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NARRATIVAS NA PERSPECTIVA DOS RESIDENTES: AS

RELAÇÕES DA PRÁTICA EDUCATIVA COM QUESTÕES DE AFETO


E LAICIDADE.

Anne Caroline dos Santos Abrantes - Graduando do Curso de Pedagogia da UFRRJ


Vinicius Costa Nunes Ferreira - Graduando do Curso de Pedagogia da UFRRJ
Luiza Alves de Oliveira – Docente do Curso de Pedagogia da UFRRJ
Viviane de Souza Rodrigues – Docente do Curso de Pedagogia da UFRRJ
Contatos: viniciuscostanf@gmail.com; annecsabrantes@hotmail.com;
luiza.aoliveira@uol.com.br; vivianerodrigues@ufrrj

RESUMO DO TRABALHO

Este trabalho apresenta a narrativa de alunos do Programa Residência Pedagógica, vinculado


à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, subprojeto Alfabetização e Letramento –
campus Seropédica, acerca de suas experiências na sala de aula em de uma escola municipal
de Seropédica/Rio de Janeiro. Explicita-se as atividades de regência realizadas durante os
encontros presenciais na escola e busca refletir sobre as práticas educativas, envolvendo
percepções sobre a laicidade no espaço escolar e as relações de afetividade entre
professores e alunos na Educação Infantil. Para isso, os autores buscaram narrar as
experiências, demonstrando a importância do conhecimento dessas questões nas práticas
pedagógicas e as contribuições do Programa de Residência Pedagógica na formação inicial
do docente.

Palavras-chave: Residência Pedagógica, Laicidade, Afetividade, Educação Infantil.

INTRODUÇÃO
A partir da experiência no Programa Residência Pedagógica, vinculado à
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, subprojeto Alfabetização e
Letramento – campus Seropédica, viemos por meio deste relato refletir e discutir
acerca das práticas educativas produzidas e observadas durante os encontros,
que enquanto residentes realizamos em uma turma de Educação Infantil em uma
escola-campo da Rede Municipal de Educação de Seropédica /RJ.
Ao entender que a criança deixou de ser vista apenas como um indivíduo
com sentimento superficial, como afirma Philippe Ariè (1981), e passou a ser
tratada como um sujeito detentor de direitos, como evidencia o estudo de Nunes
(2009). Entendemos também o papel e o desdobramento histórico da Educação
Infantil para as crianças, afinal, esta etapa de ensino deixa de lado suas
concepções assistencialistas, e passa a integrar as políticas educacionais,
voltando-se para o desenvolvimento do bem-estar infantil, relacionando suas
capacidades, habilidades e promovendo a interação social e cultural das
crianças.Assim, a partir das concepções de infância e os objetivos da Educação
Infantil, podemos pensar também sobre a formação de professores e a
necessidade de analisar as práticas educativas, que precisam ser construídas
com base não apenas nas teorias, mas também nas particularidades dos
educandos. Sabemos que a educação é construída através das relações, das
culturas e das vivências que são estabelecidas ao longo do processo de ensino.
As experiências proporcionadas pelo Programa de Residência
Pedagógica causaram importantes reflexões sobre as práticas educacionais na
Educação Infantil, e como estas se relacionam com temas, da afetividade e a
autonomia. É importante entender a educação como um direito da criança,
portanto, deve-se torná-la a protagonista do processo educativo, para que assim
o ensino seja significativo. Nesse sentido, podemos entender o que Azevedo e
Schnetzler (2005) apontam:

Numa tendência cognitiva de trabalho na educação infantil a


criança é concebida como um ser construtor, que pensa e, como
tal, constrói seu conhecimento, reinventa conteúdos, aprende a
partir da interação que estabelece com o meio físico e social
desde o seu nascimento, passando por diferentes estágios de
desenvolvimento. (p. 3)

METODOLOGIA
As atividades de regência presenciais previstas no subprojeto
Alfabetização e Letramento – campus Seropédica em uma turma de Educação
Infantil foram organizadas através de oficinas pedagógicas, sendo realizadas em
pequenos grupos de residentes face ainda as medidas de distanciamento social
decorrentes da Pandemia de Covid-19. Nós, autores deste texto, participamos
de grupos diferentes, que aqui chamaremos de Grupo 1 e Grupo 2, e a cada
semana esses grupos intercalam sua presença na turma do pré-escolar I, com
crianças entre 4 e 5 anos de idade.
Vale ressaltar que no período já referido de isolamento social tanto os
encontros de formação como as atividades de regência foram realizadas de
maneira remota. Desta forma, as regências presenciais somente puderam ser
realizadas entre março e abril de 2022, sendo estas no turno da tarde por meio
de oficinas com atividades pedagógicas, levando em consideração os campos
de experiência da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a faixa etária dos
educandos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sendo assim, apresentaremos brevemente as atividades realizadas pelos
nossos grupos.
O Grupo 1 foi o primeiro entre os grupos estabelecidos para visitar a
escola e conhecer a turma do pré-escolar I. Para esse primeiro contato foi
planejado um acolhimento aos alunos, juntamente com o reconhecimento e
exploração do espaço escolar, e já que muitos estavam na escola pela primeira
vez após um longo período de isolamento e também pela escola ter sido
transferida para um novo prédio. Ao chegar na escola foi preciso a adaptação
das atividades em função da necessidade da professora regente (preceptora)
realizar outras atividades, então, por esse motivo e pela questão climática do dia,
a atividade de exploração do espaço escolar foi adaptada. A partir disso, os
residentes que estavam presentes na escola decidiram acolher os alunos
conhecendo e conversando com eles, aproximando-se das mesas para ouvi-los.
Foi um momento muito dinâmico, onde os residentes ao se sentarem junto aos
alunos puderam ouvir seus nomes, suas histórias, o que gostavam de fazer, seus
personagens preferidos etc. Isso na perspectiva de se aproximar e reconhecer
aqueles indivíduos, o que colaborou para a elaboração das atividades seguintes.
No segundo encontro, o grupo já conhecia os alunos e algumas das suas
particularidades, assim, foi possível estabelecer diferentes atividades que foram
adaptadas à sua faixa etária e interesses da turma. Foram produzidos jogos da
memória, jogos de encaixe com diferentes cores e jogos sobre formas
geométricas, tendo essas atividades despertado grande interesse dos
estudantes e momentos de aprendizagem lúdica. Outra atividade que também
foi desenvolvida neste dia foi a leitura de um livro "Voa, João", de Cleide Ramos,
que narra a história de um pássaro que tinha medo de sair da casca do ovo e de
ir para a escola. Esse livro foi escolhido pela temática se aproximar dos possíveis
medos das crianças, já que muitos choravam e sentiam falta da família em algum
momento durante o tempo que estavam na escola, e a contação da história foi
um momento de muita descontração entre os alunos, pois na janela da sala havia
um ninho e eles haviam visto os ovos que lá estavam, logo relacionaram a
história contada com os possíveis pássaros que nasceriam ali.
Sobre as atividades do Grupo 2, tivemos como objetivo introduzir a ideia
de identidade para os educandos, onde apresentamos o gênero textual
quadrinhos pelos gibis da obra de Mauricio de Souza, “A Turma da Monica”. Na
atividade feita na primeira semana, levantamos questionamentos sobre “A
Turma da Mônica" e apresentamos os personagens e suas características com
a finalidade dos alunos construírem um diálogo sobre si em coletivo, trabalhando
a ideia de identidade, e permitimos que os alunos folheassem os gibis para terem
um contato mais próximo com o conteúdo trabalhado. Na semana seguinte, a
atividade proposta foi dar continuidade ao tema identidade, montamos uma roda
de conversa para que os alunos refletissem sobre si e suas características. Em
um segundo momento dessa atividade foi proposto para os alunos que se
desenhassem em uma folha de papel a partir do conhecimento de suas
características. A partir disto, pudemos discutir que assim como cada
personagem da Turma da Mônica é diferente, eles também são e cada um deve
respeitar o outro por conta disso. Nesse momento, a atividade se encerrou não
saindo como o esperado, pois tínhamos determinado um tempo para a atividade,
que durou menos tempo do que o imaginado. Então, tivemos que adaptar nosso
tempo restante na sala de aula com brincadeiras.
Para finalizar os encontros do Grupo 2, a atividade do último encontro teve
o objetivo de permitir que os educandos fossem capazes de construírem suas
próprias histórias, sendo estimulado o lúdico e a criatividade. As histórias foram
registradas pelos residentes e os alunos desenharam se baseando nas suas
histórias. Foi observado que as histórias criadas e relatadas tinham relação com
a realidade vivida de cada criança, já que uma história foi sobre a ida de uma
aluna até a igreja, a outra sobre o medo de um aluno pela lenda do Bicho Papão
etc. Para finalizar a atividade desse último encontro, promovemos a brincadeira
de mímica, onde foi mostrada para cada criança a imagem de um animal a ser
imitado para que as outras crianças pudessem adivinhar.
O período das regências presenciais foi pequeno, porém possibilitou
observações e experiências do fazer pedagógico e das relações estabelecidas
na escola. Durante a primeira visita do Grupo 1 foi possível notar determinados
comportamentos de alguns alunos, especificamente de uma aluna que pareceu
estar excluída do grupo em diversos momentos. Essa aluna apresentava um
comportamento diferente dos demais, por vezes não sentando na cadeira
preferindo executar as atividades em pé, fora recorrentemente colada no
"cantinho do pensamento" que não pareceu ser uma prática comum na classe,
porém parecia comum para esta aluna. Isso nos despertou a reflexão sobre a
importância do educar e cuidar na Educação Infantil, além da necessidade de
estabelecer relações de afeto e confiança, pois buscamos de maneira
individualizada interagir com esta criança que nos recebeu e retribuiu de forma
muito afetiva ao nosso contato, inclusive quis dar a mão para um dos residentes
sempre que formavam fila para o almoço, lanche e horário de saída. Como
salienta Mello e Rubio (2013):

“[...] a afetividade é vital em todos os seres humanos, de todas


as idades, mas, especialmente, no desenvolvimento infantil. A
afetividade está sempre presente nas experiências vividas pelas
pessoas, no relacionamento com o “outro social”, por toda sua
vida, desde seu nascimento. Quando a criança entra na escola,
torna-se ainda mais evidente o papel da afetividade na relação
professor-aluno.” (p. 5)
No primeiro encontro do Grupo 2, fomos muito bem recepcionados, tanto
pela professora regente, quanto pelos alunos com bastante atenção e afeto sem
estranheza, como se já nos conhecessem. Os educandos logo nos contaram
sobre o seu dia na escola, que é de horário integral, contaram-nos sobre seus
gostos e dos colegas. Eles relataram que outros “tios” já tinham visitado a escola,
referindo-se a outros licenciandos em cumprimento de estágios e programas de
docência na escola, e também relataram sobre os alunos considerados
bagunceiros, de forma recriminadora, pois os alunos reproduziam as
advertências que a professora regente fazia com a turma, como aconteceu
durante a realização das atividades que os alunos de fato ficaram muito
eufóricos. Com agitação da turma, a professora advertiu os alunos de maneira
autoritária, utilizando termos religiosos, como “só Deus na causa!”, “sangue de
Jesus tem poder!” e “está repreendido!". Os alunos repetem esses termos com
os outros alunos considerados “bagunceiros”, criando assim, um ambiente de
exclusão.
O uso desses termos de certa forma se conecta com a observada
decoração explícita da sala de aula baseada na história religiosa da “Arca de
Noé”. Consideramos que isto de certa forma pode estar expressando uma
diretividade em contraposição à garantia da liberdade religiosa, prevista no artigo
5º da Constituição Federal de 1988. A professora ao utilizar termos religiosos na
sala de aula e inserir conteúdo referente à religião cristã na escola pública, que
é laica, pode cercear a liberdade religiosa dos outros alunos e suas
individualidades ao impor a sua crença pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das experiências vividas no Programa de Residência Pedagógica,
consideramos, que este proporcionou uma maior reflexão das práticas
educativas que vão além das teorias. Para muitos residentes, essa foi a primeira
vivência de iniciação à docência em uma sala de aula repleta de crianças, e para
outros foi mais uma experiência diferente, afinal, cada escola existe e resiste em
uma realidade diferente com uma diversidade de alunos e de profissionais.
Quanto às atividades realizadas, avaliamos que todas foram executadas
com êxito, pois apesar de alguns imprevistos, conseguimos adaptá-las, realizá-
las e obter o resultado esperado. Entendemos que nem sempre tudo vai sair do
jeito que planejamos e poder vivenciar isso dentro da sala de aula já nos prepara
para atuação como professores regentes e a necessidade de constante
replanejamento.

Identificamos a necessidade de pensar no aluno como um indivíduo em


desenvolvimento constante e inserido na sociedade. O que ele vivenciar vai forjar
parte da sua individualidade e sua inserção na sociedade. Existe a necessidade
de o aluno receber afeto e respeito para que nas relações com seus pares possa
se expressar de forma recíproca.

REFERÊNCIAS

ARIÈS, Phillippe. História Social da Criança e da Família. [S. l.: s. n.], 1978.

AZEVEDO, Heloisa Helena Oliveira de; SCHNETZLER, Roseli Pacheco. O


BINÔMIO CUIDAR-EDUCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL E A FORMAÇÃO
INICIAL DE SEUS PROFISSIONAIS. 28ª Reunião Anual da Anped, [s. l.],
2005. Mídia digital.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

MELLO, Tágides; RUBIO, Juliana de Alcântara Silveira. A importância da


Afetividade na Relação Professor/Aluno no Processo de Ensino/Aprendizagem
na Educação Infantil. Revista Eletrônica Saberes da Educação, [s. l.], v. 4,
ed. 1, 2013. Mídia digital.

NUNES, Deise Gonçalves. Educação Infantil e mundo político. Revista Kátal,


Florianópolis, v. 12, ed. 1, p. 86-93, Jan/Jun 2009. Mídia digital.

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