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Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Autor: Thiago Henrique dos Santos

O Inevitável Brexit: As Históricas Divergências do Reino Unido Frente ao Projeto Europeu

São Paulo
2017
Thiago Henrique dos Santos

O Inevitável Brexit: As Históricas Divergências do Reino Unido Frente ao Projeto Europeu

Dissertação apresentada como exigência á


Fundação Escola de Sociologia e Política para a
conclusão do curso de Pós-Graduação em Política
e Relações Internacionais.
Orientador: Prof ° Dr. Beni Trojbicz

São Paulo
2017

Thiago Henrique dos Santos


O Inevitável Brexit: As Históricas Divergências do Reino Unido Frente ao Projeto Europeu
Dissertação apresentada como exigência á Fundação Escola de Sociologia e Política para a
conclusão do curso de Pós-Graduação em Política e Relações Internacionais.

Parecerista: Professor Rodrigo Galo


RESUMO

A presente Dissertação tem como objetivo demonstrar as históricas divergências entre o


Reino Unido e a integração ocorrida na Europa, que em algum momento inevitavelmente faria
o país romper com a União Europeia. A partir da análise da postura e das ações dos mais
diversos líderes políticos britânicos, buscaremos demonstrar que desde o início do processo
de aproximação, o Reino Unido em nenhum momento colocou o projeto europeu como
prioridade. E mesmo uma vez dentro do processo de integração, o país sempre buscou se
cercar de salvaguardas, que conduziram a marginalização do país dentro da Europa, de tal
forma que o rompimento, também conhecido como Brexit, não representava um custo tão
alto, frente aos potenciais benefícios que os britânicos vislumbrar auferir fora da União
Europeia.

Palavras-chave: Brexit; Integração; Diferenciação; União Europeia, Reino Unido; Soberania.

ABSTRACT

The purpose of this Dissertation is to demonstrate the historicals divergences between the
United Kingdom and the integration in Europe, which would inevitably caused the country
the break in European Union. From the analysis of the posture and actions of the most diverse
British political leaders, we will try to demonstrate that from the beginning of the process of
aproximated, the United Kingdom never time put the European project as a priority. And even
once within the process of integration, the country has always sought to surround itself with
safeguards, which led to the marginalization of the country within Europe, in such a way that
the ruptate, also known as Brexit, did not represent such a much cost, front the potential
benefits that the British envisage gaining outside the European Union.

Keywords: Brexit; Integration; Differentiation; European Union, United Kingdom;


Sovereignty.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................. 5
2. OS ELEMENTO DE INTEGRAÇÃO ........................................................................ 6
2.1 A Formação da Consciência Britânica........................................................................... 6
2.2 Períodos de Integração: soberania e institucionalização................................................ 7
2.3 Motivadores de Aproximação: reconstrução, pressão e desenvolvimento..................... 9
3. O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ............................................................................ 10
3.1 A Institucionalização da Europa: O Modelo francês de integração............................... 10
3.2 A Europa Como Alternativa: A Excepcionalidade Britânica........................................ 11
3.3 A Posição Britânica: Integração com Diferenciação..................................................... 10
4. O PROCESSO DE MARGINALIZAÇÃO ................................................................. 17
4.1 O Primeiro Choque: Contestação da Política Agrícola Comum.....................................17
4.2 O Segundo Choque: Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio.....................................20
4.3 O Terceiro Choque: O Tratado de Estabilidade.............................................................. 22
5. O PROCESSO DE ROMPIMENTO ............................................................................ 25
5.1 O Acordo: Reconhecimento da Excepcionalidade Britânica.......................................... 25
5.2 O Referendo: Ficar Por Temor, Sair Pela Soberania...................................................... 26
4.3 O Terceiro Choque: O Tratado de Estabilidade.............................................................. 22
6. OS EFEITOS DO REFERENDO..................................................................................... 28
6.1 As Divisões no Eleitorado............................................................................................... 28
6.2 Os Efeitos Econômicos do Brexit................................................................................... 30
7. CONCLUSÃO.................................................................................................................... 28
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 33

1-
6

2- INTRODUÇÃO

A história da participação do Reino Unido no processo de integração europeu foi


marcada por momentos distintos, a postura britânica em nenhum momento posicionou
Londres como grande entusiasta ou mesmo antagonista do processo. Os britânicos sempre se
mostraram dispostos a participar de um processo de integração que alavancassem o comercio
entre os países europeus, porém desde o início, condicionaram sua participação a exclusão do
país de qualquer compromisso que indicasse a necessidade de estruturação de organismos
supranacionais que pudessem se sobrepor as decisões soberanas do país.
Desta forma abordaremos politicamente relevantes aos seguintes fatores; (1) a postura
britânica em relação ao seu papel como antigo império mundial, (2) divergências quanto aos
limites políticos do bloco, (3) a importância da relação especial desenvolvida com os Estados
Unidos e (4) o ceticismo britânico frente as intenções da França e Alemanha.
Já entre as razões econômicas iremos discutir; (1) menor peso da UE europeia dentro
da economia britânica, (2) divergências quanto a política agrícola, (3) e a política única
cambial e (4) divergências em relação ao valor de contribuição britânica para o orçamento
europeu e o percentual de reembolso.
Para analisar todos estes fatores empreenderemos uma profunda visita a história
recente do país, passando pelo período de maior participação do Reino Unido no processo
(1946-1950), quando a integração ainda era realizada sem a necessidade de
institucionalização, e a inflexão da postura do país a partir do momento em que a
supranacionalização da regulação e da coordenação econômica, colocou a partilha da
soberania como fator relevante da integração no continente. Abordando a trajetória britânica,
buscamos demonstrar que as ações dos diversos líderes britânicos apesar de separadas
historicamente, tiveram origem no mesmo fator de diferenciação que conduziu a constante
automarginalização, até o ponto em que as prioridades do país e da União Europeia tornaram-
se incompatíveis.
Neste ponto o Reino Unido encontrava-se tão a margem do centro da integração, que
os custos para o rompimento, frente os potenciais benefícios da retomada da soberania sobre
fatores como; controle efetivo sobre imigração, liberdade de negociações bilaterais e término
da sempre polêmica contribuição para a orçamento comunitário, proporcionou o cenário
propício para que os eurocéticos conseguissem amealhar a maioria necessária para formalizar
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a saída, cujo próprio o avanço da integração cada vez mais estreita não comportaria mais um
parceiro que a grande importância era apenas superada pelo número de divergências.

2. Os Elementos da Integração

2.1 A Formação da Consciência Britânica

Passado pouco mais de um ano da vitória aliada sobre os nazistas, o então Primeiro
Ministro britânico Winston Churchill, já alertava que era chegada a hora de considerar o
início de um movimento que objetivasse a criação um destino comum para Europa. Churchill
demonstrou crer que um novo modelo de equilíbrio europeu precisaria ser obtido, e defendia
que no continente fosse erguido um sistema em que os pequenos países tivessem o mesmo
peso que os grandes Estados (CHURCHILL, 1946). De toda forma, mesmo sendo ele o
primeiro a prever o surgimento dos Estados Unidos da Europa, o líder britânico quando falava
em integração entre os estados, não explicitava o nível de prioridade que seu país daria para
impulsionar e participar desta união.

Apenas 1948 ao discursar para plateia formada por eleitores do Partido Conservador, é
que o ex-primeiro-ministro exporia sua visão acerca do posicionamento britânico no mundo.
Em sua descrição ele previa que o Reno Unido estaria entrelaçado entre três círculos
concêntricos, onde a Europa unida estaria agregada apenas no último destes elos, após núcleo
que formado pelo Império Britânico e a Commonwealth, seguido do centro onde estariam
posicionados os EUA e os Domínios da Austrália e o Canadá e o restante dos países do
mundo anglófono (CHURCHILL, 1950).

A descrição de Churchill dos três círculos prioritários, influenciou de modo significativo


e duradouro a postura adotada pelos políticos britânicos quando o processo de integração
começou efetivamente a se desenvolver no continente. Pois o Reino Unido em linha com este
pensamento, constantemente marginalizou a importância das ações de aproximação e manteve
o país fora de qualquer processo de integração ao longo de praticamente toda década de 1950.

Para os políticos do Reino Unido não era, e como ainda parece não ser, fácil
desvincular o país de sua excepcionalidade histórica. Perisic (2010) fala que o Império
Britânico foi vasto, importante e duradouro demais para ser ignorado como fator determinante
para formação do pensamento da sociedade e dos políticos britânicos.
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A existência como ator dominante no cenário mundial por tanto tempo, moldou a
atitude dos súditos de Elizabeth II, de tal forma que ao contrário do que ocorre nos demais
países, os britânicos, em nenhum momento se sentiram realmente confortáveis em relação a
necessidade de se submeter a leis e órgãos europeus, pelo contrário o sentimento era
constrangimento diante de tal situação. Evidenciando algum tipo de barreira psicológica
separando o Reino Unido da Europa.
Outro fator relevante que permeou a relação do país é o recorrente debate em torno da
preservação da soberania do país frente a supranacionalização. Este ponto que por anos
manteve o país afastado da Comunidade Europeia, apenas começaria a diminuir premência
sobres os debates de integração, a partir da crise de Suez em 1956, quando classe política
iniciaram a internalizar a nova realidade de perda de protagonismo do Reino Unido, quando o
país se vendo incapaz de solucionar o conflito sozinho, deixava de ser parte de uma de
parceria entre de iguais com Estados Unidos, para o papel coadjuvante de sócio minoritário da
aliança transatlântica (NIBLETT, 2015).
A inflexão de postura se acelerou a partir dos anos finais da década de 1960, quando o
país se viu em acentuado declínio econômico, enquanto os países nos estágios iniciais de
consolidação da integração apresentavam avanços sustentáveis de desenvolvimento.
A perda relativa de protagonismo no debate não fez com que compartilhamento de
soberania, deixasse de ser uma questão importante para os governos britânicos. Tanto que
diante da negativa dos membros fundadores de negociação dos termos de adesão do país as
instituições supranacionais da Comunidade Europeia, o Parlamento britânico por uma
pequena margem não derrubou a ratificação do tratado de incorporação do país a CEE em
1972 (PERISIC, 2010).
De modo que a supranacionalização ainda continuaria como constante fonte de
conflitos durante o governo de Margareth Thatcher e permaneceria com um dos cruciais
motivos para o veto de David Cameron do TIF que causaria a ruptura definitiva do país com o
bloco.

2.2 Os Períodos Distintos de Integração: Soberania e Institucionalização

O mundo pós Segunda Guerra marcou o fim da supremacia europeia sobre o concerto
internacional. Em um cenário que duas superpotências haviam tomado o protagonismo,
começou-se a discutir acerca da necessidade de agregar os países em alguma estrutura que
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através da integração de antigos rivais, fosse capaz de manter a Europa pudesse relevante
frente a hegemonia de Estados Unidos e União Soviética.
Os primeiros movimentos de aproximação dos países europeus, foi dado sob a forma
de instituições de cooperação interestatais que não requeriam, nem a necessidade de partilha
de soberania ou mesmo a criação de órgãos supranacionais com atuação sobreposta a política
internas das nações (GOWLAND et al. 2006). Durante este período foram erguidas a
Organização Para a Cooperação Econômica da Europa (OCEE) em 1948 e no ano seguinte a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
. E nas palavras de Gowland et al. “Este arranjo serviu a alguns estados mais do que a
outros, e gradualmente produziu uma divisão básica e duradoura sobre a organização da
Europa Ocidental” (2006, p. 279) o encerramento deste processo marcaria o início da
diferenciação da postura britânica frente a integração europeia.
Ao analisar as consequências do Brexit, Chopin e Lequesne (2016), apontam que a
diferenciação do processo de integração entre os estados, não representa necessariamente um
risco para a existência e continuidade do bloco. De modo contrário, a possibilidade de
diferenciação pode ser apontada como um dos grandes fatores motivador para que mais
estados pudessem ingressassem no projeto europeu.
De forma que assim como os países escandinavos ingressaram na União Europeia,
mesmo tendo o seu modelo social de estado como efeito motivador das opções de
diferenciação de Suécia e Noruega, frente a integração completa encabeçada por França e
Alemanha.
Pela visão da diferenciação como variável benéfica, apenas por poder optar por sair
(Tradados Cambiais) ou mesmo nem entrar (Espaço Schengen, Declaração Europeia Direitos
Sociais e União Monetária) em ações integrativas que contrariavam objetivos, o Reino Unido
pode permanecer na União Europeia por tantas décadas, mantendo dentro do país o controle
sobre muitas instituições que a integração tornava supranacional (HOLZINGER e
SCHIMMELFENNIG, 2012).
A questão da partilha da soberania, a principal origem de diferenciação britânica,
apenas se tornou fator determinante para a efetiva exclusão do país da UE, somente no
momento em que a estrutura institucional constituída (na figura de órgãos de controle e
projetos de orçamentos europeus unificados) se chocou com o limite de supranacionalidade
aceito por Londres.
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Neste momento o custo da saída do Reino Unido da União Europeia era


proporcionalmente o menor entre todos os membros, visto que a diferenciação que conduzir o
país ao veto do Tratado de Estabilidade, restringiu a participação britânica apenas ao Espaço
Econômico.

2.3 Os Motivadores da Aproximação: Reconstrução, Pressão e Desenvolvimento

Com a pressão americana para os estados europeus assumirem maior protagonismo na


sua reconstrução, do lado ocidental da então dividida Europa, nasceu a OCEE, congregando
16 países, a instituição tornou-se uma das primeiras iniciativas que desencadeariam o projeto
de integração europeia.
A organização inicialmente foi responsável pela administração dos cerca de 12 bilhões
de dólares injetados pelo Plano Marshall na reconstrução do continente. Os Estados Unidos
passaram após a criação da OCEE, a condicionar a sua ajuda financeira a esforços dos países
em promover ações direcionadas a integração do continente, como forma de (1) fortalecer a
capacidade de resistência a influência soviética sobre o continente e (2) reduzir a necessidade
de ajuda americana a Europa Ocidental.
Apesar de frustrar os objetivos americanos transformar a Instituição no órgão
embrionário de uma futura completa federalização da Europa, a OCEE foi importante na
adoção das primeiras medidas de liberalização do comércio dentro do continente.
A formação da OCEE e da Organização do Tratado de Bruxelas, talvez tenham sido os
últimos momentos em que britânicos e franceses convergiam com o mesmo ideário para o
projeto europeu. A partir do início da década de 1950 os países, por razões que exploraremos,
a seguir lideraram movimentos opostos de integração continental.
Seja calcado em um passado excepcional que coloca o país em situação singular em
relação aos vizinhos, ou no objetivo de atrelar o seu histórico rival para um futuro comum que
aniquilasse novas hostilidades.
Porém os países discordavam acerca de como se desenrolaria e qual seria a formatação
da nova Europa integrada, com a França liderando o grupo de países que clamavam por um
bloco sólido, contando com organizações supranacionais e destino comum, e o grupo
encabeçado pelos britânicos, onde a Europa unida não deveria necessariamente em um bloco
sólido de países que partilhassem soberania, finanças e destino.
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3 . O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO

3.1 - A Institucionalização da Europa: O Modelo Francês de Integração

Divergindo da visão predominantemente estadocentrica das relações entre Estados,


Keohane e Nye (1977) construíram o conceito da Interdependência Complexa. Descrevendo
que em decorrência do aumento da interpendência entre estados, as políticas essencialmente
nacionais perdem sua eficácia em detrimento nascentes prioridades bilaterais.
O modelo dos autores americanos, argumenta que de fronte a constituição de ligações
entre os estados e sociedades, ocorre o aumento da agenda comum de interesses; de forma que
a distinção entre as prioridades políticas de origem interna e externa tornam-se cada vez mais
difusas, alterando assim, a agenda das relações entre os estados. Desta forma então, os custos
cruzados advindos de relações entre estados/sociedades em situação de interdependência
complexa, torna obsoleta a força militar como opção para resolução de conflitos entre países.
O arcabouço teórico apresentado por Keohane e Nye na descrição da Interdependência
Complexa, pode ser utilizado para explicar muito da lógica presente na descrição da
Declaração de Schuman.
Com o fracasso do Tratado de Versalhes de eliminar o perigo alemão, foi impositivo a
França a necessidade de mudança de atitude em relação a manutenção de sua segurança.
Neste contexto Robert Schuman esteve entre os políticos protagonistas da França no pós-
guerra, inicialmente como Primeiro Ministro e em seguida á frente do Ministério de Negócios
Estrangeiros.
Apresentado em 1950 o Plano Schuman explicitava que a manutenção da paz europeia
dependia do fim da hostilidade entre França e Alemanha, e que este objetivo só seria
alcançado se fosse possível tornar a guerra entre os dois países em uma situação
materialmente impossível.
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Desta forma propôs que toda a indústria de base (carvão e aço) de ambos, fosse
integrada e colocadas sob a tutela de uma organização supranacional (GOWLAND et al.,
2006). Robert Schuman prevendo que seu plano poderia ser o início do processo de efetiva
federalização da Europa, abriu aos demais países interessados a possibilidade de adesão ao
movimento franco-germânico
A Itália foi então o primeiro país a aderir, o país posicionado entre os culpados pela
guerra, via no processo a possibilidade de se reabilitar frente os vitoriosos aliados e o restante
da Europa (NUNGET, 2006). A adesão continuou por Holanda, Bélgica e Luxemburgo,
países que componentes do Benelux, e que assim como a França, passaram por período de
ocupação nazista, e eram desejosos de estreitar laços com a Alemanha e assim neutraliza-la
como potencial ameaça.
A Declaração de Schuman que previa pela criação da Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço em 1952, escancarou a propensão francesa em liderar um projeto de
integração europeia que passasse pelo processo de institucionalização, onde os Estados
objetivando o fim de novos conflitos generalizados e da consequente recuperação do
continente, criariam instituições supranacionais em detrimento da manutenção de soberanias
absolutas.
A revelia do processo de reunificação ter recolocado a Alemanha em posição
proeminente dentro da União Europeia, os objetivos de Robert Schuman foram atingidos
(KROTZ; SCHILD, 2013). O eixo Berlim-Paris transformou-se pedra angular do projeto de
integração, mesmo com alguns percalços, como o veto da população francesa a Constituição
Europeia em 2003, o histórico de aprovação obtidas, como do Pacto Monetário de 1978, a
adoção do Espaço Schengen de Livre Circulação em 1985, o Tratado Monetário de 1988 e por
fim o Tratado de Estabilidade e Coordenação de 2010, demonstra que a constante
entendimento de Alemanha e França foi capaz de promover o aprofundamento da União
Europeia (CHOPIN; LEQUESNE, 2016).

3.2 A Europa Como Alternativa: A Excepcionalidade Britânica

A conceito de que o desenvolvimento político se dá em decorrência de dois principais


fatores, comércio e guerra, foi apresentado em trabalho seminal de Peter Gourevitch (1978).
O autor salienta que a mutação do ambiente institucional interno frente a influência externa,
pode ser visualiza em diversos efeitos como “uma política, um tipo de regime e um padrão de
13

coalização (GOUREVITCH, 1968). Sendo, na visão do autor, a ocupação é a forma mais


clara de influência exógena na política interna de um país. De forma que podemos considerar
que países submetidos a períodos de intervenção estrangeira tendem a incorrer em rupturas de
postura políticas diferentes de nações isentas desta experiência.
Mesmo tendo sido um ator participativo, os britânicos conseguiram impedir que seu
país fosse palco direto dos conflitos que devastaram o continente europeu duas vezes, em um
período menor do que uma geração. Diante disso é possível atribuir a divergência de
posicionamento do Reino Unido em relação a França, ao fato dos britânicos terem saído da
guerra sem ver seu país ser submetido a nenhum tipo de ocupação. Ao contrário dos
franceses, que em menos de um século tiveram seu território violado por três vezes e sob
ocupação alemã por duas vezes (1871-1873 e 1940-1944).
De toda forma o Reino Unido juntou-se a França e os países do Benelux em um
acordo de defesa mútua em 1948 designado como a Organização do Tratado de Bruxelas.
Demonstrando que os britânicos não eram refratários a necessidade de integração dos estados
europeus como forma de manutenção da paz e reconstrução do continente. Porém juntamente
aos países nórdicos, não eram desejosos da criação de instituições supranacionais, unificações
de gastos ou partilha de soberania.
No momento em que a OCEE caminhava começou a prever a necessidade de criar
órgãos para promover o fim do protecionismo e regular a abertura do comercio dentro do
continente, os britânicos se posicionaram a favor da transferência da administração dos fundos
de ajuda do Plano Marshall para a esfera da OTAN, de modo a enfraquecer a posição da
OCEE. Configurando então o ponto inicial de inflexão da postura britânica, tornando o país
depois disso abertamente contrário ao avanço da institucionalização da integração no
continente.

3.3 A Posição Britânica: Integração Com Diferenciação

O Reino Unido havia que tido participação ativa nas negociações, optou por se retirar
das reuniões que seguiram a Declaração de Messina (1951) e culminaram com a criação
efetiva da Comunidade do Carvão e do Aço em 1952. O país alegava não concordar com os
rumos tomados, pois preferia que negociações se restringissem a pontos que conduzissem a
criação de uma zona de livre comércio, e não de organismos políticos supranacionais que
começavam a serem discutidos.
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A época tanto os insistentes convites para um retorno as negociações da CECA ou


mesmo as pressões americanas foram fortes o suficiente para alterar o Reino Unido de sua
recusa em priorizar a integração europeia, em detrimento das outras opções que o governo
britânico considerava ainda ter para o país (GEORGE, 1991).
Passado a criação da CECA, o governo britânico em 1955 quando convidado voltou a
estar presente no início das negociações do bloco sobre de criação de uma Comunidade de
Nações; porém logo em seguida retirou novamente seu representante quando políticas únicas
para agriculta e a estruturação de novos órgãos supranacionais de regulação passaram a
integrar a pauta negociada (GEORGE, 1991).
A continuidade do país na Conferência era impossível pois nas palavras do
representante britânico Russell Frederick Bretherton, ele estava ali junto aos representantes da
CECA, “tentando negociar algo que nunca poderia negociar, mas se negociado, nunca seria
ratificado, e mesmo sendo ratificado, não teria chances de funcionar” (in ARCHER, 2008).
Esta atitude seria novamente tomada quando o Reino Unido se recusou a se comprometer com
a proposta da CECA de criação de Fundo Europeu em 1957.
Pode-se ver que a reação inicial do Reino Unido foi de não empreender nenhum
esforço que visasse atrapalhar a formação da Comunidade do Carvão e do Aço, nem mesmo
da Comunidade Europeia (CEE). Era corrente entre o governo britânico, que sem a presença
da então maior economia europeia, França e Alemanha Ocidental fracassariam em seu
objetivo de conduzir a CECA para o nível de Mercado Comum (GEORGE, 1990). Porém o
sucesso obtido pelo grupo ao longo da década de 1950 demonstrou que esta estratégia,
arrogante talvez, dos britânicos estava errada.
A postura adotada naquele momento decorria da percepção do governo britânico de
que por detrás do projeto de integração econômica, havia o interesse de alguns participantes
de transformar o bloco em uma espécie de terceira força alternativa em meio a conjuntura de
equilíbrio entre as duas superpotências. Nugent (2006) aponta que decisão do presidente
Charles de Gaulle de retirar a França do comando integrado da OTAN, e efetivar ações que
colocassem a CECA sob sua liderança, aumentou o ceticismo de Londres sobre as intenções
francesas (GINSBERG, 2010).

Em linha com a leitura de Nugent, Ginsberg aponta que não é coincidência que a
expansão do processo de integração tenha tido pausa no início do governo de Charles De
Gaulle (1959 - 1969), e a expansão da Comunidade Europeia tenha ocorrido logo após sua
saída da liderança do país.
15

Era visível então urgência para os britânicos de empenhar-se para contrabalancear a


tentativa de protagonismo continental da França. De forma que estava claro para governo do
Reino Unido que se manter inerte apenas incentivaria a agressiva postura francesa, os
britânicos se tornaram então o principal entusiasta de uma alternativa menos politizada da
CEE.
As negociações para a formação da Associação Europeia de Livre-Comércio (AELC),
tiveram por objetivo em formar um grupo que fosse um contraponto a Comunidade Europeia.
Desta forma a AELC trazia em sua essência um conjunto de acordo e normas que privilegiava
o comércio e a livre circulação de mercadorias; deixando de fora qualquer menção a
necessidade de órgãos de supranacionais ou compartilhamento de soberania.
Conforme aponta Ginsberg, (2010) Noruega, Dinamarca e Suécia eram naquele
momento dependentes do mercado britânico, e como já haviam condicionado sua participação
na CEE a entrada do Reino Unido, naturalmente juntaram-se aos britânicos na formação
AELC. Além dos britânicos e dos Estados nórdicos, os outros países signatários do acordo
foram Suíça, Áustria e Portugal.
Porém mesmo tendo clara liderança sobre o bloco, os britânicos foram responsáveis
pelas maiores controvérsias do grupo. Tais como suas solicitações de acesso a CEE sem
nenhum tipo de consulta prévia aos parceiros, e ter aumentando unilateralmente suas taxas de
importação em 15%, não poupando nem mesmo os membros da AELC, em uma clara
violação as regras estabelecidas pelo bloco.
Esta associação nascia com o objetivo de estimular o livre comércio entre seus
membros, porém passando ao largo dos compromissos políticos celebrados no Tratado de
Roma, tornando-se então um claro contraponto a Comunidade Europeia. Ocorre que a
exigência de respeito a autonomia política dos países participantes inviabilizou a AELC, visto
que apesar de abolir as taxas de comércio entre os membros, as regras da Associação previam
que cada país poderia estabelecer o valor das tarifas de importação oriundas de países de fora
do bloco.
O que permitia que as exportações para a AELC fossem canalizadas para países com
taxas de importação mais baixas e este então a venda direcionadas para outros membros,
provocando desequilíbrios dentro do bloco.
Em paralelo ao fracasso da AELC, no início da década de 1960 o Reino Unido se via
em meio a uma situação em que era ao mesmo tempo, pressionado pelo governo dos Estados
16

Unidos em participar da Comunidade Europeia, enquanto era claramente constrangido neste


sentido pela estratégia de liderança empreendida pelos franceses.
Segundo George (1990) naquele momento já era visível uma maior inclinação por
parte dos britânicos em participar definitivamente do processo de integração. O país via que o
fracasso da AELC em contraste com o sucesso da CEE, conduzia o país a inevitável
participação ou então poderia ver ameaçada, sendo assim segundo o autor a estratégia
britânica.

(...) continuou sendo a busca do livre comércio de multilateral e a organização da


defesa do mundo capitalista sob a liderança dos Estados Unidos. O pedido de adesão
foi um reconhecimento de que seus objetivos foram ameaçados pelo
desenvolvimento da Comunidade sem a Grã-Bretanha (George, 1990, p. 208
tradução nossa).

Em 1963 quando do primeiro veto De Gaulle justificou, dizendo que justamente a


forte relação que mantinha os britânicos ligados aos EUA e os membros da Commonwealth,
acarretaria dificuldades para Reino Unido cumprir suas obrigações dentro do mercado
europeu (PIKARD, 2013). Porém do outro lado do Atlântico a percepção era que a culpa era
dos britânicos, e não os franceses, pois o Reino Unido parecia buscar se apresentar como uma
terceira via que fosse uma alternativa ao bloco soviético e a própria liderança americana.
Assim que eleito o Presidente John F. Kennedy, deixou claro ao então Primeiro
Ministro Harold Macmillan que esperava britânicos deveriam buscar o mais rápido possível
sua adesão Comunidade Europeia (BRINKLEY, 1990).
Foi diante deste quadro que a partir da Presidência de John Kennedy, os americanos
intensificaram a pressão sob o Reino Unido. E diante da aparente inércia britânica, Dean
Acheson, in BRINKLEY (1990) então Secretário de Estado dos EUA, deixou claro a
percepção que o governo Kennedy tinha da postura britânica.

A Grã-Bretanha perdeu um império, mas mesmo assim não encontrou um papel. A tentativa
de desempenhar um papel de poder separado para além da Europa, baseada na relação
especial com os EUA, e assim se fazer chefe da commonwealth, quando não tem estrutura
política, unidade ou mesmo força. Este papel será descartado. A Grã-Bretanha tentando
trabalhar sozinha e ser um intermediário entre os Estados Unidos e a Rússia, parece irá
conduzir a uma política tão fraca quanto a sua força militar (Acheson, 1962, p. 603, tradução
nossa)

Esta declaração fora recebida com grande insatisfação tanto entre a imprensa e como
pelo governo britânico, que Macmillan veio publicamente demonstrar sua contrariedade, e
disse que o político americano ao subestimar a capacidade britânica, estava cometendo o
17

mesmo erro histórico que derrubou Felipe da Espanha, Luis XIV, Napoleão e Hitler
(BRINKLEY, 1990).
De toda forma, mesmo deixando explicito seu descontentamento, o governo britânico
cedeu diante da pressão e investiu em uma nova tentativa de adesão a Comunidade Europeia.
Porém De Gaulle explicando que as motivações e condições dos britânicos não haviam
alterados, vetou novamente o pleito.
E conforme demonstra Schlesinger (1967), o segundo veto francês serviu para
Macmillan reforçar, que ao contrário do que o governo dos EUA pensava, não era a atitude
britânica e sim a postura francesa que representava uma ameaça para a aliança firmada pelo
país com a Europa.
Quando De Gaule vetou a entrada da Inglaterra em 1963, Macmillan apareceu na
televisão afirmando que as ações precedentes revelaram uma profunda divisão de
propósitos quanto ao modo como a Comunidade Europeia deveria se desenvolver.
Como nação, parceria, inspirada por um espírito de interdependência e determinado
a desempenhar um papel mundial, ou como um grupo estreito e altamente protegido,
buscando uma falsa independência sem levar em conta as responsabilidades e os
interesses mais amplos da aliança atlântica (Schlesinger, 1967, p.3, tradução nossa)

Porém nem palavras, nem ações do Governo britânico foram suficientes para frear a
pressão americana, que apenas cresceu com os governos que sucederam Kennedy. Em 1962, a
Revista The Spectator havia publicado um artigo intitulado “New Power Arising”, onde
descrevia de maneira moderada o reconhecimento britânico da nova posição de seu país. Em
um trecho o artigo dizia; “Neste período de transição temos o direito de pedir que nossos
amigos não piorem as coisas. É a natureza das nações diminuídas em seu poder, sentir-se
humilhadas quando este fato é chamado a atenção”. Fora a partir de um reconhecimento
tardio, que falou a The Spectator, que duas constatações forçaram de vez a de postura do
governo britânico.
Primeiro o claro sucesso econômico que a Comunidade Europeia apresentou no
decorrer da década de 1960, a pressão do parceiro transatlântico e por fim o temor que fora da
CEE, o Reino Unido perderiam qualquer capacidade de influenciar de maneira decisiva nas
decisões que moldariam o futuro europeu, levaram o país a apresentar uma nova candidatura.
E com o presidente francês George Pompidou retirando o veto em 1969 o Reino Unido,
juntamente com Dinamarca e Irlanda, finalmente pode em 1973, se tornar membro da CEE.
Ocorre que conforme salientado anteriormente mesmo nos anos iniciais, a questão da
soberania e o valor dispendido pelo país como contribuição para o orçamento comunitário já
eram alvo de contestação, e após apenas um ano após a entrada do Reino Unido, o governo
18

trabalhista de Harold Wilson decidiu que era necessário renegociar os termos da participação
britânica na União Europeia.
Assim como aconteceria no atual referendo o governo britânico, apesar da relutância
dos outros membros obteve concessões, principalmente no que diz respeito a redução da
contribuição financeira do país. Satisfeito, Harold Wilson decidiu então, submeter os termos
do acordo a um referendo em 1975, e declarou seu apoio pela permanência do país.

Apesar de país votar maciçamente pela permanência na CEE, com apenas 33% dos
eleitores optando pelo rompimento, não fora sem danos. De modo que a redução da
contribuição obtida, e principalmente a saída britânica em 1978, poucas semanas após a
adesão do país do primeiro Mecanismo de Taxas de Câmbio do bloco, demonstra que
anteriormente a combatividade de Margaret Thatcher explicitar as diferenças, para a posterior
decepção de John Major exacerbar a ruptura e muito antes do reformismo de David Cameron
sacramentar saída, conforme descreveremos a seguir. Foi durante o governo Harold Wilson, o
primeiro dentro da Comunidade Europeia, que o processo de automarginalização do Reino
Unido tivera início.

4 - A PROCESSO DE MARGINALIZAÃO

4.1 - O Primeiro Choque: A Contestação da Política Agrícola Comum

Apesar de ter passado a história como grande combatente da integração europeia a


lendária ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, não diferiu muito em sua postura
em relação aos seus antecessores. Inclusive antes de ascender a chefia do governo, Thatcher
que havia desempenhado papel central pela permanência do país na CEE durante a campanha
do referendo 1975, também foi crítica ao governo trabalhista de excluir o país em 1978 do
Mecanismo de Taxas de Câmbio (MTC) (FRATINNI; ARTIS, 1996)
Conforme demonstra Patterson (2003) Margaret Thatcher apoiava o avanço da
integração europeia como uma unidade econômica, não como uma unidade de nações
interligadas. Ainda permanecia alinhada a mesma posição histórica que defendia que seu país
não deveria se manter restrito ao círculo da regional se mantendo consciente do papel da Grã-
Bretanha no mundo.
Não sendo, portanto, entusiasta do ceticismo eurocético radical que agregava parte dos
políticos de seu país (LECONTE, 2010). E mesmo durante seu discurso mais duro em que
19

expos suas divergências frente ao projeto europeu, Thatcher ainda salientou que toda forma
defendia a permanência da Grã-Bretanha deveria permanecer junto á Comunidade Europeia:

A Grã-Bretanha não sonha com alguma existência acolhedora e isolada nas margens
da Comunidade Europeia. O nosso destino está na Europa, como parte da
Comunidade. Isto não quer dizer que o nosso futuro reside apenas na Europa (...). A
Comunidade não é um fim em si mesma. Também não é um dispositivo institucional
a ser constantemente modificado de acordo com os ditames de algum conceito
intelectual abstrato. Nem deve ser ossificado por uma regulamentação sem fim.
(THATCHER, 1988, tradução nossa)

O governo de Margaret Thatcher ficou marcada por sua posição inflexível durante as
negociações que originaram o duradouro reembolso britânico, porém sua atitude não se
restringia apenas as divergências acerca do montante financeiro; sua postura era originária do
mesmo questionamento quanto a estrutura da CEE, que durante anos manteve o país afastado
do processo integração.
No mesmo discurso em Bruges, Thatcher ao dizer que destino do seu país não reside
apenas dentro Europa, renova a visão dos três círculos de Churchill. Também demonstra que
insatisfação quanto a institucionalização da Comunidade, que em sua visão não poderia nem
ser vista como um fim sí mesma.
Outra preocupação de Thatcher era a institucionalização exigiria contínuos aumentos
de gastos do orçamento da CEE, e por isso salientava que não haveria qualquer lógica em
empreender esforços para diminuir o tamanho do Estado, na Grã-Bretanha para
posteriormente ver este mesmo Estado ser reimposto em Bruxelas.
No final da década de 1970, em decorrência do Programa Agrícola Comum (PAC),
Margaret Thatcher enfrentou sua primeira grande controvérsia com a CEE. A época,
capitaneados por França e Alemanha, foi solicitado um aumento de contribuição para fazer
frente aos crescentes custos anuais do orçamento da Comunidade Europeia.
Ocorre que na época quase 70% de todo o orçamento do bloco era destinado a para
cobrir os gastos com estímulos e subsídios do PAC, o Reino Unido como era uma país que
não possuía um setor agrícola substancial, recebia uma parte ínfima destes recursos, fazendo
com o país tornar-se então o maior contribuinte líquido do União Europeia.
Na visão do governo britânico tal situação era insustentável, pois o país que a época
apresentava o terceiro pior PIB per capita do grupo, não poderia ter que arcar com tal volume
de recursos. A impressão entre governo e imprensa era de que o dinheiro dos contribuintes
britânicos estavam sedo utilizados para subsidiar os ineficientes agricultores franceses.
20

Na contramão Thatcher não aceitou tal situação e foi além, solicitou uma diminuição
da contribuição britânica. Em 1979 Dublin, durante a coletiva de imprensa após a recém
encerrada Reunião Anual de Chefes de Estado da CEE, quando questionada acerca da
finalização das negociações durante a recém encerrada, Margareth Thatcher respondeu que
elas foram “Totalmente insatisfatórias”, e então explicitou o descontentamento da situação
que o Reino Unido estava sendo colocado:

Nós, na Grã-Bretanha, juntamente com a Alemanha, somos os financiadores da


Comunidade Económica Europeia. Somos um país pobre. Somos os sétimos mais
pobres entre os nove, enquanto a Alemanha é uma das mais ricas. Nós, no próximo
ano, contribuiremos mais do que a Alemanha. Estamos a dizer que não podemos
continuar a financiar a Comunidade (THATCHER, 1988, tradução nossa)

A contestação Thatcher não era restrita apenas ao aumento do volume dos recursos
que estava sendo solicitado aos britânicos. Para a ex-primeira-ministra, além do valor eram
problemas (i) estrutura do orçamento Europeu, onde cerca de 70% do total era destinado para
a financiar as políticas do PAC, (ii) esta formatação fazia com que o Reino Unido, um país
sem um setor agrícola relevante, se torna o maior contribuinte líquido da CEE. A estimativa
de Thatcher era que seu país recebia menos da metade do valor per capita que o restante da
Comunidade.
Sua posição era clara, ou a CEE aceitava devolver 80% da contribuição líquida para o
Reino Unido, ou então ela bloquearia novos aportes britânicos e seu país adotaria a tática de
cadeira vazia, paralisando qualquer decisão comunitária. As negociações se arrastaram por 4
anos, e mesmo com o percentual não sendo totalmente contemplado, obteve o patamar de dois
terços de reembolso (CUTBERTH, 2006). Valor que seria reposto por aumentos da
contribuição da França e da Itália.
Margareth Thatcher havia conseguido seu objetivo, porém não sem rusgas, conforme
fica exposto nas declarações de alguns líderes. Ao jornal Le Monde, o então Chanceler
francês, Jean François-Poncet, declarou acerca da cúpula sobre reforma do PAC. “Em suma a
cúpula começo sobre as melhores intenções, porém temos Maggie, e então apenas nove
discutiram sob um espírito de abertura”.
Surgiam também os primeiros questionamentos a importância da participação
britânica no bloco, o representante grego na reunião do PAC disse “Seria um grande alívio
para todos se a Grã-Bretanha deixasse Comunidade Europeia”, posicionamento parecido com
o ex-presidente francês François Miterrand declarou “Se sempre significar Maggie, então
precisamos começar a discutir abertamente a presença ou a natureza da presença britânica”.
21

De toda forma mesmo contrariada em outros momentos, Thatcher ratificou em 1986 o


Ato Único Europeu, que abriu caminho para o avanço da integração dos mercados,
incentivando a livre circulação de capitais e de pessoas.
Porém durante seu governo Margaret Thatcher ainda colidiria outras vezes com os
rumos do bloco, de modo relevante podemos apontar a postura adotada no já citado discurso
em Bruges em 1988. Thatcher explicitou sua visão de que a CEE deveria ser baseada no
conceito de “Cooperação Voluntária Entre Estados Soberanos”, deixando claro que o governo
britânico via que a integração da Comunidade Europeia não poderia se aprofundar
ilimitadamente.

Tentar suprimir a nacionalidade e concentrar o poder no centro de um conglomerado europeu


seria altamente prejudicial e comprometeria os objetivos que pretendemos alcançar (...).Mas
trabalhar mais de perto não exige que o poder seja centralizado em Bruxelas ou que as
decisões sejam tomadas por uma burocracia designada.(THATCHER, 1988, tradução nossa)

O seu derradeiro enfrentamento se deu durante a adesão britânica ao Mecanismo


Europeu de Taxas de Câmbio (MTC). Com seu partido dividido acerca da entrada do país ou
não, Thatcher sacramentou a participação britânica decisão que também logo selaria o fim da
sua liderança frente ao partido conservador e consequentemente o cargo de primeira ministra.

4.2 O Segundo Choque: Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio

Conforme exposto, havia dentro do governo de Margareth Thatcher clara divisão sobre
a adesão britânica no MTC, ainda era vivo na memória política do país, os efeitos do ataque
especulativo que obrigou o Reino Unido a se retirar, após apenas oito semanas de adesão, do
primeiro mecanismo de câmbio integrado.
Mesmo diante da divergência dentro do Partido Conservador, Thatcher assumiu
posição favorável. A líder considerava a questão cambial e os déficits em conta como
questões de segunda ordem quando se tratava de crescimento econômico. Segundo Woolley
(1994) Thatcher elencava que os principais entraves ao desenvolvimento do país, eram a
desregulamentação do mercado de trabalho e o desmantelamento da estrutura sindical.
Conforme aponta Bulpitt (1986), durante a segunda metade da década de 1980 era
crescente a oposição ao comando de Thatcher entre os conservadores muito em virtude da
inflexível política de austeridade econômica e de reforma das relações trabalhistas
empreendida. Desta forma Wolley (1992) demonstra que ao optar pela adesão ao MTC, a
22

líder do governo buscou ao mesmo tempo, terceirizar a responsabilidade sobre a política


cambial, e dar uma resposta aos eleitores ganhando tempo para que suas políticas surtissem
efeito sobre a economia.
E após o completo esgotamento da recuperação econômica advinda da interrupção da
política não oficial de câmbio fixo conduzida sem o conhecimento de Thatcher pelo gabinete
então Secretário do Tesouro Nigel Lawson, a líder britânica ratificou em 1990 o que meses
depois contribuiria para sua queda.
No momento da ratificação britânica ao Tratado Estabilização Monetária (TEM) em
1990, o país com expansão na casa dos 6% ao ano, experimentava o período final de
crescimento advindo do afrouxamento monetário ocorrido na metade final da década anterior.
Porém crescia a preocupação com o potencial início de uma espiral inflacionária originária da
valorização dos preços das casas e do expressivo aumento da exportação de petróleo pelo país
Sendo também visível que mesmo após anos de esforços para modernização de
estrutura produtiva, os encargos trabalhistas no Reino Unido permaneciam 12,5% maior que a
média dos parceiros de CEE e sem melhorar a produtividade do trabalhador britânico (que
representava 80 e 83% em relação a franceses e alemães) que permanecia a menor entre as
grandes economias do continente. Com taxa de juros de 14% e inflação de 6,9%, o país já, sob
o governo de John Major, adentrou no Tratado Monetário (TAVLAS, 1997).
Assumindo paridade em relação ao Marco alemão, foi definido que a Libra teria
flutuação de 2,95% em relação a cesta de moedas. Esta paridade foi alvo de duras críticas no
país, o temor era de um novo ataque especulativo que resultasse na repetição da traumática e
curta participação britânica no tratado de 1973 (BUITER; CORSETTI; PESENTI, 1993).
Entretanto, ao menos no inicialmente, a adesão ao MTC eliminou os crescentes riscos de
desvalorização da Libra.
Porém o ano de 1991 representou o momento de inflexão no período de crescimento,
com PIB do país incorrendo em queda de 2,2%, obrigando a equipe de John Major a reduzir a
taxa de juros para 13%. Com a recessão não apresentava sinais de ceder e o consumo entrando
em colapso, ocorreu uma nova queda da taxa de juros, que fazendo a inflação cair para 3,7%
em setembro de 1992. De forma que enquanto o Marco se mantinha como a moeda mais
valorizada, a Libra já era a mais desvalorizada da cesta.
O baixo preço porém, não foi suficiente para livrar o país de um ataque especulativo.
Em 16 de setembro, em uma medida extrema, o Banco da Inglaterra empreendeu a compra de
£2 bilhões por hora, e aumentou a taxa de juros para 12%. E com reservas exauridas, o
23

governo britânico aumentou as taxas de juros para 15%, permitiu que a Libra se
desvalorizasse em 15%, anunciou no dia 17 de setembro que estava deixando do MTC
(EICHENGREEN, 1995).
Segundo as regras do Tratado de Estabilização Monetário, os membros com câmbio
mais valorizado tinham que comprar as moedas mais desvalorizadas, o que não ocorreu
(COX; SINCLAIR, 1994). E tendo utilizado £27 bilhões, metade de suas reservas cambiais,
com perda estimada de £3,4 bilhões de dinheiro do orçamento, o governo britânico avaliou ter
sido deixado sozinho na tentativa de estabilizar sua moeda e permanecer no MTC.
Os britânicos, juntamente com os italianos que também haviam saído do MTC no
mesmo dia, destinaram suas críticas principalmente a inércia da Alemanha (EICHENGREEN,
1995). As acusações se tornaram maior quando, três semanas após a saída Libra do MTC, o
franco sofreu um ataque especulativo similar, que foi prontamente rechaçado pelo apoio do
Bundesbank a França.
Já a avaliação do governo alemão era que o volume de contrapartida esperada por
britânicos e italianos extrapolaria qualquer compromisso do Bundesbank para com estes
países. Também em Einchengreen (1993), o autor avalia que esta postura estava alicerçada
pela percepção alemã de que a estabilização cambial seria resultado de um longo processo de
convergência política e monetária e os franceses, ao contrário dos britânicos, sempre
demonstraram empenho nesta direção, de forma que eram mais elegíveis ao apoio germânico.
Após a breve participação britânica no MTC, o país teve como saldo uma queda do
PIB de 3,6% em 1992 em relação a 1990, versus um crescimento médio de 2,8% dos demais
países do MTC, a produção industrial apresentou recuo de 5%, causando o aumento do
desemprego de 6% para 10%, significando a perda de 700 mil empregos no período.
Mesmo diante do fracasso que representou o MTC John Major, ratificou o Tratado de
Maastricht, que estabeleceu União Europeia em 1993. As marcas da falta de apoio dos
parceiros de certa forma influenciaram na sua decisão de excluir o país do núcleo da união
econômica e monetária. Major ao optar por excluir seu país da união econômica e monetária,
manteve o padrão de marginalização do país dentro da integração da UE, o que ocorreria
novamente de maneira decisiva no governo de David Cameron.

4.3 - O Terceiro Choque: O Tratado de Estabilidade, Coordenação, Governança Econômica e


Monetária
24

O tratado de estabilização monetária previa a adoção de um pacto fiscal que


determinaria a incorporação de regras comunitárias de equilíbrio orçamentário na legislação
nacional dos estados signatários. De maneira em que mecanismos de correção seriam ativados
toda vez que houvesse variação superior a 0,5% do equilíbrio definido. As regras do
equilíbrio orçamentário estariam sujeitas ao arbítrio de um órgão jurídico comunitário a ser
ainda criado. Este tratado previam as seguintes regras:

Tabela 1 – Tratado de Estabilidade, Coordenação, Governança Econômica e Monetária

1. Deveria incluir sanções automáticas aos Estados que violarem regra de limitar o déficit a um
patamar inferiores a 3% do PIB.
2. Orçamentos equilibrados deveriam ser incorporados as Constituições nacionais, submetidas a
verificação do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia.
3. O Tratado deveria preferencialmente ser sancionado pelos 27 países membros, porém
Alemanha e França aceitariam um tratado que englobasse apenas os 17 Estados membros da
Zona do Euro.
4. Qualquer transferência de competências visando a regulamentação de serviços financeiros,
assim como a adoção de um imposto sobre transferências financeiras deveriam contar com
unanimidade para sua aprovação.

Fonte: Vanhercke et al. (2016)

A frente do governo David Cameron, estava preocupado com os impactos que as


regulações financeiras do Tratado trariam para economia britânica. Desta forma então, o
primeiro ministro apresentou uma série de salvaguardas, que ele considerava serem
“modestas, razoáveis e relevantes”, que deveriam ser garantidas antes do Reino Unido iniciar
negociações para ratificar o acordo. A tabela 2, demonstra as principais demandas
apresentadas por Cameron.

Tabela 2 – Salvaguardas britânicas

1. A Autoridade Bancária Europeia deveria manter suas atuais funções e permanecer em


Londres.
2. A exclusão da cláusula de localização do BCE, que exige que as câmaras de compensação de
transações em Euro devam ser instaladas em países da união monetária.
3. As Instituições financeiras de países fora da União Europeia, que desenvolvam atividades em
Estados Membros, deveriam seguir regulamentos nacionais e não regulação comunitária.

Fonte: Fonte: Vanhercke et al. (2016)

O então presidente da França Nicolas Sarkozy, discordava frontalmente quanto a


modéstia das salvaguardas britânicas. De modo contrário, disse que os pedidos do Reino
25

Unido, principalmente em relação a regulamentação financeira eram inaceitáveis, visto que a


crise daquele momento tivera origem justamente no setor financeiro.
Para o governo britânico a ênfase do Tratado na regulamentação das movimentações
financeiras dentro Zona do Euro, decorreria principalmente do interesse da França em forçar
que parte dos serviços financeiros sediados na City de Londres diante regulamentação, fosse
obrigada a ser transferida para algum dos países dezessete países da união monetário
(FABBRINI, 2015). As palavras de Sarkozy ao término da reunião deixavam claro a
contrariedade francesa acerca das salvaguardas francesas.
Para a diplomacia do governo Cameron Tratado como estava, era uma espécie de
antessala da criação de um governo supranacional, pois resultaria no exercício de soberania
compartilhada por governos nacionais eleitos. E que além da pressão francesa, os termos do
Tratado foram formulados em grande medida por insistência Alemanha, e por tanto refletia as
prioridades deste país tais como disciplina fiscal e o orçamento europeu (FABBRINI, 2013).
Diante da falta de apoio até mesmo de Suécia, Holanda e Dinamarca principais aliados
dos britânicos nas votações da EU, e desta forma impossibilitado seguir com as negociações o
ex-premier britânico vetou o acordo (VOTE MACH, 2015). Em dezembro de 2011, Ao
justificar sua decisão, David Cameron disse a Câmara dos Comuns:

E para aqueles que acreditam que o tratado não é um risco real, a França e a
Alemanha disseram em sua carta na semana passada que a zona do euro deveria
trabalhar em questões de mercado único, como regulação financeira e
competitividade. Exigimos salvaguarda e não me desculpo por isso (...) E tenho de
dizer á este Parlamento que a escolha era um tratado sem salvaguardas adequadas ou
nenhum tratado. E a resposta certa foi nenhum tratado (CAMERON, 2011) .

No continente as reações ao veto britânico foram diversas, o então líder da oposição


alemão falou em início de uma “alienação imparável da Grã-Bretanha”, enquanto que o
governo francês falava em “benção disfarçada”. Internamente Cameron obteve apoio e
críticas quase na mesma proporção, demonstrando o quanto o país encontrava-se dividido.
Mais uma vez optando por marginalizar o país do centro da integração, a decisão de
Cameron conduziu o país ao momento de maior isolamento em todo o período de participação
britânica no desenrolar do projeto europeu. Desta forma conforme demonstra Natali (2016), o
país que já não integrava a União Monetária, o Pacto Euro-Plus, o Espaço Schengen, ao ser a
única nação a não retificar o TECG, mantinha o Reino Unido membro apenas no Tribunal de
Patentes e no Espaço Econômico Europeu.
FIGURA 1 - As Muitas Integrações Europeias 2015
26

FONTE: Natali (2015)

5 - O Processo De Rompimento

5.1 – O Acordo: Reconhecimento da Excepcionalidade Britânica

Após seguidas tentativas frustradas de John Major e Tony Blair, de reposicionar o país
no centro do projeto europeu, o governo de David Cameron, da mesma forma que Thatcher,
foi conduzido sob revisão da lógica dos três círculos de Churchill (NIBLETT, 2015).
Após o maior período de aproximação do país com a União Europeia, exemplificado
na promessa de Tony Blair de conduzir o Reino Unido a união cambial da zona do Euro
preparando o país para adotar a moeda única (WALL, 2008); Cameron buscou promoveu uma
inflexão na política externa da Grã-Bretanha, amenizando a entusiasmada busca de conduzir o
país cada vez mais próximo a centro da integração. O ex-primeiro-ministro também procurou
reestabelecer a independência, frente britânica ao então alinhamento automático as ações
americanas (SELDON, 2007; ROMPUY, 2013)
Cameron via a necessidade de Londres se equilibrar em três eixo, com o núcleo
formado pelo projeto europeu não institucionalizado, no segundo círculo uma relação especial
27

transatlântica mais igualitária e por último o desenvolvimento de novas parceiras estratégicas


bilaterais, preferencialmente com potencias emergentes e ex-colônias (NIBLETT, 2015).
Desta forma, conforme fica exposto nos objetivos da Coalizão que sustentava seu
governo apresentado na Tabela 3, era pela permanência na União Europeia, porém
explicitando velhas contrariedades em pontos sensíveis como adoção do Euro e o
Institucionalismo Supranacional.

Tabela 3 – Objetivos da Coalizão 2010 – 2020: Relações com a União Europeia

4. O Governo considera que a Grã-Bretanha deve ter um papel de liderança numa União Europeia alargada,
em uma situação onde não devem ser transferidos novos poderes para Bruxelas sem um referendo.
5. Assegurar que não haja mais transferência de soberania ou poderes durante o mandato do próximo
Parlamento. Examinando o equilíbrio das atuais competências e trabalhar para limitar a aplicação de novas
competências durante o período de mandato do Reino Unido a frente da EU em 2017.
6. Alteraremos o Acordo de Comunidades Europeias para a transferência de novas áreas de poder, soberania e
autoridade esteja sujeita a um referendo primário.
7. Assegurar que a Grã-Bretanha não se irá preparar para aderir ao euro neste Parlamento.
8. Defender fortemente os interesses nacionais no planejamento do futuro orçamento da UE, negociando que o
acordo em que o orçamento da UE deva centrar-se apenas nas áreas em que o bloco possa acrescentar valor.
9. Pressionar para que o Parlamento Europeu tenha apenas um lugar decisório, em Bruxelas.
10. Preservar a integridade do sistema de justiça britânicos, assegurando que a Grã-Bretanha não participará do
estabelecimento de qualquer órgão de Europeu de Promotoria Pública.

Extraído de: HM Government (2010)

Desta forma quando propôs a realização do referendo, David Cameron negociou com
os demais líderes europeus um acordo que garantiria “status especial” do Reino Unido em
caso de permanência dentro da União Europeia. Este acordo englobaria pontos agrupados nas
seguintes categorias; (1) Competitividade, (2) Governança Econômica, (3) Soberania e (4)
Bem Estar/ Imigração. A tabela 4 demonstra os principais do acordo obtido por Cameron.
Diante do potencial risco que representaria a saída britânica, os líderes europeus não
tiveram outra alternativa a não ser aceitar o núcleo principal das demandas de Cameron. De
forma que possibilitaram ao Reino Unido (1) limitar os gastos com subsídios a imigrantes
comunitários que trabalham no país, (2) um maior poder para o seu Parlamento na aprovação
final de leis e regulamentos comunitários e (3) obrigatoriedade de permanência de
coordenação entre países da Zona do Euro com os estados de fora da União Monetária
(CHOPIN; LEQUESNE, 2014).

Tabela 4 – Acordo Reino Unido – União Europeia

1. Reconhecimento explícito de que o EURO não é a única moeda da União Europeia..


28

2. Metas para a redução do excesso de regulamentação e extensão dos direitos comunitários para o
mercado de trabalho.
3. Impedir que os imigrantes comunitários dentro Reino Unido, tenham acesso a certos benefícios até
completarem 4 anos de residência permanente em solo britânico.
4. Permissão para a Grã-Bretanha opte não aderir a mecanismos que visem aumentar integração política
5. Um prazo emergencial de 7 anos para restringir o número de entrada de imigrantes comunitários.
6. Pagamentos de prestações familiares indexadas ao custo de vida no país residente para crianças que
vivem fora do Reino Unido a partir de 2020..
7. Estabelecimento de um tratado que prevê a exclusão automática do Reino Unido, quanto ao processo de
união cada vez mais estreita entre os membros da união monetária.

FONTE: HM Government (2010)

5.2 - O Referendo: Ficar Por Temor, Sair Pela Soberania


Partindo da ideia de que acordo negociado era satisfatório, Cameron liderou a
campanha pela permanência. Ocorre que primeiro-ministro apostou em uma mensagem que
buscava alertar para os riscos que a economia britânica estaria incorrendo caso opta-se por
sair da UE. Baseando-se em estudos ministeriais e relatórios de órgãos internacionais como
Banco Mundial e FMI, Cameron foi acusado de incutir na população a campanha do medo,
explorando apenas os problemas e não demonstrando os benefícios que a União Europeia
proporcional e ainda traria ao Reino Unido.
Já a campanha pró-Brexit, tendo á frente o ex-prefeito de Londres Boris Johnson, foi
baseada em três pontos sensíveis. Surpreende que os assuntos não diferiram muito do
primeiro referendo de 1973. Falou-se sobre (1) retomar o controle da soberania, (2) retorno
dos valores despendidos com o orçamento comunitário e a possibilidade de (3) cessar a livre
circulação de imigrantes comunitários.
De toda forma, o principal o mote principal da campanha pela saída foi ênfase sobre o
teórico valor de £ 1,4 bilhões mensais de contribuição britânica para o orçamento
comunitário, que poderiam ser destinados ao Serviço Social britânico. A campanha pela
permanência contestou este valor, estimando que a contribuição líquida mensal (pós
reembolso) era bem menor, variando em torno de £ 560 milhões.
A intensa campanha empreendida pelos dois lados garantiu uma expressiva
participação de 72% dos eleitores. Dentro dos votos válidos 52% (17.410.742 eleitores)
votaram pela saída, enquanto que 48,1% (16.141.241 eleitores) pela permanência no bloco e
conforme os resultados finais demonstram, o referendo revelou um país dividido.
Apesar da análise dos resultados finais do referendo demonstrar uma clara divisão
entre faixas etárias, regiões, níveis de escolaridade e tipos de ocupação; é preciso considerar a
precariedade da campanha da permanência que nãos soube explorar os benefícios advindos da
29

participação no União Europeia, a escolha por mostrar apenas os aspectos negativos em caso
de saída, mostrou se frágil diante da capacidade dos líderes contrários a UE, em transformar o
mote da retomada do controle em uma mensagem clara e fácil visualização.

6. Os Efeitos do Referendo

6.1 As Divisões no Eleitorado

Conforme análise da compilação de resultados publicada pelo The Wall Street Journal,
verifica-se que ocorreu entre as faixas etárias, ocorreu forte dispersão no posicionamento
entre os grupos mais velhos e mais jovens, com eleitores com mais de 45 anos votando
maciçamente pela saída (60%), enquanto que os indivíduos com menos de 24 anos se optando
majoritariamente contra o Brexit (73%).
Ainda segundo o jornal, a opção pela permanência contou com alto apoio entre os
eleitores da Escócia, Irlanda do Norte e a capital Londres, com 52%, 66% e 76%
respectivamente, enquanto que no restante da Inglaterra e o País de Gales com 52 e 47,5%
respectivamente votaram pela saída da EU. A votação maciça em regiões com grandes áreas
agrícolas como o norte inglês e Gales surpreenderam, visto que estes eram locais com maiores
investimentos dos fundos comunitários dentro do país.
30

A análise do cruzamento dos dados demográficos e de renda, demonstrou que de modo


simplificado as pessoas mais velhas, com menor nível de escolaridade, brancas e com renda
inferior majoritariamente votaram pela saída da EU.
O tradicional instituto britânico de pesquisas sociais Joseph Rowtree Foundation
traçou o perfil dos grupos de eleitores do referendo. Segundo o estudo divulgado, pessoas
com rendimentos inferiores a £20.000 /ano apresentaram um apoio 30% maior do que o
estrato mais rico e qualificado. De forma que é possível apontar que o grupo de pessoas cuja a
ausência de qualificação impediu a ascensão profissional, foram mais propensas em culpar a
permanência na UE pela falta de espaço na nova estrutura econômica pós-interação europeia.
Conforme demonstraSAIR
a Tabela 4 – construída com dados extraídos da pesquisa
PERMANECER

Dhingra et al. (2016), onde os autores empreenderam o cruzamento de dados demográficos,


FAIXA ETÁRIA
renda, ocupação e escolaridade; o perfil do eleitor a favor do Brexit pode ser definido como
Idade Superior a 66 anos 59% 31%
formado majoritariamente por pessoas brancas, mais velhas (>45 anos), de menor nível de
RENDA
escolaridade e de menor renda.
Renda Inferior a £20.000 58% 42%
Outros aspectos foram abordados na pesquisa; verificou-se que entre aqueles que
veem a imigração
Renda Superior á £60.000 como benéfica
35% ao país,
65% o apoio ao Brexti foi de 10%, versus o 90% de

apoio a saída do bloco entre aqueles vem a imigração como um aspecto ruim. Entre os que
EMPREGO

consideravam que a situação45%


Trabalho Tempo Integral
financeira55%
melhorou a opção pela saída foi de 44%, enquanto
que entre os que identificavam deterioração da situação foi de 58%.
Enquanto que no gênero não houve grande diferença com 52 e 48% de homens e
mulheres apoiando a ruptura. Quanto a origem, 52% daqueles que se identificaram como
brancos de origem britânica votaram pela saída, enquanto que as minorias (negros e
identificados com outras nacionalidades) a ruptura teve apenas 34% de apoio. E por fim
destacamos o tipo de emprego; entre a qualificação aqueles que ocupavam posições mais
qualificadas apenas 29% optaram pela saída, enquanto que entre os trabalhadores menos
qualificados 59% se posicionaram a favor do Brexit.

TABELA 4 – Os Eleitores do Brexit


31

Desempregados 59% 41%

QUALIFICAÇÃO

Pós-graduados 27% 73%

Ensino Médio 75% 25%

FONTE: Joseph Rowtree Foundation (2010)

6.2 Os Efeitos Econômicos do Brexit

Tão logo foi publicado o resultado do referendo, começaram a ser publicados


estimativas acerca dos custos da saída britânica da UE. Como ainda não está claro qual a será
a futura negociada após o Reino Unido invocar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa,
utilizaremos os cenários apresentados no estudo de Dhingra et at. (2017) que estimam os
efeitos da saída dividindo entre os cenários pessimista e otimista, onde ocorreria um Brexit
categorizado respectivamente como duro ou suave.
32

Os autores definem que no cenário otimista o Reino Unido ainda permanece como
membro do Espaço Econômico Europeu, como hoje ocorre com a Dinamarca. Já no
pessimista, o país passa a efetuar o comércio com a União Europeia baseado apenas nas
normas da Organização Mundial do Comércio.
Os números revelam o impacto que o Brexit trará para a economia britânica, não
gimportando qual dos dois cenários se materialize. Dhingra (2016) aponta que o restante da
UE também seria significativo, estimando que ficariam em torno de £12 bilhões no cenário
otimista e £28 bilhões no otimista. E não poderia ser diferente visto que a União Europeia em
2015 eram o destino de 45% das exportações britânicas, e responsáveis por 53% das compras
internacionais do Reino Unido.
Outro fator importante é que mesmo um dos pontos mais defendidos pelos entusiastas
do Brexit, o término da contribuição do país ao Orçamento Europeu, dependendo da
negociação não representaria grande diferença pós saída do Reino Unido. Pois caso o país
opte pela permanência no EEE, ainda teria obrigações financeiras a para com a UE, desta
forma baseado no valor de contribuição norueguês (país que faz parte do EEE) a taxa de
contribuição britânica cairia de 0,53% para 0,43% do PIB, sendo então uma redução apenas
modesta (Câmara dos Comuns, 2013).

TABEL A 5 - Os efeitos econômicos do Brexit

Efeitos Comerciais
-1,37% -2,92%
Benefício Fiscal
0,09% 0,31%
Variação do Rendimento per capita
-1,28% -2,61%
Variação de Renda Por Domicílio
- £850 -£1.700
Perda Real do PIB
-£26Bilhões £55 Bilhões

FONTE: Dhingra et al. (2007)

7. Conclusão

Tratar o Brexit apenas como o resultado de um cálculo político equivocado de David


Cameron e a ineficácia de seu governo em demonstrar que a importância da permanência do
Reino Unido dentro da União Europeia, seria simplificar demais um fenômeno que se
33

estendeu por boa parte do século passado, e tem sua origem na própria formação da
consciência coletiva da sociedade e dos políticos britânicos.
De Harold Wilson a Theresa May todos os líderes britânicos, em diferentes graus,
foram influenciados pela concepção da posição do país descrita por Winston Churchill na
década de 1940, que colocava o Reino Unido em uma posição de excepcionalidade em
relação ao restante da Europa. Desta forma a progressiva automarginalização dos britânicos
do projeto europeu, era não apenas previsível, como também inevitável.
O contexto em que aconteceu o referendo, com o país no ponto de maior afastamento
do centro da integração e praticamente alijado de todas as decisões realmente importantes do
bloco, é resultado de decisões dos próprios líderes britânicos, que no afã de preservar a
qualquer custo todas as facetas de sua soberania, colocaram o país em uma posição que o
custo de saída da União Europeia seriam “apenas” consideráveis, porém não proibitivos.
Então talvez valesse a pena trilhar outro caminho, onde uma vez livres das amarras da Europa,
fosse possível reconduzir o país a posição condizente que sua excepcionalidade histórica,
eventualmente lhe garantiria.
Porém o resultado do referendo não pode ser minimizado, visto que ele demonstrou
que a sociedade britânica não se dividiu apenas geograficamente e mais do que a localidade,
fatores como idade, renda, escolaridade e identidade nacional foram muito significativos. De
maneira geral pode-se ver que aqueles indivíduos mais arraigados a identidade britânica
versus a europeia, que identificaram uma piora nas perspectivas financeiras e possuem menor
escolaridade e trabalhos de natureza menos qualificada, foram decisivos para a aprovação do
Brexit. O que é condizente com as pessoas mais arraigadas ao passado histórico do país.
Diferente do atual, o referendo de 1975 foi realizado sobre um clima diferente; o
Reino Unido havia entrado em um grupo de nações que apresentavam um crescimento
superior ao seu, o país acabara de ver sua tentativa de bloco alternativo naufragar e com a
redução de importância da Commonwealth acelerando, os britânicos viam no Comunidade
Europeia uma via para restabelecer a sua importância política e econômica.
Já o atual referendo se deu em meio a recuperação econômica do Reino Unido em
velocidade superior ao que se desenrolava aos parceiros da UE, ao mesmo tempo que ocorria
a opção pelo aprofundamento da integração como forma de resposta a crise. O que sempre
fora o principal fator de divergências de britânicos e europeus.
Para os defensores da ruptura mesmo fora da União Europeia, a participação na
OTAN, a relação especial com os EUA, a presença como membro do Conselho de Segurança
34

e o arsenal nuclear, continuará garantindo relevância do país, em meio aos benefícios de estar
fora de uma dispendiosa estrutura, que não foi capaz de impedir a crise que assolou boa parte
dos países membros.
Este trabalho ao explorar os momentos de conflito do Reino Unido com os rumos da
UE, procurou demonstrar que as diferenças além repetitivas, eram inconciliáveis. Pois da
mesma forma que os britânicos parecem não abrir de sua posição de priorizar seu papel no
mundo frente a integração, a União Europeia também nunca será apenas um bloco econômico
que vise unicamente o comércio como querem os britânicos, a integração já é profunda e o
tempo discorrido é longo demais para que as diferenças pudessem ser conciliadas, tornando o
Brexit, inevitável.

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