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DOI: http://dx.doi.org/10.46375/relaec.

35559

APROXIMAÇÕES ENTRE PAULO FRIERE E ANÍBAL


QUIJANO: POR UMA EDUCAÇÃO CRÍTICA E DE(s)COLONIAL
THE RELATIONSHIP BETWEEN PAULO FREIRE AND ANÍBAL QUIJANO: FOR A
CRITIC AND DE(S)COLONIAL EDUCATION

Ana Otero de Oliveira Mendonça (PPGCL-UNISUL)

RESUMO: O presente artigo apresenta como objetivo promover a reflexão e a aproximação entre
decolonialidade e educação. Para esta abordagem, mobilizo os textos: “Pedagogia do oprimido”
([1968]1983), do brasileiro Paulo Freire; e a obra “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América
Latina” (2005), do peruano Aníbal Quijano; “A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental
no horizonte conceitual da modernidade” (2005), do argentino Walter D. Mignolo, e “Lo pedagógico
y lo decolonial: Entretejiendo caminhos” (2013), de Catherine Walsh. O procedimento metodológico
consiste em colocar em diálogo os pontos chave das pesquisas, buscando similaridades entre elas.
Desenvolvo a hipótese de que seja possível encontrar aproximações conceituais e políticas entre as
propostas de Paulo Freire (1983) e de Aníbal Quijano (2005) e ambas se aproximam do conceito de
de(s)colonialidade. Com este artigo pretendo encontrar os pontos de aproximação entre os textos, e
estabelecer o significado crítico político contemporâneo presente nas obras. Percebo que a cultura
do silêncio tende a estagnar a história, e que os povos que têm resistido ao sistema colonial,
demonstrando a existência de outras formas de ser, saber, existir, conhecer, viver! O universalismo
só tem servido à má distribuição das condições de vida e a relativização da humanidade dos não-
hegemônicos. Por fim demonstro como principais pontos de similaridade a valorização de uma ação
humana consciente e crítica, bem como a superação das dicotomias fixistas, necessárias a uma
pedagogia de(s)colonial que atue para as possibilidades de abertura
Palavras-chave: Colonialidade; De(s)colonialidade; Educação.

ABSTRACT: This article pretend promote the reflection and approximation between decoloniality
and education. For this approach, we mobilize the texts: "Pedagogy of the oppressed" ([1968]1983),
by the Brazilian Paulo Freire; and the work "Coloniality of power, Eurocentrism and Latin America"
(2005), by the Peruvian Aníbal Quijano; "Coloniality from end-to-end: the Western Hemisphere in
the conceptual horizon of modernity" (2005), by the Argentine Walter D. Mignolo, and "Lo
pedagógico y lo decolonial: Entretejiendo caminhos" (2013), by Catherine Walsh. The
methodological procedure consists in putting into dialogue the key points of the research, looking for
similarities between them. The hypothesis of this article is: It is possible to find conceptual and
political approximations between Paulo Freire's (1983) and Aníbal Quijano's (2005) proposals, and
both are close to the concept of de(s)coloniality. With this paper I aim to find the points of approach
between the texts, and establish the contemporary critical political meaning present in the works. I
realize that the culture of silence tends to stagnate history, and that the people who have resisted the
colonial system, demonstrating the existence of other ways of being, knowing, existing, knowing,
living! Universalism has only served to the bad distribution of life conditions and the relativization
of the humanity of the non-hegemonic. Finally, I demonstrate as main points of similarity the
valorization of a conscious and critical human action, as well as the overcoming of fixist dichotomies,
necessary for a de(s)colonial pedagogy that acts towards the possibilities of opening
Keywords: Coloniality; De(s)coloniality; Education.

Revista Latino-Americana de Estudos Cientifico – ISSN 2675-3855 – v. 02, n.10, 2021


Introdução dos sujeitos, que adotam para si o
pensamento do colonizador.
As pesquisas em linguagem e Percebendo esta mesma relação entre
cultura, conduzem a uma constante reprodução e dominação baseada na
contextualização de nossa própria cor da pele, a filósofa brasileira
realidade sócio histórico, fazendo-nos Aparecida Sueli Carneiro (1950-)
assumir nossos próprios privilégios, denuncia a opressão colonial, em sua
ser branca com acesso às condições de tese de doutorado em educação que se
vida e ao estudo acadêmico, em um intitula “A construção do outro como
país como o Brasil, já elabora um não-ser como fundamento do ser”
marcador de diferença e privilégio na (2005) e, no terceiro capítulo,
produção textual. Para além disso, desenvolve a noção de epistemicídio
precisamos reconhecer que mesmo as retomando o conceito de Boaventura
opressões de gênero, epistêmicas, de de Souza Santos (1940-). Percebemos
americalatinidade, entre outras nas que pensar a colonialidade, requer
quais me encontro, não me isenta da pensar os meios que permitem a sua
colonialidade do pensamento reprodução, dessa forma, assim como
acadêmico. As leituras engendradas Carneiro (2005) revela a formação
na pesquisa de mestrado conduzem à intelectual humana de exclusão do
pensadores, que elaboraram ou pensamento que não venha dos
elaboram suas reflexões a partir da grupos hegemônicos (homens,
América Latina em sua vivência brancos, abastados), as escolas e
colonial. A colonialidade se estende universidades são as instituições
até os dias atuais, e as estruturas de incumbidas de reproduzir a ‘missão 80
privilégios ainda se perpetuam, como civilizatória’ do plano
podemos deixar de ser colonizados e moderno/colonial, que conduzem às
colonizadores? injustiças de valor simbólico e
Seguindo as indagações sobre a material, decorrentes das hierarquias
colonialidade, investigo as noções racistas e coloniais.
propostas a partir da obra Nesse contexto, surge a
“Colonialidade do poder, necessidade de uma pedagogia que
eurocentrismo e América Latina” não reproduza o pensamento colonial
(2005), elaborada pelo peruano em sua lógica educacional, que não
Aníbal Quijano (1928-2018). Esta mais se conforme com as “verdades
obra se encontra debatida no conjunto absolutas” sobre o mundo. O pensador
de trabalhos presentes em brasileiro Paulo Freire (1921-1997)
“A colonialidade do saber: questiona criticamente o modo de
eurocentrismo e ciências sociais” fazer pedagógico hegemônico, que ao
(2005), que surgem a partir do pensar se pretender universal, não
sobre o contexto e os efeitos da contextualiza o educando. Em sua
colonialidade. As investigações foram obra “Pedagogia do Oprimido”
organizadas pelo venezuelano ([1968] 1983), defende a ação da
Edgardo Lander (1942-), percebendo educação-crítica na construção da
estes efeitos no que tange à realidade consciência a partir do contexto
histórica da América Latina. histórico-sócio-cultural dos sujeitos; a
A reprodução sistemática do consciência é observada pelo
racismo colonial acontece, de acordo educador como fundamental ao
com Quijano (2005), a partir da processo do aprender através da
dominação cultural e intersubjetiva liberdade do pensamento.

Mendonça
Desenvolvo então, a hipótese Entretejiendo caminhos” (2013)4 de
de que seja possível encontrar Catherine Walsh.
aproximações entre as propostas de O método desenvolvido para a
Paulo Freire (1983) e de Aníbal aproximação entre as linguagens de
Quijano (2005), supondo a existência Freire e Quijano consiste em uma
de um encontro conceitual e político perspectiva qualitativa e crítica dos
entre as obras, e considero que na textos selecionados. Para estabelecer
linguagem escrita de ambos, podemos este diálogo, apresentamos
observar a perspectiva decolonial1 do referencial conceitual que sustenta o
pensamento. Sendo assim, procuro uso dos termos colonialidade e
ressaltar o significado crítico presente de(s)colonialidade; o primeiro
nas obras e bem como sua relação com desenvolvido a partir da obra do
a contemporaneidade2. educador Walter D. Mignolo; e, o
segundo a partir da obra da linguista e
Trajetória Metodológica educadora Catherine Walsh. O
procedimento metodológico, na
Por se tratar de uma pesquisa abordagem teórica, se deu a partir de
teórica, a metodologia se refere ao resenhas críticas de cada uma das
manejo de textos, conceitos e obras primárias, que foram
enunciados críticos. Para esta posteriormente colocadas em diálogo
abordagem, os textos serão separados em seus pontos chave, buscando
em em dois conjuntos: primários e similaridades entre elas. Na etapa
secundários. Sendo entendido como seguinte da pesquisa, utilizo o
primário “Pedagogia do oprimido” comparatismo para estabelecer a 81
(1983), do brasileiro Paulo Freire, relação entre o pensamento dos dois
tomado mais precisamente em seu autores com as leituras secundárias,
segundo capítulo, quando trata do como meio de produzir uma análise
desenvolvimento da educação crítica contextual, que nos auxilia no
bancária e a concepção pensamento sobre o presente em sua
problematizadora da educação emergência decolonial. Como
libertária; e a obra “Colonialidade do estratégia de construção textual, aqui
poder, eurocentrismo e América nesta apresentação do estudo, começo
Latina” (2005), do peruano Aníbal pelas leituras conceituais, uma vez
Quijano; e, por secundário, “A que são estas que dão as chaves para
colonialidade de cabo a rabo: o análise da linguagem decolonial que
hemisfério ocidental no horizonte pretendo assinalar nos textos de
conceitual da modernidade” (2005) 3, Quijano e de Freire. Para sustentar a
do argentino Walter D. Mignolo, e “Lo hipótese, demonstro o percurso
pedagógico y lo decolonial: teórico-crítico que permite sustentá-

1 Neste trabalho especificamente por se subalternização do pensamento latino-


inserir no debate pedagógico, opto por pensar americano. Quijano e Freira seriam, por essa
a de-colonialidade a partir da elaboração perspectiva, contemporâneos no pensar.
proposta por Catherine Walsh (2013); noção 3 Presente na mesma coleção de textos no qual

que será abordada adiante. encontramos o texto de Aníbal Quijano já


2Partindo do entendimento de indicado neste artigo.
contemporâneo, proposto por Agamben 4 Presente na obra Pedagogías decoloniales:

(2009), como um fora da linearidade do prácticas insurgentes de resistir,


tempo cronológico, a aproximação entre (re)existir y (re)vivir. O texto analisado é a
Quijano e Freire aposta na possibilidade de introdução da primeira parte da série
diálogo político entre a crítica de ambos à pensamento decolonial, Tomo I.

Mendonça
la, afirmando a aproximação mesma” (GLISSANT apud MIGNOLO,
decolonial entre os autores e, por isso, 2005, p. 33). Posto isto, o imaginário
a contemporaneidade, não temporal, em Glissant (1997) supera o sentido
mas sim de posicionamento crítico a técnico de imaginação, e o termo passa
colonialidade, do pensamento em é compreendido em um sentido
ambos. geopolítico, fundamental para
compreender a formação do
Resultados e discussões imaginário do sistema-mundo
colonial.
Colonialidade e Na breve revisão histórica que
De(s)colonialidade Mignolo (2005) realiza, destacam-se
como fundamentais na construção
No intuito de contextualizar o colonial de recusa da diferença, três
entendimento de colonialidade, fatores primordiais: 1) A derrota dos
apresento a obra “A colonialidade de mouros; 2) A expulsão dos judeus; 3)
cabo a rabo: o hemisfério ocidental no A expansão atlântica. Na expansão
horizonte conceitual da modernidade” atlântica, “todos eles passaram a
do educador Walter D. Mignolo. A configurar, no imaginário ocidental
partir da reflexão sobre o imaginário cristão, a diferença (exterioridade) no
do mundo moderno/colonial, e a interior do imaginário” (2005, p. 33).
construção de pensamento do O diferente, neste caso, é o externo, o
hemisfério ocidental, Mignolo (2005) não tão humano quanto o interno,
sintetiza o processo da colonialidade, aquele que pode ter a sua humanidade
e reafirma, assim como Quijano relativizada. Portanto, o interesse 82
(1992) e Wallerstein (1992), a principal do autor em suas
existência de uma mudança radical investigações se mostra para além de
deste imaginário, que se origina a expor essa política discriminatória,
partir da ideia de “Hemisfério trata-se de “examinar as respostas das
Ocidental”. As percepções sobre as Américas ao discurso e à política
estruturas de poder tornam-se integradora e ao mesmo tempo
eminentes a partir dos pensadores da diferenciadora” (MIGNOLO, 2005, p.
diferença, principalmente na América 33). Esse discurso se mantém a partir
Latina, sendo que se estende às da exclusão da diferença e do
relações Sul-Norte nas américas e empenho na homogeneização.
para a diversidade afro-americana. A modernidade/colonialidade
Mignolo (2005) emprega o conceito de é desenvolvida pelo autor como
imaginário segundo o termos de relação indissociável. O
desenvolvimento do intelectual e entendimento de mundo/moderno
escritor martinicano Édouard colonial no qual se embasa o autor é
Glissant (1928-2011), para quem o
5 proposto em Wallerstein (1974)6, e,
imaginário é a “[..] construção sob esta perspectiva, a emergência do
simbólica mediante a qual uma circuito comercial do Atlântico é
comunidade (racial, nacional, considerada indispensável na história
imperial, sexual etc.) se define a si do capitalismo e consequentemente,

5 Conceito desenvolvido principalmente na the Origins of the European World-


obra: Poetics of Relation de Edouard Glissant Economy in the Sixteenth Century de
(1997). Immanuel Wallerstein, (1974)
6 Conceito desenvolvido na obra: The Modern

World-System: Capitalist Agriculture and

Mendonça
da modernidade/colonialidade, sendo mundo moderno, continua
inegável o seu impacto na formação do ocultando a colonialidade, e
mantém a urgência universal e
mundo moderno/colonial. Mignolo monotópica - da esquerda e da
(2005) considera que somos direita - da Europa (ou do
testemunhas vivenciais de Atlântico Norte) para fora. A
transformações planetárias oriundas diferença colonial (imaginada no
da aplicação da colonialidade pagão, no bárbaro, no
subdesenvolvido). É um lugar
atlântica. Consequentemente, a passivo nos discursos pós-
colonialidade e a modernidade são modernos. (MIGNOLO, 2005, p
observadas como duas facetas de um 34).
mesmo fenômeno, fundamental à
expansão capitalista. O autor confirma A opressão colonial não pode
que não pode existir modernidade ser vista como movimento estanque
sem colonialidade, de modo que a que ocorreu em determinado período
colonialidade é constitutiva da histórico, a colonialidade se estende
modernidade. O sistema-mundo, ao como expressão do poder até os dias
observar a realidade exclusivamente a atuais. Mignolo (2005) destaca que
partir de seu próprio imaginário, seu trabalho não se trata da discussão
desconsidera a colonialidade do poder do colonialismo, mas sim sobre
como estratégia de dominação na colonialidade, por colonialismo
modernidade (ideia desenvolvida por entende a abordagem do período
Aníbal Quijano (1997), bem como a histórico, e por colonialidade a
existência da diferença colonial (ideia estrutura de relação de poder. O
desenvolvida por Walter Mignolo pensador denuncia a reprodução do
83
(1999). Desse modo, naturaliza as sistema colonial que suprime as
hierarquias culturais, a ideia de memórias dos colonizados, visto que
evolução e pretende homogeneizar nos dias em que escrevia Mignolo e
(civilizar) ao máximo possível as igualmente no tempo em que escrevo,
demais sociedades. Neste contexto, o ainda se comemora e se celebra o
sistema-mundo apresenta as “descobrimento das américas”,
tipificações raciais humanas, como mesmo frente aos movimentos de
base para a construção das estruturas intelectuais e indígenas que protestam
naturalmente hierárquicas contra estas comemorações de uma
desenvolvidas a partir da escravidão, história única, que consideram que o
bem como as novas relações de que ocorreu foi uma “invasão” deste
exploração do trabalho iniciadas com continente, colonialmente chamado
o comércio marítimo do atlântico. de américa. Para o autor, a diferença
Nesta visão, o autor esclarece que: colonial é a base para essas tensões
decorrentes da colonialidade e o
já não é possível conceber a entendimento de etno-racialidade se
modernidade sem a
colonialidade, o lado silenciado
transformou na engrenagem desta
pela imagem reflexiva que a diferença, que se consolida a partir da
modernidade (por ex.: os exploração e do silenciamento,
intelectuais, o discurso oficial do principalmente das pessoas
Estado) construiu de si mesma e escravizadas vindas do continente
que o discurso pós-moderno
criticou do interior da
africano. Cabe rememorar que foi a
modernidade como auto- partir do “circuito comercial do
imagem do poder. A pós- atlântico que a escravidão se tornou
modernidade, auto concebida na
linha unilateral da história do

Mendonça
sinônimo de negritude” (MIGNOLO, principal de sua análise é
2005, p.37) compreender “Para quem é
Ao pensar criticamente a importante e necessário definir um
colonialidade, Mignolo (2005) lugar de pertencimento e de
percebe o fenômeno da dupla diferença? ” (MIGNOLO, 2005, p. 38).
consciência colonial, verificando que a Ao propor esta diferença da
subalternidade colonial é introjetada experiência colonial, Mignolo (2005)
pelo próprio colonizado, de modo que demonstra a diferença colonial entre
este se vê a partir do olhar do criollos de ascendência hispânica
colonizador. Sendo ao mesmo tempo (Bolívar)9 e anglo-saxônica
colonizado e colonizador, essa dupla (Jefferson)10? Sendo que o avanço da
consciência habita de forma Inglaterra enquanto império de pleno
inconciliável o sujeito colonizado. desenvolvimento de longa trajetória
Nesse contexto, o autor cita Du bois7 e colonizadora, os deixavam a “frente”
considera o princípio da dupla aos outros colonizadores. Mas apesar
consciência característica do da diferença da experiência colonial,
imaginário das margens coloniais do ambos autores (Jefferson e Bolívar)
mundo moderno-colonial, nas apresentam um entendimento
Américas, no Sudeste da Ásia, no Norte fundamental em comum: “a ideia do
da África e ao Sul do Saara. O autor hemisfério ocidental estava ligada ao
percebe, como consequência da surgimento da consciência criolla,
colonialidade do poder, as anglo-saxã ou hispânica” (p.40). No
manifestações de “subjetividades entanto, a consciência criolla negra
forjadas na diferença colonial” (p.38). frente aos processos da colonização, 84
Neste contexto colonial, as se diferencia vivencialmente, visto
Américas enfrentam diversos que “A consciência criolla negra,
conflitos e tensões de posicionamento, contrária à consciência criolla branca
dentre eles o autor destaca a (anglo-saxã ou ibérica), não era a
singularidade americana, visto que “A consciência herdeira dos
América é a diferença, mas ao mesmo colonizadores e emigrados, e sim a
tempo é a mesmidade. É outro herdeira da escravidão” (p.40). Essa
hemisfério, mas é ocidental” distinção racial entre colonizados
(MIGNOLO, 2005, p. 38). O autor inicia serve muito bem aos colonizadores
neste ponto a própria discussão do como artifício de manutenção da
entendimento de hemisfério dominação.
ocidental8, declarando inicialmente Posteriormente Mignolo
que como era de se esperar o (2005) apresenta os processos
entendimento do termo difere, e não revolucionários de libertação que se
é trivial esta diferença. Mas o ponto relacionam diretamente com

7 It is a peculiar sensation, this double- double self into a better and truer self (1970:
consciousness, this sense of always looking at 8-9 apud MIGNOLO, 2005, p. 38).
oneís self through the eyes of the others, of 8 Expressão se iniciou no inglês das Américas

measuring oneís soul by the tape of a world (MIGNOLO, 2005).


that looks on in amused contempt and pity. 9 BolÌvar, Simão. Carta da Jamaicaî em

One ever feels his two-ness -an American, a Leopoldo Zea (comp.) Fuentes de la
Negro-; two souls, two thoughts, two Cultura Latinoamericana. México: Fondo de
unreconciled strivings; two warring ideals in Cultura Econômica. Vol. I. 1993 [1815]
one dark body [...] The history of the American 10 Jefferson, Thomas. The Writing of Thomas

Negro is the history of his strife, -this longing Jefferson. Washington DC: Library of
to attain self-conscious manhood, to merge his Congress. Vol. 13. 1903-1904 [1813]

Mendonça
consciência do movimento negro, o necessidade dos conceitos de
autor destaca a revolução Haitiana, e colonialidade de poder e diferença
destaca que este movimento é colonial para realizar a mudança da
referente ao colonialismo francês e de geocultura histórico-geográfica
herança africana, ou seja, não teve a construída pelo colonialismo.
força da imigração inglesa que teve Mignolo (2005) demonstra as
nos Estados Unidos, nem as diversas relações coloniais nos
consequências do forte colonialismo diversos territórios mundiais, e revela
hispânico. Deste modo é uma a ambiguidade de países que exercem
revolução que “Direta ou a dominação sob certos territórios, e
indiretamente, foi a diáspora africana são dominados por outros, (como
e não o hemisfério ocidental o que percebemos na ascensão econômica
alimentou o imaginário dos da Inglaterra, da França e da
revolucionários haitianos” (p.41). A Alemanha, sobre Portugal e Espanha).
partir da análise desta expressão Posteriormente, destaca o final da
revolucionária, o autor percebe que a guerra fria e a consolidação da
negação da Europa neste contexto não concepção de “primeiro mundo”, que
foi nem hispânica nem anglo-saxã e acentuam a reprodução da diferença
em ambos os casos, colonial e da exploração do trabalho. A
colonialidade vai se modificando nas
“todo o impulso da consciência diferentes rearticulações da
criolla branca, tratava-se de colonialidade do poder e cria um novo
serem americanos sem
deixarem de ser europeus; de
colonialismo global, como podemos
serem americanos, mas observar nos Estados Unidos; desse 85
diferentes dos ameríndios e da modo a diferença colonial se mantém,
população afro-americana” redefinem-se nas formas globais de
(MIGNOLO, 2005, p.41). colonialismo “movidas pelas finanças
e pelos mercados, mais que pela
Os nativos brancos, ao não
cristianização” (MIGNOLO, 2005, p.
assumirem sua dupla consciência,
47).
tendem a integrar-se ao conceito de
Nessa conjuntura, o autor
hemisfério ocidental, e integrar a
percebe que o imaginário do mundo
américa ao ocidente, no entanto, esse
moderno/colonial justificou a história
movimento é inviável aos criollos
do capitalismo e a partir de suas
negros.
investigações, considera que o
Posto isto, a geocultura do
capitalismo promove a exploração do
sistema-mundo moderno se embasa
trabalho a nível transnacional. Por
na manutenção da imagem ideológica
outro lado, considera o forte
(e hegemônica) que, de acordo com
movimento migratório promovido
Mignolo (2005), foi sustentada e
pelo capitalismo nas américas, e
expandida justamente pela classe
destaca que para além de brancos e
dominante, depois da Revolução
mestiços, conta com a numerosa
Francesa. A imagem hegemônica é a
população indígenas que têm, muitas
maneira com a qual um grupo impõe
vezes, “mais em comum com os
uma imagem e concebe a estruturação
indígenas dos Estados Unidos do que
social. Neste imaginário as relações de
com os brancos e mestiços da América
poder são precisamente as que
Latina’’ (MIGNOLO, 2005, p.47).
participam ativamente na
Finalizando sua análise sobre a
diferenciação colonial. Para Mignolo
consequências do imaginário
(2005), esses fatos justificam a

Mendonça
colonial/moderno bem como da organizadora obra intitulada
transformação da América do Norte “Pedagogías decoloniales: prácticas
em “hemisfério ocidental” e “Atlântico insurgentes de resistir, (re)existir y
Norte”, Mignolo verifica que esta (re)vivir” (2013). Para nossa
transformação assegura a reflexão, aqui, nos debruçaremos
sobrevivência do conceito de sobre o texto introdutório, intitulado
civilização ocidental, mas marginaliza “Lo pedagógico y lo decolonial:
definitivamente a América Latina Entretejiendo caminos”.
desta mesma civilização. No entanto, Na abertura de seu
ele considera que esse movimento cria pensamento Walsh (2013) apresenta
condições para a coalizão e o jamaicano sociólogo Stuart Hall13
rearticulação das forças ameríndias e (1932-2014), partindo de seu
afro-americanas alimentadas pelas pensamento crítico, ao argumentar
migrações crescentes e pelo que os movimentos políticos
tecnoglobalismo. Afirma, ainda, que a produzem os movimentos teóricos. A
partir do movimento zapatista11 partir desta proposta, Walsh (2013)
ocorre a valorização da “força do chega ao ponto fundamental de
imaginário indígena e disseminação necessidade de uma prática teórica,
planetária de seus discursos” capaz de mobilizar a intelectualidade
(MIGNOLO, 2005, p.48). E esteve para encontrar soluções e
movimento permite pensar em outros compreender que colonialidade tem
futuros possíveis além do transformado a sociedade na qual
fundamentalismo civilizatório que vivemos em uma expressão social
reproduz exclusão da diversidade e profundamente anti-humana. 86
edifica um “colonialismo interior”12. Walsh (2013) apresenta o
Para adensar o debate sobre a histórico de transição e revolução, das
colonialidade e seus efeitos sobre as rupturas da
formações imaginárias, propomos modernidade/colonialidade, como
trazer a noção decolonial, mas para por exemplo a crise da colonialidade
ser coerente com toda a proposta de do poder que elucida Quijano (2007).
pensamento apresentada neste artigo, Considera como exemplo destas
precisamos estar cientes que o termo rupturas o movimento zapatista (nota
decolonialidade ou mesmo 11) e outros movimentos de
pedagogia decolonial não apresenta comunidades e intelectuais, indígenas
um único significado e uma única e afrodescendentes, percebendo nos
história. Para uma contextualização oprimidos a potência de coalizão
geral do termo iremos considerar a revolucionária. De acordo com a
proposta da professora e linguista autora, especialmente a partir do
Catherine Walsh, autora, professora e pensamento da região andina, percebe
diretora do Doutorado em Estudos que estes movimentos de libertação
Culturais Latino-americanos da crítica se caracterizam pela
Universidade Andina Simón Bolívar ambiguidade de momentos
do Equador (Quito), é também simultâneos, de avanço e retrocesso;

11 Um dos movimentos que encadeou a 12 Quando o colonialismo do poder é operado


Revolução Mexicana, o movimento defende a partir dos próprios colonizados.
uma gestão autônoma e democrática do 13 Obra citada pela autora HALL, Stuart, Race,

território, bem como participação direta da Culture, and Communications: Looking


população e a partilha da terra. Backward and Forward at Cultural
Studies. Rethinking Marxism 5, 10-18., 1992

Mendonça
considerando, assim, que o como um conjunto de práticas e
movimento de de(s)colonização esquemas metodológicos que podem
requer simultaneamente movimentos tanto fortalecer os sistemas
de aprendizagem e desaprendizagem. opressores na manutenção de suas
No contexto pedagógico ideias, quanto promover a
decolonial, é interessante perceber o criatividade, a criticidade e a
destaque que a autora emprega a renovação das estruturas. Sendo
pedagogia de Paulo Freire, assim, a pedagogia de(s)colonial é
estabelecendo sua relação14 com o aquela que busca a partir de suas
pensamento do psiquiatra Frantz práticas o posicionamento crítico
Fanon, considerado de extrema frente a colonialidade.
relevância para a construção da Na perspectiva de Walsh
concepção decolonial. Walsh (2013) (2013), Freire e Fanon contribuem
considera as obras de Paulo Freire para a construção do que chama de
como vanguarda à literatura educação intercultural crítica e
decolonial contemporânea da América de(s)colonial. Ela reconhece em Freire
Latina, e, precisamente a partir desta a crítica pedagógica e em Fanon a
ideia, ela desenvolve a relação entre a crítica colonial, sendo ambos
proposta decolonial e a expressão direcionados pela busca decolonial de
pedagógica. Para autora, consideram- libertação e humanização. A libertação
se como pedagogias decolonias promovida pelas pedagogias
aquelas que surgem em contexto de decoloniais não tratam simplesmente
luta, marginalização e resistência, de libertar as identidades culturais,
sendo estas as práticas que fraturam a como se a colonialidade pudesse ser 87
modernidade/colonialidade e tornam superada apenas no campo cultural,
possível outras possibilidades de ser, mas é preciso negar as condições
estar, pensar, saber, sentir, existir e ontológicas existenciais que
viver-com (WALSH, 2013). reproduzem o colonialismo e, mais,
A de(s)colonização do pensar, transformá-las na intenção da
na proposta de Walsh (2013), não superação dos limites indenitários.
considera possível um estado de A pedagogia que se pretende
ausência colonial, como sugere o de(s)colonial, para autora, é aquela
sufixo “des”, caso o (s) não seja que valoriza as diversidades dos
colocado em destaque como saberes. Nela os saberes populares e
problematização do termo. A partir da étnicos são vistos como grande
grafia com destaque, é possível riqueza; e o fortalecimento desses
reconhecer o processo colonial, ou saberes nos levam a sermos capazes
seja, a consciência crítica. Escrever de descontinuar a violência
de(s)colonização, a suspensão do (s), epistêmica colonial, que nega estes
para além de uma característica da saberes por meio da invasão cultural-
grafia, pretende um posicionamento colonial-imperial. Sendo assim, Walsh
ideológico. A pedagogia se expressa (2013) percebe como ponto

14Nota número 10 da autora que retrata esta política-epistémica-ontológica de Fanon y su


relação: El hecho de que el brasileño Freire, apuesta, de hecho, pedagógica, a construir una
desde su primera obra ya clásica La pedagogía nueva humanidad de carácter cuestionador.
del oprimido, cita al martinico Fanon, es Por un lado, es el diálogo que Freire establece
revelador. Sin embargo, no es hasta sus con Fanon que me interesa aquí; por el otro, es
escritos tardíos que Freire empieza la propia contribución a la vez pedagógica y
considerar con seriedad la postura racial- decolonial de Fanon (WALSH, 2013, p.32)

Mendonça
fundamental na obra de Paulo Freire reproduz a colonialidade, a
(2004) a postura de ler o mundo de de(s)colonização deve promover a
maneira crítica e exercer uma postura consciência sobre a reprodução destes
político-pedagógica e pedagógica- processos, para assim descontinuá-
político, assumindo o ato de educar los.
como um ato político e não somente O ponto fundamental desta
pedagógico. perspectiva está na necessidade de
Posto isto, a educação não é conhecer a realidade para ser possível
apenas a pedagogia formal, mas sim o modificá-la. As investigações de Walsh
reconhecimento de toda a (2013) procuram reconhecer as
complexidade epistêmica e diversa formas nas quais os sujeitos
dos grupos populares. Negar o saber colonizados interiorizam seu processo
popular significa oprimir e de colonização criando as condições
desumanizar quem o produz, sendo de não-existência. Para autora é
esta uma postura antiética, que, de necessário perceber a relação da
acordo com Walsh (2013), é o oposto pedagogia com a manutenção e
da pedagogia em Freire (2004), que é introjeção da colonização, no entanto,
necessariamente um ato ético. considera que a pedagogia, a partir do
O termo descolonização volta encontro com a de-colonialidade, se
em Fanon15 (2001), que por sua vez, transforma em uma possibilidade de
trata de uma ação que modifica ampliar os horizontes até então
fundamentalmente o ser, não pode estabelecidos, superar as dicotomias
passar despercebida (nesse ponto cristalizadas, produzir o novo, e
vemos semelhança com a radicalidade engendrar o processo da libertação 88
da pedagogia de Freire). Igualmente a (WALSH, 2013).
descolonização conduz e necessita de
um novo homem, uma nova As aproximações conceituais
linguagem, nesta trajetória “a coisa” entre Paulo Freire e Aníbal
colonizada se transforma em Ser Quijano
Humano em constante
desenvolvimento de libertação. Sendo Aníbal Quijano (2005)
assim, a descolonização é um processo contextualiza o choque de identidades
de desaprendizagem do que foi fenotípicas que ocorreu no processo da
imposto pelo sistema colonial, para colonização das américas, promovendo o
que seja possível reaprender a ser mito fundamental da modernidade: a
humano. ideia de raça, e com isso a estruturação
Catherine Walsh (2013), ao do racismo. Na lógica racista, o trabalho
relacionar os pensadores, assalariado se estabelece quase
esquematiza a ideia de que exclusivamente vinculado à branquitude
precisamos estudar o processo de social. Sendo assim, a liberdade humana
humanização, desumanização e re- das “raças inferiores” torna-se
humanização, e assim como Fanon naturalmente mercadoria de propriedade
(2001), não estudar “sobre” os das “raças superiores”. Seguindo a
condenados da terra, mas sim “com” mesma lógica de mercantilização, as
os povos subalternizados. A partir da terras indígenas, nesse sistema, tornam-
compreensão de que o sujeito se propriedades, e as propriedades
colonizado, ele próprio interioriza e também são mercadorias. O que opera o

15 Obra citada pela autora: FANON, Frantz.


Los Cultura Económica. (Originalmente publicado
condenados de la tierra. México: Fondo de en 1963) 2001.

Mendonça
completo rompimento conceitual da opressão. No segundo capítulo do livro
relação orgânica do homem com a terra. “Pedagogia do Oprimido”, apresenta a
Quijano (2005) apresenta o noção educação bancária, compreendida
sistema econômico que financiou o como uma educação fixa e estática -
colonialismo e a manutenção do poder eurocêntrica como percebemos em
colonial, demonstrando que, através da Quijano (2005) -, pretende que o
localização geográfica, esse sistema se educando apenas reproduza, sem atribuir
centralizou na Europa. O controle do significado ao discurso que está sendo
sistema-mundo que a Europa passa a reproduzido.
exercer não é só financeiro, mas Em suas primeiras palavras
principalmente de imposição subjetiva e sobre a Pedagogia do Oprimido (1983),
cultural. Nele a produção de Freire incialmente contextualiza que seu
conhecimento é produzida pensar apresenta relação indissociável
exclusivamente pelo dominador. O com a atividade prática, sendo que esta
conhecimento eurocêntrico parte de uma obra surge das observações empíricas
perspectiva linear, binária e dualista; realizadas pelo autor. Outro ponto
nesse contexto, estreito para o introdutório fundamental é a mudança de
entendimento de totalidade, a um estado de ser ingênuo para um estado
modernidade é vista como o novo e o de ser crítico: “cheguei a esse curso
mais avançado da espécie, o homem ingênuo e, ao descobrir-me ingênuo,
europeu como exclusivo criador e comecei a tornar-me crítico” (FREIRE,
protagonista da modernidade 1983, p. 20). O pensamento do autor é
(QUIJANO, 2005). expresso em sua escrita, percebe-se nela
Mas o que se entende por o valor direcionado à palavra, sendo esta
modernidade? Em Aníbal Quijano um dos temas principais de seus estudos. 89
(2005), a modernidade é vista a partir da Para o autor a palavra apresenta a
América Latina, e surge no fim do séc. potência da transformação, mas esta não
XIX, sobretudo no séc. XX, pós-segunda pode ser uma palavra oca, necessita ser
guerra mundial. Nasce vinculada ao preenchida de sentido e significado, e
debate sobre a ideia de desenvolvimento estes se elaboram a partir da vivência
e de subdesenvolvimento, imersos no (FREIRE, 1983).
domínio estrutural que implica, A obra do pensador sempre
obviamente, ao que o autor chama de gerou, e gera até hoje, muita polêmica e
uma geografia do poder e uma reações contrárias às ideias ali expostas,
colonização do saber e do ser. Neste seja por considerá-las “Blablablá” de
sistema, a empresa capitalista é o quem se “perde” falando em vocação
controle da autoridade e da ontológica, em amor, em diálogo, em
intersubjetividade, o que implica dizer esperança, em humildade, em simpatia”
que a heterogeneidade histórico- (FREIRE, 1983, p. 21) ou “por não
estrutural tenha sido erradicada dentro de quererem ou não poderem aceitar as
seus domínios, a partir de uma críticas e a denúncia que fazemos da
articulação massiva, negando as situação opressora, situação em que os
diversidades das racionalidades opressores se ‘gratificam’, através de sua
(QUIJANO, 2005). A forma de conhecer falsa generosidade” (Ibidem). O
no sistema moderno/colonial tende a pensador reafirma que um pensar
aniquilar a produção de conhecimento da revolucionário não deve silenciar frente
alteridade. ao pensamento opressor.
Paulo Freire (1983) como O autor contextualiza o cenário
pedagogo crítico percebe a educação político no qual surge sua obra (1968),
também como um instrumento de cenário esse não muito distinto do

Mendonça
contexto político no Brasil em revolucionária, a possibilidade efetiva de
2020/2021, visto que ele apresenta as mudança do futuro através participação
polaridades políticas como ativa no presente. Para o Aníbal Quijano
posicionamentos que, apesar de (2005), uma mudança histórica necessita
ideologicamente distintos, são da transgressão da modernidade em
igualmente fatalistas e fragmentadores, conjunto com a dessacralização das
e, ambos posicionamentos políticos se hierarquias e das autoridades, tanto na
fazem reacionários, “ambos girando em dimensão material das relações sociais
torno de “sua” verdade, sentem-se quanto na intersubjetiva. A mudança
abalados na sua segurança, se alguém a social surge da expressão subjetiva ou
discute. Daí que lhes seja necessário intersubjetiva, presente naquilo que os
considerar como mentira tudo o que não povos do mundo estão fazendo nesse
seja a sua verdade. "Sofrem ambos da momento. Para o autor na ideia de futuro
falta de dúvida”16 (1983, p.24). O se encontra o único território onde a
reacionário é aquele que se fecha em um história pode ser produzida pela ação
“círculo de segurança”(FREIRE, 1983, humana. A ação humana vem sendo
p.23), e percebe o futuro como ponto mercantilizada como força de trabalho e
estático a ser alcançado e não o relacionada com o capital desde os
movimento constante, dessa forma, age séculos XI-XII, mesmo sendo esta
como se o futuro “[...] fosse destino, prática mais antiga do que as Américas,
como se devesse ser recebido pelos é a partir delas que esse modelo se
homens e não criado por eles” (FREIRE, estende globalmente. Esse controle
1983, p.24). Posto isso, em um sentido financeiro sobre a ação humana,
reacionário, a ação humana e, apresenta como consequência uma
consequentemente, a pedagogia, devem simplificação da complexidade humana. 90
ser conduzidas no sentido de promover a A mercantilização da ação humana é
melhor adaptação à realidade. A uma forma de pensar massiva e
proposta pedagógica do autor nos homogeneizante; nela se estabelece a
provoca a pensar de maneira oposta, ou simplificação dos povos originários da
seja, não se pretende a adaptação América que mesmo em suas
humana, mas sim a criatividade humana diversidades étnicas, em contato com os
e seu potencial de interação com a ibéricos, são todos reduzidos a “índios”.
realidade, a produção da intima relação O mesmo ocorre com os povos traficados
entre futuro e ação humana. A pedagogia da África, que foram massificados como
do oprimido parte da radicalização da “negros”, sendo despojados de suas
revolução, frente a sectarização do próprias singularidades e identidades
reacionário, e afirma que, “a própria históricas, e ambos passam por uma
leitura dêste texto [Pedagogia do exclusão temporal, e são identificados
oprimido] não possa ser realizada por como “passado” (QUIJANO, 2005).
sectários” (1983, p. 25). Ou seja, aqueles Dessa forma o autor nos convida à
que estão fechados às possibilidades de reflexão da naturalização da exclusão de
mudanças coletivas. certas humanidades, esta naturalização
Uma aproximação que podemos se mantém a partir de seus meios da
realizar entre as duas obras estudadas diz reprodução e pode ser interrompida a
respeito à valorização do tempo presente partir do pensamento crítico.
e da ação humana como potência

16Márcio Moreira Alves, em conversa com o


autor (nota da página 24 da Pedagogia do
Oprimido) (FREIRE, 1983).

Mendonça
Como dito anteriormente, Paulo dicotomias fixas é uma elaboração
Freire (1983), mais precisamente no necessária tanto para a educação
segundo capítulo, apresenta um dos problematizadora proposta por Freire,
conceitos fundamentais de sua obra: a quanto para exercer a superação da
“concepção bancária da educação”, colonialidade proposta por Quijano
propomos justamente que a educação (2005). Supomos que a superação
bancária seja uma das formas práticas de dicotômica e terminológica presente nos
opressão que reproduz a colonialidade dois autores, além de propostas
no campo do saber. A tônica da educação filosóficas, signifiquem necessariamente
bancária para Freire (1983) é centrada no uma transformação estrutural.
ato narrativo, o que conduz a uma As dicotomias fixas como base
educação na qual os conteúdos são do entendimento do mundo, na visão de
“retalhos da realidade desconectados da Freire (1983), são extremamente
totalidade[...] A palavra, nestas alienantes, e provocam cisões profundas,
dissertações, se esvazia da dimensão a exemplo da a cisão homens-mundo.
concreta que devia ter, ou se transforma Para ele, nesta cisão, há apenas “Homens
em palavra oca, em verbosidade alienada simplesmente no mundo e não com o
e alienante” (1983, p.65) A manutenção mundo e com os outros. Homens
da opressão neste caso consiste em espectadores e não recriadores do
anular a ação cognoscente do educando, mundo” (1983, p.71). Esta é uma
sendo este fixado em um local de concepção de interesse dos opressores,
passividade. que nega a possibilidade de seres
A visão bancária da educação humanos existirem enquanto “corpos
concebe o saber como propriedade de conscientes” (1983, p.71). Para Freire, o
alguns, e se edifica a partir da próprio entendimento bancário de 91
absolutização da ignorância de outros, ´consciência´ impossibilita a existência
bem como de uma fixação das posições, da consciência libertadora, visto que
onde o educador “Será sempre o que neste entendimento (bancário) a
sabe, enquanto os educandos serão consciência é percebida como um
sempre os que não sabem [...] a rigidez receptáculo, interno, pronto para receber
destas posições nega a educação e o o conteúdo, externo. Nessa perspectiva,
conhecimento como processos de busca” o autor cita Sartre (1965) ao colocar que
(FREIRE, 1983, p.67). Além do mais, “consciência e mundo se dão ao mesmo
por parte dos educandos que recebem tempo” (SATRE apud FREIRE, 1983,
passivamente as narrativas dos p.81)17. A consciência não é vista, em
educadores se instaura a reafirmação da Satre (1965), como passiva, o que ocorre
“cultura do silêncio” (1983, p.67). é uma superação temporal, que ao se
A hipótese apresentada por abrir à simultaneidade dos
Freire (1983) propõe que a situação da acontecimentos, desconstrói a ideia de
opressão se origina na contradição que a elaboração do pensamento é
educador-educandos, e esta se soluciona sempre linear (europeia/bancária). Ainda
a partir do momento que ambos se na discussão sobre a consciência, o autor
façam, simultaneamente, educadores e nos apresenta uma situação na qual a
educandos. Como observamos em mesma conclusão que expõe Sartre, foi
Quijano (2005), a estrutura binária do elaborada por um camponês em um
pensar é decorrente do eurocentrismo “círculo de cultura”18 no Chile, sendo um
colonial, dessa forma o superar das exemplo de que o pensamento crítico não

17Jean Paul Sarte, El hombre y las cosas.1965. com a finalidade de construir o universo
18Trata-se de uma forma de encontrar os vocabular dos educandos na pedagogia
“temas geradores” ou “palavras geradoras” proposta por Freire.

Mendonça
requer erudição, mas sim reflexão e permanente, “a educação se refaz
comprometimento. constantemente nas práxis. Para ser tem
A educação bancária é aquela que estar sendo (1983, p.84). Posto isto,
que conduz a aceitação da opressão sem entendemos que “Enquanto a concepção
criticidade, ou seja, a manutenção da ‘bancária’ dá ênfase à permanência, a
ingenuidade, conduzindo o opressor ao concepção problematizadora reforça a
humanitarismo e não ao humanismo19. mudança” (1983, p 84).
Os seres humanos nesta visão são A mudança é anti-colonial, visto
passivos e devem ser cada vez mais que o colonialismo requer a manutenção
passivos e adaptados, sendo esta a do seu poder e a reprodução impensada
função fundamental da educação de suas estruturas. A conquista
bancária: adaptar os oprimidos à eurocêntrica do sistema-mundo nega
realidade criada pelo opressor. outras perspectivas e saberes; a
Consequentemente os opressores perspectiva eurocêntrica da história
“reagem, até instintivamente, contra latino-americana, para Quijano
qualquer tentativa de uma educação (2005), opera como um espelho que
estimulante do pensar autêntico” distorce o que reflete. A tragédia
(FREIRE, 1983, p.68). A educação relatada é que somos conduzidos,
bancária, ao pretender a adaptação, sabendo ou não, querendo ou não, a
produz uma “ação social de caráter ver e aceitar aquela imagem como
paternalista” (1983, p.69). A opressão nossa e pertencente unicamente a nós,
desumaniza o outro, visto que o coloca o que nos leva a seguir experienciando
na periferia e se coloca no único centro quem nós não somos. Se não temos
possível, nega o pensar autêntico conhecimento de nossa
daqueles que chama de ´outros´, nega subalternidade, como poderemos sair 92
“sua ontológica vocação de Ser Mais” do estado de colonizados? Como já
(1983, p.70). dito anteriormente, o autor aponta
A reflexão crítica implica para situação na qual os brancos
necessariamente na contextualização dos colonizados acreditam que seus
sujeitos, de modo que uma pedagogia interesses sociais são iguais aos dos
problematizadora e contextualizada deve outros brancos dominantes na Europa
reconhecer o caráter histórico dos seres
e nos Estados Unidos, essa crença é
humanos. O ato de contextualizar
fruto da colonialidade do poder e do
permite abrir o campo das significações
saber. (QUIJANO, 2005).
e ir além das práticas bancárias, que ao
O pensamento colonial proíbe
serem “imobilistas”, “fixistas”,
o “Ser Mais” (FREIRE, 1983, p.86), e
terminam por desconhecer os homens
atua como uma violência contra a
como seres históricos; enquanto a
pedagogia problematizadora parte autenticidade do ser. As situações de
exatamente do caráter histórico e da opressão quaisquer que sejam,
historicidade dos homens (FREIRE, quando proíbem a busca dos sujeitos
1983, p.83). Neste ponto, no estar sendo são violentas, quando transforma os
do ser humano, Freire afirma a sujeitos em objetos e os alienam de
consciência da inconclusão humana, e suas decisões também agem
nela surgem as raízes da educação. A violentamente. Além do mais
educação dessa forma é um fazer “Ninguém pode ser, autenticamente,

19No primeiro capítulo o autor aborda a contra às situações de desumanização, e se


“generosidade” promovida pela elite que se serve egoicamente de sua “generosidade”
nutre da ordem social injusta e fixada na (FREIRE, 1983).
morte, esta elite não trabalha ativamente

Mendonça
proibido que os outros sejam. Esta é América Latina. Para ele, não é
uma exigência radical. O ser mais que acidental a derrota destes projetos, e
se busque no individualismo conduz observa a descolonização como a
ao ter mais egoísta, forma de ser redistribuição necessária do poder,
menos. De desumanização” (1983, p. em outras palavras, uma socialização
86, grifo nosso). O Ser Humano, para o do poder e do controle sobre as
autor, deve ser percebido como um ser condições de existência social entre as
de relação, e a autenticidade do ato pessoas. Dessa maneira, constata que
pedagógico se faz também em relação, descolonizar o poder se apresenta
partindo do movimento das relações como uma forma de resistência
homens-mundo. política.
Ao considerar o pensamento A revolução em ambos
colonial como aquele que pretende o autores é demonstrada
controle das relações homem-mundo, principalmente a partir da consciência
percebo que a educação bancária é crítica e da participação popular na
colonial, de modo que a educação redistribuição do poder. A
problematizadora seja anticolonial, ou participação popular pode ser
ainda que se encontra em processo observada inclusive no sentido de
de(s)colonial. Assim sendo, a Revolução Política20 de Hannah
educação bancária serve ao sistema Arendt (1906-1975), que destaca
colonial, à desumanização que propriamente a possibilidade da
objetifica os seres viventes. A ampla participação popular e a
educação problematizadora caminha oportunidade da criação do inédito no
em direção oposta, na intenção de que: fenômeno revolucionário (ARDENT, 93
2006). A revolução em Freire é um ato
“educadores e educandos se permanente, a libertação não é vista
fazem sujeitos do seu processo,
superando o intelectualismo
como definitiva, mas como processo,
alienante, o autoritarismo do sendo assim a pedagogia do oprimido
educador “bancário”, supera é a pedagogia de seres humanos em
também a falsa consciência do processo de permanente libertação. A
mundo” (1983, p. 86). revolução em Freire (1983) considera
que o processo libertador pode ser
Neste contexto, mundo não é
alcançado por meio da educação
algo sobre o qual se tem o
problematizadora. Além do mais, essa
conhecimento, mas é o mediatizador
pedagogia se aproxima
dos sujeitos da educação.
significativamente do sentido de
Em diversos pontos da obra,
negação colonial ao assumir a
Freire apresenta condições de
permanente busca pela liberdade,
pensamento necessárias ao pensador
visto que o sujeito problematizador
revolucionário. A reiteração do ato
rompe a ordem naturalizada que
revolucionário na obra do pedagogo
reproduz o controle colonial. De
nos convida a pensar qual o
acordo com Freire “Nenhuma “ordem”
significado de revolução o autor
opressora suportaria que os
pretende. O termo revolução é
oprimidos todos passassem a dizer:
também tratado por Quijano (2005),
‘Por quê?’” (FREIRE, 1983, p.87). A
nos projetos revolucionários na
educação problematizadora não pode

20Conceito de revolução elaborado


principalmente a partir da obra On
Revolution (2006) de Hannah Arendt.

Mendonça
servir ao opressor, sendo assim não assumindo o processo da libertação
pode servir a colonialidade, visto que a crítica. Ser contemporâneo é a partir
indagação pretende a libertação. Ao do pensador italiano Agamben (2009),
concluir o capítulo, complementa uma uma “singular relação com o próprio
comunicação às lideranças tempo” (p.58), sendo assim requer um
revolucionárias, aquelas que não podem caráter anacrônico, de não se
ser em nenhum momento “bancária’ para identificar plenamente como o tempo
depois deixar de sê-lo” (1983, p. 86). que vive. Ser contemporâneo é ser
A libertação para Quijano capaz de tomar “distanciamento” para
(2005) requer a democratização da compreender criticamente o seu
existência social e a reflexão referente tempo, apoiado em uma relação
a noção de liberdade individual frente intensa com presente, ver o seu lado
aos interesses sociais. Nessa escuro e sua luz, e colocar o tempo
perspectiva, uma mudança histórica presente em relação aos outros
necessita da dessacralização das tempos, lendo a história de maneira
hierarquias e das autoridades, tanto inédita.
na dimensão material das relações Como destaquei, o pensamento
sociais quanto em sua crítico e a valorização da ação humana
intersubjetividade. Devemos romper são eixos conceituais das obras
com toda imitação, como sugere Freire analisadas, mas, no presente,
“querem a todo custo, parecer com o caminhamos para outra direção: a
opressor. Imitá-lo. Segui-lo” (1983, ação humana e a própria vida humana
p.53). Ao que acrescenta que, a são cada vez mais transformadas em
ausência de “consciência colonizada” mercadorias, frente a continuidade da 94
(p.53) existe principalmente na colonialidade. Vivemos um momento
“classe média” (p.53). O que contribui onde as vidas são mercadorias de
com o pensamento de Quijano (2005) valores variados: umas valem muito e
apresentado anteriormente, ao outras bem pouco. Os seres-humanos,
considerar que a elite branca, na que não são transformados em
aspiração de ser como o opressor, não mercadorias, são reduzidos a
se percebe colonizada. A libertação consumidores. Desta maneira, a única
precisa ser aprendida e deve ser nossa relação que o homem hegemônico
intenção, prescindir e negar o espelho estabelece com o mundo é através das
eurocêntrico, visto que nele nossa mercadorias, não valoriza a relação
imagem é necessariamente distorcida. interpessoal, para ele as pessoas e a
No processo de libertação, como natureza são mercadorias.
afirma Quijano (2005), é preciso Essa relação é brilhantemente
deixar de ser o que não somos. expressa por Davi Kopenawa (1956-)
quando questiona a valorização
Considerações Finais “apaixonada” do homem hegemônico
com as mercadorias. O xamã e filósofo
Após a leitura e síntese dos Yanomami demonstra uma outra
trabalhos analisados, percebemos que forma de se relacionar com as coisas.
os autores, efetivamente, podem ser Segundo a visão de seu povo, é muito
postos em diálogo, como mais valioso ser considerado
contemporâneos críticos e generoso e bom amigo, do que
propositivos, visto que pretendem a continuar possuindo um certo objeto.
negação do sistema colonial, Dessa forma, vale muito mais dar o
opressivo, hierárquico e autoritário, que se tem como parte dos afetos.
bem como superar as dicotomias fixas,

Mendonça
Além disso, para os Yanomami, os de(s)colonial, desta abertura ao
bens materiais de quem morre devem diverso, da criticidade frente aos
ser destruídos junto com a queima do privilégios, e principalmente do
corpo material do morto, de modo que rompimento do silenciamento dos
não existe herança ou apego material oprimidos. Mas mesmo estas podem
pelos objetos (KOPENAWA, 2019). ser reacionárias se não acompanhadas
Os povos que têm resistido ao de pensamento crítico continuo.
sistema colonial gritam: Existem Estamos em um
outras formas de ser, saber, existir, momento ambíguo, de libertação e
conhecer, viver! O universalismo só opressão, atualmente a reflexão crítica
tem servido à má distribuição das é privilégio de poucos, mas uma
condições de vida e a relativização da pedagogia de(s)colonial é aquela que
humanidade dos não-hegemônicos. A pretende o acesso à reflexão crítica
vida necessita ser respeitada em sua como direito humano, sabendo que
pluralidade e diversidade, e não há esta é base para a libertação da
fórmulas prontas e instantâneas, mas colonialidade. Para romper com as
processos em construção, estruturas dominantes é preciso um
contextualizados, que criam cada qual posicionamento crítico,
a sua geocultura. contextualizado e contínuo.
As desigualdades sociais hoje Precisamos estar cientes que as
estão realçadas, e a eminente crise estruturas da colonialidade do poder
econômica demonstra uma outra ainda operam, com apoio da elite que
crise, mais profunda, uma crise social se pretende opressora e não se
e ética, uma crise humana. Podemos percebe oprimida. Freire (1983) 95
perceber como nunca a concretude coloca que não devemos esperar que
das estruturas de manutenção dos os opressores magicamente se
privilégios, e as contínuas expressões desfaçam de seus privilégios, mas me
de opressão como apresentadas por pergunto, como realizar a justa
Paulo Freire (1983). Como podemos ampliação do acesso às condições de
superar estas estruturas opressoras? vida, sem que os privilegiados abram
Precisamos reconhecer, denunciar e mão de seus privilégios? E, para além,
renunciar a reprodução das será mesmo possível essa
estruturas, mas será que isso basta redistribuição de valor material e
para ser de(s)colonial em 2021? E simbólico? Se nossa resposta for
afinal que é ser de(s)colonial em “não”, ficamos estagnados, só o
2021? “talvez” permite a abertura ao
Se estas pedagogias e processo de libertação, abertura
teorias apresentadas planejam a necessária e urgente aos colonizados.
humanização, neste momento elas são No contexto da COVID-
profundamente necessárias, visto que 19, na digitalização em rede das
as desumanidades se ampliam, bem relações humanas e pedagógicas
como a desordem social, as violências surgem novos desafios de como
raciais e de gênero, e, vivemos a realizar uma prática de(s)colonial. A
expressão do poder econômico, como vivência corporal e o encontro pessoal
meio de controle das formas de vida. estão temporariamente suspensos,
Por outro lado, a eclosão das bem como o acesso a rede passa a ser
manifestações antirracistas em 2020, um novo marcador social, a qualidade
parecem conjuntamente serem desse acesso deve ser levada em conta
resultantes de todo este processo

Mendonça
ao pensarmos nessa digitalização em 2005.
rede das relações.
No entanto, simultaneamente FREIRE, Paulo. Pedagogia do
as redes de troca foram ampliadas, oprimido. 13ed. Rio de Janeiro: Paz
possibilitando o encontro entre Terra, 1983.
pensadores que antes se encontravam
geograficamente isolados, e com esses FREIRE, Paulo. Pedagogy of
encontros surge a esperança para uma indignation. Boulder, Colorado:
intensificação na produção de novas Paradigm. 2004.
possibilidades de conhecimento(s).
Ainda numa primeira GLISSANT, Éduard. Poetics of
aproximação a Freire e sua relação relation. Universty of Michigan Press,
com a pedagogia de(s)colonial, 1997.
percebo que o campo de estudo é
amplo, nele se expressa a intensidade KOPENAWA, Davi; ALBERT,
e crueldade da violência colonial, mas Bruce. A queda do céu: palavras de
por outro lado parece haver uma um xamã yanomami. São Paulo:
proposta de oposição à esse sistema Companhia das Letras, 2019.
de exclusões. Precisamos ser críticos e
encontrar o que em nós teme a MIGNOLO, Walter D. A
liberdade e reproduz a opressão como colonialidade de cabo a rabo: o
propõe Freire (1983). A educação hemisfério ocidental no horizonte
bancaria/colonizada reproduz a conceitual da modernidade. In:
colonialidade do saber, e mantém a LANDER, E. (org.) A colonialidade 96
colonialidade atuante na sociedade. A do saber: eurocentrismo e ciências
educação de(s)colonial é percebida
sociais. Perspectivas latino-
então, como a abertura ao processo de
constante aprender e desaprender, e americanas. CLACSO: Buenos
não mais compreendida como Aires, 2005.p. 33-48
consciência ingênua da realidade,
atuando assim para a diversidade e a MIGNOLO, Walter D. Colonialidad
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Pedagogías decoloniales: prácticas
insurgentes de resistir, (re)existir y
(re)vivir. Tomo I. Quito, Ecuador:
Ediciones Abya-Yala, 2013.p.24-68

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Mendonça

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