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Estrutura epidemiológica
Inicialmente, tentaremos discutir o conceito de estrutura epidemiológica
tomando como referencial a evolução do comportamento de algumas doenças
infecciosas no município de São Paulo. Com a ressalva de que faremos algumas
simplificações, uma vez que nosso objetivo não é discutir a epidemiologia de
cada uma das doenças citadas, passaremos a analisar as figuras 15 a 19.
A figura 15 chama-nos a atenção por uma aparente tendência de elevação da
mortalidade por difteria nas duas primeiras décadas deste século, possivelmen-
te expressando mais uma melhora do diagnóstico do que um aumento da mor-
talidade por essa causa.
Entre 1920 e 1970 temos uma reversão dessa tendência, que poderia ser em
boa parte explicada possivelmente (lembre-se: estamos falando em termos de
hipóteses) pelo aprimoramento das medidas terapêuticas.
A partir da década de 70, quando as coberturas de vacinação tornam-se mais
elevadas, a mortalidade por difteria no município de São Paulo já era muito bai-
xa e praticamente desaparece como causa de óbito a partir de 1980.
Com fundamento nesses dados, podemos dizer que eles sugerem que a queda
da difteria como causa de óbito no município de São Paulo esteve intimamente
ligada à introdução de tecnologias médicas de aplicação terapêutica e profilática,
sendo ainda aceitável a hipótese de que o aparente aumento da mortalidade, no
começo do século, refletiu um aprimoramento das técnicas de diagnóstico.
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VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
Figura 15
Mortalidade por difteria
Município de São Paulo, 1900 – 1995
Coeficiente por 14
Aprimoramento
100.000 habitantes 12 do diagnóstico
Aprimoramento do tratamento
10
4
Aumento
da cobertura vacinal
2
0
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
Figura 16
Mortalidade por febre tifóide
Município de São Paulo, 1900 – 1993
70
Coeficiente por
100.000 habitantes 60 Início da cloração da água
de abastecimento público
50
40
30
20
10
0
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
Figura 17
Mortalidade por tuberculose
Município de São Paulo, 1900 – 1995
180
Coeficiente por
100.000 habitantes 160
Introdução do tratamento específico
140
120
100
80 Elevação da
60 incidência da AIDS
40
20
0
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
Figura 18
Mortalidade por poliomielite
Município de São Paulo, 1924 – 1990
Coeficiente por 4
100.000 habitantes Período epidêmico
3
Início da vacinação
2
Período endêmico de rotina
Início das campanhas anuais
1 de vacinação em massa
0
1924 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
20
150
Mortalidade infantil
15
100
10
50
5
0 0
33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59 61 63 65 67 69 71 73 75 77 79 81 83 85 87 90
Mortalidade infantil Incidência
Figura 20
Mortalidade por gripe
Município de São Paulo, 1990 – 1980
600
400
200
0
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980
Figura 21
Esquema da história natural das doenças
Horizonte clínico
Exposição (início dos sintomas)
Momento mais freqüente
do diagnóstico
Alterações
patológicas
Fase suscetível Fase de doença subclínica Fase de doença com Fase de recuperação,
manifestações clínicas incapacidade ou morte
Figura 22
Conceito de “Iceberg” em doenças infecciosas
Proporção de
casos não Infecção inaparente
discerníveis
clinicamente
Portanto, o espectro clínico das doenças pode ser muito amplo, variando em
diferentes proporções de:
• casos inaparentes;
• com manifestações clínicas moderadas;
• graves, evoluindo ou não para óbito.
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VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
Existem ainda alguns termos relacionados à infecção, mas que dela diferem,
entre eles:
• Infestação, que pode ser entendida como o alojamento, desenvolvi-
mento e reprodução de artrópodes na superfície do corpo ou nas rou-
pas de pessoas ou animais.
• Colonização, que ocorre quando o agente está presente na superfície
do organismo em quantidade mínima, multiplicando-se numa propor-
ção suficiente para manter-se, mas sem produzir evidência de qualquer
reação do hospedeiro.
• Contaminação, que se refere à presença de agente na superfície do
corpo ou na de objetos inanimados (fômites) que podem servir de fon-
te de infecção.
Figura 23
Cadeia do processo infeccioso
Contato direto
Agente
Gotículas
Vetor
Via aérea
Portas de
Veículo entrada
Características do reservatório
Entende-se por reservatório o hábitat de um agente infeccioso, no qual este
vive, cresce e se multiplica. Aceita-se que a característica que distingue o reser-
vatório da fonte de infecção diz respeito ao fato de o reservatório ser indispen-
sável para a perpetuação do agente, ao passo que a fonte de infecção é a res-
ponsável eventual pela transmissão.
Podem comportar-se como reservatório ou fontes de infecção:
• o homem
• os animais
• o ambiente
Reservatório humano
Boa parte das doenças infecciosas tem o homem como reservatório. Entre as
doenças de transmissão pessoa a pessoa incluem-se o sarampo, as doenças
sexualmente transmissíveis, a caxumba, a infecção meningocócica e a maioria
das doenças respiratórias. Existem dois tipos de reservatório humano:
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VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
Reservatório animal
As doenças infecciosas que são transmitidas em condições normais de animais
para o homem são denominadas zoonoses. Via de regra, essas doenças são
transmitidas de animal para animal, atingindo o homem só acidentalmente.
Como exemplo, poderíamos citar: leptospirose (reservatórios: roedores e eqüi-
nos), raiva (reservatórios: várias espécies de mamíferos), doença de Chagas
(reservatórios: mamíferos silvestres), etc.
Reservatório ambiental
As plantas, o solo e a água podem comportar-se como reservatórios para alguns
agentes infecciosos. Como exemplo, podemos citar: o fungo (Paracoccidioides
brasiliensis) responsável pela blastomicose sul-americana, cujos reservatórios são
alguns vegetais ou o solo; a bactéria causadora da doença-dos-legionários (Legio-
nellae pneumophila) tem a água como reservatório, sendo encontrada com cer-
ta freqüência em sistemas de aquecimento de água, tais como na água de torres
de refrigeração existente em sistemas de circulação de ar, umidificadores, etc.; o
reservatório do Clostridium botulinum, produtor da toxina botulínica, é o solo.
Vias de eliminação
Via de eliminação é o trajeto pelo qual o agente, a partir do reservatório ou
fonte de infecção, atinge o meio ambiente. Os tratos respiratório e digestivo são
as principais vias de eliminação, cabendo citar também a urina, sangue, pele,
mucosas e secreções.
Fatores do agente
Os agentes apresentam uma série de características que interagem com o meio
e o hospedeiro, influenciando o comportamento das doenças infecciosas na
comunidade; entre eles destacamos:
• Infectividade: capacidade de o agente etiológico alojar-se e multipli-
car-se no organismo do hospedeiro e transmitir-se deste para um novo
hospedeiro.
• Patogenicidade: capacidade de um agente biológico causar doença
em um hospedeiro suscetível.
•Virulência: grau de patogenicidade de um agente infeccioso que se
expressa pela gravidade da doença, especialmente pela letalidade e
proporção de casos com seqüelas.
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VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
distribuição das riquezas, está intimamente ligado aos níveis endêmicos das
doenças infecciosas. Como exemplo, podemos citar a doença meningocócica,
cujas epidemias são, geralmente, causadas pela introdução na comunidade de
uma cepa mais patogênica; no entanto, os patamares a serem alcançados por
essa epidemia dependerão, principalmente, das condições de aglomeração
dessa população, especialmente de aglomeração no domicílio.
Transmissão
Entendemos transmissão como a transferência de um agente etiológico animado
de um reservatório ou fonte de infecção para um novo hospedeiro suscetível. A
transmissão pode ocorrer de forma direta ou indireta.
1. Transmissão direta (contágio): transferência rápida do agente etiológico,
sem a interferência de veículos. Ela pode ocorrer de duas formas distintas:
•Transmissão direta imediata: transmissão direta em que há um conta-
to físico entre o reservatório ou fonte de infecção e o novo hospedeiro
suscetível.
•Transmissão direta mediata: transmissão direta em que não há conta-
to físico entre o reservatório ou fonte de infecção e o novo hospedeiro;
a transmissão se faz por meio das secreções oronasais transformadas
em partículas pelos movimentos do espirro e que, tendo mais de 100
micras de diâmetro, são dotadas da capacidade de conduzir agentes
infecciosos existentes nas vias respiratórias. Essas partículas são deno-
minadas “gotículas de flügge”.
Transmissão indireta por veículo animado (ou vetor) é aquela que se dá por
meio de um artrópode que transfere um agente infeccioso do reservatório ou
fonte de infecção para um hospedeiro suscetível.
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VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
Vias de penetração
Entende-se por via de penetração o trajeto pelo qual o agente introduz-se no
novo hospedeiro. A via de penetração oferece acesso a tecidos nos quais o
agente pode multiplicar-se ou local onde a toxina, por ele produzida, pode agir.
Freqüentemente, as vias de eliminação e de penetração são as mesmas. As vias
mais importantes, como já salientamos, são:
• trato respiratório
• trato digestivo
• trato urinário
• pele, mucosas e secreções
Período prodrômico
É o período que abrange o intervalo entre os primeiros sintomas da doença e
o início dos sinais ou sintomas que lhe são característicos e, portanto, com os
quais o diagnóstico clínico pode ser estabelecido. Pródromos são os sintomas
indicativos do início de uma doença.
Período de transmissibilidade
Período de transmissibilidade (ou período de contágio) é o intervalo de tempo
durante o qual uma pessoa ou animal infectados eliminam um agente biológi-
co para o meio ambiente ou para o organismo de um vetor hematófago, sendo
possível, portanto, a sua transmissão a outro hospedeiro.
Imunidade de rebanho
Vale notar que a cadeia do processo infeccioso pode ser interrompida quando
um agente não encontra um hospedeiro suscetível. Isso pode ocorrer quando
existir na população uma elevada proporção de imunes ao agente.
Imunidade de rebanho ou imunidade coletiva é a resistência de um grupo
ou população à introdução e disseminação de um agente infeccioso. Conforme
esquema apresentado na figura 24, essa resistência é baseada na elevada pro-
porção de indivíduos imunes entre os membros desse grupo ou população e
na uniforme distribuição desses indivíduos imunes.
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A DINÂMICA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS
Figura 24
Esquema da imunidade de rebanho
Imune Imune
Sem entrar em detalhes, pois foge aos objetivos deste livro, pode-se dizer que
os instrumentos utilizados para as ações de controle de eventos adversos à saú-
de dependem do tipo da estrutura do serviço de saúde que as implementará.
São dois os tipos polares de organização de serviços de saúde. De um lado,
os de estrutura denominada “vertical”, em que cada órgão desenvolve ativida-
des voltadas ao controle de um único agravo ou de um número restrito de
doenças, cujas medidas de intervenção utilizem tecnologias idênticas ou muito
semelhantes. Neste caso, o instrumento utilizado são as campanhas.
O termo campanha surge no início do século e pode ser entendida como uma
intervenção institucional temporária e localizada, planejada e centralizada, que
parte da concepção de que é possível controlar problemas coletivos de saúde,
sejam eles epidêmicos ou endêmicos, através de ações que interromperiam o pro-
cesso de contaminação da coletividade pelo bloqueio da cadeia de transmissão.
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VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA
As doenças infecciosas, por vários fatores, alguns deles relacionados aos deter-
minantes das denominadas transição demográfica e transição epidemiológica
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A DINÂMICA DAS DOENÇAS INFECCIOSAS
Figura 25
Doenças infecciosas emergentes e reemergentes dos anos 90
Difteria
Coqueluche 1993
1993
Hantavirus
1993 Hantrax
1993
Dengue Febre amarela
1993 1993