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EUROPEIA.
Neste capítulo, pretende-se analisar a Política Externa (P.E) do Reino Unido na sua
relação com a União Europeia (U.E). Para o efeito, o capítulo apresenta uma abordagem
que se sustenta, primeiramente, na revisão bibliográfica, onde descreve-se a evolução
histórica da P.E do Reino Unido para a U.E. Em seguida, analisa-se a utilidade que os
diferentes instrumentos de P.E têm na P.E do Reino Unido para a U.E, onde dá-se
ênfase aos instrumentos políticos, económicos e militares.
3.1. Evolução Histórica da Política Externa do Reino Unido para a União Europeia
A política externa do Reino Unido para a União Europeia na verdade, nasce após a
Segunda Guerra Mundial, a ideia de criar os “Estados Unidos da Europa” surgiu como
uma prioridade, a fim de garantir a paz a uma região até então conturbada. A Guerra
Fria entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da
América (EUA) evidenciou a fragilidade das defesas da Europa Ocidental em meio à
ambição de extensão territorial da URSS, o que levou a um maior envolvimento dos
países europeus com os EUA Scofield (2018: 5).
Tais nações tinham expectativas de que os primeiros passos para alcançar essa
cooperação seriam dados pelo Reino Unido e de que a organização europeia seria
caracterizada por uma aliança entre britânicos e franceses, tendo em vista o papel
desempenhado por eles durante a Segunda Guerra Mundial. Contudo, os britânicos
estavam apreensivos com qualquer acto que pudesse desfazer a sua soberania e
liberdade para agir de forma independente. Já os franceses tinham interesse em manter a
Alemanha fraca económica e militarmente, enquanto a França reconstruía a sua força
interna (Ibid).
Em 1957, foram dados mais passos em prol da integração económica europeia, por meio
do Tratado de Roma, que estabeleceu a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a
Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM). Por meio dela, objectivava-se
instituir um mercado único, definido como a livre circulação de bens, pessoas, serviços
e capitais, com o intuito de aproximar as políticas económicas de seus Estados
Membros, especialmente no âmbito da agricultura. Embora seus objectivos estivessem
expressos por meios económicos, eles estavam permeados por um ideal de alcançar
futuramente uma integração política (Ibid: 7-8).
Ainda que tenha sido convidado para fazer parte da CEE, o Reino Unido não alterou a
sua posição em relação à sua adesão ao bloco. Os seis países membros da organização
internacional eram destino de 13% das exportações britânicas, esse percentual poderia
aumentar significativamente na ausência de tarifas alfandegárias. Entretanto, a parcela
de exportações do Estado destinada aos quatro maiores países da Commonwealth era
maior do que o dobro das exportações para a organização internacional e 7% do total de
suas exportações era destinado aos Estados Unidos (Ibid).
No entanto, no ano de 1975, apenas dois anos após seu ingresso na agora chamada CEE,
o Reino Unido fez um referendo para consultar a população a respeito da permanência
do país no bloco. Nessa ocasião, a discussão a respeito da permanência tinha seu foco
na questão do livre mercado. Os argumentos favoráveis à saída na época eram os
seguintes: pertencer ao bloco feria a soberania do país; o livre mercado colocava em
desvantagem a produção interna e destruiria empregos (argumentos das partes mais à
esquerda); ou então que o Reino Unido passaria a ser uma mera província na “nação
europeia”. Na época, os conservadores foram os maiores defensores da permanência no
bloco, contrastando com o ocorrido em 2016 (Wilson, 2014).
Durante os anos que se seguiram, o Reino Unido manteve-se como membro da CEE,
sem causar grandes entraves ao processo governativo da CEE. Contudo, na década de
1980, Margaret Tatcher, Primeira-ministra britânica, durante o Conselho Europeu de
Fontainebleau de 1984, no qual se debateram os passos para a aprovação do Acto Único
Europeu que representou o primeiro grande passo na revisão dos Tratados de Roma,
insistiu novamente na necessidade de revisão das contribuições do Reino Unido para o
orçamento comunitário. O resultado dessa insistência foi a criação de um mecanismo de
compensação, que perdura até à data, na qual o Reino Unido seria reembolsado pelas
diferenças entre as contribuições orçamentais e os valores que recebia do orçamento2.
Nos anos que se seguiram, até à assinatura e entrada em vigor do Tratado de Maastricht,
o Reino obteve uma série de cláusulas que lhe permitia excluir-se de determinadas
questões políticas ou elementos do processo de integração europeia. Exemplos dessas
cláusulas são o caso da União Económica e Monetária (UEM), em que o Reino Unido,
tal como a Dinamarca, puderam optar por não participar nas etapas que levaram à
formalização da UEM e assim excluir-se do processo da moeda única Soares (2005:
160-161). Um outro exemplo é o caso do Acordo de Schengen, em que os da Estados
membros da CEE, de forma a ultrapassar um possível veto do Reino Unido em sede de
revisão dos Tratados, optaram por assinar um acordo fora do espectro do Tratado de
Roma para formalizar a livre circulação de pessoas. Assim, o RU manteria o controlo
das suas fronteiras e os restantes Estados-membros da CEE poderiam formalizar uma
das liberdades do Mercado Único. Anos mais tarde, o RU acabaria por aceitar o Sistema
Schengen, constando no protocolo que estabelece esse Sistema uma cláusula que
permitia ao Reino Unido não ser vinculado a qualquer decisão da UE com base nesse
Sistema (Ibid).
2
The UK rebate on the EU budget: An explanation of the abatement and other correction mechanisms
http://www.europarl.europa.eu/thinktank/en/document.html?reference=EPRS_BRI%282016%2957797.
consultado aos 06 de Agosto de 2021.
Ainda durante a década de 1990, a política externa do Reino Unido para com a UE viria
a mudar, com a alteração do Governo. Assim, o Reino Unido passaria a ter uma política
de maior aproximação e participação no processo decisório da União Europeia.
Exemplo disso é a realização da cimeira bilateral de Saint-Malot entre o Reino Unido e
França, que lançaria as bases da Política Europeia de Segurança e Defesa Soares (2005:
297). Durante o período do Governo Trabalhista, o Reino Unido teve uma política
activa e participativa no processo de integração e alargamento europeu,
contrabalançando o centro do poder da UE, localizado no eixo franco-alemão (Ibid).
De modo geral, conclui-se que o Reino Unido, desde a sua adesão, nunca esteve
totalmente empenhado no projecto de construção europeia, obtendo sempre cláusulas de
exclusão em matérias que pudessem representar entraves aos seus interesses nacionais.
O Reino Unido manteve, durante a sua participação com a UE, uma política pragmática
e de resistência em relação a possíveis avanços mais federalistas do projecto europeu .
Assim sendo, o Reino Unido teve uma pré-disposição menor de comprometimento com
a cooperação europeia do que a maior parte dos Estados Membros da organização
internacional. Entretanto, o país obteve sucesso em moldar as normas comunitárias de
forma a atender a seus interesses nacionais: além de haver várias políticas comunitárias
em conformidade com as suas preferências políticas e económicas, como mencionado
anteriormente, os britânicos conseguiram obter resultados dos temas em que a
integração europeia não atendia aos seus interesses, como a união monetária e o Espaço
Schengen.
De acordo com Wache (2020: 110) citando Unaji (2007: 91-102 3) e Holsti (1988: 159-
3114), os Estados têm a sua disposição vários instrumentos de política externa
nomeadamente: barganha diplomática, recompensa e coerção económica, propaganda
ou instrumento psicológico, imperialismo, instrumento militar e instrumento cultural.
Brighi e Hill (2012: 161), sustentam que a escolha de instrumentos de P.E é dependente
das capacidades de cada país, isto é, os países com maiores capacidades têm à sua
disposição uma maior variedade de instrumentos de P.E susceptíveis de uso, enquanto
os Estados menos capazes têm um número restrito de instrumentos à sua disposição.
Deste modo, os instrumentos de política externa do Reino Unido para a União Europeia,
são resultado das capacidades que o país possui. Esta ideia encontra também
sustentação no pressuposto do Neo-Realismo de que o comportamento dos Estados no
sistema internacional é dependente das capacidades que cada um deles possui.
Nesta óptica, este subcapítulo argumenta que a política externa do Reino Unido para a
União Europeia utiliza predominantemente o instrumento político, económico e militar.
Vale ressaltar ainda que, o governo britânico, em parceria com a Comissão Europeia,
teve um papel activo muito importante na elaboração do Acto Único Europeu, o qual
era compreendido pelo Reino Unido como a aplicação dos princípios liberais no
processo de integração regional (Szucko, 2020: 90-91). Apesar de os britânicos não
terem sido favoráveis aos tratados de ampla abrangência para remodelar o bloco
europeu e preferirem acordos mais pontuais e técnicos, Thatcher assentiu à assinatura,
mesmo com a concessão ao voto por maioria qualificada, pois entendia que o processo
era fundamental para a consolidação de um mercado único mais aberto ao livre-
comércio (Ibid).
Portanto, pode-se verificar que a assinatura do Acto Único Europeu foi resultado das
capacidades económicas e militares que o Reino Unido possui, conferindo assim um
maior poder negocial e maior efectividade do instrumento diplomático perante a União
Europeia.
Ainda neste contexto do uso deste instrumento, podem-se observar os eventos ocorridos
em 1984, onde o Reino Unido apresentou fortes críticas ao funcionamento da PAC e ao
critério utilizado para definir as contribuições para o orçamento do bloco, visto que, o
país via-se em desvantagem tendo em conta que o mesmo importava mais produtos de
fora das comunidades europeias do que qualquer outro estado-membro e por
conseguinte, sua contribuição calculada em valor agregado era superior em relação a de
outros parceiros. Por outro lado, grande parte dos recursos arrecadados era destinada à
PAC e como a agricultura britânica era relativamente menor que a de outros Estados-
Membros, o país recebia menos benefícios (Gowland, 2017).
Por fim, o acordo final definiu que ao Reino Unido seria reembolsado um montante fixo
de um bilhão da Unidade de Conta Europeia referente a 1984 e que, a partir do ano
seguinte, o cálculo de restituição, denominado rebate, corresponderia a 66% da
diferença entre o valor das contribuições britânicas com base no imposto sobre o valor
agregado e a quantidade que o país recebia do orçamento comunitário (Szucko, 2020:
87). O resultado foi considerado uma importante vitória para o governo britânico. Estas
acções do Reino Unido eram uma resposta clara a retórica adoptada pela UE em relação
aos seus países membros, especialmente o Reino Unido.
Desta feita, o sucesso no uso do instrumento económico na P.E do Reino Unido para a
União Europeia, depende da combinação, por um lado, os recursos e as capacidades que
o país tem à sua disposição e a vontade do país em usar tais recursos e capacidades e por
outro o grau de necessidade e vulnerabilidade que a U.E tem perante tais recursos e
capacidades de Reino Unido.
A política externa do Reino Unido para a União Europeia pode ter sido motivada pela
necessidade de reforçar a soberania e interesses britânicos através do processo de
integração. (Hipótese 2)
Lista de Referências
Gowland, David (2017), Britain and the European Union. Edição New York
Routledge: London.
Scofield, Ana Clara Balda (2018), As especificidades da relação entre o Reino Unido
e a União Europeia: desde a adesão ao bloco às suas futuras relações após o Brexit
(Trabalho apresentado como requisito parcial para conclusão do curso em Direito), Rio
de Janeiro: Escola de Direito Fundação Getúlio Vargas Direito Rio.
Landale, James (2016), EU reform deal: What Cameron wanted and what he got. BBC
News, Disponível em: https://www.bbc.com/news/uk-politics-eu-referendum-35622105.
Consultado em 15 de Agosto de 2021.
Wilson, Sam (2014), Britain and the EU: A long and rocky relationship. BBC News,
Disponível em: https://www.bbc.com/news/uk-politics-26515129. Consuldado em 16 de
Agosto de 2021.
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Kenealy, Daniel (2016), “Brief history of Britain’s membership of the EU, in Britain’s
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http://www.centreonconstitutionalchange.ac.uk/sites/default/files/papers/
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Wache, Paulo Mateus (2012), A União Europeia e as suas Relações com o Mundo:
Entendendo a Política Externa da União Europeia para África. Edição, Instituto
Superior de Relações Internacionais (ISRI): Maputo.
Wache, Paulo Mateus (2020), Política Externa de Moçambique Para a África do Sul:
Gerindo a Diplomacia Económica Assimétrica. Editora, Universidade Joaquim
Chissano: Maputo.