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Francisco Lisboa Moreira

Paulo César Teixeira Duarte Filho


Organizadores

O BRASIL NA NOVA ERA


DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
– Acessão à OCDE, Acordos de Bitributação, Preços de Transferência,
BEPS Pilares 1 e 2, Beneficiário Efetivo, Alienação Indireta de Ativos,
Troca de Informações –

Felipe Pinto Vallada / Fernando Luis Bernardes de Oliveira /


Francisco Lisboa Moreira / Gabriel Nassar Lacerda /
Luis Henrique Costa / Michell Przepiorka /
Paulo César Teixeira Duarte Filho / Stephanie Jane Makin /
Teresa Novais Corrêa Meyer

PROJETO NEF FGV – Tributação Internacional


Responsável Acadêmico:
Prof. Isaías Coelho
Responsável Executivo:
Paulo César Teixeira Duarte Filho

Max
Limonad NÚCLEO DE
ESTUDOS FISCAIS
Francisco Lisboa Moreira
Paulo César Teixeira Duarte Filho
Organizadores

O BRASIL NA NOVA ERA


DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
– Acessão à OCDE, Acordos de Bitributação, Preços de
Transferência, BEPS Pilares 1 e 2, Beneficiário Efetivo,
Alienação Indireta de Ativos, Troca de Informações –

PROJETO NEF FGV – Tributação Internacional


Responsável Acadêmico:
Prof. Isaías Coelho
Responsável Executivo:
Paulo César Teixeira Duarte Filho

Max
Limonad
desde 1944
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO
INTERNACIONAL

Copyright: Francisco Lisboa Moreira e Paulo César Teixeira


Duarte Filho (Organizadores)

Capa: Equipe de produção Max Limonad,

M339t Moreira, Francisco Lisboa. Duarte Filho, Paulo César Teixeira.


(Organizadores)
O Brasil na nova era da tributação internacional. /
Francisco Lisboa Moreira. Paulo César Teixeira
Duarte Filho. - São Paulo: Editora Max Limonad,
2023.

Organizadores.
Referências Bibliográficas.
ISBN PDF pesquisável 978-65-00-63782-3

1. Direito. 2. Tributário. 3. Internacional. I. Moreira,


Francisco Lisboa. II. Duarte Filho, Paulo César
Teixeira.

CDD 340

Editora Max Limonad


www.maxlimonad.com.br
editoramaxlimonad@gmail.com

2023
AUTORES

Felipe Pinto Vallada


Doutor em Direito Econômico pela Universidade de Ciências Eco-
nômicas de Viena. Ex-Pesquisador do ACTL e do International Bu-
reau of Fiscal Documentation. Ex-consultor da Administração Fis-
cal de Liechtenstein. Ex-consultor do World Bank Group. Advo-
gado em Viena, Áustria

Fernando Luis Bernardes de Oliveira


Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de
São Paulo. Pós-graduando em Direito Tributário Internacional pelo
Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Julgador do Tribunal de
Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. Advogado.

Francisco Lisboa Moreira


Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. LLM em Inter-
national Taxation pela New York University. Pesquisador do Nú-
cleo de Estudos Fiscais da FGV-SP. Sócio do escritório Aguiar, Lis-
boa e Monteiro Advogados em São Paulo

Gabriel Nassar Lacerda


LL.M em Direito Tributário no INSPER. Bacharel em Ciências
Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em
Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado do
escritório Machado Associados em São Paulo.

Luis Henrique Costa


LL.M. em Direito Tributário Internacional pela Universidade de
Leiden. Professor convidado do curso de planejamento tributário do
IBET e do Summer Course de Direito Tributário Internacional do
International Tax Center – ITC (Leiden). Sócio do escritório BMA
em São Paulo
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Michell Przepiorka
Mestre em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro
de Direito Tributário – IBDT. Especialista em Direito Tributário In-
ternacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Pesquisa-
dor do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV/SP. Juiz do Conselho Mu-
nicipal de Tributos de São Paulo. Advogado do escritório Takano &
Przepiorka Advogados.

Paulo César Teixeira Duarte Filho


Doutor em Direito Econômico pela Universidade de Ciências Eco-
nômicas de Viena. Mestre em Direito Tributário pela Universidade
de Munique. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mi-
nas Gerais. Coordenador-Executivo do Projeto de Tributação Inter-
nacional do NEF FGV. Membro do Conselho Diretor do Aldeias
Infantis SOS Brasil. Sócio do escritório Stocche Forbes Advogados
em São Paulo.

Stephanie Jane Makin


LL.M em Direito Tributário no INSPER. Bacharel em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Sócia do
escritório Machado Associados em São Paulo.

Teresa Novais Corrêa Meyer


LL.M. em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Ci-
ências Econômicas de Viena. LL.M. em Direito Tributário Espanhol
pela Universitat Internacional de Catalunya (UIC Barcelona). Ad-
vogada do escritório BMA em São Paulo

6
ÍNDICE

AUTORES ....................................................................................5

APRESENTAÇÃO .....................................................................11

Capítulo 1
O Acesso do Brasil à OCDE – Aspectos Tributários ...............15
1. Considerações Iniciais ..........................................................15
2. O Mapa de Acesso à OCDE .................................................20
2.1. Obrigações de Filiação à OCDE ........................................20
2.2. Revisão Técnica pelos Comitês da OCDE.........................21
2.3. Lista dos Principais Elementos para Acesso à OCDE .......25
3. Os Desafios Fiscais ao Acesso do Brasil ..............................38
4. Considerações Finais ............................................................53

Capítulo 2
A Entrada do Brasil na OCDE e as Políticas dos Acordos para
Evitar a Dupla Tributação ........................................................55
1. Considerações Iniciais ..........................................................55
2. As Políticas Brasileiras de Acordos ......................................58
2.1 Premissas Básicas ...............................................................58
2.2 Os Acordos Brasileiros .......................................................62
2.3 As Políticas Brasileiras .......................................................67
3. Alinhamento à OCDE e os Acordos Brasileiros ..................74
4. Considerações Finais ............................................................81

Capítulo 3
A Impertinência da Adoção do Pilar 1 pelo Brasil ..................83
1. Considerações Iniciais ..........................................................83
2. O Pilar 1 ................................................................................86
3. E no que isso afetaria o Brasil? .............................................87
4. O que é o “Montante A”? .....................................................88
5. O Movimento de Adesão à OCDE e o Impacto nas Regras
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Atuais de Preços de Transferência ........................................... 94


6. O Método das Margens de Lucro Transacionais .................. 95
7. O Método da Divisão dos Lucros ......................................... 96
8. Considerações Finais ............................................................ 98

Capítulo 4
Pilar 2: Impactos Fiscais para os Grupo Multinacionais com
Controladores Finais no Brasil ................................................. 99
1. Considerações Iniciais .......................................................... 99
2. Contexto das Regras GloBE ............................................... 101
3. Regras GloBE ..................................................................... 104
3.1. Objetivo ........................................................................... 104
3.2. Escopo de aplicação das Regras GloBE .......................... 107
3.3. Cálculo da Effective Tax Rate (ETR) e do Imposto
Complementar (Top-Up Tax) ................................................. 108
3.4. Income Inclusion Rule (IIR) e Undertaxed Payments Rule
(UTPR) ................................................................................... 109
4. Regras Brasileiras de Tributação de Lucros Auferidos no
Exterior ................................................................................... 111
5. Possível Enquadramento das Regras Brasileiras de Tributação
de Lucros Auferidos no Exterior como Regras GloBE .......... 118
6. Efeitos Práticos do Não Enquadramento das Regras de
Tributação de Lucros Auferidos no Exterior como Regras
GloBE ..................................................................................... 124
7. Conclusões.......................................................................... 127

Capítulo 5
A Limitação de Benefícios e a Cláusula “Fantasma” do
Beneficiário Efetivo: Comentários das Regras Internacionais
Antiabuso à Luz do Direito Brasileiro ................................... 131
1. Considerações Iniciais ........................................................ 131
2. Treaty Shopping ................................................................. 133
3. Cláusula de Limitação de Benefícios - LOB ...................... 136
3.1. Conceito e Breve Contexto Histórico .............................. 136
3.2. Ação 6 do Projeto BEPS da OCDE ................................. 138
3.3. Detalhes e Características da LOB .................................. 140
3.4. Brasil: Política Fiscal Internacional e Aspectos Tributários
Domésticos ............................................................................. 144
4 Cláusula do Beneficiário Efetivo......................................... 148

8
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

4.1. Contexto Histórico ...........................................................148


4.2. Definição Doméstica ou Autônoma Internacional ...........158
4.3. Alocação de Receita ou Cláusula Antiabuso ...................160
4.4. Definição Restritiva ou Extensiva (Broad or Narrow) ....161
4. 5. Beneficiário Efetivo e o Direito da União Europeia .......161
4.6. Cláusula “Fantasma” do Beneficiário Efetivo .................163
4.6.1. Molinos Río de la Plata ............................................163
4.6.2. X Holding APS ........................................................165
4.6.3. A Índia e a Cláusula do Beneficiário Efetivo ...........166
4.7. Cláusula “Fantasma” do Beneficiário Efetivo no Brasil ..167
4.7.1. “Beneficiário Efetivo” na Legislação Doméstica
Brasileira ............................................................................167
4.7.2. Maxitel S.A. (“Tim Nordeste”) ................................169
4.7.3. Volvo do Brasil Veículos Ltda. (“Volvo”)...............171
5 Considerações Finais ...........................................................172

Capítulo 6
Alienação Indireta de Ativos: Aspectos Tributários no
Contexto Brasileiro e Internacional ........................................175
1 Considerações Iniciais .........................................................175
2 Brasil: Aspectos Tributários da Alienação Indireta de Ativos
................................................................................................177
2.1 Alienação Indireta de Ativos: Considerações Gerais........177
2.2 Arcabouço jurídico no Brasil – a Tributação do Ganho de
Capital de Não Residente e a Introdução ao Tema da
Desconsideração de Negócios Jurídicos .................................179
2.3 Casos de Alienação Indireta de Ativos na Jurisprudência 184
3 Internacional: Aspectos Gerais sobre Alienação Indireta ....187
3.1 Alienação Indireta de Propriedades Imobiliárias ..............187
3.2 Alienação Indireta de Ativos ............................................189
4 Estudo da OCDE, FMI, ONU e Banco Mundial sobre a
Alienação Indireta de Ativos ..................................................191
4.1 Modelo 1 ...........................................................................192
4.2 Modelo 2 ...........................................................................194
5 Artigo 13(7) da Convenção Modelo da ONU de 2021 ........197
6. Legislação sobre a Tributação da Alienação Indireta de
Ativos......................................................................................200
6.1 Internacional: Comparativo de Legislações Internas ........200
6.2 Brasil: Projeto de Lei n. 2.337/2021 .................................204

9
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

7 Considerações Finais ........................................................... 207

Capítulo 7
Direito dos Contribuintes na Troca Automática de
Informações .............................................................................. 209
1 Considerações Iniciais ......................................................... 209
2 Eficiência da troca de informações e proteção dos direitos dos
contribuintes: trade-off? ......................................................... 211
3 Direitos dos Contribuintes no Sistema Jurídico Brasileiro .. 219
3.1 Retroatividade .................................................................. 219
3.2 Ampla Defesa e Contraditório .......................................... 223
3.3 Privacidade e Sigilo .......................................................... 231
4 Considerações Finais ........................................................... 237

BIBLIOGRAFIA ...................................................................... 241

10
APRESENTAÇÃO

A Tributação Internacional do Brasil tem contornos e nu-


ances que estão diretamente ligados aos aspectos políticos e econô-
micos da nação. Tal fato fica evidente quando analisamos as políti-
cas utilizadas pelo país ao desenhar sua legislação interna e seus
acordos para evitar a dupla tributação, onde tivemos uma orientação
voltada para a proteção das receitas brasileiras enquanto fonte de
pagamento, importadora de capital, serviços e tecnologia.
O país sempre optou por políticas que privilegiavam cer-
teza e jamais renunciavam a competência tributária, fato este evi-
denciado na tributação de fonte em remessas para pagamento de ser-
viços técnicos, nas regras de preços de transferência e até na política
de dedutibilidade de royalties, vigente no país desde 1958; esses
dois últimos pontos estão sob processo de alteração por meio da Me-
dida Provisória 1.152, de 28 de dezembro de 2022, mas ainda não
convertida em lei até o fechamento deste trabalho (31.12.2022).
Tais mecanismos legislativos traziam certeza quanto à
aplicação da norma, com parâmetros objetivos, ainda que em total
risco de dupla tributação (como no caso de alguns métodos de pre-
ços de transferência) ou de tributação sobre parâmetros que pode-
riam exceder a lucratividade de determinadas transações (como no
caso da tributação na fonte). Em que pesem críticas a tal posiciona-
mento, como as constatações de que o país estava fora das grandes
cadeias mundiais de produção, era evidente que o país dispunha de
mecanismos para exercer a sua competência tributária de forma ade-
quada e sobre materialidades claras e definidas.
No entanto, a partir de determinado momento, observa-
mos uma mudança de direção desta política. Podemos delinear o
termo de início desta “mudança” com o pedido formal de ingresso
do país na OCDE e, talvez, o marco do seu término com o recém-
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

firmado acordo para evitar a dupla tributação com o Reino Unido,


reforçando uma série de elementos que formalmente contrastavam
com a política anterior.
Com o pedido formal de ingresso na OCDE tivemos al-
guns eventos de muito destaque, como projeto conjunto entre a
OCDE e a Receita Federal do Brasil para revisão das regras brasi-
leiras de preços de transferência, com o claro objetivo de monitorar
pontos de melhoria para que o Brasil pudesse aceitar o arm´s length
standard como princípio basilar da sua política de preços de trans-
ferência, a introdução de Leis e modificação de regulamentos que
trouxeram mais liberdade para empreendimentos estrangeiros ope-
rando no país e nacionais que buscassem realizar pagamentos ao ex-
terior, como a redução gradativa do IOF-Câmbio, o Novo Marco
Cambial e o a mudança na política tributária internacional materia-
lizada na negociação do acordo para evitar a dupla tributação com o
Reino Unido.
Diante deste contexto, tivemos no ano de 2021 o início do
Grupo de Trabalho de Tributação Internacional dentro do Núcleo de
Estudos Fiscais, com o objetivo de contribuir e fortalecer este novo
rumo da tributação internacional brasileira – e marcar, de certa ma-
neira, o novo estágio que a política fiscal internacional do país se
propõe a atingir de agora em diante. Temos um novo governo a ini-
ciar em 1.1.2023, com posições políticas distintas do governo que
se despede, mas que não necessariamente significa um retorno ao
estágio existente antes do início da mudança iniciada em 2017. Pa-
lavras como internacionalização e parcerias internacionais têm sido
repetidas com relativa frequência pelos integrantes da equipe de
transição e por aquelas figuras já confirmadas como parte do futuro
governo, o que desde já demonstra uma propensão a um “meio do
caminho”.
Os artigos que compõem este livro foram escritos com
este objetivo – o de oferecer elementos para uma evolução e conti-
nuidade deste movimento de revisão da política tributária internaci-
onal brasileira. O primeiro artigo deste livro trata justamente de todo

12
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

o contexto de adesão do país à OCDE, comparando a política tribu-


tária existente com os potenciais impactos e modificações que serão
requisitados caso a adesão venha a ser concluída. O segundo artigo
aprofunda este estudo, olhando para os acordos (double tax conven-
tions) que serão firmados dentro da convenção-modelo da OCDE e
suas diferenças em relação ao padrão adotado atualmente. O terceiro
e quarto artigos trazem luz a dois pontos que vem sendo muito abor-
dados internacionalmente, mas cujo estudo à luz do arcabouço tri-
butário brasileiro demanda uma análise mais criteriosa – Pilares 1 e
2. O quinto e o sexto artigos trazem análises mais focadas na parte
de combate ao abuso e normas antielisivas, com as potenciais mu-
danças a serem implementadas. O sétimo artigo trata de um ele-
mento de alta importância e complexidade, que são as trocas auto-
máticas de informações entre as autoridades tributárias, igualmente
aplicados dentro dos acordos multilaterais firmados no ambiente da
OCDE, mas que ao firmá-las requererão cautela acerca do respeito
às normas constitucionais de respeito aos direitos dos contribuintes.
Os autores e coordenadores esperam, assim, que as con-
tribuições ofertadas por esta publicação permitam o reforço e conti-
nuidade do estudo da tributação internacional neste contexto de mu-
danças apresentados pelo país.

13
Capítulo 1
O Acesso do Brasil à OCDE – Aspectos Tributários

Paulo César Teixeira Duarte Filho

1. Considerações Iniciais

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Eco-


nômico – OCDE decidiu, no dia 25 de janeiro de 2022, iniciar as
discussões de acesso do Brasil e de outros cinco países, publicando,
em 10 de junho de 2022, um mapa dos critérios a serem cumpridos
para conseguir concretizar a sua entrada1.
Fazem parte da OCDE as principais economias desenvol-
vidas do mundo, mas também economias ascendentes da América
Latina, como o Chile, a Colômbia e o México. Hoje, são 38 mem-
bros:

Alemanha Áustria Austrália Bélgica


Canadá Chile Colômbia Coreia do Sul
Costa Rica Dinamarca Eslovênia Espanha
Estados Unidos Estônia Finlândia França
Grécia Hungria Itália Irlanda
Islândia Israel Luxemburgo Japão
Letônia Lituânia México Noruega
Nova Zelândia Países Baixos Polônia Portugal

1OECD. Roadmap for the OECD Accession Process of Brazil. Adopted by the
Council at Ministerial level on 10 June 2022. Disponível em:
https://www.oecd.org/mcm/Roadmap-OECD-Accession-Process-Brazil-
EN.pdf. Acesso em 18.8.2022.
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Reino Unido República Eslovaca República Tcheca Suécia


Suíça Turquia

A relação do Brasil com a OCDE, embora não membro,


começou há muitos anos, principalmente quando a instituição criou
um programa direcionado ao Brasil em 1998 e, nove anos depois,
assinou um Acordo de Cooperação com o país em 20152, passando
a desenvolver um programa de trabalhos conjuntos. Já em 2017, o
Brasil formalizou seu interesse em ser membro da instituição, soli-
citando sua adesão. A partir daí, em 2019, o Brasil criou o Conselho
Gestor Brasil-OCDE3, dedicado à preparação e acompanhamento do
processo de se tornar membro, havendo intensificado as comunica-
ções com a OCDE, até que culminou no convite de acesso em 2022.
O principal objetivo da organização é desenvolver, ali-
nhar e disseminar políticas de desenvolvimento sustentável, em pi-
lares multifacetados, passando pelos fluxos de capital, tributação,
anticorrupção, conduta empresarial responsável, governança corpo-
rativa, assistência de desenvolvimento, educação e, por fim, inteli-
gência artificial.
Na parte tributária, a entidade promove e dá suporte ao
desenvolvimento de políticas fiscais e reformas tributárias que cons-
troem e fortificam um sistema global estável, eficiente e estruturado,
dando sustentação à economia global moderna4.
Sem sombras de dúvidas, estar na OCDE é respeitar dire-
trizes que, de forma geral, podem melhorar o desenvolvimento eco-
nômico do país de forma sustentável: isso é fato. As regras são mui-
tas e, logicamente, veem de países com grau socioeconômico muito

2 Cf. Decreto n. 10.109, de 7 de novembro de 2019, que promulgou o Acordo


de Cooperação entre o Brasil e a OCDE.
3 Cf. Decreto n. 9.920, de 18 de julho de 2019. O Conselho é composto pelos

Ministros da Casa Civil (coordenador), das Relações Exteriores, da Economia,


pelos Chefes da Secretaria-Geral da Presidência e da Secretaria de Governo da
Presidência.
4 OECD. OECD’s 60th Anniversary Vision Statement (C/MIN(2021)16/FI-

NAL). Disponível em: https://www.oecd.org/60-years/ . Acesso em 18.8.2022.

16
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

maior e estável do que o brasileiro, que embora seja uma economia


grande, é subdesenvolvido em inúmeros aspectos, mantém níveis al-
tos de pobreza, burocracia, falta de compliance ambiental e política,
baixa qualidade de educação, judiciário engessado, abarrotado e ati-
vista, além de contar com grandes entraves às atividades empresariais.
Em princípio, a entidade influencia essas discussões por
meio de comitês temáticos (e.g. fiscal) e grupos de trabalho – hoje,
são trinta e quatro comitês, diversos grupos de trabalho e treze dire-
torias. A definição de padrões internacionais se dá por meio de ins-
trumentos legais, diretrizes, modelos, sendo que boa parte é não vin-
culante, mas sua aplicabilidade sobre alta pressão pela própria insti-
tuição e pelos demais membros.
É um grande desafio mudar tantos pontos em relativa-
mente curto prazo, em um país que vem de legislaturas e governos
não alinhados a esses propósitos.
Existem esforços na discussão e promoção de mudanças,
principalmente em vista de uma liberdade econômica e redução do
protecionismo, que inviabilizam as relações entre países, como a
desburocratização dos processos de propriedade intelectual perante
o INPI5, a redução e eliminação do IOF câmbio6, a publicação da
Lei de Liberdade Econômica7, a consolidação de atos normativos
federais8, o Marco Legal do Saneamento9, o Marco Legal das Star-
tups10, a instituição do Sistema Nacional de Redução de Emissões
de Gases de Efeito Estufa11, que cria um marco regulado de carbono,
a redução recorrente do imposto de importação sobre produtos e,

5 Em especial, a Instrução Normativa INPI n. 70, de 11 de abril de 2017 e a


Portaria INPI PR n. 8, de 17 de janeiro de 2022.
6 Decreto n. 11.153, de 28 de julho de 2022.

7 Lei n. 13.874, de 20 de setembro de 2019.

8 Decreto n. 10.139, de 28 de novembro de 2019.

9 Lei n. 14.026, de 15 de julho de 2020.

10 Lei Complementar n. 182, de 1º de julho de 2021.

11 Decreto n. 11.075, de 19 de maio de 2022.

17
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

recentemente, do IPI, assinatura de novos acordos para evitar a du-


pla tributação, parcial alteração dos existentes, entre outras medidas.
Mas há, ainda, muito o que ser feito. O Brasil figura na
posição de número (133) no ranking de liberdade econômica da He-
ritage Foundation12, estando entre os países considerados “mostly
unfree” (majoritariamente não livres), muito atrás dos membros da
OCDE mais mal ranqueados: Costa Rica (55), Colômbia (60) e Mé-
xico (67). Entre os países das Américas, o Brasil encontra-se no
mesmo grupo da Argentina, Equador, Guiana, Haiti, Honduras e Ni-
carágua, sendo que apenas se situa poucos pontos à frente de Argen-
tina e Haiti, enquanto bem atrás dos demais. Pior que isso, apenas
Bolívia, Cuba, Suriname e Venezuela:

12THE HERITAGE FOUNDATION. 2022 Index of Economic Freedom. Wa-


shington, 2022. Disponível em: https://www.heritage.org/index/ranking Acesso
em 28.8.2022.

18
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Fonte: The Heritage Foundation13

13THE HERITAGE FOUNDATION. 2022 Index of Economic Freedom.


Washington, 2022. Disponível em: https://www.heritage.org/index/pdf/2022/
book/2022_IndexofEconomicFreedom_Highlights.pdf Acesso em 28.8.2022.

19
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Portanto, há uma série de medidas a serem implementa-


das, que vão além de meros requerimentos para acesso à OCDE,
configurando premissas básicas para um desenvolvimento econô-
mico-social mínimo: reforma tributária estrutural, reforma adminis-
trativa, melhora da educação, melhores práticas ambientais, redução
do nível de pobreza, dentre diversos outros.
Os pontos acima são apenas um pequeno conjunto, exis-
tindo diversos outros aspectos que distanciam as práticas e a legis-
lação brasileira dos padrões da OCDE.

2. O Mapa de Acesso à OCDE

Em 10 de junho de 2022, o Conselho da OCDE em nível


ministerial publicou o que seria o “Mapa do Processo de Acesso do
Brasil à OCDE”,14 determinando os critérios a serem analisados e as
condições a serem cumpridas pelo país para que o Conselho possa
decidir, ao fim do processo, se o Brasil terá ou não o direito de fazer
parte do grupo.
Este “Mapa de Acesso” não é estanque, podendo ser alte-
rado em vista das circunstâncias ao longo do processo.
Descreveremos aqui os principais pontos, em especial os
fiscais, mencionados no documento.

2.1. Obrigações de Filiação à OCDE

Dentre as obrigações relacionadas no Mapa de Acesso,


além de ter que assinar a Convenção da OCDE e implementar todas

14OECD. Roadmap for the OECD Accession Process of Brazil. Adopted by the
Council at Ministerial level on 10 June 2022. Disponível em: https://www.
oecd.org/mcm/Roadmap-OECD-Accession-Process-Brazil-EN.pdf. Acesso
em 18.8.2022.

20
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

determinações e compromissos definidos por ela, podemos mencio-


nar a aceitação de/os/as:
a Objetivos da OCDE, conforme sua Convenção e o Rela-
tório do Comitê Preparatório de Dezembro de 1960;
b Protocolos Complementares n. 1 e 2 da Convenção da
OCDE;
c Todos os instrumentos legais da OCDE em vigor na data
da decisão do Conselho pelo convite ao Brasil para se tor-
nar membro, respeitadas quaisquer reservas ou observa-
ções acordadas no relatório final;
d Todas as decisões, resoluções, regras, regulamentos e
conclusões previamente adotadas pela OCDE relativas à
sua administração e ao seu funcionamento, incluindo
aquelas relativas à governança, contribuições financeiras
dos membros, outros assuntos financeiros e de orçamento,
assuntos relativos ao corpo de colaboradores, procedi-
mentos, relações com não-membros e classificação de in-
formações conforme elas estão na data da filiação, sem
exceções;
e Relatórios financeiros da OCDE; e
f Métodos de trabalho da OCDE.

2.2. Revisão Técnica pelos Comitês da OCDE

A análise do cumprimento das obrigações e dos pontos


específicos que serão mencionados a seguir, será feita por comitê
conforme o assunto, os quais irão preparar relatórios a serem sub-
metidos ao Conselho.
As políticas a serem analisadas se resumem a:

21
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Reforma Estrutural Como moldar a agenda de reformas estruturais de


modo a alcançar um crescimento sólido, sustentável,
verde e inclusivo.

Liberdade Comercial e Como reforçar a liberdade comercial e de investi-


de Investimentos mento, seguindo as premissas das economias de mer-
cado livres, competitivas, sustentáveis e transparen-
tes. Como reforçar as regras internacionais de comér-
cio, o que inclui a importância do sistema multilateral
de comércio da OMC, em oposição a uma coerção eco-
nômica, o nivelamento das regras internacionais para
permitir a concorrência, melhor integração de empre-
sas de médio porte nas cadeias globais de valores e a
remoção de barreiras desnecessárias ao comércio in-
ternacional, que beneficia consumidores e promove
crescimento econômico e de inovação.

Crescimento Inclusivo Como introduzir políticas sociais e de equidade de


oportunidades de forma eficaz

Governança Como fortalecer a governança pública e as políticas de


integridade e anticorrupção.

Meio Ambiente, Bio- Como assegurar uma efetiva proteção do meio ambi-
diversidade e Clima ente e da biodiversidade e agir para evitar ou reduzir
as mudanças climáticas, a fim de atingir os objetos do
Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas.

Digitalização Como avançar em uma economia digital inclusiva.

Infraestrutura Como investir em infraestrutura de qualidade, de ma-


neira transparente, responsável e inclusiva.

Como podemos verificar, os pontos são sensíveis e, co-


nhecendo nossa situação atual, o desafio não pode ser desconside-
rado. Diante de políticas tão abrangentes e multidisciplinares, o
Conselho da OCDE enumerou 26 comitês para as analisarem:

22
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Investimento e Grupo de Tra- Governança Mercado Finan-


Grupo de Tra- balho sobre Corporativa ceiro
balho sobre Corrupção em
Conduta de Transações
Responsabili- Econômicas In-
dade Econô- ternacionais
mica

Seguro e Pen- Concorrência Assuntos Fis- Políticas Ambi-


sões Privadas cais entais

Químicos e Bi- Governança Orçamento dos Políticas Regu-


otecnologia Pública Altos Funcioná- latórias
rios

Políticas de De- Políticas Esta- Revisão Econô- Políticas Educa-


senvolvimento tísticas mica e de De- cionais
Regional senvolvimento

Emprego, Tra- Saúde Comércio e Agricultura


balho e Assun- Grupo de Tra-
tos Sociais balho sobre
Créditos de Ex-
portação

23
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Pesca Políticas Cientí- Políticas da Políticas do


ficas e de Tec- Economia Digi- Consumidor
nologia tal

Aço Grupo de Tra-


balho do Con-
selho para
Construção Na-
val

Embora haja um comitê específico para os assuntos fis-


cais, fato é que praticamente todos os grupos de trabalho e comitês
mencionam pontos que perpassam por questões fiscais e, natural-
mente, vão afetar, em níveis diferentes, o sistema tributário brasi-
leiro.
A complexidade e a alta carga do nosso sistema obstruem
uma série de itens na busca por um standard mínimo de liberdade
econômica entre os membros da OCDE e, também, um crescimento
econômico-social sustentável.
Enquanto as alterações legislativas e outras reformas es-
senciais precisam ser adotadas antes do fim do processo de acesso,
os comitês podem fazer recomendações para medidas adicionais ao
Brasil, incluindo a supervisão mais próxima pela instituição. Em-
bora possíveis, reservas e observações a um instrumento legal da
OCDE são apenas aceitas se em consonância com a prática de seus
membros.
Lembramos que o Conselho decide por unanimidade pelo
convite ou não ao Brasil para fazer parte da OCDE, assim como seus

24
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

termos e condições15. Se a decisão for positiva, o Acordo de Acesso


será assinado pelo Brasil com a organização, a qual incorporará seus
principais elementos e os tornará públicos.

2.3. Lista dos Principais Elementos para Acesso à OCDE

Os Comitês temáticos listaram uma série de itens a serem


observados e implementados pelo Brasil, com os principais instru-
mentos legais da instituição, chamados de Core Principles (Princí-
pios Centrais), que serão avaliados detalhadamente em comparação
às políticas e práticas brasileiras.
Esta lista de princípios é não-exaustiva e os Comitês po-
dem considerar outros pontos dentro de suas competências, que pre-
cisem ser observados pelo Brasil.
Do ponto de vista fiscal, trazemos alguns desses itens que
julgamos serem os mais importantes, separando-os por área técnica:

a Comitê sobre Assuntos Fiscais

Os pontos trazidos por este Comitê específico de matérias tributá-


rias, são os seguintes:

• Eliminar dupla tributação internacional sobre a renda e o


capital, sem criar oportunidades para não-tributação ou re-
dução de tributação mediante aderência às principais con-
dições materiais constantes da Convenção-Modelo da
OCDE;
• Comprometer-se a fornecer informações apropriadas ao
Comitê na preparação das estatísticas fiscais periódicas, nos

15Art. 16 da Convenção da OCDE, assinada em Paris, no dia 14 de dezembro


de 1960. Disponível em: https://www.oecd.org/general/conventionontheorga-
nisationforeconomicco-operationanddevelopment.htm Acesso em 31.8.2022.

25
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

termos de seus efeitos sobre crescimento econômico inclu-


sivo e sustentável e bem-estar;
• Eliminar dupla tributação mediante garantia da prevalên-
cia do princípio “arm’s length”, nas operações entre
empresas relacionadas, conforme disposto nas Diretrizes
da OCDE sobre Preços de Transferência para Empresas
Multinacionais e Administrações Fiscais16;
• Abordar o BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), de
acordo com suas iniciativas e os trabalhos correntes do
Quadro Inclusivo sobre o BEPS, inclusive as soluções dos
dois primeiros pilares aos desafios fiscais oriundos da
digitalização da economia;
• Comprometer-se à assistência administrativa em maté-
ria fiscal, inclusive mediante troca efetiva de informa-
ções, como constante dos padrões internacionais sobre
troca de informações sob requerimento e sobre a troca au-
tomática de informações relativas a contas financeiras para
fins fiscais;
• Reduzir a incerteza e os riscos de dupla tributação e a
não-tributação involuntária, ao aplicar Tributos sobre
Valor Agregado ou Tributos sobre Serviços (VAT/GST)
em contexto transfronteiriço, mediante o desenvolvimento
e operação desses tributos conforme a Recomendação do
Conselho de 201617, materializada nas Diretrizes da OCDE

16 OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.


OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Ad-
ministrations 2022, Paris, OECD Publishing, 2022. Disponível em:
https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/oecd-transfer-pricing-guidelines-for-
multinational-enterprises-and-tax-administrations-2022_0e655865-en Acesso
em 31.8.2022.
17 OCDE. Recommendation of the Council on the Application of Value Added

Tax/Goods and Services Tax to the International Trade in Services and Intan-
gibles, Paris, OECD Publishing, 2016. Disponível em: https://legalinstru-
ments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0430 Acesso em 31.8.2022.

26
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

para VAT/GST Internacionais18 e os relatórios relaciona-


dos;
• Combater crimes fiscais e outros crimes conforme as Re-
comendações do Conselho de 200919 e 201020 e os Princí-
pios de Combate ao Crime Fiscal: Os 10 Princípios Glo-
bais21;
• Comprometer-se a fornecer informações apropriadas à Pes-
quisa Internacional sobre Administração Fazendária para a
Série sobre Informações Comparativas entre Administra-
ções Fiscais22.

Analisando tais pontos, percebemos que os desafios são,


realmente, grandes.
Mas eles não param por aí, pois os outros comitês também
determinam obrigações que, embora não diretamente, acabam tendo
efeitos e requerendo alterações em nosso sistema tributário, mesmo

18 OCDE. International VAT/GST Guidelines, Paris, OECD Publishing, 2017.


Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/international-vat-gst-
guidelines_9789264271401-en#page1 Acesso em 31.8.2022.
19 OCDE. Recommendation of the Council on Tax Measures for Further Com-

bating Bribery of Foreign Public Officials in International Business Transac-


tions, Paris, OECD Publishing, 2009. Disponível em: https://legalinstru-
ments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0371 Acesso em 31.8.2022.
20 OCDE. Recommendation of the Council on Tax Measures for Further Com-

bating Bribery of Foreign Public Officials in International Business Transac-


tions, Paris, OECD Publishing, 2010. Acesso em 31.8.2022. Disponível em:
https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0384
21 OCDE, Fighting Tax Crime – The Ten Global Principles, 2a Edição, Paris,

OECD Publishing, 2021. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/si-


tes/006a6512-en/index.html?itemId=/content/publication/006a6512-en
Acesso em 31.8.2022.
22 OCDE, Tax Administration 2022: Comparative Information on OECD and

other Advanced and Emerging Economies, Paris, OECD Publishing, 2022. Dis-
ponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/sites/1e797131-en/index.html?ite-
mId=/content/publication/1e797131-en Acesso em 31.8.2022.

27
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

pela razão de que a economia é um grande organismo e o sistema


tributário é um órgão vital.
Como exemplo:

b Comitê de Investimento e Grupo de Trabalho sobre


Conduta Econômica Responsável

O Comitê e o Grupo de Trabalho têm determinações para


proteger e estimular a livre concorrência e a liberdade econômica,
que são, naturalmente, afetados pelo sistema tributário.
Os pontos relevantes a serem considerados são:

• Conformidade integral com os princípios de não discrimi-


nação, transparência e estabilidade, em conformidade
com os códigos de liberalização da OCDE compostos pelo
Código de Liberação da Movimentação de Capitais23, Li-
beralização das Operações Invisíveis Atuais24, assim como
o Instrumento de Tratamento Nacional da Declaração sobre
Investimentos Internacionais das Empresas Multinacio-
nais25;
• Um regime para investimento estrangeiro direto que seja li-
vre e transparente, restrições precisam ser limitadas e os
setores com restrições comuns precisam ser identifica-
dos;

23 OCDE. OECD Code of Lieralisation of Capital Movements, Paris, OECD


Publishing, 2022. Acesso em 1.9.2022. Disponível em: https://www.oecd.org/
investment/investment-policy/Code-capital-movements-EN.pdf
24 OCDE. OECD Code of Liberalisation of Current Invisible Operations, Paris,

OECD Publishing, 2022. Disponível em: https://www.oecd.org/daf/fin/private-


pensions/InvisibleOperations_WebEnglish.pdf Acesso em 1.9.2022.
25 OCDE. National Treatment for Foreign-Controlled Enterprises – Including

Adhering Country Exceptions to National Treatment, Paris, OECD Publishing,


2017. Disponível em: https://www.oecd.org/daf/inv/investment-policy/natio-
nal-treatment-instrument-english.pdf Acesso em 2.9.2022.

28
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

• Liberalização de movimentos de capital de longo prazo,


incluindo investimento em capital e instrumentos de dí-
vida de maturação de um ano ou mais; crédito comercial
e outras operações de capital relacionadas ao comércio
internacional devem também ser liberalizadas; é reque-
rido um prazo para a abolição dos controles remanescentes
sobre os movimentos de capital de curto prazo;
• Sem restrições para pagamentos e transferências relaci-
onadas com transações internacionais entre contas-corren-
tes; O Brasil precisa se adequar aos requisitos do Artigo
VIII do Acordo do Fundo Monetário Internacional26;
• Relaxamento das restrições ao comércio internacional
de serviços, em particular bancos, seguros e outros serviços
financeiros;
• Alinhamento aos princípios da não discriminação,
transparência das políticas e previsibilidade dos resul-
tados, proporcionalidade das medidas e responsabilidade
das autoridades, se o Brasil implementar políticas de inves-
timentos para proteger segurança nacional, nos termos da
Recomendação do Conselho sobre as Diretrizes para as Po-
líticas dos Países Receptores de Investimentos relacionados
à Segurança Nacional27;

26 FMI – Fundo Monetário Internacional. Articles of the Agreement of the In-


ternational Monetary Fund: adopted at the United Nations Monetary and Fi-
nancial Conference, Bretton Woods NH, July 22, 1944, Washington, IMF,
2020. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/aa/pdf/aa.pdf
Acesso em 2.9.2022.
27 OCDE. Guidelines for Recipient Country Investment Policies relating to Na-

tional Security – Recommendation adopted by the OECD Council on 25 May


2009, Paris, OECD Investment Division, 2009. Disponível em:
https://www.oecd.org/daf/inv/investment-policy/43384486.pdf Acesso em
2.9.2022.

29
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

• Assegurar um clima de investimento que seja alinhado


aos princípios da política de investimentos inseridos nas
Estrutura Política de Investimentos28;
• Evidências de compromisso e medidas efetivas para pro-
mover Conduta Responsável de Negócios relacionados a
divulgações; respeito dos negócios aos direitos humanos;
emprego e relações industriais; meio ambiente; anticorrup-
ção; interesses consumeristas; ciência e tecnologia; concor-
rência; e tributação.

Como podemos ver, há diversos pontos ligados à liber-


dade econômica que são diretamente afetados pelo sistema tributá-
rio, tanto em relação a transações com produtos, serviços e diretos,
quanto em âmbito territorial, seja doméstico ou internacional. Al-
guns deles estão mais detalhados no tópico 3.

c Comitê sobre Mercados Financeiros

O Comitê sobre Mercados Financeiros também coloca


pontos que tangenciam de certa forma as questões tributárias, tais
como:

• Sistema financeiro eficiente e suficientemente aberto e


de mercado;
• Assegurar boas práticas de mercado e políticas financei-
ras;

28 OCDE. Policy Framework for Investment, Paris, OECD Publishing, 2015.


Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/finance-and-investment/policy-
framework-for-investment-2015-edition_9789264208667-en Acesso em
2.9.2022.

30
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

• Relaxamento das restrições ao comércio internacional,


investimento e a serviços financeiros e bancários, con-
forme requerido pelos Códigos de Liberalização da
OCDE;
• Assegurar nível apropriado de acesso, proteção e suporte
ao lado da demanda, por meio de proteção ao consumidor
financeiro e políticas de educação financeira, endere-
çando assimetrias no poder de mercado e outras vulnera-
bilidades dos consumidores.

Sempre que se fala em sistema eficiente e suficientemente


aberto e de mercado, já deparamos, mesmo que intuitivamente, com
as diversas barreiras fiscais existentes: IOF, tributação alta sobre ju-
ros, regras fixas de subcapitalização, rigidez das regras de preços de
transferência, alta carga sobre lucros bancários, excesso burocrático
nas transações internacionais com qualquer tipo de bem, tangível ou
intangível, e serviços.

d Comitê de Competitividade

Como o próprio nome que o comitê leva, trata-se aqui de


concorrência, competitividade:

• Assegurar execução efetiva das leis concorrenciais por


meio do estabelecimento e operação de normas legais apro-
priadas, sanções, procedimentos, políticas e instituições;
• Facilitar a cooperação internacional de investigação e pro-
cedimentos que envolva a aplicação de leis concorrenciais;
• Identificar, analisar e revisar ativamente políticas públicas
existentes e propostas, cujos objetivos poderiam ser atingi-
dos com menos efeitos anticoncorrenciais.

31
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Apesar do cerne de regras concorrenciais estarem mais li-


gadas aos comportamentos e relações concorrenciais entre pessoas
e empresas, o mercado pode ser desequilibrado por regras fiscais
discriminatórias. Portanto, a partir do momento em que as regras
fiscais são discriminatórias, a concorrência internacional se perde,
havendo um desnível não permitido entre atores da economia es-
trangeiros e os nacionais.

e Comitê de Governança Pública

O principal ponto levantado por este Comitê, que impacta


nosso sistema fiscal é: fortalecer a habilidade das instituições públi-
cas de promover mudanças sistêmicas como um caminho para res-
ponder aos desafios econômicos, sociais e ambientais por meio de
políticas concretas e inovativas.
Embora pareça algo etéreo, fato é que qualquer desafio
econômico-social passa por uma reforma do sistema tributário como
um todo, incluindo parametrização e fortalecimento dos próprios
fiscos, redução da complexidade do sistema e desoneração de carga
sobre a empregabilidade e o consumo, o que afeta de forma mais
pesada os menos favorecidos.

f Comitê de Políticas para Desenvolvimento Regional

Este Comitê também traz requisitos ao acesso do Brasil


na OCDE, que suscitam questões fiscais:

• Capacidade subnacional, institucional e fiscal para im-


plementar responsabilidades de políticas governamen-
tais subnacionais, assim como contribuir para o desen-
volvimento e implementação de políticas nacionais, dis-
tribuindo investimentos públicos relevantes e serviços para

32
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

o crescimento, competitividade, equidade e sustentabili-


dade em cada região;
• Condições que viabilizem jurisdições subnacionais a fazer
investimentos públicos de maneira efetiva, eficiente e trans-
parente.

Toda responsabilidade governamental requer financia-


mento e, no caso do Brasil, essencialmente por meio de receitas se-
cundárias (tributos). Também a viabilidade fiscal para implementar
tais responsabilidades é um desafio, em meio a uma Constituição
Fiscal extremamente limitadora e a uma carga já muito alta, limi-
tando o incremento de receita. Por isso, uma reforma administrativa
e outra tributária são tão importantes.

g Comitê para a Avaliação do Desenvolvimento Econô-


mico

Este Comitê determina, como requisitos, pontos impor-


tantes ao Brasil:

• Assegurar uma efetiva produção de políticas para o apri-


moramento da performance econômica em uma base
sustentável:

- Estrutura robusta de políticas microeconômicas e sólido


sistema financeiro, para fazer face às crises econômicas;
- Políticas estruturais consistentes com a promoção de
uma performance econômica aperfeiçoada;
- Uma economia com bom funcionamento e instituições
fortes para suportar um crescimento sustentável e in-
clusivo.

33
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Não há como, no Brasil, se pretender um bom funciona-


mento da economia e enfrentar crises, sem que aperfeiçoemos nosso
sistema tributário como um todo, simplificando-o, reduzindo carga
sobre as exteriorizações sensíveis (consumo/folha), realoquemos a
carga para exteriorizações menos sensíveis (renda, sucessões, pro-
priedades), reformemos o sistema administrativo, para deixá-lo me-
nos injusto e pesado e mais eficiente e enxuto, reduzindo a necessi-
dade de receita secundária.

h Comitê sobre Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais

A questão de empregabilidade e geração de postos de tra-


balho não é simples e as formas de promoção podem criar efeitos
econômicos sem precedentes. Nosso país já enfrentou medidas de
empregabilidades baseadas no aumento dos gastos públicos, o que,
para quem é estudioso de macroeconomia, gera distorções graves a
médio e longo prazos: recessão, inflação, desbalanceamento das
contas, cortes de gastos em áreas importantes (pesquisa, ciência, tec-
nologia, educação, dentre outras).
Este Comitê traz uma série de itens a serem considerados
pelo Brasil, sendo que, em nossa opinião, aquele que reflete também
no sistema tributário é o de: assegurar a existência de políticas rela-
cionadas ao mercado de trabalho, proteção social e migração para
facilitar ajustes econômicos e promover a prosperidade econômica
sustentável e inclusiva.
Sabemos que antes de pensarmos em Direitos do trabalha-
dor, precisamos ter emprego, caso contrário não há Direitos a serem
resguardados, pois as pessoas não têm trabalho.
A forma de financiamento da seguridade social no Brasil
passa pela grande oneração da folha de salários, seja pelo lado do
empregador (principalmente), seja do empregado.
O excesso de carga sobre a empregabilidade a limita, di-
minui postos de trabalho e gera informalidade. Ter um sistema sau-
dável, equilibrado e ajustado às realidades brasileiras é essencial

34
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

para se perseguir não apenas o requisito imposto pela OCDE, mas


uma sociedade moderna e justa.

i Comitê sobre Comércio e Grupo de Trabalho sobre


Créditos de Exportação e Garantias ao Crédito

O Brasil ainda tem um sistema tributário protecionista,


que diferencia entre serviços e produtos estrangeiros em contrapar-
tida dos nacionais, boa parte sob a chancela do próprio judiciário,
que tem dificuldades de entender os acordos internacionais assina-
dos pelo Brasil, em especial o GATT – General Agreement on Tari-
ffs and Trade e o GATS – General Agreement on Trade in Services,
ambos assinados pelo Brasil e corolários da não discriminação e do
tratamento nacional, em que os produtos e serviços estrangeiros não
podem ser tratados de maneira diferente daqueles produzidos inter-
namente.
A discriminação exacerbada, que costumo chamar de
“Xenofobia Fiscal”, ocorre, entretanto, incontáveis vezes no Brasil.
Alguns exemplos para ilustrar:

• Imposto de importação sobre produtos estrangeiros, o que


não ocorre para produtos nacionais;
• Importadores pagam Taxa Siscomex a cada declaração de
importação, o que não ocorre com produtores nacionais;
• Importadores, quando os produtos são transportados por via
marítima, pagam o Adicional de Frete de Marinha Mer-
cante – AFRMM;
• PIS e COFINS sobre produtos importados com incidência
geral de 11,75%, enquanto a alíquota geral agregada má-
xima para receita de vendas internas é de 9,25%, sendo que
a grande maioria das empresas está no regime cumulativo
das contribuições, seja pagando 3,65% ou as alíquotas pro-
gressivas do Simples, que podem ser menores;

35
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

• A base do ICMS na importação inclui necessariamente o


IPI, o que ocorre nas operações internas somente quando a
indústria vende mercadoria a consumidor final ou para
compor ativo ou ser usada como uso e consumo por empre-
sas;
• Há incidência do IPI na revenda de produtos importados,
enquanto na revenda de produtos nacionais não há incidên-
cia do imposto, o que encarece os produtos estrangeiros em
comparação aos fabricados no país;
• Serviços de informática decorrentes das atividades de de-
senvolvimento de software e o seu licenciamento sujeitam-
se ao regime cumulativo de PIS e COFINS (alíquota de
3,65%), enquanto o licenciamento e a comercialização
do software importado estão submetidos ao regime não cu-
mulativo (alíquota de 9,25%)29;
• Na importação de serviços, há a incidência de IRRF de
15%30, CIDE de 10%, PIS e COFINS de 9,25%, ISS de 2%-
5% e IOF de 0,38%, o que gera uma alíquota nominal agre-
gada de 39,63% sobre o valor bruto dos rendimentos, inde-
pendentemente de lucro ou não na operação, podendo ultra-
passar 50% quando falamos de alíquota efetiva; por outro
lado, uma empresa no Lucro Presumido pagaria 19,53%,
enquanto, no Lucro Real, 14,25% e, se houver lucro, sobre
este as alíquotas de IRPJ e CSLL que podem ser de 24% ou
34%; lembrando que esses rendimentos são tributados no
país de residência do prestador de serviços;
• Na exportação de serviços, a depender do contrato, há inci-
dência de ISS, o que faz o Brasil exportar tributos;
• Os problemas de acúmulo de crédito de tributos – em espe-
cial o ICMS, nas operações internas e ao exterior – fazem

29Lei nº 10.833/2003, Art. 10º, XXV, cc. § 2º.


30Em caso de serviços em geral, não técnicos, e para pagamentos por serviços
a paraíso fiscal e, em alguns casos de regime fiscal privilegiado, a alíquota vai
para 25%. No caso de serviços não técnicos, não há CIDE.

36
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

com que as empresas tenham custos adicionais, muitas ve-


zes exportando esses custos fiscais dentro do preço das
mercadorias e perdendo competitividade.

Há, portanto, um sem-número de intervenções do Legis-


lativo e do Executivo, incluindo muitas vezes do Judiciário, na tri-
butação sobre transações internacionais que impedem a livre con-
corrência, a não discriminação e o tratamento nacional.
Os pontos suscitados pelo Comitê e pelo Grupo de Traba-
lho foram, em especial, a adoção e o compromisso com as diretrizes
e melhores práticas da OCDE e o compromisso em demonstrar lide-
rança nos esforços à reforma da OMC e nas negociações na OMC
em benefício dos membros da OCDE.
Adotar as diretrizes e melhores práticas e abraçar a causa
“OMC” significa ter uma estrutura para a liberdade econômica, o
que hoje ainda não temos de forma plena.

j Comitê sobre Políticas da Economia Digital

O que dizer sobre o objeto deste Comitê e tributação? Um


dos pontos levantados por ele é a necessidade de se promover a ex-
pansão de serviços de comunicação de alta qualidade e seguros a
um custo aceitável, por meio de mercados competitivos, investimen-
tos e inovação.
Bem, preços acessíveis de serviços de comunicação de-
pendem de uma série de itens, incluindo a carga tributária. Hoje,
ainda, a carga tributária direta e indireta (e.g. proibições diversas de
creditamento e compensação de tributos) sobre serviços de comuni-
cação é relevante. Embora haja Estados que outorguem benefícios
fiscais de ICMS, fato é que os serviços de comunicação sofrem uma
carga alta e muitos desses serviços estão em uma zona cinzenta entre
ICMS e ISS, o que causa insegurança jurídica e contencioso caro e
moroso.

37
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Sem uma reforma estrutural da tributação sobre o con-


sumo, este ponto conseguirá ser atendido.

3. Os Desafios Fiscais ao Acesso do Brasil

Os desafios discutidos no item 2 acima são complexos,


boa parte demandando uma sensível alteração do sistema tributário
constitucional, outros, embora não necessitem de alteração da Cons-
tituição, são de grande debate interno e, até hoje, não sofreram mu-
dança significativa.
O Brasil necessitará de uma união entre as três esferas do
governo e entre os três poderes se quiser fazer a diferença e imple-
mentar, se não todas, boa parte do que foi listado.
Em nossa visão, pela análise dos documentos, normas e
diretrizes da OCDE em comparação com a legislação e práticas fis-
cais brasileiras, o número de alterações deveria ser maior do que
aquele suscitado pelo Governo Brasileiro e parte da doutrina no Bra-
sil.
Segundo apresentação feita pelo Ministério da Economia
em maio de 202231, os pontos pendentes seriam os seguintes:

31 BRASIL, Ministério da Economia, Secretaria Executiva. Brasil Rumo à


OCDE – Apresentação Institucional, Brasília, MF, ago/2022. Disponível em:
https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/ocde/apresentacoes/2022-7-
28_apre-entrada-do-brasil-na-ocde.pdf Acesso em 2.9.2022.

38
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Não é apenas divergências relativas às regras de preços de


transferência, ao BEPS e às questões da tributação da economia di-
gital, embora sejam estas matérias relevantes e que precisam ser
atendidas. Abaixo, enumeramos os pontos que achamos aderentes:

a Tributação sobre o consumo:

Nosso sistema de tributação sobre o consumo é impedi-


tivo ao desenvolvimento econômico, seja pela complexidade, carga
efetiva anormal, discriminação ao produto importado no Brasil em
comparação ao nacional e dispêndio alto com compliance.
A grande maioria dos países da OCDE adota o Imposto
sobre Valor Agregado – IVA e/ou Tributos sobre Serviços – GST e,
aqueles que não o fazem, como os Estados Unidos, que possuem um
imposto simplificado sobre as vendas diretas ao consumidor e com
uma carga muito abaixo da dos pares da OCDE (Sales Tax).

39
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Fato é que a OCDE tem suas premissas quando se trata de


tributação sobre o consumo, tendo editado a Recomendação do Con-
selho de 201632, materializada nas Diretrizes da OCDE para
VAT/GST Internacionais33 e os relatórios relacionados.
Estes documentos, em especial as Diretrizes, definem um
imposto sobre valor agregado amoldado aos parâmetros pretendidos
pela OCDE, como aquele:
• de base ampla;
• que incida sobre o consumo final efetivo, entendido como
o consumo final por consumidores particulares;
• recolhido, mas não suportado, pelas empresas mediante
processo plurifásico;
• neutro; e
• que adota o princípio do destino, em particular em comércio
internacional.
O modelo atual é ultrapassado e, além de ser um entrave
à economia tradicional (indústrias, comércio e serviços em geral),
não é compatível com a economia digital. Nosso sistema não captura
corretamente as inovações e causa distorções graves e o aumento do
contencioso.
Partindo-se do sistema hoje vigente, não há como alterar
apenas pontualmente os tributos para atingir tais objetivos, como
afirmam alguns juristas renomados e os quais admiro. Uma reforma
estrutural é, na minha opinião, necessária. Se fosse tão simples re-
solver o problema de forma difusa e pontual, isso já teria sido feito.
A ‘recauchutagem’ do sistema não funciona para sempre... chega

32 OCDE. Recommendation of the Council on the Application of Value Added


Tax/Goods and Services Tax to the International Trade in Services and Intan-
gibles, Paris, OECD Publishing, 2016. Disponível em: https://legalinstru-
ments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0430 Acesso em 31.8.2022.
33 OCDE. International VAT/GST Guidelines, Paris, OECD Publishing, 2017.

Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/international-vat-gst-


guidelines_9789264271401-en#page1 Acesso em 31.8.2022.

40
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

um momento em que precisamos de um novo, mais moderno e fun-


cional.
Há projetos sendo discutidos no Congresso que visam a
alterar a estrutura do sistema de tributação sobre o consumo, reu-
nindo os tributos em apenas um ou no máximo dois – sendo que hoje
temos cinco principais, como ICMS, IPI, PIS, COFINS e ISS – de-
terminando uma base ampla, concedendo crédito irrestrito, promo-
vendo o princípio do destino e trazendo neutralidade: PEC 4534, de
origem na Câmara dos Deputados, e PEC 11035, de origem no Se-
nado Nacional.
Contudo, embora tenha sido uma bandeira do atual Go-
verno e dos Presidentes das duas casas legislativas, fato é que as
propostas não saíram do papel e não foram votadas. Muito imprová-
vel que isso ocorra ainda no presente ano de 2022, pelo adiantado
do ano e por ser período de eleições.

b Tributação sobre transações internacionais:

No âmbito das transações internacionais, podemos apon-


tar alguns desafios relevantes a serem enfrentados pelo Brasil para
se adequar aos padrões da OCDE.
Embora cada um desses pontos foi detalhado por outros
colegas do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas
nesta obra, mencionamos os maiores gargalos e comentamos nossas
percepções:

• Acordos para evitar a dupla tributação:

34 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramita-


cao?idProposicao=2196833
35 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/mate-

ria/137699

41
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

- Os acordos brasileiros são ainda muito alinhados aos pa-


drões do Modelo da ONU e às normas da legislação in-
terna brasileira, contendo cláusulas extremamente pro-
tetivas ao país da fonte (e.g. tributação na fonte de todos
os tipos de rendimentos, em especial decorrentes de
prestação de serviços), o que diverge do Modelo da
OCDE, além da falta de requisitos relevantes (exemplo:
ausência do Artigo 9º, § 2º, da Convenção Modelo da
OCDE);
- O Brasil passou a adotar algumas cláusulas mais alinha-
das ao Modelo da OCDE nos acordos mais recentes (e.g.
Colômbia, Emirados Árabes, Polônia, Singapura, Suíça,
Uruguai e, mais recente e disruptivo, Reino Unido) e na-
queles que foram renegociados (e.g. Argentina), con-
tudo partes sensíveis ainda permanecem inalteradas;
- Embora não tenhamos visto categoricamente no Mapa
de Acesso os dizeres “acordos brasileiros e suas políti-
cas precisam ser alteradas” e não tenhamos visto nas
manifestações bilaterais este fim, fato é que os acordos
brasileiros têm alinhamento próximo, principalmente os
mais recentes, com o Modelo da ONU e, embora o Mo-
delo da ONU tenha se baseado no Modelo da OCDE, as
alterações promovidas pelo Modelo da ONU são muito
relevantes em termos de alocação de tributação36;
- Como mencionado na parte específica dos acordos nesta
obra, os países-membros da OCDE localizados na Amé-
rica Latina não estão 100% alinhados ao Modelo da or-
ganização, mas adotam o Modelo em partes importan-
tes, mesmo que para países importadores de capital,
como a tributação de serviços apenas no país da residên-
cia e limites mais baixos para tributação na fonte sobre
rendas passivas;

36Veja: DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Double Tax Treaties Policies
of Brazil – The Brazilian Model Tax Convention. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2018.

42
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

- Além desses pontos, o acesso à OCDE pressupõe:


▪ Atendimento a todos os instrumentos legais da
OCDE em vigor na data da decisão do Conselho pelo
convite ao Brasil para se tornar membro;
▪ Reforçar a liberdade comercial e de investimento, se-
guindo as premissas das economias de mercado li-
vres, competitivas, sustentáveis e transparentes;
▪ Melhorar integração de empresas nas cadeias globais
de valores e a remoção de barreiras desnecessárias
ao comércio internacional (tributação alta na fonte
sobre rendimentos brutos encarece as transações in-
ternacionais, principalmente pela dificuldade ou im-
possibilidade de creditamento na prática);
▪ Eliminar dupla tributação internacional sobre a renda
e o capital mediante aderência às principais condi-
ções materiais constantes da Convenção-Modelo da
OCDE (tributação ampla e alta na fonte sobre rendi-
mentos brutos pressupõe onerar preço, não apenas
renda);
▪ Eliminar dupla tributação mediante garantia da pre-
valência do princípio “arm’s length”, nas operações
entre empresas relacionadas, conforme disposto nas
Diretrizes da OCDE sobre Preços de Transferência
para Empresas Multinacionais e Administrações Fis-
cais (embora tenhamos destacado tópico específico,
fato é que a falta de Art. 9º, § 2º, nos Acordos traz
dificuldades e insegurança jurídica sobre a elimina-
ção de problemas de dupla tributação).
- No decorrer do processo, haverá a sistematização e de-
talhamento dos pressupostos e, mesmo que não seja
obrigatória a alteração das políticas brasileiras dos acor-
dos neste período de acesso, é plenamente possível que
a OCDE coloque uma condição e determine um prazo
para esta adequação, como determinado nas regras de
acesso.

43
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

• Regras de preços de transferência desalinhadas ao conceito


“arm’s length”:

- Motivo de dupla ou multitributação ou, em certos casos,


subtributação: métodos que buscam comparação de pre-
ços não são executáveis na prática; métodos de margens
fixas causam dupla ou nenhuma tributação, por serem
irreais tanto para cima quanto para baixo;
- O Brasil vem discutindo de forma mais próxima a alte-
ração das regras de preços de transferência: no início de
2018, iniciou-se o trabalho conjunto entre a Receita Fe-
deral e a OCDE para a revisão das regras de preços de
transferência do Brasil. Em 2019, as instituições apre-
sentaram um relatório parcial desse trabalho, apontando
as diferenças básicas entre a legislação brasileira e as
Diretrizes sobre Preços de Transferência da OCDE37.
Na sequência, em evento conjunto em Brasília, anunci-
aram a convergência das regras brasileiras aos padrões
da OCDE38; os principais pontos foram:
▪ Muitas divergências entre os modelos que levam à
sobre ou subtributação no sistema atual brasileiro;
▪ Possibilidade de planejamentos que erodem a base
tributável;
▪ Regras brasileiras favorecem certos setores e/ou
contribuintes;

37 OCDE/Receita Federal do Brasil. Transfer Pricing in Brazil – Towards Con-


vergence with the OECD Standards; a Joint Assessment of the Similarities and
Differences between the Brazilian and OECD Frameworks, Paris, OECD Pub-
lishing, 2019. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/transfer-pricing/trans-
fer-pricing-in-brazil-towards-convergence-with-the-oecd-standard.pdf Acesso
em 2.9.2022.
38 Disponível em: https://www.oecd.org/tax/transfer-pricing/launch-of-joint-

oecd-rfb-report-tp-brazil-agenda.pdf

44
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

▪ Insegurança jurídica do ponto de vista do parceiro


econômico no exterior.
- Recentemente, o Departamento do Tesouro dos Estados
Unidos publicou uma norma (TD 9959), que inviabiliza
o crédito do imposto de renda pago no Brasil por empre-
sas americanas, sejam em investimento direto ou em
transações com o país (e.g. retenções na fonte)39, por
descompasso entre o sistema brasileiro e o americano; o
principal ponto, segundo o próprio Governo Americano
e as diversas informações coletadas na mídia especiali-
zada, é que as regras de preços de transferência e a tri-
butação sobre intangíveis divergiam materialmente do
sistema americano; os Estados Unidos são a principal
economia da OCDE e têm poder relevante no órgão;
portanto, a alteração das regras de preços de transferên-
cia é uma obrigação não apenas para acesso à OCDE,
mas um problema a ser resolvido de forma urgente;
- No fechar das cortinas do último ano, o Governo Federal
publicou a Medida Provisória n. 1.152, de 28 de dezem-
bro de 2022 (DOU 29.12.2022), alterando a legislação
do IRPJ e da CSLL para dispor sobre as regras de preços
de transferência;
- A Medida Provisória tenta alinhar as atuais regras bra-
sileiras àquelas adotadas pelos países da OCDE, privile-
giando o princípio “arm’s length”, incluindo novos mé-
todos, cobrindo novas operações, aceitando um maior
grau de comparabilidade, alterando o conceito de parte
relacionada, esclarecendo os ajustes às bases do IRPJ e
da CSLL, permissão de dedutibilidade dos royalties e

39EUA, Departamento do Tesouro, Serviço Interno de Receitas. Guidance Re-


lated to the Foreign Tax Credit; Clarification of Foreign-Derived Intangible
Income. Decisão do Tesouro 9959. Washington D.C., 2022. Disponível em:
https://public-inspection.federalregister.gov/2021-27887.pdf Acesso em
2.9.2022.

45
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

pagamentos por assistência técnica, científica, adminis-


trativa e semelhante, exceto aos casos de pagamentos a
beneficiários em paraíso fiscal ou dependência com tri-
butação favorecida e regime fiscal privilegiado, e
quando o pagamento for feito a parte relacionada mas a
dedução resultar em dupla não tributação;40
- A Medida Provisória está vigente desde sua publicação,
mas os efeitos ocorrem apenas a partir de 1.1.2024 ou já
em 1.1.2023, caso assim opte o contribuinte; A Medida
Provisória ainda precisa passar pelo Congresso Nacio-
nal, que tem até 120 dias para debater e aprovar (ou não)
as novas regras. Além disso, espera-se que a Receita Fe-
deral publique uma Instrução Normativa regulando os
pormenores das regras trazidas;
- Embora a Medida Provisória já esteja em vigor, ela ne-
cessita ainda ser aprovada por um novo Congresso e por
um novo Governo que já anunciou na mídia rever o
acesso do Brasil à OCDE; portanto, diante do fecha-
mento desta obra em 31.12.2022, ainda é cedo para afir-
mar sobre o retrato final das novas regras ou se serão
efetivamente aprovadas.

• Regras de tributação sobre royalties:

- Existem quatro grandes problemas nas ainda existentes


regras de tributação dos royalties no Brasil em transa-
ções internacionais:

40 Exemplos de publicações do dia 28.12.2022: Infomoney – https://www.info-


money.com.br/economia/ja-temos-interface-com-ocde-que-nao-e-pequena-
afirma-haddad/; Valor Econômico – https://valor.globo.com/politica/noti-
cia/2022/12/28/politica-sobre-acessao-a-ocde-e-decisao-de-governo-nao-ape-
nas-da-fazenda-afirma-haddad.ghtml; Revista Exame – https://exame.com/bra-
sil/entrada-do-brasil-na-ocde-sera-decidida-por-lula-diz-haddad/ .

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O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

▪ Falta e limitação de dedutibilidade em diversos as-


pectos;
▪ Não aderência às regras de preços de transferência;
▪ Tributação alta na fonte e de tributação sobre ren-
dimentos que não se caracterizam efetivamente
como royalties (e.g. compra/venda de direitos);
▪ Burocracia (e.g. registro no INPI e registro no
Banco Central, para possibilitar remessa e deduti-
bilidade).
- Existem diversas hipóteses de proibição e limitação de
dedutibilidade (e.g. pagamentos a sócios, limitações
percentuais a depender da natureza dos pagamentos e
setor dos pagantes dos royalties); isso leva a uma dupla
tributação em praticamente todos os casos, o que vai
contra os parâmetros da OCDE;
- Por não existirem regras de preços de transferência para
royalties no Brasil até então, mas limites estanques de
dedutibilidade, os valores pagos são sobretaxados ou
são pagos em valores abaixo daqueles qualificados
como “arm’s length”; além de ferirem os padrões de li-
berdade econômica, causam dupla tributação;
- A Medida Provisória n. 1.152, de 28 de dezembro de
2022, trouxe novas regras para a dedutibilidade dos ro-
yalties e pagamentos por assistência técnica, científica,
administrativa ou semelhante; esses valores pagos ao
exterior passam a ser tratados pelas regras de preços de
transferência e não mais serão submetidas às regras fi-
xas de dedutibilidade vigentes, com exceção de:
a. entidades residentes ou domiciliadas em país ou
dependência com tributação favorecida ou que se-
jam beneficiárias de regime fiscal privilegiado, de
que tratam os Art. 24 e Art. 24-A da Lei n.
9.430/1996; ou

47
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b. partes relacionadas nos termos do Art. 4º da Me-


dida Provisória, quando a dedução dos valores re-
sultar em dupla não tributação em quaisquer uma
das seguintes hipóteses:
i. o mesmo valor seja tratado como despesa de-
dutível para outra parte relacionada;
ii. o valor deduzido no Brasil não seja tratado
como rendimento tributável do beneficiário
de acordo com a legislação de sua jurisdição;
ou
iii. os valores sejam destinados a financiar, direta
ou indiretamente, despesas dedutíveis de par-
tes relacionadas, que acarretem as hipóteses
referidas nos demais itens acima.
- Conceito de royalties constante na legislação e aplicado
pela Receita Federal diverge dos padrões da OCDE e
abarcam gama mais extensa de pagamentos, apenas para
poder capturar mais valores tributáveis, seja por impo-
sição de imposto na fonte, seja para negar dedutibili-
dade, total ou parcial: dupla tributação.

• Regras de tributação sobre transações internacionais com


serviços:

- A tributação sobre transações com serviços em âmbito


internacional no Brasil é acometida por: alta complexi-
dade, alta carga tributária vis-à-vis a carga sobre opera-
ções domésticas, excesso de procedimentos e burocracia
(e.g. obrigação de registro no INPI, a depender do tipo
de serviço prestado);
- São seis tributos incidentes, cinco federais (IRRF,
CIDE, PIS, COFINS, IOF) e um estadual (ISS), gerando
uma carga efetiva que varia de 42% a 60% sobre o valor
bruto dos pagamentos;

48
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

- Os serviços importados são, em comparação a opera-


ções domésticas, tributados com carga mais pesada:
além da diferença acima, empresas nacionais podem op-
tar pelo regime cumulativo de PIS e COFINS (a depen-
der de alguns critérios) com carga menor, além de não
pagarem IRRF e CIDE (soma: 25%) sobre o montante
bruto dos rendimentos; IRPJ e CSLL apenas são reco-
lhidos se houver lucro, as alíquotas nominais de 24% ou
34%, ou, no caso de lucro presumido, 10.88% sobre a
receita bruta; se a empresa brasileira estiver no Simples,
a carga pode ser ainda menor;
- Conceito alargado de serviços, para capturar rendimen-
tos de outras naturezas apenas para fins tributários: ati-
vidades que são inerentes à transferência de tecnologia
e algumas atividades com bens intangíveis são qualifi-
cadas como serviços.

• Regras relativas a estabelecimento permanente:

- O Brasil privilegia a tributação na fonte por questões de


praticabilidade e de tributação garantida e, logicamente,
por representar um valor maior de recolhimento, por
causa da base utilizada (valor bruto dos rendimentos);
as regras brasileiras relativas a estabelecimento perma-
nente ou aquilo que se assemelha ao conceito, são limi-
tadas e, na prática, não são aplicadas aos casos de ativi-
dades de empresas estrangeiras no Brasil;
- Embora o Brasil tenha inserido em seus acordos os Ar-
tigos 5 e 7 do Modelo da ONU, que se assemelham ao
Modelo da OCDE, fato é que o Brasil não se utiliza
muito deles e, quando o faz, os interpreta de maneira
equivocada: Solução de Consulta SRRF04/Disit n. 4, de
23.1.2013; Solução de Consulta Cosit n. 20, de
30.5.2022;

49
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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- Mais do que a alteração da legislação brasileira, precisa


haver uma mudança de cultura fiscal das autoridades
para passarem a observar os parâmetros da OCDE sobre
este conceito.

• Tributação sobre ganhos de capital na alienação de partici-


pação societária:

- A legislação brasileira se utiliza de ambos os critérios,


fonte de pagamento e fonte de produção, não necessari-
amente em conjunto, para tributar pelo imposto de renda
exteriorizações de riquezas, mesmo que oriundas de
operações realizadas entre partes não residentes no país;
portanto, para não residentes, a tributação onera opera-
ções realizadas com bens e direitos localizados no Bra-
sil, incluindo a hipótese na qual o adquirente também
esteja localizado no exterior (Art. 26, Lei n.
10.833/2003);
- Os acordos para evitar a dupla tributação assinados pelo
Brasil incluem a possibilidade de tributação das vendas
de participação societária por ambos os países, da fonte
e da residência; embora, em nossa opinião, não haja ne-
nhuma fonte no Brasil na alienação de participação so-
cietária de uma empresa brasileira por um residente no
exterior, haja vista que o ganho foi auferido fora do ter-
ritório nacional e o pagamento, em especial no caso de
alienação para não residente, nunca transita no Brasil,
fato é que o fisco brasileiro interpreta tais cláusulas para
indicar que a localização do bem no Brasil já indica um
tipo de fonte;
- Conforme o Modelo da OCDE, os ganhos oriundos de
alienação de participação societária devem ser tributa-
dos apenas no país de residência do alienante (Art. 13, §
4º); o Modelo da ONU, embora flexibilize a tributação

50
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

deste tipo de ativo, sugere limitações e condições espe-


cíficas (Art. 13, §§ 4º e 5º), determinando como regra
geral a tributação no país de residência do alienante (Art.
13, § 6º);
- Portanto, a pergunta que se faz é: deve o Brasil, a fim de
evitar possível dupla tributação e oneração excessiva
das transações internacionais com participações societá-
rias, mudar suas regras de tributação sobre ganhos de
capital?

• Tributação de lucros de controladas e coligadas no exterior:


- As regras que determinam a tributação no Brasil, pela
sócia, dos lucros auferidos por empresas controladas e
coligadas domiciliadas no exterior, são uma imposição
anual de consolidação fiscal de resultados com tributa-
ção residual no país; é uma forma agressiva de capital
export neutrality, em que a carga tributária no Brasil é
imposta a qualquer tipo de investimento, seja no país ou
no exterior;
- O maior problema aqui é a obrigatoriedade de se tributar
no país, lucros auferidos no exterior que não foram re-
patriados, apenas pelo fato de uma controlada ou coli-
gada ter apurado tal lucro fora do país;
- Este é um sistema geralmente utilizado por alguns paí-
ses para evitar a não ou subtributação, em situações en-
volvendo empresas com rendimentos passivos e em pa-
íses com baixa tributação – regras ‘CFC’ Controlled Fo-
reign Corporation. No Brasil, independentemente de a
controlada ou coligada estar situada em país de baixa
tributação sobre a renda e que tenha rendas essencial-
mente passivas, os lucros auferidos no exterior necessi-
tam ser tributados no Brasil.

51
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Outros pontos relevantes de tributação internacional, que


serão endereçados nas demais partes do livro e que constituem obri-
gações ao acesso à OCDE são:
• Sistema de solução de controvérsias não desenvolvido e não
eficaz;
• Combate ao planejamento fiscal agressivo;
• Sistema de troca de informações precário e não eficaz.

c Tributação protecionista sobre a importação de bens e


processos aduaneiros burocráticos:

O Brasil abusa ainda na utilização de tributos adicionais


sobre o desembaraço aduaneiro, se comparado à carga sobre transa-
ções nacionais (e.g. imposto de importação, AFRMM, ICMS com
base maior sobre alguns produtos, IPI na revenda de importados
etc.), burocracias aduaneiras bem maiores que os padrões OCDE
(despacho mais demorado, número maior de documentos, registros
diversos, sistema pouco funcional, pouco efetivo de fiscalização
etc.).
Todas essas barreiras constituem o que chamamos de pro-
tecionismo: um conjunto de instrumentos utilizados por um país
para dificultar, encarecer ou proibir a entrada de mercadorias estran-
geiras em seu território, sob a premissa de se estar protegendo a in-
dústria doméstica contra a concorrência internacional41.
Esses instrumentos são diversos: desvalorização da mo-
eda para encarecer o produto estrangeiro, aumento ou criação de tri-
butos aduaneiros, obrigações à entrada de produtos, demora no des-

41 DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Brasil: um caso de xenofobia fis-


cal? Jornal O Estado de São Paulo, Coluna Fausto Macedo. São Paulo,
3.7.2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-ma-
cedo/brasil-um-caso-de-xenofobia-fiscal/ Acesso em 2.9.2022.

52
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

pacho aduaneiro, exigência de moeda local para as transações, exi-


gência de produção no país para contratação com poder público,
subsídios à produção local etc.
A prática do protecionismo no Brasil já tem história longa,
desde os tempos do Império, com motivações fortemente naciona-
listas, passando a desempenhar um papel dentro de sua política eco-
nômica. Há profundos questionamentos à efetividade dessas medi-
das em uma economia de mercado, até sobre resultados danosos à
economia, aos consumidores, principalmente os mais pobres, e à
própria indústria via efeito rebote42.
O protecionismo exacerbado, como ocorre no Brasil, é
contra as práticas de liberalismo econômico adotado pelos membros
da OCDE. É sensível que sejam feitas mudanças nas normas de Di-
reito Aduaneiro e na tributação de produtos importados e sua re-
venda, vis-à-vis a dos produtos nacionais.

4. Considerações Finais

Os desafios ao Brasil para fazer parte da OCDE são gran-


des e as questões fiscais são representativas. O país necessita mais
do que fazer modificações pontuais, porém alterar profundamente o
sistema tributário, para abarcar normas que prevejam um desenvol-
vimento sustentável, com realocação e redução da carga e remoção
de normas protecionistas que oneram as transações internacionais,
quaisquer que sejam.
Observamos alguns movimentos de alinhamento aos pa-
râmetros da OCDE, o que não podemos desconsiderar, mas o cami-
nho é ainda muito longo.

42 DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Brasil: um caso de xenofobia fis-


cal? Jornal O Estado de São Paulo, Coluna Fausto Macedo. São Paulo,
3.7.2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-ma-
cedo/brasil-um-caso-de-xenofobia-fiscal/ Acesso em 2.9.2022.

53
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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Este processo não deve apenas ser encarado como um ato


burocrático necessário para fazer parte do “clube dos países desen-
volvidos”, mesmo pela razão de que o Brasil não o é de fato. Con-
tudo, usar este momento único na história brasileira para fazer as
reformas e alterações tão necessárias e tão aguardadas pela socie-
dade, visando a uma economia saudável e fértil ao crescimento.
O caminho ao acesso do Brasil na OCDE não é um ato a
ser encarado somente pelo Governo Federal, mas por toda a socie-
dade brasileira: juntar esforços para podermos melhorar o sistema e
transformar nossa economia.

54
Capítulo 2
A Entrada do Brasil na OCDE e as Políticas dos Acordos para
Evitar a Dupla Tributação

Contribuição: Paulo César Teixeira Duarte Filho

1. Considerações Iniciais

Com vistas à atração de investimentos estrangeiros, em


especial a partir da década de 1970, quando o capital externo passou
a olhar com mais atenção ao Brasil, nosso país começou a incorporar
como uma política de Estado o estímulo direto e indireto aos inves-
timentos estrangeiros e sua manutenção.
Entendia-se que o aumento dos investimentos estrangei-
ros dependeria da eliminação de barreiras fiscais e burocráticas ex-
cessivas e da garantia da proteção de seus recursos, o que passava,
necessariamente, por um sistema tributário lógico e simples, uma
infraestrutura que amparasse os investimentos, um ordenamento ju-
rídico sólido, seguro e claro, base trabalhista adequada43.
Quanto aos aspectos tributários, o Brasil esforçou-se para
modernizar e conferir sistematicidade às normas vigentes à época,
criando o Código Tributário Nacional em meados da década de
1960. Também nesta época, o país passou a entender a importância
de evitar a dupla tributação sobre os investimentos estrangeiros que

43DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Acordos para evitar a dupla tribu-
tação – considerações sobre as políticas brasileiras. In: CORDEIRO, Daniel
Vieira de Biasi; GOMES, Edgar Santos; PEPE, Flávia Cavalcanti; GODOY,
Gustavo Teixeira (Org.). Estudos de Tributação Internacional, v. 3. Rio de Ja-
neiro: Lumen Juris, 2019.
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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se intentava atrair. A exportação de capital brasileiro era muito in-


cipiente neste período.
Em virtude de sua condição de país em desenvolvimento,
o Brasil iniciou a assinatura de acordos para evitar a dupla tributa-
ção, principalmente com países já desenvolvidos, negociando-os de
forma a obter:
a a exclusividade ou, no mínimo, a maior parte do poder de tri-
butar sobre a base econômica criada nas transações interna-
cionais;
b refletir seu ordenamento jurídico-tributário nos acordos, evi-
tando conflitos e discrepâncias;
c proteger suas políticas tributárias internas, seja no caso de ou-
torga de benefícios fiscais ou de medidas extrafiscais para
evitar fluxo de capitais para o exterior e a competitividade do
mercado interno.
Com esses objetivos, o Brasil impôs várias cláusulas, me-
canismos e institutos44 aos países com os quais negociou seus acor-
dos, para tentar garantir a base tributável do país da fonte dos rendi-
mentos.
O Brasil, portanto, constituiu políticas de negociação de
acordos que, embora tenham sido modificadas ao longo do tempo,
inclusive para agregar alguns pontos importantes oriundos do BEPS,
ainda mantêm fortes conotações de Estado da Fonte, alinhando-se
mais aos padrões do Modelo da ONU e às peculiaridades da legis-
lação interna, se afastando do Modelo da OCDE.
Mais recentemente, embora não se desviando muito des-
sas políticas já antigas, o país passou a adotar certas cláusulas mais
alinhadas ao Modelo da OCDE nos últimos acordos (e.g. Colômbia,
Emirados Árabes, Singapura, Suíça, Uruguai e, em especial, Reino

44Como cláusulas matching credit e tax sparing, aumento dos limites de tribu-
tação na fonte, possibilidade de tributação dos royalties pelo país da fonte, in-
clusão da remuneração por serviços técnicos no conceito de royalties, dentre
outros.

56
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Unido) e naqueles que foram renegociados (e.g. Argentina). Entre-


tanto, partes sensíveis ainda permanecem como nos acordos antigos
e outras, também sensíveis, assumiram algumas novidades do Mo-
delo da ONU, como um artigo que trata especificamente da tributa-
ção sobre rendimentos de serviços, como o Art. 12-A.
Conforme discutimos na primeira parte desta obra, em-
bora não haja expressamente no Mapa de Acesso os dizeres “acor-
dos brasileiros e suas políticas precisam ser alteradas”45, fato é que
os acordos brasileiros se afastam do Modelo da OCDE em pontos
muito importantes46.
Não se trata aqui de meras questões formais, mas materi-
ais. Quando, portanto, analisamos os requisitos ao acesso de países
à OCDE, fica clara a incongruência, pelo menos do ponto de vista
teórico, pois ser membro da organização pressupõe:
a atender os instrumentos legais da OCDE em vigor;
b reforçar a liberdade comercial e de investimento;
c melhorar integração de empresas nas cadeias globais de va-
lores (tributação na fonte alta sobre rendimentos brutos na
fonte encarece as transações internacionais);
d eliminar dupla tributação internacional sobre a renda medi-
ante aderência às principais condições materiais constantes
da Convenção-Modelo da OCDE (tributação ampla e alta na
fonte sobre rendimentos brutos pressupõe onerar preço, não
apenas renda);

45 Em seu artigo Acessão do Brasil à OCDE e a Política Fiscal Internacional


Brasileira, contudo, Sergio André Rocha entende que, pelo Modelo da OCDE
ser apenas uma recomendação, não obrigação, e por não haver manifestação
pública da OCDE ou notícia sobre este ponto, não haveria indicação de que o
Brasil precisasse alterar suas políticas de acordo (in IPEA, Boletim de Econo-
mia e Política Internacional – BEPI n. 28, São Paulo, set/dez 2020, p. 41. Dis-
ponível em: http://dx.doi.org/10.38116/bepi28art2).
46 Veja: DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Double Tax Treaties Policies

of Brazil – The Brazilian Model Tax Convention. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2018.

57
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

e eliminar dupla tributação respeitando o princípio “arm’s len-


gth”, nas operações entre empresas relacionadas, conforme
disposto nas Diretrizes da OCDE sobre Preços de Transferên-
cia para Empresas Multinacionais e Administrações Fiscais
(embora tenhamos destacado tópico específico, fato é que a
falta de Art. 9º, § 2º, nos Acordos traz dificuldades e insegu-
rança jurídica sobre a eliminação de problemas de dupla tri-
butação).
Mesmo que não seja obrigatória a alteração ou grandes
alterações das políticas brasileiras dos acordos neste período de
acesso, é plenamente possível que a OCDE determine um prazo para
esta adequação, como determinado nas regras da organização.

2. As Políticas Brasileiras de Acordos

2.1 Premissas Básicas

Em geral, a legislação interna dos países desenvolvidos


adota o princípio da renda mundial e o critério da residência, im-
pondo tributação sobre todos os rendimentos percebidos pela pessoa
residente em seu território, sendo irrelevante onde esses tenham sido
gerados. Diante de uma dupla tributação internacional, esses países
utilizam-se de métodos como a isenção com progressividade ou o
crédito para tentar mitigá-la, tanto internamente quanto via acordos
internacionais.
Uma vez em âmbito internacional, esses países dão pre-
valência ao critério da residência, afastando a tributação na fonte.
Quando concorrentes, a fonte e a residência, adotam os dois méto-
dos acima, variando conforme o tipo de rendimento e de país a país.
Por outro lado, os países em desenvolvimento, importa-
dores de capital, dão prioridade ao critério da fonte, da territoriali-
dade do rendimento, forçando sua exclusividade.

58
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Esses países defendem, e isso é compreensível, a primazia


da tributação no local de produção (e até pagamento) dos rendimen-
tos para dirimir conflitos de competência e possível dupla tributação
internacional, pleiteando isenção ou crédito total, além de cláusulas
matching credit ou tax sparing.
A diferença de interesses entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento ao negociar um acordo internacional para evitar
dupla tributação é, muitas das vezes, um fator que cria dificuldades
à sua conclusão. Com certa razão, os países em desenvolvimento
consideram que aqueles desenvolvidos têm mais condições de re-
nunciar à parte de sua competência tributária e, logo, de receita, as-
sim também permitindo mecanismos que estimulem o fluxo de in-
vestimentos nesses países menos favorecidos.
Por outro lado, os países desenvolvidos podem também
alegar problemas na balança de fluxo de capitais, o que leva a ado-
tarem medidas de estímulo ao investimento interno47.
Se um país da OCDE e outro em desenvolvimento dese-
jam assinar um acordo para evitar a dupla tributação – o primeiro,
com o intuito de manter e aumentar seu mercado e, o segundo, para
atrair investimentos –, esses países necessitam alinhar expectativas
e sopesar os interesses. Um país desenvolvido não adotaria, por
exemplo, o Modelo do Grupo Andino, que prevê, quase in totum, a
exclusividade da tributação na fonte. Por outro lado, é difícil a um
país em desenvolvimento abrir mão da tributação na fonte, total ou
parcialmente, ao adotar o Modelo da OCDE (ou até o da ONU) por
inteiro.
O Modelo da ONU, embora tenha tentado favorecer os
países importadores de capital, representa apenas uma versão modi-
ficada do Modelo da OCDE, tentando contrabalançar um pouco a
competência tributária do Estado de Residência para o Estado da
Fonte. Em princípio, o Modelo da ONU adota as premissas básicas

47Mais detalhes em BORGES, Antônio de Moura Borges. Convenções sobre


Dupla Tributação Internacional. Teresina: EDUFPI; São Paulo: IBDT, 1992,
pp. 146-148.

59
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

do Modelo da OCDE: o direito de tributar é premissa do Estado de


Residência; o Estado da Fonte pode apenas tributar os lucros das
empresas, caso essas tenham um estabelecimento permanente em
seu território; os rendimentos de capital somente podem ser tributa-
dos no Estado da Fonte até determinado limite; os métodos para evi-
tar a dupla tributação são apenas o da isenção e a do crédito; dentre
outros48.
O Governo Brasileiro da época manifestou-se com insa-
tisfação sobre o Modelo da ONU que foi aprovado, com a posição
de que, embora fosse um avanço se comparado ao Modelo da
OCDE, não foi suficientemente tendencioso aos Estados da Fonte.
Houve um maior equilíbrio entre as partes, o que não era desejado.
Segundo Francisco Dornelles – que liderou as frentes
brasileiras de negociação de acordos por muitos anos e participou
das discussões sobre o Modelo da ONU49 –, um modelo de acordo
entre um país desenvolvido e outro em desenvolvimento deveria,
necessariamente, considerar a não reciprocidade no fluxo de inves-
timentos, devendo perseguir, em particular50:

48 Cf. DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves Dornelles. O Modelo da ONU


para Eliminar a Dupla Tributação da Renda, e os Países em Desenvolvimento.
In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli; MACHADO, Brandão; MARTINS, Ives
Gandra da Silva (Coord.). Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Com-
parado; Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro:
Forense, 1988, p. 204.
49 Os artigos do Modelo da OCDE, que foram modificados pelo UN Group of

Experts para adaptação ao Modelo da ONU, são os seguintes: Artigo 5 (Esta-


belecimento Permanente); Artigo 7 (Lucros das Empresas); Artigo 8 (Trans-
porte Marítimo, Fluvial e Aéreo); Artigo 10 (Dividendos); Artigo 11 (Juros);
Artigo 12 (Royalties); Artigo 13 (Ganhos de Capital); Artigo 14 (Serviços Pro-
fissionais Independentes); Artigo 16 (Remuneração de Direção); Artigo 18
(Pensões); Artigo 19 (Funções Públicas); Artigo 21 (Outros Rendimentos).
50 Cf. DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves Dornelles, O Modelo da ONU

para Eliminar a Dupla Tributação da Renda, e os Países em Desenvolvimento.


In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli; MACHADO, Brandão; MARTINS, Ives
Gandra da Silva (Coord.). Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Com-
parado; Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro:
Forense, 1988, p. 198.

60
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

a. a promoção do fluxo de investimentos e tecnologia do país


desenvolvido ao em desenvolvimento;
b. que qualquer sacrifício na aplicação dos métodos para evitar
a dupla tributação seja suportado pelo país desenvolvido;
c. que o poder de tributar do país em desenvolvimento seja, em
virtude do item b. acima, exercida em sua plenitude, sempre
que possível;
d. a segurança de que quaisquer benefícios fiscais concedidos
pelos países em desenvolvimento para atrair investimentos
não sejam anulados pela legislação tributária do Estado de
Residência do investidor, pela transferência a seu tesouro das
receitas tributárias, que deixaram de ser recolhidas pelo Es-
tado da Fonte.
A posição brasileira sobre o necessário reconhecimento,
pelos países desenvolvidos, de que os países em desenvolvimentos
são partes economicamente mais frágeis e que, portanto, deveriam
ser legitimadas a tributar exclusivamente ou, no mínimo, a maior
parte dos rendimentos oriundos das transações internacionais, é
clara nos documentos relacionados aos processos de Projeto de De-
cretos Legislativos, que introduziram os acordos brasileiros mais an-
tigos no ordenamento interno51.
Embora tenha havido forte crítica ao Modelo da ONU,
certo é que ele trouxe vários pontos importantes para as relações en-
tre países desenvolvidos e em desenvolvimentos, equilibrando me-
lhor a relação52. Logicamente, ficaram de fora temas sensíveis e fo-
ram deixados à sistemática do Modelo da OCDE rendimentos que

51 Exposição de Motivos n. DPF/DAI/DCS/158/651, 31 (B46), de 6.7.1984


(Acordo Brasil-Canadá); Relatório da Comissão de Relações Internacionais,
PDL n. 42/1967 e PDL 54-A/1976; Exposição de Motivos
DPF/DAI/DAOC/ARC/138/651.31 (B46)(E10) (Acordo Brasil-Japão e Adi-
tivo ao Acordo); Relatório da Comissão de Finanças (Relatório Vencedor), no
PDL n. 51/1971, e Exposição de Motivos do Ministério das Relações Exteriores
n. 1526/SAP/71 (Acordo Brasil-França).
52 Para Antonio Hugo Figueroa, quando os países em desenvolvimento nego-

ciam um acordo para evitar a dupla tributação, eles objetivam o aumento de


investimentos em seus territórios (FIGUEROA, Antonio Hugo. International

61
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

representam uma renúncia mais forte aos Estados da Fonte, como


aqueles por prestação de serviços.

2.2 Os Acordos Brasileiros

A partir da década de 1950, os sistemas tributários dos


países em desenvolvimento sofreram grande transformação, princi-
palmente no que se refere à tributação da renda, que passou a ter
aumento representativo em sua receita tributária. No Brasil, a tribu-
tação da renda era responsável, em meados da década de 1970, por
quase 40% da receita tributária federal total53.
A importância da tributação da renda como fonte de re-
ceita e como instrumento de intervenção na economia (caráter ex-
trafiscal) criou uma legislação extremamente complexa, sobretudo
aquela relativa à tributação de rendimentos de fontes no exterior e
rendimentos pagos a não residentes.
Considerando que outros países, especialmente os expor-
tadores de capitais, tinham já adotado essas diretrizes, os rendimen-
tos oriundos do exterior e recebidos por residentes no Brasil e vice-
versa passaram a ser tributados em dois países ou mais, resultando
em um encarecimento do capital, serviços e tecnologia às empresas
brasileiras, o que, paralelamente, dificultava investimentos em am-
bos os sentidos54.
Por conta de uma política protecionista excessiva, o Brasil
acabou atrasando sua entrada no movimento de assinatura de acor-

Double Taxation: General Reflections on Jurisdictional Principles, Model Tax


Conventions and Argentina’s Experience. 59 Bulletin for International Fiscal
Documentation, Ago/Set 2005. p. 388).
53 Vide DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves. Acordos para Eliminar a

Dupla Tributação da Renda. Revista de Direito Tributário, n. 3, ano II. São


Paulo: Malheiros, 1978, p. 253.
54 Cf. DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves. Acordos para Eliminar a Du-

pla Tributação da Renda. Revista de Direito Tributário, n. 3, ano II. São Paulo:
Malheiros, 1978, p. 253.

62
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

dos internacionais para evitar a dupla tributação. Esse atraso foi, par-
cialmente, corrigido apenas com sua abertura progressiva ao mer-
cado internacional e com a importância dada pelo Governo Federal
aos investimentos externos no país55.
A partir de 1965, o país passou a negociar acordos para
evitar a dupla tributação: em setembro de 1965 com a Suécia, em
outubro de 1966 com o Japão, em março de 1967 com os Estados
Unidos56. Em 1967, o país assinou o seu primeiro acordo que ainda
permanece em vigor, seguindo uma tendência internacional.
Ao final dos anos 1970, dois terços dos investimentos es-
trangeiros no país eram oriundos de quatro países principais, sendo
eles a Alemanha (Ocidental), os Estados Unidos, o Japão e o Reino
Unido, países que já adotavam, unilateralmente, o método do crédito
em referência ao imposto pago por seus residentes sobre os rendi-
mentos oriundos do exterior. O Brasil assinou acordo com o Japão
na década de 1960, como visto, e com a Alemanha, na que sucedeu.
Com os Estados Unidos, o Brasil até chegou a negociar acordo e até
assinar, mas nunca chegou a entrar em vigor. O acordo assinado com
os americanos não chegou a ser ratificado, tendo sido rejeitado pelo
Senado daquele país por conta da previsão de cláusulas tax-sparing.
Com o Reino Unido, apenas em 2022 um acordo foi assinado, mas,
até o fechamento deste livro, não havia sido ratificado.
Na mesma década de 1970, o Brasil assinou diversos acor-
dos, principalmente com países de economias fortes, como a Áus-
tria, a Bélgica, a Finlândia, a França, a Noruega e a Suécia, prontas
a investirem no exterior. Contudo, nesta época, esses países ainda
não tinham investimentos representativos no Brasil, o que viria a

55 DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Acordos para evitar a dupla tribu-
tação – considerações sobre as políticas brasileiras. In: CORDEIRO, Daniel
Vieira de Biasi; GOMES, Edgar Santos; PEPE, Flávia Cavalcanti; GODOY,
Gustavo Teixeira (Org.). Estudos de Tributação Internacional, v. 3. Rio de Ja-
neiro: Lumen Juris, 2019.
56 Vide OCDE. Comitê Fiscal, Corrigendum to Preliminary Analysis of Con-

ventions recently signed between OECD and Developing Countries.


TFD/FC/231, Paris, 18.6.1968.

63
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

acontecer um tempo depois, principalmente com a indústria auto-


mobilística, de equipamentos, química, farmacêutica, alimentícia e
de serviços57.
O ponto era de que, embora não tivesse ainda investimen-
tos robustos no Brasil, eram economias desenvolvidas que poderiam
sim vir a investir no país. Contudo, o panorama legislativo e tribu-
tário não era favorável. Nessa época, a tributação sobre os lucros
produzidos e distribuídos poderiam chegar a mais de 80%. Portanto,
sem a existência de acordos, praticamente não seria viável investir
no Brasil58.
Enquanto no início do movimento de assinatura de acor-
dos, entre 1960 e 1970, as políticas brasileiras focavam as econo-
mias mais robustas, uma segunda fase surgiu, principalmente na dé-
cada de 1980, passando a concentrar as políticas em acordos com
países em desenvolvimento, incluindo os latino-americanos. Como
informado, o estágio de desenvolvimento econômico do país com o
qual o Brasil negociava um acordo era extremamente relevante para
a determinação das políticas brasileiras. Nessa nova fase, o país não
impôs a inclusão unilateral de cláusulas matching credit ou tax spa-
ring às outras partes. Contudo, quando essas cláusulas eram incluí-
das nos acordos, essas eram previstas para ambos os países contra-
tantes59.
A década seguinte foi extremamente pobre no número de
acordos assinados, mas alguns que o foram e estão em vigor são de
grande importância para a economia brasileira.

57 DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Acordos para evitar a dupla tribu-
tação – considerações sobre as políticas brasileiras, in: CORDEIRO, Daniel
Vieira de Biasi; GOMES, Edgar Santos; PEPE, Flávia Cavalcanti; GODOY,
Gustavo Teixeira (Org.). Estudos de Tributação Internacional, v. 3. Rio de Ja-
neiro: Lumen Juris, 2019.
58 Apud DORNELLES, Francisco Oswaldo Neves. A dupla tributação interna-

cional da renda. Rio de Janeiro: FGV, 1979, pp. 22-28.


59 Índia 1988, Filipinas 1983, Coréia do Sul 1989.

64
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Nos anos 1990, o Brasil assinou acordos com os Países


Baixos 1990, com a China 1991 e com a Finlândia 1996. Para o Bra-
sil, os Países Baixos vêm em primeiro lugar em matéria de investi-
mento estrangeiro direto (IED) no Brasil e a China tornou-se seu
segundo maior parceiro comercial e uma importante referência po-
lítica, compondo o “C” do grupo chamado BRICS60.
A partir do ano 2000, algumas importantes empresas bra-
sileiras começaram ou aumentaram seus negócios no exterior, pas-
sando a atores globais, em especial o setor da construção civil, ali-
mentício e óleo e gás. O objetivo foi, claramente, os novos mercados
e alguns países da América Latina, mas, em geral, os mercados que
estavam no mesmo ou menor estágio de desenvolvimento do Brasil.
Isso provocou algumas alterações nas políticas brasileiras
de negociação e estruturação de acordos, as quais podem ser obser-
vadas como sendo mais balanceadas para ambas as partes contratan-
tes, já que não haveria razão relevante para o Brasil impor disposi-
tivos protecionistas, como ocorre no caso dos acordos com econo-
mias mais fortes. Ainda mais que, em vários casos, ele se figurava
como Estado de Residência do investidor.
Nos últimos anos, já em outra posição econômica e inter-
nacional, o Brasil assinou acordos com a Colômbia 2022, Emirados
Árabes 2018, Polônia 2022, Reino Unido 2022, Singapura 2018, Su-
íça 2018, Turquia 2010 e Uruguai 2019, que, somados aos existen-
tes, ainda é um número pequeno se comparado com outros países61.

60Disponível em http://www.bcb.gov.br/rex/ied/port/ingressos/htms/in-
dex2.asp?idpai=INVED (Site do Banco Central do Brasil – último acesso em
15.7.2015). Vide website do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Ser-
viços: http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/in-
terna.php?area=5&menu=576 (último acesso em 15.7.2015).
61 Exemplos: Áustria, com 89, data-base março/2014 (disponível em

https://www.bmf.gv.at/steuern/int-steuerrecht/oesterreichische-doppelbesteue-
rungsabkommen.html - acesso em 3.3.2014) e Alemanha com 95, data-base ja-
neiro/2014 (disponível em http://www.bundesfinanzministerium.de/Con-
tent/DE/ Downloads/BMF_Schreiben/Internationales_Steuerrecht/Allge-
meine_Informationen/2014-02-22-stand-dba-1-januar2014.pdf?__blob=publi-
cationFile&v=1 acesso em 15.1.2014).

65
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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No presente momento, o Brasil assinou quarenta acordos


para evitar a dupla tributação com diferentes países62:

Nr. País Ano de Assinatura

1. África do Sul 2003


2. Argentina 1980
3. Áustria 1975
4. Bélgica 1972
5. Canadá 1984
6. Chile 2001
7. China 1991
8. Coreia do Sul 1989
9. República Tcheca 1986
10. Dinamarca 1974
11. Emirados Árabes Unidos 2018
12. Equador 1983
13. Eslováquia 1986
14. Espanha 1974
15. Filipinas 1983
16. Finlândia 1996
17. França 1971
18. Hungria 1986
19. Índia 1988
20. Israel 2002
21. Itália 1978
22. Japão 1967
23. Luxemburgo 1978
24. México 2003
25. Noruega 1980

62O 40º acordo seria com a Alemanha, mas este foi denunciado em 2005 e, até
então, nenhum outro foi assinado.

66
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Nr. País Ano de Assinatura

26. Países Baixos 1990


27. Peru 2006
28. Polônia 2022*
29. Portugal 2000
30. Reino Unido 2022*
31. Rússia 2004
32. Singapura 2018
33. Suíça 2018
34. Suécia 1975
35. Trinidad e Tobago 2008
36. Turquia 2010
37. Ucrânia 2002
38. Venezuela 2005
39. Colômbia* 2022
40. Uruguai* 2019
* Pendente de ratificação.

Além dos acordos gerais para evitar a dupla tributação, o


Brasil também assinou inúmeros acordos específicos em matéria tri-
butária, como os acordos de cooperação em matéria aduaneira,
aqueles para evitar a dupla tributação em serviços de transporte ma-
rítimo e aéreo etc., os quais não serão objeto do presente artigo. Até
então, o país ainda não assinou qualquer acordo relativo à tributação
de sucessões e doações.

2.3 As Políticas Brasileiras

O Brasil tem políticas muito peculiares no que se trata de


negociação e estruturação de acordos para evitar a dupla tributação,
com objetos sólidos bem definidos, desenvolvidos ao longo dos

67
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

anos, em particular, baseados na legislação interna, conjunturas eco-


nômicas e políticas etc. Contudo, embora tenham sido sujeitas a al-
terações e certa modernização para adequarem-se a mecanismos
mais sofisticados, em especial à transparência fiscal, às regras anti-
abuso e ao movimento de troca de informações, fato é que os prin-
cípios originais permaneceram intocados.
Em pesquisa sobre os acordos para evitar a dupla tributa-
ção, portanto, podemos identificar o seguinte63:
Ponto 1: o Brasil faz uso de seu sistema tributário também com
intuitos extrafiscais, promovendo o controle de fluxo
de capitais, investimentos e de políticas econômicas e
sociais específicas;
Ponto 2: o Brasil se considera formalmente um país em desen-
volvimento – embora pleiteie vaga como membro da
OCDE – e, como tal, negocia e estrutura seus acordos
para evitar a dupla tributação sob a premissa da não-
reciprocidade do fluxo de capitais entre países desen-
volvidos e os em desenvolvimento; neste sentido, a
alocação de competência tributária necessita observar
tal discrepância;
Ponto 3: a alocação de competência tributária necessita privile-
giar os países em desenvolvimento, permitindo uma
maior competência ao país onde localizada a fonte de
produção e/ou pagamento, em qualquer circunstância
(e.g. royalties, serviços – em geral, técnicos ou de pro-
fissionais independentes –, ganhos de capital em qual-
quer situação, outros rendimentos, conceito mais
abrangente de estabelecimento permanente etc.); ainda
não limitando ou elevando os limites para tributação
na fonte (e.g. 15%, 25%, valor bruto dos rendimentos
etc.);

63Veja: DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Double Tax Treaties Policies
of Brazil – The Brazilian Model Tax Convention. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2018.

68
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Ponto 4: em raras situações, o Brasil abriu mão do seu direito


de tributar como Estado da Fonte (e.g. pagamento de
juros a bancos públicos estrangeiros por financia-
mento de bens de capital no Brasil); no momento em
que isso ocorre, o país exige medidas de compensação
pelo outro Estado contratante, como a aplicação do
método da isenção ou de cláusulas tax sparing;
Ponto 5: nos acordos, o sacrifício para se eliminar a dupla tri-
butação deve ser suportado, principalmente, pelo país
desenvolvido;
Ponto 6: os acordos visam promover o fluxo positivo de inves-
timento e tecnologia dos países desenvolvidos aos em
desenvolvimento; portanto, qualquer tipo de incentivo
implementando pelo Estado da Fonte, importador de
capital, deve ser protegido de uma tributação subse-
quente pelo Estado de Residência, exportador (e.g.
isenção, tax sparing, aceitação de discriminação etc.);
Ponto 7: a única circunstância que permite uma alocação mais
balanceada da competência tributária é no caso de
acordos entre o Brasil e outro país em desenvolvi-
mento ou menos desenvolvido (e.g. aplicação do mé-
todo do crédito em ambos os sentidos, redução das alí-
quotas máximas de imposto de renda na fonte etc.).
Os pontos mencionados acima estão presentes em todos
os acordos assinados pelo Brasil, sendo possível a nós, portanto, es-
truturar um Modelo Brasileiro de Acordo para Evitar a Dupla Tri-
butação.
As políticas brasileiras foram desenvolvidas ao longo do
tempo, de maneira gradual. Os primeiros acordos assinados – com a
Suécia em 1965, o Japão em 1967 e os Estados Unidos também em
1967 – sinalizaram que o país estava em processo de construção de
seu modelo, mas já cobrindo os princípios relevantes que viriam a
ficar mais claros nos acordos subsequentes.
Os acordos assinados durante a década de 1970 demons-
traram uma estrutura mais sólida. O país assinou seus primeiros

69
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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acordos com nações desenvolvidas, o que ajuda a explicar o que essa


estrutura se tornou.
Como visto acima, na década seguinte, o Brasil dedicou-
se a negociar acordos com países em desenvolvimento, o que incluía
seus pares na América Latina. O fato de o Brasil negociar acordos
com países em situação econômico-social similar contribuiu signi-
ficativamente para as políticas brasileiras de acordos. Nesta fase, o
país não chegou a impor a inclusão unilateral pelo outro país de cláu-
sulas tax sparing, mas, quando as incluiu, foram com mecanismos
bilaterais, recíprocos.
Os anos 1990 foram praticamente nulos em matéria de as-
sinatura de acordos. Contudo, os poucos acordos assinados e em vi-
gor foram com países que representam grande importância para a
economia brasileira. Destaque merecem os acordos com os Países
Baixos de 1990 e com a China de 1991, como já mencionado no
tópico anterior.
Nos últimos anos, algumas importantes empresas de capi-
tal brasileiro passaram a investir no exterior ou a aumentar investi-
mentos lá existentes, transformando-se em multinacionais.
As políticas brasileiras variam de acordo com a legislação
doméstica, historicamente, a situação econômica do país no mo-
mento da assinatura, a situação econômica do outro país contratante,
a localização desse país (e.g. Mercosul) etc.64
Considerando a estrutura, como já visto, os acordos bra-
sileiros partiram da base da primeira versão do Modelo da OCDE de
1963. Contudo, o texto brasileiro modificou esse modelo em diver-
sos pontos e introduziu novos mecanismos e institutos para tentar
adequá-lo à realidade brasileira, suas políticas econômicas e à sua
lei interna. Boa parte do Modelo brasileiro que diverge do Modelo
da OCDE está em linha com o Modelo da ONU.

64DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Double Tax Treaties Policies of


Brazil – The Brazilian Model Tax Convention. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2018.

70
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Algumas das mais relevantes alterações ao Modelo da


OCDE promovidas pelas políticas brasileiras estão em linha com o
Modelo da ONU65, cuja primeira versão foi elaborada alguns anos
depois da primeira do Modelo da OCDE e teve como base de traba-
lho sua última versão. Isso trouxe o “Modelo Brasileiro” a se apro-
ximar do Modelo da ONU. Algumas poucas alterações foram inspi-
radas pelo Modelo dos Estados Unidos66. As grandes diferenças
apresentadas no Modelo Brasileiro em relação ao Modelo da OCDE
referem-se às políticas tributárias internas brasileiras, principal-
mente o ponto relativo ao seu status de país em desenvolvimento e
sua busca incessante por aumento de receita tributária, tributando
qualquer tipo de exteriorização de riqueza de alguma forma conec-
tada com seu território.
Muitas mudanças no âmbito do direito tributário interna-
cional e comparado vêm ocorrendo nos últimos anos, principal-
mente em relação a medidas para evitar o abuso, evasão e sonega-
ção.
Instrumentos para coibir estruturas criadas, fundamental-
mente, para reduzir a carga tributária, estão sendo implementados,
como a iniciativa BEPS, concebida para mitigar base erosion and
profit shifting.
O Brasil não ignora esses fatos, fazendo parte de comis-
sões e comitês envolvidos diretamente na elaboração dessas medi-
das. O Brasil faz parte do grupo de trabalho da OCDE para a inicia-
tiva BEPS e assinou a Declaração dos países sobre ela, dando boas-
vindas ao relatório produzido67. Contudo, o país sempre teve como

65 Um exemplo é o Artigo 5, quando define como estabelecimento permanente


também um canteiro de obra, uma construção, um projeto de instalação ou mon-
tagem que perdure por um período superior a seis meses, enquanto o Modelo
da OCDE considera existente um estabelecimento permanente, quando o prazo
excede doze meses.
66 Um bom exemplo é o Artigo 8, § 1, quando os acordos brasileiros excluem

de aplicação o transporte fluvial, como o faz o Modelo dos Estados Unidos.


67 OECD. Declaration on Base Erosion and Profit Shifting, 2013. Disponível

em: http://www.oecd.org/tax/C-MIN(2013)22-FINAL-ENG.pdf . Acesso em:


21.9.2022.

71
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

política acompanhar o desenvolvimento dessas medidas de modo


cético, esperando e maturando as novas ideias e, em momento pos-
terior (muitas vezes anos depois), aplicando-as em uma direção e
proporção que lhe convém. Um exemplo é que o país não se com-
prometeu a adotar as ações do BEPS, embora tenha aplaudido a ini-
ciativa.
Embora o país tenha sinalizado que ajustaria sua legisla-
ção interna para se aproximar às ações do BEPS em algumas áreas
e, agora, em processo de ingressar na OCDE, não é possível ainda
afirmar quando e em que medida o Brasil irá efetivamente adotar
essas ações internamente ou alterar seus acordos para evitar dupla
tributação para incluí-las. O país já dispõe de diversas medidas in-
ternas, de produção própria, para evitar base erosion and profit shif-
ting, que, muitas vezes, são mais rigorosas e severas do que as ações
propostas.
A assinatura do Acordo com o Reino Unido em 2022, pre-
vendo cláusulas mais alinhadas à OCDE, como a redução gradual
até zerar da alíquota de imposto de renda na fonte para rendimentos
da prestação de serviços, indica sim um alinhamento aos padrões
OCDE. Contudo, ainda é cedo e há um enorme caminho a ser per-
seguido, mesmo pela razão de que os acordos com Colômbia, Polô-
nia e Suíça, embora tenham uma redação um pouco menos protetiva
do Estado da Fonte em comparação aos mais antigos, mesmo assim
ainda privilegiam, de certa maneira, a tributação na fonte.
Outro ponto é a busca por maior transparência nas opera-
ções internacionais, fato não descartado pelo Brasil.
Diante de problemas sérios de transparência nos fluxos de
capitais, que poderiam estar sendo usados para o financiamento de
terrorismo, tráfico de drogas e outros ilícitos, além de terem possi-
velmente contribuído para a grave crise financeira a partir de 2007,
as maiores economias do mundo se encontraram em Londres para o
Encontro do G-20 para discutir a situação, o que incluiu a troca de
informações em assuntos tributários.

72
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Daí surgiu o Fórum Global sobre Transparência e Troca


de Informações para Fins Fiscais68, do qual o Brasil faz parte como
membro do Steering and Peer Review Groups69, os quais indicam
as políticas atuais de integração global para mais transparência nas
relações econômicas entre as nações.
O país tem assinado diversos acordos específicos de troca
de informações (TIEAs) e alterado seus acordos para evitar dupla
tributação para ajustar as cláusulas de troca de informações para mo-
delos mais modernos e abrangentes70.
O Brasil tem a política de, quando a relação econômica
com um determinado país é forte, preferir negociar a alteração de
um eventual acordo para evitar a dupla tributação já assinado ou ini-
ciar negociações de um novo, no lugar de assinar um TIEA. Isso,
em razão das vantagens que um acordo para evitar a dupla tributação
representam no fluxo econômico e comercial entre dois países71.

68 Com o encontro no México, os membros do Fórum começaram a participar


em mesmo nível, com direito de voz e voto, até mesmo para os países não mem-
bros da OCDE. Os países foram divididos em dois grupos: Steering Group e
Peer Review Group. O último, engajado na revisão das legislações e redes de
acordos para evitar a dupla tributação, cujos dispositivos permitissem troca de
informações em matéria tributária, com o intuito de verificar se esses dispositi-
vos estão em conformidade com os padrões das chamadas “jurisdições coope-
rativas”. Vide: VALADÃO, Marcos Aurélio. Transparência fiscal internacio-
nal: situação atual e a posição do Brasil. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Co-
ord.). Direito Tributário Internacional Aplicado v. V. São Paulo: Quartier Latin,
2012, p. 205.
69 Mais detalhes sobre a participação brasileira em VALADÃO, Marcos Auré-

lio. Transparência fiscal internacional: situação atual e a posição do Brasil.


In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito Tributário Internacional Apli-
cado v. VI. São Paulo: Quartier Latin, 2012, pp. 207 et seq.
70 Cf. VALADÃO, Marcos Aurélio; SILVA, Lauriana de Magalhães. Concor-

rência Tributária Internacional e Soberania. Revista de Direito Internacional


Econômico e Tributário, v. 3, n. 1. Brasília: Universidade Católica de Brasília,
Jan-Jun/2008, p. 45.
71 OCDE. Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax

Purposes Peer Reviews: Brazil 2013, Phase 2: Implementation of the Standard


in Practice. OECD Publishing, 2003, p. 90, M.n. 272. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1787/9789264202610-en Acesso em: 14.5.2015.

73
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Contudo, por conta da estrutura mais complexa de um


acordo para evitar a dupla tributação e pelos procedimentos de ne-
gociação serem mais complicados, o Brasil vinha assinando mais
TIEAs, como já informado72.
Se transparência é algo perseguido pelo Brasil em se tra-
tando de seus contribuintes, transparência também é de se esperar
do Governo Brasileiro no que tange à interpretação e à aplicação dos
acordos brasileiros73.
Há meios mais eficazes e menos gravosos para possibili-
tar a tributação de rendimentos no Estado da Fonte, basta que o Bra-
sil negocie e assine acordos com regras claras e previamente deter-
minadas, respeitando um princípio essencial do Direito e, em espe-
cial, do Direito Internacional: pacta sunt servanda.

3. Alinhamento à OCDE e os Acordos Brasileiros

Os acordos brasileiros, como visto, são ainda muito ali-


nhados aos padrões do Modelo da ONU e com cláusulas extrema-
mente protetivas ao país da fonte (e.g. tributação na fonte de todos
os tipos de rendimentos), o que diverge do Modelo da OCDE74.

72 OCDE. Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax


Purposes Peer Reviews: Brazil 2013, Phase 2: Implementation of the Standard
in Practice. OECD Publishing, 2003, p. 70. Disponível em
http://dx.doi.org/10.1787/9789264202610-en Acesso em: 14.5.2015.
73
Vide nosso artigo a respeito do assunto: DUARTE FILHO, Paulo César Tei-
xeira. Os Royalties nos Acordos Brasileiros para Evitar a Dupla Tributação.
In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (Coord.); DUARTE
FILHO, Paulo César Teixeira; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes (Org.).
Estudos de Direito Tributário em Homenagem ao Professor Gerd Willi Roth-
mann. São Paulo: Quartier Latin, 2016.
74 Veja: DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Double Tax Treaties Policies

of Brazil – The Brazilian Model Tax Convention. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2018.

74
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Em princípio, e resgatando as premissas de acesso à


OCDE, vis-à-vis as políticas brasileiras espelhadas nos acordos exis-
tentes, teríamos, principalmente:

Premissas de Acesso à OCDE Práticas Brasileiras

Reforçar a liberdade comercial e Tributação de base ampla, como


de investimento, seguindo as pre- onerar na fonte a remuneração por
missas das economias de mercado serviços e sobre o valor bruto, pro-
livres, competitivas, sustentáveis voca uma desigualdade nas cargas
e transparentes entre prestadores estrangeiros e
brasileiros, além de prejudicar suas
transações.
Interpretação dos acordos pela ad-
ministração tributária, de maneira
divergente a dos outros países e das
práticas internacionais, prejudica
transparência, competitividade e o
livre mercado.
A existência de outros tributos so-
bre a mesma base econômica –
CIDE, PIS/COFINS de 9,25% para
importadores de serviços em qual-
quer regime, IOF – também cria
problemas às premissas de livre
mercado, competitividade e trans-
parência.
Melhorar integração de empresas Tributação ampla e alta na fonte so-
nas cadeias globais de valores e a bre rendimentos brutos encarece as
remoção de barreiras desnecessá- transações internacionais, o que im-
rias ao comércio internacional pede integração de cadeias globais.
Interpretação dos acordos pela ad-
ministração tributária, de maneira
divergente a dos outros países e das
práticas internacionais, prejudica
integração de cadeias globais e cria
barreiras.
A existência de outros tributos so-
bre a mesma base econômica –

75
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Premissas de Acesso à OCDE Práticas Brasileiras


CIDE, PIS/COFINS de 9,25% para
importadores de serviços em qual-
quer regime, IOF – também preju-
dica integração de cadeias globais e
cria barreiras.
Eliminar dupla tributação interna- Tributação ampla e alta na fonte so-
cional sobre a renda e o capital bre rendimentos brutos pressupõe
mediante aderência às principais onerar preço, não apenas renda, o
condições materiais constantes da que inclui custos. Aproveitamento
Convenção-Modelo da OCDE. de crédito é inviabilizado.
Tributação sobre transações,
mesmo aquelas em que o rendi-
mento não se origine do Brasil,
como nos ganhos de capital de alie-
nante e até adquirente não residen-
tes, pode acarretar dupla tributação.
Eliminar dupla tributação medi- Falta de Art. 9º, § 2º, nos Acordos
ante garantia da prevalência do traz dificuldades e insegurança jurí-
princípio “arm’s length”, nas ope- dica sobre a eliminação de proble-
rações entre empresas relaciona- mas de dupla tributação.
das, conforme disposto nas Dire-
trizes da OCDE sobre Preços de
Transferência para Empresas
Multinacionais e Administrações
Fiscais.

Os pontos acima são apenas os principais exemplos, pois


existem diversos outros, como os métodos para evitar a dupla tribu-
tação nos acordos mais antigos, os tributos não compreenderem ou-
tros incidentes sobre as operações, a tributação ampla sobre ganhos
de capital etc.
Embora claramente divergentes às regras de acesso à
OCDE, alguns dos principais pontos de divergência parecem ser re-
lativizados pela organização.
Em pesquisa sobre os acordos assinados pelos países da
América Latina, que são membros da OCDE – Chile, Colômbia,

76
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Costa Rica e México75 –, com outros países da OCDE, pudemos


perceber que, de forma geral, os quatro países permitem a tributação
na fonte sobre os rendimentos de renda passiva, embora com limites
mais baixos do que aqueles presentes nos acordos brasileiros. Na
maior parte dos acordos desses quatro países com membros da
OCDE, as alíquotas máximas foram definidas da seguinte maneira:

Dividendos Juros Royalties

Chile 5%: participa- 5%: empr. 5%: uso de


ção  25% bancários equipamentos
15%: outros76 15%: outros77 10%: outros78
Colômbia 5%: participa- 10%80 10%81
ção  20%
15%: outros79

75 Chile – ingresso em 7.5.2010; Colômbia – ingresso em 28.4.2020; Costa Rica


– ingresso em 25.5.2021; México – ingresso em 18.5.1994.
76 Japão 2016, Itália 2016, Austrália 2013 (participação 10%), Noruega 2003.

Isenção no caso da Bélgica 2010 (participação 10%).


77 Itália 2016, Áustria 2015, Bélgica 2010, Suíça 2010, República Tcheca 2016,

Portugal 2008. Além disso, estabeleceram juros até menores os acordos com:
Argentina (4% para compra de ativos, 12% para empréstimos bancários, 15%
para demais), Japão 2016 (4% de empréstimos bancários, 10% para outros),
Austrália 2013 (5% empréstimos bancários, 10% outros).
78 Itália 2016, Áustria 2015, Austrália 2013, Bélgica 2010, Suíça 2010, Repú-

blica Tcheca 2016, Portugal 2008. Além disso, o Acordo com o Japão estabe-
lece 2% para uso de equipamentos e 10% para demais.
79 Canadá 2010 (participação 10%), França 2015, Itália 2018, Japão 2018 (10%

para os demais), UK 2019, República Tcheca (participação 25%). Além desses,


há isenção nos casos de participação relevante em: Suíça 2007 e Espanha 2006
(5% para os demais).
80 Canadá 2010, Espanha 2006, França 2015, Itália 2018, Japão 2018 (diversos

caso de isenção), Portugal 2015, UK 2019 (diversos caso de isenção), República


Tcheca 2015 (diversos caso de isenção), Suíça 2007 (diversos caso de isenção).
81 Canadá 2010, Espanha 2006, França 2015, Itália 2018, Japão 2018 (2% para

equipamentos), Portugal 2015, UK 2019, República Tcheca 2015, Suíça 2007.

77
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Dividendos Juros Royalties


Costa 5%: participa- 5%83 10%84
Rica ção  20%
12%: outros82
México 5%: participa- 5%: empr. 10%87
ção  10% bancários
15%: outros85 10%: outros86
Guardadas as exceções88, em geral o limite estabelecido
na maioria dos acordos brasileiros para dividendos, juros e royalties
é de 15% sobre o montante bruto dos rendimentos.
Os acordos dos quatro países acima com outros membros
da OCDE, com exceção de quatro acordos da Colômbia89, não in-
cluem tributação na fonte para serviços, seja por meio de artigo es-
pecífico ou de equiparação a royalties. Raras menções são vistas na

82
Espanha 2017. No caso da Alemanha 2014, a alíquota também é de 5% para
participação relevante e de 15% para demais.
83 Alemanha 2014 (há casos de isenções) e Espanha 2017 (empréstimos a partir

de 5 anos; 10% para demais)


84 Alemanha 2014 e Espanha 2017.

85 USA 2022, Suécia 1992, UK 1984, Países Baixos 1993, Alemanha 2008,

Canadá 2006, Áustria 2004, Luxemburgo 2011(*). Em diversos acordos, foi


estabelecida alíquota zero nos casos de participação relevante: Dinamarca 1997,
Japão 1996, Noruega 1995, Espanha 2015.
86 Segundo essas duas premissas: USA 2022, Alemanha 2008, Dinamarca 1997,

Espanha 2015; Estabelecendo 10%: Bélgica 1992, Suíça 2009, Canadá 2006,
Áustria 2004, Luxemburgo 2001, República Tcheca 2002. Os demais estabele-
cem alíquota de 15%.
87 Bélgica 1992, USA 2002, Suécia 1992, Suíça 2009, Alemanha 2008, Canadá

2006, Áustria 2004, Luxemburgo 2001, República Tcheca 2002, Dinamarca


1997, Japão 1996, Noruega 1995, Espanha 2015.
88 Vide os limites de todos os acordos em: DUARTE FILHO, Paulo César Tei-

xeira. Double Tax Treaties Policies of Brazil – The Brazilian Model Tax Con-
vention. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
89 Canadá 2010, Portugal 2015, República Tcheca 2015 e Suíça 2007.

78
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

descrição de royalties para incluir “assistência técnica”90, o que é


inerente à transferência de know-how e se diferencia de serviços téc-
nicos, que não pressupõe transferência de tecnologia.
Como sabemos, o Brasil tributa serviços técnicos e assis-
tência técnica, seja incluindo no conceito de royalties, seja por meio
de artigo específico, seja interpretando o acordo de tal modo que tais
importâncias sejam tributadas na fonte91.
Um outro ponto importante é que os acordos dos quatro
países com outros membros da OCDE incluem o § 2º do Art. 9º da
Convenção Modelo da OCDE, com raras exceções92, o que não é
feito pelo Brasil, nem nos acordos mais recentes (exceto o último
assinado, com o Reino Unido). Embora haja autores que entendem
que a ausência de tal parágrafo não inibe os países de entrarem em
acordo sobre ajustes de preços de transferência, por meios amigáveis
de soluções de controvérsias ou troca de informações, fato é que isso
não ocorre na prática, o que corrobora a falta de uma base jurídica
suficiente aplicável93.
Um outro ponto relevante é a tributação de ganhos de ca-
pital na alienação de participações societárias. Enquanto nos acor-
dos brasileiros94 há a possibilidade de tributação pelo país do local
do bem, portanto da sociedade objeto de alienação, mesmo que ali-
enante e adquirente não sejam residentes, em boa parte dos acordos

90 Acordo da Costa Rica com a Espanha 2017, Artigos do Chile com Austrália
2013 e Bélgica 2010.
91 Vide os limites de todos os acordos em: DUARTE FILHO, Paulo César Tei-

xeira. Double Tax Treaties Policies of Brazil – The Brazilian Model Tax Con-
vention. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
92 Acordos do México com Bélgica 1992, Itália 2011, República Tcheca 2002,

Noruega 1995.
93 Vide os limites de todos os acordos em: DUARTE FILHO, Paulo César Tei-

xeira. Double Tax Treaties Policies of Brazil – The Brazilian Model Tax Con-
vention. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
94 Exemplo: Acordo com a Coreia do Sul, Art. XIII, § 3º, “3 – Os ganhos pro-

venientes da alienação de quaisquer outros bens diferentes dos mencionados


nos parágrafos 1 e 2 são tributáveis em ambos os Estados Contratantes.”, cc.
com Art. 26 da Lei n. 10.833/2003.

79
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

dos membros da OCDE acima, a tributação deve se dar no país de


residência do alienante, aquele que efetivamente aufere o ganho de
capital95. Quando não apenas no país de residência, alguns acordos
desses países estabelecem limites96 e condicionam a tributação tam-
bém pelo país de localização da sociedade, caso a participação fosse
relevante97.
Por outro lado, há cláusulas utilizadas pelos países em
seus acordos que não são aderentes aos novos Modelos da OCDE,
como a manutenção do Art. 14 Profissões Independentes98, a inclu-
são de “Service PE” e a variação do prazo na cláusula “construction
PE” do Art. 5º Estabelecimentos Permanentes99, dentre outros, mas
que, do ponto de vista econômico da alocação de competência tri-
butária, não interferem significativamente.
Portanto, embora exista uma certa flexibilidade dos acor-
dos desses membros da OCDE em alguns pontos em relação à Con-
venção-Modelo da organização, os pontos sensíveis do Modelo no
atual estágio da economia internacional, com grande servicificação
dos setores, e a redução da alocação da competência no Estado da
Fonte permanecem, mesmo que parcialmente, atendidos.

95 Exemplo: Acordo da Costa Rica com a Alemanha 2014.


96 Exemplo: Acordos do Chile costumam permitir a tributação por ambos os
países, em caso de participação societária a partir de 20%, limitando a tributa-
ção no país de localização da sociedade em 16%.
97 Exemplo: Bélgica 1992, em que se permite a tributação de ambos os países

se a participação societária for de, pelo menos, 25%.


98
Acordos do Chile com Japão 2016, Itália 2016, Áustria 2015, Austrália 2013,
Bélgica 2010, Suíça 2010, Noruega 2003, República Tcheca 2016, Portugal
2008. Acordos da Colômbia com Itália 2018 e Portugal 2015. Acordos da Costa
Rica com a Alemanha 2014 e Espanha 2017. Acordos do México com Bélgica
1992, Itália 2011, USA 2002, Suécia 1992, Suíça 2009, UK 1984, Países Baixos
1993, Alemanha 2008, Áustria 2004, Luxemburgo 2001, Dinamarca 1997, Ja-
pão 1996, Noruega 1995 e Espanha 2015.
99 Exemplos: Acordo do Chile com o Japão 2016, Acordo da Colômbia com a

França 2015, Acordo do México com o Canadá 2006.

80
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

4. Considerações Finais

Embora não haja comando expresso e objetivo sobre o ali-


nhamento dos acordos brasileiros aos padrões OCDE, muitas pre-
missas necessárias para se ingressar na instituição são afetadas pelas
atuais políticas brasileiras.
Não entendemos que a totalidade das práticas brasileiras
represente uma inviabilidade de acesso do país à OCDE, mas há
pontos muito importantes que se desviam frontalmente das políticas
da instituição, como a tributação ampla de serviços na fonte, as alí-
quotas elevadas na fonte, a falta de clareza, segurança e aplicabili-
dade do Artigo 9º e dos métodos de solução de controvérsia, dentre
outros.
Ainda é incerto se a OCDE imporá mudanças antes do
acesso ou se dará prazo ao Brasil para promover alterações, haja
visto que alterar acordos para evitar a dupla tributação não é um
procedimento simples e rápido.
Uma sinalização positiva foi dada com o mais recente
acordo assinado pelo Brasil, com o Reino Unido, que traz a estrutura
dos acordos mais próxima ao Modelo da OCDE.
Esperamos que esta seja, contudo, uma oportunidade para
o Brasil passar a uma economia mais madura, com menos barreiras
e estimuladora da troca de capitais, sejam os estrangeiros ingres-
sando em nosso território, sejam os brasileiros investindo no exte-
rior.

81
Capítulo 3

A Impertinência da Adoção do Pilar 1 pelo Brasil

Contribuição: Francisco Lisboa Moreira

1. Considerações Iniciais

Este trabalho parte da premissa de que arcabouço legisla-


tivo-tributário brasileiro, mais especialmente a Lei n. 9.430/1996,
deve ser revisada para que o Brasil integrar o chamado “consenso”
internacional almejado pela OCDE por meio dos Pilares 01 e 02,
mais notadamente o Pilar 01. Este consenso é fundamental para evi-
tar a proliferação de medidas unilaterais e um suposto sistema har-
mônico alinhando interesses de países da fonte (mercado de usuá-
rios) e da residência (das grandes empresas de tecnologia).
O Brasil tem a sua legislação calçada em premissas para
a proteção do mercado consumidor brasileiro enquanto importador
de capital, bens e tecnologia. Isso pode ser verificado, como de-
monstraremos, na adoção de um método do preço de revenda menos
lucro com margens fixas, sem a possibilidade de adoção de um mo-
delo de distribuição com riscos limitados com remuneração at arm´s
length. No entanto, ainda assim, podemos afirmar que a posição de
política fiscal internacional do Brasil vem, nos últimos anos, man-
tendo-se bastante alinhada à posição da OCDE no que diz respeito
a formulação e revisão de suas práticas de preços de transferência.
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Tudo teve seu início em 2017100 quando o país formulou


seu pedido formal de adesão ao organismo multilateral. Desde então
foi identificado que uma das áreas de necessária revisão a permitir
a adesão do país passava pela parte de preços de transferência assim
foi realizado um projeto conjunto onde todas as áreas de aproxima-
ção e distanciamento entre os brasileiros preço de transferência e o
padrão da entidade foram identificadas para que fosse possível rea-
lizar as modificações adequadas o processo perdura até hoje.
Neste mesmo contexto, também observamos uma série de
esforços empreendidos pela OCDE para evitar que os países venham
a adotar medidas unilaterais101 para cobrança de tributos decorrentes
de atividades que são: i) fortemente calçadas em intangíveis; e ii)
normalmente exploradas normalmente fora do país da jurisdição do
mercado de usuários.
Objetivamente, a solução do Pilar 01 tem como objetivo
garantir que uma parcela da renda obtida com a exploração do mer-
cado de usuários, de maneira remota, seja alocada a uma jurisdição
mesmo quando não exista nenhuma vinculação direta (“nexus”,
“nexo” ou “elemento de conexão”) conectado aos conceitos tradici-
onais de fonte e residência. Tal solução parte de conceitos já comuns
dentre os adotantes das Diretrizes de Preços de Transferência da
OCDE, em que a tributação da fonte é normalmente reduzida, em
benefício da residência102. Tal estrutura, que foi concebida para uma
economia anterior à era digital das empresas – em que não existia

100 Conforme notícia veiculada pelos órgãos oficiais de imprensa. Vide


https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/09/20/cre-aprova-instala-
cao-de-escritorio-da-ocde-no-brasil .Acesso em 19.11.2022.
101 Todo este problema vem desde o início do projeto BEPS, e é fortemente

identificado em todos os relatórios emitidos após o relatório do plano de ação


de 2014, como os relatórios interinos de 2016, 2017, além da solução de dois
pilares de 2018 e o grande acordo global firmado em 2021 que consolidou a
solução do Pilar 1 e do Pilar 2.
102 Tal situação reflete-se na Convenção-Modelo da OCDE, onde a tributação

de serviços técnicos tem uma tributação na fonte baixa ou nula e há o privilégio


para a tributação integral no país da residência.

84
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

uma exploração comercial dos usuários tão grande como atualmente


– e é justamente quando a grande complexidade entra em ação.
Por conta desta complexidade, diversos países acabaram
optando por adotar uma solução mais simples de ser implementada,
que passa pelos impostos sobre serviços digitais (ou, em inglês, os
“Digital Service Taxes” ou “DST”). Tais tributos são impostos de
maneira unilateral pelos países que detém o mercado de usuários, e
que cuja exploração remota acaba tendo uma participação relevante
na geração de renda das grandes empresas da economia digital.
Existem questões relacionadas a uma suposta discriminação destas
grandes empresas, pois elas em sua imensa maioria são baseadas nos
Estados Unidos, mas que não serão enfrentadas neste estudo.
Os Estados Unidos (jurisdição da residência destas enti-
dades) historicamente tinham como política tributária a sua tributa-
ção em bases mundiais com a concessão do crédito para o tributo
pago sobre a renda no exterior. A partir do momento em que os pa-
íses com os quais os Estados Unidos firmaram acordos para evitar a
dupla tributação introduzem os Digital Service Taxes de maneira
unilateral, sobre receita bruta, sem supostamente nenhum elemento
de conexão com o território, automaticamente conflito de compe-
tências acaba por surgir. É justamente daí que surge o papel da
OCDE para congregar as soluções e negociações entre os diversos
países e evitar a proliferação dos DSTs.
Neste contexto, recentemente foi divulgado o relatório
“interino” do Pilar 01, apresentando propostas de política tributária
que tem por objetivo permitir sua a adoção pelos países que hoje tem
o pleito de tributar a renda em atividades econômicas que suposta-
mente não possuem elementos de conexão com seu território. No
entanto, como veremos, da maneira enquanto concebido tem uma
alta dificuldade de implementação, principalmente para um país
com uma legislação originalmente afastada dos padrões da OCDE.
Além disso tudo, será bastante obter a sua aprovação de maneira
unânime. Dentro dos Estados Unidos, inclusive, já não existe una-
nimidade na sua aprovação e isto acaba fortalecendo as medidas uni-
laterais representadas pelos DSTs.

85
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

O Brasil, enquanto país com mercado de usuários relevan-


tíssimo e dependente das tecnologias fornecidos por estas grandes
empresas, não pode se ver paralisado pelas medidas introduzidas pe-
las ideias no âmbito do pilar um e deveria se olhar com mais carinho
e cautela para os impostos sobre a renda digital.
Neste trabalho analisaremos as razões pelas quais o Brasil
não pode, com o arcabouço legislativo atual, pensar na adoção do
Pilar 01 e as inconsistências entre soluções trazidas por ele e a legis-
lação brasileira de preços de transferência.

2. O Pilar 1103

Não é escopo deste estudo analisar o papel da OCDE en-


quanto influenciador da política tributária internacional – até porque
não há consenso nem quanto a existência de um sistema tributário
internacional. No entanto, é inegável o emprenho do organismo
multilateral na busca por uma solução consensual para evitar a pro-
liferação de medidas unilaterais.
É importante relembrar que em 8 de outubro de 2021 foi
atingida um consenso entre os países do “Inclusive Framework”
com base na solução de “dois pilares”, onde o Pilar 01 buscava rea-
locar uma fundamentação normativa para que jurisdições que te-
nham somente o mercado de usuários pudessem tributar a renda ob-
tida com a exploração de tais mercados sem a existência de um ele-
mento de conexão objetivo, ao passo que o Pilar 02 tem por objetivo
trazer estândares mínimos de tributação da renda na residência.
Acreditava-se que a solução de dois pilares seria suficiente para a

103OECD. Progress Report on Amount A of Pilar 1, Two-Pillar Solution to the


Tax Challenges of the Digitalisation of the Economy. OECD/G20 Base Erosion
and Profit Shifting Project. OECD, Paris. Disponível em:
https://www.oecd.org/tax/beps/progress-report-on-amount-aof-pillar-one-july-
2022.pdf. Acesso em 1.11.2022. Vale observar que, de agora em diante, todas
as referências ao “relatório” ou “documento” da OCDE endereçando o Pilar 1
serão feitas com base neste documento.

86
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

resolução do impasse trazido pelos Digital Service Taxes. No en-


tanto, passados mais de um ano da divulgação desta solução, ainda
não temos um norte acerca da solução definitiva.
Em julho de 2022 foi divulgado um novo relatório pela
OCDE. Tal relatório indicou um progresso bastante relevante na ela-
boração das regras prescritas pelo Pilar 01 para cômputo e determi-
nação do novo “taxing right” representado pelo “Amount A”. Ainda
assim, a própria OCDE reconhece que será necessário um aprofun-
damento nas discussões para que a as regras do direito tributário in-
ternacional possam comportar a sua implementação.
Além disso, os países que compõem o Inclusive Fra-
mework também consideram necessária a implementação por meio
de uma nova convenção multilateral, que traria diversas regras vin-
culantes aos signatários que consideram a atribuição de parte deste
taxing right para tais jurisdições do mercado, sendo que implemen-
tação da convenção multilateral também vai obrigar a retirada com-
pleta dos impostos sobre serviços digitais.

3. E no que isso afetaria o Brasil?

A grande discussão acerca do Pilar 1 passa pela sua apli-


cabilidade dentro do nosso arcabouço de regras de preços de trans-
ferência. Existe um consenso doutrinário que as regras brasileiras de
preços de transferência estão afastadas do chamado “arm´s length
standard”, onde as transações entre partes relacionadas poderiam
ocorrer dentro de padrões de mercado, estando mais próximas das
margens de lucro pré-determinadas que garantem um reconheci-
mento mínimo de resultado tributável no país.
Neste contexto, a legislação brasileira não permite a utili-
zação de nenhum dos métodos de análise transacional, onde há uma
análise de riscos e funções assumidos por cada entidade para fins de
determinação da lucratividade mais apropriada a ser reconhecida em
cada país, seja o método da margem de lucro líquida transacional ou

87
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

o método da divisão de lucros. Ambos analisam a lucratividade a ser


reconhecida em cada entidade com base: i) no conjunto de transa-
ções de mesma natureza (no caso da margem líquida transacional);
ou ii) na entidade (no caso do método da divisão de lucros).
Considerando que todos os métodos existentes na legisla-
ção brasileira não permitem uma análise com tal enfoque econô-
mico, exigindo a aplicação de um método para cada operação reali-
zada entre partes relacionadas, entendemos que a aplicação do Pilar
1 já estará prejudicada desde a partida. Para demonstrar nossa posi-
ção, analisaremos o que vem a ser o Pilar 1, na forma em que pro-
posta pelo relatório da OCDE.

4. O que é o “Montante A”?

Este “Montante A” é o principal resultado prático da so-


lução de dois pilares divulgada em 2021. Vale lembrar que ele so-
mente será atribuído à “jurisdição do mercado” no que diz respeito
a “uma porção do lucro residual de atividades altamente lucrativas
derivadas da prestação de serviços e bens, em benefício da jurisdi-
ção onde estão os consumidores estão localizados”. O relatório con-
vencionou nomear a jurisdição onde os consumidores de bens e ser-
viços digitais estão localizados como a “jurisdição do mercado”104.
O relatório divulgado pela OCDE explica o mecanismo
sugerido que irá operar como uma sobreposição das regras existen-
tes, onde a alocação de resultados inclui um gatilho para reconciliar
a eventual diferença entre os sistemas de alocação de lucros atuais
para prevenir dupla tributação, sugerindo modificações às legisla-
ções internas dos países alocando “parcela do lucro residual dos gru-
pos maiores e altamente lucrativos”. O relatório também fala em

104O relatório define a jurisdição do mercado como “for the benefit of jurisdic-
tions in which goods or services are supplied or consumers are located”.
OCDE, 2022, p. 8.

88
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

medidas de segurança jurídica para acionamento do “gatilho”, mas


para os propósitos deste estudo não serão abordados.
O Montante A será aplicado quando uma ou mais “Group
Entities” atinjam os requisitos de forma cumulativa em determinada
data-base: i) teste de receitas: receitas do grupo consolidadas para o
período forem superiores a 20 bilhões de euros, podendo ser ajusta-
das pro rata caso período seja inferior a um ano; ii) teste de lucrati-
vidade: margem de lucro antes dos impostos seja superior a 10% no
período-base. Não obstante, caso a entidade não tenha feito parte do
grupo nos dois períodos imediatamente anteriores, tenha ultrapas-
sado o teste de lucratividade em dois dos últimos quatro, ou na mé-
dia dos últimos quatro períodos, também estará sujeita à aplicação
da regra. Além disso, se uma das entidades de um grupo estiver iso-
ladamente sujeita à regra, todas estarão incluídas.
O documento também explica a forma de cômputo do tri-
buto sobre a renda, consistindo em parcela do lucro antes dos im-
postos, este oriundo das receitas tratadas como tendo origem na res-
pectiva jurisdição do mercado. Vale observar que o imposto de
renda cobrado não traz implicações para a determinação de qualquer
outro tributo direto ou indireto tributo aduaneiro ou contribuição so-
cial e seguridade social da entidade. Além disso, para determinação
das receitas que tem origem na jurisdição do mercado, o art. 3º traz
a sugestão de um “teste de conexão” (“nexus test”), com parâmetros
objetivos, deixando claro que este será atingido com base nas recei-
tas se o montante determinado com base no art. 4º para o período for
maior ou igual a 1 milhão de euros. Caso o PIB do país for inferior
a 40 bilhões de euros então valor de 1 milhão de euros será substi-
tuído pelo valor de €250.000.
O referido art. 4º traz as regras de determinação de fontes
das receitas. De maneira geral excluindo as situações em que existe
alguma forma de alocação específica das receitas, deverão ser alo-
cadas à determinada jurisdição de maneira a contemplar as diferen-
ças entre as vendas de bens, serviços e direitos comercializados na-
quela jurisdição edições de bens conteúdo propriedade produtos e

89
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

serviços vendidos licenciados ou de alguma outra maneira alienados


e providos pelo grupo coberto suas quantidades e seus preços.
Existe uma frase de caráter bastante interpretativo onde
fala que receitas deverão ser alocadas (sourced) utilizando um mé-
todo confiável baseado nos fatos e circunstâncias específicas do
grupo. Receitas derivadas da venda de produtos acabados para um
consumidor final são tratados como de fonte na jurisdição quando a
entrega dos produtos acabados ao consumidor final ocorre naquela
jurisdição.
Um ponto crucial consiste no tratamento dos serviços de
propaganda online, que acreditamos ser relevantes para a maioria os
países, inclusive o Brasil. Tais serviços serão tratados como de fonte
naquela jurisdição quando a localidade da pessoa que visualiza a
propaganda está naquela jurisdição. A provisão de propaganda que
não estejam incluídos neste primeiro parágrafo serão tratados como
de fonte na jurisdição quando o local de apresentação da propaganda
está naquela jurisdição. Os serviços de propaganda são alvo dos Im-
postos sobre Serviços Digitais (DST, ou Digital Service Taxes) e,
mais especificamente no caso do Brasil, acredita-se que as subsidi-
árias locais das grandes plataformas de internet façam uma revenda
de espaço publicitário, utilizando o método do Preço de Revenda
Menos Lucro. No entanto, tal operação não capturaria o pagamento
por propaganda feito no exterior e direcionado a usuários brasilei-
ros, o que hoje não possui nenhum elemento de conexão com o
Brasil.
Outros serviços bastante sensíveis são os serviços de in-
termediação on-line, assim entendidos como aqueles que facilitam a
venda de ou compra de produtos tangíveis, conteúdos digitais ou
serviços que não sejam de localidade específica. Tais itens serão tra-
tados da seguinte maneira: a) metade desta as receitas são tratadas
como de fonte na jurisdição conta a localização do comprador dos
bens tangíveis, conteúdo digital ou serviços que não sejam de loca-
lidade específica estejam naquela jurisdição; e b) metade daquelas

90
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

receitas é tratada como de fonte na jurisdição do vendedor dos tan-


gíveis, conteúdo digital ou serviços que não sejam de localidade es-
pecífica está naquela jurisdição.
O relatório também cita outros serviços, como os de trans-
porte, programas de fidelidade e outros. No caso dos serviços de
transporte, o padrão é considerar a receita na jurisdição do destino
do passageiro, ao passo que serviços de carga terão a determinação
de sua fonte metade para o local de origem e metade para o local de
destino. Serviços de programa de fidelidade serão tratados como de
fonte na jurisdição de maneira proporcional a parcela de membros
ativos do programa de fidelidade com domicílio naquela jurisdição.
Outros itens também relacionados a intangíveis terão sua
receita reconhecida (ou alocada) com base na entrega dos produtos,
bens intangíveis ou consumo dos serviços nela baseados. A venda
de dados de usuários terá sua alocação com base na localização dos
usuários. Todos estes exemplos representam uma clara migração do
padrão Fonte x Residência e o Império do Art. 7º dos Acordos de
Bitributação – mas de pouca aplicabilidade prática para o Brasil que
sempre buscou tributar na fonte sem se preocupar com a alocação
de determinadas receitas a alguma entidade legal ou a um estabele-
cimento permanente.
Vencidas as regras de alocação da receita entre entidades
de dois países – o que não é o caso quando falamos do Brasil, onde
necessariamente o reconhecimento da receita para fins tributários
levará em consideração elementos jurídicos, o relatório passa a su-
gerir ajustes de correlação entre lucro contábil e lucro tributável
onde a despesa com imposto de renda, determinados dividendos, ga-
nhos de equivalência patrimonial ou perdas e despesas dedutíveis
serão excluídas. Em seguida, também são levados em consideração
alterações de política contábil, lucro contábil de natureza financeira,
onde excluído ajustes de valor justo (por exemplo). Percebe-se uma
reconciliação bastante alinhada entre a contabilidade no modelo
IFRS, para que seja possível chegar a um lucro mais próximo da
renda realizada.

91
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

A partir deixes ajustes, o art. 6º apresenta uma fórmula de


alocação do lucro para a jurisdição do mercado, lucro este que seria
reduzida pelo valor do ajuste decorrente do safe harbor de “lucros
de marketing e distribuição”, que explicaremos mais adiante.
A fórmula consiste em:
[Q = (P – (R * 10%)) * 25% * L/R]
Onde:
- Q equivale ao montante do lucro do grupo coberto a
ser alocado à jurisdição do mercado dentro do deter-
minado período.
- P corresponde ao lucro ajustado antes dos impostos
calculado com base no art. 5º.
- R corresponde as receitas do grupo coberto naquele
período.
- L corresponde ao montante de receitas do grupo co-
berto naquele período que seja alocável à jurisdição de
mercado com base no art. 4º e de acordo com o teste
de nexus (elementos de conexão) para aquele período
feito com base no art. 3º.
Observamos que o threshold de 10% de lucratividade
sendo garantida à jurisdição do mercado, bem como o percentual de
“realocação” de 25% aplicado de maneira a garantir i) que ao me-
nos 25% da receita do grupo será oferecida à tributação em dada
jurisdição de mercado, quando presenciamos [25%*L/R]; e ii) que
um percentual de lucratividade que guarde proporção com a reali-
dade seja aplicado sobre tais receitas, quando observamos (P –
(R*10%)).
Outro ponto que recebeu a devida salvaguarda foi aquele
referente às atividades de marketing e distribuição. O art. 3 prevê
que se o grupo tiver uma receita superior a “X” milhões de euros na
jurisdição, será permitida uma redução correspondente às atividades
de marketing e distribuição de tais produtos e serviços digitais, cal-
culada com base em outra fórmula, onde:
M = MIN [(EP-PEP)*(Y%), Q]

92
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

- M corresponde ao valor do ajuste decorrente do sa-


feharbor de marketing e distribuição a ser deduzido do
montante do lucro a ser alocado na jurisdição do mer-
cado.
- EP corresponde ao lucro de “eliminação” em determi-
nado período.
- PEP corresponde à porção do lucro de eliminação na-
quele período que resultaria em um retorno sobre de-
preciação e folha de pagamento do grupo naquela ju-
risdição igual ao maior entre o threshold de retorno so-
bre depreciação e folha do grupo coberto no período
ou 40%.
- Y corresponde ao “percentual de compensação”,
sendo este a porção do lucro residual de determinada
jurisdição que seria elegível dentro do mecanismo de
safeharbor de marketing e distribuição.
- Q corresponde ao valor do lucro do grupo coberto que
seria passível de alocação. E a designação MIN signi-
fica que o valor do ajuste “M” será o menor valor entre
“(EP - PEP)*Y%” ou “Q”.
Quando o safeharbor de marketing e distribuição é apli-
cado de acordo com o sugerido para uma determinada jurisdição,
um montante igual ao ajuste (ou um múltiplo dele) será deduzido do
lucro de “eliminação” do grupo coberto naquela jurisdição para o
mesmo período.
O texto ainda prevê uma proteção para a dupla tributação
que possa resultar da alocação deste “Montante A” à jurisdição do
mercado (que seria uma terceira jurisdição a ingressar neste campo
de múltiplas competências tributárias do imposto sobre a renda).
Tenta-se, também, determinar uma parcela de lucro que suposta-
mente estaria sujeita a eliminação de dupla tributação com base em
conceitos como um retorno esperado sobre depreciação e folha de
pagamento e outros valores de operação corrente que também já es-
tariam sujeitos à tributação dentro dos critérios de estabelecimento
permanente e da previsão de “business profits” (o tradicional Art.

93
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

7º de lucro das empresas da Convenção-Modelo da OCDE). No en-


tanto, tais fórmulas ganham uma alta complexidade e acabam se tor-
nando um critério de formulary apportionment, tão criticado pela
doutrina. Além disso, o Montante A acaba não dando o devido valor
aos intangíveis e à integração entre as diversas entidades que deles
se utilizam, deixando claro que as funções desempenhadas por hu-
manos estão sendo colocadas em segundo plano105.
Em conclusão, pela simples leitura dos passos e das fór-
mulas colocadas acima, fica evidente a altíssima complexidade para
implementação deste Montante A no âmbito do Pilar 1. Fica evi-
dente, mais ainda, a sua incompatibilidade com as regras brasileiras
de preços de transferência e a provável necessidade de cooperação
entre as administrações tributárias de mais de um país (no mínimo
3) – justamente para garantir que não ocorrerá uma interposição do
Montante A atribuível a um país sendo cobrado pelo outro país.

5. O Movimento de Adesão à OCDE e o Impacto nas Regras


Atuais de Preços de Transferência

Em 2019, a Receita Federal do Brasil apresentou um rela-


tório106 elaborado em conjunto com a divisão de preços de transfe-
rência da OCDE onde foram colocadas recomendações de política
tributária e as características de um novo sistema de preços de trans-
ferência a ser implementado no Brasil. O relatório era o ponto alto
de um projeto que teve a duração de 02 anos e buscou estudar as
diferenças entre o regime vigente de preços de transferência e o mo-
delo recomendado pela OCDE.

105 EISGRUBER, Thomas; GREIL, Stefan. Taxing the Digital Economy: A


Case Study on the Unified Approach. Intertax, v. 49, Issue 1 (2021).
106 OECD/Receita Federal do Brasil. Transfer Pricing in Brazil: Towards Con-

vergence with the OECD Standard, OECD, Paris. Disponível em:


www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-in-brazil-towards-conver-
gence-with-the-oecd-standard.htm. Acesso em 1.11.2022.

94
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

O relatório evidenciou o fato que a nova legislação a ser


potencialmente apresentada traria a aplicação do padrão at arm´s
length para o regime atual, com o objetivo de ser a pedra fundamen-
tal do novo regime. Dentre as suas conclusões, percebe-se que a
nova legislação deveria ter uma parte geral que seria o “guia” para
aplicação do arm´s length para o novo regime, promovendo o de-
vido alinhamento com as Transfer Pricing Guidelines da OCDE, o
que por si só já é uma tarefa bastante difícil entre a promoção da
segurança jurídica, tida por muitos como a melhor característica do
sistema atual brasileiro e a necessidade de julgamento empresarial
que está presente na aplicação do já citado standard.
O ponto principal trazido por tal relatório passa pela de-
terminação dos métodos disponíveis, que agora se aproximarão do
que as guidelines da OCDE oferecem, principalmente no que diz
respeito à adoção dos métodos de lucro transacionais, como os já
citados Método da Margem Líquida Transacional e o Método da Di-
visão de Lucros (respectivamente, “Transaction Net Margin Me-
thod” e “Profit Split Method”). O regime também trará previsão
para utilização de outros métodos que possam facilitar a aproxima-
ção da norma com a realidade econômica das transações.
Em realidade, a inclusão de métodos de margem transaci-
onais faz sentido para a melhoria do regime brasileiro. O Brasil, ape-
sar de tudo, sempre atuou como um dos maiores apoiadores da so-
lução de dois pilares que resultou do acordo tributário global fir-
mado em outubro de 2021, ainda que a adoção do Pilar 01 não fosse
possível com o regime jurídico existente.

6. O Método das Margens de Lucro Transacionais

As diretrizes de preços de transferência da OCDE expli-


cam que os métodos de “lucros transacionais”, que são os já citados
“métodos da margem líquida transacional” e o “método da divisão
de lucros” são métodos focados na análise específica da lucrativi-
dade derivada de transações específicas com partes relacionadas.
95
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Tais métodos baseiam-se em premissas de que permitir uma compa-


ração entre transações controladas com transações comparáveis que
não sejam controladas.
Por definição, o método da margem liquida transacional
sempre examinará a lucratividade líquida relativa a uma base apro-
priada, que pode ser de custos, vendas ou ativos. O retorno sobre um
ativo, por exemplo, pode ser uma base apropriada de comparação de
lucratividade por exemplo, se considerarmos o dinheiro empregado
na sua aquisição como um investimento que teria um retorno espe-
rado. Entretanto, não será possível aplicar o método caso alguma das
partes realize uma contribuição “única” para a transação, razão pela
qual será mais difícil obter uma comparabilidade para esta operação
São citados como exemplos de indicadores de lucro líquido o re-
torno sobre os ativos, a proporção entre receita operacional e vendas,
além de outros indicadores de lucro líquido disponíveis na econo-
mia.
O método será aplicado sempre com relação a uma das
partes testadas e pode requerer ajustes específicos, relacionados ao
mercado de atuação ou algum outro fator que atrapalhe a compara-
ção de lucratividade. As guidelines citam, inclusive, fatores exóge-
nos a afetar a aplicação do método, como novos competidores, ges-
tão e administração, diferenças no custo de capital, etc. A seleção do
indicador de lucro líquido é bastante difícil e sujeita a julgamentos,
uma vez que a determinação do “mais adequado” pode exigir uma
análise centrada em fatores intangíveis. Logicamente, a comparação
de lucratividade também deve considerar variações cambiais, mo-
netárias e diferenças de contabilidade.

7. O Método da Divisão dos Lucros

O método da divisão de lucros já é o método mais aplicá-


vel também aos testes sugeridos no Pilar 1, podemos perceber isso
pela leitura do relatório. As Transfer Pricing Guidelines da OCDE
explicam que o método primeiramente busca identificar os lucros
96
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

que devem ser divididos nas transações “controladas” para, em se-


guida, efetuar a divisão com base em premissas economicamente
determinadas a aproximar os resultados ou lucros que seriam obti-
dos numa transação entre partes independente. O método da divisão
de lucros fora designado, no início, como um “quarto método”,
tendo em vista que fugia dos outros métodos-padrão: preços inde-
pendentes comparados (comparable uncontrolled price), preço de
revenda (resale price method) e custo mais margem (cost-plus me-
thod). Como explica Rafferty, a sua definição é bastante simples,
com a determinação de um lucro líquido derivado de transações de
vendas entre entidades mantidas sobre controle comum, com uma
repartição de lucros ocorrendo entre tais entidades de uma maneira
“justa e razoável”107.
O método da divisão de lucros é de fácil aplicação, mas
não está previsto na legislação brasileira. Numa operação envol-
vendo a revenda de bens ou serviços digitais, a companhia brasileira
estaria fadada a buscar o preço praticado entre partes independentes
– como numa venda direta a um consumidor final não relacionado,
para fins de aplicação do PIC, ou ainda, na sua ausência, um cálculo
de trás para a frente para fins de aplicação do PRL – o que nem
sempre é adequado e pode consumir toda a margem de lucro da tran-
sação como um todo (nem sempre a parte relacionada consegue ob-
ter uma lucratividade superior a 20%, por exemplo). Na divisão de
lucros, sendo o Brasil mero revendedor, a lucratividade desta subsi-
diária brasileira seria bem inferior aos 20% previstos em lei, justa-
mente pela baixa contribuição ao resultado final da transação. Além
disso, nem sempre este método é o mais adequado. Observa-se que
o método da divisão de lucros jamais poderá ser tratado como mé-
todo mais apropriado somente por conta de uma suposta ausência de
transações comparáveis. Como explica Kobestsky108, transações

107 RAFFERTY, James G. The Profit-Split Method of Income Allocation in In-


tercompany Pricing Disputes: The Eli Lilly Case. Taxes - The Tax Magazine,
v. 64, n. 10, out/1986, pp. 662-671.
108 KOBETSKY, Michael. The Transfer-Pricing Profit-Split Method after

BEPS: Back to the Future. Canadian Tax Journal, HeinOnline, v. 67, n. 4, 2019.
pp. 1077-1106.

97
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

comparáveis não controladas estão normalmente indisponíveis em


algumas situações em que o método da divisão de lucros acaba
sendo método mais apropriado, como em situações que envolvam
um alto nível de integração entre as entidades envolvidas, ou em
situações envolvendo intangíveis de alto valor agregado, onde enti-
dades acabam compartilhando de riscos que estejam economica-
mente relacionados.

8. Considerações Finais

Como demonstramos, a legislação brasileira de preços de


transferência ainda não possui previsão para aplicação dos métodos
transacionais da margem líquida e da divisão de lucros. Em que pese
toda aproximação realizada pelo país nos últimos nos para aproxi-
mar-se da organização e conferindo o apoio necessário para a con-
clusão do Global Tax Deal no âmbito do Inclusive Framework, sem
a modificação do regime atual de preços de transferência será im-
possível para que o Brasil aceite a aplicação do Pilar 01 sobre suas
multinacionais, bem como intente alcançar transações realizadas por
multinacionais estrangeiras que tenham o Brasil como jurisdição do
mercado.

98
Capítulo 4
Pilar 2: Impactos Fiscais para os Grupo Multinacionais com
Controladores Finais no Brasil

Contribuições: Stephanie Jane Makin


Gabriel Nassar Lacerda

1. Considerações Iniciais

Um dos principais focos de estudo do direito tributário in-


ternacional atualmente é o impacto decorrente da digitalização da
economia mundial nos sistemas tributários. As preocupações de tais
impactos giram em torno, principalmente, da capacidade dos siste-
mas tributários em suportar tais mudanças na velocidade ímpar com
que ocorrem e na sua habilidade de prevenir a prática de atos que
resultem na erosão da base tributária em profit shifting (alocação
seletiva de lucro109).
Tendo em mente essa conjectura e na busca de uma solu-
ção global, a OCDE e o G20 construíram um Plano de Ação, com-
posto por 15 ações, para o combate à Erosão da Base Tributária e à
Alocação Seletiva de Lucros (Base Erosion and Profit Shifting –
BEPS), culminando na publicação de um relatório em 2015.

109Profit Shifting (ou alocação seletiva dos lucros) é uma prática que objetiva
a alocação de lucros de empresas de um determinado grupo multinacional lo-
calizadas em jurisdições com alta tributação a jurisdições de baixa tributação.
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

O estudo a ser feito no presente trabalho irá permear a


análise da Ação 01110, que lidera o plano BEPS e tratou sobre os
desafios trazidos pela digitalização da economia, propondo uma so-
lução de dois pilares (Pillar One e Pillar Two; neste texto em sua
tradução em português). O foco específico do presente trabalho será
a análise/estudo do Pilar 2.
Nesse cenário, o que se pretende neste estudo é avaliar as
diversas e recentes discussões sobre o Pilar 2, à luz inclusive da
potencial acessão do Brasil à OCDE. Serão explorados os pontos de
conflito entre as regras modelo propostas pela OCDE/G20 para a
implementação do Pilar 2 nas jurisdições domésticas e a atual legis-
lação brasileira de tributação de lucros auferidos no exterior.
Iniciaremos o nosso estudo abordando o contexto das re-
gras modelo propostas para a implementação do Pilar 2, as suas
principais características, escopo, forma de cálculo, métodos de
aplicação, abordando algumas das discussões tidas no cenário inter-
nacional. Para fins de comparabilidade, analisaremos o contexto e
atuais discussões envolvendo as regras de tributação de lucros aufe-
ridos no exterior, reguladas pela Lei nº 12.973/14.
Como iremos demonstrar, as regras brasileiras de tributa-
ção de lucros auferidos no exterior demandam que as pessoas jurí-
dicas brasileiras considerem, no cálculo do Imposto de Renda da
Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Lí-
quido (CSLL), os lucros auferidos no exterior por suas controladas
diretas ou indiretas, independentemente da sua localização, tipo de
renda (ativa/passiva) ou nível de tributação.
A análise depurada das características da referida legisla-
ção doméstica é essencial para o estudo das possíveis implicações,
para aquelas estruturas de grupos multinacionais que possuem em-
presas brasileiras como controlador final, decorrentes da implemen-
tação, a nível mundial, das regras modelo do Pilar 2. Nesse sentido,
a análise dos possíveis efeitos no exterior caso as empresas brasilei-

110 OCDE. BEPS Actions. Paris: OECD Publishing, 2022.

100
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

ras detidas por acionistas estrangeiros (direta ou indiretamente) se-


jam consideradas como investidas sediadas em jurisdições de baixa
tributação não é objeto do presente estudo.

2. Contexto das Regras GloBE

Como mencionamos acima, o Plano BEPS publicado pela


OCDE consistiu em 15 ações coordenadas publicadas em 2015 e
que endereçaram propostas de práticas e regras a serem implemen-
tadas pelos países a fim de tratar da evasão fiscal, estabelecer coe-
rência entre normas locais aplicáveis a operações internacionais e
melhorar a transparência e segurança jurídica entre os países perten-
centes a essa economia global, sendo elas:
Ação 1: Abordar os desafios fiscais da economia digital
Ação 2: Neutralizar os efeitos dos instrumentos híbridos
Ação 3: Reforçar as normas relativas às SEC (Sociedades
Estrangeiras Controladas)
Ação 4: Limitar a erosão da base tributária através da de-
dução de juros e outras compensações financeiras
Ação 5: Combater de modo mais eficaz as práticas tribu-
tárias prejudiciais, tendo em conta a transparência e a
substância
Ação 6: Prevenir a utilização abusiva dos acordos para
evitar a dupla tributação
Ação 7: Prevenir que o status de Estabelecimento Perma-
nente seja artificialmente evitado
Ação 8-10: Garantir que os resultados dos preços de
transferência estejam alinhados com a criação de valor
Ação 11: Estabelecer metodologias para coletar e analisar
os dados sobre os fenômenos econômicos da erosão da
base tributária e da transferência de lucros e as ações para
remediá-los

101
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Ação 12: Exigir que os contribuintes revelem os seus es-


quemas de planejamento tributário agressivo
Ação 13: Reexaminar a documentação de preços de trans-
ferência
Ação 14: Tornar mais efetivos os instrumentos de resolu-
ção das disputas
Ação 15: Desenvolver um instrumento multilateral
Portanto, a Ação 1 do BEPS apresentou os possíveis ca-
minhos a serem seguidos sem, contudo, em um primeiro momento,
chegar a uma conclusão definitiva sobre as soluções a serem imple-
mentadas111.
Posteriormente, após realizadas algumas reuniões e con-
sultas públicas sobre o tema, coube ao Quadro Inclusivo da
OCDE/G20112 propor as alternativas para enfrentar os desafios fis-
cais decorrentes da digitalização da economia. Em 08/10/2021, as
135 jurisdições do Quadro Inclusivo da OCDE/G20 concordaram
com a solução de dois pilares, consistente:
- Pilar 1: objetiva uma alocação justa dos lucros au-
feridos pelas empresas multinacionais, de forma
que tais valores sejam alocados na jurisdição rela-
cionada com o seu mercado consumidor; e
- Pilar 2: visa a inclusão de uma regra de tributação
mínima global sobre os grupos multinacionais.
Após diversas discussões sobre o tema, em 14/12/2021
foram aprovadas as Regras Modelo do Pilar 2 (i.e., Global anti-Base

111 OCDE. Action 1 Tax Challenges Arising from Digitalisation. Paris: OECD
Publishing, 2022.
112 O Quadro inclusivo da OCDE/G20 é composto por outros países que não

fazem parte da OCDE e nem do G20. Ao abranger um número maior de países


nas discussões referentes às ações do BEPS, objetivou-se uma participação
ativa e igualitária de tais países no processo de elaboração das regras/diretivas,
auxiliando na sua implementação à nível mundial.

102
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Erosion - Regras GloBE)113, sendo essas sobre as quais iremos nos


aprofundar no presente estudo. Conforme declaração da própria
OCDE114, as regras modelo do Pilar 2 objetivam ser um guia para a
construção das normas a serem internalizadas nas jurisdições signa-
tárias (dentre elas, o Brasil).
Conforme acordado pelos países signatários, a implemen-
tação das Regras GloBE não será obrigatória, contudo, caso deci-
dam por sua implementação, ela deverá ocorrer a luz das regras mo-
delos GloBE publicadas em 14/12/2021, inclusive com a aceitação
da aplicação das regras GloBE impostas por outras jurisdições.115
Na visão do Quadro Inclusivo, tais regras seriam implementadas pe-
las jurisdições até 2023.
Como pioneira no processo de internalização, a União Eu-
ropeia (UE), em 22/12/2021, publicou uma Proposta de Diretiva
para uma implementação coerente das Regras do GloBE aos Esta-
dos-membros da UE. Até o presente momento, a diretiva publicada
ainda não foi adotada pelos países membros da UE, por não ter ob-
tido a aprovação unânime necessária para sua implementação116. Em
vista das barreiras enfrentadas para a por todos os membros da UE,
5 de seus membros (Alemanha, Espanha, França, Holanda e Itália)
apresentaram formalmente sua intenção na implementação por to-
dos os meios legais possíveis até 2023, caso não consigam a apro-
vação unanime dos membros da UE até 2023117.

113 OCDE. Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy –
Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pilar 2): Inclusive Framework on
BEPS. Paris: OECD Publishing, 2021.
114 OCDE. The Pilar 2 Rules in a Nutshell. Paris: OECD Publishing, 2021.

115 Declaração sobre uma solução de dois pilares para enfrentar os desafios fis-

cais decorrentes da digitalização da economia. OECD, 2021.


116 ERNST YOUNG. Finance Ministers are unable to adopt Pilar 2 Directive

as Hungary changes position, EY Global Tax Alert, 2022.


117 MINISTERO DELL’ECONOMIA E DELLE FINANZE. Joint statement by

France, Germany, Italy, Netherlands and Spain. Roma, 2022.

103
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

3. Regras GloBE

3.1. Objetivo

Em resumo, as Regras GloBE têm como objetivo assegu-


rar uma carga tributária efetiva de, no mínimo, de 15% para cada
uma das entidades integrantes do Grupo Multinacional, independen-
temente da jurisdição em que esteja localizada.
Nas palavras de Luís Eduardo Schoueri e Pedro Gui-
lherme Lindenberg Schoueri118:

O segundo Pilar dos trabalhos nasce da percepção


de membros da Inclusive Framework de que as me-
didas tomadas no projeto BEPS ainda não foram su-
ficientes para afastar o risco advindo de estruturas
que carreguem lucros gerados em determinada ju-
risdição para outras que ofereçam baixa carga tri-
butária. Assim, a ideia central do Pilar 2 é de confe-
rir aos países a habilidade de tributar lucros das em-
presas, nos casos em que a outra jurisdição os tri-
bute a uma alíquota efetiva considerada muito
baixa. Assim, a proposta combateria a chamada
race to the bottom, uma ambição antiga da OCDE,
e protegeria países em desenvolvimento contra a
pressão da comunidade empresarial pela oferta de
incentivos ineficientes.

118 SCHOEURI, Luís Eduardo; SCHOEURI, Pedro Guilherme Lindenberg. No-


vas Fundações do Direito Tributário Internacional? A OCDE, Seus Pilares I e
II e a Covid-19. In: 8º Congresso Brasileiro de Direito Tributário Internacional:
novos paradigmas da tributação internacional e a COVID-19, 16, 17, 18 de se-
tembro de 2020 em São Paulo, SP. Coordenadores: Luís Eduardo Schoueri,
Luís Flávio Neto, Rodrigo Maito da Silveira. São Paulo, IBDT, 2020.

104
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

A carga tributária efetiva mínima de 15% será assegurada


mediante a implementação de um imposto complementar sobre os
lucros das entidades pertencentes ao Grupo Multinacional que sejam
consideradas como de baixa tributação (i.e., alíquota efetiva – Effec-
tive Tax Rate – ETR – mínima inferior a 15%).
Como regra geral, o Controlador Final do Grupo Multina-
cional será o responsável pelo recolhimento do imposto comple-
mentar (Top-Up Tax). A depender da adoção das Regras GloBE pelo
Controlador Final, outras entidades integrantes do Grupo Multina-
cional poderão ser indicadas como as responsáveis por esse recolhi-
mento.
Em um estudo conduzido por Jeffrey Owens e colabora-
dores119, conclui-se que:

(...) o imposto mínimo é um mecanismo alternativo


desenhado para atuar em conjunto com as regras re-
lativas ao imposto sobre a renda corporativo (CIT),
o que significa que as Regras GloBE não restringem
os países de adotarem certas medidas que reduzam
a carga tributária efetiva no seu território.
Embora inicialmente previsto tanto para frear a cor-
rida abusiva para diminuição do CIT como parar es-
tabelecer um patamar para competição tributária
entre jurisdições, o foco no GloBE não é proibir os
países de adotarem incentivos fiscais ou alíquotas
reduzidas de CIT, mas sim garantir que todos os
grandes grupos multinacionais paguem um mínimo
de imposto, independentemente da jurisdição em que
sediados ou em que possuam operação.
Isso pode ser visto pelo fato de que nem as Regras
Modelo e nem os Comentários da OCDE mencionam

119 LIOTTI, Belisa Ferreira; NDUBAI, Joy Waruguru; WAMUYU, Ruth; LA-
ZAROV; Ivan; OWENS, Jeffrey. The Treatment of Tax Incentives under Pilar
2. In: Transnational Corporations, v. 29, Issue 2, ago/2022. pp. 25-46.

105
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

expressamente que os países não podem mais adotar


incentivos fiscais, ou que devem alterar os seus sis-
temas de CIT impondo uma tributação mínima de
15%. Em vez disso, caso decida-se por sua interna-
lização, as Regras GloBE atuarão em complemento
aos sistemas de CIT garantindo que os Grupos Mul-
tinacionais paguem ao menos 15% de imposto sobre
o excess profit em cada jurisdição em que as entida-
des integrantes do grupo tiverem operação. Isso sig-
nifica que as jurisdições ainda são “livres” para
adotar incentivos fiscais e alíquotas reduzidas de
CIT inferiores a 15%, contudo essas medidas correm
o risco de serem afetadas pela aplicação das Regras
GloBE pela jurisdição do controlador final.120

Logo, muito embora as Regras GloBE não tenham como


um de seus objetivos eliminar os incentivos fiscais previstos em al-
gumas jurisdições, é possível que a formatação das Regras GloBE

120 Traduzido do original em inglês:


“Therefore, the minimum tax is an alternative mechanism designed to act in
parallel to existing corporate income tax (CIT) systems, which means that the
GloBE Rules do not directly restrict countries from having certain measures
that reduce the effective corporate tax liability in their territory. While first en-
visaged to both stop a harmful race to the bottom on CITs and to set up a “floor
to tax competition among jurisdictions”, the focus on GloBE is not to directly
prohibit countries to adopt tax incentives or reduced CIT tax rates, but rather
to ensure that all large internationally operating businesses pay a minimum
level of tax, irrespective of where they are headquartered or the jurisdictions
they operate in.
This can be seen from the fact that neither the Model Rules nor the Commentary
explicitly mention that countries are no longer allowed to adopt incentives, or
have to change their CIT systems to impose a rate of at least 15%. Instead, if
implemented domestically, the GloBE Rules will act in parallel to CIT systems
to ensure that MNE Groups pay at least 15% tax on excess profit in every ju-
risdiction their Constituent Entities operate. This means that jurisdictions are
still “free” to adopt tax incentives and CIT rates below 15%, but these
measures risk being affected by the application of the GloBE Rules by the UPE
jurisdiction.”

106
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

acabe inviabilizando a instituição desses benefícios. A eventual re-


dução de carga tributária em uma jurisdição incentivada acabaria
por ser eliminada pela carga adicional imposta na jurisdição do Con-
trolador Final, reduzindo o interesse nesse tipo de configuração.

3.2. Escopo de aplicação das Regras GloBE

A primeira premissa que se deve ter em mente ao analisar


as regras GloBE é que as referidas regras não objetivam atingir to-
dos os Grupos Multinacionais. Tendo em vista que tais regras são
uma resposta às complicações geradas pela digitalização/globaliza-
ção da economia, as regras GloBE, prevê abarcariam somente os
Grupos Multinacionais que, simultaneamente, tenham: (i) presença
internacional; e (ii) tenham auferido receita anual de 750 milhões de
Euros (ou mais) – limite baseado nas regras de Country by Country
Report (Ação 13 do BEPS).
O limite anual de 750 milhões de Euros será verificado
com base nas Demonstrações Financeiras (DFs) Consolidadas do
Controlador Final121 (Ultimate Parent Entity - UPE) do Grupo Mul-
tinacional. O Grupo multinacional deverá atingir o limite em, pelo
menos, dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores sob
análise.
Além das excludentes acima, as Regras GloBE também
excluem do seu escopo de aplicação algumas empresas devido a sua
natureza/finalidade, como, por exemplo:
- Entidade Governamental;
- Organização Internacional;
- Organização sem fins lucrativos;
- Fundo de Pensão;

121De acordo com as regras GloBE, o Controlador Final é a Entidade que, cu-
mulativamente, detém o controle societário de qualquer outra entidade e não é
controlada, direta ou indiretamente, por qualquer outra Entidade.

107
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

- Fundo de Investimento - como Controlador Final;


e
- Veículo de Investimento Imobiliário – como Con-
trolador Final.

3.3. Cálculo da Effective Tax Rate (ETR) e do Imposto


Complementar (Top-Up Tax)

Para aqueles Grupos Multinacionais que estão dentro do


escopo de aplicação das Regras GloBE, a primeira etapa será iden-
tificar quais são as empresas dentro do seu grupo que estão estabe-
lecidas em jurisdições consideradas como de baixa tributação (Low-
Tax Jurisdiction), ou seja, com uma ETR inferior a tributação mí-
nima de 15% objetivada pelas Regras GloBE.
Para o cálculo da ETR, as Regras GloBE descrevem as
análises a serem feitas e critérios a serem obedecidos, os quais su-
marizamos no quadro abaixo:

Descrição
Refere-se as despesas com os “tributos cober-
tos” (covered taxes) incorridas no ano fiscal
pela entidade integrante do Grupo Multinacio-
Adjusted Covered
A nal e ajustadas por adições/exclusões (e.g., tri-
Taxes
butos diferidos). Correspondem a quaisquer tri-
butos incidentes sobre a renda ou lucros de uma
entidade.
Em suma, trata-se do Lucro Líquido antes do
Net GloBE In- IRPJ e CSLL (LAIR). Contudo, é importante
B
come salientar que as receitas e as despesas da enti-
dade deverão sofrer alguns ajustes específicos.
Alíquota efetiva da entidade integrante do
ETR (%) C=A/B
Grupo Multinacional.

Após o Cálculo da ETR, caso a jurisdição analisada pos-


sua uma tributação efetiva inferior a 15%, deverá ser calculado o

108
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

imposto complementar (Top-up Tax) para assim assegurar a tributa-


ção mínima de 15% em todas as jurisdições em que o Grupo Multi-
nacional atua. O cálculo do imposto complementar seria feito da se-
guinte forma:

Net GloBE In-


B -
come
A “Exclusão de Renda Baseada em Substân-
cia” corresponde a exclusões do Net GloBE
Substance-ba-
Income baseados em folha de pagamento
sed Income G
(i.e., 5% dos custos elegíveis da folha de pa-
exclusion
gamento) e em ativos tangíveis (i.e., 5% do
valor contábil)
Valor (positivo) decorrente da diferença entre
Excess Profit H=B-G
Net GloBE Income e as exclusões acima

Top-up Tax
E -
(%)
Excess Profit H -
Additional Impostos complementares decorrentes de re-
Current Top- I cálculos de anos anteriores que serão realiza-
up Tax dos em determinados casos.
O Imposto Complementar Doméstico é
aquele previsto pela legislação doméstica que
Domestic
J impõe uma tributação mínima sobre o Excess
Top-up Tax
Profit das entidades localizadas na jurisdição,
de forma equivalente às Regras GloBE.
Top-up Tax K=(E*H)+I-
($) J

3.4. Income Inclusion Rule (IIR) e Undertaxed Payments Rule


(UTPR)

Após a determinação do imposto complementar que será


devido sobre os lucros auferidos nas jurisdições consideradas como

109
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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de baixa tributação, as Regras GloBE apresentam 2 principais mé-


todos pelos quais os Grupos Multinacionais deverão garantir a tri-
butação mínima de 15% sobre o lucro auferido em cada uma das
jurisdições: o Income inclusion Rule (IIR) e, subsidiariamente, o
Undertaxed Payment Rule (UTPR).

IIR
Sob esta metodologia principal, o Controlador Final do
Grupo Multinacional é indicado como a entidade integrante do
Grupo Multinacional responsável por recolher o imposto comple-
mentar sobre os lucros auferidos por uma entidade localizada em
uma jurisdição considerada como de baixa tributação.
Apesar da regra geral do IIR priorizar o Controlador Final
como responsável pelo pagamento do imposto complementar, as
Regras GloBE determinam que caso o Controlador Final esteja lo-
calizado em uma jurisdição que ainda não tenha implementado o
IIR, a responsabilidade pelo pagamento do imposto complementar
deverá recair sobre a entidade que é diretamente detida e controlada
pelo Controlador Final, e assim por diante, na cadeia societária122
(the top-down approach).

UTPR
A regra geral para identificação do responsável pelo reco-
lhimento do imposto complementar é a IIR, resultando na imputação
da responsabilidade ao Controlador Final. Contudo, as Regras
GloBE também definiram uma regra de “proteção” (backstop) que
será aplicada caso se verifique que, mesmo após a aplicação do IIR,
a ETR do Grupo Multinacional é inferior a 15%. Esse mecanismo
pode consistir na indedutibilidade de despesas ou ajuste equivalente,
resultando em uma carga tributária maior.

122OCDE. Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy –


Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pilar 2): Inclusive Framework on
BEPS. Paris: OECD Publishing, 2021, Article 2.1, p. 12.

110
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

4. Regras Brasileiras de Tributação de Lucros Auferidos no


Exterior

A partir de 1º de janeiro de 1996, o Brasil passou a adotar


o sistema de tributação em bases universais (princípio da universa-
lidade) com o artigo 25 da Lei nº 9.249/1995. À luz desse princípio,
as pessoas jurídicas brasileiras que mantenham filiais e/ou sucursais
no exterior e investimentos em outras pessoas jurídicas domiciliadas
no exterior terão os rendimentos e lucros auferidos no exterior tri-
butados nos UE país de domicílio (bem como no país onde está lo-
calizada a filial, sucursal ou investida no exterior).
Nas palavras de Alberto Xavier123:

No polo oposto ao princípio da territorialidade si-


tua-se o princípio da universalidade (ou do world-
wide-income), segundo o qual toda a renda da pes-
soa jurídica deve ser tributada no país de domicílio,
incluindo a renda externa, seja esta decorrente de
atividade funcional ou jurídica, seja esta obtida
através de filiais ou de subsidiárias.

Muito embora a tributação em bases universais tenha sido


inicialmente introduzida na legislação brasileira pelo artigo 25 da
Lei nº 9.249/1995 (ainda em vigor), a tributação de lucros auferidos
no exterior é atualmente regida pela Lei nº 12.973/14 e pela Instru-
ção Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.520/2014.
Em resumo, a tributação dos lucros auferidos por contro-
ladas (diretas ou indiretas) no exterior se dá da seguinte forma:

123XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2015, p. 367.

111
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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1 a pessoa jurídica controladora (ou a equiparada a


controladora124) domiciliada no Brasil deverá “registrar
em subcontas da conta de investimentos em controlada
direta no exterior, de forma individualizada, o resultado
contábil na variação do valor do investimento equivalente
aos lucros ou prejuízos auferidos pela própria controlada
direta e suas controladas, direta ou indiretamente, no
Brasil ou no exterior, relativo ao ano-calendário em que
foram apurados em balanço, observada a proporção de
sua participação em cada controlada, direta ou indi-
reta”125. Tal variação do valor do investimento será con-
vertida em reais com base na taxa de câmbio da moeda do
país de origem para venda correspondente à data do le-
vantamento do balanço da controlada126;
2 a pessoa jurídica controladora domiciliada no Bra-
sil deverá incluir na base de cálculo do IRPJ e da CSLL a
“parcela do ajuste do valor do investimento em contro-
lada, direta ou indireta, domiciliada no exterior equiva-
lente aos lucros por ela auferidos antes do imposto sobre
a renda”127;
3 os prejuízos apurados pelas controladas somente
poderão ser compensados com lucros futuros auferidos
pela mesma controlada (direta ou indireta);
4 até o ano de 2022128, a pessoa jurídica controladora
domiciliada no Brasil poderá consolidar as parcelas de
ajuste do valor do investimento em controlada129, desde

124 Art. 83, Lei nº 12.973/2014.


125 Art. 76, Lei nº 12.973/2014.
126 Art. 76, § 2º, Lei nº 12.973/2014.

127 Art. 77, caput, da Lei nº 12.973/2014.

128 É aguardada a publicação de norma estendendo a data limite para a consoli-

dação de resultados de controladas no exterior.


129 Art. 78, Lei nº 12.973/2014.

112
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

que observadas determinadas condições130. O resultado


positivo da consolidação deverá ser adicionado na apura-
ção do IRPJ e da CSLL e, em caso de resultado negativo,
as parcelas negativas utilizadas na consolidação deverão
ser informadas à RFB; e
5 caso não se utilize a consolidação, a parcela posi-
tiva do ajuste do valor do investimento em controlada, di-
reta ou indireta, domiciliada no exterior “equivalente aos
lucros” deverá ser adicionada, de forma individualizada,
ao lucro líquido em 31/12 do ano-calendário em que os
lucros tenham sido apurados pela controlada no exterior,
para fins de apuração do IRPJ e da CSLL131.

Assim como os demais resultados apurados pela contro-


ladora brasileira, os lucros auferidos por controladas domiciliadas
no exterior adicionados à base de cálculo do IRPJ e CSLL poderão
ser compensados com os prejuízos fiscais correntes incorridos pela
controladora brasileira (se houver), sem restrições, e com os prejuí-
zos fiscais acumulados até o limite de 30% do lucro real/resultado
ajustado.

130 Desde que as pessoas jurídicas controladas no exterior não (art. 78, Lei nº
12.973/2014):
I - estejam situadas em país com o qual o Brasil não mantenha acordo ou ato
com cláusula específica para troca de informações para fins tributários (ou a
controladora no Brasil disponibilize a contabilidade societária em meio digital
e a documentação de suporte da escrituração, na forma e prazo estabelecidos
pela RFB;
II - estejam localizadas em paraíso fiscal, ou sejam beneficiárias de regime fis-
cal privilegiado, ou estejam submetidas a regime de tributação (aquele que tri-
buta os lucros a uma alíquota nominal inferior a 20%, conforme art. 84, III, Lei
nº 12.973/2014);
III - sejam controladas, direta ou indiretamente, por pessoa jurídica submetida
a tratamento tributário previsto no inciso II do caput; ou
IV - tenham renda ativa própria inferior a 80% da renda total (art. 84, Lei nº
12.973/2014).
131 Art. 79, I, Lei nº 12.973/2014.

113
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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Com relação aos impostos pagos no exterior por controla-


das diretas e indiretas da pessoa jurídica brasileira e por filiais ou
sucursais no exterior, o artigo 87 da Lei nº 12.973/2014 prevê que:

A pessoa jurídica poderá deduzir, na proporção de


sua participação, o imposto sobre a renda pago no
exterior pela controlada direta ou indireta, incidente
sobre as parcelas positivas computadas na determi-
nação do lucro real da controladora no Brasil, até o
limite dos tributos sobre a renda incidentes no Brasil
sobre as referidas parcelas.

A legislação determina que o cálculo do limite do imposto


compensável no Brasil deverá ser feito de forma individualizada por
controlada, sendo vedada a consolidação dos valores de impostos
correspondentes a diversas controladas, salvo na hipótese de conso-
lidação de resultados das referidas controladas para fins de tributa-
ção132.
Em resumo, as regras exigem que o limite do tributo pago
no exterior passível de compensação no Brasil também não poderá
exceder os valores: (i) do imposto pago no exterior, correspondente
aos lucros do exterior que houverem sido computados na determi-
nação do lucro real; e (ii) do IRPJ devido sobre o lucro real antes e
após a inclusão dos lucros auferidos no exterior mencionado no item
(i) acima.
A Lei nº 12.973/2014 e a IN RFB nº 1.520/2014 também
instituíram um crédito presumido de 9% a ser compensado contra o
IRPJ e a CSLL devidos sobre lucros auferidos no exterior por pes-
soas jurídicas no exterior que desenvolvam certas atividades (fabri-
cação de bebidas; fabricação de produtos alimentícios; construção
de edifícios e de obras de infraestrutura; indústria de transformação;
extração de minérios e demais indústrias extrativistas; exploração,

132 Art. 87, § 3º, Lei nº 12.973/2014 e art. 25, § 3º, IN RFB nº 1.520/2014.

114
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

sob concessão, de bem público localizado no país de domicílio da


controlada), desde que cumpridas determinadas condições133.
Para compreendermos os possíveis efeitos das regras bra-
sileiras de tributação de lucros auferidos no exterior descritas acima
no atual contexto de introdução de Regras GloBE por outros países,
cabe compreender os objetivos da referida norma brasileira.
Ao tratar sobre os objetivos das alterações promovidas
pela Lei nº 12.973/2014, Alberto Xavier134 entende que:

A sistemática da nova lei, que foi muito além do re-


gime de transparência fiscal internacional introdu-
zida pela Lei nº 9.249/1995, visou essencialmente a
um duplo objetivo: (i) evitar que prejuízos incorri-
dos no exterior, diretamente ou indiretamente, ero-
dissem a base de tributação das sociedades investi-
doras brasileiras; e (ii) dificultar tecnicamente a in-
terposição de entidades domiciliadas em países sig-
natários de tratados contra a dupla tributação con-
tendo cláusulas proibitivas ou limitativas das pre-
tensões fiscais do Brasil enquanto país de residência
da investidora no exterior.

Nesse contexto, Grupos Multinacionais que tenham por


Controlador Final pessoa jurídica brasileira estão sujeitos à tributa-
ção no Brasil, pelo IRPJ e pela CSLL, sobre os lucros auferidos por
cada uma das controladas diretas e indiretas no exterior, indepen-
dentemente da jurisdição de domicílio da controlada, do grau de tri-
butação imposto por essa jurisdição, do reconhecimento de rendas
ativas e/ou passivas pela controlada e da adoção das Regras GloBE
pela jurisdição de domicílio das controladas.

133Até 2022. Art. 87, § 3º, Lei nº 12.973/2014 e art. 28, IN RFB nº 1.520/2014.
134XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 445.

115
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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Muito se discutiu, em âmbito doméstico, se as regras de


tributação de lucros auferidos no exterior introduzidas no Brasil po-
deriam ser enquadradas como regras de Controlled Foreign Com-
pany (CFC).
De acordo com Alberto Xavier135, as regras de CFC se-
riam, em essência, regras que possuem uma finalidade antielisiva e,
tendo como base o conceito de CFC definido nos Comentários da
OCDE e da ONU às suas Convenções Modelo, conclui que:

A expressão ‘regras CFC’ faz alusão a um tipo es-


pecífico de normas antiabuso que pressupõe para a
sua aplicação que a controlada estrangeira esteja
domiciliada em país de tributação favorecida e/ou
aufira apenas rendas passivas. A lei brasileira, con-
tudo, não se enquadra no conceito de regras da CFC
justamente porque se aplica a toda e qualquer con-
trolada e coligada estrangeira, independentemente
do país de seu domicílio ou da origem de seus rendi-
mentos. A Lei nº 12.973/2014 (tal como as leis ante-
riormente vigentes) também se aplica a toda e qual-
quer controlada ou coligada, sujeitas a tributação
automática, utilizando os critérios de localização da
empresa ou da natureza de atividades apenas para
efetuar restrições à concessão de regimes mais favo-
ráveis.
Todavia, a lei brasileira, em matéria de sociedades
controladas e coligadas no exterior, como já se
disse, adotou um sistema que se afasta totalmente do
tipo CFC, por não ter caráter excepcional nem fina-
lidade antielisiva, uma vez que concebe como regra
geral a tributação da totalidade do lucro das contro-
ladas ou coligadas no exterior, independentemente

135XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2015, p. 494.

116
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

da natureza dos rendimentos que o integram e do ní-


vel de tributação a que se sujeitam no país de seu
domicílio.

Sergio André Rocha136, por sua vez, tem uma interpreta-


ção oposta sobre o tema, baseando-se principalmente no Relatório
Final da Ação 3 do BEPS (que tratou especificamente sobre as re-
gras CFC). Conforme mencionado pelo autor, o referido relatório
definiu seis pilares para as regras CFC:

- Regras para definir uma CFC


- Exceções e limites para a aplicação de regras de
CFC
- Definição do lucro de uma CFC
- Regras para calcular o lucro de uma CFC
- Regras para atribuir lucro a uma CFC
- Regras para evitar a dupla tributação do lucro

Na visão do autor, o único item que não teria uma corre-


lação plena com as regras brasileiras seria o relativo às “Exceções e
limites para a aplicação de regras de CFC”. Isso porque as regras de
tributação de lucros auferidos no exterior possuem uma aplicação
ampla e, diferentemente das regras CFC, não seriam normas antie-
lisivas. Contudo, na visão de Sergio André Rocha, o não enquadra-
mento das normas como normas antielisivas não seria suficiente
para desqualificá-las como regras CFC:

136ROCHA, Sergio André. A tributação internacional na era pós-BEPS: solu-


ções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. V. 1. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 238.

117
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Nossa conclusão neste estudo é no sentido de que, de


um lado, as regras brasileiras de Tributação em Ba-
ses Universais são verdadeiras “regras CFC” es-
tando, de maneira geral, alinhadas às recomenda-
ções da OECD no Relatório Final da Ação 3 no Pro-
jeto BEPS. Porém, de outro lado, concluímos tam-
bém que tal caracterização não afasta, de forma al-
guma, a interpretação no sentido de que os Comen-
tários da OCDE e da ONU às suas Convenções Mo-
delo não consideraram sistemas como o Brasileiro
em sua formulação.

5. Possível Enquadramento das Regras Brasileiras de


Tributação de Lucros Auferidos no Exterior como Regras
GloBE

A despeito das discussões em âmbito doméstico com re-


lação ao enquadramento das regras brasileiras de tributação de lu-
cros auferidos no exterior como regras CFC, as Regras GloBE137
trazem uma definição de regras CFC para fins de verificação de po-
tencial conflito entre estas normas:

Regime Tributário da Sociedade Controlada Estran-


geira significa um conjunto de regras tributárias
(exceto IIR) sob as quais um acionista direto ou in-
direto de uma entidade estrangeira (a sociedade
controlada estrangeira ou CFC) está sujeito à tribu-
tação sobre parte ou a totalidade dos rendimentos

137OCDE. Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy –


Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pilar 2): Inclusive Framework on
BEPS. Paris: OECD Publishing, 2021, Article 2.1, p. 54.

118
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

auferidos pela CFC, independentemente de esses


rendimentos serem distribuídos ao acionista138.

É de se notar que, de certa forma, as regras GloBE são


similares às regras CFC, observando-se que as regras GloBE pos-
suem escopo potencialmente mais amplo.
Com relação à possibilidade de convivência entre as re-
gras GloBE e as regras CFC, a proposta de diretiva da UE já se de-
bruçou sobre o tema:

A implementação das Regras Modelo GloBE na


União Europeia (“UE”) pode ter implicações para
as disposições existentes da Diretiva Antielisão Fis-
cal (“ATAD”) e especificamente para as regras de
Sociedades Estrangeiras Controladas (“CFC”), que
poderiam interagir com a regra principal do Pilar 2
– o IIR. A Comissão explorou a melhor forma de
acomodar a interação entre o CFC da ATAD e o IIR
e concluiu que não é necessário alterar a ATAD a
este respeito. Além disso, é consistente com as re-
gras do Modelo da OCDE continuar a aplicar a re-
gra ATAD CFC em paralelo com as Regras do Mo-
delo GloBE. Na prática, as regras ATAD CFC serão
aplicadas primeiro e quaisquer tributos adicionais
pagos por uma controladora sob um regime CFC em
um determinado ano fiscal serão levados em consi-
deração nas Regras do Modelo GloBE, atribuindo-

138Traduzido do original em inglês:


“Controlled Foreign Company Tax Regime means a set of tax rules (other than
an IIR) under which a direct or indirect shareholder of a foreign entity (the
controlled foreign company or CFC) is subject to current taxation on its share
of part or all of the income earned by the CFC, irrespective of whether that
income is distributed currently to the shareholder.”

119
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

os à entidade com baixa tributação para o propósito


de calcular sua alíquota efetiva de imposto139.

Nesse mesmo sentido, é de se notar que foi expressamente


reconhecido no documento publicado com as Regras GloBE de que
as Regras GloBE e as regras recém-implementadas de global intan-
gible low-taxed income (GILTI) nos EUA - que preveem uma tribu-
tação mínima sobre os ganhos auferidos no exterior pelas multina-
cionais nos EUA - poderão coexistir.
Com a confirmação de que as regras CFC e que as Regras
GloBE devem coexistir, tendo sido estipulado inclusive uma ordem
de preferência entre elas (as regras CFC deverão ser aplicadas pri-
meiro), passamos a verificar agora se as regras brasileiras de tribu-
tação de lucros auferidos no exterior previstas pela Lei nº
12.973/2014 poderiam ser enquadradas como equivalentes à IIR
(Qualified IIR) nos termos das Regras GloBE.
Essa definição é de suma importância para fins da verifi-
cação dos impactos, para Grupos Multinacionais com Controlador
Final no Brasil, da adoção das Regras GloBE por jurisdições onde
estejam localizadas as investidas.
Isso porque, caso se considere que as regras brasileiras de
tributação de lucros auferidos no exterior não são equivalentes à IIR,

139Traduzido do original em inglês:


“The implementation of the GloBE Model Rules in the UE could have implica-
tions for existing provisions of the Anti-tax Avoidance Directive (ATAD) and
specifically for the Controlled Foreign Company (CFC) rules, which could in-
teract with the primary rule of Pillar 2 – the IIR. The Commission has explored
how to best accommodate the interaction between the CFC of the ATAD and
the IIR, and concluded that it is not necessary to amend the ATAD in this re-
gard. Moreover, it is consistent with the OECD Model Rules to continue the
application of the ATAD CFC rule in parallel to the GloBE Model Rules. In
practice, ATAD CFC rules will apply first and any additional taxes paid by a
parent company under a CFC regime in a given fiscal year will be taken into
consideration in the GloBE Model Rules by attributing those to the relevant
low-taxed entity for the purpose of computing its jurisdictional effective tax
rate.”

120
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

será entendido que o Controlador Final no Brasil do Grupo Multi-


nacional não está sujeito à Regras GloBE e, por esse motivo, as con-
troladas intermediárias localizadas em jurisdições que adotaram as
Regras GloBE (Intermediate Parent Entities – IPE) deveriam, a
princípio, assumir a responsabilidade pelo recolhimento do Top-Up
Tax correspondentes àquelas sociedades com ETR menor a 15%.
Se, por outro lado, as regras brasileiras de tributação de
lucros auferidos no exterior forem consideradas como regras equi-
valentes à IIR, a finalidade das Regras GloBE restaria cumprida
quando o Controlador Final do Grupo Multinacional estiver locali-
zado no Brasil. Por consequência, eventuais IPE pertencentes ao
Grupo Multinacional não estariam sujeitas a recolhimento de Top-
Up Tax, ainda que a sua jurisdição de domicílio tenha implementa-
dos as Regras GloBE.
Nota-se, portanto, a relevância da análise das regras bra-
sileiras para Grupos Multinacionais com Controlador Final no Bra-
sil ou, ainda, IPEs no Brasil, mesmo que o Brasil não tenha mani-
festado sua intenção de implementar as Regras GloBE localmente.
Em conformidade com as regras GloBE, será considerado
equivalente à IIR (Qualified IIR)140:

(...) um conjunto de regras equivalente aos Artigos


2.1 a 2.3 das Regras GloBE (incluindo quaisquer
disposições das Regras GloBE relacionadas a esses
artigos) que estão incluídas na legislação doméstica
de uma jurisdição e que são implementados e admi-
nistrados de forma consistente com os resultados
previstos nas Regras GloBE e nos seus Comentários,
desde que tal jurisdição não forneça quaisquer be-
nefícios relacionados a essas regras.141

140 OCDE. Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy –
Global Anti-Base Erosion Model Rules (Pilar 2): Inclusive Framework on
BEPS. Paris: OECD Publishing, 2021, Article 2.1, p. 65.
141 Traduzido do original em inglês:

121
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Para fins do enquadramento de uma norma como Quali-


fied IIR, logo, faz-se necessário o cumprimento de dois requisitos:

i A existência da legislação doméstica que almeje os


mesmos objetivos das Regras GloBE; e
ii A não concessão de benefícios relacionados a essas
regras.

Nos Comentários da OCDE às Regras GloBE, esclarece-


se que o termo “benefícios” deve ser interpretado de forma abran-
gente a cobrir qualquer tipo de vantagem proporcionada por uma
jurisdição, incluindo incentivos fiscais, concessões e subsídio. Nes-
ses termos:

A determinação se um benefício é relacionado ao IIR


deve ser baseada nos fatos e circunstâncias de cada
caso. Deve-se levar em conta o princípio motivador
dessa condição, que é de nivelar as jurisdições e evi-
tar investimentos motivados pelas diferenças na im-
plementação e aplicação das Regras GloBE.
126. Um benefício fiscal ou subsídio fornecido a to-
dos os contribuintes não é relacionado às Regras
GloBE. Fatos que são relevantes, mas não decisivos,
incluem se o benefício fiscal ou subsídio beneficia
somente contribuintes sujeitos às Regras GloBE, se
o benefício é veiculado como parte das Regras

“Qualified IIR means a set of rules equivalent to Article 2.1 to Article 2.3 of the
GloBE Rules (including any provisions of the GloBE Rules associated with
those articles) that are included in the domestic law of a jurisdiction and that
are implemented and administered in a way that is consistent with the outcomes
provided for under the GloBE Rules and the Commentary provided that such
jurisdiction does not provide any benefits that are related to such rules.”

122
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

GloBE e se o regime foi introduzido depois que o In-


clusive Framework da OECD/G20 começou a discu-
tir as Regras GloBE. (...) 142

No caso das regras brasileiras de tributação de lucros au-


feridos no exterior, alguns dos elementos que poderiam ser levados
em consideração contra um possível enquadramento como Qualified
IIR incluem, mas não se limitam à (i) concessão de crédito presu-
mido de 9% a ser compensado contra o IRPJ e CSLL devido no Bra-
sil apenas sobre os lucros auferidos por investidas que atuem nas
atividades listadas na legislação, mediante o cumprimento de algu-
mas condições previstas na legislação; e (ii) possibilidade de conso-
lidação dos resultados das investidas no exterior para fins de deter-
minação da adição a ser realizada na apuração de IRPJ e CSLL da
controladora brasileira.
Tais benefícios previstos pela legislação poderiam de fato
levar à conclusão de que as regras de tributação de lucros auferidos
no exterior não poderiam ser enquadradas como Qualified IIR. Nes-
ses termos, um enquadramento desse tipo provavelmente demanda-
ria uma alteração das atuais regras brasileiras de tributação de lucros
auferidos no exterior para adaptá-las às Regras GloBE.

142Traduzido do original em inglês:


“125. Whether a benefit relates to the IIR must be determined based on the facts
and circumstances of each case. It has to take into account the underlying prin-
ciple behind this condition, which is to provide a level playing field among all
jurisdictions and to avoid inversions incentivized by differences in the imple-
mentation and application of the GloBE Rules.
126. A tax benefit or grant provided to all taxpayers is not related to the GloBE
Rules. Facts that are relevant but not decisive include whether the tax benefit
or grant benefits only taxpayers subject to the GloBE Rules, whether the benefit
is marketed as part of the GloBE Rules and if the regime was introduced after
the OECD/G20 Inclusive Framework started discussing the GloBE Rules.”

123
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

6. Efeitos Práticos do Não Enquadramento das Regras de


Tributação de Lucros Auferidos no Exterior como Regras
GloBE

Nesse sentido, conforme podemos observar, as regras bra-


sileiras de tributação de lucros auferidos no exterior, apesar de se-
melhantes, inclusive na sua amplitude, diferem-se do método IIR
instituído pelas regras GloBE em alguns aspectos e podem, portanto,
não ser enquadradas como Qualified IIR.
Conforme mencionamos acima, de acordo com a metodo-
logia IIR, após calculado o imposto complementar, será necessário
identificar entidade responsável por recolher o imposto complemen-
tar para as entidades pertencentes ao Grupo Multinacional que sejam
classificadas como entidades de baixa tributação.
Para melhor ilustrar os efeitos práticos do não enquadra-
mento das regras brasileiras de tributação de lucros auferidos no ex-
terior como Regras GloBE, consideremos o seguinte exemplo: (i) a
empresa A é a Controladora Final do Grupo Multinacional; (ii) a
empresa A detém controle acionário direto da empresa B, localizada
em jurisdição que já implementou as Regras GloBE e que não é con-
siderada como de baixa tributação; e (iii) a empresa B detém o con-
trole acionário direito da empresa C, localizada em uma jurisdição
de baixa tributação. Confira-se o diagrama do exemplo abaixo:

124
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Seguindo-se as Regras GloBE na estrutura societária de-


monstrada acima, em princípio, a empresa A, como Controladora
Final do Grupo Multinacional, estaria sujeita ao IIR e ao recolhi-
mento do imposto complementar sobre os lucros da empresa C na
sua jurisdição de domicílio.
Se a empresa A estiver localizada no Brasil, como o país
não implementou as regras GloBE (e, neste exemplo, as regras bra-
sileiras de tributação de lucros auferidos no exterior não foram con-
sideradas como Qualified IIR), a responsabilidade pelo recolhi-
mento do imposto complementar sobre os lucros de C será alocada
para a empresa imediatamente abaixo na cadeia societária, a em-
presa B. Como a empresa B está localizada em jurisdição que já im-
plementou as Regras GloBE, a empresa B fará o recolhimento do
imposto complementar.
Todavia, deve-se ter em mente que, independentemente
do enquadramento (ou não) das regras brasileiras de tributação de
lucros auferidos no exterior como Qualified IIR, os lucros auferidos
pela empresa B e pela empresa C continuarão a ser tributados no
Brasil à alíquota combinada de IRPJ e CSLL de 34%. Em regra, a
tributação dos referidos lucros se dará de forma individualizada, o
que significa que os tributos recolhidos pela empresa B e pela em-
presa C sobre os seus próprios lucros nas suas jurisdições de domi-
cílio poderão ser compensados contra o IRPJ e CSLL devidos por A
no Brasil sobre os lucros auferidos por B e C.
Como mencionado acima, o cálculo do limite do imposto
pago no exterior passível de compensação no Brasil é realizado de
forma individualizada por controlada, via de regra143. Dessa forma,
deve-se calcular, separadamente, o limite para compensação do im-
posto pela empresa B no seu país de residência, do limite para com-
pensação do imposto pela empresa C no seu país de residência.
Deve-se ainda restringir o direito à compensação ao IRPJ devido no
Brasil sobre tais lucros – novamente, de forma individualizada.

143Salvo na hipótese em que se adote a consolidação, mediante o cumprimento


dos requisitos previstos na regulamentação para tanto.

125
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Em função dessas regras, poder-se imaginar, portanto,


que a empresa A enfrentaria dificuldades práticas para compensar o
imposto complementar recolhido por B sobre os lucros de C em con-
formidade com as Regras GloBE, seja contra o IRPJ devido sobre
os lucros auferidos pela empresa B ou pela empresa C.
Importa observar, inclusive, que os Comentários feitos
pela OCDE às regras do Pilar 2 determinam que não seja concedido
crédito pelo imposto pago em função da adoção das Regras GloBE,
conforme se verifica na transcrição abaixo:

45. Pretende-se que as Regras GloBE sejam aplica-


das após a aplicação da Subject to Tax Rule e regi-
mes fiscais domésticos, incluindo regimes de tribu-
tação de estabelecimentos permanentes ou
CFCs. Portanto, para preservar a ordem normativa
pretendida, os regimes tributários domésticos não
devem fornecer um crédito tributário estrangeiro
para qualquer imposto instituído sob uma Qualified
UTPR ou IIR que seja implementado em uma juris-
dição estrangeira. Caso contrário, a aplicação desse
regime tributário doméstico criaria questões relati-
vas à referência circular, uma vez que esses Impos-
tos já foram determinados antes da aplicação da
Qualified UTPR ou IIR.144

144
Traduzido do original em inglês:
“45. It is intended that the GloBE Rules apply after the application of the Sub-
ject to Tax Rule and domestic tax regimes, including regimes for the taxation
of PEs or CFCs. Therefore, to preserve the intended rule order, domestic tax
regimes should not provide a foreign tax credit for any tax imposed under a
Qualified UTPR or IIR which is implemented in a foreign jurisdiction, other-
wise the application of that domestic tax regime would create circularity issues
since those Taxes have already been determined prior to applying the Qualified
UTPR or IIR.”

126
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Por outro lado, a solução encontrada pela OCDE para


eventual confronto entre as regras CFC e as Regras GloBE é de per-
mitir que se considere, no cálculo da ETR das investidas, o imposto
recolhido pelo Controlador Final em conformidade com as regras
CFC sobre os lucros dessas mesmas investidas.
Logo, na estrutura societária utilizada como exemplo
acima, eventual imposto recolhido pela empresa A, em conformi-
dade com as regras CFC da sua jurisdição de domicílio, sobre os
lucros da empresa C poderia ser considerado para fins do cálculo da
ETR da empresa C.
Se as regras brasileiras de tributação de lucros auferidos
no exterior forem consideradas como regras de CFC para fins das
Regras de GloBE, o Grupo Multinacional poderia considerar o IRPJ
e a CSLL recolhidos no Brasil pela empresa A sobre os lucros aufe-
ridos por C para fins do cálculo da ETR da empresa C. Dessa forma,
é provável que nenhum imposto complementar seja considerado de-
vido, ainda que a empresa B esteja localizada em jurisdição que im-
plementou as Regras GloBE e que a empresa B seja considerada
como responsável pelo recolhimento de eventual imposto comple-
mentar.
Por outro lado, caso as regras brasileiras de tributação de
lucros auferidos no exterior não fossem enquadradas como regras
CFC para fins de aplicação das Regras GloBE, o Grupo Multinaci-
onal poderia enfrentar dificuldades práticas para considerar o IRPJ
e CSLL recolhidos pela empresa A sobre os lucros auferidos por C
para fins do cálculo da ETR da empresa C.

7. Conclusões

As regras brasileiras de tributação de lucros auferidos no


exterior já foram objeto de muito debate e controvérsia no âmbito
doméstico, desde a análise de sua (in)constitucionalidade quando vi-
gente o artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, ao seu

127
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

enquadramento como regras efetivas CFC devido à sua amplitude e


o seu confronto com os acordos para evitar a dupla tributação firma-
dos pelo Brasil.
O início da implementação das Regras GloBE por algu-
mas jurisdições onde atuam Grupos Multinacionais com Controla-
dor Final no Brasil desemboca em uma novel discussão: podem as
regras brasileiras de tributação de lucros auferidos no exterior ser
consideradas equivalentes às Regras GloBE?
Se a resposta a essa indagação for negativa, Grupos Mul-
tinacionais que possuam entidades localizadas em jurisdição de
baixa tributação provavelmente estarão sujeitos a recolhimento de
imposto complementar sobre os lucros auferidos por estas entidades
na jurisdição onde estiver localizada a controlada intermediária de
forma a atingir a tributação mínima de 15%.
Ocorre que, seguindo a legislação doméstica e as orienta-
ções da OCDE acerca das Regras GloBE, tal imposto complementar
não seria passível de compensação no Brasil contra o IRPJ e CSLL
devidos sobre os lucros auferidos na jurisdição de baixa tributação,
o que, na prática, poderia resultar em dupla tributação dos mesmos
resultados.
Se as regras brasileiras de tributação de lucros auferidos
no exterior forem caracterizadas como Regras CFC, contudo, para
fins de aplicação das Regras GloBE, os Grupos Multinacionais po-
deriam, a princípio, considerar o IRPJ e CSLL recolhidos no Brasil
sobre os lucros auferidos nas diversas entidades no exterior para fins
de identificação da ETR dessas entidades, elevando, portanto, em
muitos casos, a ETR dessas entidades. Caso a ETR não esteja abaixo
de 15%, o Grupo Multinacional não estaria sujeito a recolhimento
de imposto complementar.
É de extrema importância, assim, que os Grupos Multina-
cionais com Controlador Final no Brasil tenham ciência das possí-
veis implicações práticas decorrentes da implementação internacio-
nal das Regras GloBE para suas operações em escala mundial e da
interação dessas regras com a legislação doméstica regulando a tri-

128
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

butação dos lucros auferidos no exterior, ainda que o Brasil não te-
nha anunciado a efetiva adoção das Regras GloBE em âmbito in-
terno.

129
Capítulo 5
A Limitação de Benefícios e a Cláusula “Fantasma” do
Beneficiário Efetivo: Comentários das Regras Internacionais
Antiabuso à Luz do Direito Brasileiro

Contribuições: Felipe Pinto Vallada


Teresa Novais Corrêa Meyer

1. Considerações Iniciais

A implementação de regras antiabuso no âmbito tributário


tem tido um eco crescente nos últimos 20 anos no cenário internaci-
onal e brasileiro. Com a globalização, crescimento e integração de
economias locais, bem como expansão de grupos econômicos, se
verificou mais intensamente a presença de práticas voltadas à otimi-
zação e redução da carga tributária devida por parte dos contribuin-
tes.
Frente a este contexto, no Direito Tributário, muito se dis-
cutiu sobre a natureza dessas práticas, às diferenciando como evasão
e elisão fiscal, sendo a primeira a decorrência de ato ilícito e a se-
gunda forma de impedir a ocorrência do fato gerador do tributo den-
tro do campo legal. A discussão, muito embora necessária, foi per-
dendo força com tempo à medida que a elisão fiscal também passou
a ser considerada cada vez mais indesejada pelos países e comuni-
dade internacional.
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Deste movimento, se fez necessárias a identificação des-


sas práticas elisivas e criação de mecanismos jurídicos, internacio-
nais e domésticos, para conter e reprimir tais práticas. As regras an-
tiabuso ou antielisão foram formas amplamente adotadas para tentar
alcançar esse objetivo. Na doutrina internacional, se convencionou
adotar a seguinte distinção entre as regras de antiabuso: (i) regras
antiabuso gerais (General Anti Abuse Rules - GAAR) e (ii) regras
antiabuso específicas (Specific Anti Abuse Rule – SAAR) . A regra
geral visa conter mais de uma prática elisiva, como é o caso preten-
dido pelo artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacio-
nal (“CTN”), quando este for devidamente regulado, e a regra espe-
cífica visa conter uma prática elisiva determinada, como é o caso
das regras de preços de transferência, de lucros no exterior, e de sub-
capitalização.
Este capítulo tratará de duas regras específicas muito pre-
sentes em Acordos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Eva-
são Fiscal (“Acordo”), a regra de Limitação de Benefícios (Limita-
tion of Benefits – LOB) e a Beneficiário Efetivo (Beneficial Owners-
hip – BO), explorando o seu escopo e analisando a sua aplicação à
luz do Direito brasileiro. As referidas regras, quando presentes nos
Acordos de Bitributação, visam combater a prática elisiva conhecida
por Treaty Shopping, conceito este que será desenvolvido ao longo
deste artigo.
Por fim, os autores tecem breves comentários sobre a apli-
cabilidade desses institutos no âmbito brasileiro, tendo em vista a
sinalização no início de 2022 da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) para transformar o Brasil
em um de seus Países Membros.
Impossível deixar de mencionar a distinção entre o con-
ceito de Beneficiário Efetivo, aqui analisado, do conceito de (Ulti-
mate) Beneficial Owner. Apesar de ambos termos estarem debaixo
do guarda-chuva da OCDE, o último termo é comumente utilizado
na legislação anti-lavagem de dinheiro no âmbito da FATF - Finan-
cial Action Task Force. Esta requer que instituições financeiras ar-
mazenem informações de seus clientes e da estrutura societária que

132
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

chegue eventualmente em uma pessoa física, caso detenha um per-


centual mínimo de participação/controle sobre determinada enti-
dade jurídica, sociedade etc.
A orientação na implementação de estruturas legais e de
supervisão para identificar e coletar informações sobre propriedades
benéficas foi desenvolvida conjuntamente pela Secretaria do Fórum
Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins
Tributários (Global Forum) e pelo Banco Interamericano de Desen-
volvimento (BID)145 - também não se enquadra no escopo deste do-
cumento.

2. Treaty Shopping

A OCDE define treaty shopping como a situação na qual


“as pessoas que não são residentes de nenhum dos Estados Contra-
tantes acessam os benefícios de uma Convenção por meio do uso de
uma entidade que, de outra forma, se qualificaria como residente
de um desses Estados” (OCDE, 2003, Artigo 1, parágrafo 20) 146.
Este mecanismo representa a criação de entidades ou tran-
sações artificiais com o objetivo de redução da carga tributária.
Trata-se de esforços planejados para se obter vantagem de uma rede
de acordos internacionais firmados, identificando qual seria a forma
mais favorável de utilizá-los para um propósito específico. O treaty
shopping pode visar a redução ou isenção de impostos no Estado de
origem dos rendimentos, a isenção que não seria concedida sem a
aplicação do acordo no Estado de residência, a concessão de créditos

145 Em: https://www.oecd.org/tax/transparency/beneficial-ownership-to-


olkit.pdf
146Tradução livre do Artigo 1, parágrafo 20, da Convenção Modelo da OCDE;

redação original em inglês: “… persons who are not resident of either Con-
tracting States from accessing the benefits of a Convention through the use of
an entity that would otherwise qualify as a resident of one of these States”

133
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

tributários ou a tributação no Estado de origem em uma carga infe-


rior àquela que seria aplicável no Estado de residência, entre outras
formas de reduzir a carga tributária final147.
A doutrina discute que esse artifício teria como pontos ne-
gativos (i) contrariar o propósito dos acordos para evitar a dupla tri-
butação, (ii) prejudicar a reciprocidade pretendida pelos Estados ao
negociarem cláusulas de acordos para evitar a dupla tributação, uma
vez que um Estado contratante cede ou reduz seu direito de tributar
em troca de uma concessão recíproca a ser dada pelo outro Estado
contratante em favor de seus residentes; (iii) resultar na não tributa-
ção dos rendimentos na jurisdição que deteria tais direitos; (iv) de-
sincentivar a negociação de acordos e concessão de benefícios legí-
timos148.
Como exemplo, um fundo de investimentos em Luxem-
burgo decide investir no mercado egípcio, para tanto, deseja estabe-
lecer uma entidade no País para explorar o mercado localmente. En-
tre Luxemburgo e o Egito, não existe acordo de bitributação, o que
significa que os rendimentos produzidos no Egito, quando distribu-
ídos a Luxemburgo, via dividendos ou juros – a depender da forma
de investimento que Luxemburgo fez no Egito -, serão submetidos
à tributação no Egito (até 10% no caso de dividendos e 20% no caso
de juros)149, sem qualquer limitação, e à tributação em Luxemburgo
(aproximadamente 24%)150 com possibilidade de se creditar do im-
posto pago no Egito apenas se previsto na legislação doméstica de
Luxemburgo.

147 BROE, Luc de. International Tax Planning and Prevention of Abuse, A
Study under Domestic Tax Law, Tax Treaties and EC Law in Relation to Con-
duit and Base Companies. 2008, IBFD, p. 1.
148 AVI-YONAH, Reuven S.; PANAYI, Christiana HJI. Rethinking Treaty

Shopping lessons for the European Union. Public Law and Legal Theory Work-
ing Paper Series, Working Paper n. 182, jan/2010, p. 5.
149 Alíquotas vigentes à data de publicação desse artigo, no entanto, devem ser

consideradas apenas para fins ilustrativos.


150 Alíquotas vigentes à data de publicação desse artigo, no entanto, devem ser

consideradas apenas para fins ilustrativos.

134
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Ocorre que tanto Luxemburgo quanto o Egito possuem


acordo com a Holanda. Dessa forma, ao invés do fundo em Luxem-
burgo investir diretamente no Egito, se estabelece uma entidade ho-
landesa detida totalmente pelo fundo e cujo único ativo são as par-
ticipações da entidade egípcia. Com isso, de acordo com os disposi-
tivos dos Acordos, os dividendos pagos à entidade na Holanda po-
dem ser tributados no Egito a alíquotas que chegam a zero e os juros
são reduzidos a 12%. Quando os dividendos forem distribuídos pela
entidade holandesa ao fundo, o acordo entre Holanda e Luxemburgo
prevê que os tributos pagos à Holanda podem ser reduzidos a zero e
não serão tributados em Luxemburgo. Assim, ao interpor uma enti-
dade holandesa, se verifica uma economia considerável na carga tri-
butária total.
Esse exemplo desconsidera, para fins ilustrativos, qual-
quer regra antiabuso contida em acordo ou legislação doméstica
apenas para demonstrar o que seria um caso evidente de treaty shop-
ping, em que o fundo, via entidade na Holanda, reduz a sua carga
tributária substancialmente, desempenhando a mesma atividade
econômica.
Assim, essa prática considera que investidores ‘tomariam
emprestado’ um acordo tributário ao criarem uma entidade em um
país que possua acordo tributário favorável com o país de origem
(no qual o investimento deve ser feito e os rendimentos devem ser
auferidos)151. Portanto, “treaty shopping” resulta na aplicação de be-
nefícios tributários para residente em um terceiro estado que não
aqueles cujo acordo bilateral firmado disponha sobre o benefício.
Uma estrutura usual de treaty shopping contém três carac-
terísticas centrais, quais sejam (i) o beneficiário efetivo da entidade

151 Nas palavras do Professor David Rosenbloom (versão original em in-


glês):“the practice of some investors of ’borrowing’ a tax treaty by forming an
entity (usually a corporation) in a country having a favorable tax treaty with
the country of source-that is, the country where the investment is to be made
and the income in question is to be earned”. ROSEMBLOOM, H.D. Derivative
Benefits: Emerging US Treaty Policy. 22 Intertax, 1994, p. 83.

135
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

não residir no país onde a entidade foi criada; (ii) a empresa inter-
posta possui atividade econômica mínima na jurisdição em que está
localizada; e (iii) os rendimentos são sujeitos à tributação reduzida
(se houver) no país de residência da empresa interposta152.
Frente a esta prática elisiva, a OCDE destaca as duas ca-
tegorias para combater a prática de treaty shopping: (i) regras espe-
cíficas de antiabuso (Specific Anti-Avoidance Rules – SAAR) e, (ii)
regras gerais de antiabuso (General Anti-Avoidance Rules – GAAR).
O conceito de beneficiário efetivo (beneficial ownership) e cláusu-
las de Limitação de Benefícios em acordos para evitar a dupla tribu-
tação são exemplos de regras específicas antiabuso (SAARs). Dentre
as regras gerais antiabuso (GAARs), destaca-se a inclusão do princí-
pio da substância sobre a forma e do chamado Principal Purpose
Test (“PPT”) na redação dos acordos153.

3. Cláusula de Limitação de Benefícios - LOB

3.1. Conceito e Breve Contexto Histórico

A utilização dos acordos para evitar a dupla tributação


com inclinação ao que era qualificado como treaty shopping ganhou
destaque inicialmente nos Estados Unidos da América (EUA). Em
razão da carga tributária considerada alta nos EUA, os residentes de
outros países que desejavam investir no país passaram a buscar al-
ternativas fiscais em jurisdições nas quais os EUA possuíam acordo
firmado e que oferecessem atrativos fiscais também em sua legisla-
ção doméstica. Como exemplo, o acordo para evitar a dupla tributa-
ção firmado com entre os EUA e a Irlanda previa redução de 30%

152 AVI-YONAH, Reuven S.; PANAYI, Christiana HJI. Rethinking Treaty


Shopping lessons for the European Union. Public Law and Legal Theory Work-
ing Paper Series, Working Paper n. 182. January 2010, p. 5.
153 BROE, Luc de. et al. Tax Treaties and Tax Avoidance: Application of Anti-

Avoidance Provisions. Bulletin for International Taxation, 2011, v. 65, n. 7,


section 5.5.2.

136
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

na retenção de impostos dos EUA sobre dividendos, juros e royalties


pagos a não residentes de fontes norte-americanas. Isso incentivou
os residentes de outros países a estabelecerem residência na Ir-
landa154.
Nesse contexto, surgiu o conceito de “Limitação de Bene-
fícios” (“Limitation of Benefits” - LOB) com a inclusão das primei-
ras versões das chamadas cláusulas de LOB nos acordos firmados
pelos EUA desde 1981155. Os EUA ainda têm a LOB como a sua
principal forma de impedir práticas antielisivas em acordos de bitri-
butação, sendo atualmente, uma regra extensa e detalhada, com uma
série de hipóteses objetivas em que o contribuinte teria o seu direito
aos benefícios dos acordos limitados156.
A cláusula LOB foi introduzida pela Convenção Modelo
da OCDE em 2017, nos termos do Artigo 29 (1)-(7) da Convenção-
Modelo, para limitar a disponibilidade de benefícios do acordo para
entidades que atendam a determinadas condições. A cláusula de
LOB é baseada em disposições já encontradas em vários acordos
tributários, incluindo principalmente acordos celebrados pelos Esta-
dos Unidos, Japão e Índia. Essas condições determinadas, se ba-
seiam na natureza jurídica, titularidade e atividades gerais da enti-
dade, e visam assegurar a existência de uma ligação suficiente entre
a entidade e o seu estado de residência (OECD, Action 6 Final Re-
port, 2015, p 9).
Posteriormente, a OCDE adaptou a versão da LOB pre-
sente nos acordos a duas versões de LOB - a simplificada e a deta-
lhada - que foram introduzidas no âmbito do Projeto Base Erosion

154 FLEMING JR, J.Clifton. Searching for the Uncertain Rationale Underlying
the US Treasury’s Anti-Treaty Shopping Policy. Intertax, v. 40, Issue 4, 2013,
p. 245.
155 BATES, John; BERMAN, Daniel M.; GANI, Raphael; GUTMAN, Daniel;

IMAMURA, Takashi; KLUGMAN, Gideon; RUST Alexander. LOB Articles


in Income Tax Treaties: The Current State of Play. Intertax, p. 395.
156 BLESSING, Peter. Article 29: Entitlement to Benefits (Global Perspective)

– Global Tax Treaty Commentaries. Global Topics IBFD, 2020.

137
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

and Profit Shifting (BEPS) ao Multilateral Convention to Implement


Tax Treaty Related Measures to Prevent BEPS (“MLI”).

3.2. Ação 6 do Projeto BEPS da OCDE

A intensificação de práticas verificadas de ``treaty shop-


ping'' levou a OCDE a incluir, dentre as 15 ações do Projeto BEPS,
a Ação 6 que trata sobre o combate ao abuso de acordos, a qual iden-
tifica o treaty shopping como prática abusiva e propõe medidas an-
tielisivas (OECD, Action 6 Final Report, 2015, p 2).157
Destaca-se três medidas indicadas na Ação 6 do BEPS
para os fins propostos: (i) declaração clara no acordo tributário sobre
a intenção dos estados de evitar criar oportunidades de não tributa-
ção ou reduzir a tributação por meio de evasão ou evasão fiscal; (ii)
regra específica de Limitação de Benefícios (LOB); e (iii) regra geral
antiabuso baseada na finalidade principal das transações ou dos
acordos, o Teste de Propósito Principal (“PPT”) (OECD, BEPS Fi-
nal Report, 2015, p. 10).
O PPT é geralmente encontrado nos acordos nos seguintes
termos “Não obstante as outras disposições deste Acordo, não será
concedido um benefício ao abrigo deste Acordo relativamente a um
item de rendimento se for razoável concluir, considerando todos os
fatos e circunstâncias relevantes, que a obtenção desse benefício foi
um dos principais objetivos de qualquer arranjo negocial ou tran-
sação que resultou, direta ou indiretamente, nesse benefício, a me-
nos que fique demonstrado que a concessão desse benefício nessas
circunstâncias estaria de acordo com o objeto e a finalidade das
disposições relevantes deste Acordo”. Vê-se que se trata de regra
abrangente e com caráter subjetivo.

157OECD, Public Discussion Draft. BEPS Action 6: Preventing The Granting


of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances, 14 March 2014- 9,
abr/2014, p. 2, para. 1-2.

138
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Já a mecânica da regra LOB ataca práticas elisivas de


forma objetiva ao restringir os benefícios do acordo quando o indi-
víduo ou entidade que o pleiteia é, tecnicamente, um residente do
acordo, mas não possui conexões substanciais com a jurisdição de
residência158. A regra exige que as estruturas jurídicas não sejam
objetivamente criadas para fins tributários, de modo que somente
motivos comerciais ou legais seriam considerados159.
Duas abordagens de LOB diferentes podem ser identifi-
cadas na Ação 6 do BEPS: a versão detalhada e a simplificada. Du-
rante as consultas para publicação das Ações do projeto BEPS, ficou
evidente que muitos países acharam a LOB detalhada - baseada na
versão americana - muito complicada e confusa, de forma que deci-
diu-se criar essas duas versões para que os países tivessem a opção
de adotar uma ou outra versão.
Ao adotar a versão simplificada, muitos países optam por
incluir a regra geral antiabuso também trazida pela Ação 6 do BEPS,
a Teste de PPT. Neste caso, a LOB seria aplicada subsidiariamente
à PPT. Na doutrina, muito se discute sobre a interação dessas duas
regras em um mesmo acordo e os entraves de sua aplicação con-
junta160, este tema, no entanto, merece um estudo à parte e foge ao
escopo do presente artigo.
Vale apenas pontuar que a Ação 6 do Projeto BEPS reco-
menda como requisito mínimo (“minimum standard”) a inclusão do
LOB simplificado e do PPT em conjunto aos países que não sejam
signatários do MLI como é o caso do Brasil. O MLI é um instru-
mento criado para introduzir aos acordos dos países signatários as
alterações e medidas propostas no âmbito do Projeto BEPS sem que

158 ADULT, Hugh J.; ARNOLD, Brian J. Protecting the tax base of developing
countries. United Nations Handbook on Selected issues, 2017, p. 30.
159 WAGENAAR, Leonard. The Effect of the OECD Base Erosion and Profit

Shifting Action Plan on Developing Countries. 69 Bull. International Taxation.


2 (2015), Journals IBFD, p. 89.
160 GUIMARÃES, Caroline. Interaction of Limitation on Benefits (LOB) and

Principal Purpose Test (PPT). In: AUER/DIMITROPOULOU (Eds). Access to


Treaty Benefits. Viena: Linde, 2021, p. 421.

139
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

seja necessária a renegociação de cada acordo individualmente. Esse


instrumento possui cláusulas alternativas que proporciona aos países
flexibilidade para adotar certas medidas propostas e fazer reservas a
outras medidas conforme faça sentido à sua própria política fiscal.

3.3. Detalhes e Características da LOB

Antes de se analisar as regras presentes na LOB, deve-se


entender que os conceitos presentes nesta cláusula só podem ser sa-
tisfeitos por indivíduos ou entidades contemplados pelo artigo 4
(Residentes) do acordo de bitributação em questão161. O artigo 4 de-
termina quem é considerado residente de um ou outro estado con-
tratante para fins de aplicação do acordo e fruição de seus benefí-
cios. Assim, por consequência lógica, só se limita os benefícios do
acordo por meio de uma LOB àqueles considerados residentes de
um ou outro estado contratante.
Superado este ponto, a LOB apresenta uma série de testes
alternativos que visam garantir de forma objetiva que os benefícios
presentes no acordo só serão concedidos a entidades ou pessoas que
não tenham como objetivo o treaty shopping. Trata-se de uma regra
específica e objetiva de antiabuso, diferentemente do PPT, por
exemplo, que é uma regra geral e subjetiva de antiabuso que vem
sendo cada vez mais implementada nos acordos de bitributação en-
tre países162.
A LOB simplificada contida no MLI determina que o in-
divíduo ou entidade poderá fruir de qualquer benefício do acordo
caso seja considerado uma pessoa qualificada ou passe nos testes de

161 BLESSING, Peter. Article 29: Entitlement to Benefits (Global Perspective)


– Global Tax Treaty Commentaries. Global Topics, IBFD, 2020, p. 28.
162 LANG, Michael. BEPS Action 6: Introducing an Antiabuse Rule in Tax

Treaties. 74 Tax Notes Intl. 7, WU International Taxation Research Paper 2014-


09. Viena: WU, 2014, p. 655.

140
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

qualificação contidos no artigo de Limitação de Benefício. Uma pes-


soa qualificada é aquela normalmente disposta no parágrafo 2 (a) a
(d) do artigo de LOB nos seguintes termos:

Um residente de uma Jurisdição Contratante de uma


Convenção fiscal abrangida é uma pessoa qualifi-
cada no momento em que um benefício, de outro
modo, seria concedido pela Convenção fiscal abran-
gida se, nesse momento, o residente for:
a) Uma pessoa singular;
b) Essa Jurisdição Contratante, as suas subdivi-
sões políticas ou autarquias locais, ou uma
agência ou pessoa jurídica de direito público
dessa Jurisdição Contratante ou das suas sub-
divisões políticas ou autarquias locais;
c) Uma sociedade ou outra entidade, quando a
principal categoria das suas ações for objeto de
transações regulares num ou mais mercados de
valores reconhecidos;
d) Uma pessoa, que não seja uma pessoa singular,
que:
i) Seja uma organização sem fins lucrativos
que assuma uma forma acordada pelas Ju-
risdições Contratantes através de uma troca
de notas diplomáticas; ou
ii) Seja uma entidade ou estrutura estabelecida
nessa Jurisdição Contratante que seja con-
siderada como uma pessoa distinta nos ter-
mos da legislação fiscal dessa Jurisdição
Contratante e:
A) Que seja estabelecida e gerida, exclusiva
ou quase exclusivamente, com o fim de ad-
ministrar ou atribuir prestações de reforma
e prestações acessórias ou complementares

141
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

a pessoas singulares e que esteja regulada


como tal por essa Jurisdição Contratante ou
por uma das suas subdivisões políticas ou
autarquias locais; ou
B) Que seja estabelecida e gerida, exclusiva
ou quase exclusivamente, com o fim de in-
vestir fundos por conta de entidades ou es-
truturas mencionadas na subdivisão A);

Os testes para aplicação da limitação dos benefícios são:


teste de titularidade (ownership test), teste de negócios operacionais
(active business test) e teste dos derivativos (derivative benefits
test)163. Ressalte-se que tendo em vista que a versão simplificada é
a mais amplamente adotada pelos países, se restringe a presente ex-
planação apenas aos testes presentes na LOB simplificada.
Nos termos do LOB MLI, também é considerado uma
pessoa qualificada aquela que passa no teste de titularidade previsto
no parágrafo 2 (e) do referido artigo, o qual determina que “Uma
pessoa, que não seja uma pessoa singular, se durante, pelo menos,
metade dos dias de um período de 12 meses que inclua o momento
em que o benefício, de outro modo, seria concedido, as pessoas que
sejam residentes dessa Jurisdição Contratante e que tenham direito
aos benefícios da Convenção fiscal abrangida nos termos das alí-
neas a) a d) detenham, direta ou indiretamente, pelo menos 50%
das ações dessa pessoa”.
O teste de negócios operacionais e derivativos são pró-
prios às “pessoas não qualificada” e possibilitam que entidades fru-
íam de algum benefício do acordo desde que (i) possuam atividades

163BLESSING, Peter. Article 29: Entitlement to Benefits (Global Perspective)


– Global Tax Treaty Commentaries. Global Topics IBFD, 2020, pp. 33, 39, 43.

142
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

operacionais nos termos do artigo (parágrafo 3 do artigo de limita-


ção de benefícios)164 ou seja (ii) detida direta ou indiretamente em
um 75% por pessoas que estariam abrangidas pelos termos do
acordo (parágrafo 4 do artigo de limitação de benefícios)165.

164 a) Um residente de uma Jurisdição Contratante de uma Convenção fiscal


abrangida tem direito aos benefícios previstos nessa Convenção fiscal abran-
gida relativamente a um elemento de rendimento obtido na outra Jurisdição
Contratante, independentemente de esse residente ser ou não uma pessoa qua-
lificada, se esse residente exercer efetivamente uma atividade empresarial na
primeira Jurisdição Contratante mencionada, e o rendimento obtido na outra
Jurisdição Contratante decorrer dessa atividade empresarial ou for acessório à
mesma. Para efeitos da disposição simplificada de limitação de benefícios, a
expressão «exercer efetivamente uma atividade empresarial» não inclui as se-
guintes atividades nem qualquer combinação das mesmas:
i) Exercício de atividade na qualidade de sociedade holding;
ii) Prestação de serviços gerais de supervisão ou administração de um grupo de
sociedades;
iii) Financiamento de grupo (incluindo a gestão centralizada de tesouraria); ou
iv) Realização ou gestão de investimentos, salvo se essas atividades forem exer-
cidas por um banco, por uma empresa de seguros ou por um corretor de valores
mobiliários registado, no âmbito normal das suas atividades.
b) Se um residente de uma Jurisdição Contratante de uma Convenção fiscal
abrangida obtiver um elemento de rendimento de uma atividade empresarial
exercida por esse residente na outra Jurisdição Contratante ou obtiver um ele-
mento de rendimento proveniente da outra Jurisdição Contratante e de uma pes-
soa associada, as condições previstas na alínea a) só se consideram preenchidas
relativamente a esse elemento de rendimento se a atividade empresarial exer-
cida pelo residente na primeira Jurisdição Contratante mencionada, com a qual
o elemento do rendimento está relacionado, tiver um caráter substancial em re-
lação à mesma atividade ou a uma atividade complementar exercida na outra
Jurisdição Contratante pelo residente ou pela pessoa associada. Para efeitos da
aplicação da presente alínea, o carácter substancial da atividade empresarial é
determinado tendo em conta todos os factos e circunstâncias.
c) Para efeitos da aplicação do presente número, as atividades exercidas por
pessoas associadas a um residente de uma Jurisdição Contratante de uma Con-
venção fiscal abrangida consideram-se exercidas por esse residente.
165 Um residente de uma Jurisdição Contratante de uma Convenção fiscal abran-

gida, que não seja uma pessoa qualificada, tem igualmente direito a um benefí-
cio que, de outro modo, seria concedido pela Convenção fiscal abrangida rela-
tivamente a um elemento de rendimento se, durante pelo menos metade dos dias
de qualquer período de 12 meses que inclua o momento em que o benefício, de

143
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

O artigo ainda prevê em seu parágrafo 5166 que um resi-


dente pode demonstrar às autoridades fiscais do Estado Contratante
via requerimento que suas operações estão alinhadas ao objeto e fi-
nalidade do acordo e que estaria qualificado para fruir de algum be-
nefício específico do referido acordo.

3.4. Brasil: Política Fiscal Internacional e Aspectos Tributários


Domésticos

O Brasil possui uma rede de acordos comparativamente


pequena, possuindo, até a data de produção deste artigo, 35 acordos
de bitributação vigentes. Nos últimos anos, o Brasil tem incluído em
seus novos acordos uma cláusula de “Limitação de Benefícios” ou
“Direito a Benefícios”.
Os primeiros acordos com as referidas cláusulas foram os
acordos assinados com a Turquia em 2013 e com Trinidad e Tobago
em 2014. Essas disposições, no entanto, em muito diferiam da LOB
presente no acordo Modelo da OCDE ou no MLI (Ação 6 do Projeto

outro modo, seria concedido, as pessoas que sejam beneficiários equivalentes


detiverem, direta ou indiretamente, pelo menos 75% dos direitos ou participa-
ções efetivas nesse residente.
166 Se um residente de uma Jurisdição Contratante de uma Convenção fiscal

abrangida não for uma pessoa qualificada, em conformidade com o disposto no


parágrafo 2 deste Artigo, nem tiver direito aos benefícios nos termos dos pará-
grafos 3 ou 4, a autoridade competente da outra Jurisdição Contratante pode,
contudo, conceder os benefícios previstos nessa Convenção fiscal abrangida ou
benefícios respeitantes a um elemento específico de rendimento, tendo em
conta o objeto e a finalidade da Convenção fiscal abrangida, mas apenas se esse
residente demonstrar, de modo satisfatório para essa autoridade competente,
que nem o seu estabelecimento, aquisição ou manutenção, nem o exercício das
suas atividades tinham como um dos seus principais objetivos a obtenção dos
benefícios ao abrigo da Convenção fiscal abrangida. Antes de aceitar ou de re-
jeitar um pedido apresentado por um residente de uma Jurisdição Contratante
ao abrigo do presente número, a autoridade competente da outra Jurisdição
Contratante, à qual tenha sido dirigido o pedido, consulta a autoridade compe-
tente da primeira Jurisdição Contratante mencionada.

144
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

BEPS). A cláusula do acordo da Turquia167 mais se aproxima de


uma regra geral antiabuso ou um PPT, visto que a redação menciona
a limitação de benefício caso as autoridades entendam que houve
“abuso do Acordo relativamente aos seus fins”.
A disposição do acordo de Trinidad e Tobago dispõe que
os benefícios do acordo não serão aplicados “a nenhuma companhia,
trust ou sociedade de pessoas residente de um Estado Contratante e
de propriedade efetiva ou controle direto ou indireto de uma ou mais
pessoas não residentes desse Estado, se o montante do imposto neste
Estado incidente sobre os rendimentos da companhia, trust ou soci-
edade de pessoas é substancialmente inferior ao montante do im-
posto que seria exigido por esse Estado, se todas as ações da socie-
dade ou todas as participações no trust ou todas as quotas da socie-
dade de pessoas, conforme o caso, fossem de propriedade efetiva de
uma ou mais pessoas físicas residentes desse Estado”. Pode-se dizer
que as disposições desta cláusula estabelecem critérios mais objeti-
vos, porém não tão criteriosos como uma LOB.
Posteriormente, o Brasil assinou um acordo com a Rússia
que entrou em vigor em 2017, um novo acordo com a Argentina em
2018, com a Suíça e os Emirados Árabes Unidos em 2021 e com
Singapura em 2022. Todos eles possuem artigo de “Limitação de
Benefícios” ou “Direito a Benefícios”.
Nesses acordos, o referido artigo traz um PPT combinado
de regras objetivas entendidas como LOB. Com exceção ao acordo
com Singapura que possui uma redação mais alinhada com o LOB
simplificado presente no MLI/Projeto BEPS, os demais acordos

167Artigo 28 “As autoridades competentes dos Estados Contratantes poderão


negar os benefícios do presente Acordo a qualquer pessoa, ou com relação a
qualquer transação, se, em sua opinião, a obtenção de tais benefícios, conside-
rando-se as circunstâncias, constituiria um abuso do Acordo relativamente aos
seus fins.”

145
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

possuem regras menos sofisticadas sem o conceito de “pessoas qua-


lificadas”, mas com testes de negócios operacionais168 (active busi-
ness test), titularidade (50% ownership/base erosion test) e um
teste169 específico para estabelecimento permanente (EP) caso os lu-
cros atribuíveis ao EP não sejam tributáveis ou possuam tributação
substancialmente inferior170 à tributação de um dos Estados Contra-
tantes.
O acordo com Singapura traz uma redação mais alinhada
ao LOB simplificado, determinando indivíduos e entidades entendi-
das como “pessoas qualificadas” e prevendo teste de negócios ope-
racionais, titularidade, benefícios derivados (derivatives benefits
test) e específicos para casos com EP.
Por fim, o Brasil assinou protocolos com a Índia, China e
Chile em 2022, Suécia em 2019 e novos acordos com Noruega, Co-
lômbia e Polônia em 2022 e Uruguai em 2019, que todavia não estão

168 Não obstante as disposições do parágrafo 1, se um Estado Contratante pos-


suir, ou adotar após a assinatura da presente Convenção, uma legislação se-
gundo a qual os rendimentos provenientes do exterior (“offshore ”) e obtidos
por uma sociedade:
a) da atividade de transporte;
b) da atividade bancária, financeira, seguradora, de investimento, ou de ativi-
dades similares; ou
c) em razão de ser a sede, o centro de coordenação ou uma entidade similar que
preste serviços administrativos ou outro tipo de assistência a um grupo de soci-
edades que exerçam suas atividades principalmente em terceiros Estados,
não forem tributados nesse Estado ou forem tributados a uma alíquota signifi-
cativamente inferior à alíquota aplicada aos rendimentos obtidos de atividades
similares exercidas no próprio território, o outro Estado Contratante não estará
obrigado a aplicar qualquer limitação prevista pela presente Convenção sobre
seu direito de tributar os rendimentos obtidos pela sociedade de tais atividades
exercidas no exterior (“ offshore ”) ou sobre seu direito de tributar os dividendos
pagos pela sociedade.
Nos acordos com Emirados Árabes Unidos e Suíça se substitui “alíquota signi-
ficativamente inferior” por “alíquota inferior a 60 por cento”.
169 O acordo com a Rússia não possui essa disposição.

170 Os acordos com Argentina, Suíça e Emirados Árabes Unidos se referem à

60% ou menos do que seria tributado em algum dos Estados Contratantes.

146
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

vigentes, mas as suas redações também possuem o artigo de “Limi-


tação de Benefícios”.
Desses novos acordos, apenas o acordo com a Polônia não
possui uma redação mais alinhada ao LOB simplificado. Os demais
acordos, com pequenas alterações de redação particular a cada uma,
seguem a estrutura do acordo com Singapura. Já o acordo com a
Polônia se aproxima mais ao acordo da Suíça com diferenças per-
centuais nos testes de negócios operacionais e tributação efetiva de
EPs.
Do exposto, vê-se com clareza a intenção do país em ali-
nhar a sua política fiscal internacional aos padrões de práticas anti-
elisivas estabelecidos pela OCDE. Vale ressaltar que o Brasil optou
por não assinar o MLI, preferindo adotar o minimum standard - pela
combinação de LOB simplificado com um PPT - preconizado pela
Ação 6 do BEPS de forma individual via negociação de novos acor-
dos e renegociação de acordos já existentes. O motivo pelo qual o
Brasil não aderiu ao MLI não é claro, no entanto, pode ser compre-
endido pela alta complexidade do instrumento e a pequena rede de
acordos que o Brasil possui.
Não obstante, essas regras antiabuso todavia não foram
testadas e possuem um relativo potencial litigioso dado o perfil do
contencioso brasileiro. Em especial, todavia não é claro à doutrina171
como será a aplicação de LOB em acordos que também possuem
PPT. Em se tratar de regras gerais antiabuso - como o PPT -, vale
lembrar que o artigo 116, paragrafo único, do Código Tributário Na-
cional (CTN), foi introduzido ao ordenamento jurídico em 2001 e
apenas em 2022 foi considerado pelo STF como constitucional, po-
rém não aplicável por falta de regulação legal.
Outro ponto que vale especial atenção é a existência em
protocolos dos acordos com Emirados Árabes Unidos, Singapura,
Polônia e Uruguai, do seguinte comentário à cláusula de Limitação

171GUIMARAES, Caroline. Interaction of Limitation on Benefits (LOB) and


Principal Purpose Test (PPT). In: AUER/DIMITROPOULOU (Eds). Access to
Treaty Benefits. Viena: Linde, 2021, p. 437.

147
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

de Benefícios: “fica entendido que as disposições da Convenção


não impedirão que um Estado Contratante aplique sua legislação
interna voltada a combater a evasão e elisão fiscais, incluindo as
disposições de sua legislação tributária relativas a subcapitaliza-
ção ou para evitar o diferimento do pagamento de imposto sobre a
renda, tal como a legislação de sociedades controladas estrangei-
ras (legislação de “CFC”) ou outra legislação similar”. Essa reda-
ção reflete uma política brasileira muito presente de valorização de
sua legislação interna em relação aos diplomas de direito internaci-
onal.

4 Cláusula do Beneficiário Efetivo

4.1. Contexto Histórico

A História desempenha um papel relevante na compreen-


são do presente e o campo do direito fiscal e tributário não é exce-
ção. Especificamente, a evolução na área fiscal e tributária dos
EUA, Reino Unido, Liga das Nações e OEEC têm grande influência
sobre o trabalho da OCDE172, e quando se trata do estudo do signi-
ficado do termo "beneficiário efetivo", o Reino Unido é muito rele-
vante devido à sua jurisdição de common law e sendo um dos, se
não o principal, responsável pela inserção do termo na Convenção
Modelo da OCDE173.
As traduções de termos ou conceitos específicos são com-
plexas em geral, e não apenas no caso do Beneficiário Efetivo. O
conceito de "Estabelecimento Permanente" também levou algum
tempo a estabelecer-se e várias formulações diferentes podem ser

172 AVERY JONES, J. F. The United Kingdom's influence on the OECD Model
Tax Convention, 2011, B.T.R. 653.
173 DU TOIT, Charles P. Beneficial Ownership of Royalties in Bilateral Tax

Treaties. Amsterdam: IBFD Publications, 1999, pp. 99, 100.

148
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

encontradas em acordos (não só em inglês mas também em fran-


cês)174 Por exemplo, o acordo assinado em 1922 entre a Áustria e a
antiga Tchecoslováquia continha o termo “Betriebstätte” e foi tra-
duzido pelo Secretariado da Liga das Nações para "estabelecimento
de empresas".175 No entanto, o mesmo termo foi traduzido simples-
mente para "estabelecimento"176 no acordo assinado em 1925 pela
Itália e Alemanha.
No nosso entendimento, processo semelhante177 também
ocorreu com a definição do termo Beneficial Ownership. Após ter
sido utilizado pelos Estados Unidos, mas para fins domésticos, um
dos usos mais primitivos da ideia de propriedade benéfica no campo
fiscal internacional foi nos documentos da Liga das Nações. Apesar
de não estar redigido exatamente como agora, o termo “beneficiá-
rios”178 já podia ser observado em alguns dos documentos datados
dos anos 1920’s.
A primeira vez que o termo beneficiário aparece nos do-
cumentos da Liga das Nações é em 1923179. É feita referência à dis-
cussão sobre o estabelecimento do imposto sucessório e como este
poderia desrespeitar a capacidade contributiva dos “beneficiários fi-
nais”180 caso a taxa de imposto fosse decidida sobre o valor da he-
rança e não sobre a riqueza do recipiente/beneficiário.
Outro tema refletido nesses documentos é o dos direitos
autorais e remunerações de patentes - que não foram completamente
resolvidos e ainda tinham uma solução pendente até o final do rela-
tório de 1923, juntamente com outras questões, como as "regras de

174 Établissements d’exploitation, établissement servant à l’exercise d’une in-


dustrie, établissement stables etc.
175 “Business Establishment.

176 “Establishment”.

177 SKAAR, Arvid Aage. Analysis Art. 5 OECD Model Convention. Topical

Analysis IBFD, 2015.


178 “Beneficiaries”.

179 STAMP, Josiah et al. Report on Double Taxation: Document E.F.S.73.F.19.

League of Nations Economic and Financial Commission, abr/1923, p. 4026.


180 “Ultimate Beneficiaries”.

149
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

repartição dos lucros ou do capital das empresas que operam em vá-


rios países; medidas para evitar a dupla tributação de trusts e empre-
sas que possuem um grande número de títulos transferíveis (trans-
ferable securities).181
A natureza dos direitos dos autores e da renda de patentes
é discutida a fim de decidir como tributá-la da forma mais adequada.
Não era raro que os royalties fossem pagos às sociedades de co-
brança, ao invés do proprietário final, e assim foi circulado um ques-
tionário perguntando sobre o sistema fiscal escolhido pelos países
para lidar com a receita de royalties quando os referidos pagamentos
eram cobrados por: i) o autor; ii) os outorgados; iii) ou empresas
especialmente criadas para esse fim.
Em 1930, foi publicado um relatório (League of Nations
Fiscal Committee 1930) cujo tema dos trusts é abordado pelo Ca-
nadá, que afirma que o agente (ou trustee/fiduciário) ou empresa de
cobrança deve declarar a renda, mas o pagamento dos impostos deve
ser feito pela pessoa em cujo nome a renda é cobrada 182. A França,
ao invés de formular sua resposta como o Canadá, simplesmente se
referiu à "pessoa em nome de quem a renda é arrecadada" como
"beneficiário". Aparentemente, a Liga das Nações e os delegados
aprovaram este termo, uma vez que ele é usado em rascunhos pos-
teriores que tratam da propriedade intelectual, como o projeto de
convenção plurilateral da Liga das Nações de 1931.
O termo beneficiário (“beneficiary”) já havia sido utili-
zado em diversos acordos no final dos anos 20 e 30,183 mas nunca
em inglês. Às vezes o mesmo termo, quando traduzido para o inglês,
seria redigido como beneficiário (“beneficiary’) e em artigos dife-

181 LEAGUE OF NATIONS, Fiscal Committee. Report to the Council on the


Work of the Second Session of the Committee. Maio 1930, p. 4189.
182 LEAGUE OF NATIONS, Fiscal Committee. Report to the Council on the

Work of the Second Session of the Committee. Maio 1930, p. 4219.


183 Danzig-Poland (1929), Belgium-France (1931), France-Germany (1934),

France-Sweden (1936), France-Switzerland (1937), Hungary-Romania (1937),


France-Germany (1938), Netherlands-Hungary (1938) etc.

150
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

rentes do mesmo acordo, seria redigido como destinatário (“recipi-


ent”)184. Sem documentação adicional sobre a negociação de tais
acordos, é difícil avaliar os verdadeiros motivos desta diferença, se
é que existe e se foram intencionais.
O primeiro uso do termo beneficiário (“beneficiary”) em
um Acordo originalmente redigido em inglês foi em 1939, no acordo
fiscal Suécia-EUA, em relação à tributação de herança/propriedades
indivisas.185 O objetivo era eliminar a dupla tributação da renda de
um residente americano que fosse o beneficiário de herança ou trusts
suecos, para que o rendimento fosse isento de tributação na Sué-
cia186. Aqui temos um exemplo do caráter mais preocupado em evi-
tar a bitributação da renda, alocando o rendimento, do que em evitar
casos de elisão fiscal ou de abuso do uso de acordos.
Em 1942 que o acordo Canadá-EUA utilizou a cláusula
do beneficiário efetivo - ainda não compartilhando exatamente o
mesmo escopo com a cláusula “moderna”. Dois objetivos principais
estavam tentando ser alcançados: o primeiro estava relacionado a
garantir que a matriz recebesse dividendos de uma subsidiária "real"
e, portanto, tivesse direito a uma tributação reduzida nos pagamen-
tos de dividendos intragrupo;187 e o segundo estava relacionado a
dar os benefícios à pessoa a qual o agent or nominee estava repre-
sentando ou recebia a renda188. Aqui, o teste de beneficiário efetivo

184 VANN, Richard. Beneficial Ownership: What Does History (and Maybe
Policy) Tell Us. in Beneficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD,
2013, pp. 272-274.
185 Article 4: “The provisions of Swedish law concerning the taxation of the

undivided estates of deceased persons shall not apply where the beneficiaries
are directly liable to taxation in the United States of America.”
186 US Technical Explanation to the 1939 treaty.

187 “The term “subsidiary corporation” referred to in Article XI of this Conven-

tion means a corporation all of whose shares (…) having full voting rights are
beneficially owned by another corporation(…)”.
188 VANN, Richard. Beneficial Ownership: What Does History (and Maybe

Policy) Tell Us. in Beneficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD,


2013, p. 269.

151
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

tinha preocupação com os detentores da participação, e não com a


renda.
Curiosamente, considerando o papel britânico neste tó-
pico, a cláusula do beneficiário efetivo só apareceu no texto do
Acordo Reino Unido-EUA em referência à participação societária e
tributação, e em 1945189.
Finalmente, e não antes de 1966, em um protocolo do
Acordo entre o Reino Unido e os Estados Unidos de 1945, que este
termo foi usado para tratar do auferimento de renda em um Acordo
Contra a Bitributação da Renda190:

Relief from tax on dividends, interests and royal-


ties… in the country of origin will no longer depend
on whether the recipient is subject to tax in the other
country, but will depend on the income being benefi-
cially owned by a resident of the other country.

Temos, a esta altura, uma indicação sobre o caráter do


teste do beneficiário efetivo para os EUA e do Reino Unido no con-
texto do Acordo celebrado entre eles: parece que uma regra de alo-
cação da renda é prioridade em relação a eventual cunho antielisivo.
Há jurisprudência apontando no sentido de que a proprie-
dade do beneficiário efetivo (Beneficial Ownership) é um dos inci-
dentes da propriedade em si e uma questão de direito.191 Porém,

189 “Shares or stock in a corporation other than a municipal or governmental


corporation (including shares or stock held by a nominee where the beneficial
ownership is evidenced by scrip certificates or otherwise) shall be deemed to
be situated at the place in or under the laws of which such corporation was
created or organized.”
190 DU TOIT, Charles P. The Evolution of the term “Beneficial Ownership” in

Relation to International Taxation over the Past 45 Years. Bulletin, 2010, p.


510
191 Such as Ayerst (Inspector of Taxes) v. C&K (Construction) Ltd [1975] STC

345, HL; and Montana Catholic Missions v. Missoula County 200 U.S. 118
(1906).

152
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

parte da doutrina entende que não pode escapar às circunstâncias


factuais192:

The case law discussed has shown that in order to


qualify as a right of beneficial ownership, a right
must be recognized by law and be able to be enforced
by the courts. This study has found no evidence, nei-
ther in the OECD MC nor in its commentaries, to
support a different meaning for international pur-
poses, namely that beneficial ownership is excluded
not only where a person under a legal obligation to
pay out a royalty but also where it is paid on in fact
and in the absence of a legal obligation.

Finalmente, em 1977, o termo foi inserido na Convenção


Modelo da OCDE principalmente devido à insistência do Reino
Unido nesta questão específica, afirmando aos grupos de trabalho
que a minuta de 1963193 estaria defeituosa se não incluísse uma cláu-
sula sujeitando a renda do recipiente à tributação (subject to tax
clause) no país de residência (como nos Acordo UK-Luxemburgo)
ou, alternativamente, uma de beneficiário efetivo (como no Acordo
UK-Holanda). Vemos presente, teoricamente, a preocupação com a
interposição de bare nominees nos comentários feitos pela delega-
ção do Reino Unido.
Deixando transparecer a evolução do “espírito” da Con-
venção Modelo da OCDE através dos anos até a atualidade, a WP27
se refere, naquela época, ao posicionamento do Reino Unido da se-
guinte forma:

If it is the desire of the United Kingdom Delegation


to make relief in the country of source dependent on

192 DU TOIT, Charles P. Beneficial Ownership of Royalties in Bilateral Tax


Treaties. Amsterdam: IBFD Publications, 1999, p. 227.
193 TFD/FC/219 (1967), p.14

153
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

effective liability to tax in the recipient’s country of


residence, then the suggestion would be contrary to
the spirit and general arrangement of the Draft Con-
vention.194

Os Comentários à Convenção Modelo de 1977 não esten-


deram a interpretação do conceito além de excluir intermediários,
tais como agentes ou nomeados (nominees), como beneficiários efe-
tivos, o que aparentemente satisfez a delegação do Reino Unido.195
Considerando que em sua origem a natureza da cláusula
do beneficiário efetivo não discorria sobre empresas conduítes, em-
presas holding e de participação, o significado do termo foi seques-
trado para servir aos propósitos desejados. Um dos possíveis ele-
mentos que permitiram essa modulação do significado do termo está
ligado ao fato de que os limites da definição do termo não estavam
claros desde o início196. Do mesmo modo em que não havia evidên-
cia de que empresas conduítes fossem o alvo do conceito de benefi-
ciário efetivo neste momento, o mesmo ocorre com o Base Com-
pany Report (OECD 1986) de 1986197. Infere-se do texto que a ques-
tão de maior relevância é a alocação da renda e a correta aplicação
dos Acordos198.

194 FC/WP27(68)1 (1968), p.14, in VANN, Richard. Beneficial Ownership:


What Does History (and Maybe Policy) Tell Us. In: Beneficial Ownership: Re-
cent Trends. Amsterdam: IBFD, 2013, p. 283.
195 Questiona-se a necessidade da inserção da cláusula: AVERY JONES, J. F.

The beneficial ownership concept was never necessary in the Model. In: Bene-
ficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD, 2013.
196 VANN, Richard. Beneficial Ownership: What Does History (and Maybe

Policy) Tell Us. in Beneficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD,


2013, p. 288.
197 VANN, Richard. Beneficial Ownership: What Does History (and Maybe

Policy) Tell Us. in Beneficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD,


2013, pp. 296, 297.
198 VANN, Richard. Beneficial Ownership: What Does History (and Maybe

Policy) Tell Us. in Beneficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD,


2013, p. 298.

154
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Foi com o Conduit Companies Report de 1986 que o con-


ceito de beneficiário efetivo passou a adquirir um caráter mais ex-
tensivo. Alguns autores questionam seu papel na interpretação do
termo, mas finalmente concordam que este Relatório, de maneira
resumida, amplia expressamente o grupo de pessoas que não seriam
qualificadas como beneficiários efetivos199. E mais, contribuiu de tal
maneira para a insegurança jurídica na aplicação da cláusula e inter-
pretação do termo que os comentários destes dois Reports, relativos
a Beneficiário Efetivo, não foram adotados pelos Comentário à Con-
venção Modelo da OCDE de 1992200.
O uso do termo beneficiário efetivo deu mais um passo
quando a Convenção Modelo da OCDE, em seu o Artigo 12(1) dei-
xou de utilizar o termo paid to ao substituí-lo por beneficially owned
by. Porém, ao mesmo tempo, ainda utilizou o termo payments em
seu Artigo 12(2)201.
Até pouco tempo, entendia-se que diferenças de tributa-
ção e de alíquotas eram inevitáveis, algo que era refletido até nas
discussões da Working Party 21202, ocorrendo uma mudança de en-
tendimento com a publicação do Harmful Tax Competition Report
de 1998. Ademais, sua referência a Beneficiário Efetivo teve o con-
ceito de real economic function agregado,203 amplificando a com-
plexidade das controvérsias sobre o tema, ao passo que o Partnership

199 DU TOIT, Charles P. Beneficial Ownership of Royalties in Bilateral Tax


Treaties. Amsterdam: IBFD Publications, 1999, p. 503.
200 VANN, Richard. Beneficial Ownership: What Does History (and Maybe

Policy) Tell Us. in Beneficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD,


2013, p. 298.
201 REIMER, Ekkehart; RUST, Alexander; VOGEL, Klaus (Eds.). Klaus Vogel

on double taxation conventions. 4. ed. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law Inter-
national, 2015, p. 710.
202 VANN, Richard. Beneficial Ownership: What Does History (and Maybe

Policy) Tell Us. in Beneficial Ownership: Recent Trends. Amsterdam: IBFD,


2013, p. 298.
203 “(…) companies with no real economic function (…) are not considered as

beneficial owners of certain income formally attributed to them (…)”

155
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Report de 1999 tentou trazer o conceito de Beneficiário Efetivo


como uma solução para problemas de atribuição de renda.
Alimentado pelas discussões do início do século 21,204 o
próximo passo é encontrado com as mudanças apresentadas pelos
Comentários de 2003 à Convenção Modelo da OCDE:

“The term “beneficial owner” is not used in a nar-


row technical sense, rather, it should be understood
in its context and in light of the object and purposes
of the Convention, including avoiding double taxa-
tion and the prevention of fiscal evasion and avoid-
ance. (…)Where an item of income is received by a
resident of a Contracting State acting in the capacity
of an agent of nominee it would be inconsistent with
the object and purpose of the Convention for the
State of source to grant relief or exemption merely
on account of the status of the intermediate recipient
of the income as resident of the other Contracting
State. The immediate recipient of the income in this
situation qualifies as a resident but no potential dou-
ble taxation arises as a consequence of that status
since the recipient is not treated as the owner of the
income for tax purposes in the State of residence. It
would be equally inconsistent with the object and
purpose of the Convention for the State of source to
grant relief or exemption where a resident of a Con-
tracting State, otherwise than through an agency or
nominee relationship, simply acts as a conduit for
another person who in fact receives the benefit of the
income concerned. For these reasons, the report
from the Committee on Fiscal Affairs entitled:

204 Como, por exemplo, OECD, Restricting the Entitlement to Treaty Benefits
in OECD, 2002 Reports Related to the Model Tax Convention (OECD 2003),
p. 9.

156
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

“Double Taxation Conventions and the Use of Con-


duit Companies” concludes that a conduit company
cannot normally be regarded as the beneficial owner
if, though the formal owner, it has, as a practical
matter, very narrow powers which render it, in rela-
tion to the income concerned, a mere fiduciary or
administrator acting on account of the interested
parties.”

Subsequentemente, o conceito é levemente moldado com


o Collective Investment Vehicle Report de 2010. Dadas certas con-
dições, este Report defende que os veículos de investimento coletivo
deverão ser considerados os beneficiários efetivos de determinada
receita.205
Com a nova redação da Convenção Modelo de 2010 e res-
pectivos comentários, reafirmou-se a intenção da OCDE qualificar
as alterações - também a inclusão do termo Beneficiário Efetivo -
como trazendo "clarificações”. Uma diferença, aparentemente ino-
cente, que serviu como base para justificar a interpretação de que o
termo inserido era uma mera clarificação sobre um princípio geral
já existente - e incompatível com a prática de treaty-shopping206.
Esta questão é particularmente cara a este estudo, pois os
casos brasileiros são fundamentados na aplicação no Acordo Brasil-
Japão que, assim como outros acordos assinados pelo Brasil, não
contém a cláusula do beneficiário efetivo.

205 “a widely-held CIV (...) should be treated as the beneficial owner of the
income it receives, so long as the managers of the CIV have discretionary pow-
ers to manage the assets on behalf of the holders of interests in the CIV and, of
course, so long as it also meets the requirements that it be a “person” and a
“resident” of the State in which it is established”, p. 10.q
206 REIMER, Ekkehart; RUST, Alexander; VOGEL, Klaus (Eds.). Klaus Vogel

on double taxation conventions. 4. ed. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law Inter-
national, 2015, p. 717.

157
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

4.2. Definição Doméstica ou Autônoma Internacional

Uma das primeiras questões decorrentes do estudo e apli-


cação do conceito de beneficiário efetivo nos Acordos é se o termo
deveria ser definido de acordo com uma definição de direito tribu-
tário internacional autônomo ou se deveria ser preenchido com o
conceito doméstico, conforme previsto na lei interna do Estado que
aplica o Acordo. A questão surge após considerarmos que benefici-
ário efetivo é um termo não definido pelo acordo, e consequente-
mente, o Artigo 3(2) do MC da OCDE redireciona a definição para
a lei interna do Estado que aplica o Acordo207.
No entanto, o Art. 3(2) considera possível renunciar à de-
finição doméstica se o "contexto exigir de outra forma".208 Como
consequência, alguns autores defenderam a aplicação de uma defi-
nição nacional, enquanto a grande parte se pronunciou a favor de
uma definição de direito tributário internacional.209 Essa conclusão

207 See DU TOIT, C. Beneficial Ownership of Royalties in Bilateral Tax Trea-


ties. Amsterdam: IBFD, 1999, p. 172; OLIVER, J.D. et al. Beneficial Owner-
ship and the OECD Model, British Tax Review, n.1, 2001, pp. 43-46; MARTÍN
JIMÉNEZ, A. Beneficial Ownership, Current Trends. World Tax Journal, v. 2,
n. 1, p. 50; EYNATTEN, W. et al. The Concept of Beneficial Owner under
Belgian Tax Law: Legal Interpretation is Maintained. Intertax,v. 31, o. 12, p.
525.
208 Sobre a análise do Artigo 3 (2) e sua interpretação, vide: AVERY JONES,

J. et al. The Interpretation of Tax Treaties with Particular Reference to Article


3 (2) of the OECD Model – I, British Tax Review, v. 1, 1984.
209 Referências em: MARTÍN JIMÉNEZ, A. Beneficial Ownership, Current

Trends. World Tax Journal, v. 2, n. 1, p. 50; BAKER, P. Double Taxation Con-


ventions: a Manual on the OECD Model Tax Convention on Income and on
Capital. Londres: Sweet and Maxwell, 2006, 10B-13 (2003); WALSER, J.L.
The OECD Model Convention – 1998 and Beyond: The Concept of Beneficial
Ownership in Tax Treaties. IFA Congress Seminar Series v. 23a, 2000, p.15;
OLIVER, J.D. et al. Beneficial Ownership and the OECD Model. British Tax
Review, n.1, 2001, pp. 46-48; VOGEL, K. Klaus Vogel on Double Taxation
Conventions. Kluwer Law International, 1997, p. 562; DANON, R. Le concept
de bénéficiaire effective dans le cadre du MC OCDE. IFF Forum für Steuer-
recht, 2007, p. 40; DU TOIT, C. Beneficial Ownership of Royalties in Bilateral
Tax Treaties. Amsterdam: IBFD, 1999, p. 172; ELIFFE, C. The Interpretation
and Meaning of Beneficial Owner in New Zealand. British Tax Review, n. 3,

158
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

também é encontrada em jurisprudência relevante, vide o caso In-


dofood210 frequentemente lembrado pela doutrina, no qual a corte
decidiu que ao termo Beneficiário Efetivo deveria ser dada uma co-
notação internacional fiscal e não um significado derivado das leis
domésticas dos Estados contratantes.
Os principais argumentos a favor de tal definição interna-
cional são (i) a inexistência de tal conceito na grande maioria dos
países;211 (ii) o Comentário da OCDE que prevê uma definição de
beneficiário efetivo, que apesar de sua imprecisão, decorre da defi-
nição doméstica;212 (iii) o fato de que a versão francesa difere de
qualquer abordagem doméstica213; e (iv) a aplicação do conceito de
beneficiário efetivo conforme previsto pela legislação doméstica le-
vará a inconsistências e disparidades na aplicação do acordo que
comprometeriam o objeto e a finalidade do Acordo.214

2009, p. 304. EYNATTEN, W. et al. The Concept of Beneficial Owner under


Belgian Tax Law: Legal Interpretation is Maintained, Intertax, v. 31, n. 12, p.
538.
210 VALLADA, Felipe. Beneficial ownership under Articles 10, 11 and 12 of

the 2014 OECD model convention. In: LANG, Michael et al (ed.). The OECD-
model-convention and its update 2014. Amsterdã/Viena: Linde/IBFD, 2015.
211 Cf. VOGEL, K. Klaus Vogel on Double Taxation Conventions. Kluwer Law

International, 1997, p. 562; BAKER, P. Double Taxation Conventions: a Man-


ual on the OECD Model Tax Convention on Income and on Capital. Londres:
Sweet and Maxwell, 2006, 10B-13 (2003); KILLIUS, J. The Concept of ‘Ben-
eficial Ownership of Income under German Tax Treaties. Intertax, n. 8-9, 1989,
p. 340.
212 Vide OLIVER, J.D. et al. Beneficial Ownership and the OECD Model. Brit-

ish Tax Review, n.1, 2001, pp. 46-48; EYNATTEN, W. et al. The Concept of
Beneficial Owner under Belgian Tax Law: Legal Interpretation is Maintained,
Intertax, v. 31, n. 12, pp. 536-537.
213 Cf. BAKER, P. Double Taxation Conventions: a Manual on the OECD

Model Tax Convention on Income and on Capital. Londres: Sweet and Max-
well, 2006, 10B-13 (2003); VOGEL, K. Klaus Vogel on Double Taxation Con-
ventions, Kluwer Law International, 1997, p. 562.
214 Vide LUTHI In: WALSER, J.L. The OECD Model Convention – 1998 and

Beyond: The Concept of Beneficial Ownership in Tax Treaties. IFA Congress


Seminar Series v. 23a, 2000, p.25.

159
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

4.3. Alocação de Receita ou Cláusula Antiabuso

Outra questão importante ao analisar o termo beneficiário


efetivo é se este conceito deve ser interpretado a partir de seu direito
tributário internacional como uma disposição antiabuso ou como
uma regra de alocação de renda. Os autores que apoiam uma abor-
dagem antiabuso do proprietário beneficiário mantém em grande
parte seus argumentos para o propósito original do proprietário be-
neficiário: combater o abuso dos contribuintes que não se destinam
a ser abrangidos pela convenção.215
Por outro lado, há autores que defendem a definição de
uma regra de atribuição de renda, baseando seu raciocínio no Co-
mentário da OCDE que fornece uma definição negativa do conceito
de beneficiário efetivo.216 Eles também apoiam seu ponto de vista
no fato de que os acordos visam evitar a dupla tributação. Se não
houver tributação nas mãos do destinatário, não há risco de dupla
tributação, e a aplicação do acordo é imprópria. Sob esta perspec-
tiva, o beneficiário efetivo corrige essa situação atribuindo o bene-
fício do acordo ao verdadeiro proprietário que está sujeito ao im-
posto sobre essa renda.

215 Vide: VOGEL, K. Klaus Vogel on Double Taxation Conventions. Kluwer


Law International, 1997, p. 562; VAN WEEGHEL in OLIVER, J.D. et al. Ben-
eficial Ownership and the OECD Model, British Tax Review. n.1, 2001, pp.
58-60; MOIIJ / WALSER in WALSER, J.L. The OECD Model Convention –
1998 and Beyond: The Concept of Beneficial Ownership in Tax Treaties, IFA
Congress Seminar Series Vol. 23a, 2000, p. 17; DU TOIT, C.: Beneficial Own-
ership of Royalties in Bilateral Tax Treaties. Amsterdam: IBFD, 1999, pp. 208-
209.
216 Em: MARTÍN JIMÉNEZ, A. Beneficial Ownership, Current Trends. World

Tax Journal, v. 2, n. 1, p. 50; LIBIN in OLIVER, J.D. et al. Beneficial Owner-


ship and the OECD Model. British Tax Review, n. 1, 2001, pp. 60-62. Vide
também sobre o partnership report: OLIVER, J.D. et al. Beneficial Ownership
and the OECD Model. British Tax Review, n. 1, 2001, p. 64; WHEELER, J.
The Missing Keystone of Income Tax Treaties. Amsterdam: IBFD, 2012.

160
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

4.4. Definição Restritiva ou Extensiva (Broad or Narrow)

Outro aspecto controverso é a possibilidade de dar ao be-


neficiário efetivo um significado geral e amplo, ou restrito. En-
quanto alguns autores consideram que sua finalidade antiabuso ou
regra de atribuição de renda deve ser usada contra qualquer forma
de treaty-shopping ou uso indevido do Acordo, outros entendem que
apenas as transações que são estritamente cobertas pelo conceito são
excluídas do escopo dos benefícios do acordo.217
Embora conectada à controvérsia anterior, a conclusão
não está diretamente ligada à resposta. Pode ser considerado que o
beneficiário efetivo é uma disposição antiabuso com uma definição
muito restrita apenas dirigida a agentes e nominees, e também pode
ser apoiado que é uma atribuição de regra de renda aplicável a qual-
quer transação. No mesmo sentido, ambas as considerações podem
ser feitas no sentido oposto.

4. 5. Beneficiário Efetivo e o Direito da União Europeia

Outra questão relevante relacionada ao beneficiário efe-


tivo é como o conceito pode interagir com o direito da União Euro-
peia – e eventualmente afetar a aplicação de acordos.
Em primeiro lugar, há a questão de como a definição de
direito derivado dada pela legislação da UE se relaciona com o con-
ceito previsto no MC da OCDE. A Diretiva Europeia sobre Juros e

217Sobre uso restrito das regras anti-abuso, vide: VAN WEEGHEL in OLI-
VER, J.D. et al. Beneficial Ownership and the OECD Model. British Tax Re-
view, n. 1, 2001, pp. 58-60; sobre o uso extensivo das regras anti-abuso, vide:
VOGEL, K. Klaus Vogel on Double Taxation Conventions. Kluwer Law Inter-
national, 1997, p. 562.

161
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Royalties inclui um conceito de proprietário benéfico que difere li-


geiramente do conceito conforme definido no Comentário da
OCDE.218
A interpretação do termo já se mostrou complexa no ter-
reno, com dúvidas sobre a extensão da influência das Diretivas sobre
interpretação dos Acordos bilaterais acordados pelos Países-mem-
bros – e vice-versa. Umas das questões que surgem é sobre a possi-
bilidade de utilização de um conceito doméstico existente, com base
no Artigo 3(2). De maneira similar questiona-se o conceito ser uti-
lizado para a interpretação de Acordo através do Efeito Indireto da
Legislação Europeia219. Aparentemente os Acordos, entenda-se
Convenção Modelo da OCDE e respectivos Comentários, foram
mais relevantes ao guiar a interpretação das Diretivas220.
A Interest Royalty Directive (IRD) carrega a seguinte de-
finição:

A company of a Member State shall be treated as the


beneficial owner of interest or royalties only if it re-
ceives those payments for its own benefit and not as an
intermediary, such as an agent, trustee or authorized
signatory, for some other person.

A European Court of Justice (CJEU), acabou por se des-


viar da definição mais restritiva trazida à época pela Convenção Mo-
delo OCDE de 2014 e respectivos Comentários, além de afastar do

218 Art. 1 (4) and (5) Council Directive 2003/49/CE of 3 th June 2003 on a com-
mon system of taxation applicable to interest and royalty payments made be-
tween associated companies of different Member States. O.J. 26 th June 2003
L157/49. Em: GREGGI, M. Taxation of Royalties in a EU Framework, Tax
Notes International, v. 46, n. 11, p. 1158.
219 Vide: BETLEM, G. The Doctrine of Consistent Interpretation. In: PRINS-

SEN, J.; SCHRAUWEN, A. (Eds.). Direct Effect. Groningen: Europa Law Pub-
lishing, 2002, p. 98.
220 Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, C, I, Beneficial Owner, mn.

50, 2021.

162
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

escopo interpretativo eventual significado doméstico,221 ao priorizar


beneficiário efetivo como um termo antiabuso de Direito Europeu.
O tema é incrivelmente extenso e não será desenvolvido
nesta obra.
Contudo, imprescindível deixar de mencionar que, apesar
da IRD conter o termo, não se pode dizer o mesmo sobre a Parent
Subsidiary Directive (PSD). Surpreendentemente, a CJEU decidiu
aplicar também o conceito de beneficiário efetivo aos casos222 afe-
tados, e isto levou uma corte administrativa na Espanha a negar a
isenção prevista na PSD, bem como negar a alíquota reduzida com
base no Acordo Espanha Luxemburgo. 223

4.6. Cláusula “Fantasma” do Beneficiário Efetivo

4.6.1. Molinos Río de la Plata

O Tribunal Fiscal de la Nación emitiu uma decisão con-


troversa em agosto de 2013.224
A empresa chilena Molinos de Chile y Río de la Plata Hol-
ding SA distribuiu dividendos para a empresa argentina Molinos Río
de la Plata SA. De acordo com o acordo Argentina-Chile,225 as dis-
tribuições de dividendos só seriam tributáveis no país de origem,
deixando a Argentina sem nenhum direito à tributação. O Chile,

221 Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, C, I, Beneficial Owner, mn.


54, 2021
222 Vide “Danish Cases”

223 Klaus Vogel on Double Taxation Conventions, C, I, Beneficial Owner, p. 11

mn. 57, 2021


224 Argentina and Chile, Molinos Río de la Plata S.A. (Tribunal Fiscal de la

Nación 2013).
225 Argentina and Chile, “Argentina-Chile Income and Capital Tax Treaty,”

1976., article 11. Entretanto, o acordo foi terminado em 1.1.2013.

163
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

através de alterações na legislação interna,226 isentou a renda estran-


geira do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica chileno, seja gerada
no exterior ou remetida ao exterior, levando a um caso de dupla não
tributação. A Argentina claramente não estava satisfeita com a pos-
sibilidade de abuso do acordo ao canalizar a renda estrangeira com
o simples estabelecimento de uma holding no Chile e acabou por até
mesmo denunciou o acordo com o Chile em a partir de 1º de janeiro
de 2013.
O Tribunal argentino argumenta que, embora os acordos
e convenções internacionais tenham um status hierárquico superior,
uma mudança na lei interna do parceiro do acordo fiscal que afete o
acordo (declaração questionável considerando os fatos do caso) se-
ria suficiente para permitir a aplicação do princípio interno argen-
tino da realidade econômica da operação.227 Explica ainda que as
regras nacionais anti-evasão devem ser aplicáveis mesmo que o
acordo não preveja tais regras, desde que o contribuinte tenha incor-
rido em uma "simulação" ou cometido "fraude contra a lei tributá-
ria". O tribunal claramente não estava satisfeito com a legislação
interna Chilena228 e deixou de fundamentar devidamente a decisão.
Em 2016, a decisão foi confirmada no mérito. Todavia, na
sentença da apelação, foi rejeitada a noção de que uma holding não
poderia ser considerada a beneficiária efetiva para fins de um
Acordo. Isso só poderia ocorrer com uma análise de fatos específi-
cos do caso. Por fim, a Corte Suprema de Justicia de la Nación no-
vamente emitiu uma decisão favorável ao Fisco, citando princípios
de direito público, boa-fé e razoabilidade, acarretando a não prote-
ção do contribuinte pelo Acordo em questão.

226 Lei n. 19.840, especialmente o Art. 41D do Decreto-lei n. 824.


227 Argentina and Chile, Molinos Río de la Plata S.A., VII (Tribunal Fiscal de
la Nación 2013), para. VII.
228 “(…) el régimen fiscal nocivo implantado en Chile, el cual no pudo ser te-

nido en cuenta por nuestro país al momento de negociar el Convenio porque


no estaba vigente (…)”

164
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

4.6.2. X Holding APS

O caso X Holding envolveu uma estrutura societária com


várias subsidiárias com residência em diferentes jurisdições.229A
holding principal era a D. Ltd, uma empresa residente nas Bermu-
das, que era proprietária da C Ltd, uma empresa residente em Guern-
sey. Posteriormente, a C Ltd detinha participação na X Holding
ApS, uma empresa holding dinamarquesa. X Holding detinha parti-
cipação na H AG, uma empresa residente na Suíça. X Holding era o
contribuinte relevante para o caso.
Após o pagamento de dividendos, a restituição da quantia
paga como imposto retido na fonte requerida com base no Acordo
Fiscal Suíço/Dinamarca. foi negada pelas autoridades fiscais, que
consideraram a estrutura abusiva.
A questão foi judicializada e o tribunal decidiu que o con-
tribuinte não tinha direito à restituição. A decisão analisou o conte-
údo do artigo 10 do DTC da Suíça e chegou à conclusão de que a
única referência às características do recipiente da renda em compa-
ração com a exigência do conceito de beneficiário efetivo é a reda-
ção "paid…to" contida em tal artigo. Devido ao caráter indefinido
do termo, o Corte aplicou ao caso o Artigo 3(2) do Acordo. Ao fazer
uso de um conceito doméstico semelhante a "paid…to", a Corte de-
cidiu que o pagamento no nível do acordo deve ser interpretado no
sentido do pagamento ao proprietário econômico da renda. Assim,
aparentemente, a Corte decidiu aplicou a interpretação econômica
"paid to" e, efetivamente, a interpretação dada ao termo foi ampla
(“economic” owner/substance over form approach).
A utilização do caráter implícito ou indireto do conceito
de Beneficiário Efetivo baseado no termo “paid to” é uma interpre-
tação que não deve prosperar. Contudo, a Corte realizou uma mano-
bra que difere do paralelo imediato da semelhança na redação. A
Corte recorreu ao conceito doméstico de "pago a", pois este conceito

229
Vide: Ruling of the Federal Tax Appeals Commission of Switzerland of 3 th
March 2005, SRK 2003-159 X Holding Aps v. FTA.

165
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

é indefinido na opinião da Corte, e o Art. 3 (2) indica, nesse caso, o


recurso ao direito interno.230 No final, a definição das palavras "pago
a" sob esta decisão parecia recorrer às regras de atribuição do Estado
fonte. A possibilidade de considerar o proprietário beneficiário
como preexistente na Convenção se situa sob este raciocínio para
definir o conceito de proprietário beneficiário como um recurso às
regras de atribuição do Estado que aplica o acordo.

4.6.3. A Índia e a Cláusula do Beneficiário Efetivo

É possível observar ainda, mesmo em casos recentes, a


tentativa não apenas de aplicar o conceito de beneficiário efetivo nos
artigos de renda passiva (dividendos, juros e royalties) em acordos
que não adotaram a regra, mas até em artigos do acordo que nunca
tiveram incluídos em sua redação na Convenção Modelo da OCDE.
Foi o caso de uma decisão de 2022 do Income Tax Appellate Tribu-
nal de Mumbai231, que acabou por confirmar o entendimento de
Azhadi Bachao no sentido de que a escolha de não incluir uma cláu-
sula em um acordo pode ser feita de maneira deliberada.
É possível encontrar casos nesta jurisdição que defendam
a liberdade do contribuinte organizar seus negócios como desejar,
da mesma maneira que os estados contratantes têm autonomia para
decidir quais cláusulas desejam inserir ou afastar de seus Acordos
negociados – inclusive cláusulas antiabuso. Neste sentido, vide a re-
dação da circular 789/2000 mencionando que um certificado de re-
sidência é suficiente para a comprovação da qualidade de benefici-
ário efetivo:

230 Vide MATEOTTI, R.; SUTTER, F. Switzerland: Broad v. Narrow Interpre-


tation of the Beneficial Owner Concept. In: LANG, M. et al (Eds). Beneficial
Ownership: Current Trends, IBFD. Amsterdam, 2013, p. 53; DANON, R. Le
concept de bénéficiaire effective dans le cadre du MC OCDE. IFF Forum für
Steuerrecht, 2007, p. 47.
231 Blackstone FP Capital Partners Mauritius V Ltd vs Deputy Commissioner

of Income Tax International Taxation Circle 1(2)(2), Mumbai, 17.5.2022.

166
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

2. Prior to 1st June, 1997, dividends distributed by


domestic companies were taxable in the hands of the
shareholder and tax was deductible at source under
the Income-tax Act, 1961. Under the DTAC, tax was
deductible at source on the gross dividend paid out
at the rate of 5 per cent. or 15 per cent. depending
upon the extent of shareholding of the Mauritius res-
ident. Under the Income-tax Act, 1961, tax was de-
ductible at source at the rates specified under section
115A, etc. Doubts have been raised regarding the
taxation of dividends in the hands of investors from
Mauritius. It is hereby clarified that wherever a cer-
tificate of residence is issued by the Mauritian au-
thorities, such certificate will constitute sufficient ev-
idence for accepting the status of residence as well
as beneficial ownership for applying the DTAC ac-
cordingly.

4.7. Cláusula “Fantasma” do Beneficiário Efetivo no Brasil

4.7.1. “Beneficiário Efetivo” na Legislação Doméstica Brasileira

O Brasil vem desenvolvendo sua rede de acordos desde


1967, com a promulgação do Acordo Brasil-Japão. Uma série de
outros acordos foram assinados nos anos 1970, mas apenas em 1981,
com o Acordo Brasil-Itália, que o Brasil adotou a cláusula do bene-
ficiário efetivo.
Oriundo de uma política e regramento específicos de ju-
risdições estrangeiras, não é de se estranhar que não houvesse uma
definição doméstica de beneficiário efetivo mesmo quando da assi-
natura de acordos que continham o termo.

167
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Assim, não é de se causar estranheza que não há, na legis-


lação interna brasileira, um conceito de Beneficiário Efetivo desti-
nado à interpretação da aplicação de acordos contra a bitributa-
ção232.
Contudo, é possível encontrar um termo similar a Benefi-
ciário Efetivo na redação da Lei n. 12.249/2010, que trouxe as regras
de subcapitalização (thin cap rules) ao Brasil. Em seu Artigo 26,
para. 1º, o “Efetivo Beneficiário” é “a pessoa física ou jurídica não
constituída com o único ou principal objetivo de economia tributá-
ria que auferir esses valores por sua própria conta e não como
agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de ter-
ceiro.”
Alberto Xavier233 entende que seria possível, por meio do
Direito brasileiro, interpretar o termo Beneficiário Efetivo de ma-
neira satisfatória, através de um paralelo fazendo-se valer (i) do pa-
ralelo da definição negativa de Beneficiário efetivo; e (ii) da figura
equivalente no Direito brasileiro ao do instituto de civil law. Este
apontaria o instituto do mandato sem representação, estando a res-
posta na figura do mandatário sem representação - “mandatário por
conta de terceiro”, a que se refere o artigo 26 supracitado.
Resta aguardamos se o julgador brasileiro irá trilhar este
caminho, caso decida que o termo deverá ser interpretado à luz do
direito doméstico.

232 REIMER, Ekkehart; RUST, Alexander; VOGEL, Klaus (Eds.). Klaus Vogel
on double taxation conventions. Fourth edition. Alphen aan den Rijn: Kluwer
Law International, 2015, p. 728.
233 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2015.

168
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

4.7.2. Maxitel S.A. (“Tim Nordeste”)234

As autoridades fiscais exigiam o pagamento de uma quan-


tia perto de R$ 20 milhões referente ao imposto de renda, mais mul-
tas, que deveria ter sido retido pela empresa Maxitel S.A. devido ao
pagamento de juros ao exterior.
A empresa emitiu títulos no mercado internacional no fi-
nal dos anos 1990, mas não reteve o imposto de renda sobre os juros
pagos devido a uma isenção. Após a liquidação prematura dos con-
tratos, a isenção não seria mais aplicável, razão pela qual a empresa
calculou o valor devido com base na alíquota de 12,5% tendo em
vista o Acordo Brasil-Japão. Entretanto, as autoridades fiscais acre-
ditavam que deveria ser aplicável uma alíquota de 15%, de acordo
com o artigo 685(I) do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99).
O contribuinte demonstrou que os beneficiários, a saber,
Chase Trust Bank e JP Morgan Trust Bank Ltd., eram residentes no
Japão, citando então o Artigo 10 do Acordo de Imposto de Renda
Brasil-Japão, datado de 1967, alterado em 1976. A alíquota reduzida
do acordo que era de 10% foi majorada para 12,5%. Importante res-
saltar que, com esta alteração, houve a oportunidade para também
incluir a cláusula do Beneficiário Efetivo, o que não foi feito.
A empresa mencionou que o Artigo 98 do Código Tribu-
tário Nacional estabelece expressamente que “os acordos e conven-
ções internacionais revogam ou modificam a legislação interna, e
serão observados pela que lhes sobrevenha” que aqueles devem ser
levados em conta ao modificar ou promulgar uma nova lei além de
que os acordos tributários internacionais seriam lex specialis e de-
veriam prevalecer sobre as normas gerais.
A alíquota reduzida foi negada com o argumento de o re-
metente dos juros deveria provar que o “efetivo beneficiário” é resi-
dente no país-parceiro do Acordo em questão, e que no caso anali-
sado o beneficiário era de fato um mero intermediário que repassaria
a renda a terceiros.

234 Acórdão n. 102-49.480, de 4/2/2009.

169
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Curiosamente, o termo utilizado pela 3a Turma da Dele-


gacia da Receita Federal de Julgamento em Belo Horizonte foi "efe-
tivo beneficiário" ao invés de "beneficiário efetivo", talvez por des-
cuido ou por terem consciência de que o termo não constava no
Acordo em questão e que exigir sua aplicação seria controverso ou
difícil se o caso fosse levado ao judiciário.
O contribuinte recorreu da decisão,235 reiterou todos os ar-
gumentos e acrescentou que não há nenhuma referência a "benefici-
ário efetivo" no texto do acordo, nem qualquer cláusula similar, di-
ferente de outros acordos assinados pelo Brasil. Se não há condição
de "proprietário beneficiário" - argumenta a Maxitel - a única refe-
rência expressa no acordo é aquela relacionada ao país de residência
do beneficiário que, neste caso concreto, é devidamente cumprida.
Como contraponto, foi argumentado que os recipientes do
pagamento dos juros agiram como meros intermediários e que os
credores da dívida são residentes de outros países que não o do re-
cipiente, e por isso os destinatários deveriam sofrer um recolhimento
de 15%.
O conselheiro responsável pelo recurso discutiu as transa-
ções acordadas236 e chegou à conclusão de que o "agente pagador"
é uma parte fundamental para este tipo particular de transação e o
fato de que eles estão transferindo a renda não desqualifica sua na-
tureza, especialmente quando os credores estão localizados em vá-
rias jurisdições diferentes.
O Acordo e a legislação brasileira em vigor dá direito aos
benefícios do acordo a um residente do outro Estado contratante - o
Japão, continuou o conselheiro, concluindo posteriormente que sim,

235 3a Turma da Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Belo Hori-


zonte.
236 Floating rate notes e eurobonds. Para uma análise mais detalhada do caso

vide artigo de Celso Araujo Santos e Leonardo Castro "Caso Tim Nordeste:
Aplicação Do Tratado Brasil-Japão Na Remessa De Juros Decorrentes De Eu-
robonds", in CASTRO, L. F. M.; RIBEIRO, A. C. (Eds.). Tributação interna-
cional: análise de casos. 1a ed. São Paulo: APET / MP Editora, 2010.

170
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

citando doutrina e jurisprudência no sentido da diferença entre liable


to tax and effectively taxed.
O conselheiro considera a possibilidade de aplicar regras
domésticas antiabuso, mas conclui não ser possível no caso pois não
restou comprovada fraude, dolo ou simulação. A decisão também
esclarece que regras domésticas antiabuso não poderiam ser aplica-
das se o Acordo em questão não autorizar: "E ainda que se estivesse
a tratar de treaty shopping, cujos elementos sequer foram demons-
trados no procedimento administrativo fiscal, tal prática não é ve-
dada pelo acordo firmado entre o Brasil e o Japão."
O afastamento da aplicabilidade de uma cláusula inexiste
no acordo entregou uma decisão acertada, porém nos privou de ter
o sentido do termo Beneficiário Efetivo devidamente analisado.

4.7.3. Volvo do Brasil Veículos Ltda. (“Volvo”)

O segundo caso brasileiro que será analisado também teve


sua disputa pautada em cláusulas do Acordo Brasil-Japão. A Volvo
obteve um empréstimo para financiar suas atividades no Brasil com
um banco sediado no Japão. Todavia, o financiamento foi realizado
diretamente com a uma filial do banco situada não no Japão, mas no
Panamá.
De acordo com a administração fiscal brasileira, os paga-
mentos de juros feitos de uma empresa brasileira para uma filial de
um banco panamense deveriam sofrer uma tributação da ordem de
25%,237 enquanto o contribuinte argumentava que a alíquota de
12,5% seria aplicável tendo em vista a proteção pela cláusula de ju-
ros do Acordo Brasil-Japão.
O acórdão do TRF4 afastou a aplicação do Acordo antes
que o tema do beneficiário efetivo pudesse ser discutido. A funda-
mentação do acórdão lembrou que a remessa foi enviada ao Panamá,

237De acordo com informações presentes na decisão do RE pelo Ministro Tof-


foli publicada em 4.8.2010.

171
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Estado de direito soberano, e que a lei Japonesa não se aplicaria às


empresas panamenhas. Quase que invertendo o papel esperado na
maioria dos casos de beneficiário efetivo, o TRF4 argumentou de
maneira peculiar que “Não há nos autos de que a verba recebida no
Panamá seria, de imediato, transferida para o Japão, quando, só en-
tão submeter-se-ia às leis nipônicas”.

5 Considerações Finais

As regras de Limitação de Benefícios e Beneficiário Efe-


tivo constantes nos Acordos de Bitributação são regras específicas
aplicáveis a situações de Treaty Shopping, em que se vale de deter-
minado acordo - geralmente via interposição de entidade na jurisdi-
ção com o acordo - para obter benefícios fiscais que não seriam ob-
tidos caso essa entidade não fosse interposta preponderantemente
para fins fiscais.
A regra de Limitação de Benefícios (LOB), inicialmente
foi introduzida pelos EUA, estabelece um método objetivo, via tes-
tes padronizados, que predetermina a possibilidade de um indivíduo
ou entidade a gozar das disposições do acordo, visando excluir mo-
delo típicos de Treaty Shopping. Essa regra foi apresentada pela
OCDE no âmbito do BEPS em 2015, e incluída, combinada à regra
geral antiabuso - a PPT, como “minimum standard" no âmbito de
aplicação de acordos.
Muito embora a aplicação da LOB com PPT na celebra-
ção de acordos seja controversa na doutrina, o Brasil vem imple-
mentando as duas regras combinadas em seus novos acordos cele-
brados nos últimos anos (e.g. Argentina, Suécia, Emirados Árabes
Unidos). Essa política fiscal internacional adotada pelo Brasil está
em linha com as recomendações da OCDE, no entanto, nunca foi
testada nos tribunais nacionais.
Em relação exclusivamente ao LOB, vale frisar que o Bra-
sil tem adotado mais consistentemente em sua legislação algumas

172
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

regras específicas antiabuso (e.g. Lucros no Exterior/CFC, regras de


subcapitalização) em relação às regras gerais antiabuso, como é o
caso do artigo 116, parágrafo único, do CTN que todavia não foi
regulado. Dessa forma, os autores entendem que um LOB seria re-
cepcionado pelas autoridades brasileiras e ordenamento jurídico de
forma menos controversa que um PPT.
O Brasil já teve que lidar com o teste do Beneficiário Efe-
tivo e, por ora, alinhou-se de maneira a não reconhecer uma condi-
ção implícita. Muito pelo contrário, o critério adotado na decisão foi
da simples verificação da residência fiscal do recipiente.238
A cláusula do beneficiário efetivo tem feito parte da polí-
tica de negociação de acordos do Brasil. Isso porém, não nos trans-
porta automaticamente para uma correta aplicação do princípio. Por
mais que a interpretação em favor de utilizar a Lei n. 12.249/2010,
não há consenso doutrinário sobre qual interpretação utilizar ou ju-
risprudência assentada suficiente para garantir que a interpretação
entregue um mínimo necessário de segurança jurídica aos inbound
investments no Brasil.
Não é raro encontrar uma definição doméstica que extra-
pola o razoável ao tentar agregar diversas regras sob o termo Bene-
ficiário Efetivo - muitas vezes realizada na forma de uma indicação
administrativa, não na forma de lei.239 Esta Circular 601 sofreu di-
versas alterações através dos anos e veio a ser substituída posterior-
mente. Não surpreende que esta jurisdição teve de publicar, e depois
expandir, regras de safe-harbor para o teste do Beneficiário Efetivo.
De toda sorte, apesar de ser uma prática muito comum no
âmbito Europeu e internacional, não era costumeiro que as autori-
dades fiscais brasileiras exijam certificados de residência ou confir-
mações similares de que o recipiente da renda é residente ou tribu-
tado no seu país de alegada residência. Talvez devido às peculiari-
dades do ordenamento tributário brasileiro e ao tratamento dado à
distribuição de dividendos no Brasil, este aspecto seja levemente

238 Referente ao Acordo Brasil-Japão


239 Circular 601 (República Popular da China)

173
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

menos dispendioso do ponto de vista do compliance tributário inter-


nacional do que em outras jurisdições, como a Polônia.
Concluindo, é imperativo entender que a cláusula do be-
neficiário efetivo não é um coringa que irá resolver os mais comple-
xos problemas de evasão, de elisão fiscal, ou de implementação das
mais diversas políticas públicas desejadas; e não deve concatenar
diversas regras distintas com o intuito de aumentar o seu alcance.
É necessário buscar o equilíbrio entre a legislação guiada
pelas políticas públicas e econômicas e as regras antievasivas ou que
contestem planejamentos tributários excessivamente agressivos. Es-
tas são muitas, e podem ser combinadas, mas não devem ser dispen-
diosas a ponto de desestimular transações e negócios legítimos.

174
Capítulo 6
Alienação Indireta de Ativos: Aspectos Tributários no
Contexto Brasileiro e Internacional

Contribuições: Luis Henrique Costa


Teresa Novais Corrêa Meyer

1 Considerações Iniciais

A economia globalizada e altamente dinâmica dos últimos


tempos gerou reflexos evidentes nos novos modelos de negócios e
estruturação de grupos econômicos. No âmbito tributário, os debates
têm por objetivo permitir a adaptação dos sistemas jurídicos dos pa-
íses às mudanças constantes decorrentes desse modelo econômico.
Busca-se o alinhamento de suas políticas fiscais em âmbito interna-
cional para promover economicamente os países e, ao mesmo
tempo, impedir práticas abusivas por contribuintes, que geram a ero-
são de bases de cálculo e redução do lucro tributável. A Organização
de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) tem tido
papel fundamental no alinhamento dessas políticas e desenvolvi-
mento de planos de ação que neutralizem práticas tributárias abusi-
vas.
O Brasil, desde 2017, pleiteia a posição de País-membro
da OCDE, almejando um lugar mais representativo à mesa de dis-
cussão de políticas fiscais internacionais. Em 2022, a OCDE sinali-
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

zou a possibilidade de o Brasil ocupar essa posição mediante a ade-


são de algumas de suas políticas (e.g., econômicas, ambientais, fis-
cais) ao padrão mantido pelos membros da OCDE.
Nesse contexto, os Autores entendem ser oportuno tratar
nesse Artigo de aspectos da tributação internacional, mais especifi-
camente, sobre o cenário brasileiro em relação à tributação do ganho
de capital decorrente de alienação indireta de ativos localizados no
Brasil (“Alienação Indireta de Ativos”). Esse tema tem sido enfren-
tado pelas autoridades brasileiras há relativamente pouco tempo, po-
rém, como mostra a OCDE em um estudo publicado em 2020, trata-
se de tema recorrente em muitos países, principalmente em países
em desenvolvimento. Em estudo intitulado The Taxation of Offshore
Indirect Transfers- A Toolkit (“Estudo da OCDE”), produzido pela
OCDE em colaboração com as Nações Unidas (“ONU”), Banco
Mundial e Fundo Monetário Internacional (“FMI”), foram analisa-
das situações de venda indireta de ativos por meio de estruturas so-
cietárias internacionais, com o fim de propor ferramentas aos países
para lidar com os efeitos tributários decorrentes dessa estrutura de
alienação240.
À sequência deste Estudo, a ONU incluiu, em sua Con-
venção-Modelo para evitar a Bitributação (“Convenção Modelo da
ONU”) publicada em setembro de 2021, um parágrafo específico no
artigo de ganho de capitais - Artigo 13(7), para tratar da alienação
indireta de ativos. Dessa forma, resta clara a importância do tema no
âmbito internacional. No âmbito brasileiro, a relevância da questão
também foi constatada com a tentativa de introdução de lei especí-
fica - Projeto de Lei nº 2.337/2021 - visando a tributação dessas ope-
rações e inclusão em Acordos assinados com a Noruega e Reino
Unido em novembro de 2022 com previsão expressa sobre alienação
indireta de ativos.

240The Platform for Collaboration on Tax: The Taxation of Offshore Indirect


Transfers- A Toolkit. Junho de 2020, International Monetary Fund (IMF); Or-
ganisation for Economic Co-Operation And Development (OECD); United Na-
tions (UN); World Bank Group (WBG).

176
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Este artigo está estruturado para abordar o tema sob uma


perspectiva doméstica brasileira e traçar paralelos com o cenário in-
ternacional, comentando as disposições que estiveram presentes no
Projeto de Lei nº 2.337/2021 referentes à tributação da alienação in-
direta de ativos no Brasil.
O artigo não pretende esgotar as discussões sobre essa
questão, mas jogar luz em um ponto pouco explorado pela doutrina
e que possui impactos relevantes para o investimento estrangeiro no
Brasil.

2 Brasil: Aspectos Tributários da Alienação Indireta de Ativos

2.1 Alienação Indireta de Ativos: Considerações Gerais

A alienação indireta de ativos é expressão normalmente


utilizada para descrever situações em que se transfere a participação
societária de uma sociedade no exterior visando à alienação de ativo
detido por essa sociedade ou por subsidiárias/controladas dessa so-
ciedade em outro país241 (“ativo subjacente”). O ativo subjacente
pode ser qualquer bem ou direito no outro país, tal como imóvel ou
participação societária (em sociedades operacionais ou sociedades
que detenham participação em sociedades operacionais).
Essa situação é particularmente relevante no caso de imó-
veis como ativo subjacente, pois, tipicamente, atraem a tributação
do ganho de capital ao país em que estão localizados. Pode ser o
caso também de bens e direitos em geral (e.g. participações societá-
rias), quando os países, a exemplo do Brasil, que impõem tributação
sobre o ganho de capital na sua alienação, bastando que estejam lo-
calizados em tais países. Dá-se, por exemplo a alienação indireta do

241Para fins do presente artigo, será analisado a situação em que o ativo subja-
cente está localizado no Brasil.

177
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

imóvel, pela venda da participação societária de uma sociedade no


exterior que detenha a sua propriedade no Brasil
No caso específico de participações societárias, tem-se
uma alienação indireta de ativos nos casos em que se transfere a
participação detida em uma sociedade holding visando à aquisição
de sociedade operacional cuja participação societária é detida pela
holding. Em vez de se adquirir diretamente a participação societária
da sociedade operacional, adquire-se a participação societária da so-
ciedade controladora.
A expressão alienação indireta de ativos pode carregar
uma conotação negativa, comumente associada às práticas que bus-
cam evitar a ocorrência do fato gerador do imposto de renda. No
entanto, é perfeitamente possível que uma alienação indireta de ati-
vos seja válida e juridicamente legítima - i.e., não apresente vícios
do ponto de vista jurídico-tributário, estando em plena consonância
com os princípios e parâmetros delineados pela ordem tributária do-
méstica e/ou internacional -, e seja economicamente sensata.
É bastante plausível e comum a operação na qual a parte
compradora pretende adquirir a holding que concentra a participa-
ção em diversas sociedades em um mesmo país ou países distintos.
Nesses casos, a intenção do negócio é a aquisição do conglomerado
como um todo – o que é viabilizado por meio da aquisição da hol-
ding, que usualmente tem substância econômica robusta, levando
em conta funções, pessoas e governança. A depender do tamanho do
conglomerado, não é raro que tais holdings sejam listadas (i.e., te-
nham o capital aberto e ações negociadas publicamente) no mercado
de capitais de uma determinada jurisdição. A aquisição individual e
isolada de cada uma das variadas sociedades abaixo da holding, vi-
sando a adquirir o controle do grupo econômico contraria qualquer
racional econômico-jurídico, sem levar em conta o incremento da
complexidade para executar as aquisições individualmente.
Assumindo-se que a holding estivesse fora do Brasil, e es-
tando o comprador também no exterior, mesmo que parte dos ativos
subjacentes (e.g., sociedades operacionais, imóveis etc.) se encon-

178
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

trassem dentro do país, sob a perspectiva brasileira não haveria ele-


mento de conexão capaz de atrair a tributação sobre o ganho de ca-
pital porventura auferido na venda. Na prática, veríamos a alienação
direta de um ativo no exterior (holding), a alienação indireta de ati-
vos no Brasil, sem que esta última produzisse efeitos tributários à
luz do arcabouço tributário brasileiro.
O tema é complexo e requer uma análise cuidadosa caso
a caso. O presente artigo visa a explorar a legislação tributária bra-
sileira no que respeita à tributação do ganho de capital de não resi-
dentes na alienação de ativos no país, bem como os aparatos norma-
tivo e jurisprudencial atualmente existentes para lidar com os casos
de alienação indireta de ativos no Brasil e sua capacidade de distin-
guir negócios legítimos daqueles que possuem certo grau de artifi-
cialismo e revelariam a intenção principal de escapar da tributação
no país. Será apresentado, ainda, um panorama da jurisprudência
identificada sobre o tema. Por fim, será explorado um pouco do pa-
norama internacional, levando em consideração a experiência obser-
vada em determinados países, bem como o Estudo da OCDE, FMI,
ONU e Banco Mundial e os modelos propostos para lidar com a ali-
enação indireta de ativos sob a perspectiva tributária.

2.2 Arcabouço jurídico no Brasil – a Tributação do Ganho de


Capital de Não Residente e a Introdução ao Tema da
Desconsideração de Negócios Jurídicos

O artigo 18242, da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995


(“Lei nº 9.249/95”) determina que o ganho de capital auferido por
residente ou domiciliado no exterior (“não residente”) será apurado
e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no Bra-
sil.

242 Artigo 18. O ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no ex-
terior será apurado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes
no País.

179
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Assim, o não residente estaria sujeito ao Imposto de


Renda Retido na Fonte (“IRRF”) sobre ganhos de capital aplicável
às alíquotas progressivas de 15% a 22,5%, conforme o valor do ga-
nho, no caso de alienação de investimentos registrados em confor-
midade com a Lei nº 4.131, de 03 de setembro de 1962, nos termos
do artigo 21 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, exceto no
caso de alienantes residentes em jurisdição de tributação favore-
cida243, conforme definição do artigo 24 da Lei nº 9.430 de 27 de
dezembro de 1996 (“Lei nº 9.430/96”). Nesse último caso, a alíquota
aplicável é de 25%.
O entendimento predominante244 a respeito do artigo 18
da Lei nº 9.249/95 era o de que a alienação de bens e direitos por
não residentes somente estaria sujeita à incidência de IRRF se tanto
o bem ou direito alienado – fonte de produção - quanto o alienante
- fonte pagadora - estivessem no Brasil245. Dessa forma, caso o ad-
quirente fosse residente ou domiciliado no exterior; ou caso o bem
ou direito não estivesse localizado no Brasil, eventual ganho de ca-
pital estaria fora do campo de incidência do IRRF. Não obstante as
críticas ao dispositivo, se reconhece a Lei nº 9.249/95 como pri-
meiro instituto legal do direito tributário brasileiro que instituiu o
princípio da universalidade para pessoas jurídicas no Brasil246.
O artigo 26247 da Lei nº 10.833 de 29 de dezembro de 2003
(“Lei nº 10.833/03”) veio modificar esse cenário, ao estipular ex-
pressamente que o ganho de capital decorrente da alienação de bens

243 Listadas pelo artigo 1 da Instrução Normativa nº 1.037/2010.


244 ROTHMANN, Gerd Willi. Tributação dos Ganhos de Capital nas Relações
Internacionais: Sujeito Passivo Fazendário, Judicial ou Legal? Revista de Di-
reito Tributário Internacional: ano 3, n. 8. São Paulo: Quartier Latin, pp. 51-72.
245 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2015, pp. 510-513.


246 SCHOUERI, Luís Eduardo. Princípios de Direito Tributário Internacional:

territorialidade, fonte e universalidade. In: FERRAZ, Roberto (Coord.). Prin-


cípios e Limites da Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 368.
247 Artigo 26. O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada

no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado


no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda

180
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

ou direitos localizados Brasil auferido por um não residente estaria


sujeito ao IRRF, independentemente do domicílio da fonte paga-
dora248. Nos termos desse dispositivo, a responsabilidade pela re-
tenção e recolhimento do IRRF - devido pelo alienante - seria do
residente ou domiciliado no Brasil; ou do procurador do adquirente,
sempre que esse seja residente no exterior.
Ressalte-se que fonte pagadora é um elemento de cone-
xão subjetivo que se estabelece em razão da residência da pessoa
física ou jurídica que possui a renda tributável; ao passo que a fonte
de produção, é elemento de conexão objetivo que se estabelece pela
localização do bem ou direito que gera a renda tributável. Para que
se tribute um rendimento ou ganho pela lei brasileira, tem-se que
estabelecer ao menos um elemento de conexão com o território bra-
sileiro, seja o elemento a fonte de pagamento ou a fonte de produção
do rendimento submetido à tributação249.
Com isso, a residência do adquirente deixou de ser deter-
minante para fins da incidência do IRRF, uma vez que o único cri-
tério para a apuração do ganho de capital passou a ser a localização
do bem objeto da alienação250. Na prática, a residência do adquirente
afetará tão somente a responsabilidade pela retenção e recolhimento
do IRRF.
Esse, portanto, é o quadro normativo de tributação da ali-
enação direta de ativos localizados no Brasil por não residentes.

incidente sobre o ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei no 9.249, de


26 de dezembro de 1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou
domiciliada no exterior que alienar bens localizados no Brasil.
248 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2015, p. 268.


249 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 8. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2015, pp. 268-270.


250 Para efeitos do artigo 26 da Lei nº 10.833/2003, ações ou quotas de socieda-

des domiciliadas no Brasil são consideradas bens ou direitos localizados no


Brasil.

181
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

A legislação tributária brasileira não dispõe de disposi-


ções legais expressas ou específicas sobre a alienação indireta de
ativos251.
A tributação da alienação indireta de ativos só poderia
ocorrer, em tese, pela aplicação do artigo 149252, inciso VII do Có-
digo Tributário Nacional (“CTN”), que permite o a desconsideração
dos negócios jurídicos quando se comprove a presença de dolo,
fraude ou a simulação no negócio jurídico. A simulação ou simula-
ção relativa253 é um instituto do direito civil, referida no artigo 167
do Código Civil, e pode ser caracterizada como a prática de um ato
ou negócio aparente com o intuito de encobrir ou ocultar um ato ou
negócio dissimulado, correspondente à vontade efetiva e real das
partes envolvidas. Assim, a simulação relativa é, geralmente, anali-
sada sob o enfoque da correspondência entre a vontade do agente e
os institutos jurídicos adotados.
Com amparo na doutrina civilista, as autoridades fiscais
aplicam, aos casos em que negócios praticados pelo particular resul-
tem na redução de carga tributária, conceitos reflexos como abuso
de direito, fraude à lei e ausência de propósito negocial para ques-
tionar a validade dos atos jurídicos praticados pelo contribuinte.
A jurisprudência tem se inclinado a identificar tais vícios
a partir de elementos que, quando analisados em conjunto, indica-
riam artificialidade dos negócios praticados, assim entendida situa-
ções que alegadamente traduziriam discrepância entre a vontade real
das partes e a exteriorizada. A expressão “artificialidade” referida

251 SANTOS, Celso Araujo Santos; CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e.


Caso Tim Nordeste: Aplicação Do Tratado Brasil-Japão Na Remessa De Juros
Decorrentes De Eurobonds, in CASTRO, L. F. DE M. E; RIBEIRO, A. C.
(Eds.). Tributação internacional: análise de casos. 1. ed. São Paulo: APET/MP
Editora, 2010, p. 139.
252 Artigo 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade ad-

ministrativa nos seguintes casos: VII - quando se comprove que o sujeito pas-
sivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.
253 A doutrina civilista costuma classificar as espécies de simulação entre “ab-

soluta” e “relativa”, sendo que, no presente caso, apenas a análise da segunda


espécie é relevante.

182
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

na jurisprudência vem associada ora ao conceito de simulação, ora


de abuso de direito ora no sentido não técnico, ou seja, sem referen-
cial semântico nos institutos do direito civil.
Os elementos de pesquisa de presença de artificialidade
de atos ou negócios jurídicos, usados pelas autoridades e presentes
na jurisprudência são:
i elementos típicos do negócio: se a formalização do
negócio jurídico praticado é coerente e adequada
aos efeitos pretendidos; se as operações são reali-
zadas e submetidas aos efeitos naturais e legais de-
las decorrentes e o conteúdo do negócio corres-
ponde à vontade exteriorizada pelas partes;
ii neutralização de efeitos: se há a prática de atos ou
negócios jurídicos posteriores que neutralizem os
efeitos típicos dos atos ou negócios anteriormente
praticados, de forma a se retornar à situação inicial;
iii aspecto temporal: o espaço de tempo entre os atos
e passos da operação ou reorganização é conside-
rado como um “peso” em análise conjunta com aos
demais elementos; e
iv parâmetros de mercado: se em operações entre par-
tes relacionadas, a adoção dos mesmos parâmetros
que seriam acordados em uma operação com ter-
ceiros pode ser relevante.
O propósito negocial, entendido como o conjunto de as-
pectos circunstanciais e volitivos dos agentes que deram razão à
consecução do negócio jurídico, é colocado como mais um elemento
cuja ausência seria um indicativo de artificialidade; a demonstração
de que os atos e transações tiveram motivações para além de fiscais
(i.e., propósito negocial) serve para conferir maior substância jurí-
dica à operação. Portanto, muito embora o propósito negocial isola-
damente não deva ser o único aspecto determinante para que uma
operação ou estrutura seja considerada simulada, a verificação de
sua existência ou não serve como um elemento de confirmação ou

183
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

não de artificialidade em combinação de outros indícios presentes.


no caso em análise.
Além do artigo 149, inciso VII, o CTN também, em seu
artigo 116254, parágrafo único, prevê uma regra geral antielisiva que
permitiria às autoridades desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gera-
dor do tributo; ou a natureza dos elementos constitutivos da obriga-
ção tributária. Contudo, o trata-se de norma de eficácia contida e a
regulamentação por lei ordinária, necessária e prevista no próprio
artigo, acerca dos parâmetros e procedimentos para desconsideração
da prática de atos ou negócios jurídicos não foi ainda editada255.

2.3 Casos de Alienação Indireta de Ativos na Jurisprudência

Na jurisprudência, a questão referente à alienação indireta


de ativos é encontrada apenas nos tribunais administrativos, sendo
considerada ainda pouco desenvolvida. Desde 2009, o Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) analisou alguns pou-
cos casos sobre o tema, proferindo posicionamentos diversos e
pouco uniformes.

254 Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato
gerador e existentes os seus efeitos: (...) Parágrafo único. A autoridade admi-
nistrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a fi-
nalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a
serem estabelecidos em lei ordinária.
255 Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta

de Inconstitucionalidade nº 2.446 em 11 de abril de 2022, reiterou a impossibi-


lidade de aplicação do artigo 116 do CTN, ao afirmar em voto que “a plena
eficácia da norma depende de lei ordinária para estabelecer procedimentos a
serem seguidos. A Medida Provisória n. 66/2002 regulamentaria, em seus arts.
13 a 19, o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, tendo
sido, entretanto, excluídos quando da conversão na Lei n. 10.637/2002. Em
2015 o tema voltou a ser tratado nos arts. 1º a 12 da Medida Provisória n. 685,
dispositivos suprimidos quando da conversão da medida na Lei n. 13.202/2015.
Assim, o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional pende,
ainda hoje, de regulamentação.”

184
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

O Caso TIJUCA256 (2009) questionou a operação de com-


pra de ações de sociedade uruguaia pela Tijuca Ltda. (“Tijuca”), so-
ciedade brasileira, com base no artigo 149, VII, do CTN. De acordo
com a autuação, a sociedade uruguaia detinha participação em mi-
neradora de calcário no Brasil e a alienação das ações da sociedade
no exterior foi considerada simulada, ao fundamento de que a ver-
dadeira intenção da Tijuca seria adquirir ações da mineradora e de
suas jazidas de calcário no interior de São Paulo; e a aquisição de
ações da sociedade uruguaia se deu com o único objetivo de evitar
IRRF no Brasil sobre o ganho de capital decorrente da alienação.
O CARF confirmou o posicionamento do Fisco com rela-
ção à configuração de simulação, não obstante, anulou o auto de in-
fração em vista da ilegitimidade passiva da Tijuca. Nesse caso, os
fatos geradores eram anteriores ao artigo 26 da Lei nº 10.833/03, e,
então, pretendeu-se sem respaldo legal autuar a adquirente das ações
da sociedade estrangeira pela falta de recolhimento do IRRF sobre
o ganho de capital decorrente da operação.
Em 2015, o CARF analisou o Caso COSAN257 no qual a
sociedade brasileira, Cosan, adquiriu ações de duas cooperativas ho-
landesas que detinham participação na Esso Brasileira de Petróleo
Ltda. (“Esso”), sociedade brasileira que comercializava e distribuía
combustível no Brasil. Nessa ocasião, o CARF, por voto de quali-
dade, entendeu tratar-se de operação estruturada para simular uma
situação diferente da real (i.e., aquisição da Esso pela Cosan), de
forma a afastar a tributação do ganho de capital auferido na aliena-
ção da Esso, mantendo a autuação258. Os elementos que evidencia-
riam a simulação, segundo a decisão, foram o declarado interesse na
criação das cooperativas em função dos incentivos regulatórios e
fiscais e a liquidação dessas cooperativas logo após a venda de suas

256 Acórdão 2202-00.346, CARF, 2ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Relatora:


Maria Lúcia Moniz de Aragão Calomino Astorga. Sessão de 2.12.2009.
257 Acórdão n. 2202-002.666, CARF, 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária. Relator:

Francisco Marconi de Oliveira, sessão de 10.2.2015.


258 Ressalte-se que o caso está, até a data de elaboração deste artigo, pendente

de julgamento na Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF.

185
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

participações. À época, a operação também foi amplamente divul-


gada na mídia, sendo apresentada ao público como a venda da Esso,
e não das cooperativas.
Mais recentemente, o Caso EQUINOR259 (2020) foi jul-
gado pelo CARF, no entanto, a autuação não foi fundamentada em
simulação como nas ocasiões anteriores, mas em abuso de direito.
No caso, se discutiu a venda de participação societária de entidade
holandesa – entidade do grupo norueguês Equinor - que detinha
equipamentos utilizados em campo offshore de exploração de petró-
leo no Brasil, Campo Peregrino, e o CARF entendeu que não houve
planejamento tributário abusivo, visto que as operações foram pra-
ticadas ao amparo do REPETRO e da Lei nº 9.478/97 (“Lei do Pe-
tróleo”). O fundamento da autuação foi que “a operação em sua es-
sência se refere à alienação de 40% do Campo Peregrino260”, no
entanto, foi afastado pela Relatora dada a impossibilidade de aliena-
ção de bacias, campos ou poços de petróleo. Ademais, as operações
foram aprovadas pelos órgãos reguladores e os contratos de arren-
damento dos equipamentos foram validados pelas Autoridades Fis-
cais no contexto do regime aduaneiro especial do REPETRO.
Além do mais, se atentou ao fato de que não houve alega-
ção de simulação, ou aplicação de multa qualificada, e que o abuso
de direito não se sustenta como fundamento de uma autuação uma
vez que o artigo 116 do CTN não é aplicável sem uma regulação –
o que até o momento não ocorreu.
O Caso CPFL, também sobre a temática, foi convertido
em diligência em 2018261 para apuração de fatos e está pendente de
julgamento no CARF.
Por fim, há uma discussão paralela no CARF que, muito
embora não seja o foco central do presente artigo, tem relação com

259 Acórdão 1201-003.56. CARF. 1ª Seção de Julgamento, 2ª Câmara, 1ªTurma


Ordinária. Relatora: Gisele Barra Bossa. Sessão de 22.1.2020.
260 Fls. 26 do Acórdão nº 1201-003.561.

261 Acórdão 2402-000.651. CARF - 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária. Relator:

Letícia Domingues Costa Braga. Sessão de 12.6.2018.

186
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

o presente tema que é a venda direta dos ativos via sociedade incor-
porada fora do Brasil. Nestes casos, a venda de ativos localizados
no Brasil foi feita de forma direta a comprador no Brasil via entidade
estrangeira. As autuações levadas ao CARF262 foram lavradas com
base no fundamento de que a venda foi feita no exterior somente
para reduzir a carga fiscal de 27,5% a 34% para 15%. Ainda que as
estruturas guardem alguma semelhança com casos de alienação in-
direta de ativo, a base desses casos é distinta visto que a tributação
do ganho de capital decorrente da venda direta de ativos tanto no
Brasil quanto no exterior é regulada pela legislação brasileira, alte-
rando-se apenas sua carga fiscal.

3 Internacional: Aspectos Gerais sobre Alienação Indireta

3.1 Alienação Indireta de Propriedades Imobiliárias

Em países com economias mais desenvolvidas, a questão


da transferência indireta de ativos está diretamente relacionada à ali-
enação indireta de propriedades imobiliárias. Inclusive, a alienação
tanto direta quanto indireta de propriedade imobiliária está contem-
plada no artigo 13(4)263 da Convenção-Modelo da OCDE e foi ob-
jeto da Ação 6 do Projeto BEPS264 também da OCDE, destinada a
endereçar práticas abusivas no âmbito das Convenções para Evitar

262 Cf.: Acórdãos 1302-002.617 (2018), 1401-002.650 (2019) e 2402-006.884


(2019), CARF.
263
Capital Gains - Article 13(4): “Gains derived by a resident of a Contracting
State from the alienation of shares or comparable interests, such as interest in
a partnership or trust, may be taxed in the other Contracting State if, at any
time during the 365 days preceding the alienation, these shares or comparable
interests derived more than 50 per cent of their value directly or indirectly from
immovable property, as defined in Article 6, situated in that other State.”
264 O Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) é composto por 15 Ações

a foi lançado em 2015 para endereçar e propor medidas para prevenir práticas
tributária agressivas no âmbito internacional.

187
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Dupla Tributação. A referida Ação 6 integrou o conjunto de medidas


de alterações aos acordos internacionais por meio do Instrumento de
Convenção Multilateral (“MLI”).
O artigo 13(4) do Modelo da OCDE atribui, ao país em
que se localiza a propriedade imobiliária, o direito a tributar o ganho
de capital auferido na alienação de ações, participações societárias
ou cotas de entidades, em que mais de 50% do valor desses ativos
mobiliários seja direta ou indiretamente decorrente dessa proprie-
dade imobiliária. Esse dispositivo foi instituído para permitir que
países em que se localizem os imóveis possam tributar o ganho da
transferência da sua titularidade, mesmo que essa transferência seja
consequência da alienação de entidades que possuam o imóvel como
seu principal ativo subjacente.
O MLI, em seu artigo 9, estendeu o escopo do artigo 13(4)
do Modelo OCDE para abranger participações em entidades trans-
parentes como partnerships e trusts, assim como ampliou o direito
de tributação do país em que se localiza a propriedade imobiliária às
operações em que mais de 50% dos valores correspondam à propri-
edade imobiliária não só no momento da alienação, mas também em
algum momento nos 365 dias prévios à alienação.
É cediço que Acordos de Bitributação não instituem tri-
butos265,apenas repartem a competência tributária entre os países
acordantes e estabelecem métodos para evitar a dupla tributação.
Dessa forma, para que seja aplicável o artigo 13(4) do Modelo
OCDE, suas disposições devem estar presentes nos acordos entre os
países em questão e tais países devem possuir dispositivos internos
que possibilitem a tributação desse ganho de capital auferido na ali-
enação direta ou indireta de propriedade imobiliária.
Este é o caso de muitos países na Europa, como a Espanha
cuja normativa interna266 prevê a tributação, naquele país, de 19%

265 LANG, Michael. Introduction to the Law of Double Taxation Conventions.


2ª ed. Viena: IBFD, jan/2013, p. 36.
266 Artigos 131.i) 3º e 25 do Real Decreto Lei nº 5 de 5 de março de 2004 (“Lei

de Não Residentes”)

188
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

do ganho de capital auferido na venda indireta de propriedades imo-


biliárias espanhola, assim entendida a venda de elementos de patri-
mônio cujo valor decorra majoritariamente, direta ou indiretamente,
de propriedades no país. Na Austrália, outro exemplo, a legislação
que prevê a tributação dos ganhos de capital auferidos na alienação
indireta de propriedade imobiliária foi editada como reação a deci-
são judicial favorável ao contribuinte no Caso Lamesa Holdings em
1997267.

3.2 Alienação Indireta de Ativos

Em países com economias em desenvolvimento, como no


caso do Brasil, as questões referentes à alienação indireta não estão
restritas às propriedades imobiliárias e, segundo estudo feito por ór-
gãos internacionais, possuem estreita ligação com ativos que inte-
gram atividade regulada e exercida via concessão (OCDE, 2020, p.
26).
A Índia possui um dos casos mais emblemáticos nesse
tema. Em 2006, uma entidade Holandesa do grupo Vodafone adqui-
riu do grupo Hutchison, estabelecido em Hong Kong, as participa-
ções de uma sociedade incorporada nas Ilhas Cayman que detinha
uma empresa de telecomunicações na Índia268.A operação foi avali-
ada em US$ 11 bilhões de dólares e as autoridades fiscais indianas
autuaram a Vodafone em US$ 2 bilhões por não reter o imposto in-
diano supostamente devido sobre o ganho de capital auferido na
operação. Por ausência de previsão legal expressa que possibilitasse
a tributação da venda indireta de participação de sociedade indiana,
a Suprema Corte anulou a autuação.

267 CARVALHO, Laura Kurth Marques. Taxation of Offshore Indirect


Transfers in Brazil in Need of Reform. Bulletin for International Taxation,
mar/2020, v. 74, n. 9, p. 130.
268 NAGAPPAN, Meyyappan; VASUDEVAN, Srikanth. Indirect Transfer

Taxation in India: From Vodafone to Cairn. Intertax, v. 45, ed 10. 2017, pp.
665, 666.

189
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
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Frente a essa decisão o Governo indiano alterou a legisla-


ção tributária para abarcar situações de alienação indireta de ativos
e atribuiu efeito retroativo à norma de forma que fosse vigente à
época dos fatos do Caso VODAFONE. A legalidade da medida não
foi contestada pelo contribuinte, mas a Vodafone submeteu o caso a
arbitragem – e ganhou - no âmbito do acordo bilateral de investi-
mento existente entre a Índia e a Holanda (OCDE, 2020, p.24).
No Chile, em 2002, iniciaram-se negociações para a trans-
ferência da maior mina de cobre do país, Minera Disputada Las Con-
des, via entidade nas Ilhas Cayman, titular direta do direito de ex-
ploração da mina, ao grupo britânico Anglo American. O detentor
das participações da entidade nas Ilhas Cayman era o grupo Exxon
Mobil e a operação estava avaliada em US$ 1,3 bilhões de dóla-
res269.
Sob a justificativa de que a Exxon estaria realizando a
operação via alienação das participações da entidade offshore para
evitar a tributação chilena de 35% sobre os ganhos auferidos, o go-
verno chileno aprovou, antes das negociações serem concluídas, lei
instituindo a tributação dos ganhos também se realizada de forma
indireta270.
O Caso ZAIN, na Uganda, segue, todavia, sem desfecho.
Em 2010, uma subsidiária holandesa do grupo indiano Bharthi Air-
tel adquiriu ações de entidade holandesa do grupo Zain que detinha
variados investimentos na África, incluindo a companhia de teleco-
municações Celtel Uganda. A operação estava avaliada em US$
10.7 bilhões de dólares. Neste caso, as autoridades fiscais autuaram
a entidade do grupo Zain e a segunda instância das cortes uganden-

269 SUFFIOTTI, Gonzalo; MASIHY, Carolina. Recent developments in the tax-


ation of indirect share transfers in South America : lessons and challenges from
Chile, Colombia, Peru and Uruguay. Bulletin for International Taxation. Ams-
terdam: IBFD, 2019, v. 73, n. 9, p. 467.
270 CL: Ley sobre Impuesto a la Renta, artigo 10. – Introduzida pela Lei nº

19.840 de 23 de novembro de 2002 e alterada pela Lei nº 20.630 de setembro


de 2002

190
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

ses validaram a autuação, muito embora, à época dos fatos, não hou-
vesse dispositivo legal expresso que ensejasse a tributação. O con-
tribuinte, no entanto, alegou que, a despeito da omissão normativa,
também havia vedação ao direito da Uganda em tributar tal operação
pelo Acordo de Bitributação entre a Holanda e a Uganda (OCDE,
2020, p. 25).
O Peru é outro país que também é citado271, quando o as-
sunto é a alienação indireta de ativos. Antes da de lei sobre o assunto
no Congresso em 2011, o país reclama ter deixado de tributar diver-
sas operações de transferências indiretas de sociedades peruanas nos
setores de óleo e gás e mineração, como nos casos Majaz (2007),
Barrett (2008) e Petrotech (2009). Diferentemente dos outros países
mencionados, as autoridades fiscais peruanas não autuaram essas
operações, muito embora tenham sido amplamente divulgadas e cri-
ticadas pela opinião popular e mídia (LA REPUBLICA, 23 de maio
de 2019).

4 Estudo da OCDE, FMI, ONU e Banco Mundial sobre a


Alienação Indireta de Ativos

O Estudo The Taxation of Offshore Indirect Transfers- A


Toolkit, lançado em 2020 pela OCDE em colaboração com ONU,
Banco Mundial e FMI, analisou situações concretas de perda de re-
ceitas tributárias decorrentes de alienações indiretas de ativos, tra-
çou paralelos entre os países em que se localizam os ativos subja-
centes e apresentou dois modelos legislativos para potencial tributa-
ção do ganho de capital auferido nessas operações.
De acordo com o Estudo, entende-se que uma determi-
nada jurisdição que opte por tributar a alienação indireta de ativos,

271SUFFIOTTI, Gonzalo; MASIHY, Carolina. Recent developments in the tax-


ation of indirect share transfers in South America: lessons and challenges from
Chile, Colombia, Peru and Uruguay. Bulletin for International Taxation. Ams-
terdam: IBFD, 2019, v. 73, n. 9, pp. 466, 467.

191
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

deva fazê-lo via instituição de um arcabouço jurídico próprio. Os


Acordos de Bitributação não instituem tributos e as regras gerais an-
tielisivas deveriam ser utilizadas como último recurso legal, pois são
consideradas de difícil aplicação, principalmente, em jurisdições
com estrutura administrativa restrita (OCDE, 2020, p. 37).

4.1 Modelo 1

O Modelo 1 consiste na tributação da sociedade residente


que detém diretamente a titularidade do ativo (integrante de seu pa-
trimônio), via presunção de que a sociedade residente estaria alie-
nando o seu ativo. A presunção de alienação se dá quando há troca
direta ou indireta de controle da sociedade estrangeira que detém
participação societária da sociedade residente - e.g., o controle (di-
reto ou indireto) de uma sociedade no Estado A que detém partici-
pação em sociedade no Estado B seria transferido para uma terceira
sociedade fora do Estado B. Este modelo é adotado por países como
o Nepal, Gana e Tanzânia (OCDE, 2020, p. 38-44).
O Modelo 1 é entendido como uma regra simplificada por
não envolver questões internacionais (não sendo, portanto, afetada
por acordos de bitributação), e por não tratar de temas mais comple-
xos como reorganizações societárias, dificuldades de avaliação do
ativo ou o tratamento de prejuízos fiscais (OCDE, 2020, p. 41).
Além disso, a caracterização da sociedade residente como sujeito
passivo do imposto facilita ao país em que o ativo se localiza o con-
trole e cobrança do tributo devido, muito embora haja o risco de a
sociedade não possuir a liquidez necessária para o pagamento do
tributo, pois não teria acesso ao capital recebido em contrapartida à
transferência do controle no exterior.
O Estudo aponta, ainda, para a necessidade de atualização
do valor contábil do(s) ativo(s) (step up) ao seu valor de mercado,
como resultado da aplicação da norma de alienação presumida. Isso
é necessário dado que não há efetiva alienação do ativo pela socie-
dade residente, e, se não houver reavaliação e contabilização do
ativo a valor de mercado e se mantiver o valor histórico, a apuração

192
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

do ganho de capital de um evento futuro de transferência efetiva


deste ativo ou outra troca de controle ensejaria a tributação de ganho
já tributado. Ou seja, uma bitributação em âmbito doméstico do ga-
nho de capital auferido na alienação – presumida ou real – do ativo.
Entraves a esse modelo são a efetiva capacidade contribu-
tiva e real disponibilidade do sujeito passivo do imposto, pois o
fluxo de caixa da operação não passa pelo alienante presumido e
titular direto do ativo.
No âmbito internacional, a alienação ou disponibilidade
presumida não é um instituto incomum na lei tributária. O Exit Tax
é uma forma de tributação bem presente, por exemplo, na União Eu-
ropeia, Estados Unidos, Canadá, Chile e Austrália e consiste na tri-
butação de uma entidade que deixa de residir no país pela migração
de residência fiscal ou incorporação em outra entidade não residente
(OCDE, 2020, p. 39).
No Brasil, também existem regras tributárias que presu-
mem a alienação de ativo, como é o caso do conhecido “come-cotas”
para fundos de investimento. De acordo com esse regime de tribu-
tação, o IRRF incide à alíquota de 15%, para fundos de longo prazo,
e 20%, para fundos de curto prazo, sobre os rendimentos do fundo,
a cada 6 meses – independentemente de efetiva realização ou resgate
do investimento. Outro paralelo no Brasil pode ser feito no caso da
avaliação a valor justo de (“AVJ”) de ativos líquidos nos casos de
não observância dos requisitos para neutralização tributária (ausên-
cia de controle em subcontas). Note-se, no entanto, que a regra no
Brasil é que se assegure neutralidade tributária aos ganhos de AVJ,
justamente por não haver a realização da renda (aquisição da dispo-
nibilidade econômica e jurídica), excepcionando-se as situações de
não observâncias dos requisitos acessórios previstos na legislação.
Ainda que a presunção de alienação sem efetiva realiza-
ção do bem não seja totalmente incomum ao direito brasileiro (em
hipóteses muito restritas), a regra contida no Modelo 1 mostra-se
bastante inapropriada considerando-se os princípios de tributação da
renda no Brasil, com destaque para a capacidade contributiva.

193
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Outro importante ponto de crítica seria o fato de que a alí-


quota do imposto de renda para tributação do ganho de capital por
sociedade no Brasil é significativamente superior à tributação de ga-
nhos de capital auferidos por não residentes272. Dessa forma, haveria
uma majoração da carga tributária e impossibilidade de aplicação de
acordo para evitar a dupla tributação que se daria no Brasil – pela
tributação do alienante presumido - e no país de residência do alie-
nante efetivo.

4.2 Modelo 2

O Modelo 2, mais comumente adotado, consiste na tribu-


tação do vendedor não residente sob o fundamento de que a transfe-
rência de participações no exterior ensejaria um ganho tributável no
país de localização do ativo subjacente, indiretamente transferido.
Esse segundo modelo estaria mais em linha com os dispo-
sitivos já existentes para a tributação de venda direta de ativos bra-
sileiros no exterior – artigo 18 da Lei nº 9.249/95 e artigo 26 da Lei
nº 10.833/03. O Modelo 2 é de aplicação mais complexa do que o
Modelo 1, pois o sujeito passivo do imposto é o efetivo alienante no
exterior em vez da sociedade residente que detém a titularidade di-
reta do ativo. Em vista da dificuldade de controle dessas operações
pelas autoridades fiscais locais, o Estudo recomenda a criação de
sistemática de retenção do imposto pelo adquirente, tal como a sis-
temática observada na experiência brasileira, nos termos do artigo
26 da Lei nº 10.833/03 referente ao ganho de capital de venda direta
de ativos no Brasil por não residentes.
No contexto de interação do Modelo 2 com acordos para
evitar a dupla tributação, algumas observações devem ser feitas. O

272 O ganho de capital auferido por residente no Brasil é tributado pelo IRPJ à
alíquota aplicável à Pessoa Jurídica de 34% e o ganho de capital auferido por
não residente é tributado pelo IRRF à alíquota progressiva de 15-22,5%.

194
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Modelo de Acordo para Evitar a Bitributação da OCDE (“Conven-


ção Modelo da OCDE”), em seu artigo 13(5)273, determina que o
ganho de capital decorrente da venda de participações societárias
com ativos subjacentes – que não entrariam no conceito do artigo
13(4) referente a propriedades imobiliárias – deve ser exclusiva-
mente tributado pelo país de residência do alienante.
De maneira bastante simplificada, o tratamento previsto
no artigo 13 da Convenção Modelo da OCDE é compatível com o
tratamento tributário interno conferido por grande parte de seus Pa-
íses Membros, em sua maioria países desenvolvidos, de apenas im-
por tributação sobre ganho de capital auferido por residentes nesses
países na alienação de bens e direitos em outras jurisdições, não tri-
butando não residentes que auferem ganho de capital na alienação
de bens e direitos em seu território (exceção feita a propriedades
imobiliárias).
A tributação da venda indireta de ativos proposta pelo
Modelo 2, assim, seria limitada em grande parte dos casos nos quais
se adotam as regras previstas na Convenção Modelo da OCDE.

273 Capital Gains - Article 13(5) “Gains from the alienation of any property,
other than that referred to in paragraphs 1,2,3 and 4, shall be taxable only in
the Contracting State of which the alienator is a resident.” Os parágrafos 1,2,3
e 4 se referem a tributação do ganho de capital na venda de propriedade imobi-
liária, ativos que integram um estabelecimento permanente, barco e aviões, e
participações em entidades que detém, direta ou indiretamente, propriedade
imobiliária.

195
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Exceto no que tange ao acordo com Japão274 e Reino


Unido275, os acordos firmados pelo Brasil desviam da Convenção
Modelo da OCDE ao dispor que ambas as jurisdições (i.e., tanto o
país de residência do vendedor como o país da “fonte” das partici-
pações societárias vendidas) são livres para tributar o ganho de ca-
pital decorrente da alienação. A princípio, portanto, na maior parte
dos casos, o Brasil não estaria limitado a tributar ganhos na aliena-
ção indireta de ativos aqui situados, se a aplicação das normas atu-
almente existentes (incluindo aquelas tendentes a desconsiderar a
operação tal como formalmente praticada) conduzisse a essa con-
clusão.
Situações complexas podem surgir em decorrência da
existência de acordos entre as diversas jurisdições envolvidas. Com
efeito, na alienação indireta de ativos, pelo menos três jurisdições
podem estar presentes, como (A.) aquela na qual se localiza o ativo

274 Muito embora o Acordo de Bitributação entre o Brasil e Japão seja um dos
poucos acordos que não atribui ao país de fonte do rendimento qualquer poder
de tributar o ganho de capital na alienação de participações, o Brasil possui em
alguns de seus acordos disposição (“Most Favoured Nation Clause – MFN”)
que restringe o poder de tributar no país de fonte à alíquota mais baixa do que
disposta no referido acordo, caso o Brasil tenha firmado acordo posterior esta-
belecendo essa alíquota inferior. Nesse sentido, a Solução de Consulta COSIT
nº 150/2021 analisou contexto, no qual o consulente era responsável pela reten-
ção do IRRF decorrente de ganho de capital auferido por residente português
na alienação de participação societária de sociedade brasileira, e entendeu que,
com base na MFN Clause presente no acordo Brasil-Portugal (2001), poderia
aplicar a disposição de ganho de capital do acordo Brasil-Israel (2001) por ser
mais benéfica e posterior. O artigo 13(4) do acordo Brasil-Portugal não res-
tringe a tributação brasileira sobre esses ganhos, caindo na hipótese de aplica-
ção de alíquotas gerais (15-22,5%), no entanto, o artigo 13(3) do acordo Brasil-
Israel restringe a tributação brasileira a 15%. A Solução de Consulta, então,
formalizou entendimento de que o ganho de capital da alienação de participação
de sociedade brasileira por residente em Portugal estaria sujeito à alíquota de
15%, como disposto pelo acordo Brasil-Israel, com base na aplicação do MFN
Clause presente no acordo Brasil-Portugal.
275 Acordo assinado pelo Brasil em novembro de 2022 (último acordo assinado

até o momento de elaboração do presente artigo). Ressalte-se que apesar de


reservar o poder de tributar tais ganhos ao país de residência, é um dos únicos
(além do acordo com a Noruega) acordos que possui previsão específica para a
venda indireta de ativos.

196
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

subjacente; (B.) a que abriga a sociedade vendida (alvo da operação


e detentora do ativo subjacente); e (C.) a jurisdição de residência do
vendedor. Em tese, poderiam existir três acordos (acordo C-B,
acordo C-A, acordo B-A) em jogo, mas, ainda assim, a depender das
legislações internas e disposições dos acordos, é possível que ao fi-
nal se observasse dupla tributação (e.g., caso as jurisdições A e B,
como fonte, tributassem o ganho de capital, e a jurisdição C, como
residência, limitasse a compensação do crédito do imposto pago
com o imposto devido em C). Enfim, uma série de particularidades
deve ser analisada na interpretação e aplicação de acordos em situ-
ações complexas como a alienação indireta de ativos envolvendo
múltiplas jurisdições.

5 Artigo 13(7) da Convenção Modelo da ONU de 2021

Em 2021, posteriormente ao Estudo mencionado, a ONU


publicou sua nova Convenção Modelo, introduzindo o tema da ali-
enação indireta de ativos em seu Artigo 13(7), cuja redação se traduz
livremente:

Artigo 13. Ganho de Capital


5. Ganhos, para além daqueles a que se aplica o pa-
rágrafo 4 (referentes à venda indireta de propriedade
imobiliária), auferidos por um residente de um Es-
tado Contratante na alienação de ações de uma so-
ciedade, ou de participações comparáveis, tais como
participações em uma numa partnership ou trust,
que seja residente do outro Estado Contratante, po-
dem ser tributados nesse outro Estado se o alie-
nante, em qualquer momento durante os 365 dias
anteriores a essa alienação, detiver direta ou indire-
tamente pelo menos ___ por cento [a percentagem

197
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

deve ser estabelecida através de negociações bilate-


rais] do capital dessa sociedade ou entidade.
7. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 4 e 5, os
ganhos obtidos por um residente de um Estado Con-
tratante com a alienação de ações de uma sociedade,
ou de participações comparáveis, tais como partici-
pações em uma partnership ou trust, podem ser tri-
butados no outro Estado Contratante, se
(a) o alienante, em qualquer momento durante os
365 dias anteriores a essa alienação, detinha direta
ou indiretamente pelo menos ___ por cento [a per-
centagem deve ser estabelecida através de negocia-
ções bilaterais] do capital dessa empresa ou enti-
dade; e
(b) em qualquer momento durante os 365 dias ante-
riores à alienação, essas ações ou participações de-
rivavam, direta ou indiretamente, mais de 50% de
seu valor de:
(i) um ativo cujo ganho teria sido tributável nesse
outro Estado, em conformidade com as disposições
anteriores do presente artigo, se esse ganho tivesse
sido obtido por um residente do primeiro Estado
mencionado a partir da alienação desse ativo nesse
momento, ou;
(ii) qualquer combinação de ativos referidos no
item (i).

Os Comentários ao parágrafo 7 revelam que muitos países


em desenvolvimento consideram que tem o direito à tributação dos
ganhos auferidos na venda indireta de ativos locais, o que justifica-
riam a introdução do referido parágrafo na Convenção Modelo de
2021 (ONU, 2021, parágrafos 36 e 37, p. 494). Não obstante, a ONU
reconhece que a aplicação deste parágrafo pode ter complicações
práticas, como possíveis casos de dupla tributação em que os méto-
dos para eliminação de dupla tributação contida nos acordos talvez
198
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

não sejam suficientes e um Procedimento Amigável (Mutual Agre-


ement Procedure – MAP) se faça necessário (ONU, parágrafos 39 e
40, pp. 496-497). A ONU também aponta que se faça uma avaliação
da legislação interna dos países para determinar se o referido artigo
terá aplicação prática e qual seria a extensão dessa aplicação (ONU,
parágrafo 38).
A inclusão do Artigo 13(7) à Convenção Modelo da ONU
é muito recente e pode ser adotada por acordos futuros ou em hipó-
teses de renegociação de acordos. Até o momento, o referido dispo-
sitivo não foi incorporado a nenhum acordo celebrado pelo Brasil.
No entanto, em novembro de 2022, o Brasil assinou um
novo acordo de bitributação com a Noruega, o qual contempla em
seu artigo 23, parágrafo 6276, uma previsão expressa alocando o po-
der de tributar ao Estado em que se situa o ativo subjacente em caso
de venda indireta desse ativo. Dado que se trata de um artigo desti-
nado a atividades “offshore” (exploração econômica ao largo da
costa de um país), parece-nos que a disposição de venda indireta de
ativo tenha sido incluída em reação ao Caso EQUINOR julgado fa-
voravelmente ao contribuinte no CARF e envolvendo grupo norue-
guês de óleo e gás. Este acordo, até o momento de publicação deste
artigo, não está vigente. Poucos dias depois, outro acordo com o
Reino Unido também foi assinado pelo Brasil com a mesma dispo-
sição sobre venda indireta de ativos, indicando uma tendência re-
cente da política fiscal internacional brasileira.

276Artigo 23. Atividades “Offshore”: “6. Os ganhos obtidos por um residente


de um Estado Contratante da alienação de:
a) direitos de pesquisa ou de exploração econômica; ou
b) bens situados no outro Estado Contratante e usados em conexão com a pes-
quisa ou a exploração econômica do fundo do mar ou do subsolo, ou de seus
recursos naturais, situados nesse outro Estado; ou
c) ações que derivem seu valor, ou a maior parte de seu valor, direta ou indire-
tamente de tais direitos ou de tais bens, ou de tais direitos ou bens tomados em
conjunto, poderão ser tributados nesse outro Estado.

199
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

6. Legislação sobre a Tributação da Alienação Indireta de


Ativos

6.1 Internacional: Comparativo de Legislações Internas

A doutrina internacional277 entende que os países que in-


troduziram regras referentes à alienação indireta de ativos – que não
propriedades imobiliárias - podem ser divididos em três grupos:
i Aqueles que introduziram uma regra subjetiva e
antielisiva para a tributação de alienação indireta
de ativos em caso em que se verifique caráter dis-
simulado do conjunto de operações;
ii Aqueles que introduziram uma regra objetiva de
tributação de alienação indireta de ativos em linha
com os Modelos 1 e 2 analisados no Estudo da
OCDE, ONU, Banco Mundial e FMI; e
iii Aqueles que introduziram uma regra híbrida, que
possui elementos objetivos e subjetivos.
O primeiro grupo é composto por países que abordam ca-
sos de alienação indireta de ativos via regra geral antielisiva278,
como é o caso da China279. Nesses casos, a imposição de tributação
decorre de uma análise dos elementos subjetivos – intenção do con-
tribuinte – da operação.
Especificamente no que tange à China, não se tributa a
alienação indireta de ativos. No entanto, em seu artigo 47 da Lei de

277 CARVALHO, Laura Kurth Marques. Taxation of Offshore Indirect


Transfers in Brazil in Need of Reform. Bulletin for International Taxation,
mar/2020, v. 74, n. 9, p. 123.
278 As regras gerais ante elisivas são um instituto presente em muitos países e

comumente referidas no âmbito internacional como General Anti Abuse Rule


(GAAR).
279 SAVERO, Bobby. An Analysis of the Taxation of Indirect Transfers of As-

sets in China and India. Bulletin for International Taxation, v. 72, n. 2,


fev/2018, pp. 116-120.

200
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, existe a possibilidade de ajus-


tes fiscais por parte das autoridades, caso as operações de determi-
nada sociedade não possuam propósito negocial razoável. A regra
permite que as autoridades fiscais desconsiderem negócios jurídicos
entendidos como dissimulatórios ou que visem unicamente a reduzir
a carga tributária devida280.
Com base nessa regra, as autoridades chinesas formaliza-
ram seu entendimento sobre os efeitos fiscais da alienação indireta
de ativos, estabelecendo as diretrizes em que a regra seria aplicada
e hipóteses de não aplicação – como em casos de reorganização so-
cietária intragrupo. Esse entendimento, no entanto, não é taxativo e
a utilização da regra geral ante elisiva pelas autoridades chinesas é
considerada relativamente discricionária281.
Atualmente, o Brasil estaria mais próximo desse grupo.
Como mencionado anteriormente, a nossa regra geral antielisiva –
artigo 116 do CTN – não é automaticamente aplicável, porém, para
casos de alienação indireta de ativos, as autoridades fiscais já des-
consideraram negócios jurídicos com base em alegada simulação
nos termos do artigo 149 do CTN.
O segundo grupo é composto por países como a Índia282,
Gana, Tanzânia e Nepal (OCDE, 2020, p. 39). Sob a abordagem
desse grupo, se estabelece uma regra objetiva segundo a qual toda e
qualquer alienação indireta de ativos localizados nesses referidos
países (e que estejam dentro do escopo da regra) estariam sujeitas à
tributação nesse país. Vale dizer que essa regra não analisa a inten-
ção do sujeito passivo (elemento subjetivo) quando da realização da

280 SAVERO, Bobby. An Analysis of the Taxation of Indirect Transfers of As-


sets in China and India. Bulletin for International Taxation, v. 72, n. 2,
fev/2018, p. 117.
281 CARVALHO, Laura Kurth Marques. Taxation of Offshore Indirect

Transfers in Brazil in Need of Reform. Bulletin for International Taxation,


mar/2020, v. 74, n. 9, p. 129.
282 SAVERO, Bobby. An Analysis of the Taxation of Indirect Transfers of As-

sets in China and India. Bulletin for International Taxation, v. 72, n. 2,


fev/2018, pp. 112-116.

201
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

operação, mas tão somente determina as hipóteses de incidência do


imposto.
No caso de Gana, Tanzânia e Nepal, adotou-se regra de
presunção de alienação do ativo pela detentora direta do ativo – e
residente de um desses países - que tivesse tido o seu controle alte-
rado em decorrência de operação ocorrida no exterior. Em outras
palavras, esses países implementaram regras objetivas de tributação
em linha com o Modelo 1 apresentado pelo Estudo da OCDE.
A Índia, por sua vez, instituiu regra283, em 2012, que de-
termina que qualquer participação em sociedade ou entidade fora da
Índia deveria ser considerada como se indiana fosse, caso da parti-
cipação, direta ou indireta, substancialmente derivasse seu valor de
ativos localizados na Índia284. Assim, a origem presumida dessas
participações atrai a tributação de sua alienação para a Índia. Essa
regra se assemelha mais ao Modelo 2 do Estudo da OCDE.
Em decorrência da ampla abrangência da norma, em
2015, a lei foi alterada para determinar que substancialmente signi-
ficava qualquer ativo, tangível ou intangível, que excedesse deter-
minado valor (10 milhões de rúpias – aproximadamente 1.3 milhões
de dólares) e representasse ao menos 50% do valor total dos ativos
da sociedade. Além disso, outras regras objetivas de limitação do
escopo (“safe harbors”) da norma foram implementadas, como ex-
clusão de implicações tributárias para acionistas minoritários e
transferências indiretas resultantes de operações de fusão ou cisão

283 Seção 9(1)(i) da Lei de Imposto de Renda (Income Tax Act, 1961): “The
following incomes shall be deemed to accrue or arise in India: all income ac-
cruing or arising, whether directly or indirectly, through or from any asset or
source of income in India, or through the transfer of a capital asset situate in
India”
284 NAGAPPAN, Meyyappan; VASUDEVAN, Srikanth. Indirect Transfer

Taxation in India: From Vodafone to Cairn. Intertax, v. 45, ed 10. 2017, p. 666.

202
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

internacional cumpridos certos critérios. Outras operações de reor-


ganização societária, no entanto, não estão isentas do imposto indi-
ano285.
No terceiro grupo se encontram alguns países da América
Latina, como Chile, Colômbia e Uruguai286. No caso dessas jurisdi-
ções, existe uma norma objetiva complementada por uma regra es-
pecífica antielisiva287.
O Chile, por exemplo, possui regra objetiva em que se tri-
buta a alienação indireta de ativos quando se aliena 10% ou mais de
participação de sociedade estrangeira cujo valor de mercado esteja
composto de 20% ou mais do valor dos ativos subjacentes chilenos
ou os ativos subjacentes chilenos estejam avaliados em 210.000 uni-
dades tributárias (aproximadamente 180 milhões de dólares). Não
obstante, também possui regra subjetiva segundo a qual, indepen-
dentemente dos limites apresentados pela regra objetiva, esses não
serão aplicados à alienação de participações de sociedades incorpo-
radas em paraísos fiscais288.
Por fim, há países como o caso dos Estados Unidos e No-
ruega (OCDE, 2020, p. 60-61) que optaram por não adotar nenhuma
regra de tributação na alienação indireta de ativos.

285 CARVALHO, Laura Kurth Marques. Taxation of Offshore Indirect


Transfers in Brazil in Need of Reform. Bulletin for International Taxation,
mar/2020, v. 74, n. 9, p. 129.
286 SUFFIOTTI, Gonzalo; MASIHY, Carolina. Recent developments in the tax-

ation of indirect share transfers in South America: lessons and challenges from
Chile, Colombia, Peru and Uruguay. Bulletin for International Taxation. Ams-
terdam: IBFD, 2019, v. 73, n. 9, pp. 467-471.
287 As regras específicas ante elisivas são um instituto presente em muitos países

e comumente referidas no âmbito internacional como Specific Anti Abuse Rule


(SAAR)
288 CARVALHO, Laura Kurth Marques. Taxation of Offshore Indirect

Transfers in Brazil in Need of Reform. Bulletin for International Taxation,


mar/2020, v. 74, n. 9, p. 131.

203
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

6.2 Brasil: Projeto de Lei n. 2.337/2021

Em 2021, foi proposto no Congresso Nacional o Projeto


de Lei nº 2.337/2021, cuja redação inicial trazia capítulo destinado
à tributação dos ganhos de capital decorrentes da alienação indireta
de ativos, transcrito abaixo:
Art. 21. O residente ou domiciliado no exterior que
alienar indiretamente ativos localizados no País fi-
cará sujeito à tributação do ganho de capital a que
se refere o art. 18 da Lei nº 9.249, de 1995.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo,
considera-se alienação indireta de ativos localiza-
dos no País a transferência, em uma ou mais opera-
ções no período de doze meses, da propriedade ou
dos benefícios econômicos de participações em pes-
soas jurídicas ou em entidades não personificadas
não residentes no País que possuam, direta ou indi-
retamente, ativos no País, quando verificada uma
das seguintes hipóteses:
I - se, em qualquer momento no período de doze me-
ses que antecederam a data da transferência, o valor
de mercado dos ativos localizados no País corres-
ponder a cinquenta por cento ou mais do valor de
mercado da pessoa jurídica ou da entidade não per-
sonificada transferida não residente no País e forem
transferidos dez por cento ou mais da propriedade
ou dos benefícios econômicos das participações
nessa pessoa jurídica ou entidade não personifi-
cada; ou
II - se o valor de mercado da participação nos ativos
localizados no País for superior a US$
100.000.000,00 (cem milhões de dólares dos Esta-
dos Unidos da América) e forem transferidos dez por
cento ou mais da propriedade ou dos benefícios
econômicos das participações na pessoa jurídica ou

204
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

na entidade não personificada residente ou domici-


liada no exterior.

O artigo 21 do Projeto de Lei nº 2.337/2021 reflete uma


regra objetiva de tributação, alinhando-se, portanto, ao Modelo 2 do
Estudo da OCDE. De acordo com o dispositivo proposto, a tributa-
ção no Brasil decorrente de alienação indireta de ativos localizados
no país, ocorreria em duas hipóteses:
i Caso o valor de mercado do ativo transferido cor-
responder a 50% ou mais do valor de mercado da
entidade – personificada ou não – residente no ex-
terior e for transferido, ao menos, 10% dessa enti-
dade; e,
ii Caso o valor de mercados dos ativos no Brasil for
superior a 100 milhões de dólares e for transferido,
ao menos, 10% dessa entidade ou, indiretamente,
desse ativo.
A regra possui um safe harbor que exclui da tributação no
Brasil as transferências de participações inferiores a 10% de entida-
des não residentes ou 10% do ativo subjacente, caso o valor de mer-
cado do ativo subjacente supere 100 milhões de dólares. Essa dispo-
sição que pretendeu proteger sócios minoritários e excluir operações
com investimentos de portfólio está em linha com o Estudo da
OCDE (OCDE, 2020, p. 46) e é bem comum no cenário internacio-
nal e está presente em países, como o Chile, Índia289 e Peru290.
Na prática internacional, costuma-se excluir do escopo da
tributação a alienação indireta de ativos decorrente de reorganiza-
ções societárias intragrupo, como é o caso do Chile e Peru; bem

289 CARVALHO, Laura Kurth Marques. Taxation of Offshore Indirect


Transfers in Brazil in Need of Reform. Bulletin for International Taxation,
mar/2020, v. 74, n. 9, p. 131.
290 SUFFIOTTI, Gonzalo; MASIHY, Carolina. Recent developments in the tax-

ation of indirect share transfers in South America : lessons and challenges from
Chile, Colombia, Peru and Uruguay. Bulletin for International Taxation. Am-
sterdam: IBFD, 2019, v. 73, n. 9, p. 470.

205
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

como de operações de alienação de ações listadas na bolsa, na Co-


lômbia291. Não obstante, o Projeto de Lei nº 2.337/2021 nada dispôs
sobre exceções.
Conforme já alertado pela OCDE (OCDE, 2020, p. 46) e
pela doutrina292, a definição do que se caracterizaria como ativo sub-
jacente sujeito à tributação pela referida regra é crucial para estabe-
lecer a tributação da venda indireta de ativos.
A esse respeito, importa dizer que o termo “ativo locali-
zado no país” trazido pelo Projeto de Lei nº 2.337/2021 não foi ex-
pressamente definido. A única definição trazida pelo Projeto de Lei
nº 2.337/2021 foi o “ativo diretamente transferido” – i.e., aquele
detém o ativo subjacente no Brasil -, o qual é conceituado como a
“propriedade ou benefícios econômicos de participações em pes-
soas jurídicas ou em entidades não personificadas não residentes
no País”. No entanto, essa definição também merece questionamen-
tos, já que o termo “benefícios econômicos de participações” não
implica necessariamente transferência da titularidade da sociedade
estrangeira, o que poderia nos levar a concluir que o artigo 21 do
Projeto de Lei nº 2.337/2021, não dispunha apenas sobre alienação
de propriedade, mas também sobre operações de cessão de direitos
de uso e usufruto, de forma semelhantes às regras dispostas no Uru-
guai293.
O Projeto de Lei n. 2.337/2021 na parte que dispôs sobre
a venda indireta de ativos não foi adiante no Congresso Nacional.

291 SUFFIOTTI, Gonzalo; MASIHY, Carolina. Recent developments in the tax-


ation of indirect share transfers in South America : lessons and challenges from
Chile, Colombia, Peru and Uruguay. Bulletin for International Taxation. Am-
sterdam: IBFD, 2019, v. 73, n. 9, pp. 469, 470.
292 FONSECA, Isabel Garcia Calich da. Taxation of Capital Gains on Indirect

Sales of Shares of Brazilian Companies by Non-Residents: The Allocation of


Taxing Rights or Tax Avoidance Schemes? Bulletin for International Taxation,
v. 74, n. 6, jun/2020, p. 331.
293 SUFFIOTTI, Gonzalo; MASIHY, Carolina. Recent developments in the tax-

ation of indirect share transfers in South America: lessons and challenges from
Chile, Colombia, Peru and Uruguay. Bulletin for International Taxation. Ams-
terdam: IBFD, 2019, v. 73, n. 9, p. 468.

206
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Caso nova tentativa avance no futuro próximo, em linha com movi-


mentos legislativos verificados em diversos países, em especial da
América Latina (e.g. Chile, Peru, Panamá, Equador, República Do-
minicana, Uruguai, Colômbia, México), é imprescindível o debate
público com o devido endereçamento de críticas e sugestões à sua
redação, a fim de tornar o escopo de aplicação bem delimitado (e
com previsão expressa das situações fora de seu alcance – reorgani-
zações societárias, operações com investimento de portfólio etc.) e
proporcional aos fins pretendidos, conferindo-se a segurança jurí-
dica que se espera de um país que almeja uma posição na OCDE.

7 Considerações Finais

A tributação da alienação indireta de ativos é uma política


fiscal presente no cenário internacional. Há aspectos controversos e
enseja diversos questionamentos referentes à sua efetiva aplicação
no cenário doméstico brasileiro e interação com institutos e instru-
mentos de direito internacional. Com relação à tributação da trans-
ferência indireta de propriedades imobiliárias pelo país em que se
encontra a propriedade, essa é uma prática comum em países desen-
volvidos, e já foi amplamente tratada no âmbito do direito interna-
cional pelo artigo 13(4) da Convenção Modelo da OCDE e pela
Ação 6 do Projeto BEPS (MLI). Já em relação à tributação de alie-
nação indireta de ativos distintos da propriedade imobiliária, o tema
somente foi endereçado pelo direito internacional em 2020 no Es-
tudo da OCDE, FMI, ONU e Banco Mundial, que apresentou dois
modelos de legislação específica, e pela inclusão do Artigo 13(7) da
Convenção Modelo da ONU em 2021, em virtude de práticas de tri-
butação implementadas por países em desenvolvimento principal-
mente.
O Brasil não possui legislação específica para a tributação
do ganho de capital auferido na alienação indireta de ativos brasilei-
ros. No entanto, pode-se encontrar casos levados aos tribunais ad-
ministrativos (Caso Tijuca, Cosan, Equinor e CPFL) nos quais as

207
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

autoridades fiscais lavraram auto de infração para tributar esses ga-


nhos via desconsideração dos negócios jurídicos estruturados enten-
didos como simulados ou com abuso de direito. Em 2021, tramitou
o Projeto de Lei 2.337 no Congresso Nacional que pretendeu esta-
belecer regra específica para a tributação de alienação indireta de
ativos brasileiros, assemelhando-se ao Modelo 2 proposto no Estudo
da OCDE. O Projeto, nesse ponto, não seguiu adiante, mantendo o
cenário de desconsideração da operação formalmente praticada a
partir da alegação de existência de simulação como forma de alcan-
çar tais ganhos para fins de tributação.
Em novembro de 2022, o Brasil assinou novo acordo de
bitributação com a Noruega e com o Reino Unido que possui previ-
são específica referente à venda indireta de ativos. Esta previsão não
está vigente294 e por si só não permite a tributação da venda indireta
de ativos pelo Brasil sem lei que a preveja, no entanto, indica a adap-
tação de sua política fiscal como reflexo de casos levados ao con-
tencioso (i.e. Caso Equinor), na mesma linha de muitos países que
incluíram lei específica de tributação de venda indireta de ativos.
Com o pleito do Brasil à posição de País-membro da
OCDE, parece-nos razoável concluir que o país possui o interesse
de estabelecer uma política fiscal internacional que vise a simplifi-
car o seu sistema tributário, promovendo o desenvolvimento econô-
mico interno por meio do investimento externo e maior competitivi-
dade das companhias brasileiras no ambiente de negócios global.
Nesse contexto, a decisão político-fiscal de manter o sistema atual
ou instituir regra própria de tributação da alienação indireta de ati-
vos deve ser devidamente ponderada, prezando pela segurança jurí-
dica e considerando a experiência internacional e as particularidades
brasileiras.

294 Até o momento de elaboração e publicação do presente artigo.

208
Capítulo 7
Direito dos Contribuintes na Troca Automática de
Informações

Contribuições: Michell Przepiorka


Fernando Luis Bernardes de Oliveira

1 Considerações Iniciais

A exposição da economia tributária que grandes multina-


cionais estavam conseguindo através de seus arranjos internacionais
serviu como bandeira para os países desenvolvidos emplacarem me-
didas para reforçar a executoriedade de suas leis295. Entre tais medi-
das encontra-se: a introdução da troca automática de informações
pelos Estados Unidos via Foreign Account Tax Compliance Act
(FATCA); e a sequente adoção da troca automática como novo pa-
drão mundial pelo Fórum Global de Transparência.
A alteração do padrão global, entretanto, veio tão somente
no sentido de beneficiar as autoridades administrativas, sem que se

295FALCÃO, Tatiana. Exchanging Information with the Developing World: A


Digression on the Global Forum Exchange of Information's Interaction with
Developing Economies, Intertax, v. 39, n. 12, dez/2011, pp. 603–612. Disponí-
vel em:
https://prod.resource.cch.com/resource/scion/id/Q32NQkXErGrM-
pONWVVRiIeskJUEjKmhXCzh76qZASVg?cpid=WKUS-Legal-
Cheetah&uAppCtx=cheetah>. Acesso em: 29.7.2022.
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

tenha resguardado os direitos dos contribuintes296. O próprio Tribu-


nal de Justiça da União Europeia (TJUE) quando chamado a decidir
acerca da matéria, em modelo multilateral já consolidado, posicio-
nou-se pela ausência de direitos dos contribuintes na Diretiva sobre
troca de informações e que tais direitos deveriam ser protegidos via
legislação doméstica.
A ausência de uniformidade da proteção dos direitos dos
contribuintes na troca de informações deve ser encarada como causa
de preocupação, pois, levada ao extremo, pode acarretar a própria
ineficácia da troca de informações como meio de executoriedade das
legislações domésticas, haja vista a possibilidade de os contribuintes
questionarem o procedimento de troca de informações pela ausência
de participação ou possibilidade de defesa (ampla defesa, contradi-
tório, produção de provas etc).
Verifica-se então que há um potencial trade-off entre a
eficácia do procedimento e os direitos dos contribuintes297. Não sig-
nifica que seja impossível concatenar esses valores e que se alcance
um procedimento eficaz com proteção dos contribuintes.
Nessa linha, uma série de questionamentos podem ser co-
locados ante a formulação e implementação de medidas de proteção
do contribuinte no procedimento de troca de informações pelo legis-
lador: (i) quais os direitos dos contribuintes que devem ser resguar-
dados? (ii) em que jurisdição eles devem ser resguardados? (iii)
quais os efeitos da ausência ou da violação de direitos na outra parte
signatária?

296 DRYWA, Anna. Taxpayer’s Right to Privacy? Intertax, v. 50, Issue 1, 2022.
Disponível em: <https://prod.resource.cch.com/resou-
rce/scion/id/3G8DtmwUMypd-
QKiNz67zuQY_ktJevBL5jHGzek4jVz0?cpid=WKUS-Legal-Cheetah&uAp-
pCtx=cheetah>. Acesso em: 29.7.2022.
297 BASTOS, Frederico Silva. O intercâmbio internacional de informações tri-

butárias no brasil e os direitos e Garantias fundamentais dos contribuintes. In:


NEPOMUCENO, Bruno; CAMPEDELLI, Laura Romano; COOKE, Lina
Braga Santin. Tributação e desenvolvimento no mestrado da FGV Direito SP -
Estudos em homenagem ao professor Eurico de Santi. São Paulo: Editora Max
Limonad, 2022, pp. 202-205.

210
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Inicialmente será introduzido o possível trade-off que se


estabeleceu entre os direitos dos contribuintes e o crescimento da
importância da troca de informações no cenário internacional atual.
Em seguida, serão expostos os direitos dos contribuintes e seu dife-
rente tratamento a depender de ser efetuado uma troca automática
ou uma troca a pedido.

2 Eficiência da troca de informações e proteção dos direitos


dos contribuintes: trade-off?

As grandes empresas se internacionalizaram, a tecnologia


permitiu que os negócios se descentralizassem em um nível nunca
visto. A assimetria de informações entre autoridades administrativas
e contribuintes criou oportunidades para que estes implementassem
esquemas evasivos e elisivos que, assomados a grande crise que se
alastrou a partir de 2008, prejudicou a arrecadação dos Estados, que
restavam incapazes de enfrentar a erosão de suas bases tributárias e
a transferência de lucros298.
Esse contexto gerou a recente propositura de medidas
como os Pilares 1 e 2 do BEPS, que visam garantir ao menos uma
tributação mínima global299. Bem como deu holofote às trocas de

298 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; CHIARELLI, Belfort Charelli.


Transparência no combate à evasão fiscal: repercussões da FATCA no Brasil.
Revista de direito internacional econômico e Tributário, 2017, pp. 261-297.
299 ARNOLD, Brian J. The Ordering of Residence and Source Country Taxes

and the OECD Pillar Two Global Minimum Tax. Bulletin for International Tax-
ation, IBFD, v. 76, n. 5, 2022.
Disponível em: <https://research.ibfd.org/#/doc?url=/collec-
tions/oecd/pdf/oecd_tax_challenges_pillar_two_commentary.pdf>. Acesso
em: 29.7.2022.

211
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

informações, dado que elas permitem equilibrar a relação entre fis-


cos e contribuintes, possibilitando uma apuração mais adequada das
bases tributáveis das pessoas físicas e jurídicas300.
Segundo Rocha, o grande desafio para a implementação
de um sistema global de troca de informações é garantir sua eficiên-
cia, em outras palavras, garantir que as informações cheguem aos
Estados para que sejam usadas tempestiva e eficazmente pelas auto-
ridades administrativas ou judiciais301.
O modelo tradicional de troca de informações a pedido
mostrou-se insuficiente para dissolver a assimetria de informações
entre fisco e contribuinte, uma vez que (i) demanda um conheci-
mento inicial para que o Estado requerente solicite informações sem
violar a proibição à expedição de pesca (fishing expedition)302 e (ii)
esta modalidade normalmente exige que o Estado requerido realize
uma fiscalização para obter a informação solicitada, o que pode
acarretar em um ínterim temporal muito grande entre a implemen-
tação do planejamento fiscal abusivo e sua descoberta303.
Em 2013, os líderes do G-20 declararam a troca automá-
tica de informações fiscais (TAIF) como um novo standard interna-
cional. No mesmo ano, em um encontro informal do Conselho de
Assuntos Econômicos e Financeiros (ECOFIN) da União Europeia

300 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; ARRUDA, Henrique Porto de. Direi-
tos fundamentais, privacidade, intimidade, sigilos bancário e fiscal, e o con-
senso internacional. Revista Nomos, v. 34, n. 2, Fortaleza, jul-dez de 2014, p.
338.
301 ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Pro-

tection of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.


Bulletin for International Taxation, vol. 70, nº. 9, setembro de 2016, p. 503.
302 MCINTYRE, Michael J. Identifying the New International Standard for ef-

fective information exchange. In: LANG, Michael et al. Tax treaties: Building
bridges between Law and Economics. Amsterdam: IBFD 2010, p. 484.
303 RUSSO, Raffaele. Combatendo o planejamento fiscal abusivo por meio de

iniciativas de divulgação de informações. In: PANZARINI FILHO, Cloves et


al. Estudos avançados de Direito Tributário. Tributação internacional: normas
antielisivas e operações internacionais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, pp. 196-
197.

212
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE) decidiu-se promover um standard único para a TAIF304.
Tal como idealizada talvez sua grande vantagem em rela-
ção a outros meios de troca de informações seja justamente a tem-
pestividade e confiabilidade da informação recebida, dando a possi-
bilidade para que as autoridades administrativas do Estado receptor
tomem conhecimento e as medidas adequadas para combater a falta
de conformidade fiscal305. Nessa toada, a TAIF tem potencial efeito
dissuasivo a práticas evasivas, além de acarretar um aumento de
conformidade voluntária e estímulo para que os contribuintes repor-
tem todas as informações relevantes306.
A tempestividade da informação é de extrema importân-
cia para que o instituto alcance seus objetivos, dessa forma, coletada
a informação, esta deve ser vertida ao padrão estabelecido e enca-
minhada no prazo delimitado pelos Estados307. Ocorre que, algumas
barreiras – como vedações previstas em legislações domésticas, in-
certezas acerca de procedimentos administrativos e tendência cultu-
ral ao sigilo em algumas sociedades – podem ameaçar o fluxo de
informações entre os Estados308.
Nesse contexto, que se pode verificar o potencial trade-
off entre troca de informações e direitos dos contribuintes.

304 TELLO, Carol P. FATCA: Catalyst for Global Cooperation on Exchange of


Tax Information. Bulletin for international taxation, v. 68, n. 2, fevereiro de
2013, p. 88.
305 Nesse sentido: PITA, Claudino. Intercambio de informaciones entre admi-

nistraciones tributarias. In: PISTONE, Pasquale – TÔRRES, Heleno Taveira.


Estudios de derecho tributário constitucional e internacional. Homenaje lati-
noamericano a Victor Uckmar. Buenos Aires: Depalma, 2005, p. 744.
306 OCDE. Automatic Exchange of information: What is it, how it Works, ben-

efits, what remains to be done. 2012, p. 19.


307 KLEEFSTRA, Stephanie. European Union. The (Un)intended Conse-

quences ofthe Proposed Unshell Directive. Journal Articles & Opinion Pieces.
IBFD, 2022. Disponível em: <https://research.ibfd.org/#/doc?url=/docu-
ment/talk_2022_19_e2_1>. Acesso em: 30.7.2022.
308 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de. International Tax Cooperation, Tax-

payers’ Rights and Bank Secrecy: Brazilian Difficulties to Fit Global Stand-
ards. Law and Business Review of the Americas, v. 21, n. 3, 2015, p. 217.

213
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

A evolução galopante do mecanismo de troca de informa-


ções entre autoridades administrativas não foi acompanhada de
perto por ações visando a garantia dos direitos dos contribuintes ou
dos dados pessoais trocados309-310.
Este descompasso entre a busca pelo aperfeiçoamento e
maior eficiência do modelo de troca automática de informações e os
direitos dos contribuintes pode ser justificado pelo contexto subja-
cente aduzido pelas autoridades administrativas: uma rede ampla e
global de informação não serviria tão somente para fins fiscais, mas
contribuiria para o combate ao terrorismo, ao tráfico de drogas, ar-
mas e pessoas311.
O grande exemplo que demonstraria o reforço da troca de
informações em detrimento dos direitos individuais é o fato de a
cláusula de troca de informações contida no atual modelo de Acordo
para evitar a dupla tributação da OCDE dispor que o sigilo fiscal
não pode ser uma obstrução para a troca de informações312.
Enquanto os esforços para harmonizar a troca automática
de informações foram se alastrando, os direitos dos contribuintes
acabaram sendo relegados aos confins de cada Estado313. Assim se

309 GONZÁLEZ, Saturnina Moreno. The Automatic Exchange of Tax Infor-


mation and the Protection of Personal Data in the European Union: Reflections
on the Latest Jurisprudential and Normative Advances. EC Tax Review, vol.
25, n. 3, maio-junho de 2016, p. 147.
310 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de. International Tax Cooperation, Tax-

payers’ Rights and Bank Secrecy: Brazilian Difficulties to Fit Global Stand-
ards. Law and Business Review of the Americas, v. 21, n. 3, 2015, p.117.
311 ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Pro-

tection of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.


Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, setembro de 2016, p. 502.
312 DIEPVENS, Niels; DEBELVA, Filip. The Evolution of the Exchange of In-

formation in Direct Tax Matters: The Taxpayer’s Rights under Pressure. EC


Tax Review, v. 24, n. 4, julho-agosto de 2015, p. 215.
313 LIOTTI, Belisa Ferreira. Taxpayers’ Data Protection: Do International, Re-

gional, and Domestic Instruments Guarantee Adequate Rights in Tax (A)EoI?.


Intertax, v. 50, Issue 2, 2002. Disponível em: < https://prod.resou-

214
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

posicionou a OCDE ao elaborar a Convenção multilateral sobre as-


sistência mútua administrativa em matéria tributária314, da mesma
forma que dispôs o Tribunal de Justiça da União Europeia ao julgar
o caso Sabou315.
Se esse modelo se confirmar, os direitos dos contribuintes
terão diferentes standards de proteção a depender dos institutos ju-
rídicos e da cultura de cuidado com o contribuinte de cada Estado316,
o que pode influenciar na manutenção ou não da TAIF como padrão
internacional317. Isto porque o sistema jurídico de Estados com um
padrão maior de proteção dos contribuintes poderia refutar a utiliza-
ção de informações recebidas de países com standards mais baixos.
Não se deve buscar a eficiência318 sem a garantia de direi-
tos dos contribuintes, pois, desta forma, pode-se acarretar no aban-

rce.cch.com/resource/scion/id/MeMJTI8JV_nbngjp2lV3xYWVgVgQvBNU-
WUQwuNVOf4Q?cpid=WKUS-Legal-Cheetah&uAppCtx=cheetah>. Acesso
em: 30.7.2022.
314
Decreto nº 8.842/2016, art. 21, (1). Nenhuma disposição da presente Con-
venção poderá afetar os direitos e as salvaguardas garantidos às pessoas pela
legislação ou pela prática administrativa do Estado requerido.
315 CZ: ECJ, 22 Out. 2013, Caso C-276/12, Jiří Sabou v. Finanční ředitelství

pro hlavní město Prahu, ECJ Case Law IBFD. Disponível em https://on-
line.ibfd.org/document/ecjd_c_276_12. Acesso em 12.7.2018.
316 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; MOSTAÇO, Gabriel Marques.

Troca de Informações Fiscais e Proteção do Contribuinte. Revista de Direito


Internacional Econômico e Tributário, vol. 12, nº 2, Brasília, Jul-Dez, 2017, p.
195.
317 HUANG, Xiaoqing. Ensuring Taxpayer Rights in the Era of Automatic Ex-

change of Information: EU Data Protection Rules and Cases. Intertax, v. 46, n.


3, março de 2018, p. 225.
318 Are transnational tax information networks efficient? This legitimacy claim

has two meanings, the first being the sense of efficacy (the achievement of reg-
ulatory outcomes in a cost-effective manner) and the second being efficiency as
an independent value. Are transnational tax information networks effective in
achieving tax revenue collection in terms of cost, compliance and administra-
tive burden and are they efficient in the sense of not impeding the global market
(grifos no original – STEWART, Miranda. Global tax information networks:
legitimacy in a global administrative state. In: BRAUNER, Yariv; STEWART,

215
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

dono deste padrão ou inúmeros questionamentos relativos ao proce-


dimento e ao conteúdo da troca de informações. Deve-se buscar uma
confluência entre a eficiência da troca de informações com a garan-
tia dos direitos dos contribuintes319.
O mecanismo de troca de informações, independente-
mente do instrumento internacional que lhe suporta, deve ser imple-
mentado com a garantia dos direitos dos contribuintes, sob o risco
de as cortes domésticas retirarem sua eficácia como instrumento
probatório.
E não se está falando aqui de direitos relativos ao proce-
dimento de troca de informações que normalmente veem elencados
no instrumento internacional320 – previsível relevância, da impossi-
bilidade de a informação requisitada obrigar o Estado requerido a
tomar medidas que ofendam direito próprio ou a ordem pública –,
mas de direitos inerentes aos contribuintes.
Restringe-se este artigo à análise de direitos não adequa-
damente cobertos nesses instrumentos, como a ampla defesa e o
contraditório (direito de notificação, intervenção, apelo), privaci-
dade e sigilo. Também serão traçadas considerações acerca da po-
tencial retroatividade da troca de informações.
Pontua-se, à guisa de premissa, que, embora estes direitos
sejam reconhecidos como direitos humanos fundamentais em uma

Miranda (eds). Tax, Law and Development. Cheltenham, UK; Northampton,


MA, USA: Edward Elgar, 2013, p. 339.
319 DRYWA, Anna. Taxpayer’s Right to Privacy? Intertax, v. 50, Issue 1, 2022.

Disponível em: <https://prod.resource.cch.com/resou-


rce/scion/id/3G8DtmwUMypd-
QKiNz67zuQY_ktJevBL5jHGzek4jVz0?cpid=WKUS-Legal-Cheetah&uAp-
pCtx=cheetah>. Acesso em: 29.7.2022.
320 Provisions regarding exchange of tax information establish, in part, the

framework for such international cooperation and set forth the rights and obli-
gations applicable to tax authorities requesting tax information about income
that ‘their’ taxpayers derive in other countries (PASSALACQUA, Anna b.
Scapa et al. Tax Information Exchange Agreements and the Prohibition of Ret-
roactivity. Intertax, v. 46, n. 5, maio de 2018, p. 369).

216
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

miríade de instrumentos públicos internacionais321, não se cabe falar


em direitos absolutos. Tais direitos podem ser flexibilizados em prol
da fiscalização e executoriedade das leis fiscais, desde que atendidos
os pressupostos de proporcionalidade e razoabilidade.
Entende-se que em situações transnacionais os direitos
não precisam ser necessariamente resguardados em duplicidade ou
em pluralidade de jurisdições. Por exemplo, os direitos à ampla de-
fesa e ao contraditório talvez não devam ser exercidos em todas as
jurisdições envolvidas na troca de informações, desde que seja pos-
sibilitado seu exercício em ao menos uma delas.
Deve-se lembrar que no Brasil, nem mesmo em matéria
penal o direito a ampla defesa e ao contraditório se mostra absoluto.
Tal afirmação se evidencia quando se entende, por exemplo, que na
fase de inquérito “o acesso aos elementos de prova relacionados à
diligência em andamento e ainda não documentada pode ser restrin-
gido pela autoridade que preside a investigação”322. Da mesma
forma, visando a proteção de interesses públicos relevantes, pode-se
decretar o sigilo do inquérito, situação em que, a depender do caso,
podem existir provas que nem mesmo o advogado terá acesso323.
Ressalta-se que a mitigação desses direitos fundamentais
durante a fase de inquérito não significa que esses serão renegados
ad aeternum, muito pelo contrário, esses deverão ser observados nas
demais fases do processo penal, devolvendo-se ao investigado o di-
reito a ampla defesa e ao contraditório.

321 Declaração Universal dos Direito Humanos de 1948, a Convenção Ameri-


cana de Direitos Humanos (Ratificada e promulgada pelo Brasil no Decreto
678/92), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, diversas reco-
mendações do Conselho da OCDE, Convenção 108/81 do Conselho da Europa,
entre outros.
322 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2021, p.

104.
323 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2021, p.

106.

217
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Trazendo-se essa linha de raciocínio para o direito tribu-


tário internacional, entende-se que esses direitos fundamentais po-
dem ser vistos como um ônus do contribuinte global, que passará a
exercer seus direitos na jurisdição mais próxima ao fato, sem que se
considere estar violando direitos e garantias fundamentais.
Não é obvio em qual jurisdição cada direito deveria ser
atendido, análise que demanda uma série de fatores, entre os quais
o principal talvez seja a distinção entre troca automática e troca a
pedido.
Nessa senda, a OCDE define a TAIF como a transmissão
sistemática e periódica de informações de contribuintes em massa
do Estado da fonte para o Estado da Residência acerca de várias ca-
tegorias de rendimentos (dividendos, juros, royalties)324. Para que
esta modalidade seja viabilizada, pressupõe-se que sejam informa-
ções mais simples e de mais fácil acesso pelas autoridades adminis-
trativas do país, normalmente fornecidas pelos próprios contribuin-
tes no preenchimento e na entrega de suas informações fiscais.
De outra parte, a troca de informações a pedido requer que
o Estado requerente já tenha notícias do contribuinte ou dos contri-
buintes para que atendam aos próprios requisitos formais do proce-
dimento: identificação do contribuinte e justificação da previsível
relevância. Ou seja, pode ser comparada a um aprofundamento de
fiscalização, um pedido de diligência para verificar a veracidade de
informações relativas a fatos ocorridos no território do Estado re-
querido.
Na próxima seção, verificar-se-á direito a direito, qual a
jurisdição em que mais adequadamente estes direitos seriam salva-
guardados.

324 OCDE. Automatic Exchange of information: What is it, how it Works, ben-
efits, what remains to be done. 2012, p. 7.

218
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

3 Direitos dos Contribuintes no Sistema Jurídico Brasileiro

3.1 Retroatividade

A retroatividade ocorre quando um ato normativo altera


as consequências jurídicas de fatos ocorridos anteriormente a sua
publicação. A pergunta que se pode colocar é se esta proibição a
efeitos retroativos é aplicável aos acordos de troca de informa-
ção325? Poderiam as autoridades administrativas trocarem todas as
informações relativas a um determinado contribuinte independente-
mente da data em que o acordo foi assinado ou internalizado no or-
denamento jurídico?
Um esboço de resposta pode ser confeccionado a partir da
Convenção de Viena sobre o Direito dos Acordos que dispõe em seu
art. 28 que “a não ser que uma intenção diferente se evidencie do
acordo, ou seja, estabelecida de outra forma, suas disposições não
obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma
situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do acordo,
em relação a essa parte”326.
Ou seja, embora as partes não estejam obrigadas, elas po-
dem determinar durante as negociações que determinadas cláusulas

325 PASSALACQUA, Anna b. Scapa et al. Tax Information Exchange Agree-


ments and the Prohibition of Retroactivity. Intertax, v. 46, n. 5, mai/2018, p.
369.
326 BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Con-

venção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de


1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Disponível em: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>. Acesso em:
02 ago. 2022.

219
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

possuam efeitos retroativos327, como é o caso do acordo firmado en-


tre Brasil e Estados Unidos, promulgado pelo Decreto nº
8.003/2013328.
A OCDE em seus comentários à Convenção Modelo as-
sume a posição de que não há violação dos direitos dos contribuintes
na troca de informação pertinente a fatos anteriores a assinatura do
Acordo, desde que a troca tenha ocorrido em momento posterior a
sua entrada em vigor329.
Há quem faça a distinção entre normas substantivas e nor-
mas procedimentais para arguir a possibilidade de retroação dos
efeitos dos acordos de trocas de informação, na medida em que estes
não criam tributos, mas apenas são ferramentas úteis para apuração
do imposto que seria devido tivesse o contribuinte se conformado à
norma tributária330.
As dificuldades em se estabelecer quando uma norma tem
caráter substancial ou quando tem caráter procedimental levaram,
entretanto, alguns doutrinadores a apontarem a diferenciação como
inadequada para determinar os efeitos temporais de uma norma pre-
vista em um acordo internacional, devendo-se seguir o previsto no
art. 28 da Convenção de Viena sobre direito dos acordos acima
transcrito331.

327 PASSALACQUA, Anna b. Scapa et al. Tax Information Exchange Agree-


ments and the Prohibition of Retroactivity. Intertax, v. 46, n. 5, maio de 2018,
p. 371.
328 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; STEFANO FILHO, Mario di. Troca

de informações no âmbito dos acordos de bitributação: a transparência fiscal


em face do ordenamento jurídico interno. Revista Nomos, v. 37, n 2, julho-
dezembro de 2017, p. 154.
329 DIEPVENS, Niels; DEBELVA, Filip. The Evolution of the Exchange of In-

formation in Direct Tax Matters: The Taxpayer’s Rights under Pressure. EC


Tax Review, v. 24, n. 4, julho-agosto de 2015, pp. 215-216.
330 ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Pro-

tection of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.


Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, set/2016, p. 515.
331 “The review shows that a TIEA contains provisions of heterogeneous char-

acter and, thus, some of its provisions can be considered substantive and others
procedural rules. For example the rule under a TIEA establishing its object and

220
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

No contexto brasileiro, haja vista o disposto no art. 144, §


1 do Código Tributário Nacional332, entende-se que não haveria res-
trição a eventuais efeitos retroativos de acordos de troca de informa-
ções, pois estes poderiam ser considerados instrumentos de amplia-
ção dos poderes fiscalizatórios da administração tributária.
De outro lado, poder-se-ia argumentar que esses efeitos
retroativos estariam violando o disposto no art. 199, parágrafo único
do CTN333, pois se o acordo não dispõe expressamente sua aplicabi-
lidade retroativa, o fato de as partes trocarem informações penderia
de fundamento normativo.

scope can be considered substantive, as it defines the rights and obligations of


the parties and the type of information that may be requested through a TIEA.
By contrast, the rules of a TIEA regulating the exchange of information process
can be considered procedural, as they govern the manner in which information
is to be exchanged. The application of the procedural rules may require the ap-
plication of the substantive provisions in order for the TIEA to have effects.
Based on the above, the authors submit that the distinction between substantive
and procedural rules is not suitable for determining the temporal application of
a TIEA to a pending procedure. Rather, the temporal application should follow
the entry into effect provisions established in the TIEA itself and Article 28 of
the Vienna Convention” (PASSALACQUA, Anna b. Scapa et al. Tax Infor-
mation Exchange Agreements and the Prohibition of Retroactivity. Intertax, v.
46, n. 5, maio de 2018, p. 372).
332 Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da

obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada
ou revogada.
§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do
fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou pro-
cessos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades ad-
ministrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto,
neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a tercei-
ros.
333 Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos


tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em cará-
ter geral ou específico, por lei ou convênio.
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em acor-
dos, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estran-
geiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.

221
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Quando os Estados dispõem sobre a entrada em vigor e os


efeitos temporais das cláusulas de troca de informação, a questão é
mais facilmente respondida. Mas e no caso de silêncio das partes,
elas poderiam solicitar informações e esperar legitimamente que o
outro Estado as encaminhasse?
Parece que a resposta seria positiva, os Estados não seriam
obrigados, mas poderiam implementar essas trocas, segundo os di-
tames do direito internacional público, principalmente do art. 28 da
Convenção de Viena sobre direito dos acordos. O argumento ganha
ainda mais força à luz do art. 27 da CVDT que prescreve que “uma
parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para
justificar o inadimplemento de um acordo”.
Também não convence a linha de raciocínio delineada por
Passalacqua et al. de que a retroatividade violaria a segurança jurí-
dica, interferindo com legitimas expectativas de contribuintes334.
Isto porque, entende-se que não há uma legitima expectativa de que
o Estado não fiscalizará o contribuinte ou de que não implementará
meios para fiscalizar e executar suas leis.
Pelo contrário, espera-se que o contribuinte global aja em
boa-fé e que esteja em conformidade nas jurisdições em que estabe-
leça um nexo econômico, e não que este se aproveitará de uma assi-
metria de informações para economizar tributos ilicitamente, não é
valido que um se beneficie de sua própria torpeza.
À guisa de conclusão, entende-se que a proibição ao efeito
retroativo não atinge as regras de troca de informações. A sustentar
esta afirmação, a própria definição de retroatividade: não se está
buscando aplicar novas regras a fatos passados, mas se garantir a
executoriedade das regras de tributação aos fatos passados.
Qual seria então o limite para essa retroação? Seria o pe-
ríodo decadencial do Estado receptor das informações? Seria o pe-

334PASSALACQUA, Anna b. Scapa et al. Tax Information Exchange Agree-


ments and the Prohibition of Retroactivity. Intertax, v. 46, n. 5, maio de 2018,
pp. 384-385.

222
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

ríodo decadencial do Estado fornecedor das informações? A per-


gunta é relevante na medida em que muitos países adotam determi-
nado prazo para que os contribuintes guardem documentos compro-
batórios das informações prestadas ao fisco, no Brasil, regra geral,
este seria de 5 anos335.
Entende-se, portanto, que o prazo máximo seria equiva-
lente ao maior dentre os períodos decadenciais dos Estados envolvi-
dos, pois o contribuinte deve manter o material probatório pelo
tempo que perdurar o poder investigativo e o interesse de agir dos
Estados336.

3.2 Ampla Defesa e Contraditório

Os direitos que têm o maior potencial de serem alegados


e levados em consideração para que uma determinada troca de in-
formações seja desconsiderada pelas cortes são eventual violação ao
direito à ampla defesa e ao contraditório.
Note-se que, sem a participação dos contribuintes na fase
instrutória, as autoridades administrativas se arriscam a lavrar autos
de infração fadados ao cancelamento, em decorrência da incompre-
ensão dos fatos ou da informação337 ou ainda causar prejuízos insa-
náveis aos contribuintes.

335 Nesta linha ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; STEFANO FILHO, Ma-
rio di. Troca de informações no âmbito dos acordos de bitributação: a trans-
parência fiscal em face do ordenamento jurídico interno. Revista Nomos, v.
37, n. 2, jul-dez/2017, p. 154.
336 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; STEFANO FILHO, Mario di. Troca

de informações no âmbito dos acordos de bitributação: a transparência fiscal


em face do ordenamento jurídico interno. Revista Nomos, v. 37, n. 2, jul-
dez/2017, p. 155.
337 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; STEFANO FILHO, Mario di. Troca

de informações no âmbito dos acordos de bitributação: a transparência fiscal


em face do ordenamento jurídico interno. Revista Nomos, v. 37, n. 2, julho-
dezembro de 2017, p. 156.

223
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Isto é, assim como Direito Penal a observância da ampla


defesa e do contraditório devem ser a regra, sendo a exceção as si-
tuações que de forma justificada e razoável colocam em risco a la-
vratura do auto de infração, hipóteses essas que no Direito Tributá-
rio se mostram muito mais restritas e difíceis de ocorrer do que aque-
las que autorizam tal mitigação no Direito Penal.
Apesar disso, nenhum dos instrumentos internacionais
atualmente em vigor (Modelo OCDE, Modelo ONU, Convenção
Multilateral, FATCA) prescrevem qualquer espécie de direito de
participação ao contribuinte. A OCDE estabelece no parágrafo 14.1
dos comentários ao art. 26 da Convenção Modelo que existem van-
tagens na participação dos contribuintes, entretanto, esta participa-
ção não pode atrasar ou prejudicar trocas de informações em anda-
mento, além disso, essa notificação prévia poderia ser excepcionada
em caso de urgência da informação ou no caso desta minar as chan-
ces de sucesso da investigação338.
No Brasil, legislação não contém regras específicas dis-
pondo sobre os direitos dos contribuintes nas trocas de informa-
ções339, embora para Rocha seria possível inferir o direito de parti-
cipação e a ampla defesa do próprio sistema jurídico-processual, na
medida em que tais direitos, além de previstos no inciso LV, do art.
5º da Constituição Federal340, estão previstos diretamente no rol de

338 DIEPVENS, Niels; DEBELVA, Filip. The Evolution of the Exchange of In-
formation in Direct Tax Matters: The Taxpayer’s Rights under Pressure. EC
Tax Review, v. 24, n. 4, julho-agosto de 2015, p. 216.
339
ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Pro-
tection of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.
Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, set/2016, p. 507.
340 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-


dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administra-
tivo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes;

224
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

direitos do art. 2º da Lei nº 9.784/99341 que regulamenta o processo


administrativo federal342.
Como a Constituição Federal possui inúmeras cláusulas
regulamentando o devido processo legal, incluindo-se os direitos à
ampla defesa e ao contraditório como garantias para procedimentos
administrativos ou judiciais, “seria possível sustentar o acesso pré-
vio do contribuinte como uma necessidade do procedimento, capaz
mesmo de motivar a confecção de legislação específica para o
tema”343.
Contra este argumento, costuma-se afirmar que na fase in-
vestigativa nenhum fato foi imputado ao contribuinte para que seja
contraditado. Não por outra razão, o Tribunal de Justiça da União
Europeia decidiu no caso Sabou344-345 que o contribuinte não possui

341 Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da


legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, morali-
dade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e efici-
ência.
342 ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Pro-

tection of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.


Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, setembro de 2016, p. 507.
343 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; MOSTAÇO, Gabriel Marques.

Troca de Informações Fiscais e Proteção do Contribuinte. Revista de Direito


Internacional Econômico e Tributário, v. 12, n. 2, Brasília, Jul-Dez, 2017, pp.
196-197.
344 CZ: ECJ, 22 Out. 2013, Caso C-276/12, Jiří Sabou v. Finanční ředitelství

pro hlavní město Prahu, ECJ Case Law IBFD. Disponível em https://on-
line.ibfd.org/document/ecjd_c_276_12. Acesso em 12.7.2018.
345 “In short, the Sabou case concerned a tax assessment issued by the Czech

tax authorities based on information obtained from other Member States (Spain,
France, UK). In a fourth Member State (Hungary), witnesses were also exam-
ined in this respect. Sabou claimed that Czech tax authorities had illegally ob-
tained information about him, as he was not informed of the requests for assis-
tance (and thus not involved in formulating the questions); and secondly, he
was also not invited to take part in the examination of witnesses. According to
the Court, the involvement of the taxpayer was not required, as these procedures
merely took place in the investigation stage (i.e., information collecting), which
must be distinguished from the contentious stage. The outcome of this case has
been heavily criticized, particularly because of the artificial division the court
made between both stages. This case is however interesting for two other

225
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

direito a notificação na fase investigativa, ficando ao encargo do Es-


tado conservar os direitos fundamentais do contribuinte investi-
gado346.
No Brasil, esse parece ser o posicionamento adotado pelo
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ao afastar alegação de
nulidade de lançamento fiscal sob o argumento de que haveria vio-

points: First, the actions by the tax authorities were taken prior to the entry into
force of Charter of Fundamental Right of the EU which provides for a right to
be heard before any individual measure which adversely affects a person is
taken. Some authors believe this is the reason why the Court decided in the
negative for the taxpayer, as normally the guarantees of the Charter would apply
to such procedures. Member States are clearly in the course of ‘implementing
Union law’ while exercising a right conferred by European Union law, as re-
quired by Article 51(1) of the Charter. Falling outside the temporal scope of the
Charter would according to some explain the ECJ’s decision. However, accord-
ing to AG Kokott, in this case a right to be heard also cannot be deduced from
the general legal principles of European Union law – as codified by the Charter.
The Member States would in principle also have to comply with these principles
when requesting information under the Directive. As AG Kokott stated, in this
specific case the Member State concerned merely wanted to check the tax-
payer’s statements and the taxpayer himself has already set out his view. It
should be examined in each specific case whether notifying the taxpayer in ad-
vance would defeat the purpose of checking the information, as the taxpayer
might for example attempt to influence witnesses. A second important point
which was brought up concerned the probative value of the information ob-
tained under the Directive. The ECJ has previously stated that the validity of
information obtained under the Directive is not absolute. The Court now added
that the Directive does not govern the ways to challenge the accuracy of the
information obtained, thus taxpayers have to rely on the applicable national
rules and procedures in each Member State. From the above it is clear that the
protection offered by human rights in this field is still in an embryonal stage. It
is without a doubt that in the future more cases regarding exchange of infor-
mation will be referred to the ECtHR and the ECJ, which will hopefully lead to
the development of minimum standards for taxpayer protection” (DIEPVENS,
Niels; DEBELVA, Filip. The Evolution of the Exchange of Information in Di-
rect Tax Matters: The Taxpayer’s Rights under Pressure. EC Tax Review, v.
24, n. 4, jul-ago/2015, pp. 217-218).
346 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de – STEFANO FILHO, Mario di. Troca

de informações no âmbito dos acordos de bitributação: a transparência fiscal


em face do ordenamento jurídico interno. Revista Nomos, v. 37, n. 2, jul-dez
de 2017, pp. 155-156.

226
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

lação aos direitos de ampla defesa e contraditório na fase de fiscali-


zação347 e mesmo pelo Supremo Tribunal Federal quando se pensa,
por exemplo, nas recentes decisões relativas à possibilidade de exer-
cício desses direitos em fase de investigação nos Tribunais de Conta
da União348. Em relação ao tema, relatam Almeida e Mostaço que:

347 PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO. COLHEITA DE PROVAS NO


INTERESSE EXCLUSIVO DO FISCO. CARÁTER INQUISITÓRIO. FASE
PRÉ-PROCESSUAL.INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. PRELIMINAR DE NULI-
DADE REJEITADA. O procedimento de fiscalização tem caráter repressivo; é
realizado no interesse exclusivo do fisco para investigação ou apuração de in-
fração à legislação tributária e configura fase pré-processual.
O procedimento de investigação fiscal, por ter natureza inquisitorial, não é ba-
nhado pelos princípios do contraditório e ampla defesa, pois ainda inexiste acu-
sação formal, ainda não há processo, nem lide. O devido processo legal admi-
nistrativo instaura-se a partir da pretensão resistida; a partir do oferecimento de
impugnação à acusação formal formulada pelo fisco de prática de infração à
legislação tributária (autos de infração) e dos quais o contribuinte tomou ciência
na forma da legislação de regência. Os cânones constitucionais do contraditório
e da ampla defesa são de observância obrigatória no âmbito dos processos ju-
dicial e administrativo (no caso processo administrativo), a partir da impugna-
ção na primeira instância de julgamento. Na fase processual, desde o início,
foram e estão sendo asseguradas as garantias do devido processo legal, onde a
contribuinte e os sujeitos passivos solidários exerceram e continuam exercendo
plenamente o contraditório e a ampla defesa, não se vislumbrando vício algum
que pudesse macular ou inquinar de nulidade o lançamento fiscal. Os autos de
infração foram lavrados por agente competente do fisco, com observância do
art. 142 do CTN e art. 10 do Decreto nº 70.235/72. Não restando configurado
vício que pudesse inquinar de nulidade o lançamento fiscal, rejeita-se a preli-
minar de nulidade suscitada (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais,
Processo Administrativo nº 15956.000562/2010-11, Acórdão nº 1301-003.029,
Relator Conselheiro Nelso Kichel, j. 16/05/2018).
348 Agravo regimental em mandado de segurança. Tribunal de Contas da União.

Controle finalístico das entidades do Sistema S. Tomada de contas especial.


Observância ao postulado do contraditório. Alcance de norma constitucional
(art. 8º, I, da CF/88). Pretensão de interpretação genérica. Inadequação da via
eleita. Contribuições sindicais. Natureza pública. Agravo regimental do qual se
conhece e ao qual se nega provimento. 1. O estabelecimento do contraditório
em procedimentos iniciais de apuração de materialidade de atos objeto de de-
núncia perante o TCU não é obrigatório, pois, nessa fase, há mero ato investi-
gatório, sem formalização de culpa. Precedentes. 2. De acordo com previsão do
art. 12, II, da Lei Orgânica do TCU (nº 8.443/92), é no processo da tomada de
contas que o apontado como responsável tem a oportunidade de exercer seu
direito ao contraditório e à ampla defesa, o que foi observado no caso dos autos.

227
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

(...) por ocasião das análises da OCDE (Peer Re-


view) em 2013, a Receita Federal do Brasil salientou
que já renunciava a notificação prévia do contribu-
inte nos casos em que a informação estivesse em seu
poder, mantendo-a, todavia, quando fosse necessá-
rio o acesso às informações bancárias, em confor-
midade com o artigo 4º, §2º do Decreto 3.724/0152.
Naquele momento, a OCDE orientou que a notifica-
ção em caráter prévio tivesse medidas de exceção
nos casos de urgência da investigação e nos casos
em que fosse possível prever que o contribuinte frus-
trará o processo, como forma de garantir a eficiên-
cia da troca349.

Entende-se aqui que esses direitos devem ser resguarda-


dos, mas que não são exercitáveis plurijurisdicionalmente. Ou seja,
para que se preservem os direitos dos contribuintes nas trocas de
informações entende-se que eles devem ser exercitados pelo menos

3. Incabível a pretensão de transformar o mandado de segurança em instru-


mento para a interpretação acerca do alcance, de maneira genérica, de disposi-
tivo constitucional, com vistas a delinear, de modo dissociado do caso dos au-
tos, os limites do controle finalístico que compete ao TCU. A solução da lide
no sentido de que é legítimo ao controle finalístico exercido pelo TCU adentrar
na apreciação do padrão de objetividade e eficiência em contratação realizada
por entidades do Sistema S se deu em seguimento a precedentes da Corte e se
mostra suficiente para o deslinde da controvérsia. 4. As contribuições sindicais
compulsórias possuem natureza tributária, constituindo receita pública, estando
os responsáveis sujeitos à competência fiscalizatória do Tribunal de Contas da
União. Precedentes. 5. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julga-
mento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 6. Agravo regi-
mental do qual se conhece e ao qual se nega provimento (Agravo Regimental
em Mandado de Segurança nº 34.296/DF, relator Min. Dias Toffoli, julgamento
em 24.4.2018, Segunda Turma).
349 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; MOSTAÇO, Gabriel Marques.

Troca de Informações Fiscais e Proteção do Contribuinte. Revista de Direito


Internacional Econômico e Tributário, v. 12, n. 2, Brasília, jul-dez, 2017, p.
197.

228
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

uma vez, independentemente de se estar tratando de troca de infor-


mações a pedido ou automática.
Em relação à necessidade de notificação na troca automá-
tica de informações, discorda-se da posição adotada por Rocha para
quem a constitucionalidade da troca de informações dependeria de
uma notificação ao menos 30 dias antes de as informações serem
trocadas350. Isto porque a máxima “ninguém se escusa de cumprir a
lei, alegando que não a conhece”, incorporada no art. 3 da Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro, aplica-se aos acordos
internacionais incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, de
sorte que os potenciais contribuintes afetados pela nova norma te-
riam conhecimento de que as informações prestadas às autoridades
administrativas estariam sujeitas à troca automática de informações.
É verdade, como aponta Rocha, que poderia haver uma
série de trocas contendo informações incorretas que implicariam em
demandas indevidas no Estado receptor das informações351, mas em
relação a isto duas hipóteses se vislumbram: (i) o contribuinte cor-
rige as informações no Estado que enviou a informação – seja em
razão de eventual autuação, seja por identificação de erro, e este Es-
tado deveria realizar uma troca espontânea de informações alertando
o Estado receptor da alteração das circunstâncias fáticas ou (ii) o
contribuinte apresenta a documentação correta diretamente no Es-
tado receptor para justificar as inconsistências no preenchimento
inadequado de formulários fiscais que implicaram naquela de-
manda.

350 ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Pro-
tection of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.
Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, set/2016, p. 509.
351 ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Pro-

tection of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.


Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, set/2016, p. 509.

229
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Aqui se evidencia o ponto em que o Direito Penal se dis-


tancia do Direito tributário. Sabendo que haverá troca de informa-
ções e que o sigilo fiscal não é absoluto352, o contribuinte não precisa
ser notificado da realização da troca das informações, contudo, uma
vez feita a troca de informações deve-se determinar a partir de que
momento ou etapa o contribuinte deve exercer de forma abrangente
o seu direito a ampla defesa e contraditório.
Sustenta-se nesse artigo que, sem considerar as situações
em que a notificação poderia causar prejuízos à própria fiscaliza-
ção353, a ampla defesa e o contraditório devem ser exercidos na ju-
risdição mais próxima a fiscalização.
Na troca a pedido, tais direitos seriam exercidos no Estado
requerido, nas hipóteses em que se tratasse de informação específica
que demandasse diligência ou o deslocamento de fiscal para sua ob-
tenção. De outro lado, na troca automática ou na troca a pedido que
implicasse em envio de informação já detida pelo Estado requerido,
seriam exercidos no Estado receptor das informações.
Essa diferenciação justifica-se, pois o a depender da qua-
lidade da informação requerida, pode se tratar de informação comer-
cial privilegiada ou sensível cuja troca poderia ser vetada para evitar
potenciais danos concorrenciais ao contribuinte. De outro lado, na
troca automática ou se tratando de informação já em posse do Estado
Requerido, trata-se possivelmente de informação mais simples e de

352 Cf. Recurso Extraordinário 601.314-SP e as Ações Diretas de Inconstituci-


onalidade 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859.
353 Concorda-se com o posicionamento de Sergio André Rocha quando sustenta

que: the exceptions that would restrict or eliminate a taxpayer’s right to partic-
ipate in the procedure for the exchange of information would only arise where
the conduct attributed to the taxpayer were classified as a tax crime both in the
applicant state and in Brazil. In other words, the justification for restricting par-
ticipation rights would be to protect the applicant state’s right to take criminal
proceedings. However, issues concerning tax planning would never be a suffi-
cient argument to disregard the taxpayer’s rights to have knowledge of, and to
express views, regarding the exchange of information (ROCHA, Sergio André.
Exchange of Tax-Related Information and the Protection of Taxpayer Rights:
General Comments and the Brazilian Perspective. Bulletin for International
Taxation, v. 70, n. 9, set/2016, p. 508).

230
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

menor potencial lesivo ao contribuinte, de forma que a troca de in-


formações não prejudicaria os direitos dos contribuintes que pode-
riam ser exercidos no Estado receptor das informações.

3.3 Privacidade e Sigilo

A era do sigilo fiscal acabou! Com essas palavras o G-20


anunciou a importância que os países desenvolvidos dariam a trans-
parência internacional na cruzada pelo desenvolvimento e pela esta-
bilidade354. Pode-se afirmar que essa tendência foi recepcionada no
ordenamento jurídico brasileiro quando por ocasião do julgamento
da constitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar nº
105/2001 que atribuíam às autoridades fiscais a competência para
requisitar dados bancários de contribuintes diretamente às institui-
ções financeiras, sem prévia autorização judicial355.

354 SCHOUERI, Luís Eduardo; CALICCHIO, Mateus Barbosa. Transparency:


From Tax Secrecy to the Simplicity and Reliability of the Tax System. British
Tax Review, n. 5, 2013, p. 670.
355 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO

TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR


IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL
ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR
105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS
RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRE-
TROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01. 1. O litígio
constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário
e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter
constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua
da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia
individual e o autogoverno coletivo. 2. Do ponto de vista da autonomia indivi-
dual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se
traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou
ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclu-
sive do Estado ou da própria instituição financeira. 3. Entende-se que a igual-
dade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de
tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vin-
culado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades
coletivas de seu Povo. 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou

231
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

Entre os argumentos aduzidos para reconhecimento da


constitucionalidade dos dispositivos podem ser apontados:

I- a inexistência de violação a direito fundamental


(notadamente à intimidade), pois não haveria que-
bra de sigilo bancário ao se transmitir dados do con-
tribuinte para a autoridade fazendária, mas, ao con-
trário, a reafirmação daquele direito por meio do si-
gilo fiscal; II- a confluência entre os deveres do con-
tribuinte fundamental de pagar tributos) e os deve-
res do Fisco (dever de bem tributar e fiscalizar); e,
III- atenção aos compromissos firmados pelo Bra-
sil em termos de cooperação internacional356.

dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conforma-


ção da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para
a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições finan-
ceiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações finan-
ceiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera
bancária para a fiscal. 5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei
10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributá-
rias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa
à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma
em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Naci-
onal. 6. Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sistemática da
repercussão geral: “O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito
ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio
do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos obje-
tivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”. 7. Fixação
de tese em relação ao item “b” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral:
“A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis
tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo
144, §1º, do CTN”. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento (Re-
curso Extraordinário nº 601.314, Relator Ministro Edson Facchin, Pleno, julga-
mento em 24/02/2016).
356 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; MOSTAÇO, Gabriel Marques.

Troca de Informações Fiscais e Proteção do Contribuinte. Revista de Direito


Internacional Econômico e Tributário, v. 12, n. 2, Brasília, jul-dez, 2017, pp.
183-184.

232
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

Percebe-se que os compromissos internacionais firmados


pelo Brasil tiveram impacto direto no convencimento dos Ministros
da mais alta corte. Retirou-se ali eventual barreira aos procedimen-
tos necessários para que se desse andamento a eventuais trocas de
informações.
Muitos autores tentam distinguir privacidade, sigilo ban-
cário e sigilo fiscal como diferentes direitos sujeitos a níveis de pro-
teção diversos. Enquanto a privacidade seria o direito a manutenção
dos próprios negócios em segredo, o sigilo impediria que informa-
ções abertas a um indivíduo ou entidade não sejam expostas a uma
terceira parte não relacionada, propositada ou acidentalmente357.
Nessa senda, enquanto o sigilo bancário protegeria o indi-
víduo contra a divulgação de dados seus que se encontram em poder
de instituições financeiras, o sigilo fiscal ampara o contribuinte con-
tra a divulgação de informações financeiro-econômica por parte da
administração fiscal358.
Lembram Valadão e Arruda que enquanto o sigilo fiscal é
resguardado segundo os ditames do direito público, com restrição
de acesso e com consequências no âmbito civil e no penal para os
infratores; no sigilo bancário, o acesso aos dados é mais flexível com
um maior número de pessoas tendo acesso aos dados, por exemplo,
para fins de análise de créditos, o que enfraquece o nível de sigilo359.

357 Privacy is sometimes defined as the right to keep one’s affairs secret, while
the right to confidentiality means that information disclosed to a person or entity
should not be disclosed to an unrelated third party whether intentionally or by
accident (DEBELVA, Filip; MOSQUERA, Irma. Privacy and Confidentiality
in Exchange of Information Procedures: Some Uncertainties, Many Issues, but
Few Solutions. Intertax, v. 45, n. 5, mai/2017, p. 363).
358 TORRES, Ricardo Lobo. Sigilos bancário e fiscal. In: SARAIVA FILHO,

Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Coords.). Sigilos


bancário e fiscal: homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. Belo Ho-
rizonte: Fórum, 2011, p. 147.
359 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; ARRUDA, Henrique Porto de. Direi-

tos fundamentais, privacidade, intimidade, sigilos bancário e fiscal, e o con-


senso internacional. Revista Nomos, v. 34, n. 2, Fortaleza, jul-dez/2014, p. 322.

233
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

No tocante à relação entre a privacidade e o sigilo, Diogo


Leite de Campos defende que o sigilo bancário é inerente à privaci-
dade do indivíduo, haja vista que a conta bancária exporia detalhes
da vida íntima360. Já Valadão defende que “os dados financeiros ‘pu-
ros’ (...) não representam traços da sua vida privada ou intimidade –
que se direcionam a outros tipos de valores de natureza intimista ou
referentes aos que rodeiam determinada pessoa361.
Concorda-se aqui com Debelva e Mosquera quanto à in-
certeza do conteúdo desses direitos, e que ao invés de buscar fron-
teiras, dever-se-ia ver privacidade e sigilo interligados, modelo em
que ambos estariam sob o direito à proteção de dados362. Tais direi-
tos não são absolutos, reconhece-se “suas limitações ante questões
de ordem pública ou como forma de preservar a moralidade”363.
Assumir a possibilidade de troca de informações para fins
fiscais, não significa afastar a necessidade de as autoridades fiscais

360 Uma parte importante da vida pessoal do cidadão está espelhada na sua conta
bancária. A monetarização da economia leva a que, abolida a troca direta, as
operações econômicas de cada cidadão sejam efetuadas através de moeda; mo-
eda que circula quase exclusivamente através da conta bancária de cada um. O
que cada um veste; o que oferece ao cônjuge e aos filhos; os estudos dos filhos;
o volume da sua leitura; as próprias aventuras extraconjugais, tudo é revelável
através de uma consulta perspicaz da sua conta bancária. Não constituindo hoje
as famílias autarquias econômicas, quase toda a sua vida de relação com os
outros é cognoscível através das suas aquisições e vendas de bens e de serviços.
Conhecer a conta bancária é conhecer os traços fundamentais da vida privada
de cada um; é ter o ponto de partida para conhecer o outro (CAMPOS, Diogo
Leite de. O sigilo bancário. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Ge-
rais, Belo Horizonte, n. 3, 1997. p. 210).
361 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; ARRUDA, Henrique Porto de. Direi-

tos fundamentais, privacidade, intimidade, sigilos bancário e fiscal, e o con-


senso internacional. Revista Nomos, v. 34, n. 2, Fortaleza, jul-dez/2014, p. 318.
362 DEBELVA, Filip; MOSQUERA, Irma. Privacy and Confidentiality in Ex-

change of Information Procedures: Some Uncertainties, Many Issues, but Few


Solutions. Intertax, v. 45, n. 5, mai/2017, p. 363.
363 ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; MOSTAÇO, Gabriel Marques.

Troca de Informações Fiscais e Proteção do Contribuinte. Revista de Direito


Internacional Econômico e Tributário, v. 12, n. 2, Brasília, jul-dez/2017, p. 182.

234
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

resguardarem os direitos à privacidade e ao sigilo em relação a ter-


ceiros durante e após a troca. Em outras palavras, as informações
trocadas não podem fugir a esfera de controle das autoridades admi-
nistrativas dos países envolvidos.
Ilustra bem a questão o caso Aloe Vera, em que o contri-
buinte entrou com uma ação de danos morais contra o Governo
Americano por vazamento de informações na imprensa japonesa. A
Corte americana entendeu que a negligência do Governo americano,
em não controlar o uso das informações no Japão, não era suficiente
para que a ação fosse decidida em favor do contribuinte364.
Qual seria a solução em caso de vazamento de informa-
ções na perspectiva do contribuinte? Deveria ele entrar com uma
ação de danos contra o Estado fornecedor ou o receptor de informa-
ções? O Estado Fornecedor de informações, deveria denunciar o
acordo? O Estado receptor poderia utilizar essas informações para

364 Another issue which might arise is the fact that information might be leaked
to third parties such as the press. The misuse of the TIE and the potential leaking
of business data to the press may result in financial consequences for the tax-
payer. This was analysed by the US Court of Appeals for the Ninth Circuit ad-
dressing Aloe Vera of America vs. the United States decided on 30th July 2009.
124 In this case, Aloe Vera claimed civil damages due to the unauthorized dis-
closure in the Japanese news of the information exchanged under the provisions
of the DTT between the United States and Japan. Aloe Vera claimed damages
based on the duty of the tax administration in the United States to ensure that
the confidentiality of the EOI should be protected. The US Court of Appeals,
when analysing this case stated that it was not established whether the tax ad-
ministration of the United States knowingly disclosed false information or knew
that the foreign tax administration would misuse that information. For the US
Court, negligence is not enough to rule against the US Government. One of the
drawbacks of this decision is that the US Court of Appeals, the US Tax Admin-
istration and Aloe Vera focused on whether the statute of limitation of two years
to claim damages by Aloe Vera had lapsed or not. Therefore, the Court only
analysed the scope of the duty of confidentiality by the tax administration and
the safeguards that the Receiving state (i.e. Japan) should have implemented to
prevent the leak of information to the press very briefly (DEBELVA, Filip;
MOSQUERA, Irma. Privacy and Confidentiality in Exchange of Information
Procedures: Some Uncertainties, Many Issues, but Few Solutions. Intertax, v.
45, n. 5, maio de 2017, p. 363. DEBELVA, Filip; MOSQUERA, Irma. Privacy
and Confidentiality in Exchange of Information Procedures: Some Uncertain-
ties, Many Issues, but Few Solutions. Intertax, v. 45, n. 5, mai/2017, p. 376).

235
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

fins de autuação fiscal? As consequências seriam diversas a depen-


der do agente em foco.
A depender da informação, o contribuinte poderia entrar
com uma ação de danos patrimoniais e eventualmente morais no
país em que a informação foi vazada365 que deveria apurar os fatos
e aplicar eventuais sanções de natureza civil ou criminal cabíveis. É
interessante a proposta de Sergio André Rocha de que o instrumento
de troca de informações previsse regra de responsabilidade solidária
entre as partes366, mas entendemos de difícil aceitação na ausência
de previsão expressão em acordo de troca de informações, pois, em
relação ao outro Estado, ainda que se sustente a responsabilidade
objetiva pelos danos causados pelo Estado, dificilmente se verifica-
ria o nexo de causalidade no caso concreto.
Defende-se aqui que, no caso de a informação ter sido va-
zada no Estado receptor de informações, o Estado fornecedor deve-
ria suspender as trocas de informações até que fosse apurado o mo-
tivo e o responsável do vazamento367, e só no caso de continuar com

365 As a result, although the civil liability of the state is objective, in the sense
that proof of fraud or negligence is not required, it is necessary to demonstrate
the existence of a causal link between the conduct of the government official
and the loss or damage caused to the citizen. There is no doubt that government
action in the tax area can give rise to damage to the citizen and/or taxpayer.
Abuse and excess in the exercise of power by the tax authorities, apart from
errors committed in the exercise of activities, has the potential to give rise to
harm and the state must be held liable for any damage suffered by a taxpayer
(ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Protec-
tion of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.
Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, set/2016, p. 514).
366I therefore propose the inclusion in international conventions of an express

rule providing for joint and several liability between the states in the event of
damage suffered by the taxpayer, so that the latter may seek reparation in his
country of residence. In the absence of a conventional rule the omission may be
remedied by having recourse to the domestic legislation of the states in question
(ROCHA, Sergio André. Exchange of Tax-Related Information and the Protec-
tion of Taxpayer Rights: General Comments and the Brazilian Perspective.
Bulletin for International Taxation, v. 70, n. 9, set/2016, p. 514).
367 Como defendem Almeida e Mostaço: Com isso, enquanto vinculados por

um acordo de Direito Internacional Público, o Estado de fonte não deverá violar


os direitos fundamentais especificados pelo Estado de residência no momento

236
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

o fluxo de informações e de ocorrer novo vazamento seria então en-


quadrado como responsável solidário em eventual ação de danos.
Por fim, não se sustenta a tese de que eventual vazamento
tolheria o valor da informação como evidência para um auto de in-
fração, desde que submetida ao devido processo legal e ao contradi-
tório para apuração de sua veracidade.

4 Considerações Finais

A primeira consequência da rápida evolução dos stan-


dards de troca de informação, e principalmente da troca automática
de informações, é a perda de controle sobre a precisão e o uso das
informações pelos Estados368. Significa dizer, os Estados terão
acesso a uma quantidade imensurável de dados, mas talvez não te-
nham a capacidade ou o interesse de depurar e avaliar a utilidade de
todas as informações recebidas.
Não se está colocando a irretroatividade da troca de infor-
mações como um direito do contribuinte. Embora seja saudável a
implementação de um programa de abertura (voluntary disclosure)
antes da adoção de um novo paradigma de transparência (troca de
informações a pedido ou automática, principalmente), entende-se
que ele não seja obrigatório.
Isto porque se espera a conformidade dos contribuintes a
legislação doméstica dos países em que eles desenvolvam atividades

de coletar as informações dos contribuintes, visto que isso poderia lhe ser
oposto da mesma maneira, ou até mesmo ensejar a recusa ao fornecimento de
novas informações (ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de; MOSTAÇO, Ga-
briel Marques. Troca de Informações Fiscais e Proteção do Contribuinte. Re-
vista de Direito Internacional Econômico e Tributário, v. 12, n. 2, Brasília, jul-
dez/2017, p. 198).
368 DEBELVA, Filip; MOSQUERA, Irma. Privacy and Confidentiality in Ex-

change of Information Procedures: Some Uncertainties, Many Issues, but Few


Solutions. Intertax, v. 45, n. 5, mai/2017, p. 366;

237
FRANCISCO LISBOA MOREIRA E PAULO CÉSAR TEIXEIRA DUARTE FILHO
ORGANIZADORES

econômicas independentemente da troca de informações ou da fis-


calização. Adotando essa premissa, a troca de informação com efei-
tos retroativos à assinatura do instrumento internacional não ofen-
deria direitos dos contribuintes.
Entende-se que os direitos mínimos que deveriam ser res-
guardados seriam acesso à informação, ampla defesa (direito de no-
tificação, de resposta, de apelo) e proteção de dados (privacidade,
sigilo). Importante notar que esses direitos não são absolutos, de-
vendo ser flexibilizados a depender do caso, por exemplo, quando
se está diante de uma investigação criminal (evasão fiscal).
A jurisdição responsável pela proteção dos direitos elen-
cados deve ser apontada cotejando a eficácia do procedimento em
questão com a garantia dos direitos. Ou seja, a opção pelo seu exer-
cício no Estado Requerente ou no Estado Requerido vai depender
do procedimento que se está adotando e das características do caso
concreto.
No caso de troca automática de informações, em que se
trocam informações mais simples parece que o exercício dos direitos
dos contribuintes pode ser exercido no Estado Requerente, que re-
cebe as informações, pois não haveria grande prejuízo a seus direi-
tos.
Caso se esteja diante de troca de informações a pedido, a
jurisdição onde esses direitos serão exercidos vai depender da exis-
tência ou não de pedido de confidencialidade motivado da operação
fiscal. Caso o país requerente exija sigilo por conta do objeto da in-
vestigação (evasão fiscal), inevitavelmente os direitos deverão ser
exercidos no país requerente. De outro lado, caso não exija, tais di-
reitos deverão ser exercidos no Estado Requerido, sem prejuízo de
serem exercidos novamente no Estado Requerente.
A diferença de tratamento entre troca de informações au-
tomática e troca de informações a pedido é necessária em razão da
profundida da informação trocada e de seus potenciais efeitos na ati-
vidade do contribuinte.

238
O BRASIL NA NOVA ERA DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

No caso de violação da proteção de dados, as consequên-


cias que se vislumbram são: (i) compensação monetária pelos pre-
juízos sofridos no Estado Requerente, sem influência no aspecto
probatório da informação trocada e (ii) eventual suspensão do ins-
trumento de troca de informações até que seja apurada a fonte da
violação e que sejam adotadas medidas para evitar que novos vaza-
mentos ocorram, além da possibilidade de ser indicado como res-
ponsável solidário caso não o faça.
Das características de cada um, entende-se que os direitos
a ampla defesa e ao contraditório deveriam ser exercidos, no caso
de troca a pedido, no país requerido, pois esta será a jurisdição em
que a fiscalização ocorrerá e em que o contribuinte terá a possibili-
dade de demonstrar a correção da informação ou justificar a sua sen-
sibilidade para que as informações não sejam enviadas.

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