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A FIESP E O FUTURO DA

INDÚSTRIA BRASILEIRA

COMPLEXO ECONÔMICO
- INDUSTRIAL DA SAÚDE
(CEIS)
OPORTUNIDADE ESTRATÉGICA PARA
ENFRENTAR A VULNERABILIDADE E
PARA A ENTRADA DO BRASIL NA 4ª
REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

São Paulo, Dezembro de 2022


Position Paper:

COMPLEXO ECONÔMICO
- INDUSTRIAL DA SAÚDE
(CEIS)
OPORTUNIDADE ESTRATÉGICA PARA
ENFRENTAR A VULNERABILIDADE E
PARA A ENTRADA DO BRASIL NA 4ª
REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA*

São Paulo, Dezembro de 2022

Trabalho concebido e realizado ao longo de 2022. Iniciativa e realização:

FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

Conselho Superior de Inovação e Competitividade

Departamento de Competitividade e Tecnologia

* Este documento foi produzido a partir de uma versão


inicial de autoria de Carlos A. Grabois Gadelha, consultor contratado
pela FIESP especificamente para subsidiar a elaboração do trabalho,
e contou com importante colaboração do ComSaude, Comitê do
Complexo Produtivo e Econômico da Saúde e Biotecnologia da FIESP.
4

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo


Presidente: Josué Gomes da Silva

Vice-Presidente: Rafael Cervone

Conselho Superior de Inovação e Competitividade


Presidente: Pedro Wongtschowski

Vice-Presidente: André Clark

Conselheiros:

Anderson Ribeiro Correia Jean Jereissati Neto

Antonio Bardella Caparelli João Benjamin Parolin

Antonio Carlos Teixeira Alvares João Carlos Brega

Antonio José de Almeida Meirelles João Paulo Brotto G. Ferreira

Bernardo Gradin Liedi Légi Bariani Bernucci

Besaliel Soares Botelho Marcelo Castelli

Carlos Américo Pacheco Marcos S. de Oliveira

Carlos Eduardo Sanchez Ricardo Rodrigues de Carvalho

Carlos Gilberto Carlotti Júnior Roberto Lopes Pontes Simões

Cristiano Teixeira Rodrigo Dienstmann

Daniela Manique Santiago Chamorro

Eugênio Emilio Staub Sergio Pancini De Sá

Fabio Venturelli Suelma Rosa

Francisco Gomes Neto Walker Lahmann

Harry Schmelzer
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Departamento de Competitividade e Tecnologia - DECOMTEC


Superintendente: Renato Corona Fernandes

Equipe Técnica:

Albino Fernando Colantuono Fernando Momesso Pelai

André Kalup Vasconcelos Paulo Sérgio Pereira da Rocha

Débora Bellucci Modolo

Érica Marques Mendonça

Estagiários:

Ana Julia Tarantelli Ondas Thiago Silvani Russo dos Reis

Guilherme Fernandes de Avila Tomás Almeida Cardoso

Igor Tayar de Mello Barreto

Apoio:

Fernanda Caroline Alves Martins Richard Santos Nogueira

Comitê do Complexo Produtivo e Econômico da Saúde e Biotecnologia - ComSaude


Diretor Titular: Ruy Salvari Baumer

Diretores Titulares Adjuntos:

Bruno Cesar Almeida de Abreu Francisco Roberto Balestrin Andrade

Claudia Cohn Franco Maria Giuseppe Pallamolla

Eduardo Giacomazzi Márcio Bósio

Eduardo Ferreira Santana Paulo Henrique Fraccaro

Consultor:
Carlos A Grabois Gadelha

Doutor em Economia, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz


e ex-Secretário de C&T e Insumos Estratégicos do MS e de Desenvolvimento e
Competitividade do MDIC.
Carta do Presidente

Nas últimas quatro décadas, o crescimento da economia brasileira tem sido


significativamente abaixo do seu potencial. Temos insuficiente geração de empregos
e continuamos muito distantes do nível de renda per capita e desenvolvimento
humano dos países desenvolvidos.

Sob o reconhecimento de que a indústria de transformação, dentre outros atributos,


é dotada de maior capacidade para dinamizar o emprego, a renda e o investimento,
a reindustrialização do País revela-se parte fundamental da estratégia para a
retomada do desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

A reindustrialização envolve não apenas a superação das principais causas de perda


de competitividade do setor e da economia brasileira, como entraves estruturais
e macroeconômicos, mas também políticas industriais e tecnológicas, sob o
protagonismo do setor privado, com um Estado mais eficiente e uma estratégia de
longo prazo de indução ao desenvolvimento.

A discussão desses tópicos é oportuna, uma vez que diversos países também têm
aproveitado a atual conjuntura global para reafirmar a importância da indústria em
suas economias, estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico, bem como
a produção nacional, visando reduzir a vulnerabilidade diante de crises externas.

É nesse contexto das grandes transformações mundiais, associadas à revolução


tecnológica, à primazia da sustentabilidade ambiental e social e aos impactos das
recentes crises internacionais, que a FIESP promove a discussão de estratégias para
o desenvolvimento do Brasil, tal como as abordadas nesta série de publicações.

Josué Gomes da Silva


Presidente da Fiesp
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Apresentação:

O fomento ao desenvolvimento produtivo e tecnológico está presente na agenda de políticas


de grande parte das nações do mundo há décadas. Países que já ocupam posições de lideran-
ça tecnológica sustentam políticas industriais e de inovação para manter sua competitivida-
de, sua sustentabilidade e sua posição no mercado global.

Adicionalmente, os choques nas cadeias de fornecimento globais provocados pela pandemia


da COVID-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia ressaltaram, mundialmente, a importância da
indústria. Estados Unidos e União Europeia, por exemplo, têm estruturado novas iniciativas
de política industrial tendo entre seus objetivos o aprofundamento do domínio tecnológico e
o fortalecimento das capacidades produtivas em setores críticos.

Em países, como o Brasil, que possuem baixa renda per capita e um grande conjunto de in-
dústrias de baixa intensidade tecnológica, os desafios são grandes e demandam a rápida
implementação de uma estratégia de desenvolvimento. Ressalta-se, aqui, o papel chave da
indústria de transformação na ampliação da competitividade brasileira, uma vez que realiza
a maior parte dos investimentos em máquinas e equipamentos e em inovação e P&D. Em par-
ticular, no caso brasileiro, a melhoria dos índices de sustentabilidade e o espaço de digitaliza-
ção da indústria representam oportunidades que não podem ser perdidas.

Com o intuito de contribuir para os debates sobre ações e políticas a serem implementadas,
o Conselho Superior de Inovação e Competitividade da FIESP (Conic) coordenou, entre ju-
lho e dezembro de 2022, a realização de nove position papers. Quatro deles tratam de temas
horizontais considerados prioritários (Inovação e Desenvolvimento Tecnológico; Manufatura
Avançada; Instituições Financeiras de Desenvolvimento - BNDES e Mercado de Capitais). E ou-
tros cinco sobre cadeias críticas de fornecimento (Alimentos, Defesa, Energia, Saúde e TICs),
consideradas centrais diante do desafio de reduzir a vulnerabilidade a crises externas.

Os position papers foram inicialmente elaborados por renomados especialistas nas áreas.
Posteriormente, foram discutidos e complementados por trabalhos da equipe técnica do De-
comtec/FIESP e debatidos com conselheiros do Conic, incorporando contribuições. No caso
das cadeias críticas de fornecimento, os position papers também contaram com contribuições
de outros departamentos da FIESP.

Esperamos que estes trabalhos contribuam para aprofundar a discussão de temas que devem
estar presentes na agenda de políticas no Brasil.

A fim de facilitar ao leitor, optamos pela publicação individual de cada um dos nove position
papers mencionados e uma publicação conjunta contendo somente o resumo destes traba-
lhos.

O presente documento trata especificamente do tema Complexo Econômico-Industrial da


Saúde (CEIS).

Boa leitura!

Pedro Wongtschowski
Presidente do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da FIESP
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Sumário

Sumário Executivo .................................................................................. 12

1. Introdução e metodologia ....................................................................15

2. Uma nova visão da saúde: uma cadeia produtiva crítica para o

desenvolvimento ....................................................................................19

3. Perspectiva para o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial

da Saúde (CEIS) no Brasil (objetivos estratégicos) ...................................... 25

4. Propostas de diretrizes e arranjos institucionais necessários para

atender ao desenvolvimento do CEIS no Brasil e para reduzir a

vulnerabilidade em saúde ........................................................................51

Referências bibliográficas ........................................................................61


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Sumário Executivo

Diagnóstico e oportunidade estratégica


O Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) constitui uma cadeia crítica que deve ad-
quirir prioridade em uma nova política de desenvolvimento pelos seguintes fatores:

• Representa uma base produtiva decisiva para a vida e para o desenvolvimento econômico
e social, como evidenciado pela pandemia da Covid-19.

• Constitui uma área de clara disputa geopolítica global pela produção e inovação, havendo
o risco de aumento das assimetrias tecnológicas com impacto tanto para a economia e a
indústria quanto para a vulnerabilidade em saúde.

• Praticamente todas as políticas industriais recentes, pós-pandemia, nos países desenvol-


vidos e nos emergentes mais dinâmicos, priorizaram a construção de estruturas compe-
titivas e resilientes.

• Há no Brasil um enorme descompasso entre a demanda crescente por bens e serviços de


saúde e a capacidade produtiva e de inovação local.

• Como decorrência dessa situação, para que não houvesse um colapso no sistema de saú-
de, o Brasil chegou a uma situação de elevada vulnerabilidade econômica e social com as
importações atingindo US$ 20 bilhões em 2021.

Não obstante, a saúde também se constitui uma enorme oportunidade para a economia e a
indústria brasileira. Os seguintes fatores evidenciam o CEIS como uma possibilidade concreta
de fazer parte com centralidade em uma nova estratégia de desenvolvimento.

• A saúde mobiliza 10% do PIB do Brasil (IBGE, 2022) e esta tendência deve aumentar, uma
vez que os gastos em saúde são pressionados com o envelhecimento populacional e a
crescente participação das doenças crônicas

• A saúde é das áreas que mais gera emprego e a atividade industrial de alta densidade tec-
nológica (como as ligadas às tecnologias de informação e conectividade em saúde) eleva
a qualificação dos salários, as remunerações e o valor gerado em toda cadeia produtiva,
sendo a estimativa recente mais acurada de que a saúde gera 9 milhões de empregos di-
retos e cerca de 25 milhões de empregos diretos e indiretos (Gimenez et al, 2022, no prelo
e Gadelha, 2022, no prelo).

• A saúde tem uma participação superior a 30% das atividades de C&T do país, constituindo
uma clara porta de entrada nos conhecimentos centrais da 4ª revolução industrial

• Pelos fatores delineados acima (participação no PIB, no emprego qualificado e na C&T),


o fortalecimento do CEIS apresenta alta importância para a dinamização do sistema eco-
nômico, tanto pela relação virtuosa entre “população saudável” e economia quanto pelos
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efeitos de transbordamento (spill over) dos conhecimentos e inovações em saúde para


outras atividades, apresentando-se como um caminho para a revitalização da indústria e
do sistema econômico.

Propostas de diretrizes para atender ao


desenvolvimento do CEIS no Brasil e para reduzir a
vulnerabilidade em saúde
As seguintes diretrizes estratégicas selecionadas podem contribuir para um debate, ousado,
em termos de uma nova orientação da política de desenvolvimento para subsidiar a concep-
ção e a atuação na saúde como uma cadeia produtiva crítica, focada nos segmentos indus-
triais do CEIS:

a) Situar a saúde como uma das grandes prioridades da política de desenvolvimento sus-
tentável, criando uma institucionalidade adequada com poder decisório para uma ação
sistêmica integrada no CEIS.

b) Estruturar o Ministério da Saúde para viabilizar a implementação de uma nova visão de


desenvolvimento.

c) Fortalecer e garantir estabilidade e transparência para o uso estratégico do poder de


compra do Estado.

d) Promover a convergência dos instrumentos de financiamento, incentivos fiscais e tari-


fários: apoio à inovação e isonomia competitiva e tributária.

e) Fortalecer as instituições públicas que estabelecem parcerias com o setor privado, in-
cluindo o estímulo à adoção de modelos de gestão adequados para as atividades de CT&I
e de produção em parceria.

f) Estimular a produção nacional em um modelo que favoreça a produção regional e a


cooperação global.

g) Estabelecer uma regulação proativa para a produção e a inovação.

h) Fortalecer a CT&I em saúde como porta de Entrada na Revolução 4.0: inovação e aces-
so.

i) Constituir um ambiente institucional que garanta segurança jurídica para o investimen-


to, a inovação e a produção local no CEIS.
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1.
INTRODUÇÃO E
METODOLIGIA
16

Introdução e metodologia

Este position paper procura contribuir para a compreensão da saúde como uma cadeia produ-
tiva crítica que se insere em um espaço econômico, institucional e social específico, definido
pelo Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), para onde converge a produção indus-
trial vinculada às ações de atenção, prevenção e promoção à saúde2. Essa compreensão ob-
jetiva sugerir propostas de diretrizes de política industrial, colocando a saúde como uma das
prioridades de política pública tanto pela sua relevância econômica quanto pelo seu impacto
social e parte de uma transformação na matriz produtiva que viabilize um padrão tecnológico
sustentável.

Com base em um longo programa de pesquisa sobre o CEIS, desenvolvido na Fiocruz desde
o início dos anos 2000, em parceria com uma ampla rede de pesquisadores da área econô-
mica e social, no bojo de estudos que vinculavam a competitividade da economia brasilei-
ra com o acesso universal à saúde, foram adotados diversos procedimentos metodológicos.
Destaca-se, em particular, o levantamento das bases bibliográficas e documentais, nacionais
e internacionais, sobre as indústrias da saúde (farmacêutica, de fármacos, vacinas, equipa-
mentos e dispositivos e materiais médicos), sobre sua vinculação com o acesso e o cuidado à
saúde, o levantamento de políticas públicas industriais e de saúde e a consulta e análise de
estudos prospectivos de organizações públicas e privadas referentes à produção em saúde,
ao levantamento de tendências e de modalidades de apoio público à saúde e aos segmentos
industriais do CEIS.

Em termos de dados primários, as estatísticas de comércio exterior do antigo MDIC e atual Mi-
nistério da Economia foram trabalhadas com metodologia própria para delimitar os produtos
específicos da saúde, considerando que muitas categorias possuem uso diverso ou inespe-
cífico. Com base nesse esforço, pela primeira vez calculou-se a balança comercial da saúde
(Gadelha, 2022), a partir de quando passou a haver um acompanhamento sistemático, cuja
última atualização será apresentada neste trabalho. Até então havia apenas estudos setoriais
(da farmacêutica, fármacos, equipamentos, por exemplo) sem uma agregação analítica e me-
todológica que permitisse analisar a vulnerabilidade e as oportunidades da cadeia produtiva
da saúde como um todo, sem que se perdesse também os dados desagregados pelos distintos
setores. As informações também foram trabalhadas por blocos comerciais e em séries histó-
ricas.

Para o conhecimento do mercado interno e sua relação com o mercado internacional, além
dos dados de comércio exterior, sempre foi efetuado um esforço de levantamento das bases
de dados de instituições e organismos nacionais (a exemplo do IBGE – desde de dados demo-
gráficos até as contas satélites da saúde, além pesquisas como a PNAD e PINTEC – e informa-
ções primárias e secundárias de instituições nacionais e internacionais como o BNDES, MCTI,
2 Como a saúde está ligada à qualidade de vida e não apenas à ausência de doenças, segundo a OMS, a delimitação é
necessária para ficar claro que se trata de atividades produtivas diretamente vinculadas ao cuidado à saúde. Com este objeti-
vo, a designação do CEIS foi adotada pelos Descritores em Ciência da Saúde (DeCS) da Biblioteca Virtual da Saúde (OPAS/OMS)
e pela Enciclopédia Oxford (Oxford Research Encyclopedia).
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FINEP e CNPq, Banco Mundial, BID e dados de consultorias nacionais e internacionais.

Por fim, nessa longa trajetória houve uma profícua interação com associações empresariais
dos distintos setores do CEIS, empresas e instituições de saúde para levantamento de estra-
tégias, ameaças e oportunidades, além de sugestões de política pública.

Este policy paper resulta, assim, de um longo processo de pesquisa e de estudos sendo uma
“ponta do iceberg” para atualizar o contexto após a pandemia da Covid-19 (para a qual já há
uma produção acadêmica em curso) e os novos desafios de política pública que se colocam
no presente para pensar – e ousar – em uma nova geração de políticas industriais que dialo-
guem com os desafios nacionais e as necessidades sociais que demandam, como evidenciado
pelo atual contexto, uma atividade industrial forte e dinâmica para superar a vulnerabilidade
em saúde e definir novos caminhos para uma política de desenvolvimento.

Para tanto, foram consultadas as propostas que foi possível ter acesso de associações em-
presariais da área industrial, das principais organizações e associações da área de CT&I e de
Saúde (ver referências bibliográficas ao final de todo material consultado que constitui im-
portante produto desse trabalho para desdobramentos posteriores), sem ter o objetivo de
efetuar uma longa síntese que fugiria dos propósitos de um position paper. Procurou-se, sim,
incorporar em diretrizes estratégicas aquelas que se considerou de maior envergadura e im-
pacto para que o CEIS possa se conformar em uma nova aposta para um novo modelo de
desenvolvimento assentado na inovação, na sustentabilidade ambiental e no atendimento às
demandas da sociedade, com a forte participação das indústrias da saúde.

Para tanto, além deste tópico de introdução e de apresentação sucinta da metodologia que
vem sendo utilizada no programa de pesquisa, o trabalho está organizado em mais três tópi-
cos. O tópico seguinte trata da visão que está por trás da saúde como uma cadeia produtiva
crítica, indicando uma nova abordagem que supera a dicotomia entre a área econômica e
industrial e a social e os fatores determinantes que justificam a saúde como um vetor prio-
ritário para o desenvolvimento. O tópico III, apresenta com maior especificidade o CEIS, os
segmentos industriais mais destacados e a vulnerabilidade e oportunidade existente no atual
contexto nacional. O tópico IV apresenta propostas de diretrizes e arranjos institucionais ne-
cessários para atender ao desenvolvimento do CEIS no Brasil e para reduzir a vulnerabilidade
em saúde, pretendendo contribuir para o debate sobre as alternativas para o país e para as
ações necessárias, sobretudo na área industrial.
19

2.
UMA NOVA VISÃO
DA SAÚDE: UMA
CADEIA PRODUTIVA
CRÍTICA PARA O
DESENVOLVIMENTO
20

Uma nova visão da saúde: uma cadeia


produtiva crítica para o desenvolvimento

A pandemia da Covid-19 tornou evidente a forte relação entre saúde e desenvolvimento, cor-
roborando uma hipótese de trabalho que vem sendo desenvolvida nas últimas duas décadas
no campo da economia da saúde na Fiocruz, tendo se originado no bojo de um trabalho para
o MDIC e MCT sobre a competitividade das cadeias produtivas do Brasil (Gadelha, 2002). Em
linhas gerais se passou a compreender a base econômica da saúde como um sistema econô-
mico de alta relevância, integrando paradigmas tecnológicos e setores de atividades distin-
tos, caracterizando um complexo econômico-industrial com elevada participação no PIB e no
emprego e com uma significativa densidade tecnológica e de conhecimento.

Essa visão incorpora, com centralidade, setores de atividades como medicamentos e equi-
pamentos médicos, mas vai além da visão mais clássica de economia política industrial,
possuindo um olhar mais abrangente da saúde como espaço econômico decisivo para toda
a economia e para a sociedade. Considera a existência de um espaço econômico integrado
e interdependente que caracteriza um sistema produtivo que envolve tanto as relações de
insumo-produto típica das cadeias produtivas (a exemplo de intermediários químicos e medi-
camentos) quanto as relações econômicas, regulatórias e institucionais que caracterizam um
espaço interdependente de estímulo, de competição, de investimento e de geração de empre-
go e renda. Como ilustração, produtos biotecnológicos, químicos, equipamento e materiais
de consumo de uso médico possuem relações técnico produtivas específicas (são cadeias téc-
nicas diferentes, uma tendo, por exemplo, o aço como insumo; outra, a petroquímica; e uma
terceira, os microrganismos e materiais biológicos) mas interagem entre si, compartilhando o
contexto institucional e econômico da saúde, caracterizando um verdadeiro complexo econô-
mico-industrial, cuja evolução e dinâmica é interdependente e, portanto, sistêmica.

Observe-se que o termo “industrial” é amplo, incorporando tanto os setores industriais stricto
sensu (como os medicamentos, fármacos e equipamentos e materiais que constituem o foco
prioritário deste trabalho) quanto o conjunto de atividades em saúde que seguem a lógica de
produção industrial ainda que na taxonomia das contas nacionais sejam classificadas como
“serviços”, como é o caso de muitos segmentos da indústria 4.0, na qual grande parte das
tecnologias envolvem atividades de tratamento de grandes bases de dados (big data) e de
inteligência artificial, mediante a prestação de serviços digitais e de conectividade para todo
sistema de produção e inovação em saúde.

Ou seja, a visão da saúde como um complexo econômico-industrial integra todas as ativida-


des que se inserem no sistema de saúde, envolvendo as ações assistenciais, de diagnóstico,
de promoção e de prevenção, onde se dá a venda e a realização de mercado da produção
manufatureira (medicamentos, fármacos, equipamentos e dispositivos médicos e materiais
de consumo) e dos serviços de comunicação e conectividade. Assim sendo, o CEIS demar-
ca claramente o espaço econômico e da política industrial em saúde, não sendo tão amplo
21

que admita tudo que condiciona a saúde (como atividades de saneamento, de produtos de
limpeza e alimentação) nem tão restrito que se atenha apenas a setores industriais isolados
sem se pensar a conexão com a institucionalidade e evolução do sistema de saúde que condi-
ciona diretamente todas as atividades realizadas. Por isso, sob a ótica do Complexo, há uma
interação comum das atividades industriais com a regulação sanitária em saúde (da Anvisa),
com a política de CT&I em saúde, com a regulação da oferta de atendimento em saúde, tanto
no SUS quanto da ANS, entre muitos outros exemplos que demarcam claramente o campo
preciso que é abordado nessa cadeia crítica: os produtos e insumos industriais, serviços e
tecnologias que diretamente se relacionam com o cuidado à saúde.

A pandemia da Covid-19, desafortunadamente, evidenciou o carácter sistêmico e interde-


pendente da produção em saúde, devendo ser superada a dicotomia entre o campo econô-
mico-industrial e o campo socioambiental. O enfoque adotado para a saúde e o CEIS impõe
repensar a própria visão de desenvolvimento, sendo um campo de prática exemplar de uma
economia e uma política industrial orientada por missões (Mazzucato, 2021)3.

Em termos da visão conceitual e política adotada há, assim, a necessidade de (re)pensar a


dimensão econômica e industrial do desenvolvimento junto com a dimensão socioambiental,
como a Figura 1 ilustra, seguindo, e avançando para o campo concreto da saúde, nos marcos
da visão do desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 (ONU, 2015).

Figura 1. O processo de desenvolvimento em saúde: dimensões endógenas

Base econômica, industrial e de CT&I

Bem-Estar Social e Sustentabilidade ambiental

Fonte: Figura adaptada de Gadelha (2021a).

Segundo essa perspectiva, a base industrial em saúde representa tanto um campo de expan-
são necessário para o adensamento do tecido produtivo da economia brasileira quanto uma
área central para reduzir a vulnerabilidade social, garantir o acesso à saúde, o direito à vida
e um padrão de desenvolvimento sustentável que seja compatível com a principal marca da
agenda 2030: não deixar ninguém para trás.

Assim sendo, o fortalecimento do complexo da saúde no Brasil possui, simultaneamente, uma


3 Esse tópico está baseado na parte desenvolvida pelo autor decorrente de um trabalho conjunto do CEE/Fiocruz e o
The WHO Council on the The Economics of Health for All, que será lançado em breve, sob a coordenação conjunta com Mariana
Mazzucato.
22

dimensão econômica-industrial e social central no processo de desenvolvimento, constituin-


do uma cadeia produtiva crítica que também representa um exemplo inovador para uma nova
abordagem de política industrial que supere as antigas políticas setoriais autorreferentes, co-
locando a dimensão social e ambiental como norte comum para a interação entre Estado e
setor privado.

Como desdobramento dessa visão, o CEIS constitui uma cadeia crítica que deve adquirir prio-
ridade em uma nova política de desenvolvimento, destacando-se os seguintes fatores:

• Representa uma base produtiva decisiva para a vida e para o desenvolvimento econômico
e social, como evidenciado pela pandemia da Covid-19.

• Constitui uma área de clara disputa geopolítica global pela produção e inovação, havendo
o risco de aumento das assimetrias tecnológicas com impacto tanto para a economia e a
indústria quanto para a vulnerabilidade em saúde, como ficou evidenciado na distribui-
ção desigual no mundo de vacinas, medicamentos, ventiladores, produtos para diagnós-
tico e equipamentos de proteção individual.

• Praticamente todas as políticas industriais recentes, pós-pandemia, nos países desenvol-


vidos e nos emergentes mais dinâmicos, priorizaram a construção de estruturas compe-
titivas e resilientes, preparadas para responder aos desafios sanitários em saúde, acen-
tuando o risco de defasagem tecnológica e produtiva do Brasil. Nos EUA, como exemplo
destacado onde esse processo é explícito, há um conjunto de medidas e instrumentos
de política industrial ativa para todos os setores industriais da saúde que fazem parte do
complexo da saúde (USA, 2021; USA, 2022).

• Há no Brasil um enorme descompasso entre a demanda crescente por bens e serviços


de saúde e a capacidade produtiva e de inovação local. A mudança demográfica com o
aumento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional (que constitui um fator
associado ao próprio direito à vida e não algo negativo), a mudança no perfil epidemioló-
gico (aumento da importância das doenças crônicas na carga de doenças – que requerem
cuidado permanente – sem que as doenças transmissíveis tenham perdido sua alta rele-
vância como evidenciado pela pandemia da Covid-19) e a definição da saúde como direito
e dever do Estado na Constituição Brasileira de 1988, que deu origem ao SUS, levaram a
uma alta expansão da demanda por saúde sem que tenha havido uma resposta, de mes-
ma envergadura, da produção local, tensionando a relação apresentada na Figura 1 entre
a base produtiva e o bem-estar da população.

• Como decorrência dessa situação, para que não houvesse um colapso no sistema de saú-
de, o Brasil incorreu em déficits comerciais crescentes em saúde, chegando a uma situa-
ção de elevada vulnerabilidade econômica e social (na seção seguinte os dados recentes
serão apresentados), caminhando para uma situação de alto risco e insustentabilidade.

Não obstante esses fatores de risco e de vulnerabilidade, a saúde também se constitui uma
enorme oportunidade para a economia e a indústria brasileira, justamente por fazer parte do
pacto constitucional de ser um direito universal, integral e equânime (Brasil, Constituição de
1988, artigo 196).
23

Os seguintes fatores evidenciam o CEIS como uma possibilidade concreta de fazer parte com
centralidade em uma nova estratégia de desenvolvimento:

• A saúde mobiliza 10% do PIB do Brasil (IBGE, 2022) e esta tendência deve aumentar, uma
vez que os gastos em saúde são pressionados com o envelhecimento populacional e a
crescente participação das doenças crônicas

• A saúde é das áreas que mais gera emprego e a atividade industrial de alta densidade tec-
nológica (como as ligadas às tecnologias de informação e conectividade em saúde) eleva
a qualificação dos salários, as remunerações e o valor gerado em toda cadeia produtiva,
sendo a estimativa recente mais acurada de que a saúde gera 9 milhões de empregos di-
retos e cerca de 25 milhões de empregos diretos e indiretos (Gimenez et al, 2022, no prelo
e Gadelha, 2022, no prelo).

• A saúde tem uma participação superior a 30% das atividades de C&T do país, conside-
rando os dados das ciências da vida, das ciências biológicas e de áreas com participa-
ção importante da saúde (que envolve desde ciências sociais até o campo das ciências
de computação, matemática, entre outras), constituindo uma clara porta de entrada nos
conhecimentos centrais da 4ª revolução industrial (peso importante e crescente das tec-
nologias de informação e conectividade, big data, inteligência artificial, edição genética,
nanotecnologia, impressão 3D, biotecnologia e química avançada, novos materiais, entre
outros destaques)

• Pelos fatores delineados acima (participação no PIB, no emprego qualificado e na C&T),


o fortalecimento do CEIS apresenta alta importância para a dinamização do sistema eco-
nômico, tanto pela relação virtuosa entre “população saudável” e economia quanto pelos
efeitos de transbordamento (spill over) dos conhecimentos e inovações em saúde para
outras atividades, apresentando-se como um caminho para a revitalização da indústria e
do sistema econômico.
25

3.
PERSPECTIVA PARA
O FORTALECIMENTO
DO COMPLEXO
ECONÔMICO-
INDUSTRIAL DA
SAÚDE (CEIS) NO
BRASIL (OBJETIVOS
ESTRATÉGICOS)
26

Perspectiva para o fortalecimento do


Complexo Econômico-Industrial da Saúde
(CEIS) no Brasil (objetivos estratégicos)

3.1. Visão Geral do CEIS


A partir da concepção e desdobramentos para uma nova visão da área da saúde – para além
das atividades assistenciais compensatórias e integrando as dimensões econômicas e sociais
– a Figura 2 apresenta a morfologia do Complexo Econômico-Industrial da Saúde no contexto
da 4ª Revolução Tecnológica em curso.

Figura 2. Morfologia do Complexo Econômico-Industrial da Saúde no contexto da 4ª


Revolução Tecnológica

CEIS 4.0

Indústria

Subsistema de Base Química e Subsistema de Base Mecânica, Ele- CEIS


Biotecnológica trônica de Materiais
• SUS: Maior
• Medicamentos • Equipamento mecânico sistema univer-
sal do mundo
Estado > Promoção + Regulação

• Insumos Farmacêuticos ativos • Equipamentos eletroeletrônicos


(POP)
• Vacinas • Próteses e órteses
• PIB: 10%
• Hemoderivados • Materiais de Consumo
• Empregos: 9%
• Reagentes para diagnósticos • Dispositivos de diagnóstico
• P&D: 30-35%%

• Alto potencial
para estimular
Subsistemas de Informação e a economia
Conectividade • Área chave
para a 4ª Revo-
lução industrial

Subsistema de Serviços

Atenção Hospitais Ambulatórios Serviços de Varejo e Dis-


Primária Diagnóstico tribuição

Fonte: Gadelha, CAG (2021a). O Complexo Econômico Industrial da Saúde: por uma visão integrada do desenvolvimento eco-
nômico, social e ambiental, p.26, 2021. Em: O Complexo Econômico-Industrial da Saúde 4.0 no contexto da Covid-19. Cadernos
do Desenvolvimento 16 (28), 2021. http://www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs-2.4.8/index.php/cdes
27

Como cadeia produtiva crítica que conforma a base tecnológica do sistema de produção e de
inovação em saúde, o CEIS se organiza por subsistemas baseados em grandes paradigmas
tecnológicos – seguindo a concepção da literatura de inovação – que incluem os setores in-
dustriais de atividade que produzem para os serviços de atenção, prevenção e a promoção à
saúde, que configuram a destinação e o mercado no qual a produção manufatureira se realiza.

O CEIS é o âmbito sistêmico no qual se realiza a produção e inovação em bens e serviços de


saúde, onde estão presentes um conjunto de atividades e setores econômicos diversos, en-
volvendo os seguintes subsistemas:

i) Subsistema de base química e biotecnológica: atividades e setores econômicos envolvidos


no desenvolvimento e produção de Medicamentos de síntese química e biológica, Insumos
Farmacêuticos Ativos, Vacinas, Hemoderivados e regentes para diagnóstico.

ii) Subsistema de base mecânica, eletrônica e de materiais: atividades e setores envolvidos


no desenvolvimento e produção de equipamentos médico-hospitalares, dispositivos médi-
cos4, órteses e próteses, dispositivos de diagnóstico, equipamentos de proteção individual
(EPI) e material de consumo.

iii) Subsistema de informação e conectividade: atividades e setores, emergentes no con-


texto da 4ª revolução tecnológica, envolvidos no desenvolvimento e produção bens (equipa-
mentos, sensores, semicondutores, insumos e dispositivos) e de serviços (como softwares e
serviços para tratamento de dados e de inteligência artificial) para gerar, processar e trans-
formar em conhecimento e dados na área da saúde em informações utilizadas na produção
industrial e de serviços, reforçando a conexão sistêmica entre os diferentes subsistemas, a
ponto de, muitas vezes, borrar a distinção entre eles (o monitoramento da saúde local com
diagnóstico populacional é ao mesmo tempo atenção básica, produto e serviço de diagnósti-
co, processamento de informação e produção industrial de equipamentos e de biotecnologia,
esta última quando envolve vigilância genômica de uma população de um determinado terri-
tório, por exemplo) .

iv) Subsistema de serviços relacionados às práticas médicas que utilizam todos os produtos
dos demais subsistemas: atividades e setores envolvidos na produção de serviços de aten-
dimento à saúde, abrangendo a atenção básica (no presente também intensiva em uso de
tecnologias e produtos industriais), atenção hospitalar, ambulatorial, os serviços de diag-
nóstico e tratamento e os serviços de varejo e distribuição de bens em saúde;

Importante destacar que esses subsistemas são integrados configurando um sistema econô-
mico-industrial que só tem semelhança global com a defesa, sendo que no Brasil tem um peso
e uma oportunidade ainda mais destacada. O reconhecimento desse fato reforça a importân-
cia decisiva dos setores industriais priorizados nas proposições de diretrizes (a parte de cima
da Figura no círculo superior), envolvendo os setores farmacêutico, de IFAS e de dispositivos
médicos, entre outros. Cabe, assim, ressaltar a necessidade de se compreender a saúde como
uma cadeia e um sistema produtivo interdependente (essa é a definição de sistema) como
4 Na classificação adotada pela indústria, os dispositivos incluem os equipamentos médicos. Aqui se abriu para fa-
cilitar a compreensão pelo público não especializado que na área incluem os equipamentos e todos os dispositivos como
instrumentos médicos e utilizados em âmbito hospitalar e ambulatorial.
28

ponto de partida e como um novo paradigma de política industrial sistêmica que se concreti-
za nos desafios e nas oportunidades para os segmentos industriais da cadeia produtiva.

Por exemplo, não se pode desenvolver um único medicamento ou dispositivo sem a pesquisa
clínica realizada em hospitais e a interação com instituições e profissionais que trabalham na
saúde. Uma vacina que não é passível de ser aplicada na atenção primária tem pouca utilida-
de e potencial econômico. Na pandemia da Covid-19 ficou clara a necessidade de se mobilizar,
para o combate à doença, um sistema econômico que envolvia equipamentos para UTI, de
diagnóstico (TC e RNM), medicamentos (uma intubação básica sem anestésico não é possível),
vacinas e testes para diagnóstico utilizados na atenção básica e nos hospitais. Se um pilar
desse sistema econômico e produtivo não funciona (a falta de uma vacina, de uma unidade
de UTI hospitalar ou de um enfermeiro na atenção primária) as ações literalmente desabavam
ao custo de muitas vidas e de sequelas. E, também, de um enorme custo econômico tanto na
cadeia da saúde quanto para a sociedade.

Sob um outro prisma, cada setor industrial apenas tem relevância se for inserido como elo di-
nâmico no conjunto da cadeia produtiva. A participação no PIB da farmacêutica – a indústria
de maior peso no CEIS –, por exemplo, é inferior a 2%, a de equipamentos é inferior a 0,5%,
a de diagnóstico biológico a 1%. Todos os setores de atividade econômica, pensados modo
integrado, representam 10% do PIB e 9% do emprego e, aí sim, se pode conceber uma cadeia
produtiva crítica capaz de dinamizar a economia e a inovação por terem, de fato, relações sis-
têmicas, integradas e que concorrem para uma missão social: a saúde e a vida que são o pró-
prio sentido da economia (como falava Keynes)! E a indústria, nesse contexto, pode ser vista
como a seiva da inovação e da sofisticação produtiva, da dinamização das empresas de bens
e serviços e do trabalho, capaz de alavancar toda uma área estratégica, ganhando relevância
inclusive macroeconômica ao transformar um padrão de desenvolvimento como um vetor de
crescimento, inovação e sustentabilidade (exemplos adicionais da importância da indústria
para a saúde seriam infindáveis e fora do escopo deste position paper).

Esse sistema produtivo possui, assim, enorme importância social e econômica. O Brasil estru-
turou, em consonância com seu pacto político e social constitucional (decorrente da Consti-
tuição Brasileira de 1988), o maior sistema universal de saúde do mundo em termos de popu-
lação coberta, sendo um direito e dever do Estado que se traduz em uma forte demanda que
não pode excluir as pessoas do atendimento de suas necessidades de saúde. O CEIS, assim,
como mencionado na caracterização da saúde como uma cadeia produtiva crítica, mobiliza
a economia, o emprego, a C&T e todas as inovações centrais na revolução tecnológica em cur-
so (vide dados mencionados no tópico anterior e sintetizados no box da Figura 2).

No entanto, o desenvolvimento do CEIS não acompanha as crescentes necessidades de saú-


de da sociedade brasileira, nem no presente, nem prospectivamente, pelos fatores indicados
acima (mudança demográfica, epidemiológica e decorrentes da obrigação de tratar a saúde
como direito). O compromisso de garantir o acesso universal, integral e equânime em um país
de 215 milhões de pessoas, com determinantes sociais da saúde muito desfavoráveis (con-
dições de saneamento, habitação, desigualdade social, pobreza e fome, entre outros) e de
dimensões continentais gera uma elevada demanda de produtos industriais para enfrentar
29

o desafio de garantir promoção, prevenção e atenção à saúde em escala nacional, que tem
excedido em muito a capacidade produtiva e tecnológica nacional instalada.

A análise da evolução das relações comerciais em saúde no Brasil evidencia um movimento


estrutural de crescente descompasso entre as necessidades de saúde da população e a base
produtiva que lhe dá sustentação, ficando clara a importância e papel destacado na indústria
nesse sistema produtivo.

Como pode ser visto no Gráfico 1, com a consolidação do direito à saúde ao longo desse sécu-
lo as importações e o déficit comercial do CEIS cresceram acentuadamente em termos reais
(valores atualizados pela inflação americana), só vindo a se estabilizar a partir de 2010 até
2020, ainda que em um patamar elevado e com tendência de aumento nesse período.

Gráfico 1

Balança Comercial Brasil CEIS (1996/2021) Vulnerabilidade e


ou ... Déficit de Conhecimento? dependência
Descompasso entre o acesso universal e o sistema de produção Importações em
e de CT&I em saúde 2021: U$ 20,5 bilhões

25 Fármacos e Medicamentos

• Farmacêutica e vacinas: 81%


20
das Importações do CEIS
15 • Dependência importação
IFA: 90% a 95%
10
Equipamentos / Materiais
5
• Regressão tecnológica
0
• Importações de
-5 ventiladores pulmonares

-10 • 1999: U$ 9,72 milhões

-15 • 2019: U$ 52,22 milhões

-20 • 2020: U$ 167,9 milhões

-25 EPI

• Importação 2019: U$ 741


1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021

milhões

• Importação 2020: U$ 1104


milhões
Exportação Importação Déficit
• Acréscimo: U$ 363 milhões

Vulnerabilidade em Saúde

• Mais de 100 países


estabeleceram barreiras
às exportações em saúde
durante a pandemia.

Fonte: GADELHA, CAG (2022a). Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de
Saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 38, supl 2, 2022. http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1824/complexo-economi-
co-industrial-da-saude-a-base-economica-e-material-do-sistema-unico-de-saude
30

Antes de entrar no contexto pandêmico, cujos efeitos ainda mais preocupantes se tornam evi-
dentes em 2021, já foi mostrado, no âmbito dos trabalhos grupo de pesquisa da Fiocruz, que
a dependência de importações é estrutural, sendo inclusive pouco flexível ao câmbio (Cesário
et al, 2017). Ou seja, independentemente da evolução da taxa de câmbio, o déficit se mantém
pela falta de capacidade tecnológica e produtiva e pela rigidez do consumo interno em saúde,
pois afinal a última despesa a ser cortada quando os preços sobem pelo efeito do câmbio é a
com preservação e proteção da vida e da tentativa de mitigar ou superar os efeitos das doen-
ças. O mercado da saúde não tem nada de perfeito. Os bens não são substituíveis (quando
se tem câncer o tratamento não pode ser feito com aspirinas porque um produto oncológico
ficou caro), o consumidor não conhece o produto (assimetria de informação), se submete ao
conhecimento de um especialista (são bens credenciais) e as condições internacionais de oli-
gopólio não deixam muitas opções de tratamento nas distintas classes terapêuticas e grupos
de produtos (Safatle & Gadelha, 2022).

Ou seja, frente a uma demanda rígida, a capacidade de resposta para enfrentar a vulnerabili-
dade da vida depende de capacidade industrial e tecnológica. E esta, como revelado na pan-
demia, é inelástica a curto e médio prazo – as reconversões industriais se mostram muito di-
fíceis –, pois na saúde nada é simples de produzir. Não existem camas, e sim leitos que devem
ter especificidade para o paciente; não existem máscaras simples de pano eficientes, e sim as
com capacidade de filtragem de micropartículas usando, como no presente, nanotecnologia;
quem produz vacina para gado não passa a produzir vacina para gente em poucos meses; e
assim sucessivamente.

Nesse sentido, e se distinguindo das políticas antigas de substituição de importações e de


fechamento do mercado focadas nas barreiras e fechamento de mercados e setores, na saú-
de o déficit parece ser comercial, mas não é. É um déficit de conhecimento e de capacidade
tecnológica de inovação em saúde, que impede uma capacidade estrutural de resposta frente
às crises sanitárias e pandêmicas. A questão industrial sai do campo da proteção a setores e
se torna uma questão de direito à vida e ao conhecimento e de inovação, incluindo a saúde
em uma nova fronteira de novas política públicas orientadas pelos desafios nacionais e glo-
bais (Gadelha, 2016), tratadas mais recentemente como orientadas por missões (Mazzucatto,
2021).

O período 2000 e 2021, como mostra a o Gráfico 1 e o box que o acompanha, evidenciam o
risco social e econômico da vulnerabilidade em saúde, tornando o CEIS não mais uma escolha
arbitrária da burocracia pública e empresarial pela proteção, e sim uma área, um sistema pro-
dutivo crítico, que deve ser prioritário em uma nova geração de política industrial orientada
para a sociedade e a sustentabilidade ambiental, gerando, ao mesmo, tempo novas oportu-
nidades de investimento, salários dignos e de rentabilidade empresarial, estimulando os que
assumem o risco da inovação para enfrentar os grandes desafios nacionais.

No período mais forte da pandemia, assistimos a um recrudescimento da dependência es-


trutural de importações. Em 2020, o “número agregado frio” do déficit não revelava de modo
tão evidente o risco industrial da saúde, uma vez que o protecionismo no CEIS se tornou a
marca mais visível da vulnerabilidade em saúde e da disputa geopolítica global pelo direito
31

à vida. Literalmente, como evidenciado em entrevistas realizadas e fartamente relatado na


mídia, produtos básicos como máscaras e equipamentos de proteção individual para prote-
ger e dar segurança a quem cuida, ventiladores, anestésicos e relaxantes musculares, foram
retirados de aviões que vinham para o Brasil por países produtores mais desenvolvidos. Em-
presas privadas de vacinas foram proibidas de exportar, tanto nos países desenvolvidos como
em países como a Índia, que possui uma das maiores capacidades instaladas do mundo. Mais
de 100 países, incluindo praticamente todos os desenvolvidos, estabeleceram barreiras co-
merciais, levando a uma insustentável situação de assimetria tecnológica global que, de fato,
representava uma desigualdade no direito à vida e que o objetivo maior da Agenda 2030 (não
deixar ninguém para trás) estava sendo rasgado. Isso levou o Secretário Geral da ONU, Antó-
nio Guterres, a afirmar que “compara-se a Covid-19 com uma radiografia que revelou fraturas
no frágil esqueleto das sociedades que construímos e que por toda parte está trazendo as
falácias e falsidades à luz.” (Guterres, 2020).

Mesmo com esse limite absoluto ao acesso aos produtos, em uma globalização que se mostra-
va (e se mostra) abalada, a análise desagregada dos dados de 2020, seguindo a metodologia
indicada acima, mostra que as importações de ventiladores mais do que triplicaram – muitos
de péssima qualidade, porque quem não tem tecnologia não sabe sequer comprar, além de
outros fatores ligados a práticas de gestão que fogem do escopo desse trabalho –, atingindo
US$ 168 milhões, as importações de EPI superaram US$ 1 bilhão e o acesso às vacinas se atra-
sou, gerando milhares de mortes evitáveis.

Em 2021, quando as condições do mercado global ficaram um pouco menos restritivas, o im-
pacto da pandemia mostrou sua força no dado agregado, e corrigido monetariamente em
dólares. Em um único ano as importações aumentaram US$ 4,6 bilhões (30% superior à média
histórica real dos últimos 10 anos), atingindo US$ 20,5 bilhões. Por analogia, para mostrar a
magnitude e a inconsistência do relacionamento da política econômica e industrial com a
política social, esse valor, no dólar da época, representava um patamar equivalente a todo
orçamento ordinário do Ministério da Saúde. Observe-se que o gasto com importações em
saúde para garantir, precária e insuficientemente, o direito à vida, não gera um emprego, não
esteve associado na absorção de tecnologias (com raras exceções) e não tem qualquer efeito
para o adensamento da participação na cadeia global de valor em saúde e não estimulou
qualquer tecnologia ou conhecimento gerado por uma ICT ou empresa instalada no Brasil (até
em máscara por nanotecnologia tínhamos capacidade tecnológica não absorvida). Com isso,
não se pode chamar esse padrão de uma inserção competitiva e global, uma vez que não se
associa a qualquer investimento ou geração de renda e emprego em uma área que não podia
parar em meio à pandemia: a saúde!

Como decorrência, o peso do CEIS na dependência de importações do Brasil apresenta uma


evolução expressiva e preocupante, aumentando sua participação em torno de 50% entre
2005 e 2021, como se depreende do Quadro 1, que mostra que a saúde já atingiu 9,4% das
importações brasileiras. Se incluirmos nessas importações (o que ainda não pode ser feito
por limitações nas bases de dados) aquelas tecnologias que são utilizadas na saúde, mas que
são contabilizadas em outras área como as de TI e materiais de consumo (softwares, equipa-
mentos de monitoramento, sensores, equipamentos de informática e mesmo intermediários
32

químicos e materiais de consumo para a saúde mas que possuem uso mais difuso) talvez a
saúde já represente a cadeia produtiva com déficit mais expressivo no país, representando,
em consequência a maior vulnerabilidade para o direito à vida da economia brasileira.

Quadro 1. Peso das Importações do CEIS nas Importações Brasileiras


2005/2021

Ano Participação do
CEIS na Indústria
2005 6,3%
2010 6,9%
2015 7,8%
2021 9,4%

Fonte: Gadelha et al 2022, no prelo, com base em metodologia desenvolvida pela Coordenação das Ações de Prospecção da
Presidência/GIS/Fiocruz, a partir de dados do Comex Stat/MDIC.

O componente estrutural da dependência de importação e do déficit se apresenta também


em um nível mais desagregado segundo o nível de intensidade tecnológica. Como mostra a
Gráfico 2, o déficit comercial em saúde se concentra nas atividades de alta e média-alta inten-
sidade tecnológica pelas categorias utilizadas em âmbito internacional (OCDE entre outros
organismos). Isso reforça a concepção – que, de fato, abarcaria todo o CEIS se as estatísticas
permitissem uma análise produto a produto – que a dependência e vulnerabilidade do CEIS
tem uma natureza estrutural, vinculando-se ao hiato industrial existente na saúde em termos
tecnológicos. A política para o CEIS, em contrapartida, se reveste muito mais de uma política
industrial, tecnológica e de inovação moderna, vinculada a desafios nacionais, e não a um ve-
lho protecionismo vulgar que compactua com a ineficiência e com a apropriação parasitária
de rendas de proteção.

Nessa perspectiva, a política industrial se manifesta e se apresenta como uma necessidade


para o próprio direito à vida e como uma política de fortalecimento da musculatura produtiva
essencial para uma área na fronteira do conhecimento global.
33

Gráfico 2. Saldo da balança comercial do CEIS, por intensidade tecnológica – (1996 a 2021)
– US$ - Valores reais (IPC/EUA)

-14,000

-12,000

-10,000

-8,000

-6,000

-4,000

-2,000

0
2004
2000

2006

2008
2009
2005
1996

1999
1998

2003
2002

2007
1997

2001

2020
2021
2013

2015
2012

2019
2018
2011
2010

2016
2014

2017
Alta intensidade tecnológica Média-Alta intensidade tecnológica

Média-Baixa intensidade tecnológica Baixa intensidade tecnológica

Fonte: Fonte: GADELHA, CAG (2022a). Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema
Único de Saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 38, supl 2, 2022. http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1824/complexo-
-economico-industrial-da-saude-a-base-economica-e-material-do-sistema-unico-de-saude

3.2. Visão por subsistemas e setores


Como mostrado na Figura 1 a cadeia crítica da saúde em seu elo industrial é composta por
dois subsistemas, respectivamente de base química e biotecnológica e de base mecânica ele-
trônica e de materiais. Em termos dos setores-chave de atividade em cada um desses grandes
paradigmas se destacam as seguintes indústrias, fornecedoras para os serviços de atenção,
prevenção e promoção e que usam (e crescentemente geram) tecnologias de informação e
conectividade5:

1. A Indústria farmacêutica, incluindo os segmentos de medicamentos, fármacos, vacinas,


5 O segmento de diagnóstico apresenta uma dupla inserção nas áreas biotecnológica e de equipamentos e materiais.
O diagnóstico de Covid-19, por exemplo, envolve reações químicas e biológicos em suportes de materiais (placas, por exem-
plo) lidas em equipamentos sofisticados para identificação da doença a partir das amostras coletadas. Assim sendo, e por sua
inserção no contexto do CEIS, dos paradigmas e dos setores selecionados, os desafios e as oportunidades são compartilhados
com os segmentos selecionados, considerando também o escopo mais focado da demanda para este trabalho. Em todo caso,
serão feitos comentários adicionais no tópico referente à preparação para o enfrentamento das pandemias (e, de fato, em toda
saúde pública), onde apresentaram um destaque pouco trabalhado na literatura.
34

hemoderivados, sendo que estes dois últimos passaram a integrar a dinâmica industrial far-
macêutica, tornando-se mais um grupo competitivo do mercado de medicamentos (Tempo-
rão, 2003 e Gadelha & Temporão, 2018) enquanto o segmento de IFAs constitui um insumo
crítico (o princípio ativo dos medicamentos) caracterizando um mercado intraindústria.

2. A indústria de equipamentos e dispositivos médicos (como mencionado podem ser abri-


gados na mesma nomenclatura) e de materiais de consumo em saúde, mais difícil de serem
individualizados em decorrência da agregação nas estatísticas que os insere, por vezes, em
outras atividades como têxteis, produtos químicos ou de materiais em geral (móveis, entre
outros). Na realidade, as atividades de materiais de consumo – observando-se que na saúde
uma grande parte possui média ou elevada complexidade – deveria ser tratada como um ou-
tro segmento, mas os dados ainda não permitem e, na história recente, vêm sendo tratadas
no âmbito das associações da área de dispositivos médicos.

A Figura 3, utilizando os dados de comércio exterior que possuem precisão, com os limites já
indicados do nível de agregação existente, permitem visualizar a vulnerabilidade e dependên-
cia nos distintos setores de atividade. Em termos gerais, é possível destacar o peso dos seg-
mentos de base química e biotecnológica, envolvendo medicamentos, os IFA (segmento de
maior peso no déficit comercial), as vacinas que foram muito impactadas pela pandemia da
Covid-19, mesmo nos processos de transferência de tecnologia que se inicia pela importação
de IFAS classificados como “vacinas”, os hemoderivados e os reagentes para diagnóstico (su-
bestimados por se enquadrarem, em grande parte, em equipamentos e insumos biológicos
muitas vezes não classificados como saúde)6.

Apesar de sua menor participação no déficit, as indústrias de equipamentos e dispositivos


possuem alta relevância na dependência, tanto pela essencialidade dos produtos (um venti-
lador pulmonar é essencial à sobrevivência de um paciente incapaz de respirar por si próprio,
por exemplo) quanto pelo sua enorme articulação com toda a prestação de serviços em saúde
em nível hospitalar, ambulatorial e odontológico, o que justifica os grandes eventos e feiras
em saúde nos quais predominam atividades realizadas nos serviços de saúde e os produtores
de equipamentos médicos. Pode-se afirmar que os equipamentos constituem um dos núcleos
centrais de organização de toda cadeia da saúde e da prestação de serviços médicos, envol-
vendo desde um simples estetoscópio até os robôs e os equipamentos de alta sofisticação
utilizados nas cirurgias oncológicas, nos transplantes e nas cirurgias cardíacas7.

6 Importante ressaltar que na metodologia desenvolvida, para fins analíticos, desagregamos medicamentos acaba-
dos em medicamentos, vacinas e hemoderivados por constituírem mercados com elevada especificidade competitiva e ins-
titucional. Na comparação com outras bases utilizadas pela indústria há uma grande convergência se for considerado essas
especificidades metodológicas e analíticas.
7 Tradicionalmente, este segmento representava entre 1/4 e 1/5 do déficit (o que é muito expressivo em seu consumo
aparente) e a redução da participação em 2021 se deve ao efeito da explosão das importações de vacinas e IFAS e à falta de
produtos no mercado mundial.
35

Figura 38. Participação dos Segmentos no Déficit da Balança Comercial do CEIS – 2021
Reagentes
Soros e toxinas Equipamentos e materiais
4%
1% 13%
Hemoderivados
11%

Fármacos
31%

Vacinas
23% Medicamentos
17%
Fonte: Gadelha, 2022 (prelo). Elaborado pelo CEE/CP Fiocruz com base em metodologia desenvolvida pela Coordenação das
Ações de Prospecção da Presidência/GIS/Fiocruz, a partir de dados do Comex Stat/MDIC, 2022.

Para aprofundar este tópico cabe fazer uma análise sintética mais específica sobre alguns dos
segmentos industriais destacados do CEIS e sobre o tema da resiliência e preparação, consi-
derando a prospecção tecnológica para a saúde.

Medicamentos, biotecnologia e fármacos


A indústria farmacêutica se organiza globalmente como um oligopólio diferenciado basea-
do nas ciências (Gadelha et al, 2012). Poucas empresas dominam os mercados nas distintas
classes terapêuticas e grupos de produtos para distintas necessidades, e o fator tecnológico
e o gasto em P&D são os principais fatores de competição para o exercício da liderança global
nos mercados. Todavia, como um mercado diferenciado, com diversos grupos de produtos e
abordagens tecnológicas, há espaços para a entrada de novas empresas e para que empresas
de menor porte frente às gigantes dos setores possam ser competitivas, como ocorre nos seg-
mentos de produtos genéricos e em nichos tecnológicos particulares.

A indústria talvez seja a que mais evidencia o dinamismo e potencial de crescimento da cadeia
produtiva da saúde e, ao mesmo tempo, as assimetrias internacionais e o risco para os países
que não tem potencial tecnológico e competitivo. Em termos globais, de acordo com diversas
consultorias tradicionais da área (IQVIA, Evaluate Pharma, entre outras), o mercado farmacêu-
tico global vem apresentando uma taxa de crescimento em torno de 5% aa, devendo se man-
ter nesse patamar nesta década, sem deixar de considerar os fatores incertos decorrentes da
8 Assim como mencionado na nota anterior, a metodologia utilizada na figura 3 faz parte da base de dados desen-
volvida na Fiocruz e atualizada ao longo das duas últimas décadas para estudo do CEIS, publicadas em com diversas revistas
científicas com pareceres anônimos e indexada no Oxford Research Encyclopaedia of Global Public Health. Apesar de algumas
associações setoriais usarem metodologias diferentes, faz-se importante ressaltar que há convergência entre os dados das
diferentes metodologias.
36

geopolítica e da economia global que podem frustrar essas expectativas. Não obstante, e a
crise atual é reveladora, como mencionado, a demanda por medicamentos deve continuar
em expansão como uma das áreas de alta intensidade de conhecimento e de inovação com
maior dinamismo e de oportunidades de investimento. O patamar do mercado atual é de US$
1,5 trilhões e até o final da década, extrapolando as previsões mencionadas acima, deve-se
superar US$ 2 trilhões.

Evidenciando as ameaças e as oportunidades existentes, o Brasil vem se apresentado como


um dos mercados de medicamentos (incluindo produtos biológicos, vacinas e hemoderiva-
dos) mais dinâmicos do mundo, tendo taxas de crescimento únicas frente a outros setores.
Nos últimos 5 anos o mercado local cresceu 12% ao ano (nos encontros da área se menciona-
va como o setor farmacêutico apresentava taxas de crescimento “chinesas”) e a expectativa
para o futuro é de que a taxa de crescimento deve ser quase o dobro da expectativa global,
podendo superar 10% aa, levando o país a avançar duas posições no ranking global e se situar
na 6ª posição em 2026 (IQVIA, 2022).

A organização do mercado nacional reproduz a estrutura industrial global de um oli-


gopólio diferenciado, mas em situação de vulnerabilidade tecnológica global. De um mercado
que atingiu R$ 155 bilhões, as maiores empresas tiveram um crescimento do faturamento
superior a 15%, sendo que as 15 maiores apresentadas respondem por 62 % do mercado no
qual participam 490 empresas9. Dentre essas empresas, 224 possuem preços registrados jun-
to à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED, ou seja, são consideradas
aptas e autorizadas a comercializarem medicamentos10. Outro destaque é a participação lar-
gamente superior de empresas de capital nacional majoritário (10 das 15 maiores)11.

Seguindo a análise efetuada nessas publicações e nas entrevistas concedidas, essa reconfigu-
ração ocorreu pelas empresas estrangeiras terem direcionado seu foco para as plataformas
tecnológicas de maior rentabilidade e mais inovadoras (a exemplo de produtos oncológicos
e para doenças imunes) e as nacionais terem adquirido crescente peso nas áreas mais tra-
dicionais, desde a transformação iniciada com os genéricos e reforçada no período recente
com aquisição de portfólios de produtos consolidados, sem deixar de considerar que todos
os produtos em saúde e na farmacêutica, em particular, são classificados como de alta tec-
nologia pela sua densidade tecnológica. A produção em saúde, em todos os níveis e grupos
de produtos, envolve desde a pesquisa até a complexa fase de análise e aprovação junto aos
órgãos reguladores e de incorporação tecnológica (não há margem de tolerância que aceite
flexibilidades quando se trata de eficácia, segurança e efetividade para as pessoas).

A importante e relevante musculatura adquirida pela produção de produtos finais, não obs-
tante, possui fragilidades estruturais reveladas na pandemia e que reforçam a concepção
geral para a saúde como uma cadeia crítica para a sociedade em todos os momentos (por
9 Não são considerados, nesse levantamento, os produtores públicos com Fiocruz e Butantan, o que foi uma perda
dos relatórios da CMED/Anvisa que deixaram de ser publicados com a periodicidade que havia no passado recente.
10 Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico da CMED-Anvisa (2019/20).
11 Para todos os segmentos do CEIS, citam-se empresas nacionais como as de capital majoritário de residentes no
Brasil e estrangeiras as que tiverem o capital majoritariamente estrangeiro. Não há qualquer visão simplista nessa análise,
sendo enfatizados os fatores que podem estimular ou não, e os desafios para que a produção no Brasil seja qualificada, sendo
desejável, na visão do autor, haver parcerias tecnológicas entre produtores nacionais, estrangeiros e públicos na direção de
dar sustentabilidade para o acesso universal previsto na Constituição Brasileira.
37

exemplo, as situações de câncer e doenças crônicas são de enorme peso social e econômico e
pioraram mesmo após o auge da pandemia).

A primeira se reflete no risco de um padrão de especialização que perpetue ou até aumente


a defasagem tecnológica em relação à produção efetuada no Brasil. O caso e o desafio mais
emblemáticos, mas não exclusivo, é o da biotecnologia. Como mostra o Gráfico 3, a produção
de produtos biológicos deve dobrar em pouco mais de 10 anos e responderá por cerca de 60%
dos 100 medicamentos mais vendidos. Se o padrão de especialização da produção nacional
não fizer o movimento para a biotecnologia há o risco da competição por inovação – cerne da
indústria – abortar o avanço conseguido. Isso não significa que a química não continuará sen-
do importante como o próprio Gráfico mostra. Mas também será uma outra química, conver-
gente com o conhecimento sofisticado em genômica, proteômica e nas tecnologias digitais,
big data e inteligência artificial.

Gráfico 3. Participação crescente de produtos de base biotecnológica nas vendas globais


de medicamentos

90%
81%
79% 79%
80% 78%
76% 75%
73%
71% 70%
70%
66% 66% 66% 65% 64% 63%
60%

50%

40%
36% 37%
34% 34% 34% 35%
30% 29% 30%
27%
24% 25%
20% 21% 21% 22%
19%

10%

0%

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026

Biotecnologia Convencional / não classificado

Fonte: Elaborado a partir de dados da Evaluate-Pharma, 2021.

A segunda fragilidade estrutural, e de certa forma mais crítica por ser uma precondição para
todo adensamento tecnológico do subsistema de base química e biotecnológica que é a fon-
te tecnológica primária e de inovação da indústria farmacêutica, são insumos farmacêuticos
ativos que conferem um efeito terapêutico ou profilático aos medicamentos. Há uma impres-
sionante e insustentável dependência de fármacos de origem química e biotecnológica. Se-
38

gundo o IBGE, de modo compatível com todos os documentos institucionais das associações
da área (Ver especialmente Abifina, 2022, entre muitos outros), a dependência atingiu o pa-
tamar de 90% das necessidades locais. O dado desagregado das contas satélite do IBGE de
2022 aponta precisamente para uma dependência da oferta de 88%, o que, considerando o
pequeno valor das exportações e a não contabilização de algumas etapas intermediárias com
uso não captado nas estatísticas de comércio exterior como sendo da área da saúde, permite
inferir que o patamar de dependência de 90% constitui o patamar mínimo.

De acordo com a Figura 3 apresentada no início deste tópico e o Gráfico 4 apresentado abaixo,
o segmento de fármacos não apenas é o mais importante em termos de déficit comercial e é
crescente, voltando a tomar uma curva fortemente ascendente, com as importações superan-
do US$ 6 bilhões. A boca do jacaré se reabre perigosamente sobre a competitividade em saú-
de e sobre a vulnerabilidade sanitária, mostrando que a questão é pervasiva em toda cadeia
produtiva e no subsistema de base química e biotecnológica.

Gráfico 4. Evolução da Balança Comercial de Fármacos – 1996 a 2021 - (valores em US$


bilhões, atualizados pelo IPC/ EUA)

-2

-4

-6

-8
2000

2004

2006

2008
2009
2005
1996

1999
1998

2003
2002

2007
1997

2020
2001

2021
2013

2015
2012

2019
2018
2011
2010

2016
2014

2017

Exportação Importação Déficit

Fonte: Elaborado pelo CEE/CP Fiocruz com base em metodologia desenvolvida pela Coordenação das Ações de Prospecção da
Presidência/GIS/Fiocruz, a partir de dados do Comex Stat/MDIC. Acesso em janeiro/2022.

Vacinas
O segmento de vacinas foi o que mais evidenciou, na pandemia, a interrelação entre inovação
e acesso e a dimensão social e econômica do desenvolvimento que norteia este trabalho. Em
termos globais, a vacina para a Covid-19 foi a mais rápida desenvolvida em toda história da
produção industrial de vacinas desde o século passado. Até então, o tempo mínimo de uma
inovação em vacinas, da fase de pesquisa até chegar à população, era a de caxumba, tendo
39

levado cerca de 4 anos. Para Covid-19, o tempo de inovação foi inferior a um ano, ainda que
com todo o acúmulo de conhecimento científico de décadas (como no caso das vacinas por
RNAm). No dia 8 de dezembro de 2020 foi celebrado o dia V (de vacina e de vitória!) quando
foi iniciada a vacinação no Reino Unido mediante uma campanha de vacinação (Dias, 2020).

Com a explosão da venda em 2021 e com a participação de líderes da indústria farmacêutica


global (como a Pfizer e a AstraZeneca – em articulação com ICTs e startups), a vacina passa
claramente a ser compreendida como um segmento de alto interesse da indústria farmacêu-
tica, deixando definitivamente de ser um espaço econômico marginal (já era um mercado do-
minado por 4 grandes empresas, mas ainda não percebido assim pela sociedade). O mercado
global de vacinas em 2021 foi de U$ 100,1 bilhões, sendo U$ 80,0 bilhões gastos com vacinas
contra Covid e U$ 20,1 bilhões com as outras vacinas. Esses valores colocaram o mercado de
vacinas entre os 5 principais mercados de medicamentos do mundo. (IQVIA, 2022). As empre-
sas de vacinas foram das que mais valorizaram suas ações no mercado farmacêutico, e ficou
demonstrada a relevância da capacidade de produção local em saúde.

As Figuras 4 e 5 evidenciam a forte relação da capacidade econômica, tecnológica e de pro-


dução e a capacidade de garantir o bem-estar e a vida da população. A concentração da pro-
dução nas três plataformas críticas para a produção da vacina contra Covid-19, teve evidente
impacto nos países e pessoas que puderam se vacinar e naqueles que “ficaram para trás” ao
custo milhares de vidas.
40

Figura 4 - Países com capacidade produtiva em vacinas para a Covid-19

FONTE: GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saúde.
Cadernos de Saúde Pública, v. 38, supl 2, 2022.
http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1824/complexo-economico-industrial-da-saude-a-base-economica-e-material-
-do-sistema-unico-de-saude, a partir de informações do Duke Global Health Innovation Center (2021).

NOTAS:

(A) – Países com capacidade produtiva* em vacinas de RNA mensageiro “BNT162b2 (Pfizer/BioNTech)” e “mRNA-1273” (Mo-
derna);

(B) – Países com capacidade produtiva* em vacinas de vetor viral não replicante “AZD1222” (University of Oxford/AstraZeneca/
Fiocruz) e “Ad26COVS1” (J&J);

(C) – Países com capacidade produtiva* em vacinas de vírus inativado “BBIBP-CorV” (Beijing/Sinopharm) e “CoronaVac” (Si-
novac/Butantan)

(*) Capacidade Produtiva: produção do concentrado vacinal; formulação; ou finalização e envase.


41

Figura 5 - Assimetria no acesso: percentual da população coberta com a 1ª dose

FONTE: GADELHA, C. A. G. Complexo Econômico-Industrial da Saúde: a base econômica e material do Sistema Único de Saú-
de. Cadernos de Saúde Pública, v. 38, supl 2, 2022. http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1824/complexo-economico-in-
dustrial-da-saude-a-base-economica-e-material-do-sistema-unico-de-saude, a partir de informações de Our World in Data
(set/2021).

No Brasil, o campo das vacinas, apesar das falhas de coordenação no início do programa,
foi dos mais exemplares de que é possível adensar tecnologicamente o CEIS como vetor de
desenvolvimento e como base para garantir o acesso à saúde. No mercado nacional, foi efe-
tuado um levantamento que mostra que as encomendas de vacinas contra a Covid em 2021
foram de R$ 24,9 bilhões. Somando-se às encomendas regulares de vacinas (que, segundo o
PNI, foram de R$ 4,6 bilhões em 2020), a estimativa é de que o segmento de vacinas tenha mo-
vimentado um patamar em torno de R$ 30 bilhões de reais em 2021, colocando o segmento
como o maior do mercado de medicamentos brasileiro no ano passado.

A capacidade tecnológica instalada em décadas no âmbito da Fiocruz e do Butantan, incluin-


do os conhecimentos e práticas para lidar com os fortes requerimentos de qualidade para for-
te regulação em saúde, sempre em parceria com o setor produtivo empresarial, permitiram
colocar o país no mapa global da produção, tendo salvado, literalmente, centenas de milhares
de vidas desde que as vacinas chegaram à população.

Ficou demonstrada, ainda que de modo trágico pelo atraso no acesso às vacinas – fruto de
uma ordem global assimétrica e dos problemas de coordenação –, a interrelação entre a ca-
deia produtiva da saúde, a vulnerabilidade, o direito à vida e as possibilidades de entrada na
4ª Revolução Tecnológica.

Hemoderivados
A criação da Empresa Brasileira de Hemoderivados e de Biotecnologia (Hemobrás) está asso-
ciada ao dispositivo Constitucional (Artigo 199, § 4º da CFB de 1988, regulamentado pela Lei
10.205 de 21/3/2001) que veda a comercialização de sangue e seus derivados no Brasil. Como
decorrência natural, a empresa foi constituída em dezembro de 2004 (Lei 10972) para a pro-
42

dução de hemoderivados e produtos relacionados à hemoterapia para fornecimento direto


ao Ministério da Saúde.

Cabe à Hemobrás a responsabilidade de produzir os hemoderivados, seja pelos métodos tra-


dicionais de fracionamento de plasma seja por processos biotecnológicos que utilizam en-
genharia genética que prescindem da utilização de sangue e plasma, eliminando o risco de
transmissão de doenças (já muito reduzido nos produtos derivados de plasma). A decisão de
instalação em Goiana/Pernambuco foi justificada pela lógica do desenvolvimento regional no
âmbito da produção em saúde.

A Hemobrás possui duas grandes vertentes de atuação, tendo estabelecido duas frentes de
parcerias tecnológicas. Para a produção de produtos tradicionais (fracionamento de plasma)
foi firmado um acordo em 2007 com o Grupo LFB, laboratório estatal francês. Neste acordo, a
fábrica em processo de construção em Goiana/PE, prevê uma capacidade para processar 500
mil litros de plasma, que serão direcionados à produção de Imunoglobulina, Albumina, Fator
VIII, Fator IX e outros produtos derivados.

Em uma outra vertente, voltada para os hemoderivados de última geração produzidos por
engenharia genética, foi celebrado, em 2012, um acordo de transferência de tecnologia entre
Hemobrás e a empresa norte-americana Baxter. Em seguida, a área de hemoderivados da
Baxter foi adquirida pela Shire (empresa global irlandesa líder em biotecnologia de frontei-
ra especializada em doenças raras) que manteve os compromissos assumidos. Todavia, em
2019, a empresa japonesa Takeda (uma das líderes do mercado mundial) adquiriu a Shire,
seguindo uma estratégia global, em uma operação de US$ 62 bilhões. No Brasil, após uma
grande instabilidade fruto desses sucessivos processos de mudança, a Takeda, se comprome-
teu a investir na conclusão dessa vertente tecnológica da produção local de hemoderivados
(investimento adicional previsto de R$ 250 milhões) para concluir o acordo e viabilizar os ob-
jetivos da parceria para o desenvolvimento produtivo.

Simultaneamente a este processo, como iniciativa própria do governo de São Paulo, o Butan-
tan investiu em uma planta de produção de hemoderivados, de menor escala e procurando
incluir tecnologias de processamento mais complexas (purificação por colunas de cromato-
grafia para produção de imunoglobulinas, por exemplo).

Nesse longo processo, a Hemobrás se defrontou com diversos problemas que envolvem desde
questões de dificuldade com a regulação sanitária até de gestão pública, envolvendo conten-
ciosos jurídicos e administrativos. No caso do Butantan, o acordo de cooperação entre os dois
produtores, que tinha sido delineado em 2012, não se viabilizou para conferir racionalidade
para a produção local e para as parcerias com empresas privadas estrangeiras, não havendo
informação sobre atividade produtiva ou comercial.

A Hemobrás no presente está em operação para as atividades de logística da área de sangue e


derivados (foi construída uma câmara fria de grande magnitude – um dos blocos previstos no
projeto – para viabilizar a coleta e o processamento para a produção de hemoderivados que
ocorre no exterior) e oferta os hemoderivados para a rede nacional no âmbito dos acordos
de fornecimento e transferência de tecnologia que possui, mas não iniciou ainda a produção
43

local (Hemobrás, 2022; além de outros levantamentos de campo).

O modelo de gestão e de parcerias se mostrou bastante instável e atrasou o processo de pro-


dução e de desenvolvimento local, esperando-se que, no presente, os problemas possam ser
superados em uma área de alta sensibilidade e vulnerabilidade. O Gráfico 5, mostra, mais
uma vez, como a ampliação do acesso, verificada nas primeiras décadas desse século, não
foi acompanhada pelo aumento da produção local, gerando uma permanente tensão e vul-
nerabilidade econômica e social em uma área sensível para as pessoas que dependem de he-
moderivados (como a população que tem hemofilia, que precisam de transfusão sanguínea,
entre muitas outras necessidades essenciais para garantir a vida). As importações (e o déficit
comercial já que não existe produção local), apenas desse segmento do CEIS, sai de um pata-
mar de US$ 200 milhões para um patamar entre US$ 2 bilhões e US$ 2,5 bilhões, evidenciando
a face perversa e de alto risco da vulnerabilidade industrial em saúde.

Gráfico 5. Evolução da Balança Comercial de Hemoderivados e Produtos para


Coagulopatias – 1996 a 2021 - (valores em US$ bilhões, atualizados pelo IPC/ EUA)

3.0

2.0

1.0

0.0

-1.0

-2.0

-3.0
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021

Exportação Importação Déficit

Fonte: Elaborado pelo CEE/CP Fiocruz com base em metodologia desenvolvida pela Coordenação das Ações de Prospecção da
Presidência/GIS/Fiocruz, a partir de dados do Comex Stat/MDIC. Acesso em janeiro/2022.

Produção de equipamentos, dispositivos e materiais


médicos12
Dentre os segmentos do CEIS, cabe destacar o papel da indústria de equipamentos e mate-
riais médico-hospitalares e odontológicos, tanto pelo seu potencial de inovação - incorpora
fortemente os avanços associados ao paradigma microeletrônico - quanto pelo seu impac-
to nos serviços, representando uma fonte constante de mudanças nas práticas assistenciais,
trazendo permanentemente para o debate a relação entre a lógica da indústria e a sanitária.
12 Agradeço às excelentes contribuições de pesquisadores do grupo de pesquisa que coordeno, que disponibilizaram
o trabalho mais recente sobre o setor (ainda no prelo) para ser livremente utilizado nesse tópico (Maldonado & Cruz, 2022).
44

Esta indústria constitui um dos segmentos mais associados às práticas médicas, determinan-
do muitas vezes a tecnologia incorporada nos procedimentos adotados, no que se refere à
prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças. A despeito de esta atividade ser tratada
como uma indústria ou setor ela incorpora segmentos bastante diversificados, envolvendo
desde bens de capital de alta complexidade (como diagnóstico por imagem) até materiais
de consumo de uso rotineiro, passando por instrumentos, material cirúrgico e ambulatorial,
seringas, entre muitos outros exemplos. A indústria se caracteriza, portanto, por possuir uma
grande heterogeneidade tecnológica.

A indústria de equipamentos e materiais médico-hospitalares e odontológicos se constitui


em um oligopólio baseado na diferenciação de produtos. Sua dinâmica de funcionamento
assenta-se no fornecimento de bens, em grande parte altamente especializados, com grande
quantidade de produtos sendo lançados continuamente, com novas opções de tratamento e
diagnóstico, com ciclos tecnológicos curtos (com duração de menos de dois anos), e que são
comercializados em associação com serviços e outros produtos (Gadelha et al., 2012).

Deve-se salientar que as empresas líderes da indústria vêm crescentemente desenvolvendo


estratégias de oferecer ao mercado soluções integradas, isto é, produtos associados a servi-
ços: rede de prestação de serviços técnicos, de assistência e manutenção, programas de sof-
tware e serviços financeiros. O uso desses equipamentos, de um modo geral, está associado
à necessidade de reposição de insumos, de peças ou de produtos químicos o que, ao reforçar
os custos de mudança, também gera uma dependência prolongada entre fornecedores e con-
sumidores. Marca, reputação, confiança e qualidade dos produtos e serviços são elementos
que promovem a fidelização dos usuários.

A indústria é altamente concentrada e a competição se dá via diferenciação de produtos ba-


seada na intensidade de gastos de P&D (algumas empresas chegam a investir quase 20% do
faturamento em P&D e, em algumas, o valor atinge 2 bilhões de Euros/ano (The 2021 EU In-
dustrial R&D Scoreboard). Uma característica marcante da indústria é sua crescente absor-
ção de avanços tecnológicos oriundos de indústrias e segmentos produtivos mais inovadores,
como a microeletrônica, nanotecnologia, automação, mecânica de precisão, novos materiais
e, mais recentemente, impressão 3D, inteligência artificial (IA), big data, internet das coisas
(IoT), entre outras tecnologias disruptivas.

Apesar da forte intensidade de P&D que caracteriza a indústria, em alguns segmentos de me-
nor complexidade tecnológica como é o caso do mercado de seringas, luvas e equipamentos
de diagnóstico mais convencionais, o padrão de competição se baseia em preços, onde a pro-
dução e os ganhos de competitividade estão vinculados à escala e as margens de lucro são
mais reduzidas (Maldonado et al., 2013).

O mercado mundial desta indústria é avaliado em cerca de US$ 495 bilhões em 2022 e as
projeções indicam que será de US$ 719 bilhões em 2029, apresentando uma taxa anual de
crescimento de 5,5% no período (Fortune, 2022), sendo fortemente concentrado nos países
mais desenvolvidos (Khidi, 2021). A par das tradicionais empresas da indústria, assistiu-se,
também, nos últimos anos um crescimento significativo de startups, fornecendo produtos
inovadores e personalizados a exemplo de sistemas de diagnóstico com o uso da realidade
45

virtual e da realidade aumentada (European Commission, 2018; Startup Names, 2022), além
da crescente articulação com as das Big Techs, que se inserem, centralmente, no subsistema
de informação e conectividade.

A pandemia da Covid-19 teve impacto na indústria que experimentou uma queda relativa
da demanda comparativamente aos anos pré-pandemia, e o mercado global conheceu um
decréscimo de -1,4% em 2020 em relação a 2019 (FORTUNE, 2022). Se, por um lado, empre-
sas que fornecem equipamentos e dispositivos para intervenções consideradas eletivas, tais
como odontológicos e ortopédicos, sofreram os maiores efeitos, por outro, o crescimento de
testes de diagnóstico in vitro e equipamentos e dispositivos para diagnóstico e tratamento da
Covid-19 promoveu oportunidades para as empresas produtoras. Entretanto, a partir de 2021
com a pandemia sob maior controle, intervenções eletivas nos EUA, Canadá e Alemanha, por
exemplo, se recuperaram o que estimulou o crescimento da indústria (FORTUNE, 2022)

O envelhecimento populacional vem fortalecendo os serviços homecare e as empresas vêm


lançando dispositivos vestíveis e equipamentos médicos portáteis de fácil manuseio, para
acompanhamento e tratamento, sobretudo, de doentes crônicos. Ademais, tanto a pandemia
como crescentes preocupações com a saúde, estimularam a demanda por esses dispositivos
e as empresas se apressaram no lançamento de novos e mais avançados modelos com novas
funções e a preços competitivos. Este nicho de mercado abre perspectivas tanto para novos
entrantes como para as empresas estabelecidas (FORTUNE, 2022). À medida que a indústria
se ajusta ao contexto pós-Covid, a expectativa é de uma crescente medicina de precisão com
uso de Big Data, IA, impressão 3D, robótica, equipamentos para telemedicina e telemonitora-
mento e tecnologias digitais em geral.

A indústria brasileira de equipamentos e materiais médico-hospitalares e odontológicos sur-


giu na década de 50 e alcançou o seu ápice nos anos 70. Nas últimas décadas do século XX, as
transformações no cenário nacional e internacional trouxeram novos desafios. A abertura de
mercado na década de 90 promoveu o surgimento de um novo ambiente concorrencial, o que
significou uma crescente dependência do país em relação às importações de equipamentos,
sobretudo, de maior densidade tecnológica.

Por outro lado, a regulação do mercado, muito mais intensa a partir dos anos 90, e seus des-
dobramentos catalisados pela ANVISA e pelo INMETRO trouxe à tona novos conceitos e exi-
gência de padrões de qualidade para a indústria. É importante destacar que se, por um lado,
novos fatores regulatório-econômicos tornaram mais árdua a expansão da indústria, por ou-
tro induziram uma significativa melhora na qualidade das tecnologias fabricadas no país, em
que pese a fragmentação e desarticulação regulatória enfatizada pela indústria.

Estes aspectos, associados ao crescimento da demanda interna, à ampliação do Sistema Úni-


co de Saúde (SUS) e ao peso da demanda pública neste mercado foram responsáveis pela
significativa expansão da indústria a partir da segunda metade da década de 1990. Neste con-
texto, assistiu-se a um significativo crescimento da indústria brasileira de equipamentos e
materiais médico-hospitalares e odontológicos. O Gráfico 6 apresenta a evolução do valor da
produção da indústria no período 2016-2020 em reais e em dólares, a preços correntes.
46

Gráfico 6 – Valor bruto da produção em R$ milhões e US$ milhões, 2016-2020

17.997

13.835 13.216
11.866 12.677
11.569

3.315 3.717 3.469 3.507 3.336


2.563

2016 2017 2018 2019 2020 2021


R$ milhões

US$ milhões

Fonte: Abimo (Relatórios, 2021 e 2022).

Verifica-se que o valor da produção da indústria em reais cresceu no período analisado, apre-
sentando uma queda de cerca de 5% de 2019 para 2020 associada à pandemia da Covid-19,
e uma recuperação em 2021 de cerca de 36%. Em dólares, o valor da produção teve um com-
portamento relativamente distinto em função da forte desvalorização cambial no período
(ABIMO, 2021 e 2022).

Em que pese este comportamento positivo, o Gráfico 7 mostra um crescimento do déficit co-
mercial nas últimas décadas, refletindo um componente estrutural, o que sinaliza a perda de
competitividade da indústria. O déficit comercial, que em meados da década de 1990 e início
dos anos de 2000 girava em torno de US$ 800 milhões ao ano, a partir de 2007 apresenta um
crescimento acentuado, situando-se em 2013 no patamar de US$ 3,4 bilhões. Entretanto, nos
anos seguintes sofre retração relativa situando-se em US$ 2,5 bilhões em 2021. A crise econô-
mica de 2015 e 2016, seguida de um baixo crescimento do PIB nos três anos seguintes estão na
raiz deste comportamento. Esse déficit comercial sinaliza a defasagem tecnológica da indús-
tria que aponta, na realidade, para a baixa capacidade inovativa do parque fabril brasileiro.

Além disso, a produção realizada por empresas situadas no território nacional ainda depende
fortemente de insumos importados de maior conteúdo tecnológico e não classificados como
bens da área da saúde (como componentes eletrônicos), chegando a atingir 50% em alguns
segmentos. Mesmo no mercado final, a participação da produção local no consumo aparente
se reduziu de 55% em 2017 para 44% em 2021, fruto da dependência de produtos importados
para enfrentar a pandemia (ABIMO, 2022).
47

Gráfico 7 – Evolução da balança comercial de equipamentos e materiais, 1996/2021


(US$ milhões, atualizados pelo IPC/ EUA)

5000

4000

3000

2000

1000

-1000

-2000

-3000

-4000
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Exportação Importação Déficit

Fonte: Maldonado & Silva, 2022 (no prelo) baseado em informações e metodologia do Grupo de Pesquisa sobre o CEIS do CEE/
Fiocruz.

A composição do déficit comercial, conforme apresentado no Gráfico 8, mostra claramente


que os maiores valores se concentram nos produtos de maior densidade tecnológica como os
aparelhos eletrônicos, justamente aqueles de maior conteúdo de conhecimento.

Gráfico 8 - Composição do déficit comercial, 2010 a 2021


(US$ bilhões, atualizados pelo IPC/ EUA)

-500

-1000

-1500

*2000

-2500

-3000

-3500

-4000
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

Aparelhos não eletrônicos Próteses e órteses

Materiais de consumo Aparelhos eletrônicos

Fonte: Maldonado & Silva, 2022 (no prelo) baseado em informações e metodologia do Grupo de Pesquisa sobre o CEIS do CEE/
Fiocruz.
48

Em síntese, assim como o conjunto de segmentos que conformam a indústria farmacêutica, a


área de equipamentos e materiais aumentou seu grau de dependência e de vulnerabilidade,
sendo crítica nos produtos mais essenciais para o enfrentamento da pandemia, mas refletin-
do uma situação geral de perda de competitividade e de não aproveitamento do potencial
existente, pois afinal, assim como na área farmacêutica, ainda temos indústria, musculatura
produtiva, empresas com capacidade econômica decorrentes de produtos mais tradicionais e
, portanto, potencial para retomar o dinamismo como um elo estruturante da cadeia produti-
va da saúde, em diferente níveis de complexidade tecnológica e de nichos de mercado (desde
equipamentos sofisticados até materiais de consumo mais simples).

Resiliência e a Necessidade de Preparação industrial


para desafios futuros
O que foi mostrado ao longo desse trabalho é que o CEIS constitui uma cadeia produtiva críti-
ca para a sociedade brasileira e para a economia nacional, tendo ainda o papel de contribuir
para a transformação do padrão produtivo como um vetor sustentável de desenvolvimento. O
conceito aqui de resiliência e de preparação é muito mais amplo do que o adotado na tradição
das engenharias de “volta ao estado anterior”, de volta ao passado. De fato, outra perspectiva
deve ser adotada pensando a resiliência como “muito mais do que retorno” devendo ser ...
“antes de tudo, evolução” ...e que “precisa ... envolver o aprendizado com o passado e a pre-
paração para o futuro” (Bispo, 2022).

E o que fica das informações e análises efetuados é que sem base industrial em saúde o Bra-
sil está vulnerável não apenas para as pandemias, mas para cuidar da população em geral e
para cumprir a Constituição que define a saúde como um direito universal e equânime. Temos
o problema da pandemia, mas dependemos de medicamentos e equipamentos para tratar
das doenças cardiovasculares e do câncer, por exemplo, que representam, respectivamente
a primeira e a segunda causa de morte da população brasileira e cujos impactos na vida e
na qualidade de vida estão explodindo no contexto de pós-pandemia (Temporão & Santini,
2022), mesmo que ainda não possamos tratar a pandemia como já superada. No presente,
até lideranças globais reconhecidas e revistas científicas de alto impacto e reconhecidas (The
Lancet Comission, 2022, por exemplo), passaram a destacar o que era um acinte na visão dos
países desenvolvidos para a periferia: a importância de uma base local de produção em saú-
de, mesmo que ainda considerem o tema de modo tímido e com uma visão dos países de alta
renda de que nos cabe apenas sermos uma “maquila da saúde”.

Apesar dos grandes desafios de incorporação da produção nacional de novos biossimilares,


a situação para o futuro é preocupante como os dados de patentes evidenciam. A Figura 6
mostra a alta concentração das patentes em saúde no presente que se desdobra no aumento
da dependência e da vulnerabilidade no futuro, agravando a situação industrial e tecnológica
relacionada à resiliência e à preparação para enfrentar os desafios da saúde, num contexto de
aumento do risco social e econômico no Brasil, relacionados às mudanças no perfil demográ-
fico, epidemiológico e de mudanças climáticas.
49

Figura 6 - Pedidos via PCT (Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes) por


tecnologia, 2000-2018

A concentração da Propriedade Intelectual em Saúde de hoje é a iniquidade de


acesso amanhã.
88% de todas as patentes em saúde estão concentradas em apenas 10 paises.

300.000

250.000
World

High income 200.000

Upper-middle income (with China)


150.000
Upper-middle income (without China)
100.000
Lower-middle income

Low income 50.000


Biotechnology
0
Pharmaceuticals

Medical technology 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015

Fonte: WiPO (2010) apud Gadelha et al. Dinâmica Global, impasses do SUS e o CEIS como saída estruturante da crise. Em O
Complexo Econômico-Industrial da Saúde 4.0 no contexto da Covid-19. Cadernos de Desenvolvimento 16 (28), 2021.

http://www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs-2.4.8/index.php/cdes

Todavia, a produção industrial nacional mostrou seu potencial e capacidade de resposta na


área de vacinas, na capacidade de produção de medicamentos para viabilizar as internações,
na sustentação, ainda que precária, dos equipamentos em nossas UTIs - quando não havia
disponibilidade internacional para manter minimamente o acesso aos tratamentos – e na via-
bilização de testagem. Na área de reagentes para diagnóstico, por termos capacidade pro-
dutiva em uma articulação entre o Estado (a Fiocruz), uma spin off da Fiocruz (o Instituto de
Biotecnologia do Paraná / IBMP) e o setor produtivo privado, foi possível superar a falta de
produtos. A partir de certo momento, a realização de testes para Covid-19 falhava não por
falta de produtos, mas sim por falta de coordenação nas ações de saúde. Além disso, a produ-
ção nacional permitiu viabilizar (e salvar vidas) em outras doenças que não foram extirpadas
com a pandemia, a exemplo dos tratamentos de AIDs, dos transplantes e, mais recentemente,
do tratamento de doenças crônicas (como doenças do sistema imunológico) que requerem
produtos da moderna biotecnologia.

Temos capacidade de nos preparar para o futuro na perspectiva de transformação para uma
sociedade diferente. Mostramos a dependência, mas também que há ainda indústrias quali-
ficadas em saúde, há musculatura industrial para subsidiar a resposta que precisamos dar. O
mercado interno (e regional) pode ser uma oportunidade, pois o país possui o maior sistema
universal do mundo em termos de população. A ciência em saúde, que vem sendo tão abalada
pela falta de financiamento e de orientação estratégica, mostra-se dinâmica tanto pela par-
50

ticipação de mais de 30% no esforço local de pesquisa, quanto pela produtividade e resposta
acadêmica durante a crise (Rosa et al, 2021)13.

Não podemos abandonar o futuro e a capacidade de preparação, transformação e de apren-


dizado. A preparação depende de capacidade de produção e de inovação para responder rá-
pido, de modo sustentável, universal e equânime. Não basta, “na hora do desespero” falar em
reconversão industrial em uma área tão complexa. Temos que construir hoje a capacidade
para o futuro e a responsabilidade colocada para o CEIS e para os segmentos industriais em
particular.

As “peças do quebra-cabeça” do CEIS existem e podem ser articuladas como um sistema eco-
nômico e produtivo único para permitir superar a vulnerabilidade, preparar a capacidade de
resposta, ser resiliente para enfrentar os desafios do futuro e transformar a base produtiva
local, abrindo um novo vetor de desenvolvimento para o Brasil, puxados pelos binômios “ino-
vação-acesso”, “produção-sustentabilidade” e “economia-sociedade”.

13 Os cientistas de instituições brasileiras em saúde conseguiram atingir impactos globais, a exemplo da descoberta
da associação do vírus da Zika com a microcefalia, caracterizando um feito científico digno de um prêmio Nobel ....Mas sabe-
mos que esses prêmios são “regionalizados” desde Carlos Chagas quando descobriu o feito mais marcante de identificar todo
ciclo de uma doença grave e associada a pobreza e aos países menos desenvolvidos (o microrganismo patogênico, o vetor, ao
mecanismo de transmissão e a importância das condições sociais de habitação).
51

4.
PROPOSTAS
DE DIRETRIZES
E ARRANJOS
INSTITUCIONAIS
NECESSÁRIOS
PARA ATENDER AO
DESENVOLVIMENTO
DO CEIS NO BRASIL
E PARA REDUZIR A
VULNERABILIDADE EM
SAÚDE
52

Propostas de diretrizes e arranjos


institucionais necessários para atender ao
desenvolvimento do CEIS no Brasil e para
reduzir a vulnerabilidade em saúde14

Neste período de transição para um novo período de gestão e da necessidade de implemen-


tação de uma nova estratégia de desenvolvimento para dinamizar a economia e promover o
bem-estar e a sustentabilidade ambiental, há um amplo conjunto de propostas advindas das
associações das indústrias e da área de serviços de saúde e de organizações e instituições de
saúde pública e coletiva que, direta ou indiretamente, indicam a necessidade estratégica de
fortalecer o CEIS no Brasil.

Há mais de uma centena de diretrizes e propostas específicas relacionadas ao CEIS e que fo-
ram levantadas e consultadas, sempre que se teve acesso, procurando-se indicar na biblio-
grafia as mais diretamente vinculadas ao tema deste trabalho, concentrado na dimensão in-
dustrial da saúde.

Há, assim, uma agenda já bem detalhada e específica de sugestões de política pública cuja
reprodução fugiria do escopo deste position paper tanto pelo risco de ser repetitivo quanto
pela sua dimensão e fragmentação para atender distintos interesses legítimos e específicos a
cada área ou setor. Pode-se afirmar que grande parte das proposições relacionadas ao CEIS
se mostraram aderentes à perspectiva apresentada, devendo ser discutidas em profundidade
no eventual momento de implementação, considerando que o tema, defendido há duas déca-
das, ganhou muita visibilidade e reconhecimento com a crise pandêmica que revelou definiti-
vamente (espera-se) a centralidade da base produtiva industrial para a sociedade brasileira e
para o acesso universal à saúde. De certa forma, e isso nos dá esperança, a base econômica e
industrial da saúde (CEIS) pode se tornar uma grande área de convergência nacional em torno
de um projeto que agrega diversos segmentos da sociedade.

Cabe, portanto, concluir este trabalho indicando macro diretrizes consideradas mais críticas
e que, ao mesmo tempo, possam ter viabilidade concreta para a envergadura da transfor-
mação necessária, sendo absolutamente imprescindível a leitura integrada do texto, pois as
diretrizes são apenas o desdobramento prático possível associado a toda uma nova visão de
desenvolvimento e de política industrial que foi apresentada e atualizada para os desafios do
presente.

As seguintes diretrizes estratégicas selecionadas podem contribuir para um debate, ousado,


em termos de uma nova orientação da política de desenvolvimento para subsidiar a concep-
ção e a atuação na saúde como uma cadeia produtiva crítica, focada nos segmentos indus-

14 Ver Gadelha (2022b) e Gadelha et al (2022b) para maiores detalhes.


53

triais do CEIS15.

4.1. Situar a saúde como uma das grandes prioridades


da política de desenvolvimento sustentável, criando
uma institucionalidade adequada com poder decisório
para uma ação sistêmica integrada no CEIS
A perspectiva mais inovadora e de maior impacto para que a cadeia produtiva da saúde seja,
de fato, uma nova aposta da política de desenvolvimento, é o desafio da coordenação de go-
verno para uma atuação que integre as dimensões econômica e socioambiental do desen-
volvimento. O desenvolvimento do CEIS requer um padrão articulado de intervenção pública
como um sistema de alto dinamismo que precisa da convergência de um amplo conjunto de
instrumentos da área econômica, industrial, de CT&I e inovação e social, devendo haver uma
ampla estratégia de divulgação para a sociedade da saúde como um novo vetor de desenvol-
vimento.

A Figura 7 coloca uma nova perspectiva para superar políticas setoriais clássicas em favor
de um padrão que voltado para os grandes desafios nacionais. Assim sendo, há necessidade
de articulação de um amplo conjunto de políticas e de instrumentos voltados para garantir
o acesso universal e a produção local. Supera-se um padrão autorreferente voltado para a
própria indústria em favor de um padrão voltado para a sociedade e que, ao mesmo tempo,
oferece um caminho inovador para uma nova geração de políticas industriais sistêmicas.

Em termos de institucionalidade, pode-se adequar para as condições nacionais a estratégia


adotada nos EUA de criar uma instância superior de Estado (como foi o caso da ARPA-H, se-
guindo os moldes da estrutura de intervenção para a área de defesa) para, considerando as
especificidades da vulnerabilidade nacional, promover uma ação de grande magnitude para
o desenvolvimento industrial e na área de inovação em saúde como caminho para viabilizar
uma transformação que envolve a articulação do poder de decisão sobre instrumentos di-
versos como compras, tarifas, financiamento, regulação, entre outros, sem cair no risco da
criação de mais uma estrutura burocrática pesada e engessada (Gadelha, 2021b)16.

15 O relatório da Câmara dos Deputados, Comissão de Seguridade Social e Família, Subcomissão do Complexo Econô-
mico-Industrial da Saúde (Brasil, 2022), é uma referência necessária para o detalhamento de uma atuação abrangente. Efetua
um inventário de todas as ações existentes e apresenta a orientação para um conjunto detalhado de iniciativas no âmbito do
poder executivo e legislativo e junto aos órgãos de controle, sendo uma base importante para as novas políticas para a área e
que teve a contribuição da visão desenvolvida neste trabalho. Adicionalmente, há iniciativas importantes para o CEIS (como
o PL 1505 do Senado Federal) e para diversos segmentos, como para a química fina, farmacêutica, equipamentos médicos,
estrutura regulatória, entre outras proposições que ainda estão em tramitação. Todas essas iniciativas são meritórias para
situar o CEIS no centro de uma nova estratégia de desenvolvimento e devem ser consideradas no novo período de gestão.
16 A ARPA-H, Advanced Research Projects Agency for Health, é uma agência de apoio a pesquisas de elevado risco
e retorno econômico e social, parte da estrutura do “Ministério da Saúde” dos EUA (U.S. Department of Health and Human
Services) e do NIH (National Health Institute), mas com maior flexibilidade e autonomia. Apesar das limitações orçamentárias
impostas pelo Congresso americano (dos U$ 6,5 bilhões requisitados pelo Poder Executivo, o Congresso americano autorizou
apenas U$ 1 bilhão para 4 anos), o destaque é para o aumento da importância da área da saúde e o avanço das inovações
institucionais para dar conta de um desafio que foi considerado análogo ao da área de defesa. Para mais informações sobre
a ARPA-H, podem ser consultados os seguintes documentos: https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2021/06/AR-
PA-H-Fact-Sheet.pdf e https://www.help.senate.gov/imo/media/doc/ARPA%20H.pdf
54

Essa perspectiva impõe que a política macroeconômica esteja orientada para viabilizar o
acesso universal assentado em produção nacional. Organizações de um amplo espectro po-
lítico e ideológico (ver citações na bibliografia) reconhecem que o SUS é o sistema universal
de saúde mais subfinanciado do mundo ao mesmo tempo em que é o mais amplo em termos
de população.

Neste trabalho propomos um duplo desafio: um SUS financiado que permita o acesso uni-
versal e equânime baseado em produção nacional. É necessário ter uma evolução em duas
frentes: o atendimento da demanda de saúde e a promoção da capacidade local de produção
e inovação. Nessa direção, atingir a meta de financiamento público do SUS em 7% do PIB (o
patamar mínimo dos sistemas universais) ganha uma outra dimensão e se torna, de fato, um
investimento essencial ao desenvolvimento nacional. Deve-se financiar o acesso universal e
gerar, simultaneamente, produção, investimento, inovação e emprego no país e inserir a saú-
de como um novo vetor do desenvolvimento nacional, que ocupe posição de liderança junto
com um grupo seletivo de sistemas produtivos, em um padrão que associe as dimensões eco-
nômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento.

Figura 7 - Perspectiva do CEIS


Uma nova geração de politicas públicas sistêmicas intersetoriais: os desafios nacionais e
globais como orientação estratégica

Economia
Financiamento

Poder
de Compra do
Estado CT&I
Acesso
Universal
Política Produção local Educação
Comercial
e Inovação em
Saúde
Regulação Propriedade
Sanitária e Intelectual
Econômica
Estabilidade
Insitucional
para a
Ousadia

Fonte: Gadelha et al, 2022 (no preto).

4.2. Estruturar o Ministério da Saúde para viabilizar a


implementação de uma nova visão de desenvolvimento
O Ministério da Saúde precisa ser repensado como um locus estratégico não apenas para as
políticas sociais e de assistência e promoção, mas como uma arena decisiva para a produção
55

industrial, CT&I e segurança sanitária. Além das iniciativas de criação e recriação de departa-
mentos e coordenações, a própria visão e filosofia de um Ministério que envolve o desenvolvi-
mento econômico para atender ao SUS é essencial. Essa nova visão estratégica do Ministério
da Saúde deve orientar e envolver todo o arcabouço institucional da saúde, incluindo a Anvisa.
É como se depois do SUS uma nova onda de transformação, que mantém e supera ao mesmo
tempo o que foi construído, seja necessária. As políticas de saúde, a partir da Covid-19 e das
novas ameaças não mais pode ser insulada da política de desenvolvimento. Acesso universal
e produção nacional são irmãos siameses de um novo padrão de desenvolvimento.

4.3. Fortalecer e garantir estabilidade e transparência


para o uso estratégico do poder de compra do Estado
É reconhecido na literatura de política industrial que a perspectiva de demanda é o princi-
pal fator para estimular a produção e a inovação, ainda mais no contexto dos países menos
desenvolvidos em que os mercados, em muitos casos, estão em forte processo de transfor-
mação assimétrica, como é o caso da saúde. A estabilidade para que os compromissos sejam
cumpridos, para que o preço de entrada não seja atacado por estratégias oportunistas para
bloquear a produção local e para haver um horizonte de longo prazo em que seja dada escala
para as empresas e instituições públicas possam investir é absolutamente essencial. Tem que
haver uma estabilidade institucional para a mudança, seguindo o exemplo das vacinas para
Covid-19 em que se assumiu o risco tecnológico em troca de um horizonte de longo prazo de
garantia de compras sem que isso signifique ineficiência e reserva para preços abusivos.

A Figura 8 abaixo, construída a partir do modelo bem-sucedido das parcerias para o desenvol-
vimento produtivo na saúde, apresenta um caminho geral a ser perseguido já em uma pers-
pectiva mais ampla que envolva os processos de transferência de tecnologia, as encomendas
tecnológicas e outros processos como de compensação tecnológica (offset). O SUS (envolven-
do o nível federal, estadual e mesmo local) constitui a grande alavanca para dar escala míni-
ma a uma produção local comprometida com o acesso universal e a preparação e resiliência
em saúde.

Destravar o marco regulatório e a segurança jurídica dos inovadores públicos e privados é


essencial para o uso republicano do poder de compra do Estado. Para tanto, os processos
de compra para o SUS podem sempre ser acompanhados por instituições parceiras de CT&I,
incluindo rede credenciada da Embrapii, permitindo que o conhecimento adquirido nas coo-
perações entre produtores fique no país e adensando o potencial de inovação nos produtos
adquiridos. A grande estratégia é que cada vez mais a aquisição de um produto signifique a
aquisição de uma plataforma de conhecimentos para viabilizar a resposta ao desconhecido e
que ameaça a vida e a economia nacional, como a pandemia da Covid-19 evidenciou.
56

Figura 8 - O Modelo Geral para uso do Poder de Compra do Estado em Saúde como base
para a superação de vulnerabilidade

SUS Demanda Tecnológica (PDP, ETEC) Instituições


públicas:

Processos ICTs
rotineiros de Parques
tecnológicos Demandas/
compras
Encomendas
(operações tecnológicas
comerciais sem
conhecimento Parcerias tec-
e tecnologia) nológicas

Empresas privadas

Fonte: Adaptada de Gadelha et al, 2021

Esse modelo geral evidencia diversas possibilidades de cooperação entre os principais atores
existentes no ambiente de produção e inovação em saúde no Brasil (empresas privadas, ins-
tituições de pesquisa, laboratórios públicos e o SUS). Cada ator tem um papel relevante para
o desafio da produção e inovação para o acesso à saúde. A ampliação e aperfeiçoamento dos
e instrumentos de uso do poder de compra, considerando diferentes modelos parcerias para
fins de interesse público, deve ser prioritário na agenda do desenvolvimento e saúde.

4.4. Promover a convergência dos instrumentos de


financiamento, incentivos fiscais e tarifários: apoio à
inovação e isonomia competitiva e tributária
É essencial que uma estratégia baseada em desafios nacionais (Figura 7) tenha coerência en-
tre os diversos instrumentos utilizados. As condições competitivas de crédito de longo prazo
são um imperativo para viabilizar investimentos como os que ocorreram recentemente na
área de produtos biológicos com apoio do BNDES e da Finep. A garantia de mercado favorece
o retorno do financiamento e deve permitir taxar mais baixas e competitivas. Por isso a ação
integrada é tão crucial.

De outro lado, as políticas fiscais atuais são uma anomalia. Oneram o acesso a saúde e não
estimulam a produção local, tendo um viés pró-importação, o que é impensável em todos os
países desenvolvidos e emergentes que elegeram a saúde como uma cadeia crítica. No bojo
de uma reforma tributária que desonere o consumo e a produção e que seja progressiva, é
57

absolutamente vital que a saúde e todos os segmentos do CEIS sejam o carro-chefe exemplar
de uma política de estímulo à produção local, uma vez que atendem a uma demanda social
constitucional de garantia à saúde em bases universais (prevista no artigo 196 da Constitui-
ção), além de ter um grande impacto econômico e na conformação de um padrão de desen-
volvimento pautado pela inclusão e pela sustentabilidade.

Destaca-se com urgência, nesse aspecto, evidenciando a necessidade de uma atuação sistê-
mica no CEIS que abranja a relação entre a indústria e os serviços, a necessidade de isonomia
tributária, retirando o viés pró-importação da prestação da assistência à saúde em detrimen-
to do estímulo à produção local. As instituições públicas e filantrópicas em suas aquisições
apenas conseguem ter imunidade para os produtos industriais importados enquanto a in-
dústria local tem que arcar o pagamento de tributos (PIS/Confins, IPI e ICMS), onerando a
prestação de serviços de saúde por parte de instituições que deveriam ter plena imunidade.
Essa questão já foi identificada há décadas pelos produtores locais, requerendo uma solução
jurídica adequada para preservar o direito constitucional, mediante a obtenção de créditos
tributários para os setores industriais que pagam tributos indevidamente sobre a produção
local17.

4.5. Fortalecer as instituições públicas que


estabelecem parcerias com o setor privado, incluindo
o estímulo à adoção de modelos de gestão adequados
para as atividades de CT&I e de produção em parceria
Reformar o Estado para desenvolver tecnologias e inovar sem depender apenas de atitudes
de alto risco do gestor comprometido (como foi o caso da encomenda tecnológica da Fiocruz
para a vacina da Covid-19, que adquiriu 100 milhões de doses de uma vacina ainda inexistente
e que salvou centenas de milhares de vidas) é um imperativo para que a produção e a inova-
ção façam parte da vida institucional rotineira das instituições e empresas de saúde e de CT&I
no Brasil, favorecendo a inovação em ambientes de incerteza, mas sem qualquer concessão
ao uso indevido dos recursos públicos. Criação de um ambiente concreto para as parcerias
depende não apenas dos marcos legais existentes (como os de CT&I que avançou nas últimas
duas décadas), mas de uma nova postura política que permita gerar ambientes jurídicos e
institucionais que admitam a adoção de novas práticas que atravessem toda administração
pública de modo prático e não apenas formal.

17 Em termos jurídicos a equipe técnica da Fiesp recomenda, como sugestão mais detalhada e pertinente para esse
tópico, que “de modo a estabelecer isonomia tributária entre o produto nacional e o produto importado na aquisição direta
pelas instituições públicas e filantrópicas (instituições imunes, como previsto no art. 150, VI, “a” e “c” e art. 195, § 7º, da Cons-
tituição Federal), deve haver a isenção dos tributos (PIS/Cofins, IPI e ICMS) incidentes nas vendas realizadas pelo fabricante/
vendedor nacional, dado que na importação direta o produto está isento destes tributos e do Imposto de Importação. Adicio-
nalmente, como forma de preservar a equidade tributária pretendida com a isenção, deve-se estabelecer a manutenção dos
créditos tributários do produtor/vendedor nacional. Caso contrário, toda a tributação anterior da cadeia será repassada ao
preço do produto vendido aos beneficiários da isenção (instituições imunes)”.
58

4.6. Estimular a produção nacional em um modelo que


favoreça a produção regional e a cooperação global
A produção nacional em países do sul não deve ser vista como antagônica à globalização. A
perspectiva é de que a produção local em um mercado interno de saúde com a dimensão
do Brasil possa ser a alavanca para uma estratégia de produção regionalizada em termos de
América Latina e de produção globalizada, sem ter nenhuma visão antiga de fechamento das
fronteiras em um contexto global onde a cooperação é tão necessária. Ganhar escala no país,
cooperar globalmente e se posicionar favoravelmente nas cadeias globais de valor em área
críticas como fármacos e componentes eletrônicos das indústrias de equipamentos e de diag-
nóstico se apresentam como saídas virtuosas, sem retorno ao modelo fechado de substitui-
ção de importações, mas não renunciando à indústria, à tecnologia e à inovação em saúde no
Brasil.

Nessa direção, propõe-se como um parâmetro médio a ser explorado que o CEIS produza no
país pelo menos o patamar já atingido pela indústria de formulação final de medicamentos:
70% de participação da produção nacional na oferta. Essa meta mobilizadora deve ser aten-
dida por aqueles segmentos mais inovadores e densos em conhecimentos da cadeia global de
valor como IFAS e componentes da indústria de equipamentos médicos, em um horizonte de
uma década, o que é factível pelo grau variado de complexidade tecnológica e por experiên-
cias exitosas como da China e Índia, que partiram de condições muito inferiores à do Brasil,
sem ter sequer um sistema universal de saúde.

4.7. Estabelecer uma regulação proativa para a


produção e a inovação
Todas as atividades produtivas e industriais em saúde são intensivas em regulação (sanitária,
de preços e de propriedade intelectual). O marco normativo em saúde, todavia, precisa evoluir
para colocar a produção e a inovação nacional, radical e incremental, no mesmo patamar dos
requisitos de segurança, eficácia, economicidade e eficiência. Produzir e ter indústrias fortes
no país se mostrou um imperativo para a qualidade e para a própria vida das pessoas. Essa
perspectiva tem que perpassar todo marco regulatório envolvendo a Anvisa, a CMED, a Coni-
tec, o INPI e a regulação de dados. “Quem produz e onde produz” é essencial, e a produção
local deve ser considerada nas prioridades, na organização da porta de entrada no sistema
regulatório, na agilidade da obtenção dos resultados e na interação para gerar aprendizado.
Não se pode ter uma estrutura regulatória alheia a quem produz.

O alinhamento entre a regulação e a inovação e produção local é fundamental para o de-


senvolvimento da visão apresentada nesse paper. Devemos claramente dar base jurídica e
administrativa para uma estrutura regulatória favorável e proativa para a produção local, sem
nunca renunciar aos compromissos sanitários e com o acesso universal. Com base nessa vi-
são, uma nova regulação sanitária, de propriedade intelectual, de preços e de dados deve ser
orientada.
59

4.8. Fortalecer a CT&I em saúde como porta de


Entrada na Revolução 4.0: inovação e acesso
Chegamos aqui talvez ao maior desafio para a resiliência e preparação em saúde, não apenas
para as pandemias, mas para garantir a vida e tratar a saúde como direito, seguindo a Cons-
tituição (por isso neste trabalho foi tratado conjuntamente a CT&I com a resiliência e prepa-
ração). Junto com a reconstrução do tecido industrial do CEIS, superando a dependência dos
insumos críticos, temos que construir nossa capacidade de inovação. Três vertentes são es-
senciais: o financiamento com a recuperação do FNDCT e destinação de recursos adequados
à saúde, em composição com outras fontes de recursos; a formação dos recursos humanos
que garantam capacidade de absorção das novas tecnologias e maior participação e qualifi-
cação dos trabalhadores da saúde; e o redirecionamento das ações para uma orientação por
desafios e missões, superando uma lógica pautada pela oferta para uma lógica vinculada aos
desafios nacionais, o que envolve pesquisa básica, aplicada e inovação sem faltas e deletérias
dicotomias.

O financiamento do sistema de C&T, o predomínio dos investimentos de risco não reembol-


sáveis (em 70% como proposto pela academia e pela indústria) e a reorientação do sistema
para as demandas da sociedade são enormes desafios nacionais. A saúde é um dos eixos para
desenvolvimento tecnológico do país e, de modo emblemático, apresenta essas vertentes in-
terrelacionadas: saúde é direito social, é inovação, é entrada na 4ª Revolução Tecnológica e é
transformação para um desenvolvimento sustentável calcado em uma CT&I que tenha capa-
cidade de inserir o país de modo altivo nas cadeias globais de valor.

4.9. Constituir um ambiente institucional que garanta


segurança jurídica para o investimento, a inovação e a
produção local no CEIS
Cabe por fim destacar que nenhuma das diretrizes propostas acima serão eficazes se não
houver segurança jurídica para o respeito aos contratos e para a formalização de compromis-
sos de médio e longo prazo. A pandemia da Covid-19 mostrou, de modo definitivo, que não se
faz reconversão industrial sem uma trajetória de produção e de desenvolvimento tecnológico
baseada em investimentos que dependem de um cenário institucional de estabilidade. O que
se assiste, mesmo quando o marco jurídico legal avança (como no marco legal da CT&I), é
uma permanente tensão e mesmo a criminalização de empreendedores privados e gestores
públicos honestos e comprometidos com a inovação.

Como enfatizado por pensadores contemporâneos, como o historiador Yuval Harari (2019,
entre vários outros textos e entrevistas), o principal desafio que enfrentamos no presente é
a capacidade de lidar com o risco e a incerteza. Se no Brasil não tivesse havido o ato de risco
de proceder à encomenda tecnológica de vacinas que não existiam no momento da decisão,
a tragédia das vidas perdidas poderia se aproximar de 1 milhão de pessoas. Na outra direção,
60

o que assistimos, pela falta de segurança e previsibilidade para a atitude inovadora, foi a pe-
nalização de empresários que investiram em ventiladores, testes, equipamentos de proteção
individual, entre outros produtos essenciais, cujo mercado, mesmo após a pandemia, não foi
garantido.

As parcerias para o desenvolvimento produtivo, que estiveram por trás das plataformas tec-
nológicas das vacinas produzidas no país para a Covid-19, no presente enfrentam enormes in-
seguranças, não se garantindo escala e mercado, pasmem, para dar consequência aos casos
de sucesso no desenvolvimento e na produção local de produtos do CEIS.

Enfim, para além da estabilidade institucional genérica e de um ambiente social pautado pela
cooperação, é necessário dar ao empreendedor privado e ao gestor público a chance de ser
inovador e de contribuir para o país. Esse é um desafio jurídico, institucional e cultural da
sociedade brasileira. Gerar um clima de confiança para a produção local e para a inovação
em saúde é uma condição sem a qual não poderemos enfrentar os desafios de um mundo
em plena transformação para garantir a vida, a soberania sanitária, o dinamismo industrial, a
inovação e o bem-estar como partes integradas de uma nova aposta em um novo modelo de
desenvolvimento sustentável, inclusivo e dinâmico.

-------xxxxxx------

Essas grandes diretrizes indicadas constituem uma contribuição para um profundo e neces-
sário debate sobre o futuro do país e suas possibilidades. Espera-se ter contribuído tanto para
pensar a saúde como uma nova frente de expansão como uma atividade exemplar que pode
dar caminhos para um novo projeto nacional de desenvolvimento que seja: aberto, inserido,
socialmente comprometido, eficiente e sustentável, tendo como ponto de chegada a vida, os
direitos sociais, a equidade e a base industrial e de CT&I que se vinculam ao bem-estar social.
61

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2022 - “A importância da ciência como política de Estado para o desenvolvimento do Brasil”.

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de brasileiro no âmbito da Política Nacional de Inovação Tecnológica em Saúde e dá outras
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ra a Seção III do Capítulo IV da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de
2017, para dispor sobre o Programa para o Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde
(PROCIS).

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titui o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde e altera o Decreto nº 9.245, de 20 de
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