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Rodolfo Miguel de Figueiredo

Reflexões
Astrológicas
2023
Pa r t e I I
Rodolfo Miguel de Figueiredo

Astrólogo e Tarólogo. Dá
consultas de astrologia e tarot há
cerca vinte anos e faz
consultadoria astrológica para
empresas há mais de dez anos.
Estudou Filosofia na Universidade
Nova de Lisboa - Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, mas é
como autodidacta que tem
estudado áreas como o Estudo
Comparado das Religiões, a
Cultura Clássica, a Filosofia Antiga
e o Esoterismo. Na astrologia, tem
-se dedicado a especialidades como
a Astrologia Antiga, a Astrologia
Hermética e a Astrologia
Mitológica, tendo orientado a sua
investigação para a tradução e
interpretação de textos
astrológicos gregos e latinos.
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Ref lexões Astrológicas
L IVROS
Rod olf o Mi gue l d e Figueired o
rodolfomigueldefigueiredo@gmail.com
https://rodolfomfigueiredo.wixsite.com/livros
https://rodolfomfigueiredo.wixsite.com/astrologia -e-tarot

Título : Reflexõe s As tr ol ó gic as 2023: Par te II


Autor : Rod o lfo Migue l d e Figue ir e d o

ISBN: 9798871329030 ( E d iç ão Im pressa )

Capa: Henry John Stock, The Uplifting of Psyche, 1905. Londres: Royal Institute of
Painters.

Composição e paginação: RMdF

© Rod o lfo Migue l d e Fig ue ir e d o, J ane ir o d e 2024

Os text os a prese n tad os ne ste livr o d igital f oram publicad o s n os


blo gues e red es soc iai s d o autor d ur ante o segu nd o seme stre d e
2023, sã o p ortan to d e ac e sso livr e e gratuit o. No enta nt o, o s
d ireitos d e aut or d e ve m s e r r e spe itad o s, log o nen h uma parte d es te
livro p od e ser re pr od uz id a se m o c o nse ntime nt o d o mesm o.
Rod olfo Mig uel d e Fig ue ired o

Ref lexões
Astrológicas

2023

Parte II

Lisboa
2024
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Índice

ÍNDICE 7

INTRODUÇÃO 9

REFLEXÕES ASTROLÓGICAS 2023: PARTE II 13

1 - Lua Nova: Caranguejo 17

2 - Retrogradação: Vénus em Leão 25

3 - Lua Nova: Leão 35

4 - Retrogradação: Júpiter em Touro 45

5 - Lua Nova: Virgem 55

6 - Eclipse Solar Anular: Lua Nova em Balança 65

7 - Eclipse Lunar Parcial: Lua Cheia Touro-Escorpião 79

8 - Lua Nova: Escorpião 91

9 - Lua Nova: Sagitário 101

CONSULTAS DE ASTROLOGIA E TAROT 113

LIVROS - RODOLFO MIGUEL DE FIGUEIREDO 117

MAGNA MATER - NOTEBOOKS 121


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Reflexões Astrológicas 2023 9

Introdução

Nas Reflexões Astrológicas, procura-se analisar anualmente


alguns eventos astrológicos. O objectivo é examinar e explorar, de
ano para ano, diferentes aspectos do sistema astrológico, de modo
a apresentar uma compilação interpretativa o mais ampla possível.
No ano de 2023, as Reflexões Astrológicas focam-se nos principais
fenómenos astrológicos: as Luas Novas, os Eclipses, Ingressos e
Retrogradações. Inclui-se também uma interpretação um pouco
mais extensa dos eclipses que ocorrem em 2023.

Uma vez que os textos aqui reunidos foram publicados nos


blogues do autor e nas redes sociais do autor, o livro electrónico é
de distribuição livre e gratuita. As Reflexões Astrológicas para 2023
serão disponibilizadas em duas partes, correspondendo cada uma
aos textos de um semestre. O livro impresso será comercializado a
preço reduzido, de modo a tornar estas reflexões acessíveis.

A mensagem que se pretende passar tem essencialmente o


intuito de demonstrar que a análise astrológica é plural como
universo e não deve estar depende de uma uniformidade
interpretativa que, por sinal, tende a ser redutora e conduz a um
esvaziamento dos conceitos. Os conceitos devem ser, desta forma,
aprofundados de um modo diverso e a profundidade não pode
sucumbir ao carácter líquido da linguagem actual.
10 Rodolfo Miguel de Figueiredo

Desta forma, a astrologia, que nestas reflexões se quer


expressar, nasce sobretudo de uma premissa de liberdade e
independência, ou seja, o seu autor não se pretende fixar em
correntes, não quer seguir mestres, e muito menos ser ele próprio
um, nem pretende papaguear um discurso astrológico vazio,
repetitivo, e que promove apenas a bajulação. Estas reflexões
valem por si e procuram apenas servir a beleza do pensar e a
vontade de dignificar a astrologia.

A interpretação astrológica que aqui se apresenta sustenta-se


nas vertentes que o autor elegeu como especialidades: a Astrologia
Antiga, a Astrologia Hermética e a Astrologia Mitológica.
Paralelamente, procura-se criar uma ponte entre a astrologia e a
filosofia, visando o desenvolvimento de uma Filosofia da
Astrologia e de uma Astrosofia, baseada na filosofia prática e nos
exercícios espirituais, cujos pressupostos permitem uma estrutura
conceptual de passagem entre estes e a leitura hermética da
astrologia.

Em suma, ao longo dos vários capítulos, pretende-se


conjugar a interpretação astrológica com uma leitura filosófica e
espiritual, mas não subordinada às modas espirituais das últimas
décadas. Dessa união, dessa exigência do pensar, pode nascer uma
nova astrologia, uma astrologia refundada.

Nota: os mapas astrológicos, apresentados em cada capítulo, foram gerados pelo software
Janus 5.5 (Astrology House, 2021) com um modelo que inclui os decanatos e os termos.
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Ref lexões Astrológicas
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2023

Par te I I
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1

Lua Nova

Lisboa, 19h31min, 17/07/2022

Sol - Lua
Decanato: L ua

T ermos : J úpiter

M onomoir ia: M ar te
18 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 19

Lua Nova: Caranguejo

A Lua Nova de Julho ocorre no signo de Caranguejo,


estando Capricórnio a marcar a hora para o tema de Lisboa e,
deste modo, na VII, o Poente (δύσις), no decanato de Lua, nos
termos de Júpiter e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim
acima do horizonte e a cerca de uma hora e trinta minutos do pôr-
do-sol.
Os luminares encontram-se no eixo do horizonte, do lado
poente, onde a luz se afunda e desaparece. Este é o novilúnio que
expressa o sentido da origem, a matriz radical do Eterno
Feminino. Caranguejo é o domicílio da Lua e, no Thema Mundi, é
partir deste lugar que a vida emerge, marcando-se, deste modo, o
Ascendente do Mundo.
A relação entre a Lua e o Ascendente, entre o leme da vida e
a própria da vida, estabelece a fundação da realidade, a sua origem.
Naturalmente, esta é a matriz inaugural do Feminino, do Eterno
Feminino. Nesta relação, encontramos, nomeadamente, o mito
pelasgo da criação, em que deusa Eurínome surge como a senhora
da origem, a criadora de tudo o que existe.
De um ponto de vista astrológico, a forte herança mitológica
em torno de divindade lunares deveria fazer-nos repensar os
sentidos profundos da Lua, mas para isso tinha de se relativizar um
certo exacerbamento, por um lado, da significação lunar de cariz
20 Rodolfo Miguel de Figueiredo

psicológico e, por outro, da tendência interpretativa de


sobrevalorizar o masculino face ao feminino. A Lua astrológica
deveria continuar a ser uma deusa da origem.
Neste novilúnio, existe, porém, uma inversão dos pólos
inaugurais no eixo do horizonte, ou seja, Capricórnio está a
ascender e Caranguejo a descender. De certa forma, a origem está
no fim e o fim está na origem. Ao estender-se no tempo, como a
própria Necessidade, o Eterno Feminino faz emergir, no ocaso da
realidade, a Senhora da Nova Era. Este é o tempo do Espírito
Santo. Partindo da premissa de que o termo hebraico (ruah) para
espírito é feminino, o Evangelho de Felipe afirma o seguinte:
“Alguns dizem que Maria concebeu do Espírito Santo. Erram não sabem o
que dizem. Quando é que uma mulher concebeu de mulher? ” (55.20-30, ed.
Piñero, Torrents & Bazán, II, 31. Lisboa, 2005: Ésquilo).

No entanto, um Espírito Santo feminino não nasce apenas de


uma significação terminológica, ele é o herdeiro natural da deusa
hebraica e da hegemonia do Sagrado Feminino na Antiguidade mais
profunda. Esta é uma expressão do numinoso que incomoda, que
ofende o androcentrismo do pensamento religioso dominante dos
dois últimos milénios, mas também muita da espiritualidade actual.
No entanto, mesmo que seguido por poucos, ela existiu e continua
a existir.
Os versículos de Marcos que dizem que “aquele que blasfemar
contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão, mas será réu de pecado
eterno” (3:29, ed. João Ferreira de Almeida actualizada ), mas também de
Mateus, “Se alguém disser alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe
Reflexões Astrológicas 2023 21

será perdoado; mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será
perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro” (Mateus 12:32), assinalam
esta associação entre o Espírito Santo e a Mãe Divina. Numa
trindade de Pai, Mãe e Filho, como, por exemplo, a de Osíris, Ísis e
Hórus, a ofensa ao feminino será sempre a mais gravosa.
Hoje o que diríamos de alguém de ofende uma mulher,
nomeadamente, a sua mãe, a esposa ou a sua filha? Teria perdão o
homem que ofende a mulher? O novilúnio de Caranguejo,
colocando a luz sobre o feminino, firma também esta questão. Uma
outra de forma de a vermos é se pensarmos no fogo de Héstia, na
chama do feminino que arde no centro do lar.
Menandro afirma que “O verdadeiro escravo do lar é o seu
senhor” (Frag. 760 Kock: εἷς ἐστι δοῦλος οἰκίας ὁ δεσπότης). Ora o fogo
de Héstia/Vesta, ardendo no centro do lar, é a imagem quase
perfeita de um novilúnio no signo de Caranguejo e desta servidão.
Hoje este fogo arde sobre o Poente, mostrando, como uma palavra
que range no caminho (Marte en Virgem), que o fogo do feminino
continua eclipsado por um modo de ser, uma ponte corrompida
entre o carácter e o valor, que tende a rejeitar este fogo primordial.
O pensamento androcêntrico dos últimos séculos, ou
milénios, fez com que colocássemos nas “cadeiras de poder” (o
antigo trono de Ísis, da Terra) figuras masculinos. Zeus/Júpiter,
Ares/Marte ou Apolo são a imagem do poder ou da força, todavia,
Héstia/Vesta é a primogénita de Reia e Cronos/Saturno e tem um
lugar em todos os templos. Sem o fogo de Héstia, os deuses não
receberiam as suas oferendas.
22 Rodolfo Miguel de Figueiredo

O novilúnio de Julho, não só por ocorrer no signo de


Caranguejo, mas por todas as relações que entre os astros se
estabelecem, aprofunda o valor universal do feminino. Existem, em
termos políticos, económicos e sociais, todo um caminho por trilhar
no que ao feminino concerne, porém, em termos espirituais, a senda
tem sido frequentemente negligenciado ou desprezado.
Na espiritualidade contemporânea, o androcentrismo
continua a ser dominante, tocando ainda por vezes uma misoginia
patriarcal, totalmente antiquada e bolorenta. Existe, mesmo nos
meios mais esotéricos, uma grande resistência ao númen feminino
em harmonia plena com o masculino, e não um degrau abaixo. Não
precisamos de uma Mãe de Deus, mas sim de um Deus-Mãe.
A presença do Dragão da Lua no início do eixo Touro-
Escorpião, grau zero e minuto zero, marcando a sua despedida
deste eixo e o facto de no tema do novilúnio não existir nenhum
astro no quadrante da ascensão à culminação, excepto a Cauda
Draconis, assinala uma forma muito específica de significação de
Feminino sobre o Poente. O Destino está nas alturas, contudo, é a
memória do fim no cume da montanha. Esta não é uma cantiga de
júbilo, mas sim uma ode de inevitabilidade. Adrasteia diz-nos
apenas que o fio está tecido.
Os dois trígonos que se fundem nos elementos Água e Terra
adensam e aprofundam o sentido último de origem e o valor
universal do feminino. O Sol e a Lua em Caranguejo unem-se, desta
forma, a Saturno e a Neptuno em Peixes e à Cauda Draconis em
Escorpião. No trígono de Água, a significação assenta radicalmente
Reflexões Astrológicas 2023 23

na Necessidade ou no Destino como origem. No centro da


realidade, as Meras tecem o que foi, é e será. Por outro lado, mas
complementarmente, o trígono de Terra estrutura a realidade do
feminino na Natureza e no Humano. Neste elemento, unem-se
assim em trígono Júpiter, Úrano e a Caput Draconis em Touro,
Marte em Virgem e Plutão em Capricórnio.
O triângulo de Terra vai dizer-nos como a vida e a morte, a
criação e a destruição, são os meios através dos quais a Providência
se expressa. O destino funda essa passagem entre o que nasce e o
que morre, o que ascende e o que descende, o que surge e o que se
oculta. Um novilúnio em Caranguejo sobre o Ponto Poente revela,
com a voz de sibila, que a origem e o fim são uma e a mesma
realidade. Tudo se une pois em um no intelecto do mundo, na
Anima Mundi, e o Eterno Feminino é a matriz desse sentido.
Naturalmente, e de acordo com a beleza geométrica da
doutrina de aspectos, os dois triângulos de Água e Terra fazem com
que os astros que neles se enraízam se unam hexagonalmente.
Convém que se note, porém, que estas uniões resultam da doutrina
antiga de aspectos que segue o sistema de casa-signo ou signo
inteiro. Segundo esta, os aspectos são ao signo e não ao grau, a orbe
traduz-se, deste modo, nos conceitos de aplicação (συναφή) e
separação (ἀπορρόη). A Deusa Primeva, senhora da Necessidade,
da Vida e da Morte, surge portanto no centro destes dois triângulos
e deste grande hexágono.
Existe, todavia, um elemento disruptivo, uma vez que a
oposição da sizígia a Plutão tem um carácter mais destruturante do
24 Rodolfo Miguel de Figueiredo

que disruptivo. As quadraturas de Vénus e Mercúrio em Leão à


Caput Draconis, a Júpiter e a Úrano em Touro e dos primeiros à
Cauda Draconis em Escorpião revelam a tensão radical em torno
do valor de Destino, da Necessidade, e de como este pode colidir
com o exacerbamento do eu e com a soma de todas as vaidades. Se
a alma for nobre, se brilhar como o sol, o destino não se opõe à
identidade, mas se, pelo contrário, a alma beber do lago de Narciso,
os lotes que a Necessidade distribuir, vão tornar-se motivo de
revolta e contenda. Aquele que julga que o destino lhe furtou o
brilho, o reflexo, não pode nunca ser a luz que verdadeiramente é.
O novilúnio de Julho recentra, porém, a dinâmica nas águas
uterinas da realidade, no sentido profundo da origem e, neste lugar,
o espelho de Narciso estilhaça-se, pois na radicalidade última ele
ainda não existe. No ventre do mundo e da alma, está tudo
despojado, livre das amarras que o tempo, a realidade e a vaidade
tendem a forjar. O lugar da origem é um espaço matriarcal e o seu
tempo, a sua era, é a do Eterno Feminino, a do Espírito Santo.
2

Vénus Retrógrada

Lisboa, 02h33min, 23/07/2022

Vénus
Decanato: M ar te

T ermos : M arte

M onomoir ia: Sol


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Reflexões Astrológicas 2023 27

Retrogradação: Vénus em Leão

Vénus inicia a sua retrogradação no signo de Leão, no 29º grau


(28º36΄), estando Gémeos a marcar a hora para o tema de Lisboa e,
deste modo, na III, o lugar da Deusa, no decanato de Marte, nos
termos de Marte e na monomoiria do Sol. A retrogradação começa
assim, de noite, abaixo do horizonte e a cerca de quatro horas do pôr
-do-sol. Em 2023, o movimento em que Vénus nos concede a ilusão
de estar a recuar estender-se-á até 4 de Setembro, onde estará no 13º
grau (12º12΄), nos termos de Saturno. Existirá pois um caminho
retrotenso entre os termos de Marte e os de Saturno.
O amor trilhará a senda dos maléficos, o que, no tema, já está
assinalado na oposição entre Marte em Virgem e Saturno em Peixes.
Ora, no mesmo dia em que Vénus passará a directo, Júpiter passará a
retrógrado. Esta é também uma das principais razões para uma
análise mais atenta deste fenómeno astrológico. O caminho dos
benéficos será o de uma procura interna, ensimesmada, da dádiva,
das bênçãos que iluminam a vida e a morte, a criação e a destruição.
O movimento retrógrado tem uma significação muito própria.
Na Antiguidade, é considerado de forma particularmente nefasta.
Por exemplo, Doroteu afirma que os planetas retrógrados causam
dificuldade e infortúnio (Carmen Astrologicum, I, 6), já Paulo de Alexandria
diz-nos que os planetas quando estão a ocultar-se no Poente,
matutina ou vespertinamente, ou quando estão em declínio ou
29 Rodolfo Miguel de Figueiredo

retrógrados tornam-se fracos, desvantajosos e com influências


insignificantes (Introdução, capítulo 14).
No entanto, se considerarmos como matriz conceptual da
influência planetária os conceitos de δύναμις e de ἐνέργεια,
teremos de acrescentar também à significação dos movimentos
directos e retrógrados, seguindo uma inspiração aristotélica, as
qualidades de potencialidade e de actualidade ou actividade. Neste
sentido, a retrogradação não traduz a efectivação da influência
planetária, mas enraíza, por seu lado, a sua potencialidade. Existe
uma suspensão de um sentido activo, mas não uma ausência. Esta
visão não vai contrariar em absoluto as definições de Doroteu ou de
Paulo de Alexandria, mas também não vai condicionar a avaliação,
baseando-a apenas numa significação valorativa. O conceito de
potencialidade, ou até, em certas condições, de impotência, pode
permitir que se estabeleçam outras relações de sentido. Ora é face a
essa realidade que os contributos astro-mitológicos podem ser
enriquecedores.
As origens de Afrodite/Vénus são obscuras. A deusa
olímpica pode ter a sua origem em divindades do Próximo Oriente,
como Inanna, Ishtar ou Astarte, ou pode mesmo descender
directamente de antigas divindades neolíticas, presentes nos locais
dos seus grandes santuários como Pafo ou o Chipre, ou ainda no
santuário mais antigo de Ascalão. As raízes de sentido desta origem
vão fazer com que o sentido da Vénus astrológica possa não ser
apenas o tradicional e se expanda até à sua matriz primordial.
Segundo Hesíodo, na Teogonia, Afrodite nasceu da seguinte
Reflexões Astrológicas 2023 29

forma: “Os testículos, por sua vez, assim que cortados pelo aço/ e lançados
desde a terra firme ao mar de muitas vagas / foram levados pelo mar, por longo
tempo; à sua volta, uma branca/ espuma se libertou do órgão imortal e dela
surgiu uma / rapariga. Primeiro, foi em direcção aos divinos Citérios/ que ela
nadou, e de lá em seguida chegou ao Chipre rodeada de mar;/ aí aportou a bela
e celebrada deusa que, à sua volta,/ sob os seus pés ligeiros, fazia florescer o
solo, Afrodite/[a deusa nascida da espuma e Citereia de belo toucado]/ esse
é o nome que lhe deram deuses e homens, porque na espuma/ surgira, e ainda
Citereia, por ter aportado junto dos Citérios,/ e Ciprogeneia, por ter nascido
em Chipre rodeada de ondas,/ou ainda Filomedeia, porque surgida dos
testículos.” (188-200, trad. A. Elias Pinheiro & J. Ribeiro Ferreira. 2005: 50.

Lisboa: IN-CM).

A descrição de Hesíodo é aquela que determinou toda uma


tradição e vinculou a significação da Vénus astrológica, todavia,
numa leitura atenta, podemos observar com facilidade a
predominância de um paradigma patriarcal e androcêntrico na
génese mitológica de Afrodite. Esse paradigma levará, por exemplo,
a que Afrodite, para ascender ao Olimpo, tenha de se casar.
Hefesto/Vulcano, o deus da forja e da técnica é o escolhido, pois
para uma conservação da harmonia dos opostos não poderia ser
Ares/Marte. O casamento é aqui uma forma de misoginia, uma
tentativa de converter a deusa ao patriarcalismo e de tornar a sua
sensualidade submissa, voltada para o masculino.
A Afrodite olímpica é totalmente condicionada por essa
visão, todavia, como Jane Ellen Harrison diz, “As deusas matriarcais
reflectem a vida das mulheres, e não as mulheres a vida das deusas” (Prologomena
30 Rodolfo Miguel de Figueiredo

to the Study of Greek Religion, 262. Princeton, 1991 (1903): Princeton University

Press). Ora, seguindo essa premissa, as deusas seriam a Donzela


(Κόρη), a Noiva (Νύμφη), a Mãe (Μήτηρ) e a Avó (Μαῖα).
Harrison afirma, a respeito de Afrodite, que “Ela é Kore na sua
juventude eterna e radiante: Kore como Virgem ela não é. Ela é, por sua vez,
Nymphe, a Noiva, mas é a Noiva da velha ordem, ela nunca é a Esposa,
nem nunca tolera o laço conjugal permanente e patriarcal” (262). Porém,
Afrodite, não se vai tornar nem a Esposa, nem a Mãe, ela é a Noiva
e permanece a Donzela, porque, em certo sentido, continua a ser a
Senhora dos Animais Selvagens (Πότνια Θηρῶν) e do impulso
radical que leva à união sexual.
A razão deste papel assenta em dois aspectos: por um lado, a
virgindade não tinha a conotação que teve mais tarde, a Donzela era
aquela que não era a Mãe, era portanto o parto e não o falo que
mudava a sua condição, daí que existissem os banhos rituais (e.g.
Hera em Argos) que renovavam a “virgindade” das deusas; por
outro lado, a prostituição sagrada, presente nos cultos de Afrodite e
nos das deusas do Próxima Oriente que podem ter estado na sua
origem (sobretudo Ishtar e Astarte), revela a independência sexual
da deusa. Hesíodo, mesmo anulando esta herança, conserva certos
aspectos quando diz que “Seguiu-a, sem demora, Eros e acompanhou-a o
belo Desejo,/mal ela nasceu e se uniu à família dos deuses./ E, desde o início,
teve como competências e foi/ seu destino, entre os homens e dos deuses
imortais,/ as intimidades das meninas, os sorrisos, os enganos/ o prazer doce, o
amor, a meiguice.” (Teogonia, 201-206).
De um ponto de vista conceptual, Afrodite/Vénus, seja a
Reflexões Astrológicas 2023 31

deusa matriarcal e primordial ou a patriarcal e olímpica, firma o seu


poder, a sua influência, entre Himeros, o desejo, e Eros, o prazer, ou
seja, entre a origem e o fim da sua natureza divina de Grande
Deusa. Este elemento de passagem é fundamental para
compreender a Afrodite Pandêmia e a Afrodite Urânia e estabelecer
os sentidos profundos da Vénus astrológica, tanto nos seus
movimentos directo e retrógrado como no seu ciclo de 8 anos e na
sua fase helíaca. É nesta alternância de sentidos que temos de
analisar a fase actual. A retrogradação de Vénus pelo signo de Leão
vai trazer para a sua significação a Afrodite Pandêmia e a Afrodite
matriarcal. O poder de Leão trará então, como potencialidade
radical, a força de uma Vénus antiga.
No tema do início da retrogradação, existe um outro
elemento interpretativo que merece a nossa atenção. Vénus (28º O
36΄) encontra-se no ponto médio entre os luminares, ou seja, no
caminho ascendente da luz que se estende da Lua (27º V 50΄) ao Sol
(29º C 59΄), a deusa do amor encontra-se a meio caminho. Se
pensarmos que a Lua está com Marte e que Vénus está com
Mercúrio e junto ao Ponto Subterrâneo, compreendermos que a
necessidade de reavaliação do valor de Vénus, tal como o
anunciámos, está reafirmada. Existe, desta forma, uma dádiva por
compreender, um valor suspenso no tempo que pede uma renovada
actividade.
As relações de Vénus no tema são também significativas. A
conjunção com Mercúrio firma necessariamente a reflexão de que
temos falado, até porque, na fase final da retrogradação de Vénus,
32 Rodolfo Miguel de Figueiredo

Mercúrio iniciará o seu movimento retrógrado no signo de Virgem,


potenciando a exaltação tanto da sua actividade como da sua
potencialidade. Por outro lado, une-se triangularmente (Caput) e
hexagonalmente (Cauda) ao Dragão da Lua no eixo Carneiro-
Balança, no eixo da identidade.
Esta é uma relação que vai contrastar com a oposição entre os
maléficos, Marte em Virgem e Saturno em Peixes, considerando-se
que este último é o astro mais alto, pois se, por um lado, existe uma
tensão na consciência da parte e do todo, como se a força e o
tempo não encontrassem nem sentido, nem lugar, por outro lado,
existe uma necessidade visceral de encontrar a consciência de si
através da identidade.
A quadratura entre Vénus retrógrada em Leão e Júpiter e
Úrano em Touro destrutura o movimento da realidade. A união
quadrangular dos benéficos, seguindo a lição de Nechepso e
Petosíris, não tende a ser negativa, todavia, obriga a repensar o valor
da dádiva, a bênção do bem, da união da beleza à justiça, do amor à
verdade.
Este aspecto terá também nos tempos próximos uma
expressão que colocará em maior relevo as alterações climáticas, as
mudanças que afectam o planeta, aqui não tanto como a expressão
dos fenómenos naturais, mas sim como a expressão da humanidade,
das suas respostas. Será o desejo, a ânsia, de um bem maior que
poderá mudar o nosso futuro. Teremos de ver para além das nossas
necessidades primárias, das nossas vaidades.
Durante o período de retrogradação de Vénus, assistiremos às
Reflexões Astrológicas 2023 33

seguintes mudanças em termos astrológicos: o Sol transitará de


Leão para Virgem e Mercúrio também, iniciando depois a sua
própria retrogradação, e Marte passará de Virgem para Balança,
onde se unirá hexagonalmente à Vénus retrógrada.
As lições que, deste modo, podemos retirar é que a
compreensão da Vénus, neste caso no seu movimento retrógrado,
deve ser expandida para além das estruturas interpretativas mais
comuns e tradicionais. A mitologia e a análise astro-mitológica
podem ser um importante contributo para essa reformulação.
Existe uma Vénus por descobrir e a retrogradação é excelente
momento para a encontrar.
(Página deixada propositadamente em branco)
3

Lua Nova

Lisboa, 10h38min, 16/08/2022

Sol - Lua
Decanato: M ar te

T ermos : M er cúr io

M onomoir ia: M er cúrio


36 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 37

Lua Nova: Leão

A Lua Nova de Agosto ocorre no signo de Leão, estando


Balança a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na XI,
no Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων), no decanato de Marte, nos
termos e na monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se assim acima do
horizonte e cerca de quatro horas após o pôr-do-sol. Os luminares,
estando o Sol no seu próprio segmento, encontram-se num caminho
ascendente, onde a luz sobe e fita a culminação. Este é o novilúnio
que expressa o sentido da individualidade, em que o eu reconhece a
alma e a vê como luz. Se pensarmos no Thema Mundi, onde Leão e o
Sol ocupam a II, a origem da vida passa a ser o valor da vida, logo
um viver, um modo de vida. Ora esta é a transformação pela luz, a
revelação do mistério.
Na ordem vernal, Leão ocupa a V, a Boa Fortuna (ἀγαθή
τύχη), aquele lugar que diametralmente observa o espaço onde
agora se dá a sizígia, a XI, o Bom Espírito. Na V, a luz é a dádiva da
abundância. Se recordarmos os Trabalhos de Hércules, o herói para
vencer o Leão de Nemeia, para trazer o leão até si, tem tapar uma
das duas entradas da caverna, da gruta, onde o animal vivia. A gruta
é naturalmente um lugar, um símbolo, de Caranguejo, da Lua, da
origem, já as duas entradas são os lugares onde o Sol nasce e se põe.
Para vencer o leão, Hércules terá pois de trazer a luz até si, ou seja,
para que a luz viva no humano, terá de se extinguir no animal. Esta é
38 Rodolfo Miguel de Figueiredo

elevação que pede o signo de Leão.


É um erro pensar-se a mimésis astrológica, zodiacal e
planetária, apenas na finalidade do seu sentido. No tiro de arco e
flecha, são maiores as possibilidades de falhar o alvo do que acertar.
Os sentidos astrológicos espalham-se assim mais pelas suas
possibilidades do que na sua finalidade. Desta análise ou conclusão,
extrai-se, como consequência, o cuidado em avaliar-se, pessoal ou
mundanamente, um sentido astrológico na sua finalidade. É preciso,
como metodologia existencial, domar as possibilidades, do bem e
do mal, para alcançar a finalidade. Em Leão, mais do que em
qualquer outro signo, para se alcançar essa luz é preciso domar as
vaidades e vencer as paixões.
Séneca, nas Cartas a Lucílio, descreve-nos este caminho da luz
até nós, do reconhecimento da divindade que habita em nós,
quando diz que “Os deuses não nos desprezam nem invejam, antes nos
admitem à sua presença e nos estendem a mão para ajudar-nos a subir!
Admiras-te que um homem possa ascender à presença dos deuses? A divindade
é que vem até junto dos homens e mesmo, para lhes ficar mais próxima, penetra
até ao interior dos homens, pois sem a presença divina não é possível existir a
virtude! As sementes divinas existem dispersas no corpo humano: se foram
tratadas por quem as saiba cultivar, elas crescerão à semelhança da sua origem,
desenvolver-se-ão em plano idêntico ao da divindade de que provieram; mas se
caírem nas mãos de um mau cultivador então este, tal como um terreno estéril e
pantanoso, matá-las-á, produzindo ervas daninhas em vez de
searas.” (Ep.73.15-16; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos.
Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian). O Bom Espírito, o δαίμων,
Reflexões Astrológicas 2023 39

é agora o lugar de passagem onde a sizígia acontece, onde a luz pede


caminho e o divino se vislumbra.
É, nesse mesmo sentido, que Marco Aurélio afirma o
seguinte: “O meu guia interior não se perturba a si mesmo; quero dizer,
nenhuma paixão o altera. (…) O guia interior, por si, de nada necessita, a
menos que a si mesmo dite uma necessidade; por isso nada o pode perturbar nem
entravar, se ele mesmo se não apoquenta e embaraça.” (Pensamentos VII, 16, trad.
J. Maia, Lisboa, Relógio D’Água, 1995). Esse guia é τὸ ἡγεμονικόν, mas
podia também ser o δαίμων, um conceito tão caro à astrologia
helenística.
O sentido profundo da luz é, primeiramente, o do
reconhecimento de si e, de seguida, o da mediação divina. A luz é o
elemento de passagem, de integração da divindade na
individualidade. Este é o caminho que se inicia em Leão. Marco
Aurélio dá-nos a chave para essa rejeição da vaidade e das paixões
leoninas, para a anulação de tudo o que impede a vitória do herói
sobre o leão que atormentava as gentes. O imperador romano diz-
nos que “Dentro de pouco te esquecerás de tudo; dentro de pouco todos te
esquecerão.” (VII, 21).
A ordem do tempo é a derradeira forma de conflagração das
vaidades e das paixões. Nesse sentido, o Dragão da Lua consume a
luz, eclipsando-o. Este aviso que, em qualquer tema astrológico,
coloca o peso do tempo, do destino e da necessidade sobre a luz,
sobre o seu potencial ou acção. Na disposição actual, sobre o eixo
Carneiro-Balança, terá uma acção de anulação da identidade, dos
seus excessos, da sua desmedida. Ora esta é particularmente
40 Rodolfo Miguel de Figueiredo

expressiva no novilúnio de Leão, com o eixo nodal sobre o


horizonte, estendendo-se de Balança a Carneiro, do orto ao poente.
Note-se também que o regente de Balança é Vénus, o planeta que
apanha retrogradamente a sizígia.
A Cauda Draconis em Balança consome a procura de
harmonia, de equilíbrio dos contrários, diminuindo o seu potencial,
já a Caput Draconis em Carneiro pede o nascimento de um novo
eu, uma renovação da identidade sob a égide da Necessidade. Este
aspecto encontra também um sentido que concederá valor ao lugar
que, durante a viagem do Dragão da Lua por este eixo, consumirá a
luz. Nos signos de Caranguejo e Capricórnio, a 90 graus da Caput e
da Cauda, e segundo a lição dos astrólogos antigos, será o lugar
onde a luz se extingue, ora é para um desses lugares que os
luminares se encaminham, subindo até ao Ponto de Culminação em
Caranguejo. A rejeição da origem devora a luz, a mesma que dela
surgiu.
No novilúnio, o caminho luminar, a via ascendente, estende-
se assim desde Marte em Virgem, o maléfico fora do seu segmento
e cujo mal está exacerbado, até à Vénus Retrógrada em Leão.
Encontramos também aqui uma senda onde a luz luta, combate,
contra a desarmonia dos opostos, a desagregação dos contrários.
Porém, o Dragão da Lua concede ainda a bênção de um bom
aspecto (trígono à Caput e sextil à Cauda), permitindo que o mal
anterior seja colocado em contexto, interiorizado pela aceitação do
destino. Com a retrogradação, o amor é potência, a palavra
sussurrada que deseja unir, mas ainda não une, e a força traz agora
Reflexões Astrológicas 2023 41

aspereza à palavra (conjunção de Marte e Mercúrio em Virgem), a


voz torna-se cruel, fere e desune, assombrada pelo peso da
Necessidade e a suspensão da empatia, Saturno Retrógrado em
Peixes, conjunto a Neptuno, também ele retrógrado.
Embora os seus raios não incidam directamente sobre a
sizígia, o olhar de frente dos maléficos continua a afectar os nossos
dias. Até Marte avançar para Balança (27 de Agosto), onde verá os
seus raios amenizados pelo exílio, existirá este choque, esta colisão
desagregadora, entre as partes e o todo. De uma outra forma, a
quadratura entre os luminares e a Vénus em Leão e Júpiter e Úrano
em Touro, estando estes dois últimos no lugar da morte, da
qualidade da morte, continua a ser um indicador do perigo real que
o nosso planeta enfrenta.
As alterações climáticas, agora potenciadas pelo calor e pelo
fogo (Leão), são cada vez mais evidentes e as suas consequências
irreversíveis. O sextil de Júpiter e Úrano em Touro a Saturno e
Neptuno em Peixes traz consigo um outro lado: as cheias, o degelo,
as inundações e a pressão sobre barragens que afectam outros
pontos do mundo. Paralelamente, a posição de Júpiter e Úrano em
Touro em trígono a Plutão em Capricórnio e a Mercúrio e Marte
em Virgem coloca na urdidura do tear do destino tudo aquilo que o
elemento terra produz.
De um lado, temos a Mãe Terra e as suas dádivas, temos um
modo de vida que alternativamente se cria, sustentável e com maior
ligação à terra, mas, do outro lado, temos o capitalismo selvagem e
o consumismo desenfreado. Ora as actuais posições planetárias
42 Rodolfo Miguel de Figueiredo

pedem que exista um esforço, mas também um imperativo, de rever


todas as estruturas materiais e sobretudo os conceitos de valor e de
justiça social.
A especulação imobiliária é, por exemplo, uma perversão do
elemento terra, influenciada aqui pelo outro elemento estruturante,
o ar. Quando a terra quer ser ar, ou vice-versa, cria-se um
desequilíbrio, uma discórdia. É preciso encontrar em cada elemento
o seu valor. A Harmonia é uma lição que nasce por vontade, que se
cria em sabedoria, mas sempre a partir do amor e do tempo.
O sextil de Saturno e Neptuno em Peixes a Plutão em
Capricórnio, bem como a quadratura deste último ao Dragão da
Lua, está a conduzir-nos, quer por nossa iniciativa, quer pela força
dolorosa da necessidade, a um profundo processo de
transformação. A humanidade está entre o abismo e a montanha. A
morte saiu à rua e, por onde quer que ande, não é reconhecida.
Quando o humano não reconhece a morte, esquecendo-se
que também ele terá de morrer e de que a vida e a morte correm no
mesmo rio, existe uma rejeição disruptiva do tempo e da
necessidade e semeia-se a discórdia entre o humano e o divino,
entre o humano e a Mãe Terra, entre os humanos, entre a natureza.
É a consciência da nossa humanidade que permite a integração do
humano, o reconhecimento da simpatia universal que une a alma
humana à Alma do Mundo, o microcosmos ao macrocosmos.
O novilúnio de Leão, face à actual conjuntura astrológica,
mundial e humana, mas também à natureza do próprio signo,
obriga-nos a repensar o sentido da luz e o seu valor entre a nobreza
Reflexões Astrológicas 2023 43

da alma e a soma de todas as vaidades. Entre a luz e a sombra,


podemos ser quem verdadeiramente somos ou aquilo que, por erro,
ilusão e ignorância ou por mera vontade, nos tornámos. A nobreza
de Leão e do seu novilúnio passa necessariamente pelo
reconhecimento da luz em nós.
(Página deixada propositadamente em branco)
4

Júpiter Retrógrado

Lisboa, 15h11min, 04/09/2023

Júpiter
Decanato: L ua

T ermos : J úpiter

M onomoir ia: M er cúrio


46 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 47

Retrogradação: Júpiter em Touro

Júpiter inicia a sua retrogradação no signo de Touro, no 16º


grau (15º34΄), estando Sagitário a marcar a hora para o tema de
Lisboa e, deste modo, na VI, o lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη),
no decanato da Lua, nos termos de Júpiter e na monomoiria do
Mercúrio. A retrogradação começa assim de dia, abaixo do horizonte
e depois do Sol passar a culminação. Em 2023, o movimento em que
Júpiter nos concede a ilusão de estar a recuar estender-se-á até 31 de
Dezembro, onde estará no 6º grau (5º34΄), nos termos de Vénus.
Existirá pois um caminho de reintegração do potencial do bem entre
os termos de Júpiter e os de Vénus, oposto ao que se assistiu na
retrogradação de Vénus, quando o caminho se estendia entre os
maléficos.
A ligação entre os benéficos torna-se particularmente
expressiva se pensarmos que a retrogradação de Vénus termina
quando vai começar a de Júpiter. A potencialidade do bem afirma-se
durante todo este período com uma qualidade reflexiva, um meio de
efectivação futura. Por outro lado, existe no fenómeno astrológico
de retrogradação uma certa forma de negação da acção planetária.
Ora é neste sentido que Hermann Melville, em Bartleby, o Escrivão
(1853), expressou uma categoria filosófica que pode também ser
entendida como um modo último de vida. A impotência, a não-
potência, o acto de contrariar a acção impõe-se como possibilidade,
48 Rodolfo Miguel de Figueiredo

como uma permanência na possibilidade. O dizer “Prefiro não o


fazer” é o baluarte supremo da resistência, revelando que pode, mas
prefere não o fazer.
Existe aqui uma deliberação, uma escolha, que, embora
impeça o acto, a realização, não deixa de ser activa. No entanto,
para a astrologia, a retrogradação vai fixar-se entre a potencialidade,
a impotência e a não-potência, não tanto por liberdade ou negação,
mas por ser uma condição sine qua non, um meio através do qual a
criação e a acção geram as suas raízes.
Este processo de enraizamento contempla necessariamente a
condição nefasta ou desvantajosa, descrita por Doroteu (Carmen
Astrologicum, I, 6) ou por Paulo de Alexandria (Introdução, capítulo 14), sem
perder, todavia, o carácter de semente. Por exemplo, Hades/Plutão
é tanto o deus do submundo, dos mortos, como o deus da
abundância, pois é sob a terra que a semente germina, ou não. Na
retrogradação de Vénus e Júpiter, temos de considerar, desta forma,
o enraizamento do bem e da justiça e, enquanto semente, o seu
potencial de dádiva ou bênção. Esta terá de ser, neste caso, a matriz
dos conceitos de δύναμις e de ἐνέργεια quando aplicados à
astrologia.
O sentido da retrogradação de Júpiter pode ser apreendido, à
semelhança do que fizemos com Vénus, por uma análise astro-
mitológica. A passagem de Júpiter pelo signo de Touro está
intimamente associado ao Zeus cretense e à sua submissão à
Grande Mãe, à deusa Reia. Seguindo essa interpretação, a
retrogradação de Júpiter em Touro pode ligar-se, na teogonia
Reflexões Astrológicas 2023 49

cretense, ao momento em que os Curetes, os jovens guerreiros,


dançam e brandem os seus escudos em redor de Zeus recém-
nascido, para que o choro do jovem deus seja abafado e
imperceptível para Cronos/Saturno, o pai reinante que devorava os
próprios filhos. A acção dos Curetes é um acto iniciático, um que
guarda o potencial de Zeus.
Por outro lado, é a forma como Zeus se torna senhor do
Olimpo, como adquire os seus poderes (potencialidades), que
melhor descreve e define a retrogradação de Júpiter. O grande
benéfico, seguindo as tradições matriarcais e matrilineares, embora
algo corrompidas pela literatura já androcêntrica, herda os seus
poderes de divindades femininas.
Em termos astrológicos, este aspecto justifica, por exemplo, o
facto de Caranguejo ser o lugar de exaltação de Júpiter. A misoginia,
deliberada ou meramente ignorante, que ainda persiste em muita
interpretação astrológica pode ficar um pouco arrepiada, mas a
leitura astro-mitológica comprova esta raiz de sentido. As uniões de
Zeus com outras divindades femininas são a forma de este adquirir
os seus poderes.
Ora é seguindo essa tradição mitológica que Hesíodo afirma o
seguinte: “Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis,/ a que mais
sabe sobre os deuses e os homens mortais./ Mas, quando ela estava prestes a
dar à luz a deusa Atena de olhos garços,/nessa altura, ele enganou o seu
espírito,/com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre,/ por conselho da
Terra e do Céu coberto de estrelas./ Ambos o aconselharam assim, para que o
poder régio/ não pertencesse a nenhum outro dos deuses que vivem sempre, senão
50 Rodolfo Miguel de Figueiredo

a Zeus./ Porque estava predestinado que dela nascessem filhos muito


inteligentes:/ a primeira, a filha de olhos garços, a Tritogéneia,/ detentora de
força e de uma sábia vontade igual à do pai;/ depois, seria a vez de um filho, rei
dos deuses e dos homens,/ que ela daria à luz, um filho de coração soberbo./
Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre,/ para que a deusa lhe pudesse
aconselhar o que é bom e o que é mau.” (886-900, trad. A. Elias Pinheiro & J.

Ribeiro Ferreira. 2005: 74. Lisboa: IN-CM). Depois de Gaia e Reia, Métis é
a primeira a permitir a hegemonia de Zeus/Júpiter. Na verdade,
Atena nasce posteriormente com a condição de filha sem mãe,
anulando o poder matrilinear. Este aspecto determina a forma
como Zeus/Júpiter adquire o seu poder através de uma eliminação
do poder feminino.
A sua segunda esposa é Témis, a mãe das Horas e das Moiras.
Esta concede ao deus o poder da justiça que, com o intelecto de
Métis, vai estabelecer a sua omnisciência. Depois segue-se
Eurínome, com quem teve as Graças e que, segundo a teogonia
pelasga, foi a primeira a reinar no Olimpo, num tempo anterior ao
de Cronos e de Zeus. Com Mnemósine tem as Musas, com
Deméter, Perséfone, e com Latona, Apolo e Ártemis.
Os poderes da memória e poderes sobre a terra, o sol e a lua
são adquiridos assim através destas deusas e passados para a sua
prole. A sua última esposa, aquela que ficou mais marcada na
tradição e mais adulterada pela misoginia dos tempos, é Hera, com
quem terá tido Hebe, Ares e Ilitia. Hera era uma grande deusa,
adorada em Argos, em Samos e na Argólida e venerada em Olímpia
antes do próprio Zeus, mas que a tradição descreve apenas como a
Reflexões Astrológicas 2023 51

esposa ciumenta e vingativa.


A passagem do poder, das potencialidades radicais, das
antigas divindades femininas para Zeus firma astrologicamente esse
movimento que vai da retrogradação ao estado directo. Em 2023,
retrogradação acontece não de forma isolada, mas como um acorde
da música das esferas. Primeiro, inicia-se após a retrogradação de
Vénus. Quando esta começou, Gémeos marcava a hora (tema de
Lisboa) e agora quando Júpiter nos ilude com o seu retrocesso, é
Sagitário que marca a hora. O eixo do conhecimento e da sabedoria
fundam a interiorização da dádiva do bem. Paralelamente, a
retrogradação de Júpiter inicia-se com cinco planetas retrógrados
(Mercúrio, Saturno, Úrano, Neptuno e Plutão), acentuando-se assim
a já descrita qualidade do estádio.
No período em que Júpiter estará retrógrado, ou seja, de 4 de
Setembro a 31 de Dezembro de 2023, devemos destacar os
seguintes movimentos planetários: Mercúrio avançará de Virgem até
Carneiro, estando retrógrado de 23 de Agosto a 15 de Setembro e
de 13 de Dezembro a 2 de Janeiro de 2024, aqui já para além do
período indicado; Vénus passará pelos signos de Leão a Sagitário;
Marte transitará pelos signos de Balança, Escorpião e Sagitário;
Saturno em Peixes ficará directo a 4 de Novembro; Neptuno
também em Peixes passará a directo a 6 de Dezembro; e Plutão em
Capricórnio terminará a retrogradação a 11 de Outubro, preparando
agora o seu derradeiro périplo por esta constelação. Por fim, é
preciso destacar o eclipse solar a 14 de Outubro e o eclipse lunar a
28 de Outubro. Estes são uma parte dos acordes celestes que nos
52 Rodolfo Miguel de Figueiredo

acompanharão nos próximos tempos.


O tema do início da retrogradação Júpiter é também um
importante meio de análise do período que agora se inicia.
Primeiramente é preciso considerar aqueles que estão co-presentes.
Neste caso, Júpiter faz-se acompanhar pela Lua e por Úrano e,
estando entre eles, firma-se um caminho de luz que se afunda sob o
horizonte de Úrano à Lua. Esta é deveras importante, pois Touro é
o seu lugar de exaltação. Aqui a Lua é Métis e todas as outras deusas
que deram os poderes a Zeus. O caminho luminar agora descrito
assinala também a ascensão de Zeus, pois começa com a castração
de Úrano e subida de seu pai, Cronos/Saturno, ao trono do Olimpo
e estende-se até às uniões com as deusas antigas e que permitiram a
assimilação dos seus poderes.
Por outro lado, a quadratura que se estabelece entre os
benéficos é bastante significativa, senão mesmo estruturante e, por
se dar em signos cardinais, vai fundar os movimentos colectivos e
pessoais de integração dos conceitos ou ideias de verdade, de bem e
de justiça. Por se estar a falar de Júpiter, os princípios vão adquirir
um valor espacial e, por confirmação ou negação, vão espalhar-se
ou afastar-se de tudo aquilo que nos rodeia.
Se pensarmos que a retrogradação de Vénus terminou quando
a de Júpiter começou, esta quadratura vê expandido o seu sentido
profundo, aquele que, segundo Petosíris, nos diz que uma tensão
quadrangular entre os benéficos não é necessariamente má. Uma
tensão do bem não cria o mal. No entanto, devemos considerar
sempre o seu valor reflexivo e estruturante. Vénus em Leão, no
Reflexões Astrológicas 2023 53

lugar de deus (IX), vem dizer-nos que a nobreza da alma pode


triunfar sobre a má fortuna ou a suspensão da fortuna (Júpiter
retrógrado em Touro, na VI), mas o egocentrismo e a vaidade não
triunfarão.
A posição de Júpiter em Touro, com a Lua e Úrano, insere-se
num triângulo, fundado no elemento Terra, com o Sol e Mercúrio
retrógrado em Virgem e com Plutão retrógrado em Capricórnio. A
retrogradação tem o sentido que já abordámos. O potencial do
valor da Terra, como elemento de estruturação da realidade, assume
agora um sentido mais profundo, tanto pela sua expressão mais
negativa, e que é observável nas várias formas de alienação que as
estruturas materiais de valor produzem, como por tudo aquilo que
ainda se pode produzir e que pode transformar beneficamente a
humanidade.
Esta posição triangular traz o destino para a integração do
elemento Terra. Para a humanidade, é difícil criar estruturas
colectivas, fundadas no elemento Terra, pois a partilha de riqueza, a
igualdade, a solidariedade e a justiça social têm sempre uma
qualquer forma de resistência. Se as considerarmos a partir dos
elementos Água, Ar ou Fogo, como sentimentos, ideias ou
princípios espirituais, é mais fácil, mas quando mexe com a carteira
ou o estilo de vida, aí é que as coisas se complicam.
O sextil de Júpiter, da Lua e de Úrano em Touro a Saturno e
Neptuno em Peixes e destes últimos a Plutão em Capricórnio vai
obrigar a fluir, esses dons ou penas da Terra, por entre os sentidos
de necessidade e de solidariedade, nas águas universais. Estes
54 Rodolfo Miguel de Figueiredo

aspectos vão servir de fundação da realidade, de restruturação a


partir de valores antigos, de ideias que foram desenvolvidas, mas
que aguardam uma expressão renovada. A oposição do Sol e
Mercúrio retrógrado em Virgem a Saturno e Neptuno, ambos
retrógrados, em Peixes aponta para esse caminho.
Existem dois exemplos que servem esse propósito de
recriação conceptual. De um lado, temos o hermetismo e o
gnosticismo e, do outro, temos o estoicismo. Estes movimentos
filosóficos e espirituais trazem assim para o nosso tempo uma
expressão renovada e, na verdade, são todos muito próximos da
astrologia, sendo até as suas maiores matrizes filosóficas.
A retrogradação de Júpiter que domina sempre uma parte
considerável do ano astrológico é um período fértil em
oportunidades, mesmo que nem sempre de forma explícita. É
preciso encontrar os dons da verdade, do bem e da justiça nesse
processo necessário de ensimesmamento individual e colectivo.
Não devemos portanto temer o voltar a si, esse retorno ao
potencial, à raiz, da nossa existência.
5

Lua Nova

Lisboa, 02h39min, 15/09/2023

Sol - Lua
Decanato: M er cúrio

T ermos : M arte

M onomoir ia: M er cúrio


56 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 57

Lua Nova: Virgem

A Lua Nova de Setembro ocorre no signo de Virgem, estando


Caranguejo a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na
III, no lugar da Deusa, no decanato de Mercúrio, nos termos de
Marte e na monomoiria de Mercúrio. A sizígia dá-se pois abaixo do
horizonte e a cerca de quatro horas e meia do pôr-do-sol. Os
luminares, estando a Lua no seu próprio segmento, embora
submersa, encontram-se num caminho de ascensão, rumo ao lugar
de origem. Esse efeito matriz é expresso pelo facto da distribuição
tópica de lugares ou casas ser a mesma do Thema Mundi, ou seja, com
Caranguejo a marcar a hora. A disposição torna-se particularmente
significativa se tivermos em consideração que a luz da sizígia emana
de um lugar que lhe natural.
Segundo o Thema Mundi, o Eterno Feminino expressa, no eixo
de Virgem-Peixes, o seu valor de númen primordial de
transformação, mas de também de revolução. Este eixo, porque na
ordem Vernal indica o meio e o fim e na ordem do Thema Mundi o
lugar da Deusa e do Deus, vai apresentar o sentido profundo da
parte e do todo. Esse é um mistério iniciático que permite a
revelação ou a interiorização dos desígnios da Necessidade, da
Fortuna. A compreensão da parte, ou seja, do lote ou do quinhão do
destino, do pequeno fio que cinge o caminho na urdidura da Grande
Tecedeira, é algo que podemos encontrar no signo de Virgem.
58 Rodolfo Miguel de Figueiredo

Toda a parte passa, em Virgem, por um processo de distinção


que só será estabilizado em Peixes, com a integração no todo. Ora é
neste lugar que Mercúrio encontra o seu domicílio e exaltação,
pedindo portanto esse esforço de análise ou compreensão. Da lição
de Hermes Trismegisto, isto é, do lugar da Deusa, o de Virgem,
podemos elevar-nos até ao lugar do Deus, onde os benéficos,
Júpiter e Vénus, expressam a sua luz. Em Peixes, a visão do todo
vai permitir o regresso da Deusa Mãe e a harmonia dos opostos.
Esta é a sibila do tempo, cantando a madrugada futura. A luz
de uma sizígia em Virgem, no lugar da Deusa, escreve esse
potencial, guardando a candeia que se erguerá. No entanto, o
esforço de compreensão da parte não é fácil. Cada lote emanado
pelas Meras representa um desafio. Ele surge pois como um
enigma, uma suspensão da realidade, do todo, de modo a tornar
possível a sua distinção face aos demais.
Plutarco, no livro A Fortuna ou a Virtude de Alexandre Magno,
fala-nos desta dificuldade, quando diz que “Devemos dizer, então, que a
Fortuna faz os homens pequenos, medrosos e mesquinhos? Mas não é justo ligar
o vício à má sorte, nem a coragem e a sabedoria à boa sorte. Muito, ao invés,
teve a Fortuna a ganhar no reinado de Alexandre, porque então ela foi
prestigiosa, invencível, magnânima, moderada e humana; pois, mal que ele
morreu, logo Leóstenes disse que as suas forças, nas suas errâncias até à
exaustão, se assemelhavam ao Ciclope que, depois de ter ficado cego, estendia
suas mãos para tudo sem nenhuma meta: do mesmo modo o grande império
agitava-se no vazio e desabava por causa da anarquia.” ( 336E-F, ed. R.
Marques Liparotti, 90. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017 ).
Reflexões Astrológicas 2023 59

A distinção do sentido de cada lote conduz-nos necessariamente a


este esforço de compreensão, daí que, por exemplo, os lotes
astrológicos tenham uma importância vital em todo o sistema
helenístico. São a mimésis deste sentido primordial.
O filósofo platónico continua essa ideia, afirmando que
“Assim como os artistas inábeis, colocando grandes bases sob pequenas estátuas
votivas, lhes expõem a insignificância, também a Fortuna, de cada vez que eleva
um ânimo medíocre por actos de peso e notoriedade, o que faz é desnudá-lo e
desonrá-lo mais explicitamente, por causa dos erros e da vacilação gerados pela
sua leviandade. A grandeza consiste, portanto, não na posse, mas no uso dos
bens, já que até as crianças herdam reinos e poderes paternos, como Carilau, que
Licurgo levou de fraldas a um convívio público e proclamou, em sua vez, rei de
Esparta.” (337 C-D, ed. R. Marques Liparotti, 92).
Se, de acordo com os dons de Hermes, se compreender,
separando e distinguindo, os fios que o destino teceu, então a
Vénus Celestial, exaltada em Peixes, poderá surgir como revelação.
Essa é, de certa forma, a mensagem do Livro XI de O Burro de Ouro
de Apuleio, quando a deusa Ísis surge como a salvadora de Lúcio,
metamorfoseado em burro e sujeito às vicissitudes da Fortuna.
Compreendida a parte, o todo ilumina-se.
A sizígia de Setembro insere-se, primeiramente, num caminho
ascendente de luz que se estende do próprio encontro dos
luminares até Mercúrio retrógrado, o único planeta nesta condição
abaixo do horizonte. Este caminho indica, porém, uma certa
dificuldade de passar a mensagem de Virgem, de compreender,
distinguindo, cada lote do destino. Paralelamente, este caminho
60 Rodolfo Miguel de Figueiredo

insere-se numa via mais extensa que vai de Marte em Balança, junto
ao Ponto Subterrâneo até à Vénus em Leão. Nesta senda, a
harmonia dos opostos vê reforçada o seu imperativo escatológico
de via salvífica de união entre o Deus e a Deusa, entre o Sol e a Lua.
A retrogradação de Mercúrio apresenta, deste modo, uma
certa resistência em interiorizar-se a mensagem do Eterno
Feminino. Esta não é, todavia, uma novidade. Nas últimas décadas,
quando se assistiu a uma expressão dinâmica da mensagem de um
Divino Feminino, independentemente da sua forma, existiu sempre
um qualquer tipo de resistência, ora mais académico, ora menos.
Marte, no seu exílio em Balança, evidencia essa permanência, essa
acção disruptiva, que suspende ou enfraquece a força
transformativa da Mãe Divina.
Já com uma outra manifestação, agora acima do horizonte,
todos os planetas estão retrógrados (Úrano, Júpiter, Neptuno,
Saturno e Plutão) e, num caminho de escalada pela montanha do
céu, qual Monte Ida, ou seja, do Ascendente à Culminação, Júpiter é
o astro mais alto. A mensagem do grande benéfico é aquela que já
abordámos na reflexão acerca da sua actual retrogradação. No
entanto, no tema do novilúnio de Virgem, Júpiter retrógrado em
Touro firma-se no lugar do Bom Espírito (ἀγαθόν δαίμων),
corroborando aqui o sentido profundo da compreensão de um lote
ou parte do destino, pois o termo δαίμων é tanto o espírito como
o destino, como ainda a divindade. A terminologia astrológica
antiga é fértil e revela a especificidade do sistema helenístico,
justificando-se assim a sua continuidade e o seu estudo.
Reflexões Astrológicas 2023 61

Esta extensão espacial de planetas retrógrados acima do


horizonte encerra ainda uma significação suplementar. Estes
alongam-se triangularmente pelo céu, desde Úrano e Júpiter em
Touro até Plutão em Capricórnio, junto ao Poente. Existe aqui uma
senda da vida à morte, consolidando-se assim o bem da vida e o
poder da morte, o modo de vida e a finalidade. Este trígono forma
com a sizígia e Mercúrio em Virgem um Grande Triângulo de
Terra, um que pede, pela força da retrogradação, uma reformulação
das estruturas de valor. Dada a proximidade astro-mitológica de
Virgem, e não Balança, à deusa da Justiça (cf. Figueiredo, R. M. de, 2021,
Fragmentos Astrológicos, 143-6), esta renovação axiológica exige que se faça
dos bens uma virtude, ou seja, em si mesmos, os bens do mundo
não valem nada, servem apenas de meio para a natureza humana se
expressar e para a humanidade ter uma vida melhor. A necessidade
conduz-nos, seja por lição ou retribuição, a essa mudança de
paradigma.
A relação do Grande Triângulo de Terra com o elemento
Água é igualmente significativa, pois temos, por um lado, a
oposição de Saturno e Neptuno em Peixes à sizígia e a Mercúrio em
Virgem e, por outro, os dois sextis dos primeiros tanto a Júpiter e a
Úrano em Touro como a Plutão em Capricórnio. Esta é a seta do
destino que refunda a força da Necessidade na possibilidade de se
criar uma liberdade de ser. Estes aspectos, conjuntamente ao
sentido profundo do eixo Virgem-Peixes, vão colocar diante da
percepção humana a compreensão daquilo que se julga ser a
dicotomia entre determinismo e livre-arbítrio. Segundo o espírito da
62 Rodolfo Miguel de Figueiredo

astrologia helenística, influenciada pelo estoicismo, pelo platonismo


e pelo pitagorismo, os fios da Meras tecem os acontecimentos, mas
não o nosso modo de ser e estar.
Nesse sentido, a astrologia antiga, ou a sua herança para uma
prática contemporâneo, não pode dizer que indica tendências ou
possibilidades. O destino não muda, o que muda é a percepção de
nós mesmos e do mundo. É um tema complicado, mas Saturno em
Peixes vem colocar a Necessidade num sentido renovado de
totalidade. No entanto, para que isso aconteça, e essa é a mensagem
da oposição, é necessário a compreensão de cada lote ou quinhão
do destino, ou seja, seguindo a máximo de Santo Agostinho é
preciso crer para compreender e compreender para crer.
O Dragão da Lua vem fortalecer o sentido profundo da
Necessidade. Sobre o eixo Carneiro-Balança, a identidade, criando
um elemento significativo de passagem entre a dualidade (Balança) e
a unidade (Carneiro), terá de sair renascida, não por via da ilusão da
alteridade, mas porque o peso do destino firma a consciência num
ensimesmamento esclarecido. Na Cauda Draconis em Balança, a
sombra do destino testará o humano e, na Caput Draconis em
Carneiro, a luz da providência renovará a sua acção.
Esta é uma mensagem importante sobretudo se tivermos em
conta que se aproxima a segunda época de eclipses de 2023 (Eclipse
Solar a 14 de Outubro e Eclipse Lunar a 28 de Outubro). O peso da
sombra do destino está agora mais denso pelo facto de Marte está
co-presente à Cauda Draconis em Balança. A debilidade de Marte
em Balança e a gravidade da cauda do Dragão da Lua vão trazer
Reflexões Astrológicas 2023 63

consigo a inevitabilidade dos acontecimentos e se considerarmos,


por exemplo, a quadratura destes a Plutão em Capricórnio, o sismo
de Marrocos e a erupção do Kilauea encontrarão um sentido
astrológico.
Já a Vénus em Leão continua, agora no seu movimento
directo, o significado que já explorámos anteriormente, dando a
nobreza da alma ao desejo e às ligações. A sua união ao Dragão da
Lua, por trígono à Caput e sextil à Cauda, vai fazer com que, rumo
a um bem maior, o destino consuma a vaidade. Na verdade, a
quadratura entre os benéficos fortalece esse imperativo: a
universalidade do bem como tensão criadora. Já o sextil de Vénus
em Leão a Marte em Balança recupera aquilo que já dissemos acerca
do caminho ascendente de luz onde se insere o actual novilúnio.
A Lua Nova de Virgem pede, em suma, esse esforço de
compreensão dos desígnios da Fortuna, inserindo na razão de um
todo cada parte do destino.
(Página deixada propositadamente em branco)
6

Eclipse Solar Anular

Lisboa, 18h59min, 14/10/2023

Sol - Lua
Decanato: Vénus

T ermos : Saturno

M onomoir ia: Sol


66 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 67

Eclipse Solar Anular: Lua Nova em Balança

O Eclipse Solar Anular de 14 de Outubro ocorre no signo de


Balança, com Carneiro a marcar a hora, no Segmento de Luz
(αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do horizonte, na VII,
junto ao Poente (δύσις), e cerca de cinco minutos após o ocaso
(hora de Lisboa), no decanato de Vénus, termos de Saturno e na
monomoiria do Sol. O sentido de sombra e ocultação ganha assim um
valor reforçado. O eclipse e o poente partilham o carácter de lugar
ou momento de escuridão. A luz é ferida pela dicotomia da sua
própria natureza e, sendo Saturno, o Sol da Noite - como designaram
os babilónicos -, o regente de Balança, este eclipse adquire pois essa
significação profunda.
Neste eclipse, mais do que nos últimos e talvez mais do nos
próximos, o Dragão da Lua cingirá por completo a luz, o Sol, não
por ser um eclipse com uma sombra extensa ou espacialmente
significativa, mas sim por encerrar uma conjugação reforçada de
sentidos. Por esta razão, a análise do eclipse solar de 14 de Outubro
deve considerar primeiramente o valor conceptual e escatológico da
luz e da sombra e, de forma paralela, o carácter simbólico deste
dragão primordial. A astrologia moderna, perdendo a herança
mitológica e a imagem do dragão ou serpente, preferiu as
designações nodais em vez das dragontinas, todavia a sua presença
original deve ser recuperada.
68 Rodolfo Miguel de Figueiredo

No tratado gnóstico Pistis Sophia, tendo por base esta


inspiração, diz-se o seguinte: “Nesse momento, todavia, todos os céus
vieram para o oeste, com todos os aeons e a esfera e os seus arcontes e todos os
seus poderes. Todos eles correram para o oeste para a esquerda do disco do sol e
do disco da lua. Mas o disco do sol era um grande dragão cuja cauda estava na
sua boca e que levava consigo os sete poderes da esquerda.” (IV, 136, ed C.
Schmidt & V. Macdermot, 1978: 354. Leiden: E. J. Brill). O ourobóros, a
serpente que circunda o Sol ou um ovo, é por excelência uma
imagem tanto do sagrado feminino como da sombra eclíptica,
lembremo-nos, por exemplo, do mito pelasgo da criação, de
Eurínome e Ofíon. Na astrologia, o Dragão da Lua, o eixo nodal,
preserva toda uma tradição de sentido, uma herança, que é
particularmente fértil no que aos eclipses concerne.
A natureza sombria do eclipse implica, no entanto, e de
acordo com a sua própria natureza, um carácter maléfico. Uma
leitura astrológica que teme a sombra, a destruição e a morte, tão
comum na astrologia contemporânea, fica sempre aquém da
realidade. Dante, na Divina Comédia, no Purgatório, diz, pela boca de
Virgílio, falando para Estácio: “Tu se' ombra e ombra vedi.” (XXI, 132).
De certa forma, é a nossa condição: somos sombras e vemos
sombras. Foi, todavia, o amor, a amizade entre eles, que fê-lo tratar
uma sombra como se fosse uma coisa sólida (Purgatório, XXI, 133-6:
Ed ei surgendo: «Or puoi la quantitate / comprender de l’amor ch’a te mi scalda,/ quand’ io
dismento nostra vanitate,/ trattando l’ombre come cosa salda.»). O amor possui
portanto o poder de transformar a sombra, de lhe dar a forma de
uma realidade interna ou externa, materializando-a, e isso acontece
Reflexões Astrológicas 2023 69

por uma única razão: o amor é luz e não existe sombra sem luz.
Na subida da montanha, o canto XX do Purgatório, anterior a
este que aborda a amizade, termina com um terramoto. Os
desastres naturais e, em certa medida, os desastres humanos
(guerras, revoluções, assassinatos, etc.) têm uma relação íntima com
os eclipses. Entre a sombra e a ruína, existe um caminho e, por
vezes, é nos estilhaços, como um vestígio de vida, que a luz pode
ser encontrada.
A observação do tema de eclipse para cada localidade, e em
especial se manto umbral a cobrir, é fundamental. Não devemos
temer as previsões. Se um luminar tiver a preponderância de bons
aspectos, especialmente dos benéficos, e se estiver no seu domicílio
ou exaltação, os efeitos negativos serão minimizados, mas não
anulados. Já se estiver no seu exílio ou queda ou junto dos
maléficos, produzirá uma acção negativa aumentada. Os eclipses
tendem assim a gerar mudanças, redistribuições e desastres.
No caso específico dos desastres naturais, os eclipses são
indicadores importantes. Por exemplo, as conjunções ou oposições
de Marte, Júpiter ou Saturno são sinais indiscutíveis, sobretudo em
certos signos ou sobre os pólos (κέντρα). Antes de avançar nesta
questão, convém fixar-se a influência temporal e geográfica do
eclipse de 14 de Outubro. Se utilizarmos uma técnica que me é cara,
e um pouco diferente da ptolemaica, e que concilia a duração do
eclipse com os tempos de ascensão, chegamos a uma influência que
se estende até cerca de um ano e oito meses.
Quanto a área geográfica, o eclipse ocorre ao longo do
70 Rodolfo Miguel de Figueiredo

continente americano, estando o seu centro ao largo da Nicarágua e


da Costa Rica. Este aspecto é interessante se pensarmos que o
eclipse tem o seu lugar de maior escuridão mesmo diante de um
conjunto de parques e reservas naturais. Do lado da Nicarágua,
temos a Reserva Biológica Indio Maíz e, do lado da Costa Rica, o
Refúgio Nacional de Vida Silvestre Barra del Colorado e o Parque
Nacional Tortuguero. Se quisermos um planeta vivo no futuro, a
vida selvagem precisará urgentemente de luz.
De acordo com as regências da astrologia antiga, a influência
geográfica é um pouco diferente. Segundo Valente (Antologia I, 2), as
seguintes zonas estão sob a influência de Balança: a Báctria (região
persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão,
Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do
Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão),
o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica
(região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por uma
área que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a
Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia,
Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e
Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a
Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança,
referindo, por um lado, que Roma controla as mais variadas coisas,
exaltando e precipitando as nações nos pratos da balança e, por
outro lado, este é signo do imperador Augusto, que terá nascido a
23 de Setembro de 63 AEC (Astronomica V,773-77).
O eclipse solar de 14 de Outubro insere-se na série Saros 134.
Reflexões Astrológicas 2023 71

Esta série iniciou-se a 22 de Junho de 1248 e terminará a 6 de


Agosto de 2510. Começa portanto em Caranguejo (Lua) e finda em
Leão (Sol). A relação entre luz e sombra torna-se, uma vez mais,
determinante. O próximo eclipse da série será a 25 de Outubro de
2041, em Escorpião, passando-se na série de Vénus a Marte. Existe
novamente aqui um jogo de polaridades que também se encontra
no tema do actual eclipse: o caminho descendente em que se insere
a sizígia obscurecida estende-se também de Marte em Escorpião até
Vénus em Virgem.
De outra forma e considerando-se apenas Balança, o actual
eclipse é o segundo da série a ocorrer de forma seguida neste
mesmo signo. O primeiro foi a 3 de Outubro de 2005. Os dois
primeiros eclipses totais da série 134 também se deram em Balança:
a 9 de Outubro de 1428 e a 20 de Outubro de 1446. No entanto, a
máxima interpretativa que se deve seguir é de que o primeiro eclipse
de uma série Saros e o seu tema astrológico servem de matriz para
toda a série, é o seu tema genetlíaco.
A 22 de Junho de 1248, o Sol e a Lua estavam em
Caranguejo, como já foi referido, bem como Neptuno, Marte e
Mercúrio em Leão, Saturno e Plutão em Escorpião, Júpiter e Caput
Draconis em Sagitário, logo a Cauda está em Gémeos, Úrano em
Aquário e Vénus em Touro. Se pensarmos que este eclipse ocorreu
no início do segundo quartel do século XIII, numa época de
profundas alterações políticas, socias, religiosas, espirituais e
culturais, estes elementos astrológicos tornam-se mais evidentes.
Temos, por exemplo, a fundação do império Mongol, do qual é
72 Rodolfo Miguel de Figueiredo

preciso destacar o cerco de Bagdad e a destruição da Casa da


Sabedoria, mas também a criação da Inquisição.
Na data do eclipse inaugural desta série, é lançada a sétima
cruzada pelo rei de França Luís IX. A tensão nesta região estende-se
até hoje, até ao conflito israelo-palestiniano. Por outro lado, o rei
Fernando III de Leão e Castela recupera Sevilha aos Almóadas. Já
de um ponto de vista religioso, a capela gótica de Sainte-Chapelle é
finalizada e consagrada com a cora de espinhos, uma relíquia
concedida pelo imperador de Constantinopla Balduíno II. Uns
meses mais tarde é colocada a pedra inaugural da Catedral de
Colónia, depois da igreja antiga ter ardido.
Séneca afirma que “A luz distingue-se do reflexo por ter a sua origem
em si mesma, enquanto o reflexo brilha com luz alheia; a mesma diferença
separa os dois tipos de vida: a vida mundana tira o seu brilho de circunstâncias
exteriores, e o mínimo obstáculo imediatamente a torna sombria; a vida do
sábio, essa brilha com a sua própria luminosidade!” (Ep.21.2; Cartas a Lucílio, 2ª
ed,, trad. J. A. Segurado e Campos, 2004: 74. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian). Ora esta é, em certa medida, a matriz de sentido da série
134 e que se assume, de forma bastante expressiva, no eclipse de
solar de Outubro.
Os factores de intolerância política e religiosa, construídos
sob o apelo da construção de novas verdades, estenderam-se até
hoje. No eclipse inaugural, a conjunção da sizígia com Neptuno em
Caranguejo, de Marte e Mercúrio em Leão, de Plutão e Saturno em
Escorpião, estando estes em quadratura a Úrano em Aquário, e de
Júpiter e da Caput Draconis em Sagitário são, de facto, sinais da
Reflexões Astrológicas 2023 73

promoção de uma luz alheia como luz verdadeira. A humanidade


tende a confundir-se com sombras, ignorando a luz que brilha
solitária e incógnita.
Paralelamente, a análise do eclipse de dia 14 deve considerar,
primeiramente, dois vectores que estão muito marcados e que se
estabelecem, de um ponto vista astrológico e de modo radical, o
caminho luminar descendente que se alonga entre Marte em
Escorpião e Vénus em Virgem, entre um deus da guerra
domiciliado e uma deusa do amor em queda. Este via obscurecida é
mediada pela sizígia umbral em Balança e que coloca sob os seus
raios negros Mercúrio e a Cauda Draconis.
Ora este caminho, e tendo em mente a regência de Balança,
trará problemas sérios às democracias e, em especial, aos poderes
parlamentares. A situação norte-americana é um bom exemplo,
todavia, a situação é bem mais ampla e para isso basta observar o
galgar mediático da extrema-direita populista e o carnaval que tem
promovido nos vários parlamentos europeus. Na América do Sul,
encontramos também exemplos semelhantes. A forma como o
populismo confiscou os media constrói-se igualmente nesta
premissa.
Por outro lado, a conjugação desta via com a oposição entre
Marte em Escorpião a Júpiter e Úrano em Touro, bem como a
ligação destes a Saturno e Neptuno em Peixes (trígono e sextil) e a
Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), conduzirá inevitavelmente
a desastres naturais, muitos deles particularmente destrutivos. Esta
interpretação astrológica não é catastrofista, é sim realista, pois os
74 Rodolfo Miguel de Figueiredo

sinais são evidentes.


No caso português, e tendo em conta que o tema em análise
foi elaborado para Lisboa, é impossível não vislumbrar a
aproximação de um grande sismo. O período que circunscreve o
actual eclipse, o eclipse solar total de 2 de Agosto de 2027 e o
eclipse solar anular de 26 Janeiro de 2028 é crítico , sobretudo pelo
facto do manto umbral destes dois últimos passar pelo epicentro do
Terramoto de 1755 e pelo paralelismo simbólico com esta série
Saros. Colher estes sinais é difícil, mas não os devemos temer. Na
astrologia, como na vida, nem tudo são arco-íris.
No tema do eclipse, Plutão é o astro mais alto e o sextil deste
a Marte em Escorpião, os dois regentes deste signo, adensam a sua
acção. No entanto, considerando-se o futuro ingresso de Plutão em
Aquário, devemos ressalvar que a actividade destrutiva de Plutão
não se limitará ao signo de Capricórnio. A sua passagem por
Aquário trará transformações que não acontecerão connosco de
mãos dadas, inspirando incenso e entoando mantras. Plutão não
actua desta forma. Lembremo-nos que é o regente moderno de
Escorpião e que olha quadrangularmente para Aquário, que é regido
por Saturno (convém não esquecer) e por Úrano, ou seja, existe
tensão nestas duas naturezas.
Por outro lado, o facto de o tema do eclipse, para a hora de
Lisboa, estabelecer-se de acordo com a ordem vernal coloca Marte
em Escorpião, na VIII, no lugar da Morte. Esta posição dará uma
força suplementar ao Senhor da Guerra e à sua natureza primordial.
Note-se também que o anterior novilúnio estabeleceu-se segundo a
Reflexões Astrológicas 2023 75

ordem do Thema Mundi, o que confere um carácter radical e


estruturante e uma continuidade aos dois eventos astrológicos.
Este eclipse coloca naturalmente uma sombra sobre o signo
de Balança, obscurecendo o seu potencial e adensando as suas
qualidades negativas. Mercúrio estará sob esta influência contrária,
trazendo uma expressão disruptiva à palavra e ao conhecimento.
Não existirá portanto na comunicação um palco para a concórdia,
bem pelo contrário. A presença da Cauda Draconis contrai, sob a
égide do destino, o peso, a gravidade, da desmedida. A humanidade
cai diante dos seus próprios erros.
O grande maléfico, Saturno, traz consigo e com o seu
companheiro de viagem, Neptuno, as feridas da Fortuna, sempre
visíveis aquando do fim de um ciclo. Em Peixes, a pressão ou
libertação que a totalidade confere torna-se realidade. Carneiro
começa a subida da montanha, Capricórnio com o sentido de
finalidade alcança o cume e Peixes senta-se e contempla a visão do
mundo. Ora a acção, a finalidade e a totalidade são algumas das
etapas da nossa viagem, individual e colectiva.
Saturno pede-nos uma visão desempoeirada do mundo,
liberta das amarras, das feridas, das vaidades, das paixões desse
nosso caminho (sextil de Saturno e Neptuno a Júpiter e Úrano). No
entanto, essa visão é extremamente difícil, sobretudo na actualidade,
pois Saturno pede para manter os nossos olhos abertos,
contemplativos, no meio de uma tempestade de areia. Neptuno, por
seu lado, continua a alertar-nos para a necessidade de uma
imaginação criativa e de uma vida compassiva, integrando a fantasia
76 Rodolfo Miguel de Figueiredo

no sonho e não na ilusão. Este relembra-nos também que existem


humanos de primeira e humanos de segundo.
Por entre as sombras, é preciso, porém, saber colher as
bênçãos. Procurá-las e encontrá-las, mesmo que seja por entre as
cinzas. Vivemos tempos de guerra, de destruição e, por necessidade,
de transformação. Os perigos, mais do que à espreita, circulam à
nossa frente, todavia, existem sempre bênçãos. De uma perspectiva
astrológica, mas também filosófica, para cada maléfico existe um
benéfico e ao lado de cada sombra existe sempre luz.
Temos de observar portanto Vénus e Júpiter. A posição dos
benéficos não é contudo das mais favoráveis: Vénus está em queda
e Júpiter retrógrado. Mas unem-se em trígono, dizendo-nos que a
necessidade tece a vida electiva do bem. Vénus encontra-se fechada
em si mesma, distante do mundo. Face à acção humana, o eterno
feminino recuou e a Deusa escondeu-se.
A oposição de Vénus em Virgem a Saturno e Neptuno em
Peixes revela, como ferida do tempo e do destino, o peso da
retribuição, desse afastamento. Porém, o trígono de Vénus em
Virgem e Júpiter em Touro a Plutão em Capricórnio traz-nos, de
acordo com a ordem tempo e da providência, uma era que conjuga
a vingança de Gaia com o renascimento de Gaia. A natureza
encontra caminho, já o humano pode perder-se na estrada da
realidade. O sextil de Vénus a Marte e de Júpiter a Saturno
exemplifica, uma vez mais, essa justaposição de bem e mal, de luz e
sombra. A liberdade humana não está nos acontecimentos, está sim
nesta escolha.
Reflexões Astrológicas 2023 77

O eclipse solar de 14 de Outubro, no signo de Balança, vem


colocar a sombra sobre a harmonia dos contrários, ocultando a luz
da concórdia. Este manto umbral vai dar-nos, como síntese do
tempo, a retribuição, o preço da nossa desmedida. Só caminhando
pela sombra chegaremos à luz.
(Página deixada propositadamente em branco)
7

Eclipse Lunar Parcial

T-E

Lisboa, 21h14min, 28/10/2023

Lu a
Decanato: M er cúrio

T ermos : Vénus

M onomoir ia: M ar te

Sol

Decanato: M ar te

T ermos : M arte

M onomoir ia: Satur no


80 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 81

Eclipse Lunar Parcial: Lua Cheia Touro-Escorpião

O Eclipse Lunar Parcial de dia 28 de Outubro ocorre com a


Lua no signo de Touro e o Sol no de Escorpião, com Gémeos a
marcar a hora e menos de três horas após o pôr-do-sol (hora de
Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, estando esta
acima do horizonte, na XII, no lugar do Mau Espírito ou do Mau
Destino (κάκον δαίμων), já o Sol está abaixo do horizonte, na VI,
no lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη). A Lua encontra-se no
decanato de Mercúrio, nos termos de Vénus e monomoiria de Marte,
enquanto o Sol encontra-se no decanato de Marte, nos termos de
Marte e monomoiria de Saturno. Após o crepúsculo, caída a noite, o
eclipse colocará a sua sombra sobre o horizonte e, a partir da Pós-
Ascensão, trará consigo o peso do destino.
Acerca do eixo de lugares (XII-VI) onde este plenilúnio
obscurecido se estende, Manílio diz o seguinte: “a porta do trabalho
serão: por uma se sobe e pela outra se desce” (Astronomica II, 870: porta laboriis
erit: scandendum est atque cadendum). O conceito fundamental que se
extrai deste verso é o de labor, de trabalho, que tem aqui o sentido de
dificuldade, de esforço, de pena, mas também, inevitavelmente, de
desafio. Lembremo-nos, por exemplo, dos trabalhos de Hércules.
Ora Virgílio, na Eneida, refere os eclipses solares como labores solis, os
trabalhos ou labores do sol (I, 742).
Esta é uma ideia preciosa, pois diz-nos que a sombra coloca a
82 Rodolfo Miguel de Figueiredo

luz, seja ela directa (Sol) ou reflectida (Lua), sobre esforço. Desta
forma, se o eixo do eclipse lunar cair sobre o eixo da VI-XII este
sentido sai reforçado, sobretudo se se conjuga com o sentido
negativo ou obscurecido dos conceito de τύχη e δαίμων. A
fortuna e o destino são colocados assim, não perante a dualidade
dos acontecimentos, mas sob a potencialidade da acção humana e o
modo como esta apreende os acontecimentos. Para ascender ou
descender, como diz Manílio, a luz terá de passar por esse pórtico
penoso onde o seu espectro se sujeita à dificuldade e ao esforço. Os
eclipses, face ao estender da sombra a partir da própria luz, são
necessariamente tempos de angústia e agrura.
Nas Meditações, Marco Aurélio diz-nos seguinte: “Abandona-te
de boa mente a Cloto; deixa-a tecer a tua vida com os acontecimentos que lhe
aprouver.” (IV, 34, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). No que aos
acontecimentos concerne, a acção humana é determinada pela
aceitação do fio das Meras, do destino, todavia, existe liberdade na
forma como acolhemos, ou não, a luz e a sombra. O imperador
romano continua, afirmando: “Considera de contínuo que o mundo é como
um ser único, contendo uma substância única e uma única alma; e que tudo vai
desaguar à mesma e única percepção que é a sua; ele tudo realiza por força do
mesmo impulso; todas as coisas ao mesmo tempo concorrem para causar o que
acontece e que trama cerrada e complicada é o que elas produzem” (IV, 40).
Esta causalidade não só é natural como é provida de sentido, de
finalidade, contudo, a sua interiorização exige esforço. Para tudo e
para cada um, existe um trabalho que lhe é devido. As portas do
trabalho são portanto os desafios desta causalidade.
Reflexões Astrológicas 2023 83

As raízes desta ideia atravessam, na Antiguidade, o


pensamento filosófico e a astrologia. Já Platão, no Timeu, afirmava
que “Com efeito, o deus, ao fazer girar em torno do eixo todos os círculos dos
astros, como uma espiral, fazia parecer que o movimento era duplo e em sentidos
opostos e que o que se afastava mais lentamente do que era mais rápido era o
que estava mais perto. Para que houvesse uma medida evidente para a lentidão
e para a rapidez com que se cumprissem as oito órbitas, o deus instalou uma luz
na segunda órbita a contar da Terra, a que agora chamamos Sol, de modo a
que o céu brilhasse ainda mais para todos e que os seres-vivos aos quais isso
dissesse respeito participassem do número de modo a ficarem a conhecer a órbita
do Mesmo e do Semelhante. Deste modo e por estas razões foram gerados a
noite e o dia – o percurso circular uniforme e regular.” (39A-B, Timeu – Crítias,
trad. R. Lopes. Coimbra, 2011: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos ).

Existe tanto uma diversidade nesta unidade como uma harmonia de


opostos que conduz a essa unicidade. Ora é neste ponto que um
eclipse e, em especial, um eclipse lunar se torna particularmente
significativo.
A harmonia dos opostos funda-se, numa perspectiva divina,
na união da Mãe Divina ao Pai Divino, ou seja, por amor o mundo
se criou e por separação assim permaneceu, daí que Tábua de
Esmeralda diga que “Todas as coisas provêem de uma, por mediação de uma
única, assim todas as coisas nasceram desta única realidade por um único
processo de adaptação. O seu pai é o Sol; a sua mãe é a Lua. ” (TH 30, in
Hermetica II -The Excerpts of Stobaeus, Papyrus, and Ancient Testimonies in an English

Translation with Notes and Introduction., ed. M. D. Litwa, 2018: 315 . Cambridge:

Cambridge University Press. A tradução é da minha responsabilidade ). Na


84 Rodolfo Miguel de Figueiredo

astrologia, o Sol é o Pai Divino e a Lua a Mãe Divina, são Osíris/


Serápis e Ísis. Os antigos astrólogos conservaram sempre esta
matriz de sentido. Os eclipses são a sombra que estende junto ao
casal. Essa sombra é Set que, embora seja um inimigo, não deixa de
ser seu irmão.
Existe uma afinidade natural entre a luz e a sombra. Ora, para
a significação do actual eclipse lunar, esta harmonia dos opostos vai
para além do Sol e da Lua, pois a regência domiciliar dos signos do
eixo luminar e do Dragão da Lua alimentam esta dicotomia. De um
lado, temos a Lua em Touro (Vénus) e a Caput Draconis em
Carneiro (Marte) e, do outro, temos o Sol em Escorpião (Marte) e a
Cauda Draconis em Balança (Vénus). Sob a égide da luz e da
sombra, existe pois uma força cósmica de união e separação,
criando e destruindo.
A influência do eclipse lunar de dia 28 não é das
temporalmente mais longas, mas é espacialmente expressiva.
Segundo o método ptolemaico, podemos fixar a influência entre um
mês e nove dias e quatro meses e catorze dias, isto se
considerarmos primeiro a duração do manto umbral e depois a do
manto penumbral. Já a técnica que concilia a duração da escuridão
do eclipse com o tempo de ascensão dos signos coloca a influência
entre um dia e meio e um mês e oito dias. É significativo que duas
técnicas com pressupostos diferentes tenham, neste caso, um
período de influência tão aproximado. Já a influência espacial coloca
o centro do eclipse ao largo do Iémen, entre a costa mais próxima
da fronteira com Omã e a ilha de Socotorá (Suqutrah), um paraíso
Reflexões Astrológicas 2023 85

natural pertencente ao Iémen. No entanto, o eclipse tem um manto


extenso que cobre o continente africano, europeu e asiático.
Quanto às regências espaciais antigas, temos de observar
primeiramente as do signo de Touro, pois é onde se encontra a Lua.
Segundo Vétio Valente (Antologia I, 2), Touro vai reger as regiões da
Média (o actual noroeste do Irão, o Azerbaijão, o Curdistão
Iraniano e o Tabaristão ou Mazandarão), da Cítia (Irão, mas
também uma área que se estendeu da Bulgária às fronteiras da
Rússia, Mongólia e China), do Chipre, da Arábia, da Pérsia e das
montanhas do Cáucaso, da Samártia (junto à Média), de África, de
Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), de Cartago, da
Arménia, da Índia e da Germânia. Para Manílio, Touro rege Cítia, a
Ásia (por causa dos Montes Tauro) e a Arábia. (Astronomica, IV, 744-
817).

De seguida, por a Caput Draconis se encontrar num signo


diferente, temos de considerar as regências de Carneiro. Vétio
Valente (Antologia I, 2) diz-nos que as seguintes regiões pertencem a
Carneiro: a Babilónia, Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do
Irão), a Pérsia, a Palestina e as regiões circundantes, a Arménia, a
Trácia, a Capadócia, Susã (cidade antiga, capital do Elão ou Susiana,
hoje sudoeste do Irão), o Mar Vermelho e o Mar Negro, o Egipto e
o Oceano Índico. Para Manílio, rege o Helesponto (Estreito de
Dardanelos), Propontis (Mar de Mármara), a Síria, a Pérsia e o
Egipto (Astronomica, IV, 744-817). Embora com menor influência, o
lugar do Sol também é significativo e Valente diz -nos que
Escorpião rege a Metagonitis ou Numídia (Norte de África, Argélia
86 Rodolfo Miguel de Figueiredo

e Tunísia), a Mauritânia, a Getúlia (Norte de África, Argélia e


Tunísia), a Síria, Comagena (Ásia Menor), a Capadócia, Itália,
Cartago, Líbia, Amom (Jordânia), Sicília, Espanha e Roma. Já para
Manílio Escorpião rege Cartago, a Líbia, o Egipto, Cirene, a Itália e
a Sardenha (Astronomica IV, 777-82).
O eclipse lunar actual pertence à série Saros 146 que se
iniciou a 11 de Julho de 1843 e que terminará a 29 de Agosto de
3123. É portanto uma série recente que se estende a partir do eixo
Capricórnio-Caranguejo até ao eixo Peixes-Virgem. O seu eclipse
inaugural, que serve de matriz genetlíaca de sentido, ocorreu com a
Lua, a Caput Draconis e Saturno em Capricórnio, o Sol e a Cauda
Draconis em Caranguejo, Mercúrio e Vénus em Gémeos, Marte em
Sagitário, Júpiter e Neptuno em Aquário e Úrano e Plutão em
Carneiro. A conjunção da Lua e Saturno e a quadratura destes a
Úrano e Plutão em Carneiro, bem como a conjunção de Júpiter e
Neptuno, levou por exemplo à erupção do Monte Etna a 25 de
Novembro.
No mesmo período, destaca-se também o terramoto na ilha
Terceira, nos Açores. Por outro lado, a posição de Mercúrio e
Vénus favoreceu, por exemplo, a publicação das obras de Charles
Dickens, Edgar Allan Poe e Ada Lovelace. Kierkegaard publicou,
pouco meses após o eclipse, a obra Temor e Tremor. Os eclipses, face
à sua tensão uterina de luz e sombra, tendem a provocar elementos
disruptivos. O pensamento e a arte são, por excelências, vectores de
transformação, pois nascem do que transcende o comum.
A relação do eclipse inicial da série Saros 146 com o actual
Reflexões Astrológicas 2023 87

eclipse é particularmente significativa, sobretudo se considerarmos a


quadratura entre o eixo nodal do primeiro eclipse e a posição actual
dos luminares. Entre os dois temas, a par da quadratura dragontina,
os trígonos do Sol e da Lua tornam-se um intenso potencial de
sentido. Existe nestes dois eixos zodiacais (Capricórnio-Caranguejo
e Touro-Escorpião) uma qualidade, sob os desígnios eclipsais do
destino e da necessidade, que é tanto dinâmica como estruturante,
conciliando o tempo e o valor. Estendido entre a vida (Touro) e a
morte (Escorpião), o valor encontra o seu sentido, mas hoje,
coberto pelo manto umbral, o sentido daquilo que tem valor
encontra-se difuso, obscurecido pelo peso do erro, da ilusão e do
engano, por esta prole que a ignorância humana criou.
Os tempos que vivemos com guerra, com inflação e
especulação, com interesses e corrupção, com populismos e
extremismos, ameaçando as democracias e os cidadãos, pervertem o
valor da dignidade humana. A ideia de que existem humanos de
primeira e de segunda e de que existem povos e terras eleitas são
uma clara ameaça a nossa civilização e ao futuro da humanidade.
A sombra sobre a Lua, Júpiter e Úrano em Touro pede-nos
para repensar o planeta que habitamos e diz-nos que o direito à
propriedade não pode pesar mais que o direito à dignidade. O
planeta não pode ser um propriedade tem de ser um lar. É preciso
repensar os valores do elemento Terra. O grande trígono de Terra,
entre os planetas em Touro, já indicados, Plutão em Capricórnio e
Vénus em Virgem, convida-nos a essa reflexão, não apenas como
exercício espiritual, mas também base de uma nova práxis.
88 Rodolfo Miguel de Figueiredo

Por outro lado, o facto de Saturno em Peixes, conjunto a


Neptuno, ser o astro mais alto adensa a gravidade do destino sobre
o momento. A concórdia conceptual e espiritual entre as ideias de
tempo e de totalidade fazem de Saturno em Peixes, segundo a
matriz mitológica do deus romano da agricultura, o mestre do acto
de semear, esperar e colher. Caído o manto da sombra, este é o
tempo das colheitas, não das trazem os frutos da terra, mas sim das
cumprem a consequência da desmedida. O trígono de Saturno e
Neptuno em Peixes ao Sol, a Mercúrio e Marte em Escorpião,
seguindo a lição de Petosíris de que nem todos os trígonos são
bons, nem todas as quadraturas são más, consubstancia a gravidade
didáctica do destino enquanto disrupção causal da Providência.
A ὕβρις representa uma quebra na justa medida das coisas,
naquilo que ocorre como é suposto que aconteça. A guerra
representa um corte na ordem natural das coisas, pois conduz a
uma destruição que não é própria da natureza cíclica de Gaia, mas
sim da natureza humana, das suas franquezas. O terrorismo é uma
outra face desta desmedida, levando o mal que nos consome ao
outro. No entanto, o mito da violação de Alcipe, filha de Ares, por
Halirrótico, filho de Posídon, mostra o outro lado de Escorpião, ou
seja, a vingança como forma de resistência e reposição da justiça
(Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 126). Este é o mito que
está na origem do Areópago. Pela ofensa cometida, Ares mata
Halirrótico. Posídon exige o julgamento e a respectiva condenação.
No entanto, Ares é absolvido, pois o seu acto foi considerado
legítimo. Os tempos que vivemos revelam esse fio ténue entre a
Reflexões Astrológicas 2023 89

vingança e a justiça, entre opressão e resistência.


Neste eclipse lunar, a tensão que ocorre no eixo Touro-
Escorpião fundamenta o sentido profundo do actual manto umbral,
fazendo deste choque entre a vida e a morte, entre criação e
destruição, um elemento estruturante. Se considerarmos a relação
de aspectos nos elementos Terra e Água (trígono), aqueles que
fortalecem este fenómeno astrológico, observamos que, como um
pentagrama imperfeito, existe um signo que não é habitado por
nenhum planeta. Caranguejo, como signo da origem, torna-se agora
um sinal de incompletude e isso é bastante significativo. Falta-nos
hoje, por ocultação luminar, uma matriz feminina, lunar, de sentido.
O mundo, a humanidade, devido às suas próprias escolhas, vive
sem a Mãe Divina e, com o signo de Touro obscurecido, exaltando-
se a Lua na sombra, a Terra não consegue ser Mãe.
A grande maioria das posições e aspectos astrológicos
presentes no tema do eclipse lunar já foram analisadas na reflexão
do eclipse solar, todavia, é necessário destacar a posição dos
maléficos e os seus movimentos futuros, pois, dentro do período de
influência do eclipse lunar, Saturno iniciará, a 4 de Novembro o seu
movimento directo e Marte ingressará em Sagitário a 24 do mesmo
mês. A ligação entre os dois planetas passará do trígono à
quadratura, agravando assim o seu carácter maléfico e a sua acção
disruptiva. Os próximos meses vão indicar um desafio, um trabalho
severo, para a humanidade. As nossas palavras e as nossas acções,
mais do que nunca, vão determinar quem somos e para onde
vamos. Estamos à beira do abismo.
90 Rodolfo Miguel de Figueiredo

O eclipse lunar de dia 18 é o último neste ciclo nodal actual,


no eixo de Touro-Escorpião. Passaremos definitivamente para o
eixo Carneiro-Balança, deixando o sentido de valor para encontrar-
se o sentido de identidade. No entanto, até à primeira época de
eclipses de 2024, os eclipses no eixo Touro-Escorpião ainda estarão
presentes, perdendo progressivamente a sua influência. O actual
eclipse pela sua área geográfica de influência e pelas significações
que o tema astrológico introduz vai, por força do destino e da
necessidade, mas também pelo efeito da desmedida, trará desastres
naturais e humanos. Sem amor e sem sabedoria, a humanidade
perder-se-á.
8

Lua Nova

Lisboa, 09h27min, 13/11/2023

Sol - Lua
Decanato: Vénus

T ermos : J úpiter

M onomoir ia: J úpiter


92 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 93

Lua Nova: Escorpião

A Lua Nova de Novembro ocorre no signo de Escorpião,


estando Sagitário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste
modo, na XII, no lugar do Mau Destino ou Mau Espírito (κάκον
δαίμων), no decanato de Vénus, nos termos e na monomoiria de
Júpiter. A sizígia dá-se pois acima do horizonte e a cerca de uma
hora e quarenta e cinco minutos após o nascer-do-sol. Os luminares,
estando a Lua fora do seu próprio segmento, mas num signo
feminino, encontram-se num caminho de ascensão, rumo à
culminação.
A posição pós-ascendente, sem qualquer ligação ao Leme do
tema, encerra sempre um mistério de sombra e de promessa de luz
que pode confundir o seu sentido. A XII, segundo o entendimento
antigo, não é, apesar de tudo, uma posição tal maligna como a VI,
pois, por estar no início da escalada celeste, confere à luz o potencial
de superação de si, o ânimo de quem sobe a montanha. Neste lugar,
a sizígia em Escorpião é, mais do que qualquer outro, a luz que
vence o destino e a morte.
O novilúnio de Novembro, em Escorpião, no signo que
encerra em si o sentido profundo da morte e no lugar do Mau
Destino ou Mau Espírito, conjuga necessariamente as significações
de luz e sombra, de valor da morte e de superação do destino. A
XII, com o qualificativo κάκον para δαίμων, confere um valor
94 Rodolfo Miguel de Figueiredo

negativo, seja pela sua própria natureza, seja pela sua dinâmica
relacional, a um conceito ou entidade que reúne em si a divindade, o
espírito ou génio e o destino.
O facto da XII não se relacionar por envio de raios ou
aspecto com a I revela a dificuldade da vida, do carácter ou do
temperamento (leia-se personalidade ou consciência da vida) em
aceitar as vicissitudes do destino que contrariam a vontade, ou seja,
os acontecimentos, tanto internos como externos. Uma relação com
a XI ou com XII implica sempre esta interacção existencial com o
destino, a necessidade e a providência. O conceito de δαίμων
traduz esta relação entre a vida e o destino, mas obriga sempre a um
processo de mediação, neste caso, espiritual ou divina.
Ao colocar-se a luz perante a morte e o destino, o que, para
Escorpião, conduz a um desafio, o conceito filosófico de
ἐγκράτεια adquire um valor de revelação, pois cada um terá de se
tornar mestre de si mesmo. Séneca, nas Cartas a Lúcilio, diz-nos que
“O cúmulo da felicidade consiste numa perfeita segurança, numa inabalável
confiança no seu valor; ora o que as fazem é arranjar preocupação, é percorrer a
traiçoeira estrada da vida ajoujadas de pesados fardos. Deste modo vão-se
sempre distanciando cada vez mais da meta que procuram alcançar, e quanto
mais se esforçam por atingi-la mais se embaraçam e retrocedem. Sucede-lhes
como a alguém que corra num labirinto: a própria velocidade faz perder o
norte.” (Ep.44.7; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa,
2004: Fundação Calouste Gulbenkian ). O destino que, na sua própria
urdidura, a astrologia apresenta tão bem obriga, e essa é agora a
lição de Escorpião, a uma reflexão radical e que, em certo
Reflexões Astrológicas 2023 95

momento, será estruturante. Hermann Broch diz-nos,


parafraseando, que o conhecimento da morte é o conhecimento da
vida e que o conhecimento da vida é o conhecimento da morte, ora
esta é a mensagem do eixo Touro-Escorpião cujo sentido profundo
é o do valor.
Para Séneca, “Nenhuma meditação é tão imprescindível como a
meditação da morte”(Cartas a Lucílio, Ep.70.18). Segundo uma interpretação
astro-mitológica, Escorpião vai radicar o seu sentido na morte tanto
no trabalho de Hércules em que este luta com Hidra de Lerna como
na morte de Órion, picado por um escorpião, e que com este sobe
ao céu. No entanto, tal como já foi referido na reflexão do anterior,
a do eclipse lunar, é o mito da violação de Alcipe que melhor
constrói a natureza primordial de Escorpião (Figueiredo, R.M. de, 2021,
Fragmentos Astrológicos, 126). Quer se queira, quer não, o mito é a raiz de
sentido da astrologia, pois, sem a metáfora mitológica do céu, a
linguagem astrológica não existiria.
Na acrópole de Atenas, perto do templo de Asclépio, onde
existia uma fonte, Halirrótico, filho de Posídon, avançou sobre
Alcipe, filha de Ares, e tentou violar a jovem. Irado e com desejo de
vingança, Ares mata Halirrótico. Este é o mito que está na origem
do tribunal do Areópago, pois Posídon exige o julgamento de Ares
diante dos doze deuses. Contudo, Ares é ilibado, pois a sua acção
foi considerada justificada ( cf. Pausânias, Descrição da Grécia, I.21.4 e
Apolodoro, Biblioteca, III,14.2 ). Séneca, na tragédia Hércules Furioso,
resume o mito ao dizer, no desfecho da peça, o seguinte: “A minha
terra [Atenas] espera por ti. / Ali Gradivus [Ares] libertou as mãos do
96 Rodolfo Miguel de Figueiredo

sangue derramado / e entregou-as de novo às armas.” (1341-3: Nostra te tellus


manet./ illic sohitam caede Gradivus manum/ restituit armis: ilia te, Alcide,

vocat,/ facere innoceutes terra quae superos solet. A tradução é da minha

responsabilidade).

O mito da violação de Alcipe, esta facilmente identificada


com o signo de Touro, oposto a Escorpião (Ares), resume a posição
zodiacal deste signo, pois a deusa da justiça (Virgem), a acção da
justiça (Balança), Posídon (Peixes), aquele que pede ou clama por
justiça, e o outro signo regido por Ares, aquele que recebe as armas
de novo, Carneiro, são como uma síntese simbólica e mimética
deste sentido primordial astro-mitológico.
No actual novilúnio, esta dinâmica da acção de Marte que é
própria de Escorpião congrega-se nestes filamentos incandescentes
de vingança, resistência e justiça. Hoje, mais do que nunca, esta teia
força o peso do destino, a gravidade dos acontecimentos. No
entanto, todas as potências planetárias, Marte inclusive, estão
sujeitas, na sua expressão humana, à ἐγκράτεια de que se falava.
Ao tornarmo-nos mestres de nós mesmo, colocamos a luz (a sizígia)
sobre a morte e sobre o destino.
A união da astrologia ao estoicismo, tal como existiu na
Antiguidade, permite que se adquira essa mestria, daí que Séneca
diga que “Uma alma que contempla a verdade, que atribui valor às coisas de
acordo com a natureza e não com a opinião comum, que se insere na totalidade
do universo e observa contemplativamente todos os seus movimentos, que dá igual
atenção ao pensamento e à acção, uma alma grande e energética, invicta por
igual na desventura e na felicidade e em caso algum se submetendo à fortuna,
Reflexões Astrológicas 2023 97

uma alma situada acima de todas as contingências e eventualidades, uma alma


sã, íntegra, imperturbável, intrépida, uma alma que força alguma pode vergar,
que circunstância alguma pode envaidecer ou deprimir – uma tal alma é a
própria personificação da virtude.” (Ep.66.6; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A.
Segurado e Campos. Lisboa, 2004: Fundação Calouste Gulbenkian ). A virtude
é a luz que serve de candeia, erguida quando tudo aquilo que se vê é
morte. Esse é o verdadeiro livre-arbítrio: a escolha da luz. Tudo o
resto é destino, necessidade e providência.
O novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, estando
Marte sobre os raios da sizígia, tal como estará também na Lua
Nova de Dezembro, em Sagitário, será determinado por um ímpeto
bélico que fará com que a luz passe de fogo a incêndio. O humano
demasiado humano, relembrando Nietzsche, tende a tornar as
coisas humanas pequenas, insignificantes diante da subida da
montanha. Marte, neste momento, podia ser uma força disruptiva
de transformação que iria conceder mais humanidade ao humano,
mas isso não está a acontecer. O eixo das portas do trabalho, ou seja, o
da VI e da XII, mantem, à semelhança do anterior eclipse lunar, o
seu peso sobre a realidade.
Se observarmos o tema do actual novilúnio, podemos
constatar que o único astro acima deste eixo, aquele que é também
o astro mais alto, é Vénus em Balança. Na verdade, o caminho
luminar da sizígia estende-se de Mercúrio em Sagitário, já pós-
ascendente, até Vénus em Balança (sextil). Da sabedoria da palavra
ao desejo de harmonia, a luz quer trilhar a senda que, na morte,
funda a vida. Esta é, porém, uma via ascendente com a vontade de
98 Rodolfo Miguel de Figueiredo

alcançar o cume, mas colide tanto com a força da morte e da


destruição (Marte em Escorpião) como com o peso do destino e da
dificuldade de o conciliar com a identidade (Cauda Draconis em
Balança). A ligação entre Mercúrio em Sagitário e o Dragão da Lua
(trígono à Caput em Carneiro e à Cauda em Balança) serve de
proposta de sentido, de meio de integração do destino, na
identidade, no reconhecimento de si e do outro.
A oposição entre a sizígia e Marte em Escorpião e Júpiter e
Úrano em Touro adquire também, nesta Lua Nova, um valor
estrutural. Júpiter é o grande benéfico do tema do novilúnio e que
vai determinar as suas bênçãos. No entanto, este olhar de frente e
diametral (oposição) entre a dádiva e a luz, abeirada pela guerra, tem
um valor potenciador, em que o grande benéfico colide com o
grande maléfico do tema (Marte).
A relação entre Marte e Júpiter é complexa, pois, por serem
de segmentos de luz diferentes, expressam-se de forma distinta, mas
a sua expressão não deixa de ser activa. Se Marte possuir uma
dignificação mais intensa, então a acção destruidora será maior. O
actual posicionamento de Júpiter serve, porém, de alerta, dado que
ali encontraremos a necessidade de verdade e justiça. Nesta Lua
Nova, vamos encontrar ainda muitos dos elementos interpretativos
que foram abordados no Eclipse Lunar de 28 de Outubro.
Face ao tema do eclipse lunar, Saturno em Peixes encontra-se
agora directo, avançando no seu périplo pelo signo da totalidade. A
sua acção tornou-se efectiva. A necessidade pede agora completude,
expandindo a sua força, a sua gravidade, de fim de ciclo. Saturno em
Reflexões Astrológicas 2023 99

Peixes, por este ser o domicílio de Júpiter e a exaltação de Vénus,


ganha necessariamente um certo sentido de dádiva, de bênção.
A conjunção com Neptuno obriga a dar à percepção do
destino e da realidade a imaginação criativa e a compaixão, esta
enquanto expressão universal da empatia, todavia, existe neste
processo de união pisciana de Saturno e Neptuno uma enorme
resistência. A humanidade caminhou em sentido contrário, daí que
o trígono entre estes e a sizígia e Marte em Escorpião queira trazer a
luz que vence a morte a este desafio absurdamente humano.
A ὕβρις (desmedida), que é própria do humano, leva a que
Saturno tenha de repor a justa-medida das coisas. O sextil de
Saturno e Neptuno em Peixes a Júpiter e Úrano em Touro e a
Plutão em Capricórnio, e deste último à sizígia e a Marte em
Escorpião, vão impor a ordem natural das coisas, segundo as leis de
Gaia, mas também segundo os ditames da Necessidade e a força de
Adrasteia, do Inevitável.
Esta é hoje a colheita do humano, ceifada por uma
humanidade ausente. A situação humanitária em Gaza e a
incapacidade de olharmos, como um todo, para a dignidade humana
fazem com que, para onde quer que olhemos, tudo o que vemos é
morte, é tudo destruição. A quadratura de Mercúrio em Sagitário a
Saturno e Neptuno em Peixes transporta-nos para a incapacidade de
dar forma à palavra que descreve a alma do mundo, ao discurso
primordial que conduz, de novo, até à Sabedoria, até à Mãe Divina.
No novilúnio de Novembro, no signo de Escorpião, somos
inevitavelmente confrontados com o nosso pior inimigo e, numa
100 Rodolfo Miguel de Figueiredo

escala mundial, esse inimigo é o próprio humano. A natureza


humana e a sua incapacidade de se congregar numa verdadeira
humanidade fazem com que a morte que participa da vida e a
destruição que circunda a criação excedam os seus limites. A luz
guardada, cingindo numa única chama o feminino e o masculino,
surge pois na mestria de nós de mesmos.
A ἐγκράτεια de que se falou, bem como os princípios
filosóficos do estoicismo, servem a astrologia hoje tal como
serviram na Antiguidade. Essa é uma luz sobre o tempo.
9

Lua Nova

Lisboa, 23h32min, 12/10/2023

Sol - Lua
Decanato: Satur no

T ermos : M er cúr io

M onomoir ia: Satur no


102 Rodolfo Miguel de Figueiredo
Reflexões Astrológicas 2023 103

Lua Nova: Sagitário

A Lua Nova de Dezembro ocorre no signo de Sagitário,


estando Virgem a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste
modo, na IV, no lugar sob a terra (ὑπόγειον), no decanato de Lua,
nos termos de Mercúrio e na monomoiria de Saturno. A sizígia dá-se
pois abaixo do horizonte e cerca de cinco horas e meia após o pôr-
do-sol.
Os luminares, estando a Lua no seu próprio segmento, mas
num signo masculino, encontram-se num caminho de queda, rumo à
anti-culminação. Esta é a primeira via luminar do novilúnio, a que se
inicia com a sizígia em queda e termina, passando por Marte, no
Ponto Subterrâneo. Agora em Sagitário, e seguindo uma ideia já
explorada, a luz não desce do céu, nasce no abismo, no útero de
Gaia, do Sagrado Feminino. Nesta constelação, essa luz é a
sabedoria.
Acerca do quarto lugar, Manílio afirma o seguinte: “Contudo, a
que completa a via de retorno sob a aurora/ e que, de volta, com as forças
exaustas, o arco/ escala, abraça por fim os derradeiros anos,/ a luz desvanecente
da vida e a trémula velhice.” (Astronomica II, 852 – 855, ed. Goold, 1985, 56: at,
qua perficitur cursus redeunte sub ortum, / tarda supinatum lassatis viribus
arcum/ ascendens, seros demum complectitur anos / labentemque diem vitae
tremulamque senectam. As traduções de Manílio são da minha responsabilidade ).

Este lugar, segundo este mesmo autor antigo, tem a regência de


104 Rodolfo Miguel de Figueiredo

Saturno, uma que é diferente da de Trasilo e da tradição hermética,


que coloca Saturno na XII.
A significação de Manílio é fundamentalmente astro-
mitológica, pois esta é a herança que vê Cronos/Saturno
aprisionado por Zeus/Júpiter no Tártaro, no abismo da terra. A
velhice e a morte tornam-se assim um elemento de sentido, daí que
Manílio diga que é “de onde o Sol foge tombado e para o Tártaro se
extende” (II, 794, ed. Goold, 1985, 54: unde fugit mundus praecepsque in Tartara
tendit). O quadrante que se alonga do Poente (VII) ao Subterrâneo
(IV) encerra em si uma qualidade de morte, mas também um
carácter temporal profundo, pois ambos criam uma ponte de
sentido entre o passado, a morte e o além.
Neste novilúnio, a luz está assim guardada no abismo da
realidade, no útero da história. Por outro lado, por a Lua Nova
ocorrer no signo de Sagitário, a sabedoria torna-se a potência dessa
mesma luz. Esta atribuição pode ser entendida primeiramente pelo
facto de Sagitário ser o domicílio de Júpiter. Do ponto de vista astro
-mitológico, lembremo-nos que o poder de Zeus/Júpiter é
fortalecido quando este absorve Métis, a deusa da sabedoria.
Ora o eixo Gémeos-Sagitário que coloca, por via da regência
domiciliar, Mercúrio e Júpiter a olharem-se de frente firma, desta
forma, a palavra ou a razão diante da sabedoria. O conhecimento
das coisas torna-se pois a sabedoria da coisa única. Este é o ar que
se torna fogo. O elemento estruturante torna-se dinâmico, podendo
este produzir a verdadeira mudança. Neste sentido, a seta de
Sagitário tem um sentido literal, pois a sabedoria tem sempre um
Reflexões Astrológicas 2023 105

valor de propósito e finalidade.


A respeito desta senda, Cícero, em Luculo (Academica priori),
diz-nos o seguinte: “Pela minha parte, como não costumo coibir-me de
discutir com todos quantos [têm por certo aquilo que julgam saber], não
posso também recusar-me a admitir que haja quem não esteja de acordo comigo.
A minha causa agora é fácil, já que não pretendo mais do que procurar a
verdade com todo o interesse e esforço, mas sem facciosismo. A obtenção do
conhecimento é sempre dificuldade por toda a espécie de obstáculos, uma mesma
insuficiência decorre tanto da obscuridade das próprias matérias como da
debilidade da nossa capacidade de julgar, pelo que não é sem razão, que os mais
antigos e cultos filósofos duvidaram da possibilidade de encontrar o que
procuravam; mas mesmo assim nem eles desistiram, nem eu abandonarei,
cansado, o meu empenho em investigar a verdade.” (III, 7 in Textos Filosóficos, 2
ed., trad. J. A. Segurado e Campos, 99-100. Lisboa, 2018: Fundação Calouste

Gulbenkian). A sabedoria e a verdade são ideias jupiterianas cujo


valor se reacende neste novilúnio. Esta é uma luz de transformação
e uma via que, embora exigente e incerta, nos conduz à felicidade.
Em Gémeos, a discussão das ideias leva-nos ao
conhecimento, mas, em Sagitário, coloca-nos no caminho da
sabedoria. Se, de um ponto de vista da astrologia helenística,
observarmos as atribuições planetárias dos termos egípcios,
podemos constatar que só os signos regidos por Júpiter é que
concedem mais de metade dos seus graus aos benéficos (Sagitário
17 graus e Peixes 16 graus). As dádivas da sabedoria e da verdade
estão aqui particularmente activas.
Séneca, na obra Dos Benefícios, alerta-nos para aceitação do
106 Rodolfo Miguel de Figueiredo

destino como via de sabedoria e verdade quando afirma o seguinte:


“Considera também isto, nada que seja externo obriga os deuses, pelo contrário,
a sua vontade é eterna e segue a sua própria lei. O que eles estabeleceram não
muda. Não parece que vão fazer algo que não queiram. Seja o que for que não
possam parar, eles querem que continue a mover-se; eles nunca se arrependem do
plano que inicialmente conceberam. Certo é que não podem ficar parados, nem
afastar-se para o lado, mas a única razão é que a sua própria força os prende
ao seu propósito; permanecem firmes, não por fraqueza, mas porque não lhes
agrada afastar-se da perfeição, e porque assim se devem mover. Desta forma,
naquela primeira dispensação, quando o cosmos se formou, eles até tiveram em
consideração o nosso lote, e preocuparam-se com a humanidade. Por isso, não se
pode dizer que percorram os céus e desenvolvam a sua obra apenas para si
próprios, pois também nós fazemos parte dessa obra.” (De Beneficiis 6.23. Seneca:
How to Give - An Ancient Guide to Giving and Receiving, selected, translated, and

introduced by J. S. Romm, 198-201. Princeton and Oxford, 2020: Princeton

University Press. A tradução do latim é da minha responsabilidade ).

A inevitabilidade, a lei de Adrasteia, é uma realidade que


conjuga os sentidos profundos de Júpiter e Saturno. Ora Saturno
em Peixes, acompanhado por Neptuno, junto ao Poente vem trazer,
uma vez mais, a aceitação do destino como integração da totalidade.
A visão da montanha não é nem determinista, nem fatalista, é sim a
compreensão serena de que tudo o que está em movimento
concorda consigo mesmo. A necessidade é a mãe do destino, da
fortuna. No entanto, o individualismo exacerbado teme esta visão,
pois pensa que retira a liberdade, mas ignora que a visão da
montanha é a forma suprema de liberdade.
Reflexões Astrológicas 2023 107

A co-presença de Marte com a sizígia, pelo segundo novilúnio


consecutivo, e agora fora do domicílio e do segmento, adensa uma
certa rebeldia ou desejo de mudança. Esta conjunção não pede para
se abrir os horizontes, exige. Os jovens activistas climáticos estão
aqui incluídos e, na verdade, o problema não está nem no facto de
não terem razão, porque têm, nem na forma dos protestos, porque
também com palmadinhas nas costas não se muda nada, a questão
está no olhar dos outros que simplesmente não quer ver.
Existem, porém, alguns elementos disruptivos. Primeiro, o
Júpiter de Sagitário que deseja afirmar, enquanto o de Peixes
procura estabilizar, não faz qualquer aspecto à sizígia, permanece
desligado, passivo, face ao encontro dos luminares. Depois, a
quadratura de Saturno e Neptuno em Peixes vai mostrar que esta
mudança não será rápida, pois existe uma resistência estrutural à
transformação dos modos de vida.
Por outro lado, por não existir nenhum astro no quadrante da
ascensão à culminação, a atenção foca-se nos planetas que, embora
altos, já estão em queda, ou seja, em Úrano e Júpiter em Touro, na
IX, mas sobretudo na via luminar mais abrangente em que se insere
a sizígia. O caminho que se estende hexagonalmente de Plutão em
Capricórnio a Vénus em Escorpião contempla aquilo que Antero de
Quental inscreveu no soneto “Mors-Amor” e que já foi abordado
noutras reflexões. A união simbólica, conceptual e existencial do
Amor e da Morte possui um carácter transformador essencial e que,
visceralmente, reduz a realidade ao que é fundamental. Esta via,
passando pelo Tártaro profundo, confere pois uma proposta de
108 Rodolfo Miguel de Figueiredo

refundação.
Paralelamente, existem outros dois aspectos que se
relacionam com esta via luminar. A oposição ou diâmetro, como
diriam os antigos astrólogos, entre Vénus em Escorpião e Júpiter (e
Úrano) em Touro marca uma época quase solsticial e natalícia. Ora,
seguindo a lição de Petosíris, uma oposição ou quadratura entre os
benéficos nunca é má, excepto se acompanhada pelos maléficos, o
que não é o caso. Assim, esta ligação de Vénus a Júpiter tem um
efeito de dádiva e de uma atribuição positiva de valor ao eixo de
sentido que se estende entre a vida e a morte.
De uma outra forma, o sextil entre Vénus em Escorpião e
Saturno e Neptuno em Peixes vai colocar o amor e a morte na roda
da necessidade. Face ao destino, o amor possuirá ou deverá possuir
um carácter universal. Este é a teia que une tudo e todas numa
simpatia universal, na Anima Mundi. Na astrologia esotérica,
Neptuno tem um tom similar ao de Vénus, mas numa oitava acima,
ou seja, na música das esferas, o amor ecoa pelo universo. Na
verdade, para o astrólogo tradicional que siga o saber antigo e
hermética, esta é somente uma expressão da exaltação de Vénus em
Peixes.
Júpiter e Úrano em Touro acompanham, também em sextil, a
ligação da Vénus de Escorpião a Saturno e Neptuno em Peixes.
Porém, a retrogradação de ambos vai restringir ainda a efectivação
das suas bênçãos. Elas surgem no horizonte, mas não se tornam
acção. Podemos ver aqui a situação dos civis palestinianos. Todos,
com bom senso, vêem nos actos praticados crimes de guerra,
Reflexões Astrológicas 2023 109

crimes contra humanidade, todavia, face ao genocídio, permanecem


imóveis, incapazes de produzir justiça e mudança.
Neste novilúnio, os aspectos ao corpo do Dragão da Lua são
igualmente significativos. No eixo da identidade, aquele que une
Carneiro a Balança, a unidade e a dualidade, ou seja, o conheci de si
como via de alteridade, surgem outros desafios. Sob a égide do
destino e da necessidade, o eu enfrenta o mistério do outro. A luz
da sabedoria, como proposta do novilúnio, une agora, de forma
bem-aventurada (trígono à Caput e sextil à Cauda), a sizígia e Marte
em Sagitário ao Dragão da Lua.
O guardião da Lua, este dragão que cinge a luz, permitindo o
seu reconhecimento, pois só depois de ver a sombra é que se
reconhece a luz, vai conceder-nos, como bênção no caminho, a
dádiva da sabedoria. No entanto, o gesto de seguir a sabedoria, ao
oferecer a passagem do destino à necessidade, implica sempre um
acto voluntário. É preciso ter iniciativa. Depois do despojamento de
si, a sabedoria mantém aqueles que a seguem para além da fortuna.
Por fim, é preciso referir a posição de Mercúrio (e Plutão) em
Capricórnio. No signo da finalidade, onde agora o poder da palavra
e o poder da morte se expressam, a fortuna outorga uma
possibilidade de futuro. Esta potência, anunciando a época zodiacal
seguinte, tem um valor de dádiva (trígono a Júpiter e Úrano e sextil
a Vénus, Saturno e Neptuno). Porém, esta bênção de futuro,
alertando-nos que a palavra tem um poder transformador
(conjunção Mercúrio-Plutão), colide com o Dragão da Lua e com as
exigências autocentradas da identidade (quadratura ao eixo nodal).
110 Rodolfo Miguel de Figueiredo

O poder da palavra pode elevar-nos pois ao cume da montanha ao


afundar-nos nas profundezas da nossa desmedida. A
desinformação, o discurso único e a intolerância podem assim
minar este potencial de dádiva.
O novilúnio de Dezembro, o último de 2023, transporta-nos,
desta forma, para a mensagem de Sagitário e para a luz da sabedoria.
A imagética, mesmo com reservas mitológicas, coloca-nos perante
um centauro erguido, lançando a sua seta, e revela-nos que o
elemento de passagem entre o animal e o humano acontece apenas
devido à luz da sabedoria. Devemos assim segui-la e deixar que
transforme as nossas vidas.
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