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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CÂMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS


INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JULIANNE CAJU DE OLIVEIRA SOUZA MORAES

DISCURSOS SOBRE A TEMÁTICA DO ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E DA


PEDOFILIA NA MÍDIA ESCRITA

RONDONÓPOLIS – MT
2017
JULIANNE CAJU DE OLIVEIRA SOUZA MORAES

DISCURSOS SOBRE A TEMÁTICA DO ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E DA


PEDOFILIA NA MÍDIA ESCRITA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação do Instituto de
Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal de Mato Grosso, Câmpus
Universitário de Rondonópolis, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação, na linha de Pesquisa Linguagens,
cultura e construção do conhecimento:
perspectivas histórica e contemporânea.

Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Sussel


Mariano

RONDONÓPOLIS – MT
2017
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Rod. Rondonópolis.-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:
Tel : (66)
78735-901
3410-4035
-RONDONÓPOLIS/MT
- Email : ppgedu@ufmt.br

FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO : DISCURSOS SOBRE A TEMÁTICA DO ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E
DA PEDOFILIA NA MÍDIA ESCRITA

AUTORA : Mestranda Julianne Caju de Oliveira Souza Moraes

Dissertação defendida e aprovada em 21/08/2017.

Composição da Banca Examinadora:


______________________________________________________________________
___________________
Presidente Banca / Orientadora Doutora Carmen Lúcia Sussel Mariano
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Interno Doutora Raquel Gonçalves Salgado
Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Examinador Externo Doutora Renata Lopes Costa Prado
Instituição : Universidade Federal Fluminense
Examinador Externo Doutor Pedrinho Arcides Guareschi
Instituição : Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RONDONÓPOLIS, 21/08/2017.
Aos meus pais, Justino e Irene. À minha sogra,
Esmeralda, e ao meu, sogro, Garibaldi. Aos
meus irmãos, Julian e Fabiano. E aos meus
meninos: Lázaro, meu parceiro, Joaquim e
Frederico, meus pequenos príncipes.
AGRADECIMENTOS

Os meus agradecimentos vão para as muitas pessoas que estiveram e estão comigo desde
sempre. Não quero correr o risco de esquecer alguém, haja vista que são inúmeras as que
merecem meus agradecimentos. Então, não as cito, aqui, mas seus nomes encontram-se
gravados, eternamente, em meu coração.

Cada um e cada uma, que esteve comigo em algum momento da minha vida, a seu modo, me
ensinou e me ajudou. De alguma forma me incentivou e contribuiu para a concretização deste
trabalho.

Tenho em mim um pouquinho de cada um e de cada uma que estendeu suas mãos e doou seu
coração. O meu fôlego e minha energia foram abastecidos por cada palavra e cada abraço.

Que Deus recompense cada um e cada uma em seus caminhares.

Recebam meu apreço e minha gratidão!


O mundo é perigoso não por causa daqueles
que fazem o mal, mas por causa daqueles que
vêm e deixam o mal ser feito. (Albert Einstein)
RESUMO

A presente pesquisa se insere no âmbito do Grupo de Pesquisa Infância, Juventude e Cultura


Contemporânea (GEIJC), do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, Câmpus Universitário de Rondonópolis (PPGEdu/UFMT/CUR) e
tem como objetivo analisar a emergência dos discursos veiculados na mídia impressa sobre o
tema da pedofilia e do abuso sexual contra crianças e adolescentes, em suas interfaces com os
discursos sobre os direitos da criança e do adolescente e com a construção social da infância e
juventude brasileiras. Desde a década de 1990, a pedofilia e o abuso sexual contra crianças e
adolescentes constituem um problema que demanda grande atenção da sociedade brasileira.
De fato, significam uma questão seríssima a ser enfrentada. Para tanto, entender os contornos
de sua definição social, ou seja, o modo como essa questão é representada na sociedade,
repercute sobre a maneira como se pretende enfrentá-la. Na esteira deste pensamento,
considerando a mídia como um importante ator na delimitação de problemas sociais,
buscamos identificar os padrões de publicização, as retóricas e repertórios discursivos
empregados na emergência dos temas do abuso sexual contra crianças e adolescentes e a
pedofilia. Indagamos se o aumento substancial da noticiabilidade desses temas, nas últimas
duas décadas, teria contribuído para o enfrentamento dessa problemática na sociedade
brasileira ou se o dramatismo que os cerca teria sido usado para alimentar um tratamento
sensacionalista dessa temática. No plano metodológico, utilizamos o referencial da
Hermenêutica de Profundidade (HP), proposto por J. B. Thompson. As formas simbólicas sob
análise são 221 peças jornalísticas publicadas no jornal Folha de São Paulo sobre os temas
pedofilia e “abuso sexual infantil”, no período de 1976 a 1999. Os dados analisados indicam
que a pedofilia passou de um tema silenciado pela Folha, até a década de 1980, a um objeto
de crescente atenção, a partir da década de 1990. Apontam, também, que a publicização desse
tema está associada à emergência dos discursos sobre a violência sexual contra crianças e
adolescentes, no contexto internacional, e pela difusão dos direitos da criança e do
adolescente, no contexto nacional, após a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), em 1990. O jornal, especialmente no final da década de 1990, deu
preferência por tratar o “abuso sexual infantil” a partir da expressão pedofilia, que se reveste
de maior sensacionalismo e possibilita a espetacularização. Desse modo, o termo pedofilia foi
sendo construído, ganhando o significado de que todo e qualquer abuso sexual contra crianças
e adolescentes tem correlação com a pedofilia. Mais que isso, foi se transformando em um
grande problema social e, da forma como foi re(produzido), passou a gerar pânico na
sociedade. Essa rotulação não serve apenas ao sensacionalismo, mas tem efeitos deletérios no
enfrentamento dessa questão, pois, ao contribuir para circunscrever os abusadores no campo
da patologia, da natureza, da perversão, acaba por desfocar o abuso sexual de crianças e
adolescentes de sua dimensão de fenômeno cultural produzido e sustentado em uma sociedade
estruturada em desigualdades etárias, de gênero e em valores e práticas patriarcais.

Palavras-chave: Infância. Mídia. Pedofilia. Abuso sexual infantil. Jornal Folha de São Paulo.
ABSTRACT

This masters’ thesis was developed within the Master Degree Program in Education of the
Federal University of Mato Grosso, in Rondonópolis city, in the line of research Language,
culture and knowledge construction process. It was composed within the Study Group
Childhood, Youth and Contemporary Culture (GEIJC, Grupo de Estudos Infância e
Juventude na Cultura Contemporânea). This research aims to analyze the emergence of
articles in printed media on the subject of pedophilia and sexual abuse against children and
adolescents, thus cooperating in the discussions on the rights of the childhood and adolescent
and the social developement of Brazilian childhood and youth. Since the decade of 1990,
pedophilia and sexual abuse against children and adolescents are significant issues that claim
great attention from Brazilian society. In fact, these are issues that need to be addressed
promptly. To do so, understanding the outline of their social definition, that is, the way these
issues are viewed by society has repercussions on the way in which they are intended to face
it. In the wake of this thought, considering the media as an important social actor in the
interpretation of social issues, we seek to identify the publicization, as well as rhetoric and
discursive repertoires, used in the emergence of the themes of sexual abuse against children
and adolescents and pedophilia. This study enquires whether the substantial increasing of
these themes, in the last two decades, has been contributed to the confrontation of these
problems in Brazilian society or if the dramas around these issues have been used to feed a
sensationalist approach to this subject. This research was developed within J.B. Thompson’s
methodological proposals called Depth Hermeneutics (DH). We’ve analyzed the newspaper
Folha de São Paulo’s two-hundred and twenty-one articles on the subject of pedophilia and
“child sexual abuse”, in the period of 1976 and 1990. The data analyzed indicated pedophilia
had been ignored by Folha de São Paulo until the 80’s, as from the 90’s have been the object
of increasing attention. Also, it shows that the publicization is associated to the emergence of
sexual violence against children and teenagers, in the international scenario, and also to the
diffusion of children and adolescents’ rights, in the Brazilian scenario, thanks to the
promulgation of the Children and Teenager Statute (ECA, Estatuto da Criança e do
Adolescente) in 1990. We also notice that the newspaper uses the expression pedophilia to
refer to “child sexual abuse”, and that this choice causes more impact on the audience, being
quite sensationalist. Thus, the term pedophilia was being built up, meaning that all and any
sexual abuse against children and adolescents has correlation with pedophilia. More than that,
it became a major social problem and, as it was written began to cause panic among the
public. However, this characterization does not work as sensationalism only, but it has
deleterious effects in facing this issue, as it also contributes to build a conception of abuser as
a sick person, defocusing the character of “child sexual abuse” as a cultural phenomenon
produced and sustained by a society structured on age and gender inequalities and sustained
by patriarchal values and practices.

Keywords: Childhood. Media. Pedophilia. “Child sexual abuse”. Folha de São Paulo
Newspaper.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Menções por ano com o descritor pedofilia no acervo da Folha de S. 127
Paulo (1976-2015)
Gráfico 2 – Distribuição das UIs do universo, de acordo com o tipo da UI 131
Gráfico 3 – Distribuição dos tipos de UIs do universo por ano 131
Gráfico 4 – Distribuição de frequência das UIs sobre os temas prostituição infanto- 132
juvenil, trabalho infanto-juvenil, gravidez na adolescência e meninos de rua
Gráfico 5 – Distribuição da frequência de produção do universo de UIs no Brasil e 133
no Exterior
Gráfico 6 – Distribuição de frequência das UIs do universo por tipo e localização 134
geográfica
Gráfico 7 – Distribuição das UIs do universo por ano e a localização geográfica 135
Gráfico 8 – Distribuição de UIs do universo por caderno 137
Gráfico 9 – Distribuição da frequência das UIs do corpus por dia da semana 139
Gráfico 10 – Distribuição e frequência das UIs do corpus por tema 143
Gráfico 11 – Distribuição e frequência de UIs do corpus por ano e tema 143
Gráfico 12 – Distribuição e frequência das UIs do corpus pela ênfase do conteúdo 144
Gráfico 13 – Distribuição da frequência das UIs do corpus do quadro 146
institucional do informante
Gráfico 14 – Distribuição de frequência de UIs do corpus por acontecimento gerador 148
Gráfico 15 – Frequência das UIs do corpus do uso do termo pedofilia nos títulos 150
Gráfico 16 – Distribuição e frequência por UIs do corpus que apresentam informação 157
sobre a criança ou adolescente
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Linha do tempo de eventos relacionados ao abuso sexual contra criança e


109
adolescente, exploração sexual infantil e pedofilia
Quadro 2 – Distribuição e frequência das UIs do corpus por autor 140
Quadro 3 – Características predominantes do contexto de produção das UIs do
156
corpus do ano de 1999
LISTA DE SIGLAS

ANDI Agência de Notícias dos Direitos da Infância


AIC Ano Internacional da Criança
ABRAPIA Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência
APA Associação Americana de Psiquiatria
ABRINT Associação Brasileira de Provedores de Internet
CUR Câmpus Universitário de Rondonópolis
CDC Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
CECRIA Centro de Referência para Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes

DCAs Discursos sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes


DNCr Departamento de Nacional de Criança
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FSP Folha de São Paulo
FAPEMAT Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso
FEBEM Fundações Estaduais para o Bem Estar do Menor
FUNABEM Fundação Nacional para o Bem Estar do Menor
FUNDAÇÃO Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente
ABRINQ
GEIJC Grupo de Pesquisa Infância, Juventude e Cultura Contemporânea
HP Hermenêutica de Profundidade
IAS Instituto Ayrton Senna
IP Internet Protocol ou Protocolo de internet
LBA Legião Brasileira de Assistência
NEGRI Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade
NEV Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
ONU Organização das Nações Unidas
OMS Organização Mundial de Saúde
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONG Organizações Não Governamentais
PPGEDU Programa de Pós-Graduação em Educação
SUS Sistema Único de Saúde
SDH/PR Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
UFMT Universidade Federal de Mao Grosso
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UI Unidade de Informação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 15
PARTE I: CAMPO DE ESTUDO ......................................................................................... 24
CAPÍTULO 1 – CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INFÂNCIA, DA SEXUALIDADE E DE
PROBLEMAS SOCIAIS .......................................................................................................22
1.1 Construção Social da Infância: tensões e debates......................................................22
1.2 A sexualidade como construção social ........................................................................ 35
1.3 A construção social da infância inocente .................................................................... 37
1.4 A construção de problemas sociais .............................................................................. 41
CAPÍTULO 2 – DISCURSO, MÍDIA E NOTÍCIA............................................................. 50
2.1 Construção da notícia ................................................................................................... 56
CAPÍTULO 3 – O MÉTODO DA HP PARA ANÁLISE DAS FORMAS SIMBÓLICAS..60
3.1 Midiação da cultura moderna...................................................................................... 60
3.2 O método da Hermenêutica de Profundidade ............................................................ 62
PARTE II: ANÁLISE DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO ....................................... 67
CAPÍTULO 4 – O JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO.................................................... 67
4.1 O leitor da Folha ........................................................................................................... 71
CAPÍTULO 5 – A PRODUÇÃO E DIFUSÃO DO TEMA DO “ABUSO SEXUAL”
CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ...................................................................... 73
5.1 A emergência dos discursos sobre os direitos da criança e do adolescente ............. 73
5.1.1 Os debates sobre os direitos da criança e do adolescente no contexto
internacional .................................................................................................................... 75
5.1.2 Os debates sobre os direitos da criança e do adolescente no contexto nacional.82
5.2 A construção social da noção de “abuso sexual infantil” e da pedofilia ...................... 87
5.3 As violências sexuais contra crianças e adolescentes ..................................................... 94
5.3.1 “Abuso sexual” contra crianças e adolescentes ................................................... 95
5.3.2 Exploração sexual contra crianças e adolescentes............................................... 97
5.3.3 Pedofilia ................................................................................................................... 98
CAPÍTULO 6 – MÍDIA E INFÂNCIA ............................................................................... 100
6.1 Infância e mídia ........................................................................................................... 100
6.2 A valorização do agendamento na mídia das temáticas sobre a infância .............. 104
6.3 As questões da infância na Folha de São Paulo........................................................ 111
6.4 Discursos sobre os temas do abuso sexual de crianças e adolescentes e pedofilia na
mídia...... ............................................................................................................................. 115
PARTE III: ANÁLISE FORMAL ...................................................................................... 126
CAPÍTULO 7 – ANÁLISE DISCURSIVA DAS FORMAS SIMBÓLICAS:
PROCEDIMENTOS E RESULTADOS ............................................................................. 126
7.1 Procedime ntos para a coleta de dados ...................................................................... 126
7.1.2 Definição do universo e do corpus de análise ..................................................... 129
7.1.3 Estratégias de análise ........................................................................................... 129
7.2 Análise discursiva das unidades de informação: resultados ................................... 130
À LUZ DE CONSIDERAR , (RE)INTERPRETAÇÕES DAS FORMAS SIMBÓLICAS
................................................................................................................................................ 159
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 167
APÊNDICES ......................................................................................................................... 176
APÊNDICE 1 ........................................................................................................................ 176
Relação de UIs ................................................................................................................... 176
Relação das UIs que integram o universo e o corpus da pesquisa ................................ 176
Relação das UIs do corpus da pesquisa ........................................................................... 181
APÊNDICE 2 ........................................................................................................................ 185
Grade de Análise (Manuais) ............................................................................................ 185
MANUAL 1: atributos selecionados para codificação do contexto de produção das UI
do Universo. ....................................................................................................................... 185
MANUAL 2: atributos selecionados para codificação de conteúdo das UI do corpus 187
APÊNDICE 3 ........................................................................................................................ 195
Tabelas... ............................................................................................................................ 195
15

INTRODUÇÃO

Esta investigação integra uma pesquisa coletiva que busca analisar os discursos sobre
o abuso sexual contra crianças e adolescentes na sociedade brasileira, cujo tema geral de
investigação é a construção da agenda dos direitos de crianças e adolescentes 1 .
Assim, no bojo dessa investigação coletiva, temos observado que, principalmente após
a aprovação da Convenção Internacional de 1989 e do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) em 1990, houve uma grande mobilização mundial e nacional em torno de temáticas
associadas aos direitos de crianças e adolescentes, mobilização esta encetada pelo ativismo
em torno da infância, pela mídia e pela ação governamental (MARIANO, 2010). Após uma
sequência de temáticas dos direitos da criança e do adolescente terem tido grande visibilidade
midiática e sido alvo de campanhas, tais como “meninos de rua”, “prostituição infanto-
juvenil”, “trabalho infanto-juvenil”, “gravidez na adolescência”, temos visto, nos últimos
anos, uma grande mobilização em torno das temáticas do “abuso sexual infantil” e da
pedofilia. Embora o abuso sexual contra crianças e adolescentes seja repudiado em nossa
sociedade e alvo de muitas mobilizações, segundo o sociólogo Herbert Rodrigues (2014),
constitui um crime tolerado na prática, posto que ainda há práticas sociais que reproduzem a
cultura do estupro contra mulheres e contra crianças.
O abuso sexual contra crianças e adolescentes não é um fenômeno novo, mas é recente
a sua percepção e visibilidade na sociedade, principalmente após 1990, sob o rótulo da
pedofilia. Rodrigues (2014, p. 11, grifos do autor) assinala que “o termo pedofilia não era
usado para descrever a preferência sexual de adultos por crianças e, tampouco, para qualificar
o crime de “abuso sexual infantil”.
Trata-se de uma questão cujo enfrentamento envolve muitos desafios, posto que reflete
sobremaneira as assimetrias de poder entre adultos e crianças/adolescentes, e que pode refletir
conjuntamente outras assimetrias: de homens sobre mulheres, de ricos sobre pobres, de
brancos sobre negros.

1
Pesquisa coordenada pela Profa. Dra. Carmem Lúcia Sussel Mariano que, inclui, além deste mestrado, dois
estudos de Iniciação Científica, que tem como participantes Ariane da Silva e Dafne Conceição Silva Uhde . Esta
investigação integra também um projeto de pesquisa mais amplo, no âmbito do Grupo de Pesquisa Infância,
Juventude e Cultura Contemporânea (GEIJC), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Mato Grosso (Fapemat), do qual participam vários pesquisadores , denominado: “Mídias e discursos do corpo:
infância e juventude no contemporâneo”, cujo objetivo geral é compreender os discursos sobre a criança e o
jovem, privilegiando questões de gênero, corpo, sexualidade e mídia, que participam da construção social da
infância e da juventude na contemporaneidade.
16

Na medida em que o abuso sexual contra crianças e adolescentes tem se constituído


como um tema com grande visibilidade midiática e que, de fato, suscita grande comoção e
mobilização social, partimos, então, do questionamento se o tipo de visibilidade midiática que
os temas do “abuso sexual infantil” e da pedofilia recebem contribuiria para o enfrentamento
das violências sexuais cometidas contra crianças e adolescentes.
Portanto, esta pesquisa parte da perspectiva de que, ante tais mobilizações em nome
dos direitos da criança, podem-se adotar duas tendências de análise: uma que considera
positiva em si o agendamento na mídia - e a intensa visibilidade e mobilização que isto gera -
de problemáticas delimitadas para a população infanto-juvenil, posto que a mídia constitui um
importante ator social na constituição da agenda de ações e políticas para infância, tal como
postulam Marôpo (2004, 2005), Bonfim (2005), ANDI (2005). A outra perspectiva questiona
como as temáticas da infância e juventude vem sendo introduzidas no debate público
(ARFUCH, 1997; ANDRADE, L., 2001; NAZARETH, 2004; FREITAS 2004; BIZZO, 2008;
ANDRADE, M., 2005; MARIANO, 2010; ROSEMBERG e ANDRADE, M., 2012), ou seja,
que indaga sobre os repertórios e os recursos retóricos comumente utilizados quando a
infância adentra na mídia, posto que as crianças, nas sociedades contemporâneas, carregam
forte carga emotiva e, não raro, são usadas como fonte de drama e sensacionalismo.
Essa segunda vertente de análise também pondera sobre as assimetrias de poder nas
relações adulto-criança e considera que os adultos, mesmo imbuídos de preservar os
“melhores interesses das crianças”, podem produzir discursos em “nome das crianças” que
não necessariamente irão beneficiá-las.
Filiamo-nos à segunda posição e adotamos uma perspectiva de análise dos discursos
sobre a infância brasileira trilhada por Fúlvia Rosemberg, em que buscamos desconstruir
discursos não problematizados sobre a infância, ou seja, descontruir categorias nativas ou
rótulos que demarcam segmentos e problemas sociais, pois o “que podemos fazer (nós
cientistas sociais) se não explicitar o implícito, avançar consequências lógicas e sociais não
pensadas dos discursos, tentar avançar efeitos inesperados possíveis?” (LAHIRE, 2005, p. 23,
apud ROSEMBERG; ANDRADE, M. 2012, p. 292). Discursos sobre a infância e/ou sobre os
direitos da criança e do adolescente costumam arregimentar unanimidades (MARIANO,
2010), e têm engendrado a construção de algumas categorias sobre a infância, dentre elas, a
categoria “pedofilia”. Pois é justamente o caráter unânime ou a sua apresentação como uma
evidência que requer uma problematização.
Nossa opção se apoia também no que é preconizado por Maritza Montero (2004) sobre
o reconhecimento de que os fenômenos não acontecem de uma só maneira, é possível que eles
17

tenham muitos caminhos, muitas formas, e que sejam diferentes do que é dito ou produzido.
Ao propormos uma problematização sobre a categoria “pedofilia”, estamos propondo um
olhar crítico sobre os sentidos produzidos acerca dessa questão, para que assim tenhamos
possibilidades de desengatar “os mecanismos de poder que detém posições estabelecidas” e
possamos abrir “novas perspectivas para o conhecimento” (MONTERO, 2004, p. 5).
Neste sentido, partimos do pressuposto que a discussão pública sobre a infância
constrói determinadas imagens de crianças e da infância e que a mídia usa retóricas
específicas para falar da infância. Estudos nacionais (ANDRADE, L., 2001; FREITAS, R.,
2004; NAZARETH, 2004; ANDRADE, M., 2005; BIZZO; 2008; MARIANO, 2010) e
internacionais (NAVAS, 1994; ARFUCH, 1997; FRANKLIN, 2002; PONTE, 2005) têm
apontado que as crianças e jovens ascendem à visibilidade midiática, especialmente a
noticiosa, a partir de duas imagens contraditórias: como passivos, dependentes, vulneráveis e
demandando proteção ou, alternativamente, como antissociais, desviantes, irresponsáveis, que
necessitam de controle social. Nesse sentido, observa-se que, se por um lado, é imprescindível
a proteção de crianças e adolescentes contra abusos sexuais, por outro, é necessário debater
como tais discursos têm circulado, que tipo de retóricas abrigam, que categorias produzem e
quais representações de infância têm engendrado. Bob Franklin (2002), ao estudar o noticiário
britânico nas décadas de 1980 e 1990, identificou que a imagem mais proeminente das
crianças, na cobertura de imprensa, naquele país, era a da inocência ou, mais exatamente, da
“inocência violada da infância”, bem como que as campanhas da mídia, relacionadas à
infância estavam mais voltadas para o “considerável” risco de abuso físico e sexual das
crianças, sugerindo a necessidade de uma proteção maior, inclusive de seus próprios pais
(FRANKLIN, 2002, p. 30).
Assim, indagamos por que o tema da pedofilia ocupa, agora, tanto destaque em
campanhas e na mídia, dentre tantas outras temáticas relacionadas à violação dos direitos da
criança, igualmente importantes, e que não recebem tamanha atenção no debate público,
como, por exemplo, o grande déficit de vagas em creches, ou o assassinato em massa de
jovens negros brasileiros? Seria porque a imagem da criança abusada/molestada provoca
grande comoção da qual a mídia sensacionalista se nutre? Portanto, a questão central que
percorremos nesta pesquisa indaga se o aumento substancial da noticiabilidade sobre a
pedofilia nas últimas duas décadas teria contribuído para o enfrentamento dessa problemática
na sociedade brasileira ou se o dramatismo que essas questões envolvem teria sido usado para
alimentar um tratamento sensacionalista dessa temática.
18

Desse modo, o objeto desta pesquisa envolve o papel que a mídia exerce no debate
público a respeito da infância, nos discursos e na construção da agenda dos direitos da criança
e nas imagens produzidas sobre infância. Embora haja interesse público, a temática da
pedofilia pode interessar mais à mídia ao evocar a imagem da “criança em perigo”, para
captar audiência, para a espetacularização, do que propriamente para contribuir com o debate
e o enfrentamento dessa complexa questão na sociedade. Ao analisar os repertórios pelos
quais os temas da pedofilia vêm circulando, buscamos, de certa forma, lançar olhares sobre as
ressonâncias desses discursos na visibilidade e representações de infância.
Entendemos que os textos jornalísticos são artefatos que contribuem
significativamente na construção social da infância e da juventude. A mídia participa da
construção de realidades e isso ecoa no contexto educativo. Nesse caso, ela contribui para
alimentar e realimentar pânicos morais em torno do corpo das crianças, principalmente na
relação professor-aluno.
A relevância desta pesquisa para o campo da Educação reside no fato de que a
sexualidade se faz muito presente na escola, “nas falas e nas atitudes das professoras, dos
professores e estudantes” (LOURO, 1997, p. 131), muito embora seja constantemente
escamoteado, seja inadvertidamente ou intencionalmente, tal como se pode vislumbrar no
movimento que culminou na retirada dos conteúdos de gênero e sexualidade dos Planos
Nacional, Estaduais e Municipais de Educação. Por se tratar de um tema espinhoso,
controverso e polêmico, que envolve múltiplas questões, há, nas esferas institucionais,
especialmente no âmbito escolar, muitos desafios para trazê-lo ao debate.
Os discursos midiáticos podem interferir na postura do educador diante das expressões
da sexualidade dos alunos, ou diante de atividades pedagógicas que envolvam professor e
aluno. Segundo Guacira Lopes Louro (2010, p. 131), “elas (as expressões da sexualidade)
fazem parte das conversas dos/as estudantes, elas estão nos grafites dos banheiros, nas piadas
e brincadeiras e nas aproximações afetivas, portanto não podemos negar sua existência no
ambiente escolar”. No Brasil há um intenso debate para expulsar das escolas todo o e
qualquer conteúdo sobre a temática de gênero e sexualidade. Há uma forte corrente, formada
por vários atores sociais, de silenciar temas ligados à sexualidade e, ao mesmo tempo, ditar as
formas de agir dos profissionais da educação.
Diferente dos movimentos que contestam muitas ações alcançadas democraticamente
para um ensino plural e com respeito às diversidades nas escolas brasileira, acreditamos que
uma das estratégias de enfrentamento da violência e do abuso sexual contra crianças e
adolescentes é justamente a Educação para a Sexualidade, ou seja, a abordagem sobre as
19

temáticas de gênero e sexualidade nas escolas podem contribuir para um debate e para
elaboração de ações que realmente protejam as crianças e os adolescentes de violência ou
abuso sexual.
Assim como podem ter sido audaciosos os primeiros questionamentos de Fúlvia
Rosemberg, nos anos de 1980, sobre os discursos produzidos sobre a categoria “meninos de
rua”, bem como pode ter sido malvistas as problematizações feitas por pesquisadores do
Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI2 ) sobre os temas da “prostituição
infanto-juvenil”, “gravidez adolescente”, “trabalho infanto-juvenil”, “aborto voluntário”, pela
unanimidade e caráter humanitário de tais “causas”, pode parecer sacrilégio, nos dias atuais,
questionar os discursos sobre “abuso sexual infantil” e a pedofilia. Para além de sermos
consideradas “politicamente inadequadas” ou “inimigas das crianças”, pretendemos nesta
dissertação trazer elementos que contribuam para que a violência sexual contra crianças e
adolescentes seja efetivamente combatida sob outro viés e não exclusivamente o que
preconiza os inquéritos policias e os discursos midiáticos.
Nossa problemática envolve, portanto, investigar os sentidos que a sociedade foi
construindo sobre o tema do abuso sexual contra crianças e adolescentes, em especial, a partir
da categoria “pedofilia”, ou seja, como essa categoria foi sendo fabricada e incorporada como
um problema social e, portanto, como tema de destaque na agenda dos direitos da criança e do
adolescente. Assim, nos interessa entender como se configura essa rotulação da pedofilia e
como a mídia participa de sua construção.
Elegemos como fonte de análise o jornal Folha de S. Paulo (FSP) ante à ampla
atenção que esse veículo dispensa às temáticas da infância (MARIANO, 2010). A FSP é o
jornal que tem posição de destaque na produção e veiculação de peças jornalísticas sobre
infância (ANDI, 2014). Além disso, desde a década de 1990, ocupa a posição de jornal de
maior circulação no país.
Diante do exposto, esta investigação analisa o tratamento dado pelo jornal Folha de
S. Paulo (FSP) quando da emergência do tema do “abuso sexual infantil” e da pedofilia,
buscando identificar as retóricas utilizadas nos discursos analisados e como a categoria
“pedofilia” foi sendo construída e incorporada como um problema social.
Tendo em vista as contingências para a realização de uma pesquisa de mestrado
(tempo e recursos) e a grande quantidade de peças jornalísticas que foram produzidas sobre o

2 O NEGRI foi criado em 1992, pela professora Fúlvia Rosemberg, que o coordenou até 2014, ano de seu
falecimento. Ele fez parte do Programa de Estudos Pós -Graduados em Psicologia Social da PUC/SP e realizou
pesquisas de mestrado e doutorado, sobre relações raciais, idade e gênero no contexto da educação brasileira.
20

tema, principalmente a partir de 1990, delimitamos como foco de investigação empírica o


período de ascensão do tema do “abuso sexual infantil” e da pedofilia na FSP, ou seja, esta
pesquisa tem um recorte temporal de 1976 a 1999.
O nosso interesse na análise da produção discursiva da mídia sobre o “abuso sexual
infantil” e a pedofilia se guia por algumas indagações que nortearam a construção do objeto
de pesquisa:
1. Quais visibilidades da infância são produzidas a partir dos discursos que circulam
sobre a pedofilia?
2. Quais as proporções e a partir de quais repertórios ocorreu a emergência dos
temas do “abuso sexual” de crianças e adolescentes e da pedofilia e a que tais
discursos têm servido?
3. O aumento substancial da noticiabilidade desses temas na década de 1990 teria
adquirido contornos que contribuiriam para o enfrentamento dessa problemática
na sociedade brasileira ou o dramatismo que essas questões suscitam teria sido
usado para alimentar um tratamento sensacionalista dessa temática?
O objeto desta pesquisa se apoia no campo teórico dos Estudos Sociais da Infância,
cujos paradigmas conduzem o olhar para a compreensão das maneiras como a infância e as
relações adulto-criança são estruturadas nas sociedades ocidentais contemporâneas. Philippe
Ariès (1981) foi um dos primeiros historiadores a falar da mudança de sentimentos em relação
à infância e o espaço que essa etapa de vida passou a ocupar na cultura ao longo dos séculos.
A sua obra “História Social da Criança e da Família”, bem como as obras de Margareth Mead
e de Ruth Benedict (ambas do campo da Antropologia), consideradas marcos sobre a história
da infância, trazem uma nova visão da infância e inauguram a ideia da infância como uma
construção social.
Allison James e Alan Prout (1997) trazem novas perspectivas de estudos no campo da
infância. Para os autores, a categoria infância é uma construção social, é variável e as crianças
são atores sociais, ou seja, protagonistas de suas próprias vidas, bem como influenciam as
estruturas sociais.
Jens Qvortrup (2010a) também traz luz as questões sobre a infância, principalmente
por considerar que esta constitui uma categoria social subordinada à idade adulta, ou seja, as
relações adulto-criança são permeadas por relações de poder e dominação. Para ele, as
crianças são sujeitos políticos e a infância é uma variável de análise sociológica que se deve
considerar em sentido pleno. Na relação do adulto com a criança, a ideia de proteção da
criança emerge como elemento paradigmático e ainda pouco problematizado.
21

Mas antes destas perspectivas dos Estudos Sociais da Infância, uma voz significativa
já defendia, no início do século XIX, “o direito da criança viver sua vida atual” e “o direito da
criança a ser o que é”3 . O primeiro grande defensor dos direitos das crianças foi Janusz
Korczak que idealizou o direito das crianças de terem direito, de serem protegidas, de serem
ouvidas e consideradas pela sociedade. É Korczak que nos ajuda a entender a complexidade
da relação adulto-criança.
Apoiamo-nos, ainda, nos estudos sobre a Construção de Problemas Sociais, em
especial, os de Joel Best (1995) e Josefh Gusfield (1989), pois nos auxiliam na compreensão
do motivo pelo qual somente determinados temas ocupam lugar de destaque na agenda dos
direitos da criança e do adolescente. Tal enfoque pressupõe que, além do aspecto objetivo, a
delimitação de um problema social se baseia, também, no âmbito simbólico. Isto é, uma
situação poderá ser alçada a um problema social na agenda dependendo da atenção que
consegue despertar na sociedade.
As análises de Michel Foucault (1988) sobre os dispositivos disciplinares criados com
o objetivo de gerir a vida, o corpo e a sexualidade, também constituíram importantes aportes
teóricos. Segundo o autor, estes dispositivos foram instituídos a partir de discursos e do
silêncio. Em ambos, na fala ou no não uso das palavras, o poder e o saber se fazem presentes
na história da humanidade.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, recorremos ao referencial metodológico
proposto por John B. Thompson (2011) para a análise das formas simbólicas no contexto da
comunicação: a Hermenêutica de Profundidade (HP). O enfoque da HP compreende três fases
que podem ser descritas como: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva, e
interpretação-reinterpretação.
De acordo com tal proposta metodológica, a primeira etapa da HP é a análise do
contexto sócio-histórico de produção, circulação e recepção das formas simbólicas que, no
caso desta pesquisa, são as peças jornalísticas publicadas no jornal Folha de S. Paulo sobre o
tema da pedofilia. Assim, analisamos o contexto sócio-histórico de construção dos temas do
abuso sexual contra crianças e adolescentes e da pedofilia, bem como o contexto institucional
do jornal analisado. Para Thompson, os acontecimentos sócio-históricos são campo-objeto e
também campo-sujeito.
Para a segunda fase da HP, coletamos os discursos midiáticos sobre a temática da
pedofilia na base de dados digital do jornal impresso Folha de S. Paulo. O recorte temporal

3
Trechos da primeira edição da obra de Korczak “Como amar uma criança”, de 1915.
22

foi definido a partir da análise sócio-histórica (primeira fase da HP) e do levantamento sobre a
produção da FSP na temática da pedofilia. Para a análise formal dos discursos coletados,
utilizamos as técnicas da Análise de Conteúdo, conforme sistematizadas por Laurence Bardin
(1977). Entendemos essa técnica como uma das formas possíveis de tratamento de dados em
pesquisa, com a qual mensagens podem ser interpretadas para além dos significados da leitura
simples do real.
Para tanto, coletamos e analisamos 221 peças publicadas pela FSP sobre a temática da
pedofilia. No primeiro levantamento no acervo digital do jornal, localizamos 1625 páginas
para o descritor “pedofilia” e 43 páginas para o descritor “abuso sexual infantil”, no período
de 1976 até 2015. A diferença da quantidade de menções entre os termos sugere a preferência
da FSP em abordar o tema do “abuso sexual infantil” sob o rótulo de pedofilia. Portanto, para
a análise discursiva, optamos por analisar o tratamento dado pela FSP quando da emergência
da temática da pedofilia. Deste modo, analisamos desde a primeira menção do termo pedofilia
no jornal FSP, ocorrida no ano de 1976, até o ano de 1999, ou seja, uma década após a
aprovação do ECA.
A terceira e última fase da Hermenêutica de Profundidade se processa, inicialmente,
por síntese das duas fases anteriores: a articulação dos resultados da análise sócio-histórica e
da análise formal ou discursiva leva à “construção criativa de possíveis resultados”
(THOMPSON, 2002, p. 375). Essa fase implica um movimento novo de pensamento, uma
construção criativa por meio da qual se oferece uma interpretação do que é dito ou
representado pela forma simbólica sob análise. Ou seja, a partir dos discursos analisados,
lançamos outras interpretações sobre como vêm sendo abordadas as temáticas da pedofilia e
do “abuso sexual infantil” pela mídia e suas possíveis repercussões na construção social da
infância e adolescência. Desse modo, a investigação não pretende produzir uma verdade sobre
esses discursos, mas sim, um outro olhar e, tal como esclarece Thompson (2011, p. 46), uma
interpretação se presta a lançar “novas perguntas, novas questões, exige novos tipos de
evidência e argumentação”, de modo a possibilitar a reflexão e a transformação dos sentidos
do cotidiano.
Estruturalmente, este texto está dividido em três partes, com sete capítulos ao todo. A
parte I trata do objeto, da teoria e do método, sendo composta por três capítulos: o primeiro,
destinado aos aportes teóricos que subsidiaram a construção do objeto da pesquisa: os Estudos
Sociais da Infância, a teoria de Foucault sobre a sexualidade e o campo teórico sobre a
construção de problemas sociais. No segundo, apresentamos uma reflexão sobre discurso,
mídia e notícia, a partir de autores que discutem a construção dos discursos e da notícia. O
23

terceiro capítulo é destinado à apresentação do método que orienta esta pesquisa: a HP de


Thompson (2011).
A parte II deste estudo é reservada à primeira fase da HP, na qual, a partir da literatura
disponível, tratamos do contexto sócio-histórico de produção e difusão das formas simbólicas
sob análise, que, em nosso caso, são as peças jornalísticas sobre o “abuso sexual infantil” e a
pedofilia. Para tanto, trazemos, no capítulo quatro, a análise do contexto institucional do
jornal FSP. No capítulo cinco, apresentamos a construção e difusão do tema do “abuso
sexual” contra crianças e adolescentes, os contextos de produção sobre a emergência dos
discursos relativos aos direitos das crianças e dos adolescentes nos contextos internacionais e
nacionais. Abordamos também, nesse capítulo, a reconstrução dos espaços em que são
produzidas e construídas as retóricas e ações sobre o “abuso sexual infantil” e a pedofilia, e
sobre as violências sexuais contra criança. No capítulo seis, abordamos a representação da
infância na mídia, a valorização de temáticas dos direitos das crianças e dos adolescentes na
mídia com enfoque para o “abuso sexual” de crianças e “pedofilia” e o tratamento da Folha
para as questões da infância.
A parte III desta dissertação é dedicada à segunda etapa da HP, chamada de análise
formal. É composta pelo capítulo sete, em que discorremos sobre os procedimentos,
definições e estratégias de análise das peças jornalísticas coletadas entre os anos de 1976 e
1999 e sobre a análise discursiva propriamente dita que, à luz do contexto sócio-histórico,
possibilitaram articulações para a terceira fase da HP, a interpretação.
Para finalizar tecemos as considerações finais, nas quais sugerimos caminhos para
uma (re)interpretação dos discursos do jornal Folha de S. Paulo quando da emergência dos
temas do “abuso sexual infantil” e configuração da categoria “pedofilia”.
24

PARTE I: CAMPO DE ESTUDO

CAPÍTULO 1 – CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INFÂNCIA, DA SEXUALIDADE E DE


PROBLEMAS SOCIAIS

Neste capítulo, apresentamos os caminhos trilhados na construção do objeto da


pesquisa, a partir dos campos teóricos dos Estudos Sociais da Infância e dos estudos sobre a
Construção de Problemas Sociais.

1.1 Construção Social da Infância: tensões e debates

Há quase três décadas, os conceitos de criança e infância são debatidos de forma


universal, bem como são usados equivocadamente como se fossem sinônimos (FREITAS, M.
2016). A história social da infância no Brasil apresenta esses dois termos como em constante
reapropriação, ou seja, são tomados de acordo com as representações que os adultos fazem
sobre esse período da vida, por aspectos que são atravessados pelas relações culturais e sociais
entre os indivíduos e a infância e entre os indivíduos e as crianças. Portanto, ainda conforme o
autor, a infância é um tempo social, enquanto a criança é agente desse tempo.
É importante destacar que os conceitos de criança e infância são social e
historicamente construídos, de modo que se modificam de acordo com o tempo e o espaço em
que se constroem. Além disso, conceitos vários – e muitas vezes contraditórios – coexistem e
interferem diretamente na maneira de se pensar a criança em determinadas sociedades.
Margareth Mead e Ruth Benedict, ambas do campo da Antropologia, foram pioneiras
na abordagem da infância como construção social na sociedade ocidental, assim como
Philippe Ariès, historiador, que fez uma análise da participação das crianças na sociedade
ocidental, o que lançou as bases para pensar a infância como uma construção social. Embora
muitos críticos acusem Ariès de retratar somente a infância burguesa, a contribuição do autor
para os Estudos Sociais da Infância é muito valiosa, por provocar reflexões importantes sobre
a relação adulto-criança e criança-sociedade. Para além de refletir se havia ou não infância,
Ariès nos apresenta elementos para compreendermos a construção da infância como
sustentação da sociedade capitalista, com os processos de moralização, doutrinação e
educação iniciados na sociedade medieval.
Ariès argumenta que havia muitas crianças nas sociedades medievais, mas que não
existia a consciência de que elas eram sujeitos diferentes dos adultos, cheios de
especificidades. Portanto, a tese de Ariès sustenta que não existia, naquela época, a ideia de
25

infância e que, exatamente por isso, as crianças eram criadas com mais liberdades,
misturando-se ao mundo dos adultos. Tão logo adquiriam alguma autonomia, participavam de
jogatinas, presenciavam práticas ou brincadeiras de cunho sexual, participavam do mundo do
trabalho e de outros rituais atualmente considerados pertencentes ao mundo dos adultos
(AZEVEDO, CARNEIRO, MALDONADO, 2016).
Ao propor um debate sobre visibilidades das crianças e da infância, Qvortrup (2014)
sugere, a partir das teses de Ariès, que as crianças eram mais vistas e reconhecidas antes da
invenção da infância moderna e antes da institucionalização da infância. Para este autor,
embora as especificidades das crianças não fossem consideradas, estas eram mais livres
quando podiam circular entre os adultos, em diferentes ambientes e momentos. O
enclausuramento das crianças nas famílias e na escola distanciou-as da vida pública, pois elas
(as crianças) deixam de estar em comunidades, para serem exclusividade dos pais e da escola,
a quem cabe a responsabilidade de protegê-las. “As crianças perderam sua visibilidade
legítima no espaço público quando foram confinadas a uma variedade de formas institucionais
de infância: uma infância familiar, uma infância escolar, uma infância pré-escolar, uma
infância de lazer, etc” (QVORTRUP, 2014, p. 28).
Discursos moralistas disseminados pela Igreja começam a ganhar força nas sociedades
dos séculos XVI e XVII. A educação passa, então, a ser vista como instrumento de formação
da moral cristã e torna-se mais rígida, de modo a restringir as liberdades de jovens e crianças,
o que dá início a uma era de sacralização da imagem infantil, de associação da infância a um
tempo de inocência, de proteção e paparicação, que tem, como consequência, a inibição da
participação de crianças na sociedade, afirma Ariès (1981). Logo, seus estudos demarcam que
“o conceito de infância surgiu no momento em que os adultos começaram a olhar para as
crianças como seres que deveriam ser “paparicados” e “moralizados” (PRESTES e TUNES,
2012, p. 13, grifos das autoras).
Sob essa moralização, crianças e jovens são cada vez mais exilados em instituições
escolares e no interior da família, cujo papel assume grande importância no processo de
formação do indivíduo. Assim, a criança não mais deveria circular pela sociedade,
compartilhando momentos com adultos que não fossem seus familiares. Nesse sentido, a
participação da comunidade na construção da identidade da criança é, então, restringida
(ARIÈS, 1981). Como resultado dessas mudanças, a infância ficou cada vez mais afastada das
vivências sociais e restrita ao interior da família e da escola (ROSEMBERG e MARIANO,
2010). A infância torna-se um bem privado.
26

Contudo, as transformações provocadas pela modernidade acabaram afastando a


criança de seus familiares, fazendo surgir novas demandas para atender ao cuidado infantil,
em virtude do ingresso da mulher no mercado de trabalho, bem como da rotina exaustiva de
trabalho das famílias. Cria-se a necessidade de instituições que cumpram o papel de
cuidadores das crianças. Nesse contexto, inicia-se um processo de institucionalização da
infância que faz com que a criança passe grande parte de seu tempo em espaços reguladores
de sua infância (CORSARO, 2011).
O papel da criança no modelo de sociedade neoliberal se reestrutura e assume seu
lugar no interior da escola. A escola configura-se, então, como o ofício da criança, uma vez
que esse é seu espaço de produção de capital simbólico. Lá, as crianças interagem com
adultos e com seus pares, de modo a produzir e ressignificar a cultura local (CORSARO,
2011). Contudo, as sociedades, em geral, não reconhecem a escola enquanto trabalho da
criança. Ao contrário, ao invés de valorizar o caráter criativo da produção de conhecimento
infantil, atribui-se à escola a função disciplinadora e formadora, coibindo a agência das
crianças.
Desse modo, a criança perde seu status de contribuidora ativa na sociedade. Embora
ela seja consumidora de diversos bens e serviços, seu consumo é geralmente diluído nos
gastos da família:

Se for plausível propor que as crianças façam parte da regra da divisão social
do trabalho, é também possível sugerir que certos interesses estejam
conectados a essa regra e que as crianças, baseadas em seu consumo,
reivindiquem recursos sociais, além daqueles que são autorizadas a receber
como membros de uma família particular. É também uma questão moral, se
se pode defender que o direito à provisão é bastante variável, a depender do
background familiar. Nas sociedades orientadas para o consumo, isso é
contraditório, e pode somente acontecer porque crianças (a) são consideradas
fora das sociedades utilitárias como não consumidoras e (b) são
consideradas como propriedade dos pais e, portanto, dependentes do
consumo destes (QVORTRUP, 2011, p. 206).

Esse fenômeno contribui ainda mais para a marginalização da criança e acarreta seu
silenciamento na esfera social. Ademais, Qvortrup (2014) argumenta que as crianças
experimentam, alternadamente, um movimento de visibilidade e invisibilidade. Para o
sociólogo, elas ganham visibilidade em questões relacionadas a problemas sociais e
indisciplina, o que estimula o fortalecimento de movimentos denominados child free4 . Em

4
Em tradução livre, child free significa “livre de crianças” e se refere a um crescente movimento que restringe o
acesso de crianças a determinados espaços para não provocar incômodo em famílias ou pessoas sem filhos.
27

contrapartida, justamente por conta da construção de imagens de infância ligadas a problemas


sociais, o autor defende que as crianças também são socialmente invisíveis, na medida em que
sua participação política e social não é reconhecida.
Dessa maneira, a infância constitui uma categoria social e etária subordinada à idade
adulta. Assim, as crianças são controladas para atender às expectativas adultas daquilo que se
configura como uma formação adequada em direção à adultez. Logo, as interações adulto-
criança são permeadas por relações de poder e dominação. Essa subordinação da criança à
lógica adultocêntrica implica a construção de sua imagem enquanto ser em devir. Tal imagem
se reflete tanto na elaboração da agenda política que se propõe a pensar seus direitos de
proteção, provisão e participação, como também na delimitação dos espaços e ações de
crianças na sociedade. Justifica-se, então, o silenciamento da criança no âmbito social e a
restrição de sua participação política, o que a coloca em posição marginalizada na sociedade
(QVORTRUP, 2010b).
Por essa perspectiva, percebemos como as concepções de infância influenciam sua
posição na sociedade. Quando não existia o chamado sentimento de infância, as crianças
viviam muito mais livres e tinham maior participação na sociedade, muito embora estivessem
submetidas a muitos tipos de violências. A partir do momento que a criança passa a ser
responsabilidade da família e compreendida como um ser puro e vulnerável, que deve ser
protegido, sua liberdade diminui e a preocupação excessiva com a proteção impede sua
participação em diversos campos da esfera pública. Conforme analisa Qvortrup (2014, p. 29),
“a infância no sentido arièsiano do termo, como um espaço social separado do espaço social
da idade adulta”, com suas necessidades específicas descobertas, significou o necessário
reconhecimento de sua humanidade, “no entanto, sob a mesma perspectiva, às crianças
negava-se o tipo, quantidade e o escopo de participação que lhes eram garantidas
anteriormente, mesmo que involuntariamente”. A visibilidade que movimentos minoritários
conquistaram na Sociologia também se estendeu para a infância (CORSARO, 2011). A partir
do momento em que questões relativas às mulheres, negros, indígenas, homossexuais e outras
minorias conquistaram espaço nas discussões sociológicas é que se percebeu que a criança
estava desamparada pelos estudos e teorias. Para dar conta dos fenômenos que acometem a
infância, surge o campo dos Estudos Sociais da Infância.

Os Estudos da Infância e os Estudos da Criança são compreendidos como


campos de intersecção entre disciplinas e questionamentos sobre as
características ou os atributos da infância nos distintos momentos vividos
nos anos iniciais da vida, embora saibamos que estas etapas não são estáveis
28

e suas representações mudam no tempo e no espaço. Como todos os campos


interdisciplinares, os Estudos da Infância (conceitual) e os Estudos da
Criança (aqui e agora) compartilham um mesmo objeto de estudos, porém
vistos por perspectivas muito diferenciadas. As diferenças podem advir da
tradição disciplinar, isto é, aquilo que diferencia a definição do objeto de
estudo e sua metodologia de investigação, e, podem advir, também, da
perspectiva teórica que define os conceitos, as metodologias de pesquisa e a
análise dos dados (BARBOSA; DELGADO; TOMÁS, 2016, p. 107-108).

Nos Estudos Sociais da Infância, a criança é compreendida como sujeito de sua


própria infância e ator social participante da sociedade. Seu protagonismo é reconhecido e
respeitado pelas teorias e pelos métodos investigativos. No campo teórico da pesquisa feita
com e para as crianças, a infância é instituída como uma produção discursiva (PROUT, 2010),
ou seja, é construída pelos discursos que circulam na sociedade. Logo, o objetivo desse campo
de estudos é refletir sobre a criança reconhecendo sua agência, bem como refletir a respeito
das infâncias que são atravessadas por diferentes aspectos sociais, culturais e históricos.
A Sociologia da Infância é um dos campos teóricos para se pensar a infância dentro
dos Estudos Sociais da Infância sob o viés sociológico 5 . Sociólogos como Prout (2010),
Corsaro (2011) e Qvortrup (2010b, 2011, 2014) compartilham um olhar para as crianças como
um ator social, com competências para apreender e transformar a realidade, com certa
capacidade para emitir opiniões e fazer escolhas. Para Lourdes Gaitán Muñoz (2006), a
Sociologia da Infância surge para quebrar os paradigmas da infância como uma fase da vida
com uma essência universal:

La nueva sociología de la infancia surge a partir de una insatisfacción con las


explicaciones habituales sobre la vida y el comportamento de los niños, con
la consideración de los mismos en la sociedad y en el conjunto de las
ciencias sociales y así mismo con los métodos y técnicas de investigación
aplicados en el estúdio de las actividades individuales o colectivas de las
personas que se encuentran en esa etapa de la vida que viene a denominarse
infancia. Esta insatisfacción conduce a la búsqueda de otros planteamientos
teóricos explicativos y también al desarrollo de herramientas de
investigación adecuadas para llegar a un conocimiento de lo que significa la
infancia hoy, como espacio vital en el que se desarrolla la vida de los niños,
como fenómeno permanentemente insertado en la estructura social y como
ámbito con significado para los propios niños (MUÑOZ, 2006, p. 10).6

5
Os Estudos Sociais da Infância se constituiu como uma grande área, composta por diferentes perspectivas de
conhecimento sobre a infância, tais como História da Infância, Antropologia da Infância, Geografia da Infância,
Sociologia da Infância.
6
Tradução nossa: A nova sociologia da infância surge a partir de uma insatisfação com as explicações usuais
sobre a vida e o comportamento das crianças, com a maneira como se inserem na sociedade e no conjun to das
ciências sociais, assim como com os métodos e técnicas de investigação aplicadas no estudo das atividades
individuais ou coletivas das pessoas que se encontram nessa etapa de vida denominada infância. Essa
insatisfação leva à busca de outras abordagens teóricas explicativas e também ao desenvolvimento de
29

Assim, esses estudos tentam pensar na infância como um fenômeno social atravessado
por diversos fatores. Ademais, considerando que a infância é construída também a partir de
produções discursivas (PROUT, 2010), é possível afirmar que tudo o que se diz a respeito de
crianças contribui para a construção da imagem do que é ser criança e o que é infância. Nesse
sentido, os discursos midiáticos, acadêmicos e escolares afetam diretamente a criança dentro
da sociedade e, por isso, é tão necessário problematizar os discursos que circulam sobre a
infância, uma vez que eles podem produzir ou sustentar relações de poder ou dominação.
Além do que, as crianças constituem uma categoria social que não fala por si mesma, os
adultos é quem são seus porta-vozes.
Uma questão que afeta incisivamente a criança em todos esses níveis, atualmente, é a
tensão entre a proteção e a participação. A partir do surgimento de um sentimento de infância
e da percepção de que a criança é um sujeito pleno de especificidades e vulnerabilidades, a
ideia de que ela deve ser protegida ganhou muito mais força. Contudo, apesar da necessidade
de proteção das crianças, também é preciso considerar seus direitos de liberdade e
participação ante a sua condição de seres humanos.
Qvortrup (2010b) aborda essa tensão entre proteção e participação em seus estudos e
argumenta que é preciso pensar em meios de se promover a participação política das crianças.
De acordo com o autor, a infância não é afetada apenas pelas questões que dela se ocupam,
mas, ao integrarem a sociedade, são afetadas por aspectos políticos e econômicos
estabelecidos por uma adultez que não considera seus impactos sobre as crianças. Por isso é
preciso assegurar o direito de participação infantil na sociedade. Além disso, o autor considera
que atitudes paternalistas são comuns no trato com a infância e que, sob o ímpeto da proteção,
restringimos suas liberdades, de modo a colocá-las em posição marginalizada na sociedade.
Qvortrup (2011) salienta, ainda, que a criança tem um papel importante na estrutura
social. Além de participar ativamente do processo de ensino aprendizagem nas escolas,
produzindo e perpetuando hábitos e culturas importantes para a continuidade da sociedade, a
criança movimenta todo um mercado de consumo que sustenta o sistema capitalista. Por isso,
o sociólogo defende constantemente o direito de participação política da criança, uma vez que
a infância se configura como uma categoria estrutural permanente na sociedade, ou seja,
embora as crianças cresçam e se tornem adultos, a infância enquanto categoria estrutural
jamais deixará de existir, pois outras crianças nascerão e dela farão parte. Dessa forma, se a

ferramentas de pesquisa adequadas para se chegar a um conhecimento do que significa a infância hoje, como
espaço vital em que se desenvolve a vida das crianças, um fenômeno permanentemente inserido n a estrutura
social e como âmbito significativo para as próprias crianças.
30

infância se apresenta como categoria estrutural, as crianças se constituem como atores sociais
dessa categoria. Conceber a criança enquanto ator social implica reconhecer sua agência,
garantindo, assim, seu direito à proteção enquanto sujeito cheio de especificidades e
vulnerabilidades, mas também reconhecendo seu direito à participação e à liberdade.
James e Prout (1997) argumentam que a experiência da infância na sociedade
contemporânea está se fragmentando e que isso leva a um processo de reapropriação dos
sentidos de criança e infância na sociedade:

[...] desde meados dos anos 1970, há sinais de uma crise cultural (ou
representacional) da infância. Um indicador disso são os textos
semiacadêmicos e populares dessa época que anunciavam o
“desaparecimento da infância”. Postman é bem conhecido, mas há inúmeros
outros. Não seria muito difícil desmentir esses críticos. Mas o fato é que eles
ajudaram a ver que as velhas ideias sobre a infância já não eram adequadas,
que estava ocorrendo então, como ocorre ainda hoje, uma modificação no
caráter da infância. Inclusive, em alguns aspectos, esses críticos estão
corretos ao assinalar o enfraquecimento das fronteiras entre a infância e a
idade adulta (JAMES e PROUT, 1997, p. 731-732).

Nesse sentido, desnaturalizar ideias cristalizadas a respeito da infância e de seus


sujeitos permite pensar mais abertamente os direitos de participação da criança e
problematizar seu status na sociedade. Outrossim, os autores defendem que, ao falar da
infância individual, não podemos caracterizá-la como categoria homogênea. Tendo em vista
esses processos de fragmentação inerentes à sociedade contemporânea, é preciso reconhecer
que as crianças desfrutam de infâncias várias e múltiplas que são atravessadas por fatores
como gênero, nível socioeconômico, etnia, religião e cultura.
Esses diferentes aspectos interferem na formação do sujeito e atribuem diferentes
significados à infância. Cada criança tem sua infância moldada a partir desses elementos, de
forma que não podemos pensar nos termos criança ou infância como definição de um grupo
homogêneo e com características concretas (JAMES; PROUT, 2010). A criança constrói sua
subjetividade a partir de sua interação com o meio (CORSARO, 2011) e, na medida em que
as experiências de cada indivíduo são distintas, cada criança constitui-se de forma única e
incomparável. Portanto, não é possível falar em uma infância universal, tampouco em
“natureza infantil”, uma vez que as construções individuais de cada criança e sua infância se
desenvolvem a partir de diversas variáveis. No entanto, podemos utilizar o termo infância
sociológica para designar uma forma estrutural particular que compreende as crianças e suas
múltiplas infâncias (JAMES; PROUT, 2010), bem como reconhece meninos e meninas como
sujeitos do tempo presente, de agora, porque já são sujeitos de direitos.
31

Nessa perspectiva, os autores argumentam que os Estudos Sociais da Infância se


pautam em paradigmas de compreensão da infância que propõem o rompimento com noções
dominantes a respeito do tema, relacionadas à racionalidade, à naturalidade e à universalidade
(JAMES e PROUT, 1997). Nesse cenário de rompimento teórico, James e Prout (1997)
propõem os seguintes paradigmas no estudo da infância:

1. A infância é uma construção social. A instituição da infância oferece uma


estrutura interpretativa para a compreensão dos primeiros anos da vida
humana. Nesses termos, é a imaturidade biológica, em vez da infância, a
característica natural e universal dos grupos humanos. Como caminho de
compreensão desse período, a instituição da infância varia de acordo com a
cultura, apesar de formar um componente cultural e estrutural específico em
todas as sociedades conhecidas.
2. A infância, como uma variável de análise social, não pode ser totalmente
separada de outras variáveis como classe, gênero e etnia.
3. Relações sociais e culturais de crianças merecem ser estudadas por si
mesmas, independente da perspectiva e das preocupações dos adultos.
4. Crianças são e devem ser vistas como atores envolvidos ativamente na
construção de suas próprias vidas, na vida daqueles que as cercam e da
sociedade em que vivem. Crianças não são apenas objetos passivos de
estruturas e processos sociais.
5. A etnografia é uma metodologia que pode ocupar um lugar especial no
desenvolvimento de uma nova sociologia da infância, já que permite à
criança uma voz mais direta na produção de dados sociológicos do que
usualmente é possível através de pesquisas experimentais e pesquisas de
campo.
6. A infância é um fenômeno em relação para o qual a dupla hermenêutica
das ciências sociais está fortemente presente (ver GIDDENS, 1976). Isso
significa que proclamar um novo paradigma da sociologia da infância é
também engajar-se e se responsabilizar pelo processo de reconstrução da
infância na sociedade (JAMES e PROUT, 1997, p. 8).

Tais perspectivas suscitam reflexões para pensarmos como compreendemos a infância,


como se constitui a relação adulto-criança e como essa relação é composta na sociedade
contemporânea. Observamos que a posição centrada no adulto, em relação à criança, cria o
mito da criança inocente e protege a infância, a ponto de isolá-la, separá-la e recolocá-la junto
à natureza. Sendo assim, ainda perdura, na sociedade, a imagem sacralizada da infância
(ROSEMBERG, 1993). Tal posição adultocêntrica é claramente observada nos discursos
assistencialistas e protecionistas, produzidos por diferentes esferas da sociedade, sobre a
infância.
A Sociologia da Infância, por sua vez, enquanto campo de estudos dessa grande área,
tem contribuído para a consolidação da imagem da criança como sujeito de direitos na
sociedade. Corsaro (2011) compreende a infância como uma categoria estrutural. Para ele,
32

[...] as crianças são membros ou operadores de suas infâncias. Para as


próprias crianças, a infância é um período temporário. Por outro lado, para a
sociedade, a infância é uma forma estrutural permanente ou categoria que
nunca desaparece, embora seus membros mudem continuamente e sua
natureza e concepção variem historicamente. É um pouco difícil reconhecer
a infância como uma forma estrutural porque tendemos a pensar nela
exclusivamente como um período em que as crianças se preparam para o
ingresso na sociedade. Mas as crianças já são uma parte da sociedade desde
seu nascimento, assim como a infância é parte integrante da sociedade
(CORSARO, 2011, p. 15-16).

Logo, Corsaro (2011) critica veementemente a ideia de criança como vir a ser, uma
vez que não podemos pensar na infância como uma progressão futura, já que as crianças
integram a sociedade e participam ativamente de sua produção cultural, constituindo-se,
portanto, atores sociais. Para o autor, a capacidade de produzir cultura é a base da agência
infantil.
Nessa esteira, Corsaro (2011) contesta o modelo de socialização no qual a criança era
vista somente como receptora da cultura transmitida pelos adultos. Para ele, esse modelo
produz uma visão de que a socialização se reduz a um processo de inculcação. Chris Jenks
(2002) amplia essa discussão acerca das teorias clássicas da Sociologia e da Psicologia do
Desenvolvimento. Para o autor, a sociologia funcionalista pensa a criança como proto-adulto,
um ser humano em potencial, que é ensinado e socializado por adultos. As teorias do
desenvolvimento humano que concebem a criança como um ser inacabado, incompleto
também são criticadas pelo autor, pois ao ordenar estágios de desenvolvimento, como prevê a
teoria piagetiana, presume-se uma ordenação que é hierárquica, erigindo o adulto como
padrão desejável, que personificaria a racionalidade e a completude. Ainda, tais etapas
acabam por universalizarem fases do desenvolvimento da criança e estabelecem padrões de
temporalidade e normalidade. Para Jenks (2002) e Corsaro (2011), a criança é muito mais
participativa do que estas teorias consideravam. Eles reconhecem a criança como protagonista
no processo de socialização.
Em oposição à passividade a que a criança é submetida no processo de socialização,
Corsaro (2011) propõe o conceito de reprodução interpretativa. Esse conceito está atrelado à
capacidade da criança de agir de formas criativas para reproduzir sua versão do mundo adulto
e que elas alteram a cultura por meio dessas intervenções. Esse é, portanto, outro aspecto
fundamental da agência da criança.
Corsaro (2011) argumenta que as rotinas culturais entre adultos e crianças se
constituem como fator primordial para a construção de sentido da realidade. A partir da
relação adulto-criança, meninos e meninas entram em contato com as informações do mundo
33

e se apropriam criativamente de suas construções de sentido. Essas informações, que por


vezes geram dificuldades de compreensão, são levadas para as interações das crianças com
seus pares. E, nesse momento de interação entre crianças, é que acontece a tradução do
mundo adulto para a compreensão infantil.
Como aponta Corsaro (2011, p. 32), “[...] as crianças estão, por sua própria
participação na sociedade, restritas pela estrutura social existente e pela reprodução social, ou
seja, a criança e sua infância são afetadas pelas sociedades e culturas que integram”. Ele
destaca que as crianças recriam o mundo por meio da reprodução interpretativa, que consiste
na expressão criativa das apreensões de mundo infantis. Chamamos reprodução porque as
crianças ficam restritas a uma estrutura social pré-existente e, portanto, não criada por elas.
Ao mesmo tempo essa reprodução é interpretativa porque traduz criativamente a interpretação
da criança sobre determinada situação. Por isso, Corsaro (2011, p. 114) afirma que “as
crianças começam a vida como seres sociais inseridos em uma rede social já definida e,
através do desenvolvimento da comunicação e linguagem em interação com outros,
constroem os seus mundos sociais”.
Ademais, as crianças constroem suas identidades a partir de uma série de aspectos
simbólicos das culturas infantis. Figuras míticas e lendas, literatura e histórias infantis,
produtos da cultura material da infância e a interação com as diversas mídias contribuem para
a construção da subjetividade da criança, bem como para sua produção cultural. Os discursos
sobre infância são produzidos por diversas vozes. Estado, sociedade, escola, família, mídia
(meios de comunicação de massa - imprensa, televisão, rádio, internet), são atores
responsáveis pela construção histórica e social da infância. Nas diferentes épocas da história
humana, as representações das crianças são feitas por adultos. Dessa forma, o ser criança vem
adquirindo diferentes significados em variados contextos, mas tais significados se configuram
a partir de uma visão adultocêntrica do que é ser criança e do que é infância. Nesse sentido,
Chris Jenks (2002) aponta para a importância de se pensar a infância como uma construção
social atravessada por vários fatores:

A infância deve ser vista como um constructo social na medida em que se


refere a um estatuto social delineado por fronteiras que variam ao longo do
tempo e através das sociedades, mas que são incorporadas na estrutura social
e assim se manifestam através de determinados tipos de conduta que
simultaneamente se constroem. A infância diz, então, sempre respeito a um
contexto cultural particular (JENKS, 2002, p. 191).
34

Assim, falar de criança e infância é tocar em temas paradoxais, não unívocos e que
causam muita tensão. Vivemos um momento de profundas transformações culturais, sociais,
econômicas, políticas e religiosas. Há temas que permanecem como “tabus” e continuam
exercendo grande força simbólica na vida das pessoas, especialmente da sociedade ocidental,
entre eles, destaca-se a representação de inocência da criança. A construção social da criança
como imatura, pura e assexuada (ARIÈS 1981, FOUCAULT, 1988), traz ressonâncias na
definição de infância como época da inocência, do ser natural e universal e isso polariza as
posições sociais de adultos e crianças. A criança é colocada como o oposto do adulto, o
diferente, que deve ser controlado.

As crianças, por exemplo, sabe-se muito bem que não tem sexo: boa razão
para interditá-lo, razão para proibi-las de falarem dele, razão para fecharem
os olhos e tapar os ouvidos onde quer que venham a manifestá-lo, razão para
impor um silêncio geral e aplicado (FOUCAULT, 1988, p. 10).

As mudanças na representação de infância e a sanção de leis que regulamentam seus


direitos abriram caminhos para a reflexão acerca da importância de reconhecer a dignidade de
pessoa humana da criança, como sujeito de direitos. Korczak (1986) prenunciou, no início do
século passado, a ideia da infância como categoria social. Para ele, somente a partir de um
distanciamento da visão adultocêntrica é que seria possível considerar as vozes das crianças,
respeitá-las e ouvi-las. As crianças, conforme o autor, são sujeitos do hoje, ou seja, não são
apenas um vir-a-ser, são crianças hoje e devem ser tratadas como tal, portanto, todos devem
ter respeito pelas crianças e reconhecer nelas a dignidade, uma vez que não são seres
inferiores aos adultos.
Para quebrar essas representações que recaem sobre as crianças e suas infâncias, é
preciso problematizar determinados discursos que participam da construção social da infância
e que contribuem para manter uma posição de subordinação da infância. Deste modo, na
medida em que a mídia constitui um importante ator na construção de sentidos na cultura
contemporânea, o modo como publiciza as imagens da infância interfere significativamente
na construção social da infância.

Segundo Prout (2010), entre as razões para que os espaços das crianças se
tornem mais especializados e mais supervisionados por adultos, está o fato
da imagem de “crianças em perigo” tomar conta da discussão pública sobre a
infância. Esta imagem, como afirma o autor, é composta por conceitos de
dependência, vulnerabilidade e inocência (PRADO, 2014, p. 58, grifo da
autora).
35

Assim, se, por um lado, são muito importantes os movimentos e as campanhas que
defendem a “causa da infância”, por outro, na medida em que tais movimentos e discursos ao
terem um adensamento midiático enfocam sobremaneira as questões da infância associadas à
violência, ao risco, à sexualidade, ao desvio, acabam, também, construindo e sustentado a
imagem de “crianças em perigo”.
E um dos perigos que mais aterrorizam a infância contemporânea é a pedofilia. Por
seu turno, a discursividade sobre a pedofilia não se encerra em si mesma. Sua construção
remete a vários outros campos, principalmente ao campo da sexualidade e da representação de
inocência da infância, o que será objeto dos dois próximos tópicos.

1.2 A sexualidade como construção social

Michel Foucault (1988) é quem traz reflexões para compreendermos os dispositivos


disciplinares criados ao longo da história para regular a sexualidade humana. Para ele, o
entendimento sobre uma sociedade passa por compreender e apreender os contextos em que o
silêncio e os discursos foram construídos e reproduzidos. Sim, o silêncio também interfere nas
práticas sociais, delimita assuntos públicos, prioriza ações e elege prioridades sociais.
Para Foucault (1988), a sexualidade é um dispositivo heterogêneo e multivetorial,
cujas formações discursivas compreendem discursos biológicos, médicos, psiquiátricos,
jurídicos, pedagógicos, religiosos. Ainda que cada um desses discursos atenda a uma
determinada finalidade ou jogo de interesses, eles estão atravessados por outros discursos que
reconfiguram os limites de cada um deles, ressignificando-os, mas mantendo os conflitos, os
dissensos e as disputas. Ao pensarmos a sexualidade enquanto dispositivo, devemos
considerar como os regimes de verdade dominantes impõem uma lógica operacional, que
também produz linhas de fuga a partir das quais podemos nos insurgir contra eles.
A realidade sexual, segundo Foucault (1988) não pode ser pensada como algo dado,
mas, sim, como algo construído biopsicossocialmente, como algo que possui uma
historicidade e é constituída e constitutiva de relações de poder. Seu foco não é o de reafirmar
que somos determinados por ideologias que nos reprimem sexualmente, nem de que é
possível ou desejável nos libertarmos disso para darmos vazão à nossa suposta natureza ou
essência, mas em chamar a atenção para como os regimes de verdade estão em constante
conflito, produzindo, cada qual à sua maneira, seus efeitos de poder.
Em “A História da Sexualidade”, Foucault (1988) explica como a sexualidade, a partir
da emergência de uma moral burguesa de mundo, no século XVIII, foi gradativamente sendo
36

concebida de outra maneira. O que antes era chamado de sodomia e tinha a ver com práticas
abomináveis aos olhos de Deus, a partir do século XIX, passa a ser chamado de
homossexualismo e tem a ver com um tipo-de-sujeito que tem uma patologia e precisa ser
reorientado sexualmente à sexualidade tida como natural, que depois vai ser nomeada de
heterossexualidade. Os agentes sociais, formados pela Igreja e pelo Estado, é que
promoveram transformações estruturais na sociedade e passaram a ditar o que é certo e errado
acerca da sexualidade, que passa a ser coisificada nos discursos doutrinadores. Conforme
Foucault (1988),

Não somente foi ampliado o domínio do que se podia dizer sobre o sexo e
foram obrigados os homens a estendê-lo cada vez mais; mas, sobretudo,
focalizou-se o discurso no sexo, através de um dispositivo completo e de
efeitos variados que não se pode mais esgotar na simples relação com uma
lei de interdição. Censura sobre o sexo? Pelo contrário, constituiu-se uma
aparelhagem para produzir discursos sobre o sexo, cada vez mais discursos,
susceptíveis de funcionar e de serem efeito de sua própria economia
(FOUCAULT, 1988, p. 26).

Dessa forma, as instituições responsáveis pelas mudanças sociais em relação ao sexo


conseguem manter, de acordo com o autor, a ordem e o contrato social de serem as porta-
vozes sobre a temática e também de serem vigilantes do que os sujeitos fazem ou deixam de
fazer durante seus atos sexuais. Assim, o que prevalece é a razão e o controle dos corpos. Para
Bauman (1998), é nesse momento que os olhos se voltam para as crianças, tidas como
imaturas, impulsivas, cujos furores sexuais devem, então, ser freados, ou seja, a natureza
infantil deve ser contida. Para tanto, elas tornam-se responsabilidade dos pais, que devem
manter a pureza e inocência de seus filhos. Para preservar o manto sagrado, as crianças
tiveram de ser separadas dos adultos. Nesse contexto, os pais não estão sozinhos, a escola
também passa a assumir o papel de protetora e mantenedora da ordem social e econômica,
tanto que crianças pobres e ricas ficam sob a guarda das instituições escolares públicas ou
privadas.
Todavia, a retórica repressora não impediu que o sexo fosse falado e vivido. Para
Foucault (1988, p. 43), a perseguição às sexualidades periféricas, tais como a necrofilia, a
sodomia e a pedofilia, induziu a “incorporação das perversões e a nova especificação dos
indivíduos [...]”. Isso produz necessidades de saberes sobre a sexualidade com o objetivo de
ter a direção da vida dos indivíduos. O cerceamento e a suscitação das práticas sexuais são os
limites da sexualidade humana. Do silêncio se faz uma busca, ou seja, “[...] o que me parece
essencial é a existência, em nossa época, de um discurso onde o sexo, a revelação da verdade,
37

a inversão da lei do mundo, o anúncio de um novo dia e a promessa de certa felicidade, estão
ligados entre si” (FOUCAULT, 1988a, p. 13).
Nas sociedades modernas, o sexo é condenado, mas também falado e, de muito falar,
ele também é segredo na medida em que faz parte do foro íntimo. É no século XIX que surge
a noção da sexualidade associada aos sistemas de poder e de saberes. No artigo “A pedofilia e
o dispositivo da sexualidade”, o sociólogo Herbert Rodrigues (2011) discute, a partir da obra
foucaultiana, sobre questões que abarcam condutas sexuais envolvendo crianças e os
desdobramentos na área jurídica e legislativa.

Esses movimentos dariam um sinal de que a conduta sexual envolvendo


crianças está diante de uma disputa de saberes; de um saber médico-
psiquiátrico, que a tratava como uma perversão, doença ou loucura, e de um
saber jurídico-penal, que passa a tratá-la como crime (RODRIGUES, 2011,
p. 2).

Dessa forma, podemos perceber que falar de sexualidade é entender os contextos em


que os discursos foram articulados e produzidos. Portanto, para além de falarmos sobre
desejos, tratamos é da administração e gestão que gira em torno da temática. O sexo está entre
o indivíduo e o Estado, relacionamentos e família, ambiente privado e público, casa e escola,
enfim, faz parte de uma rede que possibilita observar a sexualidade das pessoas.

[...]todos esses controles sociais que se desenvolveram no final do século


passado e filtraram a sexualidade dos casais, dos pais e dos filhos, dos
adolescentes perigosos e em perigo – tratando de proteger, separar e
prevenir, assinalando perigos em toda a parte, despertando as atenções,
solicitando diagnósticos, acumulando relatórios, organizando terapêuticas;
em torno do sexo eles irradiaram os discursos, intensificando a consciência
de um perigo incessante que constitui, por sua vez, incitação a se falar dele
(FOUCAULT, 1988a, p. 32-33).

É o dispositivo da sexualidade que une sexo e poder, construídos cultural e


historicamente. Se sexualidade é um dispositivo histórico, como define Foucault (1988), ela é
uma invenção social, também construída e reconstruída nas relações sociais e de poder.

1.3 A construção social da infância inocente

O debate sobre a relação entre criança e adulto é atravessado por várias construções, a
começar pelas diferentes visões dos adultos em relação à infância. Até o século XVI, nas
classes mais favorecidas da Europa, as crianças viviam misturadas com os adultos, conheciam
38

a vida e aprendiam sobre os acontecimentos a partir do contato com eles. Os assuntos sexuais
eram falados normalmente pelos adultos, havendo ou não crianças por perto (ARIÈS, 1981).
Somente a partir do século XVII a criança é separada dos adultos. Esse é um dos
movimentos que dá origem à institucionalização da escola, do recolhimento da família da vida
coletiva e da privatização da criança à família. Philipe Ariès (1981, p. 6), em “História social
da criança e da família”, de 1960, chama isso de “uma das faces do grande movimento de
moralização dos homens promovidos pelos reformadores católicos ou protestantes”.
Até por volta do século XII, havia uma inexistência do sentimento de infância. Nas
poucas obras que representavam as crianças, elas eram retratadas como adultos em
miniaturas. Pequenas mudanças começaram a ocorrer a partir do século XIII, com
representações artísticas e religiosas de crianças como anjos, baseadas no menino Jesus,
associadas a Nossa Senhora menina e ao culto à mãe de Jesus, relacionada também com os
discípulos. A criança nunca esteve ausente, sempre existiu, “ao menos a partir do século XIII,
mas nunca era o modelo de um retrato, de um retrato de uma criança real, tal como ela
aparecia em um determinado momento de sua vida” (ARIÈS, 1981, p. 44).
Essa ausência do sentimento de infância perdurou, segundo Ariès (1981), até o século
XVI. As crianças das classes econômicas mais baixas eram as que mais corriam risco de
morte por causa das péssimas condições de saúde e higiene. Como não existia o sentimento de
cuidado, a morte de uma criança não era sentida como a sentimos hoje, já que, quando isso
ocorria, outra criança logo ocupava o lugar da que morreu.
A partir do século XVIII, acontecem inúmeras transformações no trato com as
crianças. Além dos discursos religiosos, os da ciência médica também passaram a operar na
defesa das crianças pequenas, a princípio voltados para as crianças vítimas de guerra e as
órfãs.
Uma das transformações é com relação aos cuidados com a alimentação, higiene e
saúde. Outro é a preocupação com a mortalidade infantil. Para controlar as enfermidades da
infância, vacinas em crianças passam a ser mais utilizadas e a higiene também é fiscalizada.
Mais uma mudança se dá em relação à imagem da criança, de “adulto em miniatura”, ela se
transforma em um ser em devir, que precisa de cuidados e proteção. Outra é sobre o que ela
pode saber, a criança passa a ficar longe de assuntos considerados imorais, como por
exemplo, o sexo. Essa nova postura e o discurso moralizador sobre a infância interferiram no
papel da família e da escola. A partir do movimento que vai da falta de reserva em conversar
abertamente com as crianças à ideia de pureza relatada por Ariès (1981), é possível
compreender como a sociedade contemporânea percebe e lida com a infância. As
39

transformações do sentimento de infância refletem não só no modo de tratar a criança, mas


também sobre o que ela representa. Ela passa a ocupar lugar central na dinâmica social.
O silenciamento sobre os temas sexuais é, de acordo com Rodrigues (2014),
alimentado pela imagem da inocência associada à criança, vista como ser frágil e indefeso.
Esse deslocamento do despudor à inocência cria também outra representação social sobre a
criança: a de vítima natural do adulto. Este deslocamento revela como a sociedade
compreende a função da criança na sociedade e pode a levar à conclusão que as crianças são
as principais vítimas de uma sociedade violenta, pois se a criança é “desvalida”, ela corre
perigo quando não está sob a guarda da família. Essa representação da infância a envolve em
uma redoma de ingenuidade que situa as crianças como vítimas, que devem ser protegidas
pela família e “salvas” de toda ameaça ou perigo.
Vale ressaltar que medidas protecionistas, idealizadas pelos movimentos de “salvar as
crianças” tinham mais o caráter de controlar as famílias e crianças pobres.

Esse movimento foi gestado no bojo da criação de sistemas reformatórios, de


práticas de tratamentos de menores infratores, e no sistema de tribunais de
menores. Segundo Platt, ao utilizar o discurso de vitimização, o movimento
de salvação das crianças não era empreendimento humanitário a favor das
crianças. Era forma de controle social, idealizado pelas elites, visando
sujeitar uma população às demandas do sistema capitalista emergente
(PLATT, 1977 apud RODRIGUES, 2014, p. 65).

Assim, não era de libertação e dignificação da infância que tratava o movimento


chamado de protetor das crianças. Há de se lembrar de que, como não há uma única infância,
as formas de proteger as crianças configuram-se de formas diferentes. Nesse período de
emergência dos direitos das crianças e adolescentes, evidenciam-se, também, as diferenças de
cuidados e proteção: da família burguesa, que coloca a criança no centro das relações e,
portanto, esta é salvaguardada no ambiente privado; da família pobre, que, quando não tem
condições de assumir suas crianças, estas são cuidadas em instituições beneficentes.
Observa-se que há duas formas de se pensar e fazer a proteção à infância: a pública e a
privada. Para Ariès (1981, p. 134), nas duas formas predomina a noção da imagem da criança
como pura e frágil, assim, “nosso sentimento contemporâneo da infância caracteriza-se por
uma associação da infância ao primitivismo e ao irracionalismo ou pré-logismo. Essa ideia
surgiu com Rousseau, mas pertence à história do século XX”.
A mudança do lugar ocupado pela criança e dos sentimentos em relação à infância, ao
longo dos séculos, como mostra Ariès (1981), possibilitaram novas reflexões sobre a condição
da vida das crianças, bem como a visibilidade e consequente mobilização contra as violências
40

sexuais sofridas por crianças e adolescentes e elaboração de leis contra crimes sexuais.
Constituem marcos legais desses movimentos, no Brasil, a Constituição Federal de 1988, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Penal.
O processo de moralização do comportamento infantil, a exaltação da fragilidade e a
vulnerabilidade das crianças contribuíram para mantê-las bem longe de qualquer questão
inerente à sexualidade. Para Ariès (1981), a sexualidade é um grande divisor de águas para a
instauração da imagem da infância como tempo da inocência na sociedade ocidental.
Essa concepção da infância partir das produções de discursos sobre a sexualidade
soma-se com a de Foucault (1988): antes do século XVII os “corpos pavoneavam”, ou seja,
eram livres e não eram incomodados. Mas, a partir desse século, começam os discursos de
interdições e repreensões, a ponto de afirmar que “as crianças, por exemplo, sabe-se muito
bem que não têm sexo: boa razão para interditá-lo, razão para proibi-las de falarem dele”
(FOUCAULT, 1988, p. 10). O quarto dos pais passa a ser o único local permitido para
sexualidade, mas com finalidade bem definida: a reprodução. É lá que se guardam os segredos
e as normas. Foucault chama isso de dispositivo de poder, porque a sexualidade se torna um
fato discursivo produzido por diferentes atores socais.
Para além de interdição, Foucault (1988) afirma que o silêncio, a negação, a censura
são produções discursivas. Isso nos ajuda a pensar sobre a sexualidade das crianças no âmbito
escolar, um dos principais canais de produção e reprodução de discursos institucionais e
estratégicos. Ainda para o autor,

É possível que se tenha escamoteado, aos próprios adultos e crianças, uma


certa maneira de falar do sexo, desqualificada como sendo direta, crua,
grosseira. Mas, isso não passou de contrapartida, múltiplos, entrecruzados,
sutilmente hierarquizados e todos estreitamente articulados em torno de um
feixe de relações de poder (FOUCAULT, 1985, p. 32).

No sentido de produzir discursos sobre o sexo, muitas vozes foram reproduzidas no


decorrer do século XVIII. Foucault (1985) cita a Medicina, ao trazer “soluções” para doenças
dos nervos; o judiciário, ao criminalizar as “perversões sexuais”; o Estado, através de políticas
para controle de natalidade; e a Igreja, com a continuidade da obrigação da confissão entre os
“fiéis”.
Diante de tantos cenários e contextos na contemporaneidade, é preciso debatermos
sobre o “jardim sagrado da infância”, que é atravessado por múltiplos e, muitas vezes
controversos, discursos. Vivemos em uma cultura midiática, como diz John Thompson
(2011), e isso nos permite acatar ou não o que nos é apresentado em imagens, textos e sons.
41

Salgado, Mariano e Oliveira (2015) problematizam as imagens sociais da infância a


partir de debates com vários teóricos da infância e também fundamentados em uma pesquisa
com crianças e uma música do gênero funk. Para os autores,

Letras e danças de músicas do funk carioca, muito presentes nos discursos e


nos saberes que as crianças compartilham, trazem uma erotização fabricada e
têm como correlato um ideal do corpo feminino sedutor, fortemente atrelado
ao consumo. Por outro lado, essas mesmas letras e danças, já presentes nas
culturas das crianças, retiram a sexualidade do esconderijo do segredo da
vida adulta e a tornam visível nas experiências e nas vidas das crianças
(SALGADO, MARIANO, OLIVEIRA, 2016, p. 108).

As crianças experienciam culturas permitidas e proibidas pela família e pela escola,


pois elas são sujeitos que inventam formas de resistir às regras e normas das instituições.
Além disso, a sociedade apresenta marcantes contradições quanto ao modo de lidar
com a sexualidade de crianças e adolescentes. Felipe (2006, p. 215) traz uma instigante
reflexão de que vivemos em uma sociedade que, ao mesmo tempo que criminaliza a pedofilia,
produz a objetivação do corpo de meninas como mercadoria à venda. Esse fenômeno é
denominado por ela de “pedofilização da cultura contemporânea” e suas práticas são
percebidas, por exemplo, através de propagandas que exploram a imagem de crianças em pose
sensual, em letras de músicas que enaltecem o deslumbramento pela “novinha”, em filmes em
que crianças são expostas em um contexto de sedução. De acordo com esta autora,

Ao mesmo tempo em que são produzidas imagens erotizadas das crianças,


veiculam-se discursos e campanhas de moralização em que se condena
qualquer tipo de relação sexual envolvendo um adulto e uma criança,
considerando-se esta a forma mais terrível de violência sexual (FELIPE,
2003, p. 129).

Assim como já citado anteriormente, apreendemos, por meio dos aportes teóricos, que
a “causa da infância” ao instalar discursos sobre a situação das crianças é entrelaçada com as
demandas dos dispositivos de poder de atores sociais que produzem e reproduzem discursos e
constroem determinadas imagens de crianças e adolescentes.

1.4 A construção de problemas sociais

Outro aporte teórico que sustenta esta investigação é o campo dos estudos sobre a
Construção de Problemas Sociais, pois nos auxilia na compreensão dos motivos pelos quais
somente determinados temas ocupam lugar de destaque na agenda dos direitos da criança e do
42

adolescente. Tal enfoque pressupõe que, além do aspecto objetivo, a delimitação de um


problema social se baseia, também, no âmbito simbólico. Ou seja, uma situação poderá ser
alçada a um problema social na agenda dependendo da atenção que consegue despertar na
sociedade.
O que define o que entra ou não na discussão de amplitude pública são o tipo, o
tamanho e a extensão das atividades reivindicatórias. Sendo assim, um tema específico torna-
se um problema social e, para tanto, deve ser combatido, controlado e “resolvido” (FUKS,
2000). É, portanto, a ação de reconhecimento subjetivo um dos fatores determinantes para a
eleição do que vem a ser um problema social. Nesse contexto, as vozes dos agentes
envolvidos e a gravidade do que é anunciado sobre determinada questão é que vai dar
visibilidade e o grau de emergência para erradicar, melhorar ou mudar alguma situação ou
questão definida como problema social.
Segundo Fuks (2000), as instituições públicas, as leis e os recursos públicos são
criados, reformulados e alocados a partir da definição do que é considerado debate público, ou
seja, os assuntos públicos demonstram a eficácia ou não de uma ação governamental. Mas o
autor recorda que grupos organizados também se empenham em promover suas preocupações
com determinado problema social. Então, os cenários político, cultural, e organizacional de
instituições públicas ou privadas configuram-se como elementos determinantes para o
processo de definição de problemas sociais. Para o referido autor,

A interação de diferentes arenas constitui um aspecto central da própria


dinâmica da evolução do debate público. Embora a maior parte dos assuntos
tenda a permanecer em arenas específicas no interior das quais eles
asseguram sua sobrevivência, aqueles com maior êxito circulam em vários
canais institucionais. Considerando que a intenção dos atores é intervir da
forma mais ampla possível no sistema de arenas de ação e debate público, a
estratégia inicial daqueles que promovem um determinado assunto público é
encontrar canais institucionais propensos a abrigá-los, os quais, por sua vez,
atuarão no sentido de reforçar sua presença nos demais espaços públicos
(FUKS, 2000, p. 82).

Assim, os problemas sociais são definidos nas arenas públicas. Depois que a questão
conseguiu atrair a atenção social, os atores sociais preocupam-se, conforme Fuks (2000), com
a permanência do tema na agenda pública. Para tanto, o drama é usado como uma das
principais ferramentas para manutenção do assunto tido como problema social. E a produção
de notícia é elemento mantenedor e que sustenta as pautas dos assuntos da agenda pública,
bem como o uso de recursos simbólicos conexos ao tema. O ciclo de atenção a um assunto
público oscila: ora é foco de atenção em um longo período; ora, de repente, torna-se foco de
43

muita atenção, em uma curta temporada. Porém, o tempo que o ciclo dura não garante a
resolução do problema social.
Essa oscilação do ciclo acontece, segundo Fuks (2000), porque alguns assuntos,
embora pertencentes à agenda pública, não captam a atenção coletiva, por serem muito
técnicos e complexos. Há também os que têm impacto imediato, embora sem vestígios por
longo período no sistema político. E há, ainda, os que com longo ciclo conseguem mudar o
ambiente em que foram criados e reproduzidos, provocando, dessa maneira, alterações no
sistema. As questões com essas características recebem mais atenção e mobilizam o público
de forma mais ampla e podem influenciar na definição de políticas públicas. Isso reforça a
importância dos agentes sociais envolvidos na disputa pela delimitação do problema social e,
consequentemente, do que fará parte da agenda pública. Para Fuks (2000, p. 6), não há
problema menos ou mais difícil, “depende dos termos em que são apresentados no debate”.
A mídia é apontada por Fuks (2000) como “ponte de articulação” entre as arenas
públicas e meio de difusão sobre o que ocorre nos ambientes internos em que convivem os
agentes sociais. As maneiras como os assuntos serão pensados pelos agentes e pela sociedade
são sugeridas pela mídia. Portanto, a definição e significados dos problemas sociais não
ocorre em abstrato na sociedade ou na opinião pública, mas sim nas arenas públicas e
privadas constituídas por órgãos executivos e legislativos, as mídias, o ativismo social, os
partidos políticos e campanhas políticas, os movimentos sociais, as instituições religiosas, as
fundações, as entidades organizadas com e sem fins lucrativos. Nesses ambientes e com os
sujeitos formadores é que os problemas sociais são debatidos, classificados, deliberados,
encaixados, produzidos e expostos ao público. Os limites de cada arena, bem como do espaço
e tempo de apresentação dos problemas, interferem no número de assuntos potenciais e na
definição dos que comporão a agenda pública.
Essa seleção do problema social processa-se por uma hierarquização das questões que
instigam a atenção pública. Ou seja, das inúmeras questões sociais que podem atrair a atenção
pública, umas ganham posto de “celebridade”, algumas incitam certos setores limitados, e
outras ficam desconhecidas (MARIANO, 2010). Para Hilgartner e Bosk (1988), esse
“processo coletivo de definição” de um problema social é um jogo entre as questões que
podem ser consideradas um problema social e depois são usadas nos discursos sociais e
políticos. O significado e delimitação do problema social dependem do entendimento dos
construtores de problemas sociais e esses têm interferências dos contextos dos quais fazem
parte.
44

É a partir das perspectivas interpretativas e interacionistas (BEST, 2007; GUSFIELD,


1989; LAHIRE, 2005) sobre a construção dos problemas sociais e sobre a construção de
problemas sociais da infância brasileira (ROSEMBERG e ANDRADE, M. 2012; MARIANO,
2010) que, nesta pesquisa, problematizamos o tratamento dado pela mídia ao tema do abuso
sexual de crianças e adolescentes e da pedofilia. Para esses autores, a dramatização é usada
para mobilizar mais agentes sociais, para incitar atenção pública e caracterizar questões
envolvendo a infância e a juventude “em situação de risco” e associadas a temáticas da
sexualidade. A visibilidade das crianças e adolescentes no espaço público geralmente ocorre
pelo viés do uso de dramas sociais. “O drama é a fonte de energia que dá vida ao problema
social e sustenta seu desenvolvimento. Ao criar [narrativa] dramática, o operador que
apresenta problemas sociais usa alguns dos tropos do teatro clássico” (HILGARTN ER;
BOSK, 1988, p. 60 apud ROSEMBERG, 2009, p. 10).
O uso do drama, da publicização, do sensacionalismo, da espetacularização pode se
constituir em uma forma de disputar espaço na hierarquia dos problemas sociais, haja vista a
limitação para publicização de um assunto. Assim, operadores, ativistas (inclusive da “causa
da infância”) e/ou profissionais e demais atores sociais usam várias estratégias e recursos para
lançar materiais ou produtos para atrair atenção pública e promover uma mobilização social
em torno de tal questão.
Essa disputa pelo poder e visibilidades dos atores sociais e suas retóricas sobre
problemas sociais ocasiona, também, disputas entre as empresas de comunicação. Dessa
forma, além do uso do drama, da publicização, do sensacionalismo, as mídias apresentam
também escândalos. Vanessa Bizzo (2008, p. 29) afirma que nesse jogo entre atores sociais e
mídia, a presença de personalidades e políticos é mais visível, pois “a mídia monitora as
preferências dos atores sociais e políticos”.
John Thompson (2011) argumenta que a mídia pode servir para o bem ou para o mal.
Ela se constitui como um ator social que negocia e orienta as pautas sociais, transformando-as
e manipulando-as como bens simbólicos. Na arena pública, na disputa para a eleição de um
tema como um problema social, a mídia constituiu um importante ator social. Rosemberg e
Andrade (2012) classificam a definição e delimitação de um problema social como uma etapa
de sua construção e também destacam, assim como Thompson (2011), a mídia como uma das
arenas em que ocorre essa “etapa”. Os receptores das informações produzidas pela mídia
incluem principalmente
45

[...] os “fazedores de opinião” (os claims makers), as pessoas que ocupam


posições institucionais capazes de ser ouvidas, influenciar na elaboração de
orçamento, negociar com legisladores, pautar uma questão, quem sabe, no
Jornal Nacional ou na Folha de S. Paulo (ROSEMBERG e ANDRADE,
2012, p. 293, grifos dos autores).

No contexto da construção de problemas sociais, no tocante à mídia, os receptores são


atores sociais, no caso da temática desta pesquisa, formada por jornalistas, autoridades
públicas, instituições públicas e privadas, organizações não governamentais, etc. Isso reforça
que os problemas sociais não são definidos por um único ator social, e nem de forma estática,
mas sim por escolhas dinâmicas e coletivas, ou seja, as arenas públicas são formadas por
fóruns que definem e legitimam os problemas sociais (HILGARTNER; BOSK, 1988).
A elaboração da agenda pública e das políticas públicas é influenciada pelo que é
noticiado pela mídia. A cultura midiática atua no cotidiano das pessoas, nos conflitos sociais e
é, portanto, um terreno de disputas entre grupos, por isso, algumas situações são socialmente
percebidas como problemas sociais, enquanto outras não o são. Para Best (1995, p. 4),
“problemas sociais são o que as pessoas consideram ser problemas sociais”.
Nesse sentido, a forma e o tipo de cobertura que a mídia faz sobre determinado
assunto contribui para que a sociedade perceba esse assunto como um problema social ou não,
bem como os contornos e significados do problema social. No caso da infância, estudos
apontam que sua imagem na mídia tem sido associada à violência, como vítima ou como
algoz (PONTE, 2005). O viés “positivo” da imagem da criança da mídia geralmente é para
marketing político. Nessa situação, podemos exemplificar as cenas recorrentes de políticos
carregando bebês no colo e com os discursos que utilizam o nome do filho ou do neto para
justificar as ações nas tribunas políticas e nos palanques eleitorais.
Outro viés é o do marketing social. Nesse caso, os corpos das crianças são usados para
pedir ajuda para países de terceiro mundo ou para pedir paz entre países que estão em guerra.
Tais imagens são usadas para criar, reproduzir e definir problemas sociais, bem como a
agenda pública e as políticas públicas.
Segundo Joseph Gusfield (1989), é a dimensão social que uma situação adquire que a
torna problema público, pois nem todos os problemas sociais são problemas públicos, e as
considerações sobre definição de questão pública, em uma sociedade, variam historicamente.
Joel Best (2007) diz que “todo problema social é socialmente construído”. É a atenção que o
problema consegue despertar na sociedade que vai definir se ele é ou não um problema social.
Se for assim considerado, é bem provável que entrará na agenda política.
46

Desse modo, é a percepção do que a sociedade considera mais ou menos relevante, o


que causa mais ou menos preocupação que chama atenção e sensibiliza moralmente a
sociedade, que contribui para a eleição ou não de uma questão ao posto de “problema social”.
Podemos citar como exemplo a violência sexual contra crianças e adolescentes, que antes do
século XVIII não era considerada crime, por conseguinte, não era tida como um problema
social. Isso vale também para outros tipos de violência cometidos especialmente contra
crianças e mulheres.
Nesse sentido, a atenção que as pessoas dão a uma determinada temática é que torna
um problema social. Essa atenção é suscitada por mobilização de atores sociais que passam a
ser porta-vozes, construtores e reprodutores de discursos em torno da temática. Da
importância dada pela sociedade a um problema são produzidos sentimentos coletivos. Foi
assim que, no Brasil, o abuso sexual contra crianças e adolescentes e a pedofilia passaram a
ser vistos como problemas sociais principalmente após a aprovação do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), em 1990 e, desde então, tem ocupado um lugar na agenda de
preocupações, mobilizações e políticas públicas.
Ainda, há uma construção social de que os males sociais são representados pelas
famílias das classes pobres. Adultos, adolescentes e crianças pobres são cotidianamente
culpabilizados pelos problemas da sociedade. Um exemplo dessas questões construídas
socialmente é a violência infantil intrafamiliar que, a princípio, era investigada somente nas
famílias pobres. Coube ao movimento feminista denunciar e esclarecer que crianças de
famílias pertencentes às classes média e alta também eram vítimas da violência intrafamiliar
(MÉLLO, 2002).
No Brasil, circulam discursos de que crianças e adolescentes de famílias pobres não
recebem educação, nem ensinamentos éticos e morais (ROSEMBERG, 1994b). Sob esse
prisma, Méllo (2002, p. 168) pondera que “não basta, diante das situações de violência retirar
do baú (da felicidade utópica) as explicações de praxe, como por exemplo, a pobreza e
desagregação da família”. Segundo ele, essa construção discursiva serve para formular leis e
normas e criminalizar o que é tido como “anormal”.
Tais imagens de condições sociais degradantes de crianças e adolescentes têm
contribuído para a delimitação de problemas sociais associados às crianças maiores e
adolescentes, ou seja, desviam do debate os bebês e as crianças menores, estigmatizam as
crianças e famílias pobres, o que acaba por hierarquizar, dessa forma, as questões de
responsabilidade pública (ROSEMBERG, 1994b).
47

É o tamanho, a expansão e a dimensão dos indicadores sobre o “problema” que


demarcam e hierarquizam a questão como problema social (ROSEMBERG, 1994a). Nas
pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI), da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), constatou-se o uso de estatísticas
“bombásticas” na construção de problemas sociais relacionados à infância brasileira. Os
pesquisadores do NEGRI se referem ao emprego desses números como “folia conceitual” e
“dança de números”.
A temática “meninos de rua”, por exemplo, foi alvo de intensa campanha promovida
por órgãos nacionais e internacionais. A academia, a mídia, as organizações oficiais e não
oficiais foram responsáveis por reproduzirem o discurso do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF) que apontava que cerca de 100 milhões de crianças viviam nas ruas em
todo o mundo na década de 1990. Desse total, 40 milhões estariam na América Latina e
Caribe, 20 milhões, no Brasil.
Fúlvia Rosemberg questionava qual seria a fonte desses dados, pois as publicações
sobre os “os meninos de rua” não explicavam a forma como o UNICEF os obtinham, ou seja,
não explanavam a metodologia adotada e as fontes utilizadas. A Secretaria do Menor do
Estado de São Paulo adotava tais estatísticas do UNICEF. Para Rosemberg, os números eram
“distantes da realidade, estigmatizadores de família, crianças e adolescentes pobres, e
inadequados enquanto balizas para a ação” (ROSEMBERG, 1994b)7 . A “loucura das cifras
astronômicas” foi duramente criticada até por entidades que atuam com a Infância e a
Juventude, porém foi necessária para derrubar as ilusões produzidas por estatísticas
inadequadas (ROSEMBERG, 1994b).
Na perspectiva da construção de problemas sociais, os números, uma vez divulgados,
sendo eles bons ou maus, sobrevivem (BEST, 2007). Ainda hoje, estatísticas sem sustentação
são usadas e divulgadas para produzir problemas sociais, delimitar a agenda de políticas
públicas e generalizar situações de “risco” e “desvio” de uma determinada população, no caso
desta pesquisa, da infância e juventude.
A retórica empregada na construção de problemas sociais pode causar consequências
deletérias para determinados grupos sociais. Como já citado anteriormente, Rosemberg
(1994a) observou isso no caso dos meninos e meninas em situação de rua, quando até

7
Fúlvia Rosemberg coordenou em 1993 uma pesquisa de contagem dos meninos e meninas em situação de rua.
Juntamente com outros pesquisadores e militantes da causa pelos direitos das crianças e adolescentes, mostrou,
através de uma metodologia de contagem por observação simultânea e entrevistas , que os números de meninos e
meninas em situação de rua são menores do que as estimativas sobre crianças de rua e na rua nos países do
Terceiro Mundo, da América Latina e do Brasil.
48

entidades beneficentes usam os números para conceituar e caracterizar erroneamente as


crianças e os adolescentes nesta situação. Leandro Andrade (2001), ao pesquisar sobre o tema
da prostituição infanto-juvenil na mídia, constatou que discursos em defesa da proteção de
adolescentes podem sustentar uma retórica que banaliza a violência e estigmatiza as crianças e
as famílias pobres, escamoteia a tensão política e a relação de dominação dos não pobres
sobre os pobres.
Desse modo, estatísticas catastróficas, sem fundamentação, contribuem para a
produção e reprodução de relações de dominação de não pobres sobre os pobres. Os números
“bombásticos” são usados de forma a rotular e fragmentar a pobreza. Marcelo Andrade (2005)
problematiza, a partir dos estudos de Best (2007), que os indicadores objetivos por si só não
garantem que uma situação se torne um problema social. Mas, se houver a produção e
reprodução de tais estatísticas por agentes cujas vozes são consideradas e que ocupam lugar
de destaque na sociedade, o “problema” passa ser uma questão social.
Nesse sentido, mesmo que o déficit de vagas em creches afete uma grande quantidade
de crianças e adolescentes, bem como um grande número de famílias, desrespeitando, dessa
forma, um direito constitucional (dos pais e dos filhos), não é considerado problema social,
posto que não há produção da visibilidade dessa necessidade por parte de agentes sociais.
Portanto, não são os indicadores objetivos nem a gravidade e a violação de um direito que
garantem que uma situação ou questão alcance o posto de problema social e seja considerada
na agenda de políticas públicas. Logo, o pressuposto que adotamos para esta pesquisa é o de
que não é apenas no âmbito objetivo que ocorrem a delimitação e a definição dos problemas
sociais, mas também no âmbito do simbólico.
Todo esse processo da emergência do que será considerado um problema social
envolve as retóricas e ações dos agentes sociais e ocorre, de acordo com Hilgartner e Bosk
(1988), no “sistema de arenas públicas”. Portanto, o que irá se tornar um problema social é
definido em arena pública. Nesse sentido, os autores afirmam que, além dos atores sociais
pertencentes a grupos organizados nos âmbitos públicos e privados, os contextos
socioculturais também interferem na eleição de certos assuntos da agenda pública.
É importante entendermos a forma de definição das causas de um problema social,
pois há muitas questões sociais que podem ser consideradas um problema social, outras
podem ser transformadas em pauta de interesses políticos e outras podem ser simplesmente
ignoradas, por não serem tidas como um problema social. Um problema social é reconhecido
como tal se houver ação dos construtores (dentre eles as organizações governamentais e não
governamentais, a mídia e outros) de problemas sociais.
49

Dessa maneira, a construção do objeto desta pesquisa está sustentada no que foi
expresso anteriormente de que a retórica empregada na construção de problemas sociais pode
causar consequências deletérias para determinados grupos sociais. Assim, é importante
entendermos como se deu a emergência do abuso sexual contra crianças adolescentes como
um problema social. É nesse processo de emergência que é definido e delimitado os
contornos, os sentidos desta questão, bem como o modo como esse problema vai ser
percebido e compreendido pela sociedade e o que será associado como origem desse
problema
Nesse sentido, nosso interesse nesta pesquisa é analisar a transformação de uma
questão em problema social (ROSEMBERG; ANDRADE, M., 2012) e como esse problema é
definido e delimitado em uma das arenas que o constrói: a mídia. Temos como questão
fundante o fato de que o modo como o abuso sexual de crianças e adolescentes passa a ser
definido tem consequências no modo como vai ser enfrentado. Ou seja, o modo como um
problema é enquadrado tem diversas implicações, seja na produção de sentidos sobre o
problema, sobre seu enfrentamento, sobre a representação dos sujeitos envolvidos. É a partir
dessas reflexões que foram construídos os argumentos que orientam essa investigação sobre a
emergência dos discursos sobre o “abuso sexual infantil” e a pedofilia veiculados na
emergência desse tema no jornal Folha de S. Paulo.
50

CAPÍTULO 2 – DISCURSO, MÍDIA E NOTÍCIA

A maneira de discursivizar da mídia, seja por meio de imagens, texto ou fala, exerce
uma função na produção de identidades sociais, pois a relação mídia e sociedade está
atravessada de relações interdiscursivas pré-construídas. O que será ou não dito é decidido
pelo efeito de sentidos que se dá, do que é (re)produzido como informação pela mídia. O
processo de criação e divulgação do discurso midiático ocorre em um espaço de (re)produção
constante. Dessa forma, entendemos que o “saber sobre” ocupa um lugar de escolhas, é
durável, e, assim, há uma seleção do que será ou não informado e mostrado.
Para Orlandi (2002), trata-se de um jogo de memória:

Saber como os discursos funcionam é colocar-se na encruzilhada de um


duplo jogo de memória: o da memória institucional que estabiliza, cristaliza,
e, ao mesmo tempo, o da memória constituída pelo esquecimento, que é o
que torna possível a diferença, a ruptura, o outro (ORLANDI, 2002, p. 24).

Nessa perspectiva, Pêcheux (2009, p. 146 – grifo do autor) afirma que [...] “o sentido
de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si mesmo’ (isto é,
em sua relação transparente com a literalidade do significante)”, são atravessadas pelas
posições ideológicas8 e são afetadas por aspectos exteriores das condições de produção dos
discursos. Os sentidos das palavras, das expressões e proposições oscilam de acordo com a
posição assumida.
Conforme Pêcheux (2009), os discursos da mídia pertencem à história humana, pois
são constituídos de combinações ideológicas9 que atravessaram a sociedade e dão sentidos ao
que vai ser propagado como “verdades” pelas mídias. Esses sentidos circulam a partir de
relações interdiscursivas, evidenciam aspectos ideológicos da sociedade e “fornecem
evidências pelas quais todo mundo sabe o que é um soldado, um operário, um patrão, uma
fábrica, uma greve etc” (PÊCHEUX, 2009, p. 160). São essas mesmas evidências, assevera o
autor, que dizem ou não o que se quer dizer e dão sentido às palavras, enunciados e
informações.
Para Foucault (2000) e Pêcheux (2009), o discurso é composto de relações e não é
deslocado dos contextos históricos e das produções sociais dos sentidos. Os discursos

8
Tendo em vista que os termos “ideologia” e “ideológico” são utilizados com diferentes acepções, identifica -se
que Pêcheux atribui ao termo um sentido pejorativo.
9
Para Pêcheux (2009) a ideologia é construída a partir da luta de classes e é difundida em discursos por
diferentes instituições sociais.
51

midiáticos, portanto, não são criados de forma isolada, o lugar da mídia e das relações de
poder o constituem e sobrepõem sentidos.
Orlandi (2002, p. 84) sugere que a compreensão sobre as condições de produção do
discurso não seja separada dos aspectos históricos e ideológicos 10 , pois o texto em si é
“carregado de discursividades superpostas que não estão (não podem estar) perfeitamente
articuladas na espacialização linear do texto, ou seja, não cabem na linha”. No caso dos
discursos da mídia, ocorre um processo em diferentes temporalidades históricas, considerando
que a produção e a interpretação devem suceder para além da materialidade.
Nesse sentido, podemos afirmar que há um jogo de forças entre a mídia, o mercado e
os saberes embutidos na sociedade (é o espaço discursivo em questão) para atender
“necessidades” do sujeito-receptor de informação. E essas “necessidades” são solucionadas de
formas diferentes pelas mídias.
No jornal impresso (a mídia analisada nesta investigação), o texto ganha sentido
quando há uma interpretação por parte do leitor daquilo que está escrito e quando ele traduz
em signos e sons, ou seja, quando dá sentidos às palavras, havendo fruição do discurso
jornalístico. Essa interpretação do leitor tem relação com os fatos, as personagens e as
palavras escolhidas pelo jornalista ao escrever o texto. Há, então, interferências na produção,
reprodução e interpretação de um texto. Como argumenta Lage (1993), a estrutura da notícia,

Por mais que informe ser imparcial, ou que afirme traduzir com exatidão a
veracidade dos fatos, a imparcialidade absoluta numa notícia é impossível,
pois o redator tem que escolher o que vai contar - que acontecimentos,
dentre outros, pode se transformar em uma notícia que venda mais.
Determinado "o quê", ainda há "o como", isto é, como atingir o leitor de
maneira mais direta, o que implica uma determinada seleção de vocabulário,
destaque para o tipo de letra, tamanho da notícia, lugar em que a notícia vai
aparecer no jornal, abordagem etc. É necessário compreender que o
jornalismo não retrata nem cria fatos, e sim constrói visões dos fatos. O
jornal legitima uma opinião sobre os fatos, a depender de sua linha editorial,
dos leitores que quer atingir. Nesse quadro, a notícia é uma construção de
visões e não os fatos em si (LAGE, 1993, p. 12 – grifos do autor).

Ao noticiar um assunto, o jornalista cria visões dos fatos, pois, segundo o autor, o
jornalismo não retrata e nem cria fatos, mas sim evidencia a opinião sobre o acontecimento e,
ao fazer isso, escolhe o quê, como e quando vai noticiar. Logo, fica evidente que o veículo de
comunicação e o tipo de mídia influenciam na maneira como um ato será noticiado.

10
Para Orlandi (2001), ideologia é uma prática significativa e constituída da relação do sujeito com a língua e
com a história.
52

A estrutura da notícia é, segundo Lage (1993), lógica, e o critério de importância e


interesse envolvido em sua produção é ideológico 11 , e “atende a fatores psicológicos,
comportamentos, mercado, oportunidades, etc”. Dessa forma, a escrita jornalística é
constituída por interferências subjetivas apresentadas explicitamente, em alguns momentos e
em outros não, ora objetivas, ora sensacionalistas. A seleção, a ordenação e a nomeação dos
eventos formam as fases do processo de produção da notícia.
Entendemos por mídia o meio pelo qual a notícia é transmitida: rádio, TV, internet,
jornal, revista, mídias sociais (Twitter, Facebook, Instagram etc.). Se há diferentes mídias,
então há também diferentes formas de produzir e reproduzir a notícia. Compreendemos,
também, que as diferentes mídias atendem a diferentes interesses e necessidades pessoais,
empresariais e institucionais.
As composições e atuação de todas as mídias são apontadas por Pedrinho Guareschi
(2006) como fator primordial. Ele destaca o que está previsto na Constituição Federal (CF) do
Brasil: meios eletrônicos, rádio e televisão não podem ter donos, porque são concessões
públicas, ou seja, têm licença para prestar algum serviço para a sociedade e devem, em
primeiro lugar, atender ao princípio de serem mídias educativas e culturais. Na CF, o jornal e
a revista, por sua vez, são considerados como propriedade particular. Essa distinção é
importante para que possamos entender que se trata de campos de atuação diferentes, avalia
Guareschi (2006), pois,

Um ponto que deve ficar claro, de início, para melhor se compreender o


problema que desejamos discutir, é a especificação das diferenças entre
mídia impressa e mídia eletrônica. A mídia impressa, isto é, revistas, jornais,
esse livro que você está lendo, é um tipo de comunicação onde cada pessoa
escreve o que quer, como quer, dirigido a todas as pessoas, ou a públicos
específicos, feita quando se quer. As revistas e jornais são, portanto,
empresas como quaisquer outras: têm seus proprietários e esses dão a elas a
orientação que desejam. Na história da imprensa escrita sabemos de sobejo
que sempre existiram jornais, ou revistas, mesmo científicas, que se
interessaram por determinados assuntos, que defenderam determinadas
ideias e valores, assumiram tal posição teórica e política diante de
determinados fatos e situações. Claro que cada uma delas tinha e tem de
prezar pelo que diz e faz e com isso pode conquistar, ou não, importância,
credibilidade e espaço político e social. Os controladores dessa mídia
impressa são os próprios leitores. É por isso que os leitores assinam as
publicações que desejam e, através de sua assinatura, dão sustentação
econômica a tais veículos. Se não mais lhes interessam, ou se discordam
deles, cancelam sua assinatura. Nesse contexto, é absolutamente ridículo,

11
Na concepção de Lage, a produção ideológica é formada por um conjunto de valores impostos por
determinada classe social. Para ele, os critérios de noticiabilidade são parte do processo de produção da notícia e
fazem parte também do componente de produção da estrutura da notícia.
53

como fazem determinados jornais, afirmar, até mesmo em editoriais, que são
“neutros”, ou mesmo “objetivos”. Isso depõe contra o próprio meio e só
pode servir como arma estratégica para iludir leitores e assinantes. Outra
coisa, completamente distinta, são os meios de comunicação eletrônicos,
como o rádio e a televisão. Pela Constituição brasileira, eles são um serviço
outorgado, isto é, eles não podem ter “donos”, pois eles são “concessões”,
dadas por um determinado período de tempo, para prestar serviços como
educação, arte, cultura (nacional e regional), respeitando os valores éticos e
sociais (art. 221 da Constituição) (GUARESCHI, 2006, p. 32 – grifos do
autor).

Assumir uma suposta neutralidade e imparcialidade, no caso do jornal imprenso, é,


para o autor, uma estratégia para ludibriar o leitor. As mídias influenciam realidades ao
embutir valores nas notícias, nos fatos e nas campanhas publicitárias e ao priorizar
determinadas agendas de discussão. Nossas subjetividades têm forte influência do que vemos,
lemos e ouvimos das diferentes mídias (GUARESCHI, 2006). Assim, o jornal é um difusor
dos modelos de sociabilidade e regula o que o cidadão irá consumir a partir de construções de
discursos próprios (produzidos nas redações dos jornais) ou em parcerias com outros
discursos, a fim de regular os “saberes sobre”.
Retomando o que já foi exposto, a mídia (re)produz alguns sentidos em detrimento de
outros. Esses sentidos ganham significados e demarcam espaço na história, ou seja, ficam
para sempre. A tríade mídia/mercado/informação não pode ser dissociada da produção de
efeitos, tendo em vista que “as palavras fazem coisas, criam fantasias, medos, fobias, ou
simplesmente, representações falsas” (BOURDIEU, 1997, p. 26). Mas as questões, segundo o
sociólogo, são estruturais e sociais, e não pessoais, e dependem da estrutura do campo
jornalístico.
Deleuze (1998), ao falar sobre a sociedade de controle, em substituição às sociedades
disciplinares, indica que estamos vivendo uma espécie de modulação constante e universal
com o objetivo de regular os fatos sociais, de vigiar e monitorar as ações dos sujeitos. Para o
autor, a economia de informação referenciada por Bourdieu (1999) ocorre porque a mídia não
capta todo o acontecimento, pois um acontecimento pode ter um começo, mas não um fim. Se
lembrarmos de acontecimentos como uma guerra, eleições, festas populares etc., as coberturas
jornalísticas (de revista, jornal, TV, rádio ou internet), há muitos elementos discursivos das
mídias que mais espetacularizam o ocorrido do que propriamente informam, noticiam e
provocam algum tipo de reflexão.
É Guy Debord, na obra “A sociedade do espetáculo”, de 1967, que explica o
desenrolar da sociedade que explora imagens e as espetaculariza. “As relações entre os
54

homens já não são medidas apenas pelas coisas, como no fetichismo da mercadoria de que
Marx falou, mas diretamente pelas imagens” (DEBORD, 1967, p. 54).
O sentido de espetáculo, para este autor, é um “abstrato” do mundo, ou seja, é o
espetáculo quem demarca os discursos sociais com imagens fabricadas. O espetáculo
integrado promovido pelas mídias nada mais é do que, segundo o escritor francês, a
representação do que era “vivido diretamente”, uma relação social entre pessoas. Assim, a
mídia não está apenas estabelecida nessa sociedade em que o espetáculo é parte essencial,

O poder do espetáculo, tão essencialmente unitário, centralizador pela força


das coisas e espírito perfeitamente despótico, costuma ficar indignado
quando vê constituir-se, sob seu reino, uma política-espetáculo, uma justiça-
espetáculo, uma medicina-espetáculo, ou outros tantos surpreendentes
‘excessos midiáticos’. O espetáculo nada mais seria que o exagero da mídia,
cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode
às vezes chegar a excessos. Frequentemente, os donos da sociedade
declaram-se mal servidos por seus empregados midiáticos, mais ainda,
censuram a plebe de espectadores pela tendência de entregar-se sem
reservas, e quase bestialmente, aos prazeres da mídia. Assim por trás de uma
intimidade de pseudodivergências midiáticas, fica dissimulado o que é
exatamente o oposto: o resultado de uma convergência espetacular buscada
com muita tenacidade. Assim, como a lógica da mercadoria predomina sobre
as diversas ambições concorrenciais de todos os comerciantes, ou como a
lógica da guerra predomina sobre as frequentes modificações do armamento,
também a rigorosa lógica do espetáculo comanda em toda parte as
exuberantes e diversas extravagâncias da mídia (DEBORD 1967, p. 171,
grifo do autor).

As imagens e produtos midiáticos distinguem e hierarquizam grupos socais. Todas as


áreas sociais são acometidas pelos discursos midiáticos e é a partir deles que “saberes” são
constituídos. Os excessos midiáticos são estruturantes sociais e culturais materializados em
imagens, textos e links e que incitam os sentidos das pessoas, ao escolher o que será mostrado
e o que não será (DEBORD, 1967).
Os sentidos (re)produzidos pela mídia têm como base de sustentação os “saberes” da
ciência. A fala de pessoas ligadas às ciências é tida, na maioria das vezes, como verdade
absoluta. Isso é construído socialmente e a mídia faz escolhas de suas (re)produções a partir
dos discursos dos “inteligentes” (DEBORD, 1967).
John Thompson (2011, p. 176), ao falar sobre a organização do poder e mídia na
sociedade, aponta que “a visibilidade garante o funcionamento automático do poder”.
Portanto, ter poder é ter potência. Fazem parte desse contexto as instituições, as mídias e os
órgãos disciplinadores. A visibilidade desses agentes tem ganhado mais força graças às novas
tecnologias de comunicação e informação que estão inseridas em uma sociedade e pertencem
55

a um contexto social, atravessadas por relações de poder político, econômico, coercitivo e


simbólico. Para Thompson (2011),

[...] o desenvolvimento de novos meios de comunicação não consiste


simplesmente na instituição de novas redes de transmissão de informação
entre indivíduos cujas relações sociais básicas permanecem intactas. Mais do
que isso, o desenvolvimento dos meios de comunicação cria novas formas de
ação de interação e novos tipos de relacionamentos sociais – formas que são
bastante diferentes das que tinham prevalecido durante a maior parte da
história humana (THOMPSON, 2011, p. 119).

Tais transformações afetaram a vida social dos indivíduos e criaram novas formas de
interação, em âmbito global. As formas de poder citadas acima são importantes para o
entendimento das ações sociais e as suas transformações.
Guareschi (1993) aborda a presença das mídias na construção e reprodução da
realidade; no controle social e na construção dos valores humanos. Realidade é, conforme o
autor, tudo aquilo que é (re)produzido pelas mídias; o que não é, cai no vazio do
esquecimento. Ao fazer escolhas, as mídias definem a existência de coisas e dos elementos
sociais. O real se cria no social. “Se é a comunicação que constrói a realidade, quem detém a
construção dessa realidade detém também o poder sobre a existência das coisas, sobre a
difusão das ideias, sobre a criação da opinião pública” (GUARESCHI, 1993, p. 15).
Nesse sentido apontado por Guareschi (1993), comunicação também é poder e, como
tal, pode se prestar ao controle social, e, portanto, seus interlocutores detém o poder de criar
estereótipos, estigmatizar e conceituar o que é considerado “normal” para o homem e o que é
“normal” para a mulher. Bourdieu (2001) também afirma que comunicação é poder, mas um
poder simbólico, que produz um discurso a partir dos conceitos político-ideológicos12 de
classes socais.
Guareschi (1993), ao analisar a relação da mídia com o que é divulgado na sociedade,
afirma que há uma ligação de ambos, poder e mídia, com a ideologia13 , pois as mídias não são
fiéis à realidade dos fatos, uma vez que a verdade difundida é a parcial, dependente de
interesses pessoais, empresariais e mercadológicos. Esse poder das mídias é estruturado por
instituições, relações e ideias. É a relação de poder entre estes elementos que ganha vez e voz.

12
Para Bourdieu, ideologias são determinadas por interesses particulares de grupos ou classes socais. Para ele, a
ideologia realiza “o trabalho de dissimulação e de transfiguração que garanta uma verdadeira transubstanciação
das relações de força, fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram” (BOURDIEU, 2001, p. 15).
13
Para Guareschi (1996) ideologia é uma prática na medida em que cria e mantém relações sociais. Deste modo,
a ideologia produz, reproduz e transforma subjetividades.
56

2.1 Construção da notícia

Se os meios de comunicação assumiram importante papel na sociedade moderna, estar


informado dos acontecimentos diários faz parte da vida cotidiana. Nessa sociedade mediada, a
notícia é ferramenta primordial para divulgar as informações. Lage (2001, p. 49) define
notícia como “um modo corrente de transmissão da experiência – isto é, a articulação
simbólica que transporta a consciência do fato a quem não o presenciou”. Ou seja, é contar
um fato, um acontecimento, uma história. Para Bahia (1990, p. 35), notícia é “o modo pelo
qual o jornalismo registra e leva os fatos ao conhecimento do público. Nesse sentido, notícia é
sinônimo de acontecimento, matéria, dado, verdade, mentira, certeza, dúvida, jornalismo,
informação, comunicação”. Ou seja, toda notícia traz uma informação sobre algo ou alguém.
As notícias jornalísticas são atravessadas por processos que orientam o fazer
jornalismo. Newsmaking (produção de notícias), gate keepers (seleção de notícias) e agenda-
setting compõe esse processo. O primeiro processo é um conjunto de critérios que irão
determinar o que é notícia e a forma como a notícia é divulgada nos diferentes meios de
comunicação. O segundo define qual assunto será noticiado pela mídia. O terceiro avalia qual
notícia é de interesse público. O jornalista é quem participa desse processo, pois é ele que
agrupa, localiza, avalia e divulga a notícia (KUNCZIK, 1998, p. 16).
São muitos os critérios utilizados pelas mídias para a escolha do que vai ser notícia e
será publicado. Laje (2001) e Bahia (1990) indicam que essa seleção deveria ser feita por
todos os profissionais do veículo de comunicação, porém, na prática, não é isso que ocorre. A
aplicação dos critérios funciona como a aplicação do “politicamente correto”, do que é
considerado (segundo critérios de seleção da notícia) importante para a sociedade para que
seja divulgado. Se os processos de seleção da notícia fossem feitos em conjunto, a equipe de
comunicação poderia decidir com mais segurança o que deve ser considerado pauta.
Nesse sentido, para estes autores, os critérios de seleção de notícia são: proximidade,
atualidade, ineditismo, conflito, humor, interesse pessoal, utilidade pública, relevância e
importância. As pessoas se interessam por acontecimentos ao seu redor no sentido geográfico,
mas também no que tange a questões culturais e socais. O público quer ter acesso aos fatos
atuais, mesmo que não sejam inéditos, o que importa é ser recente 14 . Mas o que é inédito
também chama atenção da plateia. Lage (2001, p. 99) explica que “[...] a raridade de um
acontecimento é fator essencial para o interesse que desperta”.

14
O jornalismo utiliza o mesmo fato para dar continuidade à reportagem em outro momento. Há acontecimentos
que precisam ser noticiados mais de uma vez. E há situações em que um mesmo fato desencadeia outras notícias.
57

Questões do cotidiano também são levadas em consideração pelo telespectador, ou


ouvinte, ou leitor, ou internauta. Entre elas estão os conflitos e questões sobre violência. Não
é à toa que os noticiários são repletos de notícias a respeito de guerra, morte, brigas e
confusões. Se de um lado há busca por notícias sobre conflitos, há também pelo
entretenimento, outro critério que igualmente faz parte do cotidiano das pessoas. Os
noticiários ainda (re)produzem matérias de humor com a finalidade de entreter e informar. O
público também procura por notícias que atendam seu gosto e interesse pessoal. A utilidade
pública de notícias, por exemplo, sobre clima, trânsito e segurança, é igualmente apontada
como de interesse da população.
A relevância e importância das notícias são outros importantes critérios que devem ser
levados em consideração. São os fatos mais importantes e mais relevantes que serão
divulgados como notícias. Mas o uso de números também entra nos itens a serem analisados
quando é feita a seleção do que é mais relevante e do que é mais importante.

Os números muito grandes e os muito pequenos em relação à experiência


quotidiana do público tem grande valor retórico simplesmente porque as
pessoas não conseguem dimensioná-los. Cinquenta bilhões de dólares podem
ser considerados muito na frase ‘o país atingiu o PIB de quase 50 bilhões de
dólares’ e pouco na frase ‘o país não superou ainda um PIB de 50 bilhões de
dólares’ (LAGE, 2001, p. 98, grifos do autor).

Assim, a intensidade dos números contribui para a escolha, pelos profissionais de


comunicação, do que vai virar notícia. E a forma como esses números são noticiados darão
dimensão se aquele fato será compreendido e se será eleito como importante pela sociedade.
Esses primeiros critérios apontados por Lage (2001) e Bahia (1990) são os possíveis
para a seleção de uma notícia. Porém, há ainda outro: o mercadológico. Este, por sua vez, leva
em consideração a audiência, a captação de recursos via propaganda e marketing e a conquista
do cliente. Para além do informar, as empresas de comunicação também visam ao lucro. Por
isso, a relação anúncio versus audiência é cada vez mais forte e é considerada como
importante pelos agentes sociais.
Cremilda Medina (1988) discute sobre a mensagem jornalística como um dos produtos
de consumo da indústria cultural. Para ela, todas as informações, sejam jornalísticas ou
publicitárias, atendem aos sistemas industriais e globais. Assim,

Vista no complexo da comunicação de massa, é realmente um dos produtos


de consumo da indústria cultural. Mas não um produto só revestido de
conotações negativas associadas à crítica do sistema pós-industrialização.
58

Um produto das sociedades urbanas e industrializadas, reproduzido em


grande escala, fabricado para atingir a massa (MEDINA, 1988, p. 40).

Desse modo, é possível compreendermos que as informações se transformaram em


mercadoria e estão (as informações) a todo tempo tentando conquistar e fidelizar o público.
Nesse panorama, há pouco ou nenhum espaço para notícias que problematizem temáticas para
além do fato. Um exemplo disso é a notícia sobre abuso sexual contra criança e adolescente.
Muitos assuntos não são debatidos socialmente, não havendo possibilidade de que o fato seja
entendido a partir da causa e não só das consequências.

[...] um grande incêndio ou acidente aéreo exige uma cobertura extensa,


interpretativa; a queda de um governo ou de um regime cria espaço
repentino em várias páginas; a morte de uma personalidade célebre pede um
histórico, um perfil amplo. Mas na cobertura diária normal em que os
telegramas refletem a rotina, a informação de um consumo é o fato imediato
de significação primariamente emocional (MEDINA, 1988, p. 72).

Os exemplos citados acima mostram o jornalismo contemporâneo do aqui e agora, da


notícia imediatista e com pouco espaço para debates e problematizações. É a sedução do
público que está em pauta.
Outra importante questão que atravessa a escolha de uma notícia é o monopólio dos
veículos de comunicação. Uma mesma empresa possui vários veículos de comunicação, que
agem com vocação global e, às vezes, assumem papéis mais importantes do que muitos
governos e Estados.

Embora a imprensa e outras instituições da mídia possam ter assegurado um


alto grau de independência diante do poder do estado, muitas dessas
instituições se tornaram prisioneiras de um processo que resultou de um grau
nunca imaginado de concentração – tanto de recursos como de poder –
dentro do campo privado. Nessas circunstâncias, a teoria liberal tradicional
da livre imprensa, vista como um veículo da expressão livre dos diferentes
pensamentos e opiniões, assume um valor limitado. [...] Tal liberdade está
ameaçada não apenas pelo exercício irrestrito do poder do estado mas
também pelo crescimento desenfreado das organizações da mídia no campo
privado (THOMPSON, 2011, p. 327).

Diante do exposto, é importante ressaltar que não negamos a importância da liberdade


de expressão e que repudiamos a censura. Porém, liberdade de expressão é diferente de
liberdade de imprensa. Como explica Guareschi (2013), os meios de comunicação usam a
liberdade de expressão para exigir a liberdade de imprensa. O que é um grande equívoco. Se
os meios de comunicação são conglomerados, com grandes grupos exercendo monopólios,
59

quem na verdade sofre censura não são as mídias, “mas é a maioria da população que não
pode mais exercer o direito de dizer a palavra, expressar sua opinião, comunicar seus
pensamentos” (GUARESCHI, 2013, p. 98).
O que tem prevalecido na seleção do que vai ser notícia e como o fato será divulgado é
o interesse dos grandes oligopólios das mídias. Os outros critérios, anteriormente elencados
neste texto, são deixados de lado.
Assim, reforçamos nosso interesse em analisar a emergência dos discursos da Folha
de São Paulo sobre as temáticas do abuso sexual de crianças e adolescentes e da pedofilia e
que foram divulgadas para um segmento da sociedade. Essas temáticas são consideradas
polêmicas no cenário nacional. Entendemos que o jornal FSP é um dos agentes sociais de
larga projeção na sociedade brasileira.
Analisado o papel social da mídia na problematização – ou falta desta – das temáticas
relativas à criança e à infância, passamos, a seguir, a considerações atinentes à midiação da
cultura moderna.
60

CAPÍTULO 3 – O MÉTODO DA HP PARA ANÁLISE DAS FORMAS SIMBÓLICAS

Esta pesquisa adota a teoria sobre a centralidade da mídia nas sociedades modernas
preconizada por John B. Thompson (2011) através da produção das formas simbólicas e o
método da hermenêutica de profundidade.

3.1 Midiação da cultura moderna

Como visto, a mídia tem marcante papel social, seja quando escolhe noticiar ou não
algum acontecimento, seja o modo pelo qual o faz. Nesse sentido, passamos a apresentar o
debate sobre a midiação da cultura moderna proposto por Thompson (2011).
A presença, ou melhor, a onipresença da mídia, é uma das principais características
das sociedades modernas. A mídia está em todos os ambientes sociais, todas as esferas sociais
têm relação com ela. As palavras, ideias e imagens produzidas pela mídia estão imbricadas
nas diferentes instâncias de nossas vidas.
Essa caracterização das sociedades modernas é chamada por Thompson (2011) de
“sociedade midiada” e de “cultura midiada”. Ele afirma que, em algum momento, as palavras
são transmitidas por meio de imagens, através da televisão e do computador, bem como via
aparelho celular. Assim, o que vivemos hoje é um tempo de sinais. Nada escapa dos sinais da
mídia, do que é produzido pelos meios de comunicação e nem das trocas simbólicas, fruto da
relação entre mídia e sociedade.
Cada vez mais, presenciamos os avanços tecnológicos dos sinais, movidos pela
explosão de informações que, junto com as formas simbólicas e os conteúdos cognitivos e
emocionais, se caracterizam como as principais transformações ocorridas no final do século
XX e início do século XXI. “Vivemos hoje, em sociedades onde a produção e recepção das
formas simbólicas é sempre mais medida por uma rede complexa, transnacional, de interesses
institucionais” (THOMPSON, 2011, p. 12).
As formas simbólicas, às quais Thompson (2011, p. 183) se refere como “uma ampla
variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais, até manifestações
verbais, textos, programas de televisão e obras de arte”, são constituídas por cinco
características. A primeira é que há sempre uma intenção de uma expressão de um sujeito
para o outro, mas os sentidos intencionais não são excluídos dos propósitos de produtor. A
segunda característica é que a produção e a interpretação das formas simbólicas são processos
de convenção envoltos de regras e códigos de várias maneiras. A terceira envolve os aspectos
61

estruturais, ou seja, as formas simbólicas exibem uma estrutura articulada e suas análises
devem considerar tais aspectos, bem como suas inter-relações. A quarta é a da representação,
pois as construções representam algo e dizem alguma coisa. Por fim, a quinta é a
caracterização em que as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas em um
contexto sócio-histórico específico, podendo carregar marcas das relações sociais desses
contextos.
A relação entre a mídia e a sociedade é processo complexo, seu entendimento exige,
de acordo com Thompson, consideração de vários aspectos, dentre eles, a natureza das formas
simbólicas e sua relação com os contextos sociais. Outro aspecto é sobre o desenvolvimento
dos meios técnicos de transmissão e das formas institucionais. E outro é a natureza do
processo de “mediação”.
Para Thompson (2011), algumas formas simbólicas têm valor maior que outras, pois
assim como elas são produzidas em um contexto sócio-histórico, elas são também recebidas
por pessoas pertencentes a um contexto sócio-histórico. Ele chama esse processo de
“valorização”, e esclarece que o mesmo abarca dois tipos de valor. Um é o simbólico, que diz
respeito ao valor que as formas simbólicas possuem de acordo com a maneira como as
pessoas produzem e recebem, de como elas (as formas simbólicas) são consideradas. Outro
tipo de valor é o econômico e refere-se ao momento em que as formas simbólicas adquirem
um valor de troca, transformam-se em mercadorias ou bens simbólicos.
As formas simbólicas são também transmitidas de acordo com o contexto sócio-
histórico do produtor (THOMPSON, 2011). Essa transmissão cultural das formas simbólicas
implica o uso do meio técnico que garante a sua reprodução, envolve o desenvolvimento do
meio técnico que inclui sistemas e canais de difusão, a separação do contexto original de
produção das formas simbólicas, que as faz serem mais acessíveis a um variado público.
Essas formas de transmissão cultural, por meio da “mediação da sociedade” e da
“mediação da cultura” nos ajudam, segundo este autor, a entender o papel da comunicação e
da mídia.

O desenvolvimento dos meios técnicos não deve ser visto como um mero
suplemento das relações sociais preexistentes: ao contrário, devemos ver
esse desenvolvimento como servindo para criar novas relações sociais, novas
maneiras de agir e interagir, novas maneiras de expressarmo-nos e de
respondermos às expressões de outros (THOMPSON, 2011, p. 27).

A transmissão cultural nada mais é do que o processo pelo qual as formas simbólicas
são transmitidas dos produtores aos receptores. A produção e a recepção de formas simbólicas
62

apresentam uma “quase-interação mediada” pela comunicação de massa. Para Thompson,


essa relação é interação porque promove a comunicação entre os indivíduos e é “quase-
interação”, porque a comunicação ocorre em “mão única” e há limitação em possíveis
retornos aos receptores. Um exemplo dessa “quase-interação mediada” é o processo de
formação do self, construído ativamente pelo indivíduo. Segundo o autor, foi o
desenvolvimento dos meios de comunicação que enriqueceu a produção do self.
Outro exemplo da “quase-interação mediada” é a associação estabelecida pelos
indivíduos com os livros, jornais, rádio e televisão em um processo de interação simbólica.

Em primeiro lugar, os participantes de uma interação face a face ou de uma


interação mediada são orientados para outros específicos, para que eles
produzam ações, afirmações, etc.; mas no caso da interação quase mediada,
as formas simbólicas são produzidas para um número indefinido de
receptores potenciais. Em segundo lugar, enquanto a interação face a face e a
interação mediada são dialógicas, a quase interação mediada é monológica,
isto é, o fluxo da comunicação é predominantemente de sentido único
(THOMPSON, 2011, p. 122).

O papel da comunicação de massa com os fenômenos de massa é atingir um grande


número de pessoas de diferentes locais. “A comunicação de massa se tornou um fator
principal de transmissão da ideologia nas sociedades modernas, mas ela não é, de modo
algum, o único meio” (THOMPSON, 2011, p. 31). E também porque, conforme Thompson,
mensagens de comunicação de massa não são ideológicas em si mesmas. Mas, segundo o
autor, cada vez mais a transmissão das formas simbólicas está sendo “mediada pelos aparatos
técnicos e institucionais da mídia” (THOMPSON, 2011, p. 12).
É isso que provoca mudanças nas relações sociais, no conteúdo e na maneira das
mensagens serem produzidas e transmitidas pela mídia. Portanto, a recepção das formas
simbólicas veiculadas pelos meios de comunicação é a informação que recebemos de
determinado fato. Assim, fenômenos ideológicos podem tornar-se fenômenos de massa, na
medida em que atingem milhões de pessoas em todo o mundo.

3.2 O método da Hermenêutica de Profundidade

Muito embora esta dissertação não utilize o conceito de ideologia de John Thompson
como um vetor de análise, no contexto da comunicação, entendemos que a metodologia por
ele proposta para a análise das formas simbólicas constitui um instrumento pertinente e
profícuo para esta investigação. Dessa forma, apresentamos a seguir a metodologia proposta
63

por Thompson: a Hermenêutica de Profundidade (HP), cujo referencial coloca em destaque o


fato de que o objeto de análise é uma construção simbólica significativa, que exige uma
interpretação, concedendo, assim, um papel central ao processo de interpretação como uma
forma de fazer justiça ao caráter distintivo do campo-objeto. Nesse contexto, o corpus desta
pesquisa é composto por peças jornalísticas publicadas no jornal Folha de S. Paulo sobre o
tema da pedofilia no entre os anos de 1976 a 1999, período este identificado como o da
emergência dos temas do abuso sexual contra crianças e adolescentes e da pedofilia.
Thompson (2011) analisa a relação entre mídia e ideologia e suas implicações para as
áreas sociais e políticas no mundo moderno. Ele observa os avanços dos meios de
comunicação desde o século XV, com o surgimento da imprensa, até os mais avançados tipos
de mídias. Na contramão de alguns pensadores da Escola de Frankfurt, Thompson acredita
que os receptores não são expectadores passivos. Para o autor, foi o próprio desenvolvimento
das sociedades modernas que possibilitou isso, ou seja, os indivíduos não só recebem, mas
também constroem suas próprias identidades. Assim, a localização social de cada indivíduo
ou grupo dentro dos contextos socialmente estruturados concede diferentes quantidades e
graus de acesso a recursos disponíveis. A essa capacidade de ação, conferida socialmente ou
institucionalmente, Thompson chama de poder, ou seja, potência para tomar decisões,
alcançar objetivos e realizar interesses.
Dependendo do contexto, as formas simbólicas podem produzir, criar, instituir,
sustentar, manter ou reproduzir relações de poder ou relações de dominação. Estas relações de
dominação são atravessadas por conflitos e diferenças de classe, raça, gênero, orientação
sexual, opção religiosa e idade. Utilizar a criança e a infância como um recurso retórico
dramático pode se constituir em uma forma de exercício de poder e/ou dominação de adultos
sobre crianças, ou seja, o discurso em defesa da criança a coloca “como o centro do
espetáculo da compaixão” (PEREIRA, 2005), a partir de uma visão adultocêntrica.
Como pondera Thompson (2011),

Relações de classe são apenas uma forma de dominação e subordinação,


constitui apenas um eixo da desigualdade e exploração; as relações de classe
não são, de modo algum a única forma de dominação e subordinação [...].
Vivemos atualmente um mundo em que a dominação e a subordinação de
classe continuam a desempenhar um papel importante, mas em que outras
formas de conflito são prevalentes e, em alguns contextos, de importância
igual ou até maior (THOMPSON, 2011, p. 77-78 – grifos do autor).

A partir das concepções de Thompson sobre as relações de poder, por meio da análise
e da interpretação das formas simbólicas, podemos lançar interpretações sobre as relações de
64

poder de adultos em relação às crianças e como isso está operando nos discursos sobre a
temática do abuso sexual de crianças e adolescentes e da pedofilia.
As sociedades modernas têm como caraterística fundante a midiação da cultura, que é
“o processo geral através do qual a transmissão das formas simbólicas se tornou mais mediada
pelos aparatos técnicos e institucionais das indústrias da mídia” (THOMPSON, 2011 p. 12). A
midiação da cultura moderna é responsável pelas transformações das relações humanas, pelas
mudanças da forma e do conteúdo das mensagens que são produzidas e reproduzidas pela
mídia.
Dessa forma, o entendimento que fazemos dos acontecimentos fora do nosso meio
social é fruto das formas simbólicas (ações, falas, imagens e textos) transmitidas pelas mídias
(GUARESCHI, 2003; THOMPSON, 2011) e reconhecidas em contextos socialmente
estruturados. Dependendo da maneira como são empregadas e compreendidas, as formas
simbólicas são ou não são ideológicas.
Thompson (2011), ao explicar as características das formas simbólicas, alerta-nos para
as práticas veiculadas nos meios de comunicação, pois é a partir das constituições das
mensagens midiáticas que se criam representações e relações. A produção, a troca de
significados, a cultura, os agentes sociais estão em constante interação. Pode haver
entrecruzamentos das formas simbólicas com as relações de poder, podendo estabelecer,
sustentar e reforçar relações de dominação. É nesse sentido que Thompson (2011) reforça a
importância de analisar as mensagens das mídias, pois os sistemas simbólicos podem conter
ideologias, o que reproduz e legitima relações de dominação e de exclusão social.
A análise das formas simbólicas pode ser feita por meio do referencial metodológico
da Hermenêutica de Profundidade (HP) proposto por Thompson (2011) a partir das
referências dos autores Dilthey, Heidegger e Gadamer e Ricouer. O estudo das formas
simbólicas é, de acordo com esses autores, um problema de interpretação, pois “na
investigação social o objeto de nossa investigação é ele mesmo, um território pré-
interpretado” (THOMPSON, 2011, p. 358).
O campo de investigação social é também um campo-sujeito e um campo-sujeito-
objeto em que os sujeitos compreendem, refletem e agem. Os sujeitos, assegura este autor,
não apenas observam, ou ficam passivos, eles fazem parte, são a história e estão inseridos em
tradições históricas.
É a partir dessas perspectivas que Thompson (2011) desenvolve a HP, contemplando
tanto as características estruturais das formas simbólicas quanto suas condições sócio-
65

históricas. As três fases que compõem a HP não podem, segundo Thompson, ser vistas de
forma separada de uma metodologia sequencial e sim como um aspecto distinto e complexo.
A primeira fase da HP é a análise sócio-histórica e tem como objetivo “reconstruir as
condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas”
(THOMPSON, 2011, p. 366). No caso desta pesquisa, são os acontecimentos e fatos que
compõem o quadro sócio-histórico de produção sobre os temas do abuso sexual de crianças e
adolescentes e da pedofilia. Para o autor, os acontecimentos sócio-históricos são campo-
objeto e também campo-sujeito. Nesta etapa, analisamos o processo de ascensão dos discursos
sobre os direitos das crianças e dos adolescentes no campo da sexualidade, contextualizando o
envolvimento e papel de ONGs e de movimentos sociais no campo da defesa dos direitos da
criança na temática da pedofilia. Analisamos também o contexto sócio-hisórico dos discursos
sobre o abuso sexual, a mídia e a infância e sobre o jornal FSP. Tais análises subsidiaram as
delimitações para a constituição do corpus de análise da pesquisa.
Ao construirmos essa primeira parte da HP, buscamos reconstruir as condições sócio-
históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, examinar as regras, as
relações sociais, a distribuição de poder, e os recursos dos quais os contextos produzem
campos diferentes e estruturados na sociedade.
A segunda fase da HP – análise formal – é o estudo das formas simbólicas que
circulam nos campos sociais, é a análise, explica Thompson (2011, p. 369), “das formas
simbólicas, com suas características estruturais, seus padrões e nas relações”, trata-se,
prossegue ele, de “um empreendimento perfeitamente legítimo, na verdade, indispensável; ele
é possível pela própria constituição do campo objetivo”.
Nessa fase, coletamos os discursos midiáticos sobre a temática da pedofilia15 , no seu
período de surgimento como um problema social. Trabalhamos com a base de dados digital
do jornal impresso Folha de S. Paulo, que tem acervo desde o ano de 1921. Foram coletadas
221 peças jornalísticas no período de 1976 a 1999, contendo peças que trataram direta e
indiretamente do tema da pedofilia, compondo, respectivamente nosso corpus e universo de
análise. Deste modo, buscou-se constituir um corpus de análise atinente às retóricas que
circularam na emergência temática da pedofilia.
São várias as formas apresentadas por Thompson para se realizar a análise formal ou
discursiva. Os objetos e as circunstâncias específicas de investigação é que vão definir qual
forma será empregada. E cada pesquisador pode escolher para a análise formal quais formas e

15
Explicamos mais sobre isso no capítulo 6.
66

procedimentos são os mais adequados para serem adotados. Para a análise formal dos
discursos coletados, adotamos, na presente pesquisa, a técnica da Análise de Conteúdo,
conforme sistematizada por Bardin (1977) e Rosemberg (1981).
Entendemos essa técnica como uma das formas possíveis de tratamento de dados em
pesquisa, com a qual mensagens podem ser interpretadas para além dos significados da leitura
simples do real. Bardin (1977, p. 16) salienta que “por detrás do discurso aparente, geralmente
simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar”. Rosemberg (1981)
enfatiza que a Análise de Conteúdo possibilita uma maior e mais profunda compreensão de
discursos. “A técnica de análise de conteúdo se propõe a descrever aspectos de uma
mensagem, objetiva e sistematicamente, e algumas vezes, se possível, de forma quantificável,
a fim de reinterpretá-la, de acordo com os pressupostos da investigação” (ROSEMBERG,
1981, p. 70).
Além disso, a Análise de Conteúdo possibilita a quantificação sistemática dos dados
coletados, a definição de categorias de análise e a reinterpretação dos dados.
A terceira fase da HP, chamada de interpretação ou reinterpretação, é conceituada por
Thompson (2011, p. 375) como um “movimento novo de pensamento, ela procede por
síntese, por construção criativa de possíveis significados”. Nessa etapa, é possível explicitar o
que é dito ou representado pela forma simbólica sob análise. Ela é construída a partir do que
foi levantado nas fases anteriores: da articulação dos resultados da análise sócio-histórica e da
análise formal ou discursiva. Thompson (2011) alerta que esse processo é arriscado, cheio de
conflitos e aberto à discussão.

A possibilidade de um conflito de interpretação é intrínseco ao próprio


processo de interpretação. E esse é um conflito que pode surgir, não
simplesmente entre as interpretações divergentes de analistas que empregam
técnicas diferentes, mas também entre uma interpretação mediada pelo
enfoque da HP de um lado, e as maneiras em que as formas simbólicas são
interpretadas pelos sujeitos que constituem o mundo sócio-histórico, de
outro (THOMPSON, 2011, p. 376, grifos do autor).

Não temos pretensão de produzir verdades sobre as questões que envolvem esta
pesquisa, p retendemos, sim, lançar outras interpretações sobre como vêm sendo abordadas as
temáticas da pedofilia e do abuso sexual de crianças e jovens pela mídia, suas possíveis
repercussões na construção social da infância e adolescência e no enfrentamento dessa
problemática.
67

PARTE II: ANÁLISE DO CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

CAPÍTULO 4 – O JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO

Como exposto anteriormente, as peças analisadas nesta pesquisa foram publicadas no


jornal Folha de São Paulo. Logo, faz-se importante trazer o contexto sócio-histórico dessa
empresa de comunicação.
Nesse viés, dados da Agência Nacional de Jornais16 sobre a média de circulação dos
maiores jornais do Brasil mostram que no ano de 2015, a Folha de S. Paulo circulou 189.254
exemplares diariamente, ocupando o 3° lugar no ranking, o que a faz perder apenas para o
jornal “Super Notícia”, do estado de Minas Gerais, e para “O Globo”, do estado do Rio de
Janeiro. Já no quesito de jornal digital, a FSP ocupa o primeiro lugar, com uma média de
146.641 acessos online.
A história da Folha se confunde com a história de outro jornal também com
expressivo número de publicações. Antes da Folha de S. Paulo, o jornal O Estado de São
Paulo deteve, por muitos anos, o título de jornal de maior circulação do país, tendo como
público leitor a elite brasileira. A outra parte da população só foi contemplada quando
jornalistas que trabalhavam no O Estado de São Paulo se juntaram e criaram, em 1921, o
jornal Folha da Noite. Quatros anos depois, eles lançaram a edição matutina, a Folha da
Manhã. E, em 1949, publicaram mais um jornal: a Folha da Tarde. Por um certo período,
ambas as publicações faziam oposição ao governo. Mas, fatores econômicos impossibilitaram
a manutenção desse posicionamento. Ambas publicações mudaram as abordagens
jornalísticas, e as Folhas passaram a ser caracterizadas como governistas. Muitas mudanças
ocorreram tanto nas Folhas como no grupo acionário. Uma delas foi a união e a edição dos
três jornais com um nome único de Folha de S. Paulo. De sócios, o jornal passou, em 1960,
para apenas dois donos: Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho. Esse formato de
sociedade perdurou até 1992.
A família Frias passou a controlar o conglomerado de mídia, composto por: três
jornais (Folha de S. Paulo, Agora São Paulo e Alô Negócios); um provedor de internet
(UOL); uma agência de notícias (Folha.com); duas gráficas (Plural e Folha Gráfica); três
revistas (São Paulo, Serafina e Revista da Hora); duas empresas de distribuição de jornais e
revistas (Transfolha e SPDL); uma editora (Publifolha); uma livraria on-line (Livraria da
Folha); dois guias de lazer, cultura e entretenimento (Guia Folha); e outros negócios de

16
Dados disponíveis em www.anj.org.br
68

tecnologia de informação; como a Pag Seguro (máquina de compra com cartão), cursos de
hospedagem e serviços on-line (FOLHA DE S. PAULO, 2001).
A história do Grupo Folha, de acordo com Mota e Capelato (1981), é demarcada, do
ano de 1962 a 1967, por uma reorganização financeira, administrativa e tecnológica; de 1968
a 1974, por um alto investimento tecnológico; e de 1974 a 1981, pela deliberação de um
projeto político-cultural.

A nova fase do jornal coincidiu com um momento de grave crise política e


inflacionária. Segundo Nabantido, o jornal pôde sobreviver graças à
estabilidade que as mudanças estruturais trouxeram à empresa. O novo grupo
soube tirar proveito desse benefício. Nessa quarta etapa, o que caracterizou a
Folha foi a capacidade de resistência diante das dificuldades econômicas e
dos conflitos políticos e sociais. Atravessou o golpe de 1964, sofreu as
consequências dele e pagou o preço de tê-lo apoiado. Mas a grande
preocupação continuou sendo a modernização do jornal e do país (MOTA;
CAPELATO, 1981, p. 40, grifo dos autores).

A modernização do jornal ocorreu juntamente com uma reforma editorial, liderada


pelo jornalista Cláudio Abramo, que começou no jornal em 1963, fazendo análises das
edições a pedido de Octávio Frias de Oliveira. Depois, em 1965, foi chefe de produção;
secretário-geral em 1967 e diretor de redação no ano de 1972. Entre os anos de 1975 e 1977,
Abramo ficou afastado por duas vezes do jornal: uma porque foi acusado de subversão e outra
por imposição do ministro do Exército da época. Ele retorna para o jornal em 1979, no
Conselho Editorial da Folha. Mas, no mesmo ano, demite-se do jornal em meio à greve dos
jornalistas. Por convite de Octávio Frias, em 1980 foi ser correspondente da Folha em
Londres. Trabalhou na Folha até 1985 (MOTA; CAPELATO, 1981).
No livro “A regra do jogo”, publicado em 1988 organizado e editado por Claúdio
Weber Abramo, filho de Claúdio Abramo, são divulgados artigos políticos e relatos de
experiências de Claúdio Abramo, que teve a árdua missão de fazer reforma editorial, gráfica e
estrutural em um jornal com pouco dinheiro; de fazer jornalismo em um dos períodos de mais
censura, na época da ditadura militar; de assumir uma linha combativa, dentre outras
situações. Sobre a reforma editorial da Folha, ocorrida em junho de 1975, ele descreve que:

Representou uma mudança completa de atitude, de comportamento. Que até


hoje permanece um pouco. Não tive participação nas mudanças técnicas do
jornal, que foram feitas pela administração. Mas embora a reforma editorial
da Folha tivesse sido tão importante quanto a do Estado, para mim,
pessoalmente, não acrescentou muito, porque já tinha vivido a do Estado
(ABRAMO, 1988, p. 89, grifo do autor).
69

O projeto de reforma editorial da FSP foi feito conforme os pedidos do proprietário,


Octávio Frias, pois Abramo entendia que, ainda que tivesse pensamentos opostos, Frias é
quem ditava as ordens. Sobre essa relação, ele declara:

Às vezes me perguntam se sou censurado na Folha. Em minha coluna não


sou, mas no resto fui censurado ultimamente, apesar de ter dirigido o jornal
durante anos. Tudo bem, é uma empresa particular que não quer que certas
coisas sejam ditas; é um direito dela. Ao longo de minha experiência de
chefe de redação deixei de publicar coisas dos outros. É um direito lícito do
dono. Devo ter suprimido milhares de matérias ao longo de trinta anos. Não
podia publicar, porque era contra a linha do jornal. Daí não existir liberdade
de imprensa para o jornalista; ela existe apenas para o dono. Por isso não
posso aceitar quando jornalistas defendem a liberdade da imprensa: é como
eu assinar uma declaração dizendo que, para o resto da vida, eu sou um
canalha e o patrão é um homem de bem (ABRAMO, 2002, p. 118).

Para o jornalista, a relação com o empresário sempre foi muito clara: os proprietários
dos jornais fazem o que bem querem, publicam o que quiserem, e não publicam o que não
querem que seja falado.
Mino Carta, parceiro de Abramo, no prefácio ao livro deste último, pondera que as
reformas editorais implantadas por Abramo ajudaram a Folha a se transformar em um jornal
arrojado e contemporâneo. Para ele, não há como negar que o crescimento da Folha, em
muitos aspectos, aconteceu porque o jornal deu continuidade às ideias do seu criador. Assim,
o “Projeto Editorial” ou o “Projeto Folha” alcança seus objetivos a partir dos documentos
elaborados pelo Conselho Editorial do jornal, intitulados de “A Folha e alguns passos que é
preciso dar” e “A Folha em busca do apartidarismo, reflexo do profissionalismo ”.
A informatização do jornal começou em 1990, com a reforma tecnológica, que gerou
fortes consequências: do lado humano, as demissões, e do lado tecnológico, automação,
economia de tempo, mais anunciantes e aumento de leitores (ABRAMO, 1988).
Com o objetivo de conhecer a opinião do público, o grupo Folha cria em 1983 o
instituto de pesquisa DataFolha. Em 1994, o grupo lança o FolhaWeb com notícias das
editorias de informática e ciências – produzidas no jornal impresso. Pouco a pouco, esse novo
canal da Folha possibilitou a venda de anúncios no site do jornal (FOLHA DE S. PAULO,
2001). Em 1996 ocorre outra reforma tecnológica, com o objetivo de ser mais
abrangente e eficiente. A “FolhaWeb” passa a ser o site da Folha de S. Paulo, com a
reprodução de tudo que foi divulgado no jornal impresso. Posteriormente, foi criado também
o site “Folha Online”, com notícias em tempo real. Uma parceria do Grupo Folha com o
70

“Universo Online” e o “Brasil Online”, do Grupo Abril deu origem à empresa “Universo
Online” (UOL), com serviços de internet (FOLHA DE S. PAULO, 2001).
São os princípios do “Projeto Editorial” da Folha que regem os jornais impresso e
online. O pluralismo e o apartidarismo são algumas das regras para a escrita e as atividades
dos jornalistas.
Nos Manuais de Redação da Folha17 , os dois princípios significam:

APARTIDARISMO: Princípio editorial da Folha. O jornal não se atrela a


grupo, tendência ideológica ou partido político, mas procura adotar posição
clara em toda questão controversa. Mesmo quando defende tese, ideia ou
atitude, a Folha não deixa de noticiar as posições divergentes da sua
(FOLHA DE S. PAULO, 2001, p. 36).

PLURALISMO: Princípio editorial da Folha. Numa sociedade complexa,


todo fato se presta a interpretações múltiplas, quando não antagônicas. O
leitor da Folha deve ter assegurado seu direito de acesso a todas elas. Todas
as tendências ideológicas expressivas da sociedade devem estar
representadas no jornal (FOLHA DE S. PAULO, 2001, p. 47).

A fórmula de um “jornalismo crítico, apartidário e pluralista” foi criada por Abramo


na década de 1970, assinalada pela politização do jornal. No entanto, como lembra Leandro
Andrade (2004), convém ressaltar que essa perspectiva mudou em função de uma ordem
mercadológica, pois, ainda que fosse considerada possível essa tríade e embora se
autodenominasse um veículo pluralista e apartidário, era possível perceber uma
intencionalidade em favor dos interesses de ordem comercial. Ambos os princípios são
“considerados condições difíceis de se garantir dentro da estrutura interna do jornal, pela
própria diversidade de jornalistas e de leituras da realidade orientadas para recortes nem
sempre explícitos” (ANDRADE, L., 2004, p. 72).
Nassif (2003) acompanhou as transformações da Folha desde a década de 1980 e
considera que essas transformações tiveram tenacidade, pouca ideologia e muito marketing.
Afirma ele que “criou-se, então, essa mistura curiosa, em que o componente de marketing,
que sustenta a tiragem, que atrai tantos leitores e irrita outros tantos, garante a massa crítica
necessária para que o jornal seja o agente preferencial das transformações brasileiras”
(NASSIF, 2003, p. 30).
Foi assim, segundo Nassif (2003), que os jornais passaram a oferecer aquilo que
julgavam que o público queria ler, sem considerar o rigor da apuração dos fatos ou reflexões

17
O Manual da Redação da Folha é uma obra que tem o objetivo de ser referência à atividade jornalística e
divulgar os preceitos do jornal. O primeiro Manual foi produzido em 1984 e já está na 14° edição, publicado em
2010.
71

acerca do acontecimento. É o que o autor classifica como “jornalismo prático”, com


manchetes impactantes, apelativas, com linha editorial provocativa, desafiadora, matérias não
convencionais. As “manchetes de impacto, a simplificação das análises, as cores fortes das
manchetes, sem matização, sem tons cinza, em pouco tempo se tornaram padrão da imprensa
brasileira” (NASSIF, 2003, p. 16).
Nesse panorama, o jornalismo dos anos 1990 foi levado aos limites de ficção, com
tons de espetáculo, na busca desenfreada pelo show (NASSIF, 2003). Dessa forma, a Folha se
tornou refém da ditadura da opinião pública. Nesse sentido, a FSP assume o papel de porta-
voz de possíveis resoluções para os problemas sociais (NASSIF,2003). Leandro Andrade
(2001) destaca que, para a Folha, o seu público leitor é formado por segmentos ativos da
sociedade, pelas pessoas que pensam, debatem e sugerem políticas públicas para as questões
sociais. O tópico a seguir destina-se a falar justamente a respeito desse leitor da FSP.

4.1 O leitor da Folha

A FSP realiza, desde 1982, pesquisa sobre seus leitores. No site do grupo,
encontramos o perfil do leitor. De acordo com pesquisa realizada pelo DataFolha em 2007,
dos 1.457.000 leitores do jornal impresso da Grande São Paulo, 60% pertencem às classes A e
B e 43% têm entre 25 a 44 anos de idade. Em uma abrangência nacional do jornal, a pesquisa
constatou que, dos leitores da Folha: 68% têm nível superior; 90% são de classe A e B; a
maioria tem entre 23 e 49 anos, são brancos, católicos, não têm simpatias por partidos
políticos, são casados, têm filhos e um bicho de estimação; 92% assistem telejornais; 69%
leem revistas; 58% ouvem notícias no rádio; e 57% acessam notícias online.
Esse perfil do leitor foi parecido com o encontrado no levantamento feito pelo UOL
sobre o perfil de internautas brasileiros. Segundo pesquisa realizada em 2006, mais da metade
deles tem acima de 16 anos, possuem renda superior a R$4,5 mil mensais, metade dos
internautas são pós-graduados e acessam a internet.
Ao fazer esses levantamentos, o Grupo Folha também colhe dados sobre questões
polêmicas, como a descriminalização do aborto, uso de drogas, maioridade penal, dentre
outros. Essas pesquisas são ferramentas de marketing, na medida em que o grupo quer cativar
os formadores de opinião e os que formulam soluções para as questões sociais. As polêmicas,
inclusive, estão previstas no Manual de Redação: “elas devem estar presentes em artigos e
críticas e se refletir em reportagens e entrevistas” (2001, p. 47).
72

Uma das características marcantes da linha editorial da Folha é estimular polêmicas


nas peças produzidas, seja em artigos, críticas, reportagens, notas, entrevistas ou até em fotos.
Ao abordar questões que envolvem a infância e adolescência, a Folha pretende falar para a
elite econômica, política e educacional do país, pois constitui um dos influentes formadores
de opinião pública.

O perfil dos consumidores do jornal Folha de S. Paulo é um segmento da


sociedade que tem opiniões e soluções para os problemas dos “meninos de
rua”, da prostituição infanto-juvenil, do uso e tráfico de drogas, da violência,
etc. O jornal conhece bem o perfil de seus leitores e os satisfaz,
periodicamente, com as vergonhas nacionais (ANDRADE, L. 2004, p. 74 –
grifo do autor).

Além disso, a Folha de S. Paulo ocupa, desde a década de 1980 (BIZZO, 2008), as
primeiras colocações do ranking, como um dos maiores jornais diários da imprensa brasileira.
Desde então, se consolidou como um dos grandes agentes sociais que informa o público
leitor, dá visibilidade às representações sociais, (re)produz discussões acerca das
“necessidades” da sociedade, principalmente do universo infanto-juvenil, e influencia na
produção de outras questões sociais e nas discussões dos movimentos sociais, entidades e
organizações não-governamentais.
73

CAPÍTULO 5 – A PRODUÇÃO E DIFUSÃO DO TEMA DO “ABUSO SEXUAL”


CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A fim de melhor situar metodologicamente o presente estudo, dedicamo-nos à análise


do contexto histórico de produção e difusão da temática sobre abuso sexual de crianças e
adolescentes e seus vieses relativos a esse tipo de discurso.
De acordo com a proposta metodológica da HP, a primeira fase é dedicada à análise
sócio-histórica, que, enquanto procedimento de pesquisa, contempla uma revisão da literatura
sobre as temáticas que constituem campos de diálogo entre a investigação e o conhecimento
acadêmico sistematizado e disponível. Desse modo, analisamos o processo da emergência dos
discursos sobre os direitos das crianças, contextualizando o envolvimento e papel de ONGs e
de movimentos sociais no campo da defesa dos direitos da criança nas temáticas do abuso
sexual de crianças e adolescentes e da pedofilia. Tais análises subsidiam as delimitações para
a constituição do corpus de análise da pesquisa.
Elegemos como eixos principais de análise sócio-histórica o contexto institucional da
empresa Folha de S. Paulo (abordado no capítulo anterior), a emergência dos discursos sobre
os DCAs, as violências sexuais contra criança, a literatura sobre infância e mídia, a literatura
sobre pedofilia na mídia, o contexto das organizações não-governamentais e os eventos
associados à temática da violência sexual contra crianças e adolescentes, análises essas
norteadas pela concepção teórica e política de compreensão da infância como uma categoria
social subordinada ao poder adulto. Na sequência, apresentamos algumas sistematizações
dessas análises, buscando, assim, compor a primeira fase da HP.
A reconstrução de regras, recursos e relações das instituições sociais nos ajudam a
caracterizar seu andamento através do tempo. Possibilitam, também, lançar olhares para as
pessoas que as compõem. Nesse sentido, analisamos o jornal, bem como fizemos a
reconstrução dos ambientes em que são produzidas e construídas as retóricas e ações sobre o
“abuso sexual infantil” e a pedofilia. Os eventos contextualizados são um dos campos de
interação em que as formas simbólicas estão situadas. Os meios de transmissão das
mensagens sobre infância e mídia e também sobre pedofilia na mídia nos dão a compreensão
de como essas temáticas são construídas e reproduzidas.

5.1 A emergência dos discursos sobre os direitos da criança e do adolescente

As concepções de infância variam de acordo com o contexto social e influenciam as


relações entre adulto e criança, o que se reflete, inclusive, na produção de leis que
74

regulamentam os direitos das crianças. Diante disso, neste subtópico, pretendemos apresentar
como a emergência dos discursos sobre os direitos das crianças e dos adolescentes (DCAs) a
partir de temáticas que vão desde a não-consideração das crianças como sujeitos de direitos
aos marcos legais que salvaguardam o direito à proteção, até questões que tratam sobre os
direitos à provisão e à participação.
De acordo com Ariès (1981), a concepção de criança enquanto “mini adulto” fazia
com que as crianças fossem submetidas à mesma “sorte” de violências que os adultos. A
partir do século XVI, com o surgimento da noção de infância, o sentimento de que as crianças
eram seres ingênuos, gentis e cheios de graça desperta um desejo de paparicação. As crianças
tornam-se fonte de distração dos adultos e passam a ser protegidas e paparicadas.
A representação da criança como ser puro e angelical sugere uma preocupação de
preservar o “manto sagrado da infância”. Essa preocupação se reflete sobremaneira na
elaboração de políticas e legislações para as crianças, o que dá origem a uma tensão entre os
direitos à proteção e participação infantis.
Até os dias atuais, as legislações referentes à infância são permeadas por essa tensão
intrínseca, que se origina a partir do reconhecimento da criança enquanto sujeito de direitos.
O status de pessoa humana, partícipe de uma sociedade, traz para o debate os direitos da
criança à participação social. Se ela é reconhecida como cidadã, seus direitos de participação
social devem ser assegurados igualmente aos de um adulto. Contudo, sendo a criança um
sujeito distinto e cheio de especificidades e vulnerabilidades, seus direitos de proteção devem,
paralelamente, ser garantidos.
Essas condições, porém, levantam paradoxos no tratamento da criança nos principais
documentos que regulamentam a infância, uma vez que ora a apresentam como sujeito que
deve gozar dos direitos de liberdade, ora como sujeitos que devem ficar sob a “guarda” a
proteção. Discutiremos esses embates ao tratarmos do debate – internacional e nacional –
sobre os direitos das crianças e dos adolescentes. Esse debate foi influenciado, no período
entre o século XVIII e XX, pelos estudos de Rousseau, Tolskói, Pestalozzi, Dewey e Korczak,
que foram os primeiros a pensar em novos paradigmas para a infância.
Conforme Natália Fernandes Soares (2005), o reconhecimento dos direitos das
crianças só ocorreu a partir do século XVI. Até esse período, como vimos nas páginas
anteriores, as necessidades das crianças não eram consideradas.
Apresentaremos, a seguir, os documentos, nos âmbitos internacional e nacional, que
tratam dos direitos das crianças e suas respectivas perspectivas sobre as concepções de
infância.
75

5.1.1 Os debates sobre os direitos da criança e do adolescente no contexto internacional

A Declaração de Genebra, de 1924, também conhecida como Declaração da Criança,


inaugurou a formulação de um direito internacional da infância. Nela constam os seguintes
princípios: todas as crianças têm direito à proteção, sem consideração de raça, nacionalidade e
crença; o Estado deve zelar, proteger e socorrer as crianças que são seres em condição de
vulnerabilidade; a criança deve ser cuidada pela família e esta é responsável pelo seu
desenvolvimento moral, material e espiritual; a proteção da criança é de responsabilidade da
família e do Estado.
A criança em primeiro lugar e a defesa da ideia de proteção da criança são
interpretações acerca da declaração de 1924, respectivamente, de Soares (2005) e de Renaut
(2002), para a declaração de 1924. A exaltação desses princípios é explicada pelo cenário de
violência, exploração, moléstia, da situação de pós-guerra em que a criança vivia naquela
época. O documento se apresentava, portanto, como uma proposta para mudar essa realidade
e garantir as necessidades infantis.
Para Azambuja (2011), esse documento foi um importante marco para se começar a
pensar a criança como sujeito de direitos. A autora defende que a partir da Declaração de
Genebra percebeu-se que a criança estava muito exposta a perigos. Nessa mesma ótica, Soares
(2005) argumenta que o documento “representou para a história dos direitos das crianças, o
movimento-chave de um percurso de construção e consolidação da ideia das crianças como
sujeitos de direitos” (SOARES, 2005, p. 30).
Apesar do avanço significativo em direção ao reconhecimento da criança como sujeito
de direitos, a Declaração de Genebra também foi alvo de críticas, sobretudo por parte de
Januz Korczak (1872-1942), pseudônimo do polonês Henryk Goldshmid, médico pediatra por
formação e educador por opção. Ele criticou as ações de políticos e de legisladores, que
usaram somente discursos protetivos sobre a infância, limitando, dessa forma, a reflexão sobre
outros aspectos do que vem a ser um sujeito de direitos. Para o educador, pensar em um
documento para as crianças é também fazê-las partícipes da elaboração desse documento, é
enxergar que elas têm liberdade de escolha e podem atuar politicamente, bem como decidir
suas condutas.
Na mesma linha, Korczak (1986) aponta que a Declaração de Genebra tinha um cunho
paternalista, e, ao exaltar a proteção, reafirma a não consideração das vozes das crianças, que
ficam sempre à mercê da vontade de um adulto. O sentimento dele para com a Declaração de
1924 é de decepção, já que não respeitou realmente os direitos das crianças de serem ouvidas,
76

consideradas e respeitadas. Na avaliação de Korczak (1986, p. 86), “os legisladores de


Genebra confundiram as noções do dever e do direito”.
Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) avaliza a Declaração de Genebra,
acrescentando dois princípios e modificando outro. Mas, apesar da melhora, o texto ainda não
apresenta avanços. Para Lígia Claúdia Gonçalves Monteiro (2005), persistiu como um
documento que anunciava os cuidados com a criança.

[...] a máxima pretensão das duas versões da Declaração de Genebra situava-


se no registro de promover uma consciencialização, cada vez mais notória,
de que o adulto tem irrefutáveis deveres de proteção para com a criança,
sejam eles no sentido de preservar a sua integridade física (protegê-la da
fome, da angústia, do abandono, tal como é evocado no seu artigo III, bem
como da exploração, como é indiciado no artigo V), sejam no sentido de
preservar a sua moralidade (protegê-la da desorientação, do
desencaminhamento e de tudo quanto pudesse influenciar negativamente o
seu tenro espírito e um saudável desenvolvimento da moral, como se pode
constatar nos seus artigos II e III) 18 (MONTEIRO, 2006 apud MARIANO,
2005, p. 49).

É também em 1948 que a ONU aprova, em assembleia geral, a Declaração Universal


dos Direitos do Homem. Embora esse documento não aborde a infância como tema central,
em um dos seus artigos delibera sobre os cuidados e assistências especiais à maternidade e à
infância. E ainda define que crianças nascidas dentro ou fora do casamento tenham direitos à
mesma proteção social. O artigo 26°, por sua vez, aborda o direito à educação gratuita no
ensino elementar e fundamental.
Essa legislação inaugura, de acordo com Norberto Bobbio (1992), a “era dos direitos”,
implementada após a 1ª Guerra Mundial, com o objetivo não necessariamente de estender
uma atitude humanitária para toda a população, mas sim para o Estado proteger seus soldados
e cidadãos. Ainda que a “lei humanitária” tenha sido para atenuar as mazelas da guerra e
proteger os atingidos pelas armas, ela estava longe de garantir a igualdade de todos os seres
humanos. Contudo, apesar dessa verdadeira intenção da “era dos direitos”, Bobbio (1992) a
considera como um importante fator que permitiu a universalização e multiplicação dos
direitos humanos, na medida em que explicita declaradamente os direitos de todos os homens;
e que amplia os bens considerados merecedores de tutela, aumenta os direitos para além do
sujeito, especifica as diversas maneiras de ser em sociedade. Assim, este documento é
relevante porque,

18
A tese em referência foi redigida em português de Portugal.
77

[...] pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta


humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos
governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração,
um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em
princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e
sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os
homens foi explicitamente declarado (BOBBIO, 1992, p. 28).

A aceitação desse documento e seu reconhecimento pela sociedade contribuíram para


se pensar em outros documentos com o intuito de ampliar as discussões sobre os direitos
humanos. No que tange aos direitos específicos das crianças, países participantes da
assembleia geral da ONU de 1948 exigiram um documento próprio com este fim, já que a
Declaração Universal dos Direitos do Homem não contemplava o que era necessário para a
infância. Para tanto, em 1959, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos da
Criança, composta por dez princípios que abarcam, dentre eles, o direito do nome e
nacionalidade desde o nascimento; direito à previdência social; cuidados especiais para
crianças incapacitadas física, mental ou socialmente; e o recebimento prioritário por socorro
em situação de perigo.
Percebe-se, nesse documento, a reafirmação da proteção anunciada pela Declaração de
Genebra, contudo, ele também não contempla os direitos de liberdade e participação e
constata-se, igualmente, a ausência de caráter vinculativo aos Estados presentes da assembleia
da ONU. Para Soares (2005), esse documento focou muito nos direitos da criança de ter um
nome, uma nacionalidade, um lar harmonioso, de amor e compreensão, de modo a ter
promovido poucas modificações ao documento anterior. Apesar disso, a autora considera que

[...] um dos contributos mais significativos da Declaração de 1959 foi a


construção da ideia da criança como sujeito do direito internacional e como
sujeito de direitos civis, uma vez que é através deste documento que, pela
primeira vez é afirmado que as crianças têm direito a um nome, a uma
nacionalidade (princípio 3) (SOARES, 2005, p. 32).

Essa internacionalização da causa das crianças provocou um movimento que levantou


reflexões que extrapolam a questão da proteção da criança. Todavia, para Renaut (2002),
ainda que isso tenha ocorrido, mais uma vez o direito de liberdade não foi mencionado. Ele
identifica que esse direito consta no preâmbulo desse documento, porém, não nos dez
princípios. Assim como Soares (2005), Renaut (2002) afirma que os direitos presentes na
declaração de 1959 se resumem a:
78

[...] um direito a um nome e a uma nacionalidade; um direito à segurança


social; um direito à saúde e à educação; um direito a obter amor e
compreensão, proteção e socorro, nomeadamente contra a crueldade, a
exploração, o tráfico ou um trabalho precoce; finalmente um direito de ser
protegida contra qualquer forma de discriminação (RENAUT, 2002, p. 290).

Nesse sentido, os direitos das crianças ainda permanecem nas mãos do Estado, das
famílias e da escola. A Declaração de 1959 ratifica o direito à proteção e o desenvolvimento
sadio da criança, mas Renaut (2002) considera esses direitos como “direitos-créditos”, ou
seja, são direitos que já são devidos à infância. Dessa forma, os “direitos-liberdades” são
aqueles que asseguram que a criança possa ter vez e que sua voz possa ser considerada, além
daqueles que garantem a liberdade de as crianças serem o que são em qualquer lugar que
estejam. Logo, esses direitos são bastante distintos dos direitos-créditos.
É somente trinta anos após a Declaração Universal dos Direitos da Criança que seus
direitos de liberdade e participação passam a ser considerados. Até então, somente os adultos
gozavam dessa prerrogativa. Assim, em 1989 é promulgada a Convenção Internacional sobre
os Direitos da Criança (CDC), considerado o primeiro documento internacional a tratar das
obrigações do Estado para com a infância. Para isto, ele é definido como um Tratado
Internacional que tem força de lei nos países que o ratificarem e deve ser respeitado e
implementado pelas nações. Esse estatuto jurídico atribuído à Convenção é considerado, por
juristas e filósofos de Direito, como um dos grandes avanços desse documento. Não é uma
simples afirmação de princípios, mas sim uma obrigação de fazer cumprir o que ele rege.
Na ratificação da Convenção, houve intenso debate em torno do reconhecimento dos
direitos de proteção simultaneamente aos direitos de liberdade e participação. De um lado,
posicionavam-se os que defendiam que a criança é imatura e inexperiente para poder expor
suas vontades e ideias e tomar decisões. De outro, os que, como Korczak (1986), diziam que
as crianças podem ter menos vivências que os adultos, mas que isso não significava que elas
eram seres inferiores, aos quais não se pode dar o direito de falar e fazer suas próprias
escolhas. Ele defendeu que as crianças têm caminhos diferentes do adulto, que são próprios
do ser criança, e que esses caminhos devem ser respeitados. “Respeito para o tempo que
passa, para o dia de hoje! Que soluções a criança saberá inventar amanhã, se hoje não a
deixamos viver uma vida consciente e responsável?” (KORCAZK, 1986, p. 89). É com
pedidos como esses que o educador polonês conclamava os direitos de respeito, liberdade e
participação para as crianças. Para ele, sem esses, as crianças não são consideradas como
verdadeiramente devem ser, por isso, advogou bravamente pelo respeito dos adultos para com
as crianças.
79

A Convenção tem 54 artigos, divididos em três partes. Apresenta o conceito de


criança, traz direitos e obrigações da família e do Estado em relação a ela, reconhece como
criança “todo o ser humano de 18 anos, salvo se nos termos da lei que lhe for aplicável atingir
a maioridade mais cedo” (Convenção, art. 1°, 1989). A criança é, conforme a Convenção,
uma pessoa em desenvolvimento, em processo de formação psíquico, moral, intelectual e
social.
Há, nesse documento, três conjuntos de direitos às crianças e adolescentes: provisão
(direitos sociais e econômicos), proteção (por causa da vulnerabilidade da criança) e
participação (respeito, liberdade e direitos civis). Esses direitos apresentam uma nova visão da
infância, dando à Convenção o status de documento “mais avançado” em relação às outras
legislações que tratam dos direitos da criança.
Para Soares (2005), o discurso dos direitos de provisão e de proteção, é, obviamente, o
que mais agrega e agrada as opiniões dos responsáveis por debater o documento da
Convenção. Essa retórica fez propagar o discurso de proteção à infância, mas também,
segundo ela, contribuiu para o reconhecimento da criança enquanto sujeito de direitos. É a
partir desse documento que também a criança começa a ganhar o status de cidadã, que
começa a emergir com mais força no século XXI. Soares (2005) chama atenção para o fato de
que a vulnerabilidade creditada às crianças não pode interferir em seu direito de participação.

A defesa de um paradigma que associe direitos de proteção, provisão e


participação de uma forma interdependente, ou seja, que atenda à
indispensabilidade de considerar que a criança é um sujeito de direitos, que,
para além da proteção, necessita também de margens de ação e intervenção
no seu quotidiano, é a defesa de um paradigma impulsionador de uma
cultura de respeito pela criança cidadã: de respeito pelas suas
vulnerabilidades, mas de respeito também pelas suas competências
(SOARES, 2005, p. 45).

Para a autora, não há como negar a vulnerabilidade das crianças, no entanto, a


exagerada proteção promove dependência e suprime a autonomia infantil. Tanto a falta de
cuidados como a proteção excessiva e prolongada são, consoante Soares (2002), nocivos para
o desenvolvimento da criança. Essa tensão entre considerar as vulnerabilidades das crianças
sem, contudo, suprimir sua liberdade e direito de participação social, também foi discutida por
Jens Qvortrup (2014). Para ele, a exacerbada proteção restringe a liberdade da criança.
Apesar dessa tensão presente na Convenção de 1989, ela é considerada como
“paradigmática” por inaugurar aos sujeitos com menos de 18 anos os direitos de liberdade,
80

respeito, opinião, participação e organização. Isso pode ser observado em alguns dos artigos
que compõem o documento, tal como o artigo 12:

Artigo 12. 1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada


a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões
livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se
devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e
maturidade da criança. 2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em
particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou
administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de
um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras
processuais da legislação nacional.

Esse é um dos trechos que explicita o eixo libertário da Convenção de 1989. Mas, para
Qvortrup (2010a, p. 780), embora esse e outros artigos tratem sobre os direitos das crianças de
forma a valorizar sua subjetividade, o fazem ainda com muitas limitações. Ao abordar o
direito de opinião, o artigo 12 “estabelece que somente em assuntos que afetam a criança ela
teria direito de opinar livremente. Essa é uma limitação grave, mas provavelmente sintomática
da visão da criança como sujeito político em nossas sociedades”. Com esse exemplo,
Qvortrup (2010a) mostra a limitação do documento em garantir participação da criança na
política.
Soares (1997) concorda com esse pensamento. Para ela, o direito de opinião das
crianças continua menosprezado, sobretudo, por se limitar ao campo de discussões que
supostamente lhes dizem respeito. A criança continua, portanto, sem participar política e
socialmente da sociedade.

Se é possível afirmar-se que a CDC [Convenção] promoveu a construção de


novos discursos e, por vezes, também à reconstrução de novas práticas, com
as crianças, onde é valorizada a sua voz e ação, continuam, também, a ser
persistentes os paradoxos no exercício da cidadania das crianças (SOARES,
1997, p. 107).

Assim, esse é um debate que transcende o reconhecimento da cidadania da criança, é


preciso abarcá-la como sujeito de direitos tanto na teoria quanto na prática e dar-lhe condições
de participação social. Para Renaut (2002), o texto da Convenção é um divisor de águas sobre
os Direitos da Criança pois traz, na sua redação, uma nova concepção da infância, que carrega
as tensões intrínsecas entre os direitos de proteção e liberdades, que devem ser debatidas de
modo a provocar uma mudança social, inclusive no que tange à representação social das
crianças e adolescentes
81

Esses debates vêm ocorrendo entre duas correntes: uma liberacionista e outra
protecionista.

Para os liberacionistas, a criança não é concebida, em primeiro lugar, como


dotada de uma imaturidade física e intelectual tal que deva retirar todo o
sentido à perspectiva da sua emancipação pelo direito: pelo contrário, trata-
se, pela extensão das liberdades fundamentais à própria criança, de a pensar
e de a tratar como idêntica e igual aos outros homens. Simetricamente a
antítese é protecionista. Consiste em defender que a Convenção, ao
proclamar confusamente liberdades e créditos, veio interromper uma muito
útil tradição da protecção, para a qual a ideia fundamental era a de educação
ou de instrução: para esta tradição, o homem é, evidentemente, por essência,
um ser livre, mas só se torna verdadeiramente livre ao realizar o processo
educativo que o faz aceder à autonomia e à responsabilidade (RENAUT,
2002, p. 301 - grifos do autor).

Nenhuma dessas teses pode ser considerada uma verdade absoluta. Para Renaut
(2002), é preciso promover o debate e analisar essas questões com muito rigor. Ante o próprio
estatuto das crianças como seres com vulnerabilidades inerentes, tal tensão intrínseca não
necessariamente será superada. Trata-se de uma tensão que permeia os documentos que
regulamentam os direitos das crianças e adolescentes e deve ser confrontada vez ou outra para
assegurar o bem-estar dessa categoria etária.
Além dessa tensão, há, também, de acordo com Mariano (2010), o debate entre o
universalismo e o relativismo cultural, ou seja, “a pretensão universal e a orientação
ocidentalista” no texto da Convenção. Valores originários da cultura ocidental e dos
princípios judaico-cristãos, a concepção da infância com base nesses valores, o significado de
família e sua função, a desconsideração das diversidades culturais, econômicas e sociais dos
povos são apontados como principais críticas feitas por vários analistas ao documento.
Sem considerar todos os aspectos e contextos das diferentes sociedades, a redação da
Convenção acaba por gerar tensões. Essa visão universalista, que particulariza a criança em
prol de uma única cultura, “não os coloca somente fora da sociedade, mas fora da infância”
(MARIANO, 2010, p. 85).
Apesar dessas tensões e dos paradoxos, a Convenção é considerada um importante
marco legal internacional sobre os direitos da criança. Tanto que inspirou outros que tratam
dos direitos das crianças e dos adolescentes, como é o caso do Estatuto da Criança e do
Adolescente no Brasil. Além disso, sua redação traz à tona temas que ainda não tinham sido
debatidos e nem contemplados em documentos precedentes. Entre esses temas estão os maus
tratos, a violência sexual, a violência psicológica, o abandono e os conflitos armados. Ainda
82

assim, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança inspirou legisladores de


diversos países a pensar a situação da criança na sociedade, influenciando inclusive a
elaboração de políticas públicas para a infância no Brasil (DIAS, 2015).

5.1.2 Os debates sobre os direitos da criança e do adolescente no contexto nacional

No Brasil, o Código Criminal brasileiro de 1830 é o primeiro documento que faz


referência à infância e adolescência no país. Esse documento estava composto na Doutrina
Penal do Menor. Nessa época, as crianças e adolescentes conviviam com adultos e, portanto,
judicialmente recebiam as mesmas penas que os mais velhos e também eram recolhidos para
os mesmos lugares que os adultos. Essa primeira etapa do direito infantil e juvenil é
conhecida como lei penal indiferenciada e ocorre até a primeira década do século XX.
Em 1890, esse documento é codificado no Código Republicano brasileiro, mas a
redação sobre crianças e adolescentes é mantida, ou seja, elas continuam sendo tratadas da
mesma forma que os adultos. Posteriormente, em 1916, entrou em vigência o Código Civil e,
em 1927, o Código de Menores, com o início da doutrina da situação irregular do menor,
baseada no binômio carência e delinquência. Nessa época, já havia sido divulgada pelo
mundo uma nova concepção de infância e juventude, e, por consequência, as crianças e os
adolescentes já não são mais tratados como os adultos perante a lei. De acordo com Saraiva
(2003), inicia-se, nesse período, a criminalização da pobreza e institucionalização da infância
e da juventude.
O Código de Menores, tanto o de 1927 como o de 1979, refere-se a uma infância de
classe social específica: as crianças e os adolescentes em “situação de perigo moral ou
material ou em “situação irregular”. Quem estivesse nessas situações era tratado como uma
pessoa com uma “patologia social”. O Código de Menores de 1979 determina, em seu artigo
2°, que é considerado em situação irregular quem for ou estiver:

I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução


obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a, falta, ação ou omissão
dos pais ou responsável; b, manifesta impossibilidade dos pais ou
responsável para provê-las; II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados
impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral devido à: a,
encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b,
exploração de atividades contrária aos bons costumes; IV - privado de
representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou
responsável; V - com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação
familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal (SARAIVA, 2003, p.
44).
83

Se o juiz considerasse a situação de uma criança ou de um adolescente como irregular,


tinha o poder de aplicar as penas de acordo com o julgamento. As Fundações Estaduais para o
Bem Estar do Menor (FEBEM), a Fundação Nacional para o Bem Estar do Menor
(FUNABEM) – criadas na época do regime militar no Brasil – eram o destino da maioria dos
declarados “infratores”.
De acordo com Mariano (2010), a infância e a maternidade foram pautas de parcerias
entre as instituições públicas e privadas, com incitação à criação de políticas públicas para a
infância em todo território nacional e também para a fundação de entidades, como o
Departamento de Nacional de Criança (DNCr) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA).

Nesse período, as legislações e políticas para a infância, utilizando a


nomenclatura da proteção, focaram nos “menores abandonados e
delinquentes”, considerando a pobreza e a família pobre como gestadoras
deste tipo de “problema social”. O “problema da criança pobre”, assim
construído, forjaria modelos de assistência a crianças e jovens pautados nos
Institutos Correcionais, nos recolhimentos compulsórios, nas internações em
condições degradantes, na ideia de recuperação, no controle das famílias:
assim emerge a chamada “questão do menor”, entendida como um processo
de “marginalização do menor”. Na sequência, foi criado, em 1941, o Serviço
de Atendimento ao Menor (SAM) (MARIANO, 2010, p. 88 – grifos da
autora).

Como se vê, muitos órgãos foram criados para “proteger a infância” de forma
normativa, educativa e moralizante. Esse contexto do “problema da criança pobre e
marginalizada” foi, por muito tempo, produzido e explorado no Brasil. As leis para os
menores de 18 anos, que antecederam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foram,
explica Mariano (2010, p. 86), voltadas “aos segmentos pobres da população e serviram mais
ao controle, estigmatização e criminalização do que para garantir-lhes direitos”.
Um novo movimento surge após o fim da ditadura militar. Imprensa, Igreja católica,
organizações nacionais e organismos internacionais (como, por exemplo, o UNICEF) se
uniram em prol do combate ao menorismo, da situação irregular e às políticas nacionais para
o menor. Juntos, esses agentes sociais criaram projetos para atendimento a meninos de rua,
realizaram eventos e produziram movimento em defesa dos meninos e meninas de rua. Todas
essas ações contribuíram para a visibilidade dos discursos sobre os direitos da criança.
Nessa esteira, Rosemberg (1994a) problematizou como os discursos latino-americanos
sobre a infância pobre se apoiam na ideia que desconsidera as diversidades culturais,
estigmatiza e culpabiliza a família pobre pelo que seu filho virá a ser: se homem,
provavelmente um criminoso e, se mulher, uma prostituta.
84

Da associação da família pobre ao abandono familiar e à delinquência, criam-se


estigmas das concepções de crianças pobres e “famílias em risco”. Ainda que a legislação
garanta direitos iguais a todas as pessoas, independentemente, por exemplo, de legalização de
uma relação afetiva, as famílias pobres latino-americanas são tidas como desorganizadas, das
quais se originam “crianças em situação de risco”.
Muito embora tais representações sobre a criança e a família pobre perdure até os dias
atuais, somente com a Constituição de 1988 é que, no Brasil, se inaugura a ideia da criança e
do adolescente como sujeito de direitos, principalmente em seu artigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Além de passarem a ser considerados cidadãos, as crianças e os adolescentes se


tornaram, também, sujeitos e não apenas objetos de normas jurídicas. A efetivação dos
direitos da criança e do adolescente passa a ter como principais asseguradores a família, a
sociedade e o Estado. A igualdade perante a lei e o respeito à diferença são dois princípios
fundantes do aludido artigo.
O novo conceito de proteção integral, implementado pela Constituição de 1988 e pelo
ECA, aprovado em 1990, rompeu com o movimento de assistencialismo e criminalização da
pobreza previsto no Código de Menores de 1927 e 1979. O ECA também delimitou as faixas
etárias para o que se compreende como criança (de 0 a 12 anos) e como adolescente (de 12 a
18 anos) ou seja, considerou que cada um tem suas particularidades e suas distinções e,
portanto, devem ser tratadas igualmente, mas respeitados em suas singularidades.
Assim como na Convenção de 1989, o texto do ECA salvaguarda, igualmente, os
direitos das crianças e dos adolescentes a partir do conjunto dos três direitos: à proteção, à
provisão e à participação. Nesse sentido, observamos que esses dois documentos se
diferenciam do Código de Menores, já que este ressaltava mais a proteção e a vigilância aos
menores infratores.
O ECA aderiu aos princípios libertários da Convenção, definidos em seus artigos 15 a
18. Esses artigos são princípios libertários e ajudam a pensar nas práticas educativas e
participativas a serem adotadas para crianças e adolescentes. Mas, apesar desse caráter
progressista do ECA, com relação aos outros documentos que tratam dos direitos das crianças
85

e dos adolescentes, ele não aborda os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas, nesse tempo
de vida, bem como não prevê direitos de expressão da sexualidade. O que ele traz é uma
negativação da sexualidade, em detrimento dos direitos da prevenção e da proteção. O
silenciamento desse tema no texto desse dispositivo legal nos diz sobre o modo como as
crianças e adolescentes são representados no que tange à sexualidade: ou seja, são vistos,
como seres assexuados.
Para Ventura (2005), a exclusão, na discussão, sobre os direitos sexuais das crianças e
dos adolescentes viola outros direitos, como, por exemplo, o sigilo, a informação, a saúde
reprodutiva, dentre outros. Assim, conforme a autora, fica clara a tensão entre todos os
direitos explícitos no ECA e os direitos de proteção. O direito de liberdade é que abre
possibilidades para essas problematizações.
“Tímido” é o termo escolhido por Pirotta e Pirotta (2005, p. 88) para avaliar o ECA no
que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. Para eles, o texto se manifesta mais no
sentido negativo de sempre prevenir o abuso sexual contra crianças e adolescentes, pois sua
formulação é pela negativa, isto é, “tem sempre o intuito de prevenir o abuso e a exploração
sexual de crianças e adolescentes pelos adultos. É notável a ausência de direitos afirmativos
referentes à vida sexual e à vida reprodutiva”.
Essa lacuna, para os autores, não foi um simples lapso. Para eles, isso “revela a
persistência de padrões moralistas na legislação e na sociedade brasileira” (PIROTTA e
PIROTTA, 2005, p. 88). Essa é uma questão complexa e que gera tensão, assim como o
debate sobre as questões de liberdade e proteção, mas é preciso apontá-las e discuti-las para
que políticas públicas de educação sexual para crianças e adolescentes sejam pensadas,
construídas e executadas na perspectiva de que eles, como sujeitos de direitos que são,
possam ter seus direitos sexuais e reprodutivos garantidos, principalmente no que tange à
informação.
Para Bizzo (2008), nos textos da Convenção e do ECA, nos artigos relativos à
sexualidade, as crianças e adolescentes sempre ocuparam o lugar de filho ou filha e nunca o
de genitores. Por esse motivo, afirma ela,

[...] nosso entendimento é que ambos textos, ao se referirem sobre


sexualidade, o fizeram da ótica do “abuso” como assinalam Pirotta e Pirotta
(2005), de um certo entendimento de proteção, da mesma forma que o fazem
para o trabalho. Em nenhum dos casos normatiza-se sobre o “direito a”, mas
sobre o “direito de” ser protegido contra o abuso (BIZZO, 2008, p. 24).
86

A autora considera, ainda, que o silenciamento sobre as deficiências do ECA foram


estratégias para não criar conflitos e nem dificultar sua implementação, pois, para os atores
sociais envolvidos nas questões sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, ele foi
considerado um documento importante e inovador, uma legislação com marco político. Nesse
sentido, vale salientar que o ECA é, realmente, um documento que, apesar de apresentar
lacunas, contribui para uma concepção de infância mais libertária, conferindo maior
consideração às crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.
Enfim, os documentos e diretrizes que se propõem a assegurar o bem-estar da criança
na sociedade apresentam concepções flutuantes de infância. Por vezes a criança é um
protótipo de adulto e trabalhador que deve ter a sobrevivência assegurada, em outras, é a
personificação da fragilidade e inocência, que deve ser poupada de toda sorte de frustrações e,
algumas vezes, ela é a causa de muitos males sociais. Essas noções de infância transitam no
imaginário social, constituindo-se a partir das leis, das mídias e dos discursos acadêmicos e
afetando, fortemente, a relação entre sociedade e criança.
A mudança na dinâmica social imposta às crianças pedagogizou e disciplinou seus
comportamentos quanto à ida à escola, aos cuidados e higiene, às regras de gênero, identidade
sexual e à família. Ao adulto cabe executar e garantir a ordem familiar, bem como a
continuidade da espécie humana através da reprodução. A sexualidade, na
contemporaneidade, é demarcada nos tempos da vida: para as crianças, é expurgada, para os
adolescentes e jovens, é prevenida, ao adulto, é permitida, desde que seja como procriador, no
seu ambiente íntimo, o quarto do casal (RODRIGUES, 2014).
A emergência dos direitos das crianças e dos adolescentes (DCAs) suscitou uma nova
visibilidade social das crianças e foi disparadora social de inúmeros discursos sobre a criança
e a infância, os quais serão abordados no capítulo sobre infância e mídia. Cabe aqui
destacarmos as incessantes discussões feitas por Fúlvia Rosemberg a respeito da mobilização
internacional e nacional sobre os DCAs, em que as identidades dos que se busca “defender”
são, muitas vezes, estigmatizadas, e os recursos canalizados acabam sendo revertidos somente
para os problemas construídos socialmente. As retóricas específicas sobre crianças e
adolescentes pobres “vem associando os homens à violência, criminalidade, droga adição e
abuso sexual; as mulheres, à promiscuidade sexual, prostituição e abandono de filhos.”
(ANDRADE, 2004, p. 178).
87

5.2 A construção social da noção de “abuso sexual infantil” e da pedofilia

Após a promulgação do Ano Internacional da Criança (AIC), em 1979, e a Convenção


Internacional sobre os Direitos da Criança, em 1989, vimos novos temas envolvendo
situações de violência contra a infância e juventude adentrarem nos debates e agendas
públicas de diversos países. O mau trato físico, o uso de drogas, o trabalho infanto-juvenil, a
gravidez na adolescência, o abuso sexual e a prostituição infantil são alguns dos principais
temas que ocuparam posição de destaque nos discursos sobre os direitos da criança e do
adolescente (DCAs).
Não negamos o grau elevado da importância da proteção de crianças e adolescentes
contra qualquer tipo de violência, inclusive para um enfrentamento efetivo dessas questões,
porém é necessário problematizar as retóricas que “em nome da criança e do adolescente”
criam e reproduzem discursos e desenvolvem campanhas em prol de crianças e adolescentes
em “situação de risco”.
Assim como já mostrado por Andrade, L. (2001), Freitas (2004), Nazareth (2004) e
Andrade, M. (2005), Bizzo (2008), Mariano (2010), a mídia, ao abordar os problemas sociais
relacionados à infância, participa da construção de problemas sociais, associados a essa
categoria etária e, desse modo, participa, igualmente, da construção da agenda pública. Ao
fazer essa escolha, a mídia seleciona qual “problema social” será conhecido pela sociedade.
A mídia se constitui como um importante ator social na visibilidade, promoção e
debate sobre os direitos das crianças. Conforme investigação de Mariano (2010), a produção
do jornal Folha de S. Paulo sobre os marcos legais da infância (Constituição Federal de
1988, Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e Estatuto da Criança e do
Adolescente) apresentou os Direitos da Criança e do Adolescentes de modo associado, na sua
maioria, às “situações de risco”, à violência ou desvio. Não raro, os profissionais da mídia
utilizam de sensacionalismo para abordar as temáticas da infância e juventude e não
ponderam sobre os efeitos perniciosos no modo de produzir essa visibilidade da infância e
juventude, que pode, inclusive, gerar pânicos na sociedade.
É na década de 1990 que se vê uma nova percepção social relacionada à violência
sexual contra a criança e o adolescente. Desde essa época, casos de pedofilia começam a ser
mais noticiados na mídia. A pornografia infantil, assim como a pedofilia, passam a compor as
novas modalidades de crime contra criança nos noticiários. Antes disso, era mais comum a
mídia falar em estupro, incesto e “prostituição infantil”. Observa-se, então, a publicização da
temática da pedofilia pela imprensa (MARIANO, 2012). Se, por um lado, é importante essa
88

publicização como forma de a sociedade se atentar e combater situações de violência contra


crianças e adolescentes, por outro, isso requer muita cautela, pois os estudos internacionais
(ARFUCH, 1997; FRANKLIN, 2002; PONTE, 2005) e nacionais (ANDRADE, L., 2001;
NAZARETH, 2004; FREITAS, R., 2004; MARIANO, 2010; ROSEMBERG e ANDRADE,
M., 2012) sobre a visibilidade da infância na mídia nos mostram que a mídia tende a usar
retóricas específicas quando fala da infância, recorrendo, principalmente ao sensacionalismo,
à associação ao risco, ao desvio e à sexualidade e, por vezes, à estigmatização daqueles que se
pretende defender.
Segundo a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Childhood
Brasil, o abuso sexual pode acontecer dentro ou fora do núcleo familiar e pode ocorrer com ou
sem contato físico.

Não envolve dinheiro ou gratificação, acontece quando uma criança ou


adolescente é usado para estimulação ou satisfação sexual de um adulto; é
normalmente imposto pela força física, pela ameaça ou pela sedução; pode
acontecer dentro ou fora da família. 19

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS)20 , abuso sexual contra criança e


adolescente é um fenômeno caracterizado por maus-tratos, é um ato sexual ou uma tentativa
de relação sexual com uma criança ou com um adolescente, que não tem condição de
compreender e nem dar o consentimento. Assim, mesmo que uma criança ou adolescente (até
os 14 anos) venha dar seu consentimento de atividades sexuais com adultos é considerado um
crime, pois assimetrias de poder marcam as relações entre adultos e crianças e estas não
podem ser consideradas livres para dar seu consentimento.
Faz pouco tempo que os assuntos pertinentes ao abuso e violência sexual contra
criança ocupam o espaço público no Brasil. Isso se deve, em boa parte, à grande mobilização
impetrada por diversos atores sociais e de inúmeros eventos pelo combate à violência física e
sexual contra crianças a adolescentes. Mas essas campanhas podem ter conquistado lugar no
debate público porque foram atreladas à outra questão: a violência contra mulher no espaço
privado (SILVA, 2008). Os assuntos, antes de serem considerados problemas sociais,
disputam entre si, via dispositivos humanos e materiais, espaços para terem vozes e
visibilidades. No caso do abuso sexual, há ainda que destacar que, para chegar ao posto de
problema social, teve que romper a barreira do que ocorre no seio da família, ou seja, quando

19
Informação disponível em http://www.childhood.org.br/entenda-a-diferenca-entre-abuso-e-exploracao-sexual,
acessada em 13 de julho de 2017.
20
Informação disponível no Relatório Mundial de Violência e Saúde, elaborado pela OMS em 2002.
89

esse espaço particular deixa de ser visto unicamente como fonte de amor e proteção e passa a
ser visto como possível espaço de violação.
Para Luciana Kraemer da Silva (2008), o abuso sexual é um tema sociológico, na
medida em que passa por diferentes entendimentos e conceituações e essas variações são
atravessadas pelas mudanças da família nuclear, pelos discursos sobre o corpo e a sexualidade
e também pelos contextos sociais, políticos, econômicos e culturais.

A modernidade, segundo Foucault (1988), colocou a família no centro do


discurso sobre a sexualidade. É na dimensão marido e mulher, pais e filhos –
que se desenvolveram os principais elementos do dispositivo da sexualidade
(o corpo feminino, a precocidade infantil, a especificação dos perversos). O
risco é uma ameaça percebida e construída pelos próprios indivíduos. Então
mesmo que a violação sexual tenha ocorrido desde sempre, o problema
social “abuso sexual” tem pouco mais de vinte anos (GIDDENS, 2005). E é
o poder-conhecimento (médicos, psicólogos, psiquiatras) que vai constituir
os mecanismos de percepção e de decodificação discursiva das ameaças
existentes. E esta decodificação não produz certezas (SILVA, 2008, p. 108,
grifos no original).

É nesse panorama que Silva (2008) aponta o quanto a sociedade contemporânea tem
dificuldade para colocar em discussão as inúmeras causas dos problemas sociais,
principalmente das questões sobre violência sexual. O efeito disso pode ser a estigmatização
das vítimas, a delimitação do agressor, a culpabilização da família e o não questionamento
dos aspectos culturais que envolvem a temática do “abuso sexual” contra crianças e
adolescentes. Segundo a autora, a noção do “abuso sexual” está associada aos momentos
históricos em que a violência sexual entre membros da mesma família, ou entre pessoas do
mesmo convívio social, passa a ser questionada.
Dentre os vários assuntos narrados por Rodrigues (2014) em sua tese, está a
visibilidade da definição e do reconhecimento da violência sexual infantil no contexto
internacional, com ênfase nos Estados Unidos, nos países da Europa e da América Latina.
Segundo ele, os marcos dos estudos da sexualidade e seus desvios nos EUA foram: o relatório
de um médico e pesquisador, Alfred Kinsey; e a homologação de estatutos de “psicopatas
sexuais” a partir da década de 1930. A divulgação desses eventos causou pânico na sociedade,
provocou muita movimentação em torno das questões e a população exigiu punição aos
“psicopatas sexuais”. Outros eventos foram, de acordo com Rodrigues (2014), incorporados
no combate e controle de condutas e desvios sexuais. Além da punição judicial, as condutas
consideradas “psicopatias sexuais” passaram, nas décadas de 1970 e 1980, a ser problema de
saúde pública nos EUA e na América do Norte.
90

A emergência da violência sexual infantil fez aumentar a preocupação da população,


bem como a produção de relatórios, livros, coletâneas, trabalhos científicos de instituições
públicas e não governamentais nos EUA, na Europa e na América Latina. Rodrigues (2014)
assinala que essas produções, a princípio, não usavam o termo pedofilia, mas sim “abuso
sexual infantil”, prostituição e pornografia. O termo pedofilia começa a ser usado no século
XIX quando discursos sobre a proteção das crianças e sobre a sexualidade e a reprodução
passam a ser normatizados pela área médica.

No Brasil, a “pornografia infantil” só apareceu como problema social,


político e criminal a partir da segunda metade da década 1990 e ganhou
maior notoriedade na primeira década do século XXI, com a crescente
expansão do acesso à internet comercial no país. O problema inicialmente
veio a público por meio da divulgação de operações policiais internacionais
de combate à “pedofilia na internet” (como são mais comumente
denominadas na imprensa) no noticiário nacional. A partir de 1998,
começam a proliferar iniciativas da sociedade civil e do poder público
relacionadas à sensibilização e ao enfrentamento do fenômeno
(LOWENKRON, 2012, p. 91).

Há algumas décadas, os maus tratos infantis não eram considerados como um


problema social, sendo assim, esse não era um assunto de debate nas arenas públicas,
tampouco da agenda pública. Nessa esteira, a noção de “abuso sexual” começou a emergir
com a institucionalização do Estado, da família e da escola e também pelo nascimento da
noção de infância. Essa mudança sobre o entendimento da violência contra a criança começa a
partir do século XVI, é intensificada no século XVII e solidifica-se na metade do século XX
(GIDDENS, 2005).
Nesses períodos, o relacionamento afetivo e sexual entre criança-jovem-adulto passou
por várias construções. Nem sempre o ato sexual entre adultos e crianças foi considerado
ilegal. Na civilização dos maias, por exemplo, isso acontecia e era uma espécie de ritual de
passagem da infância para a adolescência. Para eles, o prazer sexual era um dos dons e
presentes divinos, como outros fisiológicos e que saciam a vontade e necessidades humanas.
Havia ritos sexuais que eram realizados para se estabelecer uma ligação com a terra, como os
que ocorriam com os indígenas da América Central, que se masturbavam para fecundar a terra
(AUSTIN, 2010).
Quando o incesto e o “abuso sexual” de crianças passaram a ser considerados
fenômenos sociais e analisados como fatos perturbadores, começam a se configurar como
problemas sociais. Como o tema da sexualidade era um tabu (e ainda o é), falar de incesto e
91

de relação sexual entre adulto e criança/adolescente era, para muitas sociedades, tocar em
assuntos proibidos, sujos e indecentes.
É a partir de uma perspectiva construcionista que Ricardo Pimentel Méllo (2002) traz
as noções de abuso como um tipo, isto é, como “organização e seleção de aspectos de um
acontecimento”, que é construído e produzido por meio de discursos, de experiências mútuas,
reproduzido por meio dos processos históricos, das mídias e dos entendimentos sociais que
atravessam os seres humanos.

Assim, o “abuso” pode ser classificado como um tipo na medida em que se


torna visível no cotidiano (pioneiramente na prática de médicos pediatras
norte-americanos) e se desenvolve com o propósito de combater e controlar
a atividade sexual entre um adulto e uma criança (MÉLLO, 2002, p. 25,
grifo do autor).

De acordo com o pesquisador, os “tipos” são produzidos para um propósito, têm


ordem social, estão envolvidos na construção coletiva de sentidos. No caso do “abuso sexual”,
ele exerce um papel no mundo: cria e sustenta áreas com profissionais específicos, produz
saberes, intervém nos modos das famílias e promove tensões em volta da temática da
sexualidade. Nessas construções sobre a definição de abuso, há produção de verdades e
também tensões em torno do tema. Formas e sentidos são construídos ao longo dos tempos e
ganham corpo com os discursos da medicina, psiquiatria, sociologia, psicologia, religião,
política, ciência, arte, mídia e de outros atores sociais. As retóricas e práticas sociais afetam
várias instituições e, de modo geral, a sociedade.
Essas formas e sentidos vão construindo o que Foucault (1988) chama de “os regimes
de verdade”, em que, a partir de uma “ordem do discurso”, uma retórica normalizadora vai
sendo construída por meio de redes de saber-poder e por uma formação hegemônica. As
transformações sociais, responsáveis pela gestão dos corpos e da vida, mostram que saber é
poder. Assim como a moral cristã se adaptou à moral burguesa, a medicina cria os “sujeitos
desviantes” e “anormais”, com o propósito de reiterar a norma e fazer com que seja cumprida.
Tanto é assim que Méllo (2002) assinala que o “abuso sexual” nasce como um
problema específico que expõe “a família a uma intervenção pública”, exige “investimentos
significativos em todo o mundo” e nos aspectos econômico, social e jurídico. Para o
pesquisador, a mídia e a academia são partícipes dessa construção. Ainda para Méllo (2002), é
com a construção social de infância e com o advento do Estado, da família e da escola que
surge a noção do “abuso sexual infantil”.
92

É nesse lugar atribuído para a criança na sociedade e na família (com as


mudanças desta também), especialmente a partir do século XVI,
solidificando no século XVII e com formas imperativas a partir do século
XVIII, que permitiu, já na metade do século XX, julgar a relação sexual
entre um adulto e uma criança ou adolescente como "abuso" sexual,
constituindo-o como um tipo e lhe dando autonomia suficiente para se
"universalizar" e "naturalizar" (MÉLLO, 2002, p. 33, grifos do autor).

De acordo com o pesquisador, essa compreensão sobre abuso requer o entendimento


de outras construções, desde a sua produção, passando pela noção de infância (que passa a ter
mais atenção e proteção) e pela noção de direitos (criança como sujeito de direito, portanto
cidadã, mas também vista como inocente, cândida – inocente, nesse contexto jurídico, faz
lembrar “aquele que não cometeu crime” – logo, qualquer assunto sobre sexo deve ficar longe
dela) até a noção de crueldade ou violência física.
Luiz Mott (1989), antropólogo, aborda, em seu artigo sobre pedofilia e pederastia no
Brasil antigo, relatos encontrados em documentos da época da Inquisição sobre relações
sexuais intergeracionais ocorridas no Brasil e em Portugal entre os séculos XVI e XVIII.
Nesse texto, Mott discorre sobre as atividades sexuais ao longo da história desses países e de
outras civilizações mais antigas, trazendo relatos de relações sexuais entre professor e aluno,
entre religiosos e crianças. Denúncias foram feitas pelos pais das crianças que foram
abusadas. Todavia,

[...] em nossa tradição luso-brasileira, parece que as relações sexuais entre


adultos e adolescentes, além de frequentes, não eram condutas das mais
condenadas pela Teologia Moral, pois mesmo quando realizada com
violência, a pedofilia em si nunca chegou a ser considerada um crime
específico por parte da Inquisição (MOTT, 1989, p. 33).

Para o pesquisador, a violência sexual contra crianças, mesmo que denunciada pelos
pais e com identificação dos abusadores, não era considerada crime pelos inquisidores, o que
levava ao arquivamento das denúncias. Nessa época, o tribunal do Santo Ofício considerava
“pecado abominável” os atos de sodomia, mas somente aqueles com penetração e ejaculação.
Assim, “o fato de serem pré-púberes os parceiros, ou da sodomia ter-se realizado com
violência, não era matéria agravante para o castigo” (MOTT, 1989, p. 34). Essa falta de
atenção e menosprezo para com o abuso e a violência sexual contra crianças e adolescentes,
ocorridos entre os séculos XVI e XVIII, é alterada quando, no final do século XIX, a
civilização judaico-cristã dessexualiza a criança e o adolescente.
Essa mudança de pensamento ainda prevalece na sociedade contemporânea que, em
nome da proteção à infância, de conservar a família tradicional (o patriarcado), de reforçar o
93

ato sexual com o objetivo único de reprodução, regulamenta e controla os corpos e suas ações.
Não há problematização das causas dos abusos sexuais cometidos contra crianças e
adolescentes, mas a Igreja, o Estado e outros atores sociais criam discursos para “cuidar” e
“proteger” os atos considerados “anormais” e “desviantes” (MÉLLO, 2002).
Outro aspecto importante dessa transição sobre o entendimento da relação sexual entre
adultos e crianças/adolescentes, que atravessa o conceito de “gostar de crianças” a “desvio
moral e sexual”, é, de acordo com Mott (1989), o reconhecimento das crianças e dos
adolescentes como sujeitos de direitos, pois adultos passam a tratá-los com mais “zelo,
cuidado e proteção”. Mas isso se dá em virtude da intervenção do Estado, que recebeu, da
Igreja Católica a responsabilidade de isolar a infância das atividades sexuais e de controlar os
desvios sexuais. Por meio de medidas preventivas, educativas e judiciais, o Estado passa a
velar pelo brio e pela pureza das crianças e dos adolescentes.
Além da interferência do Estado, esse momento de transição da indiferença quanto ao
que ocorria com as crianças à vigilância dos corpos passa a contar também com intervenções
médicas e disciplinares para impedir a deturpação da nação. A partir desse período da era
colonial, educação e saúde são áreas que passam a sustentar os discursos do Estado para
proteger a família, as crianças, os adolescentes, enfim, a sociedade, dos males de uma
sexualidade não controlada (MOTT, 1989).
Foucault (2000) nos ajuda a entender esse movimento de privatização das famílias, da
intervenção do Estado, do controle da sexualidade, da institucionalização da escola, e da
disciplinarização dos corpos.

A vigilância da criança tornou-se uma vigilância em forma de decisão sobre


o normal e anormal; começou a vigiar seu comportamento, seu caráter, sua
sexualidade; e é então que vemos emergir justamente toda essa
psicologização da criança no interior da própria família (FOUCAULT, 2010,
p. 154).

Isso nos mostra o papel da família no comando e vigilância das atitudes das crianças.
Para este autor, o controle familiar e as intervenções de especialistas (médicos, pedagogos,
psicoterapeutas, dentre outros da área da saúde e educação), instaurou o dispositivo da
sexualidade e da pedagogização do sexo das crianças. Então, o que era tido como segredo, até
o final do século XIX – os abusos sexuais contra crianças e adolescentes – passa, no início do
século XX, a mostrar os culpados. Os casos de abuso sexual tornam-se casos de polícia,
escândalos, e tornaram-se um problema social, um dos principais de saúde pública.
94

Mesmo com leis que protegem as crianças e adolescentes da violência sexual, não há
definição clara, objetiva e única no modo como circula na sociedade o conceito de abuso
sexual contra crianças e adolescentes. A falta de clareza quanto à definição de “abuso sexual”
traz uma série de entendimentos e distorções sobre como enfrentar essa questão, de forma que
se consiga problematizar e avaliar o contexto sócio-político e cultural que envolve as relações
entre adultos e crianças/adolescentes.
Nesse sentido, entendemos que o fenômeno da violência sexual é complexo e tem
inúmeras interfaces. A pedofilia tem sido associada ao abuso sexual contra criança e
adolescente. Mas, ao pensarmos no sentido da pedofilia como uma construção social, não
conseguiríamos associar a origem dessa palavra ao crime, já que, no grego, o termo significa
“amor fraterno por crianças”. O processo sócio-histórico desse termo silenciou os valores,
direitos e vontades das crianças e dos adolescentes. Nesse sentido, a pedofilia é crime, na
medida em que o conceito de infância passa a ter outro significado associado à fase inocente e
angelical.

Poderíamos ser levados a pensar que tratar a pedofilia como uma construção
social é pensar as relações sexuais entre adultos e crianças como um
fenômeno típico de nosso tempo. Isto não procede. Estudos (como o da
História da sexualidade desenvolvido por Foucault) dão provas de que as
relações sexuais entre adultos e infantes é uma prática arraigada nas
sociedades também do ponto de vista histórico (RIBEIRO, 2010, p. 106,
grifos da autora).

Nesse panorama, Ribeiro (2010) nos ajuda a refletir sobre esse fenômeno
contemporâneo e o modo de discursivizar da mídia. Por não ser um fato novo, entendemos
que é preciso problematizar os discursos midiáticos sobre a pedofilia, uma prática que já
existe há muito tempo, porém não era entendida como abuso, pois os contextos históricos
eram outros. Havia significados diferentes para infância. Para Ribeiro (2010), a visibilização
da violência sexual contra a criança é divulgada como um “choque”, com uso de elementos
rebuscados e espetacularização do fato.

5.3 As violências sexuais contra crianças e adolescentes

A compreensão do que seja violência necessita de uma perspectiva de análise que


considere as questões culturais, sociais e econômicas. É um termo permeado por fatores
multidimensionais, complexos, que envolvem várias realidades, de diferentes grupos sociais.
Assim como o conceito de infância foi criado social e historicamente, o de violência também
95

o foi. Diante disso, caracterizar a violência contra a criança e, mais especificamente a


violência sexual infantil, passa, também, por construções sócio-históricas.
Como já falamos, é a partir do processo de “infantilização”, ocorrido no século XVIII,
que temáticas sobre crianças e adolescentes começam a ser debatidas na sociedade. A
violência sexual não é um fenômeno novo, mas só passa a ser considerada uma violação dos
direitos humanos no século XX (RODRIGUES, 2014).
A seguir, abordaremos as noções que foram sendo construídas de violência sexual
contra crianças e adolescentes.

5.3.1 “Abuso sexual” contra crianças e adolescentes

Utilizando o conceito de acontecimento de Deleuze (1998), Ricardo Méllo (2002)


afirma que “abuso sexual” foi algo socialmente produzido, que envolve vários processos de
construção de sentidos e de saberes.

“Abuso” sexual é um tipo que está visível e operando no mundo, permitindo


a emergência de atividades profissionais específicas, saberes, organizações,
leis e produzindo uma ingerência no âmbito privado da estrutura familiar, na
vida de crianças e, especialmente, na vida de adultos, que passam a
reestruturar seu passado e seu presente em função da emergência desse tipo
(MÉLLO, 2002, p.26, grifo do autor).

Para o autor, os sentidos do “abuso sexual” são construídos por uma rede constituída
por diversos atores e instâncias sociais, entre os quais ele cita: profissionais que lidam com as
crianças (professores, médicos pediatras, psicólogos), mídia, órgãos policiais, instituições
jurídicas, pesquisadores, dentre outros. Desses, a mídia é uma das responsáveis em produzir
notícias, divulgar e atrair muita atenção sobre os casos de abusos sexuais contra crianças e
adolescentes e pedofilia. Méllo (2002) sugere, ainda, que a mídia “lucra” com a veiculação
dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Ao produzir saberes, essas
especialidades também promovem pânico sobre o abuso sexual de crianças/adolescentes.
Méllo (2002) aponta três instituições fundamentais relacionadas à conceituação de
“abuso sexual infantil”: a construção do eu (self), a noção de infância e a noção de direitos.
São elas que interferem na mudança do entendimento sobre a prática de relação sexual entre
um adulto e uma criança. São essas instituições que levaram, mesmo que tardiamente, a
consideração da prática sexual entre um adulto e uma criança como ato de crueldade e abuso.
96

Quando o abuso sexual de crianças e adolescentes passa a ser considerado um


problema social, expõe a família por meio de intervenção pública, exige mudanças de
comportamento e de ações em relação às crianças. Ainda segundo Méllo (2002), a academia e
a mídia contribuíram para essa construção do “abuso sexual”, bem como a criação, na década
de 1990, de lei específica, associações de direito, proteção e apoio às crianças. Nesse mesmo
período, o abuso sexual contra criança e adolescente passa a ser considerado um problema
social, mais especificamente, um problema de saúde pública, que atinge muitas crianças e
adolescentes.
Nesse cenário, o “abuso sexual” de criança é conceituado como a ação de pedir ou
obrigar a criança à prática de atividades sexuais, exposição de órgãos genitais, produção de
pornografia infantil. O abusador tem intenção de atender somente seus desejos. Nesse viés, a
OMS define “abuso sexual” infantil como:

[...] todo envolvimento de uma criança em uma atividade sexual na qual não
compreende completamente, já que não está preparada em termos de seu
desenvolvimento. Não entendendo a situação, a criança, por conseguinte,
torna-se incapaz de informar seu consentimento. São também aqueles atos
que violam leis ou tabus sociais em uma determinada sociedade. O abuso
sexual infantil é evidenciado pela atividade entre uma criança com um adulto
ou entre uma criança com outra criança ou adolescente que pela idade ou
nível de desenvolvimento está em uma relação de responsabilidade,
confiança ou poder com a criança abusada. É qualquer ato que pretende
gratificar ou satisfazer as necessidades sexuais de outra pessoa, incluindo
indução ou coerção de uma criança para engajar-se em qualquer atividade
sexual ilegal. Pode incluir também práticas com caráter de exploração, como
uso de crianças em prostituição, o uso de crianças em atividades e materiais
pornográficos, assim como quaisquer outras práticas sexuais
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1999).

Embora seja uma definição bastante ampla, gera dúvidas ao não determinar se o ato de
tocar uma criança, por exemplo, é considerado “abuso sexual”.
Quanto aos envolvidos, o abusador usa de controle sobre a vítima, de autoridade para
convencer a criança ou o adolescente a atender suas “necessidades” e desejos. Usa de força
física e faz ameaças. Nessa situação, a criança/adolescente não consegue perceber o ato como
abuso.
É relevante ressaltar, ainda, que o abuso sexual de crianças e adolescentes é diferente
de incesto e de pedofilia. Nem toda atividade sexual infantil ocorre entre parentes e nem todo
abusador é pedófilo. O ECA não trata especificamente de “abuso sexual”. O “abuso sexual”
pode ocorrer de forma verbal, ou seja, sem contato físico; ou pode haver contato físico (com
carícias e a efetivação do ato sexual). Pode acontecer na família ou em outros ambientes.
97

Além disso, é importante salientar que o “abuso sexual” infantil envolve poder, coação e/ou
sedução de um adulto sobre uma criança.

5.3.2 Exploração sexual contra crianças e adolescentes

O conceito de exploração sexual é permeado pelas dimensões sociais, históricas e


culturais. É também associado a outras formas de infração, como, por exemplo, tráfico de
drogas e tráfico de pessoas. No caso de exploração sexual de crianças e adolescentes, o
produto é o prazer de fazer sexo com crianças e adolescentes. A estrutura desse comércio
sexual cometido contra crianças e adolescentes é ordenada e estabelecida por uma rede
criminosa, em que os exploradores são adultos; as realidades sócio-históricas desse crime são
atravessadas por desigualdade social e econômica e envolvem relações de poder e dominação.
A exploração sexual ocorre por redes de prostituição, ou pornografia, ou tráfico e
turismo sexual. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera a exploração
sexual um dos piores trabalhos que utilizam crianças e adolescentes. É uma atividade
associada à violência sexual e/ou abuso sexual, e o explorado fica subordinado ao explorador.
Nessa rede de explorações, formada por prostituição infantil, turismo sexual,
pornografia e tráfico para fins sexuais, o corpo da criança, de acordo com Amorim (2005),
passa a ser produto que é comercializado ou trocado.
A diferença entre a exploração sexual e abuso sexual de crianças e adolescentes é a
relação de mercado presente na exploração. Abuso sexual não é exploração sexual, mas toda
exploração sexual é abusiva. No ECA, a exploração sexual está prevista como crime, em seu
artigo 244 A.

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput


do art. 2º desta lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena – reclusão de
quatro a dez anos, e multa. § 1º Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o
gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de
criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo. § 2º
Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de
localização e de funcionamento do estabelecimento (BRASIL, 1990).

Diante disso, ações governamentais mobilizaram outros agentes sociais para traçar
medidas de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Uma delas foi a
realização no ano de 1996 em Estocolmo pela Unesco do Congresso Mundial contra a
Exploração Sexual Comercial de Crianças, outra foi a criação, em 1997, pela ANDI (Agência
de Notícias dos Direitos da Infância) do projeto Jornalista Amigo da Criança, outra ação foi a
98

criação, em 1999, pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à


Adolescência (Abrapia), de linha para denúncias anônimas de pedofilia, exploração sexual e
pornografia. Essas e outras ações foram criadas no período de produção e publicação das
notícias analisadas nesta pesquisa.

5.3.3 Pedofilia

A origem da palavra pedofilia vem do grego e significa “qualidade ou sentimento de


quem é pedófilo”, como adjetivo que caracteriza aquele que gosta de crianças. Ela sempre
esteve no rol das perversões, em quaisquer época e cultura (MÉLLO, 2002). Casos sempre
existiram, uns noticiados, outros não. Sendo assim, não é uma questão social do nosso
presente, isto é, não emerge no contexto da sociedade contemporânea.
Segundo Méllo (2002), a perspectiva histórica indica que a pedofilia é um conceito
sócio-histórico que representa práticas sociais e está ligado à construção social da infância.
Como já mencionado anteriormente, assim como a ideia de infância foi construída histórica e
socialmente, a noção de abuso sexual contra crianças e adolescentes também o foi, e, desse
modo, a compreensão da pedofilia é atravessada por esses dois construtos sociais. A pedofilia
está inserida no rol de questões sobre o abuso e violência sexual de crianças e adolescentes, e
estes, por sua vez, contemplam, ainda, a prostituição infantil, o turismo sexual infantil, o
tráfico internacional de crianças para fins sexuais, o estupro de vulnerável, a pornografia
infantil, o incesto e outras formas de violência contra a criança.
Portanto, pedofilia é uma questão entre as muitas que envolvem os crimes sexuais
contra crianças na contemporaneidade. O debate sobre essa questão é atravessado por vários
discursos, de diferentes áreas: médica, psicológica, jurídica, educacional, estatal, midiática,
acadêmica, etc.
Esta diferenciação é muito importante, pois Lowenkron (2010) discute como a
abordagem do problema da “violência sexual contra crianças” a partir da noção de pedofilia e
com o enfoque na “pornografia infantil na internet” produz um embaralhamento e um
deslizamento da atenção política e criminal das práticas para as fantasias sexuais.
O termo “abuso sexual”, de acordo com Méllo (2002, p. 97), ganhou visibilidade
social na década de 1960. No tocante à mídia brasileira, segundo Tatiana Landini (2006), o
tema da pedofilia aparece a partir da segunda metade da década de 1990 como um problema
diretamente relacionado à “pornografia infantil”. Nem todo abuso sexual de crianças e
adolescentes é pedofilia, porém, na maioria dos casos divulgados, a mídia refere-se à
99

pedofilia. Homens podem cometer “abuso sexual” contra criança e não serem pedófilos.
Pedofilia é uma patologia, mas a mídia vem conceituando vários termos da mesma maneira:
“abuso sexual”, crime sexual, pedofilia (LANDINI, 2006).
Na literatura científica no século XIX, o termo pedofilia foi utilizado pela primeira vez
pelo médico alemão Richard Von Krafft. A primeira vez que uma decisão judicial no Tribunal
de Justiça de São Paulo utilizou o termo pedofilia para condenar um agressor foi em 1998
(RODRIGUES, 2014). Na mídia, esse termo foi amplamente divulgado nos casos de
envolvimento de padres da Igreja Católica e também de celebridades, como foi o caso em que
Michael Jackson se envolveu com menores e afirmava gostar das crianças.
No Brasil, a promulgação da Lei N° 11.829, de 25 de novembro de 2008, criminalizou
a pedofilia na internet. Essa medida alterou o ECA, com o objetivo de combater a produção, a
venda e a distribuição de pornografia infantil e criminalizar condutas associadas à pedofilia na
internet.
No que tange à conceituação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve a
pedofilia como transtorno de preferência sexual por crianças. Já a Associação Americana de
Psiquiatria (APA) considera a pedofilia um transtorno mental. Para Rodrigues (2014, p. 52),
há relativo consenso em torno da pedofilia, “não em termos de doença, mas como perversão
sexual, parafilia: distúrbio psíquico que se caracteriza pela obsessão por práticas sexuais fora
dos padrões aceitos pela sociedade”.
A publicização da temática pedofilia pela imprensa desencadeou, dentre muitas
consequências, uma pressão social, pois a pedofilia é um típico caso em que, devido ao
clamor social, o ódio toma o lugar da razão, as emoções afloram e surgem, então, batalhões de
vingadores que, em nome dos indefesos, atacam os suspeitos, que são suspeitos apenas para a
justiça, pois a sociedade cega já os condenou, com apoio da mídia.
A questão da visibilidade e publicização do abuso sexual contra crianças e
adolescentes está relacionada ao modo como a mídia aborda a infância, bem como o
valorização de questões relacionadas aos direitos da criança e do adolescente na mídia,
aspectos que serão abordados no próximo tópico.
100

CAPÍTULO 6 – MÍDIA E INFÂNCIA

Esta sessão aborda a visibilidade das crianças na mídia. As literaturas internacional e


nacional apontam que crianças e jovens ascendem à visibilidade midiática, preferencialmente,
associados à violência, ao desvio, à sexualidade (PONTE, 2005; ROSEMBERG; ANDRADE,
2012). Sugerimos que a posição de relevo conferida a temas associados à violência, à
“situação de risco” e à sexualidade no tratamento midiático dado à infância e à adolescência
não atende, unicamente, ao critério de alertar e contribuir para a defesa de direitos de crianças
e adolescentes, posto que a literatura tem indicado um uso sensacionalista de crianças e
jovens. Esse cenário é passível de maior espetacularização quando se trata de questões
relacionadas à sexualidade, pois isso afronta a representação ocidental contemporânea de
infância, que aloca a inocência como essência desse tempo de vida.

6.1 Infância e mídia

A infância começa a aparecer na mídia norte-americana, segundo Ponte (2005), no


final da década de 1980, justamente quando ocorreu a aprovação da Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança pelos países (com exceção, a princípio, dos Estados Unidos e da
Somália)21 . Além desse, outros contextos, conforme a autora, também influenciaram o
interesse da mídia norte-americana pela infância.
Um deles foi a luta do movimento feminista pela garantia dos direitos das mulheres, e,
consequentemente, a queda da imagem da mulher como ser indefeso. Nesse momento, são as
crianças que passam a ser colocadas no lugar de indefesas, ícones da inocência e da pureza.
Outra razão foi o surgimento de uma imprensa mais cívica e que pretendia cuidar das
“crianças em risco”. Houve também a ampliação dos imperativos financeiros dos jornais, que
passaram, então, a atrair mais leitoras. A maior produção de textos sobre questões
“humanitárias” também contribuiu para o aumento de notícias sobre infância.
A literatura nacional e internacional existente sobre o tratamento dado pela mídia à
infância aponta que, no geral, a mídia não dá destaque à infância e adolescência, ou seja, são
sub-representados (FEILITZEN, 2002). Entretanto, crianças e adolescentes são trazidos à
pauta noticiosa, preferencialmente, em situações específicas de violência nas quais aparecem
na condição de vítima ou de algoz, ou em questões ligadas à sexualidade (PONTE, 2005;

21
Em 2014, a Somália aderiu e ratificou a Convenção. Estados Unidos continuam sendo o único país que
permanece fora da Convenção.
101

ROSEMBERG; ANDRADE, 2007). Hilgartner e Bosk (1988) assinalam que o drama, a


violência, a excepcionalidade constituem as vias de ascensão das crianças e adolescentes à
visibilidade pública. Arfuch (1997) traz o lúcido alerta sobre a construção da agenda de
problemas sociais:

[...] quando se fala em “conduzir para a agenda pública” certos temas, de que
a imprensa (ou televisão) faça eco de certas problemáticas (inquietação que
sempre aparecem quando se pensam em políticas), a primeira pergunta a
considerar é, justamente, o como. De quais perspectivas, por meio de quais
estratégias de comunicação, para articular que tipo de narrativas?
(ARFUCH, 1997, p. 51-52, grifo da autora).

Essa sub-representação da infância e a produção da agenda pública foram constatadas


também por Kunkel e Smith (2002), que analisaram, durante um mês, as notícias de cinco
grandes jornais de importantes cidades dos Estados Unidos e as notícias das três maiores
redes comerciais de TV sobre as crianças e as questões políticas que lhes são pertinentes. Eles
consideraram que, pela abrangência desses veículos, o resultado desse estudo tem uma
amostra significativa da cobertura noticiosa nos EUA. A cobertura analisada revelou a
predominância de notícias sobre crianças associadas a crimes e violência, sendo 48% na TV e
40% nos jornais.
Outro gancho jornalístico dessas notícias foi de crimes sobre molestamento e
pornografia infantil, dos quais 10% foram apresentados na TV e 5%, nos jornais. Notícias
sobre educação formam o segundo assunto mais falado nessa cobertura, correspondendo a
25% nos jornais e 15% na TV. As notícias sobre crianças, associadas à saúde e economia,
apareceram na penúltima e última posições. Outra característica importante encontrada pelos
autores nesse estudo foi sobre o uso de fontes especializadas nos jornais (87%) e na TV
(76%). Para falar “em nome da criança”, essas fontes usam de dados estatísticos e contextos
históricos. Já a família e a criança aparecem em apenas uma das quatro histórias narradas pela
mídia norte-americana no âmbito do referido estudo. Os autores concluem que:

[...] a mídia noticiosa forneceu menos cobertura geral para todas as questões
de políticas públicas em conjunto do que para as notícias sobre crime e
violência; tanto os jornais como a TV dedicaram apenas 35% de suas
notícias a qualquer conteúdo ligado a políticas públicas. Uma proporção
ainda menor de notícias refletia um foco básico em políticas públicas
(KUNKEL; SMITH, 2002, p. 96).

No ponto de vista de Feilitzen (2002), são apenas nos comerciais que as crianças são
representadas com maior frequência na mídia. Isso se deve, segundo a autora, ao seu alto
102

valor de consumo econômico na sociedade. Elas são consumidoras no presente e no futuro.


Afora isso, as imagens recorrentes das crianças são feitas a partir da associação destas com a
violência e o crime, na situação de vítimas ou algozes. Para Feilitzen (2002), essas temáticas
são importantes e devem ser debatidas, porém, a forma como a mídia produz e veicula os
fatos traz à tona outras intenções e ignora a causa dessa violência. Assim, argumenta a autora,
“a ênfase excessiva de crianças em contextos violentos e de crimes nos noticiários e a ênfase
excessiva de crianças boas e inocentes nos anúncios indicam que as construções infantis
tendem a ser ainda mais distorcidas na mídia puramente comercial” (FEILITZEN, 2002, p.
26).
Nesse sentido, Ponte (2005) salienta que a infância, ao converter-se em estimado
objeto comercial envolto de emoções, ajuda a atrair mais leitores de jornais e revistas e mais
telespectadores para TV. Elas, as crianças, são consumidoras de objetos e não de notícias
positivas que lhes dizem respeito, o que as torna, de acordo com a autora, “uma mercadoria”.
Ponte (2005) traz um vasto levantamento de pesquisas norte-americanas, inglesas e
portuguesas sobre a cobertura jornalística das crianças na imprensa nos anos de 1970 a 2000.
Um dos estudos apresentados pela autora foi o trabalho de José Rodriguez sobre como a
criança foi representada em 1.656 peças jornalísticas ao longo dos anos de 1948 a 1988, no
jornal “El País”, da Espanha. Quatro categorias foram encontradas nesse levantamento: a
criança como vítima apareceu em 77% das peças; a criança protagonista, em 19%; a criança
como campo de estudo ocorreu em 8% e a criança consumidora, em apenas 4% das peças.
Ponte (2005) sinaliza que esses dados revelam a subvalorização e a degradação da realidade
das crianças espanholas.
A autora mostra, ainda, como as imagens das crianças são reportadas a partir de seus
territórios na pesquisa realizada por Patricia Holland em jornais do Reino Unido. Ela elencou
cinco representações: a primeira infância, a criança da família, a criança aluno, a criança em
perigo e a criança libertada. Ponte (2005) entende que essa constatação de Holland evidencia
a inexistência de outras infâncias, como a criança trabalhadora, a criança com outras relações
sociais (para além da família e da escola) e crianças em diferentes ambientes públicos. As
imagens fotográficas destacadas por Holland, conforme Ponte (2005), tentam evocar como a
criança deve ser - pura, inocente e de família; no que ela deve se transformar - criança
olímpica; e os perigos dos quais ela deve ser protegida. As crianças que não figuram nesse rol
de “felicidade”, estão fadadas ao sofrimento e ao abandono.
É com gancho dessas imagens de crianças vítimas e desprotegidas que é fomentada, de
acordo com Ponte (2005), a articulação dos agentes sociais e a combinação de mobilização
103

dos que falam “em nome da criança”. Assim, cria-se, conforme outra pesquisa relatada por
Ponte, a ideia da “criança em risco”, pois a inocência e a desproteção relacionadas à infância
promovem discursos unânimes e emotivos em defesa da criança.

Falar sobre criança não é apenas falar sobre crianças em sentido literal. Elas
são uma sinédoque sobre o futuro do país, o bem-estar político e social de
uma cultura. As histórias sobre crianças são sentimentais. Recorrem aos
mesmos ganchos emocionais que os filmes melodramáticos. Levam os
adultos a agir. [...] A imagem de uma criança em perigo é uma “isca”
perfeita. É tão forte que impede o pensamento racional. As crianças
acentuam a dramaticidade de uma causa ao ser contrastada a sua inocência
com a malevolência (ou talvez apenas a banal hostilidade) de adultos com
poder. Por fim, o foco nas crianças serve a uma função logística. Uma vez
que há criança em todo mundo, estão sempre disponíveis, e depressa para
servirem de “cabide noticioso” (PONTE, 2005, p. 88 – grifo da autora).

Estudos nacionais também têm problematizado o tratamento atribuído pelas mídias à


infância e adolescência. Pesquisas do NEGRI sobre o jornal Folha de S. Paulo indicam que a
abordagem desse veículo sobre os temas “prostituição infanto-juvenil” (ANDRADE, L.,
2001); “trabalho infanto-juvenil” (FREITAS, R., 2004); “gravidez adolescente”
(NAZARETH, 2004); “meninos de rua” (ANDRADE, M., 2005); “aborto voluntário e
infância” (BIZZO, 2008); “direitos da criança e do adolescente” (MARIANO, 2010), foi
marcada pelo uso de uma retórica pelo viés tanto da espetacularização como também da
estigmatização de crianças e adolescentes pobres e suas famílias, o que será abordado no
tópico a seguir.
Estudos internacionais revelam também a associação dos temas relacionados à
infância ao estilo de “cruzada”, ou seja, um tipo de jornalismo de causas que apela para a
intervenção pública pautada por critérios de moralização social, com produção de peças para
criar pressões para soluções de políticas rápidas e nem sempre eficazes (PONTE, 2005).
Foi o “estilo de cruzada” que fomentou notícias de crimes envolvendo crianças. Ponte
(2002) explica que esse estilo tem um agendamento prolongado, uma escrita unidimensional,
o uso de sensacionalismo em fotos e manchetes e a espetacularização do fato. Além disso, ela
salienta que as crianças e os adolescentes passaram da ausência no noticiário para uma
visibilidade decorrente de dois fatores: a) a partir dos anos 1980, com um jornalismo mais
próximo dos leitores, logo, com pautas mais de “interesse humano”; b) a maior visibilidade
pública da realidade da infância, suscitada pela emergência e difusão dos Direitos da Criança
e do Adolescente (Ano Internacional da Criança de 1979, a Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança de 1989).
104

Esse tipo de jornalismo, com estilo de “cruzada”, também foi identificado na literatura
nacional por Leandro Andrade (2001), nas peças jornalísticas publicadas entre os anos de
1985 e 1995 no jornal Folha de S. Paulo sobre “prostituição infanto-juvenil”.
A revisão da literatura internacional, feita por Ponte (2005), mostra o crescente
interesse da mídia por temas relacionados à infância e aponta para quatro características da
construção da infância no Ocidente: a criança como outro; a criança dotada de uma natureza
especial; a criança inocente; a criança dependente. Essas imagens evocam-na como símbolo
de dependência, vulnerabilidade e inocência, o que leva a pensar que “a infância será uma
destas metáforas estruturantes” (PONTE, 2005, p. 29).
Essa visibilidade midiática de passividade para as crianças pobres e antissociais para
os adolescentes igualmente pobres tem ainda mais caracterizações: a violência e a
criminalidade. Conforme Cecília Coimbra e Maria Nascimento (2009), essas distinções vão
articulando, produzindo e fortalecendo imagens universalizantes e naturalizantes das crianças
e dos adolescentes, que servirão para a “constituição de nossas percepções e subjetividades
sobre a pobreza” (COIMBRA; NASCIMENTO, 2009, p. 2).

6.2 A valorização do agendamento na mídia das temáticas sobre a infância

Cristina Ponte (2005), pesquisadora portuguesa, que investiga sobre a representação da


infância e das crianças na mídia em geral, assinala que a cobertura noticiosa sobre crianças
tende a apresentá-las como vítimas, a partir de um viés emocional e visões etnocêntricas e
pela valorização da intervenção de profissionais e Organizações Não Governamentais
(ONGs), como, por exemplo a atuação da ONG brasileira ANDI (Agência de Notícias dos
Direitos da Infância). Tal cobertura busca promover a inserção dos direitos das crianças e dos
adolescentes e influenciar as pautas e as produções da mídia.
A ANDI possui ampla atuação sobre as temáticas da infância, realizando campanhas
de forma interna na imprensa, para a inserção e manutenção de temáticas sobre infância e a
adolescência. Suas ações estão, desde a sua fundação, interligadas com ações estratégicas de
outras instituições, como a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente
(Fundação Abrinq)22 e do Instituto Ayrton Senna (IAS). Elas são parceiras, possuem alianças
e mantêm forte contato com os meios de comunicação, especialmente, a grande imprensa
brasileira.

22
Criada em 1990 pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos Abrinq.
105

Por muitos anos, o jornal Folha de S. Paulo também foi parceiro dessas instituições,
publicando, entre os anos de 1992 a 2004, a Coluna Criança, que se destinava a publicação
semanal de matérias com a temática da infância e adolescência e tendo como agentes
noticiosos as três organizações, influenciados também por organismos internacionais como o
UNICEF, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura) e a OIT. Em nome da criança e do adolescente, a FSP produziu notícias, divulgou
projetos, vendeu espaços publicitários e arrecadou recursos financeiros para as ONGs
(PEREIRA, 2005).
A ANDI nasceu em 1990 e foi oficialmente fundada em 1992, em Brasília, pelos
jornalistas Âmbar de Barros e Gilberto Dimenstein com a missão de contribuir para a
construção, nos meios de comunicação, de uma cultura que priorize a promoção e defesa dos
direitos da criança e do adolescente. Trata-se de uma associação civil e de direito privado
sem fins lucrativos, que foi fundada dois anos após o nascimento da Fundação Abrinq e dois
antes da fundação do IAS. Os criadores da ANDI trabalharam por muitos anos no jornal FSP
como repórteres e colunistas. Âmbar foi conselheira da Fundação Abrinq e Dimenstein, do
IAS. Atualmente, ele é membro do Conselho Editorial da Folha. Nenhum dos dois faz parte
da atual diretoria da ANDI (PEREIRA, 2005).
A ANDI possui uma estrutura como a de uma redação de jornal, com profissionais de
imprensa e equipamentos (computador, gravador, celular, internet, etc.) específicos para
coberturas jornalísticas, tem núcleos de trabalho, setores que planejam e executam serviços
como o de clipagem diária de notícias, mobilização, monitoramento e formação de
jornalistas. A ANDI não produz notícias, mas sim trabalha na agenda setting e no
agendamento público23 sobre as temáticas de criança e adolescente. Desde 2011, atua
também nas questões de inclusão e sustentabilidade.
A relação da ANDI com a imprensa é, segundo Fabiana Pereira (2005), um guia dos
profissionais de comunicação, fontes para as pautas, assessoria de imprensa da causa da
infância e adolescência. A instituição tem um banco de dados com mailing de jornalistas,
entidades governamentais e não governamentais, conselhos tutelares e de direitos, de
universidades e instituições internacionais, ou seja, ela se relaciona com as mídias, mas
também com diferentes grupos e pessoas.

23
Agenda Setting é um conjunto de temas sobre os quais se discorre. O agendamento da mídia é a reunião de
temas abordados pelos meios de comunicação. É um agendamento determinado. A agenda pública é a discussão
feita por agentes sociais fora dos meios de comunicação, porém, determinada por eles.
106

O agendamento, na mídia, de temas relacionados aos direitos das crianças e dos


adolescentes é, segundo Ponte (2005), um dos dispositivos que vem sendo usados em prol da
infância, encetado por determinadas ONGs e pelo ativismo social. As pesquisas já produzidas
por pesquisadores do Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade (NEGRI) sobre o
tratamento da Folha a temáticas dos direitos da criança e do adolescente indicam que têm sido
privilegiados temas associados à “situação de risco” e violência e que tal abordagem tem
redundado em uma retórica sensacionalista (ANDRADE, L., 2001; FREITAS, 2004;
NAZARETH, 2004; ANDRADE, M., 2005; BIZZO; 2008; MARIANO, 2010).
Na pesquisa sobre “ONGs e Imprensa em parceria na construção do noticiário”,
Pereira (2005) problematiza o processo da produção da notícia na grande imprensa brasileira
e o uso da imagem da criança como alvo de ações de marketing das empresas. Na descrição
da parceria entre a FSP e as ONGs brasileiras, Fundação Abrinq, o IAS e a ANDI, a autora
mostra o crescimento das ONGS no Brasil na década de 1990 e o aumento da produção de
notícias “em nome da criança e do adolescente”.
As três organizações não governamentais operam fundadas na noção de agendamento
do debate público via imprensa e compreendem-na como o principal veículo divulgador e
disseminador de projetos e soluções no campo social por elas defendido. A partir da
publicação de “soluções”, de “boas notícias”, essas ONGs ou as suas organizações parceiras
ou apoiadoras alcançam, assim, outro degrau, ao tomarem emprestada dos importantes
jornais a visibilidade (ter o nome publicado nas páginas de veículo com prestígio), que é
seguida pela credibilidade, o que garante sua sobrevivência face à concorrência pelos
financiamentos e pela evidência no disputado mercado empresarial (PEREIRA, 2005, p.
222).
A autora, ao analisar tais parcerias, denuncia o pouco investimento por parte das
empresas de comunicação nos profissionais que cobrem as questões da infância e maior uso
de materiais repassados pela assessoria de imprensa das fundações e dos institutos. Além
disso, também aponta para o uso instrumental da infância, a valoração do jornalismo de
cruzada, a conquista de maior visibilidade e credibilidade pelas ONGs ao aparecerem nos
jornais.

Se, de um lado, ANDI, IAS e Fundação Abrinq podem ter contribuído para o
crescimento da veiculação de notícias voltadas ao tema da infância e da
adolescência na última década, também têm predominância na ocupação dos
espaços, inevitavelmente formando consensos sobre a forma de cobertura e
de compreensão preponderantes da infância e da adolescência que até o
momento parecem seguir incontestes. Ou seja, se possibilitaram aos
107

jornalistas formação e orientação, inevitavelmente também acabam por


impossibilitá-los de descobrir outras formas de cobertura e de compreensão
sobre o tema – premiações seguem motivando-os; pautas exclusivas,
também (PEREIRA, 2005, p. 223).

Isso configura o que Thompson (2011) denomina de “valorização cruzada”: o jornal


“abraça” a causa da infância ao ceder espaço a uma fonte “especializada” na área –
ostentando, assim, o papel que assume de representante (e mobilizador) da opinião pública;
as ONGs, ao terem espaço na grande mídia, como no jornal Folha de S. Paulo, um jornal de
prestígio, também angariam grande visibilidade e credibilidade.
Além de fomentar a atuação de atores sociais que podem influenciar na mídia, de
incitar a divulgação de temas sobre os direitos da criança e do adolescente na mídia,
assessorar os atores sociais na produção e divulgação de eventos ligados às questões da
infância, a ANDI promove concurso entre os profissionais da imprensa e concede prêmios
para estimular o agendamento do tema dos direitos da criança na mídia. Tais ações
mobilizam não só jornalistas, como também fotógrafos, câmeras, pauteiros, enfim, toda a
equipe do jornalismo dos diferentes meios de comunicação. Eles recebem estímulo da ANDI,
bem como apoio financeiro e técnico, para produzir matérias sobre os direitos da criança e do
adolescente.
Assim como outros agentes sociais, as organizações da sociedade civil, as fundações e
as agências multilaterais orquestram o que Pereira (2005, p. 56) intitula de “a criança como o
centro do espetáculo da compaixão” com imagens, textos, discursos, premiações e ações,
mesmo incoerentes, pela salvaguarda da infância. Nessa linha de pensamento, Rosemberg
(2009) aponta outras atrações promovidas por inúmeras entidades em defesa das crianças e
dos adolescentes: o projeto “Criança Esperança”, da Rede Globo, realizado em parceria com
UNICEF e UNESCO, as novelas com temáticas sobre adoção de crianças, o envolvimento de
pessoas famosas com fundações e ONGs, criação de campanhas que premiam as pessoas que
são “amigos da criança”, dentre outras.

A mídia noticia relatórios do UNICEF sobre sobrevivência infantil na


América Latina, publica fotos de governantes carregando crianças, e nós
todos clamamos por justiça diante de uma criança morta. Mas poucos de nós
sabemos, e nos indignamos, com o fato, aparentemente banal, de que, em
2009, ainda não podemos responder à pergunta: qual o déficit de vagas em
creche para crianças íbero-americanas de até 3 anos? Pior, muitos
balançariam a cabeça comentando: “mas que pergunta descabida”
(ROSEMBERG, 2009, p. 16).
108

Acreditamos que, ainda hoje, não temos respostas para essa instigante pergunta
formulada pela pesquisadora. Observamos, igualmente, que a infância pobre dos países
pobres é usada para promoção de discursos apelativos, de compaixão e clemência. Partindo
das contribuições de Pereira (2005) e Rosemberg (2009), trazemos o termo sugerido por
Guareschi, Dias e Hartmann (2007) para se referir ao que é produzido pelos meios de
comunicação: “assistencialismo midiático”. Essa promoção da sensibilização da opinião
pública sobre as condições sociais de crianças e adolescentes pobres delimita os problemas
sociais, estigmatiza crianças pobres e (re)produz retórica específica para as questões que são
publicizadas.

Há muito tempo, no Brasil, as elites utilizam-se do assistencialismo para


manter sua posição de dominação e, principalmente, para alienar a maioria
do povo dos seus verdadeiros direitos. Por meio das práticas
assistencialistas, os detentores do poder sempre procuravam passar a ideia de
que o povo não merecia de fato aquilo que estava sendo concedido, além de
iludir a população com uma imagem bondosa e caridosa, que ocultava uma
prática que, no fundo, tinha como objetivo anestesiar os oprimidos e
perpetuar a mentalidade de exploração presente no país desde sua fundação
(GUARESCHI; DIAS; HARTMANN, 2007, p. 6).

Assim, asseguram os autores, os novos latifundiários da comunicação, detentores do


poder, continuam essa atividade, a assistencialista.

E assim como na história brasileira, em que uma minoria de latifundiários da


terra e de capitães da indústria mantiveram sua posição de hegemonia e
dominação através de práticas assistencialistas, hoje também, para garantir e
reproduzir essa dominação, os novos latifundiários midiáticos, ao redor de
dez famílias, recorrem a essa mesma estratégia, agora, contudo, sob nova
forma: o assistencialismo midiático (GUARESCHI; DIAS; HARTMANN,
2007, p. 15).

Ao usar dessa ferramenta, as mídias brasileiras mostram, também, para quem elas
(re)produzem as notícias: para as famílias pobres que precisam ser “assistidas”. Essas práticas
reforçam relações sociais assimétricas, contribuem para a manutenção de desigualdades e
injustiças em nossa sociedade. Percebemos, ainda, que a visibilidade dada à infância continua
ocorrendo com associação à violência e prevalece o sensacionalismo midiático
(GUARESCHI; DIAS; HARTMANN, 2007).
A divulgação da “problemática da infância” relacionada aos países em
desenvolvimento, realizada principalmente por práticas assistencialistas, fez aumentar o apoio
de agentes sociais, especialmente de ONGs situadas em países industrializados, em defesa da
109

sobrevivência das crianças afetadas. Essa difusão fez surgir muitos eventos internacionais
sobre as temáticas que são consideradas problemas sociais.
A atuação das ONGs ligadas às causas da infância e sua forte influência sobre os
estados, as igrejas e as mídias contribui para a realização de eventos em defesa da infância.
Mariano (2010, p. 51) informa que “o Ano Internacional da Criança (AIC), celebrado em
1979, foi, ao mesmo tempo, o ápice dessa mobilização internacional, bem como rendeu novo
ímpeto para outras iniciativas e organizações, em função das atividades preparatórias nele
envolvidas”.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de
1990, iniciativas de ONGs como a ANDI, são eventos e movimentos que pautam os debates
sobre questões da infância no Brasil. Com relação às temáticas desta pesquisa, observamos
que, assim como outras pautas da infância, a partir de 1990 aumenta o número de eventos
relacionados ao tema do “abuso sexual” contra criança e da pedofilia, bem como há o
crescimento de peças jornalísticas com foco nas temáticas da violência sexual infantil.
Para melhor entendimento dessa associação dos eventos às temáticas desta pesquisa,
elaboramos um quadro que mostra a linha do tempo dos eventos de acordo com Ponte (2000),
Andrade, L. (2001), Méllo (2002), Pereira (2005) e Rodrigues (2014). Verificamos um
aumento de eventos a partir de 1990 quando são realizados três primeiros episódios.

Quadro 1 – Linha do tempo de eventos relacionados ao abuso sexual contra criança e


adolescente, exploração sexual infantil e pedofilia
Ano Eventos
 Encontro Mundial de Cúpula pela Criança na ONU.
1990  Promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil.
 Criação da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente.
1992  Fundação da Agência dos Direitos da Infância (ANDI).
 Primeira edição da coluna “Criança” da Folha de S. Paulo, em 31 de janeiro.
 CPI da Prostituição Infanto-juvenil realizada na Câmara dos Deputados. Essa CPI deu
1993 grande visibilidade ao tema.
 Criado o Centro de Referência para Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes/CECRIA.
 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
1994  Caso Escola Base.
 Criação do Instituto Ayrton Sena (IAS).
1995  Criação do Programa Empresa Amiga da Criança, pela Fundação Abrinq.
 Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em
1996 Estocolmo, pela Unesco.
 ANDI cria a Coordenação de Monitoramento de Mídia.
 ANDI cria o projeto Jornalista Amigo da Criança.
1997
 1ª denúncia de pedofilia na internet, em 07 de julho de 1997, na Bahia e em Pernambuco.
1998  Promulgação da Lei que rege as Organizações Sociais
1999  Encontro: “Abuso sexual” de crianças, pornografia infantil e pedofilia na internet,
110

promovido pela Unesco - “Exploração sexual de crianças, pornografia e pedofilia na


Internet: um desafio internacional”.
 Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia)
criou uma linha para denúncias anônimas de pedofilia e pornografia. Essa associação
também criou catálogo de materiais contra pedófilos.
 OMS declara o “abuso sexual” como grande problema de saúde pública no mundo.
 Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abrint), junto com o Ministério Público
do estado de SP, promoveu campanha para estimular denúncia de crimes envolvendo
pornografia infantil.
 ANDI realiza dois eventos: Fórum Mídia & Educação – perspectivas para a qualidade da
informação; 1° Fórum Brasileiro de imprensa e terceiro setor e cidadania empresarial.
 Elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil
 Criação da REDE ANDI Brasil.
 Declaração e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – de oito metas, seis para infância.
2000
 Lei 9970 – Dia nacional de combate ao “abuso sexual” e à exploração sexual infanto-juvenil.
 Lançamento da 9ª edição do livro “Infância na Mídia” pela ANDI e pelo IAS, em
comemoração aos 10 anos do ECA.
2001  CPI das ONGs no Senado.
 ONU realiza Sessão Especial sobre a Criança – “Um mundo para as crianças”.
 Casos do Vaticano envolvendo padres e crianças com grande visibilidade no jornal Boston
2002 Globe (que futuramente, em 2015, inspira o filme “Spotlight – Segredos revelados”,
ganhador do prêmio Oscar, como melhor filme, em 2016).
 ANDI realiza 1ª edição do Concurso Tim Lopes.
 Criação da Rede ANDI América Latina.
2003  Implantação do Programa de ações integradas e referenciais de enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil no território brasileiro.
 CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
2004
 Última edição da coluna “Criança”, em outubro, na Folha de S. Paulo.
2005  ANDI amplia sua atuação para direitos humanos, tecnologias sociais e mudanças climáticas.
 Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal discute projeto lei que
incluía a castração química nas penas previstas para crimes de pedofilia.
2007
 Operação “Carrossel”, realizada pela Polícia Federal em parceria com a Interpol.
 Conclusão do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil.
 CPI da pedofilia no Senado Federal.
 Entra em vigor lei que altera artigos 240 e 241 do ECA sobre os crimes de produção e
divulgação de pornografia infanto-juvenil – é a lei contra a pedofilia na internet.
2008
 Comemoram-se os 18 anos do ECA.
 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
 ANDI lança: Regulação e Direitos das Crianças e dos Adolescentes.
 Aprovação do projeto de lei elaborado pela CPI de 2003 e 2004 que altera o Código Penal
2009 Brasileiro que classifica os crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
 ANDI lança Infância e Comunicação: uma agenda para o Brasil.
2010  Apresentação no Senado do relatório da CPI da pedofilia.
 Campanha “Todos contra a pedofilia incentivada por membros da CPI da pedofilia”.
2011  ANDI passa a atuar também em projetos sobre Inclusão e Sustentabilidade e Políticas de
Comunicação.
 ANDI cria o Blog “Direitos, Infância e Agenda Pública”.
2012  Lançado o filme “A Caça”, que problematiza questões como a inocência da criança e
denúncias de “abuso sexual”.
 Estreia do filme “Spotlight - Segredos revelados”, que aborda denúncias de “abuso
2015
sexual” na igreja católica.
2016  Filme “Spotlight - Segredos revelados”, ganha Oscar de melhor filme.
Fonte: Ponte (2000), Andrade, L. (2001), Méllo (2002), Pereira (2005) e Rodrigues (2014).
111

Observamos que, na medida em que cresce a realização de eventos sobre infância, as


temáticas do “abuso sexual infantil” e da pedofilia vão entrando cada vez mais na agenda da
imprensa, ou seja, há um aumento da valorização dessas temáticas simultâneo ao crescimento
das estratégias midiáticas para apresentar e divulgar para a opinião pública tais temáticas
(TRAQUINA, 2001).
Na cronologia levantada, destacam-se os congressos mundiais de enfrentamento da
exploração sexual de crianças e adolescentes e a associação com o desenvolvimento de
políticas de embate a esse tipo de violência, com operações de combate aos crimes
relacionados à violência sexual infantil. Entretanto, há controvérsias na forma de enfrentar e
resolver esses problemas. As palavras, os diferentes sentidos, as posições políticas definem as
formas de entendimento e os meios de atuação (LOWENKRON, 2010).
Assim como Ponte (2005) identificou que o jornalismo norte-americano na cobertura
da infância é marcado por novas definições de interesse, na imprensa brasileira o mesmo
também acontece. Em ambos, há combinações de eventos que ora abordam a criança como
vítima, ora como algozes, ou seja, na maioria das vezes, são essas as posições que as crianças
ocupam ao serem apresentadas. Ter uma grande lista de eventos não significa muito quando
não se noticia para além do que o evento traz, isso porque eles incitam a atenção pública e
mobilizam atores sociais e convidam as pessoas a se posicionarem.

6.3 As questões da infância na Folha de São Paulo

Apresentaremos, neste tópico, os estudos nacionais realizados por pesquisadores do


NEGRI sobre as questões da infância tratadas no jornal Folha de S. Paulo. São muitas as
vozes, são muitos os discursos que estigmatizam as crianças e adolescentes pobres no
terceiro mundo. Isso reforça “processos de exclusão social” (ROSEMBERG, 1994b). As
armadilhas desses discursos são, segundo Fúlvia Rosemberg, ferramentas para o controle da
sexualidade, do ócio, da violência e, principalmente, das escolhas do que entra na pauta das
políticas públicas.
Assim como Rosemberg questiona a imposição de uma normatividade cultural às
crianças e adolescente pobres, Leandro Andrade (2001) também afirma que os estigmas
contra a pobreza influenciam a construção de políticas sociais excludentes. E ele vai além,
em sua tese de doutoramento: “Prostituição infanto-juvenil na mídia: estigmatização e
ideologia”. A mídia, para o autor, tem importante papel no delineamento da agenda das
políticas públicas. Na pesquisa, Andrade se debruça em análises de peças jornalísticas
112

publicadas entre 1985 e 1995 no jornal FSP sobre o tema da Prostituição infanto-juvenil e
constata a estigmatização, pelo jornal, das crianças e adolescentes pobres retratados e de suas
famílias, além de identificar o uso de sensacionalismo, simplificação do fenômeno, falta de
ética.
Andrade (2001) verificou que até a escolha dos dias de publicação das matérias mostra
o uso comercial de problemas sociais. Grande parte das matérias teve destaque na primeira
página do jornal aos domingos, dia em que os leitores têm mais tempo para “desfrutar” da
leitura do jornal. A escolha de apenas três elementos (a menina adolescente, o aliciador e a
família) nas matérias sobre prostituição infantil indica que o jornal simplifica o debate e
silencia outras questões importantes, como, por exemplo, os fatores que levam adultos a
optarem por parceiros sexuais não adultos. Para o pesquisador, as reportagens mais
marginalizaram que ajudaram aqueles segmentos citados.
Ao dar visibilidade à temática da prostituição infanto-juvenil, Andrade (2001) sugere
que a Folha contribuiu para que essa questão entrasse na agenda de políticas públicas
brasileira, bem como promoveu campanhas para a erradicação da prostituição infanto-
juvenil. Porém, isso foi feito sob o viés do estigma da pobreza, ou seja, a partir da ideia de
que toda menina pobre é ou vai ser prostituta.
Outra importante constatação de Leandro Andrade (2001) foi a identificação das
personagens, o uso de fotos e a divulgação dos nomes das adolescentes nas matérias, o que
pode ter provocado impacto negativo na vida dessas meninas. Fazer exploração dos rostos
dos personagens foi considerado, pelo autor, como mais uma ferramenta sensacionalista, para
atrair mais leitores, vender jornal e atender outros interesses do próprio jornal. “O tratamento
dado pelo jornal Folha de S. Paulo ao tema da prostituição infanto-juvenil assume a
conformação de uma campanha moral da empresa, que estigmatizou a pobreza, sustentando
relações de dominação” (ANDRADE, 2001, p. 31).
Outra pesquisa sobre os discursos da mídia sobre a infância e a adolescência, que
envolve a temática da sexualidade, é a de Leila Nazareth (2004) que analisou o tema gravidez
na adolescência no jornal FSP no período de 1990 a 2000. De acordo com o estudo,
campanhas, iniciativas e eventos contribuíram para o aumento da visibilidade do tema na
sociedade. Um dos exemplos disso são os anos de 1997 e 1998 em que há grande número de
produção de peças dessa temática sobre os casos de duas adolescentes grávidas associadas ao
aborto. As vidas dessas adolescentes e de seus familiares foram devassadas pelo jornal. Não
por acaso, nesse período ocorria, no Brasil, intenso debate sobre a regulamentação do aborto
permitido por lei pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
113

Para os dois casos citados anteriormente, as adolescentes foram usadas como ganchos
argumentativos para o debate sobre aborto e estupro. Da mesma forma como se deu com as
personagens publicizadas nas temáticas sobre prostituição infantil, para abordar a temática da
gravidez na adolescência, a FSP expôs as identidades civis das adolescentes grávidas,
desconsiderou suas vozes e suas opiniões, omitiu a identidade dos parceiros das adolescentes
e desqualificou a família das personagens. Para ganhar audiência, a FSP produziu e divulgou
durante dois anos esses dois casos de adolescentes grávidas associadas ao aborto.
Vanessa Bizzo (2008), também do NEGRI, analisou o tratamento dado à infância em
peças jornalísticas publicadas na FSP entre 1997 e 2005 sobre o aborto voluntário. Ao
problematizar como os direitos das crianças e dos adolescentes foram tratados nas peças que
se referiam ao aborto voluntário praticado ou planejado por adolescentes e o quanto as vozes
das crianças e dos adolescentes foram adentradas na mídia, ela observou, também, uma
abordagem sensacionalista, usada como baliza para “resolver” os problemas sociais e
capturar a atenção pública. Ou seja, mais uma vez crianças e adolescentes foram usadas
como “cabide de notícias”, ou, como afirmou Rosemberg (1985), “cavalos de santo”, pois
assuntos sobre crianças e adolescentes associados ao tema aborto voluntário disputam
atenção, recursos e ações públicas com outros problemas sociais. A infância, esclarece Bizzo
(2008),

[...] é quase (ou, de fato) um pretexto, uma figura retórica, para a


configuração de uma agenda política que a ultrapassa, ou mesmo, a ignora.
Identificamos em nossa pesquisa o uso de retórica dramática, tais como: a
apresentação de estimativas dos fenômenos, sem fundamentação em bases
empíricas ou em fontes confiáveis; ênfase nas idades mais novas; abordagem
dos temas via situações exóticas e inusitadas; tratamento dos temas via
histórias individuais de crianças e adolescentes, mas sem a valorização da
voz e da opinião de depoentes/personagens; ênfase na pobreza dos
depoentes/personagens e de seus familiares; destaque para a violência
(BIZZO, 2008, p. 04).

Assim, mais uma vez, a FSP desconsidera as crianças e os adolescentes como atores
sociais na questão de suas vidas sexuais e reprodutivas. Bizzo percebeu que o estupro de
adolescentes pobres é usado para fazer alardes e com intensa violência simbólica pela FSP.
Ao produzir e reproduzir uma imagem das personagens como incapazes e irresponsáveis, o
jornal estigmatiza adolescentes e mulheres no geral, cujos direitos reprodutivos não são
levados em consideração. Essas pesquisas nos fornecem pistas e subsídios que nos ajudam a
olhar as peças jornalísticas para além do que está sendo noticiado sobre o abuso sexual de
crianças e a pedofilia. Permitem, também, considerarmos a importância de problematizarmos
114

tais discursos. Neste sentido, trazemos a sistematização realizada por Mariano (2012) a partir
das pesquisas do NEGRI, sobre o tratamento dado pela Folha de S. Paulo às questões da
infância e adolescência associadas à sexualidade:

[...] depreende-se o uso de uma retórica que buscou exacerbar a


dramaticidade dos temas por meio da associação à violência e da
apresentação de estimativas catastróficas dos fenômenos abordados, sem
fundamentação em bases empíricas ou em fontes confiáveis; pela abordagem
dos temas via situações extremas e inusitadas; pela ênfase no início precoce
ou pouca idade dos personagens envolvidos nessas situações de “desvio”;
pelo destaque para a pobreza das crianças, adolescentes e de seus familiares;
pelo tratamento dos temas via histórias individuais de crianças e
adolescentes, mas sem a valorização da voz e da opinião de
depoentes/personagens (MARIANO, 2012, p. 78, grifo da autora).

As pesquisas realizadas no NEGRI sobre mídia e infância no jornal Folha de S. Paulo


nos ajudam a apreender como se dá a participação da mídia na construção da agenda de
problemas sociais para a infância. Por ser o jornal brasileiro que mais produz e divulga peças
jornalísticas sobre questões sociais associadas à infância e adolescência (ANDI, 2005), a
Folha se fortalece junto ao establishment nacional.
As pesquisas do NEGRI apontaram que essa imagem da Folha foi garantida pelo uso
de um repertório sensacionalista que associa crianças, adolescentes e suas respectivas famílias
ao “risco” e à violência. Mariano (2010) alerta que essa visibilidade não contribui
necessariamente para a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, mas sim para a
configuração de uma “agenda espetáculo”, via exacerbação do drama das temáticas
produzidas pelo jornal.
A cobertura jornalística do jornal Folha de S. Paulo às questões da infância também
foi pesquisada por Caleiro (2002). Na análise realizada no período de janeiro de 2001 a março
de 2002, ele verificou, nas peças jornalísticas, a associação da infância com a situação de
penúria e exploração, com destaque para as temáticas do abandono, do trabalho e da
prostituição infantil. Das 162 peças, o jornal priorizou questões ligadas à criminalização em
58% das peças e 42% de situações de abandono e exclusão. Para o autor,

O destaque dado a essas matérias, em comparação com as demais, dispersas


em meio ao emaranhado de textos, reforça a sensação de que a situação da
infância só assoma ao primeiro plano quando atrelada às decisões e
interesses da “alta política” – e, portanto, do grande capital (CALEIRO,
2002, p. 5, grifo do autor).
115

Portanto, estudos internacionais e nacionais têm mostrado que crianças e jovens


ascendem à visibilidade midiática, especialmente a noticiosa, a partir de duas imagens
contraditórias, tal como recenseou Franklin (2002): como passivos, dependentes, vulneráveis
e necessitando proteção ou, alternativamente, como antissociais, desviantes, irresponsáveis e
necessitando de controle social. Nesse sentido, observa-se que, se por um lado, são
imprescindíveis os direitos de proteção das crianças, em especial a proteção contra abusos
sexuais - reconhecimento este tardio na história dos direitos humanos -, por outro, é
necessário problematizar como tais discursos têm circulado e quais representações de
infância têm engendrado.
O tratamento que a Folha de S. Paulo vem dando à infância e adolescência vai nortear
as próximas reflexões. As peças jornalísticas que serão analisadas nesta pesquisa foram
produzidas em um período em que se iniciavam, no Brasil e no mundo, debates sobre os
direitos das crianças e dos adolescentes.

6.4 Discursos sobre os temas do abuso sexual de crianças e adolescentes e pedofilia na


mídia

A literatura sobre o tratamento dado pela mídia às temáticas do “abuso sexual” e


crianças e da pedofilia na mídia mostra que, em geral, é um dos temas que, no exterior e no
Brasil, tem ocupado, atualmente, a agenda de preocupações públicas.
Em nosso país, o dia 18 de maio foi instituído pela Lei nº 9.970/2000 como o “Dia
Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. É notória
a multiplicação de iniciativas e campanhas que buscam divulgar essa temática por meio de
variados veículos de comunicação.
Segundo levantamento efetuado pela ANDI e Childhood Brasil (2008), no período de
2000 a 2006, houve um aumento estimado em 173,65% na cobertura sobre o tema da
exploração e “abuso sexual” de crianças e adolescentes. Nota-se, ainda, que os termos “abuso
sexual”, exploração sexual, violência sexual e pedofilia, embora constituam fenômenos
distintos, são tratados como sinônimos, especialmente pela mídia.
A temática da violência sexual contra criança foi colocada como ocorrência
perturbadora e passou a figurar como problema social há cerca de 20 anos. A construção
social dessa questão é característica do final do século XX, com grande visibilidade, esforço e
empenho para controlar tudo que está fora “da verdade” e a sexualidade das pessoas. O abuso
sexual de crianças e adolescentes não é um fenômeno novo. O que é novo é a visibilidade
116

dada a essa questão, principalmente após 1990, sob o rótulo da pedofilia. Rodrigues (2014, p.
11 – grifo do autor) assinala que “o termo pedofilia não era usado para descrever a preferência
sexual de adultos por crianças e, tampouco, para qualificar o crime de “abuso sexual infantil”.
Dos agentes sociais responsáveis pela construção do “abuso” sexual como um
problema social, Méllo (2002) sinaliza que a academia, a mídia e as organizações
governamentais e não governamentais são os que fazem parte dos domínios de saberes e pela
produção de práticas discursivas. Nesse sentido, Méllo (2002) vale-se de Foucault ao afirmar
que, desde sempre, o mundo é regido por um “dispositivo da sexualidade” e o “abuso” está
ligado à sexualidade e vai se constituindo como um problema que precisa ser regulado. Para
entender essa construção, Méllo analisou documentos de domínio público, desde um artigo
escrito por vários médicos e publicado em um jornal norte-americano, em 1962, a textos
acadêmicos, governamentais, organizacionais e jornalísticos.
Para ele,

[...] mesmo que as práticas discursivas estejam articuladas em torno de uma


temática, estão para além dela; por isso, não basta que sejam descritos os
conteúdos veiculados, mas é necessário analisar as posições ocupadas pelas
pessoas que as manifestam, o estatuto que elas mantêm, as técnicas e
procedimentos que valorizam (MÉLLO, 2002, p. 61).

São, portanto, as maneiras como as pessoas aparecem no discurso que importam, quais
as vozes que aparecem e quais estratégias estão sendo construídas para produzir sentidos, e
estes, por sua vez, são criados em um contexto. Não há nada constituído sem articulação ou
ligação com outros sentidos (MÉLLO, 2002).
Ainda nos documentos analisados, o autor identificou que foi na década de 1960 que o
termo “abuso” começou a ganhar visibilidade. A academia e a mídia iniciaram o uso desse
termo com regularidade e de modo homogêneo. Antes dessa época, os atos de violência
sexual contra criança, praticados por membros da mesma família, tinham outros termos:
“incesto”, “estupro”, “crueldade”, e “assalto” / “ataque”. Quando passa a ser considerado
como um problema social, classificado como violência contra a criança, o “abuso” passa a ser
conhecido como um crime social nas esferas familiar e pública. Por meio de casos sobre
violência contra criança é que Méllo (2002) mostra como o termo “abuso” vai sendo
construído internacionalmente e como as características do agressor passam a compor os
sentidos para a construção da noção do “abuso”.
117

Parece que a proibição imposta pelo “abuso” tem as mesmas motivações da


proibição imposta pelo “incesto”: motivações de cunho religioso, moral,
político e econômico, que visam impedir a reprodução consanguínea ou
reprodução baseada na propinquidade do parentesco, para impedir o fim da
organização familiar. Em outras palavras, a proibição do incesto/abuso
auxilia a organização social que temos atualmente, ou seja, as sanções que
cercaram o incesto e que também cercam o “abuso” se desenvolveram como
práticas para manter uma estrutura social (MÉLLO, 2002, p. 151, grifos do
autor).

São as matrizes do “abuso” que o relacionam a uma doença e à violência. De acordo


com Méllo (2002) essas matrizes são formadas pelas três seguintes instituições:
1) A invenção do “Eu” – é uma unidade que precisa ser analisada e descoberta
interiormente. A partir disso, o ser humano vai sendo construído por meio de condutas e
regras pré-estabelecidas.
2) A construção da infância – associada à fragilidade, docilidade e pureza. É um ser
com particularidades, que deve receber cuidados especiais, portanto, precisa de especialistas e
organizações que cuidem de sua vida. Por ser considerado um ser inocente, nem todos os
assuntos lhe são permitidos, um deles, o sexo. Uma das organizações responsáveis pela
proteção da criança é a família, que é também agente da emergência do “abuso” sexual
infantil.
3) A noção de direitos – cria a compreensão de que os seres humanos têm direitos.
Demorou séculos para a criança ser considerada cidadã. A princípio, os casos de violência
eram tratados como crueldade e depois passaram a ser identificados como “abusos”.
Essas matrizes ganharam visibilidade a partir da metade da década de 1980, por meio
de textos acadêmicos e jornalísticos, por eventos realizados por diferentes agentes sociais e
também via materiais fotográficos. Méllo (2002) sinaliza que, desde que a temática eclodiu,
há muitas dificuldades em mensurar a ocorrência do “abuso sexual infantil”.
Dessa forma, a construção da temática é atravessada por um ciclo: nas décadas de
1960 e 1970, a preocupação foi de proteger as crianças que sofriam abuso físico; nas décadas
de 1980 e 1990, com a crescente visibilidade do abuso, aumenta também o número de
profissionais e especialistas envolvidos na causa pela redução de casos de abuso; nas décadas
mais recentes, a vigilância e a ampliação de medidas jurídicas tornam-se as principais
ferramentas para prevenir o “problema” de saúde física e mental. Conforme Méllo (2002),

O “abuso” infantil envolve debates difíceis e inquietantes. Ao mesmo tempo


em que se deve exercer a crítica em relação à perpetuação incólume da
estrutura familiar e às intervenções preconceituosas da filantropia
governamental e não governamental, também não podemos simplesmente
118

ignorar violências cometidas por famílias e pelo Estado contra crianças.


Assim sendo, não basta, diante das situações de violência, retirar do baú (da
felicidade utópica) as explicações de praxe, como por exemplo, a pobreza e
desagregação da família. O resultado disso é a continuidade da construção de
leis e normas que aliviam a “consciência” dos “nossos governantes” e de
seus especialíssimos assessores (psicólogos, sociólogos, assistentes sociais,
pedagogos, juízes, advogados, policiais, pesquisadores acadêmicos etc.) e
também, as sempre lembradas argumentações jurídicas em torno de uma
melhor caracterização das infrações e ampliação das penas correspondentes
(MÉLLO, 2002, p. 168, grifo do autor).

Os documentos analisados pelo autor mostram uma diferença de como o “abuso sexual
infantil” foi sendo constituído: enquanto nos Estados Unidos essa questão foi posta em debate
por médicos, no Brasil, o processo de constituição dessa causa foi iniciado por advogados,
assistentes sociais, psicólogos e juízes. Os saberes produzidos por esses especialistas
alimentam os discursos da mídia. Como vemos, são estas as instituições e demais agentes
sociais construtores de sentidos e do abuso como um tipo de violência sexual contra criança.
De ação incorreta ou excessiva, o abuso passou a ser compreendido como crime.
Tatiana Savoia Landini (2005) analisou como os crimes sexuais foram mostrados, ao
longo do século XX, em textos jornalísticos do O Estado de São Paulo, jornal de grande
circulação no Brasil. Nos documentos analisados, ela observou que, nesse período, a violência
sexual contra crianças e adolescentes abrangeu diversos tipos: incesto, estupro, atentado
violento ao pudor, prostituição, pornografia infantil, exploração sexual infantil e pedofilia.
Conforme a autora, o grande volume de produções midiáticas sobre essas questões faz parecer
que a violência sexual contra criança e adolescente estão acontecendo mais frequentemente no
país. O que ocorre são mudanças nos padrões de sensibilidade históricos, que ora não
conceituam uma prática como crime, ora sim.
A violência sexual contra a criança e o adolescente não era um problema social há
cerca de 30 anos. É uma questão que passa a ter visibilidade a partir da segunda metade da
década de 1990 e adentra na agenda pública (MÉLLO, 2002; LANDINI, 2005;
LOWENKRON, 2012; RODRIGUES, 2014). As pautas relacionadas à proteção de crianças e
adolescentes, como, por exemplo, das “crianças de rua” e as vítimas de negligência ou
violência física, antecederam as preocupações com a violência sexual infanto-juvenil que, no
decorrer da década de 1990, segundo os autores acima citados, vai sendo institucionalizada
como problema social e incluída na agenda política.
O material pesquisado por Landini (2005) revela que, no início do século XX, as
notícias de crimes sexuais eram sobre estupro, crimes contra a honra e prostituição, mostrando
as crianças sempre como vítimas. A maneira de narrar os crimes sexuais foi mudando no final
119

do século XX. O estupro, por exemplo, ganhou mais notoriedade e passou a ser noticiado em
escândalos jornalísticos. O acusado passou a ser apresentado como um psicopata e maníaco
sexual.
Dessa forma, o crime sexual passa a ser caso de polícia, mas também de saúde pública.
Já a prostituição infanto-juvenil passou a ser associada à pobreza. Na década de 1980,
aumentam as matérias sobre crianças e adolescentes “vítimas do comércio do sexo”, baseadas
em estatísticas produzidas por organizações não governamentais nacionais e internacionais.
Novas modalidades de violência sexual começam a ser produzidas e divulgadas na metade da
década de 1990. Pedofilia, por exemplo, é retratada como uma questão associada à
pornografia infantil e também como doença.

Além dos temas pornografia infantil e pedofilia, que não eram tratados até as
últimas décadas do século, outro tipo de reportagem aparece apenas no final
do período – é o que classificamos como textos “gerais”, aqueles que não
tratam de um caso ou acontecimento de forma específica, mas buscam
analisar a situação da violência sexual de forma ampla. Nesse sentido, o
texto busca sempre uma generalização e a objetividade dos dados
transmitidos ao leitor. Para tanto, são utilizadas fontes de informação
consideradas confiáveis, tais como profissionais ou especialistas que
trabalham diretamente com esse tema, sejam policiais, psicólogos, médicos,
advogados ou funcionários de ONGs (LANDINI, 2006, p. 244, grifo da
autora).

Ademais, outros elementos são usados para atrair e sensibilizar os leitores, dentre eles:
fotos, estatísticas, fontes e acontecimentos. Esses recursos e os fatos sociais, como por
exemplo, a criação da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, estimulam a produção e
publicação de matérias sobre violência sexual contra criança e adolescente; ao aumentar o
número de textos com essa temática, publicizam as modalidades de violências e faz parecer
um intenso crescimento da violência no Brasil (LANDINI, 2006).
As análises da maneira como o jornal O Estado de São Paulo apresentou a temática da
violência sexual infantil revelou que houve muitas mudanças. A começar pelo aumento da
produção de textos, dos diferentes tipos de violência, da ênfase em análise dos casos via
especialistas, uso de linguagem específica e da crescente visibilidade do crime sexual contra
crianças e adolescentes (LANDINI, 2006). Assegura a autora que:

[...] a impressão transmitida pelo jornal analisado é que o Brasil estaria


passando por um período de barbarização, de aumento desmesurado da
violência. O que no início do século era visto como um problema extra-
ordinário, ocasional, no final do período passou a ser entendido como algo
120

que ocorre regularmente e vitima grande parte das crianças e adolescentes


brasileiros (LANDINI, 2006, p. 249).

Mas as peças do jornal analisado não necessariamente sinalizaram um aumento no


número de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, mas sim de uma maior
visibilidade da temática. A autora reforça que o que houve foi uma mudança de conceituar a
violência sexual contra crianças, e não uma descivilização. E há, de acordo com ela, uma
maior preocupação na sociedade contemporânea com a violência sexual contra crianças.
Laura Lowenkron (2012), em sua tese de doutorado, intitulada “O monstro
contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos”, realizou um estudo
etnográfico dos trabalhos da Polícia Federal, no combate à pornografia infantil, e da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da pedofilia, no Senado Federal Brasileiro, criada em 2008, e
analisou os elementos simbólicos e políticos que se associam na construção da pedofilia como
um problema social. Para a autora, a pedofilia não é um termo com uma única conceituação,
envolve a questão de sentidos e é uma das possibilidades para entender o fenômeno das
violências sexuais contra crianças e adolescentes. Estes, por sua vez, não são/estão,
necessariamente, segundo Lowenkron (2012), protegidos na cruzada contra a pedofilia.
A pesquisadora indica que foi após a “CPI da pedofilia” que se consolida o que ela
chama de “categoria social” da pedofilia, promovida por vários atores sociais, dentre eles, a
imprensa. Ao usar as palavras “crimes de pedofilia”, a mídia associa, indistintamente, a
exploração sexual comercial e o “abuso sexual” ou pornografia infantil à pedofilia.
Nos materiais jornalísticos pesquisados, Lowenkron pode observar a correlação entre
pedofilia e “abuso sexual infantil”, quando o acusado era de nível socioeconômico alto ou era
estrangeiro. Quando se tratava de abuso intrafamiliar, não havia acusação de pedofilia. Os
profissionais de imprensa, nesse caso, usavam “abuso sexual” ou estupro.
Em sua tese – que originou o livro –, ao analisar as dimensões e as categorias da
violência sexual contra crianças e adolescentes, Lowenkron problematiza a sacralização da
infância. Para a autora, o discurso do sagrado e da pureza infantil associa a vulnerabilidade
social da criança e do adolescente e atribui aos problemas da “miséria” e das “famílias
desestruturadas”. A negação da sexualidade de crianças e adolescentes dá ênfase para o ideal
desse momento de vida, limita os direitos sexuais de crianças e adolescentes e protege menos
as crianças de “carne e osso” (LOWENKRON, 2012). Afirma ela que,

Portanto, apesar de a nova construção sobre o erotismo infantil ir de


encontro à imagem vitoriana da criança pura e inocente, o pequeno perverso
121

polimorfo de Freud permanece, de certo modo, indefeso e em perigo,


devendo ser protegido pelos adultos de seus próprios desejos sexuais
(LOWENKRON, 2012, p. 25, grifos da autora).

Essa proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual e contra a ameaça


de seu desejo sexual é, de acordo com esta autora, uma forma de controlar os comportamentos
sexuais de crianças e adolescentes, pertencentes, primeiramente, à classe burguesa. Muitos
anos depois é que essa “proteção” se estendeu às crianças e adolescentes das classes
populares.
No caso da “CPI da pedofilia”, a pesquisadora observou não só uma cruzada contra os
pedófilos, mas também um direcionamento de papéis a fim de proteger as crianças e
adolescentes das ameaças sexuais. A cada um dos responsáveis cabe uma função:

[...] à mídia caberia noticiar; aos cidadãos, denunciar; aos políticos, formular
leis e aprovar projetos; aos policiais, combater o crime, às autoridades
judiciais, condenar e penalizar duramente os culpados; aos empresários de
internet, cooperar com as investigações das autoridades públicas; às famílias,
ensinar e proteger seus filhos (LOWENKRON, 2012, p. 132).

Assim, com direcionamentos de personagens e papéis, incitados pela “CPI da


pedofilia”, a temática adentra na agenda política brasileira. Todos, “homens justos e do bem”,
em torno de uma “causa”. Outras temáticas, tão importantes como essa, como, por exemplo, o
déficit de vagas em creches públicas e o assassinato em massa de jovens negros, estão pouco
presentes nas pautas de discussões públicas.
A “Operação Carrossel”, desencadeada pela Polícia Federal e que foi o princípio para
a “CPI da pedofilia”, deu origem a outras operações: a “Carrosel II”, de 2008, e a “Turko”, de
2009. Ambas resultaram no acompanhamento de uma rede de compartilhamento de arquivos e
serviços digitais entre usuários, possibilitando a identificação dos IPs 24 dos computadores que
compartilham imagens de pornografia de crianças nessas redes.
As megaoperações da Polícia Federal e a “CPI da pedofilia” mostraram, segundo
Lowenkron, que a pedofilia é construída como “causa” política e “caso” de polícia, por meio
de tecnologias de governo e na construção de problemas sociais. Quando se trata dessa
“causa” e “caso”, é explorada, principalmente na mídia, a figura do pedófilo como um
monstro e um inimigo da sociedade.

24
Todo computador possui um número de IP (Internet Protocol ou Protocolo de internet) que possibilita a
comunicação entre eles na internet. Essa identificação é única para cada computador. Assim, é pelo IP que é
possível identificar e localizar de onde informações são geradas.
122

É importante atentar ainda para uma outra diferença entre o inquérito


parlamentar e o inquérito policial no que se refere ao destinatário da
denúncia. Na CPI, a espetacularização do horror visa persuadir e mobilizar
tanto o público mais imediato de parlamentares e outros representantes da
administração pública quanto o espectador à distância, o cidadão comum, o
possível eleitor, o que requer a mediação dos meios de comunicação de
massa. No inquérito policial, a acusação é destinada ao procurador da
República (responsável por arquivar o procedimento ou oferecer a denúncia,
dando início ao processo judicial) e, em última instância, pretende convencer
o juiz de Direito. Se as estratégias e os efeitos da construção social da
“pedofilia” na CPI e na Polícia Federal podem ser separados para fins
analíticos, procurei mostrar também que, na prática, eles se interpenetram
(LOWENKRON, 2012, p. 352, grifo da autora).

Novamente, a associação da pornografia infantil à pedofilia é estabelecida tanto pelas


investigações da Polícia Federal quanto na “CPI da pedofilia”. A pedofilia é uma das
categorias da violência sexual contra criança, da modalidade do problema social, associada à
pornografia.
A construção do termo pedofilia foi analisada por Herbert Rodrigues, do Núcleo de
Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), a partir da produção
discursiva do judiciário e da psiquiatria sobre a pedofilia. Os documentos pesquisados
mostram o processo de criminalização da pedofilia no Brasil. A popularização do termo
pedofilia, a generalização do termo para tipificar uma violência sexual infantil a partir de
diversas camadas narrativas, especialmente nas decisões judiciais e pela medicina,
contribuíram para a pedofilia ser considerada crime.
De acordo com Rodrigues (2014), os documentos do Tribunal de Justiça de São Paulo
mostram que o termo pedofilia foi utilizado, no Brasil, como sinônimo de “abuso sexual”,
entre os anos de 1997 e 1998, e tal associação ganhou mais força, assim como apontado por
Lowenkron (2012), na “CPI da pedofilia” de 2008. Esta, por sua vez, atraiu a atenção de
muitos agentes sociais, especialmente da mídia, que pautou as notícias sobre a CPI com base
nos discursos dos deputados e senadores – homens, muitos deles de setores conservadores –
com discussões em torno da moral e dos bons costumes da família nuclear.
Foram muitas as notícias produzidas e veiculadas sobre a “CPI da pedofilia”. Para
Rodrigues (2014), a grande visibilidade da temática, durante os anos de 2008 e 2011, gerou
uma sensação de que o Brasil estava vivendo uma “epidemia de pedofilia”, pois, em todos os
lugares do país, falava-se muito sobre isso. Com o apoio da sociedade, os membros da CPI
ganharam holofotes e conseguiram aprovar muitos projetos, os quais, como já relatados por
Lowenkron (2012), associam a pedofilia à pornografia infantil. Pouco se discutiu se a
pedofilia realmente é um problema ou estava sendo ampliada pelas retóricas dos deputados e
123

senadores e pela mídia. Para Rodrigues (2014), o silenciamento e a falta de um debate mais
ampliado da temática leva a discussão para o senso comum, não protege, de fato, as crianças e
adolescentes da violência sexual, e desconsidera informações oficiais segundo as quais muitos
casos de abusos sexuais contra crianças são cometidos por pessoas do seu convívio social.
Nos documentos jurídicos analisados por Rodrigues, foi possível verificar que a
criminalização da pedofilia aconteceu entre o final do século XX e o início do XXI. Citando
Weber, Rodrigues afirma que as coisas, em sociedade, não são naturais, nem dadas, nem
postas, elas são construídas por domínios que dão certa intangibilidade, como a arte, a ciência,
a religião, a política, as instituições sociais e a mídia. Nesse sentido, a pedofilia pode ser
explicada cientificamente, pois ela vai sendo produzida por meio de discursos desses
domínios de saberes. Porém, é necessário ressaltar que o autor não defende a naturalização ou
a normatização da pedofilia, mas sim problematiza que ela não é um fato em si, por ser
formada por diversas narrativas.
Ao desnaturalizar a pedofilia, Rodrigues (2014) vai tecendo os processos de
construção social sobre ser criança e ser adulto, sobre os empreendimentos genealógicos sobre
a sexualidade, sobre a emergência da violência sexual infantil nos contextos internacionais e
nacionais, sobre a construção dos problemas sociais e sobre o surgimento do sujeito pedófilo
como um monstro contemporâneo. Ele utilizou três eixos constitutivos para debater os novos
contornos sociais diante do sexo na contemporaneidade: a formação de saberes, as estratégias
de poder e a constituição de sujeitos.
Para o autor, o alarde em torno da temática provoca mais pânico do que análise dos
casos sobre violência sexual contra a criança. A mídia é, assevera ele, um dos principais
elementos de difusão dos pânicos morais. É a mídia que alimenta debates e realimenta a
sociedade com a temática dos abusos sexuais contra criança. A forma como as notícias sobre
a temática vêm sendo difundidas tem levado interpretações do senso comum, gerando pânico
moral e escamoteando uma produção cultural da pedofilia. Rodrigues (2014, p. 249) sinaliza
que “os pânicos surgem a partir da agitação de diversos segmentos sociais, se mantêm na
superfície da sociedade por algum tempo e depois desaparecem, sem antes fazer estrago e
deixar sequelas”.
Um dos casos mais notórios no Brasil, exemplo da produção de pânico moral através
de notícias sobre “abuso sexual infantil”, foi o da Escola Base, ocorrido em São Paulo, no ano
de 1994, que envolveu seis pessoas de uma escola particular de Educação Infantil na capital
paulista. O discurso da mídia foi formado pela denúncia fantasiosa de uma mãe de que o filho
estaria sendo abusado sexualmente na escola. A pressa da imprensa em criar manchetes fortes
124

e sensacionalistas, o pré-julgamento e condenação dos supostos agressores e o poder das


palavras de um delegado ansioso pela fama, deram o tom da produção jornalística do caso.
A ênfase dos veículos de comunicação produziu um “espetáculo” que tornou público
um fato não comprovado e abalou a vida dos dois diretores da escola, de dois funcionários e
de dois pais. Mesmo sem provas, a mídia noticiou e julgou, durante semanas, os envolvidos,
convulsionou suas vidas e provocou o fechamento da escola. Após investigação, a justiça
julgou que os acusados eram inocentes. Os veículos de comunicação que acompanhavam o
caso divulgaram a inocência dos envolvidos, porém, não na mesma proporção e intensidade
das denúncias. Assim,

No final da história, todos os acusados eram inocentes. E tudo aquilo não


passou de um engano, fruto da irresponsabilidade das duas mães que fizeram
a denúncia, do espetáculo promovido pelo delegado e pelo sensacionalismo
da imprensa, que tentou se desculpar posteriormente, mas já era tarde
demais. Os danos causados pelo pânico moral aos acusados foram
irreversíveis em todos os aspectos e permanecem até os dias de hoje. Tudo
isso aconteceu há 20 anos, quando ainda não havia redes sociais e nem essa
discussão acalorada sobre a pedofilia. Aliás, no episódio da Escola Base, que
ocorreu em 1994, em nenhum momento o termo pedofilia foi utilizado, o
que confirma a percepção de que o termo, antes monopólio da psiquiatria e
da psicologia especializada, só passou a ter significado na consciência
coletiva na primeira década do século XXI (RODRIGUES, 2014, p. 252-
253).

Portanto, este caso é um exemplo claro de que a maneira de comunicar uma questão é
que promove o pânico moral, que é sustentado pelos valores destacados nas notícias e que se
pretende preservar. Ao fomentar o pânico moral, as camadas narrativas, oriundas da mídia, do
judiciário ou da medicina, sustentam o poder disciplinar e o controle social (RODRIGUES,
2014).
Como salienta Rodrigues (2014), o pânico moral é alimentado pela mídia
principalmente nos casos que envolvem pessoas de classe econômica baixa, crianças e
adolescentes negros e pobres, usuários de drogas, dentre outros indivíduos de categorias
marginalizadas. Sinaliza, ainda, que, ao mesmo tempo em que o pânico moral é criado pela
mídia e demais atores sociais, ele pode também rapidamente desaparecer, embora isso não
signifique que o problema tenha sido resolvido. No caso da pedofilia, segundo o autor, o que
se vê é um alarde para gerar pânico moral, a produção de um discurso de proteção à infância,
de narrativas para criminalizar o pedófilo, mas não se problematiza a real aplicação da lei que
rege a proteção integral à criança e ao adolescente e o entendimento da criança como sujeito
de direitos.
125

Nos documentos pesquisados, Rodrigues (2014) observou que é possível afirmar que
nem todo pedófilo é criminoso, nem toda pessoa que abusou sexualmente de uma criança é
um pedófilo. Diante do que foi encontrado nos textos analisados do judiciário e da psiquiatria,
ele argumenta que a pedofilia não é sinônimo de violência sexual contra criança. Mas

[...] a noção contemporânea de pedofilia tornou-se tão elástica que pode


explicar desde práticas sádicas com crianças até a contemplação de fotos
sensuais de meninas e meninos menores de idade na internet. Além disso,
podemos encontrar presentes numa única noção, variadas práticas:
exploração sexual infantil, prostituição infantil, pornografia infantil, entre
outras. Na contemporaneidade todas essas noções, de certa forma, se
confundem, uma vez que as fronteiras entre prática sexual, crime, desejo e
fantasia são borradas. Afinal, estamos sempre diante de regras arbitrárias que
nossa sociedade estabelece para consolidar a sexualidade como experiência
moral dos sujeitos (RODRIGUES, 2014, p.12).

Nesse sentido, o pedófilo é considerado um monstro que não consegue se adequar às


normas sociais e naturais.

A noção de monstro humano é uma categoria jurídica por violar não apenas
as leis da sociedade, mas principalmente por violar as leis da natureza. A
preocupação com a pedofilia é legítima e necessária para a proteção das
crianças e do próprio portador de pedofilia, mas o pânico moral e a
“bestificação” do sujeito pedófilo servem para proteger os valores morais da
família burguesa (RODRIGUES, 2014, p. 23, grifo do autor).

Rodrigues (2014, p. 71) considera, ainda, que a pedofilia é um tema delicado, mas que
precisa ser enfrentado e discutido. Para ele, a sociedade dá importância à violência quando
esta é transformada em crime e vira notícia na mídia, e pondera que “a violência é um
conceito que muda de acordo com o tempo e o lugar onde estamos”.
Em síntese, a análise sócio-histórica indica que a mídia contribuiu e contribui
significativamente para a construção social da noção de “abuso sexual infantil” e da pedofilia.
126

PARTE III: ANÁLISE FORMAL

CAPÍTULO 7 – ANÁLISE DISCURSIVA DAS FORMAS SIMBÓLICAS:


PROCEDIMENTOS E RESULTADOS

Neste capítulo, apresentamos os procedimentos e os resultados da análise discursiva


das peças jornalísticas que compõem o universo e o corpus de análise. Esta análise
corresponde à segunda fase prevista no método da Hermenêutica de Profundidade. Coletamos
221 peças jornalísticas e cada peça é considerada aqui como uma Unidade de Informação
(UI)25 , produzidas pelo jornal Folha de S. Paulo, no período de 1976 até 1999. A análise foi
guiada pelas seguintes questões:
1. Quais visibilidades da infância são produzidas a partir dos discursos que circulam
sobre a pedofilia?
2. Quais as proporções e a partir de quais repertórios ocorreu a emergência dos
temas do “abuso sexual infantil” e da pedofilia e a que tais discursos têm servido?
3. O aumento substancial da noticiabilidade desses temas na década de 1990 teria
adquirido contornos que contribuiriam para o enfrentamento dessa problemática na sociedade
brasileira ou o dramatismo que estas questões suscitam teria sido usado para alimentar um
tratamento sensacionalista desse assunto?
Com a intenção de responder tais questionamentos, dividimos este capítulo em duas
partes, abordando, primeiramente, os procedimentos para a coleta de dados e, em seguida, os
resultados, ou seja, a análise propriamente dita.

7.1 Procedimentos para a coleta de dados

A seguir, relatamos as etapas percorridas para a localização e reprodução das peças


jornalísticas que compuseram o universo e o corpus de análise.
A coleta das peças foi realizada na base de dados on line do jornal Folha de S. Paulo,
que contém o acervo26 de todas as edições do jornal impresso, desde 1923. Assim, acessamos
o site www.folha.uol.com.br e adentramos no ícone “acervo”. Nessa página, o leitor pode
optar por uma busca rápida, por palavras, ou busca detalhada. Pode também definir qual

25
Consideramos uma UI cada peça jornalística encontrada e selecionada.
26
De acordo com a Folha, estão disponibilizadas, no acervo do jornal, todas as edições do jornal desde o ano de
1923. O leitor pode encontrar matérias dos periódicos diários que já circularam na Folha da Manhã, na Folha da
Noite e na Folha de S. Paulo. Os jornais mais antigos foram convertidos do formato de papel para o digital
através de cópia microfilme. Já os jornais mais recentes são armazenados no acervo digital em formato PDF.
127

jornal, se Folha de S. Paulo, ou Folha da Manhã ou Folha da Noite, que quer consultar, bem
como o período. Escolhemos a busca detalhada, pois nos permite buscas por períodos e não
por data exata. Desse modo, pudemos consultar desde a primeira edição digitalizada do jornal
FSP. Uma vez inserido o descritor a ser consultado, clicamos no jornal que escolhemos
pesquisar e, em seguida, aparece o resultado da busca, informando a quantidade de páginas,
com o referido descritor, encontradas no acervo. As ocorrências são exibidas por período.
Com essas respostas, em que figuram anos, meses, dias, cadernos e páginas, o passo seguinte
foi a abertura das telas das páginas das edições selecionadas. Na tela das peças, o descritor
aparece em destaque, marcado com risco vermelho, o que facilitou a visualização da peça que
trata (direta ou indiretamente) da temática da pedofilia. O acervo disponibiliza funções de
ampliação da imagem, o que permite que a leitura seja realizada na tela do computador. Em
alguns casos, em que o processo de digitalização não foi eficiente, houve dificuldade de
leitura no próprio acervo digital. Para armazenar as peças coletadas, os arquivos foram salvos
em formato PDF, bem como foram impressos.
Primeiramente, procedemos a um levantamento na base de dados on line do jornal
Folha de S. Paulo, usando os descritores: a) abuso sexual infantil; b) pedofilia. Localizamos
1625 páginas com o descritor pedofilia e 43 páginas com o descritor “abuso sexual infantil”,
no período de 1976 até 2015. Identificamos que a primeira menção, no jornal, ao termo
pedofilia, ocorreu em 1976 e a primeira menção ao termo “abuso sexual infantil”, em 1985.

Gráfico 1 – Menções por ano com o descritor pedofilia no acervo da Folha de S.


Paulo (1976-2015)

Fonte: Elaborado por integrantes do Grupo de Pesquisa GEIJC (PPGEdu/UFMT) para esta pesquisa.

A partir desse primeiro levantamento, observamos que a pedofilia era mencionada, até
128

a primeira metade da década de 1990, de modo tangencial, representando, na sua maioria,


uma mera menção dentro de um texto; pouquíssimas peças tinham como foco o tema da
pedofilia. Constatamos, assim, que peças tendo a pedofilia como temática central passaram a
ser produzidas de modo crescente a partir da segunda metade da década de 1990, até atingir
um ápice em 1999, o que sugere um fenômeno de globalização da visibilidade dos casos de
“abuso sexual infantil”. Os dados iniciais deram pistas sobre como foi ocorrendo a construção
social em torno da temática da pedofilia, até chegar ao posto de um grave problema social.
O levantamento prévio também nos mostrou que o termo pedofilia apareceu mais cedo
e mais vezes no jornal do que o termo “abuso sexual infantil”. Há uma discrepância entre a
quantidade de páginas para os descritores pedofilia (1625) e “abuso sexual infantil” (43)27 , o
que nos chamou a atenção, pois, de algum modo, sinalizava uma preferência da Folha em
tratar o tema do abuso e da violência sexual de crianças e adolescentes a partir da expressão
pedofilia. Dessa forma, observamos que o termo pedofilia não fora sequer mencionado antes
de 1976 e passou a ter um crescimento vultuoso de menções a partir da década de 1990.
Diante disso, e ante a análise do contexto sócio-histórico que indicava a emergência de uma
discursividade arbitrária sobre a pedofilia, nos pareceu pertinente direcionar a coleta e análise
somente sobre as peças localizadas a partir do descritor “pedofilia”.
O extenso volume de peças encontradas com o descritor pedofilia nos colocou em um
grande desafio. Primeiro, porque ante o tempo exigido para a conclusão de uma dissertação de
mestrado, não haveria tempo hábil para analisar todas as peças. Segundo, porque esse
montante poderia ter um aumento considerável de peças, já que a busca no acervo digital da
Folha mostra apenas o número de páginas em que o descritor aparece. Assim, em uma mesma
página poderia ter mais de uma peça. Na medida em que a coleta foi avançando sobre a
década de 1990, foi possível observar elementos específicos sobre como este tema foi
emergindo e decidimos que um recorte, da primeira menção, ocorrida em 1976, até o ano de
1999, ou seja, dez anos após a aprovação do ECA, possibilitaria a análise da emergência da
temática da pedofilia na FSP. É inegável a pertinência da análise do tema a partir de 1999,
ano em que aumentam expressivamente as peças com o termo pedofilia, mas estender a coleta
para os outros anos implicaria na necessidade de mais tempo, tanto para a coleta como para a
análise, o que não foi viável dentro das contingências de um mestrado.

27
A quantidade de peças localizadas pode estar associada ao descritor usado na busca. Provavelmente, se fossem
usados outros descritores, o número seria maior. O uso de preposições “de” e “contra” também dificultou a
localização mais precisa das peças com a temática. Sem elas, a busca direcionava somente para as páginas com a
temática da pesquisa. Durante a análise prévia, nos chamou atenção a grande incidência de páginas com o termo
“pedofilia”. Assim, optamos por localizar peças com os termos “abuso sexual infantil” e pedofilia.
129

7.1.2 Definição do universo e do corpus de análise

O conjunto das peças selecionadas foi publicado na Folha nos períodos de 1976 a
1999 e totalizou 221 Unidades de Informação (UI) que tratam direta ou indiretamente da
temática da pedofilia, ou seja, que apenas mencionam o termo ou que têm foco na pedofilia.
Todas as UIs encontradas e selecionadas formam um conjunto de UI do qual intitulamos de
universo. Como preconizado por Bardin (1977), “o universo relaciona-se aos documentos
sobre os quais se pode efetuar análise.” Foi a partir desse “pano de fundo” (ANDRADE, L.,
2001), que retiramos o corpus das peças que têm foco na pedofilia. Essa divisão entre as UIs
universo e a UIs corpus se fez necessária devido ao considerável volume de peças localizadas,
principalmente nas décadas de 1970 e 1980, que não tratavam diretamente da temática da
pedofilia, ou seja, só a mencionavam ou tangenciavam. Portanto, as UIs do corpus são as que
tratam diretamente da temática da pedofilia.
Sintetizando, esta pesquisa tem dois recortes de análise das UIs: o universo e o corpus.
O primeiro (o universo) representa todos os documentos coletados e analisados; o segundo (o
corpus) foi retirado do primeiro e reúne as peças que tratam diretamente da temática da
pedofilia e será submetido a um exame mais detalhado e analítico (BARDIN, 1977).
Cada UI é composta pelo contexto de produção da matéria (autor, data, dia da
semana), pelo texto jornalístico (nota, reportagem, notícia, artigo, gráfico, tabela etc.) e pode
apresentar, também, recursos audiovisuais, como, por exemplo, fotos e desenhos
(ANDRADE, L., 2001).

7.1.3 Estratégias de análise

Para a análise formal (2ª etapa da HP), recorremos à técnica da Análise de Conteúdo,
preconizada por Bardin (1977) e Rosemberg (1981). Conforme já mencionado no capítulo
metodológico, esta técnica nos auxilia na análise de elementos das peças jornalísticas, ou seja,
“a técnica de análise de conteúdo se propõe a descrever aspectos de uma mensagem, objetiva
e sistematicamente, e algumas vezes, se possível, de forma quantificável, a fim de
reinterpretá-la, de acordo com os pressupostos da investigação” (ROSEMBERG, 1981, p. 70).
Assim, explica Bardin (1977), a Análise de Conteúdo não tem o escopo de devolver ao leitor
a integralidade do texto sob análise.
A análise das UIs que compõem o universo e o corpus foi feita a partir de “manuais de
análise” ou “grade de análise” que formam grades analíticas que descrevem o rol de
130

categorias, bem como sua definição. Esses manuais (Manual 1 e Manual 2) são um guia para
a coleta de dados, para a produção de tabelas, quadros e gráficos, e constam no Apêndice 2.
Como indicado por Bardin (1977), a grade de análise foi construída a partir da leitura
flutuante das peças jornalísticas, norteada tanto pelo objeto de pesquisa como pelos aportes
teóricos, análise do contexto sócio-histórico e manuais já produzidos em investigações que
também usaram a Análise de Conteúdo como técnica de análise de discursos sobre a infância
na Folha de S. Paulo, em especial, de Andrade, L. (2001); Bizzo (2008) e Mariano (2010).
Foram construídos dois manuais de análise. O primeiro manual se destina à
caracterização do contexto de produção das UIs e foi aplicado nas peças que compõem o
universo (todas as peças), ou seja, nas 221 UIs. As categorias desse manual incluem: número
da UI, data de publicação, localização geográfica, caderno, título. O manual 1 possibilita,
então, uma caracterização mais geral das peças publicadas, gerando dados sobre a distribuição
das UIs no tempo, nos cadernos do jornal e na localização nacional ou internacional.
O segundo manual se destina às peças do corpus, ou seja, aquelas que tratam
diretamente do tema da pedofilia e, portanto, tiveram uma análise mais aprofundada. O
manual 2 é composto pelas seguintes categorias: dia da semana; autoria das UIs; tema da UI;
tipo de conteúdo; gênero jornalístico, origem jornalística; fonte das informações;
acontecimento gerador; composição dos títulos e do texto com o termo pedofilia; casos;
gênero; caracterização do acusado; e informação sobre a criança/adolescente.
Assim, as peças que fizeram apenas menção ao termo pedofilia tiveram somente seu
contexto de produção analisado enquanto as peças que tratam diretamente da temática da
pedofilia tiveram uma análise mais detalhada.
Cabe mencionar que, diferentemente das pesquisas do NEGRI, não enfocamos em
personagem/depoente, mesmo porque a leitura flutuante das peças nos possibilitou detectar
que as crianças, os adolescentes e as famílias quase nunca foram mencionados.

7.2 Análise discursiva das unidades de informação: resultados

A partir desta seção, trazemos os dados e as análises das UIs coletadas, organizados
em tópicos referentes às categorias previstas nos manuais de análises. Apresentamos os
resultados a partir de uma sistemática dedutiva, precedida de uma análise indutiva. Com base
em cada grade de análise, elaboramos tabelas, examinando-as; fizemos uma síntese dos
resultados e produzimos quadros e/ou gráficos, expostos ao longo deste capítulo.
Como vimos no gráfico 1, o tema da pedofilia era um tema silenciado até a primeira
131

metade da década de 1990, passando a ter visibilidade a partir da segunda metade dessa
década, passando a ganhar exposição significativa na mídia.
Das 221 UIs (universo), 65 delas, o que equivale a 30% do total, tratam indiretamente
da temática da pedofilia, ou seja, nos textos dessas peças há apenas menção do termo
pedofilia. As demais 156 UIs, correspondendo a 70%, tratam diretamente da temática da
pedofilia, ou seja, tratam-na como tema central. O gráfico 2 ilustra estes dados:

Gráfico 2 – Distribuição das UIs do universo, de acordo com o tipo da UI

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 2, Apêndice 3).

A ocorrência da produção e publicação dessas UIs, tanto das que mencionam como
das que tratam diretamente da temática da pedofilia, se deu de modo crescente ao longo do
tempo. Quanto às UIs que apenas citam a temática, observamos uma estabilidade (Gráfico 3):

Gráfico 3 – Distribuição dos tipos de UIs do universo por ano

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 3, Apêndice 3).
132

No gráfico 3, é possível visualizar a emersão temporal do tema da pedofilia na FSP.


De um termo que não era mencionado antes de 1976, foi surgindo de modo tangencial durante
o final dessa década e ao longo da década de 1980, para, então, a partir de 1991, ser foco de
matérias e ir adentrando nos textos produzidos por colunistas, jornalistas, correspondentes,
articulistas e pelo próprio leitor da Folha. Assim, antes dos anos de 1990, ele era apenas
tangenciado nos variados textos dos cadernos que integram o jornal. Durante essa década, o
tema da pedofilia passa a ser o foco de peças jornalísticas, até sua explosão no ano de 1999.
Para analisarmos esta explosão do tema da pedofilia em 1999, consideramos pertinente
trazer aqui os dados da distribuição no tempo da frequência de UIs na FSP sobre outras
problemáticas da infância: “prostituição infanto-juvenil” (ANDRADE, 2001), “gravidez na
adolescência” (NAZARETH, 2004), “meninos de rua” (ANDRADE, M., 2005) e “trabalho
infanto-juvenil (FREITAS, 2004). Isso porque, a partir do gráfico construído por Marcelo
Andrade (2005), reproduzido a seguir (Gráfico 4), é possível perceber que no período de 1991
a 2001 (período de abrangência dessas pesquisas), a pauta do jornal esteve bastante ocupada,
de modo claramente alternado, com os temas "meninos de rua", “prostituição infanto-juvenil”,
"trabalho infanto-juvenil" e “gravidez na adolescência”, de modo que cada tema teve picos de
frequência em anos diferentes (à exceção dos temas “trabalho infanto-juvenil” e “gravidez na
adolescência”).

Gráfico 4 – Distribuição de frequência das UIs sobre os temas prostituição infanto-juvenil,


trabalho infanto-juvenil, gravidez na adolescência e meninos de rua

Fonte: Andrade, M. (2005, p. 113)

A partir do gráfico acima, é notório que o exponencial aumento de peças sobre


pedofilia, que se deu em 1999, ocorreu justamente quando houve um declínio acentuado na
133

produção de peças sobre “trabalho infanto-juvenil”; “meninos de rua” e “gravidez na


adolescência”28 . Ou seja, a espetacularização de uma problemática da infância não concorria
temporalmente com outra. Na medida em que essas temáticas, tal como a pedofilia, como
sustentaremos adiante, se nutrem de dramatismos e sensacionalismos, entram nas pautas
midiáticas “como se fossem modismo: depois de desgastados, novos despontam” (FREITAS,
2004, p. 207). Assim, conforme determinadas mazelas da infância e adolescência brasileiras
foram ficando cada vez mais saturadas para o público, o tema da pedofilia passou a ser, a
partir do ano de 1999, o novo “espetáculo” da infância violentada.
Das 221 UIs localizadas no jornal Folha de S. Paulo, entre 1976 e 1999, referentes à
temática da pedofilia, 162 foram produzidas no contexto brasileiro e 59 no contexto
internacional. A porcentagem equivalente desses dados está representada no gráfico 5:

Gráfico 5 – Distribuição da frequência de produção do universo de UIs


do universo no Brasil e no Exterior

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 4, Apêndice 3).

É do contexto internacional a primeira menção no jornal sobre o termo pedofilia, em


1976, em um artigo do jornalista J. B. Natali, mas se trata, realmente, de uma mera menção.
Ao escrever sobre “O sexo sem censuras”, Natali traz o pensamento de Michel Foucault sobre
o sexo e a sexualidade, sendo o termo pedofilia citado como exemplo de um caso de uma
pessoa condenada por tentativa de prática sexual com criança: “[...] Foucault cita o caso de
um camponês que mereceu uma coletânea de monografias por ter sido judicialmente
condenado por uma tentativa de pedofilia. A justiça, entregando o réu à Medicina, o
transforma em paciente” (UI 01, 22/12/76).
28
A pesquisa sobre o tema da “prostituição infanto-juvenil” abrangeu até o ano de 1995.
134

A primeira matéria publicada na FSP com foco no tema da pedofilia também foi
produzida no exterior, no dia 09 de fevereiro de 1980, pelo jornalista Paulo Francis, publicada
no caderno Folha Ilustrada. Ao relatar casos de pessoas consideradas pedófilas, o jornalista
associa a pedofilia ao estupro, afirma que a pedofilia é considerada uma “aberração sexual” e
declara que “quase todos os pedófilos são homossexuais” (UI 05, 09/02/80). No gráfico 6
apresentamos a distribuição das UIs segundo a localização geográfica e o enfoque recebido.

Gráfico 6 – Distribuição de frequência das UIs do universo por tipo e


localização geográfica
80
70
60
Quantidade de UIs

50 Brasil - Foco
40
Brasil - Menção
30
20
Exterior - Foco

10 Exterior - Menção
0
1976 1980 1982 1984 1986 1988 1991 1994 1996 1998
Ano

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 3 e 4, Apêndice 3).

As quatro primeiras menções sobre o termo pedofilia no jornal FSP foram produzidas
no final da década de 1970, no exterior. Isso indica que o termo começa a ser apresentado no
jornal a partir de produções internacionais, ou seja, a entrada do termo pedofilia na FSP
aconteceu por meio de menções da palavra em textos de opinião produzidos por autores e
agências de fora do país. É nos anos de 1990 que a pedofilia ganha o foco de peças
jornalísticas, ao trazer informações sobre casos de acusação de pedofilia. Um destes foi uma
queixa envolvendo o cantor Michael Jackson (UI 54, 30/01/1994). Desde então, as peças
produzidas no exterior abordam casos de pedofilia envolvendo celebridades, pessoas ligadas à
igreja (padres, bispos) e sobre a repercussão do lançamento do filme Lolita 29 , em 1997. Outra
circunstância em que as UIs são produzidas no contexto internacional, a partir também da

29
O filme Lolita é baseado no livro homônimo, lançado em 1955, por Vladimir Nabokov. A história do
professor que se apaixona por uma adolescente foi narrada em duas versões para o cinema. Uma de 1962,
dirigida por Santley Kubrick, sofreu censura. A versão de 1997, com Adrian Lyne na direção, teve mais
liberdade de apresentar o romance, e foi considerada, por muitos, como uma obra de pedofilia. É a essa segunda
versão que as UIs fazem referências.
135

década de 1990, envolve as operações policiais internacionais de combate à pedofilia, que


visam investigar computadores e sites que divulgam vídeos pornográficos de crianças.
Os anos de picos de produção de peças no contexto internacional com foco na temática
da pedofilia são:
 1996: divulgação de várias peças sobre a acusação de pedofilia envolvendo um
ganhador do prêmio Nobel e a publicação sobre o caso conhecido como “Dutroux”, ocorrido
na Bélgica, em que seis jovens com idades entre oito e 19 anos de idade foram sequestradas,
abusadas, mantidas em cativeiro por um homem, tendo quatro delas morrido;
 1997: peças sobre a nova versão do filme Lolita; sobre casos de pedofilia na França
e na Igreja católica;
 1998: casos de pedofilia na Holanda e operações de combate à pedofilia na internet.
No ano de 1999, houve somente cinco produções de peças internacionais abordando a
temática da pedofilia. Essa produção concentrou-se em um único mês: janeiro, época em que
estava ocorrendo um evento internacional promovido pela UNESCO, em Paris/França,
intitulado: “Exploração sexual de crianças, pornografia e pedofilia na Internet: um desafio
internacional”, para o qual um jornalista da FSP foi convidado a participar e, durante o
evento, que durou uma semana, ele escreveu seis matérias sobre a temática da pedofilia. Nos
demais meses, não localizamos nenhuma peça elaborada no exterior e divulgada na Folha. Já
no contexto nacional, esse foi o ano com maiores picos de produção de peças que abordaram
diretamente a temática da pedofilia.
No gráfico 7, temos a distribuição das UIs segundo ano e localização geográfica :

Gráfico 7 – Distribuição das UIs do universo por ano e localização


geográfica

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 4, Apêndice 3).
136

Quanto às UIs de origem nacional, observamos que, a partir da década de 1990, a


temática foi ganhando espaço de forma direta, ou seja, aumentou a produção de peças que têm
como foco a pedofilia. Essa análise indica que a publicização desse tema está associada à
emergência da temática e com divulgação global dos casos de “abuso sexual infantil” e da
pedofilia, ao aumento do ativismo e promoção de eventos para combater o “abuso sexual
infantil” no mundo todo, a consolidação do “abuso sexual infantil” como problema de saúde
de ordem mundial, a difusão dos direitos da criança e do adolescente após a promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, e, desde então, vem ocorrendo uma
construção dessas temáticas enquanto um problema social. No gráfico 1, apresentado
anteriormente, é possível verificar que a quantidade de peças com menções ao termo pedofilia
entre os anos de 1976 até 1990 foi pequena se comparada à explosão da temática nos anos de
1991 a 1999. Nesse último ano, a produção de peças de origem nacional totalizou 76 e as de
origem internacional, somaram seis peças.
Portanto, a intensificação dos eventos internacionais sobre o abuso sexual contra
crianças e adolescentes, ocorrida a partir da década de 1990, a produção de obras literárias e
científicas sobre violência sexual contra criança e adolescente de organizações públicas ou
privadas nos EUA, na Europa e na América Latina, pode ter contribuído para a emergência da
temática da pedofilia no jornal FSP.
As produções, que emergiram entre os anos de 1991 e 1999, tal como identificamos no
contexto sócio-histórico, coincidem com o surgimento, nestes mesmos anos, de muitas
publicações de temáticas sobre crianças e adolescentes associadas à “situação de risco” e à
“violência” física e sexual na mídia brasileira. Conforme identificamos no contexto sobre os
discursos sobre os direitos da Criança e do Adolescente no Brasil, pudemos depreender que,
além da promulgação do ECA, outros eventos, associados ao debate sobre violência sexual
contra crianças e adolescentes, tal como o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança na ONU
(1990), a 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (1994), a
Associação Brasileira de Provedores de Internet, que, junto com o Ministério Público do
Estado de São Paulo, promoveu, em 1999, campanhas para estimular denúncia de crimes que
envolvessem o “abuso sexual infantil”.
Ainda, conforme identificamos na análise do contexto sócio-histórico, há também a
criação de organizações não governamentais, a partir da segunda metade do ano de 1990,
como a Agência dos Direitos da Infância (ANDI), o Instituto Ayrton Senna (IAS) e a
Fundação Abrinq. Com a criação e consolidação dessas organizações que falam “em nome da
criança” (PEREIRA, 2005), prosperam também as ações promovidas por elas, como o
137

Programa Empresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq e o projeto Jornalista Amigo da


Criança, da ANDI. Há, ainda, a iniciativa da CPI da Prostituição Infanto-juvenil, realizada em
1993, na Câmara dos Deputados e que deu grande visibilidade ao tema. Assim, observamos
que o aumento de eventos sobre a infância estimulou a produção das temáticas do abuso
sexual contra crianças e adolescentes e da pedofilia.
Esse aumento da valorização dessas temáticas foi simultâneo ao crescimento das
estratégias da mídia para publicizar tais produções. Vários são os recursos usados pela mídia
para apresentar, divulgar e atrair os leitores. Esses podem ser gráficos, ilustrativos, textuais ou
publicitários. A composição desses elementos pode seduzir o consumidor, envolvê-lo e levá-
lo à aquisição, por exemplo, de um jornal. A disposição da notícia, ou seja, o lugar onde ela
será publicada, é determinada pela importância do fato. A seleção do que é mais importante e
do que vai ocupar lugar de destaque na capa do jornal é feita por hierarquização dos fatos, que
são distribuídos no espaço da capa de acordo com o grau de importância (SCALZO, 2003).
As peças foram publicadas com maior frequência no caderno intitulado como Primeiro
Caderno, sendo o que possui a maior quantidade de UIs (27,79%). Esse caderno é o primeiro
do jornal, composto por temas prioritários e constituído por seções que tratam de notícias do
cotidiano, como, por exemplo, violência, cidades, política, dentre outros. Ele é destinado ao
público em geral. Nele, as peças eram do tipo reportagens, elaboradas pela equipe da redação,
ou das sucursais ou agências de notícias, ou ainda outros profissionais que tinham algum
vínculo com o jornal. A seguir, podemos observar, no gráfico 8, a distribuição das UIs nos
cadernos do jornal FSP.

Gráfico 8 – Distribuição de UIs do universo por caderno

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 5, Apêndice 3).
138

O caderno Ilustrada foi o segundo com maior frequência de peças. Esse caderno
agregava informações de cultura, arte, cinema, livros, música e entretenimento. De 1976 até o
final da década de 1980, o termo pedofilia aparecia de forma tangencial em peças sobre filmes
e livros, publicadas no caderno Ilustrada. Nessas peças, o autor, ao fazer resenha sobre
determinado filme ou livro de temáticas sobre sexo e sexualidade, mencionava a pedofilia.
Quando a temática passa a ser mostrada de forma direta, isto é, com foco na pedofilia,
como, por exemplo, o relato de casos considerados de pedofilia, ela passa a ser publicada
mais em outros cadernos. Ao ser associada à “pornografia infantil na internet”, a pedofilia
começa a circular com mais frequência no caderno Informática, que divulgava as operações
da polícia no combate às redes de distribuição de pornografia infantil, principalmente no ano
de 1999. Um dos destaques dessa publicização ocorreu no dia 30 de junho de 1999, em que
nove peças foram produzidas sobre “a caça” aos “pedófilos” na internet.
Um destaque importante é que somente uma UI foi publicada no caderno Folhateen.
Essa UI é uma peça que traz uma menção à temática da pedofilia. Não localizamos, nesse
caderno, nenhuma peça com foco na temática da pedofilia. O Folhateen foi um caderno
especializado em produção de peças jornalísticas direcionadas ao público infanto-juvenil. A
ausência desta temática nos parece muito significativa, pois expressa o quanto que
informações que envolvam a sexualidade é algo que não deve ser comentado com crianças e
adolescentes, nem mesmo para protegê-las. Entendemos que a mídia reflete e refrata a
realidade da sociedade e esse dado flagra a representação contemporânea da criança como um
ser inocente e da infância como um período que deve ser “protegido” das questões da
sexualidade, deixando patente o expurgo da sexualidade dos discursos e práticas das crianças,
conforme mostrou Foucault (1988). Portanto, esse dado indica o quanto o abuso sexual e a
pedofilia não eram (e possivelmente ainda não sejam) vistos como algo que crianças e
adolescentes devessem saber, inclusive para se protegerem. Ou seja, o grande volume de
peças sobre o tema da pedofilia que localizamos em seu período de emergência foi veiculado
unicamente ao público adulto, o que expressa que as vítimas, crianças e adolescentes, não são
vistas como parte do enfrentamento da questão.
Observamos que quarta-feira foi o dia da semana preferido pelo jornal Folha de S.
Paulo para publicação de peças com foco na temática da pedofilia, com 37 UIs, seguido do
sábado, com 33 UIs e do domingo com 22 UIs. Às quartas-feiras era publicado o caderno de
Informática, destinado a ajudar leitores iniciantes e experientes a entenderem sobre internet e
computadores, a fazer compras eficientes e economizar tempo e dinheiro. Esse caderno
apresentava matérias associadas à área de informática. No caso da temática da pedofilia, foi
139

nesse caderno que foram publicadas as operações da polícia de combate à pornografia infantil,
o que contribuiu para que este fosse o dia da semana com maior frequência de UIs.
Os dados indicam também uma preferência para publicação da temática da pedofilia
no final de semana. Sábado é o dia em que o caderno Ilustrada é produzido e contribuiu para o
aumento na produção de textos jornalísticos nesse dia da semana. Aos domingos, circulava o
caderno Mais!, responsável pela metade (oito) das UIs sobre cinema, livros, lançamentos,
poemas e artes. Conforme observado por Leandro Andrade, sugerimos que um dos fatores das
peças terem sido publicadas no domingo se deve ao fato de ser o dia em que há grande
volume de publicidade e maior diversidade de cadernos, consequentemente, mais anunciantes.
Além disso, esse é o dia em que a classe média se põe a ler o jornal de “cabo a rabo”. E o
jornal procura segurar “o rabo do leitor” (ANDRADE, L., 2001, p. 3).
No gráfico 9, é apresentada a distribuição da frequência das peças por dia da semana.

Gráfico 9 – Distribuição da frequência das UIs do corpus por dia da semana


40 37
35 33

30

25 22 22 21
20

15 12
9
10

0
Domingo Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 6, Apêndice 3).

A autoria das peças, nesse período de emergência da temática da pedofilia, também


foi um aspecto analisado. Embora os dados indiquem que predominou o não aparecimento do
nome do autor. Ao todo, 98 pessoas escreveram sobre a temática nas 156 UIs do corpus (que
tiveram a pedofilia como foco da peça). Destas 156, 43 peças não tiveram a autoria
identificada e, assim, as codificamos como “não consta”. As demais UIs (113), foram
produzidas por diferentes autores. Isso pode ter ocorrido por algumas questões: há peças que
não necessitam de assinatura, como, por exemplo, uma piada. Outra situação foram os casos
em que a peça só é assinada como sendo “de agências internacionais”, “da redação”, ou “da
sucursal”. Há ainda o caso em que as UIs são assinadas somente por letras das iniciais dos
nomes dos autores, impossibilitando a identificação do profissional que produziu a peça.
140

Quadro 2 – Distribuição e frequência das UIs do corpus por autor


Autor Quantidade de UIs
Maurício Simionato 17
Carlos Eduardo Lins da Silva 7
Vilma Gasques 6
Fernando Rossetti 6
Jairo Bouer 5
Rodrigo Rimon 4
Lilian Christofoletti 4
Marcelo Oliveira 4
Isabel Versiani 4
Ronaldo Soares 4
Ricardo Bonalume Neto 3
Maurício Stycer 3
Eunice Nunes 3
Ricardo Brandt 3
Marcelo Godoy e Daniel Castro 3
Clare Garner 2
Ricardo Kotscho 2
Maria Ercilia 2
Otávio Dias 2
Amir Labaki 2
Paulo Peixoto 2
Aureliano Biancarelli 2
Gesner Oliveira 1
Antônio Carlos Seide 1
Alain Touraine 1
Daniela Falcão 1
Paulo Francis 1
Wilson Tosta 1
Ricardo Calil 1
Eli Fernandes 1
Moacyr Scliar 1
Elvira Lobato 1
Fernando Moliga 1
Celso Fioravante 1
César Rocha 1
Mário Cesar Carvalho 1
Gilberto Dimenstein 1
Marta Avancini 1
Alessandro Silva 1
Antônio Callado 1
Daniel Castro 1
Fernando Godinho 1
Luiz Mott 1
Betina Bernardes 1
Não consta 43
Total Geral
156
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 7, Apêndice 3).
141

O autor com maior número de UIs (Maurício Simionato) escreveu sobre a temática da
pedofilia associada à “pornografia infantil na internet”, à criminalização do acusado e no
relato de casos de violência sexual contra crianças associados à pedofilia, ocorridos nas
cidades de Campinas e de São Paulo. Carlos Eduardo Lins da Silva foi o segundo que mais
produziu sobre o tema na FSP. Coube a ele fazer a cobertura sobre o caso do ganhador do
prêmio Nobel30 acusado de pedofilia, caso este que teve grande repercussão mundial. Ele
também escreveu sobre a nova versão do filme Lolita e o associou com a temática da
pedofilia.
Nas peças do corpus associadas a eventos promovidos por diferentes organizações,
jornalistas viajaram a convite da instituição promotora ou envolvida com o ato e, nesses
casos, produziram matérias durante o período em que o evento aconteceu. Um dos exemplos
foi o que ocorreu com o jornalista Fernando Rossetti, que foi convidado pela UNESCO para
participar do evento “Exploração sexual de crianças, pornografia e pedofilia na Internet: um
desafio internacional”, realizado em Paris, na França. Durante uma semana ele produziu seis
matérias sobre pedofilia, associadas ao evento promovido pela UNESCO. Essas peças, mais
uma vez, reforçaram a emergência da temática da pedofilia no Brasil através de campanhas
internacionais.
A cobertura de “casos” sobre pedofilia, na maioria das vezes, atrela o “caso” ao
profissional da imprensa, assim como ocorreu no caso do ganhador do prêmio Nobel ter sido
noticiado por um único jornalista na Folha. Isto também aconteceu no “caso do biólogo”
acusado de pedofilia, em que todas as peças também tiveram como única autora a jornalista
Vilma Marques, que foi a quarta que mais escreveu sobre a temática no jornal. Na medida em
que o jornalista fala sobre um determinado caso, acompanhando as investigações policiais, ele
vai se tornando “especialista” a respeito daquela ocorrência. Com isso, os autores podem tanto
legitimar e aumentar a divulgação de uma temática como podem invalidar e diminuir a
veiculação de um tema. Quando o autor se beneficia ao ter seu nome associado com
determinados temas, pode ocorrer a “valorização cruzada” (THOMPSON, 2011) ou a
“valorização recíproca” (FREITAS, 2004).
Observamos que o enfoque dado pelo jornal aos acusados se dá através de produção de
reportagens em série, que se transformam em “casos”. Assim, o jornalista consegue atrair a
atenção do leitor a partir do primeiro anúncio de um “grande escândalo jornalístico” até a
última reportagem sobre o caso. Qualquer fato novo de “tal caso” é desdobrado e passado

30
Esse caso refere-se a um ganhador do Prêmio Nobel de Medicina, acusado de forçar menores de idade a ter
relações sexuais com ele.
142

quase que diariamente ao leitor. Isso pode ser observado nas sequências de datas de
publicações de muitas peças.

Achadas mortas 3 crianças belgas (UI 73, 18/08/1996).


Pedófilo faz Bélgica rever pena condicional (UI 74,
20/08/1996).
Policial da ‘Casa dos Horrores’ ajuda Bélgica em investigação (UI 75,
21/08/1996).
Holanda investiga abuso sexual de bebês (UI 112, 17/07/1998).
Polícia é acusada no caso de pedofilia na Holanda (UI 113, 18/07/1998).
Maioria dos casos ocorre nos EUA e na Europa (UI 116, 03/09/1998).
Biólogo é preso sob acusação de pedofilia (UI 147, 23/01//1999).
Justiça pede sigilo em apuração de pedofilia (UI 149, 25/01/1999).
Advogado pede exame psiquiátrico de biólogo (UI 153, 27/01/1999).
Vendedor é acusado de pedofilia em SP (UI 164, 05/03/1999).
Polícia localiza 16 vítimas de vendedor (UI 166, 06/03/1999).
Promotoria denuncia vendedor de Mogi (UI 171, 13/03/1999).

Além desses casos mencionados, a FSP produziu muitas outras séries de reportagens
de um mesmo “caso” envolvendo “abuso sexual” contra criança e pedofilia. Os casos
publicados ficaram conhecidos como “Caso Chaim”, “Caso Durenta”, “Caso Mogi”, dentre
outros. Não encontramos esses tipos de peças em anos anteriores a 1999. Assim, um dos
fatores que contribuiu bastante para o pico de produção de peças observado em 1999 deveu-se
à abordagem de publicização de “casos”, tanto que esse tipo de abordagem correspondeu a
62,40% das UIs do corpus, como apresentado no gráfico 10.
Esse foco em matérias sobre “casos” sugere que há uma maior preocupação com
ocorrências de abusos cometidos por pessoas sem parentesco com a vítima do que a violência
contra crianças e adolescentes que são abusados na própria casa. Isso leva a distorções sobre a
compreensão da questão e pode indicar que a violência sexual intrafamiliar cometida contra
crianças e adolescentes é um tema tratado como tabu. Mesmo que a família não seja intocável
e nem sagrada, de certa forma, permanece intocável e sagrada. (MÉLLO, 2002).
Este tipo de abordagem do tema por meio de “casos” e/ou acusação de pedofilia foi o
tema central em mais da metade das UIs do corpus (62,40%). Também bastante significativa
foi a frequência da “pedofilia na internet”, tema central em 47,30% das UIs do corpus. Peças
que buscaram associar pedofilia e doença como tema central constituem a terceira maior
frequência (17,10%), conforme gráfico 10.
143

Gráfico 10 – Distribuição e frequência das UIs do corpus por tema


8; 5%
8; 5%

14; 9%

62; 40%

17; 11%

47; 30%

Caso/acusação de pedofilia Pedofilia na internet Pedofilia e doença


Pedofilia e pornografia Pedofilia na igreja Não se aplica

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 8, Apêndice 3). 31

Esses dados revelam o que foi apontado por Landini (2006): é da segunda metade da
década de 1990 em diante que a pedofilia passou a ser retratada não só como “pornografia
infantil”, mas também como uma doença. A partir disso, a pedofilia vai sendo apresentada
mais como uma doença do que como um crime. É desde então que o jornal Folha promove
um incremento sobre a temática da pedofilia como “abuso sexual infantil” na mídia, ou seja,
situações tão diversas de “abuso sexual infantil” passam a ser rotuladas como pedofilia.
No gráfico 11, temos a distribuição e a frequência de UIs do corpus por ano e tema:

Gráfico 11 – Distribuição e frequência de UIs do corpus por ano e tema

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 3 e 8, Apêndice 3).

31
As porcentagens ultrapassam 100% pois uma mesma UI pode ter sido enquadrada em mais de uma categoria.
144

Sobre a ênfase do conteúdo das UIs com foco na temática da pedofilia, sob a forma de
texto informativo ou não, apenas cinco UIs são informativas e 151 UIs não trouxeram
informação esclarecedora sobre a temática. A Folha privilegiou o discurso de denúncia,
através de notícias-escândalos, em detrimento do discurso informativo. Isso pode ter ocorrido
por causa do uso dos excessos midiáticos que são estruturais e culturais e definem o que será
produzido e divulgado e o que não será, ou seja, o que não virará notícia (DEBORD, 1967).
Vejamos o gráfico 12:

Gráfico 12 – Distribuição e frequência das UIs corpus pela ênfase do


conteúdo

Sim
Não

151

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 9, Apêndice 3).

Estas UIs informativas (38, 39, 40, 41 e 42) foram publicadas no mesmo dia, 31 de
maio de 1993. A primeira foi sobre o Congresso Mundial de Sexologia, que abordou os
limites do desejo e da doença. A segunda falou sobre o Filme de Almodóvar, intitulado “Pepi,
Luci, Bom y otras chicas del montón”32 . Já a terceira UI abordou o serviço gratuito prestado à
sociedade para tratar casos de disfunções sexuais. A história de um homem que fez tratamento
para curar um quadro parafílico de exibicionismo foi a pauta da quarta UI. Por fim, a quinta
apresentou informações sobre os principais desvios sexuais.
Esses dados também indicam a preferência do jornal por uma produção sensacionalista
sobre o tema. O uso de retóricas que enfatizam a dramaticidade da infância e adolescência

32
É um filme que narra a história de uma jovem que perde sua virgindade com um policial. Juntamente com uma
amiga, ela trama uma vingança contra ele. Mas o plano é interrompido, porque ambas conhecem a esposa do
policial e tornam-se amigos inseparáveis e vivenciam intensas aventuras.
145

associada à violência sexual é uma das estratégias utilizadas por atores sociais na construção
dos problemas sociais (HILGARTNER; BOSK, 1988).
O discurso jornalístico é compreendido como sendo um enunciado elaborado segundo
alguns sentidos que envolvem formas de produção, rotinas, pautas, fatos e acontecimentos em
que estão envolvidas relações de poder. É também dividido em gêneros, como a reportagem
(matérias), editorial e artigo de opinião. Todos podem produzir efeitos de sentidos diferentes
acerca de um mesmo tema, pois cada um dos gêneros jornalísticos traz consigo diferentes
formas de explorar e noticiar um assunto.
As temáticas da pedofilia e do “abuso sexual infantil” suscitaram a produção de
diferentes gêneros jornalísticos. As UIs do corpus foram, em sua maioria, do gênero
reportagem (58,97%). Essas reportagens (textos com informações detalhadas e com
interpretação dos fatos) utilizaram o recurso de produção do box (12,82%), que é um texto
mais curto associado ao texto mais longo. Deve-se notar, além disso, o reduzido número de
editoriais (0,64%) e de artigos (0,64%) que a temática recebeu. Observamos que quando a
temática da pedofilia não esteve publicada no gênero reportagem, ou notícia, ou artigo, ele foi
introduzido em outro gênero, por exemplo, no de crônica, utilizada para a produção da UI
052, ou o gênero carta, como foi o caso da UI 055 em que o leitor se manifesta sobre a
temática. E, ainda, a produção da UI 160, que dá destaque às notícias mais acessadas sobre a
temática da pedofilia.
A manifestação e o interesse dos(as) leitores(as), através de carta, na temática da
pedofilia e do “abuso sexual infantil”, como evidenciado na UI 160 “A Folha de ontem na
opinião do leitor”, em uma edição de segunda-feira, apareceu como outra maneira de o jornal
dar legitimidade ao tema. Assim, o termo foi mantido em evidência e foi ganhando espaço nas
produções da Folha.
A preferência pelo gênero reportagem, juntamente com o dado de que 62,40% das UIs
foram dedicadas a “casos de pedofilia”, indica a opção da Folha pelo detalhamento daquilo
que envolve aspectos da notícia em si: a que se refere o fato, como e onde aconteceu, quais os
envolvidos, quem é o acusado e qual a punição a ser recebida. Enfim, um esquadrinhamento
do que é sórdido, do que escandaliza, que serve bem à espetacularização. Conforme já
apontado, apenas cinco UIs, dentre as 156 do corpus, tinham um caráter informativo.
Ainda nas reportagens, gênero com mais produção de UIs (92), não encontramos
nenhuma UI na qual a personagem criança/adolescente, associada ao tema da pedofilia e do
“abuso sexual infantil”, fosse problematizada ou objeto de análise de peça jornalística.
Destacamos o gênero reportagem, porque foi o com mais produção de UIs, mas essa
146

observação prevaleceu também para outros gêneros jornalísticos das peças analisadas para
esta pesquisa.
As UIs foram produzidas com maior frequência pela reportagem local (25%),
constituída por jornalistas do próprio jornal ou que prestaram serviço freelance para a Folha.
As agências que mais produziram informações sobre a pedofilia e o “abuso sexual infantil”
foram aquelas localizadas em cidades onde também foram produzidas as UIs “casos”, com
produção de mais de uma UI. Há também origens jornalísticas de correspondentes enviados
especialmente a Nova York e Washington, locais onde foram realizados eventos promovidos
por organizações não governamentais. Nesse caso, o jornalista é convidado para participar do
evento com todas as despesas pagas pela instituição promotora do evento. A contrapartida do
profissional é escrever textos sobre o evento e a do jornal é a de publicar tais matérias.
Os informantes que mais falaram sobre o tema pedofilia e/ou “abuso sexual infantil”
no corpus e o que mais tiveram suas vozes consideradas foram os atores da área da Justiça,
mais especificamente a polícia (35,90%), juiz (14,71%) e os ligados às entidades de defesa da
criança (14,10%), conforme gráfico 13:

Gráfico 13 – Distribuição da frequência das UIs do corpus do quadro


institucional do informante
60
50
40
30
20
10
0

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 12, Apêndice 3).

Outra maneira de legitimar o tema é quanto ao uso de fontes: todas são adultas. Este
prestígio de fontes adultas está também associado ao quadro institucional do informante. Essa
informação corrobora com o que foi afirmado por Méllo (2002), que cabe ao Estado cuidar
147

das crianças e policiar as famílias em nome da manutenção da ordem e dos dispositivos


disciplinares.
Profissionais ou especialistas (policiais, funcionários e ONGs, psicólogos, médicos)
que lidam diretamente com os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são as
fontes de informações. Por eles serem do “ramo”, são fontes consideradas seguras, que
produzem “estratégias de saber e de poder” (FOUCAULT, 1988, p. 100). São esses
construtores de “verdades” que vão alertar a sociedade das “ameaças” existentes, contribuindo
para construir os sentidos sobre a temática a partir de determinado viés: o do crime e da
doença.
Laura Lowenkron (2012) sugere que a polícia, especificamente a Federal, teve grande
participação na construção da pedofilia como problema social. De fato, como observamos
nesta pesquisa, as operações executadas pela polícia extrapolaram as páginas dos inquéritos
policiais, adentrando as páginas da FSP.

Vale notar também que é por meio das investigações policiais contra a
“pornografia infantil na internet” que as cenas de crianças e adolescentes
envolvidos em interações e performances sexuais passam a circular em
documentos e discursos oficiais, inicialmente nas páginas do inquérito
policial – caracterizado pelo acesso restrito e voltado para a produção de
provas que sirvam de base para a acusação criminal – e em seguida em
narrativas jornalísticas e discursos políticos que constituem e alimentam o
imaginário social a respeito dos perigos sexuais que ameaçam as crianças e a
sociedade (LOWENKRON, 2012, p. 3, grifo da autora).

Nesse sentido, Rodrigues (2014) afirma que

A construção de problemas sociais não é motivada apenas por conflitos de


interesse material e de preocupações humanitárias, mas também por
conflitos de valores. O pânico moral pode estar empiricamente associado aos
processos de regulamentação moral, mas é analiticamente um conceito. E
como um conceito típico-ideal representa o início da análise, um modo
inicial de abordar e iluminar o problema e não a totalidade da análise nela
mesma. (RODRIGUES, 2014, p. 260).

Ao analisarmos os acontecimentos que podem ter disparado a produção das UIs,


observamos que as denúncias de “abuso sexual infantil” (44,87%) do total das UIs do corpus
motivaram a publicação de 70 UIs. Campanhas contra “violência sexual infantil” e operações
de combate à “exploração sexual infantil e pornografia” suscitaram a produção de 36 UIs,
equivalente a 23,08% do corpus (gráfico 14).
148

Gráfico 14 – Distribuição de frequência de UIs do corpus por acontecimento


gerador
80
70
60
50
40
30
20
10
0

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 13, Apênd ice 3).

Esses dados indicam que quase metade das UIs (44,87%) tiveram a denúncia de abuso
sexual contra criança ou adolescente como elemento disparador da matéria, o que nos leva a
pensar os efeitos disso, na medida em que, possivelmente, contribuiu para alimentar um
pânico de que estaria ocorrendo um aumento do abuso sexual, quando o que ocorria era uma
maior visibilidade da questão. “A construção da agenda de problemas sociais, nas sociedades
contemporâneas, depende intensamente das mídias, que atuam tanto em seu próprio nome,
quanto como caixa de ressonância de outros atores sociais” (ROSEMBERG, 2008, p. 299).
Portanto, esse tom de denúncia nas UIs contribuiu para o tipo de visibilidade da
temática, para o surgimento dos contornos e definições que este problema social foi
adquirindo e também para as demarcações da busca por uma solução da “problemática”.
As peças analisadas foram produzidas, de acordo com o contexto sócio-histórico, em
meio à mobilização internacional e nacional em defesa dos direitos de crianças e adolescentes.
Sugerimos que o agendamento na mídia de temáticas relativas à violência sexual contra
crianças e adolescentes está associado, em boa parte, à “importação” da temática da pedofilia,
às realizações de campanhas, às ações e promoções de agentes sociais em prol do combate
dessa “problemática social” que tiveram grande ímpeto principalmente no ano de 1999. Isso
aparece nas seguintes peças:

UNESCO quer controlar pedofilia na Internet (UI 141, 18/01/1999).


Governo e entidades montam rede de caça à pedofilia na Internet (UI 182,
18/05/1999).
149

Campanha combate pedofilia na Internet (UI 187, 09/06/1999).


Rede luta para banir páginas de pedofilia (UI 188, 30/06/1999).
Promotor faz blitz antipedofilia no Rio (UI 210, 23/10/1999).

Para melhor detalhamento do que consta nos textos dessas Unidades de Informação,
apresentamos parte do texto da UI 183:

Fórum abre cerco contra a pedofilia

A Unesco, o governo federal, a Interpol, provedores de Internet e ONG’s


estão montando um cerco para combater o abuso sexual, a pedofilia e a
pornografia infantil na rede mundial de computadores. [...] Segundo o
delegado, o perfil do aliciador da Internet é de homens entre 16 e 32 anos,
com inteligência acima da média, com predileção por ficção científica e
xadrez (UI 183 18/05/1999).

O título é considerado um importante elemento na construção das manchetes das capas


do jornal e das matérias que são expostas no interior do jornal. Ele é um componente verbal
específico, que é usado exatamente para chamar a atenção e conquistar o leitor. Para Roberto
Civita, que escreveu o prefácio do livro que conta a trajetória da Editora Abril (1990), o título
é elemento “chave” e para funcionar precisa de impacto.
Tendo o título tamanha importância, não pode ser morno e nem chato, pois constitui
uma forma publicitária no jornalismo (MELO, 1994). O título tem que ser criativo, sucinto,
sintético, claro, sem ambiguidades ou camuflagem rebuscada e principalmente atraente. Se
não chamar a atenção será inútil. Um título bem feito “vende” uma reportagem. Ou uma
edição. Um título ruim consegue esconder um magnífico trabalho jornalístico (MELO, 1994).
O termo pedofilia constou em grande parte dos títulos das UIs (67,31%). A “campanha
moral” (ANDRADE, L., 2001) suscitou a percepção de que o fenômeno estaria crescendo,
que teríamos um aumento dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, que
ocorreria em todos os lugares e com muitas pessoas. Isso foi estimulado pela tendência das
pessoas de conhecerem “as coisas” somente pelo que a mídia produz, como se, de repente, a
população adquirisse conhecimento disso, fazendo com que as diferentes situações de abuso
sexual de crianças passassem a ser rotuladas como pedofilia. Desse modo, visualizamos nas
peças coletadas na FSP uma trajetória do tema da pedofilia na mídia que tem repercussões nos
discursos sobre a infância e sobre o corpo da criança. “Pode-se dizer que no Brasil, em menos
de uma década, a sociedade passou da indiferença, da apatia e da resignação em relação às
crianças para um estado de indignação” (RODRIGUES, 2014, p. 210).
150

Mas trata-se de uma indignação seletiva, uma indignação voltada para algumas
problemáticas da infância. Os discursos sobre a pedofilia na FSP que encontramos nesta
pesquisa seguem as mesmas retóricas que a literatura internacional (FEILITZEN, 2002;
PONTE, 2005) e nacional (ANDRADE, L., 2001; FREITAS, 2004; NAZARETH, 2004;
ANDRADE, M., 2005, BIZZO, 2008; MARIANO, 2010; ROSEMBERG e ANDRADE, M.,
2012) identificaram: a violência é uma porta de entrada para a mídia falar dos assuntos
relacionados à infância e adolescência, que ganha mais apelo se estiver associada à
sexualidade. Nesta pesquisa, notamos que tal associação ganhou maior espetacularização
ainda com a preferência do uso do termo pedofilia, inclusive para situações que não se
enquadrariam dessa forma. Assim, encontramos 106 títulos das UIs do corpo (67,31%) com o
termo pedofilia (gráfico 14), mas que serviram mais como uma isca para atrair a atenção do
leitor, do que propriamente para falar estritamente de situações que implicavam em pedofilia.
A consequência disso é que diferentes situações de abuso ou violência sexual contra crianças
e adolescentes (“pornografia infantil na internet”; exploração sexual de crianças e
adolescentes, estupro, turismo sexual) foram sendo noticiadas como pedofilia. Esta
preferência da FSP pelo termo pedofilia para tratar casos de violência sexual contra crianças e
adolescentes, revela-se, portanto, em um uso retórico para facilitar a espetacularização.

Gráfico 15 – Frequência das UIs do corpus do uso do termo pedofilia nos títulos
120
106
100

80

60
44
40

20
6
0
Não se aplica (refere-se às Não consta Apres enta o termo “PEDOFILIA”
frases públicas em destaque na ou equivalente
seção Frases, e aos títulos do
Painel do Leitor)

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 14, Apêndice 3).

Além disso, identificamos, também, um tratamento ao tema de tipo policial,


conferindo às UIs um estilo sensacionalista. De acordo com o Dicionário de Comunicação
(BARBOSA e RABAÇA, 2002), sensacionalismo é um estilo jornalístico caracterizado por
151

intencional exagero da importância de um acontecimento, na divulgação e exploração de uma


matéria, de modo a emocionar ou escandalizar o público. Esse exagero pode estar expresso no
tema (no conteúdo), na forma do texto e na apresentação visual (diagramação) da notícia. O
apelo ao sensacionalismo pode conter objetivos políticos (mobilizar a opinião pública para
determinar atitudes ou pontos de vista) ou comerciais (aumentar a tiragem do jornal). No
dicionário consta, também, que sensacionalismo é qualquer manifestação literária, artística
etc., que explore sensações fortes, escândalos ou temas chocantes, para atrair a atenção do
público. Vejamos com alguns exemplos a seguir:

Bancário ‘caçou’ 638 garotos (UI 49, 23/01/1994 – grifo no original).


Policial da ‘Casa dos Horrores’ ajuda Bélgica em investigação (UI 75,
21/08/1996 – grifo no original).
Acusado diretor de escola belga (UI 104, 04/09/1997).
Arcebispo britânico é acusado de pedofilia (UI 152, 27/01/1999).

Nesses títulos, notamos o quanto é dado destaque para aspectos chocantes: 638 garotos
“caçados”; uso da expressão “casa dos horrores”; personagens que teriam a função de educar
(diretor de escola) ou ligados à igreja (arcebispo) são violadores/agressores. Portanto, a
temática do abuso sexual contra crianças e adolescentes, abordada através do termo da
pedofilia, foi tratada, muitas vezes, pela via da violência como espetáculo. Identificamos, nas
manchetes, um tratamento de “tipo policial”, dando-lhe um estilo sensacionalista. Das
manchetes citadas anteriormente, extraímos parte do texto que revela esse mesmo estilo:

O policial britânico que liderou as investigações da “Casa dos Horrores”


(Inglaterra) pode ajudar seus colegas belgas no escândalo de pedofilia que
abalou o país. [...] A “Casa dos Horrores”, na Cromwell Street, ficou famosa
em 1995 após a descoberta dos corpos de 12 garotas e mulheres enterradas
na casa de Fred e Rosemary West. As vítimas foram violentadas antes de
serem mortas (UI 75, 21/08/1996, grifos nossos).

Esse excerto é um exemplo de construções de sentidos já citados por Pêcheux (2009) e


Orlandi (2002), cujas palavras que os compõem não existem em si mesmas, pois são
construídas em um espaço social, pelas vozes de diferentes agentes sociais. É a partir de
manchetes como essas que o termo pedofilia vai sendo construído e ganhando significado de
que todo e qualquer abuso sexual contra crianças e adolescentes tem correlação com a
pedofilia. Mais que isso, vai se transformando em um grande problema social e, da forma
como é re(produzido), gera pânico na sociedade.
152

Nessa esteira, notamos que há peças do jornal FSP que trazem confusões conceituais,
principalmente sobre abuso sexual e pornografia infantil. Em alguns momentos os conceitos
são usados com base na Psicologia, em outros, no Código Penal, já em outros, na Constituição
Federal e também no ECA. Mesmo que tenham essas fontes, muitas peças apresentam um
termo pedofilia no título ou no chapéu33 , mas, no texto, usam outro termo, gerando, assim,
outros sentidos. Por exemplo, há peças que trazem o termo pedofilia no título ou no chapéu e
no corpo das matérias utilizam esse termo ou trazem uma situação que constitui um abuso
sexual ou exploração sexual contra crianças e adolescentes, que, todavia, não necessariamente
se caracteriza como um caso de pedofilia. Outro exemplo é quando narram que a criança ou
adolescente sofreu abuso sexual e o abusador ofereceu algo, presentes, em troca da prática
sexual. Nesse caso, é um crime de exploração sexual, e, caso a prática tenha acontecido, é
considerado também um crime de estupro. Essas peças sempre trazem no chapéu ou na
retranca34 o termo pedofilia, porém, o relato traz um caso de crime sexual, ou abuso sexual,
ou estupro, ou exploração sexual de criança, ou, ainda, tortura, como vemos a seguir:

Parcialidade destitui juiz do escândalo de pedofilia


O Supremo Tribunal belga destituiu ontem o juiz que julgou o processo
sobre sequestro e abuso sexual de crianças. [...] (UI 78, 15/10/1996).

Pedofilia
Casal é julgado por oferecer crianças para tortura
Um casal alemão começou a ser julgado por uma corte do Estado da
Baviera, sul da Alemanha, acusado de oferecer pela Internet crianças para
serem torturadas [...] Em resposta a um jornalista que se passava por um
cliente potencial, o casal teria dito poder sumir com o cadáver de uma
criança por adicional equivalente a US$ 1.580 [...] O casal está sendo
acusado de conspiração para sequestro, conspiração para abusar de crianças
e conspiração para assassinato [...]. Não foram encontrados indícios de abuso
de crianças. [...] (UI 101, 08/08/1997).

Arcebispo britânico é acusado de pedofilia


O arcebispo John Ward, 70, líder da Igreja Católica o País de Gales, foi
detido ontem acusado de ter abusado sexualmente, em 1960, de uma menina
de 6 anos. [...] (UI 152, 27/01/1999).

33
No jornalismo, “chapéu” é uma ferramenta usada com uma palavra ou pequena expressão sobre o título para
assim apresentar o tema da matéria. A FSP nomeia essa ferramenta de “chapéu” e é usada para indicar o assunto
de que trata o texto ou os textos que vêm abaixo dela. Na Folha, é sempre curto e colocado acima de um título.
34
A retranca é considerada pelo jornal Folha de S. Paulo como um termo para designar cada unidade de texto
em jornal.
153

Crime
Polícia prende acusado de pedofilia em Bauru
A PM prendeu anteontem à noite em Bauru (SP) o segurança Edson José
Ribeiro, 36, acusado de corrupção de menores e de atentado violento ao
pudor. [...] (UI 181, 12/05/1999).

Vendedor é condenado por pedofilia


A juíza da 2º Vara de Mogi Mirim (57 km de Campinas), Érika Diniz,
condenou o vendedor Osvaldo Durante, 41, a sete anos de prisão por
atentado violento ao pudor. [...] (UI 221, 16/12/1999).

As confusões conceituais podem ser vistas também nas peças que associam pedofilia à
pornografia infantil na internet. Isso é constatado nas seguintes UIs:

Presos na Espanha suspeitos de pedofilia (UI 100, 30/07/1997).


Megaoperação reprime pedofilia na Internet (UI 115, 03/09/1998).
Pedofilia na Internet leva gerente à prisão (UI 133, 24/10/1998).
Brasil vira produtor de pedofilia na Internet (UI 159, 31/01/1999).

Transcrevemos abaixo um trecho da UI 133 para exemplificar essa confusão


conceitual entre pedofilia e pornografia infantil na internet:

Pedofilia na Internet leva à prisão


A Polícia Federal de Brasília e a Delegacia de Polícia Marítima,
Aeroportuária e de Fronteira de São Paulo, com o apoio da Interpol (polícia
Internacional), fizeram ontem a primeira prisão do país, por exploração da
pornografia infantil pela Internet [...] De acordo com a polícia, Santos
confessou a troca de fotos de pornografia infantil [...] (UI 133, 24/10/1998).

Os deslocamentos de sentidos e interpretações de termos, ou expressões do judiciário,


da medicina e de policiais ganham outros significados pelos profissionais da imprensa e
também são constatados nas peças analisadas. Há peças que mostram a desinformação da
mídia quando, por exemplo, o termo pedofilia, que é da medicina-psicologia, é usado para
toda e qualquer violência, abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes, portanto,
rotulando as diferentes situações de abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes
como pedofilia. Percebemos, nas peças em isso foi localizado, que há um processo de
construção de novos sentidos, tal qual vem ocorrendo com os sentidos de “violência sexual
infantil”.
154

Nesta análise da emergência do tema da pedofilia, pudemos observar que o jornal FSP
deu preferência ao uso do termo pedofilia para noticiar diversas situações de abuso sexual
contra crianças e adolescentes, deslocando concepções e sentidos, participando da construção
da representação do abuso sexual de crianças e adolescentes como algo fortemente associado
a uma patologia ou desvio do abusador.
Um fato que se observou também em relação aos “casos”: encontramos peças que
tratam de “casos” que envolvem membros da Igreja. “Casos de pedofilia” envolvendo o
sacerdócio é um tipo de escândalo pronto a ser explorado em suas minúcias pela mídia e que,
ao que parece, quanto mais nuances de desvio do abusador forem apresentadas, maior o
escândalo, maior atenção à temática. Padres e pastores, quando envolvidos em “casos”, foram
apresentados como possuidores de transtorno/desvio sexual. Além dessa ligação, a FSP
também fez outra: a da homossexualidade de sacerdotes na Igreja Católica. As peças que
abordaram a relação entre Igreja e pedofilia podem ser exemplificadas a seguir:

Padres são suspeitos de pedofilia (UI 97, 19/06/1997).


Igreja tem ‘centro de reabilitação’, diz padre (UI 102, 31/08/1997, grifo no
original).
Arcebispo britânico é acusado de pedofilia (UI 152, 27/01/1999).

A denúncia de “casos” de abuso sexual de crianças e adolescentes, cometidos por


padres, surge associada à homossexualidade de membros da Igreja católica, como vemos
neste exemplo:

Um padre católico descreveu em primeira mão a vida num centro de


reabilitação, isolado e pouco conhecido, usado pela Igreja Católica para
“tratar” sacerdotes alcoólatras, homossexuais e pedófilos. Ele foi enviado
para lá depois da descoberta, por seu bispo, de que era homossexual
praticante.

[...] No final do tratamento, a equipe de Stoud avalia o risco de o padre


pedófilo reincidir no delito. “Se eles optam por permanecer no sacerdócio –
e normalmente é isso que fazem, senão não teriam passado seis meses ou até
dois anos aqui –, a igreja terá de decidir qual é o lugar mais seguro para
trabalharem [...]” (UI 102, 31/08/1997, grifos no original).

Dentre as UIs que explicitam o gênero do acusado, o que mais prevaleceu nas UIs foi
o masculino (99%). Segundo Rodrigues (2014), a mídia é uma das propagadoras da
representação de que a pedofilia é praticada somente por homem adulto, que não consegue
controlar sua sexualidade e seus desejos. Isso pode ser observado na seguinte UI:
155

Só homens são pedófilos


A pedofilia é um comportamento sexual essencialmente masculino. Segundo
a Organização Mundial de Saúde, é praticada por pessoas com mais de 16
anos, que buscam relacionamentos com crianças de até 13 anos. As
pesquisas mostram que muitos pedófilos, quando crianças, viveram situações
de abuso sexual. Na reunião da Unesco em Paris, entidades defenderam que
o combate à pedofilia deve ter novas formas de tratamento para essas
pessoas e não só a sua penalização. [...] “Eles muitas vezes buscam
ocupações que os coloquem em contato com crianças, como escolas e
orfanatos” [...] (UI 144, 20/01/1999).

Nessas peças em que há informações sobre o acusado, este é apresentado como


pedófilo, e, consequentemente, como um psicopata, um maníaco sexual, que tem sanidade
mental desiquilibrada. Trata-se da construção de um “monstro contemporâneo”
(RODRIGUES, 2014), e o acusado vai sendo estereotipado e demarcado como fonte de medo
e terror na sociedade contemporânea. Essas e outras construções são intensificadas no ano de
1999. Assim, chama a atenção o pico de frequência de UIs em 1999, pois, embora peças com
foco no tema da pedofilia viessem crescendo desde 1996, há um aumento exponencial em
1999. Isso se deveu a alguns fatores, dentre eles, como já mencionado, a eventos realizados
pela UNESCO, ANDI, ABRAPIA, ABRINT, no Brasil e em outros países, sobre infância
associada à temática da pedofilia. A partir disso, a pedofilia vai adentrando na pauta da
imprensa e as crianças vão servindo de “cabide noticioso” (PONTE, 2005).
Outro fator foi a declaração oficial da OMS que o abuso sexual é um problema de
saúde pública. Associado a isso, ocorreram no Brasil, em 1999, inúmeras operações policias
de “caça aos pedófilos”. Em uma delas, mais de 27 pessoas foram presas e vários
equipamentos de informática aprendidos. Outro resultado dessa operação foi a prisão do
biólogo Leonardo Chaim, acusado de gravar vídeos de meninos adormecidos sendo
acariciados por ele. Conforme Landini (2005), é em 1999 que o termo pedofilia se populariza
no Brasil.
Há também outro contexto sugerido por Lowenkron (2012): a declaração feita em
Genebra em junho de 1999 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1999) 35 sobre
as piores formas de trabalho infantil. Na lista consta “a venda e o tráfico de crianças”, a
“utilização, demanda e oferta de crianças para fins de prostituição, produção de material
pornográfico ou espetáculos pornográficos”.
Além desses, Méllo (2002) explicou que a emergência da temática da pedofilia no
Brasil motivou, no primeiro semestre de 1999, a discussão para criação do projeto lei que cria

35
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3597.htm
156

o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil. Em maio do ano


seguinte, o projeto foi sancionado no Congresso Nacional e o dia 18 de maio foi oficialmente
instituído no Brasil.
Tais fatos – eventos, campanhas, declarações e mobilizações, bem como discursos de
atores sociais – repercutiram na mídia. Nas UIs do corpus do ano de 1999, identificamos
categorias que associam as causas apontadas pela literatura nacional para a explosão de
produção de peças no ano de 1999. A seguir, apresentamos o quadro 3, que ilustra isso.

Quadro 3 – Características predominantes do contexto de produção das UIs do corpus do ano


de 1999
Categoria Variável Quantidade de UI

Foco 70
Tipo
Menção 12
Janeiro 19
Mês Março 11
Junho 10
Brasil 65
Localização Geográfica
Exterior 5
Pedofilia na internet 31
Tema Caso/Acusação de pedofilia 25
Pedofilia e pornografia 8
Polícia 28
Quadro Institucional do
Entidades de defesa da criança 19
informante
Juiz 16
Denúncia 32
Acontecimento gerador Campanhas/operações 27
Congresso 8
Apresenta 65
Título com o termo pedofilia
Não apresenta 5
Não faz parte 43
Casos
Faz parte 27
Chaim 12
Durante 9
Casos noticiados Jair Silvia 3
Mogi 2
Igreja 1
Aparece 37
Acusado
Não aparece 33
Pedófilo 15
Caracterização do acusado Violento 10
Doente 7
Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa. (Tabelas 2, 3, 4, 8, 12, 13, 14, 16 e 18, Apêndice 3).

O que nos chama a atenção, no quadro 3, é a grande diferença de peças produzidas


com foco no termo pedofilia (70) e as que só mencionam a temática (12). Os meses com
157

maiores picos de UIs são os mesmos meses em que ocorreram as mobilizações sociais. A
pedofilia na internet foi o principal tema disparador das UIs, seguido de caso/acusação de
pedofilia. Das 70 UIs do corpus do ano de 1999, apenas cinco não tinham o termo pedofilia
no título. O “caso” que mais foi noticiado foi o Chaim.
Nas UIs do corpus de todos os anos quase não há informações sobre as crianças e
adolescentes ou sobre sua situação. No conjunto das peças analisadas, não encontramos
informações sobre idade, pertencimento racial, classe social e gênero das crianças e
adolescentes. Portanto, as crianças e adolescentes foram apresentadas como abstrações.
Estavam evidentes, mas não tinham concretude. O que se mostrava patente é a reiteração da
alegoria simbólica da infância: pureza, inocência, ingenuidade, imaturidade, fragilidade. É um
silêncio que diz muito, que denota o que Franklin (2002) observou em relação ao noticiário
britânico nas décadas de 1980 e 1990, em que a imagem que sobressaiu sobre as crianças é a
da “inocência violada da infância”, ensejando um clima de pânico moral sobre o risco de
abuso sexual das crianças e sugerindo a necessidade de uma proteção maior.
Os “perigos” que rondam as crianças e os adolescentes acentuam a dramaticidade no
enunciado, no texto, e na divulgação do ato. O não aparecimento de informações (faixa etária,
cor/raça, gênero, escolaridade, procedência geográfica, atividade ou ocupação, representação
da família, prognóstico de vida, voz etc.) sugere que a violência sexual contra crianças e
adolescentes, mostrada na Folha, está mais para a captação de leitores e audiências do que
voltada a um significado social (PONTE, 2005).

Gráfico 16 – Distribuição e frequência por UIs do corpus que apresentam


informação sobre a criança ou adolescente
140
116
120

100

80

60
40
40

20
74,36% 25,64%
0
Não consta informação. Aparece informação.

Fonte: Elaborado pela autora para esta pesquisa (Tabela 19, Apêndice 3).
158

A análise discursiva das peças do jornal Folha de S. Paulo nos possibilita apreender
que os discursos frente às questões do “abuso sexual” situam as noções de infância e os
direitos da criança em lados opostos. Foucault (1996) chamou isso de jogos de desejo e poder
em função de uma verdade. Para ele, a verdade não existe fora do poder ou sem poder. As
práticas discursivas são estratégias de poder, mesmo “que, o discurso seja aparentemente bem
pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o
desejo e o poder” (FOUCAULT, 1996, p. 10).
Nessa emergência das temáticas do abuso sexual contra crianças e adolescentes e da
pedofilia, os termos usados pelo jornal Folha de S. Paulo para falar dessas temáticas, com uso
frequente do termo pedofilia, indicam a reiteração do uso de imagem da infância para fins
sensacionalistas, para o espetáculo. O grande volume de peças jornalísticas encontradas sobre
a temática da pedofilia corrobora o que os estudos nacionais e internacionais na área de mídia
e infância têm identificado: crianças e adolescentes são trazidos à pauta noticiosa,
preferencialmente, em situações específicas de violência, nas quais aparecem na condição de
vítima ou na de algoz, ou em questões ligadas à sexualidade (PONTE, 2005; MARIANO
2010).
Dessa forma, sugerimos que a Folha contribuiu para o imo do problema e suas
principais questões, banalizando ou diluindo a realidade com o uso do fait-divers,

A própria definição etimológica de fait-divers significa “um fato diverso”,


isto é, que desvia do assunto, que reorienta para outra direção, podendo até
mesmo distorcer. A estratégia do fait-divers é uma forma de garantir a
transferência da responsabilidade para uma noção de destino, de fatalidade,
que não tem compromisso com a descrição fiel dos fatos. Não sugere
nenhuma reflexão aprofundada, pois notabiliza-se pela superficialidade.
(GUARESCHI, 2003, p. 323 - grifos do autor).

Essa banalização e sensacionalismo, apontados por Guareschi (2003), são construídos


social e simbolicamente. As notícias do jornal é um dos locais onde a banalização é formada e
tem como base de sustentação o inquérito policial e a audiência.
Ademais, o jornal em análise deu preferência por tratar do “abuso sexual infantil” de
crianças a partir da expressão pedofilia, expressão esta que se reveste de maior
sensacionalismo, possibilita a espetacularização, bem como contribui para circunscrever os
abusadores no campo da patologia, da natureza, da perversão. Tal posicionamento, como uso
de excessos midiáticos (DEBORD, 1967), acaba por desfocar o “abuso sexual” de sua
dimensão de fenômeno cultural produzido e sustentado em uma sociedade estruturada em
desigualdades etárias, de gênero e em valores e práticas patriarcais.
159

À LUZ DE CONSIDERAR, (RE)INTERPRETAÇÕES DAS FORMAS SIMBÓLICAS

Lançamos aqui algumas possíveis (re)interpretações sobre a publicização do tema da


pedofilia na mídia impressa, compondo a última fase da HP, lembrando que, tal como salienta
Thompson (2011, 410), toda interpretação é “arriscada, cheia de conflitos, aberta à
discussão”.
A análise do contexto sócio-histórico e a análise discursiva da emergência do tema da
pedofilia na Folha de S. Paulo nos permitiram apreender que fatos ocorridos em relação aos
direitos da criança e do adolescente têm ganhado, gradativamente, mais exposição em meios
midiáticos. Do mesmo modo, investigar o papel da mídia frente às questões que envolvem
crianças nos mostraram a necessidade de discutir o interesse da mídia em exposições que
colocam as representações sobre a infância e o corpo da criança no centro de um debate que
tem o interesse público de um lado e a captação de audiência de outro.
Com as análises, foi possível problematizar como o termo pedofilia, originário da
medicina e da psicologia, foi sendo construído e ganhando o significado de que todo e
qualquer abuso sexual contra crianças e adolescentes tem correlação com a pedofilia.
Podemos sugerir que o discurso da Folha sobre a temática da pedofilia utiliza a imagem da
criança e da infância com fins dramáticos e sensacionalistas que alimentam a política do
espetáculo (ROSEMBERG, 2008). E mais: que o aumento da “preocupação” sobre a infância
e a pedofilia no Brasil está servindo mais para sustentar um imaginário sobre a infância
relacionada ao adultocentrismo, enquanto a mídia se encarrega de generalizar qualquer
violência sexual infantil como sendo pedofilia. .
Tal generalização acaba gerando pânico e distorções em várias outras questões na
sociedade. Como exemplo, podemos citar a dificuldade que casais homoafetivos encontram
quando buscam adotar crianças do mesmo sexo e também a extrema vigilância que
professores, principalmente, os do sexo masculino que atuam na educação infantil, sofrem em
seus ambientes de trabalho. Essa generalização retira o caráter cultural envolvido na complexa
questão que é o abuso sexual contra crianças e adolescentes e pode fazer crescer a onda de
“justiça com as próprias mãos”.
O contexto sócio-histórico e as formas simbólicas analisadas sobre a emergência do
tema da pedofilia no jornal Folha de S. Paulo indicam que o tratamento dado ao tema
contribuiu para a explosão do pânico moral em torno da pedofilia, e isso, segundo Rodrigues
(2014), é um problema, pois, a distorção e o exagero na produção de perigos podem ter
160

resultados desastrosos, com interpretação e consolidação de informações diferentes do que se


pretendia.
É inegável a necessidade de proteção das crianças contra a pedofilia, aliás, contra
qualquer tipo de violência. Claro está que as crianças e adolescentes precisam ser protegidos,
por causa de sua vulnerabilidade e dos vários tipos de violências que podem sofrer. Porém,
esse modo de abordagem sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes, que identificamos
na FSP, pode dificultar o reconhecimento de que há questões culturais muito profundas que
contribuem para a ocorrência do abuso sexual de crianças e adolescentes, da exploração
sexual de crianças e adolescentes e da pornografia infantil, e a pedofilia não constitui o único
ou principal disparador de tais mazelas.
Se queremos reduzir os preconceitos e as violências, é imprescindível investir na
educação de meninos e meninas, no tocante ao respeito à diversidade, à não violência contra
as mulheres, à não reprodução de valores e práticas machistas e sexistas. Isso é fundamental e
urgente, pois observamos, nas peças analisadas, que não se problematiza a produção cultural
da masculinidade e da feminilidade. Que masculinidade e que feminilidade são essas
produzidas em nossa sociedade? Como os meninos e meninas estão sendo educados? O não
debate sobre estas questões estimula a reprodução midiática de estereótipos de gênero, raça,
orientação sexual e etnia, a partir de padrões considerados universais. A diminuição de
preconceitos e violências também tem relação com o modo como determinados valores
circulam em nossa sociedade. Assim, nos parece muito sintomático a grande produção
discursiva na mídia e de ações que geram comoções ante a “epidemia” de pedofilia, mas não
vemos a mesma comoção ante os discursos que objetificam o corpo de meninas como
mercadoria e as propagandas que exploram a imagem de crianças em poses sensuais ou letras
de músicas que naturalizam o deslumbramento pelas “novinhas”, configurando o que Felipe
(2006) denomina de “pedofilização da cultura contemporânea”.
Ainda, a escolha pelo termo pedofilia implica em focalizar a causa do abuso somente
no indivíduo. A construção e reprodução de que “o cara é doente” valoriza uma perspectiva
de compreensão da problemática como algo de natureza imutável. É necessário problematizar
o abuso sexual a partir da produção de subjetividade de meninos pautada na permissividade
de poder abusar de mulheres, ou seja, há um investimento na formação da masculinidade
pautada na virilidade. Para Kitzinger (1999, p. 220 apud PONTE, 2000),

Não basta centrarmo-nos na cobertura dos media. É importante considerar os


motivos das fontes de informação que procuram visibilidade nos media.
Também não é suficiente desconsiderar os media como interventores ou
161

sensacionalistas. É necessário reconhecer o seu papel como fórum de debate


público, ao mesmo tempo, contudo, há que se rejeitar em absoluto os termos
apedrejantes desse debate e não deixar de questionar o que ficou de fora da
agenda pública e como está organizada. (KITZINGER, 1999, p. 220 apud
PONTE, 2000, p. 119, grifos da autora).

Assim, a questão do abuso sexual contra crianças e adolescentes poderia ser


enfrentada ou ter sua magnitude reduzida a partir de políticas de gênero e sexualidade que
buscassem, por exemplo, via processo educacional, educar para o desmantelamento de valores
e práticas sexistas, machistas, patriarcais, heteronormativas e adultocêntricas (MARIANO,
2016; LOURO, 2003). Mas isso implica no reconhecimento do abuso sexual contra crianças e
adolescentes como uma questão cultural e este não foi o enquadramento dado pelo jornal
Folha de S. Paulo quando da emergência do tema.
Ao problematizarmos os discursos sobre “abuso sexual infantil” e pedofilia no jornal
Folha de S. Paulo durante os anos de 1976 a 1999, sugerimos que tais discursos serviram
mais para publicizar os inquéritos policiais, espetacularizar a violência sexual contra crianças
e adolescentes do que para possibilitar a compreensão dos contextos sociais ou as causas de
tais problemáticas e combater efetivamente a violência contra crianças e adolescentes.
Com relação à mídia, apreendemos o quão forte é o papel que ela desempenha na
sociedade e, por isso, é considerada como um dos grandes agentes sociais que ao (re)produzir
discursos sobre infância, corpo da criança, sexualidade e violência sexual, reforça valores,
crenças e costumes naturalizantes e universalizantes.
A (re)produção da inocência, da pureza e até da irracionalidade das crianças nos
discursos midiáticos pode corroborar para que os direitos de proteção sejam os únicos a que a
classe infantil e juvenil tenha garantidos. Outros direitos, por conseguinte, como os de
informação, participação e respeito, acabam sendo deixados de lado . Mudar isso passa,
obrigatoriamente, pelo enfrentamento dessa questão, por meio da educação para a mídia, de
forma mais crítica e autônoma. A garantia do direito humano à comunicação é, de acordo com
Pedrinho Guareschi (2005), essencial para a construção de uma sociedade justa, solidária,
democrática e participativa.

O ideal seria que a própria mídia desempenhasse esse papel. Mas você já viu
a mídia educar para uma leitura crítica da mídia? Estamos convencidos que
ser cidadãos no século XXI exige um conhecimento amplo e crítico sobre a
mídia, sobre sua importância e papel, um conhecimento que, infelizmente
poucos de nós possuem. [...] É preciso, então, ter conhecimento e coragem
para debater os meios de comunicação social. [...] uma educação para a
comunicação deve oferecer condições para que a comunidade descubra a
natureza dos processos de comunicação em que está inserida; ajudar seus
162

membros a desvendar os mecanismos pelos quais a sociedade – ao utilizar


os recursos da comunicação – exerce o poder de manipulação; favorecer o
exercício de práticas comunicacionais democráticas libertadoras
(GUARESCHI, 2005, p. 9-10).

Tal como constatado nas pesquisas realizadas sobre mídia, infância e adolescência na
FSP (ANDRADE, L., 2001; NAZARETH, 2004; BIZZO, 2008; MARIANO, 2010),
observamos que houve tratamento sensacionalista em relação à temática da pedofilia e do
abuso sexual contra crianças e adolescentes.
Foi em meio a uma mobilização internacional e nacional, ocorrida a partir da década
de 1990, com o surgimento do jornalismo de denúncia, cujo método “levou o jornalismo aos
limites da ficção” (NASSIF, 2003, p. 3), de promoção e proteção dos direitos das crianças e
adolescentes, que as peças analisadas do jornal Folha foram produzidas e divulgadas. Os
resultados das análises sócio-histórica e formal permitem-nos sugerir que, a despeito do
significativo volume de peças publicadas quando da emergência do tema da pedofilia, não
necessariamente contribuiu para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e
adolescentes na sociedade brasileira. O que ficou evidente é que o dramatismo que essa
questão envolve teria sido usado para alimentar um tratamento sensacionalista desta temática
tal qual apontado por Méllo (2002):

As discussões acabam sendo direcionadas pelos “homens bons e justos”


(lembrando Nietzsche), “especialistas” na higienização da moral e dos
costumes. Aí esquecemos que podemos combater a violência sofrida por
qualquer criatura sem render às instituições oferendas em ritos que visam,
em última instância, atribuir-lhes a sagrada imutabilidade (MÉLLO, 2002, p.
169, grifos do autor).

Percebemos, então, que quando da emergência do tema da pedofilia, o tratamento


dado pela Folha foi de tom alarmista e pouco esclarecedor sobre o abuso sexual e a pedofilia.
A retórica que identificamos na FSP reforça a caracterização de sentidos construídos
socialmente sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes, e pode obnubilar as
possibilidades de enfrentamento da questão. O jornal preferiu associar os abusadores sexuais à
loucura, à marginalidade e ao que é considerado “estranho” do que provocar debates,
problematizações e reflexões de outros fatores diretamente ligados às questões da violência
sexual, como, por exemplo, o machismo, a misoginia e o patriarcado.
Um fator importante a se assinalar aqui é que se as mídias agem em seu próprio nome,
também atuam como caixa de ressonância de outros atores sociais (ROSEMBERG;
MARIANO, 2010), tanto que vimos o quanto que o ativismo social de combate à pedofilia
163

influenciou intensamente a explosão da produção de peças sobre a pedofilia na FSP. A


midiação das sociedades modernas, mais enfaticamente das contemporâneas, penetra as
diversas instituições, entre elas a política (THOMPSON, 1995), o ativismo social e a
academia (SANCHEZ-JANKOWICZ, 1997).
“Queremos escândalos!” – é disso que se alimenta a mídia sensacionalista. Para tanto,
ela usa, frequentemente, muitos excessos e artifícios para, supostamente, falar em nome da
criança e do adolescente. Desse modo, a mídia ora promove a divulgação da erotização
infantil, ora condena a pedofilia.
As crenças, costumes e valores culturalmente arraigados silenciam uma melhor
compreensão das violências sexuais cometidas contra crianças e adolescentes das diferentes
classes sociais, bem como das diversas constituições de famílias e dos diferentes papéis dos
gêneros. Enquanto permanecer a crença de um modelo nuclear de famílias, haverá limitações
para ampliar tais discussões e mais longe ficaremos de proteger efetivamente as crianças e
adolescentes dos crimes sexuais.
Contudo, esperamos que esta pesquisa seja um instrumento para promoção de debates
sobre a violência sexual contra criança, a começar por todas as instituições responsáveis por
cuidar das crianças: a família, o Estado e a sociedade.
Ao longo desta pesquisa, temos problematizado a forma como a mídia tem trazido à
tona as situações de violência sexual a que crianças e adolescentes são, não raramente,
submetidos. Em vista disso, ao nos debruçarmos sobre esta última, e não menos importante
fase da HP, consideramos necessário trazer, como sugestão para os profissionais da mídia e
demais agentes sociais que falam e atuam em nome da criança e do adolescente, uma relação
de princípios éticos, elaborada por Leandro Andrade e Fúlvia Rosemberg (2004), que sugere
critérios a serem considerados para a construção de peças jornalísticas que referem-se à
infância e à juventude em situação de vulnerabilidade. De acordo com Andrade (2004, p.
182), “controlar o impacto eventualmente degradante de peças jornalísticas sobre condições
de vida de crianças e adolescentes” é o objetivo desta proposta. No caso da pesquisa ora
apresentada, partilhamos de tais princípios, entendendo ser fundamental que todos aqueles
que se dedicam às questões até aqui discutidas também os (re)conheçam:

Princípios éticos que devem nortear a produção e divulgação de peças –


texto e imagem – sobre a infância e adolescência em situação de
vulnerabilidade social e de estigma
 A produção e divulgação de peça – texto e imagem – sobre crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade deve ter por objetivo o
benefício de criança e adolescentes, atentando para o fato de que, mesmo
164

nos casos de denúncia, estas peças podem servir como estímulo para a
exploração, o abuso e a violência contra criança e adolescentes;
 Evitar a veiculação de informações – estatísticas, imagens, relatos de
experiência – sobre crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade que não se baseiam em fontes confiáveis;
 Quando for o caso, explicitar claramente quais informações sobre
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade baseadas em
fontes seguras não são disponíveis;
 Divulgar informações que esclareçam contradições na conceituação,
metodologia e resultados sobre incidência, causas e impacto de condições
de vulnerabilidade vividas por crianças e adolescentes;
 Dar um tratamento ao texto e às imagens que evidencie o que se refere a
valores e opiniões dos produtores e divulgadores da peça e o que se refere
a informações baseadas em fontes seguras e confiáveis sobre crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade;
 Evitar a produção e divulgação de peças – textos e imagem – que
veiculem discriminação de raça, gênero, condição econômica, religiosa e
cultural;
 Evitar a produção e divulgação de peças – imagem e texto – que tratem as
experiências de vulnerabilidade em que se encontram crianças e
adolescentes como sendo atributos do caráter dessas pessoas, preferindo
tratá-las como decorrência de uma situação contingencial;
 Evitar a veiculação de peças – texto e imagens – que reforcem o
prognóstico de um destino inexorável a partir das condições atuais de
vulnerabilidade em que vivem crianças e adolescentes;
 Atentar para o fato de que encontramos famílias pobres e ricas que
respeitam e amam seus filhos(as), do mesmo modo que encontramos
também famílias ricas e pobres que não amam e não respeitam seus
filhos(as);
 Atentar para a possível discordância entre valores dos produtores e
divulgadores de peças e os dos grupos focalizados de crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade;
 Atentar para o fato de que os adultos, mesmo especialistas em infância e
adolescência, nem sempre agem no “melhor interesse da criança e
adolescente”;
Princípios éticos que devem orientar a produção e divulgação de peças –
texto e imagem – que envolvam diretamente crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade
 A preservação da dignidade, privacidade e integridade física, psíquica,
moral, religiosa e cultural da criança e adolescente ou adolescente em
situação de vulnerabilidade deve superar qualquer outro interesse na
produção e divulgação de peças a seu respeito, especialmente quando sua
identidade ou intimidade podem ser expostas;
 O consentimento livre e esclarecido de criança e adolescentes em
situação de vulnerabilidade, bem como o de pessoas responsáveis por sua
guarda, deve ser obtido para que participem, através de suas palavras ou
imagem, de elaboração ou divulgação de peças;
 A decisão de envolver crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade na produção de peças – texto e imagem – deve ser
precedida da ponderação quanto a riscos e benefícios e ao mínimo de
danos e riscos;
 Prever procedimentos que assegurem a confiabilidade e a privacidade, a
proteção da imagem e a não estigmatização, garantindo a não utilização
de informações e imagens em prejuízo de crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade, quando envolvidos na produção ou
165

divulgação das peças, inclusive em termos de autoestima, de prestígio


econômico-financeiro;
 Assegurar a inexistência de conflitos de interesse entre crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade e produtos e veiculadores de
peças a seu respeito e que as envolvam;
 Prever formas de indenização a crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade, diante de eventuais danos decorrentes da produção e
veiculação de peças – texto e imagem – a seu respeito e que as envolvam;
 Garantir que crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade
tenham acesso a peças produzidas a seu respeito e que as envolvam,
criando condições para que avaliem seu conteúdo e impacto;
 Atentar, particularmente, quanto ao respeito a esses princípios éticos na
produção e veiculação de peças – texto e imagem – envolvendo crianças
e adolescentes em situação de vulnerabilidade de países estrangeiros,
especialmente os subdesenvolvidos. (ANDRADE, L.; ROSEMBERG,
2004, p. 183-184).

Embora se trate de uma proposta bastante abrangente, que contempla princípios éticos
que respeitem a criança e o adolescente, trata-se apenas de uma sugestão, algo que auxilie na
condução e divulgação de temáticas tão densas como esta que aqui discutimos. A partir dela,
outras maneiras para falar e divulgar sobre crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social e de estigma podem ser produzidas.
Assim, ao colocar em discussão, nesta pesquisa, os discursos produzidos e veiculados
na mídia sobre os direitos da criança e do adolescente e suas interfaces com a construção
social da infância e adolescência brasileiras, notadamente os discursos sobre o “abuso sexual
infantil” de crianças e a pedofilia veiculados pelo jornal Folha de S. Paulo, tentamos debater
os papéis de importantes agentes sociais, como o Estado, a família, a mídia e a escola, sobre o
difícil, delicado, espinhoso e inquietante tema da violência sexual que atinge crianças e
adolescentes.
Muitas limitações, dentre elas, a própria temática, que é árdua e suscetível a
melindres, e o tempo de conclusão de um Mestrado, nos atravessaram no processo de
construção desta dissertação. Mas, ainda assim, esperamos ter conseguido responder as
questões que nortearam essa pesquisa. A (re)interpretação aqui proposta não aspira um
estatuto de verdade, mas se destina ao que Thompson (2011, p. 414) preconiza sobre as
possibilidades de transformação dos sentidos do cotidiano, uma vez que “a interpretação em
profundidade torna-se uma intervenção potencial nas próprias circunstâncias sobre as quais
ela foi formulada”, pois a interpretação é, por si mesma, “uma construção simbólica capaz de
ser compreendida por sujeitos inseridos nas circunstâncias que formam, em parte, o objeto de
interpretação [...e] pode possibilitar que questionem ou revisem seu entendimento anterior e
sua avaliação primeira da forma simbólica”. Portanto, a interpretação aqui lançada apenas
166

“levanta novas perguntas, novas questões, exige novos tipos de evidência e argumentação”
(THOMPSON, 2011, p. 46) a fim de ampliar a discussão dessa temática tão urgente no
contexto atual e para que possam, também, contribuir efetivamente para o enfrentamento
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176

APÊNDICES

APÊNDICE 1
Relação de UIs
Relação das UIs que integram o universo e o corpus da pesquisa
N° UI DATA TÍTULO
1 27/12/1976Foucault o sexo sem censuras
2 30/07/1978Estudo desmente velho conceito sobre violência
3 19/10/1978Homossexuais, uma questão para o PCF
4 18/01/1980"Liberation", um nanino que deu certo
5 09/02/1980Restos a pagar de 1979
6 21/05/1980Taradinhos
7 08/03/1981Muito sofre quem padece
8 22/06/1981Escolas devem ajudar pais na Educação Sexual
9 22/06/1981Os perigos da "Depo-Provera"
10 21/03/1982A função catártica do erotismo
11 08/04/1982Conferência de censura alerta contra sadismo
12 02/07/1983Sinopse Filme: somente você e eu
13 28/07/1984Hebe em revista
14 03/08/1984Cimento Fresco
15 09/12/1984Fenômeno Visceral
16 23/12/1984Raça e inteligência
17 08/01/1985Os novos Everly Brothers
18 24/02/1985Calce as galochas e entre na caça maluca
19 29/12/1985As enlouquecidas bonecas do rock'n'roll
20 08/03/1986O dom das meninas
21 27/03/1986Viagem pelas consciências do sol nascente
22 06/08/1986Inquérito sobre menor em filme aguarda laudo
23 06/08/1986 Marido disse à esposa que era um filme infantil
24 04/07/1987 Diário da corte
25 12/02/1988 Nota (sem título)
26 13/12/1988 Nabokov, autor da "Lolita", começa a ser publicado na União Soviética
27 31/05/1990 Diário da corte
28 28/10/1990 Pedofilia
29 12/12/1990 Não há brutos nem amor faroeste
30 24/01/1991 New Kids apela para a sexualidade infantil
31 29/03/1991 Alemães protestam contra tratamento a delinquentes
32 13/07/1991 Rimbaud as comemorações perigosas
33 05/09/1991 "Emma" revela submundo
34 26/09/1991 Choram as 4 damas do baralho nacional
35 28/03/1993 Biólogo discute sexo entre homens e animais
36 28/03/1993 Há pessoas que só dispõem de animais para amar´
37 28/03/1993 É comum na roça
38 31/05/1993 Congresso traça limite entre desejo e doença
177

39 31/05/1993 Filme de Almodóvar satiriza taras femininas


40 31/05/1993 HC trata disfunções sexuais
41 31/05/1993 Não conseguia trabalhar e ficava angustiado'
42 31/05/1993 Principais desvios sexuais
43 09/09/1993 Jackson passa dia em "aldeia holandesa"
44 20/01/1994 Menino vítima de bancário reaparece
45 20/01/1994 Acusado classificava garotos
46 20/01/1994 Corregedor suspende delegado por estupro
47 23/01/1994 Sexo com criança atrai 10% dos americanos
48 23/01/1994 5% Confessam abuso no Brasil
49 23/01/1994 Bancário 'caçou' 638 garotos
50 23/01/1994 Violência na infância predispõe
51 23/01/1994 Criança corre risco de Aids
52 23/01/1994 Boletim de Ocorrência - Tarado
53 25/01/1994 Pedofilia em debate
54 30/01/1994 Queixa por “abuso sexual” tem acordo
65 28/06/1994 Sinais
56 24/07/1994 O reino encantado chega ao fim
57 12/01/1995 NY legisla contra pedofilia eletrônica
58 22/06/1995 Associação deve ser readmitida na ONU
59 18/07/1995 Quem sabe?
60 23/07/1995 Usuários criticam estudo sobre pornografia
61 23/07/1995 Críticos vêem sensacionalismo
62 30/08/1995 Polêmica
63 20/10/1995 Monteiro faz rir da "Comédia de Deus"
64 25/11/1995 Lolita já é uma senhora de 40 anos
65 04/12/1995 O amigo sábio
66 30/12/1995 Morre o editor do guia homossexual "Spartacus"
67 03/04/1996 França investiga pedofilia
68 06/04/1996 Ganhador do Nobel acusado de pedofilia
69 06/04/1996 Nobel é indiciado por sexo com menores
70 09/04/1996 Sob fiança, Nobel fica em liberdade
71 09/04/1996 Molestador é posto em liberdade nos EUA
72 26/06/1996 Holanda cria site "dedo-duro" na rede
73 18/08/1996 Achadas mortas 3 crianças belgas
74 20/08/1996 Pedófilo faz Bélgica rever pena condicional
75 21/08/1996 Policial da 'Casa dos Horrores' ajuda Bélgica em investigação
76 30/08/1996 Dossiê relata abuso de crianças em guerras
77 11/09/1996 Polícia interrogou 23 sobre o caso Dutroux
78 15/10/1996 Parcialidade destitui juiz do escândalo de pedofilia
79 21/10/1996 Marcha reúne 275 mil na Bélgica
80 10/11/1996 Juliete Binoche volta a sofrer no cinema
81 10/12/1996 Justiça da Bélgica absolve vice-premiê
82 14/12/1996 Bélgica procura outras vítimas de pedofilia
83 18/12/1996 Suspeito de pedofilia no Rio acusa filósofo
178

84 21/12/1996 Só Poirot poderia resolver o sujo enigma belga


85 08/02/1997 O mundo ainda não quer ver o escândalo "Lolita"
86 08/02/1997 Imprensa condena nova versão
87 08/02/1997 Filme nasceu para ser refeito
88 08/02/1997 Nabokov teve fama de devasso
89 12/02/1997 Ninfetas são as últimas mulheres inalcançáveis
90 21/02/1997 Alma Lavada
91 22/02/1997 Polêmica vem desde 1999
92 19/04/1997 Bélgica critica polícia no caso de pedofilia
93 25/05/1997 Comoção pelos direitos da criança
94 01/06/1997 O furor pós-moderno de uma ilha
95 13/06/1997 Livro mostra a sedução de Drácula
96 18/06/1997 França detém 600 acusados de pedofilia
97 19/06/1997 Padres são suspeitos de pedofilia
98 21/06/1997 Acusados de pedofilia se suicidam na França
99 26/06/1997 Suspeitos de pedofilia se suicidam na França
100 30/07/1997 Presos na Espanha suspeitos de pedofilia
101 08/08/1997 Casal é julgado por oferecer crianças para tortura
102 31/08/1997 Igreja tem 'centro de reabilitação', diz padre
103 31/08/1997 Foi a pior semana de minha vida'
104 04/09/1997 Acusado diretor de escola belga
105 25/09/1997 O guia de Tio Dave para repórteres da internet
106 23/11/1997 Exibição em Londres causa efeito devastador no establishment artístico britânico
107 21/12/1997 Celebridades enchem o saco de Noel de cartas
108 03/02/1998 Clarke nega acusações de pedofilia
109 31/03/1998 Polícia ocupa colônia alemã no Chile
110 31/03/1998 Acusações de pedofilia vêm dos anos 50
111 23/06/1998 Lei reduz idade para homossexualismo
112 17/07/1998 Holanda investiga “abuso sexual” de bebês
113 18/07/1998 Polícia é acusada no caso de pedofilia na Holanda
114 21/07/1998 Usher, 19, usa babas para escalar 'Billboard'
115 03/09/1998 Megaoperação reprime pedofilia na internet
116 03/09/1998 Maioria dos casos ocorre nos EUA e na Europa
117 03/09/1998 Vácuo legal favorece crime na internet
118 04/09/1998 O velho transmite patologia do amor
119 12/09/1998 Ironia aproxima leitor do romance
120 29/09/1998 Pornografia emplaca nos canais pagos
121 10/10/1998 Campanha combate sites de pornografia
122 10/10/1998 Pena pode chegar a quatro anos
123 10/10/1998 Operação prendeu 100 pessoas
124 16/10/1998 Solondz vê miséria sexual nos EUA
125 20/10/1998 A Mostra de São Paulo exibe filmes da jovem geração de cineastas dos EUA,
entre eles o polêmico "Felicidade", de Todd Solandz, que trata de temas como
pedofilia
126 20/10/1998 Longa é uma das raras unanimidades do ano
179

127 21/10/1998 Homenagem permite revisão da obra de Khouri


128 24/10/1998 Homem é preso por pedofilia na internet
129 24/10/1998 Provedor diz que não sabia da transmissão
130 24/10/1998 Fotografias incluem crianças de 3 anos
131 24/10/1998 Primeiro caso foi em 97
132 24/10/1998 Homem é preso por pedofilia na internet
133 24/10/1998 Pedofilia na internet leva gerente à prisão
134 28/10/1998 O walkman dos piratas
135 18/11/1998 Australiano é preso por pedofilia na internet
136 22/11/1998 Polícia está despreparada, diz delegado
137 27/11/1998 Filme implode família
138 20/12/1998 A guerra
139 25/12/1998 Como é doce a vingança
140 10/01/1999 Felicidade e tirania do sexo
141 18/01/1999 Unesco quer controlar pedofilia na internet
142 19/01/1999 Internet cria novo tipo de turismo sexual
143 20/01/1999 Interpol registra estupro na internet
144 20/01/1999 Só homens são pedófilos
145 20/01/1999 Plano é dividido em áreas
146 21/01/1999 Pedofilia na internet
147 23/01/1999 Biólogo é preso sob acusação de pedofilia
148 23/01/1999 De certo, eu sou doente
149 25/01/1999 Justiça pede sigilo em apuração de pedofilia
150 26/01/1999 1ª denúncia ocorreu em 1997
151 26/01/1999 Polícia fica sem contato com as famílias de vítimas de pedofilia
152 27/01/1999 Arcebispo britânico é acusado de pedofilia
153 27/01/1999 Advogado pede exame psiquiátrico de biólogo
154 30/01/1999 Pais identificam filhos em vídeos de acusado de pedofilia
165 31/01/1999 Feira livre oferece fotos pornográficas
156 31/01/1999 Desvio tende a aumentar
157 31/01/1999 País vira produtor de pedofilia na internet
158 31/01/1999 Advogado diz que preso tem desvio
159 31/01/1999 Brasil vira produtor de pedofilia na internet
160 01/02/1999 A Folha de ontem na opinião do leitor
161 19/02/1999 Onda de protestos
162 20/02/1999 Justiça decreta prisão preventiva de Chaim
163 25/02/1999 Código para o inferno
164 05/03/1999 Vendedor é acusado de pedofilia em SP
165 05/03/1999 Família está transtornada
166 06/03/1999 Polícia localiza 16 vítimas de vendedor
167 09/03/1999 Polícia busca vítima de pedofilia na escola
168 13/03/1999 Promotoria denuncia suspeito de pedofilia
169 15/03/1999 Fronteiras da internet
170 17/03/1999 Promotoria suspeita de rede de pedofilia
171 17/03/1999 Promotoria denuncia vendedor de Mogi
180

172 17/03/1999 Biólogo vai realizar teste


173 18/03/1999 Justiça de Mogi manda prender vendedor
174 20/03/1999 O diário de Lori
175 23/03/1999 Pedofilia via internet é investigada em Goiás
176 23/03/1999 Entidade quer que pedofilia seja crime hediondo
177 18/04/1999 O pequeno demônio de Nabokov
178 22/04/1999 Disque-amizade é acusado de pedofilia
179 22/04/1999 Denúncia diz que serviço incentiva pedofilia
180 25/04/1999 Itatiba fez a 1ª prisão por pornografia na internet
181 12/05/1999 Polícia prende acusado de pedofilia em Bauru
182 18/05/1999 Governo e entidades montam rede de caça à pedofilia na internet
183 18/05/1999 Fórum abre cerco contra a pedofilia
184 19/05/1999 Preso 4° suspeito de pedofilia em Mogi
185 19/05/1999 Garoto afirma que está arrependido
186 22/05/1999 Enteado diz ter sido vítima de assédio
187 09/06/1999 Campanha combate pedofilia na Internet
188 30/06/1999 Rede luta para banir páginas de pedofilia
189 30/06/1999 Saiba onde denunciar sites de pornografia infantil
190 30/06/1999 Ainda não existe lei específica
191 30/06/1999 Confira programas que evitam acesso a site pornô
192 30/06/1999 Policial Brasileira investiga cibercrime
193 30/06/1999 Esquadrão online prende 150 pedófilos
194 30/06/1999 Norma facilitará investigação
195 30/06/1999 Polícia busca pista de crime em provedor
196 30/06/1999 Ação policial contra a pedofilia online
197 04/08/1999 Polícia fecha 40 sites com dicas de crimes
198 04/08/1999 Lei brasileira é insuficiente
199 04/08/1999 Polícia já fechou outros sites
200 04/08/1999 Investigação é feita na rede
201 24/08/1999 Técnico é condenado a 9 anos de prisão
202 27/08/1999 Alô, Mr. M! Suma e leve os veramistas da marcha
203 01/09/1999 Se minha camiseta falasse
204 22/09/1999 Traficantes vendem animais silvestres no Brasil via Internet
205 23/09/1999 Estilistas da semana da moda unem criatividade e mercado
206 30/09/1999 Polícia apura suspeita de pedofilia
207 10/10/1999 NEVERMORE Uma religião chamada Poe
208 15/10/1999 Polícia investiga site de pornografia
209 23/10/1999 Operação no Rio ataca pedofilia na internet
210 23/10/1999 Promotor faz blitz antipedofilia no Rio
211 23/10/1999 Expert ajuda ministério na investigação
212 23/10/1999 Polícia suspeita de site nos EUA
213 28/10/1999 Promotor faz perícia em computadores
214 11/11/1999 Polícia investiga pedofilia na região
215 11/11/1999 Polícia investiga caso de pedofilia
216 12/11/1999 Grampo rastreia pedofilia na internet
181

217 20/11/1999 Músico é acusado de abusar de garotos de 10 a 14 anos


218 08/12/1999 Que importa quem matou
219 09/12/1999 Servente de Mogi é preso por pedofilia
220 15/12/1999 Morre o filósofo Gérard Lebrun, 69, em Paris
221 16/12/1999 Vendedor é condenado por pedofilia

Relação das UIs do corpus da pesquisa


N° UI DATA TÍTULO
5 09/02/1980 Restos a pagar de 1979
22 06/08/1986 Inquérito sobre menor em filme aguarda laudo
23 06/08/1986 Marido disse à esposa que era um filme infantil
25 12/02/1988 Nota (sem título)
31 29/03/1991 Alemães protestam contra tratamento a delinquentes
36 28/03/1993 Há pessoas que só dispõem de animais para amar´
37 28/03/1993 É comum na roça
38 31/05/1993 Congresso traça limite entre desejo e doença
39 31/05/1993 Filme de Almodóvar satiriza taras femininas
40 31/05/1993 HC trata disfunções sexuais
41 31/05/1993 Não conseguia trabalhar e ficava angustiado'
42 31/05/1993 Principais desvios sexuais
44 20/01/1994 Menino vítima de bancário reaparece
45 20/01/1994 Acusado classificava garotos
46 20/01/1994 Corregedor suspende delegado por estupro
47 23/01/1994 Sexo com criança atrai 10% dos americanos
48 23/01/1994 5% Confessam abuso no Brasil
49 23/01/1994 Bancário 'caçou' 638 garotos
50 23/01/1994 Violência na infância predispõe
51 23/01/1994 Criança corre risco de Aids
52 23/01/1994 Boletim de Ocorrência - Tarado
53 25/01/1994 Pedofilia em debate
54 30/01/1994 Queixa por “abuso sexual” tem acordo
57 12/01/1995 NY legisla contra pedofilia eletrônica
58 22/06/1995 Associação deve ser readmitida na ONU
60 23/07/1995 Usuários criticam estudo sobre pornografia
61 23/07/1995 Críticos vêem sensacionalismo
62 30/08/1995 Polêmica
63 20/10/1995 Monteiro faz rir da "Comédia de Deus"
67 03/04/1996 França investiga pedofilia
68 06/04/1996 Ganhador do Nobel acusado de pedofilia
69 06/04/1996 Nobel é indiciado por sexo com menores
70 09/04/1996 Sob fiança, Nobel fica em liberdade
71 09/04/1996 Molestador é posto em liberdade nos EUA
72 26/06/1996 Holanda cria site "dedo-duro" na rede
73 18/08/1996 Achadas mortas 3 crianças belgas
182

74 20/08/1996 Pedófilo faz Bélgica rever pena condicional


75 21/08/1996 Policial da 'Casa dos Horrores' ajuda Bélgica em investigação
76 30/08/1996 Dossiê relata abuso de crianças em guerras
77 11/09/1996 Polícia interrogou 23 sobre o caso Dutroux
78 15/10/1996 Parcialidade destitui juiz do escândalo de pedofilia
79 21/10/1996 Marcha reúne 275 mil na Bélgica
81 10/12/1996 Justiça da Bélgica absolve vice-premiê
82 14/12/1996 Bélgica procura outras vítimas de pedofilia
83 18/12/1996 Suspeito de pedofilia no Rio acusa filósofo
84 21/12/1996 Só Poirot poderia resolver o sujo enigma belga
86 08/02/1997 Imprensa condena nova versão
87 08/02/1997 Filme nasceu para ser refeito
88 08/02/1997 Nabokov teve fama de devasso
89 12/02/1997 Ninfetas são as últimas mulheres inalcançáveis
90 21/02/1997 Alma Lavada
91 22/02/1997 Polêmica vem desde 1999
92 19/04/1997 Bélgica critica polícia no caso de pedofilia
93 25/05/1997 Comoção pelos direitos da criança
96 18/06/1997 França detém 600 acusados de pedofilia
97 19/06/1997 Padres são suspeitos de pedofilia
98 21/06/1997 Acusados de pedofilia se suicidam na França
99 26/06/1997 Suspeitos de pedofilia se suicidam na França
100 30/07/1997 Presos na Espanha suspeitos de pedofilia
101 08/08/1997 Casal é julgado por oferecer crianças para tortura
102 31/08/1997 Igreja tem 'centro de reabilitação', diz padre
103 31/08/1997 Foi a pior semana de minha vida'
104 04/09/1997 Acusado diretor de escola belga
108 03/02/1998 Clarke nega acusações de pedofilia
109 31/03/1998 Polícia ocupa colônia alemã no Chile
110 31/03/1998 Acusações de pedofilia vêm dos anos 50
111 23/06/1998 Lei reduz idade para homossexualismo
112 17/07/1998 Holanda investiga “abuso sexual” de bebês
113 18/07/1998 Polícia é acusada no caso de pedofilia na Holanda
115 03/09/1998 Megaoperação reprime pedofilia na internet
116 03/09/1998 Maioria dos casos ocorre nos EUA e na Europa
117 03/09/1998 Vácuo legal favorece crime na internet
120 29/09/1998 Pornografia emplaca nos canais pagos
121 10/10/1998 Campanha combate sites de pornografia
122 10/10/1998 Pena pode chegar a quatro anos
123 10/10/1998 Operação prendeu 100 pessoas
125 20/10/1998 A Mostra de São Paulo exibe filmes da jovem geração de cineastas dos EUA, entre
eles o polêmico "Felicidade", de Todd Solandz, que trata de temas como pedofilia
126 20/10/1998 Longa é uma das raras unanimidades do ano
128 24/10/1998 Homem é preso por pedofilia na internet
129 24/10/1998 Provedor diz que não sabia da transmissão
183

130 24/10/1998 Fotografias incluem crianças de 3 anos


131 24/10/1998 Primeiro caso foi em 97
132 24/10/1998 Homem é preso por pedofilia na internet
133 24/10/1998 Pedofilia na internet leva gerente à prisão
135 18/11/1998 Australiano é preso por pedofilia na internet
136 22/11/1998 Polícia está despreparada, diz delegado
141 18/01/1999 Unesco quer controlar pedofilia na internet
142 19/01/1999 Internet cria novo tipo de turismo sexual
143 20/01/1999 Interpol registra estupro na internet
144 20/01/1999 Só homens são pedófilos
145 20/01/1999 Plano é dividido em áreas
146 21/01/1999 Pedofilia na internet
147 23/01/1999 Biólogo é preso sob acusação de pedofilia
148 23/01/1999 De certo, eu sou doente
149 25/01/1999 Justiça pede sigilo em apuração de pedofilia
150 26/01/1999 1ª denúncia ocorreu em 1997
151 26/01/1999 Polícia fica sem contato com as famílias de vítimas de pedofilia
152 27/01/1999 Arcebispo britânico é acusado de pedofilia
153 27/01/1999 Advogado pede exame psiquiátrico de biólogo
154 30/01/1999 Pais identificam filhos em vídeos de acusado de pedofilia
165 31/01/1999 Feira livre oferece fotos pornográficas
156 31/01/1999 Desvio tende a aumentar
157 31/01/1999 País vira produtor de pedofilia na internet
158 31/01/1999 Advogado diz que preso tem desvio
159 31/01/1999 Brasil vira produtor de pedofilia na internet
160 01/02/1999 A Folha de ontem na opinião do leitor
161 19/02/1999 Onda de protestos
162 20/02/1999 Justiça decreta prisão preventiva de Chaim
164 05/03/1999 Vendedor é acusado de pedofilia em SP
165 05/03/1999 Família está transtornada
166 06/03/1999 Polícia localiza 16 vítimas de vendedor
167 09/03/1999 Polícia busca vítima de pedofilia na escola
168 13/03/1999 Promotoria denuncia suspeito de pedofilia
170 17/03/1999 Promotoria suspeita de rede de pedofilia
171 17/03/1999 Promotoria denuncia vendedor de Mogi
172 17/03/1999 Biólogo vai realizar teste
173 18/03/1999 Justiça de Mogi manda prender vendedor
175 23/03/1999 Pedofilia via internet é investigada em Goiás
176 23/03/1999 Entidade quer que pedofilia seja crime hediondo
178 22/04/1999 Disque-amizade é acusado de pedofilia
179 22/04/1999 Denúncia diz que serviço incentiva pedofilia
180 25/04/1999 Itatiba fez a 1ª prisão por pornografia na internet
181 12/05/1999 Polícia prende acusado de pedofilia em Bauru
182 18/05/1999 Governo e entidades montam rede de caça à pedofilia na internet
183 18/05/1999 Fórum abre cerco contra a pedofilia
184

184 19/05/1999 Preso 4° suspeito de pedofilia em Mogi


185 19/05/1999 Garoto afirma que está arrependido
186 22/05/1999 Enteado diz ter sido vítima de assédio
187 09/06/1999 Campanha combate pedofilia na Internet
188 30/06/1999 Rede luta para banir páginas de pedofilia
189 30/06/1999 Saiba onde denunciar sites de pornografia infantil
190 30/06/1999 Ainda não existe lei específica
191 30/06/1999 Confira programas que evitam acesso a site pornô
192 30/06/1999 Policial Brasileira investiga cibercrime
193 30/06/1999 Esquadrão online prende 150 pedófilos
194 30/06/1999 Norma facilitará investigação
195 30/06/1999 Polícia busca pista de crime em provedor
196 30/06/1999 Ação policial contra a pedofilia online
197 04/08/1999 Polícia fecha 40 sites com dicas de crimes
198 04/08/1999 Lei brasileira é insuficiente
199 04/08/1999 Polícia já fechou outros sites
200 04/08/1999 Investigação é feita na rede
201 24/08/1999 Técnico é condenado a 9 anos de prisão
206 30/09/1999 Polícia apura suspeita de pedofilia
208 15/10/1999 Polícia investiga site de pornografia
209 23/10/1999 Operação no Rio ataca pedofilia na internet
210 23/10/1999 Promotor faz blitz antipedofilia no Rio
211 23/10/1999 Expert ajuda mistério na investigação
212 23/10/1999 Polícia suspeita de site nos EUA
213 28/10/1999 Promotor faz perícia em computadores
214 11/11/1999 Polícia investiga pedofilia na região
215 11/11/1999 Polícia investiga caso de pedofilia
216 12/11/1999 Grampo rastreia pedofilia na internet
217 20/11/1999 Músico é acusado de abusar de garotos de 10 a 14 anos
219 09/12/1999 Servente de Mogi é preso por pedofilia
221 16/12/1999 Vendedor é condenado por pedofilia
185

APÊNDICE 2
Grade de Análise (Manuais)

MANUAL 1: atributos selecionados para codificação do contexto de produção das UI do


Universo
(1) NÚMERO DA UI

Refere-se ao número de ordem atribuído a cada UI. O campo foi denominado por UI e é
composto por três dígitos (por exemplo: 1, 30, 140).

(2) DATA DE PUBLICAÇÃO

A data é registrada na sequência dia/mês/ano e tem oito dígitos numéricos. O campo serve
para identificar a UI e foi denominado DATA (por exemplo: 15/08/1999).

(3) LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA UI

Explicita a localização indicada no corpo do texto da UI: nacional ou internacional. A


categoria é pertinente, pois permite ao pesquisador mensurar se há influências internacionais
relacionadas com o contexto de produção nacional. O campo foi denominado LOCALIZA e
tem um dígito.

Codificação:
1. Brasil.
2. Exterior.
(4) CADERNO

Corresponde à organização das UI nos respectivos cadernos. Ela é executada pelo próprio
jornal, de acordo com os critérios de produção. A periodicidade dos cadernos pode ser diária,
semanal ou eventual. Os cadernos também podem se destinar a um público geral ou
específico, como, por exemplo, o caderno Folhateen que se destina ao público jovem. O
campo recebeu a denominação CADERNO e é composto por um dígito.
Codificação:

1. Não consta.
2. Primeiro Caderno.
3. Ilustrada.
4. Folhateen.
5. Esporte.
6. Mundo.
7. Folha São Paulo.
8. Folha Campinas.
9. Mais.
10. Dinheiro.
186

11. Jornal de Resenhas.


12. Informática.
13. Acontece.
14. Revista da Folha.
15. Folha Verde.
16. Guia da Folha.
17. Folha Ribeirão.
(5) TÍTULO

É o texto que desperta o interesse do leitor para o tema tratado. Constitui a síntese precisa da
informação mais importante do texto e destaca o particular da matéria (Folha de S. Paulo,
2001). O título foi transcrito integralmente, assim como a respectiva manchete e chamada,
quando existentes. O título é a síntese precisa da informação mais importante do texto e
destaca o particular da matéria (Folha de S. Paulo, 1987).
187

MANUAL 2: atributos selecionados para codificação de conteúdo das UI do corpus

(6) DIA DA SEMANA

Refere-se ao dia da semana em que a UI foi publicada. O campo foi publicado como DIA DA
SEMANA e é composto por 1 dígito.

Codificação:
1. Domingo.
2. Segunda-feira.
3. Terça-feira.
4. Quarta-feira.
5. Quinta-feira.
6. Sexta-feira.
7. Sábado.
(7) AUTOR RESPONSÁVEL

Corresponde ao responsável pela autoria da UI. O campo foi denominado AUTOR e é


composto por até três dígitos. Os nomes dos autores foram transcritos integralmente.

Relação dos autores:

1. Abnor Gundin
2. Alain Touraine
3. Alessandro Silva
4. Amir Labaki
5. André Lara Resende
6. Antônio Callado
7. Antônio Carlos Seide
8. Antônio Gonçalves Filho
9. Antônio Negri
10. Arnaldo Jabor
11. Aureliano Biancarelli
12. Barbara Gancia
13. Bernard Henry Lévy
14. Betina Bernardes
15. Betty Milan
16. Bruce Mccall
17. Carlos Alberto Luppi
18. Carlos Eduardo Lins da Silva
19. Cecília Sayad
20. Celso Fioravante
21. César Rocha
22. Clare Garner
23. Contardo Calligaris
24. Cynara Menezes
25. Daniel Castro
188

26. Daniela Falcão


27. David Drew Zingg
28. Eli Fernandes
29. Elvira Lobato
30. Érika Palomino
31. Érika Sallun
32. Eugênio Bucci
33. Eunice Nunes
34. Felipe Fortuna
35. Fernando de Barros e Silva
36. Fernando Godinho
37. Fernando Moliga
38. Fernando Naporano
39. Fernando Rossetti
40. Flávio Rangel
41. Francisco Moreno de Carvalho
42. G. Carrera Infante
43. Gerald Thomas
44. Gérard Lefort
45. Gesner Oliveira
46. Gilberto Dimenstein
47. Gore Vidal
48. Inácio Araújo
49. Isabel Versiani
50. J.B. Natali
51. Jairo Bouer
52. José Arbex Jr.
53. José Geraldo Colto
54. José Paulo Paes
65. José Roberto Torero
56. Joyce Pascowitch
57. Lilian Christofoletti
58. Lúcia Martins
59. Luís Antônio Giron
60. Luiz Mott
61. Lygia Watanabe
62. Marcelo Coelho
63. Marcelo Godoy e Daniel Castro
64. Marcelo Oliviera
65. Maria Ercilia
66. Mário Cesar Carvalho
67. Mário Sérgio Conti
68. Marta Avancini
69. Maurício Simionato
70. Maurício Stycer
71. Moacyr Scliar
72. Não consta
73. Nelson Vilelo
74. Olavo de Carvalho
75. Otávio Dias
189

76. Patricia Bisso


77. Paulo Francis
78. Paulo Peixoto
79. Paulo Puterman
80. Paulo Saab
81. Paulo Sampaio
82. Paulo Vieira
83. Ricardo Bonalume Neto
84. Ricardo Brandt
85. Ricardo Calil
86. Ricardo Kotscho
87. Rodrigo Rimon
88. Ronaldo Soares
89. Sérgio Augusto
90. Silvano Santiago
91. Tavares de Moranda
92. Vilma Gasques
93. Walnice Nogueira Galvão
94. Wilson Tosta
95. Zeca Camargo
(8) TEMA DA UI

Trata-se do tema central da peça jornalística. Este campo é denominado TEMA e tem um
dígito:

1. Pedofilia na internet.
2. Caso/acusação de pedofilia.
3. Pedofilia na igreja.
4. Pedofilia e doença.
5. Pedofilia e pornografia.
6. Não se aplica.

(9) TIPO DO CONTEÚDO DA UI

Explicita-se a ênfase do conteúdo da UI sob a forma de texto informativo ou não. O campo é


denominado TIPOCONT e tem um dígito.

1. Sim.
2. Não.

(10) GÊNERO JORNALÍSTICO

Refere-se à classificação dos tipos de textos jornalísticos das UI. Essa classificação é
realizada de acordo com as definições do Manual da Redação da Folha de S. Paulo, edição
de 2001. Esse campo é denominado GÊNERO e tem um dígito:
190

Codificação:

1. Artigo: traz interpretação ou opinião do autor. Esse texto é sempre assinado e pode ser
escrito na primeira pessoa. O jornal tem por norma editar artigos que expressem pontos de
vista diferentes sobre um mesmo tema. A Folha só publica artigos inéditos (FOLHA S.
PAULO, 2001, p. 71).

2. Editorial: refere-se ao texto que explicita a opinião do jornal e aborda temas que são
explorados pela equipe de reportagem. O editorial nunca é assinado. “Deve apresentar
concisamente a questão de que vai tratar, desenvolver argumentos que o jornal defende,
refutar os que se opõem e finalizar condensando a posição adotada pela Folha” (FOLHA S.
PAULO, 2001, p. 71).

3. Reportagem: trata-se do texto que apresenta os pormenores das informações, bem como a
interpretação dos fatos abordados. “Texto que traz informações mais detalhadas sobre
notícias, interpretando os fatos; é assinada quando tem informação exclusiva ou se destaca
pelo estilo ou pela análise” (FOLHA S. PAULO, 2001, p. 71). Estão inclusos os textos
identificados como Box.

3.1 Box. “Recurso editorial em que um texto aparece entre fios, sempre em associação
íntima com outro texto, mais longo” (FOLHA DE S. PAULO, 1987, p. 51)

4. Notícia: É o registro dos fatos importantes que merecem estar no jornal. Sem comentários,
juízos de valor ou interpretação.

5. Carta: é o texto do leitor, expressando comentários, críticas, sugestões, posições ou


elogios ao jornal.

6. Entrevista: refere-se à publicação das ideias, pensamentos e observações do


personagem/depoente que participa da notícia. (FOLHA DE S. PAULO, 2001, p. 40).

7. Chamada/Manchete. Trata-se de foto e/ou “texto curto na Primeira Página, resume as


informações publicadas pelo jornal a respeito de um assunto. Remete o leitor para as páginas
que trazem a cobertura extensiva” (FOLHA DE S. PAULO, 2001, p. 23).

8. Coluna. Refere-se a um texto publicado em espaço fixo (mensal, semanal ou diário) de um


jornalista ou personalidade. Esse texto é sempre assinado.
191

9. Outros: são os textos pequenos, com mais de uma frase ou resumos que podem
acompanhar as matérias. Exemplos: cronologias, glossários, frases, contos, pronunciamentos,
reconstrução de uma história, entre outros.

(11) ORIGEM JORNALÍSTICA

É a agência, redação ou sucursal do responsável pela UI. O campo foi denominado ORIGEM
e tem dois dígitos.

Codificação:

01. Não se aplica.


02. Sem identificação.
03. Leitor.
04. Editorial.
05. Da Redação/ redator (a) da Folha.
06. Dos articulistas, colunistas e editores da Folha.
07. Da reportagem local.
08. De Nova York.
09. Da Reuter.
10. Especial para Folha.
11. Das Agências Intencionais.
12. Da sucursal do Rio.
13. De Washington.
14. Enviado especial a Estocolmo.
15. De Los Angeles.
16. Da France Presse.
17. De Paris.
18. Do The Independent.
19. De Londres.
20. Especial para a Folha em Nova York.
21. Da sucursal de Brasília.
22. Enviado especial a Paris.
23. Free-lance para a Folha Campinas.
24. Da Folha Campinas.
25. Da agência Folha, em Belo Horizonte.
26. Da agência Folha, em São José do Rio Preto.
27. Free-lance para a Folha.
28. Da agência Folha, em Porto Alegre.

(12) QUADRO INSTITUCIONAL DO INFORMANTE/ FONTE (PESSOA)

Trata-se da identificação institucional de quem fala sobre o tema pedofilia e/ou “abuso
sexual” na UI. Escolhemos apenas um informante por UI e estabelecemos como critério o que
mais aparece. No empate, seguiremos as recomendações de Andrade (2001) de selecionar o
192

informante referido no título ou no primeiro parágrafo. O campo foi denominado


QUADROINFOR e tem até dois dígitos.

Codificação:

1. Não consta.
2. Não se aplica.
3. Família.
4. Vizinho.
5. Membro da família
a) tio ou tia;
b) primo ou prima;
c) avô ou avó;
d) pai ou mãe;
6. Funcionários da área da saúde.
e) médicos;
f) coordenadores de serviços relacionados à saúde;
g) enfermeiros;
h) psicólogos;
i) assistentes sociais;
j) outros;
7. Funcionários da área da justiça:
a) Delegados;
b) Advogados;
c) Polícia;
d) Juiz;
e) Conselho tutelar.
8. Entidades de defesa da criança.
9. Profissionais da Educação.
(13) ACONTECIMENTO GERADOR

Trata-se da ocorrência de um evento que ocasionou a publicação da UI. O campo foi


denominado ACONGER e é composto por um dígito.

Codificação:

1. Não consta.
2. Data comemorativa.
3. Comemoração religiosa.
4. Aprovações de projetos de lei.
5. Divulgação de um relatório de pesquisa.
6. Ocorrência de um congresso.
7. Ocorrência de manifestações públicas.
8. Lançamento de um livro/filme/música.
9. Denúncia de abuso.
10. Campanhas/ Operações.
193

(14) TÍTULO COM O TERMO PEDOFILIA OU CORRELATOS

Refere-se aos títulos em que estão mencionadas as palavras pedofilia ou seus equivalentes. O
campo foi denominado TITPED e tem um dígito.

Codificação:

1. Não se aplica (refere-se às frases públicas em destaque na seção Frases, e aos títulos do
Painel do Leitor).
2. Não consta.
3. Apresenta o termo “PEDOFILIA” ou equivalente.
(15) TÍTULO COM O TERMO PEDOFILIA, MAS NO TEXTO TRATA-SE DE OUTRA
TEMÁTICA

Refere-se aos títulos em que a palavra pedofilia é usada, porém, no corpo da peça, aparecem
outros termos. O campo foi denominado PEDOFABUS e tem um dígito.

1. Não há discrepância.
2. Pedofilia no título, e o texto aborda “abuso sexual” infantil.
3. Pedofilia no título, e o texto aborda pornografia infantil na internet.
4. Pedofilia no título, e o texto aborda estupro.
5. Pedofilia no título, e o texto aborda exploração sexual infantil.
6. Outros.
7. Mista (dois ou mais temas).
8. Mista (pedofilia mais outros temas).
9. Não se aplica.
(16) CASOS

É considerado caso o conjunto de UI que identifica uma campanha, ou seja, é o esforço do


jornal em promover uma causa que pode vir a ser do interesse do leitor. Este campo foi
denominado CASO e tem um dígito:

1. Não faz parte de um caso.


2. Faz parte do caso Chaim.
3. Faz parte do caso Durante.
4. Faz parte do caso Jair Silva.
5. Faz parte do caso Mogi.
6. Faz parte do caso Lebrun.
7. Faz parte dos casos de igreja.
8. Faz parte do caso do Bancário.
9. Faz parte do caso Dutroux.
(17) GÊNERO DO ACUSADO

Refere-se ao gênero do acusado. O campo foi denominado GENACU e tem um dígito.


194

Código
1 . Não aplica.
2 . Não consta.
3. Homem.
4. Mulher.

(18) CARACTERIZAÇÃO DO ACUSADO

Refere-se a como o acusado é caracterizado. Recebeu a denominação de ACUSADO e tem


um dígito. .

Código:

1. Não se aplica.
2. Doente
3. Marginalizado
4. Pobre
5. Violento
6. Bandido
7. Louco
8. Dependente químico
9. Pedófilo
10. Estuprador
11. Maníaco Sexual
12. Não consta.

(19) INFORMAÇÃO SOBRE CRIANÇA/ADOLESCENTE


Corresponde ao tratamento à imagem da criança e do adolescente, se há alguma informação
sobre a criança. O campo foi denominado CRIADO e é composto por um digito.
1. Não consta informação.
2. Aparece informação.
195

APÊNDICE 3
Tabelas

Tabela 1. Quantidade de páginas de UIs por ano


Ano Páginas
1976 1
1977 0
1978 2
1979 0
1980 3
1981 2
1982 2
1983 1
1984 4
1985 3
1986 3
1987 1
1988 2
1989 0
1990 3
1991 5
1992 9
1993 3
1994 6
1995 9
1996 16
1997 19
1998 25
1999 110
2000 58
2001 48
2002 140
2003 54
2004 56
2005 120
2006 79
2007 83
2008 119
2009 80
2010 182
2011 59
2012 56
2013 111
2014 103
2015 57
196

Tabela 2. Distribuição de frequência de UI por tipo de enfoque


N° UI Tipo de TÍTULO
UIs
1 Menção Foucault o sexo sem censuras
2 Menção Estudo desmente velho conceito sobre violência
3 Menção Homossexuais, uma questão para o PCF
4 Menção "Liberation", um nanino que deu certo
5 Foco Restos a pagar de 1979
6 Menção Taradinhos
7 Menção Muito sofre quem padece
8 Menção Escolas devem ajudar pais na Educação Sexual
9 Menção Os perigos da "Depo-Provera"
10 Menção A função catártica do erotismo
11 Menção Conferência de censura alerta contra sadismo
12 Menção Sinopse Filme: somente você e eu
13 Menção Hebe em revista
14 Menção Cimento Fresco
15 Menção Fenômeno Visceral
16 Menção Raça e inteligência
17 Menção Os novos Everly Brothers
18 Menção Calce as galochas e entre na caça maluca
19 Menção As enlouquecidas bonecas do rock'n'roll
20 Menção O dom das meninas
21 Menção Viagem pelas consciências do sol nascente
22 Foco Inquérito sobre menor em filme aguarda laudo
23 Foco Marido disse à esposa que era um filme infantil
24 Menção Diário da corte
25 Foco Nota (sem título)
26 Menção Nabokov, autor da "Lolita", começa a ser publicado na União Soviética
27 Menção Diário da corte
28 Menção Pedofilia
29 Menção Não há brutos nem amor faroeste
30 Menção New Kids apela para a sexualidade infantil
31 Foco Alemães protestam contra tratamento a delinquentes
32 Menção Rimbaud as comemorações perigosas
33 Menção "Emma" revela submundo
34 Menção Choram as 4 damas do baralho nacional
35 Menção Biólogo discute sexo entre homens e animais
36 Foco Há pessoas que só dispõem de animais para amar´
37 Foco É comum na roça
38 Foco Congresso traça limite entre desejo e doença
39 Foco Filme de Almodóvar satiriza taras femininas
40 Foco HC trata disfunções sexuais
41 Foco Não conseguia trabalhar e ficava angustiado'
42 Foco Principais desvios sexuais
197

43 Menção Jackson passa dia em "aldeia holandesa"


44 Foco Menino vítima de bancário reaparece
45 Foco Acusado classificava garotos
46 Foco Corregedor suspende delegado por estupro
47 Foco Sexo com criança atrai 10% dos americanos
48 Foco 5% Confessam abuso no Brasil
49 Foco Bancário 'caçou' 638 garotos
50 Foco Violência na infância predispõe
51 Foco Criança corre risco de Aids
52 Foco Boletim de Ocorrência - Tarado
53 Foco Pedofilia em debate
54 Foco Queixa por abuso sexual tem acordo
55 Menção Sinais
56 Menção O reino encantado chega ao fim
57 Foco NY legisla contra pedofilia eletrônica
58 Foco Associação deve ser readmitida na ONU
59 Menção Quem sabe?
60 Foco Usuários criticam estudo sobre pornografia
61 Foco Críticos vêm sensacionalismo
62 Foco Polêmica
63 Foco Monteiro faz rir da "Comédia de Deus"
64 Menção Lolita já é uma senhora de 40 anos
65 Menção O amigo sábio
66 Menção Morre o editor do guia homossexual "Spartacus"
67 Foco França investiga pedofilia
68 Foco Ganhador do Nobel acusado de pedofilia
69 Foco Nobel é indiciado por sexo com menores
70 Foco Sob fiança, Nobel fica em liberdade
71 Foco Molestador é posto em liberdade nos EUA
72 Foco Holanda cria site "dedo-duro" na rede
73 Foco Achadas mortas 3 crianças belgas
74 Foco Pedófilo faz Bélgica rever pena condicional
75 Foco Policial da 'Casa dos Horrores' ajuda Bélgica em investigação
76 Foco Dossiê relata abuso de crianças em guerras
77 Foco Polícia interrogou 23 sobre o caso Dutroux
78 Foco Parcialidade destitui juiz do escândalo de pedofilia
79 Foco Marcha reúne 275 mil na Bélgica
80 Menção Juliete Binoche volta a sofrer no cinema
81 Foco Justiça da Bélgica absolve vice-premiê
82 Foco Bélgica procura outras vítimas de pedofilia
83 Foco Suspeito de pedofilia no Rio acusa filósofo
84 Foco Só Poirot poderia resolver o sujo enigma belga
85 Menção O mundo ainda não quer ver o escândalo "Lolita"
86 Foco Imprensa condena nova versão
87 Foco Filme nasceu para ser refeito
198

88 Foco Nabokov teve fama de devasso


89 Foco Ninfetas são as últimas mulheres inalcançáveis
90 Foco Alma Lavada
91 Foco Polêmica vem desde 1999
92 Foco Bélgica critica polícia no caso de pedofilia
93 Foco Comoção pelos direitos da criança
94 Menção O furor pós-moderno de uma ilha
95 Menção Livro mostra a sedução de Drácula
96 Foco França detém 600 acusados de pedofilia
97 Foco Padres são suspeitos de pedofilia
98 Foco Acusados de pedofilia se suicidam na França
99 Foco Suspeitos de pedofilia se suicidam na França
100 Foco Presos na Espanha suspeitos de pedofilia
101 Foco Casal é julgado por oferecer crianças para tortura
102 Foco Igreja tem 'centro de reabilitação', diz padre
103 Foco Foi a pior semana de minha vida'
104 Foco Acusado diretor de escola belga
105 Menção O guia de Tio Dave para repórteres da internet
106 Menção Exibição em Londres causa efeito devastador no establishment artístico
britânico
107 Menção Celebridades enchem o saco de Noel de cartas
108 Foco Clarke nega acusações de pedofilia
109 Foco Polícia ocupa colônia alemã no Chile
110 Foco Acusações de pedofilia vêm dos anos 50
111 Foco Lei reduz idade para homossexualismo
112 Foco Holanda investiga abuso sexual de bebês
113 Foco Polícia é acusada no caso de pedofilia na Holanda
114 Menção Usher, 19, usa babas para escalar 'Billboard'
115 Foco Megaoperação reprime pedofilia na internet
116 Foco Maioria dos casos ocorre nos EUA e na Europa
117 Foco Vácuo legal favorece crime na internet
118 Menção O velho transmite patologia do amor
119 Menção Ironia aproxima leitor do romance
120 Foco Pornografia emplaca nos canais pagos
121 Foco Campanha combate sites de pornografia
122 Foco Pena pode chegar a quatro anos
123 Foco Operação prendeu 100 pessoas
124 Menção Solondz vê miséria sexual nos EUA
125 Foco A Mostra de São Paulo exibe filmes da jovem geração de cineastas dos
EUA
126 Foco Longa é uma das raras unanimidades do ano
127 Menção Homenagem permite revisão da obra de Khouri
128 Foco Homem é preso por pedofilia na internet
129 Foco Provedor diz que não sabia da transmissão
130 Foco Fotografias incluem crianças de 3 anos
131 Foco Primeiro caso foi em 97
199

132 Foco Homem é preso por pedofilia na internet


133 Foco Pedofilia na internet leva gerente à prisão
134 Menção O walkman dos piratas
135 Foco Australiano é preso por pedofilia na internet
136 Foco Polícia está despreparada, diz delegado
137 Menção Filme implode família
138 Menção A guerra
139 Menção Como é doce a vingança
140 Menção Felicidade e tirania do sexo
141 Foco Unesco quer controlar pedofilia na internet
142 Foco Internet cria novo tipo de turismo sexual
143 Foco Interpol registra estupro na internet
144 Foco Só homens são pedófilos
145 Foco Plano é dividido em áreas
146 Foco Pedofilia na internet
147 Foco Biólogo é preso sob acusação de pedofilia
148 Foco De certo, eu sou doente
149 Foco Justiça pede sigilo em apuração de pedofilia
150 Foco 1ª denúncia ocorreu em 1997
151 Foco Polícia fica sem contato com as famílias de vítimas de pedofilia
152 Foco Arcebispo britânico é acusado de pedofilia
153 Foco Advogado pede exame psiquiátrico de biólogo
154 Foco Pais identificam filhos em vídeos de acusado de pedofilia
155 Foco Feira livre oferece fotos pornográficas
156 Foco Desvio tende a aumentar
157 Foco País vira produtor de pedofilia na internet
158 Foco Advogado diz que preso tem desvio
159 Foco Brasil vira produtor de pedofilia na internet
160 Foco A Folha de ontem na opinião do leitor
161 Foco Onda de protestos
162 Foco Justiça decreta prisão preventiva de Chaim
163 Menção Código para o inferno
164 Foco Vendedor é acusado de pedofilia em SP
165 Foco Família está transtornada
166 Foco Polícia localiza 16 vítimas de vendedor
167 Foco Polícia busca vítima de pedofilia na escola
168 Foco Promotoria denuncia suspeito de pedofilia
169 Menção Fronteiras da internet
170 Foco Promotoria suspeita de rede de pedofilia
171 Foco Promotoria denuncia vendedor de Mogi
172 Foco Biólogo vai realizar teste
173 Foco Justiça de Mogi manda prender vendedor
174 Menção O diário de Lori
175 Foco Pedofilia via internet é investigada em Goiás
176 Foco Entidade quer que pedofilia seja crime hediondo
200

177 Menção O pequeno demônio de Nabokov


178 Foco Disque-amizade é acusado de pedofilia
179 Foco Denúncia diz que serviço incentiva pedofilia
180 Foco Itatiba fez a 1ª prisão por pornografia na internet
181 Foco Polícia prende acusado de pedofilia em Bauru
182 Foco Governo e entidades montam rede de caça à pedofilia na internet
183 Foco Fórum abre cerco contra a pedofilia
184 Foco Preso 4° suspeito de pedofilia em Mogi
185 Foco Garoto afirma que está arrependido
186 Foco Enteado diz ter sido vítima de assédio
187 Foco Campanha combate pedofilia na Internet
188 Foco Rede luta para banir páginas de pedofilia
189 Foco Saiba onde denunciar sites de pornografia infantil
190 Foco Ainda não existe lei específica
191 Foco Confira programas que evitam acesso a site pornô
192 Foco Policial Brasileira investiga cibercrime
193 Foco Esquadrão online prende 150 pedófilos
194 Foco Norma facilitará investigação
195 Foco Polícia busca pista de crime em provedor
196 Foco Ação policial contra a pedofilia online
197 Foco Polícia fecha 40 sites com dicas de crimes
198 Foco Lei brasileira é insuficiente
199 Foco Polícia já fechou outros sites
200 Foco Investigação é feita na rede
201 Foco Técnico é condenado a 9 anos de prisão
202 Menção Alô, Mr. M! Suma e leve os veramistas da marcha
203 Menção Se minha camiseta falasse
204 Menção Traficantes vendem animais silvestres no Brasil via Internet
205 Menção Estilistas da semana da moda unem criatividade e mercado
206 Foco Polícia apura suspeita de pedofilia
207 Menção NEVERMORE Uma religião chamada Poe
208 Foco Polícia investiga site de pornografia
209 Foco Operação no Rio ataca pedofilia na internet
210 Foco Promotor faz blitz antipedofilia no Rio
211 Foco Expert ajuda ministério na investigação
212 Foco Polícia suspeita de site nos EUA
213 Foco Promotor faz perícia em computadores
214 Foco Polícia investiga pedofilia na região
215 Foco Polícia investiga caso de pedofilia
216 Foco Grampo rastreia pedofilia na internet
217 Foco Músico é acusado de abusar de garotos de 10 a 14 anos
218 Menção Que importa quem matou
219 Foco Servente de Mogi é preso por pedofilia
220 Menção Morre o filósofo Gérard Lebrum, 69, em Paris
221 Foco Vendedor é condenado por pedofilia
201

Tabela 3. Distribuição da quantidade de peças por ano

Ano Número de peças


1976 1
1978 2
1980 3
1981 3
1982 2
1983 1
1984 4
1985 3
1986 4
1987 1
1988 2
1990 3
1991 5
1993 9
1994 13
1995 10
1996 18
1997 23
1998 32
1999 82
Total Geral 221

Tabela 4. Distribuição da frequência das UIs por localização geográfica


Localização Contagem de TÍTULO
Brasil 162
Exterior 59
Total Geral 221

Tabela 5. Frequência relativa de UIs por Caderno

Caderno Quantidade de UIs


Primeiro caderno 57
Ilustrada 47
Folha São Paulo 39
Folha Campinas 35
Informática 10
Mais! 8
Folha Vale 8
Mundo 4
Dinheiro 3
Folha Ribeirão 3
Esporte 2
202

Jornal de Resenhas 1
Revista da Folha 1
Guia da Folha 1
Acontece 1
Folhateen 1
Total Geral 221

Tabela 6. Frequência de UIs do corpus por dia da semana


Quantidade de Quantidade de
Dia da Semana UI UI (%)
Domingo 22 14,10%
Segunda 9 5,77%
Terça 22 14,10%
Quarta 37 23,72%
Quinta 21 13,46%
Sexta 12 7,69%
Sábado 33 21,15%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 7. Lista de autores de acordo com a frequência de UIs do corpus


Quantidade de Quantidade de
Autor(a) UI UI (%)
Alain Touraine 1 0,64%
Alessandro Silva 1 0,64%
Amir Labaki 2 1,28%
Antônio Callado 1 0,64%
Antônio Carlos Seide 1 0,64%
Aureliano Biancarelli 2 1,28%
Betina Bernardes 1 0,64%
Carlos Eduardo Lins da Silva 7 4,49%
Celso Fioravante 1 0,64%
César Rocha 1 0,64%
Clare Garner 2 1,28%
Daniel Castro 1 0,64%
Daniela Falcão 1 0,64%
Eli Fernandes 1 0,64%
Elvira Lobato 1 0,64%
Eunice Nunes 3 1,92%
Fernando Godinho 1 0,64%
Fernando Moliga 1 0,64%
Fernando Rossetti 6 3,85%
Gesner Oliveira 1 0,64%
Gilberto Dimenstein 1 0,64%
Isabel Versiani 4 2,56%
203

Jairo Bouer 5 3,21%


Lilian Christofoletti 4 2,56%
Luiz Mott 1 0,64%
Marcelo Coelho 1 0,64%
Marcelo Godoy e Daniel Castro 3 1,92%
Marcelo Oliveira 4 2,56%
Maria Ercilia 2 1,28%
Mário Cesar Carvalho 1 0,64%
Marta Avancini 1 0,64%
Maurício Simionato 17 10,90%
Maurício Stycer 3 1,92%
Moacyr Scliar 1 0,64%
Otávio Dias 2 1,28%
Paulo Francis 1 0,64%
Paulo Peixoto 2 1,28%
Ricardo Bonalume Neto 3 1,92%
Ricardo Brandt 3 1,92%
Ricardo Calil 1 0,64%
Ricardo Kotscho 2 1,28%
Rodrigo Rimon 4 2,56%
Ronaldo Soares 4 2,56%
Vilma Gasques 6 3,85%
Wilson Tosta 1 0,64%
Não consta 43 27,56%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 8. Distribuição e frequência de Temas nas UIs do corpus


Quantidade de Quantidade de
Tema UI UI (%)
Pedofilia e pornografia. 14 8,97%
Caso/acusação de pedofilia. 62 39,74%
Pedofilia e doença. 17 10,90%
Pedofilia na internet. 47 30,13%
Não se aplica. 8 5,13%
Pedofilia na igreja. 8 5,13%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 9. Distribuição e frequência do tipo das UI do corpus


Quantidade de Quantidade de
Tipo UI UI (%)
Informativo 5 3,21%
Não Informativo 151 96,79%
Total Geral 156 100,00%
204

Tabela 10. Distribuição e frequência das UIs do corpus por gênero jornalístico
Quantidade de Quantidade de
Gênero UI UI (%)
Coluna. 4 2,56%
Outros. 13 8,33%
Reportagem. 92 58,97%
Box. 20 12,82%
Notícia. 18 11,54%
Carta. 2 1,28%
Chamada/Manchete. 5 3,21%
Artigo. 1 0,64%
Editorial. 1 0,64%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 11. Distribuição e frequência das UIs do corpus por origem jornalística
Quantidade de Quantidade de
Origem jornalística UI UI (%)
Da Redação/ redator (a) da Folha. 2 1,28%
Da reportagem local. 39 25,00%
Editorial. 1 0,64%
Especial para Folha. 9 5,77%
Leitor. 2 1,28%
Não se aplica. 6 3,85%
Sem identificação. 5 3,21%
De Nova York. 3 1,92%
Da Reuter. 1 0,64%
Das Agências Intencionais. 17 10,90%
Da sucursal do Rio 7 4,49%
Dos articulistas, colunistas e editores da Folha. 7 4,49%
De Washington. 3 1,92%
Enviado especial a Estocolmo. 1 0,64%
De Los Angeles. 1 0,64%
Da France Presse. 1 0,64%
De Paris. 1 0,64%
Do The Independent. 2 1,28%
De Londres. 2 1,28%
Especial para a Folha em Nova York. 2 1,28%
Da sucursal de Brasília. 3 1,92%
Enviado especial a Paris. 5 3,21%
Free-lance para a Folha Campinas. 11 7,05%
Da Folha Campinas. 17 10,90%
Da agência Folha, em Belo Horizonte. 2 1,28%
Da agência Folha, em São José do Rio Preto. 1 0,64%
Free-lance para a Folha. 4 2,56%
Da agência Folha, em Porto Alegre. 1 0,64%
Total Geral 156 100,00%
205

Tabela 12. Distribuição e frequência das UI do corpus por quadro institucional do informante

Quantidade de Quantidade
Quadro institucional do informante UI de UI (%)
Não consta. 18 11,54%
Conselho tutelar. 2 1,28%
Entidades de defesa da criança. 22 14,10%
Profissionais da Educação. 3 1,92%
Não se aplica 20 12,82%
Tio ou tia. 1 0,64%
Coordenadores de serviços relacionados à saúde. 1 0,64%
Polícia. 56 35,90%
Delegados. 3 1,92%
Médicos. 3 1,92%
Juiz. 23 14,74%
Outros. 2 1,28%
Psicólogos. 2 1,28%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 13. Distribuição e frequência de UI do corpus por acontecimento gerador


Quantidade de Quantidade de
Acontecimento gerador UI UI (%)
Não consta. 14 8,97%
Comemoração religiosa. 2 1,28%
Aprovações de projetos de lei. 3 1,92%
Divulgação de um relatório de pesquisa. 4 2,56%
Ocorrência de um congresso. 10 6,41%
Ocorrência de manifestações públicas. 4 2,56%
Lançamento de um livro/filme/música. 13 8,33%
Denúncia de abuso. 70 44,87%
Campanhas/ Operações. 36 23,08%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 14. Distribuição e frequência das UIs do corpus por título com o termo pedofilia
ou correlatos

Título com o termo pedofilia ou correlatos Quantidade de Quantidade de


UI UI (%)
Não se aplica 6 3,85%
Não consta. 44 28,21%
Apresenta o termo “PEDOFILIA” ou equivalente. 106 67,95%
Total Geral 156 100,00%
206

Tabela 15. Distribuição e frequência das UIs do corpus com o título com o termo Pedofilia,
mas no texto trata-se de outro termo
Quantidade de Quantidade de
Termo UI UI (%)
Mista (dois ou mais temas). 17 10,90%
Mista (pedofilia mais outros temas). 2 1,28%
Não há discrepância. 15 9,62%
Outros. 9 5,77%
Pedofilia no título, e o texto aborda abuso sexual infantil. 44 28,21%
Pedofilia no título, e o texto aborda estupro. 7 4,49%
Pedofilia no título, e o texto aborda exploração sexual infantil. 4 2,56%
Pedofilia no título, e o texto aborda pornografia infantil na internet. 40 25,64%
Não se aplica. 18 11,54%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 16. Distribuição e frequência de UIs do corpus por caso


Quantidade de Quantidade de
Caso UI UI (%)
Não faz parte de um caso. 105 67,31%
Faz parte do caso Chaim. 12 7,69%
Faz parte do caso Durante. 9 5,77%
Faz parte do caso Jair Silva. 3 1,92%
Faz parte do caso Mogi. 2 1,28%
Faz parte do caso Lebrun. 1 0,64%
Faz parte dos casos de igreja. 4 2,56%
Faz parte do caso do Bancário. 7 4,49%
Faz parte do caso Dutroux. 13 8,33%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 17. Distribuição e frequência das UIs do corpus por gênero do acusado
Quantidade de Quantidade de
Gênero UI UI (%)
Não aplica. 69 44,23%
Não consta. 8 5,13%
Homem. 78 50,00%
Mulher. 1 0,64%
Total Geral 156 100,00%
207

Tabela 18. Distribuição e frequência das UIs do corpus por caracterização do acusado
Quantidade de Quantidade de
Caracterização UI UI (%)
Não se aplica. 62 39,74%
Doente 11 7,05%
Violento 10 6,41%
Bandido 1 0,64%
Louco 1 0,64%
Pedófilo 51 32,69%
Estuprador 12 7,69%
Não consta. 8 5,13%
Total Geral 156 100,00%

Tabela 19. Distribuição e frequência das UIs do corpus por informação sobre a criança e/ou
adolescente
Quantidade de Quantidade de
Informação UI UI (%)
Não consta informação. 116 74,36%
Aparece informação. 40 25,64%
Total Geral 156 100,00%

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