cima. Observou-se que,
seja a partir da escadaria, do viaduto ou apenas a um metro e pouco de altura, as
crianças gostavam da experiência de subir para olhar “a altura”, “a cidade” como elas
mesmas falaram, entendendo a importância de lugares de novas descobertas no campo
de visão que usualmente elas têm.
Figura 5. Fotografias das crianças participantes das oficinas durante as saídas programadas.

Fonte: Acervo pessoal, 2021.

- OBSERVAÇÕES COM O TATO: As crianças recolhiam do chão flores e insetos, e apontavam


as plantas floridas para os adultos presentes no percurso. Elas também reparavam nos
muros coloridos, vazados ou de texturas diferenciadas, tanto apontando como tocando
para determinar o curioso material com que eram feitos. Nesse sentido, observou-se
como perceber o caminho, na experiência das crianças, é observar o pequeno, os
detalhes, é conferir com o tato suposições mentais e curiosidades, dando atenção aos
elementos vivos e de valor estético para elas do caminho.
- AULA NA PRAÇA?: Na Praça Pérola Byington, quando perguntado às crianças se elas
teriam aula ali, contundentemente falaram que não, pois, segundo elas, a sujeira e a
presença das pessoas em situação rua na praça inviabilizavam uma possível prática
pedagógica. Depois, as crianças também falaram que por não ter “cadeira, parede e
lousa” a aula não poderia acontecer, o que demonstra o condicionamento das crianças
com relação aos espaços de ensino: para elas, espaços fechados e formatados para a
recepção de conteúdo. Em outro percurso, as crianças foram questionadas sobre se
teriam aula na Praça Dom Orione, a qual tem significativa cobertura vegetal e
arborização, assim como brinquedos em bom estado e manutenção em dia, ao que as
crianças falaram euforicamente que sim. Quando questionadas do que poderiam ser as
aulas, elas falaram “sobre a natureza”, “dos bichinhos que estão na praça”, “de brincar”,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 175

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“de artes”, “geografia”, “de plantações”, entre outros. A partir das diferentes respostas
das crianças, evidenciou-se como um mesmo tipo de espaço urbano, em condições
contrastantes, pode despertar sensações praticamente opostas.
- BANCO NA CALÇADA?: Foi perguntado às crianças o que elas achavam de ter bancos na
calçada, e elas surpreendidas questionaram “banco na calçada?”. Nesse momento da
roda, a professora pretendia esclarecer a pergunta da pesquisadora: “ela quis dizer na
praça”, comentário para o qual as crianças acenaram com a cabeça demonstrando agora
entendimento: “ah tá”. Presume-se que, de alguma forma, elas entendem que
mobiliário urbano que propicie a permanência nas calçadas, espaços considerados de
passagem, é inimaginável tanto para as crianças como até para alguns adultos.
- CALÇADA LARGA OU ESTREITA?: Nas avenidas que atravessamos durante as saídas, as
calçadas possuíam maior largura, e era onde as crianças mais se espalhavam, podendo
ficar até cinco delas uma do lado outra. Quando perguntado às crianças se preferiam
calçada larga ou estreita, uma delas falou que preferia a larga porque “assim dava para
passar duas pessoas conversando indo, e tem duas voltando”; depois complementou
que a calçada estreita é ruim porque “têm umas pessoas que são entregador de carrinho
e aí, numa calçada estreita, uma pessoa pode estar com filho também e pode esbarrar
então tem que ir pelo meio da rua, e a rua ainda é pequena”. Porém, em um dos trajetos
algumas crianças preferiram a calçada estreita por “ser mais bonita”. Percebeu-se que
as crianças valorizam, além da largura dos espaços, elementos que forneçam
experiências estéticas.
- OBSTÁCULOS E MEDOS: Quando perguntado às crianças quais elementos atrapalharam
elas durante a saída programada, elas responderam: “o barulho dos carros”, “os buracos
na calçada”, “quando não tinha faixa de pedestre”, “o fedor” e “a poluição”. Também
apareceu novamente a presença do lixo como elemento incômodo para elas e,
inusitadamente, uma criança falou: “atrapalham os carros estacionados”. As respostas
das crianças indicam a percepção do entorno escolar através de todos os sentidos, além
da visão, quando mencionam, por exemplo, sons e cheiros desagradáveis para elas. Por
outro lado, quando perguntado às crianças do que ou quando elas sentiram medo no
trajeto, elas mencionaram: “dos cachorros soltos”, “na rua onde passava carro” (se
referindo ao leito carroçável) e “de cair da escadaria”. Acredita-se que a
imprevisibilidade e a alta velocidade dos elementos móveis nas ruas fazem as crianças
se sentirem desprotegidas e vulneráveis a algum tipo de agressão ou acidente.
- TENSÕES E CONTRADIÇÕES: As crianças também sentiam medo das pessoas em situação
de rua, especialmente na Praça Pérola Byington, onde permanecemos de 5 a 10 minutos
durante as saídas programadas, e onde tinha um grupo de mais de 10 pessoas com
barracas de camping no lugar. Por outro lado, lembra-se que nas cartas a um
responsável da cidade, os pedidos de abrigo para as pessoas sem-teto foram reiterados
com frequência nos textos das crianças. Nesse sentido, aponta-se como as crianças
possuem uma relação mais do que contraditória, complexa; no plano individual, e a
partir da experiência de estar na rua, as crianças sentem medo das pessoas em situação
de rua, mas, ao mesmo tempo, no plano coletivo, as crianças pedem enfaticamente que
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 176

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estas mesmas pessoas sejam levadas em conta e que suas necessidades básicas sejam
atendidas.
Em relação aos questionários às cuidadoras(es), estes trouxeram o entendimento de
que no território pesquisado a maioria das famílias mora perto das escolas, e que a
caminhada é um modo de transporte frequentemente utilizado pelas adultas(os) para a
produção e reprodução da vida. Além disso, grande parte das famílias têm renda menor
que dois salários mínimos, e quem cuida delas são mulheres de até 40 anos de raça
parda. Vale salientar que, quando perguntado quantas crianças essas cuidadoras(es)
tinham sob sua responsabilidade, mais do 80% respondeu entre 1 ou 2 crianças, questão
que por um lado indica que o salário familiar suporta poucas crianças, e por outro revela
a importância da interação das crianças com outras pessoas da sua mesma idade na
escola, na rua e na cidade.
Por outro lado, quando perguntada a opinião das cuidadoras sobre o uso da rua pelas
crianças em três contextos diferentes (irem a pé até a escola – sem especificar as
condições -; irem a pé até a escola sozinhas e brincarem na rua) observou-se uma
mudança significativa na percepção da maioria das adultas.
Figura 6. Gráfico da opinião das respondentes sobre o uso da rua pelas crianças em três contextos diferentes: irem a
pé até a escola, irem a pé até a escola sozinhas e brincarem na rua.

Fonte: Elaboração própria.

Mesmo que a maioria das cuidadoras ache muito bom e bom as crianças irem a pé até a
escola (82,1%), quando questionadas sobre realizarem esse percurso sozinhas, as
categorias muito bom e bom somadas caíram para 42,9%, muitas mudando
radicalmente sua opinião para ruim e muito ruim. A maioria dos argumentos dessas
cuidadoras(es) se centraram na falta de segurança em relação a vários fatores: “É bom
ir a pé pois praticamos exercício. O ruim é irem sozinhas devido à falta de segurança do
bairro”; “Porque criança de 9 anos não pode andar só” (CUIDADORAS E CUIDADORES
RESPONDENTES, 2021).
As poucas que mantiveram essas categorias de muito bom e bom no quesito andarem
sozinhas no trajeto casa-escola também fizeram ressalvas, porém defenderam a
felicidade das suas crianças: “Porque eu acho que ele se sente mais feliz e livre ok mais
fica de olho”; “Porque aprende a ter responsabilidade, andar sozinhos e atentar ao
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

trânsito e locais próximos aonde moram” (CUIDADORAS E CUIDADORES


RESPONDENTES, 2021).
Contudo, quando perguntadas sobre as crianças brincarem na rua e calçadas, apenas
21,4% das cuidadoras acharam muito bom e bom; 44,6% opinaram ruim e muito ruim, e
33,9% marcaram nem bom nem ruim ou inclusive deixaram em branco. Essa
diversificação na opinião com relação ao brincar na rua, no mesmo trajeto que já tinham
confirmado como benéfico andarem a pé, indica, por um lado, que a experiência em
cada localização específica, e a trajetória de vida das cuidadoras, podem afetar suas
opiniões, e por outro lado, que a tendência é desaprovar ou não ter certeza. Entende-
se também que existe certo juízo moral e preocupação, por parte das adultas
cuidadoras, de não conseguir controlar com quem a criança brincará na rua. A rua e o
ócio são condenados; a primeira pela imprevisibilidade dos acontecimentos e encontros
que nela podem acontecer, o segundo, pela sua conotação não útil ou até improdutiva.
Denota-se como as cuidadoras(es) estão convencidas de que o deslocamento diário das
suas crianças a pé até a escola proporciona felicidade e outros elementos favoráveis às
crianças, algumas inclusive veem positivamente as crianças realizaram esse trajeto
sozinhas, porém, quando se trata do lazer e do lúdico no mesmo espaço, essa concepção
positiva da rua despenca, pois para muitas delas “as crianças precisam ter
responsabilidade. Aprender a irem a pé sozinha até a escola” (CUIDADOR
RESPONDENTE, 2021) porém “é perigoso crianças brincarem na rua sozinhas”
(CUIDADORA RESPONDENTE, 2021).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência
realmente fundante de aprender” (FREIRE, 2002, p. 12-13). Acredita-se que o processo
desenvolvido com as crianças da área de estudo, muito além de ser a aplicação dos
métodos de escuta formulados, forneceu múltiplos aprendizados, dos quais se destacam
três aspectos.
Inicialmente, a potencialidade do caminho escolar como experiência formadora e
socializadora das crianças. O trabalho confirma que a compreensão dos espaços urbanos
é experiência que se constrói no cotidiano e vivência desde a infância. Demonstra que
crianças que moram em áreas centrais, densas e bem equipadas aprendem
precocemente a lidar com as contradições e problemas sociais presentes nos espaços
públicos. Contudo, mesmo cientes das dificuldades e perigos, as cuidadoras(es)
gradualmente liberam as crianças a fazerem trajetos até as escolas sozinhas, ainda que
mantenham receios sobre o uso e apropriação da rua pelas crianças, especialmente com
relação ao brincar.
Por outro lado, entende-se que essa relação das crianças nos seus espaços urbanos do
cotidiano é tão profícua e rica que deveria estimular a melhoria no desenho das vias,
considerando-se com mais cuidado a segurança e as especificidades da infância. Para
isso, será fundamental a realização e o aprofundamento dos métodos de participação
nos projetos e planejamento, os quais devem se adequar às particularidades de cada
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

grupo populacional. No caso específico das crianças, é necessário que os profissionais e


tomadores de decisões que se relacionam com território formulem escutas específicas,
com o intuito de se aproximar ao olhar sensível que as crianças têm sobre a cidade e
posteriormente incluindo as suas demandas e desejos.
Finalmente, entende-se que a experiência da cidade a partir da infância, não só fortalece
a visão crítica dos indivíduos desde cedo como também os prepara para futuros desafios
do mundo adulto, que no campo da Arquitetura e do Urbanismo é essencial para nossa
formação. “Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível
ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais
nas ruas, nas praças, (...)” (FREIRE, 2002, p- 19-20). Assim como Freire entende o
potencial formador das vivências na cidade para o campo da Educação, é importante
que assim seja reconhecido no ensino das temáticas da cidade. Entre os alunos
ingressantes nos cursos de arquitetura, quais tiveram a oportunidade de percorrer
diariamente as ruas dos seus bairros a pé? A partir de qual idade eles fizeram esses
percursos? Resgatar essas experiências pode ajudar a compreender a qualidade do
entendimento dos estudantes de arquitetura dos espaços urbanos. Alunas e alunos de
arquitetura que entendem a cidade porque vivenciaram ela desde pequenos,
compreenderão melhor os desafios da profissão. Inclusive, popularizar esses
aprendizados sobre o urbano nas escolas públicas dá mais ferramentas às populações
de baixa renda, especialmente, para disputar espaços em carreiras como Arquitetura e
o Urbanismo, tradicionalmente ocupados pelas elites.

6 REFERÊNCIAS
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<https://educacaoeterritorio.org.br/conceito-territorios-educativos/> Acesso em: 02 de fev. 2021
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<https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5704972.pdf> Acesso em: 02 fev. 2021.
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experiência de Rosário-Argentina. Cadernos de Pesquisa Educação. PPGE-UFES, v. 21, p. 151-170, 2019.
CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL. O que é Educação Integral, [s.d.]. Conceito. Disponível em:
<https://educacaointegral.org.br/conceito/> Acesso em: 02 fev. 2021
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GOBBI, Márcia. Lápis vermelho é de mulherzinha: Desenho infantil, relações de gênero e crianças pequenas. Pro-
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GRATIOT-ALFANDÉRY, Hélène. Henri Wallon. Tradução e organização: Patrícia Junqueira. – Recife: Fundação
Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2011
LEFEBVRE, Henri. Direito à Cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.
METRÔ DE SÃO PAULO. Pesquisa Origem Destino – 2017, A mobilidade urbana da região Metropolitana de São
Paulo em detalhes. São Paulo: Governo do Estado, 2019.
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MONTESSORI, Maria. A Criança. Círculo do livro, 1989.


MUNARI, Alberto. Jean Piaget. Tradução e organização: Daniele Saheb. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora
Massangana, 2010.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 180

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

A crise da presença no ensino de projeto: da escola Bauhaus


aos tempos da quarentena

Aline Stefânia ZIM


Centro de Ensino de Brasília/CEUB; aline.zim@ceub.edu.br
Carolina Menzl CELASCHI
Centro de Ensino de Brasília/CEUB; carolina.celaschi@ceub.edu.br

RESUMO
O ensaio trata da crise da presença nos ateliês colaborativos a partir da situação extrema do ensino de
arquitetura e design em tempos de confinamento pela Covid-19, em direção a uma análise mais ampla,
que antecede a pandemia. As referências que compõem as bases curriculares das melhores escolas de
arquitetura e design permanecem as mesmas: os ateliês de projeto da escola Bauhaus e outras referências
europeias. Mais que repensar o ateliê remoto, é preciso repensar o sistema de ensino em direção à
qualidade formativa, como fizeram os professores e alunos, pioneiros da escola Bauhaus, durante as
décadas conturbadas que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Naqueles tempos, a inovação foi a
chave da sobrevivência.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de arquitetura, ateliê de projeto, Bauhaus

1 INTRODUÇÃO
A essa altura, não existirão fronteiras entre os ofícios, a escultura e a pintura;
tudo será uma coisa só, a Arquitetura. (Bruno Taut, sobre os princípios da
Proclamação da Bauhaus de 1919, FRAMPTON, 2015)

A crise do ensino superior presencial traz o enfrentamento de duas forças antitéticas: a


resistência e o otimismo diante da “era da informação”. É possível a conexão humana
colaborativa mediada pelos dispositivos virtuais? Parece estarmos num caminho sem
volta, onde o acesso e a mobilidade remotos desafiam um dos princípios mais caros das
escolas de arquitetura: o ateliê de projeto.
O mito do ateliê colaborativo, em referência, principalmente, à escola alemã Bauhaus,
se perde na resiliência, em telepresença, nos tempos da quarentena pela Covid-19. A
prática do ateliê, nesse momento, dissolve-se numa espécie de abismo entre a
hiperconexão das redes e o hiperconfinamento humano na sua célula individual. O
ensino de arquitetura está tensionado entre forças contrárias, da explosão das redes
planetárias infinitas e da implosão do indivíduo, frágil e perecível, confinado pela
quarentena, preso a um looping do tempo que parece anestesiar os sentidos.
A resistência ao ensino remoto, que mantém o ateliê de projeto de arquitetura vivo e
pertinente nas melhores escolas do país, esconde uma crise profunda da presença no
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

ensino superior. Por um lado, a recorrência da presença de baixa qualidade, sem a


empatia ou interesse entre alunos e professores. Por outro, a simulação da autonomia
e da acessibilidade como condições intrínsecas a essa “nova modernidade líquida” que
a maioria dos brasileiros não acompanha.
Parece se repetir o descompasso entre o sujeito e a modernidade, nas primeiras décadas
do século XX, em que vanguardas artísticas e de pensamento conflitavam com o
conservadorismo nas relações sociais e na intimidade das habitações. Da mesma forma,
o sujeito contemporâneo é suprimido pela seus múltiplos avatares que compõem a nova
modernidade hiperconectada e ao mesmo tempo esquizofrênica das redes.
A Bauhaus reinventou o ateliê criativo renascentista como espaço de produção e
inovação de tecnologias, onde diferentes artistas conviviam e se afirmavam como
grupos de vanguarda [o surgimento do artista com profissional liberal?]. Os objetivos
coletivos deram espaço às expressões individuais, o que possibilitou a renovação e a
inovação das linguagens artísticas. Conjurou-se a prototipagem, o laboratório de
criação, de experimentação e de colaboração artística na escala do artesanato e da
indústria; inventou-se o design, o projeto, no sentido que conhecemos hoje. Para tanto,
houve uma estreita integração entre currículo, infraestrutura física e ideologia.

2 HISTÓRICO DOS CURSOS DE ARQUITETURA E URBANISMO


Segundo Weatherhead (1941), o ensino de arquitetura em padrões similares aos da
universidade – Collegiate education, nos quais antes de se entrar na carreira
profissional, o aluno cursa um ciclo básico de estudos, correspondentes ao bacharelado
no Brasil – começou somente no século XVII na primeira Academíe Royale d'Architecture
fundada por Colbert (KATINSKY, 1999). Já Silva (1991) aponta que a primeira escola de
arquitetura foi fundada na Espanha em 1582 com o nome de Academie de Architectura
y matemática. Anteriormente, o aprendizado em arquitetura na França e outros países
se dava pelas corporações de ofício (MALACRIDA, 2010).
Nos séculos XII e XIII as Bauhutten medievais eram comunidades formadas por artesãos
e artistas nas quais a aprendizagem se dava através da prática da construção, imitada
de um mestre. Neste aspecto não havia o ensino da teoria da arquitetura (WICK, 1989).
Durante a Idade Média, o ensino era baseado na analogia ou conhecimento analógico,
ou seja, na cópia do trabalho dos mestres, na imitação como processo pedagógico; e,
apesar deste método de formação ter ganhado maior liberdade individual no século XIV
a partir da metodologia de ensino baseada na prática cotidiana, ainda assim, era
influenciado pelos mestres e as corporações de ofício medievais (PIMENTEL, 2003).
O arquiteto e tratadista Leon Battista Alberti (1404 – 1472) foi o responsável na
mudança dos paradigmas de ensino de arquitetura, uma vez que transformou a
profissão que anteriormente era considerada um ofício mecânico em uma disciplina
intelectual e teórica. Dessa maneira, a atividade que antes era baseada no
conhecimento empírico passa a ser considerada uma atividade científica (PIMENTEL,
2003).
Com o advento do Renascimento, haverá uma ruptura entre prática e aprendizagem, o
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 182

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

que influenciará nos séculos XVI e XVII as Academias de Belas Artes, nas quais o processo
pedagógico será fundamentado no repasse de normas e informações (CARSALADE,
1997). Nestas, existe uma formação científica (geometria, anatomia e perspectiva) e
humanística (história e filosofia).
Este modelo, principalmente baseados nas tradições clássicas (a Grega, a Romana e a
Renascentista), foi utilizado pelo Sistema de Ensino Belas-Artes, que:

[...] compõem a arquitetura do historicismo, a qual reflete a influência do


conhecimento da história sobre os arquitetos, ou seja, trata-se de uma época
em que os exemplares catalogados para a arquitetura são utilizados como
repertório de projeto (MALACRIDA, 2010, p. 52).

Porém, essa visão de que o ensino da Belas Artes era baseado unicamente na cópia de
exemplos históricos, os quais seriam responsáveis pelas tendências retrógradas do
século XIX (neoclássico e eclético), segundo Kruft (1994) surge da crítica que os
seguidores do Movimento moderno lançam sobre a Beaux Art, justificando uma
arquitetura moderna que se afastaria da história.
A primeira academia francesa de artes é a Academíe Royale d'Architecture, que foi
fundada em 1671 e teve como seu primeiro professor Nicolas-François Blondel (1618-
1686). A Academíe era dividida em dois cursos baseados nas artes clássicas que se
propunham ao estudo e reprodução dos feitos da antiguidade, Curso de Pintura e
Escultura e o Curso de Arquitetura (MALACRIDA, 2010). No curso de arquitetura,
Malacrida (2010) aponta que Blondel foi o primeiro a formular uma didática para o
ensino de arquitetura e urbanismo descrita em seu tratado o Cours d'Architecture;
enquanto Carsalade (1997) menciona que o ensino-aprendizagem utilizado por ele se
dava primeiramente pelo estudo dos tipos, e posteriormente através da articulação dos
elementos arquitetônicos. Será neste sistema que se dará a divisão do ensino em duas
vertentes até hoje utilizadas: a de aulas teóricas, que no caso da Beaux-Arts seriam as
conferências e palestras realizadas na Academia, e as aulas práticas, realizadas nos
ateliês (CARSALADE, 1997).
Segundo Malacrida (2010), essa separação entre Teoria e Projeto se deu com o
surgimento das Academias Francesas no Renascimento, quando o ofício da profissão de
arquiteto deixou de ser ensinado no local de construção, o canteiro de obras, e passou
a ser lecionado em parte no ateliê, onde o desenho e o projeto passaram a ser as
aptidões prezadas nos estudantes. As aulas expositivas aconteciam na forma de
conferências, dentro da Academia, onde as doutrinas arquitetônicas eram expostas,
enquanto fora dela os estudantes, juntos, executavam os projetos, orientados por
líderes da comunidade arquitetônica (CHAFEE, 1977 apud MALACRIDA, 2010). Somente
dois séculos depois, já no século XVIII, os cursos de arquitetura tomaram uma nova
direção, aproximando-se do ensino modernista, quando houve uma diminuição no
número de horas teóricas e o consequente aumento da quantidade de horas de projeto.
O sistema de ensino Beaux-arts era dado através de uma relação entre mestre e
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

discípulo, no qual o primeiro, por meio de exercícios práticos, ensinava a profissão de


arquiteto ao estudante. Antes de virarem profissionais da área, os alunos deveriam
passar por três provas: esquisses (prova de desenhos e croquis), projets rendus
(elaboração de projeto arquitetônico) e por último a elaboração de um projeto
completo baseado no estudo das ordens clássicas (PIMENTEL, 2003).
Com o advento da industrialização no século XIX, as grandes demandas tecnológicas e
urbanas culminaram no crescente abandono do ensino histórico-teórico, uma vez que a
arquitetura produzida dentro da Beaux-arts supervalorizava os padrões estéticos em
detrimento das novas tecnologias da época. Observa-se a manutenção do ensino em
escolas-oficinas com o "aprender fazendo" como pedagogia de futuro promissor:
aptidão de copista, desenhos de ornamentos e arte de prancheta, como influência
deletéria (PEHNT, 2006, p.120 apud DAUFENBACH, 2017).
Há a busca por uma pedagogia menos vinculada às cópias do passado nas manifestações
de Walter Gropius (1883-1969) sobre o ensino de arquitetura em seu livro Architektur,
no qual o ideal moderno de uma arquitetura livre das influências históricas se daria
através de uma nova metodologia de ensino. Para ele, “o ensino não deveria fornecer
regras excessivamente acadêmicas, mas desenvolver um método que possibilitasse o
crescimento pessoal do aluno” (PIMENTEL, 2003, p. 68). Segundo Gropius (GROPIUS,
2009, p.86): “é mais importante ensinar um método de raciocínio do que meras
habilidades”.
Até então, os métodos tradicionais de ensino de arquitetura eram baseados em setores
separados; a Teoria (livros) e o Projeto (prancheta). Gropius questiona essa forma de
ensino, considerada por ele intelecto-acadêmica. Para ele, o livro e a prancheta, não
poderiam substituir a experiência da oficina e do canteiro de obras (GROPIUS, 2009).

É mais importante ensinar um método de raciocínio do que meras


habilidades. Deve ser um processo contínuo, que se desenvolva
concentricamente (...). O ciclo de tarefas deveria permanecer global em todas
as fases da educação, não ser dividido em partes isoladas, e aumentar
gradativamente de intensidade e profundidade em todos os campos ao
mesmo tempo. Desde o princípio a compreensão do relacionamento orgânico
de todos os domínios do saber e experiência é da maior importância, só
então, a totalidade do aspecto do conjunto fará sentido na representação do
estudante. Se ele parte do geral para o particular, e não o oposto, aprenderá
facilmente todas as minúcias e as ordenará no lugar que pertencem
(GROPIUS, 2009, p.95).

Ou seja, segundo Gropius (2009), o ensino de arquitetura deveria conter:


a. O paralelismo entre o ensino teórico e prático, uma vez que no curso trienal o aluno
estuda em conjunto sob a orientação de dois professores: um professor artesão (que
lhe ensina a prática profissional) e outro de desenho (que lhe ensinaria a teoria); e
b. O contínuo contato com a realidade do trabalho e a presença de professores
criativos.
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

O trabalho em conjunto possibilitará o desenvolvimento de alunos com capacidade


criativa e criadora e com contato com as problemáticas da sociedade industrial, uma vez
que no curso preliminar, o vorkurs (Figura 1), eles teriam contato com os meios de
produção através de oficinas seguindo tendências mais funcionais, por meio da
experimentação de materiais diversos (CAMPELLO e SABOIA, 2011; ITAÚ-CULTURAL,
2012).
Figura 1: Gráfico representativo do curso desenvolvido pela Bauhaus.

Fonte: http://www.arteduca.unb.br/ava/file.php/173/3bauhaus2.pdf

O vorkurs desenvolveu-se em um sistema único de instrução baseado no estímulo da


criatividade e nas teorias educacionais progressistas de John Dewey do ‘aprender
fazendo’. O que permitiu a todos os estudantes do primeiro ano da Bauhaus, a libertar
a criatividade individual e trabalhar com suas habilidades específicas (FRAMPTON,
1997).
Após seu fechamento, e com a migração dos professores da escola, as ideias da Bauhaus
se difundem pelo mundo. Apesar das críticas que sofreu, foi um marco de extrema
importância para a história do design e da arquitetura, tendo em vista que foi a primeira
escola a utilizar-se de métodos educacionais exclusivamente adequados à nova
sociedade pós revolução industrial, deixando marcas profundas na arquitetura alemã e
tornando-se um dos símbolos da Arquitetura Moderna mundial.
O modelo criado por Gropius, segundo Amaral (2008, p.5), foi colocado em parte em
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 185

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

prática no ensino brasileiro de arquitetura a partir da década de sessenta: “O ateliê seria


o espaço no qual o aluno aprende a projetar e, portanto, o local no qual a síntese entre
todas as disciplinas que compõem a grade curricular do Curso de Arquitetura ocorreria
no ato deste fazer”. Portanto, pode-se concluir que os paradigmas do sistema de ensino
Beaux-arts e do movimento moderno, com ênfase no método difundido pela Bauhaus,
possibilitam um entendimento do ensino-aprendizagem de arquitetura no Brasil.
De acordo com o relatório da Unesco sobre o ensino de arquitetura no Brasil (1974),
tanto a vertente de estilo academicista da Belas Artes quanto a tecnocrático da escola
Politécnica convergiram para um modelo modernista, o qual até hoje é aplicado pelas
diretrizes básicas: “[...] evoluíram de uma posição acadêmica [...] e tecnocrática [...] para
uma posição modernista, no sentido estético influenciada pela Bauhaus [...](UNESCO,
1974, p.53 apud PIMENTEL, 2003).
O currículo da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (antiga
Escola Nacional de Belas Artes) foi ajustado após a II Guerra Mundial e passou a ser o
modelo a ser seguido por outros cursos de arquitetura do país (PIMENTEL, 2003), no
qual se dividiu a estrutura curricular do curso em 23 cadeiras separando o ensino de
projeto do ensino teórico.
Com a inauguração do novo edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo- FAU da
USP em 1961, o projeto de um novo tipo de espaço para o aprendizado da profissão é
materializado: o ateliê de projeto. Monteiro (2007) coloca que era função do ateliê
organizar e estruturar o curso. O que, segundo Amaral (2008, p.5), deveria ser colocado
em prática com o Ateliê Interdepartamental da FAU-USP, este seria: “o espaço no qual
o aluno aprende a projetar e, portanto, o local no qual a síntese entre todas as disciplinas
que compõem a grade curricular do Curso de Arquitetura ocorreria no ato deste fazer”.
Porém, a autora comenta que este modelo não foi colocado em prática, sendo
substituído pelo “ateliê (...) exclusivo das áreas de projeto, ou seja, excluiu as demais
disciplinas que deveriam estar contribuindo para a síntese do aluno”.

3 O ATELIER DE PROJETO
Desde a segunda metade do século XX, grande parte dos ateliês no curso de Arquitetura
fizeram e fazem referência às configurações espaciais das oficinas da Bauhaus. A partir
da Bauhaus, difundiu-se não somente o design industrial, que foi a cooperação entre as
bases teóricas advindas das artes e da arquitetura com a práxis das antigas guildas de
artesãos, mas disseminou-se também a metodologia do ateliê de projeto.
O atelier é a base para as disciplinas de projeto arquitetônico, consideradas a espinha
dorsal dos cursos de arquitetura e urbanismo (LEITE e SILVA, 2018). Segundo Andrade
(2011, p.203 apud LEITE e SILVA, 2018) o ateliê se configura como "o centro de toda
escola de arquitetura, em torno do qual acontece o encontro entre os sujeitos da
aprendizagem e seu objeto". Sendo o lugar de relação entre o estudante e o seu
professor, o objetivo do atelier é a fabricação do processo de projeto.
De acordo com Vidigal (2010, p.23, apud LEITE e SILVA, 2018) o ateliê ou estúdio é o
espaço de produção que tem qualidades distintas das atividades de ensino
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 186

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

convencionais. Os procedimentos didáticos são baseados nos exercícios de projeto em


si, em torno do qual funcionam os atendimentos aos estudantes. Em ambas as
definições, o atelier configura-se como o espaço de interação por excelência, que
permite a relação mais difusa e menos hierárquica entre os alunos e entre professor e
aluno, ou seja, uma forma de comunicação mais horizontal e autônoma.
Inicialmente pensados como espaço de criação e de produção, os ateliês de projeto
adaptaram-se aos modos de produção em arquitetura e urbanismo: por um lado,
simulando a estrutura física do escritório corporativo e por outro, correspondendo às
demandas e ao perfil do profissional liberal. De qualquer modo, correspondem, cada vez
mais, aos movimentos do mercado de trabalho.

Figura 2: Bauhaus, vista do sudeste. Weimar, Dessau, 20219.

Fonte: https://www.goethe.de/ins/hr/de/kul/sup/bau/21387050.html

A história do Atelier de Projeto passa pela história dos modos de produção das artes e
da arquitetura, que, desde a Antiguidade, eram ofícios interligados entre arte,
artesanato, arquitetura e construção, sobrepondo as figuras do arquiteto-artista, do
arquiteto construtor e do artesão. A arquitetura como arte e ofício desdobra-se,
historicamente, das corporações de mestres e artesãos em direção à consolidação do
artista como profissional liberal. Para tanto, o Atelier de Artes e Ofícios é o espaço
protagonista para a evolução das técnicas projetuais e construtivas, e para a formação
profissional, o que levaria à distinção entre arte e artesanato.
A diferença essencial entre as duas profissões, artesão e artista, vai basear-se, segundo
GREFFE (2014), na formação, na retribuição ou nos honorários, e no status social,
fomentando uma economia de mercado direcionada ao produto com base no ofício,
uma economia de serviço direcionada ao talento e sustentada por uma profissão; uma
economia de renome focada nas obras-primas e instituindo o gênio artista como base.
Na prática, as guildas medievais não foram substituídas pelo produtor artista. O sistema
de produção nas artes e arquitetura entre os séculos XIV e XIX, foi predominantemente
coletivo, nos ateliês e escolas de artes e técnicas. Poucos artistas trabalhavam isolados.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 187

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Mesmo esses, intercalavam períodos de produção nos ateliês, com aprendizes e colegas.
O que difere as guildas dos ateliês, basicamente, é a relação da produção com o mercado
da arte.
Historicamente, o arquiteto-artista se distingue do arquiteto-construtor, num processo
complexo entre as demandas da igreja, da nobreza e da burguesia. A partir do
Renascimento, a prática do mecenato e a consolidação da arte e arquitetura burguesa
alimentaram o mercado das artes e, consequentemente, a sua produção. Das guildas
medievais à Academia de Belas-Artes, os artistas adaptaram os seus modos de produção
a partir da sua sobrevivência no mercado das artes e na busca do seu lugar no mundo.
Se a corporação das guildas lhes assegurava o aprendizado dos ofícios e os contratos
comerciais de venda das obras, na academia os artistas se submeteram à erudição,
muitas vezes ortodoxa e determinante do bom gosto.
No ateliê liberal, vislumbravam a autonomia comercial e artística. Tal liberdade, no
entanto, trazia dificuldades de sobrevivência, principalmente entre os séculos XVII e
XVIII, período em que guildas e ateliês liberais competiam pelo mercado de arte
burguesa. Os que se destacavam de algum modo eram contratados pela igreja ou pela
nobreza. Nesse caso, os honorários e a posição social custavam, em parte, a autonomia
do artista diante das suas decisões e a vida social. Nesse contexto, ao longo dos séculos
XVI e XVII, os espaços dos ateliês e das academias de belas-artes seriam ocupados pela
nobreza, inclusive por mulheres. Nesse sentido, a profissão tomou um rumo mais
elitista, representante de determinados círculos sociais mais nobres. De fato, os artistas
do Renascimento eram filhos de artesãos ou comerciantes, o que de certo modo
representava uma ascensão social. Assim, as Belas-Artes (incluindo a arquitetura) seriam
classificadas como atividades mais elevadas, equiparadas à poesia e à literatura.
A democratização das habilidades artísticas e dos ofícios seria retomada no século XIX
pelo movimento de Artes e Ofícios na Inglaterra. Ali seria também retomado o modelo
corporativo dos modos de produção, em detrimento à escala industrial vigente nas
grandes cidades europeias. A escola Bauhaus de Weimar, Dessau na Alemanha, no início
do século XX, articulou a corporação entre artesãos e artistas à escala industrial, sob a
premissa de elevar a produção alemã de manufaturas em busca da sua identidade no
mercado europeu altamente competitivo.
No Brasil, entre as últimas décadas, a expansão do setor do Ensino Superior fomentou a
criação de inúmeras faculdades de Arquitetura e Urbanismo. Nesse contexto, os espaços
do ateliê voltaram-se para o ensino e aprendizagem mais pragmático e técnico, e menos
artístico, teórico e experimental. Apesar dos currículos enaltecerem a produção
individual do gênio-artista, as escolas de Arquitetura, desde então, consolidaram-se
como provedoras de estagiários e arquitetos assistentes para as grandes construtoras,
escritórios e profissionais autônomos.
O atelier guarda a potência de ser um espaço de superação da prática projetual pela
integração dos saberes intelectuais e os saberes manuais, como o desenho, os modelos
físicos, a prototipagem e os ensaios. Há a tendência das escolas exigirem habilidades
manuais prévias reconhecidamente importantes para a prática projetual, ao mesmo
tempo em que reduzem ou suprimem as habilidades manuais e artísticas nos ateliês.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 188

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Significa supervalorizar as habilidades voltadas para a representação arquitetônica,


atendendo às demandas de mercado, e reduzindo a práxis artística e técnico-tecnológica
como base e processo para se desenvolver as habilidades da criação.

4 A CRISE DA PRESENÇA
Junto à ideia de que a rotina é entediante, as práticas artísticas desse século tendem ao
protagonismo do intelecto sobre o corpo, aliciando toda forma de abstração do mundo
real. A era da informação produziu uma nova linguagem “menos entediante”, a digital,
que, em muitos aspectos, está substituindo ou ofuscando os antigos modos de se fazer
e aprender arquitetura. O gesto feito pelo mouse, por exemplo, não corresponde ao
traço imediato do artista no papel, assim como a experiência da modelagem gráfica
difere fundamentalmente da modelagem física.
É fato que existem tecnologias, principalmente as de imersão virtual ou de realidade
aumentada, que proporcionam experiências táteis e até mesmo um ambiente de
aprendizagem favorável à evolução criativa. Essa perspectiva, entretanto, deve ser
analisada em diferentes aspectos. Primeiramente, é possível haver desenvolvimento
cognitivo real a partir da simulação? Se o fazer de conta vale tanto quanto o fazer de
fato, seria possível aprender a dirigir pelos simuladores. Mas o ponto aqui tratado não
é de adquirir uma habilidade e sim fazer algo bem feito, com qualidade. De qualquer
modo, quando o artista ou arquiteto experiente se depara com uma nova tecnologia,
ele não deixa de produzir arte ou arquitetura, mesmo que não a domine. Isso porque há
uma vivência anterior de desenvolvimento de habilidades e autocrítica suficientes para
que o “saber fazer” independa propriamente da técnica.
Algumas tecnologias mediadas permitem a experiência sensorial complexa. A imersão
em realidade virtual ou realidade aumentada, por exemplo, permite um tipo de
experiência tátil. Os jogos eletrônicos simulam de tal forma a realidade que alteram a
percepção dos jogadores, que passam a confundir existência real com os seus avatares.
Tais plataformas sofisticam-se em direção a uma maior interação entre homem e
máquina, assim como artífices digitais desenvolvem habilidades sofisticadas para
desenvolverem a programação e a modelagem dos jogos e das plataformas interativas.
O domínio dessa linguagem, entretanto, não garante a criação.
O ser humano é, por natureza, dependente do seu meio – não apenas por uma questão
de sobrevivência, mas também pelas suas práticas sociais e pelas noções de identidade
e de pertencimento. A modernidade trouxe ao indivíduo inéditas ferramentas de
interação com o mundo e um distinto entendimento sobre o espaço, não mais limitado
pelo concreto ou pela distância. Todavia, ainda que o ambiente virtual, hoje, coexista
com o físico, deve sempre ser reconhecido meramente como uma apurada mimese do
mundo que, de fato, é habitado. A tecnologia permite ilimitados parâmetros de criação,
de réplica e de compreensão, e um estado quase onipresente do ser humano, mas
existem qualidades do contexto físico que ainda não são passíveis de reprodução;
portanto, um ensaio fatídico da interação entre o indivíduo e o meio sempre deve se
voltar ao espaço primário – material e tangível.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 189

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Estando interligada à noção de lugar, a arquitetura tem sido reinterpretada, no decorrer


do tempo, paralelamente à própria revisão desse conceito. Em uma relação
interdependente, os significados de espaço e lugar, usualmente, se fundem; mas, o
espaço, como antecessor, é indiferente, e transforma-se em lugar à medida em que
passa a ser compreendido e dotado de valor (TUAN, 1983); e a arquitetura é a
responsável por essa transformação (NORBERG-SCHULZ, 2006). Segundo Magnavita
(2003, p. 64), o lugar esteve associado na filosofia, recorrentemente, à noção de espaço.
Na abordagem arquitetônica, voltou-se ao espaço construído e, em termos mais
genéricos, ao espaço físico. Norberg-Schulz (2006) estabelece o lugar como condição
elementar de referência para qualquer evento, e acrescenta uma nova apreensão
relacionada à psique humana: a noção de espaço de vivência, ou existencial – o produto
do espaço como organização tridimensional dos componentes de lugar, associado ao
caráter, a sua “atmosfera” – atribuindo, assim, importância não apenas à materialidade
da arquitetura, mas também à sua dimensão sensível.
A experiência é absorvida através dos sentidos. Na história, o corpo sempre esteve
representado na arquitetura: na Antiguidade, Vitrúvio abordou em seu tratado que as
medidas do espaço deveriam referenciar as do corpo humano; no Renascimento, o
corpo foi estabelecido como a medida de tudo; e, no Modernismo, o Modulor de Le
Corbusier anunciava uma arquitetura de massa, de medidas exatas baseadas em um
corpo padrão (VEGRO, 2014). E, se os sentidos apreendidos pelo corpo fazem a conexão
entre o indivíduo e o espaço, a mente – responsável pelo exame da experiência sensível
– pode ser a chave para compreensão desse vínculo.

5 CONCLUSÕES
Desde a Bauhaus, o ateliê permite a convivência de um grupo de alunos e professores
em torno de objetivos comuns. Presume-se, nesse espaço, a presença atenta,
participativa e intensa dos estudantes de arquitetura, mas o que se vê, hoje, é a imagem
recorrente da encenação da aprendizagem presencial: o professor reclamando a
atenção e os alunos imersos nas redes sociais pelos dispositivos pessoais. A presença
sem qualidade, ou de outra qualidade, mascara uma crise profunda nas relações sociais:
vivemos dialeticamente a era da hiperconexão global e da crise da presença, que revela
uma desconexão entre passado, presente e futuro: projeta-se o futuro e nega-se
presente, numa presença virtualizada, projetada para fora de si. Os modos de produção
contemporâneos, por sua vez, afirmam a hiper-realidade e a simulação da vida social
pelo consumo. Simula-se, inclusive, a aprendizagem, o autodidatismo e a autonomia.
Arrastadas pela lógica de mercado, as instituições de ensino parecem cumprir
estatísticas sem respeitar o tempo da qualidade que as escolas, na sua função de gerar
humanidades, deveriam cumprir.
Parece haver o distanciamento cada vez maior entre o saber-intelectual e o saber-fazer,
entendendo que o saber-fazer está implícito na formação do artista ou do arquiteto. E
não está: é necessário incorporá-lo como práxis contínua e supervisionada. Está
implícita, no entanto, uma distinção entre o profissional liberal, o técnico e o artesão,
como se o primeiro fosse superior aos outros, sem que precise vivenciar os saberes
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 190

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

mecânicos.
Entre a desqualificação dos fazeres mecânicos e o simulacro das artes liberais, finge-se
a formação de gênios arquitetos com base numa prática sem a consistência curricular
humanista e filosófica, nem a prática dos ofícios requeridos. Exige-se do aluno uma
autonomia intelectual e produtiva que não condiz à formação escolar de base. Simula-
se a formação do jovem herói global, capaz de mudar o mundo e que tudo pode,
estruturando a ideia do conhecimento introjetado, orgânico a uma geração de artífices
do mundo digital – os gênios hiperconectados.
Historicamente, no entanto, a genialidade entendida como “inata” ou dom divino dos
alguns artistas estaria estruturalmente relacionada com o plano técnico, de rotinas e
repetições. A educação moderna, em geral, evita o aprendizado repetitivo,
considerando-o entediante. Evitando-se a rotina, porém, as crianças deixam de estudar
a própria prática e modulá-la de dentro para fora. (SENNET, 2009). Sem repetição, não
há prática suficiente para a autocrítica e a evolução da prática; o treino mecânico muda
a prática e a faz mais compreensível a quem pratica.
O artista diferencia-se do artesão não pela supressão, mas pela superação das técnicas,
assim como o arquiteto se diferencia do construtor-artesão. Ambos, fundamentaram os
seus ofícios, historicamente, a partir dos saberes mecânicos e manuais, nos ambientes
de colaboração e coletividade, e na repetição das técnicas e ofícios, recursos típicos do
artesanato. A rotina traz a habilidade do distanciamento de si, transcendendo a técnica
em direção ao instinto e à improvisação. O improviso, como acontece no jazz, depende
do domínio da técnica para resultar em certa qualidade. Assim como no jazz, variações,
subversões e até mesmo as inversões dependem de uma base técnica consistente, um
primeiro plano técnico para sustentar o plano artístico. O que depois pode ser invertido:
o artístico ser o primeiro plano.
A escola de arquitetura deve oferecer esse ambiente colaborativo – o ateliê de projeto
– para a formação do estudante de arquitetura, seja ele um gênio ou não. A questão é:
quais são os treinamentos necessários para alcançar os altos padrões de qualidade
exigidos para um profissional? Nesse sentido, o papel do atelier é de permitir e
potencializar a integração dos diferentes saberes.
A crise da presença nos ateliês colaborativos é mais ampla do que a situação extrema
do ensino de arquitetura e design em tempos de confinamento pela Covid-19 – ela a
antecede. A referência que compõe as bases curriculares das melhores escolas de
arquitetura e design do planeta permanece a mesma: os ateliês de projeto da escola
Bauhaus. Mais que repensar o ateliê remoto, é preciso repensar o sistema de ensino em
direção à qualidade formativa, como fizeram os professores e alunos, pioneiros da
escola Bauhaus, durante as décadas conturbadas que antecederam a Segunda Guerra
Mundial. Naqueles tempos, a inovação foi a chave da sobrevivência.

6 REFERÊNCIAS
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Lacunas (ir)recuperáveis: a incompletude do remoto no ensino


de Arquitetura e Urbanismo durante a pandemia

Gogliardo Vieira MARAGNO


UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina; gogliardo.maragno@ufsc.br

RESUMO
Esse artigo trata de aspectos do ensino remoto emergencial de AU - Arquitetura e Urbanismo desenvolvido
pelos cursos do Brasil ao longo da pandemia da Covid-19, relacionando-os com limitações em comparação
ao ensino usual, quando ofertado com qualidade suficiente para atender a sociedade e as diretrizes
curriculares nacionais. Acata a premissa de que o ensino remoto pode se realizar utilizando o avanço dos
recursos tecnológicos de informação e comunicação e esforço pessoal significativo dos docentes. Alcançou
o êxito possível diante da conjuntura de crise, mas, mesmo na forma semipresencial adotado em algumas
instituições em fase posterior da crise sanitária, desenvolveu-se de maneira incompleta, limitando-se
praticamente a oferta de aulas teóricas, sem oferecer na plenitude as atividades inerentes ao ensino de
AU. Essa incompletude gera lacunas na formação de uma geração de profissionais em diferentes níveis de
profundidade, conforme o semestre que estavam no início da pandemia. O artigo especula sobre a
abrangência e forma como essas lacunas serão preenchidas visando recuperar e complementar a
formação sem prejuízo da qualidade, ou seja, formando arquitetos e urbanistas aptos a compreender e
intervir na concepção de espaços apropriados e necessários a sociedade brasileira atuando com ética e
responsabilidade, técnica e social.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de arquitetura e urbanismo, ensino remoto, qualidade de ensino

1 INTRODUÇÃO
Enquanto acompanhávamos e discutíamos no meio acadêmico e profissional as
deficiências do modelo tradicional de ensino, a crise de qualidade com provável nexo
com política educacional altamente liberalizante e quantidade excessiva de cursos de
AU1 no Brasil e, estarrecidos, nos defrontávamos com a realidade do surgimento de
dezenas de milhares de vagas de cursos na modalidade a distância, implantados por
determinação legal superior sem consulta, pesquisa ou garantia mínima de resultados
satisfatórios, fomos todos confrontados em março de 2020 com a realidade
intempestiva da pandemia da covid-19.
Com tudo praticamente paralisado, todos perplexos e alarmados, escolas e
universidades também foram fechadas, aulas suspensas pela necessidade do
distanciamento social e consequente suspensão das atividades presenciais. Foi preciso
que a área educacional em todo o mundo e também no Brasil se reinventasse.
Em relação aos docentes, de uma semana para outra, metodologias, ferramentas,
espaços de trabalho, enfim toda a vida acadêmica dos professores, foram
avassaladoramente transformadas. O espaço físico das salas de aula, ambiente de ricas

1
Tendo em vista o grande número de repetições, neste artigo optou-se por utilizar “AU” ao se referir a
“Arquitetura e Urbanismo”, exceto em títulos, nomes e citações.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 194

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trocas e intercâmbios teve que ser substituído por espaços virtuais proporcionados pela
internet e seus aplicativos em que a interação visual passou a se dar por uma tela de
poucas ou pouquíssimas polegadas. Em relação aos estudantes a efervescência das
interações pessoais, da imersão em espaços mais ou menos, de acordo com as
instituições, apropriados, a disponibilidade de uma série de recursos e instalações, a
rotina de sair de casa para dedicar-se especificamente ao seu processo formativo
substituídos pelas diminutas telas, dependentes da qualidade de internet e submetidos,
na maior parte das vezes a interferências pela rotina doméstica, falta de privacidade,
inadequação de mobiliário e equipamento, entre outras dificuldades.
Podemos considerar que as TICs – tecnologias de informação e comunicação salvaram a
continuidade do ensino, mas a pode-se indagar a que preço. No ensino remoto, olhares,
gestos, sensações somáticas, interações face a face foram substituídos por interações
mediadas pelo celular ou computador de duas formas: 1- aulas assíncronas, onde
estudantes passaram a ver e ouvir aulas previamente gravadas com maior ou menor
qualidade, e as dúvidas podendo ser esclarecidas no momento por chats ou outras
formas de interação ou posteriormente, aproximando-se em parte com os modelos de
ensino a distância; 2- síncronas, alunos compartilham on-line, no mesmo horário, uma
sala virtual podendo ver e ouvir o professor, suas apresentações, bem como com ele
interagir com ele de maneira oral ou escrita e também compartilhando textos ou
desenhos, aproximando-se um pouco das práticas tradicionais presenciais.
Em um período muito pequeno de tempo foi necessário que professores e estudantes
se adaptassem ao novo modelo incorporando novo vocabulário, novas plataformas e
nova forma de interação. Professores tiveram que adquirir equipamentos, melhorar
redes, improvisar estúdios, inteirar-se sobre tecnologia para adaptar todo o conteúdo
desenvolvido para aulas presenciais em aulas remotas e transformar-se de um professor
de carne e osso em um professor remoto. Tudo por sua conta e risco, inclusive os
investimentos financeiros necessários. Raras instituições proporcionaram pagamentos
extras ou recursos técnicos, e suas jornadas foram alongadas ad infinitum.
A urgência serviu de pretexto para que as instituições não fizessem levantamento das
condições de estudo dos estudantes em suas casas, até porque isso poderia implicar em
assumir responsabilidade de adequação dos recursos e ambientes para o
desenvolvimento das aulas (TRAMONTANO et al, 2020).

2 CARACTERÍSTICAS E INCOMPLETUDE DO ENSINO REMOTO


Para ofertar emergencialmente o ensino remoto os cursos foram obrigados a adaptar
com pouco ou nenhum planejamento recursos on line “sem considerar aspectos
importantes da realidade de estudantes e professores, bem como aspectos pedagógicos
e tecnológicos envolvidos” (GUSSO, 2020). É necessário destacar que, da mesma
maneira que na EaD, há certas habilidades e competências que não são suscetíveis em
modo remoto, tais como as habilidades sociais básicas e as habilidades comumente
denominadas técnicas (IBID). Até mesmo aulas teóricas remotas apresentam limitações.
Em uma aula presencial o (bom) professor consegue constatar razoavelmente o grau de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 195

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interesse, acompanhamento e compreensão dos alunos durante sua exposição. Mesmo


quando calados a linguagem dos olhares e gestos é perceptível a um professor diligente
que pode modificar a dinâmica criando ações de motivação, ênfase a determinados
assuntos, adaptando a aula de acordo com o andamento. Nas salas virtuais o contato
virtual se perde. Mesmo nas telas de ambientes oferecidos por Meet, Zoom, Teams, etc.,
raramente câmeras estão abertas mostrando rostos, seja por limitação técnica ou por
timidez para ocultar as condições não apropriadas dos espaços de moradia. O professor
vê apenas nomes, letras, símbolos ou no máximo uma imagem estática que não condiz
com a atenção (ou falta dela) que o aluno mantém durante a aula. Em poucas
oportunidades o professor chega a saber as condições efetivas de cada estudante, se
estão mesmo ali ou só deixaram o equipamento conectado e se afastaram para outra
atividade, de lazer ou necessidade doméstica ou profissional.
A atenção que um professor, com maior ou menor êxito, consegue captar em uma sala
de aula física, passa a ser disputada por vários outros focos de interesse presentes no
ambiente desde onde o estudante participa das aulas remotas. Nas camadas menos
favorecidas dificilmente haverá uma sala ou um quarto privativo. Em muitas situações
não se dispõem de equipamentos de informática ou celulares e redes de internet com
configurações adequadas ou suficientes, e muitos precisam compartilhar esses
equipamentos com irmãos, por exemplo. Mesmo em um aparelho de celular sofisticado
a tela é pequena impedindo a visualização de detalhes apresentados na aula pelo
professor. Além disso, há a conjuntura da vida familiar ocorrendo ao redor com
interferências e demandas do cotidiano. Salas com televisões ligadas, cozinhas em uso,
varandas improvisadas e, em alguns casos apresentados em noticiários, até “lajes” eram
utilizadas. As vezes tentando captar ou compartilhar um sinal de internet melhor da
vizinhança. Essas são em resumo as condições de estudo remoto de parcela bastante
expressiva dos estudantes nesse país tão desigual.
No início da pandemia havia expectativa de que a situação era emergencial e seria de
curta duração, semanas ou quem sabe meses. Mas já se passaram anos e com as novas
cepas do vírus da Covid-19 retornou a incerteza no início de 2022. Quando muitos cursos
anunciavam o retorno ao presencial pleno, foi necessário adiar ou colocar dúvidas ao
cumprimento das intenções anteriores.
Após dois anos, 2020 e 2021, já se pode identificar três grupos de acadêmicos
enfrentando a situação: 1- de início de curso, havendo os que estão indo para o terceiro
ano sem nunca ter estado no espaço físico do curso; 2- de meio de curso e que agora
chegam aos anos finais e; 3- de final de curso que tiveram o último ou os dois últimos
anos totalmente remoto, sem atividades práticas e já havendo egressos. A situação
comporta questionamentos quanto a forma e profundidade do que se proporcionava
em modo presencial, ou que pelo menos deveria ser proporcionado em atendimento as
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2010), foi possível ser efetivamente
atendido pelo ensino remoto emergencial.
Seguramente muito ficou pendente o que já seria suficientemente grave para as demais
áreas, mais ainda para a AU que, por características do ofício, lida com análise,
percepção, estudo e proposição de espaços, espaços vivenciais edificados ou abertos,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 196

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espaços urbanos e territoriais, etc., permitindo concluir-se que, por melhor que consiga
ser oferecida, é impossível a virtualidade do remoto alcançar a plenitude e a suficiência
das atividades didático pedagógicas só alcançadas pela presencialidade. Como se
discute no âmbito da ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
e reforça a professora Ana Goes Monteiro (2021), sua atual presidente, “não é possível
formar Arquitetos e Urbanistas distantes da realidade sócio espacial em que vivem”.
A emergência determinou que assim fosse e, por mais que professores tenham se
empenhado buscando ser criativos no ensino remoto, muito se perdeu, ficou inconcluso
e pleno de lacunas. Lacunas que não se completam com mero atendimento, digamos
burocrático, de listas de conteúdo, carga horária, e outras exigências dos normativos de
pandemia do MEC. As listas com maior ou menor presteza foram atendidas pelas
instituições privadas e públicas, mas vale perguntar quem está avaliando e propondo
recuperação da formação humano-profissional dos jovens estudantes que se perdeu?
Em entrevista a um dos principais jornais do país Salman Khan (2021), considerado astro
das aulas online, reconhece que a “tecnologia possibilitou que professores
continuassem ensinando e alunos aprendendo”, mas não ele hesita em afirmar que
(...) se você comparar uma aula online a uma presencial, se todo o
resto for equivalente, a presencial é preferível. Se tivesse que escolher
entre uma aula presencial com um ótimo professor ou a melhor
tecnologia de ensino remoto, sempre iria escolher a presencial.
(KHAN, 2021)

Não é o juízo de alguém que se oponha ao ensino a distância, pelo contrário, de um


entusiasta, praticante e difusor, mas que sabe reconhecer suas limitações.
As dificuldades advindas da pandemia e do ensino remoto são globais. Pesquisa do RIBA
– Royal Institute of British Architects procura apresentar o impacto do Covid-19 sobre
os alunos do Reino Unido, detectando que embora os próprios considerem que em parte
a aprendizagem on-line os esteja preparando para um futuro digital, 83% consideram
que essa forma de ensino seja adequada apenas para partes do currículo e, por isso,
81% se recusariam a inscrever-se em um curso totalmente on-line. (RIBA, 2020)
No Brasil há professores que se entusiasmaram como resultados obtidos em suas aulas
remotas, mas é preciso considerar que esse entusiasmo está relacionado sobretudo com
a relação expectativa-êxito diante da superação das dificuldades que lhe foram impostas
pela conjuntura: ministrar aulas remotas de AU. Pesquisa da CEF - Comissão de Ensino
e Formação do CAU/RS sobre o ensino da e pela área no estado durante a pandemia
detectou que a comunidade acadêmica considerou que houve muito mais prejuízos que
benefícios, relacionando-os a baixa interação, sobrecarga, dificuldade na adaptação de
home office pelos estudantes, bem como deficiências diversas no ensino de práticas de
ateliê, como ausência de desenho a mão livre, perdas nas atividades de concepção
espacial, dificuldades com o uso de escalas, ausência de interação e vivência dos espaços
em diferentes configurações, e da própria cidade, etc. (CAU/RS, 2021)
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 197

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3 ENSINO DE ARQ. E URBANISMO: BEM MAIS QUE AULAS


As aulas teóricas e práticas podem ser consideradas a principal atividade pedagógica de
um curso de AU. Porém, ao se analisar as características históricas do ensino em todo o
globo, a Carta da Unesco-UIA para Educação dos Arquitetos (UNESCO-UIA, 2017) e, no
Brasil, as DCN, verifica-se que seu ensino incluí muitas outras atividades também
importantes e imprescindíveis (MARAGNO, 2013).
Grande número de professores, coordenadores, instituições e mesmo avaliadores do
INEP/MEC podem até deixar de atentar muitas vezes para detalhes das DCN que foram
construídos democrática e participativamente pela área de ensino. Contou com a
participação das entidades profissionais e com o conselho, na época CONFEA/CREAs)
durante a década de 1990 finalizando em 1994 com a Portaria MEC 1770 com Diretrizes
Curriculares e Conteúdos Mínimos (BRASIL, 1995). Essas diretrizes sofreram na década
seguinte algumas modificações supressivas em termos de exigência quantitativa
segundo interpretações do CNE – Conselho Nacional de Educação daquela época. As
atividades pedagógicas gerais como estão ainda hoje foram propostas pela área em
1998 por chamamento do MEC em decorrência da aprovação da LDB – Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional em 1996 (BRASIL, 2019), mas configuradas em DCN
apenas em 2006 e depois alteradas, sem participação da área, em 2010. Pelas DCN os
conteúdos curriculares devem se distribuir por dois núcleos - Conhecimentos de
Fundamentação e Conhecimentos Profissionais – e pelo Trabalho de Curso (MEC, 2010).
Na área de ensino, principalmente na ABEA, tem se optado por continuar chamando de
TFG - Trabalho Final de Graduação ou pelo menos TFC – Trab. Final de Curso.
O parágrafo 5º do artigo 6º das DCN2 estabelece que os núcleos de estudo sejam
dispostos quanto a carga horária e planos de estudo em atividades tanto “teóricas”
quanto “práticas”, individuais ou em equipes. As atividades distribuem-se em seis
grupos acrescidas do “estágio supervisionado”, no enquanto o artigo 7º, como conteúdo
curricular obrigatório (IBIDEM). Vale a pena analisar cada um dos grupos:

GRUPO 1: AULAS TEÓRICAS


O primeiro contempla aulas teóricas que devem ser “complementadas por conferências
e palestras previamente programadas como parte do trabalho prático regular”
(IBIDEM). As aulas teóricas em modo remoto foram autorizadas por portaria do MEC3
(BRASIL, 2020) e constituem o grupo que, por suas características, mais rapidamente se
adaptou ao modo remoto, ainda que enfrente dificuldades anteriormente expostas. Boa
parcela do conteúdo abordado em aula teórica por um professor só costuma se
concretizar para o aluno quando é confirmado com seus colegas em colóquios entre
iguais fora de sala de aula. Por isso, os encontros presenciais em corredor e pátio

2
O § 1º do Art. 6º da Resolução CNE/CES nº 2/2010 que trata do Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação foi
modificado pela Resolução CNE/CES nº 1/2021 introduzindo “Desenho Universal”. Modificação considerada indevida
pois apesar de se referir a “desenho”, o “Desenho Universal” relaciona-se a projeto e, portanto, ao Núcleo de
Conhecimentos Profissionais e não Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação.
3 PORTARIA MECNº 343 de 17/03/2020: Art. 1º. Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas

presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites
estabelecidos pela legislação em vigor (...)
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 198

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assumem quase a mesma importância da sala não sendo substituíveis pelo modo digital.

GRUPO 2: PRODUÇÃO EM ATELIÊ, EXPERIMENTAÇÃO EM LABORATÓRIOS, ETC.


O segundo grupo contempla produção em ateliê, experimentação em laboratórios,
elaboração de modelos, utilização de computadores, consulta a bibliotecas e a bancos
de dados, conforme se segue:

Produção em Ateliê
A produção em ateliê4 onde se desenvolvem as atividades práticas de representação
gráfica e principalmente de projetos, nas diversas escalas de atuação do arquiteto e
urbanista sempre foi considerado a “espinha dorsal” dos cursos (CARSALADE, 2016).
Reconhecidamente se considera a mais importante, onde “se realiza a síntese de todos
os conhecimentos necessários ao projeto de edificações, espaços abertos e de
urbanismo” (MAHFUZ, 2009). Foi justamente a que enfrentou os maiores desafios de
adaptação na passagem do presencial ao remoto.
Vale observar que muito antes da introdução no ensino de medicina nos anos 1970 da
aprendizagem baseada em problemas, conhecida como PBL, sua sigla em inglês, ela de
certa forma já era aplicada na AU ainda que não descrito ou teorizado dessa forma. A
produção em ateliê das DCN baseia-se na resolução de problemas contextualizados pela
realidade de um espaço predeterminado. Nela o estudante exerce parcela de autonomia
mediado por professores. No modo habitual, presencial, além de aulas há visitas a obras
referenciais e espaços de intervenção seguido do desenvolvimento de um trabalho
coletivo, até colaborativo, de análise do problema e do espaço. A postura do professor
poderá ser mais ou menos flexível, impondo sua própria metodologia e visão ou
proporcionando maior autonomia.
Donald Shcön (1985) expõe que a produção em ateliê de projeto baseia-se
fundamentalmente em uma prática reflexiva em que o professor busca levar
conhecimentos práticos implícitos aos estudantes. Tais conhecimentos, por suas
características, não podem ser verbalizados objetivamente por ele, determinando a
adoção de uma “performance reflexiva” e colaborativa por todo o grupo, em ambiente
de confiança suficiente para que os estudantes possam aventurar-se em seus próprios
caminhos (INEICHEN, 2015). Para a discussão trazida nesse artigo é também importante
a conceituação de Schön (1985) sobre a educação através da produção em ateliê que se
baseia no “fazer as coisas” e representar “coisas destinadas a serem construídas”, onde
não é suficiente limitar a apreciação, crítica ou análise teóricas das variáveis, sejam dos
“mundos naturais ou construídos”. Segundo ele:
Trata-se de uma forma de educação ao fazer no sentido de um
envolvimento com os materiais concretos, com o objetivo de moldá-
los, segundo uma visão de resultados desejados. (SCHÖN, 1985, p. 94)

Esses materiais concretos contribuem significativamente no processo de ensino-


aprendizado, constituem contornos e significados e se dá em AU através da percepção

4
Os dicionários contemplam atelier e ateliê. A primeira é uma palavra estrangeira, de origem francesa enquanto a
segunda é a forma aportuguesada da palavra atelier. Neste artigo mantivemos a grafia utilizada nas DCN: ateliê.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 199

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do meio físico e social, da materialidade e espacialidade que constituem em verdade a


essência da AU. O sentido visão é o único que continua a ser experimentado no modo
remoto, com a intermediação dos recursos digitais e, em que pese sua natural
prevalência, não pode e não deve prescindir da experimentação dos demais, sob risco
de comprometer a qualidade dos ambientes projetados e construídos.
Ainda que a produção em ateliê de maneira remota aconteça e permita a continuidade
dos cursos de AU, ensejando em alguns casos resultados satisfatórios, diante as
limitações da conjuntura sanitária, é necessário exaltar que ela não deve ser aceita como
substituta plena e suficiente como a produção presencial.

Experimentação em Laboratórios.
Algumas disciplinas, ademais dos ateliês de projeto, caracterizam-se como disciplinas
“práticas” constituindo componente significativo e fundamental na formação e exigindo
o uso de laboratórios. Tais disciplinas ocorrem não somente em laboratórios, mas
também nos chamados canteiros experimentais. As práticas além de dinamizar e
aprofundar conhecimentos teóricos, permitir experimentação e interação com
métodos, máquinas e equipamentos posteriormente empregados na vida profissional,
oferecem contato mais estreito com a realidade, com o aprender fazendo.
Alguns campos de saber relacionados ao “Núcleo de Conhecimentos Profissionais” como
tecnologia da construção, sistemas estruturais, conforto ambiental, técnicas
retrospectivas, informática aplicada e topografias embora contem também com
conteúdo teóricos não se finalizam sem essas atividades práticas. Neles a
experimentação é essencial para (re)cuperar o vínculo entre a Arquitetura e suas
dimensões socioeconômicas, para exercitar os estímulos sensoriais, estender a
concepção até a fase da construção, experimentar técnicas e materiais construtivos,
superar a abstração da representação gráfica, entre outras ações.
Exceto a informática pela natureza específica, nenhuma das demais está sendo
desenvolvida. Não somente pela impossibilidade do distanciamento determinado pela
pandemia, mas porque a portaria MEC que autorizou o ensino remoto de aulas teóricas
expressamente proibiu as práticas de laboratório5. Evidente que um estudante de AU
não estará completo e habilitado para o mercado profissional sem as experiências
práticas demandadas em sua formação.

Elaboração de Maquetes.
A percepção espacial é dos principais atributos a se desenvolver na formação de um
arquiteto e urbanista, sendo indispensável ao processo de perceber, pensar e conceber
os espaços arquitetônicos ou urbanos. Sabe-se que representação gráfica é sempre uma
abstração. Para uso próprio do estudante ou do profissional, para seu registro ou para
apresentar suas criações a terceiros utiliza-se a perspectiva, oferecendo sensação de
tridimensionalidade aos objetos desenhados. Se antes tudo era feito manualmente,

5
Portaria MEC 343/2020: Art. 1º - § 3º Fica vedada a aplicação da substituição de que trata o caput aos cursos de
Medicina bem como às práticas profissionais de estágios e de laboratório dos demais cursos. (BRASIL, 2020)
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 200

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hoje é possível fazer com rapidez e precisão de maneira digital. Chega-se a um realismo
tão grande que mais parece uma foto. Uma fotografia do que ainda não existe. Porém,
como em uma foto, a imagem de um objeto tridimensional está sempre pendente do
olhar, do ponto de vista de quem fotografou ou desenhou e limitado a determinado
ângulo. As animações de certa forma superam essas limitações, mas elas também
dependem de percurso e olhares predeterminados, além de na maior parte das vezes r
As maquetes em suas diferentes modalidades permitem o olhar partindo do todo e
chegando a minúcia, dependendo do seu grau de detalhamento, sob uma visão livre do
observador. Como nos desenhos, há maquete para apresentar aos outros as ideias e há
a maquete para uso próprio do criador. Para estas, Paulo Mendes da Rocha (2007)
registrou que eram instrumento de desenho parte do processo de trabalho funcionando
como extensão do raciocínio do objeto já configurado na mente. As maquetes digitais
complementam com muita eficiência as físicas, mas não as substituem principalmente
por proporcionar a visão do todo no ângulo que o observador desejar.
A Portaria MEC 1.770/1994 e o Perfis da Área e Padrões de Qualidade (BRASIL, 1995)
constituem guia de qualidade de ensino de AU ainda não superado. Explicitam obrigação
de oficina de maquetes e laboratório de modelos como “espaço equipado de maneira a
permitir o trabalho de alunos na experimentação através de maquetes e modelos,
auxiliando todas as disciplinas no desenvolvimento dos trabalhos de curso” (IBID, p. 13).
A confecção de maquetes demanda aprendizado prático e aplicação em “todas”
disciplinas, especialmente as de projeto. Outra atividade prática que até pode ser
substituída por vídeos e tutoriais, mas sua experimentação se dá com maior eficiência
no presencial. Quantas disciplinas remotas de projeto estão orientando e exigindo ao
menos fotografia de maquetes físicas?

Utilização de Computadores.
Antes da pandemia, um dos laboratórios mais presentes e abundantes nos cursos era o
de informática. Nem sempre estavam adequados ou equipados para as peculiaridades
do ensino da área e muitas vezes eram compartilhados com muitos outros cursos,
sobrando poucos horários para uso livre pelos estudantes. Os de maior recursos
econômicos tratavam de adquirir seu próprio equipamento portátil, os demais por não
podiam fazê-los e ficavam dependentes do uso dos laboratórios.
Parece lógico que tenha sido a atividade mais contemplada pelo ensino remoto.
Entretanto em pesquisa citada só 75% dos professores podiam afirmar que a “maioria”
dos alunos dispunha de computador adequado, 25% não puderam informar
(TRAMONTANO et al, 2020) e convém destacar, maioria não significa totalidade. Raras
instituições supriram as demandas por equipamento de alunos. Como apresentações e
entregas passaram a ser no modo digital, a demanda por capacidade das máquinas
aumentou consideravelmente, sendo que nem todos os estudantes puderam atendê-
las. Houve prejuízos que resultaram em exclusão, abandono e desistência por parte do
alunato mais carente.

Consulta a bibliotecas e bancos de dados.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 201

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Bibliotecas e bancos de dados físicos estiveram inacessíveis a maior parte do tempo de


pandemia, restando as alternativas digitais. Muitas instituições realizaram convênios
ampliando a base de dados a disposição dos estudantes. Convém observar que os
espaços de consulta das bibliotecas não servem apenas para a “consulta”, constituem
espaço de estudo concentrado e trabalhos em equipes que deixou de estar disponível.

GRUPO 3: VIAGENS DE ESTUDO.


As “viagens de estudos para o conhecimento de obras arquitetônicas, de conjuntos
históricos, de cidades e regiões que ofereçam soluções de interesse e de unidades de
conservação do patrimônio natural” especificadas nas DCN eram negligenciadas ou mal
conduzidas por número considerável de instituições, por dificuldades operacionais e por
restrições financeiras, no período que antecedeu a pandemia.
É manifesta sua importância na formação dos arquitetos e urbanista fornecendo contato
com realidades, modelos e soluções diferenciadas. Pode-se imaginar a dificuldade do
meio digital, por mais que recursos como Google Earth ou Maps proporcionem, para
estudantes de localidades afastadas de grandes centros e que nunca tiveram condições
de sair de sua cidade ou estado por meio próprio. Conhecer a capital de seu estado já
seria grande aventura arquitetônica e cultural para muitos estudantes, bem como a
participação em eventos. Mesmo EREAs e ENEAS, encontros de estudantes, acabam
oportunizando contato com outras realidades e trocas com outros estudantes.
Nenhuma das possibilidades puderam ser realizadas pela total interrupção de viagens
na pandemia.

GRUPO 4: VISITAS A CANTEIROS DE OBRAS, LEVANTAMENTOS DE CAMPO, ETC.


O grupo 4 compreende “visitas a canteiros de obras, levantamento de campo em
edificações e bairros, consultas a arquivos e a instituições, contatos com autoridades de
gestão urbana”. Atividades que não requerem recursos financeiro, são de fácil
realização e grande impacto na formação, relacionando-se com conteúdo de distintas
áreas. Conhecer a realidade de diferentes características e em diferentes estágios de
execução, verificar presencialmente o efeito direto de soluções arquitetônicas e urbanas
sobre os usuários, aprender o caminho burocrático da atuação profissional, o
funcionamento de instituições públicas e autoridades da gestão urbana, bem como
conhecer e manusear acervos disponibilizados são atividades que contribuem
extraordinariamente no processo de ensino-aprendizagem. Nem todos as vinham
praticando de maneira efetiva, poucos de forma rotineira institucionalizada incluindo-
as nos projetos pedagógicos e planos de ensino. Acabam ficando a cargo da
disponibilidade e boa vontade individual de muitos professores.
De qualquer maneira é importante assinalar que todas essas atividades ficaram
impossibilitadas de ocorrer durante todo o período de distanciamento social.

GRUPO 5: PESQUISAS TEMÁTICAS, BIBLIOGRÁFICAS, ETC.


O grupo 5 compreende diferentes atividades que merecem análise separadamente:
“pesquisas temáticas, bibliográficas e iconográficas, documentação de arquitetura,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 202

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urbanismo e paisagismo e produção de inventários e bancos de dados; projetos de


pesquisa e extensão; emprego de fotografia e vídeo; escritórios-modelo de arquitetura
e urbanismo; núcleos de serviços à comunidade”.

Pesquisas temáticas, bibliográficas e iconográficas.


Novos projetos trazem à baila problemas que requerem soluções inovadoras, porém o
estudo das alternativas desenvolvidas no passado e a compreensão de como as ideias
foram geradas constituem referencial de impacto no aprendizado e na atividade
profissional futura. Pesquisas bibliográficas e iconográficas permitem que estudantes
superem as limitações de deslocamentos e gasto de tempo, permitindo que estudantes
adquiram maior repertório e, a partir deles, desenvolver exercícios reflexivos propostos
por professores e compartilhados coletivamente auxiliando as atividades criadoras.
Essas pesquisas no período pandêmico ficaram restritas ao meio digital. Para que
ocorressem de maneira satisfatória, evitando simplificações excessivas, redundâncias e
obviedades é necessária que sejam bem orientadas e acompanhadas. Será que essa
orientação ocorreu durante as aulas remotas.

Pesquisas de documentação de arquitetura, urbanismo e paisagismo e produção de


inventários e banco de dados.
Nas práticas dos ateliês de projeto, raramente os estudantes têm oportunidade de
analisar e estudar o registro documental um projeto completo. Eles são necessários para
oferecer visão real e abrangente de todas as etapas de trabalho e tarefas intrínsecas que
envolvem um projeto, tal qual terão que enfrentar quando egressos. Pesquisa e
manuseio dessa documentação, bem como produção de inventários e banco de dados
costuma ser oferecida pelos cursos nas atividades de extensão e pesquisa dos cursos,
quando ocorrem. Atividades que foram interrompidas ou fortemente prejudicadas.

Projetos de pesquisa e extensão.


Pesquisa e extensão são atividades indissociáveis do ensino e fundamentais na formação
integral dos profissionais. Se por um lado em algumas instituições essa prática esteja
consolidada, está ausente na maioria dos cursos, notadamente os de instituições
isoladas. Na graduação, a pesquisa caracteriza como uma modalidade diferente, mais
focada e através de metodologias apropriadas propicia conhecer mais profundamente
os objetos de estudo. O emprego de metodologias de pesquisa permite tornar o
conhecimento comum e cotidiano em científico.
Por seu turno, a extensão oferece a prática de campo, o deslocamento das salas de aulas
e laboratórios para o mundo real onde com pessoas e situações reais, permitindo que o
conhecimento se desenvolva com a prática e compromissos diretos com a sociedade. É
um caminhar da arquitetura e cidades idealizadas para a arquitetura e cidades reais.
Os projetos de pesquisa e extensão no âmbito dos cursos estiveram por todo o período
interrompidos ou muito prejudicados pelo distanciamento das situações reais dos
laboratórios acadêmicos e dos vivenciais, nos edifícios e cidades.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 203

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Emprego de fotografia e vídeo.


Fotos e vídeos que foram restritos em uma ou duas décadas atrás principalmente pelas
limitações dos equipamentos, hoje beneficiam-se dos avanços da tecnologia.
Individualmente praticamente todos dispõe de uma câmera com razoável definição
técnica através dos celulares. A prática de fotografar e filmar tornou-se corriqueira e ela
é essencial na AU pois exercita o olhar. A limitação imposta pela pandemia caracteriza-
se na conjuntura atual na restrição de circulação nas cidades.

Escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo e núcleos de serviços à comunidade.


Visando oferecer aos estudantes “experiência prática em ambiente profissional”, ou
seja, estágios no âmbito das próprias instituições bem como propiciar de maneira mais
institucionalizada as atividades de extensão, os cursos devem ser providos de
“escritórios modelo e núcleos de serviços à comunidade”.
São temas sensíveis quanto a diferenciação entre os dois modos e suas interfaces com
o mundo profissional, ou seja, com questões afetas a legislação profissional. A FENEA –
Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo defende que os
escritórios modelos (EMAUS) devam ser uma iniciativa estudantil sem vínculo com as
instituições de ensino, porém, como estão preconizados pelas DCN, muitos cursos os
oferecem de maneira institucionalizas. A maioria dos EMAUS busca atender
comunidades carentes e instituições filantrópicas mas, em alguns casos, atuam em
situações de conflito com o mercado de trabalho. Já os núcleos de serviços à
comunidade surgem com diferentes denominações, laboratórios de habitação, de
habitat, urbanismo, entre outros. Ambos devem observar que atividades que possam
caracterizar-se como do campo de atuação do arquiteto e urbanista devem sempre
estar sob responsabilidade de um profissional, que emitirá correspondente RRT –
Registro de Responsabilidade Técnica.
Evidente que esses organismos estiveram paralisados durante todo esse período que
estamos abordando, prejudicando sobremaneira o desenvolvimento dos aspectos
práticos dos cursos.

GRUPO 6: PARTICIPAÇÃO EM ATIVIDADES EXTRACURRICULARES.


O grupo 6 compreende “participação em atividades extracurriculares, como encontros,
exposições, concursos, premiações, seminários internos ou externos à instituição, bem
como sua organização”. A área de AU costuma contar com uma série de eventos
acadêmicos e científicos ao longo do ano, inclusive as tradicionais semanas acadêmicas.
Durante o período de paralização das aulas presenciais as TICs passaram a ser a forma
de continuar de maneira remota a trabalhar, estudar, se relacionar e também de
participar de eventos. Até mesmo o Congresso Mundial de Arquitetura do Rio de Janeiro
em 2021 teve quantidade de público inédita em toda a sua história pela possibilidade
de participação virtual. Muitos eventos foram cancelados, outros adiados e muitos
outros ocorreram dessa forma digital remota. Estudos inclusive internacionais têm
demonstrado que a quantidade excessiva de eventos on line tem produzido sequelas
psicológicas na população e em especial nos estudantes. Afastamento das escolas, falta
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 204

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de interação social e física com colegas, tédio proporcionado pelas rotinas domésticas
intermináveis têm sido apontado como causa de sentimentos e comportamentos
desagradáveis e até mesmo de enfermidades como ansiedade e depressão.
Profissionais, professores e estudantes reconhecem que o aproveitamento e a interação
não é a mesma de um evento digital e um presencial. O aproveitamento de uma
conferência não se dá apenas pelo seu conteúdo, mas também pela troca de energia,
de gestos olhares, inclusive entre as pessoas nos intervalos.

ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO.


Pela LDB, o estágio “visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profis-
sional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para
a vida cidadã e para o trabalho” (BRASIL, 2019). As DCN de AU estabelecem no artigo 7º
como exigência e especificidades do estágio curricular supervisionado que são de
caráter obrigatório, com regulamento específico e oferecido em diferentes modalidades
de operacionalização e constituem “conjuntos de atividades de formação, programados
e diretamente supervisionados por membros do corpo docente da instituição
formadora”, tendo como objetivo assegurar a “consolidação e a articulação das
competências estabelecidas”. A ideia de “competência” relaciona-se a noção de
capacidade, constituindo a soma de conhecimentos e habilidades. As DCN estabelecem
também que os estágios supervisionados assegurem o contato dos estudantes com
“situações, contexto e instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e
atitudes se concretizem em ações profissionais” (IBIDEM), e como se trata de ações
profissionais no âmbito da AU é desejável que esse contato se dê com os profissionais
da própria formação. Já se referiu neste artigo que as instituições podem oferecer as
experiências práticas em ambientes profissionais, os estágios, internamente ou
externamente e, considerando o número exagerado de cursos, estudantes cada vez têm
mais dificuldade em encontrá-los em situação adequada e proveitosa para sua
formação. Nesses casos os núcleos e escritórios modelo cumprem também essa função.
O estágio além de propiciar que estudantes desenvolvam na prática os conhecimentos
teóricos aplicando-os em ambientes reais de trabalho, propiciam que desenvolvam suas
habilidades, competências e senso de ética e responsabilidade. A Carta da Unesco-UIA
(2017) recomenda que os arquitetos para atingir o pleno exercício da profissão
desenvolvam pelo menos dois anos de prática, indicando como desejável três e
admitindo que um desses ocorra antes da conclusão, ou seja, na forma de estágio. No
Brasil pela legislação dispomos menos que isso.
Finalmente, estágios bem como práticas de laboratório não foram autorizados a ser
oferecidos de modo remoto pela portaria do MEC (2020). Se algum estudante vem
desenvolvendo estágio, ele é extracurricular e não o supervisionado. Surge nova
interrogação: como se deu a formação plena dos egressos que se graduaram sem tê-lo
cumprido?
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 205

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

4 CONCLUSÕES – COMO RECUPERAR AS LACUNAS


O ensino superior em todo o mundo foi afetado pela pandemia da Covid-19, inclusive o
ensino de AU no Brasil. Para que não houvesse interrupção total as medidas de
distanciamento físico-social impuseram a “substituição das aulas presenciais por aulas
em meios digitais” (BRASIL, 2020) o que ficou conhecido como ensino remoto
emergencial. A legislação já permitia atividades na modalidade a distância para uma
parte dos cursos presenciais6. Ainda que não sejam coincidentes, EaD e ensino remoto
emergencial tem muitos pontos em comum, principalmente a impossibilidade de
desenvolvimento suficiente e adequado de atividades práticas.
Ainda não há evidências científicas dos efeitos e prejuízos do ensino remoto, bem como
pelo EaD em áreas sensíveis onde mais que o conhecimento se ensina um ofício. No caso
específico da AU já é possível destacar que ainda que aulas totalmente teóricas ou
mesmo de ateliê, que contêm boa parte de componentes práticos, tenham sido dadas,
com relativo êxito conjuntural, há uma lista apreciável de lacunas na formação
profissional. Somente os que considerem que ensinar é tão-somente transmitir
conteúdo, ou mesmo propor problemas projetuais a serem analisados e comentados,
pode supor que os professores “ensinaram” e os alunos “aprenderam”. O bem da
sociedade, sua segurança, saúde, preservação de seu patrimônio e do meio ambiete
requerem muito mais que isso.
Mais que “ensinar”, é objetivo dos cursos de graduação proporcionar “desenvolvimento
da capacidade de atuação de seus estudantes em relação às necessidades sociais com
as quais eles se defrontarão” (GUSSO, 2020). Esse objetivo como se tentou expor não
pode ser efetivamente desenvolvido de maneira remota ou a distância. O ensino da área
compreende uma série de atividades que vai além das aulas téoricas. O Quadro 1 busca
uma aproximação dessa constatação confrontando a lista de atividades pedagógicas
preconizadas pelas DCN e seu atendimento total, parcial ou nulo pelo ensino remoto.

Quadro 1 – Comparativo do grau de atendimento das atividades pedagógicas previstas nas DCN
pelo Ensino Remoto Emergencial de Arquitetura e Urbanismo

Atendimento pelo ensino remoto


Atividade Pedagógica Total ou Parcial Nulo ou
quase tot. quase nulo
Grupo 1 Aulas teóricas x
Produção em ateliê x
Experimentação em laboratórios x
Grupo 2 Elaboração de maquetes x
Utilização de computadores x
Consulta biblioteca e banco de dados x

6
A legislação atual permite que cursos presenciais ofertem até 40% da carga horária em formato EaD, exceto em
Medicina. Essa medida vem sendo contestada em diversas áreas, como odontologia, direito e inclusive arquitetura e
urbanismo da mesma forma que os cursos totalmente a distância, por se tratar de áreas em que se ensina um ofício
que vir a acarretar prejuízos a população, ao patrimônio, meio ambiente, etc.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 206

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Grupo 3 Viagens de estudo x


Visita a canteiros de obras, levantamentos x
Grupo 4
de campos, etc.
Pesquisas temáticas, bibliográficas e x
iconográficas
Pesquisas de document. de arq., urb. e X
paisag. e produção de bco de dados
Grupo 5
Projeto de pesquisa e extensão x
Emprego de fotografia e vídeo x
Escritórios-modelo de arq. e urb e núcleos X
de serviços à comunidade
Grupo 6 Participação em atividades extracur. x
Estágio curricular supervisionado x
Fonte: Elaborado pelo autor.

Nos cursos de baixa qualidade o modo remoto agravou uma situação que já era
deficiente e crítica, pois é fato verificável que, da lista acima, muitas atividades já não
vinham sendo desenvolvidas satisfatoriamente mesmo no ensino anterior a pandemia,
presencial. O que não deve servir de pretexto de modo algum para admitir as lacunas
apontadas no ensino remoto.
O retorno às atividades didáticas plenas requer diagnóstico responsável por parte de
gestores, coordenadores e professores sobre a parcela do currículo pleno não atendida
de maneira total ou parcialmente suficiente. Além de conteúdo e carga horária há que
se considerar deficiência no desenvolvimento de habilidades e competências técnicas,
artísticas e sociais. Será preciso planejar para em curto, médio e longo prazo recuperar-
se as lacunas pedagógicas deste longo período, diferentemente para alunos de início,
meio e fim de curso. A recuperação será complexa. É imperativo a oferta de eventos
como oficinas de aceleração e recuperação de aprendizado, complementações
pedagógicas, educação continuada para os recém-egressos e o que mais estudos,
criatividade e responsabilidade apontarem. Apenas falar genericamente sobre
recuperar a “qualidade do ensino” não é suficiente, antes é preciso definir o que
constitui essa qualidade, ou seja, como formar arquitetos e urbanistas aptos a
compreender e intervir na concepção de espaços apropriados e necessários a sociedade
brasileira e aptos a inserir-se no mercado profissional com ética e responsabilidade,
tanto técnica quanto social.

5 REFERÊNCIAS
BRASIL. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. – 4. ed. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de
Edições Técnicas, 2019.
BRASIL. Resolução CNE/CES no. 02, de 17 de junho de 2010 - Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de
graduação em Arquitetura e Urbanismo. Brasília: MEC, 2010.
BRASIL. Perfis da Área & Padrões de Qualidade - Expansão, Reconhecimento e Verificação Periódica dos Cursos de
Arquitetura e Urbanismo. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Ensino Superior. Comissão de
Ensino em Arquitetura, Brasília, 1995.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 207

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 343, 17 março 2020b. Imprensa Nacional. Disponível em:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Acesso em:
16/01/2022.
CARSALADE, Flavio Lemos. A inovação pedagógica do PFLEX na UFMG: Considerações sobre a disciplina e estudo
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GUSSO, H. L., ARCHER, A.B., LUIZ, F.B et al. Ensino superior em tempos de pandemia: diretrizes à gestão
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COMUNICAÇÕES

PAINEL 3
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 209

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Experiências virtuais e experimentações remotas no ensino de


arquitetura e urbanismo

Alexandre Augusto MARTINS


Universidade Presbiteriana Mackenzie; alexandre.augusto@mackenzie.br
Sasquia Hizuru OBATA
Universidade Presbiteriana Mackenzie; sasquia.obata@mackenzie.br

RESUMO
A incorporação gradual e sistemática de ambientes digitais de aprendizagem no cotidiano das instituições
de ensino tem consolidado a sua parcela de contribuição à transmissão e à aquisição do conhecimento.
Ao potencializar as trocas e as influências recíprocas entre professores e alunos, a interação virtual é capaz
de atender tanto às demandas em tempo real quanto aquelas que transbordam os espaços e os tempos
usuais dedicados às aulas presenciais. Entretanto, até a crise pandêmica da COVID-19 nos inícios de 2020,
não se previa a necessidade de uma mudança tão súbita e tão radical para os meios virtuais – algo que
forçou a transferência total das práticas pedagógicas tradicionais para os âmbitos online. Tomando então
como base essa “nova realidade”, julga-se relevante relatar algumas experiências vivenciadas pelos
autores deste artigo, em uma disciplina optativa excepcionalmente oferecida em 2021 em sessões
semanais remotas e síncronas, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie de São Paulo. Terminado o ano letivo sob regime geral de contingência, percebe-se que esta
vivência virtual legitimou que as estratégicas pedagógicas definidas e adotadas pelos docentes, quando
conjugadas ao interesse e à dedicação dos alunos, converteram-se em caminho alternativo viável e
eficiente a um aprendizado de qualidade.
PALAVRAS-CHAVE: arquitetura, construção, estrutura, ensino remoto, experimentação.

1 INTRODUÇÃO
De casos isolados de pneumonia na cidade de Wuhan (província de Hubei, na República
Popular da China) em finais de 2019 para uma grave pandemia de extensão mundial em
menos de dois anos. A escala geográfica rapidamente amplificada pelo alastramento da
COVID-19 (provocada pelo vírus SARS-CoV-2 ou “Novo Coronavírus”), vem ganhando
desde então reverberações de base não apenas epidemiológica, mas também
vinculadas a perturbações sem precedentes nos campos políticos, econômicos, sociais,
culturais e históricos mundo afora.
Segundo indica a Fundação Oswaldo Cruz (2021), nesse mesmo período o prognóstico
da população mundial infectada e morta pela doença rivalizou aberta e diretamente
com seus vários e diferentes efeitos. É o que se tem, por exemplo, tanto nos sistemas
de saúde (até então não aparelhados o suficiente para absorver tão expressiva demanda
de contaminados), quanto no risco à exposição ao vírus por parte de grupos vulneráveis
e/ou desassistidos; na necessidade de manutenção econômica dos principais sistemas
financeiros; na saúde física e mental das populações em períodos prolongados de
confinamento; e na garantia ao pleno acesso aos recursos básicos para sobrevivência
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individual e coletiva (alimentos, medicamentos, transporte, emprego, e outros).


É nesse mesmo cenário que se molda a necessidade premente de mobilização social
geral pela busca de planos factíveis à adaptação à nova ordem global trazida pela
pandemia. Para Souza (2020), passou-se aqui a cultivar novas relações afetivas e
profissionais, seja pelo convívio constante e sob um só teto de famílias inteiras em
período de quarentena (o que exigiu a administração de interesses e de conflitos
mútuos), seja pela imposição ao chamado homeoffice decorrente de um indispensável
afastamento social (ainda que a uma parcela considerável da população outras
possibilidades não tenham sido ofertadas ou validadas, porque vinculadas ora a
segmentos de trabalho essenciais, ora à falta de opções mais seguras para se
sustentarem, ou simplesmente porque ainda hoje um número significativo de indivíduos
não acredita na real letalidade do vírus – ou de suas variantes – e nem mesmo na eficácia
das vacinas criadas para combatê-lo e neutralizá-lo).
Intrínseca a esse novo cotidiano está uma ressignificação da escola e da educação. Uma
nova proposta relacional que acabou por colocar em xeque o modelo tradicional de
ensino. Essa constatação impeliu então instituições acadêmicas, professores e
estudantes a superar práticas e rotinas já enraizadas, afinal, juntos precisariam
transportar e adaptar (mas não refazer ou recriar) a totalidade das dinâmicas das salas
de aula presenciais para os ambientes virtuais de aprendizagem, pois agora embasadas
em recursos tecnológicos e deles dependentes, e agora também sendo negado o
compartilhamento aos mesmos endereços físicos de outrora.
Ao viabilizar respostas rápidas (porém, em princípio temporárias, já que postas em
prática apenas durante a crise pandêmica), procurou-se preservar o nível das aulas e
dos conteúdos ministrados sem que os vínculos com os estudantes fossem prejudicados.
Para isso, as instituições acadêmicas optaram sobretudo pelo caminho mais atraente, e
quem sabe até mais seguro e financeira e logisticamente mais plausível à época: o do
“ensino remoto” (termo este, de acordo com Souza (2020), relativamente pouco
conhecido ou utilizado em território nacional até a propagação da COVID-19).
Partindo das breves considerações acima, o artigo aqui apresentado expõe e discute um
conjunto de estratégias pedagógicas definidas e coordenadas pelos autores, em um ano
letivo induzido pela pandemia. As ações adotadas focaram a sustentação digital do
ensino e da aprendizagem do núcleo temático “experimentação e tecnologia”,
especificamente na componente curricular “Estruturas para Projeto de Edificações e
Obras Urbanas Contemporâneas”, oferecida como disciplina optativa na modalidade
remota às turmas de sexta, sétima e oitava etapas da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (campus Higienópolis, São Paulo),
ao longo dos dois semestres de 2021.

2 ENSINO REMOTO
Na atual realidade anômala e distópica mundial, o distanciamento social levou as
instituições de ensino a aderir a um movimento generalizado de adaptação emergencial
compulsória. Ao perceber a sala de aula física inviável e proibitiva a encontros reais e a
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permanências duradouras, houve uma migração maciça para o ensino online 100,0%
amparado e mediado pelas tecnologias digitais a partir das quais as plataformas virtuais
de aprendizagem se desenharam e se consolidaram. É nesse mesmo momento que
ganhou força o ambiente acadêmico remoto, no qual
o ensino presencial físico (mesmos cursos, currículo, metodologias e práticas
pedagógicas) é transposto para os meios digitais, em rede. O processo é
centrado no conteúdo, que é ministrado pelo mesmo professor da aula
presencial física. Embora haja um distanciamento geográfico, privilegia-se o
compartilhamento de um mesmo tempo, ou seja, a aula ocorre num tempo
síncrono, seguindo princípios do ensino presencial. A comunicação é
predominantemente bidirecional, do tipo um para muitos, no qual o
professor protagoniza uma vídeo-aula ou realiza uma aula expositiva por
meio de sistemas de webconferência. Dessa forma, a presença física do
professor e do aluno no espaço da sala de aula geográfica são substituídas
por uma presença digital numa sala de aula digital. [...] No ensino remoto ou
na aula remota o foco está nas informações e nas formas de transmissão
dessas informações. (MOREIRA e SCHLEMMER, 2020, p. 9)

O que de fato muda então são os meios, mas não os modos tradicionais de ensinar. Dito
de outra maneira, entende-se que o ensino remoto, por definição, busca incentivar para
conservar os mesmos itinerários das aulas praticadas presencialmente, e em cuja
dinâmica praticamente unidirecional é ressaltado o papel do docente como principal (ou
por vezes até único) agente detentor e transmissor de conteúdos e de conhecimento.
Logo, em um âmbito virtual de ensino à distância, as tecnologias digitais de informação
e de comunicação (TDIC) tendem a ser subaproveitadas, visto que são acionadas no mais
das vezes somente com o intuito de “transmitir as informações através de aulas
expositivas via ferramentas de webconferência ou videoaulas” (SOUZA, 2020, p. 4), por
exemplo. Em tempos de crise, o que se ganha com isso é uma adaptação mais acelerada
do tangível ao intangível, mas que se não bem orquestrada pode causar um aprendizado
relativamente limitado, pois em determinadas circunstâncias os alunos não poderão (ou
talvez até nem conseguirão) transitar com a devida propriedade entre a informação
obtida e o conhecimento construído.
Reforça a similaridade conceitual entre aulas presenciais e remotas o espaço em que
são ministradas. Não o espaço geográfico, claro, mas o espaço temporal. Há, no ensino
remoto, a possibilidade de promover certa “proximidade distanciada, mas coexistente”
entre os interlocutores, a fim de permitir a interatividade imediata entre eles. Às
reuniões realizadas em campos virtuais, e simultâneas para ambas as partes
(professores e estudantes), dá-se o nome de aulas remotas síncronas. Assim como a
própria designação indica,
a comunicação síncrona obriga a que os participantes se encontrem online ao
mesmo tempo para poderem comunicar-se entre si, na medida em que este
modo de comunicação se caracteriza pelo sincronismo da troca de
informação. Já no que se refere à comunicação assíncrona, a transmissão de
informação ocorre de modo diferido, não exigindo, por isso, a disponibilidade
simultânea dos diferentes interlocutores. (MORAIS e CABRITA, 2008, p. 161)
Ainda que em princípio possam causar certa estranheza (pois não há a reunião física
habitual dos participantes), as aulas virtuais estimulam dois tipos principais de contato
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– os quais podem ou não ser colocados em prática em paralelo. Por um lado, se


síncronos, focam o diálogo em tempo real e, quando assistidos e beneficiados pelas
ferramentas específicas de comunicação online, reforçam que o distanciamento
geográfico pode não ser impedimento para o aprendizado. São exemplos de
ferramentas síncronas: a.) as plataformas de videoconferência (aquelas que
disponibilizam recursos de áudio e de vídeo com transmissão “ao vivo”); b.) as sessões
de chat (entendidas aqui como uma forma de comunicação à distância que se utiliza de
aparelhos conectados à internet e na qual o que se digita no teclado de um deles surge
automaticamente no vídeo de todos os participantes do bate-papo); e c.) os quadros
brancos (os quais remetem às lousas das salas de aula presenciais, mas, neste caso, são
artifícios digitais que permitem aos usuários – individual ou coletivamente,
simultaneamente ou não – desenhar, esquematizar, rabiscar ou escrever por sobre uma
tela de fundo branco).
Por outro lado, é possível também optar pelas ferramentas de comunicação assíncrona,
que trazem em si algumas vantagens (ou algumas diferenças) em relação às interfaces
síncronas, tais como: uma maior flexibilidade temporal e espacial (algo que pode
favorecer a autonomia e a disponibilidade dos envolvidos nas sessões de ensino remoto)
e uma oportunidade de refletir com mais calma antes de propor uma nova contribuição
individual (ou antes de responder a determinada demanda). São recursos para
comunicação assíncrona, por exemplo: a.) a troca de mensagens por e-mail (entre
professor e alunos, ou entre alunos entre si); b.) os fóruns de discussão e/ou de debate
sobre algum assunto em específico abordado em aula (permitindo até que histórico de
mensagens permaneça disponível a todos os interessados durante todo o período
letivo); e c.) a participação em redes sociais alinhadas aos temas tratados em aula (ou
seja, a chance de tomar parte em certas estruturas sociais mais amplas, porque
formadas por pessoas e/ou por empresas que compartilham interesses similares aos da
disciplina, e cujas plataformas de acesso acabam por criar novos padrões de
relacionamento em escalas ao mesmo tempo local e global, tais como: Instagram,
LinkedIn, Meta, Pinterest, WhatsApp, ou YouTube, por exemplo).

3 A DISCIPLINA “ESTRUTURAS PARA PROJETO DE EDIFICAÇÕES E OBRAS


URBANAS CONTEMPORÂNEAS”
As componentes optativas que integram a matriz curricular da FAU-Mackenzie são um
estímulo à construção mais aprofundada de determinados saberes que orbitam o
exercício projetual em arquitetura e urbanismo. Em 2021-1 e 2021-2 foi oferecido aos
alunos de sexta, sétima e oitava etapas um rol de vinte opções de disciplinas a serem
escolhidas livremente (segundo afinidades, aderências e interesses individuais
próprios), para que pudessem ser cursadas uma a cada novo semestre.
Em “Estruturas para Projeto de Edificações e Obras Urbanas Contemporâneas”
pretende-se pensar sobre um conjunto de variáveis estruturais e funcionais presentes
em um projeto urbano e/ou arquitetônico escolhido pelos próprios alunos, segundo
alguns critérios predeterminados. Tomando então essa mesma obra como objeto básico
de investigação, busca-se levantar, analisar e compreender as suas respectivas soluções
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construtivas, as técnicas e as tecnologias envolvidas, as características e as propriedades


dos materiais aplicados e as condicionantes associadas ao pré-dimensionamento de
seus principais sistemas estruturais.
Para tanto, a rotina geral de aulas se vale de um estudo continuado apoiado na
montagem de protótipos físicos e/ou virtuais experimentais. Esse exercício prático de
longa duração torna-se assim a estratégia decisiva à compreensão não só dos
comportamentos físico e mecânico do projeto selecionado, mas também de suas
respectivas razões formativas e materiais. Além disso, os alunos são convidados a uma
reflexão crítica sobre a validade de todos os fatores anteriores, se tomados individual
ou coletivamente para, em última instância, indicarem novas e/ou diferentes
alternativas construtivas e estruturais, as quais também poderiam se enquadrar à obra
em questão.
Aquilo que embasa e que direciona o conteúdo programático como um todo é o
entendimento que o aprender e o ensinar estruturas, nos cursos de arquitetura e
urbanismo, precisa progredir e expandir-se para além da simples leitura e/ou da
memorização temporária de conceitos teóricos e de leis físicas e matemáticas – algo que
pode ter como consequência um aprendizado segmentado, mas não necessariamente
sequenciado e coeso, e que traz imbricado em si um alto grau de dificuldade de
compreensão de sua lógica funcional, de sua coerência organizacional e de sua aplicação
formal aos projetos de arquitetura.
Assim sendo, ao treinar a aquisição de um conhecimento de fundo exploratório –
porque praticamente todo ele entregue à prática de experimentos – chega-se à
operação intelectual mais desejada: a abstração de uma série de fatores que
comumente estão relacionados à realidade concreta de uma determinada arquitetura.
Com isso, cultiva-se um processo cognitivo mais intenso e livre de amarras ou de
condicionantes, pois o objeto central de reflexão passa a ser considerado em isolado:
um estudo aprofundado de uma obra feito a partir daquilo que a própria obra nos dá.
Acredita-se que esse processo de compartilhamento e de constituição do aprendizado,
enraizado na troca colaborativa de saberes, será cada vez mais frutífero quanto mais
próximo às práticas de projeto ele estiver. À sua própria maneira, quem sabe seja este
um caminho tentador definido pelo desejo de aproximação e de integração
multidisciplinar contido no projeto pedagógico do curso de arquitetura e urbanismo da
FAU-Mackenzie.

A DISCIPLINA “ESTRUTURAS PARA PROJETO DE EDIFICAÇÕES E OBRAS URBANAS


CONTEMPORÂNEAS” NA MODALIDADE REMOTA E SÍNCRONA
O Moodle é o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) oficial da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, e mesmo embora os docentes possam lançar mão de uma
multiplicidade de outros recursos para conduzir as aulas remotas, a própria instituição
recomenda a utilização das plataformas certificadas “Moodle-BBB” e “Microsoft Teams
Educacional”. Assim sendo, em 2021-1 e 2021-2, todo o conteúdo da disciplina optativa
“Estruturas para Projeto de Edificações e Obras Urbanas Contemporâneas” foi
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organizado, operacionalizado e ministrado digitalmente de acordo com as diretrizes


fornecidas pela universidade (em uma escala mais ampla) e pela faculdade de
arquitetura e urbanismo (em um direcionamento mais alinhado às especificidades que
o curso e a componente curricular de fato requerem).
É na primeira semana de aulas que os alunos de cada período se organizam em equipes
e recebem a missão de eleger uma obra contemporânea construída – urbana ou edilícia,
localizada no Brasil ou no estrangeiro – com a qual se identifiquem e a partir da qual um
extenso e duradouro estudo exploratório possa ser feito, fundamentado e validado pela
elaboração de maquetes físicas e/ou virtuais experimentais. Vale ressaltar que a escolha
da obra não é aleatória, pois é preciso que ela responda de antemão a uma série de pré-
requisitos estabelecidos pelos professores, dentre os quais estão: a.) nível de
complexidade elevado; b.) referência nos panoramas arquitetônico e urbano
contemporâneos; c.) soluções estrutural e material que permitam uma análise
meticulosa; e d.) ineditismo no histórico de projetos já examinados pela matéria.
A partir daí, os cem minutos semanais reservados aos encontros remotos e síncronos
são preenchidos pelo debate e pelo repasse aos alunos de conhecimentos práticos ou
teóricos, informando-os e instruindo-os sobre as temáticas inerentes às obras
escolhidas e sobre a oportunidade de estudar interesses e projetos correlatos. Trata-se
de uma construção paulatina e progressiva do conhecimento conjunto, que se alimenta
de idas e de vindas, de começos e de recomeços constantes, pois conquista progressos
baseados em hipóteses que, quando testadas experimentalmente, podem ou não se
provar verdadeiras. Mas não só. É também uma sequência de estratégias práticas que
se apoia nas críticas recebidas e no posicionamento que as equipes de alunos assumem
perante essas mesmas críticas.
O processamento intelectual das bases teórico-conceituais lançadas nas breves aulas
remotas e síncronas é posteriormente trabalhado pelos alunos, tal qual uma atividade
que se prolonga para além dos horários oficiais de aula. Essa demanda que se
complexifica na mesma medida em que o semestre avança não só permite pensar com
mais tempo, dedicação e profundidade sobre determinadas ocorrências atreladas aos
projetos em si, como também estimula que novas questões possam ser descobertas e
levadas à sessão síncrona seguinte. Além disso, e em havendo necessidade, outros
canais intermediários de contato pontual e complementar são acionados, como a troca
de mensagens por e-mail ou por WhatsApp ou o compartilhamento de vídeos nas
plataformas YouTube ou Vevo, por exemplo.
Ao contrapor a definição de ambiente acadêmico remoto sugerida por Moreira e
Schlemmer (2020) parágrafos acima, chega-se a uma proposta de aulas à distância para
esta componente curricular optativa que não se mostra redutora, que valoriza a
participação mútua e que aprecia o envolvimento contínuo e a interação entre as partes.
Uma disciplina que tenta sempre que possível não recorrer exclusivamente aos
professores como fonte unidirecional de conhecimento. Trata-se, por isso mesmo, de
encontros e de conversas que privilegiam ritmos e conteúdos mais flexíveis que os
tradicionais, porque alimentados e conduzidos por aquilo que as próprias equipes de
alunos produzem e entregam à discussão. Nessas circunstâncias, uma sequência rígida
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pré-definida de assuntos, um conteúdo pré-elaborado a ser cumprido à risca e uma


prova final às vésperas do término do semestre são substituídos por uma avaliação
gradual e continuada, aula a aula, por todo o período letivo.
É importante sublinhar que atender remotamente aos objetivos da disciplina enquanto
se tenta envolver ativamente os alunos nas sessões síncronas não tem se mostrado
tarefa fácil. Como se sabe, a pandemia forçou o mundo a uma situação transitória
excepcional que acabou reverberando nos mais diversos ramos de atividade. De acordo
com Lara e Ruas (2020), no âmbito acadêmico, por exemplo, praticamente todos os
encargos pelo apetrechamento educacional foram como que recolhidos dos ambientes
coletivos de comparticipação existentes nos campi e transferidos aos núcleos privados
nos quais passou a se desenrolar o trabalho conjunto e à distância entre professores e
estudantes.
Isso significa dizer que, ao transpor os cenários físicos das salas de aula abastecidas com
condições, mobiliários e equipamentos adequados ao ensino (iluminação e ventilação
naturais e/ou artificiais; acessos; layouts; pranchetas; lousas; microcomputadores
conectados à internet; projetores) para os cenários físicos das residências dos alunos,
muitas vezes chega-se a situações amadoras qualificadas pelo improviso e pela
adaptação (cômodos compartilhados com outra(s) pessoa(s); mesas destinadas a outros
fins; execução de tarefas domésticas em paralelo; redes de internet fracas ou oscilantes;
microcomputadores e/ou celulares de potência reduzida), logo, que servem como
distração constante e/ou como impedimento ao aprendizado em sua mais básica razão
de ser.
Decorrem daí algumas situações típicas de um ensino à distância. Ao longo dos dois
últimos períodos letivos (2021-1 e 2021-2), por exemplo, percebeu-se que parte dos
alunos regularmente matriculados nesta disciplina não participava de modo efetivo nas
aulas quando rodando nas modalidades remota e síncrona. Ou seja, mesmo que
presentes, mantinham câmeras e microfones permanentemente desligados, e se
eventualmente chamados pelos professores à participação, apelavam então para
diálogos curtos e rápidos via janelas de chat.
Se por um lado o fato de não haver a obrigatoriedade de manter as webcams abertas
contribuiu para que ninguém se sentisse constrangido ou acanhado ao mostrar mais que
o necessário ou o desejado (cenários, pessoas, situações), por outro, acabou
restringindo a inter-relação entre professores e alunos e servindo de anteparo ao
isolamento intencional, afinal, esses mesmos alunos como que se escondiam por detrás
dos mais atuantes. Além disso, se para a evolução dos trabalhos no mais das vezes os
encontros virtuais assíncronos entre os integrantes das equipes aconteceram fora do
horário oficial dedicado à disciplina, a “produção ao vivo” em sala de aula digital
supervisionada pelos docentes raramente foi posta em prática.
A dinâmica da produção das maquetes físicas de estudo das obras arquitetônicas e
urbanas escolhidas pelos alunos também sofreu as consequências de um regime de
distanciamento social trazido pela pandemia. Nela, os experimentos foram elaborados
sob condições adversas, com encontros presenciais desaconselhados e na qual os
materiais ideais para uso muitas vezes eram escassos ou inacessíveis. Ao incentivar as
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equipes de alunos a uma rotina guiada pela criatividade, buscou-se a adequação aos
recursos já existentes como alternativa plausível para o desenrolar das investigações,
isto é: sobras de materiais de trabalhos anteriores (papéis especiais, adesivos, suportes,
derivados de metais ou de madeiras); itens caseiros que em circunstâncias diferentes
não seriam adotados (tecidos, texturas, plásticos, recipientes diversos, arames,
barbantes, espumas, e até alimentos secos); ou o uso de utensílios ou de ferramentas
normalmente destinados a outras funções (martelos, pregos, parafusos, facas, tesouras,
serras, furadeiras).
Em um cenário delicado como esse, como então mensurar os resultados atingidos pelos
alunos da disciplina, de forma homogênea e eficiente? A qual critério prático e justo de
avaliação recorrer para não contornar, ignorar ou menosprezar as situações trazidas
pelos parágrafos anteriores? Especificamente em “Estruturas para Projeto de
Edificações e Obras Urbanas Contemporâneas”, optou-se por avaliar os resultados
atingidos pelas equipes em duas frentes (ambas complementares e simultaneamente
sobrepostas entre si): no atendimento aos requisitos técnicos demandados pela
disciplina ao estudar as obras urbanas ou arquitetônicas inicialmente escolhidas; e no
nível de participação ativa (ou pelo grau de interatividade) obtido no decorrer dos
encontros remotos e síncronos.

Avaliação dos resultados da disciplina


Sendo esta uma disciplina inserida no núcleo temático “experimentação e tecnologia”,
ao final do período letivo teve rendimento satisfatório o aluno que não só cumpriu os
objetivos formativos conceituais alinhados ao plano de ensino, como também
desenvolveu um conjunto de habilidades relacionadas ao entendimento e à aplicação
das bases estrutural, construtiva, técnica e tecnológica em arquitetura e urbanismo.
Considerou-se então aprovado o aluno que, por intermédio da montagem de protótipos
físicos e/ou virtuais experimentais – e de suas respectivas ramificações – de maneira
geral: a.) entendeu a associação estreita entre estrutura e arquitetura; b.) identificou
sistemas estruturais e seus respectivos elementos compositivos; c.) distinguiu diferentes
tecnologias construtivas entre si; d.) reconheceu as várias características e propriedades
materiais disponíveis no mercado, bem como suas possíveis aplicações às obras de
arquitetura e/ou de urbanismo; e.) compreendeu os comportamentos físico e mecânico
das estruturas para projetos de edificações e de obras urbanas contemporâneas; e f.)
refletiu criticamente sobre as soluções usuais adotadas nos sistemas estruturais mais
recentes, no Brasil ou no estrangeiro.
Já no que diz respeito à análise dos resultados da disciplina pelo quesito da
interatividade, chega-se a um campo relativamente mais subjetivo. Define-se
interatividade como sendo a capacidade de um sistema ou de um equipamento de
comunicação possibilitar a influência mútua de suas partes inter-relacionadas. Todavia,
no âmbito acadêmico não se tem unanimidade quanto à qualidade efetiva das aulas,
ainda que existam tentativas factíveis de classificação e de avaliação por níveis, segundo
explica Tori (2010). O consenso indica que uma aula não precisa ser 100,0% interativa,
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mas é importante lembrar que o desejo inicial de mudança de uma postura passiva para
um posicionamento ativo pode ser compreendido como uma fagulha à incorporação
voluntária do conhecimento, sendo essa a sua ação mais relevante (assim como estar
exposto a uma radiação).
Como visto, de circunstâncias alheias à vontade da FAU-Mackenzie na condução de suas
aulas presenciais, chegou-se a uma mudança de rota que privilegia uma realidade
digitalmente mediada. Nela, permanecem adaptadas as metas formativas em
modalidade presencial e suas respectivas particularidades. Mesmo que em meio a certas
dificuldades, assumiu-se como baliza a não ocorrência de perdas no envolvimento dos
alunos. Para tanto, perseguiu-se um grau acentuado de interatividade, de interesse e de
dedicação das equipes de alunos em relação às estratégias pedagógicas definidas e
coordenadas pelos autores. De modo geral, essas ações validaram e reforçaram o fato
de que as experiências virtuais e as experimentações remotas, no ensino de arquitetura
e urbanismo, foram fruto da conjugação permanente entre as próprias definições
defendidas nos fundamentos da disciplina pelo núcleo temático “experimentação e
tecnologia”.
Assim sendo, sugere-se que uma avaliação eficiente seja entendida aqui como a métrica
geral que permitiu revelar caminhos e indicadores de avanços na interatividade e na
parceria de ensino. O conjunto de experimentações realizado ao longo do semestre
letivo serviu então como gatilho gradual à aderência consistente de conhecimentos,
embasado nos sistemas estruturais e construtivos adotados nos projetos arquitetônicos
contemporâneos escolhidos pelas equipes de alunos no início das aulas.
Para Tori (2010), a decomposição de fenômenos em elementos basilares pelas ciências
exatas tende a facilitar sua medição e sua manipulação. Entretanto, é essencial que a
preocupação comum recaia por sobre os elementos de interatividade potencial mais
abrangentes e que atendam ao menos satisfatoriamente ao vasto leque de modalidades
de ensino. Para acolher tais objetivos – e para servir de parâmetro aos avanços e às
melhorias enquanto metas formativas conquistadas – optou-se por aplicar o método de
avaliação preconizado por Larel (1989) e exemplificado por Tori (2010), o qual conta
com as componentes para interatividade indicadas a seguir (a primeira e a segunda
colunas do Quadro 1 abaixo apresentam os valores atribuídos às considerações básicas):

Quadro 1 – Potencial de interação com base nas variáveis de Brenda Laurel (1989)1
Valores potenciais atribuídos especificamente à
Variáveis de Larel (1989) apud Tori (2010) disciplina
• Frequência: 0,80
Quanto o usuário pode interferir no A atividade foi desenvolvida sob orientação em duas
desenvolvimento da ação. Sendo: “nula” a horas-aula a cada semana. Neste momento, os alunos
ausência de interferência (exemplo: somente poderiam realizar a interação que julgassem
ouvinte); até uma “frequência contínua e a interessante por orientação e sugestão de
qualquer instante” (exemplo: ação em desenvolvimento apresentado pelos docentes,
videogame). quando o caso.

1 LAUREL, Brenda. A taxonomy of interactive movies. In: New Media News, 3 (1), The Boston Computer Society, 1989.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 218

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Julga-se com “não sendo integral” a nota 1,0, por se


manter o padrão de atendimentos e de aulas síncronas
sem interatividade total (mesmo que eventualmente
tenham sido realizados contatos via e-mail e/ou
WhatsApp fora dos horários predeterminados às aulas
propriamente ditas.
0,70
• Abrangência: Como avaliação de frequência, neste caso, cita-se: em
uma vivência parcialmente distanciada das
As possibilidades de escolhas disponíveis a
oportunidades de um mundo real sem as restrições de
cada passo e a cada nova interação. Sendo
escolhas de materiais disponíveis, certas limitações
“nula” para nenhuma possibilidade de
são sempre esperadas. Em compensação, verificam-se
escolha, para “números limitados de opções”
ganhos consistentes, por exemplo, no quesito
até a “maior avaliação” para a possibilidade de
criatividade. Ou seja, ao convidar os alunos a olharem
o ser humano estar interagindo com o mundo
para além dos limites tangíveis que os rodeiam,
real.
surgem alternativas e soluções viáveis às questões
inerentes às obras analisadas.
0,90
Apesar da predileção poder ser, por vezes, uma ação
feita em grupo (a qual faz parte do aprendizado em
coletivo), nota-se que os estudantes puderam
• Significado:
colaborar com colegas que se encontravam em
Valor e importância efetiva da escolha restrições sociais mais severas.
realizada pelo próprio envolvido, sob seu
Como resultado principal de significado está o desejo
ponto de vista e para seu desenvolver a partir
em conseguir que seus próprios experimentos sejam
da interação. Como exemplo, tem-se: em um
integrados, ao final do semestre letivo, a uma
jogo, poder salvar um personagem ou o menor
publicação virtual (e-book), formalmente rastreada e
valor pela escolha da cor da vestimenta dele.
identificada por uma editora especializada.
Portanto, o significado passou a ter um valor para além
da composição final, agregando conhecimento e
currículo às partes envolvidas.

Média 0,83

Fonte: dos autores, a partir de Larel (1989) apud Tori (2010)

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A emergência trazida ao mundo pela pandemia do “Novo Coronavírus” vem desde 2019
ecoando em diversos campos de atuação, dentre eles, o da educação. Ao colocar em
dúvida os padrões tradicionais de ensino, essa nova realidade demonstrou o quão
importante e urgente é repensar os modelos educacionais conhecidos e agora
entendidos como ultrapassados. Ao migrar das salas de aula físicas convencionais para
os ambientes digitalmente mediados, foi necessário que as instituições acadêmicas se
reinventassem logística, comportamental e organizacionalmente. Uma ressignificação
do “ser professor”, do “ser aluno” e do “ser coletivo”. É um novo modo de atuar posto
em prática graças ao potencial fornecido pelas tecnologias digitais em rede.
“Estruturas para Projeto de Edificações e Obras Urbanas Contemporâneas” – disciplina
optativa ofertada temporariamente na modalidade remota e síncrona na Faculdade de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 219

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Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie – assumiu para si


uma abordagem didático-pedagógica que objetivou a construção continuada do
conhecimento. Porém, não um conhecimento fruto de um conjunto de aulas
unidirecionais homogeneizadoras (pois exclusivamente expositivas e conteudistas), mas
um conhecimento fundamentado em sessões assessoradas digitalmente nas quais os
ambientes virtuais atuaram como arena de debates aos mais variados assuntos
relacionados à arquitetura, à construção e aos sistemas estruturais. Um espaço digital
democrático guiado por aquilo que os próprios alunos pesquisaram e produziram e que
permanentemente se apoiou na montagem de protótipos físicos e/ou virtuais
experimentais.
Segundo coloca Santos (2009), este tipo de abordagem tendeu a valorizar um exercício
investigativo autoral baseado na autonomia reflexiva (mesmo que neste caso tenha sido
parcial, porque também compartilhado pelos professores responsáveis). Nele, se
respeitaram a interação colaborativa virtual, o diálogo mútuo e o pensamento coletivo.
Os encontros puderam acontecer de forma síncrona ou assíncrona, mas
independentemente do caso, foram entendidos como momentos de trocas de
informações e de construção do conhecimento conjunto. Por fim, mesmo que os
experimentos elaborados virtualmente tenham sofrido os reflexos de uma realidade
vitimada pela pandemia, ainda que limitados, não resultaram empobrecidos. São, por
assim dizer, provas categóricas do desenvolvimento de aptidões ligadas ao aprendizado
e postas em prática como alternativa ao enfrentamento de situações adversas, tão
comuns em nossa sociedade atual.

5 REFERÊNCIAS
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia. Observatório da
COVID-19 – Informação para Ação. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/impactos-sociais-economicos-culturais-
e-politicos-da-pandemia. Acesso em: 15.dez.2021.
LARA, Arthur; RUAS, Dalton Bertini. Pandemia como oportunidade de integrar meios e modos de representação.
V!RUS, São Carlos, n. 21, Semestre 2, dezembro, 2020. [online]. Disponível em:
http://www.nomads.usp.br/virus/virus21/secs/submitted/virus_21_submitted_5_pt.pdf. Acesso em: 17.dez. 2021.
MORAIS, Nídia Salomé; CABRITA, Isabel. Ambientes virtuais de aprendizagem: comunicação (as)síncrona e
interacção no ensino superior. Prisma.com, Revista de Ciências da Informação e da Comunicação do CETAC (Centro
de Estudos das Tecnologias, Artes e Ciências da Comunicação) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. n.
6, 2008. Disponível em: https://ojs.letras.up.pt/index.php/prismacom/article/view/2085. Acesso em: 19.dez.2021.
MOREIRA, José António; SCHLEMMER, Eliane. Por um novo conceito e paradigma de educação digital onlife.
Revista UFG, [S. l.], v. 20, n. 26, 2020. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/revistaufg/article/view/63438.
Acesso em: 19 dez. 2021.
SANTOS, Edméa. Educação online para além da EAD: um fenômeno da cibercultura. Anais do Congresso
Internacional Galego-Português de Psicopedagogia. Universidade do Minho, Braga, Portugal, 2009. Disponível em:
https://www.educacion.udc.es/grupos/gipdae/documentos/congreso/xcongreso/pdfs/t12/t12c427.pdf. Acesso em:
16.dez.2021.
SOUZA, Elmara Pereira de. Educação em tempos de pandemia: desafios e possibilidades. Cadernos de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Vitória da Conquista, [S. l.], v. 17, n. 30, 2020.
Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/ccsa/article/view/7127. Acesso em: 16.dez.2021.
TORI, Romero. Educação sem distância: as tecnologias interativas a redução de distâncias em ensino e
aprendizagem. Editora Senac. São Paulo, 2010.
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Por um olhar mais próximo

Sérgio Márcio de Azevedo MACHADO


sergiomachado.arq@gmail.com

RESUMO
O presente artigo discute a oportunidade e os termos do debate sobre a Educação à Distância, questiona
a sua rejeição literal e a priori, como instrumento de aprendizado da Arquitetura e avalia aspectos do
ensino praticado no Brasil na busca de ações que deveriam anteceder à escolha do meio onde se darão as
atividades pedagógicas.
PALAVRAS-CHAVE: arquitetura, ensino, EaD

1. QUESTÕES INICIAIS

ARQUITETURA
O debate sobre a pertinência da Educação à Distância, doravante EaD, no ensino de
arquitetura, presente até aqui nos campos da pedagogia, dos costumes e no jurídico,
também pode ser trazido para o próprio campo da arquitetura, pois, afinal, estamos
especulando sobre quais espaços, virtuais ou não, seriam apropriados para uma
determinada função (a de ensinar), tarefa inerente à nossa profissão.
O papel do arquiteto não se resume a desenhar. O nosso ofício central é planejar, em
sentido amplo e com todas as implicações. Como esse processo acontece na nossa
disciplina? A definição dos espaços pelos arquitetos se dá em obediência a programas
de atividades que, por sua vez, derivam de contextos minunciosamente estudados. Em
arquitetura, esse embasamento, provido por um programa adensado por dados
diversos, é crucial para a eleição tanto do caráter quanto das qualidades dimensionais,
de conforto, de privacidade, etc., da futura edificação.
Analogamente, assim como o projeto de um edifício não se sustenta sem um programa
que nos permita perceber os requisitos a serem atendidos, se não tivermos clareza
acerca das atividades que devem ter lugar num curso de arquitetura, qualquer definição
espacial será precária.
Para que tais atividades sejam explicitadas, é preciso que os objetivos do curso estejam
claros e que não sejam genéricos. É a revelação dos objetivos que vai proporcionar a
definição das atividades que sustentarão o curso, e estas indicarão as necessidades
físicas necessárias aos usos previstos.
Portanto, fazer juízo acerca da adequação ou não do ensino à distância, só terá sentido
se a natureza das atividades didático-pedagógicas tiver sido apreendida com precisão.
Aí saberemos se elas são compatíveis ou não com aquela modalidade.
Como ocorre no modo do arquiteto fazer projetos, tal segurança se obtém por meio de
um estudo aprofundado, que explicite e hierarquize a problemática subjacente à
demanda e aos desejos.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 221

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REFERENCIAIS
Três referências nos dão abrigo inicial nessa busca: as cartas da ABEA e do CAU-BR,
ambas de 2017 e o documento Perfis & Padrões de Qualidade, elaborado pela Comissão
de Especialistas de Arquitetura e Urbanismo da SESU/MEC, em 1996.

ABEA
A Carta da ABEA é tomada de posição e fixação de princípios. Ela não traz, no entanto,
argumentos consistentes, que desautorizem a EaD.
O texto superdimensiona a importância, inegável, da relação entre o ensino e o espaço
onde ele se dá, ao afirmar que “... o espaço físico adequado é parte do processo de
ensino e favorece o aprendizado”. Estudar num edifício como a FAU/USP, é uma vivência
com grandes chances de impactar o aprendizado. Entretanto, espaços educacionais
banais podem não ter o mesmo efeito no favorecimento do aprendizado, para além da
constituição de um abrigo adequado. A Escola de Arquitetura da UFMG começou as suas
atividades adaptando-se a um pequeno mercado cedido pela Prefeitura, tendo formado
grandes profissionais. Talvez isto comprove o que disse Louis Khan: a escola nasceu sob
uma árvore, quando alguém se levantou e começou a falar do que sabia.
Figura 1: uma aula de Louis Khan na Universidade de Rice, em 1967.

Fonte: KEAN, 2018

Também a relação professor/aluno é mistificada pela ABEA. Diz a Carta: “Como aceitar
que a relação professor/aluno presencial não seja importante, que a virtualidade basta?
”Aqui, acredito, não se trata de valorizarmos ou não a relação direta professor/aluno,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 222

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mas de nos perguntarmos em que medida ela precisa acontecer e quais as formas
adequadas e desejáveis de contato.
A pandemia de 2020 e 2021, trouxe novos parâmetros, evidenciou tendências que já
iam avançadas, no que tange à virtualização das relações pessoais: uma mudança
comportamental significativa e que precisa ser incorporada.
Não obstante esses reparos, a Carta da ABEA lança um desafio importante, ao reafirmar
o valor do atelier: “O Ateliê de Arquitetura e Urbanismo é o espaço facilitador da
construção coletiva do conhecimento...”.
Conseguiremos resgatar o significado desse espaço, tão desfigurado no Brasil de hoje?
Me parece ser necessário redefinir a dinâmica do atelier e requalificar os seus agentes.
Ou seja, repensá-lo para o século XXI, já que subvertemos a tradição do XIX.
Por fim, a ABEA dá um passo fundamental ao se dispor a participar da busca de soluções
afirmando:
A ABEA reconhece que avanços na área de ensino a distância são importantes
e se propõe a participar de um amplo debate público sobre seu alcance e suas
limitações nas áreas de conhecimento que exigem formação teórico-prática
e que podem ensejar risco à vida, ao patrimônio e ao meio ambiente.
Faço uma pequena ressalva, no que tange à participação, pondero que as propostas
deveriam ser apresentadas pelos arquitetos, por meio da instituição que nos representa,
a ABEA, e não pela frágil burocracia estatal. Por isso, protestar ou estar disponível não é
suficiente: precisamos propor estratégias e condições para a Ead.
Essa é uma tarefa urgente, a ser executada antes que se instalem situações de fato.

CAU
A segunda carta é a manifestação do CAU-BR. Ela começa por uma afirmação
questionável, que considera efetivo o seu papel de “...autarquia que zela pelo
aperfeiçoamento do exercício da Arquitetura e Urbanismo. ” O CAU está distante disso,
tanto por ainda não possuir meios para enfrentar a enormidade da tarefa, quanto por
permitir que compromissos e conveniências políticas se sobreponham às suas
responsabilidades. Percebem-se ações da instituição no sentido de participar no
aprimoramento do exercício profissional, embora com pouco destaque na divulgação
para os associados e para a sociedade em geral, o que compromete sua eficácia.
Voltando à Carta, falta coerência ao documento. Num ponto ela fixa condições para um
ensino de qualidade, o que incluiria a inserção, “... no projeto pedagógico do curso, do
núcleo de conteúdos profissionais, (...), incluindo produção em ateliê, experimentação
em laboratórios, visitas a canteiros de obras, entre outros. ” E adverte: “ Se esses são
parâmetros para o ensino presencial, não podem ser ignorados em cursos oferecidos
integralmente a distância sem que haja sério comprometimento da qualidade da
formação. ”
Percebe-se que o CAU não considera EaD, em princípio, inviável. Parece admitir a
hipótese de um formato híbrido. Entretanto, mais à frente, a Carta atribui à EaD, a
capacidade de agravar uma situação já gravíssima:
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 223

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

(...) o ensino EAD contribuirá para o agravamento do quadro de crise do


ensino, marcado pelo sucateamento das Instituições de Ensino Superior,
grande redução de carga horária em sala de aula, precarização das relações
pedagógicas que são estabelecidas entre a teoria e a prática, e das condições
de trabalho dos docentes, o que tem se traduzido em grandes prejuízos para
a formação profissional.
Diante do diagnóstico geral, implícito, reputar à EaD o poder de agravar a situação é
mera suposição. A situação urdida sob o Ensino Presencial não tem sido confrontada
com a energia necessária pelo Conselho e não será apontando um bode expiatório que
iremos encontrar um caminho virtuoso.
Por fim, o CAU faz uma denúncia que precisaria ser formalizada, se ainda não foi:
“ Por meio de um acordo com o MEC, o CAU/BR tem sistematicamente se
manifestado oficialmente sobre processos de autorização, reconhecimento e
renovação dos cursos de Arquitetura e Urbanismo no país. A esmagadora
maioria desses pareceres tem sido desfavorável à autorização dos cursos, mas
nem por isso eles deixaram de ser reconhecidos. Entendemos que os cursos
de Arquitetura e Urbanismo na modalidade EaD, até agora cadastrados no
MEC, não atendem a legislação vigente do setor educacional, por não
contemplarem a relação professor/aluno própria dos ateliês de projeto e
outras disciplinas; as experimentações laboratoriais e a vivência para a
construção coletiva do conhecimento. ”

Sendo como afirma, “... uma autarquia que zela pelo aperfeiçoamento do exercício da
Arquitetura e Urbanismo”, é de se esperar que todas as providencias legais, para coibir
esse crime, estejam sendo tomadas. Mas isto não é suficiente: os associados deveriam
estar sendo informados e instados a se posicionar, pois a questão ameaça os
fundamentos da profissão.

SESU/MEC
Até aqui, vimos que as cartas da ABEA e do CAU, marcam posições e expressam suas
preocupações, mas a rigor não trazem argumentos claros para a avaliação da EaD, de
modo que o debate se dê para além das emoções e da pré-disposição.
O terceiro documento, que poderia cumprir esse papel e trazer subsídios consistentes,
é o Perfis & Padrões de Qualidade, onde deveriam estar definidas as qualificações
necessárias para a oferta dos cursos.
De início, estranho a opção metodológica utilizada. Quando são definidas as fases de
trabalho, a primeira delas é descrita como “reconhecimento (estado da arte) da área a
partir do Inventário dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo conduzido pela ABEA. ” Se
“área”, for “profissão”, será o inventário, a fonte de informações adequada?
Concordo com a validade desse estudo, mas penso que teria sido fundamental
entender, desde o início, o fazer do arquiteto. Se o que se pretende é estabelecer as
bases para a definição dos conteúdos dos cursos, o Inventário não parece ser um
depositário isento e nem necessariamente consistente, de informações. Embora a
análise do Estado da Arte do ensino seja meritória, me parece inescapável estudar em
profundidade o Estado da Arte da profissão.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 224

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

É flagrante que as instituições de ensino também não se apoiam em estudos dessa


natureza. Arrisco a dizer que grande parte dos currículos atuais são fruto da tradição (às
vezes da mera cópia, processo no qual no qual uma matriz vai sendo descaracterizada à
medida em que é reproduzida) e de inferências insondáveis, pois trabalhamos com uma
vaga ideia do que é ser arquiteto. Nesse momento da história, num país como o nosso,
este é um descuido inaceitável.
Para quais tarefas estamos preparando os arquitetos? O papel de projetista de
edificações é predominante no desempenho pedagógico das escolas. Pergunto: onde
está aquela miríade de possíveis atuações que cantamos em prosa e verso, e que
funcionam muito bem para convencer jovens curiosos a optar pela arquitetura?
Os currículos atuais não se organizam nessa direção, descaracterizando a profissão, pois
ela acaba sendo vista como mera prestação de serviços de projeto.
Na elaboração dos Perfis & Padrões de Qualidade, a comissão consultou os currículos, a
legislação profissional e a história, que são todos dados de segunda ordem e não
fundamentos, fontes primárias que informariam decisões. Assim, as habilidades e
conhecimentos necessários para ser arquiteto não foram explicitadas. Certamente
estiveram presentes nas discussões, mas se ocorreu foi informalmente: são referências
às quais não temos acesso.
A seção denominada “Perfis da Área/ Natureza da Profissão de Arquiteto e Urbanista”
apresenta um viés essencialmente normativo, e nada fala sobre o que comporia, de fato,
o perfil do arquiteto. Encontramos ali, afirmações genéricas, ao que parece baseadas
em pressupostos de domínio público. A ausência de precisão se manifesta em digressões
como:
Para exercer atividades como supervisão, orientação técnica, coordenação,
planejamento, projetos, especificações, direção ou execução de obras,
ensino, assessoria, consultoria, vistoria, perícia, avaliação (Lei 5194/66),
necessário se faz que a formação do futuro profissional contemple
habilidades complexas e em campos bastante diversificados.

Me parece que seria importante elucidar quais são as habilidades e distinguir os tais
campos, definindo as essências da nossa profissão, mas isto não é feito.
Creio que, passados quase 25 anos da sua elaboração, é preciso avançar em relação ao
que está exposto no documento Perfis & Padrões de Qualidade. Sem dúvida ele
representa um esforço de grande mérito e envergadura, mas precisamos estabelecer
um referencial mais cristalino e atual, para a partir dele reformular o nosso sistema de
ensino, dos conteúdos aos procedimentos.
Esta necessidade está muito além do que meramente nos defendermos da EaD.

2. ATERRIZAR NO REDONDO
Pelas circunstâncias descritas, também não parece suficiente que a nossa ação presente
se estruture como resposta a um acidente de percurso, a pandemia, conforme está
colocado na pergunta central do texto que baliza este encontro:
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 225

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

“... como garantir um alto grau de qualidade de ensino e formação para todos os
estudantes mediante o complexo cenário imposto pela pandemia? ”
Se a pergunta focasse apenas os desafios decorrentes da pandemia, a situação ainda
seria dramática, porém, de solução mais simples. Por instaurar um clima de urgência, a
pandemia desloca o eixo do poder, reduzindo ainda mais a influência da Academia na
definição dos marcos de orientação do ensino de arquitetura, mas essa circunstância
não inaugura e nem é a causa da nossa miséria. Ainda que exista muito a ser desvelado,
o essencial da nossa tarefa continua em nossas mãos e o fracasso, em grande parte,
nossa responsabilidade.
Uma pequena alteração na pergunta, no desafio inicial estabelecido, talvez nos
colocasse mais próximos de um compromisso realista e necessário:
... como garantir um ensino de qualidade para todos os estudantes de arquitetura?
Me parece que este ideal tem sido olvidado. Tratamos o problema como parte da
paisagem, como uma quimera e não como um desafio concreto e superável.
Um dos sintomas da crise continuada do ensino de arquitetura no Brasil está na perda
de relevância da arquitetura brasileira no cenário mundial. Para um setor cuja influência
se estendia aos confins da Ásia, não ser importante sequer na América Latina, dá o que
pensar.
Sim, temos alguns expoentes, mas nada do que estamos vivendo se compara aos
tempos de Niemeyer, que era um gênio em meio a dezenas de arquitetos geniais. A
maioria deles não teve reconhecimento global, e não é disto que estou falando, mas o
seu trabalho fez caminhar a nossa cultura e beneficiou o nosso povo: a arquitetura, é
oportuno lembrar, tem a responsabilidade de melhorar a qualidade de vida de todos.
Esbarramos nas evidências de que algo não está dando certo, de que estamos falhando
enquanto categoria, no cotidiano das nossas cidades, em legislações, programas e
edifícios mal concebidos, em ideias desastrosas e no desastre da falta de ideias.
Com a expansão numérica e geográfica das escolas de arquitetura, o problema se
diversifica e demanda ainda maior atenção. Os trabalhos apresentados no programa
Novos Olhares são representativos desse estado de coisas: trazem a produção de um
grupo ansioso por fazer algo de valor, mas que, mal preparado, fracassa.
Precisamos olhar o mundo à nossa volta. O hábito, saudável, de estar atento à nossa
realidade, por se fazer exclusivo afastou a arquitetura brasileira da explosão de
criatividade programática e formal que tanto os países pobres quanto os emergentes e
os ricos, experimentam nos últimos 30 anos. Precisamos nos recompor.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 226

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

PANAAR CENTER. VIN VARAVARN. Indonésia. 2021

Fonte: WONGWAN, 2021

3. SÃO MUITOS OS MODOS DE COMPROMETER A QUALIDADE


THE BAD GUYS
Desde que entrou no segmento do ensino superior no Brasil, a iniciativa privada foi vista
com desconfiança. Os exemplos de que a escolha entre lucro e qualidade tem penalizado
a excelência, são inúmeros e confirmam o acerto da resistência à validação do ensino
como atividade predominantemente mercantil. Muitas mantenedoras têm até mesmo
comprometido a continuidade dos seus negócios ao se concentrar no baixo custo, mas
não serei eu a questionar decisões econômicas de grupos milionários. No entanto,
moralmente as considero equivocadas e sob certos aspectos, criminosas.
Desse ponto de vista, o ensino à distância acena com uma lucratividade atraente e
confortável para o big business, o que se consolidará caso o perfil dos cursos seja
definido sem comparações com propostas que contemplem a boa formação. Ou seja,
sem concorrência de ideias! Como especialistas, deveríamos apresentar alternativas.
Por outro lado, transitamos num universo político complexo, onde o poder econômico
determina. Para obter um pouco mais de equilíbrio poderíamos tentar mudar de arena:
penso que o Exame de Ordem iria estabelecer níveis profissionais mais elevados e
colocar a qualidade do ensino em evidência.
Retomar o debate sobre esse tabu é urgente. A tentativa do CAU-BR de criar um selo de
excelência foi esplêndida, mas me parece que o modo mais rápido e eficaz de
impulsionar a qualidade é penalizar os ineficientes.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 227

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Entretanto, se quisermos efetivamente remediar o quadro problemático que enfrenta o


ensino de arquitetura no Brasil, é necessário identificar outros atores, que muitas vezes
também são vítimas, mas que, deliberadamente ou não, são agentes do rebaixamento
cultural que estamos assistindo, fenômeno que leva a arquitetura brasileira para muito
longe dos seus desígnios e das respostas que a sociedade precisa.
Assim, além de questionar a atuação pouco construtiva das mantenedoras, me parece
importante analisar o papel dos professores e dos estudantes nesta crise.

LITTLE ANGELS
Os estudantes são os grandes prejudicados por atividades pedagógicas que absorvem
cinco anos das suas vidas, na maioria dos casos com poucos resultados. Felizmente, o
maior ganho de quem faz um curso de arquitetura é a transformação do seu olhar sobre
o mundo, o que ocorre com quase todos os alunos. Mas cada vez menos.
Ao final do curso, a consciência acerca da importância e do alcance da Arquitetura, bem
como a aquisição das habilidades necessárias para um exercício profissional evolutivo,
deixam muito a desejar. Na verdade, via de regra, só alcança esse patamar uma parcela
pequena dos egressos, em geral os originalmente bem-dotados intelectualmente,
senhores da própria formação. Não falo aqui, de sucesso comercial.
Da grande massa de estudantes intermediários, a maioria se situa muito próxima ao
nível mínimo de suficiência. Nos critérios da Cooper Union, não poderiam nem mesmo
submeter o trabalho final para avaliação. Os demais querem produzir algo significativo
e de qualidade, mas as deficiências da formação, decorrentes dos problemas nos
diversos níveis da estrutura de ensino, os impede. São as maiores vítimas.
Por outro lado, o pragmatismo de grande parte dos alunos, que só querem colocar a
mão no diploma, a ação dos que não se dedicam aos estudos, confiando na leniência do
sistema para obter o título, têm consequências perversas. Estudantes dispersos
dificultam a criação de um ambiente positivo de aprendizado, o que é decisivo.
Como maus estudantes também são parte constituinte do ensino presencial, não podem
ser desconsiderados: eles são nefastos, mas não irrelevantes.
A inclusão desse quesito é importante quando apontamos as qualidades das atividades
presenciais, em oposição ao ensino à distância. A escola tem papel positivo como espaço
de convívio social e até o tempo que se passa nas lanchonetes é importante, mas quando
ele supera aquele empenhado nas bibliotecas, seus objetivos podem estar sendo
desvirtuados.
Em muitas escolas a atividade central do ensino de arquitetura, que se dá nas disciplinas
de Projetos, se transformou numa espécie de consultoria, reduzindo o tempo de
dedicação do estudante e de contato com o professor, a alguns minutos, burlando,
inclusive, a carga horária mínima obrigatória. O restante do tempo é gasto em
trivialidades, seja com os colegas ou no celular. A ideia mítica do atelier, onde questões
de peso são debatidas e compartilhadas se encontra num beco estreito e precisa ser
resgatada, aprimorando-se estratégias e qualificando-se os agentes.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 228

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Outra prática que tem sido adotada com enorme prejuízo para a formação é a dos
trabalhos em grupo. Os imaginamos com os estudantes debatendo e pesquisando temas
em conjunto, com profundidade, mas o fatiamento interesseiro e irresponsável das
atividades, com cada um fazendo a sua parte, alheio ao que faz o outro, é tão
disseminado quanto compreensível. Esse procedimento também envolve a divisão num
nível mais amplo: cada um faz o trabalho de uma disciplina.
Em geral o professor é o maior beneficiado pelos trabalhos em grupo, pois suas tarefas
se reduzem à metade. Mas os estudantes não reclamam: se locupletam, embora se
prejudiquem.

THE PRIESTS
Um terceiro grupo que nem sempre é parte das soluções e, portanto, é parte do
problema, é o dos professores. Os docentes são o elo frágil da corrente, pois ao fazerem
da atividade pedagógica o seu meio de vida material, acabam pressionados diretamente
por seus empregadores e sub-repticiamente, pelos estudantes, que os avaliam
semestralmente. Com frequência essa avaliação se dá sob os efeitos da sedução ou do
ódio, retirando-lhe o caráter referencial que deveria ter.
Alguns exercem o magistério como uma filantropia, pois não precisam do soldo. Será
que se dedicam? Como bem lembrou Alfred North Whitehead, quem não é especialista
é diletante. Ser professor universitário é prestígio social e esses tantos que se
transformam em professores na porta da sala de aula causam prejuízos que na maior
parte dos casos superam a contribuição vinda da sua vida profissional.
Também há que lembrar que, se por um lado, os professores são eles mesmos, produto
de um processo educacional de longa data deficiente, incluindo a graduação e a pós, por
outro lado muitos se acomodam precocemente, diante da ausência de benefícios
profissionais na carreira: seu aprimoramento é descontinuado.
Um professor, não só os de história e teoria, deveria, a meu ver, buscar incessantemente
conhecer o estado da arte da profissão. Mas isso é pouco comum entre nós e impacta
enormemente a qualidade do ensino. Imaginem o corpo docente de um curso de
Medicina que não tivesse domínio sobre os avanços e possibilidades da disciplina, que
não conhecesse luminares e realizações: mergulharia nas trevas.
Obviamente minhas observações não se aplicam a todos, mas pontuo que é necessário
encarar com decisão a necessidade de qualificação do corpo docente.

SHADOW MEN
Por fim, um elemento conspira quase sem perceber, contra a excelência do ensino de
arquitetura. Movendo-se nos bastidores, a Corporação dos Arquitetos tem garantido
seus privilégios ao longo dos tempos. O maior deles é explorar a mão de obra mal paga
dos estagiários, que constituem sua força de trabalho fundamental.
Aos arquitetos, via de regra, interessa estagiários submissos, mas com iniciativa. Em
geral a sua demanda é no sentido da produtividade e raramente estimulam o trânsito
do estagiário pelo universo teórico. Este, é frequentemente desqualificado por muitos
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 229

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profissionais, que fazem pouco daquilo que é a essência da academia: a reflexão. Quem
sabe faz, quem não sabe ensina, é um mote popular. Vem daí grande parte das
fragilidades, inclusive éticas, que o exercício profissional exibe no Brasil.
A adoção do Autocad teve um impacto enorme sobre a profissão, criando uma categoria
que substituiu os desenhistas profissionais a um custo infinitamente mais baixo: os
estudantes cadistas. A importância deles se amplia no contexto brasileiro atual, onde os
projetos elaborados sob o manto da Arquitetura são, via de regra, de baixíssima
qualidade, sendo equacionados mais ao nível do desenho arquitetônico do que no da
reflexão.
Desde as fases iniciais da sua formação, às vezes quando ainda estão cursando o P1,
estudantes assumem papel vital em escritórios de arquitetos cuja principal competência
profissional é captar serviços.
Estamos agora, diante da segunda onda digital, com a expansão do BIN, o que, num
contexto de penúria intelectual, desvia e ilude. Mais uma vez a academia está
pressionada pela Corporação dos Arquitetos a adotar medidas que ignoram o seu
contexto específico e a sua problemática própria, impondo prioridades e
comprometendo a legitimidade das escolas, transformadas em centros de treinamento
que antecedem ao verdadeiro aprendizado, que pretensamente se daria nos escritórios.
O resultado de tal distorção está nas ruas e dentro das nossas casas, em edifícios caros,
funcionalmente problemáticos e feios, além de cidades precárias.
A escola é o lugar da reflexão e da experimentação e não da simulação da prática.

4. TIRANDO VANTAGENS DA PANDEMIA


Se o grande barco do ensino de arquitetura no Brasil já vinha adernando há 3 ou 4
décadas, a pandemia colocou na sala um monstro que nos assombra há muito: o ensino
de arquitetura à distância. Além disso revelou o estado de desorganização pedagógica
da maior parte das instituições, acostumadas que estavam à improvisação em salas de
aula fechadas, atendendo a diretrizes frouxas.
Mas nem tudo são prejuízos. O impacto da Covid sobre o ensino se deu de diversas
formas e algumas já resultaram em progresso, impulsionando maior formalização
pedagógica das disciplinas. Entretanto as consequências são mais amplas e tendem a
modificar a estrutura do ensino e mesmo a profissão de professor, a carreira acadêmica.
Vou restringir a minha avaliação a dois campos mais gerais: o tecnológico e o
pedagógico, com o objetivo apenas inaugural, sem a pretensão de aprofundar.

O CAMPO TECNOLÓGICO
Quando se fala em softwares para a veiculação e para o desenvolvimento das atividades
pedagógicas no EaD, a estrutura (Meet, Zoom, Teams, etc.), já estava disponível, embora
subutilizada. Grande parte dos professores não sabia lidar com as plataformas e algumas
escolas falharam em prover treinamento adequado. Mesmo assim, em poucas semanas
o esquema estava funcionando.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 230

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

A partir daí, foi incorporada uma nova ferramenta que propicia os mais diversos usos e
estimula a produção de material didático de qualidade, renovando algumas atividades.
Já o quesito hardware apresentou complicações mais difíceis de serem equacionadas,
até mesmo porque foram pouco enfrentadas. Com o isolamento, algumas escolas
mundo afora fizeram de imediato uma pergunta óbvia: os estudantes têm meios para
acompanhar aulas online? Que tipo de equipamentos eles possuem? Mesmo em países
como a Inglaterra, o resultado foi surpreendente, identificando uma carência
considerável na posse de computadores em casa. Se lá é assim, a nossa situação deveria
ser fonte de preocupação.
Estamos falando basicamente de conexões estáveis e de computadores adequados,
aspectos que no interior do Brasil são limitações importantes. Trata-se na verdade de
uma suspeita pessoal, pois não tenho conhecimento de algum levantamento acerca da
situação dos alunos, nesse quesito. Entretanto, na minha experiência em classes de
Projeto, no interior de Minas Gerais, identifiquei um número elevado de celulares em
aulas onde seriam necessários, pelo menos, notebooks.
EaD à parte, a presença digital no processo projetual é positiva, insuperável e definitiva
e o acesso dos estudantes a equipamentos e meios de financiamento é tarefa que
deveria ser compartilhada pelas instituições ligadas ao ensino.
Saber com quais recursos os estudantes estão contando, seria uma radiografia
importante, que pode direcionar medidas e mesmo programas. A ABEA poderia
intermediar um processo de levantamento da demanda além de articular o
fornecimento dos equipamentos. Estamos falando, infiro, de milhares de
computadores, o que pode interessar à indústria.

Esse esforço poderia ser o início de uma ação promissora: a aproximação da ABEA com
os estudantes, promovendo o acesso deles a uma outra perspectiva da profissão.

O CAMPO PEDAGÓGICO
Um segundo impacto decorrente da pandemia foi a consciência da necessidade do
desenvolvimento de estratégias pedagógicas específicas para atividades online, aspecto
que ficou inibido pela própria negação do modelo.
Mas as deficiências verificadas no EaD, mostraram que o problema é mais profundo:
passada a fase dos grandes mestres professores, Costa, Artigas, Serpa e tantos outros,
cuja sabedoria ia muito além da erudição, e com a ascensão às cátedras de um grupo de
jovens doutores, muitos deles sem muita e às vezes nenhuma, experiência projetual, o
aprimoramento não só das atividades online, mas igualmente das práticas presenciais
se faz necessário. O debate sobre a viabilidade das cadeiras de Projeto funcionarem
online ainda não ocorreu e mesmo nas demais disciplinas, onde isto parece ser mais
natural, também há muito o que fazer.
Por fim, é preciso diferenciar entre atividades online com e sem interação. Assistir a
aulas pré-gravadas não induz ao engajamento verificado nas atividades ao vivo. Os
estudantes preferem a segunda versão, que possui qualidades semelhantes às
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 231

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presenciais: perde-se alguma coisa e ganha-se outras. Por exemplo, a dispersão causada
pelo comportamento frequentemente deselegante de estudantes desinteressados,
fator mencionado anteriormente, é praticamente eliminada e os que estão interessados
se resguardam dos efeitos negativos de tais atitudes.
Temos nos preocupado em apontar as limitações da abordagem à distância, mas há um
largo campo de desenvolvimento pedagógico que poderá resultar no aprimoramento
das práticas, tanto presenciais quanto virtuais, propiciando mesmo o desenvolvimento
de métodos híbridos de grande eficácia.
A integração da internet tornou-se realidade, viabilizando pesquisas em tempo real,
dinamizando as aulas e ampliando seus conteúdos. Por outro lado, o uso de interfaces
gráficas no ensino de projetos pode abrir espaços insuspeitados e mesmo integrar
modos tradicionais de discurso, como o desenho autoral.

5. CONCEITOS VALIOSOS
O POSTULADO DE SAN SEBASTIAN
Sempre procurei estruturar as críticas aos exercícios de projeto, de modo que os
aspectos pessoal e técnico/arquitetural, instâncias que de fato existem, ficassem claros.
Mesmo áreas aparentemente intuitivas como a análise da forma, contém um elevado
grau de racionalidade e que deve ser identificado, deixando as preferências pessoais
livres para que também se manifestem. A nossa disciplina também é composta por
valores pessoais, mas o estudante deve saber quando são eles em ação.
A crítica é fundamental para o exercício criativo da profissão de arquiteto. No entanto,
quando acontece no ambiente acadêmico embora ela se assemelhe ao que acontece na
prática profissional, a entrada de um novo elemento, o estudante, demanda outras
posturas, específicas e essenciais.
Como percebeu o pensador argentino Álvaro San Sebastian5, as relações num ateliê de
projetos envolvem três elementos: o estudante, o professor e o projeto. É uma situação
ruim, quando dois deles se associam, excluindo o terceiro: o professor mete a mão no
projeto e o resolve, excluindo o estudante; o estudante não mostra o seu processo,
excluindo o professor. Uma terceira situação se dá quando professor e estudante
entram num jogo de interesses pessoais e o projeto perde a importância.
Tais percalços mostram que a crítica é um exercício que deve ser estimulado e
estruturado, ter objetivos explícitos e estar apoiada num conhecimento profundo do
estado da arte da Arquitetura. Quando analisamos uma solução arquitetônica o
resultado não é mera opinião pessoal, como acreditam na Terra Plana. Existem aspectos
objetivos e científicos a serem considerados.
Entretanto, não obstante a sua relevância, o discurso sobre o projeto, seja gráfico,
escrito ou oral, seja feito pelos estudantes ou pelos professores e avaliadores, tem sido
reduzido ao mínimo nas nossas escolas, privando os envolvidos e a própria comunidade
de aprender mais com as experiências realizadas.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 232

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Sufocar o discurso é como adulterar a formação: o espaço do debate, opcional para o


profissional, está na essência da academia.

O SILÊNCIO DOS (NEM TÃO) INOCENTES


A atividade presencial estimula discursos estruturados? Vejam os nossos TFG’s. Cinco
ou seis pranchas no formato A1, não exigência de maquete, indeterminação da escala,
detalhes construtivos escapistas. Memorial descritivo e pareceres exíguos e mal
engendrados. Tal padrão se espalhou pelo país como se tivesse sido combinado num
encontro secreto. O tempo idem: em algumas escolas, 15 minutos para a apresentação,
5 para cada avaliador.
Este, que deveria ser o momento máximo da vida acadêmica se reduz assim, a um
espasmo.
Figura 3: Apresentação de trabalhos na Greenwich University, Dep. of Architecture & Landscape

Fonte: HUFTON + CROW, 2018

A apresentação dos trabalhos finais de curso é o diálogo entre a disciplina, a corporação


e a academia, momento de verificar competências para exercer o estabelecido, mas
também de ampliar a percepção para além, questionando a inércia. As escolas deveriam
valorizar esse momento, fazendo dele um acontecimento auspicioso. Para isso seria
necessário vencer a resistência de um grupo numeroso de professores e estudantes, que
querem ficar livres do incômodo rapidamente.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 233

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Mas não é esse o desejo de todos: a mediocridade se impõe sob a aura da eficiência em
muitos aspectos da organização acadêmica, soterrando ideias e idealistas. É o caso das
bancas finais a jato.
Ao negar o espaço para o debate, não só nas bancas finais, mas sobretudo no cotidiano
das disciplinas de projeto, agora consultorias, nos aproximamos da prática profissional,
focada no produto e não em pressupostos e processos. Em certo momento, os TCC’s
passaram a ter estimativa de custos, o que é fora de lugar e inibidor. Agora, todos
apresentam uma tabela de paisagismo, geralmente estúpida, pois o conteúdo não é
suficientemente trabalhado pelos currículos.
O que se avalia ao final é um produto, composto por um conteúdo burocrático e
medíocre, que nivela a todos, fazendo com que os trabalhos superficiais e mal
concebidos passem despercebidos. Até se compreende que o desejo das escolas em
tornar pública a sua própria produção praticamente inexista, pois estariam expostas a
um escrutínio cujas consequências elas não possuem controle. Entretanto, o estímulo à
divulgação dos trabalhos finais parece ser um caminho mais virtuoso do que as
competições: iniciativas como o programa Novos Olhares são preciosas e precisam ser
incentivadas e aperfeiçoadas.
É insuficiente, portanto, que a produção acadêmica se dê unicamente com o objetivo de
transformar programas em espaços. A Academia deveria engendrar confabulações,
considerações, insights e discutir continuamente a sua produção para aprimorar e
aprofundar a formação dos arquitetos.

6. UM LADO B PARA A ABEA?


Pintei um quadro cujos tons não se aplicam a todos ambientes, mas eles estão por aí,
dominando a cena, corroendo o prestígio e a qualidade da arquitetura no Brasil.
Há escolas fazendo um bom trabalho e não só em São Paulo, mas também no interior
do país. Quais são seus pressupostos? O que produzem? O que os seus professores
pensam? Seria estimulante e frutífero incorporar essas experiências ao cotidiano da
comunidade acadêmica de todo o país.
A ABEA poderia ampliar o seu braço cultural, talvez com uma espécie de portal,
divulgando trabalhos, atividades, experiências, promovendo cursos, emitindo
certificados. Enfim, estimulando a cultura e o conhecimento arquitetônico. O seu
reconhecimento pode aos poucos, adquirir peso na formação e aprimoramento de
professores. Também os estudantes seriam contemplados, com um material mais denso
do que aquele veiculado nos portais tradicionais.
Ou seja, a ABEA poderia colocar-se como referência também na produção do
conhecimento, colaborando efetivamente no aprimoramento da profissão.
A EaD pode viabilizar inúmeras ações nessa linha.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 234

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7. CONCLUSÃO
A certeza de que a arquitetura pode melhorar a vida das pessoas move os arquitetos. O
debate sobre o lócus onde acontecerá a qualificação para essa missão é mais importante
por demandar respostas externas à dicotomia do que pelo próprio equacionamento:
procedimentos pedagógicos envolvem decisões que devem atender a necessidades
objetivas e não a decisões apriorísticas.
O nosso olhar sobre o ensino tem oscilado entre distância excessiva e proximidade
exagerada. Em ambas perdemos nuances fundamentais. Penso que podemos ocupar um
lugar de observação mais estratégico e revelador: um olhar mais próximo e imparcial.
" Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa”, sonhou
Clarice Lispector. O “E” da ABEA já foi Escola. Significativamente, mudou para Ensino. É
hora de encará-lo como Excelência e então seguir os rumos de uma transformação
necessária.

REFERÊNCIAS
KEAN, M. Louis I. Kahn Talks with Students-1967. In: Rice History Corner. Houston: 19 abr. 2018. Disponível em
https://ricehistorycorner.com/2018/04/19/louis-i-kahn-talks-with-students-1967. Acesso em 10 de jan.de 2022
ABEA. Associação Brasileira de Ensino da Arquitetura. Carta da ABEA contra o ensino a distância para graduação
em arquitetura e urbanismo. 26 de janeiro de 2017. Disponível em: https://www.caubr.gov.br/wp-
content/uploads/2017/01/20170126_abea_carta_contra_ead_em_au-1.pdf
CAU/BR. Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil. Manifestação do CAU/BR sobre ensino a distância em
arquitetura e urbanismo. 16 de fevereiro de 2017. São Paulo.
Disponível em: https://www.caubr.gov.br/wp-content/uploads/2017/02/MANIFESTACAO-EAD.pdf
HUFTON + CROW. Greenwich University. Heneghan Penn Architects. 1 foto. 20 set 2018. In: Divisare. Disponível
em: https://divisare.com/projects/396063-heneghan-peng-architects-hufton-crow-university-of-greenwich-library-
and-academic-building Acesso em 15 de jan.de 2022
MATIAS, K. Água viva (1° parte). In: Keidy Matias. Clarice Lispector: porque há direito ao grito, então eu grito. [S.
l.]: 22 abr. 2008. Disponível em: https://claricelispector.blogspot.com/2008/04/gua-viva-1-parte.html Acesso em 10
jan. 2022
MEC/SESU. Ministério Da Educação Secretaria De Educação Superior, Comissão de Especialistas de Ensino de
Arquitetura e Urbanismo. Brasília. 2017. Perfis da área & padrões de qualidade: Expansão, Reconhecimento e
Verificação Periódica dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/ar_geral.pdf
SAN SEBASTIAN, A.; ADAMSON, G.; SARQUIS, J. Creatividad y enseñanza. Faculdad de Arquitectura, Diseño y
Urbanismo. Universidade de Buenos Aires. [1990?]. 109 p.
WHITEHEAD, A. N. The aims of education. 1st ed. New York: The Free Press, 1967. 165 p.
WONGWAN, K. Panaar Center, Vin Varavarn, Indonésia. 1 Foto. 23 nov. 2021. In: Arch Daily. Disponível em:
https://www.archdaily.com.br/br/972179/centro-de-aprendizagem-em-economia-e-agricultura-de-subsistencia-
pannar-vin-varavarn-architects Acesso em 15 de jan.de 2022
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 235

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Inclusão digital e formação docente de professores de


arquitetura e urbanismo no contexto da pandemia da COVID-
19: reflexões, desafios e dificuldades

Cezar Henrique GALHART


Faculdade Estácio de Curitiba e UNICURITIBA; galhart@gmail.com
Glaucia da Silva BRITO
UFPR; gal.brito@gmail.com

RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar alguns impactos das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) na formação dos docentes nos cursos de arquitetura e urbanismo, problematizando a inclusão
digital desses atores, com reflexões para os desafios e dificuldades, principalmente na pandemia da
COVID-19. A metodologia deste artigo fundamentou-se na pesquisa bibliográfica e documental sobre os
temas discutidos, por meio de livros e artigos como fonte secundária, complementados por pesquisa de
fonte primária através de questionário online e entrevista com docentes desses cursos em IES públicas e
particulares da cidade de Curitiba-PR no segundo semestre de 2021 e janeiro de 2022. Pela análise do
cenário atual sobre a formação dos professores, propõe-se uma revisão na conduta educacional,
proporcionando ao corpo docente outros componentes além da capacitação para o uso desses recursos e
a adoção de metodologia compatível com prestígio aos enfoques pedagógicos e educacionais, com ética
e responsabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: formação docente, inclusão digital, TICs, arquitetura e urbanismo.

1 INTRODUÇÃO
A partir do momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou a
classificação da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2) para pandemia global
(no dia 11 de março de 2020), muitos foram os impactos imediatos em diversos setores
da sociedade, principalmente na saúde, como também no comércio, nos serviços, na
educação. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), cerca de 8,6 milhões de estudantes de faculdades e
universidades públicas e privadas pararam de frequentar as aulas e as atividades
presenciais, como medida de prevenção à propagação desse agente infeccioso. Esse
número se constitui em uma estimativa do total de alunos matriculados em Instituições
de Ensino Superior (IES), de acordo com o último Censo da Educação Superior divulgado
em 2019 (INEP, 2020). Nesta mesma pesquisa, nas IES particulares, eram 124.085 alunos
matriculados em arquitetura e urbanismo no território nacional.
Enquanto muitos desses estudantes tiveram suas aulas canceladas sem previsão de
retorno, outros passaram a ter aulas em um formato denominado ensino remoto
emergencial (ERE), vinculado à Educação a Distância (EaD), sendo uma modalidade de
ensino mediada pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). No que se
refere ao uso dessas tecnologias na educação, não se trata de uma novidade pois há
décadas têm sido utilizadas por escolas públicas e privadas em cursos de graduação e
pós-graduação no território nacional, em IES que possuem estrutura, infraestrutura e
equipe de suporte para essa finalidade.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 236

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No entanto, em função das circunstâncias dessa crise sanitária, houve uma aceleração
da integração de tecnologias ao processo de ensino, sem planejamento ou preparação
pelas IES e pelos docentes. Na percepção de Hodges et al (2020) as experiências de
aprendizagem online do ERE, em resposta a uma crise ou desastre, são
significativamente diferentes dos cursos oferecidos online. Para esses autores, a
improvisação de soluções rápidas pelos docentes em circunstâncias abaixo do ideal
pode gerar muitas respostas perspicazes como também estresse, compreensivelmente.
Na opinião de Demo (2016, p. 38) a aprendizagem nessas circunstâncias “é dinâmica
tipicamente situada: aprende-se do que já se aprendeu, constrói-se do que já está
construído”, ou seja, no ERE, o ensino ocorre com a adoção e adaptação dos modelos
preexistentes.
No início da pandemia, evidenciaram-se as desigualdades de acesso e de domínio das
tecnologias na educação, acirrando o debate sobre as políticas para o campo da
formação docente. Particularmente para os cursos de arquitetura e urbanismo,
Monteiro (2021) aponta um protagonismo dos professores na busca de soluções de
forma a minimizar a mudança do ensino presencial para outro, síncrono e digital, e as
desvantagens em relação ao aprendizado tradicional, principalmente para a
comunicação entre educadores e estudantes, que na pandemia e nas aulas síncronas
tem sido realizada por meio de aplicativos e plataformas de reuniões virtuais.
Nesse contexto, este artigo busca analisar alguns impactos das TICs na formação dos
professores de arquitetura e urbanismo, problematizando a inclusão digital desses
atores, com reflexões para os desafios e dificuldades, principalmente na pandemia da
COVID-19. Este texto está estruturado em três partes. Na primeira, uma
contextualização inicial para o ensino atual no âmbito da crise sanitária. Na segunda,
reflexões relacionadas às tecnologias, inclusão digital e formação do professor. Na
última, a apresentação de uma pesquisa realizada com docentes de arquitetura e
urbanismo em Curitiba-PR, no período de 2021-2022, finalizando com algumas
considerações sobre os resultados obtidos.

2 TECNOLOGIAS, INCLUSÃO DIGITAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES


A descoberta de um novo tipo de coronavírus, denominado SARS-CoV-2, identificado
inicialmente em Wuhan, capital da província de Hubei, na China, ocasionou naquela
cidade e país a interrupção de diversas atividades, como medida de controle da
disseminação daquela fonte patológica provocadora de uma doença infecciosa, uma
síndrome respiratória aguda grave, denominada COVID-19. No entanto, a dispersão
desse vírus em diversas regiões e continentes conduziu a OMS a decretar pandemia
global no dia 11 de março de 2020 (BRASIL, 2020).
Em virtude das estratégias alinhadas a um cenário de emergência global, as atividades
educacionais foram rapidamente suspensas. Como medida de mitigação, houve a
migração das aulas presenciais para o ERE, em um novo modelo, que gerou adaptações
metodológicas, pedagógicas e tecnológicas.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 237

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Nessa realidade pandêmica, adaptada para professores e alunos, sem projeto


pedagógico compatível para essa situação, evidenciaram-se as exigências por
competências tecnológicas nas práticas educacionais que promovessem a inclusão
digital, dos alunos e principalmente dos educadores, para a operacionalização de
recursos tecnológicos inéditos, como também novas maneiras de ensinar e aprender
(SEEGGER ET AL, 2012).
A concepção de inclusão digital, muitas vezes associada apenas às políticas públicas
definidas para a democratização do acesso às tecnologias da informação, não contempla
somente a necessidade de desenvolvimento de habilidades e competências essenciais
para o êxito esperado com quaisquer ações mediadas pelas TICs, ou seja, uma
combinação de recursos capazes “de promover o desenvolvimento de novas relações
com as fontes do saber, caracterizada pela interatividade” (SOARES, 1999, p. 37). Nesse
âmbito, diversos são os exemplos para essas tecnologias, como o computador, a
Internet, smartphones, aplicativos etc.
No entendimento de Gomez (2010), de maneira mais ampla, a inclusão digital presume
a compreensão, a significação e o pensamento estimulado através dessas tecnologias,
sendo, portanto, uma habilidade e possibilidade para assimilar e utilizar a informação
em múltiplos formatos, inclusive no ambiente educacional.
Ao considerar a inclusão digital dos professores, Almeida (2004) a interpreta como uma
etapa da formação docente caracterizada pela inserção da informática aplicada aos
processos educativos, embasada no domínio e uso das tecnologias na prática
pedagógica como também conexão desses conhecimentos com as teorias educacionais.
Em oposição às práticas educacionais inclusivas, e ao questionar a exclusão digital como
um processo contrário, Lévy (1999) acrescenta que para a inclusão não “basta estar na
frente de uma tela, munido de todas as interfaces amigáveis que se possa pensar, para
superar uma situação de inferioridade”. Nos novos desafios impostos em uma
conjuntura que requer melhor capacidade educativa e cultural na utilização dos recursos
da informática: “É preciso antes de mais nada estar em condições de participar dos
processos de inteligência coletiva” (LÉVY, 1999, p. 238). Nisso, incluir não representa
somente o acesso aos recursos tecnológicos como também aos saberes.
Nesse cenário, participar desses processos tecnológicos no campo educacional não se
restringe ao uso das ferramentas tecnológicas (computadores, periféricos,
equipamentos) mas integrar esses meios a uma formação continuada de professores,
inseparável da prática pedagógica. Conforme apontam Pretto e Riccio (2010) a presença
das TICs na atualidade também deve ser analisada de maneira a considerar as
desigualdades que podem representar proporções significativas e com acessos
diferenciados para diferentes classes sociais (PRETTO, RICCIO, 2010).
Em condições ideais, através das TICs, destaca-se a agilidade no acesso às informações
utilizadas para a construção da aprendizagem, qualificando a prática pedagógica e
proporcionando outros benefícios, como outros meios de comunicação entre
professores e alunos viabilizada pelas ferramentas interativas (SEEGGER ET AL, 2012).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 238

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Assim, o processo de formação continuada possibilita ao professor a construção do


conhecimento também com e sobre as novas tecnologias, fomentando a compreensão
do seu significado e da integração das TICs à prática pedagógica, passando de um
modelo de ensino fragmentado para uma abordagem integradora personalizada de
acordo com os interesses dos alunos (MERCADO, 1998).
De uma maneira mais específica, articulam-se educação e tecnologia como ferramentas
capazes de propiciar a construção de saberes, onde as tecnologias impactam no
cotidiano, sendo fundamental a promoção, democratização e acesso ao conhecimento,
à produção e à interpretação das tecnologias (BRITO, PURIFICAÇÃO, 2015).
Complementando, Brito e Purificação destacam:
[...] a necessidade da formação de professores para o uso das tecnologias,
como já têm apontado diversos pesquisadores nas seguintes questões
prioritárias: conhecimento das implicações sociais e éticas das tecnologias;
capacidade de uso do computador e de softwares utilitários; capacidade de
uso e avaliação de softwares educativos disponíveis gratuitamente na
internet; capacidade de uso das TICs e de diversos dispositivos móveis em
situações de ensino e aprendizagem (BRITO, PURIFICAÇÃO, 2015, p. 18).

Conforme destacam as autoras, a formação no sentido mais pleno também requer


análise dos impactos das tecnologias na sociedade, principalmente pelas condições
éticas de transmissão e replicação do conhecimento, tão presentes nas TICs pelas
interações com redes sociais e outros meios de propagação de informações.
Se há uma formação docente associada ao educador com portifólio acadêmico, outra
realidade é destacada por Fernandez e Ronca (2010) que relacionam outro perfil de
professores para determinados cursos de graduação e pós-graduação, como na área de
arquitetura e urbanismo, selecionados em IES que privilegiam profissionais inseridos no
mercado de trabalho, identificando assim dois grupos: docentes com formação
pedagógica e sem formação pedagógica. Nesse aspecto, complementam:
Essas considerações são relevantes ao se pensar no professor como
profissional, na sua prática, na sua formação e atitudes em sala, porque
transitam pelas vivências anteriores como aluno e pelas experiências na
condição de docente. Os sentidos e significados atribuídos à profissão podem
passar por esses processos identitários e nem sempre são relevados nos
cursos de formação docente (FERNANDEZ, RONCA, 2010, p. 54).

Considerada a integração das TICs nesses processos, a formação do docente, com ou


sem a especificidade pedagógica, deverá ter uma oferta de cursos livres
presencialmente ou a distância, de maneira a capacitar os profissionais docentes para
usos de ferramentais digitais, proporcionando assim outros espaços e possibilidades,
alinhadas às necessidades e respeitando as características do cotidiano e realidade
escolar desses professores (COSTA, LOPES, 2016).
Nessa abordagem, Fiuza (2016, p. 69) destaca: “[...] se não houver um programa de
formação para uso desses recursos (tecnológicos), novamente a descontinuidade e os
fracassos presentes na história da informática na educação brasileira poderão se
repetir”. A autora considera que há necessidade de capacitação adequada para o uso
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pedagógico dos equipamentos, pois o acesso e competência no uso de novas mídias


facilitam a produção e a reprodução de recursos educacionais e bens culturais.
Complementar a isso, Altenfelder (2005) aponta que o termo capacitação pode ser
inconvenientemente atribuído a essa ação de formação, pois no seu conhecimento o
conceito de capacitação está associado a um convencimento e persuasão, sendo
inadequado a uma formação continuada que pressupõe conhecimento, análise, crítica
e aceitação. Isso vem de encontro às capacitações que induzem metodologias ou
ferramentas como melhores práticas no ensino.
Nesses processos formativos, especificamente, há uma tendência tecnicista, centrada
na organização racional dos meios, das tecnologias e procedimentos de ensino, no qual
o professor segue um planejamento, controlado executado e avaliado a partir de
critérios previamente estabelecidos (ALTENFELDER, 2005).
Um dos componentes essenciais à formação está relacionada à autonomia docente. A
exclusão dessa competência poderá ser danosa à formação, conforme destaca Giroux:
As racionalidades tecnocráticas e instrumentais também operam dentro do
próprio campo de ensino, e desempenham um papel cada vez maior na
redução da autonomia do professor com respeito ao desenvolvimento e
planejamento curricular e o julgamento e implementação de instrução em
sala de aula. Isto é bastante evidente na proliferação do que se tem chamado
pacotes curriculares (GIROUX, 1987, p. 160).
Nesse entendimento, o termo competência se refere à qualificação do profissional
professor na execução de determinada tarefa. E isso envolve diversos conhecimentos,
integrando o contexto social e histórico da vida do professor, a formação educacional e
experiência profissional, implicando em ações como “saber acessar, mobilizar, integrar
e transferir conhecimentos, habilidades e recursos dentro de um contexto profissional
específico” (ALVES, SILVA, 2020, p. 126).
Ainda, essa competência, associada às TICs, não se limita à prática operacional, mas
deve ser realizada pelo professor na seleção, avaliação e organização das informações
para a construção do conhecimento. A esse educador, deve-se fomentar a competência
tecnológica de “guia, mentor, condutor, coorientador, colaborador, explorador de
tecnologias que possam facilitar ao aluno a coleta, seleção, processamento, análise
crítica e produção de conhecimento” (ALVES, SILVA, 2020, p. 127).
No entanto, evidencia-se também uma discrepância entre o nível de conhecimento de
muitos docentes sobre as novas tecnologias em comparação ao domínio que os alunos
possuem. Além do conhecimento específico, esse sim, relacionado ao conteúdo escolar
vinculado às disciplinas lecionadas, o professor deverá ser capacitado a identificar de
que maneira as TICs estimulam a percepção da realidade. Sem o conhecimento básico
ou suficiente para as possibilidades das TICs no ensino, deve-se oportunizar um espaço
de discussões sobre esses recursos no processo de ensino-aprendizagem, estimulando
práticas pedagógicas inovadoras e outros meios mais atrativos de interação entre
professores e alunos. Nessa condução:
Cabe à escola proporcionar espaço de formação em tecnologia digital ao
corpo docente, para que este se sinta seguro e capaz de desenvolver
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 240

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

atividades interativas de sua práxis junto aos discentes os quais estão sob sua
responsabilidade. Esta discussão volta-se para questões acerca da
incorporação das tecnologias digitais às ações educativas formais, e o papel
do professor frente às atuais demandas trazidas por essas tecnologias. O
objetivo é determinar em que medida as práticas pedagógicas desenvolvidas
na sala de aula estão orientadas para a qualidade do processo ensino-
aprendizagem com auxílio dessas novas tecnologias (SEEGGER ET AL, 2012, p.
1888).
Desta maneira, a formação dos professores deve ser constante, contínua, tanto para as
ferramentas tecnológicas, como qualquer conhecimento, exigindo também reflexão
crítica e consciência do papel legitimador e responsável para o ofício do ensino. A
preparação nesse processo, em condições normais, exige planejamento e tempo; em
condições de uma pandemia, requer iniciativa, obstinação e determinação. Neste
sentido, ocorre também um reposicionamento nesta habilitação com uma preparação
e repertório “dos saberes e conhecimentos das ciências e entendimentos da vida, dos
seus contextos e interações. Assim seremos fontes e instrumentos para o ensino-
aprendizagem de nossos educandos” (WICKERT, 2020, p. 9).

3 TICS E ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO


A arte de criar e produzir na arquitetura e no urbanismo está historicamente associada
a um modo tradicional de representação das ideias por meio de desenhos, croquis,
perspectivas e maquetes, como componentes de um processo conceitual e criativo. De
acordo com Righi e Celani (2008), mudanças significativas ocorreram na idealização e
produção de desenhos e modelagens integrantes da criação projetual, principalmente
nas últimas décadas, cujos esboços manuais passaram a sofrer concorrência com as
técnicas digitais, possibilitadas pelos avanços tecnológicos.
Em um primeiro momento, as tecnologias tradicionais se mantinham como paradigmas,
nos escritórios, salas de aulas ou ateliês, e as tecnologias computacionais
representavam uma alternativa, ou mesmo, um recurso adicional, utilizado em algumas
etapas finais dos projetos de arquitetura e urbanismo.
Ao discutir a propagação do computador como instrumento de concepção projetual em
substituição da uma tecnologia analógica para outra digital, Rheingantz (2016) associa a
primeira às artes e subjetividades, enquanto a segunda se vincula ao conhecimento
científico e tecnológico, sabendo-se que ambas são limitadas na capacidade de
comunicação, com maior impacto nas interações pessoais e verbais e na elaboração das
ideias iniciais, por meio de desenhos, que de certa maneira eliminaram as contribuições
mútuas entre profissionais, assim como a figura do profissional desenhista, pois as
“cabeças e mãos precisam comunicar-se e interagir com dois novos atores: o
computador e o software” (RHEINGANTZ, 2016, p. 99).
Mesmo com naturais dificuldades impostas por um processo de mudança de uma
cultura analógica e tradicional para outra digital, evidencia-se a eficácia e as inegáveis
vantagens das tecnologias na elaboração de projetos, no que se refere à precisão,
rapidez, reprodução e disseminação, sendo essa adaptação um processo irreversível.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 241

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Esse processo de mudança também impactou diretamente no ensino nos cursos de


arquitetura e urbanismo. Sem o completo abandono dos recursos e tecnologias
tradicionais (papeis de diferentes materiais e tamanhos, lapiseiras, lápis de cores,
esquadros, compassos, transferidores, entre outros), surgiram tecnologias no campo
educacional que proporcionaram modificações na maneira de pensar e produzir
projetos, nessas áreas de conhecimentos e nos respectivos cursos ofertados pelas IES,
em âmbito global.
Conforme já abordado anteriormente, no processo de ensino-aprendizagem do curso
de arquitetura e urbanismo, o processo de integração de tecnologias na educação
passou pelo mesmo desenvolvimento de outros cursos para as adaptações ocorridas
com diversos artefatos, equipamentos e instrumentos.
As tecnologias como conteúdos educacionais integram os currículos dos cursos de
arquitetura e urbanismo a partir da Portaria do MEC 1.770/94 que estabelecia a
“Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo” (CELANI, 2007, p. 2) o Parecer
CNE/CES nº 112/2005 que estipulava como competência “o conhecimento dos
instrumentais de informática para tratamento de informações e representação aplicada
à arquitetura, ao urbanismo, ao paisagismo e ao planejamento urbano e regional”
(BRASIL, 2005, p. 3, grifo nosso). Deve-se destacar nesse trecho a associação da
informática aos meios de representação, conforme já abordado anteriormente.
Mais especificamente, Steele (2001) identifica três impactos diretos no ensino e na
prática da arquitetura e do urbanismo com o advento da informática: a utilização de
ferramentas bidimensionais (tais como o AutoCAD) para atividades repetitivas e
mecanizadas; uma imbricação das tecnologias com a sensibilidade criativa; e
hibridização entre desenho manual e digital.
No processo pedagógico da atualidade dos cursos de arquitetura e urbanismo, na
percepção de Segundo e Romano (2010), os sistemas CAD (Computer Aided Design)
aplicados à representação no processo projetual, têm sido utilizados desde a etapa de
concepção até a execução do objeto arquitetônico e urbanístico, impactando
significativamente nas metodologias tradicionais e amplamente defendidas por
docentes e profissionais.
Nisso, conforme apontado na atualidade por Nóvoa (2022) e anteriormente por
Carvalho e Savignon (2012), são identificadas dicotomias na adoção das TICs no processo
ensino-aprendizagem, quando relacionados à abordagem teórico-prática,
especificamente para o ensino nos cursos de arquitetura e urbanismo. Ainda mais
quando há um distanciamento entre educador e as novas ferramentas computacionais
ou uma postura repulsiva com relação à adoção de novas formas de projeto assistido
por computador, estimulados por conflitos de pensamentos e/ou de gerações, ou
simplesmente pela exclusão digital do docente nos processos de ensino mediados pelas
tecnologias. Independente dos motivos apontados, todos foram ainda mais agravados
pela pandemia da COVID-19.
A esses apontamentos, algumas questões devem ser formuladas: no contexto
pandêmico ainda vigente, quais recursos das TICs foram adotados pelos docentes nos
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 242

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cursos de arquitetura e urbanismo (antes e durante a pandemia); quais componentes


de formação foram ofertados ou realizados por esses educadores na migração para as
aulas remotas; perspectivas para o uso das TICs nas práticas pedagógicas no ensino
híbrido ou presencial.

4 METODOLOGIA E RESULTADOS
Na busca de respostas para essas indagações, foi realizada uma pesquisa do tipo
exploratória que, segundo Gil (2002), tem como objetivo proporcionar maior
familiaridade com o problema, por meio de levantamento bibliográfico e entrevistas.
Esta investigação ocorreu durante o segundo semestre de 2021 e janeiro de 2022, cujos
dados foram produzidos por meio de questionários online e entrevistas. O questionário
foi aplicado a vinte e seis docentes de instituições de ensino superior (IES) e atuantes
em disciplinas de projeto (arquitetônico, de interiores, paisagístico, entre outras
especificidades e tipologias) e representação 2D ou 3D nos cursos de arquitetura e
urbanismo oferecidos nas IES públicas e particulares em Curitiba-PR. Esse instrumento,
elaborado com a ferramenta “Formulários” do Google Docs, foi enviado via e-mail por
meio de link de acesso a esse documento para os 26 professores selecionados com
vigência de trinta dias. Nesse prazo, foram obtidas dez contribuições (38,46% do
universo). As entrevistas foram realizadas com três docentes desse grupo majoritário,
sendo dois de uma IES particular e outro de uma IES pública, através da plataforma
Zoom, nos meses de novembro de 2021 e janeiro de 2022.
No questionário, ao serem indagados quanto ao tempo de docência nos cursos de
arquitetura e urbanismo, foram indicadas cinco respostas, para períodos que variavam
de dois anos ou menos, para a menor faixa temporal, até dezesseis anos ou mais, na
alternativa mais elástica, cujos resultados podem ser identificados quadro 1.
Quadro 1 – Tempo de atuação docente dos participantes
Tempo de Docência Percentual
2 anos ou menos -
3 a 5 anos 10%
6 a 10 anos 20%
11 a 15 anos 50%
16 anos ou mais 20%

Fonte: Elaborado pelo autor.

Todos os participantes atuavam há mais de dois anos, com predominância a um período


de 11 a 15 anos (50%), o que é possível identificar um acompanhamento significativo
das transformações tecnológicas na educação na última década pela maioria dos
docentes desta pesquisa. Como complementos, outra faixa significativa leciona por um
período superior a 6 anos e inferior a 10 anos (20%), o que representa a docência
durante um ciclo completo de uma turma formada no curso de arquitetura e urbanismo
(o que representa 5 anos), fundamental para o acompanhamento de potenciais
atualizações tecnológicas nesse período.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 243

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No questionário, por meio de questão aberta, os professores (identificados por P01 a


P10) deveriam identificar as tecnologias educacionais utilizadas nas aulas realizadas
presencialmente, ou seja, no contexto da pesquisa, em período anterior à pandemia da
COVID-19. As respostas dos docentes podem ser identificadas no quadro 2.
Quadro 2 - Tecnologias educacionais utilizadas nas aulas presenciais

Participante Respostas
P01 Computador, internet, celular, aplicativos do celular, softwares
P02 Vídeos, projeções, maquete física e eletrônica...
Apresentação de conteúdo, exercícios de simulação computacional,
P03
sites de pesquisa.
P04 Ferramentas digitais, livros digitais, aplicativos.
O uso do PPT para passar os slides...e solicitava aos alunos os
trabalhos gerados, geralmente, no CAD e outros programas para a
P05
apresentação das imagens em 3D. Utilizava também muito vídeos
como forma de aprendizagem
Meios visuais do computador (programas e imagens), trabalhos
P06
interativos (como jogos)
P07 Moodle
P08 Jogos Educacionais
Desde o quadro negro, até pesquisas online feitas na sala de aula.
P09
Práticas em laboratórios colocando a "mão na massa"
P10 Biblioteca digital, Power pointer (sic), e textos digitalizados.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Nas respostas obtidas, a presença das TICs predomina, com citações para as tecnologias
tradicionais, tais como a “apresentação de conteúdo” (P03), “trabalhos interativos
(como jogos)” (P06) e o “quadro negro” (P09). Nessas respostas, ampliam-se as
possibilidades das tecnologias educacionais não sendo limitadas ao campo digital.
Em outra questão, também aberta, foram indagadas as tecnologias educacionais
utilizadas no período da pandemia (de março de 2020 até a atualidade), com as
respostas transcritas no quadro 3.
Quadro 3- Tecnologias educacionais utilizadas nas aulas no ensino remoto emergencial

Participante Respostas
P01 Internet, aplicativos, softwares
P02 Vídeos, enquetes, além dos softwares de comunicação
Os próprios canais para as aulas, o Moodle como depositário de
P03
conteúdos, sites de pesquisa.
P04 TEAMS, Armazenamento de materiais em nuvens, gameficação (sic).
Os mesmos, por enquanto, mas tive conhecimento de vários
P05
softwares e aplicativos que poderia usar...
P06 Só os meios visuais do computador
P07 Moodle, Teams, Zoom, Discord
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 244

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

P08 Plataforma de desenho remoto colaborativo


P09 Meet, Teams, zoom, vídeos, aulas remotas, práticas à distância.
P10 Assessoria por live, por e-mail e por programas digitais.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Nas citações dos professores, a predominância de TICs, pela citação de softwares que se
complementa com sistemas ou plataformas de reuniões, sendo também indicados
alguns métodos e procedimentos, tais como “aulas remotas, práticas à distância” (P09)
e “Assessoria por live” (P10).
Em outra questão fechada, específica e sobre a formação de professores, cada
participante deveria indicar o recebimento de treinamento, capacitação ou outra
preparação para a utilização das TICs, sendo disponibilizadas apenas duas respostas:
afirmativa (50% das respostas) e negativa (a outra metade).
O equilíbrio apresentado pela distribuição igualitária, demonstra um contraste na
preparação e formação dos docentes para as TICs, bem como na inclusão/exclusão
digital. Uma vez que todos os professores lecionam nos cursos de arquitetura e
urbanismo, nos quais há um mais intenso uso de diversas tecnologias, torna-se relevante
um percentual tão elevado sem programas de formação docente.
Na questão seguinte, foi solicitado àqueles que responderam positivamente na anterior,
de que maneira receberam o treinamento, capacitação ou formação para a utilização
das tecnologias educacionais nas aulas. A essas assertivas, foi elaborado o quadro 4.
Quadro 4 – Treinamento, capacitação ou formação recebida durante a pandemia

Formato Percentual
Oferecido pela IES onde trabalha 80%
Externo à IES, presencial em escola de formação -
Externo à IES, aulas síncronas em escola de formação -
Outros (aulas particulares, tutoriais na Internet) 20%
Fonte: Elaborado pelo autor.

Nas respostas recebidas, a maioria (80%) recebeu treinamento, capacitação ou


formação oferecidos pelas IES onde trabalhavam no momento da pesquisa, enquanto
um(a) participante buscou outros meios para essa preparação, tais como aulas
particulares, através de tutoriais a Internet ou outra forma.
Ainda sobre esse mesmo tema e para a utilização de sistemas e ferramentas, mas agora
com os resultados das entrevistas, foi indagado se foi fornecida alguma capacitação,
formação ou treinamento, pela IES onde trabalham ou outra instituição, para o uso
dessas tecnologias educacionais, sendo obtidas as seguintes afirmações, categorizadas
como DC-1 a DC-3 a identificação dos docentes investigados:
Quadro 5 – Respostas das entrevistas – Formação para recursos digitais

Docente Respostas
[Hesitação inicial] Recursos digitais eu acho que só que foram oferecidas pela
DC-1 universidade, nada do que é utilizado pela própria universidade: Zoom, Teams,
esses que já são de utilização comum de todos. Fora desse contexto de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 245

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

tecnologias eu não tive, não fiz nenhum outro tipo de treinamento.


A gente tinha algumas palestras, mas elas eram um pouco invasivas, muito
superficiais. E achei eu até sugeri várias vezes que esse tipo de informação
DC-2 acontecesse para a gente. Não é com os diversos tipos de aplicativo. Poderia ser
uma aula para cada um, não é? Mas a gente, a gente não teve. A gente teve
algumas indicações de videoaula para cada um. É aprender por si, né?
[...] no segundo semestre (2019) eu fiz um outro curso na IES que também eu
achei que foi assim, muito, muito útil para a pandemia, sem querer, né? É que foi
DC-3 o curso de H5P. [...] em termos de capacitação, é, a IES ofereceu muitos cursos
para usar no Moodle, que daí também eu não precisei, porque eu já tinha usado
antes (em outra instituição).
Fonte: Elaborado pelo autor.

Nas respostas obtidas, duas realidades bem distintas: enquanto DC-1 e DC-2, docentes
de uma mesma IES particular, não tiveram capacitação, treinamento ou outro
componente de formação para a utilização dos recursos digitais destacados pelos
entrevistados, DC-3, docente de instituição pública, indicou a existência de um
programa de capacitação, inclusive para o ensino híbrido em momento que antecedeu
a pandemia. Pode-se com isso, também, reconhecer o apoio determinante da instituição
pública em detrimento da IES particular, como fomento à formação docente.
Finalmente, nas entrevistas, foram averiguadas as possibilidades de retorno para o
ensino presencial ou híbrido, sendo considerados a preparação para o retorno e
reconfiguração das práticas pedagógicas, com a manutenção de determinados recursos
digitais, tendo como reflexões as respostas no quadro 6.
Quadro 6 – Respostas das entrevistas – Formação para recursos digitais

Docente Respostas
[...] eu acho que ferramentas de desenho [...] quando eu estiver em aulas
de desenho, por exemplo, eu acho que tem algumas ferramentas [...] de
compartilhamento de tela de AutoCAD, por exemplo, e eu acho que
mesmo que a gente esteja presencialmente, e que que isso facilita a
DC-1 comunicação, facilitaria até ir o quadro fazer um croqui, facilita eu pegar
um pedaço de papel do próprio aluno e desenhar para ele. Eu acho que
esse compartilhamento da tela em alguns momentos da aula de desenho,
por exemplo, eu acho que isso dá pra dar pra continuar por várias questões
eu acho que que isso dá para trazer.
Há sim, é, por exemplo, além dos arquivos compartilhados, não é? É o que
esse, que é uma ferramenta de gamificação, que eu achei muito bacana,
DC-2
que permite inclusive eles fazerem competições entre eles, não é? Achei
bem legal isso. Essas, com certeza eu vou continuar usando.
Com certeza, pretendo (usar vídeos como recursos digitais). É, eu acho, o
que que eu percebo, assim, que depois que eu fiz o curso de Educação
Híbrida, eu já comecei a acreditar que o formato híbrido é melhor, tanto
DC-3
que o 100% EaD como o 100% presencial. (Outros aprendizados) como o
roteiro que eu faço para os vídeos, então eu quero melhorar nesse
aspecto, sabe? E ter um plano de aula mais detalhado.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Todos os entrevistados manterão recursos testados e utilizados com êxito nas aulas
síncronas/assíncronas, seja para recursos de compartilhamento (tela e arquivos), seja
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 246

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para os conteúdos disponibilizados por vídeos, que podem ser vistos várias vezes pelos
alunos.

5 CONSIDERAÇÕES
Em quaisquer circunstâncias, normais ou pandêmicas, e em todos as conjunturas de
crises identificados nas últimas duas décadas, as TICs possuem um papel destacado no
âmbito cultural e social, sendo atualmente fundamentais para a construção de uma
sociedade democrática, para o fomento da inclusão digital, para a conscientização
coletiva, respeitadas as opiniões e pensamentos direcionados à produção e
disseminação da verdade, como meios de orientação e informação, sem se sobreporem,
no entanto, a outros meios fundamentais de aprendizado, como a escola.
Nisso, os professores têm relevância como agentes essencialmente sociais, “com suas
identidades pessoais e profissionais, imersos numa vida grupal na qual partilham uma
cultura, derivando seus conhecimentos, valores e atitudes dessas relações, com base
nas representações constituídas nesse processo que é, ao mesmo tempo, social e
intersubjetivo” (GATTI, 2003, p. 196). As áreas de arquitetura e urbanismo, basilares na
construção da cidadania e no contexto de pertencimento ao qual se consolida uma
sociedade, tornam-se ainda mais relevantes na formação de agentes transformadores
nesse processo, a começar pelos professores dos cursos vinculados a esses campos de
conhecimento.
Na pandemia da COVID-19, muitos foram os desafios e dificuldades, com cancelamentos
dos calendários acadêmicos ou pela adoção das aulas no ERE em 2020 e 2021. Houve a
necessidade de aceleração para decisões emergenciais e alterações imprevistas que
evidenciaram diferenças, mas que também tiveram prós e contras. Para muitos
professores nos cursos de arquitetura e urbanismo, uma necessidade de reinvenção, a
busca de novas metodologias mediadas pelas TICs, evidenciando, por um lado, as
dicotomias já existentes, por outro, um protagonismo na integração de novos modelos
didáticos e pedagógicos à prática docente com apoio nos recursos tecnológicos
disponíveis.
A formação dos professores se tornou um tema e estratégia na pauta das IES, sob
diversos aspectos. Carências e formações acadêmicas e profissionais heterogêneas
evidenciaram níveis distintos de familiaridade com as TICs, com maior ou menor grau
de conhecimento e de assimilação desses recursos, em um momento no qual todos os
professores deveriam migrar do ensino presencial, tradicional e corriqueiro, para uma
nova realidade, virtual e síncrona.
Nos cursos de arquitetura e urbanismo, os desafios foram ainda mais intensos, pela
mudança das percepções e referências essencialmente presenciais para um outro
modelo, mais voltado à busca de referências inseridas nos campos do imaginário e da
abstração.
Conforme destacado no texto, com o apoio de diversos autores, a utilização das TICs na
educação requer revisão na conduta educacional, proporcionando ao corpo docente
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 247

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uma formação mais ampla e completa, que preze pela análise, crítica e interesse,
consideradas as particularidades, métodos e abordagens no ensino.
A capacitação, como um dos componentes da formação docente, deve integrar os
processos de preparação dos professores para o uso desses recursos e a adoção de
metodologia compatível com prestígio aos enfoques pedagógicos e educacionais,
alinhadas às práticas docentes, fomentando a interação e permuta no processo de
ensino-aprendizagem, aspirando a elevação na qualidade no todo, possibilitada pela
formação e/ou educação continuada de professores, com ética e responsabilidade, para
além desse período pandêmico ainda vigente.

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Estratégias de apoio ao ensino remoto de Projeto de


Arquitetura no início do curso durante a pandemia

Clara Ovídio de M. RODRIGUES


UFRN; clara.ovidio.rodrigues@ufrn.br
Guilherme D. T. MAGALHÃES
UFRN; guilhermetinoco@hotmail.com

RESUMO
O componente Projeto de Arquitetura 01, ministrado no terceiro período do curso é a primeira disciplina
a desenvolver um projeto arquitetônico e já experimenta um esforço de integração em momentos
específicos do semestre. Devido o momento da pandemia de SAR-COV 2, o ensino do componente passou
a ocorrer de modo remoto, aumentando os desafios vivenciados no processo de ensino aprendizagem. O
programa de monitoria “O ensino de Projeto de Arquitetura 01 mediado por tecnologias de aprendizagem
remotas” surge com uma maneira de contornar as dificuldades perante esse momento crítico para todos.
A principal contribuição do projeto foi a elaboração de material didático que pudesse apoiar o
desenvolvimento de metodologias ativas de ensino. Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar a
contribuição do material didático desenvolvido para o apoio às estratégias de ensino remoto do
componente de Projeto de Arquitetura 01 na pandemia. Os procedimentos se deram em três momentos:
diagnóstico das necessidades da turma, produção de materiais dentro das metodologias ativas de ensino
e avaliação por parte da turma dos materiais produzidos. Esses produzidos foram percebidos como de
claros e relevantes para a turma, e a presença do monitor em sala foi vista como importante para todos
os estudantes.
PALAVRAS-CHAVE: Projeto em arquitetura. Ensino remoto. Monitoria. Metodologias ativas.

1 INTRODUÇÃO
A integração entre componentes curriculares é uma diretriz no curso de arquitetura e
urbanismo da UFRN desde seu currículo A3 (CAU, 2006). Os esforços para integrar o
conhecimento se baseiam na compreensão da quantidade de variáveis que são
envolvidas no fazer projetual (LAWSON, 2011) e que o processo de ensino aprendizagem
pode se beneficiar na reflexão durante a ação projetual, de maneira que, quanto mais
rebatimento das disciplinas no fazer projetual dos alunos, maior a reflexão e,
consequentemente, o aprendizado (SCHÖN, 2008).
O Componente curricular de Projeto de Arquitetura 01 (ARQ 0532), mesmo sendo a
primeira disciplina a desenvolver um projeto arquitetônico, já experimenta um esforço
de integração em momentos específicos do semestre. Objetiva-se proporcionar ao aluno
a percepção da imbricação entre o projeto arquitetônico a ser proposto e o meio urbano
no qual ele está inserido, ressaltando a integração com os componentes de
Planejamento e Projeto Urbano e Regional 1 (ARQ 0533) e Comunicação Visual (ARQ
0531); além das características topográficas na qual o terreno está inserido, conforme
trabalhado no componente de Topografia (ARQ 0535). Também visa-se introduzir a
estreita relação entre forma e sistemas estruturais na concepção projetual, para a qual
se destacam a integração com os componentes curriculares de Fundamentos das
Estruturas I (ARQ 0537) e Tecnologia da Construção II (ARQ 0536). Mas além desses
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componentes já previsto e trabalhados por meio dos esforços de integração dos


docentes, ainda se percebe a necessidade de introduzir assuntos que aprofundados nos
próximos semestres, a exemplo do dimensionamento do volume de reservatórios, do
dimensionamento do número de peças sanitárias em edifícios de uso público,
trabalhados na disciplina de Instalações 01 (ARQ 0547), e de noções de acessibilidade.
Todos estes assuntos têm forte influência na volumetria e na planta do projeto
desenvolvido na disciplina ARQ 0532. Além de introduzir o projeto arquitetônico aos
alunos, a disciplina de Projeto de Arquitetura 01 desenvolve o desenho técnico à mão,
com auxílio de instrumentos. Sendo assim, é necessário tempo de reflexão, de confecção
e redesenho para que os projetos sejam desenvolvidos e apresentados de maneira
adequada à linguagem gráfica.
Diante da pandemia do SAR-COV2 e da necessidade de implementação do
distanciamento social para diminuir a disseminação do vírus, em 17 de março de 2020,
a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, assim como a maior parte das
instituições de ensino superior do país, suspendeu as atividades presenciais. Com
poucos avanços com relação ao combate ao vírus e a falta de previsão de retorno das
atividades presenciais, a instituição promoveu cursos para capacitar os professores para
o ensino remoto e propôs um semestre excepcional. O novo semestre (Quadro 1) não
deu seguimento ao anterior, interrompido pela pandemia, mas um novo semestre para
testes e adaptações dos estudantes e professores ao novo formato. Assim, em junho do
mesmo ano se iniciou o semestre com duração de 6 semanas. Em setembro as aulas do
semestre que fora interrompido retornaram, ainda no regime remoto. Desde então
todos os semestres que se sucederam foram realizados remotamente.
Quadro 1 - Calendário acadêmico 2020.1 a 2021.2

Ano/ Período INÍCIO FIM


2020.1* 02/2020 03/2020
2020.5** 15/06/2020 28/07/2020
2020.1 08/09/2020 19/12/2020
2020.2 18/01/2021 30/04/2021
2021.1 07/06/2021 25/09/2021
2021.2 18/10/2021 25/02/2022
*Semestre interrompido/ **Semestre de férias
Fonte: Elaborado pelo autor.

Assim, o componente curricular originalmente desenvolvido em sala de aula com


pranchetas, passou a ser desenvolvida no semestre remoto sem os equipamentos
apropriados, já que muitos estudantes não possuem infraestrutura adequada em suas
casas. Essa lacuna acaba por aumentar o tempo necessário para desenvolver as
atividades propostas pela disciplina.
No ano de 2021 foi necessário a realização de 3 semestres: 2020.2, 2021.1 e 2021.2, com
consequente redução da carga horaria síncrona e obrigatoriedade de momentos
assíncronos. Com isso, foi necessário criar estratégias para que conteúdos que antes
ocupavam 18 semanas, agora fossem ministrados em 15 semanas. A experiência do
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semestre 2020.2 apontou para a monitoria como uma estratégia necessária. Em 2021.1
e 2021.2, integrou-se às atividades de Projeto de Arquitetura 01, o projeto “O ensino de
Projeto de Arquitetura 01 mediado por tecnologias de aprendizagem remotas”,
financiado pela Pró-Reitoria de Graduação da UFRN (PROGRAD), com o objetivo de
apoiar estratégias de ensino que busquem maximizar o aproveitamento da carga horária
síncrona dos componentes curriculares envolvidos neste projeto. A principal
contribuição do projeto foi a elaboração de material didático que pudesse apoiar o
desenvolvimento de metodologias ativas de ensino.
Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar a contribuição do material didático
desenvolvido para o apoio às estratégias de ensino remoto do componente de Projeto
de Arquitetura 01 na pandemia de SAR-COV 2.

2 O COMPONENTE CURRICULAR: PROJETO DE ARQUITETURA 01


Nesse componente cada unidade possui uma avaliação que apresenta conteúdo
cumulativo, onde são aferidos a participação, desempenho e evolução pessoal do aluno.
As avaliações possuem valor final de 10,0 pontos. Na primeira unidade introduz-se o
aluno a metodologia de projeto, considerando que o processo de projeto em arquitetura
é composto de diversas variáveis que a todo tempo sugerem modificações e adequações
do produto. Essas variáveis não obedecem a um caminho racional e cronológico. Para
Lawson (2011, p.66), “A própria interligação de todos esses fatores é que constitui a
essência dos problemas de projeto, e não os fatores isolados propriamente ditos.” Por
fatores, Lawson (2011) está se referindo às variáveis que influenciam o projeto. Um
grande desafio é facilitar o entendimento dos discentes sobre a variedade desses fatores,
bem como estimulá-los a buscar maneiras de solucionar o projeto. Ainda na primeira
unidade, desenvolve-se de maneira inicial a programação arquitetônica (conceito,
programa de necessidades, pré-dimensionamento, relações do programa) e os estudos
de referências, a apresentação é realizada na sala de aula virtual do Google Meet e o
arquivo da apresentação postado como tarefa no quadro colaborativo do grupo,
utilizando a plataforma Miro.
Na segunda unidade o projeto de arquitetura a nível de estudo preliminar é entregue via
Miro por meio de registro fotográfico e apresentado. Na terceira e última unidade o
projeto arquitetônico a nível de estudo preliminar com ajustes indicados na segunda
unidade e o memorial descritivo e justificativo são entregues e apresentados. Esses
momentos da apresentação são realizados com os demais docentes que compõe o
semestre na integração da respectiva unidade.
As aulas ocorrerem de forma síncronas (de conteúdos e orientações) e assíncronas
(conteúdos e realização de atividades), de modo que as presenças são registradas pela
participação nas aulas e pela entrega das atividades. Entretanto, aqueles que não
puderem participar das aulas, podem assistir, posteriormente, com a disponibilização
das aulas por um link protegido a ser enviado por e-mail, mediante solicitação do aluno.
Para as aulas que utilizarão a metodologia de sala de aula invertida, a assiduidade é
verificada pela entrega da atividade relacionada à aula.
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As turmas utilizam plataforma online para suprir a ausência do presencial. Além do


Sigaa, o YouTube está sendo utilizado para divulgar os vídeos produzidos pela monitoria.
O Google Meet é utilizado para realizar as aulas, orientações individuais e reuniões entre
grupos, e os aplicativos Miro (Figura 9 e Figura 10) e Jamboard são amplamente
utilizados como bitácoras (RODRIGUES; LIMA, 2017) digitais. No Miro, os estudantes
armazenam referências, desenhos, notas de texto, fotografias e os projetos. A
ferramenta também é utilizada para o diálogo por meio do desenho (SCHÖN, 2008)
durante as orientações e durante a correção dos trabalhos.
Para a realização de desenhos técnicos manuais são utilizados materiais de desenho
(esquadros, lápis grafite etc.), que frequentemente são fotografados e/ou escaneados
para serem transpostos ao meio digital e armazenados no Miro.

Figura 9 - Fragmento do painel no aplicativo Miro alunos 2021.1

Fonte: trabalho dos alunos 2021.1 (2021).

Figura 10 - Fragmento do painel no aplicativo Miro - alunos 2021.2.

Fonte: trabalho dos alunos 2021.2 (2021).


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3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos se deram em três momentos. Inicialmente foi feita uma avaliação com
a turma sobre a experiência do semestre com o objetivo de identificar possíveis
materiais a serem desenvolvidos. Os principais temas da conversa foram: se perceberam
a ausência de algum conteúdo no desenvolvimento do projeto; se a maquete teria
ajudado no processo de projeto (a confecção da maquete foi opcional em 2020.2);
sugestões de melhorias e identificação de pontos a serem mantidos. Essa avaliação foi
realizada em 2020.2 e foi repetida em 2021.1.
O segundo momento foi escolha e produção dos materiais, com base na fase anterior.
Os materiais didáticos produzidos, em formato de vídeo ou apostila, não seguem uma
tendência tradicional de ensino, provendo todas as respostas de forma direta e objetiva
ao aluno. Eles funcionam como guia para capacitar o aluno a buscar as respostas, se
aproximando de uma metodologia ativa de ensino.

As metodologias ativas mudam os papéis do aluno e do professor no processo


ensino-aprendizagem. Nesse processo, o aluno deixa de ser apenas um
ouvinte e passa atuar interagindo e participando; o professor, por sua vez,
passa a ser um facilitador/orientador da aprendizagem.
(OLIVEIRA; COSTA, 2020, p.11)

Como exemplo, no material produzido sobre a NBR 9050 (ABNT, 2020) que trata de
acessibilidade nos ambientes, elencou-se alguns pontos chaves para introduzir a norma
aos alunos, e em seguida fez-se uma apresentação geral da mesma. Coube aos alunos se
aprofundarem e buscarem respostas para as demandas do projeto, aplicando o
conteúdo do vídeo no contexto do seu projeto. Essa estratégia de apresentação do
conteúdo foi adotada nos demais materiais.
O terceiro momento consiste na avaliação do material por parte dos estudantes. Foi
enviado um questionário via Google Forms (Quadro 2), sem a identificação dos
respondentes, para que os alunos se sentissem mais à vontade para críticas e sugestões
e tivessem oportunidade de avaliar o material individualmente.

Quadro 2 - Modelo do questionário aplicado.

Tema do material Pergunta Nota


Quanto ao vídeo 01 – Dimensionamento Clareza no conteúdo 1a5
de reservatório
Relevância do conteúdo com as aulas 1a5

Quanto ao vídeo 02 – NBR9050 Clareza no conteúdo 1a5


Relevância do conteúdo com as aulas 1a5
Quanto ao vídeo 03 e guia em formato de Clareza no conteúdo 1a5
texto – Fotografando projetos
Relevância do conteúdo com as aulas 1a5

Quanto ao vídeo 04 – Dimensionamento Clareza no conteúdo 1a5


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de quantidade de BWC Relevância do conteúdo com as aulas 1a5

Quanto ao vídeo 05 – Maquetes de Clareza no conteúdo 1a5


concepção
Relevância do conteúdo com as aulas 1a5
Quanto ao vídeo 06 – Código de obras Clareza no conteúdo 1a5
Relevância do conteúdo com as aulas 1a5

Quais temas de vídeo você acha


interessante fazermos vídeos para o Campo para resposta
próximo semestre?
Você considerou importante a
participação da monitoria durante as Sim ou não
orientações e aulas síncronas?
Sobre a monitoria em sala
Você acharia interessante um horário
fixo fora de sala de aula para tirar Sim ou não
dúvidas com a monitoria?
Deixe aqui sua sugestão. Pode falar o que
gostou e o que não gostou, o que Campo para resposta
acrescentaria, e se for o caso, pode
comentar sobre algum vídeo específico.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Além do questionário, ao final do semestre 2021.1 a contribuição da monitoria também


foi aferida por meio da média de acessos aos vídeos postados e de uma avaliação com
os estudantes durante um momento síncrono.

4 A MONITORIA
O momento de ensino remoto que estamos passando trouxe novas questões aos cursos
que já tinham suas complexidades e desafios. O programa de monitoria busca contornar
esses desafios e facilitar a aprendizagem e a comunicação dos discentes entre si e entre
esses e os docentes. Devido a integração entre componentes curriculares nesse período
e o momento de aulas remotas, as atividades desenvolvidas no âmbito da monitoria se
tornam estratégicas para acompanhar os alunos nos momentos assíncronos, facilitar o
entendimento do projeto como um todo e trazer elementos para a experimentação e
aprendizado além dos momentos síncronos. No atual momento, as estratégias tomadas
para contornar as dificuldades só têm a acrescentar no processo de ensino e projeto.
Ao longo dos semestres 2021.1 e 2021.2, o projeto de monitoria se dedicou à produção
de materiais didáticos para serem utilizados nos momentos assíncronos, como: vídeos,
apostilas, digitalização de livros e seleção de sites e vídeos de terceiros, além de
atendimento aos alunos fora do horário de aula. Esses materiais dialogaram com o
conteúdo das aulas e acompanharam o desenvolvimento do processo projetual dos
discentes.
Além de maximizar o aproveitamento da carga horaria síncrona dos componentes
curriculares envolvidos neste projeto, a monitoria contribuir com a formação do discente
que atua como monitor por meio da oportunidade de acompanhamento das aulas,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 255

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desenvolvimento de materiais didáticos para aplicação de metodologias ativas durante


os semestres remotos e intermediação da comunicação entre discentes e docentes em
alguns casos.
A monitoria atuou nas turmas de Projeto de Arquitetura 01, disciplina ministrada no 3°
período do curso na UFRN, nos semestres 2021.1 e 2021.2. Vale ressaltar que a turma
2021.1 começou o curso no regime presencial em fevereiro de 2020, que só se estendeu
até março do mesmo ano, e esse foi o único contato com o ensino presencial no curso.
Já a turma de 2021.2 ingressou na universidade já no semestre remoto, sendo assim não
teve contato presencial com as turmas, professores, biblioteca, instrumentos de
desenho técnico, etc. Contato, esse, rico para a formação dos estudantes.

5 MATERIAIS DIDÁTICOS
Ao todo foram produzidos e postados no YouTube seis vídeos e duas apostila, também
disponibilizadas no YouTube através de link no Google Drive. Os conteúdos definidos de
acordo com a avaliação dos alunos no semestre 2020.2 foram: código de obras, material
de desenho técnico, sentiram falta de direcionamento para elaboração de maquete,
disponibilização das as normas técnicas utilizadas e presença de monitor para aumentar
o tempo de orientação. Já em 2021.1 foram sugeridos: material de apoio ao desenho
técnico, modulação de estrutura, cálculo de estacionamento e momento síncrono fora
do horário de aula.
Os vídeos, com duração de 03 a 07 minutos, abordaram os temas: NBR9050;
Fotografando desenhos e maquetes; Dimensionamento de banheiros; Maquetes de
concepção; Código de obras; Dimensionamento de reservatórios; e Fotografando
desenhos e maquetes. E duas apostilas: Fotografando desenhos e maquetes: Guia de
como fotografar desenhos e maquetes para arquitetura e Desenho Arquitetônico: Guia
de desenho a nível de anteprojeto para arquitetura. Os vídeos foram postados no modo
“Não listado” e enviados aos estudantes de Projeto de Arquitetura 01 via Sigaa.
O material da NBR9050 foi o primeiro produzido e disponibilizado para os alunos, trata
de uma explanação sobre os conceitos básicos da norma. Esse é o primeiro contato dos
alunos com um projeto que exige o conhecimento de parâmetros de acessibilidade para
compor o projeto é uma demanda. Foram utilizados imagens e dados da ABNT NBR9050
para montar um vídeo apresentação desses parâmetros, e no final foi ensinado a como
dimensionar um tipo de circulação vertical dentro dos parâmetros da norma. Além disso
o vídeo ensina a como se localizar no sumário e realizar pesquisas dentro da norma.
A dificuldade de comunicação foi um problema percebido durante o semestre 2020.2,
muitas vezes os alunos não conseguiam comunicar bem seus projetos por terem
fotografias pouco legíveis, então houve a demanda de um material para guiar os alunos
na hora de fotografar os projetos. Foram realizados dois materiais para esse fim: uma
apostila guia, e um vídeo complementar. A apostila “Fotografando desenhos e
maquetes” (Figura 11) divide o processo em cinco etapas: O objeto, O enquadramento,
A luz, O foco e Pós-produção. Nessas etapas foi explicado como chegar em uma boa
qualidade de fotografia dos desenhos arquitetônicos para serem enviados para os
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 256

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colegas, professores e serem apresentados de maneira remota. Para isso foram


desenvolvidos maquetes, desenhos e fotografias que foram utilizados para ilustrar as
explicações.
O vídeo que acompanha o material demonstra aos alunos como utilizar o Snapseed1, um
aplicativo de edição de imagem para celular. Tal aplicativo é gratuito e es1tá disponível
para IOS e Android, além disso, seu layout interativo, foram requisitos para sua escolha.
No vídeo editamos uma fotografia de um desenho feito com base no guia em PDF, e
mostramos os parâmetros básicos que os alunos precisariam controlar para obter um
bom resultado. Vale apontar que os parâmetros abordados no vídeo também estão
elencados na apostila.
Foi percebido uma maior qualidade na legibilidade dos desenhos dos alunos que
utilizaram os métodos presentes no guia e vídeo, em contrapartida, em alguns grupos
que não adotaram as técnicas houve dificuldade na comunicação no momento da
correção dos projetos.
Figura 11 - Fragmento da apostila “Fotografando desenhos e maquetes”: exemplo de maquete em contraste com o
fundo (a), exemplo de tipos de lapiseiras e marcadores (b), exemplo de como enquadrar o papel (c), exemplo de
como enquadrar a fotografia (d)

a b c d
Fonte: autores, 2021.

O terceiro material, “Dimensionamento da quantidade de banheiros”, surgiu com a


necessidade de fomentar que os alunos pensassem na quantidade de peças sanitárias
para um centro esportivo. O material foi produzido a partir da integração das disciplinas
Projeto em Arquitetura 01 e Instalações 01. Essa última faz parte da grade do período
seguinte – 04° período, mas foi introduzido esse conteúdo como forma de auxiliar no
desenvolvimento do projeto de arquitetura.
Para esse tema foi desenvolvido um vídeo onde fizemos o cálculo de quantidade de
peças sanitárias para um projeto fictício de escritórios, a fim de que os estudantes
pudessem fazer seus cálculos para seus projetos de acordo com a teoria explicada. Assim
como outros materiais, a estratégia de metodologia ativa foi aplicada.
O material seguinte foi desenvolvido como apoio técnico para auxiliar no
desenvolvimento de maquetes conceituais do projeto (Figura 12). Como dito, a turma

1 Snapseed – aplicativo de edição de imagem disponível para smartphone IOS e Android, pertencente a Google
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 257

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que pagou a disciplina de 2021.1 teve um mês de aula presencial, a que pagou em 2020.2
não teve nenhum momento presencial desde o início do curso, portanto era necessário
um material que apresentasse os diferentes tipos de maquetes, e os materiais e técnicas
para fazê-las, tal material não substitui a importância da dinâmica presencial do ensino,
mas auxilia no contexto de indisponibilidade de experimentação acompanhada. Esse
vídeo apresentou os diferentes tipos de maquete, os materiais básicos para fazê-las, e
em seguida técnicas de corte, colagem e montagem das maquetes. Foram
confeccionados pequenos modelos para demonstrar aos alunos diferentes maneiras de
se pensar partido e para mostrar o processo de produção delas. Esse material, por mais
que tenha tido um caráter mais técnico, usou como referência a aula de Paulo Mendes
da Rocha “Maquetes de Papel” que foi de grande importância para demonstrar o papel
da maquete no processo de projeto arquitetônico, e não apenas na apresentação final.
Figura 12 - Fragmento do vídeo “Maquetes de concepção”: possibilidade de estudo de partidos (a); esquema de
montagem (b).

a b
Fonte: autores, 2021.
Assim como o material da NBR9050, o material referente ao código de obras (

Figura 13) também se trata de uma explanação sobre os conceitos básicos da Lei
complementar N°055, de 27 de janeiro de 2004: Código de obras e edificações do
município de Natal. O material foi feito em formato de vídeo, e nele foram abordados os
temas: estacionamento, tipos de vias e acessos de veículos, tipos de compartimento e
áreas de abertura. Foi percebido uma dificuldade dos alunos para calcular as áreas
mínimas de aberturas em ambientes, por isso o material apresentou o procedimento
para realização desse cálculo para um cômodo fictício, também apresentou-se diferentes
tipos de abertura que levaram os alunos a pensarem seus benefícios de acordo com o
clima, iluminação, ventilação e transparência. O material foi explicado de modo que os
alunos tivessem autonomia para refletir e replicar o cálculo no contexto de seus projetos
e considerando suas necessidades.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 258

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Figura 13 - Fragmento do vídeo “Código de Obras”: cálculo de abertura mínima (a), exemplos de tipo de abertura
(b).

a b
Fonte: autores, 2021.

Assim como o material de pré-dimensionamento de quantidade de banheiros, o vídeo


do dimensionamento de reservatório (Figura 14) foi produzido a partir da integração das
disciplinas Projeto em Arquitetura 01 e Instalações 01. Para ser compreensível pelos
alunos que ainda não tinham pago o básico de instalações hidrossanitários, o material
introdutório ao assunto contou com a conceituação do reservatório e um passo a passo
bem definido para seu cálculo. Paralelo a isso foi feito o cálculo de um reservatório
fictício para uma pequena escola, ilustrações que apoiassem o entendimento dos
componentes do sistema e por último foram utilizadas imagens reais para ajudar a
compreensão pratica das instalações na realidade.
Figura 14 - Fragmento do vídeo “Dimensionamento de reservatório”: exemplo de cálculo de reservatório (a), corte
esquemático de reservatório (b).

a b
Fonte: autores, 2021.

O material seguinte, “Desenho arquitetônico a nível de anteprojeto” (Figura 15) está


sendo produzido atualmente. Ele foi um pedido da turma 2021.1, após perceberem
dificuldade em desenho técnico, uma vez que tiverem essa disciplina ministrada no
ensino remoto. Tal material será composto por um vídeo e uma apostila, estando hoje
apenas a apostila disponibilizada. Com o formato de guia, ela trata de desenho
arquitetônico a nível de anteprojeto. O conteúdo se divide em três partes: a primeira
explica a função e o que deve conter na prancha, plantas, quadros, cortes e fachadas.
Em seguida há um check-list com resumo de todo material necessário, e por último como
anexo está um projeto arquitetônico de uma residência unifamiliar que foi desenvolvido
exclusivamente para o material e com base nas demandas observadas durante os
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 259

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semestres. O projeto atenta à norma de acessibilidade, código de obras,


dimensionamento do reservatório e desenho arquitetônico. Esse projeto também serve
como uma biblioteca de detalhes para que os alunos possam recorrer caso tenham
dúvidas, apresenta dois diferentes tipos de cobertura, malha estrutural, desnível, rampa
acessível etc.
Figura 15 - Fragmento da apostila “Desenho Arquitetônico”: esquema de dobra de prancha (a), carimbo modelo (b),
projeto exemplo – planta baixa e de layout (c).

A b c
Fonte: autores, 2021.

6 AVALIAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO


Verificou-se que nem todos os estudantes acessaram o material disponibilizado. Tanto
na avaliação síncrona, quanto nas respostas ao questionário (Figura 16). Os alunos
demonstraram satisfação com o conteúdo produzido e com a monitoria em si. O
conteúdo apresentado foi apontado como claro e relevante para a disciplina e seu
rebatimento nos trabalhos foi percebido na maior parte dos projetos. Todos os
participantes consideraram importante a participação da monitoria durante as
orientações e aulas síncronas. Como sugestões de melhorias, 89% dos participantes se
interessaram por um horário fixo fora de sala de aula para tirar dúvidas na monitoria.
Eles também sugeriram conteúdos para os materiais do próximo semestre.
Figura 16 - resultado da pesquisa realizada pelos alunos de 2021.1.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 260

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Fonte: autores, 2021.

Ao decorrer de 2021.2 foi percebido que, assim como o semestre anterior, alguns alunos
utilizaram o material produzido e outros não. De antemão observa-se um movimento
semelhante ao do semestre anterior: os grupos que utilizaram o material disponibilizado
apresentaram menos dúvidas e mais desenvoltura nos conteúdos apesentados nos
materiais. Ainda não podemos afirmar com clareza a satisfação do conteúdo por parte
dos alunos dessa turma, uma vez que o semestre ainda não foi concluído e, portanto,
ainda não foi aplicado o questionário nem realizada a avaliação síncrona. No entanto,
porém, alguns alunos comentaram de forma positiva os materiais e que eles auxiliaram
na solução projetual. Sobre o atendimento extra horário do componente curricular para
tirar dúvidas, este não foi solicitado pelos alunos até então um momento fixo fora de
sala de aula, porém alguns grupos com frequência entram em contato por meio de
mensagem para tirar dúvidas.

7 CONCLUSÃO
O material didático desenvolvido no âmbito do projeto “O ensino de Projeto de
Arquitetura 01 mediado por tecnologias de aprendizagem remotas” atendeu aos
objetivos propostos e demonstrou-se relevante para o ensino remoto do componente
curricular Projeto de Arquitetura 01. Sua contribuição pode ser aferida pela avaliação
positiva realizada pelos estudantes, bem como compreensão e consideração das
diversas variáveis projetuais nos trabalhos produzidos durante o componente curricular.
É clara a necessidade de criar estratégias para fomentar que mais alunos acompanhem
os materiais postados, e de produzir mais conteúdos com base nas demandas que
surgem. São percebidas dificuldades em pensar, dimensionar e representar coberturas
e em apresentar os projetos focando na solução projetual e utilizando-se do desenho
técnico como uma linguagem para expressá-la. Esses temas estão na lista de materiais a
serem produzidos. Também ficam latentes as dificuldades de representação da solução
projetual devido à ausência de acompanhamento dos estudantes enquanto
desenvolvem seus projetos. Nesse sentido, estratégias têm sido pensadas para dirimir
as lacunas deixadas pelo ensino remoto, quando houver o retorno ao ensino presencial.

AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer Pró-Reitoria de Graduação da UFRN (PROGRAD), pelo
financiamento da bolsa que é indispensável para a continuidade do programa de
monitoria, a UFRN pelos esforços em adaptar-se a esse período de isolamento, a todos
os professores que indiretamente participam e acrescentam nos conteúdos produzidos,
e aos discentes que embarcam e colaboram com as atividades, por meio de feedback.

REFERÊNCIAS
CAU, Curso de Arquitetura e Urbanismo. Projeto Político-Pedagógico. Natal:UFRN, 2006. Disponível
em: http://darq.ufrn.br/wp-content/uploads/2016/10/PPP-A5.pdf. Acesso em: 19 abr. 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 261

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SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre:
artmed, 2000.
LAWSON, Bryan. Como arquitetos e designers pensam. Tradução: Maria Beatriz Medina. 2006.
OLIVEIRA, E. S. I.; COSTA, C. S. L. INTRODUÇÃO ÀS METODOLOGIAS ATIVAS. Natal: UFRN, 2020.
RODRIGUES, C. O. DE M.; LIMA, V. A BITÁCORA COMO FERRAMENTA DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA
ARQUITETURA. Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 2, n. 3, p. 47-60, 18 dez. 2017.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 262

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

O Ensino Remoto Emergencial e a retomada da interatividade


presencial no ensino e formação em Arquitetura e Urbanismo

Fábio MÜLLER
CEF-CAU/RS; assessoriacef@caurs.gov.br
Jéssica Nataly Santos de LIMA
CEF-CAU/RS; assessoriacef@caurs.gov.br
Rodrigo SPINELLI
CEF-CAU/RS; assessoriacef@caurs.gov.br

RESUMO
O artigo trata da experiência de acompanhamento da Comissão de Ensino e Formação do Conselho de
Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul ao Ensino Remoto Emergencial (ERE) em Cursos de
Arquitetura e Urbanismo no estado, em dois diferentes momentos da pandemia de COVID-19 até o
presente.
Diagnóstico, através de mesmo questionário, foi realizado com professores em maio de 2020 e setembro
de 2021, com os resultados quantitativos e recorrências apontadas sustentando as teses do documento
aprovado pelo Plenário do CAU/RS em novembro de 2021.
Divulgado no sítio eletrônico do CAU/RS e compartilhado com as gestões das IES gaúchas na forma de
Nota Pública, em síntese, reitera o caráter excepcional do ERE, a relevância crucial de um retorno ao ensino
presencial planejado gradativo urgentemente, em face das lacunas de formação evidenciadas, entende a
incorporação as TIC’s e AVEA no processo de ensino, contudo, sem substituir, mas em acréscimo às
metodologias, operacionalizações e cargas-horárias presenciais, a fundamental sustentação para tal
devidas pelas IES à docentes e discentes, tanto no sentido didático-pedagógico, como infraestrutural –
equipamentos e rede de internet adequados -, assim como toda a experiência do período, através de
avaliação séria e profunda por parte dos corpos docentes, núcleos docentes estruturantes, coordenações,
gestões e discentes como oportunidade ímpar de qualificar o ensino e formação em Arquitetura e
Urbanismo no Brasil, há tempo, distante da realidade social e do conhecimento prático inerentes à
natureza da disciplina e do ofício do (a) arquiteto (a) e urbanista.
PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura, Urbanismo, Ensino, Pandemia, CAU/RS

1. PRELÚDIO, À GUISA DE INTRODUÇÃO


O ensino e formação em Arquitetura e Urbanismo no Rio Grande do Sul já apresentava
cenário complexo, anteriormente, à pandemia mundial da COVID-19, com interferências
conjunturais que o desafiavam, significativamente, à revisão de consistência, tais como
o expressivo crescimento de número de cursos no estado, a abusiva abertura de vagas
à modalidade EAD, a minimização da carga horária nos currículos, o distanciamento de
mestres e aprendizes da realidade socioespacial, a relativização da verve prática da
profissão e a precarização das relações trabalhistas de docência, muitas dessas
ocorrências oriundas da acirrada disputa de espaço mercantil na Educação Superior,
com más consequências sentidas, nos últimos tempos, à nacionalmente reconhecida
qualidade de ensino e formação de arquitetas e arquitetos e urbanistas gaúchos.
No contexto pandêmico, todavia, o cenário agravou-se, apresentando o desafio de
continuidade do ensino e formação de arquitetas e arquitetos e urbanistas com
preservação de sanidade física e mental, o que impôs adaptação docente e discente a
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 263

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

práticas pedagógicas experimentais amparadas no protagonismo da virtualidade, com


seus inerentes desgastes e inseguranças sobre a qualidade do ensino-aprendizagem,
paralelamente, à (re)construção das rotinas pessoais e familiares, à crise social, política
e econômica e à sensível perda de vidas de familiares, amigos e conhecidos, entre outros
mais de seiscentos mil brasileiros até o momento.
Nesse paradigma complexo dantes não vivido, contudo, fortaleza, solidariedade,
surpreendentes interações e renovadas disposições diárias foram – e ainda vem sendo
–, experimentadas, assim como, também, estratégias pedagógicas, metodologias,
sistemas, programas e incrementos operacionais para o ensino e aprendizagem
(re)descobertos, otimizando fluxos e processos e facultando alguma ordem e esperança
em meio ao delicado cenário vivenciado.
Em um momento de iminência do cessamento dessa conjuntura trágica pela resposta
científica em vacinas e aprimoramento dos tratamentos, em um período onde as médias
de contaminação e mortes reduzem-se, sensivelmente, na esfera mundial e nacional e,
assim, as vidas e rotinas tendem à estabilização, reestruturando-se, é que cabe
referendarmos os rumos para o ensino e formação em Arquitetura e Urbanismo no Rio
Grande do Sul, o que faz a CEF CAU/RS no esforço dessa nota, usando de suas
prerrogativas de zelar pelo aperfeiçoamento da formação profissional e apreciar a
oferta e a qualidade dos cursos de graduação e utilizando-se do apontamento das
experiências de docentes e de coordenadores de curso, emitidas nos questionários
aplicados por essa Comissão em setembro de 2020 e maio de 2021, com resultados
amplamente divulgados e disponíveis para consulta através de suas Deliberações nos.
035/20201, 030/20212.

2. DA EXPERIÊNCIA DO ENSINO REMOTO EMERGENCIAL: FRAGILIDADES E


POTENCIALIDADES AO PRESENCIAL
Nesses, aproximadamente, um ano e meio de experiência na educação superior
brasileira, em seus diferentes momentos, intensidades e realidades institucionais físico-
espaciais, culturais e sociais, no âmbito de IES públicas, comunitárias, filantrópicas ou
privadas, restou claro que o Ensino Remoto Emergencial, baseado na interatividade
virtual, não é mais que um mecanismo especial usado para minimizar os impactos e
perdas inerentes ao ensino e formação profissional em situações críticas excepcionais3.

1
Encaminhou pesquisa realizada junto aos coordenadores de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre
o Ensino Remoto Emergencial.
Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/DeliberacaoCEF35-2020.pdf
2 Encaminhou pesquisa realizada junto aos docentes de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre o

Ensino Remoto Emergencial, por meio de formulário eletrônico sobre os Desafios do Ensino de Arquitetura e
Urbanismo durante a pandemia e encaminhou seu relatório de diagnósticos.
Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-content/uploads/2021/06/CEF-DLB-030-2021.pdf
3 PORTARIA MEC Nº 343, DE 17 DE MARÇO DE 2020: Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em

meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19.


LEI N. 14.040, DE 18 DE AGOSTO DE 2020: Estabelece normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante
o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020; e altera a Lei nº
11.947, de 16 de junho de 2009.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 264

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

No caso específico da formação de profissionais arquitetas e arquitetos e urbanistas


demonstrou-se insuficiente, aquém das exigências de uma formação generalista
consistente, em teoria e prática, historicamente construída a partir de apresentações
dialogadas, ateliês de criação, laboratórios, levantamentos exploratórios, visitas in loco,
viagens de estudo, movimentos de pesquisa e atividades de extensão, assim como
exigem as Diretrizes Curriculares Nacionais em Arquitetura e Urbanismo.
Recomenda-se para tão logo quanto possível, um retorno planejado gradativo ao
ambiente universitário, com segurança sanitária, tanto para atividades práticas como
teóricas, para ensino e formação de interatividade presencial dada a vivacidade,
espontaneidade e reciprocidade inquestionavelmente insuperáveis – necessárias e
insubstituíveis – se comparadas com o oportunizado quando a interface dominante é a
virtual.
Através das pesquisas realizadas identificou-se, nesse período: 1. Ter havido
extrapolação do número de alunos em classes teóricas e práticas; 2. Excesso de
matrícula em disciplinas em um mesmo semestre; 3. Flexibilização da frequência
gerando dificuldades de efetivo controle da presença, da participação nas aulas e nas
atividades propostas; 4. Problemas na execução das avaliações e na verificação de
desempenho; 5. Aulas síncronas sendo substituídas por aulas assíncronas; 6. Desgaste
físico e mental de discentes e docentes no gerenciamento, exclusivamente, virtual das
disciplinas; 7. Simplificação de conteúdos e vivências de aprendizagem pela limitação do
virtual, sem as práticas de laboratório, visitas, viagens e construção conjunta dos ateliês,
e; 8. Limitações de espaço, equipamentos e sinal de internet para o acompanhamento
contínuo das atividades nas plataformas virtuais, restando muitas lacunas e
indispensáveis aprofundamentos formativos, com evidentes prejuízos na formação do
futuro profissional arquiteto e urbanista – especialmente, nos semestres iniciais de
curso, os mais afetados – os quais agora devem, de alguma forma, serem identificados,
resgatados e compensados antes das formaturas.
Da experiência do período, que aponta outra conjuntura paradigmática – um novo
tempo para a humanidade – onde se impôs e graça, então, a onipresença tecnológica
nas realidades pessoais, profissionais e educacionais, na forma de smartphones,
smartwatches, tablets, redes sociais, softwares e ambientes virtuais profissionais e de
ensino aprendizagem para quase todas as áreas e faixas etárias. Cabe, no entanto,
reconhecer o potencial dessas tecnologias enquanto uma incorporação inteligente e
equilibrada à realidade do ensino e formação presencial, que oportuniza aproximação,
comunicação e interação, relacionando contextos e pessoas distantes, amplificando
oportunidades e notícias, intensificando possibilidades e eventos, otimizando

RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2020: (...)Art. 25. No período de estado de calamidade pública,
em caráter excepcional, as IES ficam dispensadas da obrigatoriedade de observância do mínimo de dias de efetivo
trabalho acadêmico, de acordo com o art. 3º, caput, da Lei nº 14.040/2020 e os Pareceres CNE/CP nº 5/2020 e CNE/CP
nº 11/2020, desde que observadas as DCN e as normas a serem editadas pelos respectivos sistemas de ensino, e
desde que mantida a carga horária prevista na grade curricular para cada curso, e que não haja prejuízo aos
conteúdos essenciais para o exercício da profissão. Art. 26. Podem ser desenvolvidas atividades pedagógicas não
presenciais vinculadas aos conteúdos curriculares de cada curso, por meio do uso de tecnologias da informação e
comunicação, para fins de integralização da respectiva carga horária.(...)
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 265

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

encaminhamentos e desenvolvimentos de processos, repercutindo no tempo, no


espaço e no alcance da informação.
Contudo, avalia-se após esta experiência, que tais ferramentas devem cumprir, apenas,
papel suplementar, complementar às atividades basilares de ensino e formação
presencial, como, por exemplo, ampliação, reforço e/ou aprofundamento temático,
assomados (e não substituindo) à carga horária primeira. No limite, não têm potencial
de serem incorporados em substituição às atividades presenciais determinantes e
contabilizarem na carga horária do presencial para além do recomendado, constituindo-
se, portanto, como recursos extras, quaisquer que sejam: textos de suporte, vídeos
ilustrativos, aulas obrigatoriamente síncronas e uso do assíncrono para apoio/reforço,
atividades planejadas pré e pós-aula, fortalecendo a apropriação e fixação dos
conteúdos. São ferramentas, não uma modalidade de ensino!
Outro potencial interessante demonstrado no período, e que pode ser tido como
permanência positiva, é o que permitem tais tecnologias e ambientes virtuais como
ferramentas de estruturar e operar com suficiência eventos em formatos virtuais ou
híbridos – congressos, seminários, encontros acadêmicos – assim como reuniões, as
mais diversas – administrativas e/ou pedagógicas – ou de grupos de pesquisa, de
extensão, dos EMAU´s e laboratórios, as bancas de TFG, etc., aproximando contextos,
pessoas, amplificando possibilidades de conhecimento e reduzindo tempos de
deslocamento.
Dentre os desafios da incorporação tecnológica pelas IES, conforme apontado em uma
série de depoimentos docentes em nossa pesquisa, estão a necessidade de
investimentos institucionais para adequação espacial e virtual, em rede e equipamentos
que permitam gerenciamento seguro, na intensidade do uso amplificado das
tecnologias da informação no ensino e formação, e a promoção de acessibilidade aos
equipamentos e softwares apropriados tanto para docentes como discentes,
especialmente no campo disciplinar da Arquitetura e Urbanismo, altamente exigente,
com cuidadoso suporte à discentes em frágeis condições socioeconômicas – uma
parcela significativa nas IES públicas.
Outro aspecto essencial de atenção é o treinamento e suporte didático-pedagógico
contínuo para os docentes apropriarem-se e desenvolverem, com eficiência e vistas à
eficácia, das ferramentas e ambientes virtuais de ensino aprendizagem – uma novidade
para a maioria – assim como, também, a contabilização de carga-horária para esse
gerenciamento, com remuneração para além do espaço do encontro didático presencial
com discentes nas situações contratuais dos professores horistas, ajustando a situação
trabalhista de ampliada exigência e rendendo a valorização profissional meritória.

3. CONCLUSÕES
Aproximado o fim dessa surpreendente experiência, em análise, reitera-se a convicção,
por parte desse Conselho, de que o Ensino à Distância é modalidade inadmissível à
formação de arquitetos e urbanistas, devendo ser, veementemente, refutada, dada à
condição matérica e prática inerente da disciplina Arquitetura e Urbanismo – uma
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 266

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

segunda natureza, construída, diante da preexistente – a qual, em sua práxis e modus


operandi – da concepção à execução – lida com espaço ‘físico’, realidade social e
ambiência cultural, transformando e impactando, diretamente, a vida das comunidades,
sendo sua responsabilidade não só a qualidade do construído, como a saúde, a
segurança e a integridade física pessoal, atributos confiáveis, apenas, a quem tenha a
formação e a vivência do espaço e da prática construtiva diante da realidade e para ela
mesma, o que o virtual, decididamente, não oferece na forma e intensidade necessárias.
Reitera-se que o Ensino Remoto Emergencial é transitório e passível de ser adotado em
casos excepcionais, observados o contexto e o momento social. As boas práticas
pedagógicas experimentadas durante a pandemia não devem substituir à
presencialidade, mas sim somadas, e nunca, confundidas ao Ensino à Distância, mas,
cabe a mensagem de que se compreenda o momento recente como oportunidade de
qualificação do ensino presencial em Arquitetura e Urbanismo, resgatando métodos,
estratégias e práticas pedagógicas com incorporação de ferramentas digitais
potencializando vínculo mais próximo dos futuros arquitetos e urbanistas com as
demandas da realidade social brasileira, que lhes alcem maior domínio prático dos
aspectos técnico-construtivos e facultem-lhes melhor percepção do agenciamento
trabalhista produtivo e de sua responsabilidade profissional, amplificando alcances,
aprofundando experiências e sendo mais inclusivo – toda a diversidade e condição
brasileira – de modo a provocar a reinvenção de um ensino notório, de interação
presencial, diálogo comunitário, vivência espacial e experimentação construtivas para
a construção de um país mais justo e democrático.
Por fim, importa reforçar a necessidade de retomada do Ensino Presencial, objetivando,
em especial, sanar as lacunas geradas nas práticas interrompidas, em laboratórios,
estágios, visitas técnicas, nas disciplinas de ateliê, de estrutura, de técnicas construtivas,
na pesquisa e na extensão, obedecendo-se, claro, os protocolos sanitários
recomendados. Nesta retomada, deve existir a predominância do presencial com
frequência obrigatória, e, a participação do virtual, deve ser oferecida de forma
capacitada e suplementar, dentro dos limites recomendados.

REFERÊNCIAS
LEI N. 14.040, DE 18 DE AGOSTO DE 2020: Estabelece normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante
o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020; e altera a Lei nº
11.947, de 16 de junho de 2009.
PESQUISA CEF CAU/RS com coordenadores de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre o Ensino
Remoto Emergencial. Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-content/uploads/2020/08/DeliberacaoCEF35-
2020.pdf
PESQUISA CAU/RS realizada junto aos docentes de curso de graduação em arquitetura e urbanismo sobre o Ensino
Remoto Emergencial, por meio de formulário eletrônico sobre os Desafios do Ensino de Arquitetura e Urbanismo
durante a pandemia e encaminhou seu relatório de diagnósticos. Disponível em: https://www.caurs.gov.br/wp-
content/uploads/2021/06/CEF-DLB-030-2021.pdf
PORTARIA MEC Nº 343, DE 17 DE MARÇO DE 2020: Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por
aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2020.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 267

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

COMUNICAÇÕES

PAINEL 4
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 268

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Práticas insurgentes e o ensino de Arquitetura no contexto da


COVID-19

Ana Bárbara Machado RODRIGUES


IAU-USP; anabarbararodrigues@usp.br
Flávio Raffaelli FONSECA
FECFAU-UNICAMP; flavio.raffaelli@gmail.com
Maiara Oliveira Silva de AGUIAR
IAU-USP; maiara.aguiar@usp.br

RESUMO
Este artigo busca compreender como a experiência docente no ensino de Arquitetura e Urbanismo vem a
ser permeada por práticas insurgentes. Por meio de métodos de pesquisa qualitativa, buscamos consolidar
um conhecimento sobre distintas experiências de ensino que, em alguma medida, contribuem para
mudanças no presente cenário da educação. Junta-se a isso, na construção da própria pesquisa, questões
relativas às dificuldades potencializadas no ensino superior de Arquitetura em meio a pandemia da COVID-
19, de modo a ampliar as questões centrais do texto e seus desdobramentos em meio ao diferente cenário
iniciado no ano de 2020.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Arquitetura, Ensino Remoto, COVID-19

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo é fruto de um processo colaborativo1 possibilitado pela disciplina de


Procedimentos e Métodos de Ensino em Arquitetura e Urbanismo, ministrada pelos
Profs. Drs. David Sperling e Manoel Rodrigues Alves no Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo (PPGAU-USP). A disciplina faz parte da Etapa de Preparação Pedagógica (EPP)
que integra o Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), cujo objetivo fundamental
é aprimorar a formação dos pós-graduandos para o exercício da atividade de docência
na graduação.
Para além de fornecer subsídios teóricos, metodológicos e práticos visando o ensino de
Arquitetura e Urbanismo, a disciplina busca também discutir a formação do arquiteto e
urbanista no Brasil por meio não apenas de um panorama geral no que diz respeito às
particularidades do ensino e da prática da profissão, mas também, e principalmente, por
meio de discussões mais contemporâneas relativas ao ensino superior como um todo
no país.

1 Este artigo deriva de um trabalho feito em conjunto por 6 pesquisadores: Ana Bárbara Rodrigues, Flávio Raffaelli

Fonseca, Maiara Oliveira Silva de Aguiar, Stela Da Dalt, Thiago Pereira Melo e Victor Salgado; e foi reestruturado
visando integrar o XXXVIII ENSEA e XXI CONABEA, de modo que suas partes podem ser consideradas complementares.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 269

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Nesse sentido, foram pautados debates como o cenário de empresariamento e


mercantilização do ensino superior, a precarização da docência universitária, as
particularidades do ensino em instituições públicas e privadas, experiências pedagógicas
radicais e, com ainda mais ênfase, as questões acerca dos processos de ensino e
aprendizagem em meio à crise sanitária do COVID-19 e as perspectivas pedagógicas para
um cenário pós-pandêmico.
Foram discutidos alguns aspectos relacionados, por exemplo, ao avanço das tecnologias
e dispositivos de ensino. Sabemos que a experiência do uso das tecnologias de
transmissão de aulas — e todas as potencialidades e problemas relacionados a esses
mecanismos — não é uma discussão tão recente, uma vez que a pressão para a
substituição de aulas presenciais por aulas virtuais vinham sendo implementadas em
algumas instituições privadas por meio das plataformas Ensino à Distância (EaD) a algum
tempo, mas que foi impulsionada no cenário imposto pela pandemia, já que as aulas
remotas se configuraram como a única alternativa possível para a continuidade do
ensino de forma segura. Além disso, entraram em pauta o acesso a essas tecnologias
por parte dos estudantes, as políticas de uso e compartilhamento de imagem, a
gravação/transmissão virtual de aulas do ensino de graduação e pós-graduação e os
potenciais impactos, riscos e benefícios que sua adoção traria para o processo de
aprendizagem.
A disciplina se propôs, portanto, a ser um meio de debate e reflexão acerca dos temas
diversos e complexos que permeiam a atual conjuntura de ensino de Arquitetura e
Urbanismo no país, de forma a contribuir com a elaboração de práticas e estratégias
pedagógicas que pudessem vencer alguns dos desafios que se impõem ao longo da
trajetória dos profissionais da educação. A cada novo ano a disciplina propõe um “tema
guarda-chuva” que engloba as discussões e orienta a produção dos trabalhos finais. Em
2021, dado o cenário de crise, a palavra norteadora foi emergências e, a partir dela, cada
grupo de trabalho ficaria livre para abordar um tema que lhe fosse mais emergente que
outros.
Dentro de todo esse contexto, optamos por voltar nosso olhar para as questões de
ensino a partir de práticas insurgentes, conceito que deriva também da coletânea de
textos feita por Moassab e Name2. O aspecto aberto da palavra abriu espaço para
múltiplas abordagens e, de início, fomos atraídos pela possibilidade de discutir as
emergências no ensino em face ao avanço das políticas neoliberais. Isso porque, como
aponta Boaventura de Sousa Santos, a atual emergência sanitária imposta pela
pandemia da COVID-19 “não é uma situação de crise claramente contraposta a uma
situação de normalidade. Desde a década de 1980 — à medida que o neoliberalismo foi
se impondo como versão dominante do capitalismo [...] o mundo tem vivido em
permanente estado de crise” (Sousa Santos, 2020, p. 5).
A palavra insurgir se origina da palavra latina insurgere. Apesar de gramaticalmente o
prefixo in-, acrescido ao início das palavras, indicar oposição/negação, as palavras surgir

2
Por um ensino insurgente em arquitetura e urbanismo. EDUNILA, 2020.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 270

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

e insurgir compartilham o sentido de “emergir; causar o surgimento de; fazer surgir”3.


Insurgir, surgir e emergir são, portanto, sinônimos e justificam a nossa investigação, uma
vez que, para além de um diagnóstico da situação de crise — da universidade e da
sociedade —, gostaríamos de discorrer sobre experiências que surgem de tais contextos
e que não se encaixam em categorias contemporâneas de ensino flexível e produtivista
(Antunes; Pinto, 2017). A noção de insurgência não deve, assim, ser compreendida como
uma adjetivação ou categorização estilística das práticas, mas como uma atitude crítica
com significado específico para cada contexto.
O recurso das entrevistas foi pensado como um processo de busca por pessoas que
agem de forma autônoma frente às imposições da estrutura hegemônica ancorada em
dinâmicas capitalistas produtivistas (Antunes; Pinto, 2017; Laval, 2019). Por fim, nosso
objetivo central é problematizar o contexto que gerou os modos de ensino bancário
(Freire, 2011; Hooks, 2013) e fazer uma análise crítica do atual contexto de
empresariamento do ensino com base no glossário referencial e na experiência das
entrevistas com docentes.

2 MATERIAIS E MÉTODOS — EM BUSCA DE UMA PRÁXIS

Em seu livro A pedagogia do oprimido, Paulo Freire evidencia a condição do ser humano
como um ser de práxis. A proposta educativa de Freire vai ao encontro de uma
sistemática inter-relação entre teoria e prática, apresentada como práxis pedagógica. O
diálogo é uma ação que configura a liberdade e é visto como uma maneira de entender
a existência a partir das relações entre objetividade e subjetividade; a educação estimula
a construção da filosofia do conhecimento para a democracia, assim como as práticas
democráticas constituem um papel central na formação e autonomia dos educadores.
Tendo em vista que a formação deste grupo de pesquisa é composta por pesquisadores
sem experiência em docência, notou-se a necessidade de um movimento em busca de
agregar pontos de vista distintos dentro da discussão proposta, visando sumariamente
o método de práxis pedagógica, que possui, na teoria e na prática, pontos chave na
construção epistemológica da pesquisa.
Sendo assim, foi realizado um exercício livre e assimilativo e cada membro se propôs a
encontrar alguma referência que tivesse uma ligação à prática docente. Considerando a
forma como foi desenvolvida a metodologia desta pesquisa, buscou-se respeitar a
liberdade individual e subjetiva de cada um, tentando não impor um caminho delineado
a ser seguido neste momento. Como resultado desta ação, três figuras de profissionais
docentes, sendo estes considerados formais ou informais, nos auxiliaram no processo
de consolidação do debate sobre o processo de ensino.
Consequentemente, configurou-se um novo exercício sobre como seria a abordagem
realizada junto aos docentes selecionados. Em conclusão unânime, a forma escolhida
foi o método das entrevistas individuais semiestruturadas. Para isso, iniciou-se um
processo de definição do que era desejado ser instigado e debatido, gerando um roteiro

3
Disponível em: https://www.dicio.com.br/insurgir/. Acesso em: 5 ago. 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 271

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

base, que pudesse ser utilizado a fim de pautar tópicos relevantes, assim como definir
momentos-chave do debate.

3 ENTREVISTAS

3.1 ROTEIRO DAS ENTREVISTAS


O roteiro das entrevistas foi pensado de modo a produzir duas etapas em 1 hora e meia
de conversa. No momento introdutório, as questões buscam uma visão do entrevistado
a respeito da trajetória e experiência profissional que está além das descrições
encontradas em seus currículos acadêmicos.
Para o segundo momento, optamos pela elaboração de um glossário de termos e temas
como um ponto de partida de articulação dos conceitos que nos ajudariam a responder
à nossa questão central. A construção do glossário mobilizou algumas noções
encontradas nos seguintes referenciais teóricos: emergências/insurgências (Souza
Santos, 2021; Moassab, 2020); decolonial/subalternidade (Quijano, 2005; Moran, 2013;
Silva, 2015); hegemônico/contra-hegemônico (Fraser, Jaeggi, 2020);
autonomia/liberdade (Freire, 2008, 2020; Hooks, 2013; Fernandes, 1968); metodologias
ativas (Moran, 2013); universidade/arquiteto operacional (Antunes, 2017).

Esse glossário, por sua vez, foi apresentado aos entrevistados com o objetivo de tentar
extrair deles um pensamento crítico no que diz respeito às práticas insurgentes de
ensino, suas crises/dificuldades e potenciais transformadores. A entrevista está
estruturada de acordo com o Quadro 1 a seguir:
Quadro 1 – Estrutura sugerida para as entrevistas com docentes

1° MOMENTO - Trajetória pessoal

1. Qual foi/é sua trajetória?

2. Quais são suas referências?

3. A ideia de ensinar, como surgiu?

4. Para além da sala de aula, onde você já levou o seu espaço de ensino? Como foi essa experiência?

2° MOMENTO

Apresentação do glossário

Arquiteto Operacional

Autonomia Liberdade

Decolonial Subalternidade

Hegemônico Contra-hegemônico

Insurgência
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 272

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Metodologias Ativas

Universidade Operacional

Pensamento crítico

1. Em que medida esse glossário se aproxima ou se afasta da sua experiência?

2. Houve algum momento de crise na educação que trouxe um propósito de transformação?

3. Quais as emergências na prática de ensino? Quais as dificuldades/desafios da sua experiência de


ensino e de aplicação da sua construção enquanto professor/educador?
Fonte: Elaborado pelo autor

3.2 APRESENTAÇÃO DOS ENTREVISTADOS


A escolha dos entrevistados reflete uma tentativa de contemplar diferentes
perspectivas nas práticas insurgentes de ensino. Para esta pesquisa buscamos por
pessoas e experiências com as quais já havíamos tido contato em algum momento.

3.2.1 ENTREVISTADO 1 - A.B.


A.B. é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela FAU4 e, segundo ele, sua trajetória
na educação começou de forma acidental, já que não possui formação em Pedagogia
nem em Filosofia, disciplina que guia sua atuação de ensino hoje. Chegou a trabalhar
com projetos de arquitetura e design gráfico em parceria com um amigo, mas o
interesse pessoal por temas como filosofia, literatura, estética e história da arte fez com
que surgisse a possibilidade de desenvolver uma atividade extracurricular dentro de
uma escola. Diante disso, teve sua primeira experiência de ensino quando foi convidado
para dar aula de Filosofia no Ensino Médio, em 1998. Nesse meio tempo também foi
convidado pela professora Vera Pallamin,5 que havia sido sua orientadora na graduação,
para participar como colaborador de uma disciplina na FAU. Apesar de não se dizer
professor, A.B. trabalha atualmente com os três ciclos de ensino – Básico, Fundamental
e Médio. Ao longo dos anos, na medida em que seus alunos ingressavam nas faculdades
e universidades, começou a receber convites para contribuir também nesses espaços.
Primeiro na PUC,6 em São Paulo, onde ofereceu um curso sobre arte e política que
começou por volta de 2003 e durou cerca de 10 anos; e depois na FAU, onde manteve
grupos de estudos mais informais por mais alguns anos. A procura pelos diálogos
promovidos pelos grupos de estudos fez com que A.B. buscasse por um espaço fora das
universidades e esse projeto tomou forma sob o nome de Ateliê. Embora nunca tenha
sido um projeto estruturado, o Ateliê começou por volta de 2007 e se mantém até hoje
como um espaço de discussão gratuito e aberto voltado para temas livres, desde aqueles

4
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU USP).
5
Arquiteta e filósofa livre-docente na FAU USP.
6
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 273

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

que sempre foram objeto de interesse do A.B. desde o início de sua trajetória até temas
novos propostos pelos frequentadores assíduos — muitos deles arquitetos.
A.B.: [...] A minha única imposição, digamos, ali, era que não fosse obrigatório
[o pagamento da taxa], que o dinheiro não mediasse a relação. Que essa é
outra coisa que eu acho que é danosa, quando as relações são mediadas por
dinheiro. Pense qual relação sua não é mediada por dinheiro, se você não
encontra, tal lugar, que tal pessoa, porque vocês matricularam no mesmo
curso ou porque sua condição prévia deu acesso à escola pública e eu sou um
dos privilegiados que podem estar nela, e tá tá tá. Sei lá [...], quer dizer, no
limite quase tudo quanto é relação nossa é mediada por dinheiro, então
minha ideia era tentar romper com isso. Então o dinheiro não é uma condição
para estar aqui, ninguém tem que marcar o que dá para o porquinho, as
pessoas podiam botar dinheiro e não marcar. [...] e esse espaço é isso
também, surgiu espontaneamente, mas nele eu tinha essa ideia fundamental
de que, quem tá aqui, tá aqui porque quer tá aqui. Não tem outro motivo. E
o que une as pessoas que estão aqui é uma vontade de pensar, de estudar,
de conhecer. Agora é muito interessante [...] no começo as pessoas aderem
a um grupo que tem a ver com um interesse específico dela. Eu sou arquiteto,
tem um grupo de arquitetura, eu vou para o grupo de arquitetura. [...] Só que
com o tempo os frequentadores do ateliê se tornaram frequentadores do
ateliê. Então as pessoas iam pro rumo que fosse, o importante é manter esse
grupo. “O que nós vamos ler?” “Tanto faz, vamos decidir agora.” Achei muito
legal quando teve esse giro, né? E as pessoas passaram a querer estar num
grupo daqueles, independentemente do que ele fosse ler, que acho que é a
situação atual da maioria dos grupos ali.

Os encontros no Ateliê permitem, segundo A.B., desdobramentos que ultrapassam a


experiência ali vivida. Ele relata, por exemplo, que um grupo de estudantes de
arquitetura frequentadores do espaço se articularam com agentes sociais dentro de
uma comunidade periférica de São Paulo para construir uma creche. Toda essa
experiência de A.B. como “educador informal'', como ele mesmo diz, incide na
afirmação que ele faz de que o diálogo e a relação são mais importantes que o conteúdo,
o conteúdo aberto deixa espaço para muitas possibilidades. Quando questionado sobre
até onde já levou seu espaço de ensino, para além da sala de aula, A.B. afirmou que não
acredita que suas práticas de ensino surgiram no espaço escolar e foram levadas para
outros locais, mas o contrário.
A.B.: […] você perguntava até, né? “Em que espaços eu levo [...] para que
espaços eu levo, para além da sala de aula”. Eu diria que é o contrário. O que
eu tento fazer hoje é levar para sala de aula o que eu formulo nesses outros
espaços [ateliê] [...] A sala de aula não é referência, não é nela que nasce. É
um péssimo lugar para nascer coisas infelizmente, né? Eu acho que o que
talvez de melhor eu consiga levar para algum aluno, eu espero que esteja
certo, é o que eu levo para lá desse espaço não escolar. Até para [em] alguma
medida questionar a escola que está por trás desse espaço, né? [...] Eu gosto
sempre de lembrar que a palavra ‘escola’ vem de um termo grego que
significa ócio, tempo livre, e eu sempre digo isso para mostrar como a escola
institucionalizada é o oposto da escola. Porque a escola institucionalizada é
um lugar onde não há espaço nenhum para ócio, o tempo lá é totalmente
programado. O ócio é um tempo livre, você não tem pré estabelecido o que
fazer nele. E a escola é tudo menos isso. Tudo, até o lazer está pré-
estabelecido. Você tem um horário do recreio. “No horário do recreio, o que
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 274

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

eu posso fazer?” “Isso, isso, isso”, né? [...] Então é tudo programa. Por isso
que eu acho assim [...], precisa levar a escola para a escola. A última coisa que
há na escola é escola. Não tem ócio, não tem tempo livre na escola. Então [...]
para mim é o caminho contrário, quer dizer, eu preciso de um espaço não
escolar para que algo ali aconteça e eu possa tentar levar algo disso para
escola.
Nos trechos em que a situação pandêmica surge na entrevista, A.B. aponta para as
dificuldades encontradas, e a falta de consentimento entre diretores e professores na
hora de definir diretrizes para enfrentar a situação, e aponta a necessidade constante
das pessoas cumprirem normas, mesmo essas não se apresentando como adequadas.
A.B.: [...] nessa história de pandemia toda, a questão de abrir e fechar a
escola. Teve mil brigas com as escolas e porque sim, porque não. Que critério
usar para abrir e para fechar. O pessoal caiu muito no normativismo, no
legalismo. "Olha, o que foi combinado foi isso e nós temos que fazer o que foi
combinado". Não, mas não está fazendo bem para a aula, para o aluno. "Não,
mas é o que está estabelecido. É o direito deles". Mas que direito vocês estão
usando? Você abre aula presencial, uma turma de 28 alunos, vão 5. Aí, você
tem que ficar dando aula na sala de aula, pela tela para ¾ da turma. Bom, eu
estou prejudicando a maioria, né? "Ah não, mas é o direito?" Que direito? Se
a minoria está indo. E essa minoria ainda está desanimada, porque imagina
que sua sala tem 28 alunos e tem 6 colegas nela. Ou seja, os alunos que
estavam lá, estavam deprimidos também. "Poxa, a escola está vazia". Mas às
vezes é difícil sair da regrinha. Todo mundo quer uma regrinha.

Outro ponto que damos destaque na fala de A.B., é a sua visão sobre uma possível
mudança das pessoas em relação aos meios digitais na pandemia. No qual, em um
primeiro momento todos buscavam por interação humana nas reuniões online, mas que
com o passar do tempo o excesso de telas, fez com que houvesse um movimento
contrário a tais práticas.
A.B.: [...] podem participar dos grupos online [...] vamos tirar vantagem da
Pandemia. O grupo virou um grupo nacional. Tem um cara do Rio, um cara de
Floripa, tem um cara que está em Pelotas. Está até divertido, assim. [Está
rolando ateliê online?] Está sim, no começo eu não quis, mas o pessoal
começou a pedir. No começo da Pandemia todo mundo sentiu mais a falta do
contato com as pessoas. Agora todo mundo está sentindo o excesso de tela,
então os grupos deram uma diminuída e tem menos grupo do que tinha o ano
passado, por exemplo. Eu atribuo a isso, sabe? Tem gente que não quer mais
ver tela, não aguenta mais uma hora a mais de tela, não. É muito louca a
mudança da Pandemia, da dinâmica assim. Ano passado foi muito diferente
desse, para mim não tem comparação. Esse, para mim, está muito pior. Para
quem achava 2020 um ano ruim, 2021 é muito pior.
3.2.2 ENTREVISTADA 2 - A.G.
Quando questionada por nós sobre quando surgiu a ideia de ensinar, A.G. respondeu
que nunca quis de fato sair da universidade. A.G. é graduada em Arquitetura e mestra
em Urbanismo pela PUC Campinas e doutora em Engenharia Civil, Arquitetura e
Urbanismo pela Unicamp.7 Trabalhou como arquiteta projetista antes de exercer a

7
Universidade Estadual de Campinas.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 275

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

docência, quando considera que adquiriu maturidade projetual e intelectual. Suas duas
primeiras experiências de ensino foram em universidades privadas; no início da década
de 1990 passou em um processo seletivo para professora substituta na Mackenzie8,
onde integrou a equipe por quase 10 anos e, logo em seguida, ao se mudar para
Campinas, entrou para a UNIP,9 onde deu aulas por mais uma década. Paralelo a isso,
ingressou na Unicamp por meio de um processo emergencial e agora completa 20 anos
na instituição. A.G. conta que durante sua trajetória na Mackenzie começou a chamar
sua atenção a discrepância social entre os estudantes, mas que foi na UNIP onde
começou sua busca por experiências na “cidade real” junto aos alunos – em disciplinas
regulares, na extensão e em projetos de iniciação científica –, processo de trabalho que
depois levou para a Unicamp. Ao longo desse percurso, afirma a importância de
construir coletivamente, de voltar o olhar para a sociedade e trabalhar não apenas “para
ela”, mas “em conjunto com ela”. Cita Rodrigo Lefèvre,10 que foi seu professor, e o
Grupo Arquitetura Nova11 como importantes referências pessoais. A.G. afirma que suas
principais influências vêm da sua própria vivência universitária na PUC e da sua relação
com o movimento estudantil. Dentre as estratégias que buscou aplicar ao longo de sua
trajetória numa tentativa de abrir as perspectivas de compreensão dos alunos, destaca
a fabricação de maquetes físicas, as viagens de estudos e, especialmente, as incursões
pela cidade. Desenvolveu com os alunos, por exemplo, projetos para uma cooperativa
de resíduos sólidos, para uma escola, um assentamento rural e um conjunto
habitacional, todos já consolidados.
A.G.: [...] tive oportunidade de trabalhar na extensão [...] com as cooperativas
de resíduos sólidos e a gente teve uma experiência muito interessante com a
primeira vez que eu fui convidada para projetar uma mesa, porque dizia que
as mulheres tinham uns ganchos na mesa que elas machucavam a barriga. E
eu na época era só da Unicamp, [...] Regime [de] Dedicação Integral à
[Docência e à] Pesquisa, não podia fazer projeto [...] e aí eu propus para os
alunos. Chamei no e-mail coletivo lá dos alunos que eu queria cinco alunos
que tivessem interesse em trabalhar nas cooperativas e a gente fez um
projeto. Eu não sei se a gente pode chamar colaborativo, participativo, etc…
[...] a primeira vez que eu fui nesta cooperativa eu quase morri, quase caí de
costas que as mulheres trabalhavam no meio do lixo [...] então a primeira
coisa que a gente fez foi pensar numa dinâmica industrial de produção. E aí
que eu falo que a minha experiência profissional me valeu em várias
situações, né? Porque eu fiz muitos projetos de indústria, de como trabalhar
com essa lógica dentro da cooperativa no espaço existente, mas que tivesse
uma entrada, uma dinâmica de materiais, que eles trabalhavam sei lá quantos
mil materiais, e uma saída que as pessoas ficassem num lugar mais ou menos
limpo. [...] E aí a gente percebeu que as mulheres faziam esse movimento o

8
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
9
Universidade Paulista.
10
Rodrigo Brotero Lefèvre (1938-1984) foi arquiteto e professor universitário, integrante do grupo Arquitetura Nova,
e responsável pelo desenvolvimento de grades curriculares de algumas faculdades criadas no início da década de
1970 no estado de São Paulo, juntamente a outros demagogos e arquitetos.
11
O grupo Arquitetura Nova, formado pelos arquitetos e professores Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro,
foi responsável por introduzir as discussões que relativizam o movimento moderno e sua linguagem
desenvolvimentista, tecendo críticas ao modo de fazer do arquiteto moderno, assim como o sistema que constitui o
canteiro de obras.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 276

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

dia inteiro [e] que atrás delas estavam os tambores. Eu disse: "gente, não é
possível essas pessoas quererem afinar a cinturinha, mas tem limite". E a
gente começou [...] [a] pensar [...] numa mesa que elas pudessem trabalhar
só separando. E aí a gente fez uma proposta, montamos maquetes e fomos lá
com elas, conversando o layout do galpão, o layout do carrinho, tudo em
maquete. Umas duas vezes. Na primeira, as mulheres falaram assim: "quem
trabalha sentado é vagabundo". Eu pensei: “vamos repensar a altura da
mesa”. Voltamos lá de novo, com outra proposta. Eu sei que o tal do carrinho
virou sensação. Até hoje as cooperativas em Campinas querem o tal do
carrinho, que ficou um carrinho prático e mais seguro e você não tem que
ficar se torcendo 6 horas por dia, 8 horas por dia, nem sei quantas horas de
trabalho. E depois disso a gente fez essa experiência de estudo de layout
participativo em outras cooperativas, aí foram algumas iniciações científicas.
Então o aluno ia, estudava e entendia qual era o percurso, qual era a
produção e propunha junto com os cooperados, né? E foi uma experiência
super legal. Tão legal que até hoje a gente ainda faz parte de alguns projetos,
que trabalham com isso e a ideia era mostrar para os estudantes que não tem
lugar [correto] para arquiteto trabalhar. [...] Óbvio que você não tá criando
museus, não tá criando biblioteca, mas você tinha que criar de verdade. E aí
você melhorou muito a qualidade de vida dos cooperados. Você tem um lugar
mais confortável para trabalhar, você tem uma lógica de produção. Então
você produz, você sabe, você vê o que está produzindo, está num lugar mais
limpo. Óbvio que todo mundo ganha com isso, mas isso foi algo muito legal,
porque a Unicamp tinha um convênio com a Universidade de Pittsburgh, que
eu não fazia parte, mas a Emília Rutkowski fazia e eu trabalhava junto com ela
e foi um sucesso. Ninguém queria levar o pôster, porque isso não era trabalho
de arquiteto. Ela bateu o pé e foi sucesso [...]
Nesse sentido, joga luz sobre a necessidade de pensar o espaço a partir do que já existe,
não apenas a partir do zero; “a cidade é palco de possibilidades”.
Quando surge a questão da Pandemia, A.G. aponta as dificuldades enfrentadas por
professores que do dia para noite precisaram transformar suas casas em locais de
trabalho, e suas disciplinas em modo online. Além dos prejuízos aos alunos, que
fragilizados pela situação, perdem não só em conteúdo, mas também em relação
extraclasse. Questões como acesso à internet de qualidade e aos espaços urbanos
também são apontados pela professora.
A.G.: [...] durante a pandemia tudo ficou nas costas dos professores. "Se vira
aí, peão". No fim das contas vários foram demitidos, demitidos em massa,
demitidos só com um WhatsApp ou um correio eletrônico, e como na
realidade, para o bem ou para o mal, a gente se reinventou e fomos nós que
nos reinventamos. Porque do dia pra noite eu tive que falar "Minha filha, sua
disciplina de projeto agora é online. Doa não doa. "O que eu dou? O que que
eu faço?" Eu paguei a minha luz, eu paguei a minha internet, a minha casa
virou o lugar de trabalho, a minha e a de tantos outros. Então eu imagino
professoras que tem filho pequeno, dar aula com o filho berrando, lá fora,
trancada em casa que não podia sair. Acho que essa questão dos estudantes
também é uma [questão]. A pandemia os fragilizou muito, psicologicamente
falando, é essencial o contato entre os estudantes. A coisa que a gente discute
da presencialidade não é só a presencialidade do professor, é os colegas
estarem juntos, é construir uma rede de relações que vão te dar suporte
profissional, se não é para o resto da vida por muito tempo. É não se afastar
do seu objeto de trabalho que é a cidade. Sem falar das questões da idade,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 277

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

né? Festa e churrasco... essas coisas... A questão territorial que aí foi abissal.
O território espelhando quem vai e quem não vai pra frente? Porque tem
acesso ou não, a questão da rede. E aí eu acho que essa questão de acesso à
internet é um dos pontos importantes e não é só do aluno, é do professor
também. Porque tem que ter uma rede boa. E o aluno também. E muitas
vezes [o aluno] não abre a câmera porque ele tá com vergonha. Porque
muitas vezes ele tá com o irmão menor lá junto com ele e o irmão menor tá
numa sala, porque enfim... tem 500 mil coisas. Obviamente não são todos.
Tem o povo que não liga a câmara porque tá dormindo, mas esses um dia vão
querer saber como é que foi. Então eu acho que assim, tem essas grandes
discussões, mas eu acho que a gente tinha que ter umas discussões mais
efetivas e é difícil na sociedade, que a gente está vivendo, engajar as pessoas.

3.2.3 ENTREVISTADO 3 - P.E.


P.E. é arquiteto e urbanista formado pela UnB12, em 2015, cursou mestrado em
Arquitetura e Urbanismo pela UFBA13 e especialização em Docência no Ensino Superior
pelo Senac.14 Durante o período da pós-graduação, fez parte do Centro Acadêmico e foi
monitor de disciplinas na graduação, além do estágio docente no mestrado. Essas
experiências, segundo ele, foram as que permitiram um contato mais intenso com as
práticas de ensino.
Ao longo de sua trajetória acumula experiências extraclasse, como sua atuação no
Escritório Modelo CASAS15 e como assessor parlamentar. Quando questionado sobre
como surgiu essa necessidade de "sair" da sala de aula, P.E. afirma que buscou fugir das
especulações e do projeto pelo projeto na busca de se aproximar da realidade.
P.E.: […] O CASAS eu busquei porque [...] lá na UnB no início do curso as
disciplinas de projeto são muito desvinculadas da realidade e quando eu falo
assim da realidade, é assim, mesmo que fosse um ensino [...], mesmo
pensando no ensino mercadológico, era desvinculado disso. […] E aí o CASAS
não. O CASAS estava trabalhando com pessoas reais, problemas reais. O
CASAS podia ter seus problemas mil, assim de forma de captação de projeto,
mas [...] tava ali fazendo assessoria para grupos que estavam no território,
né? Então já era outra experiência, era diferente [...]

Outro ponto destacado por P.E. foi a autonomia que o CASAS dava aos estudantes,
inclusive na gestão, na escolha de projeto, nas metodologias projetuais e diálogos com
a comunidade. Questões que não são desenvolvidas em um estágio tradicional.
P.E.: […] No CASAS a gente toda hora tinha que tá brigando por algum tipo de
legitimidade ali, porque a estrutura formal da universidade pede que você
tenha um professor que é o coordenador e tudo mais. E aí, nos primeiros anos
que eu tive no CASAS, existia uma dificuldade de encontrar esse professor
orientador que, de fato, participasse daquilo. A gente tinha professores que
assinavam no papel, e aí a gente tomava conta do Casas por nossa própria
conta em risco. Isso era bom? Era, porque a gente discutia tudo, né? A gestão

12
Universidade de Brasília.
13
Universidade Federal da Bahia.
14
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial.
15
Centro de Ação Social em Arquitetura Sustentável.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 278

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

toda do escritório estava na mão dos estudantes. Não tinha ninguém que
usava [...] assim [...] aquela assimetria de poder, né?... De professor para
estudante, né? [...]
Além dessa experiência com o CASAS, P.E. destaca sua participação nos SeNEMAU16 e
SeREs17 — encontros promovidos pela FeNEA18 — como um motivador para uma
atuação mais política do ensino.
P.E.: […] acho que toda vez que a gente saia do escritório do CASAS e ia [...]
mesmo para um diálogo com [...] movimentos, [...] ia para um centro de
permacultura, por exemplo, era totalmente diferente [...] do que tinha nas
aulas mesmo, nas disciplinas. Eu me lembro que a gente trabalhou por um
tempo com [...] o MTST19 lá em Brasília, numa ocupação cultural que era com
os artistas que estavam pleiteando espaço para [...] de morar e de trabalho.
Eu me lembro também das vezes que a gente ia na estrutural, que era uma
comunidade lá em Brasília, bem [...] com vários problemas, né? E em uma
situação bem assim [...] cheia de absurdos, né? E [...] que mais? Acho que é
isso, toda vez que a gente saia era uma experiência boa. E principalmente na
FeNEA [...] na FeNEA a gente tinha [...] o SeNEMAU que eram os seminários
de escritórios modelos. Então, a gente via [...] uma infinidade de formas [...]
de trabalhar, que os escritórios modelos faziam, né? Eu acho que [...] lá em
Belo Horizonte também, as experiências do pessoal de Belo Horizonte e lá de
Porto Alegre foram assim [...], experiências que eu achava interessante, que
me provocava [...] chegava de volta a Brasília com a cabeça cheia de ideias
[...]
Como suas referências nas práticas de ensino, P.E. apontou, além de Paulo Freire e sua
metodologia de aprendizagem por problematização, alguns professores que traziam
questões de dimensão política para a prática da Arquitetura e Urbanismo e, ainda, a
figura de seus próprios pais, que são professores. Considera instigante o modelo de
ensino da Escola de Ponte, em Portugal, que busca romper com a estrutura de currículo
fechado e propõe a formação a partir dos interesses individuais de cada aluno. Nesse
sentido, P.E. faz uma crítica ao excesso de tutela na formação de arquitetos na UnB;
afirma que a instituição tinha inicialmente um projeto de maior autonomia, mas que,
apesar de toda a teoria, os docentes não avançam nessa prática.

4 A EXPERIÊNCIA DAS ENTREVISTAS


O quadro esquemático, apresentado a seguir (Quadro 2), surgiu como mais uma
metodologia que pudesse auxiliar na compreensão do experimento proposto para essa
investigação. Unindo-se a estrutura sugerida para as entrevistas individuais, são
dispostos momentos chave sobre a visão de cada entrevistado, relativa à pergunta
elaborada previamente. A primeira observação geral do grupo foi, sobre como cada um
dos objetos em análise, rebateu a essa estrutura de maneira subjetiva e única.

16
Seminário Nacional de Escritórios Modelos de Arquitetura e Urbanismo.
17
Seminário Regional de Ensino.
18
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil.
19
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 279

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Quadro 2 – Esquema de interposição-síntese Entrevista/ Entrevistados


ENTREVISTAS
A.B. A.G. P.E.

TRAJETÓRIA PESSOAL

Qual foi/é sua trajetória?


Foi uma trajetória orgânica que veio Trajetória acadêmica que se iniciou Busca por experiências extraclasse,
da prática de estudar junto por em universidades privadas e, só após perceber o engessamento do
meio de grupos abertos. depois, na universidade pública. currículo.
Quais são suas referências?
Família de professores, mas "Veio da universidade, veio da Tem pais professores. Citou
desenvolveu uma forma de ensinar minha vivência universitária, do também a Escola da Ponte, em
na tentativa e no erro. movimento estudantil...". Citou Portugal, e Paulo Freire.
Arquitetura Nova e Rodrigo Lefèvre.
A ideia de ensinar, como surgiu?
Por contingência. Desde a graduação, sempre foi um A busca por outros meios de ensino-
plano. aprendizagem surgiu ao longo da
graduação, e em contato com a
Federação de Estudantes.
Para além da sala de aula, onde você já levou o seu espaço de ensino?
Como foi essa experiência?
Acredita ser o oposto; as Para a “cidade real”. Teve Experiência no escritório modelo
experiências externas são levadas experiência com cooperativa de Casas, atuando com pessoas reais,
para a sala de aula. resíduos sólidos, assentamentos em comunidades e com
rurais e escolas, por exemplo, por movimentos sociais e estudantil e,
meio da extensão e de disciplinas hoje, na atuação política.
regulares.
APRESENTAÇÃO DO GLOSSÁRIO / PENSAMENTO CRÍTICO

Se identificou com o glossário?


Não me identifiquei. Não gosto de rótulos. Sim, tem tudo a ver.
Houve algum momento de crise na educação?
Em todo o tempo, com a instituição "A coisa da docência é essa coisa de Ao notar o descolamento da
escolar. você estar em crise permanente." realidade presente na Arquitetura e
Urbanismo.
Quais as emergências (dificuldades/desafios) na prática de ensino?
A sala de aula é um péssimo lugar Combater "essa coisa do A falta de estrutura e apoio na
para nascer coisas. A palavra escola produtivismo, do empresariado" de Universidade para essas práticas
vem de um termo grego que dentro do sistema. Vê como uma pedagógicas.
significa ócio, tempo livre. E a escola emergência a necessidade de
institucionalizada é o oposto disso. reconhecer nas diversidades do
país.
Fonte: Elaborado pelo Autor

No caso de A.B. sua intenção se fez notar por um certo estranhamento das palavras
contidas no glossário, assim como um movimento de tentar se desvencilhar das ideias
pontuadas, muitas vezes se autodenominando um profissional informal do ensino.
Concomitantemente, A.G. diz possuir um problema sério com rótulos, problematizando
a falta de autonomia existente cada vez mais dentro do ensino universitário, deixando
claro a importância da pluralidade de referências para a formação da análise crítica do
que ela intitula uma boa arquitetura. P.E. se mostrou mais favorável a se reconhecer
dentro das palavras apresentadas, talvez pelo fato de possuir uma vivência profissional
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 280

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

ligada ao poder legislativo e participativo, o que de uma certa forma auxilia na


ramificação e o seu reconhecimento em meio a esse léxico.
Outro ponto em comum de todos os entrevistados é relacionado ao dinheiro como
barreira na construção do conhecimento livre. Problemas de infraestrutura, relativos à
crise sanitária da COVID-19 também foram apresentados como imposições a uma forma
de ensino unilateral e a evidenciação das diferenças abissais existentes dentro da
sociedade brasileira.
No mais, acreditamos que a experiência nos serviu para evidenciar e ampliar as
discussões, fomentando outras inquietações que vão além de um momento único
dentro da história do ensino de arquitetura.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
"Professores que têm uma visão de educação democrática admitem que o
aprendizado nunca está confinado a uma sala de aula institucionalizada."
Bell Hooks, 2019

Consideramos como inevitável a ampliação das discussões sobre o ensino universitário,


mais precisamente o de Arquitetura e Urbanismo. Sabemos que a discussão ultrapassa
momentos de crises e locais de ação, e reconhecemos a necessidade de a docência
universitária responder às questões sociais da realidade brasileira, para além daquelas
relativas à emergência sanitária que vivemos no momento. Nesse sentido, e em
consonância com a questão inicial, compreendemos que as instituições educacionais
não deveriam se fechar em questões acadêmicas, mas têm cunho estratégico e prático
no cenário brasileiro. Tal importância se amplia ainda mais se considerado o avanço
neoliberal sobre a tríade ensino-pesquisa-extensão que, frente a um consequente
processo de padronização, atua pela alienação dos indivíduos de seu posicionamento
crítico libertário.
Talvez a esperança de um futuro mais humano dependa em grande parte da
capacidade de ressuscitar promessas mortas prematuramente para
incorporá-las aos nossos projetos, não para repetir o passado, mas para
construir um futuro que não seja apenas a reiteração do presente. Porque
somente uma ação política e cultural articulada pela memória histórica pode
criar condições para que possamos nos opor ao estabelecido e ao que está
em vias de se estabelecer. A atitude de oposição vai-se tornando cada vez
mais difícil quanto mais a liberdade vai sendo ajustada aos padrões de
eficiência individual e produtividade organizada (E Silva, 2014, p.148).

Ao final do trabalho, após realizarmos o movimento das entrevistas com agentes que
atuam em diferentes setores do universo educacional, compreendemos que hoje em
dia, em meio ao cenário de individualização extrema, estas práticas insurgentes se
pautam por diálogo, reconhecimento da alteridade e construção de relações-
interpessoais. Esse movimento vai em direção da dialogicidade, apontada por Freire
(2015) enquanto exigência da natureza humana e um reclamo da opção democrática do
educador, absolutamente indispensável ao processo de conhecimento. Não
consideramos o uso do termo insurgentes como uma adjetivação ou categorização
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 281

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

estilística das práticas, mas como atitude crítica consciente, com significado específico
para cada contexto aplicável. Isso porque, os entrevistados A.B. e A.G., com maior
experiência no ambiente de sala de aula, demonstraram não considerar suas práticas
como “insurgentes”, enquanto P.E., com vivência mais próxima de movimentos sociais
e ambientes de aprendizagem outros, demonstrou aderência a perspectivas do glossário
apresentado.
Além disso, de modo a abrir uma chave para futuros desdobramentos deste trabalho,
passamos à uma análise crítica de pontos que poderiam ter sido trabalhados. Uma
dimensão que não foi contemplada nas entrevistas e que merece melhor
aprofundamento seria a visão acerca do futuro da universidade. Consideramos ainda
que, no âmbito da entrevista, a concentração nas experiências relativas ao ambiente
docente, ao invés de trabalhar a partir da ótica do ensino-aprendizagem como um
sistema mais amplo, limitou as possibilidades de resposta dos entrevistados. Ainda
assim, a entrevista semiestruturada possibilitou um rearranjo que contemplasse as
diferentes atuações individuais.

6 REFERÊNCIAS
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toyotista. São Paulo: Cortez, 2017.
CHAUÍ, Marilena. A universidade operacional. Avaliação: Revista Da Avaliação Da Educação Superior, v. 4 n. 3
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FREIRE, Paulo. Ação cultural: Para a liberdade e outros escritos. Editora Paz e Terra, 1982.
______. O desafio educacional. São Paulo: Cortez & Editores Associados, 1989.
______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários às práticas educativas. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
______. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2020.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: CLACSO (Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales), 2005.
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 282

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

A integração do conceito de sustentabilidade no ensino de


arquitetura e urbanismo: uma sistematização da literatura

Joana D’arc P. de BARROS


UFES; joana.barros@edu.ufes.br
Cristina E. de ALVAREZ
UFES; cristina.engel@ufes.br

RESUMO
Com os desafios oriundos da pandemia da Covid-19 e das mudanças climáticas fica evidente que a
promoção do desenvolvimento sustentável é imprescindível. Dentre as atividades humanas que mais
impactam o meio ambiente está o setor da construção civil que tem contribuído para o agravamento de
problemas ambientais, sociais e econômicos. Nesse sentido, percebe-se que os projetistas das edificações
nem sempre utilizam princípios de sustentabilidade devido a uma formação acadêmica deficitária. Esta
pesquisa teve como objetivo realizar uma revisão de literatura acerca de como o conceito de
sustentabilidade tem sido abordado nos cursos de Arquitetura e Urbanismo. Para isso, foram realizadas
pesquisas nas bases de dados Scopus e Web of Science, na plataforma Periódicos Capes e nos Cadernos
ABEA. Os resultados obtidos foram de 1013 títulos, e a partir da aplicação de critérios de seleção
previamente definidos – como duplicação, ou não diretamente relacionado ao objetivo da pesquisa, -
foram considerados para análise 328 artigos. As produções demonstram que a integração da
sustentabilidade ao ensino de arquitetura é um desafio que precisa ser trabalhado nas instituições de
ensino por meio de uma maior integração entre as disciplinas, uso de diferentes metodologias e
ferramentas de ensino e ambientes de aprendizagem com infraestrutura adequada.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de arquitetura, sustentabilidade, ateliê de projeto

1 INTRODUÇÃO
Os desafios globais que a sociedade vem enfrentando, dentre elas, a pandemia da Covid-
19 e os impactos das mudanças climáticas, reforçam a essencialidade e a urgência na
promoção de ações que levem ao desenvolvimento sustentável, cuja base conceitual
estabelecida há mais de três décadas através da publicação do relatório Our common
future (WCED, 1987) ainda permanece atual.
Desde a década de 90 do século passado, o conceito de sustentabilidade vem sendo
discutido. Ferramentas estratégicas como a Agenda 21 (UNCED, 1992), Agenda 2030
(ONU, 2015), Educação para o Desenvolvimento Sustentável para 2030 (UNESCO, 2017),
entre outros, têm estabelecido diretrizes ou metas que auxiliam na busca pela
sustentabilidade nas dimensões ambiental, econômica e social.
O setor da construção civil desempenha papel relevante nesse cenário, visto que,
impacta significativamente os recursos naturais, a economia e o bem-estar da população
(SACARRO, 2016). Segundo a United Nations Environment Programme, em 2019, os
edifícios responderam por cerca de 35% do consumo de energia e 38% das emissões de
CO2 (UNEP, 2017).
Assim, percebe-se a necessidade de que os profissionais projetistas sejam capazes de
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planejar construções mais sustentáveis. Porém, faltam profissionais que dominem


técnicas e tomem decisões projetuais alicerçadas nas premissas da sustentabilidade. Isso
pode ocorrer em virtude de que o conhecimento sobre a temática não é obtido de modo
satisfatório na graduação sendo, por vezes, necessário que sejam realizados cursos de
especialização ou pós-graduação para maior aprofundamento do conhecimento que
deveria ser básico (PEGORETTI, WALDETARIO, ALVAREZ, 2016).
Investir em estudos sobre a sustentabilidade na construção civil pode auxiliar na redução
dos impactos ambientais, sociais e econômicos. A Resolução Nº 2, de 17 de junho de
2010, que estabelece diretrizes pedagógicas para cursos de graduação em arquitetura e
urbanismo, afirma que a proposta pedagógica deve capacitar os profissionais a
executarem projetos mais sustentáveis (BRASIL, 2010).
Na graduação em arquitetura e urbanismo as disciplinas de ateliê de projetos são
denominadas como a espinha dorsal (FRANÇA, GUEDES, CARVALHO,2019); o coração do
curso (AL-HAGLA, 2012); ou ainda a piscina na qual outros conteúdos da formação se
dissolvem (EL-FEKI, KENAWY, 2017), visto que é nela que os alunos podem, de modo
prático, aplicar os conteúdos teóricos das demais disciplinas cursadas durante a
graduação.
Como parte de uma pesquisa maior que proporá instrumentos de ensino que auxiliem
na promoção do conceito de sustentabilidade no ensino de projeto de arquitetura, o
objetivo desse artigo é apresentar os resultados obtidos na revisão literária sobre a
temática, desenvolvida para possibilitar a compreensão de como o conceito da
sustentabilidade tem sido abordado e integrado ao ensino de arquitetura e urbanismo,
especialmente nas disciplinas de ateliê de projeto, no período de 2012 – ano em que
aconteceu a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(Rio+20) – a 2021.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este artigo se trata de uma pesquisa exploratória realizada por meio de uma revisão de
literatura (GIL, 2017). Primeiramente, foi realizada a definição dos termos, descritores e
combinações que seriam utilizadas baseando-se no objeto de estudo. Após isso, as
palavras-chave com combinações diferentes (Tabela 1), foram inseridas na base de dados
Scopus (com a opção de pesquisa Article Title, Abstract, Keywords) e na Web of Science.
Considerando que a pesquisa com as palavras-chave em inglês abriu um grande leque
de publicações e que o tema possui um interesse maior no âmbito nacional, definiu-se
como recorte da busca somente as combinações em português na plataforma Periódicos
Capes, com refinamento para periódicos revisados por pares. Considerando ainda a
importância do tema no âmbito da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e
Urbanismo (ABEA), foram também considerados os artigos publicados nos Cadernos
ABEA e que continham no título, resumo ou palavras-chave, o termo sustentabilidade.
O recorte temporal foi de 2012 a 2021, o que gerou um resultado total de 1013 títulos.
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Tabela 1 - Termos, combinações e resultados das pesquisas nas bases de dados Scopus e Web of Science e na
plataforma Periódicos Capes
Termos Combinações Total de resultados Publicações
consideradas
1.teaching AND sustainability AND architecture AND Scopus = 107
design
Teaching Web of Science = 199
1. ensino AND sustentabilidade AND arquitetura AND
Periódicos Capes =
projeto
176
Sustainability
2. teaching AND education AND sustainability AND Scopus = 82
architecture AND design
Web of Science = 149
Architecture
2. ensino AND educação AND sustentabilidade AND
Periódicos Capes =
arquitetura AND projeto
127
Design
3. “architecture teaching” AND sustainability AND Scopus = 0
design
Web of Science = 3 321
Education 3. “ensino de arquitetura” AND sustentabilidade AND
projeto Periódicos Capes = 4

4. ("architecture teaching" OR "architectural Scopus = 74


Architecture
education") AND sustainability AND design
teaching Web of Science = 68
4. (ensino de arquitetura” OR “educação em
arquitetura”) AND sustentabilidade AND design Periódicos Capes = 2
Architectural
5. "design teaching" AND sustainability AND
education Scopus = 3
architecture
5. “ensino de projeto” AND sustentabilidade AND Web of Science = 10
Design arquitetura Periódicos Capes = 2
teaching

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Os resultados obtidos foram organizados no software EndNote para eliminar as


duplicações e facilitar a análise dos artigos. Com isso, foi realizada uma avaliação de
conteúdo, sendo selecionados para esse trabalho apenas aqueles que tem relação direta
com a temática, ou seja, que abordassem sobre ensino de arquitetura, ou áreas afins
como engenharia, integrado com princípios de sustentabilidade. A partir do
atendimento a esse primeiro critério, foram selecionados aqueles que continham
abordagens pedagógicas, métodos de ensino e/ou análise de currículos de instituições
de ensino. Assim, um total de 328 artigos foram considerados para a análise final.
Para o efetivo entendimento da evolução das publicações ao longo do tempo, os artigos
foram inicialmente organizados por data com demonstração através de gráfico, sendo
também, realizada a quantificação de artigos que tinham pelo menos 1 autor ligado a
instituição por país, visando uma demonstração territorial da importância dada ao tema.
Além disso, foram identificadas as principais metodologias ou abordagens pedagógicas
indicadas visando contribuir para as atividades de outros pesquisadores, sejam eles
discentes ou docentes. A Figura 1 apresenta uma síntese do processo metodológico
adotado.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 285

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Figura 1 - Fluxograma das etapas metodológicas

Fonte: Elaborada pelas autoras.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os dados obtidos proporcionaram um panorama das pesquisas relacionadas a
integração do conceito de sustentabilidade ao ensino de arquitetura e urbanismo no
período de 2012 a 2021. O total de publicações resultou em 1013 títulos, sendo que,
após a retirada das duplicações e passando pelos critérios definidos nos procedimentos
metodológicos, 328 artigos foram considerados nesse trabalho.
Analisando quantitativamente os resultados, percebe-se que as pesquisas realizadas nas
bases de dados Scopus e Web of Science tiveram maior número de publicações
relacionadas ao objeto desse estudo, totalizando 312 artigos. Os resultados, conforme o
Gráfico 1, demostram que o ano com maior número de publicações nas mesmas foi 2020
(49 artigos), ano marcado pela pandemia da Covid-19 e, talvez, pela ênfase na
necessidade de produção de novos conhecimentos sobre o tema.
Gráfico 1 - Número de publicações por ano nas bases de dados Scopus e Web of Science

Fonte: Elaborado pelas autoras.


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Observa-se que há um pequeno decréscimo no ano de 2021 em relação a 2020 que pode
ser desconsiderado em função da pesquisa ter se encerrado antes do término do ano.
Nas bases de dados Scopus e Web of Science apenas 4 artigos tinham autores vinculados
a instituições brasileiras. Isso justificou a pesquisa com termos em português na
plataforma Periódicos Capes – 9 artigos foram considerados – e, na adição, a pesquisa
nas publicações vinculadas à ABEA, onde 7 artigos foram considerados.
Outra análise realizada foi em relação a quantidade de artigos com pelo menos 1 autor
ligado a instituições de determinado país, conforme demonstrado na Figura 2. Como
mencionado anteriormente, um dos países que tiveram menos artigos com autores
ligados a instituições nacionais na Scopus e na Web of Science foi o Brasil e, o maior, os
Estados Unidos. No entanto, importantes países da Comunidade Europeia, como
Espanha, Itália e Turquia, também apresentam uma significativa produção.
Figura 2 - Número de artigos com pelo menos 1 autor ligado a instituições de cada país

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Analisando-se o conteúdo dos artigos, pode-se afirmar que a integração da


sustentabilidade ao ensino de arquitetura e urbanismo ainda é um desafio. Isso pode
ocorrer devido à falta de formação, conhecimento, consciência e envolvimento de
alunos e professores; restrições financeiras; fragmentação das disciplinas; estrutura
física deficitária da instituição de ensino; falta de planejamento e de uma comissão
responsável que insira a temática no processo de ensino (ANDRADE et al., 2018).
Com relação as abordagens pedagógicas e aos métodos ou ferramentas de ensino não
há um consenso sobre qual ou quais devam ser utilizadas. O que se observa é que os
autores têm utilizado uma diversidade de metodologias de ensino, especialmente, nas
disciplinas que envolvem diretamente o exercício da concepção projetual, como o ateliê
de projeto.
Dentre as atividades de ensino mais realizadas nas disciplinas estão as aulas teóricas,
palestras com convidados, workshops, visitas in loco, seminários com pesquisas
desenvolvidas pelos próprios alunos, oficinas, simulações em softwares, mapas mentais
e o próprio desenvolvimento de projetos orientados por professores (GAWAD,2020;
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 287

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DABAIEH; MAHDY; MAGHID, 2018; HENGRASME; CHANSOMSAK, 2016; ZANIN; ARAÚJO;


MODLER, 2015; OUTTES, 2014).
As principais abordagens pedagógicas ou metodologias de ensino encontradas foram:
research based learning ou aprendizagem baseada em pesquisa (MARTÍN-GARIN et al.,
2021), project based learning ou aprendizagem baseada em projeto (MARTÍN-GARIN et
al., 2021; JUGDE et al., 2020; SONETTI; BARIOGLIO; CAMPOBENEDETTO, 2020; BENNER;
MCARTHUR, 2019), problem based learning ou aprendizagem baseada em problemas
(ZHONG; CHIU; LAI, 2020; SHAREEF; FARIVARSADRI, 2020; DOMÍNGUEZ-AMARILLO;
FERNANDEZ-AGUERA; FERNANDEZ-AGUERA, 2018), blended learning ou aprendizagem
híbrida (REGUEIRO et al., 2019; JOKLOVÁ; PIFKO, 2015), evidence based design ou
projeto baseado em evidências (MCWILLIAM et al., 2020), research through design ou
projeto baseado em pesquisa (CISEK; JAGLARZ, 2021; MCWILLIAM et al., 2020),
experience based learning ou aprendizagem baseada em experiência (MILOVANOVIC,
2020), game based learning ou aprendizagem baseada em jogos (SHAREEF;
FARIVARSADRI, 2020; HAZAR; ADAMO-VILLANI, 2014; LIRA, 2017), scenario based design
ou projeto baseado no cenário (LÜLEY; PIFKO; ŠPAČEK, 2019), e learning through doing
ou aprendizagem por fazer (DABAIEH; MAHDY; MAGUID, 2018).
Ainda a respeito do ensino de sustentabilidade integrado ao ensino de arquitetura e
urbanismo é citado o EDUCATE (Environmental Design in University Curricula and
Architectural Training in Europe) que identificou 5 modelos de estrutura curricular mais
utilizados, conforme a Figura 3 (EDUCATE, 2012).
Figura 3 – Modelos de estruturas curriculares de ensino de sustentabilidade em cursos de arquitetura e urbanismo

Fonte: Adaptado de EDUCATE, 2012.

Com relação a integração das disciplinas; os autores demonstram que os resultados de


unir os conhecimentos de outras disciplinas da grade curricular dos cursos de graduação
são benéficos para a formação acadêmica dos futuros profissionais projetistas (PIRES;
SILVEIRA; FIALHO, 2016; ANDRADE, et al., 2014).
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Kowaltowski et al. (2019) destacam a importância de uma estruturação de ensino de


projeto que utilize metodologias e ferramentas diversas que abordem princípios
norteadores de sustentabilidade, principalmente devido à imaturidade dos estudantes
iniciantes. Assim, o ensino de sustentabilidade pode ser realizado a partir da utilização
dos indicadores propostos nas ferramentas reconhecidas de certificação ou de avaliação
de sustentabilidade em edificações como, por exemplo, Leadership in Energy and
Environmental Design (LEED), Building Research Establishment Environmental
Assessment Method (BREEAM); Life Cycle Assesment (LCA), Sustainable Building Toll
(SBTool), entre outros, para que os alunos aprendam e utilizem em seus projetos
princípios, técnicas e estratégias de sustentabilidade.
Outro fator importante é que a infraestrutura das instituições de ensino, especialmente,
os ambientes de aprendizagem, devem ser adequados de acordo com os princípios de
sustentabilidade gerando bem-estar e aumentando a produtividade dos usuários
(MIRMORADI, 2020; LÓPEZ-CHAO; LORENZO; MARTIN-GUTIÉRREZ, 2019; VARGAS,
2016).
Assim, percebe-se que as principais estratégias consideradas para a efetiva inserção do
conteúdo de sustentabilidade no ensino de arquitetura e urbanismo são: a união de uma
abordagem pedagógica em que haja integração entre as disciplinas e torne o aluno um
sujeito ativo no processo de aprendizagem; utilização de diferentes metodologias e
ferramentas de ensino que considerem os princípios da sustentabilidade mas que não
limitem o processo criativo dos alunos; e uma estrutura física adequada, que seja
estimulante e exemplificadora para os futuros profissionais projetistas.

4 CONSIDERAÇÕES
Para que seja possível a condução de ações visando o incremento dos temas
relacionados à sustentabilidade no ensino de arquitetura e urbanismo, é fundamental
que se conheça a produção científica sobre o assunto, visando a identificação de lacunas
e, principalmente, os experimentos exitosos ou não. Ao se analisar o conteúdo dos
trabalhos percebe-se que essa integração é uma preocupação na maioria dos países
urbanizados e que se apresenta como um desafio, provavelmente a ser ainda mais
valorizado no período pós pandêmico da Covid-19.
Não há uma concordância em qual abordagem pedagógica ou metodologia de ensino
deve ser utilizada. O que se discute é que a aplicação de diferentes métodos de ensino
que não inibam ou afetem o processo criativo dos alunos pode auxiliar, principalmente
os novos estudantes, a aprenderem novas técnicas e conceitos impulsionando a criação
de repertório e desenvolvimento de projetos mais sustentáveis.
Percebeu-se que, nas bases de dados Scopus e Web of Science e na plataforma Periódicos
Capes, poucas publicações relacionadas ao objeto de estudo, de autores ligados a
instituições brasileiras foram encontradas. Da mesma forma, esperava-se encontrar um
maior número de publicações relacionadas ao tema nos Cadernos ABEA, o que talvez
seja um demonstrativo da necessidade de aprofundamento de estudos relacionados ao
mesmo.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 289

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

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Colonialidade e desenho arquitetônico na natureza amazônica

Ana Carolina Macêdo CARDOSO


Universidade Federal do Amapá; cardosocarolinabo@gmail.com

RESUMO
Este artigo analisa a obra o canteiro e o desenho de Sérgio Ferro e estabelece um vínculo entre a
Colonialidade do Poder, de Aníbal Quijano (2005), a partir da percepção de que a relação de poder descrita
no primeiro teve origem nas instituições coloniais na América Latina. O recorte de estudo se centraliza na
região amazônica por suas particularidades morfológicas e sociais e por apresentar o maior índice
populacional indígena do Brasil. Realiza-se ainda estudos de caso de três referências arquitetônicas no
estado do Amapá – estado em que foi realizada a pesquisa de graduação – e uma experiência pedagógica
no Mato Grosso como forma de ilustrar como a colonialidade do poder incide sobre a percepção das
arquiteturas indígenas e tem pelo desenho uma ferramenta colonial de desqualificação destas.
PALAVRAS-CHAVE: colonialidade do poder, desenho, arquitetura indígena, Amazônia

1 INTRODUÇÃO
Este artigo analisa a obra o canteiro e o desenho de Sérgio Ferro e estabelece um vínculo
entre a Colonialidade do Poder, de Aníbal Quijano (2005), a partir da percepção de que
a relação de poder descrita no primeiro teve origem nas instituições coloniais na
América Latina. O recorte de estudo se centraliza na região amazônica por suas
particularidades morfológicas e sociais e por apresentar o maior índice populacional
indígena do Brasil.
Realizam-se ainda estudos de caso de três referências arquitetônicas no estado do
Amapá – estado em que foi realizada a pesquisa de graduação – e uma experiência
pedagógica no Mato Grosso como forma de ilustrar como a colonialidade do poder
incide sobre a percepção das arquiteturas indígenas e tem pelo desenho uma
ferramenta colonial de desqualificação destas.
O artigo está dividido em duas partes: a primeira discute os aspectos relativos ao
desenho como ferramenta colonialidade do poder, tomando como principais
referências os teóricos Sérgio Ferro (1979) e Aníbal Quijano (2005). A segunda parte
seleciona três referências de arquiteturas amazônicas que evidenciam os saberes
arquitetônicos da região, seus princípios e materialidades, e uma experiência
pedagógica desenvolvida pelo professor José Portocarrero (2018) ao criar uma disciplina
e um projeto de pesquisa específicos para o estudo da arquitetura indígena da região
do Mato Grosso, estado que compreende em seu território faixas do bioma amazônico.
O professor se utiliza de maquetes físicas como estratégia de estudo das arquiteturas
indígenas.
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2 DESENHO ARQUITETÔNICO E COLONIALIDADE


As bases do poder colonial na América foram pautadas na supremacia racial europeia,
na qual a estrutura fenotípica declarava os não-europeus colonizados como
naturalmente inferiores. A qualidade de europeu, até aquele momento indicando
apenas a origem geográfica, passou a evocar também uma identidade racial. Assim,
“raça e identidade foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica
da população.” (QUIJANO, 2005, p. 107).
O mundo a partir de então dominado pela Europa – por meio de ocupações nos
continentes Americano, Africano e Asiático – tomou as experiências subjetivas, a cultura
e a produção de conhecimento e as converteu ao novo padrão mundial da hegemonia
europeia. Aos povos nativos do território ocupado,
[...] reprimiram tanto como puderam, ou seja, em variáveis medidas de acordo
com os casos, as formas de produção de conhecimento dos colonizados, seus
padrões de produção de sentidos, seu universo simbólico, seus padrões de
expressão e de objetivação da subjetividade. (QUIJANO, 2005, p. 111).
Ao cunhar o termo colonialidade do poder, o autor defende que as relações de
colonialidade nas esferas políticas e econômicas não se encerraram com o fim do
período colonial. Desse modo, o saber europeu passa então a representar o centro do
conhecimento, ao passo que os demais saberes são relegados à condição subalterna.
A colonialidade do poder nega qualquer forma de subjetividade cultural e racializa os
povos colonizados com o propósito de justificar e naturalizar sua exploração. Segundo
Quijano (2005),
[...] os povos conquistados e dominados foram postos numa situação natural
de inferioridade, e consequentemente também seus traços fenotípicos, bem
como suas descobertas mentais e culturais. Desse modo, raça converteu-se
no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial
nos níveis, lugares e papeis na estrutura de poder da nova sociedade. Em
outras palavras, no modo básico de classificação social universal da população
mundial. (QUIJANO, 2005, p. 108).
Tais identidades históricas, necessárias à sustentação do domínio colonial, foram
tomadas como naturais, e dessa forma puderam perdurar após a independência dos
estados colonizados. A colonialidade do poder, portanto, indica que a estrutura de
poder posterior à colonização mantém as mesmas estruturas raciais e eurocêntricas que
se construíram no período colonial.
A exploração da América pelos europeus ofereceu-lhes o domínio das relações
comerciais por meio do trabalho gratuito de indígenas e negros escravizados, o que
configurou uma relação de trabalho centrada geograficamente na Europa e socialmente
nos europeus no mundo do capitalismo, e com isso a Europa passou a representar o
centro do “novo mundo” capitalista (QUIJANO, 2005).
A intenção de colonizar o território e explorar suas riquezas encontrava o obstáculo das
populações nativas, ao mesmo tempo que sua condição de suposta inferioridade abria
espaço à instituição de uma nova classe a ser explorada. Logo, foi necessário articular
uma estrutura social que justificasse e legitimasse o domínio europeu sobre o novo
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mundo recém inventado. Com isso, a sociedade colonial se fundamentou em uma


polaridade entre os indivíduos mais evoluídos – europeus – e os menos evoluídos –
indígenas.
Como ocorre com todas as formas de comunicação, a linguagem modifica sensivelmente
o sentido, de modo que as informações arquitetônicas transmitidas pelo desenho
alteram a leitura sobre a arquitetura. Admite-se a necessidade do desenho em diversos
contextos, entretanto contesta-se o seu uso indiscriminado e de caráter exclusivo como
ferramenta de projeto dentro dos currículos, dando margem a convenções que
desconsideram arquitetura aquilo que não passa pelo desenho.
Baltazar (2020) aponta o desenho como uma linguagem cuja escrita e leitura exigem
conhecimentos especializados, desenvolvidos por uma formação acadêmica e orientam os
demais processos como seguimento à denúncia de Ferro (1979) sobre o caráter normativo do
desenho, portanto procura-se com este trabalho adentrar os saberes contidos na arquitetura
para além do desenho, a partir de sua omissão, elaborando como estudo de caso as arquiteturas
indígenas que não partem do desenho para sua materialização.
A principal modalidade econômica na região amazônica corresponde à circulação de
matérias primas exportadas e de bens de produção e consumo importados (BECKER,
2013), o que orienta seus fluxos urbanos e rurais e confere ao espaço uma morfologia
que se assemelha aos demais núcleos urbanos das cidades capitalistas.
A urbanização da Amazônia, como nas demais cidades brasileiras, já nasce como uma
iniciativa colonizadora, mas no caso amazônico esse caráter se acentua a partir do
século XX, por meio do incentivo governamental ao fluxo migratório para a região. Como
promessa de crescimento acelerado e exploração de recursos naturais, a Amazônia,
nesse contexto, passa a exibir mais expressivamente características observáveis em
diversos centros urbanos ao redor do mundo sob o modelo urbano-industrial do sistema
capitalista, como ressalta Ailton Krenak (2019)
Os grandes centros, as grandes metrópoles do mundo são uma reprodução
uns dos outros. Se você for para Tóquio, Berlim, Nova York, Lisboa ou São
Paulo, verá o mesmo entusiasmo em fazer torres incríveis, elevadores
espiroquetas, veículos espaciais… parece que você está numa viagem com o
Flash Gordon. Enquanto isso, a humanidade vai sendo descolada de uma
maneira tão absoluta desse organismo que é a terra. Os únicos núcleos que
ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que
ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas
beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras,
índios, quilombolas, aborígenes — a sub-humanidade. (KRENAK, 2019, p.17)
A peculiaridade morfológica da Amazônia, orientada por fatores ambientais, históricos
e sociais, reveste o espaço amazônico de profunda heterogeneidade, não podendo,
dessa forma, ser negligenciada à medida que se desenvolvem políticas públicas
destinadas ao desenvolvimento urbano e regional da Amazônia, pois a cidade é
composta de variados sujeitos.
A ideia de modernidade eurocêntrica fundada na colonização estabelece a ideia de
estado de natureza como
[...] ponto de partida do curso civilizatório cuja culminação é a civilização
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europeia ou ocidental. Desse mito se origina a especificamente eurocêntrica


perspectiva evolucionista, de movimento e de mudança unilinear e
unidirecional da história humana. Tal mito foi associado com a classificação
racial da população do mundo. (QUIJANO, 2005, p. 127).
A composição racial da região evidencia a predominância da população não-branca,
sendo a população parda a de maior expressividade numérica (tabela 1). A proximidade
com o estado de natureza, em geral atribuído aos povos não europeus, os posicionava
em uma condição de inferioridade diante do poder colonial.
Tabela 1 – Composição racial do Brasil, Norte e Amapá

Região Cor ou raça


Branca Preta Parda Indígena Amarela
Brasil 47,73% 7,61% 43,13% 0,43% 1,09%
Norte 23,45% 6,44% 66,89% 1,93% 1,09%
Amapá 23,97% 8,71% 65,23% 1,11% 0,99%
Fonte: Elaborado pela autora (2022), a partir de IBGE (2010)

Dessa forma, quanto mais distante do estado da natureza, mais evoluído, criando a ideia
de natureza como algo a ser superado ou conquistado, desvinculando a natureza da
ideia de civilização. De fato, Bertha Becker (2013) sinaliza para a emergência dos núcleos
urbanos na região amazônica como o estopim para a exploração do território, o que
demarca que a urbanização da Amazônia garantiu a exploração e permanência dos
colonizadores:
Cumpre ressaltar uma importante característica da Amazônia que tem
expressão em seus pequenos núcleos. Nessa economia regional comandada
de fora, a cultura e o saber indígena e caboclo permaneceram, em grande
parte, dissociados dos grandes movimentos de transformação. Constituem
um contingente diferenciado e historicamente resistente da população com
atividades e urbes específicas. (BECKER, 2013, p.47).
Segundo a autora, a ocupação do território pelos colonizadores se deu a partir da
implantação de núcleos urbanos que embora pequenos nas suas fases iniciais, tinham o
caráter simbólico de estabelecimento de um poder sobre o território e garantia as
posteriores explorações em busca de riquezas e mão de obra escravizada.
Foi possível a partir do estabelecimento dos primeiros núcleos urbanos o maior controle
sobre o território colonizado através do meticuloso registro de suas variáveis por meio
de cartas e desenhos como suas principais ferramentas. Embora não se debruce
especificamente sobre o tema da colonialidade, Ferro (1979) descreve as relações no
canteiro de obras como heterônomas, sendo lugar de reprodução de normas
previamente estabelecidas, o que pode não só descrever relações de trabalho livre
como também os processos de escravização a que foram submetidos os povos
originários do território. Assim,
O canteiro é heterônomo. Sua determinação vem de fora. O objeto a realizar,
o modo de realização, o tempo de realização, são impostos à produção
imediata. Consequência, entre outras, da separação entre meios e força de
trabalho, entre vontade e ação, entre finalidade aparente e a eficaz. (FERRO,
1979, p. 48).
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Tanto as relações no canteiro como a própria forma de produzir e interpretar a


arquitetura foram reformuladas após a instituição do poder colonial, visto que a cisão
entre trabalho intelectual e trabalho material fragmenta os processos entre o processo
projetual, construção e uso em diferentes agentes, e não implica necessariamente a
convergência entre estes.
Dessa forma, compreende-se que a urbe amazônida ao mesmo tempo em que é
produzida por forças externas a partir do processo de exploração e colonização que deu
origem aos centros urbanos, não se deve deixar de considerar a espacialidade própria
da população nativa da região. Embora Becker (2013) se concentre nos aspectos do
desenvolvimento regional amazônico, a premissa de que os grandes movimentos de
transformação ocorrem dissociados das populações nativas evidencia o caráter exógeno
– e colonial – da sua urbanização.
Os componentes aparentemente externos à arquitetura, mas que são comportados por ela e
dela indissociáveis, são dela constituintes, portanto, é de pertinência dos profissionais sua
investigação, ainda que destes não resulte um projeto ou desenho. Nesse contexto, é válido
considerar para o estudo da arquitetura indígena também os aspectos paisagísticos e de cultivo,
visto que estes não só se relacionam diretamente com as práticas construtivas desses povos e
de onde obtém seus materiais de construção, mas há também a percepção de que não se pode
dissociar seus aspectos sociais, paisagísticos e arquitetônicos.
A divisão social do trabalho entre a cidade e o campo corresponde à
separação entre o trabalho material e o trabalho intelectual e, por
conseguinte, entre o natural e o espiritual. À cidade incumbe o trabalho
intelectual: funções de organização e de direção, atividades políticas e
militares, elaboração do conhecimento teórico (filosofia e ciências).
(LEFEBVRE, 2016, p. 39).
O raciocínio de Lefebvre se repete também em Ferro (1979) e Baltazar (2020), que ressaltam o
desenho como principal ferramenta, na arquitetura, de cisão entre o trabalho material e o
trabalho intelectual. Nesse caso, se o desenho corresponde ao trabalho intelectual, sua omissão
implica no imaginário dos profissionais e estudantes que arquiteturas sem desenho não
apresentam trabalho intelectual compatível ao desenvolvido pela linguagem do desenho.
Entretanto, uma de suas [do desenho] funções é segregar – o que ajuda a
explicar sua manutenção. Código é coisa de comunicação, mas também de
exclusão. [...]. Uma das camadas do privilégio de arquitetos e engenheiros
provêm do fato que guardam a totalidade das informações e ordens que são
codificadas. [...]. E a posse das chaves para qualquer decodificação é a garantia
“intelectual” para sua posição. (FERRO, 1979, p. 38)
Nesse contexto, Castro-Gomez (2005) evoca o pensamento de Beatriz González Stephan que
estabelece a gramática, os manuais de urbanidade e as constituições como práticas
disciplinares, ressaltando a escrita como denominador comum a partir do qual se institui um
projeto civilizatório cuja contrapartida são os povos indígenas sem escrita, vinculando-os à ideia
de barbárie e primitivismo. Paralelamente, no âmbito da arquitetura pode-se considerar que a
linguagem escrita se materializa por meio do desenho, exibindo o mesmo caráter civilizatório a
partir da segregação entre o intelecto e a materialidade.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 297

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3 PRINCÍPIOS ARQUITETÔNICOS NATIVOS DA AMAZÔNIA


Na região amazônica uma das mais marcantes tecnologias indígenas são as casas de farinha,
visto que o cultivo da mandioca está presente nessas populações desde pelo menos 5.000 a.C.
(PEREIRA; VERÍSSIMO, 2020), e essas instalações demonstram a transmissão de conhecimentos
milenares na forma de manejar suas centenas de subprodutos. No Amapá as casas de farinha
estão presentes em diversas aldeias indígenas e apresentam o nome de kahbe para os Karipuna,
kahbe platin para os Galibi-Marworno, pawkayga ou payt adahan kaneg para os Palikur, e tapuí
para os Galibi Kali’na (IEPÉ; KUAHÍ, 2011).
Em geral a casa de farinha é construída sem paredes, com estrutura de madeira coberta com
palhas de ubim, buçu, olho de inajá ou buriti, com chão de terra batida (IEPÉ; KUAHÍ, 2011).
Deve ser posicionada próxima a um rio ou igarapé, para que seja possível lavar a mandioca e
utilizar sua água para as preparações diversas do processo.
Figura 17 - Instalação de Casa de Farinha no Museu Sacaca, Macapá-AP

Fonte: Informando e educando, 2012. Disponível em: https://informandoeeducando.blogspot.com/2012/04/visita-


ao-museu-sacaca.html. Acesso em: Fev. 2022.

Após a primeira colheita, a mandioca pode ser colocada na água com casca ou descascada, e no
dia seguinte colhe-se mais mandioca que será descascada e ralada. Da mandioca ralada, mistura-
se água e isso faz com que o amido da mandioca decante e se transforme posteriormente em
goma de tapioca. A água, após fermentada, descansada e fervida, transforma-se no tucupi.
Para fazer farinha, mistura-se mandioca puba – ou carimã – mandioca que fermentou após
descansar na água – e mandioca ralada. A mistura é então colocada no tipiti, para ser espremida
até soltar todo o seu líquido e sobrar apenas o resíduo sólido, que será torrado no forno de
pedra.
Para além dos subprodutos extraídos da mandioca e a complexidade e refinamento dos
processos realizados nas casas de farinha, outras as atividades manuais podem ser observadas
também em outros elementos, pois são utilizados no processo instrumentos e utensílios de
palha, como peneiras, o tipiti, instrumento de palha confeccionado para secagem da mandioca
e extração do tucupi (figura 3), sendo um importante exemplo de construção de conhecimento
refinada e intergeracional que não utiliza o desenho para ser transmitido.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 298

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Figura 18 - Movimento do tipiti para espremer mandioca

Fonte: Autora, 2022.

O povo Wajãpi reside na fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa, no parque


Montanhas do Tumucumaque, na Terra Indígena Wajãpi (GALLOIS, 2009). A autora
descreve a arquitetura Wajãpi por suas particularidades e enfatiza que estudar
arquitetura indígena não deve se tratar de buscar apenas “uma ‘fonte’ ou ‘inspiração’,
mas sim um paradigma, buscando sempre entender os ciclos culturais-ecológicos que a
compõem” (GALLOIS, 2009, p. 8).
Os percursos pelo território garantem a manutenção do modo de vida do povo Wajãpi.
Em entrevista registrada no livro Wajãpi Rena, Seki Wajãpi relata seu modo de
organização socioespacial:
Nós não fazemos uma roça nova num lugar onde já fizemos roça antes. A roça
nova é num lugar novo. Os colonos, na Perimentral, não são assim, derrubam
sua roça todos os anos no mesmo lugar para criar capim e gado. Por isso, ali,
nunca mais cresce a mata, é só campo. (GALLOIS, 2009, p. 21).

A importância de possibilitar que a floresta possa se reconstituir após sua ocupação


apresenta uma relação mútua em que, por um lado tal entendimento garante a
manutenção do seu modo de vida, por outro a sobrevivência da floresta se mantém pela
forma como se organizam esses povos. Com o calendário sazonal Wajãpi é possível
compreender que o tempo marcado em ciclos, por meio de elementos marcantes de
cada período.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 299

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Figura 19 - Calendário sazonal Wajãpi

Fonte: Gallois, 2009, adaptado pela autora.

As aldeias Wajãpi são formadas por casas e pátios que se ligam pelos caminhos que levam até
os igarapés, roças e florestas. Do ponto de vista paisagístico, o arranjo dos pátios varia de acordo
com os arranjos familiares e relações sociais. Com isso, tanto a variedade de vegetações como
sua disposição espacial refletem o uso e significado a que atribuem as famílias ali residentes. A
matéria prima para a construção de suas casas pode incluir cerca de 20 espécies vegetais
diferentes (quadro 1), em que cada espécie serve a um propósito de acordo com seu
desempenho, disponibilidade e variação de uso.
Do ponto de vista da paisagem, é possível considerar, portanto, que não só a diversidade
ambiental da Amazônia é vasta, mas também os modos com que as diferentes nações indígenas
da região interagem com esta. O modo com que se interage com os elementos da paisagem na
arquitetura não se restringe à catalogação das espécies e como se dá sua justaposição no
ambiente construído, mas a considera-se também seus significados e relevância para a
sociabilidade regional.
Uma iniciativa educacional de valorização dos conhecimentos tradicionais sobre a
biodiversidade e saberes populares no estado do Amapá foi a Escola Bosque do Amapá.
Construída em 1998, a Escola Bosque está no Arquipélago do Bailique, a 180km de barco da
capital do estado do Amapá. A escola atende o ensino básico para as crianças moradoras da
região.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 300

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Figura 20 - Vista da Escola Bosque do Amapá

Fonte: Paulino Barbosa, 2012. Disponível em: < http://paulino-barbosa.blogspot.com/2012/06/escola-bosque-faz-


aniversario.html> Acesso em: Jan. 2021

Em uma área suscetível a inundações, a escola foi construída a partir de técnicas largamente
utilizadas na região, com uma arquitetura palafítica, uma vez que o transporte de outros
materiais para a ilha seria um trabalho excessivo. O ambiente escolar foi executado em módulos
de madeira suspensos 1,5m acima do solo, cobertos com palha, conectados entre si por
passarelas de madeira.
A disponibilidade de materiais construtivos tradicionalmente utilizados na construção pelos
moradores da região sinaliza ao fato de que a presença da mata nos seus arredores é um fator
imprescindível à construção e manutenção da estrutura física da escola, pois sua ausência
implica na necessidade de importar materiais e consequentemente alterar a tecnologia
construtiva local.
Figura 21: Módulo de Múltiplos Usos

Fonte: Ecobrasil, 2021. Disponível em: < http://www.ecobrasil.eco.br/galerias/galeria-de-imagens/item/1032-


amapa-arquipelago-do-bailique-escola-bosque> Acesso em: Jan. 2021.

A Escola Bosque do Bailique buscou promover uma articulação do currículo escolar com as
características construtivas utilizadas, sendo voltado ao desenvolvimento e preservação dos
saberes tradicionais da região, como o manejo de plantas medicinais, carpintaria naval e
tradições orais da região.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 301

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Figura 22: Aula ao ar livre

Fonte: Ecobrasil, 2021. Disponível em: < http://www.ecobrasil.eco.br/galerias/galeria-de-imagens/item/1032-


amapa-arquipelago-do-bailique-escola-bosque > Acesso em: Jan. 2021.

As atividades não se restringem ao ambiente da sala de aula, mas as crianças, familiares e


funcionários podem explorar o entorno como espaço de aprendizado, tendo aulas e oficinas ao
ar livre nos arredores da escola. É possível, a partir do contato direto com o entorno, estimular
um olhar sobre os ciclos naturais e suas variações ao longo do tempo também como parte do
método pedagógico a que se propõe. Neste contexto, Rodrigo Ratier (2015), discorre que:
O currículo seguia o método socioambiental, em que natureza, história e
tradição locais eram a base para o desenvolvimento dos conteúdos,
agregando o saber científico ao empírico. Pautado pela sustentabilidade,
ambicionava incentivar a preservação dos aspectos naturais das oito ilhas que
formam o arquipélago. (RATIER, 2015).
Entretanto, a escola não manteve sua proposta inicial, sofrendo diversas modificações
estruturais e pedagógicas, ocasionando sua precarização e prejudicando significativamente a
educação dos moradores da região. Ratier (2015) aponta como possíveis fatores para o
desmanche da educação diferenciada na escola bosque a divergência de opiniões políticas
quanto à educação, a mudança de gestão que tende a desfazer projetos da gestão anterior, e a
carência no desprendimento de recursos específicos para um modelo de educação diferenciado.
Com o tempo, o currículo da escola passou a ser o mesmo empregado nas demais escolas do
ensino básico amapaense, o que favoreceu a perda dos saberes tradicionais da comunidade.
Sem que fosse possível permanecer transmitindo os saberes da região, a sua estrutura física
começou a se deteriorar, descaracterizando sua intenção inicial. Dessa forma, é possível
compreender a relação direta entre a estrutura pedagógica transmitida e a arquitetura escolar.
No Ensino Superior, ressalta-se a iniciativa do Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Tecnologias Indígenas da UFMT, em Cuiabá-MT de inserir no currículo acadêmico o
ensino das arquiteturas indígenas, destinado a investigar e descrever a diversidade das
tecnologias indígenas desenvolvidas ao longo de centenas de anos. Embora esteja
localizado no estado do Mato Grosso, é relevante para este trabalho destacar o
pioneirismo em incluir um núcleo direcionado exclusivamente ao estudo das
arquiteturas indígenas no ensino superior.
O refinamento das tecnologias indígenas descritas pelo grupo revela a capacidade
desses povos de modificar a paisagem com o primor de uma tradição milenar e que
permanece atual. A sede do núcleo trata-se se um espaço de educação e pesquisa que
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 302

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foi desenvolvido como um arquétipo dos objetos de estudo que os orienta. Foi
construída com base nos desenhos de variadas culturas indígenas e incorpora os
princípios materiais que puderam ser assimilados pelo trabalho de pesquisa.
Figura 23 - Fachada da sede do Núcleo Tecnoíndia – UFMT

Fonte: Revista Ginco n.º 2, 2010. Disponível em: <https://issuu.com/gincoempreendimentos/docs/rev_ginco_02>


Acesso em: Fev. 2021.

Embora as construções indígenas brasileiras apresentem materiais semelhantes, suas


técnicas de manipulação dos materiais e o desenho das habitações são muito variáveis
entre as culturas. O Núcleo Tecnoíndia trabalha a partir da elaboração de maquetes
físicas esquemáticas para ilustrar de forma mais verossímil as características dessas
construções.
Em geral, as casas estudadas pelo núcleo apresentam desenho com formato ogival a
partir de tramas de madeira cobertas por várias camadas de palha. A permeabilidade da
palha permite que o ar circule entre as camadas e torna o ambiente interior mais
ventilado e salubre.
No caso da sede do núcleo, a cobertura foi executada telha termoacústica de alumínio
com preenchimento de isopor, e sobre a cobertura foi colocada uma treliça de madeira
que faz um papel de sombreamento e de refrigeração, não permitindo que as telhas
esquentem.
Embora o desenho arquitetônico sirva ao propósito de transmitir uma mensagem
tridimensional a partir de uma ferramenta bidimensional, de modo que se
compreendam seus componentes, nem sempre este se mostra a melhor forma de
representação da arquitetura, como é o caso dos registros elaborados pelo Núcleo
Tecnoíndia.
Figura 24 - Desenho ao lado da maquete da casa Umutina

Fonte: Portocarrero, 2018.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 303

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

A contribuição do Núcleo para o estudo da arquitetura brasileira vai além de sua


conformação em um projeto com inspirações nas arquiteturas indígenas da região.
Incorporar como parte integrante do ensino de arquitetura e urbanismo as tecnologias
indígenas representa um movimento de resistência à estrutura colonial que deu origem
ao ensino de arquitetura no Brasil.
Ademais, a despeito das comuns associações da arquitetura indígena apenas ao uso dos
materiais madeira e palha, o quadro 1 apresenta os materiais mencionados pelas
arquiteturas descritas, de modo a transmitir a variabilidade de espécies e seus
respectivos usos. Os materiais apresentam diferentes utilidades, desempenho,
disponibilidades e significados, portanto é possível perceber que ainda que possam ser
enquadrados nas categorias “madeira” e “palha”, a leitura sobre esses elementos não
deve se restringir a estas classificações.
Quadro 3 – Esquema de espécies vegetais presentes em arquiteturas da região amazônica

Material Espécie Uso Local e/ou povo Fonte


Madeira Maçaranduba Estrutura Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Acapu Estrutura Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Angelim Estrutura e decks Bailique AMAPÁ, 1997.
vermelho
Madeira Pracuúba Estrutura Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Macacaúba Piso e esquadrias Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Sucupira Piso Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Pau mulato Divisórias Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Angelim pedra Divisórias Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Angelim rajado Divisórias Bailique AMAPÁ, 1997.
Madeira Yviro Tronco da Wajãpi GALLOIS, 2009.
cobertura
Madeira Wakari’y Pilares Wajãpi GALLOIS, 2009.
Madeira Pina’y Estrutura do jirau Wajãpi GALLOIS, 2009.
Palha Buçu Cobertura Palikur, Karipuna, Galibi- IEPÉ; KUAHÍ,
Marworno, Galibi Kali’na 2011.
Palha Ubim Cobertura Palikur, Karipuna, Galibi- IEPÉ; KUAHÍ,
Marworno, Galibi Kali’na, 2011. GALLOIS,
Wajãpi 2009.
Palha Buriti Cobertura Palikur, Karipuna, Galibi- IEPÉ; KUAHÍ,
Marworno, Galibi Kali’na 2011.
Palha Olho de inajá Cobertura Palikur, Karipuna, Galibi- IEPÉ; KUAHÍ,
Marworno, Galibi Kali’na 2011.
Palha Arumã Utensílios Palikur, Karipuna, Galibi- IEPÉ; KUAHÍ,
Marworno, Galibi Kali’na 2011.
Palha Murumuru Cobertura Wajãpi GALLOIS, 2009.
Palha Pino Tapiris e Wajãpi GALLOIS, 2009.
cumeeiras
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 304

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Palha Warakuri Cobertura Wajãpi GALLOIS, 2009.


Palha Kuruwa Cobertura Wajãpi GALLOIS, 2009.
Cipó Mõkõisi ãsimã Amarração Wajãpi GALLOIS, 2009.
Fonte: Autora, 2021.

É possível verificar por meio do quadro que para materializar as arquiteturas destacadas
é necessário o conhecimento acerca de todas essas espécies vegetais, suas formas de
cultivo, condições e processos específicos de manejo, onde são mais facilmente
encontradas, sua durabilidade e versatilidade de usos. Dessa forma, analisar as
arquiteturas indígenas e amazônicas na perspectiva do desenho limita
consideravelmente a interpretação sobre estas.
Ademais, a centralidade do desenho nas formas de discutir e produzir arquitetura
negligencia outras formas de produção e transmissão do conhecimento arquitetônico.

4 CONSIDERAÇÕES
Sendo parte significativa da espacialidade amazônica a autoconstrução sem desenho como
parte de tradições construtivas indígenas milenares, o desenho não deve ser a principal
ferramenta de análise e estudo sobre a arquitetura. A presença ou não de desenho não é
demarcador de complexidade da arquitetura, uma vez que esta não se restringe ao ambiente
construído, mas às epistemologias relativas a este. A complexidade da arquitetura reside na rede
de relações e percursos que a constituem para além de sua formalidade.

REFERÊNCIAS
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da Educação, 1997. (Série Projeto Escola Bosque do Amapá, n.7).
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porque não existe arquitetura decolonial. Redobra. Laboratório Urbano, UFBA, nº 15, ano 06, 2020, pp. 121–136.
Disponível em: MOM. Morar de Outras Maneiras. (ufmg.br). Acesso em: 29 jun. 2021.
BECKER, Bertha K. A urbe amazônida: a floresta e a cidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.
CASTRO-GOMES, Santiago. Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da "invenção do outro". In:
LANDER, Edgardo. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. (P.
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FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. São Paulo, SP: Projeto Editores Associados, 1979.
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LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução Cristina C. Oliveira. Itapevi – SP: Nebli, 2016.
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PEREIRA, Jakeline; VERÍSSIMO, Tatiana. A floresta habitada: história da ocupação humana na Amazônia. 1. ed.
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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Amazônia (IMAZON), 2020.


QUIJANO, Aníbal. A colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A
colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO,
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XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 306

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Saídas de emergência: conceber e reconstruir práticas do


ensino em arquitetura e urbanismo na universidade pública

Stela de Camargo Da DALT


Universidade de São Paulo (IAU-USP); stela.dalt@usp.br
Victor SALGADO
Universidade de São Paulo (FAU-USP); victorsalgado@usp.br
Tiago Pereira MELO
Universidade de São Paulo (IAU-USP); tpmelo7@usp.br

RESUMO
O presente trabalho surge da busca por saídas para o desmonte do ensino público universitário —
emergência social que perpassa e acentua os efeitos devastadores da pandemia de Covid-19 para o
ensino. Iniciamos com a história do ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil para compreender as
origens da disciplina no país. A partir daí, passamos a uma revisão bibliográfica da situação que se
perpetua a partir dos anos 1990, momento em que políticas neoliberais passam a ser adotadas no Brasil.
Tal contexto impulsiona a privatização do ensino universitário, a proliferação de cursos à distância (EaD) e
o empresariamento do ensino, caracterizado pela formação de conglomerados ligados ao mundo das
finanças, que resultam na precarização do ensino e da profissão da docência universitária. A partir da
crítica ao contexto neoliberal e suas consequências para o direito constitucional à educação pública,
denominamos insurgência a atitude necessária de descolonização do saber, um mote para emergir da
situação atual de ameaça à democracia e ao ensino público universitário. Ao final, utilizamo-nos de revisão
bibliográfica da teoria crítica decolonial para indicar o movimento de decolonialidade do saber como um
caminho possível para a elaboração de propostas insurgentes para a docência pública de Arquitetura e
Urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Universitária, Ensino de Arquitetura e Urbanismo, Insurgências.

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito de uma disciplina de Pós-graduação1
voltada à capacitação de alunos na Etapa de Preparação Pedagógica (EPP) para o
Programa de Aperfeiçoamento em Ensino (PAE) no Instituto de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (IAU USP). Durante o curso fomos instigados a discutir e
produzir reflexões sobre os desafios metodológicos que a pandemia e outras
emergências representavam para o ensino superior em Arquitetura e Urbanismo. Nesse
contexto, foi proposto o desenvolvimento de artigos com temas que girassem em torno
do termo emergências, podendo-se considerar uma dimensão ampla da palavra,
abrangendo outras questões além daquelas ligadas à pandemia de COVID-19.

1
Disciplina de Procedimentos e Métodos de Ensino em Arquitetura e Urbanismo, ministrada pelos docentes Dr. David
Sperling e Dr. Manoel Rodrigues Alves no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (PPGAU-IAU USP).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 307

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

De início nos interessamos pela ideia de insurgências, uma consequência (ou demanda)
possível em tempos de emergência. Durante o desenho da pesquisa o grupo elaborou
um duplo questionamento: diante do atual processo de dissolução do caráter
democrático e inclusivo da universidade pública, que perspectiva crítica pode subsidiar
fissuras à crescente consolidação de uma educação de mercado? E o que torna o ensino
em arquitetura e urbanismo parte deste processo?
A metodologia de investigação para o artigo utilizou-se de pesquisa bibliográfica para
alcançar seus objetivos, iniciada pelo exercício de criar um glossário de palavras-chave,
que desencadeou o percurso de aportes teóricos do estudo. Para pensar em
insurgências no ensino de arquitetura e urbanismo, primeiramente, nos voltamos à
história da formação do ensino de arquitetura no Brasil, que se deu em períodos
governamentais não democráticos. Tal investigação poderia evidenciar experiências
insurgentes na origem dos cursos de arquitetura do país. A partir daí, saltamos para a
contemporaneidade, em que se observa a generalização do padrão de desenvolvimento
econômico neoliberal, ancorado em ideais produtivistas, gerenciais e privatizantes
intensificados no sul global a partir dos anos 1990 (Paulani, 2008). Esse contexto foi
considerado como uma das latentes emergências que ameaçam o ensino
universitário — e principalmente no ensino público —, do país. Uma vez que estas
ameaças podem desestabilizar a natureza democrática e inclusiva de um direito social,
como o direito à educação pública.
Após a contextualização das emergências políticas entrelaçadas às insurgências no
ensino público, passamos à ideia de insurgir para descolonizar, discussão estruturada
em um plano conceitual, onde cabe usar o imaginário na busca de saídas de emergência.
Nesse momento, circunscrevemos o que se entende por insurgência e o porquê de
vincular essa ação à necessidade de descolonização do saber. Além disso, houve o
esforço de mencionar experiências internacionais consonantes a partir do cotejamento
de “pedagogias radicais” ocorridas no sul global no período pós-guerras do séc. XX
(Colomina, 2013). Propomos a realização de um movimento multi-escalar e multi-
situado para pensar em experiências insurgentes que ocorreram para responder a
emergências em tempos difíceis. Pensamos que, ao olhar para os desafios do passado e
para algumas respostas que surgiram nesses contextos, podemos ampliar o arcabouço
histórico e teórico que possa fundamentar estratégias de enfrentamento dos desafios
de agora, e dos que se anunciam, na educação universitária do Brasil.

2 ENSINO DE ARQUITETURA NO BRASIL


O ensino universitário de arquitetura no Brasil iniciou-se formalmente a partir de 1933
durante a Era Vargas, momento em que se instituiu a regulamentação profissional2. De
acordo com Costa (2008), até 1945 a procura pelo curso de Arquitetura era

2
O Decreto nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933, regulamentou as profissões de engenheiro, arquiteto e
agrimensor.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 308

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

extremamente baixa3. Uma das explicações para tal fato era a notória vinculação da
grade curricular dos cursos de Arquitetura a uma base de Engenharia ou Belas-Artes, o
que também apontava para o nicho elitista dos ingressantes.

É curioso notar que o desenvolvimento e desvinculação do ensino de arquitetura destas


outras formações se deu junto ao desenvolvimento e consolidação da arquitetura
moderna brasileira. Junto a isso, a participação política de Lúcio Costa em 1931 como
diretor da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, impulsionou esta transformação. De
acordo com Schwartzman et al. (1984), o ensino durante a Era Vargas era destinado a
uma formação de mentalidades, tendo o modernismo se consolidado como corrente de
formação de uma nova identidade nacional, com a criação (Liderada por Lucio Costa) do
Palácio da Cultura, sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, fortemente
influenciados pelas ideias de Le Corbusier.
[...] o modelo de nacionalismo brasileiro (...) buscava transformar a nação em
um todo orgânico, uma entidade moral, política e econômica cujos fins se
realizariam no Estado. (Schwartzman et al., 1984, p.167).

Em 1945, com o início do período pós-guerra, as discussões sobre a categoria e formação


em arquitetura continuavam, visto que as últimas regulamentações não conseguiam
estipular uma diferenciação clara4 entre arquitetos e engenheiros, muito menos se
distanciar da antiga forma de ensino proveniente das escolas de Paris do século XVIII
(Naruto, 2006). A Faculdade Nacional de Arquitetura (Antiga Escola de Belas Artes do
Rio de Janeiro), foi criada no mesmo ano (Lei Federal nº 7.918/45). O curso
independente de arquitetura é considerado o primeiro no Brasil, o que fomentou a
criação de diversos outros, como é o caso da Faculdade de Arquitetura Mackenzie em
1947; da FAU USP em 1948; da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Rio Grande
do Sul em 1952; da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco
em 1958; da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia em 1959 e da
Faculdade Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará em 1964.

Pereira (1984) evidencia a contradição existente entre a arte e a técnica dentro do


ensino de arquitetura, e caracteriza tais problemas como vícios ao se referir à forma de
organização, transmissão e produção do conhecimento (Naruto, 2006), o que indica, de
certa forma, como esta crise se encontra engendrada de maneira sistêmica, dentro da
academia até os dias de hoje.
Oriundas da fusão de antigos cursos de Arquitetura das Escolas de Belas Artes
com os cursos de Arquitetura das Escolas de Engenharia, as Faculdades de
Arquitetura trouxeram consigo, de maneira mais acentuada, aqueles vícios de
atomização dos setores de conhecimento que interessam à formação do
profissional arquiteto: o projeto, a tecnologia e o conhecimento histórico-
crítico. São os reflexos da Universidade clássica, arcaica e estiolada, onde os

3
A autora cita o ano de 1940 como exemplo. Foi o ano em que a escola Politécnica de São Paulo obteve o maior
número de inscritos no curso desde 1932, e continha apenas 7 alunos (Costa, 2008).
4
Para Artigas o decreto de 1933 apenas ajudou a intensificar a confusão entre os papéis exercidos pelos arquitetos
e engenheiros (Santos Neto, 2019).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 309

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setores de conhecimento não se integram, mas se justapõem, ensaiando, no


máximo, uma vizinhança admitida (Pereira, 1984, p.110).

Ainda na passagem da década para os anos 1960, a Arquitetura consolidava-se como


modelo, sob influência e alcance da escola paulista, principalmente por Vilanova Artigas.
Na FAU-USP os conceitos de projeto e desenho eram a linha mestre de reorganização
curricular, o período era fertill ao engajamento político de discussões e ações de
esquerda, onde a arquitetura era um tema presente ao debate público cotidiano em
função sobretudo da construção de Brasília (Segawa, 2018).

REFORMAS CURRICULARES
Em 28 de novembro de 1968 é sancionada uma Reforma Universitária (Lei nº 5540/68),
que tornou o modelo norte-americano de ensino daquela época, pautado
essencialmente na promoção da pesquisa acadêmica, como principal referência, mas
que não viu a curto prazo mudanças significativas. Neste período houve também a
criação de diversas faculdades privadas, impulsionadas pela necessidade de promover
uma imagem de modernização do Estado, articulado pelo governo militar. Houveram
grandes exemplos pedagógicos alternativos à visão hegemônica da época, como por
exemplo a criação das Faculdades de Arquitetura de Santos, São José dos Campos,
Guarulhos, Campinas, Taubaté e Mogi das Cruzes, no estado de São Paulo.

Os arquitetos e professores, considerados importantes idealizadores dessas novas


propostas pedagógicas foram Mayumi Watanabe, Sergio Souza Lima, Rodrigo Lefèvre e
Sérgio Ferro. No caso da Faculdade de Santos, por exemplo, um processo experimental
significativo dentro da grade curricular adotada em 1970 foi a interseccionalidade de
disciplinas do primeiro ano, que "estudavam" sumariamente o mesmo elemento, no
caso, favelas da região. O caso de Santos teve uma curta duração, devido à situação do
período de ditadura militar no Brasil (1964-1988), que reprimia violentamente ideias
contra-hegemônicas5.
Em tecnologia, discutia-se as técnicas empregadas para a população na auto-
construção. Em desenho industrial, projetavam objetos para o uso dessa
classe popular. Em projeto, propunham soluções para o bairro estudado. No
conjunto, a experiência gerou uma reflexão importante sobre a atuação do
arquiteto junto às classes populares. O sociólogo Francisco de Oliveira
também era professor em Santos e aponta a pesquisa sobre habitação
popular como ponto fundante para sua crítica sobre a industrialização e o

5
Termo contemporâneo de contraposição ao hegemonismo, a respeito do qual Williams (2007) se detém no trecho
destacado abaixo:
Esta palavra ganhou importância em uma forma do marxismo do século XX,
especialmente a partir da obra de Antonio Gramsci [...]. Em seu uso mais simples,
estende a noção de predomínio político das relações entre os Estados para as relações
entre as classes sociais, como em hegemonia burguesa. Mas o caráter desse predomínio
pode ser considerado de modo que produza um sentido ampliado, semelhante em
muitos aspectos a usos anteriores de hegemônico em inglês. Isso equivale a dizer que
o termo não se limita a questões de controle político direto, mas busca descrever um
predomínio mais geral que inclui, como uma de suas características centrais, um modo
particular de ver o mundo, a natureza humana e as suas relações.
(Williams, 2007, p. 199-200).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 310

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aumento mais-valia do custo de reprodução da força de trabalho através da


auto-construção. (Buitoni, 2009, p. 28).

Com a Constituição de 1988 legitimando a educação como direito social, tornou-se


indissociável a relação ensino-pesquisa-extensão mas isso enfrentou uma realidade
universitária ainda pautada no conhecimento como produto e na pesquisa com
valorização das certezas em detrimento da dúvida e da provisoriedade (Santos Neto,
2019).

Em 1996, fruto da globalização, outorga-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei


n°9.394/96), que estipulou a criação de Centros Universitários e as Faculdades Isoladas,
distinguindo-se das Universidades, onde ensino e pesquisa são indissociáveis. Isso
acarretou numa mudança no panorama universitário brasileiro, com a massificação do
ensino superior, até então um privilégio das elites, porém sem o necessário preparo
pedagógico para garantir a sua qualidade (Santos Neto, 2019). Em consequência disso,
nas décadas seguintes, a partir dos anos 2000 foram se delineando as políticas de
expansão de campus universitários, inclusão de campus em pequenos municípios e
programas de bolsas e cotas, implementadas pelo governo federal, o que auxiliou ainda
mais o processo de democratização do ensino superior brasileiro.

Contudo, vale a pena ressaltar, que o sistema educacional superior brasileiro, apresenta
muitas falhas, como é o caso do aperfeiçoamento técnico x teórico, que muitas vezes
não é discutido ou apresentado como uma fragilidade, dando-se maior ênfase a
formação stricto sensu em detrimento do aprimoramento da docência.

De forma contraditória à legitimação dos títulos profissionais — onde é


necessário um diploma de curso superior na área de formação para o
exercício da profissão —, os profissionais que se tornam docentes atuam sem
uma formação específica para este exercício, ingressando na carreira sem a
preparação adequada e ensinando da forma como foram ensinados, a partir
de modelos transmitidos por seus antigos professores — esta é uma das
principais características: a concepção academicista do ensino (D’Ávila e
Ferreira, 2010, p. 3-6).

Na atualidade, os cursos de arquitetura e urbanismo, principalmente em instituições


privadas, têm sido transmutados ou efetivamente criados para serem exclusivamente
em formato EaD (Ensino à Distância), impactando nas estratégias curriculares, bases
práticas do exercício profissional etc. Contradizendo a trajetória percorrida nos debates
e propostas implementadas pelos pioneiros das reformas pedagógicas da primeira
metade do século XX. Uma situação agravada devido às normas recentes exigidas pela
condição pandêmica, no entanto trata-se de um ponto de disputa, em que o poder
hegemônico objetiva a regressão dos direitos sociais e de desmonte da educação e das
universidades públicas (Lusa et al., 2019).

3 PENSAR EMERGÊNCIAS DA EDUCAÇÃO UNIVERSITÁRIA


Em meio aos ataques do atual governo de Jair Bolsonaro, as universidades públicas
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 311

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brasileiras não se omitiram do compromisso de lutar por uma sociedade mais justa,
solidária e democrática. Neste sentido, enquanto agente de promoção e difusão da
educação como direito social, as instituições de ensino superior são perpassadas pela
interação com comunidades, movimentos sociais, práticas coletivas e atividades outras
alinhadas à perspectiva de transformação de estruturas hegemônicas. Porém, a partir
da década de 1980, com o declínio do Estado de Bem-Estar Social em países do Norte
global, é dada a prioridade à mercantilização da vida coletiva, e os princípios de
regulação da sociedade moderna (o Estado, o mercado e a comunidade) passam a ser
afetados pela onda global de privatização dos bens públicos (Sousa Santos, 2021; Chauí,
1999).

A suposta explicação para o “colapso da modernização" elaborada por cientistas


políticos e filósofos na segunda metade do século XX — entre os quais Friedrich Hayek,
Milton Friedman e Karl Popper —, discriminava que um dos motivos para a crise
socioeconômica se deveu ao poder excessivo dos sindicatos e movimentos operários,
que haviam pressionado por melhorias salariais e aumentos dos encargos sociais do
Estado (Chauí, 1999). Este argumento compôs um projeto político e econômico
detalhado, regido pelo entendimento de que o Estado deveria atuar enquanto regulador
das atividades do mercado. Na opinião de tais pensadores, o Estado-providência
destruía a liberdade dos cidadãos e a competição, sem as quais, não poderia haver
prosperidade. A partir das críticas dos ideólogos do neoliberalismo foi implementado
um novo modelo de especulação financeira internacional, onde o próprio Estado, as
comunidades e a sociedade civil passaram a ser geridos e avaliados pela lógica do
mercado e por critérios de rentabilidade do capital.

A mudança do modelo de acumulação do capital, vivida a partir dos anos 1980 em quase
todo o ocidente, transcorreu no Brasil por meio da reforma do Estado. Esse processo
redefiniu a relação entre o governo e o setor da educação, que passou a ser
compreendida como uma prestação de serviço que pôde ser realizada por instituições
não estatais, também denominadas “organizações sociais” (Chauí, 1999). Tais
instituições representam a criação de um codinome para a entrada de lógicas
capitalistas que convertem direitos sociais em privilégio, encolhendo o princípio
democrático constitucional promulgado em 1988. No âmbito das universidades
públicas, Boaventura de Souza Santos complementa:
[...] Isto sucedeu tanto nos serviços públicos, como nos serviços de
solidariedade social. Foi assim que as universidades públicas foram sujeitas à
lógica do capitalismo universitário com rankings internacionais, a
proletarização produtivista dos professores e a conversão de estudantes em
consumidores de serviços universitários.
[...] Em quase todos os países assistimos a mesma transição epocal: da
regulação estatal da economia para a regulação econômica do Estado.
(Sousa Santos, 2021, p.143).

As circunstâncias de aprofundamento da crise no âmbito da universidade foram


enxergadas por Fernandes (1989, p. 82) como um acontecimento global resultante da
redução dos papéis criativos do universitário, que foi convertido em “especialista” e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 312

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“profissional”, restando uma saída idealista ou abstrata da confrontação crítica com a


sociedade. Isso se reflete em uma lógica pedagógica perpetrada em uma compreensão
cartesiana e alienada da cidade dentro dos processos de ensino, que passam a não
considerar suas dicotomias e relações. A partir desse ideário surgem os processos de
individualização dos problemas, de negação ao público (ainda que se mantenha o
coletivo), de distinção entre a cidade real e a cidade apreendida e repassada pela escola
e pelos corpos (aos corpos) que nela habitam (Pina; Ribeiro; Halfen, 2020).
Pensar o contexto da educação no capitalismo neoliberal impõe a necessidade de
entendimento da educação enquanto prática libertadora do conservadorismo prático,
isto é, resistir ao predatismo, à mercantilização pedagógica, à fabricação de profissionais
e à distorção do prisma da formação em um instrumento de entrada no mercado de
trabalho. No instante em que estas práticas sobrepõem o comprometimento ético com
a dignidade humana, a educação e suas pedagogias são demarcadas pelo processo de
desumanização, uma violência permitida pelo Estado contra o compromisso da
pedagogia com o paradigma do humano (Arroyo, 2019; Freire, 2020). Neste sentido, a
privatização do direito social impossibilita a educação legítima e operacionaliza a
universidade pública, como bem conceitua Marilena Chauí:
Definida e estruturada por normas e padrões alheios ao conhecimento e à
formação intelectual, está pulverizada em micro organizações que ocupam
seus docentes e curvam seus estudantes em exigências exteriores ao trabalho
intelectual. A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nú: o
aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e
doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e
congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc. Virada para seu
próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade
operacional opera e por isso mesmo não age.
(Chauí, 1999, p. 5).

Para Florestan Fernandes, é a partir da contraposição dessas relações de poder,


capitalistas e burguesas — portanto contra-hegemônicas, que será possível propor que
as relações pedagógicas assumam um sentido emancipador e descolonizador do ensino
e da aprendizagem, direcionando à autonomia cultural e pedagógica dos atores
envolvidos e mesmo do país (Fernandes, 1989). É necessário considerar, então, como a
prática pedagógica tem contribuído para a manutenção dessas estruturas de poder, com
o objetivo de conceber e reconstruir o mundo de acordo com a lógica das práticas de
cultura, da natureza e da economia a partir de perspectivas múltiplas. Isso demanda
reverter o cenário de permanente apagamento de práticas, saberes e profissionais fora
do padrão eurocentrado. É indispensável a elaboração de novos conteúdos e práticas
de ensino que se apoiem na realidade da vida social dos distintos grupos humanos, isto
é, considerando as subjetividades e valorizando as especificidades históricas e
socioculturais dos mesmos.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 313

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

4 INSURGIR PARA DESCOLONIZAR


A proposta de utilização do termo insurgência alude à origem latina da palavra
insurgere, com o sentido de emergir/ fazer surgir6. Dessa maneira, a oposição
caracterizada pelo acréscimo do prefixo de negação -in não ocasiona efeito de oposição
a um dos sentidos da palavra emergência e carrega a possibilidade de abordar as
insurgências enquanto emergências. A insurgência, enquanto uma questão social,
poderia ser caracterizada pela luta obstinada contra todas as formas de opressão, em
defesa da autoconscientização, portanto a defesa da descolonização das mentes, e da
conquista da autonomia pelos(as) próprios(as) oprimidos(as)7. A proposta de utilização
da insurgência é aqui colocada como uma atitude crítica, com significado específico para
cada contexto, sem que isso implique uma adjetivação genérica e categórica.
Paulo Freire (2000b) diz que, em face das mudanças, “nem podemos nos
acomodar, nem também insurgir de maneira puramente ingênua”, o que nos
leva a considerar que é necessário, então, educar essa raiva, essa rebeldia que
coloca os sujeitos no curso dessa história escrita e feita “desde baixo”. No
entanto, “não se trata obviamente de impor à população espoliada e sofrida
que se rebele, que se organize para defender-se, vale dizer, para mudar o
mundo” (2000a, p. 88), mas que se desafie os grupos populares, através da
criticidade, a perceberem as injustiças que vivem e que não se trata de
destino, mas de uma condição que pode ser mudada. (Streck et al., 2015, p.
610).

A necessidade de libertação engendra a insurgência. Neste sentido, as perspectivas


críticas às relações de colonialidade que permanecem sob as estruturas de poder, aos
corpos, ao imaginário, e, portanto ao futuro como uma condição dada, objetivam fazer
emergir os saberes outrora ocultados, mas que estiveram permanentemente submersos
no manto da dominação europeia (Reis; Andrade, 2018). O rompimento com o padrão
hegemônico não é uma utopia, trata-se da busca de uma democratização possível das
sociedades que dissolva a dominação pela exploração, e a raça como o mais eficaz
instrumento de superioridade que, associado à abuso de poder, serve como o
classificador universal no atual padrão mundial de poder capitalista (Quijano, 2005).
Essa perspectiva binária, dualista, de conhecimento, peculiar ao
eurocentrismo, impôs-se como mundialmente hegemônica no mesmo fluxo
da expansão do domínio colonial da Europa sobre o mundo. Não seria
possível explicar de outro modo, satisfatoriamente em todo caso, a
elaboração do eurocentrismo como perspectiva hegemônica de
conhecimento, da versão eurocêntrica da modernidade e seus dois principais
mitos fundacionais: um, a idéia-imagem da história da civilização humana
como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na

6
Significado extraído do dicionário virtual Dicio. Disponível em: https://www.dicio.com.br/insurgir/. (Acessado em:
10. fev 2022).
7
Oprimidos e opressores são os pólos opostos das relações sociais de antagonismo. Fundamentalmente, oprimidos
e opressores são classes sociais antagônicas e em luta. No entanto, é possível que se instaurem relações de opressão
entre os próprios oprimidos. Enquanto seres envoltos em relação de dominação, tanto oprimidos quanto opressores
têm sua vocação ontológica negada pela realidade histórica de opressão que funda suas existências. (Streck et al.,
2015, p. 515).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 314

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Europa. E dois, outorgar sentido às diferenças entre Europa e não-Europa


como diferenças de natureza (racial) e não de história do poder (Quijano,
2005, p.122).

Assim, o Brasil e o seu povo são parte desta narrativa mundial de dominação. Uma vez
que estiveram sob regência dos portugueses e sua invenção surge da confluência, do
choque e do caldeamento do invasor português com os índios silvícolas e campineiros,
e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos (Ribeiro, 2015). Isto é, este
contexto histórico estabeleceu que, na contemporaneidade os brasileiros são
integrantes do denominado Sul Global. Um território invadido há pouco mais de cinco
séculos, oriundo de um processo colonial que se fez a partir do epistemicídio ao
conhecimento dos oprimidos.

Em Ação cultural para a liberdade e outros escritos (1982), Paulo Freire afirma que os
oprimidos precisam expulsar os opressores não apenas enquanto presenças físicas, mas
também enquanto sombras míticas, introjetadas neles. Refere-se a uma dominação
intersubjetiva, de caráter identitário, pois o controle ocidental moderno se estabeleceu
nos últimos 500 anos de forma racista. Uma concepção fortemente atrelada a ideia de
Norte e Sul globais, um quadro geral de hierarquização geopolítica que, apesar de
muitas das localidades do Sul global estarem localizadas no hemisfério Sul, países do
hemisfério Norte também tem seu “Sul”, assim como países do Sul também têm seu
Norte, como fica evidente nas formas de colonização internacional e interna (Silva,
2015).

O pensamento decolonial, a crítica decolonial ou giro decolonial, do campo epistêmico


latinoamericano, discute o outro lado da modernidade ocidental, e, que por essência
busca a reestruturação entre os pólos das relações sociais baseada na emancipação
absoluta de todos os tipos de opressão e dominação, ao articular interdisciplinarmente
cultura, política e economia (Reis; Andrade, 2018). Diante deste propósito, é necessário
incorporar esta perspectiva à procura de saídas de emergência aos atos contra a
essência democrática e inclusiva da educação pública universitária.

Neste sentido, insurgir abre fissuras. Seu potencial é elevado incorporando a esta
atitude o escopo decolonial. Buscar por epistemes mais emancipadoras é estabelecer
um contraponto, trata-se do objetivo do giro decolonial: questionar os discursos e
práticas que naturalizam o eurocentrismo como um padrão civilizatório e de progresso.
O contraponto são saberes outros, rudimentares, primitivos, subdesenvolvidos
(Quijano, 2005). Pensar a “geopolítica do conhecimento”, nas palavras de Mignolo
(2002) significa sobretudo questionar os conhecimentos ditos científicos. Neste sentido,
Moassab e Name apontam:
[...] o porto-riquenho Ramón Grosfoguel (2016) se pergunta como é possível
que o cânone do pensamento em todas as disciplinas das ciências sociais e
humanidades nas universidades ocidentalizadas se baseie no conhecimento
produzido por uns poucos homens de cinco países liberais industriais da
Europa Ocidental: Itália, França, Inglaterra, Alemanha e os Estados Unidos, ou
seja, em um quadro, na verdade, tão restrito (Moassab; Name, 2020, p.13).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 315

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O campo disciplinar da Arquitetura e Urbanismo, afinal, se apresenta como um ramo


das ciências sociais aplicadas, ambos, são lugares permeados e conduzidos pela
colonialidade do poder (Moassab; Name, 2020). A começar pela histórica condução
deste curso superior pela necessidade de educar as elites, o saber científico situado
neste campo persiste em preparar profissionais sob metodologias abstratas,
principalmente no segmento de tecnologia das matrizes curriculares, invés de maior
experimentação (Cunha; Moassab, 2020) capaz de fazer refletir elementos epistêmicos
locais, em detrimento dos legados impostos pela situação colonial. Sem falar na
insistência por pré-requisitos seletivos homogeneizantes focados em desenho e
matemática, uma prática excludente, de cegueira a outros letramentos e
conhecimentos próprios da oralidade.

O ensino de Arquitetura e Urbanismo ocorre nas cinco regiões do país, com cerca de 500
cursos implementados, em distribuição desigual e na maioria dos casos dirigidos por
projetos políticos pedagógicos pouco sensíveis às regionalidades (Cunha; Moassab,
2020). No entanto, experiências insurgentes ou/e contra-hegemônicas, neste campo,
criam pontos de resistência às tentativas de afastamento das demandas sociais. Pois não
se tratam apenas de denúncias sobre a estrutura de dominação e opressão que
permanecem, mas de perspectivas para o rompimento com as mesmas. Pois as práticas
que conduzem a uma visão sem alternativas ao neoliberalismo precisam se manter
indetectáveis e operantes a medida do possível, na ausência da perspectiva crítica no
debate da área.

MAPEAMENTOS DE EXPERIÊNCIAS INSURGENTES


Durante o percurso da disciplina, para a qual este artigo foi elaborado, tivemos a
oportunidade de discutir a pesquisa "Pedagogias Radicais"8 (Meister; Colomina;
Kotsioris; Galán, 2015). Como um desafio ao pensamento normativo, estas experiências
questionaram o campo da arquitetura, em suas devidas dimensões e regionalidades, e
são tidos como referências insurgentes a materializar tais práticas numa discussão entre
técnica, teoria e política, dentro da arquitetura. Os estudos de caso se encontram
presentes em cinco continentes (36 na América, 77 na Europa, 1 na África, 2 na Oceania,
3 na Ásia). Para a nossa discussão, decidimos nos ater às experiências do cone sul, mais
precisamente na América do Sul, principalmente por se tratar de um processo decolonial
pautado na busca de referências, que de certa forma, englobam as discussões nucleares
do grupo. Estes casos são: (i) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo — FAUUSP; (ii) La Escuelita, Argentina; (iii) Instituto de Arquitectura y
Urbanismo, Argentina; (iv) Escuela e Instituto de Arquitectura PUCV, Chile; (v) Escuela
de Arquitectura, Universidad de Chile; (vi) “Taller Total” — Facultad de Arquitectura y
Urbanismo, Universidad Nacional de Córdoba (Ibid., 2015).

8
Desenvolvido pela arquiteta e professora Beatriz Colomina, (Que culminou num processo de pesquisa colaborativa
com os alunos de doutorado da Princeton University School of Architecture), o projeto explora e mapeia uma série
de experimentos pedagógicos, desenvolvidos na segunda metade do século XX, que desempenharam um papel
notório na formação do discurso e da prática arquitetônica daquele período, e que de certa forma ressoam até hoje,
no campo exploratório das relações pedagógicas e comportamentais. Disponível em: http://radical-pedagogies.com.
Acesso em: 06 ago 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 316

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Primeiramente, é possível notar a concentração de tais experiências em 3 países: Brasil,


Argentina e Chile. Outra constatação é que, durante a segunda metade do século XX,
tais países estavam sob regime político ditatorial militar. Pode-se observar, então, que
o cenário experimental operou como um fator de reação ao controle e às punições dos
governos autoritários. Além disso, notamos o caráter efêmero das experiências, que
tiveram em média durações de cinco anos. Isso se traduz também no fato de que estas
abordagens pedagógicas, pautadas por metodologias ativas, foram suscetíveis a
problemas estruturais, como a falta de controle sobre os currículos e conteúdos.
Entretanto, apesar dessa durabilidade restrita, atuaram como um convite à exploração
de exercícios didáticos e formativos, contrapondo-se à educação formal de arquitetura
naquele período.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inegavelmente mais complexa que uma situação adversa ou passageira, a circunstância
pandêmica atual instaurou-se como uma cruel catástrofe e um ponto de recomeço.
Abre-se para uma oportunidade de reimaginar o futuro e, portanto, mais um horizonte
de disputa é lançado. Desde então estamos sob novas regras, por exemplo, de
distanciamento socioespacial, o que de cara já afeta praticamente todas as áreas da
vida. Com os espaços físicos substituídos por ambientes virtuais, a troca de olhares e
acenos despretensiosos nos corredores das universidades não é mais rotina. Mas sem
dúvida a sala de aula, enquanto ambiente de aprendizagem, é um o lugar mais
prejudicado.
Neste contexto, a aceleração da adoção do ensino remoto é apenas a ponta do iceberg
dentro do cenário de avanços das frentes hegemônicas de cooptação e consolidação da
globalização neoliberal, discutida anteriormente. E portanto, insurgir é emergencial.
Torna-se irremediável a discussão sobre as transformações no ensino público
universitário e, principalmente, sua retomada como privilégio. As experiências das
“pedagogias radicais” abordadas neste artigo, reiteram a força dos movimentos sociais
dentro das universidades e a luta histórica por mudanças nas bases do ensino de
arquitetura.
Ainda no âmbito do ensino superior em Arquitetura e Urbanismo, propor insurgências
pedagógicas implica enfrentar a segmentação característica da colonialidade do poder,
reforçada pela estrutura curricular que fundou os cursos de arquitetura no Brasil,
conforme narrado nas partes dois e quatro do presente artigo. Cabe aqui citar uma
experiência vigente e cara a esta discussão, mas que não foi possível explanar nesta
pesquisa, o caso do projeto político-pedagógico do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA). Um importante registro da
possibilidade de se conceber e reconstruir práticas de ensino.
Uma das questões relacionadas a matriz curricular na maioria dos cursos, é referente a
interação restrita entre os conteúdos críticos das disciplinas ligadas às ciências sociais e
humanidades (de bases empíricas) — como urbanismo, habitação social e fundamento
sociais da arquitetura e do urbanismo — com as disciplinas relacionadas à tectônica e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 317

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

tecnologia (voltadas a eficiência e rentabilidade) — como construção do edifício,


acústica, iluminação, cálculo estrutural, e outras. Há uma barreira a ser transposta, de
modo a incorporar propostas educacionais voltadas ao fortalecimento dos saberes
locais e ao questionamento/reflexão do padrão de objetividade e neutralidade impostas
pela abstração daquilo que, supostamente, pode ser considerado exclusivamente como
conhecimento científico.
A elaboração da pesquisa deste artigo se fez a partir de vivências oriundas de
pesquisadores e pesquisadoras, arquitetos e arquitetas egressos de universidades
públicas do norte, nordeste e sudeste do Brasil. Desafiados a convergir sentidos,
letramentos e intelectualidades sobre a temática, e a desviar de caminhos
metodológicos tradicionais. Uma integração feita totalmente de forma remota, sob um
esforço pedagógico pré-determinado pela disciplina de pós-graduação. Apesar desta
não se tratar de uma pesquisa empírica, nos vimos refletidos nos dados consultados e
afetados pelos discursos. Ou seja, incluir esta camada subjetiva no próprio avanço
profissional, é incluir um novo significado sobre a natureza do que aprendemos neste
período excepcional de pandemia.

AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer aos docentes Dr. David Sperling e Dr. Manoel Rodrigues
Alves, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (PPGAU-USP), que
proporcionaram a discussão e acolheram o debate.
Também queremos agradecer os colegas de grupo, Flávio Rafaelli Fonseca, Maiara
Oliveira Silva de Aguiar e Ana Bárbara Machado Rodrigues, que contribuíram para o
desenvolvimento deste trabalho. Isso porque, de modo a atender ao formato proposto
pelo congresso e respeitar o limite de três autores, desmembramos o artigo
desenvolvido para a disciplina, dividindo em dois artigos de três autores.

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COMUNICAÇÕES

PAINEL 5
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 321

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Explorando estratégias de aprendizagem ativa no exercício de


reconstrução virtual de projeto arquitetônico exemplar em
plataforma BIM durante o ensino remoto emergencial

Luciana Fornari COLOMBO


Universidade Federal do Rio Grande do Sul; luci.colombo@gmail.com

RESUMO
Este artigo relata uma experiência didática realizada em disciplina de Representação Gráfica Digital de
curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo no contexto de transição para o ensino remoto
emergencial, o qual tem reforçado a necessidade de um processo de aprendizagem mais ativo, instigante,
flexível e auto- responsável. A experiência didática explorou estratégias de aprendizagem ativa no
exercício de reconstrução virtual em plataforma BIM de projeto arquitetônico exemplar. As principais
estratégias adotadas foram o uso de material didático em formato de vídeo e a maior liberdade de escolha
do projeto selecionado para estudo. A partir da percepção docente e discente e da comparação entre
turmas, a experiência demonstrou que os vídeos aumentaram a autonomia dos alunos ao facilitar a
visualização das demonstrações e flexibilizar o ritmo de aprendizagem. Já a liberdade de escolha
enriqueceu o processo de aprendizagem ao expor os alunos a uma maior diversidade de exemplos,
estimular a pesquisa, e promover a adaptação criativa de princípios e ferramentas a diferentes contextos.
Esta segunda estratégia se mostrou mais fundamental para alcançar uma aprendizagem ativa, pois sem
ela os alunos ainda poderiam meramente repetir de maneira mecânica os passos apresentados nos vídeos.
PALAVRAS-CHAVE: Metodologias Ativas de Aprendizagem, Representação gráfica, BIM, Arquitetura.

1 INTRODUÇÃO
O estudo de projetos arquitetônicos exemplares é amplamente adotado no processo de
ensino-aprendizagem de arquitetura para desenvolvimento de repertório projetual e de
pensamento arquitetônico pautado em referências, princípios e critérios sólidos. Este
estudo também é relevante para estimular uma atitude investigativa em sala de aula. É
necessário esforço para conhecer precedentes arquitetônicos de excelência que sejam
pertinentes aos objetivos específicos do estudo, pois estes precedentes costumam ser
escassos no contexto imediato. Ainda é necessário formular hipóteses plausíveis e
interpretações significativas diante da frequente inconsistência e incompletude dos
desenhos publicados, e da impossibilidade de se recompor totalmente o percurso
original do arquiteto—sua subjetividade, pensamento, circunstâncias e condicionantes
(OLIVEIRA, 2016).
Um método usual no estudo aprofundado de precedentes é a “reconstrução virtual” do
edifício em 3D e o “redesenho” de sua documentação em 2D. Simulando o ato de
“reprojetar”, este método facilita a percepção do ponto de vista do arquiteto que
concebeu o edifício. Este método também se caracteriza pela síntese dos dados
levantados e conhecimentos adquiridos em linguagem própria da arquitetura,
facilitando a sua visualização e contribuindo para o aprimoramento das habilidades de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 322

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

representação gráfica (PIÑON, 2009; COTRIM; VIDAL; TINEM, 2011; CAMISASSA;


PORTUGAL, 2013; MAHFUZ, 2016).
Dentre as diferentes plataformas de projeto e representação disponíveis, o Building
Information Modeling (BIM) tem se destacado por otimizar o estudo de precedentes.
Enquanto as plataformas digitais mais tradicionais, como Computer-Aided Design (CAD)
e Modelagem 3D, permitem representar apenas com linhas, superfícies e volumes
abstratos, as plataformas BIM também abrangem objetos paramétricos como lajes,
vigas, pilares e paredes. O modelo 3D resultante da combinação destes objetos
possibilita a reconstrução virtual mais completa e realística do projeto e a geração de
desenhos 2D de maneira mais integrada, automatizada e precisa, embora ainda seja
necessário finalizar estes desenhos para garantir a sua correção, clareza e
expressividade (ITO; SCHEER, 2019).
Além do BIM, as metodologias ativas de ensino-aprendizagem também podem
contribuir para a renovação do tradicional estudo de projetos arquitetônicos
exemplares. Estas metodologias têm sido promovidas por numerosos estudos na área
da educação e pela agenda global para a educação do século XXI (DELORS; UNESCO,
1996; TANG; UNESCO, 2015; UNESCO, 2017; OCDE, 2018; UE, 2018). Elas buscam
alternativas às tradicionais aulas expositivas voltadas à transmissão de conteúdos para
reprodução em provas padronizadas, uma vez que este tipo de aprendizagem passiva
tem se tornado cada vez menos relevante em um contexto de rápida disseminação e
atualização de informações e tecnologias, e de crescente demanda por profissionais
mais flexíveis, empáticos, colaborativos e criativos. A aprendizagem ativa se caracteriza
pela abertura ao diálogo, imprevisibilidade, singularidades e desafios; e pelo estímulo
ao engajamento na construção do conhecimento e na formação de competências para
a vida (MICHAEL, 2006; DESLAURIERS et al., 2019; COCCO; KOZLOSKI, 2020; WITT;
KEMCZINSKI, 2020)(COCCO; KOZLOSKI, 2020; WITT; KEMCZINSKI, 2020).

2 FUNDAMENTAÇÃO
O processo de atualização do ensino de arquitetura por meio da incorporação do BIM e
das metodologias ativas de aprendizagem tem demandado um esforço considerável de
convencimento, formação e adaptação. Os relatos apresentados no Encontro Nacional
de Ensino de BIM (ENEBIM) desde 2018 reforçam o caráter lento e gradual deste
processo ao demonstrarem que o ensino de BIM em cursos de arquitetura no Brasil
ainda é pouco voltado à formação de competências por meio de estratégias de
aprendizagem ativa, embora o contexto de ensino remoto imposto pela pandemia tenha
tornado a adoção destas estratégias ainda mais urgente (CHECCUCCI; RUSCHEL; LIMA,
2020). Em geral a introdução ao BIM tem ocorrido em disciplinas de representação
gráfica digital por meio de um processo de ensino-aprendizagem baseado na
transmissão de conteúdos técnicos, e na reprodução de desenhos e passos pré-definidos
pelos professores. Tarefas deste tipo podem ser realizadas de maneira mecânica pelo
aluno, e assim passar uma falsa impressão de aprendizagem, apenas revelada quando o
aluno tenta aplicar o que aprendeu em outro contexto (TAMASHIRO, 2010, p. 91). Esta
abordagem passiva também deixa o aluno mais dependente da explicação do professor,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 323

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

torna o processo menos instigante, e resulta em trabalhos muito parecidos e passíveis


de plágio.
Diante deste cenário, o presente trabalho amplia o conjunto de relatos publicados sobre
metodologias ativas em cursos de arquitetura no Brasil (Quadro 1) a fim de contribuir
para o aperfeiçoamento do ensino de arquitetura e, em especial, de representação
gráfica digital. Para tanto, este trabalho apresenta uma experiência de aplicação de
estratégias de aprendizagem ativa no exercício de reconstrução virtual e redenho de
projeto arquitetônico exemplar com plataforma BIM durante a transição do ensino
presencial em 2019 para o ensino remoto emergencial em 2020 e 2021. As estratégias
adotadas foram: a ampliação da liberdade de escolha dos alunos, a qual recaiu sobre o
projeto arquitetônico selecionado para estudo, e a disponibilização on-line de material
didático em formato de vídeo elaborado pela docente-pesquisadora para apoiar o
processo de ensino-aprendizagem de ferramentas e processos BIM. Embora o uso deste
tipo de material didático tenha sido especialmente estimulado pelo contexto de ensino
remoto emergencial, ele já vinha sendo adotado em experiências de ensino de BIM
anteriores à pandemia (CASTRIOTTO; CUPERSCHMID, 2018; AVALONE NETO, 2019) e
apontado como preferido por alunos de representação gráfica (FERREIRA et al., 2018).
Entretanto, o potencial deste tipo de material didático para promover uma
aprendizagem mais ativa de representação gráfica ainda foi pouco analisado.
Similarmente, a ampliação da liberdade de escolha dos alunos tem recebido pouca
atenção em relatos de ensino de representação gráfica, apesar de contribuir para
flexibilizar a aprendizagem, abarcar as singularidades dos alunos; estimular a motivação
intrínseca e promover a competência da metacognição (SIGNORET, 2013)(SIMMONS;
PAGE, 2010) (RADENSKI, 2009).
Quadro 1 – Levantamento de publicações contendo relatos de experiências de ensino com metodologias ativas em
cursos de Arquitetura no Brasil.

Autor(es), ano Disciplina/ conteúdo Estratégia(s) de aprendizagem ativa


Preservação ambiental;
(OLIVEIRA; MUSSI, 2020) Itinerário arquitetônico urbano.
patrimônio

(SILVA et al., 2019) BIM Colaboração interdisciplinar e projeto desafio.

(ZUCCHERELLI, 2019) Projeto arquitetônico Sala de aula invertida e estudo de caso.

Colaboração, resolução de problemas, contato


(PANAINO; OLIVEIRA, 2019) Estruturas das edificações com realidades diversas, integração entre
disciplinas, liberdade de escolha e autonomia.

(SANCHES; RIBEIRO, 2018) Projeto algorítmico Atividades lúdicas.

Impactos Ambientais
(MELLO et al., 2018) Colaboração e resolução de problemas.
Urbanos

(MOREIRA; KUJAWA; Resolução de problemas, visita técnica, e


Fundamentos sociais
ALMEIDA, 2018) integração entre disciplinas.

Projeto de Arquitetura, Colaboração, desafio, resolução de problemas, e


(ECKER; ORTIZ, 2018)
Urbanismo e Paisagismo I intervenção urbana.

(BOTTURA, 2018) História da Arquitetura Colaboração.

Colaboração, resolução de problemas, sala de


aula invertida, instrução por colegas, projeto,
(MAZIERO, 2018) Topografia
ensino sob medida, times, mapa conceitual, e
ativação de conhecimento prévio.
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(TULLIO, 2017) Estrutura em metal Resolução de problemas e autoavaliação.


Fonte: Elaborado pelo autor.

3 METODOLOGIA
O exercício de reconstrução virtual e redesenho de projeto arquitetônico exemplar em
plataforma BIM apresentado no presente relato vem sendo desenvolvido pela autora—
juntamente com demais professores responsáveis, monitores e estagiários docentes—
na disciplina de Representação Gráfica II (RG2). Esta disciplina de seis créditos é ofertada
no terceiro semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul a aproximadamente 45 alunos divididos em quatro turmas. Desde
2017, este exercício tem introduzido os alunos do curso ao BIM, por meio da plataforma
Archicad Educacional, para estudo de projetos exemplares e desenvolvimento de
representações variadas, como modelos virtuais, diagramas, vistas ortográficas,
detalhes construtivos, perspectivas e animações. Em 2021, os alunos passaram a ser
introduzidos ao BIM na disciplina precedente de representação gráfica por meio de um
exercício similar, porém mais curto e básico, que proporcionou aos alunos uma melhor
preparação para o exercício mais completo e longo proposto em RG2. O presente relato
enfoca a fase mais recente e madura de desenvolvimento deste exercício ocorrida entre
2019 e 2021, sendo que em 2019 a disciplina foi ministrada em modo presencial, e em
2020 e 2021 em modo remoto devido ao contexto de pandemia. Os desenhos abaixo,
desenvolvidos por uma aluna da disciplina e selecionados por sua excelência,
exemplificam alguns dos resultados alcançados durante o exercício (Figura 1).
Figura 1 - Corte perspectivado e perspectiva explodida desenvolvidos por aluna da disciplina

Fonte: Yasmin Lima, 2020.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 325

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O monitoramento e a avaliação das estratégias de aprendizagem ativa aplicadas durante


o exercício se basearam na percepção da docente-pesquisadora a partir de observações;
registros e análises embasadas teoricamente; e na percepção dos alunos manifestada
em aula e em questionário. Considerou-se como estas percepções variaram de um
semestre para outro: em 2019/2, antes da incorporação das estratégias, e em 2020/1,
2020/2 e 2021/1, após a incorporação das estratégias e sucessivos aperfeiçoamentos. A
percepção dos alunos sobre o exercício realizado em 2020/2 também pôde ser
comparada com a percepção sobre um exercício similar desenvolvido pelos mesmos
alunos em 2020/1 na disciplina precedente de representação gráfica, mas em um
período mais curto e sem a oportunidade de escolha do projeto selecionado para
estudo. O questionário de preenchimento anônimo e voluntário foi disponibilizado aos
alunos no Ambiente Virtual de Aprendizagem oficial da instituição de ensino, o Moodle.
O questionário continha questões de múltipla escolha e campos abertos para
comentários sobre as preferências de aprendizagem do aluno; os aspectos considerados
mais positivos e negativos da experiência didática, e sugestões de melhoria.

4 RESULTADOS POR SEMESTRE

2019/2
No segundo semestre de 2019, a disciplina de RG2 adotou o método tradicional de
ensino de representação gráfica digital baseado em aula expositiva com retroprojetor
em laboratório de informática. Para um maior controle do processo e de seus
resultados, facilitar o exercício, e otimizar o tempo de execução, o projeto arquitetônico
exemplar estudado foi pré-selecionado pelos professores e os passos necessários para
a execução do exercício em plataforma BIM foram apresentados em aula.
O questionário apresentado durante o exercício teve a participação de 20 alunos. Dentre
os aspectos da experiência didática considerados mais positivos, os alunos destacaram
a solicitude dos professores (8 menções), e a organização do cronograma e dos horários
(6 menções). Ainda foram mencionados como aspectos positivos o formato digital da
entrega, o assessoramento e monitoria, a colaboração entre colegas, os novos
aprendizados relevantes, e o hábito de revisão das aulas anteriores (1 menção para cada
item). Dentre os aspectos negativos, os alunos destacaram a falta de assessoria e
monitoria para atendimento de dúvidas em sala de aula (11 menções), falta de tempo
em sala de aula para a elaboração do exercício (6 menções), o ritmo acelerado das
explicações (5 menções), inconsistências na documentação do projeto selecionado para
estudo (5 menções); deficiências na explicação (4 menções); dificuldades de visualização
e escuta das aulas (3 menções); aulas excessivamente passivas, cansativas e propícias à
distração (3 menções); insatisfação com o projeto selecionado (2 menções); e falta de
material didático de apoio à aprendizagem de plataforma BIM (2 menções).
A experiência da docente-pesquisadora em sala de aula confirmou os problemas
identificados pelos alunos no questionário. Era difícil para eles conciliar atenção à
demonstração do uso da plataforma BIM e aplicação no computador. Imprevistos
durante a aplicação faziam com que os alunos perdessem uma etapa da demonstração
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 326

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e ficassem para trás, ou que interrompessem a demonstração para pedir ajuda,


deixando a turma dispersa, e os docentes e monitores sobrecarregados. Os alunos que
não desenvolviam interesse pelo projeto selecionado pelos professores se sentiam
menos motivados para realizar o exercício. Além disso, a grande semelhança entre os
trabalhos dificultava a detecção de plágio, e indicava um processo pouco criativo e
aberto às singularidades de cada aluno. Como as principais decisões cabiam aos
professores, os alunos se sentiam menos responsáveis pelo processo de aprendizagem,
e se tornavam mais críticos à atuação docente quando dificuldades ou imprevistos
aconteciam, como, por exemplo, quando se identificou inconsistências na
documentação do projeto exemplar selecionado para estudo.

2020/1
No primeiro semestre de 2020, os alunos passaram a ter mais autonomia para escolher
o projeto exemplar de estudo, a fim de garantir um exercício mais significativo e
motivante; estimular o senso de corresponsabilidade pela aprendizagem; e promover a
metacognição e a criatividade na medida em que cada aluno teria que pesquisar a
documentação e as características do projeto escolhido e adaptar as ferramentas,
métodos, processos, e princípios de representação apresentados às singularidades do
seu projeto. A escolha do projeto deveria se basear nos seguintes critérios:
exemplaridade (ter qualidade reconhecida); viabilidade (conter informações acessíveis
e suficientes para a realização do exercício); singularidade (não ter sido escolhido por
outro aluno, inclusive de semestres anteriores); e complexidade baixa (edificação de
pequeno porte com dois andares). Atendendo a estes critérios, a maioria dos alunos
selecionou projetos residenciais construídos no Brasil entre 2010 e 2020 a partir de
pesquisa no site ArchDaily.
No primeiro semestre de 2020, também foi disponibilizado online material didático em
formato de vídeo, permitindo aos alunos visualizar a demonstração da plataforma BIM
com maior nitidez; e pausar e retomar a explicação no seu próprio ritmo, de acordo com
as suas necessidades. Os vídeos foram especialmente elaborados para a disciplina pela
docente-pesquisadora com o aplicativo gratuito Open Broadcaster Software (OBS
Studio), utilizando o recurso de gravação de tela e microfone. Optou-se por vídeos
curtos, claros e objetivos para facilitar a localização dos tópicos de interesse, e a pausa
necessária para aplicação e assimilação dos recursos apresentados. Uma playlist
contendo 110 vídeos de aproximadamente 4 minutos e meio cada foi publicada na
plataforma Youtube a fim de torna-la acessível além do âmbito da instituição de ensino
(COLOMBO, 2020). Os alunos foram orientados a assistir aos vídeos e praticar os seus
conteúdos fora do horário de aula. A aula era reservada para a fundamentação teórica,
assessoramento, esclarecimento de dúvidas e acompanhamento do processo de
aprendizagem.
O questionário apresentado durante o exercício teve a participação de 22 alunos. Na
questão de múltipla escolha sobre os materiais didáticos da disciplina 40.9% dos
respondentes considerou ótimo, 31.8% considerou bom, e 27.3% considerou regular.
Na questão sobre o meio de preferência para aprendizagem de ferramentas
computacionais, 72.7% dos respondentes preferiu vídeos gravados, 22.7% preferiu aulas
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 327

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síncronas, e 4.5% não tinha preferência. No campo aberto para comentários, os alunos
destacaram como aspectos mais positivos da experiência didática: o uso de videoaulas
(12 menções), e o uso de reconstrução virtual como método de aprendizagem (2
menções). Ainda foram mencionados como aspectos positivos a liberdade de escolha
do projeto de estudo, os novos aprendizados relevantes e a solicitude dos professores
(1 menção para cada item). Dentre os aspectos apontados como negativos, destacaram-
se a sobrecarga de trabalho extraclasse (6 menções), deficiências nas explicações (4
menções), falta de plantão de monitoria fora do horário de aula (2 menções) e aulas
cansativas (1 menção).
O questionário apresentado no final do exercício teve a participação de nove alunos. As
respostas reforçaram os resultados gerais do questionário anterior, com exceção da
resposta de um aluno que relatou dificuldades para aprender ferramentas BIM por meio
de vídeos. Além da necessidade de constante aperfeiçoamento, esta resposta reforça o
entendimento de que cada aluno pode ter um tempo diferente de adaptação a novos
métodos e ferramentas; e de que um único tipo de material didático ou método de
aprendizagem raramente é capaz de atender às singularidades de todos os alunos
(SENSKE, 2017; TULLIO, 2017; Conf. FERREIRA et al., 2018).
O entusiasmo com o qual os alunos em geral receberam a introdução de vídeos refletiu
em parte o caráter de novidade que este tipo de material didático tinha na ocasião; bem
como a sua capacidade de facilitar a aprendizagem de ferramentas computacionais e o
acesso ao conteúdo das aulas. A introdução de vídeos contribuiu para superar os
seguintes problemas apontados pelos alunos no semestre anterior: falta de assessoria e
monitoria em aula; ritmo acelerado das explicações, dificuldade de escuta e
visualização, e falta de material didático. Já a introdução da oportunidade de escolha do
projeto contribuiu para superar a insatisfação com o projeto selecionado para estudo e
com a documentação fornecida; e para diminuir a percepção das aulas como sendo
passivas e cansativas. Esta estratégia também contribuiu para que os alunos
desenvolvessem uma postura mais proativa e autônoma, o que se refletiu, por exemplo,
no maior destaque dado por eles aos materiais e métodos de aprendizagem do que à
solicitude dos professores.

2020/2
Considerando estes resultados gerais positivos, as estratégias de aprendizagem ativa
implementadas no primeiro semestre de 2020 foram continuadas no segundo semestre
com alguns aperfeiçoamentos, como a introdução do plantão de monitoria fora do
horário de aula; do assessoramento em grupos menores (Breakout Rooms) onde os
alunos se sentiam mais à vontade para interagir, e da possibilidade de trabalho em dupla
na primeira etapa do exercício. Para reduzir a carga de trabalho extraclasse, os itens de
entrega foram revisados; o fluxo de trabalho foi fragmentado em etapas menores e mais
factíveis; e um template com configurações de leiaute, canetas, vegetais, cotas,
símbolos, rótulos, tramas e sobreposições gráficas foi elaborado e disponibilizado aos
alunos. Para acentuar o foco na aprendizagem, optou-se por omitir a nota de cada etapa
(avaliação somativa) e manter apenas os comentários, anotações e sugestões de
melhorias (avaliação formativa), os quais deveriam ser incorporados à entrega final.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 328

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Além disso, visando o aperfeiçoamento do material didático, alguns vídeos foram


editados com aplicativos gratuitos (Avidemux, MKVToolNix, e aTube Catcher); e novos
vídeos foram acrescentados. O conjunto resultante de 153 vídeos foram organizados em
14 playlists e disponibilizados em um canal do Youtube próprio da disciplina. Os tópicos
abordados nas playlists foram: Apresentação, Introdução ao BIM, Introdução ao
Archicad, Rastreamento e pontos de vista, Diagrama de zoneamento, Modelagem de
elementos construtivos, Modelagem de itens de biblioteca, Documentação, Canetas,
Vistas, Leiaute e publicação, Detalhamento, Corte perspectivado, Perspectiva explodida,
Colagem e Renderização (COLOMBO, 2021).
O questionário apresentado durante o exercício teve a participação de 16 alunos. A
primeira questão perguntava sobre o método preferido pelo aluno para aprendizagem
de BIM aplicado ao estudo de projetos arquitetônicos exemplares. Cinco alunos (31.3%)
preferiram o método que haviam experimentado na disciplina precedente de
representação gráfica, o qual consistia em replicar um passo a passo pré-definido para
reconstrução virtual de projeto selecionado pelos professores (MOG, 2020). Onze
alunos (68.8%) preferiram o método proposto em RG2, o qual consistia em adaptar
princípios, métodos e ferramentas para reconstrução virtual de projeto selecionado
pelo próprio aluno. No campo aberto para comentários, os alunos justificaram a escolha
da primeira opção por esta facilitar o processo de ensino-aprendizagem (2 menções),
adequar o exercício ao nível de iniciante (1 menção), atingir maior precisão (1 menção),
e evitar que o aluno aprenda por conta própria (1 menção). O principal argumento
apresentado pelos alunos para justificar a escolha da segunda opção foi enriquecer as
aulas com uma maior diversidade de exemplos e experiências (5 menções). Outras
justificativas apontadas pelos alunos para a escolha da segundo opção foram:
experimentar um método diferente daquele já adotado anteriormente, estimular a
pesquisa, intensificar o foco no processo de aprendizagem, estimular a autonomia, e
proporcionar trabalhos mais autênticos e singulares (1 menção para cada item).
Na questão de múltipla escolha sobre qual o meio de assessoramento o aluno preferia,
sete alunos (43.8%) responderam “aula síncrona”, quatro alunos (25%) responderam
“monitoria síncrona”, quatro alunos (25%) responderam “fórum do Moodle
(assíncrono)” e um aluno (6.3%) respondeu que não tinha preferência. Os motivos
apresentados para a escolha da primeira opção foram a sua maior facilidade, praticidade
e interatividade. A monitoria foi destacada por alguns alunos por permitir atendimento
em grupos menores, deixando os alunos mais à vontade para interagir. Já o fórum foi
escolhido por estar sempre disponível e por permitir a consulta das perguntas e
respostas por todos os colegas.
No campo aberto para comentários, os alunos consideraram como mais positivos os
seguintes aspectos da experiência didática: novos aprendizados relevantes (12
menções), solicitude dos professores (6 menções), diferentes meios de assessoramento
(4 menções), processo de aprendizagem mais natural, baseado em desafios (3
menções), e a organização das atividades (2 menções). Os aspectos considerados mais
negativos foram: sobrecarga de trabalho extraclasse (9 menções), falta de tempo de aula
para visualização dos vídeos e prática de seus conteúdos com a assessoria dos
professores (3 menções), deficiências nas explicações (2 menções), conteúdo muito
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 329

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avançado (2 menções), escolha de projeto excessivamente complexo (1 menção), e


aulas longas e cansativas (1 menção).
No último campo do questionário, os alunos fizeram as seguintes sugestões de melhoria
da experiência didática: revisar a ordem de apresentação dos conteúdos e aumentar o
tempo de preparação das entregas (6 menções); alocar mais tempo para
assessoramento síncrono (5 menções), integrar mais as aulas síncronas e videoaulas (5
menções), fornecer mais comentários formativos para as entregas intermediárias (2
menções), esclarecer melhor os itens de cada entrega e o nível de detalhamento
esperado (2 menções), e delimitar melhor os critérios de escolha do projeto (2
menções). As sugestões que tiveram apenas uma menção foram: publicar os vídeos
gravados para responder as perguntas apresentadas pelos alunos durante o
assessoramento; e disponibilizar vídeos mais longos e detalhados sobre os comandos
básicos da plataforma BIM.

Do primeiro para o segundo semestre de 2020, os alunos passaram a destacar mais os


novos aprendizados relevantes do que o material didático em formato de vídeo. Esta
mudança reflete a eficiência das ações de aprimoramento didático adotadas e o fato de
que os alunos do segundo semestre já estavam mais acostumados com o uso de
videoaulas devido à introdução deste tipo de material didático na disciplina de
representação precedente. Dentre os aspectos negativos apontados pelos alunos,
persistiu a sobrecarga de trabalho extraclasse, apesar das medidas adotadas para
amenizar este problema. Esta persistência reflete em parte um semestre atípico, no qual
os alunos em geral estavam cursando um maior número de disciplinas. Além disso, a
introdução de um maior número de entregas intermediárias teve o efeito contrário ao
pretendido, pois deixou os alunos mais ansiosos. Conforme sugerido pelos alunos, a
sobrecarga extraclasse poderia ser amenizada com a disponibilização de tempo de aula
para a visualização dos vídeos; e com uma delimitação mais clara do nível de
complexidade recomendado para o projeto selecionado e para a reconstrução virtual.

2021/1
No primeiro semestre de 2021, as estratégias de aprendizagem ativa foram continuadas
com novos aperfeiçoamentos. O template foi atualizado, a quantidade de entregas
intermediárias foi reduzida, as atividades foram melhor distribuídas durante o semestre,
e a necessidade de se selecionar projetos de baixa complexidade foi esclarecida. Além
disso, foi expandida a possibilidade de trabalho em dupla para outras etapas da
disciplina e aperfeiçoado o uso das ferramentas de colaboração BIM. Por fim, o
conteúdo dos vídeos passou a ser introduzido de maneira sucinta nas aulas síncronas,
diminuindo o tempo necessário para visualização e compreensão dos vídeos fora do
horário de aula; e permitindo aos professores atualizar e aperfeiçoar os conteúdos
abordados em vídeo apenas disponibilizando a gravação da aula síncrona, sem a
necessidade de produzir e editar novos vídeos fora do horário de aula.
O questionário apresentado durante o exercício teve a participação de sete alunos. As
respostas em geral se assemelharam àquelas do semestre anterior. Seis alunos (86%)
preferiram o exercício baseado em projeto selecionado pelo próprio aluno, enquanto
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 330

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um aluno (14%) preferiu o exercício baseado em projeto selecionado pelos professores.


Na questão de múltipla escolha sobre qual meio de assessoramento o aluno preferia, a
“aula síncrona” ficou em primeiro lugar (56%), seguida pela “monitoria síncrona” (33%)
e pelo “fórum” (11%). Os aspectos da experiência didática apontados como mais
positivos foram: liberdade de escolha, autonomia e flexibilidade (4 menções), novos
aprendizados relevantes (3 menções) e professores solícitos (3 menções). Outros
aspectos considerados positivos foram: o método de aprendizagem, a organização do
cronograma, a avaliação formativa, a possibilidade de trabalho em dupla, os materiais
didáticos de apoio disponibilizados online, e a possibilidade de se assistir o
assessoramento dos colegas (1 menção para cada item). Embora os alunos não tenham
feito sugestões de melhoria, professores de outras disciplinas têm sugerido o
aperfeiçoamento do template de maneira a facilitar a personalização de símbolos e
tramas; e a adaptação do modelo e dos desenhos ao nível de detalhamento
recomendado para cada fase do projeto.

5 CONCLUSÃO
A partir da experiência de ensino relatada, constatou-se que o uso de material didático
em formato de vídeo e a ampliação da liberdade de escolha dos alunos contribuíram
significativamente para promover um processo de aprendizagem mais ativo. Os vídeos
aumentaram a autonomia dos alunos ao flexibilizar o ritmo de aprendizagem e ao
facilitar a visualização das demonstrações e explicações de maneira especialmente
relevante para a aprendizagem de ferramentas computacionais que envolvem muitas
etapas e configurações. Embora a produção de material didático em formato de vídeo
para visualização pelos alunos fora do horário de aula tenha tido resultados positivos, a
experiência relatada apontou que o uso de vídeos gravados durante as aulas síncronas
pode ser mais vantajoso por otimizar o tempo investido pelos professores na elaboração
dos vídeos, facilitar a atualização dos conteúdos abordados, permitir aulas mais
interativas, e diminuir o tempo dedicado pelos alunos à visualização de vídeos fora do
horário de aula. Apesar de suas importantes contribuições, o uso de vídeos não eliminou
a necessidade de assessoramento personalizado e acompanhamento da aplicação
prática dos conteúdos apresentados. Além disso, o uso de vídeos por si só se mostrou
insuficiente para garantir uma aprendizagem ativa, pois os alunos ainda poderiam
meramente repetir de maneira mecânica os passos apresentados nos vídeos. Para
alcançar uma aprendizagem ativa, ainda seriam necessárias estratégias como a
liberdade de escolha. Na experiência relatada, a oportunidade de escolha recaiu sobre
o projeto exemplar estudado. Esta estratégia mais aberta a imprevistos e desafios tende
a diminuir o controle dos professores sobre o processo de aprendizagem e seus
resultados, e a demandar mais tempo dos alunos para a elaboração do exercício em
comparação com a estratégia de seleção pelos professores de um único projeto para
todos os alunos. Entretanto, para os professores e para a maioria dos alunos, estas
dificuldades se mostraram menores diante do enriquecimento do processo de
aprendizagem derivado da exposição a uma maior diversidade de exemplos e situações
de projeto e representação; do estímulo à pesquisa sobre o projeto escolhido; da
intensificação do senso de responsabilidade, do maior foco no processo de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 331

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

aprendizagem; e da adaptação criativa dos princípios, métodos e ferramentas


apresentadas às singularidades de cada projeto. Estratégias complementares de
aprendizagem ativa adotadas na experiência relatada que também apresentaram
resultados positivos do ponto de vista de alunos e professores foram uma maior ênfase
na avaliação formativa, possibilidade de trabalho colaborativo, e assessoramento em
grupos menores.

AGRADECIMENTOS
Agradeço aos alunos, monitores, estagiários docentes e professores que participaram
da experiência didática relatada neste trabalho por suas valiosas contribuições.

REFERÊNCIAS
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In: ENCONTRO NACIONAL SOBRE O ENSINO DE BIM (ENEBIM). Universidade Federal do Ceará: 2019. Disponível em:
<https://www.antaceventos.net.br/index.php/enebim2019/enebim/schedConf/presentations>.
BOTTURA, R. de A. O MÉTODO TBL COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO EM AULAS DE HISTÓRIA DA ARQUITETURA.
Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 3, n. 3, p. 34–46, 19 dez. 2018.
CAMISASSA, M. M. dos S.; PORTUGAL, J. G. O redesenho de obras paradigmáticas como estratégia didática no
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CASTRIOTTO, C. M.; CUPERSCHMID, A. R. M. Blended Learning como suporte ao ensino de BIM na graduação:
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NACIONAL SOBRE O ENSINO DE BIM (ENEBIM). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo: 2018.
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O uso de ferramentas BIM como alternativa para análises locais


no ensino de fases iniciais do projeto de arquitetura no período
pandêmico da COVID-19

Géssica Nogueira dos SANTOS


Faculdade Anhanguera - Macapá; gessicanogueira@live.com

RESUMO
O presente artigo trata-se de um estudo de caso que aborda o uso do software Revit, considerado
ferramenta de Building Information Modeling - BIM, como facilitador no ensino remoto da fase inicial de
análises locais de projeto de arquitetura. A experiência acontece dentro da disciplina de ateliê de projeto
de arquitetura de um curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo em Macapá-AP. A presente
pesquisa, através do software Revit 2019, simulou os estudos do terreno através de sua modelagem: em
suas formas e dimensões; em sua orientação quanto ao sol; acessos; legislação pertinente (gabarito e
afastamentos); e relações com o entorno através da inserção de base de imagem de satélite do software
Google Earth. Estes estudos foram expostos e discutidos em aula remota, regular com alunos do 4º termo
do curso de arquitetura e urbanismo, no segundo semestre de 2021, através do software Microsoft Teams.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de arquitetura, BIM, Revit, ateliê de projeto de arquitetura

1 INTRODUÇÃO
O ensino de Arquitetura e Urbanismo tem sofrido mudanças significativas no país. Desde
o início da pandemia da COVID-19, no primeiro semestre de 2020, temos assistido
cursos de arquitetura e urbanismo se tornarem adeptos de modelos de educação a
distância, o ensino remoto, on-line, síncrono ou assíncrono. As condições de ensino se
tornaram desafiadoras, em especial, para disciplinas com maiores cargas horárias
práticas, como o caso de disciplinas de prática projetual de arquitetura e urbanismo, os
ateliês de projeto de arquitetura.
No Brasil, o ensino superior enfrentou, e ainda enfrenta, o contexto do distanciamento
social e espacial, logo, a ausência do convívio da sala de aula e demais espaços de ensino
onde se permite a troca e experimentação in loco. Experiências estas comuns no ensino
de Arquitetura e Urbanismo. Em consequência, gerou-se impactos signativos na vida de
docentes e discentes.
Surge ainda outro conflito relacionado a práticas indissociáveis à formação de arquitetos
e urbanistas, estas são ligadas a vivência dos espaços urbanos e da cidade. Prática
impossibilitada dentro do contexto da pandemia da COVID-19. A experimentação do
espaço urbano norteia as soluções tomadas pelo arquiteto e urbanista. A compreensão
de sítios, terrenos, lugares torna o processo de se pensar arquitetura fluído e
contundente. Como reflexo, emerge o questionamento relativo a como garantir um
ensino de qualidade das materialidades inerentes a Arquitetura e Urbanismo frente ao
cenário pandêmico?
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 335

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

O objetivo deste estudo de caso foi vislumbrar possibilidades e alternativas, dentro do


ensino remoto, para a aproximação de acadêmicos de arquitetura e urbanismo com
análises locais de sítio para implantação de projetos arquitetônicos para a garantia da
boa prática de arquitetura. A apropriação das características da área de projeto pelo
projetista é necessária para uma arquitetura de qualidade.

Dentro do universo do Building Information Modeling –BIM, com tradução literal para
Modelagem da Informação da Construção, entende-se o BIM como uma plataforma da
tecnologia da informação aplicada à construção civil, plataforma esta composta por
ferramentas inerentes (softwares). Este estudo de caso aborda o uso do software BIM
Revit como facilitador no ensino remoto da fase inicial de análises locais de projeto de
arquitetura, na disciplina de Atelier de Projeto de Arquitetura Residencial de Alta
Complexidade do curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Macapá, em Macapá-AP.

As análises locais do sítio de implementação do projeto arquitetônico são fundamentais


para embasamento da tomada de decisões projetuais. Esta fase envolve a compreensão
dos aspectos de natureza físico-espacial do terreno. O terreno fica localizado na Rua
Adílson José Pinto Pereira, no bairro Jardim Felicidade, na zona norte da cidade de
Macapá, e foi determinado pelo planejamento da disciplina devido: as suas dimensões
(150m x 200m); ser um vazio urbano; e estar localizado em uma área com diversos
serviços públicos e urbanos; o que implicá em pontenciais para o desenvolvimento da
temática da disciplina que é a Habitação Coletiva de Interesse Social.
O presente estudo simulou os estudos do terreno através de sua modelagem: em suas
formas e dimensões; em sua orientação quanto ao sol; acessos; legislação pertinente
(gabarito e afastamentos); e relações com o entorno através da inserção de base de
imagem de satélite do software Google Earth no software Revit 2019. Estes estudos
foram expostos e discutidos em aula remota, regular com alunos do 4º semestre
(termo), no dia 11 de outubro de 2021, através do software Microsoft Teams. A
videoconferência teve duração de 1h19min.
Para a realização das modelagens no software Revit 2019, foi realizada pesquisa
bibliográfica e documental dos aspectos físicos do terreno, através da base cartográfica
do Mapa de Setorização de Macapá, disponível em extensão .dwg, da Lei de Uso e
Ocupação do Solo de Macapá (MACAPÁ, 2017); bem como base de imagens de satélite
do Google Earth. A disciplina faz parte da grade regular de ensino e teve seu término no
mês dezembro de 2021, com o resultado de projetos de arquitetura de habitações de
interesse social para a cidade de Macapá.
No estado do Amapá, o ensino superior inicia seu retorno presencial gradativo frente a
protocolos de higiene e saúde. Na instituição do estudo de caso, essa realidade iniciou
na segunda metade do mês de outubro, de forma gradativa, intercalada, e priorizando
disciplinas com carga horária prática relevante.
O estudo de caso em questão é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso da autora
no Curso de Pós-graduação lato sensu - Especialização em Building Information
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 336

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Modeling, promovido pelo Núcleo de Educação a Distância da Pontifícia Universidade


Católica de Minas Gerais.

2 ESTUDOS PRELIMINARES DE PROJETO NO CONTEXTO VIRTUAL BIM


O processo de projeto de arquitetura envolve diversas etapas que vão desde a
concepção inicial do edifício a ser projetado até a projeto executivo com seu
detalhamento técnico respectivo. Nas fases iniciais de projeto, entendidas como partido
arquitetônico, os estudos se desdobram na coleta de informações conceituais e
espaciais, formando, segundo Neves (1998, p. 71) “o binômio conceitual-espacial
indispensável à consideração no planejamento arquitetônico”.
Os aspectos conceituais referenciam-se aos estudos de conceituação da temática de
projeto, caracterização da clientela, construção do programa arquitetônico pela
sintetização das demandas de projeto, criação de arcabouço analítico para
estabelecimento de parâmetros de projeto, e o amadurecimento do entendimento
dessas relações estudadas.
Quanto aos aspectos espaciais, trata-se das análises locais para o levantamento e
compreensão dos aspectos físicos da área de implantação de projeto. Este é
determinante para a concepção da forma do edifício. De acordo com Almeida (2018), as
análises locais do terreno permitem entender as potencialidades e qualidades físicas,
ambientais e socioeconômicas de uma determinada região, assim como verificar as
fragilidades e possíveis impactos negativos que a área e seu entorno podem sofrer com
o empreendimento projetado. Um bom estudo do terreno garante benefícios no
processo de projeto, impactando na qualidade de vida dos futuros usuários.
Para Neves (1998) as análises locais do sítio de implementação do projeto arquitetônico
podem ser obtidas através de três ordens de procedimentos, são elas: 1) a da escolha
do terreno; 2) a da análise da planta do terreno; 3) a decorrente da análise das
características do terreno ou a ele relacionadas. Este último se desdobra no
entendimento das seguintes variáveis fisicas: forma e as dimensões; relevo; orientação
quanto ao sol e quanto aos ventos; os acessos; as relações com o entorno; e a legislação
pertinente.
Pode-se entender esss variáveis físicas do sítio em quatro segmentos: de morfologia do
terreno (forma, dimensões, relevo, acessos); aspectos climáticos do sítio (insolação,
ventilação, pluviosidade); características de vizinhança (serviços e equipamentos
públicos, edificações vizinhas); e aspectos legais (plano diretor, legislação de uso do solo,
código de obras, legislações ambientais). É vital ao arquiteto que essa apropriação de
tais aspectos e características aconteçam anteriormente a fase de desenvolvimento de
forma e espacialização do projeto.
Estas análises nortearão, em maior ou menor grau, as decisões e soluções
arquitetônicas. Almeida (2018) cita como necessário o mínimo de uma visita in loco ao
terreno em que se for projetar. As visitas permitem compreender características como
o sombreamento das edificações no entorno imediato, categorizar as melhores vistas
da área, vivenciar o cotidiano da vizinhança, entre outras particularidades do local.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 337

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Contudo, no atual contexto de distanciamento social e do ensino remoto de projeto de


Arquitetura e Urbanismo, torna-se relevante, para estudantes, professores e projetistas,
abordar recortes do modelo de ensino remoto praticado neste momento (SILVA, 2021).
As práticas das disciplinas de ateliês de projeto de arquitetura necesitaram buscar
alternativas para sua realização. No ensino de Arquitetura e Urbanismo, a adoção de
métodos virtuais faz parte do cotidiano de diversas instituições de ensino superior.
Para Araújo (2007, p.167) “o ateliê virtual exige maior concentração, empenho, tempo
e inclusive até mesmo o desprendimento, para melhor compreender eventuais
mensagens 'truncadas'”. A autora frisa ainda o caráter integrativo e colaborativo dos
ateliês virtuais de arquitetura, e vê esse processo facilitado pelas novas tecnologias, mas
não originados nestas.
Maher e Simoff (2006 apud SILVA, 2021) afirmam a existência de diversos modos de
viabilizar o uso de ambientes virtuais computacionais para desenvolvimento de projetos
colaborativos, e que estas práticas têm se tornado cotidianas. Os autores apresentam o
conceito do ambiente colaborativo como um estúdio de design, onde no estúdio se
modela o lugar e o local é um modelo do objeto ou edifício que está sendo projetado.
Dentro da perspectiva das tecnologias como facilitadoras do processo de ensino de
atelier de projeto de Arquitetura e Urbanismo, apresenta-se a metodologia Building
Information Modeling - BIM como apoio na integração dos conhecimentos próprios do
processo projetual, e no reforço da aprendizagem baseada no paradigma de
competências, para a formação do futuro profissional de Arquitetura e Urbanismo
(BATISTELLO et al., 2019).
Eastman et al. (2014) pontuam em três momentos o processo de projeto a partir da
aplicação do BIM, sendo: o 1º) o processo conceitual, onde há a concepção de projeto e
o planejamento das próximas etapas que envolverão o todo, considerando a volumetria,
os condicionantes ambientais, as características e impactos do sítio, entre outros; o 2º)
é a análise dos sistemas de construção, onde simula-se e avalia-se as decisões e seus
reflexos aplicáveis ao edifício real; e o 3º) a geração de informações, onde diversos
documentos são gerados pela ferramenta BIM.
Ressalta-se então uma das possibilidades do BIM, na perspectiva da tecnologia, o BIM
como simulador de projetos, podendo ser aplicado desde as fases iniciais do partido
arquitetônico, entre elas as análises locais do terreno. Entende-se a tecnologia BIM
como uma alternativa e ferramenta de aprendizagem, que influencia o processo de
projeto (BATISTELLO et al., 2019).
Batistello et al. (2019, p.12) afirmam que e a tecnologia BIM “intercede como uma
ferramenta de efetivação de competências, uma vez que possibilita ao estudante refletir
sobre o terreno o qual está aprendendo a manipular nas disciplinas”. Para os autores,
através do uso de ferramentas BIM e seus softwares paramétricos tridimensionais,
como ArchiCAD®, Revit®, Digital Project® e Tekla®, o aluno obtém conceitos de
proporções e volumetrias e relações topográfica, aplicada na disciplina de Estudo do
Terreno.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 338

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Para Batistello et al. (2019, p.13) “as ferramentas BIM ainda estão em processo de
pesquisa e desenvolvimento, no que diz respeito às áreas e conteúdos complementares
em relação ao processo de projeto arquitetônico”. Mas acredita-se que é possível
percorrer caminhos para a inovação de produtos e processos no ensino de disciplinas
relacionadas a construção civil, em particular com a ajuda das novas tecnologias digitais
como o BIM.

2.1 A FERRAMENTA BIM: AUTODESK REVIT


É possível compreender Building Information Modeling, o BIM, como a combinação de
um conjunto de processos e tecnologias para a criação de uma metodologia que fosse
capaz de gerenciar projetos, processos e instalações relacionados ao edíficio (CBIC,
2016). Uma plataforma para a gestão do “processo de projetar uma edificação ou
instalação e ensaiar seu desempenho, gerenciar as suas informações e dados, utilizando
plataformas digitais (baseadas em objetos virtuais), através de todo seu ciclo de vida”
(CBIC, 2016, p.22).
A plataforma BIM oferece funcionalidades mais eficazes a partir da modelagem das
informações (dados) do edifício ou processo/instalação da construção civil, o que
revoluciona processos popularizados, até então, que se baseam em documentos. Ou
seja, o BIM basea-se em modelos, e não apenas documentos, o que permite simulações
e a gestão eficaz de processos.
É uma única plataforma da tecnologia da informação aplicada à construção civil que
possui ferramentas (softwares), que tornam possível a modelagem, o armazenamento,
a troca, a consolidação e o fácil acesso aos diversos grupos de informações de uma
determinada edificação ou instalação com o objetivo de construção, uso e manutenção.
O BIM atende todo o ciclo de vida de um objeto construído. (CBIC, 2016).
Apesar do termo relativamente novo, o BIM não deve ser entendido como uma
tecnologia tão recente. Percebe-se soluções similares ao BIM sendo utilizadas em
diversas indústrias nas últimas décadas, onde acontece maiores investimento no
desenvolvimento dos projetos devido a complexidade logística de produção ou a
repetição de um mesmo projeto (indústrias automobilísticas, de aviação, entre outras).
O que de fato é novo “é o acesso da indústria da construção civil a essa ferramenta, que
só se tornou possível pelo aumento da facilidade de aquisição de hardwares
(computadores pessoais com grande capacidade de processamento) e softwares” (CBIC,
2016, p.23).
A empresa norte-americana Autodesk, que também desenvolveu o AutoCAD, o software
mais utilizado na indústria da construção civil para desenhos 2D, é a atual líder no
mercado brasileiro de softwares BIM (CBIC, 2016b). Entre os seus produtos, está o
software Revit, que possui direcionamento para o seu uso em fluxos de trabalho BIM no
segmento de edificações.
O Revit é uma solução desenvolvida especificamente para BIM, e permite desenvolver
modelos a partir de seus recursos: de modelagem (arquitetônica, estrutural, sistemas
prediais); anotação; documentação (layout e impressão); levantamento de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 339

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quantitativos; geração de legendas e tabelas; geração de câmeras e renderizações e


geração de passeios virtuais (“walkthroughs”) (CBIC, 2016b).
Este software BIM é o atual líder de mercado (CBIC, 2016b) e anualmente a Autodesk
lança uma nova versão do software com novos recursos e componentes. Dentro do
Revit, todas as informações de modelos são armazenadas em um único banco de dados
coordenado. As alterações e revisões efetuadas nas informações modeladas são
automaticamente atualizadas em todo o modelo, o que reduz significativamente a
quantidade de erros e incompatibilidades, ou seja, uma alteração em um ponto
específico é uma alteração global no projeto. Este possui ainda componentes de sistema
gráfico aberto para design e criação de formas, o que permite criações em níveis cada
vez mais detalhados e possibilidades de ajuste a qualquer momento.

3 ESTUDO DE CASO: BIM NO ENSINO DE FASE INICIAL DO PROJETO DE


ARQUITETURA
O presente estudo de caso adotou o software BIM Revit 2019 para a modelagem das
condicionantes do terreno estudado dentro de disciplina Atelier de Projeto de
Arquitetura Residencial de Alta Complexidade do curso de graduação de Arquitetura e
Urbanismo da Faculdade de Macapá. A simulação do terreno foi apresentada em aula
remota síncrona, no dia 11 de outubro de 2021, através de videoconferência pelo
software Microsoft Teams (apêndice 1).
A testada sul do terreno fica localizado na via arterial Rua Adílson José Pinto Pereira, no
bairro Jardim Felicidade, na zona norte da cidade de Macapá. O terreno é plano,
retangular, e possuí dimensões de 150 m x 200 m. Possui três vias de acesso. E é
setorizado pela Lei de Uso e Ocupação do Solo - LUOS do município como fazendo parte
do Setor Residencial 4 (MACAPÁ, 2017).
A modelagem dos dados dentro do software Revit 2019 iniciaram com a criação de um
platô através da ferramenta Superfície Topográfica, em uma vista em planta do modelo,
para representar as dimensões do lote estudado, e a base de satélite disponível no
Google Earth, para entendimento do entorno urbano (Figura 1). Para Neves (1998, p.
89) essas variáveis podem ser “de natureza condicionante ou restritiva sobre as idéias
do partido, especialmente no que se refere á forma planimétrica da disposição do
edificio, posto que essa disposição deve estar contida na forma do terreno, quanto pode
deixar de influir sem ter importância nenhuma nessas decisões de projeto”.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 340

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Figura 1 – Captura de imagem da aula do dia 11/10/21 de Atelier de Arquitetura Residencial de


Alta Complexidade – Condicionantes do terreno e parâmetros urbanísticos

Fonte: Autora (2021)

O modelo contou ainda com a inserção através da ferramenta Imagem o quadro de


parâmetros urbanísticos da LUOS do município, com o intuito de facilitar a análise
desses índices (Figura 2). Os parâmetros incluem: o setor estabelecidado pela
Setorização do município de Macapá, que consta no Plano Diretor da cidade; diretriz de
intensidade de ocupação; Coeficiente Aproveitamento do Terreno (CAT); gabarito
máximo para edificações; Taxa do Ocupação Máxima do terreno; Taxa de
permeabilidade mínima.
Figura 2 – Captura de imagem da aula do dia 11/10/21 de Atelier de Arquitetura Residencial de
Alta Complexidade – Parâmetros urbanísticos da Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade de Macapá

Fonte: Autora (2021)


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 341

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A orientação solar foi possível ser demostrada a partir das ferramentas de Localização
do Projeto e Configuração do sol do software Revit Architecture 2019. Onde foi possível
a inserção dos dados de localização geográfica do sítio e norte verdadeiro, e pode-se
obter simulações do caminho aparente do sol em determinados períodos do ano (Figura
3). O estudo da influência que o sol poderá exercer sobre edifício que será projetado é
necessário pois pode orientar o projetista à obter o melhor proveito das condições
naturais de conforto ambiental (NEVES, 1998). O software Revit permite através de
recursos ordinários e também componentes complementares a criação de diagramas
solares.
Figura 3 – Captura de imagem da aula do dia 11/10/21 de Atelier de Arquitetura Residencial de
Alta Complexidade – Caminho do sol

Fonte: Autora (2021)

A partir do entendimento dos aspectos legais e gabaritos simulou-se a inserção de um


edíficio modelo de habitação coletiva de interesse social, temática esta da disciplina, e
a replicação desta massa no terreno para entendimento das diretrizes de intensidade
de ocupação para o lote estudado (Figura 4).
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 342

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Figura 4 – Captura de imagem da aula do dia 11/10/21 de Atelier de Arquitetura Residencial de


Alta Complexidade – Simulação de massas e gabaritos

Fonte: Autora (2021)

As simulações foram analisadas e discutidas em momento de aula a distância síncrona.


Os alunos tiveram contato com as condicionantes ambientais do terreno de forma
remota, e puderam visualizar a simulação prática dos parâmetros de ocupação do solo.
Pontua-se ainda que os acadêmicos já possuíam leitura anterior conceitual sobre partido
arquitetônico e aspectos espaciais, implicando no foco prático de estudo.

4 CONCLUSÃO
O uso de ferramentas BIM representa alternativas condizentes com o ensino remoto.
Uma vez digitais, podem ser utilizadas de forma positiva nas fases iniciais de ensino de
atelier de projeto de arquitetura, bem como nas fases seguintes. Ressalta-se que o
potencial de simulação de tridimensional de projetos agrega ao ensino, facilitando o
entendimento de aspectos do mundo real de forma clara por estudantes.
O software Revit Architecture 2019 possibilitou a simulação dos estudos do terreno
através de modelagem que focou nas características: de forma e dimensões; orientação
solar; acessos; aspectos legais; e relações da vizinhança através da inserção de imagem
de satélite obtida através do software Google Earth. Os estudos apresentados puderam
gerar familiarização e mesmo apropiação das análises do local por parte dos
acadêmicos.
A integração do software com base cartográfica e condições geográficas tornam o
processo ainda mais interessante. Sabe-se que é existem base de imagens de satélite
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 343

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tridimensional, no entanto, a base de Macapá estudada está disponível apenas em 2D


pela plataforma do Google Earth.
Posterior a aula expositiva das análises locais do terreno com o auxílio da ferramenta
Revit Architecture 2019, os acadêmicos deram seguimento nas demais fases de projeto
e atividades disciplina como o objetivo final de desenvolver projetos de Habitação de
Interesse Social realizados em dupla. As demais etapas desenvolvidas dentro da
disciplina foram: anteriores aos estudos do terreno, compreensão da temática;
caracterização da clientela; programa arquitetônico e suas relações; pré-
dimensionamento dos espaços; posterior aos estudos do terreno, conceito e partido
arquitetônico; desenvolvimento de planos horizontais; desenvolvimento de planos
verticais; desenvolvimento de planos tridimensionais. Os alunos apresentaram seus
projetos finais em dezembro de 2021.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, E. R. Atelier de projeto de arquitetura III. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018.
ARAÚJO, T. C. M.. Projetos Colaborativos. Experiências Interculturais na Formação do Arquiteto. Rio de Janeiro:
UFRJ/ FAU, 2007. 204f. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Programa de Pós-graduação em Arquitetura, 2007. Disponível em:
https://www.proarq.fau.ufrj.br/en/thesis-and-dissertations/1025/projetos-colaborativos-experiencias-
interculturais-na-formacao-do-arquiteto. Acesso em: 01 out. 2021.
BATISTELLO, P.; BALZAN, K. L.; PEREIRA, A. T. C.. BIM no ensino das competências em arquitetura e urbanismo:
transformação curricular. PARC Pesquisa em Arquitetura e Construção, Campinas, SP, v. 10, p. e019019, abr. 2019.
ISSN 1980-6809. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/parc/article/view/8653989.
Acesso em: 30 set. 2021.
CBIC. Fundamentos BIM - Parte 1: Implementação do BIM para Construtoras e Incorporadoras. Câmara Brasileira da
Indústria da Construção. Brasília: CBIC, 2016.
CBIC. Colaboração e integração BIM - Parte 3: Implementação do BIM para Construtoras e Incorporadoras. Câmara
Brasileira da Indústria da Construção. Brasília: CBIC, 2016b.
EASTMAN, C.; TELCHOLZ, P.; SACKS R.; LISTON, K. Manual de BIM: um guia de modelagem da informação da
construção para arquitetos, engenheiros, gerentes, construtores e incorporadores. Porto Alegre: Bookman, 2014.
MACAPÁ. Lei complementar nº 115, de 17 de julho de 2017. Altera a Lei Complementar de nº 30/2004 – Lei de Uso
e Ocupação do Solo do Município de Macapá. Diário Oficial de Macapá: Macapá, AP, p. 1-3, 19 julho 2017.
NEVES, L. P.. Adoção do partido na arquitetura. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 1998.
SILVA, H. A.. REFLEXÕES POLÍTICO-ECONÔMICAS E O ATELIER DE PROJETO DE ARQUITETURA EM TEMPOS DE
PANDEMIA DO COVID-19. Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, v. 6, n. 1, p. 168-173, 25 jan. 2021.
Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/revprojetar/article/view/22910/13753. Acesso em: 01 out. 2021.

APÊNDICE 1
Gravação da aula da disciplina de Atelier de Projeto de Arquitetura Residencial de Alta
Complexidade do curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Macapá, no dia 11 de outubro de 2021, através de videoconferência pelo software
Microsoft Teams.
Duração: 01:19:27
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7iBm_-eOdOU
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 344

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Relato do processo pedagógico aplicado ao Projeto Integrado


de Ateliê de Urbanismo na modalidade remota

Maria Eliza Aves GUERRA


UFU; meliza.guerra@ufu.br
Patricia Jeorgina M. F. PRADO
UFU; patricia.prado@ufu.br
Glauco de Paula COCOZZA
UFU; glauco.cocozza@ufu.br

RESUMO
Neste artigo será relatado a experiência de ensino de Ateliê de Projeto Integrado - Urbanismo no curso de
Arquitetura e Urbanismo no formato remoto com a mediação dos recursos TDIC, ministrado online, a fim
de possibilitar a construção de uma nova relação de troca, professor-aluno, no qual o aluno é o sujeito no
processo em relação aos conteúdos, de forma a interagir na construção do conhecimento. Seu objetivo
principal é o desenvolvimento da prática projetual na escala urbana abrangendo o conhecimento de
diferentes teorias urbanas e a reflexão dessa prática de projeto sobre o contexto urbano com o tema:
Loteamento em vazio urbano no setor Oeste de Uberlândia/MG com interdisciplinaridade vertical. Foram
estabelecidos os meios, conceitos, metodologias e ferramentas em três etapas: caracterização e análise
urbana da área para intervenção e leitura de textos, Estudo Preliminar e Anteprojeto. Os resultados
obtidos comprovaram potencialidades e limites do ensino remoto. Como potencialidades; a participação
e comprometimento dos alunos; o uso de novos instrumentos e ferramentas digitais como aliados no
ensino, representação e, sobretudo na qualidade do produto/projeto e no aprendizado. Como limites, a
necessária presença na sala de aula e o retorno à vivência da universidade e da cidade.
PALAVRAS-CHAVE: processo metodológico, ensino remoto, projeto urbanístico
ABSTRACT
In this article, the teaching experience of the Integrated Design Studio – Urbanism in the Faculty of
Architecture and Urbanism course in remote format with the mediation of TDIC resources will be reported,
taught online, in order to enable the construction of a new exchange relationship, teacher-student, on
what the student is the subject in the process in relation to the contents, in order to Interact in the
construction of knowledge. Its main objective is the development of design practice on the urban scale,
covering the knowledge of different urban theories and the reflection of this design practice on the urban
context with the theme: urban empty allotment in the West Sector of Uberlândia/MG with vertical
interdisciplinarity. The means, concepts, methodologies and tools were established in three stages:
characterization and urban analysis of the area for intervention and reading of texts, Preliminary Study
and Preliminary Project. The results obtained proved the potencial and limits of remote teaching. As
potentialities; student participation and commitment; the use of new digital instruments and tools as allies
in teathing, representation and, above all, in the quality of the produto/project and in learning. As limits,
the necessary presence in the classroom and the return to the experience of the university and the city.
KEYWORDS: methodological process, remote teaching, urban design
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 345

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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo relata a experiência de ensino de projeto no formato remoto: Ateliê


de Projeto Integrado – Urbanismo no Curso de Arquitetura e Urbanismo. Esse formato
deu-se pelas Atividades Acadêmicas Remotas Emergenciais (AARE) ações típicas do
processo de ensino e aprendizagem realizadas com a mediação dos recursos das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), envolveram atividades
síncronas e assíncronas. Essa modalidade foi a opção adotada para oferta de disciplinas
em virtude da necessidade do isolamento social como forma de prevenção, devido a
Pandemia de COVID-19. Resolução adotada pela Universidade.
Não se tratou efetivamente de uma disciplina no formato EAD, (Ensino à Distância), uma
vez que a mesma não foi desenvolvida para tal finalidade. Mas sim, um componente
pedagógico já realizado no formato presencial e adaptada para o formato remoto no
ambiente virtual. Essa experiência trouxe os primeiros resultados avaliativos da
disciplina, que a princípio atestavam o caminho para uma possível inviabilidade no
ensino de projeto. A disciplina tem como objetivo principal o desenvolvimento da
prática projetual na escala urbana abrangendo o conhecimento de diferentes teorias
urbanas e a reflexão dessa prática de projeto sobre o contexto urbano, a ideia de
construção da cidade enquanto construção socioespacial. O fato da disciplina exigir o
contato “in loco” pelos alunos para realizar as análises de seus condicionantes naturais
e sociais, para então definir parâmetros e critérios que indicarão elementos projetuais
não seria possivel, devido a Pandemia Covid-19. Como criar estratégias para a
compreensão dos alunos em relação ao local e seu entorno? Como relativizar a
introdução do EAD em ensino de projeto, sempre visto como uma maneira de romper
com a “boa prática” de projeto ensinada em atelier com todos os alunos presentes?
O EAD (Ensino à Distância) já era uma ferramenta muito utilizada em escolas de
arquitetura privadas antes da Pandemia, a fim atender um número maior de estudantes
e minimizar os custos. Esta modalidade foi possível com o advento da Internet.
A Internet se difundiu no final da década de 1990 e aos poucos tem modificado a relação
do trabalho nas diversas áreas de atividades, aliadas às novas tecnologias. William J.
Mitchell, pioneiro no uso de tecnologias em Arquitetura descreve no livro City of Bits
(1995) o tele trabalho e os efeitos que ele teria no ambiente doméstico e urbano.
Posteriormente, organizou uma das primeiras experiências remotas acadêmicas,
através de oficinas de projeto com colaboração remota entre o MIT/EUA e as
Universidades de Lisboa e do Porto, com os participantes trabalhando remotamente de
forma colaborativa em uma proposta para um bairro no futuro. (CELANI, 2021)
O fato do projeto de arquitetura, urbanismo e paisagismo fazer parte de uma área de
conhecimento relacionada a atividade colaborativa, que envolve trabalhos de
profissionais e especialistas de diferentes disciplinas/áreas como define o autor citado,
possibilitou diversos experimentos aliados aos novos instrumentos e ferramentas
tecnológicas para a prática projetual. Diversas oficinas colaborativas remotas foram
destacadas por Celani (2021), algumas das quais, a autora participou como colaboradora
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 346

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em trabalhos elaborados por equipes de profissionais e estudantes ao longo dos últimos


anos em diversos países.
No final do Século XX os trabalhos colaborativos remotos passaram a fazer parte do meio
arquitetônico, permitindo desenvolvimento de projetos com colaboradores de diversas
regiões geográficas do planeta. Nesta segunda década do Século XXI, devido a Pandemia
que assola o planeta, em algumas áreas o trabalho “home” se consolida como uma
opção viável e o ensino remoto se apresenta como uma possibilidade de introdução de
novos métodos, novas dinâmicas didáticas para aplicação no ensino de projeto. Caso do
exercício de aprendizagem professor-aluno descrita neste artigo.

2 UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA DE ENSINO DE PROJETO DE FORMA


REMOTA

O modelo adotado (aulas síncronas e assíncronas) através da forma remota, como


proposto pela universidade foi considerado pelos professores que, neste caso
assumiram como premissa evitar aulas gravadas que poderiam ser assimiladas como
incentivo a repetição. Assim, foi adotado o modelo remoto online visando a
possibilidade de construção de uma nova relação de troca, professor - aluno. Onde o
aluno é o sujeito no processo em relação aos conteúdos, de forma a interagir na
construção do conhecimento e estimular o livre pensar e não simplesmente reproduzir
um modelo pré-estabelecido. Assunto recorrente na academia e defendido com a
seguinte afirmação por Monteiro, (2021) “a reprodução de aulas gravadas tende a
‘congelar’ seu conteúdo, dificultando sua atualização”.
Os professores sentiram-se pressionados a assumir a transição entre o presencial e o
digital de maneira abrupta. Aprendendo na prática como adaptar seus conteúdos às
plataformas digitais, o uso de novas ferramentas e métodos que exigiram muitas horas
de trabalho exaustivas, muito além, do tempo utilizado no ensino presencial para
responder a esta nova realidade.
Os alunos, entre espantados e deslumbrados, consideraram inicialmente, uma solução
para não “perder tempo”. Geração com domínio digital e virtual, posteriormente,
perceberam as dificuldades com as conexões durante as aulas e o distanciamento social,
proporcionado por esta forma de ensino, mas se colocaram abertos às novas
experiências e à construção do conhecimento conjunto entre professor-aluno. A
disciplina ofertada se direcionou aos alunos de sétimo período, veteranos que já haviam
convivido presencialmente, entre eles e com os professores até 18 de marco de 2020,
quando as aulas foram suspensas pela Universidade, devido à Pandemia.
A disciplina ministrada por três professores (atendendo ao critério de números de
alunos/professores) a partir de reuniões virtuais avaliaram o objeto de estudo, objetivos
e metodologias a serem adotadas e uso de plataformas digitais oferecidas pela
universidade ou de acesso gratuito, como o Microsoft Teams e Google Meet para a
realização das aulas online.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 347

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A proposta foi executada através de análise urbana da área de intervenção e de seu


entorno e propostas/projetos urbanísticos diversificados de loteamento para uma gleba
de 112,724 m² caracterizada como um “vazio urbano” localizada no Setor Oeste, na
periferia, borda da cidade de Uberlândia-MG, (ver Figura 1), (visando atender variadas
faixas de renda).
Figura 1 – Delimitação da área de estudo na cidade de Uberlândia/MG

Fonte: Google Earth, 2022.

A área foi selecionada pelos três professores, responsáveis por ministrar a disciplina e
de acordo com as possibilidades que o exercício proporcionaria aos discentes.
Compreendeu a elaboração de três etapas: Etapa 1: Análise Urbana e Projeto
Urbanístico – Etapa 2: Estudo Preliminar e Etapa3: Anteprojeto, em escala de
planejamento, desenho urbano e legislação urbana, (ver Figura 2).

3. O LOCAL SELECIONADO PARA INTERVENÇÃO


O componente pedagógico “Ateliê de Projeto Integrado - Urbanismo” tem como ementa
principal “projeto urbano que integra a arquitetura, urbanismo e paisagem, com
propostas voltadas para o planejamento urbano em um setor da cidade por meio de
loteamento e intervenção”. A estratégia dos professores foi definir uma área para a
elaboração de projeto de pequena dimensão, porém, com grande complexidade; seja
por sua localização, caracterizada como um vazio urbano, um enclave, entre bairros
populares, em uma região que passou por acelerado processo construtivo,
impulsionado, por obras para habitação do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV),
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 348

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Figura 2 – Delimitação da área de estudo

Fonte: BETETE B., COSTA, B., FLORA Maísa – API U 7, 2021.

destinada à população jovem e adulta predominantemente, com níveis de escolaridade:


médio e/ou superior. Esses bairros populares se caracterizam por acolherem moradores
com renda média em torno de dois a três salários mínimos. São periferias que contam
com infraestrutura básica, apesar de mínima (água, esgoto, coleta de lixo, iluminação
pública, escolas, unidades de saúde). Porém, como é recorrente em bairros periféricos,
apresentam dificuldades em relação à mobilidade e aos serviços públicos, carência de
equipamentos públicos, ao lazer e comércio e tipologia construtiva homogênea e
desprovida de qualidade arquitetônica e urbanística.
Como observado na realidade das cidades brasileiras, de modo geral, não existem
incentivo e direcionamento financeiro dos gestores públicos para a
construção/manutenção de equipamentos culturais, de lazer, e de melhorias
urbanísticas-ambientais para os bairros, porque ainda prevalece a lógica capitalista de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 349

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que a população deve, apenas habitar e não morar, não usufruindo de seu bairro e da
cidade como um todo.

4 METODOLOGIA

A estratégia inicial foi aplicar Metodologias de Análise Urbana1, para atender às


diferentes dimensões ou necessidades humanas, (diversidade de usos e ocupação do
solo) relacionadas aos aspectos de pertencimento no âmbito social, visando a
identificação e orientação dos lugares, e padrões de utilização dos espaços voltados
para “o público”; discutir e analisar atributos naturais e sociais do contexto urbano,
densidade e relações entre domínio público e privado; entre o espaço livre e edificado;
entre as edificações e o contexto urbano; entre o tecido urbano e social existente e o
novo, e à percepção ambiental, habitabilidade e acessibilidade.
Em um segundo momento, foi desenvolvido entre os participantes (professores e
alunos) metodologias para elaboração de planos e projetos urbanísticos nesta escala da
cidade (como uma parte), com propostas voltadas para o planejamento urbano
(loteamento) e o desenho urbano (morfologia). Foram considerados para o exercício
projetual os elementos de análise, discussão e síntese da resolução projetual,
relacionando-os às demais disciplinas do mesmo período, como: Planejamento Urbano,
Infraestrutura Urbana e Eficiência Energética (interdisciplinaridade vertical), além de
definição da representação gráfica pretendida para o resultado do projeto/produto em
suas diversas etapas. (Ver Figura 3).
Para que os objetivos propostos fossem atingidos na forma remota, foram
desenvolvidos alguns procedimentos pedagógicos:
Aulas expositivas, discussões de texto, orientação geral (33 alunos) ou orientação
específica aos grupos (9 equipes). Pela quantidade de alunos matriculados, os mesmos
foram organizados em grupos de três e quatro alunos para que cada grupo pesquisasse
e apresentasse aos demais um dos nove tópicos (previamente definidos) e abordados

1 GUERRA, M. E. A. A Metodologia para caracterização e análise intraurbana. Apostila Atelier de Projeto – Urbanismo

(API VII) Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade (documento interno).


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 350

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Figura 3 – Exemplo de Interdisciplinaridade Vertical

Fonte: ABREU,G., GUIMARÃES, L., ROCHA, G. - API 7 , 2021.

pela Metodologia de Análise Urbana que constam dos seguintes itens: O Bairro e seu
entorno dentro do Contexto Histórico; Aspectos socioeconômicos da população;
Metodologia social; Situação fundiária; Legislação e infraestrutura; Condições
urbanísticas e ambientais; Paisagem e Sistemas de Espaços Livres (SEL); Mobilidade e
Transportes e Mobiliário Urbano e Comunicação Visual. A pesquisa elaborada integra a
1ª Etapa do Atelier: Caracterização e análise urbana da área para intervenção e leitura
de textos. Os itens descritos foram sistematizados para auxiliar na análise da área de
estudo como um todo, e se inserem nas quatro dimensões a serem estudadas:
Dimensão Econômica, Dimensão Social, Dimensão Cultural e Dimensão Ambiental. Essas
relações devem ser entendidas como: “efeitos das transformações socioeconômicas
sobre o espaço (...) mas também o oposto, isto é, os efeitos das transformações
espaciais sobre a esfera socioeconômica (...)” (VILLAÇA, 2001).
Entendendo como “transformações” sobre o espaço e os “efeitos” do espaço na esfera
socioeconômica, que podemos denominar socoioespacialidade faz-se necessário uma
abordagem ampla, que nem sempre é possível em um atelier, mas que se ampara no
conjunto curricular. Para fundamentar as pesquisas e concepção projetual dos alunos,
foi dada ênfase, ainda que introdutória, às teorias que tratam da forma urbana, de
maneira a reforçar seus diferentes aspectos: funcionais (operativos e relacionais),
topoceptivos (percepção e formação da imagem mental), sintáticos (forma urbana,
localização relativa às atividades/uso do solo, características dos grupos sociais) e
bioclimáticos (conforto térmico, acústico, luminoso e qualidade do ar), etc.
Os dados levantados foram utilizados para a elaboração de Mapas Temáticos para as
quatro dimensões estudadas. Os dados obtidos através desse roteiro, em seus nove
itens listados (citados anteriormente), tiveram como objetivo conduzir à elaboração de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 351

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

um Mapa Síntese contendo os aspectos mais relevantes da análise intraurbana do


bairro, objeto da pesquisa e que foi utilizado de livre escolha por cada equipe para o
desenvolvimento projetual.
Tendo como objetivo “o processo de aprendizado de projeto” o resultado deste atelier
busca apresentar diversidade de propostas, que respondam às especificidades geradas
teoricamente, transformadas em práticas projetuais urbanístico-ambientais para um
loteamento contextualizado e identificado com “o lugar” e seu entorno. O que de fato
ocorreu, como será demonstrado neste artigo.
Seguindo a metodologia da disciplina a equipe de professores, se revezaram nos
atendimentos orientando três grupos cada, a cada aula. Para os atendimentos, aulas e
depósito de materiais foi selecionada a Plataforma Microsoft Teams, através de um
“canal geral” para participação de todos em discussões e exposições dos professores e
“canais específicos” para os atendimentos semanais aos grupos.

Por sugestão dos alunos foi introduzida o uso da Plataforma MIRO, que permitia a
intervenção diretamente sobre os trabalhos tanto pelos alunos quanto pelos
professores de forma simultânea. (Ver Figura 4) - exemplos da utilização da Plataforma
MIRO.
Foram definidas as aulas teóricas e práticas a serem ministradas com respectivas datas,
horários e temáticas, bem como atendimento geral e revezamento nas orientações às
equipes. Destaca-se que todas as aulas síncronas foram realizadas “on line” de forma a
manter uma relação mais próxima, entre professores e alunos, apesar de ser uma
relação entre telas. As aulas assíncronas foram organizadas entre os grupos, o que
possibilitou entrosamento entre os demais, se assim desejassem.
Figura 4 – Exemplos de utilização do MIRO pelos alunos/professores

Fonte: GARCIA,A., PERES,K., MACHADO, L., BORGES, Y. - API 7,2021.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 352

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Na sequência ocorreram orientação e indicação de leituras para as equipes. Os textos


foram selecionados em conformidade com os temas da metodologia de projeto.
Também a orientação quanto a preparação de diagnósticos do local de intervenção e
entorno.
Como citado anteriormente, devido a Pandemia não foi possível fazer a visita presencial
orientada, para análise do local de intervenção, conforme realizado no formato
presencial. Essa visita teve uma orientação virtual, com a utilização das plataformas:
Google Maps e Google Earth (linha do tempo, street view) e mapas georreferenciados
disponibilizados na plataforma da Secretaria de Planejamento Urbano da Prefeitura
Municipal de Uberlândia (SEPLAN/PMU) que permitiram a compreensão da área, objeto
do estudo e do entorno imediato. Indicaram pré-existências, construções, vegetação,
sistema viário, uso e ocupação predominante no local, tipologia construtiva, gabaritos e
densidade. A partir dessa leitura os alunos desenvolveram textos e mapas temáticos
utilizando, caso necessário, documentos e mapas analógicos após digitalização. (Ver
Figura 5).
Todas as três etapas desenvolvidas no Atelier utilizaram meios e programas
diversificados. Para a primeira etapa de análise/leitura/diagnóstico da área de estudo
foram representadas e documentadas digitalmente através das ferramentas:
Photoshop, Illustrator, Lumion, SunPath 3D. Para as duas etapas seguintes: Estudo
Preliminar e Anteprojeto, contendo as propostas e desenvolvimento do Projeto
Urbanístico, foram acrescentadas as ferramentas em Autocad, Archicad Sketch up,
Analysis SOL-AR.
Figura 5 – Levantamento da área de estudo através da orientação virtual

Fonte: BETETE B., COSTA, B., FLORA Maísa – API U 7, 2021.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 353

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Ficou definido que os levantamentos, desenhos de observação, discussão dos textos


desenvolvidos pelas equipes seriam apresentadas em forma de Webinário (slides e texto
sucinto) e o resultado do atelier deveria ser documentado em forma de e-book com o
uso de recursos: Canva e E-design. Assim, todo o processo de projeto foi devidamente
gravado como documentação do processo de projeto.
As orientações online se mostraram muito produtivas, durante as quais foi possível a
utilização de diferentes mídias, citadas acima e introduzir desenhos a mão livre,
técnicos, imagens de modelos em 3D, fotografias, projetos referenciais e textos.
Proporcionando foco no desenvolvimento das etapas de trabalho e ênfase, às teorias
que tratam da forma urbana em seus diferentes aspectos: funcionais, topoceptivos
sintáticos e bioclimáticos (como destacado inicialmente).
O uso de Sketch up, SunPath 3D e Analysis SOL-AR, programas gráficos que permitem a
obtenção da carta solar da latitude especificada, auxiliando no projeto de proteções
solares, através de imagens de qualquer ângulo de orientação, permitiu simulações de
insolação em períodos pré-selecionados, de acordo com a proposta projetual. Estas
simulações indicaram aos grupos, revisões e redirecionamento em função das condições
ambientais indicadas no projeto na fase de estudos preliminares. (Ver Figura 6).
4. Inicialmente, na realização da 2ª Etapa Estudo Preliminar foram priorizadas as
discussões sobre o projeto e a organização urbana; o traçado (concepção e
cadernos leituras/diagnósticos) e conceitualização e “desenho” do projeto de
loteamento em vazios urbanos e os parametros e critérios, entre outros:
Topografia; uso de solo misto; pré-existência; legislação; acessibilidade,
mobilidade; infraestrutura; conexões e as novas centralidades; memorial
Justificativo (análises e referências). (Ver Figura 7) – Estudo Preliminar.
Figura 6 – Uso de Programas Gráficos para análise da orientação solar

Fonte: ABREU,G., GUIMARÃES, L., ROCHA, G. – API 7 , 2021.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 354

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Figura 7 – Exemplo de Estudo Preliminar

5.
Fonte: ABREU,G., GUIMARÃES, L., ROCHA, G. - API 7 , 2021.

As orientações gerais e/ou grupos transcorreram ao longo do semestre, intercalando


apresentações, discussões e soluções projetuais, tendo claro que o objetivo era
desenvolver projeto, cuja representação gráfica, definição de materiais urbanos básicos
e desenvolvimento de Memorial Crítico deveriam constar na 3ª Etapa Anteprojeto com
o seguinte: Análise urbana; Proposta conceitual e análise de obras e projetos de
referência; Densidade e diversidade urbana; Maquete em 3D (possibilidades espaciais,
organização urbana e análise de insolação e da legislação) (Ver Figura 8); Implantação
do Plano Urbano; Morfologia: desenho urbano e composição volumétrica; Sistema de
mobilidade; Sistema de Espaços Livres (SEL) (Ver Figura 9); Desenho geométrico: formas
e dimensões, macro e micro parcelamento. Quadro de áreas e Memorial
Descritivo/Justificativo.
Figura 8 – Maquete 3D desenvolvida para analisar as possibilidades espaciais e volumétricas

Fonte: BONETI,R., BONFIN L., FUNARI, V. – API 7 , 2021.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 355

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Figura 9 – Sistema de Espaços Livres (SEL)

Fonte: BETETE, B., COSTA, B., FLORA Maísa – API 7, 2021.

O Projeto de loteamento ao nível de Anteprojeto e intervenção urbana/entorno,


resultou em uma documentação ( ver Figura 10) muito elaborada por todas as equipes
em forma digital atendendo os seguintes pontos:
Figura 10 – Exemplo de documentação para Anteprojeto

Fonte: CARVALHO, L., CRISTINA, N., SARTIN, A., VIEIRA, R. - API 7 , 2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 356

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Relação do pedestre e demais modais e sistema viário; Macro e micro parcelamento


(uso do solo); Tipologia; Infraestrutura (sistema de drenagem e saneamento); Sistemas
Espaços Livres; Composição Volumétrica (edificações, densidade e ocupação); Quadros
de áreas e densidades; Sustentabilidade Ambiental – ambiência urbana e Memorial
Descritivo/ Justificativo.
O tempo dispendido para orientação de cada equipe (30 a 40 mim) mostrou-se
adequado, permitindo discussões específicas e amplas, de acordo com os objetivos e
proposta projetual de cada grupo, mas exigiu dos professores mais interação e pronto
atendimento, por vezes exaustivos. Importante destacar que os alunos se fizeram
presentes nas aulas com muito foco no trabalho. As tarefas delegadas para realização
nas reuniões assíncronas foram executadas com presteza e qualidade atendendo ao
objetivo da disciplina de Atelier que é o envolvimento aluno com o tema, ou seja, no
processo de aprendizado de projeto. (Ver Figuras 11 e 12). No caso dos webinários,
posteriormente, descobriu-se que as apresentações online exigem muito mais tempo
que o usual em sala presencial.
Figura 11 – Documentação do Processo de Aprendizado

Fonte: CARVALHO, L., CRISTINA, N., SARTIN, A., VIEIRA, R. - API 7 ,2021.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 357

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Figura 12 – Documentação do Processo de Aprendizado

Fonte: BONTEMPO, V., GONÇALVES, B.,MATOS, N.,TEIXEIRA, K. - API 7 (2021)

4 CONCLUSÃO

Os resultados obtidos comprovaram potencialidades e limites do ensino remoto de


Ateliê de Projeto Integrado - Urbanismo. Como potencialidades, a participação e
comprometimento dos alunos; a comprovação que o uso de novos instrumentos e
ferramentas digitais se colocam como aliados no ensino e representação de
produto/projeto, no entendimento do teórico traduzido na prática projetual; na
qualidade dos produtos/projetos apresentados pelas equipes, cujas, propostas
desenvolvidas traduzem um alto nível de aprendizado.
Em relação aos limites, na avaliação realizada pelos alunos, estes destacam o
sentimento de separação e “perda de informações” entre os grupos, devido aos
atendimentos às equipes em canais específicos pelos professores individualmente,
deixou a sensação de falta de informações coletivas, que uma sala de aula presencial
permite.
A experiência descrita provou que se pode optar por integração entre o virtual e o
presencial, com a reconfiguração de conteúdos e métodos, mas a vivência da
universidade e da cidade ainda é fundamental para a boa prática profissional e cidadã.
O ensino em ambiente virtual, enquanto uma contribuição pedagógica, na escala do
urbano, como descrito acima, se apresenta opção viável, se considerarmos o equilíbrio
entre ensino presencial/virtual como duas formas de atividades que poderá ser
enriquecedora no enfrentamento dos desafios da pós-pandemia, onde a reflexão da
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 358

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prática de projeto urbano poderá ser um elemento chave para a ideia da construção da
cidade enquanto construção socioespacial.

REFERÊNCIAS
CELANI, Gabriela. Colaboração remota no projeto de arquitetura e urbanismo em um contexto de isolamento
social, Revista Projetar, v. 6 n 1, (p.163 -167) janeiro de 2021.
GUERRA, M. E. A. Metodologia para caracterização e análise intraurbana. Apostila Atelier de Projeto – Urbanismo
(API VII) Curso de Arquitetura e Urbanismo (documento interno).
MITCHEL, William, J. Fronteiras /redes. In SIKES, Krista A. O Campo Ampliado da Arquitetura, Antologia Teórica
1993-2009 (p. 173 -187). São Paulo; Cosac Naify, 2013.
PANERAI, Philippe. Análise Urbana. Brasília. Editora UNB,2006.
Monteiro, A. M. R. G. Ensino de arquitetura e urbanismo e urbanismo à distância, remoto, híbrido. Para onde
queremos ir? Revista Projetar, v. 6 n 1, (p.156 -162) janeiro de 2021.
Resolução CONGRAD N° 7/2020, que dispõe sobre a instituição, autorização e recomendações de Atividades
Acadêmicas Remotas Emergenciais (AARE), em razão da epidemia da COVID-19, no âmbito do ensino da Graduação
na Universidade Federal de Uberlândia.
VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel. 2001
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 359

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Malhas poliédricas em superfícies complexas da arquitetura:


uma abordagem didática ao processo de projeto paramétrico

Fernando Franz ZAUK


Universidade Federal de Pelotas; ferzauk@gmail.com
Janice de Freitas PIRES
Universidade Federal de Pelotas; janicefpires@gmail.com

RESUMO
A atual prática de arquitetura tem sido permeada pela adoção de técnicas digitais que oportunizam ao
projetista ir além da representação do projeto, abarcando questões performativas a partir principalmente
da abordagem da parametria. Neste contexto, geometrias complexas, antes consideradas como
impraticáveis, passam a ser vistas como potenciais na configuração de projetos, a partir de uma
abordagem em malhas. Estas têm seu histórico de aplicação em Gaudí, Otto e Gehry, pois são capazes de
gerar formas a partir de simulação de forças físicas, subdividir superfícies complexas, permitir métodos de
análises e otimizações e ainda resolver questões da construção civil. Com um propósito didático, adota-se
a noção estrutura de um saber, com o intuito de explicitar o saber envolvido em tais abordagens para a
formação em arquitetura. Os resultados referem-se à introdução dos conceitos envolvidos na estruturação
de malhas em superfícies complexas da arquitetura. A partir da metodologia empregada, busca-se
promover o conhecimento geométrico subjacente ao projeto paramétrico e ampliar as possibilidades de
os estudantes explorarem as tecnologias digitais de representação na elaboração de seus projetos. Dessa
maneira, faz-se indispensável a contribuição de novos materiais didáticos que abordem o saber da
geometria como suporte ao curso de arquitetura.
PALAVRAS-CHAVE: geometria complexa, projeto paramétrico, malhas geométricas, ensino de
arquitetura.

1 INTRODUÇÃO
O atual momento da prática profissional em arquitetura se caracteriza por processos de
projeto desenvolvidos em meio digital, envolvendo uma arquitetura que é concebida
computacionalmente. Mais do que nunca, o projetista tem a oportunidade de tratar com
questões para além da representação e que podem ser resolvidas digitalmente, tais
como análises e simulações de desempenho de diversos tipos (estrutural, de conforto
térmico e acústico), a partir principalmente da abordagem do projeto paramétrico. Este,
segundo Hernandez (2004), é um novo passo na evolução do projeto arquitetônico, visto
que é resultado de um avanço nos programas gráficos que incorporam tal tecnologia,
permitindo ir além dos limites encontrados nos sistemas CAD.
Definido como um processo de projeto baseado no pensamento algorítmico, o projeto
paramétrico promove a definição formal dos elementos e codifica suas relações por
intermédio de um sistema de expressões (JABI ET AL., 2017). Um projeto construído num
sistema paramétrico tem cada uma de suas partes delimitadas, estabelecendo uma
definição da geometria de cada elemento do design, mesmo que implicitamente. Esta
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abordagem também tem facilitado a concepção e representação de formas complexas


configuradas por geometrias que possuem elevado nível de desempenho, como as
superfícies de dupla curvatura, empregadas no passado por Gaudí e Frei Otto em
modelos físicos experimentais.
Com isto, nos últimos vinte anos, as formas complexas passam a estar mais presentes na
arquitetura contemporânea, substituindo geometrias retilíneas que até então
configuravam a maneira mais conhecida de se otimizar a estrutura e a superfície.
Segundo Kolarevic (2005) essa quebra da linearidade não é um interesse repentino, mas
reflexo dos avanços tecnológicos que aumentaram a possibilidade de representação no
campo da arquitetura, pois a configuração de tais formas era limitada frente aos recursos
até então disponíveis. Celani, Barbosa Neto e Franco (2018) corroboram com essa ideia
ao afirmar que projetos paramétricos tornaram prováveis os conceitos antes vistos como
impraticáveis quando abordados de maneira manual tanto no processo de projeto como
na fabricação.
Neste contexto, as representações em arquitetura tornam-se processos mais dinâmicos,
registrando o histórico do próprio desenvolvimento do projeto, adicionando o
movimento e a visualização em tempo real das alterações da forma (ALMEIDA;
NOGUEIRA, 2018). No entanto, tal abordagem ainda não faz parte da maioria dos
currículos das escolas de arquitetura do Brasil, apontando a necessidade de os arquitetos
buscarem esta formação quando ingressam no contexto profissional (CELANI; BARBOSA
NETO; FRANCO, 2018). Visando promover a aprendizagem do projeto paramétrico na
arquitetura, Pires, Pereira e Gonçalves (2017) destacam a necessidade de um
reconhecimento do vocabulário geométrico desde as geometrias mais elementares até
níveis crescentes de complexidade, visto que tal processo vem a facilitar a compreensão
sobre as próprias técnicas de geração, os seus parâmetros de controle e a lógica
relacional entre os elementos constituintes de tais geometrias.
Além disso, é importante destacar que o ensino da representação gráfica digital não deve
se restringir a habilitar os estudantes unicamente em serem exímios usuários das
tecnologias digitais e sim abordar uma estrutura mais integral do saber, nos termos da
Teoria Antropológica da Didática de Chevallard (1999), que subsidie o reconhecimento
de todos os elementos implicados para que os estudantes se tornem autônomos neste
processo. Isto significa compreender e ter a possibilidade de explicitar diante de uma
tarefa ou problema, as técnicas de sua resolução, as tecnologias que explicam, justificam
e suportam as técnicas (que fazem estas funcionarem para uma dada tarefa) e as teorias
que tem o mesmo papel em relação as tecnologias. Esta abrangência da estrutura do
saber tem tido resultados significativos em processos de ensino da representação gráfica
digital aplicada à arquitetura, especialmente no ensino da geometria em estágios iniciais
de formação (PIRES; SILVA, 2012; SILVA ET AL, 2012; PIRES; FÉLIX; BORDA, 2016).
Assim como Gaudí e Otto incorporavam conhecimentos geométricos em suas obras por
meio do emprego das malhas sujeitas a princípios de otimização, esta abordagem na
atualidade é amplamente empregada na arquitetura, essencialmente por meio do
desenho paramétrico em meio digital. Embora a aplicação de malhas na representação
digital se justifique pela simplificação do cálculo matemático quando se trata da geração
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 361

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de geometrias curvas, esta técnica também é voltada a geração de modelos de


geometrias otimizadas resultantes de simulações de forças físicas. Elas são capazes de
subdividir uma superfície complexa e assim resolver e suavizar superfícies não
convencionais (PAN ET AL., 2016); e são empregadas em análises e em processos de
otimização de questões estruturais (FLEISCHMANN; AHLQUIST, 2009). Ainda resolvem
questões pertinentes ao contexto da construção civil, já que qualquer forma curva pode
ser construída a partir de painéis planos (FLEISCHMANN; AHLQUIST, 2009,) e traz a
possibilidade de se ter uma padronização (SHIMADA; GOSSARD, 1998), reduzindo a
demanda por múltiplos moldes na construção.
Neste trabalho considera-se a importância de se identificar e compreender quais os
conceitos da geometria e da representação gráfica digital estão associados à
estruturação de uma forma arquitetônica complexa, construída com o auxílio das malhas
e associadas a sua gama de potencialidades na configuração da forma. Tem-se a intenção
de explicitar os conceitos e parâmetros que definem as soluções dos projetos e, dessa
maneira, contribuir à construção do conhecimento geométrico e tecnológico associado
ao processo de projeto paramétrico no âmbito do ensino.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este trabalho se insere em uma pesquisa aplicada e exploratória, segundo os conceitos
de Gerhardt e Silverira (2009), em razão de buscar questões além das soluções
geométricas específicas das situações arquitetônicas, mas também favorecer um maior
entendimento da geometria associada a requisitos projetuais, com intuito de evidenciar
os conhecimentos nessa área e sua transposição ao ensino de arquitetura.
Adota-se a noção estruturada de um saber, de Chevallard (1999), considerando-se o
saber como um objeto dinâmico e passível de transformações conforme o contexto de
sua aplicação. É pressuposto que a transposição do saber teórico para o saber ensinado
relativamente a aplicação de malhas na arquitetura para configuração de geometrias
complexas pode se apoiar na explicitação dos conceitos e técnicas envolvidos na
programação visual resultante do desenho paramétrico das obras arquitetônicas
contemporâneas selecionadas.
Inicialmente é realizada uma revisão bibliográfica sobre malhas na arquitetura, buscando
compreender suas diferentes finalidades, critérios para aplicação e propriedades. Nessa
etapa, destacam-se as pesquisas do matemático Helmut Pottmann (2007), por
aproximar a área da geometria com a prática arquitetônica. A partir de autores como
Luo (2014), Mitchell et al. (2015) e Lima (2021), busca-se relacionar as diferentes
abordagens de maneira a explicitá-las, para então se constituir como uma estrutura
integral do saber, nos termos de Chevallard (1999).
A busca por conceitos e termos referentes às aplicações de malhas na arquitetura apoia-
se em uma investigação sobre a estrutura geométrica de obras contemporâneas. Para
isso, em etapa posterior da pesquisa, será realizada uma análise em documentação
técnica e esquemas compositivos fornecidos pelos escritórios responsáveis pelos
projetos, de forma a compreender o processo pelo qual a geometria foi manipulada.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 362

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Além disso, também se busca compreender o discurso dos arquitetos, para identificar as
terminologias associadas aos projetos.
A partir do discurso dos arquitetos responsáveis pelos projetos, sites e obras literárias
de arquitetos e pesquisadores, buscar-se-á investigar o tipo de estrutura de saber
presente associada ao emprego e importância das malhas na arquitetura,
compreendendo-se o processo de projeto pelo qual cada obra passou.
Neste artigo serão apresentados os resultados da etapa de revisão, abarcando
definições, classificações das geometrias em malhas e tipos de aplicações destas em
projetos de arquitetura.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

DEFINIÇÕES DE MALHA (GEOMÉTRICA)


Inicialmente, configura-se um esquema (Figura 1) resultante da revisão bibliográfica
sobre as definições do termo ‘malha’, as quais diferem devido ao contexto em que foram
delimitadas. O primeiro contexto é de uma pesquisa que une as áreas da matemática e
arquitetura, na qual Pottmann et al. (2007) definem que toda superfície originada a
partir de polígonos planos pode ser entendida como uma malha. O autor refere-se à
definição das malhas a partir de suas faces, atribuindo a esses elementos toda a
importância da caracterização desse tipo de superfície.
O segundo contexto é da área da matemática integrada à área da computação, em que
Luo (2014) não restringe as malhas a um conjunto de polígonos planos de qualquer tipo,
mas um conjunto de triângulos conectados por meio de pares de arestas. Sendo assim,
sua abordagem se concentra nas conexões entre as faces, ampliando os elementos
básicos da estrutura da superfície poligonal. Se, por um lado, restringe uma geometria
específica para as faces (triângulos), utiliza o elemento geométrico ‘arestas’ para
delimitar a conexão. Sua definição considera a descrição geométrica de objetos que se
configura com esta geometria triangular, devido à necessidade de simplificar os cálculos
e facilitar o processamento computacional.
Figura 1 – Definições sobre malhas, a partir de Pottmann et al (2007) e Luo (2014).

Fonte: Elaboração própria.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 363

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GEOMETRIA DAS FACES


Pottmann et al. (2007) caracteriza as malhas exclusivamente a partir de suas faces, sem
estabelecer uma especificação ou restrição para essa geometria, mas identificando
variações e padrões em tais faces, a partir dos quais define uma classificação em relação
aos tipos de polígonos que a constituem.
Quanto à regularidade das faces, a malhas podem ser: regulares, sendo estas as malhas
formadas pela combinação polígonos regulares (POTTMANN ET AL; 2007; LIMA, 2021);
irregulares (Figura 2), quando seus polígonos não apresentam uma repetição na forma
(LIMA, 2021) e as malhas semi-regulares, que se apresentam como uma combinação de
dois ou mais polígonos regulares (LIMA, 2021).
Pottmann et al. (2007) e Lima (2021) apresentam triângulos, quadrados/retângulos e
hexágonos como sendo as faces regulares capazes de configurar uma superfície
totalmente preenchida. Isso por que a geometria desses polígonos tem a propriedade
de composição geométrica com preenchimento integral do espaço, sem vazios, além de
manter regulares o perímetro e os ângulos da malha (LIMA, 2021).
Em relação às malhas irregulares, Lima (2021) as classifica em dois tipos de composições
geométricas: a primeira delas é baseada no diagrama de Voronoi (Figura 2 B), geometria
com uma organização espacial muito presente na natureza, que surge a partir de um
conjunto de pontos que decompõe um plano em várias regiões (POTTMANN ET AL.,
2007) e está presente na estrutura das folhas, asas de insetos ou organização celular.
Essas regiões, exatamente pela referência da natureza, também são chamadas de células
e são entendidas como a associação de pontos que apresentam a menor distância até
um mesmo ponto do conjunto inicial (BURRY; BURRY, 2010).
Já a segunda organização irregular, denominada de Triangulação de Delauney (Figura 2
C), apresenta-se como a contrapartida do modelo anterior, pois deriva do mesmo
conjunto de pontos. Enquanto o Voronoi é configurado pela região ao redor do ponto, a
triangulação de Delauney surge da conexão dos pontos para definir triângulos nesse
plano (POTTMANN ET AL., 2007). O autor também especifica que essa geometria evita a
criação de triângulos com ângulos muito pequenos, pois as arestas dos triângulos são
resultados exclusivamente das conexões entre os pontos de células adjacentes do
diagrama de Voronoi.

Figura 2 – A: Conjunto de pontos que dá origem às conformações de malhas irregulares. B: Definição de um


diagrama de Voronoi a partir do conjunto inicial de pontos. C: Triangulação de Delauney para o mesmo grupo de
pontos. D: Sobreposição das duas organizações irregulares sob o mesmo conjunto de pontos.

Fonte: Elaboração própria.


XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 364

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A Figura 3 sistematiza em um esquema visual a classificação das malhas a partir dos


conceitos delimitados até o momento.
Figura 3 – Classificações das malhas quanto à conexão e geometria das faces.

Fonte: Elaboração própria.

APLICAÇÕES DAS MALHAS NA MODELAGEM DIGITAL E NA ARQUITETURA


Antoni Gaudí tinha um amplo domínio das formas que adotava em suas obras, devido as
seu profundo conhecimento matemático. Além disso, seu processo de projeto pode ser
considerado pioneiro na abordagem paramétrica na arquitetura. O arquiteto dominava
a geometria com excelência ao ponto de entender que a catenária (curvatura ideal de
um arco que suporta apenas seu peso próprio, pois é gerada a partir de uma corda
suspensa por suas extremidades), - quando invertida, seria capaz de trabalhar em
compressão pura (LORENZI; FRANCAVIGLIA, 2010).
Nesse processo, a fim de criar, definir e aprimorar a forma que almejava para o projeto
da Sagrada Família (trabalhou no projeto de 1883 até sua morte em 1926), o arquiteto
construiu um modelo físico da catedral com o auxílio de malhas, estruturado por uma
teia de cordas suspensas que deformavam a partir da força da gravidade. Além disso, o
arquiteto controlava os parâmetros da geometria através de sacos com pesos variados
pendurados nessa estrutura e com isso encontrava novas configurações geométricas que
mantinham as propriedades estruturais das formas geradas.
Além de Gaudí, outro arquiteto conhecido por seus modelos em malhas é Frei Otto, que
fundou o Instituto de Estruturas Leves de Stuttgart, Alemanha, em 1964. Seus modelos
físicos também abordavam aplicação de forças para deformação da malha como método
de geração da forma, antes mesmo do advento da modelagem computacional. A partir
do estudo de conformações geométricas das bolhas de sabão, o arquiteto se apoiava em
maquetes em diferentes escalas como ferramenta de projeto, calculando esforços e
dimensão dos elementos (LIDDELL, 2015).
Com o avanço das tecnologias de representação e a transposição dos modelos físicos
para os meios digitais, as malhas passam a ter um papel de destaque na modelagem e
no contexto arquitetônico. Inicialmente foram utilizadas no setor industrial, mais
especificamente o setor automobilístico, que manipulava chapas metálicas em formas
curvas. Sua aplicação no projeto arquitetônico encontrava dificuldades, pois, além de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 365

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serem difíceis de representar, a indústria da construção civil ainda não possuía mão de
obra especializada para abordar tais geometrias complexas no canteiro de obras.
É apenas com F. Gehry que estas passam a ser introduzidas na arquitetura, devido a
modelagem computacional. A equipe do arquiteto se apropria das malhas e da
modelagem automobilística para modelar superfícies arquitetônicas por ser a tecnologia
existente para a época, tanto em questões de representação como adaptação para
tecnologias construtivas (POTTMANN; SCHIFTNER; WALLNET, 2008). Nesse contexto, as
malhas apresentavam uma função bem definida na representação, eram elas são
responsáveis pela conversão das geometrias complexas em formas elementares, ou seja,
o modelo passa a ser manipulado a partir de polígonos triangulares para simplificar o
processamento computacional (POTTMANN ET AL., 2007).
Uma das questões por trás das malhas no meio digital é a sua estrutura geométrica. Por
ser composta por faces, arestas e vértices, a superfície poligonal baseia-se na
conformação desses elementos de forma a criar um sistema organizacional para a
geometria digital (FLEISCHMANN; AHLQUIST, 2009). Ou seja, a superfície poligonal não
é apenas um conjunto de polígonos arbitrário, mas sim uma sequência ordenada desses
polígonos, adotando uma mesma lógica na identificação de cada um de seus pontos, de
maneira a identificar e diferenciar cada elemento do conjunto. Esse controle sobre a
ordem das faces, arestas e pontos não tem um uso consciente por parte dos arquitetos,
essa questão está presente como competência dos modeladores digitais e seu
processamento na manipulação e controle dos elementos da malha.
Com a evolução das tecnologias digitais, juntamente com o desenvolvimento de novas
técnicas construtivas, são manifestadas novas maneiras de representação de superfícies
complexas junto à arquitetura. Conhecidas como “Non Uniform Rational Basis Spline”
(NURBS), essas superfícies contínuas passam a ser exploradas na arquitetura
contemporânea como uma alternativa na representação, já que são facilmente
manipuladas mesmo sem a necessidade de conhecimento total da geometria da forma.
Embora represente um avanço para os arquitetos este tipo de superfície, segundo
Szalapaj (2005), ainda apresenta algumas barreiras na modelagem, já que a
complexidade da curvatura pode gerar buracos ou lacunas indesejadas, além de que as
operações digitais de composição não garantem que o resultado mantenha o mesmo
tipo de geometria. O autor ainda destaca que esta liberdade formal, proporcionada por
tais tipos de superfícies, pode levar a geometrias não desejadas, por isso considera a
importância de os arquitetos estarem conscientes do que estão produzindo, ou seja, a
estrutura da geometria arquitetônica.
A modelagem originada a partir de uma superfície contínua e posterior transformação
em uma malha recebe o nome de tesselação (LIMA, 2021) e pode ter diversas
justificativas: seja a compatibilidade construtiva, facilitar otimização estrutural ou
puramente estética.
Os modelos representados a partir de malhas também permitem a manipulação dessa
geometria na busca de formas otimizadas tanto visualmente (PAN ET AL., 2016) como
estruturalmente (FLEISCHMANN; AHLQUIST, 2009). As malhas podem sofrer uma
reestruturação e reorganização da sua estrutura (técnica denominada ‘remesh’) ou uma
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 366

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mudança no nível de subdivisão das faces (técnica denominada ‘subdivide’) com o


intuito de se obter uma nova configuração de seus elementos para resolver e suavizar
superfícies não convencionais (PAN ET AL., 2016).
Por outro lado, essas modificações também ocorrem como solução estrutural do
projeto. O uso das superfícies poligonais em questões estruturais, seja diretamente para
a configuração da estrutura de uma obra ou para a simplificação de cálculos de
transferência de forças, possibilita que os esforços físicos fiquem diluídos por meio das
arestas e que haja a otimização da forma (FLEISCHMANN; AHLQUIST, 2009). Nesses
casos, o Método de Elemento Finito (FEM) é um método de cálculo estrutural que
transforma objetos em malhas com o intuito de viabilizar a análise e o cálculo das forças
atuantes, pois permite observar esforços em cada um dos elementos da malha (ALLISON,
2020). Sendo assim, a malha é usada para dividir um problema complexo em elementos
pequenos, a partir de programas codificados com o algoritmo FEM.
Por fim, também é possível identificar o uso das malhas como solução na geração de
formas arquitetônicas resultantes da aplicação de forças físicas. Conforme
anteriormente descrito, um dos pioneiros na utilização deste método no processo
projetual, por meio do desenho paramétrico em projetos analógicos, Gaudí, definia com
as malhas um espaço de projeto em meio físico, caracterizado com técnicas de cálculo e
simulação para a busca de formas complexas otimizadas (HUERTA, 2006).
No esquema visual da Figura 4 sistematizam-se as aplicações de malhas geométricas na
arquitetura, como resultado da revisão de bibliografia.
Figura 4 – Tipos de aplicações das malhas na arquitetura.

Fonte: Elaboração própria.

UMA ESTRUTURAÇÃO PRÉVIA DO SABER


Até o momento, foram identificados conceitos, teorias, técnicas e explicações das
mesmas (discursos tecnológicos), que indicam uma estrutura prévia do saber envolvido
na aplicação de malhas na arquitetura. Tal estrutura, por ser capaz de explicitar as
relações entre os seus elementos, aproxima-se da própria maneira que o desenho
paramétrico se desenvolve, além de oferecer elementos explícitos à prática projetual em
arquitetura e sua representação por meios digitais.
Em continuidade a este trabalho, cada um dos conceitos apresentados e seus termos-
chave serão ampliados a partir de saberes específicos que se destacam nesta estrutura
inicial e aqueles que abarcam a modelagem paramétrica de obras de arquitetura.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 367

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Previamente foram identificados e selecionados os seguintes projetos de arquitetura


como escopo da pesquisa:
• O pavilhão Shellstar (Figura 5 A) que possui uma estrutura resultante da aplicação de
forças físicas (MATSYS, 2018) sobre uma malha. Este projeto foi estudado no segundo
semestre de 2020 a partir da provocação junto à atividade final da disciplina Análise e
Representação de Superfícies Complexas da Arquitetura Contemporânea, do Programa
de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PROGRAU), da UFPel, cuja proposta
visava ao estudo e representação de uma obra configurada com uma geometria em
superfície mínima atuante em compressão e tendo princípios de estabilidade estrutural;
• O Estádio Olímpico de Munique (Figura 5 B), com uma estrutura que age inteiramente
por esforços de tensão (BRITTO, 2012), suspensa por cabos de aço, sendo este um caso
contrário à estrutura em compressão da Shellstar;
• A Biosfera de Montreal (Figura 5 C), projetada por Richard Buckminster Fuller, por sua
importância histórica ao ser o primeiro projeto em malha construído com o conceito de
geodésica (LANGDON, 2018);
• O Eden Project (Figura 5 D), por adotar uma malha hexagonal para simplificar e
estruturar a forma (EDEN, 2021). Enquanto em Shellstar o processo se corresponde com
o método manual de cordas e pesos de Gaudí, Eden Project é o equivalente digital para
o método de bolhas de sabão de Frei Otto (EDEN, 2021);
• A cobertura do Museu Britânico (Figura 5 E), em que a malha é definida
posteriormente no projeto, pois primeiro é gerada a forma e na sequência ela é aplicada
sobre a superfície anteriormente criada, buscando-se a otimização da estrutura (BURRY;
BURRY, 2010);
• Uma obra com malha configurada por diagrama de Voronoi, por este oferecer um
caráter inovativo de projeto e se estabelecer como uma evolução das malhas regulares
(PIETRONI ET AL., 2014). O projeto do Centro Aquático Nacional de Pequim (Water Cube,
Figura 5 F) tem sua origem em uma malha poliédrica, assumindo um volume, com a
intenção de preencher o espaço uniformemente (BURRY e BURRY, 2010) em um
diagrama de Voronoi tridimensional.
Figura 5 – 5.a Shellstar. 5.b Estádio Olímpico de Munique. 5.c Biosfera de Montreal. 5.d Eden Project. 5.e Cobertura
do Museu Britânico de Londres. 5.f Watercube.

Fonte A: <https://www.matsys.design/shellstar-pavilion>. Acesso em: 21 de set. 2021.Fonte B:


<https://structurae.net/en/media/179177-roof-over-the-buildings-of-the-olympic-park-munich-olympic-stadium>.
Acesso em: 21 de set. 2021. Fonte C: <https://www.archdaily.com.br/br/796023/classicos-da-arquitetura-biosfera-
de-montreal-buckminster-fuller>. Acesso em: 21 de set. 2021. Fonte D:
<https://www.edenproject.com/mission/about-our-mission/architecture>. Acesso em: 21 de set. 2021. Fonte E:
<https://www.flickr.com/photos/paul_clarke/15862806015>. Acesso em: 21 de set. 2021. Fonte F:
<https://www.architravel.com/project/beijing-national-aquatics-centre-water-cube/>. Acesso em: 21 de set. 2021.

Na sequência, buscou-se caracterizar cada uma das obras a partir dos conceitos e
propriedades identificados e apresentados anteriormente na revisão. A Tabela 1 traz a
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 368

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classificação da geometria das faces das malhas de cada um dos projetos.


Tabela 1 – Identificação das geometrias presentes nas faces das malhas em projetos de arquitetura.

Fonte: Elaboração própria. Imagens: https://www.matsys.design/shellstar-pavilion#0;


https://www.archdaily.com.br/br/01-34759/estadio-olimpico-de-munique-frei-otto-e-gunther-behnisch;
https://www.archdaily.com.br/br/796023/classicos-da-arquitetura-biosfera-de-montreal-buckminster-fuller;
https://www.edenproject.com/mission/about-our-mission/architecture;
https://www.fosterandpartners.com/projects/great-court-at-the-british-museum/;
https://www.architravel.com/project/beijing-national-aquatics-centre-water-cube/

O primeiro projeto, Shellstar, se caracteriza por apresentar uma malha com faces
predominantemente hexagonal (MATSYS, 2018). Segundo Blanco (2022), a membrana
que cobre o Estádio Olímpico de Munique é de acrílico, constituída de elementos
quadrados de 75x75cm. A Biosfera de Fuller é caracterizada por ter origem no icosaedro,
mas devido a fragmentação de suas faces em triângulos equiláteros, sua forma
poliédrica passa a ser percebida como curva, remetendo a imagem da esfera (LANGDON,
2018). Já o Eden Project, apresenta uma malha hexagonal, mas que possui um
pentágono ímpar para fechamento no topo (EDEN, 2021). A cobertura do Museu
Britânico é construída como um conjunto de triângulos distintos, porém estes não são
iguais, tendo configurações distintas obtida através de processos de relaxamento e
otimização da malha (BURRY; BURRY, 2010). E, por fim, o Water Cube que tem sua
fachada marcada por uma malha tridimensional irregular, definida por intermédio da
aplicação do diagrama de Voronoi (MICOOGULLARI, 2018).
A Biosfera de Montreal e o Eden Project apresentam duas camadas de malhas, com
geometrias distintas. Enquanto a Biosfera de Fuller conta com faces triangulares na parte
externa, sua malha interna apresenta uma estrutura hexagonal (BOAKE, 2008). Em
contrapartida, Eden Project apresenta as formas em ordem inversas, suas faces externas
são hexagonais e a estrutura interna é uma combinação de triângulos e hexágonos
(EDEN, 2021).
Além dessa classificação inicial quanto à geometria das faces, foram identificadas as
principais justificativas do emprego de malhas nesses projetos a partir da análise de
discurso dos responsáveis. Apesar de se ter identificado um conjunto de conceitos e
aplicações que são mais significativos em cada um dos projetos, estes acabam sendo
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 369

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definidos por uma combinação de tais conceitos. Inicialmente os discursos apresentam


uma das aplicações em destaque na obra, mas ao longo das análises se observa a
presença das demais, a partir de justificativas que estão implicitamente associadas a tais
aplicações. Com isso, ao sistematizar a classificação das malhas nos projetos (Tabela 2),
reúne-se o conjunto de aplicações que englobam o projeto. Tais resultados, apesar de
avançarem em relação ao discurso explicitado pelos responsáveis dos projetos, são
resultados ainda introdutórios da estrutura de saber, mas que já foram identificados
relativamente às definições das formas envolvidas em cada obra.
Tabela 2 – Identificação das funções/aplicações das malhas em projetos de arquitetura.

Fonte: Elaboração própria.

Conforme explicitado na Tabela 2, a malha como representação digital, para a


simplificação da geometria, é aplicada nos projetos Eden Project e na cobertura do
Museu Britânico. Esses dois projetos estão configurados por geometrias curvas: O Eden
Project uma superfície mínima (Carmo, 1987) identificada em bolhas de sabão por Frei
Otto (EDEN, 2021); e a cobertura do Museu Britânico, uma superfície originada a partir
funções matemáticas (BURRY; BURRY, 2010) e que dão origem a superfícies contínuas,
mas que são especificadas em diversos elementos menores para a modelagem e
desenvolvimento do projeto.
Em relação à função computacional, Shellstar e a cobertura do Museu Britânico apoiam-
se nas malhas como um sistema de organização a partir da sistematização de cada um
de seus elementos. Isso para que ambas as malhas de tais projetos possuam as faces
como elementos únicos, sem repetição e sobreposição de polígonos, que precisam
assumir sua posição exata para compor a superfície (MATSYS, 2018; BURRY; BURRY,
2010).
A tesselação está presente em três obras analisadas, a Biosfera de Montreal, o Eden
Project e a cobertura do Museu Britânico. Esses projetos têm suas formas obtidas,
respectivamente, a partir: do sólido icosaedro (LANGDON, 2018); de estudos em bolhas
de sabão (EDEN, 2021); e de funções matemáticas (BURRY; BURRY, 2010). O que define
a tesselação nesse processo é a projeção, em uma superfície plana, das curvas
resultantes da divisão da superfície, mapeando tais curvas para segmentos retos
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 370

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

contidos em tal plano, que se conectam com os vértices de tais curvas. Com isso, a
geometria que conceitualmente é contínua se torna exequível na construção civil (LIMA,
2021), pois se apresenta por meio de polígonos.
A otimização da forma é realizada por meio da manipulação das malhas, aplicação de
técnicas para reorganizar seus elementos e consequentemente para mudar o
comportamento das faces da malha, resultando em alterações visuais do modelo
(ZAVATTIERI; DARI; BUSCAGLIA, 1996). Na Shellstar e na Biosfera foram utilizadas
técnicas de refinamento da malha, por meio do incremento na quantidade de faces
(MATSYS, 2018; LANGDON, 2018), com o intuito de uma maior aproximação à
conformação de uma forma curva. Já na cobertura do Museu Britânico, além do controle
da quantidade de faces, a posição dos pontos é ajustada para alcançar uma suavização
do conjunto de faces (BURRY; BURRY, 2010), ou seja, a continuidade da superfície.
Em Shellstar são resolvidas questões estruturais a partir da otimização da malha
(MATSYS, 2018). No estádio Olímpico de Munique a estrutura é consequência de
esforços de tensão aplicados à superfície, obtendo-se como resultado uma malha
ondulada (BRITTO, 2012). No Water Cube, a malha tem origem no diagrama de Voronoi
(BURRY; BURRY, 2010), o qual apresenta uma otimização estrutural que tem relação com
padrões geométricos de estruturas encontradas na natureza (POTTMANN ET AL., 2007).
Em relação ao emprego das malhas para a geração da forma, existe uma recorrência de
técnicas de simulação da atuação de forças físicas, como em Shellstar, que apresenta a
contrapartida digital do processo de Gaudí com o uso da força da gravidade (MATSYS,
2018) e no Estádio Olímpico de Munique, em que a forma final da edificação é resultado
da aplicação de forças por tracionamento da malha (BRITTO, 2012).
Essa revisão inicial possibilitou identificar que as obras selecionadas estão caracterizadas
pelas diferentes aplicações já reconhecidas, podendo também estarem caracterizadas
por outras que venham a ser identificadas. Neste artigo estão reunidos os usos
identificados durante a seleção das obras, as quais serão estudadas em maior
profundidade na sequência deste estudo. A abordagem realizada nesse trabalho visa
reforçar a importância da estruturação do saber para a adoção do desenho paramétrico
na arquitetura, a partir da explicitação das relações e conexões da geometria nesse
processo de projeto e de modelagem. Para isso, configura uma primeira abordagem
sobre as malhas em projetos paramétricos, a partir de uma estrutura de saber que
subsidia a compreensão da complexidade de tal geometria e de sua modelagem. Embora
ainda não seja um material didático capaz de diretamente capacitar os estudantes a
desenvolverem projetos a partir do desenho paramétrico, traz elementos que
possibilitam a introdução gradativa dos conceitos geométricos necessários para tal
abordagem.
Com isso, entende-se que é possível promover uma aproximação dos estudantes ao
vocabulário geométrico necessário para lidar com geometrias complexas da arquitetura
contemporânea e com o projeto paramétrico subjacente a estas. A partir do uso da
programação visual, juntamente com uma estrutura de saber que introduza os principais
conceitos geométricos aos estudantes, espera-se contribuir com a formação de novos
arquitetos capacitados para a prática profissional a partir do desenho paramétrico.
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 371

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

4 CONCLUSÃO
O momento em que esse estudo está sendo desenvolvido, em meio a pandemia do
Coronavírus, em que cursos de graduação ainda se encontram sob o modelo remoto de
ensino, amplia-se a necessidade de estruturação de materiais didáticos de qualidade,
que permitam um aprendizado autônomo dos estudantes. A abordagem adotada neste
trabalho, de estruturação do saber como subsídio à elaboração de momentos e materiais
didáticos, pode ser empregada em qualquer modalidade de ensino.
Preparar os estudantes para estarem cada vez mais capacitados para as novas
tecnologias exige também um avanço nos materiais didáticos que suportam o ensino
principalmente quando se tratam de saberes ainda não reconhecidos no contexto
didático. Uma vez que a base do projeto paramétrico está na geometria, promover o
conhecimento desta associando-a a outras estruturas relacionadas, amplia as
possibilidades de os estudantes explorarem as tecnologias digitais de representação na
elaboração de seus projetos. Dessa maneira, faz-se indispensável a contribuição de
novos materiais didáticos que abordem o saber da geometria como suporte ao curso de
arquitetura.
O estudo desenvolvido está aberto a ampliações e configura uma parte da estrutura de
saber, a qual se constitui como base para avançar no conhecimento geométrico e
arquitetônico.
Como continuidade desse trabalho, tem-se ainda a identificação das propriedades
estruturais das malhas, dessa maneira, se buscará compreender sua natureza
construtiva pelo viés geométrico. E, como as estruturas do saber aqui apresentadas são
objetos em constante revisão, sujeitos a ampliação ou reestruturação à medida que
novos conceitos são abordados, pode-se supor que algumas propriedades estruturais
estarão relacionadas com as geometrias das faces, não somente pelo tipo de polígono
em si, como acontece com a estabilidade das formas triangulares, mas pelas
propriedades das conexões presentes nos seus vértices.

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XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

As tecnologias da informação e da comunicação em


experiências pedagógicas em arquitetura e urbanismo em
tempos de pandemia

Daniela Bogado B. de OLIVEIRA


Instituto Federal Fluminense; dbogado@iff.edu.br
Danielly Cozer ALIPRANDI
Instituto Federal Fluminense; danielly.aliprandi@iff.edu.br
Luciano Falcão da SILVA
Instituto Federal Fluminense; lfalcao@iff.edu.br

RESUMO
A partir das experiências vivenciadas no ensino, pesquisa e extensão durante os tempos de pandemia e
ensino remoto emergencial, este artigo busca refletir sobre as possibilidades e limitações que a utilização
das ferramentas online trouxe para o ensino. Tais experiências foram aplicadas no curso de Bacharelado
em Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal Fluminense, em Campos dos Goytacazes/RJ. Os
potenciais observados têm feito com que sua utilização se perpetue no momento atual, que é de retorno
gradual das aulas presenciais. Por outro lado, impõe dificuldades e limitações que precisam ser
ponderadas para não comprometer a qualidade do ensino de arquitetura e urbanismo, especialmente em
disciplinas de caráter mais prático. Notou-se uma mudança de paradigma, proporcionada a partir da
experiência da pandemia. Diversos recursos, e aqui destaca-se a utilização de Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs), que em momentos anteriores, eram vistos com preconceito e conferido a eles
grande complexidade, tornaram instrumentos importantes na rotina do curso.
PALAVRAS-CHAVE: tecnologia da informação e comunicação, ensino, pesquisa, arquitetura e
urbanismo, COVID-19

1 INTRODUÇÃO
O curso de bacharelado em arquitetura e urbanismo do Instituto Federal Fluminense
(IFF), com a instauração da Pandemia da COVID-19 no Brasil, assim como os cursos da
área distribuídos pelo país, passou por um difícil processo de adequação de atividades,
até então totalmente presenciais, para o ensino remoto. Isso se deu a partir da
publicação da Resolução nº 38, de 27 de agosto de 2020, do IFF, que estabelece
diretrizes para a realização de atividades pedagógicas não presenciais para cursos
presenciais. As atividades do Instituto estavam suspensas desde a publicação da Portaria
nº 164, de 13 de março 2020, do IFF. Estes documentos se basearam nas orientações
recebidas pelo Governo Federal, com a adoção do Ensino Remoto Emergencial (ERE)
pelas Instituições de Ensino Superior, trazendo adaptações para as atividades até então
presenciais. (BRASIL, 2020a; BRASIL, 2020b).
Durante o período de suspensão total das atividades, que veio acompanhado pela
progressiva suspenção do calendário acadêmico, apenas os cursos de pós-graduação
stricto sensu foram autorizados a funcionar, substituindo as disciplinas presenciais, em
andamento, por aulas que utilizassem meios e tecnologias de informação e
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 375

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comunicação, a partir da Portaria nº 208, de 27 de março de 2020, do IFF. Esse fato


torna-se relevante uma vez que há um curso de Mestrado Profissional em Arquitetura,
Urbanismo e Tecnologias na instituição, que nasce a partir de uma verticalização do
curso de graduação, mantendo alguns professores em comum e atividades que
puderam, neste contexto, envolver também a graduação.
Quanto ao curso de graduação, durante a suspensão do calendário, foram realizadas
atividades de extensão, a partir principalmente da criação de um canal no Youtube e um
projeto denominado ArqIFF em casa, uma das ações que serão relatadas neste artigo.
Esta ação se tornou importante em um momento no qual se buscava uma forma de
aproximação, mesmo à distância, dos alunos e professores, fortalecendo vínculos e
mantendo nossas mentes ativas e atualizadas.
A partir da retomada das atividades letivas, mas ainda não presenciais, uma série de
artifícios foram sendo utilizados para tornar possível o ensino remoto, mantendo a
qualidade tão prezada pelo curso. Cabe destacar que diversas disciplinas não puderam
ser ofertadas devido ao seu caráter prático, mas este artigo não pretende se aprofundar
neste aspecto, concentrando-se na discussão e relato sobre as experiências pedagógicas
realizadas.
A reflexão que se coloca aqui surge a partir da mudança de paradigma notada,
proporcionada pela pandemia. Em momentos anteriores a situação pandêmica, muitos
entraves eram colocados na atuação docente quanto à utilização de determinadas
ferramentas. Destaca-se aqui a utilização de Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs), importantes elementos para a realização de atividades remotas.
Neste sentido, o objetivo é demonstrar as possibilidades que a utilização emergencial
das ferramentas online trouxe para o ensino, não apenas no momento de pandemia e
de realização de atividades totalmente remotas, mas se perpetuando no retorno gradual
das aulas presenciais, no qual a instituição se encontra neste início de 2022. Por outro
lado, pretende-se destacar também as dificuldades impostas no ensino remoto,
contribuindo na reflexão quanto aos seus impactos no ensino de arquitetura e
urbanismo.
Para isso, partiu-se do relato das experiências dos autores deste texto, não apenas no
ensino, mas também na pesquisa e na extensão, tripé indissociável na formação
universitária, e para fundamentar a reflexão pretendida, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica acerca da temática da Tecnologia da Informação e Comunicação e suas
reflexões no ensino e na vida contemporânea, de modo geral, complementada pela
pesquisa documental na legislação que embasa o tema.

2 AS (NOVAS) TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO:


DESAFIOS E POSSIBILIDADES
Há um imbricamento de tecnologia e sociedade, pois, como diz Castells (1999), a
sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.
O sociólogo explica que embora conhecimento e informação sejam elementos
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 376

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

primordiais em qualquer modo de desenvolvimento, o que sinaliza a especificidade do


modo informacional de desenvolvimento é a realimentação cíclica entre as fontes de
conhecimento tecnológico e a aplicação da tecnologia para melhorar a geração de
conhecimentos e o processamento da informação.
Assim sendo, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) apresentam, cada vez
mais, um importante papel no ambiente educacional. Elas facilitam potencialmente o
modo de interação entre professor e aluno ao viabilizar a exploração de recursos
didáticos inovadores, ao diversificar os modos de criar conhecimentos e ao possibilitar
a obtenção de informações atualizadas (MIRANDA; MOURÃO & GEDIEL, 2017). Mas o
papel e sucesso de uso das TICs passa pela apropriação e incorporação das mesmas
pelos alunos e professores, na sua maior plenitude possível, e isso envolve a
compreensão de que elas não são estanques em si mesmas, mas são potencialmente
transformadoras das práticas dos docentes e discentes.
Oliveira (2016) salienta que “a tecnologia é potencial, é essencial, mas não é o único
elemento transformador em sala de aula. É só uma ferramenta, entretanto, quando ela
motiva professores e alunos, passa a agregar valor, tornando-se mais importante;
devendo ser utilizada a favor da capacitação, dando facilidades etc.”.
A evolução das TICs tem trazido grande parte da contribuição para o também aumento
da prática do Ensino a Distância (EaD). Porém, a sua aplicação normalmente tem foco
na economia de recursos, e apresenta falhas dependendo de como sua utilização é
planejada. Paradoxalmente, as TICs podem causar inclusão/exclusão social, e processos
avaliativos podem apresentar fragilidades (PIRES & ARSAND, 2017).
Porém, o EaD engloba práticas que vão além da simples adoção das ferramentas
associadas às TICs, como, por exemplo: a elaboração de conteúdo próprio, para que
simule o diálogo constante professor x estudante, seja autoexplicativo, reflexivo,
interativo e motivador; o desenvolvimento conjunto de material entre professores e
demais especialistas, pedagogos, técnicos em mídias e de informática; equipe
multidisciplinar de professores conteudistas e tutores, com a aplicação de atividades
presenciais em polos da instituição (GOMES, 2009).
Neste sentido, não cabe classificar a atuação emergencial no ensino durante a pandemia
de COVID-19 como prática em EaD. O Ensino Remoto Emergencial (ERE) é uma mudança
temporária de ensino para um modelo alternativo devido a circunstâncias de crise, e seu
objetivo principal é fornecer acesso temporário a instrução e suporte educacional de
maneira rápida e confiável, e, dessa forma, não necessita da criação de um sistema
educacional robusto (HODGES et. al, 2020). Nesta situação particular, a prática do
ensino fora do ambiente tradicional de ensino não foi uma escolha individual de
professores e estudantes, mas uma necessidade. As barreiras se mostram evidentes
neste caso, como a disponibilidade de internet e dispositivos digitais, o domínio do
manejo das plataformas e ferramentas digitais, e a adequação dos objetivos de
aprendizagem e método avaliativo.
Um ponto relevante na adoção das TICs neste contexto foi a velocidade com que
ocorreu, dada a urgência do momento de paralização devido às restrições impostas pela
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 377

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pandemia. Repentinamente, professores e técnicos administrativos se viram obrigados


a repensar metodologias, procedimentos, atividades, e procedimentos de gestão. Nesse
tipo de ensino, deve-se observar que os alunos possuem estilos e ritmos de
aprendizagem diferentes, sendo relevante considerar a alternação entre as
apresentações do conteúdo e as discussões e exercícios em função das peculiaridades
dos alunos (COSTA e.t al, 2021)
Edgar Morin (2020) trata do desafio digital e explicita que tudo indica que a propagação
digital, já em curso e amplificada pelo isolamento (home office, videoconferências, e-
mails, redes sociais), vai perdurar. O filósofo salienta, ainda, que num momento de crise
pandêmica - na qual crises se sobrepõem (política, econômica, social, ambiental,
sanitária) e aumenta-se incertezas -, necessário ponderar sobre urgência e prudência,
pois esta pode retardar ações e aquela leva a subestimar efeitos colaterais de ações
imediatas. Ele argumenta, então, que isto requer bom senso e a tentativa de conciliar
duas opções antagônicas (com práticas urgentes sem renunciar a protocolos de
prudência), o que se aplica no contexto educacional. Alerta também que “os dispositivos
digitais são ao mesmo tempo instrumentos de liberdade e instrumentos de servidão”,
permitindo “a livre expressão, que vai da criatividade ao delírio das redes sociais”. Neste
sentido, demonstra que “os dispositivos digitais, a internet, a inteligência artificial são
meios que tendem a transformar-se em fins”, colocando em xeque a privacidade e
questões éticas, sociais e políticas (MORIN, 2020, p. 47 e 48).
Outra questão que Morin (2011) ressalta, ao tratar da incerteza do conhecimento, é a
importância das atividades (auto)observadoras, (auto)críticas, com processos reflexivos
inseparáveis dos processos de objetivação. Conclui dizendo que “o dever principal da
educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez” (MORIN, 2011, p.
31). A pandemia, como nunca, nos reforça o quão fundamental é ensinar sobre a
condição humana e a ética planetária, desenvolvendo a ética da solidariedade e da
compreensão.
As TICs não devem ser consideradas como um recurso tecnológico, mas um instrumento
capaz de facilitar o processo de ensino-aprendizagem e trazer mais possiblidades para
que o estudante continue sendo o sujeito ativo na construção do conhecimento. Sousa
e Bello (2018) defendem a necessidade da formação e do aperfeiçoamento dos
professores quanto ao uso das TICs, para melhor desempenhar e mediar a construção
do conhecimento, na renovação da prática pedagógica e não ser apenas o transmissor
de informações.
Do mesmo modo, as ferramentas não formam uma solução acabada para mudanças no
ensino ou o acesso à educação, mas devem ser pensadas como parte de um conjunto
que contemple a capacitação dos profissionais da educação, o aprimoramento de
métodos de gestão das instituições de ensino, e o acesso pleno dos estudantes a tais
ferramentas. A sociedade não deve ignorar as diferentes formas de diversidade cultural
nela existentes, que jamais poderão ser suprimidas por meio de aparatos tecnológicos
“avançados” (GENOVEZ et al., 2014). Segundo estes mesmos autores:
Há que se considerar que a simples ‘instrumentalização’ do professor para
utilização dos equipamentos não é suficiente. Ela deve estar aliada a um
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 378

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

processo contínuo de reflexão, orientação e acompanhamento técnico-


pedagógico desses profissionais por meio de uma equipe multidisciplinar para
o devido suporte técnico, manutenção dos equipamentos e para auxiliar os
professores na mediação/integração do aparato tecnológico à sua metodologia
e conteúdo programático. Além disso, é fundamental que haja uma visão crítica
sobre o processo educacional: fins e objetivos (GENOVEZ et al., 2014, p. 34).
O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14), ao pôr em vigor princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, trata da educação, estabelecendo,
no art. 26, que o cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da
educação, em todos os níveis de ensino, inclui a capacitação, integrada a outras práticas
educacionais, para o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta
para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico.
Destaca, ainda, no parágrafo único do art. 29, que cabe ao poder público, em conjunto
com os provedores de conexão e de aplicações de internet e a sociedade civil, promover
a educação e fornecer informações sobre o uso dos programas de computador, bem
como para a definição de boas práticas1 para a inclusão digital de crianças e
adolescentes.
No que se refere à acessibilidade e à cultura digital, o Marco Civil da Internet determina
respectivamente, no art. 25, II c/c art. 7º, XII e no art. 27, o seguinte:
1º) que as aplicações de internet de entes do poder público devem buscar a
acessibilidade a todos os interessados, independentemente de suas capacidades físico-
motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais, mentais, culturais e sociais, resguardados
os aspectos de sigilo e restrições administrativas e legais;
2º) que as iniciativas públicas de fomento à cultura digital e de promoção da internet
como ferramenta social devem: promover a inclusão digital; buscar reduzir as
desigualdades no acesso às TIC e no seu uso; e fomentar a produção e circulação de
conteúdo nacional.
O Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852/13) aborda sobre: o direito à comunicação e à
livre expressão, à produção de conteúdo, individual e colaborativo e ao acesso às TIC,
incumbindo o Poder Público na efetivação destes direitos contemplar o incentivo de
programas educativos e culturais voltados para os jovens; a promoção da inclusão digital
dos jovens, por meio do acesso às (novas) TIC; a promoção das redes e plataformas de
comunicação dos jovens, considerando a acessibilidade para os jovens com deficiência;
o incentivo à criação e manutenção de equipamentos públicos voltados para a
promoção do direito do jovem à comunicação; e a garantia à acessibilidade à
comunicação por meio de tecnologias assistivas e adaptações razoáveis para os jovens
com deficiência.

1
“As boas práticas envolvem o respeito à liberdade de expressão, aos direitos humanos, ao
desenvolvimento da personalidade, à pluralidade e à diversidade, e à finalidade social da rede, além de
proteção da privacidade e dos dados pessoais e estímulo ao exercício da cidadania em meios digitais”
(OLIVEIRA, 2016).
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E no âmbito municipal, encontramos menção ao ensino e às TICs no novo Plano Diretor


de Campos dos Goytacazes, instituído pela Lei Complementar Municipal nº 015/2020,
que explicita, no art. 6º, o seguinte como objetivos para o desenvolvimento da cidade:
XI. Com a participação da família e com base no pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas, garantir ao educando seu desenvolvimento pleno, seu preparo para o
exercício da cidadania, para a vida e sua qualificação para o trabalho.
XII. Implantar as políticas de tecnologias da informação e comunicação, de acordo com
as diretrizes do comitê municipal de Tecnologia da Informação, com sustentabilidade,
para integração e aumento da eficiência dos serviços públicos e o desenvolvimento
socioeconômico do município;
XIII. A garantia do acesso à internet, à inclusão digital, à web cidadania, à internet das
coisas e aos serviços eletrônicos de governo como direito do cidadão, constituindo a
cidade inteligente;
XIV. O acesso à informação e ao conhecimento como forma de aprendizado contínuo,
através das tecnologias de informação e comunicação, expressar saberes, ideias e sua
cultura em pleno direito da liberdade de expressão, constituindo a cidade do
conhecimento.

3 PERCEPÇÕES DE ENSINO DURANTE A PANDEMIA


Atentos às percepções de outras áreas de ensino durante a pandemia, observou-se que
no ensino superior de Enfermagem, também caracterizado pelo alto grau de disciplinas
práticas, pesquisas indicam diferenças de percepções e resultados na adoção das TICs
nos processos de ensino. Segundo Galvão (2021), houve um grupo de participantes que,
embora minoritário, sofreu um impacto negativo da transição do ensino presencial para
o ensino remoto que poderia ser minimizado por meio de políticas públicas, ações
governamentais emergenciais, ações das instituições de ensino e ações da sociedade
civil focadas na disponibilização de acesso à Internet, equipamentos, capacitação e
apoio psicológico.
No âmbito da América Latina, estudo realizado na Colômbia a partir de questionário
aplicado a docentes atuantes no ensino superior, nas áreas de Engenharia, Economia,
Artes e Administração (AVENDAÑO CASTRO; HERNÁNDEZ; PRADA NÚÑEZ, 2021),
mostrou a percepção que há um alto valor no uso das TICs no período emergencial,
durante os momentos mais graves da pandemia. Destacam o fato de estabelecer
comunicação bidirecional e processos de interação intensos. Porém, há uma aprovação
maior dos resultados das ferramentas entre docentes de faixa etária menor, até trinta
anos, o que leva à importância do treinamento e educação digital dos docentes.
A pandemia também alterou a modalidade de trabalho da estrutura administrativa das
instituições de ensino, e de forma abrupta. Pesquisa realizada com servidores lotados
em setores classificados como essenciais neste período, no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES) (BACCILLI e CRUZ, 2021),
mostrou que a implantação do teletrabalho não foi percebida de forma positiva, porém,
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 380

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após o período de adaptação, os entrevistados apontaram ganhos como flexibilidade,


melhoria na qualidade de vida, produtividade, melhor relacionamento familiar,
economia de tempo com deslocamento e motivação. No trabalho foi ressaltado, porém,
a importância do planejamento e a não eliminação total do trabalho presencial, mas a
busca por um equilíbrio dentro da hibridização remoto x presencial.
Os impactos da transição do ensino presencial para o ensino remoto configuraram um
desafio para os atores envolvidos, muito devido ao grande número de professores e
estudantes que não utilizavam as ferramentas relacionadas às TICs dentro de um
ambiente ensino-aprendizagem, antes da pandemia, como mostram estudos
provenientes, em sua maioria, da China e Indonésia, e reunidos em uma Revisão
Sistemática da Literatura (RSL) (MENEZES & SANTOS, 2021).
A alteração radical imposta pela pandemia permite vislumbrar uma nova dinâmica da
cultura digital nos processos educativos pós-pandêmicos a partir das aprendizagens dos
docentes em relação ao uso das tecnologias digitais de informação e comunicação em
sua prática pedagógica, configurando um novo cenário para os recursos pedagógicos
digitais na Educação (NONATO, SALES & CAVALCANTE, 2021).

4 RELATO DAS EXPERIÊNCIAS


As TICs impactam todas as áreas da educação, porque se aplicam tanto na
aprendizagem, quanto na organização dos processos de ensino, as atribuições dos
discentes e docentes, a organização do trabalho e nas aulas presenciais ou virtuais
(AVENDAÑO CASTRO, HERNANDÉZ & PRADA NÚÑEZ, 2021). Neste trabalho, as
experiências relatadas foram analisadas segundo as dimensões: didática, planejamento,
geração de ambientes de aprendizagem, avaliação, educação e formação digital.
As aulas remotas no IFF foram realizadas dividindo suas atividades entre síncronas e
assíncronas. Estas contaram especialmente com a utilização do Google Classroom, onde
é possível armazenar plano de ensino, ementa, aulas gravadas, textos e apostilas, links
de vídeos de palestras e outros tipos de informações e conteúdos para serem acessados
pelos discentes no momento de estudo deles, e por meio do qual eram postadas as
atividades avaliativas.
As atividades síncronas ocorriam ao vivo, por meio de vídeo chamadas. Durante essas
interações, além da própria ferramenta de reunião, os docentes lançaram mão de
diversos outros recursos. Destaca-se aqui o Padlet, o Miro, o Jamboard e o Mentimeter,
todos on-line, que podem ser compartilhados por todos para edição simultânea. O
Padlet se refere a uma espécie de painel virtual que foi utilizado para a montagem de
exposições. Trabalhos que antes eram impressos e feitos por colagem e expostos nas
paredes da sala de aula, com o Padlet, puderam ser criados com maior liberdade e
menor limite. A ferramenta permite a inserção de imagens, textos, links, vídeos e
arquivos, permitindo o acesso a um conteúdo mais amplo, complementar, organizado
de forma criativa e sem custos.
O Miro representa uma grande tela em branco, infinita, na qual inúmeros trabalhos
foram elaborados. Os discentes delimitam na tela branca espaços individuais, ou dos
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 381

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grupos, e produzem as diversas etapas de um trabalho neste mesmo local. A ferramenta


permite também a inserção de imagens, textos, links, vídeos e arquivos, além da
produção de desenhos livres. Como é um painel coletivo, todos tem acesso aos trabalhos
uns dos outros, permitindo a troca de informações e ideias. A orientação dos trabalhos
na ferramenta também tem sido muito rica, pois permite ao docente desenhar e
comentar sobre o material que está sendo produzido. Um aspecto relevante para estas
ferramentas é a possibilidade também da assincronicidade. Sendo um painel único e
disponível on-line, grupos de alunos complementavam as ideias expostas no painel em
diferentes tempos, de acordo com sua própria disponibilidade, além de estarem cientes
das modificações acrescentadas pelos colegas e professores desde a sua última
interação, uma vez que a aplicação destaca as alterações realizadas.
Para maior interação com os alunos, foram utilizados, por exemplo, o Jamboard, para ter
a impressão dos alunos do conteúdo desenvolvido e o Mentimeter para tratar de
questões conceituais. O primeiro apresenta páginas em branco e, assim como o Miro o
Padlet, permite a inserção de variados tipos de conteúdo. Já o segundo permite a
construção de nuvens de palavras, mapas mentais e apresentações interativas. O
formulário elaborado e disponibilizado pelo Google Forms foi utilizado para
autoavaliação. Na Figura 1 é possível observar alguns exemplos citados.
Figura 1 – Exemplo de painéis elaborados em aula no Mentimeter, Jamboard e Padlet, respectivamente

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

De forma contraditória, as disciplinas relativas à informática aplicada à arquitetura e


urbanismo encontraram fortes barreiras neste período, inclusive impedindo sua
aplicação. Ao lidar com softwares específicos, e ao depender de equipamentos
pertencentes aos próprios estudantes em suas residências e ambientes de estudo, mais
uma vez se tornou evidente a disparidade de recursos em um contexto de desigualdade.
Não foram poucos os casos em que os equipamentos disponíveis não tinham
especificação mínima suficiente para executar os softwares, além de dificuldades de
instalação e configuração destes equipamentos sem um apoio técnico específico. Alguns
softwares de uso tradicional com versão educacional, porém pagas, também tiveram seu
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 382

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uso impedido, uma vez que a instituição não pode arcar com estas compras de licenças
individuais em tempo hábil.
As tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) são, atualmente, um dos maiores
facilitadores na inserção de surdos nas Instituições de Ensino Superior (GEDIEL; SOARES;
OLIVEIRA, 2016). Mas muito além dos equipamentos e linguagens específicas para o
atendimento a estes estudantes, descobriu-se neste momento emergencial que os
recursos já existentes no Google YouTube e Google Classroom, de habilitação de
legendas durante as transmissões se mostrou bastante eficaz. No curso de Arquitetura e
Urbanismo, destacam-se dois casos específicos. Em um deles, de uma estudante que já
acompanhava o curso há algum tempo, e já com mais de 80% da carga horária cumprida.
Neste caso, lhe faltavam disciplinas específicas com alto grau de termos técnicos, e uma
carga de atividades maior. Com a possiblidade das aulas remotas e legendas, o
vocabulário que lhe era desconhecido, se apresentou de forma mais direta, facilitando a
compreensão e a levando ao cumprimento e entendimento amplo do conteúdo. Em
outro caso, um estudante de uma localidade distante da sede do curso viu na
possibilidade do ensino on-line a chance de ingressar no curso, e assim o fez. As
disciplinas dos períodos iniciais foram cumpridas, ainda sem a necessidade de
deslocamento e, principalmente, com o auxílio das legendas tanto nas aulas síncronas
quanto no material assíncrono. Outro ponto relevante nestes dois casos, foi que
parentes próximos, residentes com estes estudantes participaram ativamente das aulas,
dando apoio nas dúvidas e nos seus próprios graus de confiança.
Uma desvantagem que é válida de se destacar é o fato de nem todos os estudantes
abrem suas câmeras, nem participam do debate e que durante a apresentação de slides,
compartilhando a tela, perdia-se o contato visual e isso acarreta numa perda de
feedback, de olhares, que na presencialidade intensificaria as trocas durante a aula. Dar
aula para alunos com câmara desligada é angustiante, porque nos causa a impressão de
que estamos falando sozinho.
Outra atividade de ensino que merece destaque neste contexto é a realização das bancas
on-line de trabalhos das diversas disciplinas e de trabalhos finais de graduação. Por
muito tempo, os docentes encontraram na distância uma limitação na constituição de
bancas para avaliação de trabalhos acadêmicos, principalmente estando o curso em uma
região razoavelmente distante dos grandes centros e ainda em desenvolvimento na área
de arquitetura e urbanismo. Os escassos recursos e as dificuldades logísticas para o
deslocamento de convidados de outras cidades e estados, e até de outro país, limitavam
as opções de escolha.
A possibilidade de utilização de TICs para a participação remota de um dos membros da
banca era algo que ainda soava estranho e complexo. Com a necessidade de sua
utilização de forma emergencial, houve a quebra de uma barreira metodológica. Notou-
se a ampla possibilidade de integração entre as instituições de ensino superior. Neste
período de emergência e orientações de trabalho totalmente remotas, observou-se
também que estudantes que tinham dificuldade de conclusão de seus trabalhos finais,
a maioria das vezes por estarem se dedicando a outras atividades profissionais nos anos
finais do curso, encontram a chance de seu término. Houve, inclusive, casos de
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 383

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estudantes que já haviam retornado às suas cidades de origem – o IFF acolhe muitos
estudantes de outras cidades da região – e concluíram o curso a partir da redução de
tempo de deslocamento e custos associados a isto.
Outras linhas no processo ensino-aprendizagem que foram muito impactadas com esta
quebra de barreiras, e que incluem fortemente as atividades de orientação, foram as
atividades de extensão e pesquisa. Se, por um lado, da mesma forma que os convites
externos às bancas, possibilitou-se o acesso a profissionais estabelecidos em outras
localidades no Brasil e no mundo, para reuniões, parcerias e discussões, por outro lado,
algumas atividades previstas não puderam ser realizadas, como as pesquisas de campo.
Não existe ferramenta digital que substitua a inserção no território e a observação in
loco da dinâmica da cidade. Por isso, algumas das pesquisas tiveram que ter sua
metodologia modificada ou foram inviabilizadas.
O que não quer dizer que neste contexto, novas ferramentas digitais também foram
incorporadas. Aqui destaca-se o uso do Trello, uma ferramenta de gestão de equipes,
que vem sendo utilizada para gerenciar o trabalho de bolsistas e voluntários. Isso
dinamizou o trabalho e facilitou a divisão de trabalhos e acompanhamento pelo
orientador.
Quanto aos projetos de pesquisa, foi possível ocorrer com reuniões remotas (com os
bolsistas e voluntários de Iniciação Científica, no Conselho de Meio Ambiente e
Saneamento, com o Ateliê de Pesquisa da Paisagem), utilização de Google Maps, estudo
da legislação, elaboração de mapas entre outras dinâmicas que viabilizaram a execução
do Projeto, ainda que com adaptações metodológicas e suprimindo as visitas técnicas.
No âmbito da extensão, destaca-se a realização dos eventos on-line. Duas experiências
se destacam: ArqIFF em casa e o XV ENEPEA (Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo
em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil), ambos organizados por professores
do curso.
O ArqIFF em casa foi um projeto de extensão que envolveu a criação de um canal no
Youtube para os cursos da área de arquitetura e urbanismo do IFF e a realização de
palestras e mesas redondas por este canal, o ARQiFF Tube2. Esta ação se concentrou
principalmente no ano de 2020, enquanto o calendário da instituição estava suspenso.
Foi uma forma de manter um vínculo entre docentes e discentes, um momento de
encontro, mesmo que não presencial, trazendo contribuições diversas para o
conhecimento na área. Houve contribuições de outros cursos também, como a pós-
graduação stricto sensu. Todo o material produzido nesse momento emergencial está
hoje disponível para novas turmas ingressantes, e compõem mais material para serem
incluídos nas referências das disciplinas, mesmo em um momento futuro de retorno
total à presencialidade. As palestras do ArqIFF em casa, também subsidiaram as
atividades assíncronas de algumas disciplinas. Além disso, muitas das palestras
organizadas propiciaram a integração da graduação, com a Pós Lato Sensu e os
Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, como o Mestrado Profissional em
Arquitetura, Urbanismo e Tecnologias e o Doutorado Profissional em Modelagem e

2 https://www.youtube.com/c/ARQiFFtube
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 384

XXI CONABEA – Congresso da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

Tecnologias em Meio Ambiente aplicadas em Recursos Hídricos, ratificando a


verticalização do ensino.
O ENEPEA é um evento que é realizado há mais de 25 anos, bianualmente, e estava
marcado para acontecer entre março e abril de 2020 presencialmente no IFF em Campos
dos Goytacazes, recebendo pessoas do país inteiro. No entanto, a cerca de duas semanas
da realização do evento, as atividades presenciais foram suspensas. A partir disso e dos
desdobramentos da pandemia, o evento foi reformulado e realizado totalmente online.
O canal ARQiFF Tube, que comportou a ação de extensão anterior, foi também utilizado
para a realização de diversas atividades do evento.
Esta possibilidade trouxe uma democratização ao ENEPEA, pois os interessados puderam
assistir de casa, sem custo de deslocamento, e qualquer pessoa que tivesse interesse
pode assistir às diversas palestras realizadas, sendo possível assistir ainda hoje, pois
estão armazenas no canal. No entanto, a riqueza das trocas comumente realizadas nos
encontros presenciais, nas conversas dos intervalos e no fim do dia, representa uma
grande perda. A Figura 2 contém alguns exemplos da divulgação das atividades do canal
e a imagem de uma mesa redonda realizada durante o XV ENEPEA.
Figura 2 – Atividades realizadas no Canal ARQiFF Tube

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Outro impacto a ser destacado é a dificuldade de foco e imersão nas atividades


oferecidas pelos diversos eventos. Quando há o deslocamento físico para a participação
em um evento acadêmico, há uma imersão total no mesmo, sendo todas as demais
atividades pausadas para dar lugar a esta experiência. Com todos os eventos ocorrendo
remotamente, podendo assistir sem sair de casa, as demais atividades permanecem
acontecendo normalmente, e a maioria dos participantes não realiza pausas nas
mesmas para focar apenas no evento.
Parte integrante e indissociável do ensino de arquitetura e urbanismo, as visitas e
viagens técnicas, que aconteciam de forma constante até 2019 no curso de arquitetura
e urbanismo do IFF, foram abruptamente interrompidas. Tanto como apoio à formação
ampla do estudante, com vivências e experiências, quanto como necessidade direta de
algumas disciplinas, como aquelas ligadas à patrimônio, projeto de arquitetura,
urbanismo e paisagismo, dentre outras, a falta destes recursos configuraram uma perda,
talvez permanente, de conteúdo do curso. Mesmo com a adoção de visitas remotas em
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 385

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alguns casos, estas não substituíram as vivências físicas no espaço e a socialização, a


aproximação que gera vivências e vínculos afetivos.
O fato é que, de acordo com Morin (2000, p. 53), “o conhecimento não é um espelho,
uma fotografia da realidade. O conhecimento é sempre tradução e reconstrução do
mundo exterior”. E essa compreensão requer dos docentes e discentes adaptabilidade
e habilidade de interpretar o mundo com visão crítica do momento histórico que
estamos vivendo. A propósito, isso dialoga com a concepção freiriana de criticidade,
profundidade e interpretação, bem como de apreensão da realidade, como saberes
necessários à prática educativa emancipatória (FREIRE, 1996), como forma de intervir
no mundo, criando as possibilidades para a produção/construção do conhecimento.
Hodiernamente, o debate acerca das metodologias de ensino, como frisa Alvaro (2018,
p. 15), “na verdade, trata da política de educação que estamos assumindo nas nossas
práticas relativas aos processos de ensino e de aprendizado”, que deve ser inclusiva e
voltada para a dialogicidade.
Portanto, por um lado, o ensino remoto, com atividades pedagógicas não presenciais,
tornou-se um meio de efetivarmos o direito à educação, potencializando o uso das TICs
num Ambiente Virtual de Aprendizagem, bem como as lives e usos de redes sociais, com
a possibilidade de análise dos limites e facilidades disso. Por outro lado, revela angústias
e preocupações quanto à qualidade do ensino. Algumas dessas ponderações estão
resumidas no Quadro 1, a seguir:
Quadro 1 – Resumos quanto ao desempenho das ferramentas utilizadas
Atividade Recurso(s) adotado(s) Vantagem percebida Desvantagem percebida
Seminários Miro Interatividade; Não estimula um contato
Reações de Leituras Conectividade; mais direto, cara a cara;
Elaboração de mapas Organização; Falta de participação de
Trabalhos em grupo Sistematização das ideias; parte dos alunos;
Orientação de projetos facilita associações, Dispersão devido à
propiciando articulações; quantidade de
Registro e informação oferecida;
compartilhamento dos Falta de inserção
trabalhos; territorial.
Estética;
Agregador de recursos
(vídeos, slides, imagens).
Torna-se um ambiente
colaborativo.
Exposição de trabalho Padlet Interatividade;
Conectividade;
Organização;
Sistematização das ideias;
facilita associações,
propiciando articulações;
Registro e
compartilhamento dos
trabalhos;
Estética;
Agregador de recursos
(vídeos, slides, imagens).
Torna-se um ambiente
colaborativo.
Brainstorming Jamboard Interatividade;
XXXVIII ENSEA – Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo 386

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Reações de Leituras facilita associações,


propiciando articulações;
Conectividade.
Definições de conceitos Mentimeter Interatividade;
Legenda do Google Meet conectividade;
facilita associações,
propiciando articulações;
Estética
Avaliação Google Classroom Organização;
Autoavaliação Google Forms Sistematização das ideias;
Acompanhamento de Trello facilita associações,
atividades propiciando articulações;
Registro e
compartilhamento dos
trabalhos.
Aulas Google Meet
Palestras Youtube

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das necessidades impostas por um momento de emergência sanitária mundial,
mais uma vez é explicitado o poder de transformação e de adaptação da educação.
Fica claro, a partir das experiências relatadas, que por mais viável que seja ministrar
remotamente uma disciplina, ao menos de cunho teórico, a necessidade de interação
durante o debate acaba sendo minimizada. Falta ao professor o feedback que tem se
mostrado possível apenas presencialmente, a partir da a troca de olhares, da observação
do comportamento e semblante.
Apesar disso, por meio do que vem sendo observado e das reflexões realizadas, notou-
se que é potencialmente positivo o retorno à presencialidade com a possibilidade de
incorporação das novas ferramentas no processo de ensino-aprendizagem, seja na
prática do ensino, propriamente dito, ou da pesquisa e da extensão. Observa-se que
muitas barreiras foram ultrapassadas no uso das TICs e também na compreensão da
necessidade de estímulo à autonomia do aluno neste processo. Parte das dificuldades
encontradas estão ligadas a falta de participação e iniciativa dos alunos, que passam a
ter um papel mais ativo na busca pelo conhecimento.
Cabe a nós docentes, em conjunto com os discentes, avaliar novamente as práticas na
sala de aula, a partir das novas contribuições, revisando o papel de cada um nesse
processo.

REFERÊNCIAS
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Valéria Marcelino e Priscila G. De Sousa e Silva - Campos dos RJ: Brasil Multicultural, 2018.
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2021.
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