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Demografia e Economia da Família - Trabalho final

Daniel Matoso de Oliveira Cruz – 2017118014


Marco Paulo Motta Gontijo – 2018018900

1) Pergunta de pesquisa
Até que ponto e de que maneira o desemprego afeta as decisões reprodutivas,
considerando o contexto socioeconômico em diferentes países?

2) Motivação
Estudar o impacto do desemprego nas decisões reprodutivas, considerando o
contexto socioeconômico em diferentes países, é crucial por várias razões.
Primeiramente, compreender como o desemprego influencia as escolhas de ter filhos é
essencial para o desenvolvimento de políticas públicas sensíveis às diferenças culturais,
econômicas e sociais de cada nação. Além de contribuir para uma melhor compreensão
das dinâmicas sociais e econômicas globais.
A importância desse estudo também reside na compreensão das disparidades
globais. Países variam significativamente em termos de estrutura econômica, sistemas de
apoio social e normas culturais, o que pode resultar em diferentes respostas às pressões
do desemprego. Investigar essas variações é essencial para a formulação de estratégias
eficazes que atendam às necessidades específicas de cada contexto.
Além disso, a relação entre desemprego e decisões reprodutivas está
intrinsecamente ligada ao bem-estar das famílias. A falta de emprego não apenas afeta o
planejamento familiar, mas também tem implicações para a saúde mental, estabilidade
emocional e qualidade de vida das pessoas. Portanto, entender como o desemprego se
entrelaça com as escolhas reprodutivas contribui para a criação de políticas que visam
melhorar a qualidade de vida em momentos de instabilidade profissional.

3) Arcabouço teórico
A teoria de Becker representa um avanço significativo na compreensão das
decisões reprodutivas das famílias sob uma lente econômica. Ela postula que os
indivíduos tomam decisões sobre ter filhos da mesma maneira que tomam decisões sobre
outras atividades econômicas, considerando cuidadosamente os custos e benefícios
associados à procriação. Dentro desse contexto, a relação entre a taxa de fertilidade e o
desemprego pode ser analisada.
Em períodos de desemprego elevado, as famílias frequentemente enfrentam
dificuldades financeiras e incertezas em relação ao futuro econômico. Isso tem
implicações diretas na decisão de ter filhos. Uma das principais razões para isso é o
aumento dos custos financeiros associados à criação de filhos em uma situação de
desemprego. A redução da renda familiar e a insegurança financeira decorrente do
desemprego podem tornar difícil para os pais arcarem com os custos adicionais
relacionados à chegada de uma criança. Esses custos podem incluir despesas médicas,
educação, alimentação, moradia e outros gastos diretos que são essenciais para criar um
filho.
Além disso, a incerteza econômica pode desempenhar um papel crucial na decisão
de adiar ou reduzir a procriação. Em períodos de instabilidade econômica, as famílias
podem se sentir menos seguras em relação ao futuro, o que pode levar à postergação dos
planos de ter filhos. O medo de não conseguir prover adequadamente para um filho devido
à incerteza financeira pode influenciar significativamente a decisão de expandir a família.
No entanto, a relação entre fecundidade e desemprego não é unicamente
determinada pela situação econômica das famílias. Políticas governamentais e programas
de apoio à família também desempenham um papel significativo. Governos podem
implementar políticas para incentivar a natalidade, oferecendo benefícios financeiros,
licença parental remunerada, assistência médica acessível para crianças, entre outros.
Essas políticas podem amortecer os impactos econômicos do desemprego na decisão de
ter filhos, fornecendo um suporte financeiro e social que torna mais viável a procriação
em períodos de dificuldades econômicas.
Nancy Folbre explorou temas relacionados à maternidade, trabalho não
remunerado, economia do cuidado e políticas de apoio à família. Seu trabalho analisa
como políticas econômicas, como licenças parentais remuneradas, apoio à educação
infantil e saúde materna, podem influenciar as decisões reprodutivas das famílias em meio
a contextos de desemprego ou instabilidade econômica. Ela discute temas do trabalho não
remunerado, cuidado e valores familiares, que indiretamente influenciam a dinâmica
entre fecundidade e desemprego ao abordar as políticas que moldam o contexto familiar
e econômico em que essas decisões são tomadas.
Janet Currie aborda a relação entre fecundidade e desemprego examinando os
impactos econômicos e de saúde pública de diversas políticas, incluindo aquelas
relacionadas à maternidade, à saúde materna e infantil, e ao mercado de trabalho.
Currie investiga como o desemprego pode afetar as decisões reprodutivas das
famílias e como políticas de bem-estar social e saúde podem influenciar essa relação.
Suas pesquisas contribuem para compreender como variáveis econômicas e sociais
afetam a saúde materna, a saúde infantil e, por extensão, as decisões reprodutivas.
Seus estudos exploram temas como o impacto do desemprego e da instabilidade
econômica na saúde materna e infantil, como programas de apoio à renda familiar afetam
a fertilidade, ou ainda, como políticas de licença-maternidade e acesso a cuidados infantis
podem influenciar a decisão de ter filhos.

4) Revisão empírica
Em “The impact of individual and aggregate unemployment on fertility in
Norway” (KRAVDAL, 2002), utiliza-se modelos de risco contínuo para analisar dados
populacionais da Noruega entre 1992-1998, considerando registros de nascimentos,
migrações, educação e históricos de desemprego. Enquanto as taxas de primeiros
nascimentos são ligeiramente mais altas entre mulheres desempregadas doze meses antes,
as taxas para nascimentos subsequentes são ligeiramente mais baixas. Embora o
desemprego masculino tenha um efeito negativo mais pronunciado, os resultados indicam
que o desemprego individual tem um impacto negligenciável na fertilidade na Noruega.
Em vez disso, os efeitos a nível agregado são mais significativos, com taxas de
nascimentos subsequentes mais baixas em municípios com altos índices de desemprego
masculino ou feminino. O ápice do desemprego em 1993, atingindo 6%, está associado a
uma redução de cerca de 0,08 na taxa total de fertilidade. Os resultados estão alinhados
com teorias econômicas que consideram as mulheres como as principais cuidadoras.
O estudo “Fecundidade e participação no mercado de trabalho brasileiro”
(CUNHA; VASCONCELOS, 2016) analisa os determinantes da fecundidade e da
participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, utilizando dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE de 1995 a 2009 e um modelo probit
bivariado. Durante o período estudado, observa-se uma diminuição na taxa de
fecundidade e um aumento na participação no mercado de trabalho, conforme previsto.
Os salários têm um efeito negativo na probabilidade de fecundidade e um efeito positivo
na probabilidade de participação no mercado de trabalho. Além disso, outras variáveis de
controle relacionadas a características pessoais, posição na família e local de residência
também afetam a fecundidade e a inserção no mercado de trabalho das mulheres. Destaca-
se que, na extremidade inferior da distribuição de renda domiciliar, o efeito dos salários
na fecundidade é mais significativo, enquanto no engajamento no mercado de trabalho,
esse efeito é menor.
Em “Socioeconomic differences in the unemployment and fertility nexus:
Evidence from Denmark and Germany” (KREYENFELD; ANDERSSON, 2014), é
investigada a relação entre desemprego e decisões de procriação, destacando a
importância de considerar diferenças comportamentais específicas de grupos. Utilizando
dados do Painel Socioeconômico Alemão (GSOEP) e registros populacionais
dinamarqueses, a pesquisa revela que o desemprego masculino está associado a um
adiamento do primeiro e segundo filho em ambos os países. O papel do desemprego
feminino é menos claro nessas paridades. Ambos os desempregos masculino e feminino
têm correlação positiva com os riscos de terceiro filho. Além disso, os resultados indicam
gradientes educacionais significativos na relação entre desemprego e fertilidade,
mostrando que a associação varia conforme o grupo socioeconômico. Em períodos de
desemprego, a fertilidade tende a ser mais baixa entre mulheres e homens altamente
educados, mas não entre seus pares menos educados. Esses achados apontam para
nuances importantes nas dinâmicas entre desemprego e decisões reprodutivas, destacando
a necessidade de considerar a diversidade de grupos sociais ao explorar essas relações.
Em “The relationship between unemployment and fertility in Italy: A time-series
analysis” (CAZZOLA; PASQUINI; ANGELI, 2016), é analisado o impacto das
mudanças recentes nas taxas de desemprego masculino e feminino na fertilidade em
diferentes regiões da Itália, especialmente durante o período de 1995 a 2012. Utilizando
dados oficiais agregados, como taxas de desemprego trimestrais do Instituto Nacional de
Estatística (Istat) e taxas trimestrais de fertilidade, a pesquisa identifica associações
negativas entre as taxas de desemprego de ambos os sexos e a fertilidade nas regiões do
norte e centro da Itália. Os resultados indicam que as taxas de desemprego são preditores
significativos da fertilidade nessas regiões, e o desemprego masculino parece ter um
impacto adicional na redução da fertilidade, além do efeito atribuído ao desemprego
feminino. Este estudo destaca a importância de considerar o contexto regional ao avaliar
as interações entre desemprego e comportamento reprodutivo.
O estudo “A redução da taxa de fertilidade como indicador de desenvolvimento”
(VERAS, 2021), tem como objetivo contribuir para a discussão sobre a relação entre
fertilidade e desenvolvimento, fundamentando-se no modelo de transição demográfica.
Busca-se entender a evolução do pensamento demográfico, analisar o comportamento da
fertilidade humana globalmente e examinar na literatura as possíveis causas desse
comportamento demográfico. A hipótese defendida é que, segundo a visão da transição
demográfica, o declínio demográfico pode ser interpretado como um indicador de
desenvolvimento. Essa hipótese é testada por meio de uma regressão linear utilizando o
método de mínimos quadrados em dois estágios. Os dados utilizados abrangem o período
de 1990 a 2018, totalizando 28 anos em um formato de painel. Os resultados indicam que
a métrica de mulheres em trabalho assalariado e a taxa de mortalidade infantil têm um
impacto significativo na fertilidade, sustentando a validade do modelo de transição
demográfica.
Em “Unemployment, nonstandard employment, and fertility: Insights from
Japan’s “Lost 20 Years”” (RAYMO; SHIBATA, 2017), são examinadas as relações entre
desemprego e emprego não convencional com a fertilidade, com foco no Japão. O país
enfrentou uma recessão econômica prolongada, aumento significativo tanto no
desemprego quanto no emprego não convencional, uma forte ligação entre casamento e
procriação, e diferenças de gênero acentuadas nos papéis e oportunidades econômicas.
Análises de dados retrospectivos sobre emprego, casamento e fertilidade entre 1990 e
2006 indicam que mudanças nas circunstâncias de emprego masculino estão associadas
a níveis mais baixos de casamento, enquanto mudanças no emprego feminino estão
associadas a níveis mais altos de fertilidade conjugal. Essa última associação supera a
primeira, e análises de padronização contrafactuais indicam que a taxa de fertilidade total
no Japão teria sido 10% a 20% menor do que a observada após 1995 se as condições de
emprego, tanto a nível agregado quanto individual, tivessem permanecido inalteradas
desde os anos 1980. Os resultados são discutidos em relação aos esforços políticos em
andamento para promover a formação de famílias e à pesquisa sobre variações temporais
e regionais nos papéis de homens e mulheres dentro da família.

Com base nesses estudos é possível extrair algumas tendências e padrões


observados. Em geral, os resultados sugerem que o impacto do desemprego individual na
fertilidade pode não ser tão pronunciado quanto os efeitos a nível agregado. Enquanto
algumas análises indicam uma associação entre desemprego masculino e feminino e
adiamento do primeiro e segundo filho, as respostas reprodutivas parecem ser
influenciadas por uma interação complexa de fatores, incluindo educação, salários, e
contexto regional.
Em termos agregados, altas taxas de desemprego, especialmente entre homens,
estão associadas a reduções nas taxas de fertilidade. Isso pode ser atribuído a
preocupações econômicas e incertezas sobre o futuro, levando os casais a adiarem ou
reduzirem seus planos de ter filhos. No entanto, há nuances importantes, como a variação
desses efeitos de acordo com o nível educacional, indicando que as respostas reprodutivas
podem diferir entre grupos sociais.
Além disso, os estudos refletem a influência das condições econômicas e de emprego na
tomada de decisões reprodutivas. Por exemplo, em alguns casos, mudanças no emprego
feminino podem estar associadas a níveis mais altos de fertilidade, sugerindo uma
dinâmica complexa entre empoderamento econômico das mulheres, escolhas
reprodutivas e estrutura familiar.
Referências Bibliográficas
KRAVDAL, Øystein. The impact of individual and aggregate unemployment on fertility
in Norway. Demographic Research, v. 6, p. 263-294, 2002.
CUNHA, Marina Silva; VASCONCELOS, Marcos Roberto. Fecundidade e participação
no mercado de trabalho brasileiro. Nova Economia, v. 26, p. 179-206, 2016.
KREYENFELD, Michaela; ANDERSSON, Gunnar. Socioeconomic differences in the
unemployment and fertility nexus: Evidence from Denmark and Germany. Advances in
Life Course Research, v. 21, p. 59-73, 2014.
CAZZOLA, Alberto; PASQUINI, Lucia; ANGELI, Aurora. The relationship between
unemployment and fertility in Italy: A time-series analysis. Demographic Research, v. 34,
p. 1-38, 2016.
VERAS, Júlio Augusto Luz. A redução da taxa de fertilidade como indicador de
desenvolvimento. 2021.
RAYMO, James M.; SHIBATA, Akihisa. Unemployment, nonstandard employment, and
fertility: Insights from Japan’s “Lost 20 Years”. Demography, v. 54, n. 6, p. 2301-2329,
2017.

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