Você está na página 1de 1

ENREDO

O tempo é a substância de que estou feito.

Jorge Luis Borges

O sopor da traição faz com que se decida agarrar e acariciar os cabelos das
meadas dos ardis. Os gestos. As falas. Os movimentos. A ternura dos gestos.
Esse é o artifício da artimanha selada nos resíduos acumulados nos fios
embaraçados pelo torpor, pela indolência. Mas mantêm-se os fios de seu
cabelo em seus lugares. Enreda e enovela dia a dia nos costumes, no fora da
casa, no desafogo das mágoas. Impecável, porém. A dissimulação esgueia-se,
atenta, dissimulada, à procura da falha. Sub-repticiamente, espirais
encabeladuras enevoam e alagam o enredamento. A incorporação é imediata.
Não há anterioridade, juras, promessas, aprendizado. Mas a atenção
movimenta-se sem pausa indiferente ao desalinhamento das nesgas invisíveis
encarolando seu desempenho. O não dito pode ser dito sem querer. Os estofos
das lembranças podem aflorar, podem criar vida, podem criar tentáculos que
criarão vidas e tudo se solidificará. Assim, ele enreda seus fios e enovela. E
cria subterrâneos confortáveis. As coisas ditas, se não titubeadas ou traçadas
por lapsos são repetições, reverberações tidas como criativas. A mão
acendendo o cigarro incendeia a persuasão com um discurso em balões de
gibis.

Você também pode gostar