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Teixeira Marilane (2018) - A Crise Econômica e As Políticas de Austeridade
Teixeira Marilane (2018) - A Crise Econômica e As Políticas de Austeridade
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A crise econômica e as políticas de austeridade: efeitos sobre as mulheres
a cada ano, as despesas federais avançarão menos do que o PIB, garantindo as-
sim uma queda da despesa em relação ao Produto. Esse esforço fiscal tem como
motivação a necessidade de atender as exigências do capital financeiro e do
rentismo que impõe ao atual governo equilíbrio nas contas públicas para seguir
pagando os juros da dívida pública. Dada a composição dos gastos públicos
federais, é possível afirmar que só existe possibilidade de cortar esse montante
dos gastos se um conjunto de medidas de caráter regressivo, em combinação,
forem adotadas.
Neste sentido, desde 2016 um conjunto de medidas estão sendo imple-
mentadas, por meio da redução do orçamento, enquanto outras ainda estão
sendo anunciadas porque exigem quórum qualificado do Congresso para a
sua aprovação, mas também contam com forte reação contrária da sociedade,
especialmente a reforma da previdência. Dentre essas medidas destacam-se:
a tentativa de reforma na previdência por meio da elevação imediata da idade
mínima e a redução no valor dos benefícios para os setores privado e públi-
co; a reforma dos Benefícios de Prestação Continuada (BPC), por meio da
elevação da idade com revisão dos seus valores desvinculando o benefício do
salário mínimo; fim de novos aumentos reais do salário mínimo; redução do
número de famílias contempladas com o Bolsa Família concentrando entre os
5% mais pobres, o que significa reduzir dos atuais 14 milhões para 3 milhões
de famílias. Conforme dados do IBGE, em 2016, 326.043 domicílios brasilei-
ros perderam o benefício do bolsa família e, com isso, foram cancelados mas
de 2,9 milhões de benefícios do bolsa família em 2017 em meio a uma crise
econômica sem precedentes; alterações no abono salarial e no seguro-desem-
prego, este já proporcionado, em parte, pela reforma trabalhista; redução dos
subsídios agrícolas e industriais, o que já está sendo implementado no caso
da agricultura familiar; redução dos investimentos públicos, área de maior
efeito multiplicador do PIB; redução dos gastos com saúde e educação; revi-
são das transferências para estados e municípios, a exemplo, do repasse às
creches, entre outros.
A crise alterou de maneira substantiva a condição de vida da maioria da
população promovendo um grande retrocesso econômico e social. Entre os
anos de 2015 e 2016 o PIB registrou queda de 7,5%2 com impacto significativo
sobre o nível de emprego. No primeiro trimestre de 2017, conforme dados da
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A crise econômica e as políticas de austeridade: efeitos sobre as mulheres
homens brancos evoluiu de 5,3% para 8,5%; às mulheres brancas de 8,0% para
10,6%; os homens negros de 8,6% para 12,1% e as mulheres negras de 13,5%
para 15,9%. O desemprego entre as mulheres negras é mais do que o dobro dos
homens brancos. Dos 12,2 milhões de desempregados no quarto trimestre de
2017, 2,126 milhões são de homens brancos; 3,910 milhões de homens negros;
2,249 milhões de mulheres brancas e 3,947 milhões de mulheres negras.
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sou de 39,8% para 36,8% entre as brancas e de 32,2% para 30,5% entre as negras.
Por outro lado, incrementou o emprego sem carteira, (+4,4%) para as mulheres
negras e caiu para as mulheres brancas (-1,1%); a queda do emprego doméstico
com carteira para negras e brancas e o crescimento do emprego doméstico sem
registro para as mulheres negras (+11,7%); o trabalho por conta própria, cujo
crescimento foi bastante expressivo, tanto para as mulheres negras, quanto
para as mulheres brancas, (+17,6% e +10,0%), nessa ordem. Um dado que se
destaca pela sua relevância é a expansão das empregadoras7 entre as mulheres
negras (+30,4%); entre as brancas a expansão foi menor (+11,1%). A expansão
do emprego entre as mulheres negras ocorreu em três posições: conta própria,
empregadoras e emprego doméstico sem carteira (Tabela 2).
Para as mulheres com domicilio rural se destaca a queda do emprego com
registro: para as brancas a queda foi (-16,4%) e (-9,6%) para as mulheres negras.
Entre as mulheres de cor branca e domicílio rural cresceu a figura da emprega-
dora (+28,6%) e por conta própria (+12,3). Na análise para as mulheres negras
se destaca o emprego doméstico (com e sem carteira), caiu o emprego com
carteira (-6,0%) e cresceu o sem carteira (+16,5%), da mesma forma que para as
mulheres brancas, um crescimento significativo da condição de empregadoras
(35,2%), no entanto, o emprego por conta própria caiu (-7,4%).
Tabela 2 - Variação das mulheres ocupadas, por posição na ocupação e
situação do domicilio com 14 anos ou mais de idade, por cor/raça - Brasil (%)
7 Para o IBGE define-se o trabalho por conta própria com a pessoa que trabalhava explorando
o seu próprio negócio/empresa, sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contanto, ou não,
com a ajuda de trabalhador não remunerado. Já o empregador apresenta as mesmas caracterís-
ticas, exceto por ter pelo menos um empregado.
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Microempreendedora individual
No universo do empreendedorismo as mulheres representam 47,4% do
total dos empreendimentos individuais. Elas são maioria entre os microem-
preendedores individuais da indústria (55%), serviços (52%), e comércio (51%).
Entre 2013 e 2017 ocorreu um crescimento de 82,5%, passando de 1,884 para
3,438. Certamente esse contingente de novas empreendedoras não saíram do
emprego informal uma vez que esse percentual praticamente não se alterou o
que denota se tratar de mulheres que estavam no emprego formal e migraram
para estas novas formas de trabalho diante da crise.
Dentre as principais atividades realizadas pelas mulheres, destacou-se as
dez em que há maior participação. No intervalo entre 2013 e 2016, as mulhe-
res se mantiveram nas mesmas atividades e todas apresentaram crescimen-
to expressivo: cabelereiras (102,5%); fornecimento de alimentos preparados
(111,4%); comércio varejista de cosméticos (94,5%); lanchonetes (83,2%) e con-
fecção de peças de vestuário (90,0%). Várias destas atividades encobrem rela-
ções de trabalho fraudulentas uma vez que se verifica a existência de relações
de subordinação, assiduidade características de um vínculo formal de trabalho,
entretanto, as mulheres são intimidadas a prestarem serviços na condição de
pessoa jurídica para não caracterizar vinculo, da mesma forma em relação ao
trabalho a domicílio, especialmente para o setor de confecções.
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Economia para poucos - Impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil
Previdência social
A melhoria das condições no mercado de trabalho, a partir de 2003, com o
aumento do emprego formal para mulheres e homens, somada aos esforços do
Governo Federal em ampliar a inclusão social da população feminina, e estimu-
lar a adesão de trabalhadores autônomos e de baixa renda, ampliou a cobertura
de proteção social das mulheres (72,3%), aproximando-a da masculina (72,7%).
Além disso, a política de valorização do salário mínimo teve um positivo
impacto sobre a renda dos beneficiários da seguridade social: mais de dois ter-
ços dos benefícios equivale a um salário mínimo. E assim seus valores foram
efetivamente ampliados em 77,2% acima da inflação, desde 2002.
Em 2016, 61,3% das mulheres que solicitaram o benefício recebiam um
piso previdenciário. A pressão em torno da reforma da previdência fez saltar
as solicitações de aposentadoria entre 2014 e 2016. Do total das aposentadorias
concedidas nestes três anos, em torno de 38% concentrou-se em 2016, sendo
que 99% delas por idade uma vez que as mulheres são as que apresentam maior
dificuldade em alcançar a aposentadoria por tempo de contribuição em virtude
das intermitências em sua vida laboral, são elas que se inserem de forma mais
precária no mercado de trabalho pela ausência de políticas públicas e o benefí-
cio não ultrapassa o valor de 1,0 salário mínimo.
No quarto trimestre de 2014, 85,8% das trabalhadoras domésticas sem re-
gistro não contribuíam com a previdência e 69,5% dos trabalhadores por conta
própria. Entre 2014 e 2017 deixaram de contribuir para a previdência 1.629, mi-
lhão de contribuintes previdenciários. Portanto, o déficit previdenciário deve
ser visto sob esta perspectiva, juntamente com a sonegação e a inadimplência
das empresas, e o crescimento da informalidade ampliará ainda mais a queda
na capacidade de arrecadação entre os que vivem salários da mesma forma em
que, na prática, postergará o acesso ao benefício.
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Considerações finais
Em pouco mais de uma década a sociedade brasileira alcançou progres-
sos econômicos e sociais notáveis. Houve mudanças nas condições de vida de
parcela significativa da sociedade discriminada e excluída historicamente do
acesso a bens e serviços públicos, em especial as mulheres e as mulheres ne-
gras. O impulsionador dessas mudanças foram as políticas públicas de inclusão
social que promoveram um enfrentamento à pobreza e à desigualdade social e
resgataram à condição de cidadania a milhões de mulheres e homens.
Entretanto, as políticas de austeridade fiscal vêm alterando de maneira
profunda a condição de vida da maioria da população brasileira, especialmente
às mulheres, promovendo um grande retrocesso econômico e social. Esses
últimos três anos contrastam com o ciclo de prosperidade econômica que se
estendeu de 2003 a 2014. Os anos que se seguiram alteraram essa dinâmica
comprometendo os resultados alcançados em termos de ampliação do emprego
formal, redução das desigualdades, ampliação da renda, diminuição da pobreza
e as políticas de combate à violência.
A magnitude e a natureza das mudanças ainda são elementos de reflexão.
Entretanto, os efeitos sobre a pobreza, o aumento do desemprego, da informa-
lidade e das desigualdades sociais são incontestáveis. Estes têm se refletido na
perda de maior autonomia econômica para as mulheres, principais benefici-
árias e protagonistas das políticas públicas, com impactos perversos para as
comunidades e as economias em geral.
Neste sentido, é fundamental reforçar o papel do Estado e buscar diminuir
o papel do mercado. Essa perspectiva inclusive é o que poderá contribuir para
que as políticas de conciliação sejam mais efetivas para garantir um horizonte
de alteração das bases da desigualdade de classe, raça e gênero. Essa propo-
sição está vinculava à compreensão que a lógica do mercado, de acumulação
é incompatível com a lógica de colocar o cuidado no centro, como prioridade.
Para tanto há que ampliar a oferta de creches e escolas em período integral
garantindo a dimensão de um projeto pedagógico que reforce a igualdade de
gênero, mas que também garanta a dimensão da alimentação, elemento funda-
mental para diminuir as tarefas no interior das casas.
Da mesma maneira é fundamental que sejam efetivadas outras políticas
públicas de saúde, saneamento, habitação, transporte. Há vários indicadores
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A crise econômica e as políticas de austeridade: efeitos sobre as mulheres
que mostram que quanto maior o acesso a infraestrutura melhores são as con-
dições para a provisão do trabalho de cuidados no âmbito das famílias.
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