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IGUAÇU – AM 670
Resumo
Este artigo se propõe a analisar o fim arbitrário da rádio de maior audiência da cidade de
Curitiba no ano de 1977, bem como, entender e contextualizar esse fato através da
identificação de estratégias mobilizadas de processos estéticos enquanto experiências
políticas e midiáticas. Para a discussão teórica tomaremos a perspectiva de Jacques
Rancière, a partir do que ele determina como a partilha do sensível e das relações que
estabelece nesse campo de estudos, a fim de tentar estabelecer conexões e
temporalidades que ajudem no esclarecimento de um dos momentos mais importantes
da história da mídia paranaense.
Resume
This article aims to analyze the arbitrary order highest-rated radio of the city of Curitiba
in 1977, as well as understand and contextualize this fact by identifying mobilized
strategies of aesthetic processes as political and media experiences. For theoretical
discussion will take the prospect of Jacques Rancière, from what it determines how the
distribution of the sensible and the relationships you have in this field of study in order
to try to establish connections and time frames to help in clarifying one of the most
important moments the history of Paraná media.
O regime autoritário que governou o Brasil entre 1964 e 1985 causou forte impacto
sobre os meios de comunicação, obrigando as rádios e seus profissionais a enfrentarem
grandes dificuldades para sobreviver nesse período. Nesta perspectiva, pretendemos
relatar acontecimentos ocorridos em um contexto em que o rádio ainda era o único meio
eletrônico de comunicação, por isso capaz de levar multidões ao delírio, provocar
lágrimas e até mesmo catarse coletiva, sobressaindo enquanto mídia de entretenimento,
mas também um poderoso instrumento político e cultural.
O fato é que, seus 10kw de potência (uma fábula para a época) a nova emissora
já nasceu grande. Com uma programação eclética e ‘cast’ próprio – que incluia
locutores, apresentadores, noticiaristas, técnicos de som, produtores, equipe de
esportes, atores e atrizes, cantores, humoristas e até uma orquestra completa,
regida pelo maestro Bento Mossurunga - a ‘Voz Nativa da Terra dos Pinheirais’
mandava ao ar, pelos 560kc, música notícia e diversão, em programas de estúdio
(eram três) e de auditório, novelas, reportagens e jornadas esportivas. Uma de
suas principais estrelas era a dupla caipira Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, que
fazia a festa aos domingos em ‘A Feira da Alegria’ (BRANCO, 2008).
Após pouco mais de uma década o empresário e político Paulo Pimentel adquire os
direitos de concessão da Rádio Guairacá, que apesar de ter ficado bom tempo fora do ar,
deixara uma marca indelével junto ao público curitibano. Desse momento em diante a
emissora assumiu o título de Rádio Iguaçu AM 670, e passou a fazer parte de um grupo
formado também por emissoras de TV (que retransmitiam o sinal da TV Globo) e uma
rede de revistas e jornais impressos de grande circulação diária no estado.
O sucesso dessa “nova” rádio foi quase imediato, pois com uma programação que
pretendia atingir principalmente um público mais jovem, inovações nos programas
jornalísticos e musicais com vinhetas e chamadas eletrizantes, fazia seu conteúdo
destoar das concorrentes.
Desta forma, a criação da Rádio Iguaçú fez parte de uma estratégia que pretendia
reforçar o poder político regional do ex-governador e seus aliados. A aquisição dos
direitos da antiga Guairacá fora importante porque esta havia deixado profundas raízes
junto à população curitibana. Pouco tempo depois de reaberta assumiu a liderança da
audiência, na medida em que, num contexto político favorável, lançou projeto capaz de
conquistar os ouvintes com uma programação cuja proposta era ser atrativa e inovadora.
Tratou-se de um projeto de ascensão política que procurava além de ganhar mais
audiência, também a contar com o apoio das camadas mais jovens da população.
Para isso serão consideradas perspectivas de Jacques Rancière, a partir do que esse autor
determina como “a partilha do sensível” e das relações que estabelece entre política e
estética, a fim de obter inter-relações que possam contribuir com a temática aqui tratada.
De outro lado, o controle da esfera pública através de um poderoso grupo de mídia foi,
sem dúvida, um dos objetivos daquele empreendimento de Pimentel, que na época
detinha grande prestígio junto ao eleitor paranaense. Sua ascensão ao poder midiático
foi considerada vital para a conquista de reconhecimento político e para a possibilidade
de imposição de agenda, conforme observa Wilson Gomes quanto ao fato de que “os
sujeitos de pretensões e interesses em nosso tempo há muito se deram conta da
importância do debate público como forma de conquistar a parcela da opinião pública
influente” (GOMES, 2001, p. 75).
Assim, num período relativamente curto, a carreira desse político estivera intocável,
possibilitando que obtivesse maior poder empresarial, pois além de sua ascensão
partidária e eleitoral, montou um forte grupo de mídia, com os jornais O Estado do
Paraná, de circulação estadual, Tribuna do Paraná, de maior tiragem em bancas na
capital, e também o Jornal Panorama, em Londrina. Além destes, possuía duas
importantes emissoras de TV em Curitiba e Londrina, as maiores cidades do estado. A
incorporação da “Iguaçú” tornara-se um dos mais importantes passos políticos de
Pimentel.
Em paralelo, porém, o governo militar promovia uma ampla censura à imprensa através
do AI-5, decretado em 1968, e incentivava uma mídia agregada aos seus propósitos
enquanto ferramenta estratégica para a segurança nacional. Entre os objetivos nessa área
estavam o desenvolvimento tecnológico e a expansão das telecomunicações, mas ao
mesmo tempo outorgava emissoras para amigos e apadrinhados do sistema através de
políticos acostumados à prática do clientelismo.
Jogos do poder midiático – dúvidas e evidências
A proposta desta análise é buscar as evidências do caso “Rádio Iguaçú”, que sob uma
perspectiva estética e política, emergiram com maior intensidade após o general Ernesto
Geisel ter assumido a presidência (1974-1979), dando início a uma guerra de bastidores
pela conquista do espaço público midiático, quando novos e emergentes personagens
surgem na briga pela tentativa de tomar o poder daqueles desafetos do regime. Como
conseqüência, a Rádio Iguaçú acabou vitimada pelo empenho “sensível” daqueles que
esforçaram-se ao máximo para diminuir suas conquistas, intervindo junto ao general
para que lacrasse seus transmissores.
E ainda como item subjetivo, para reconfigurar ou alterar direta ou indiretamente o fato,
dando a este a aparência que lhe seria mais notória, mais sensível, uma última
mensagem foi transmitida pela rádio aos seus ouvintes:
Rádio Iguaçú, uma estrela brilhante que cortou o céu do som no Paraná. Um
cântico que ficou preso nas estrofes do silêncio. Rádio Iguaçú. Hoje nosso
prefixo está revestido com o crepe cinza da tristeza, da amargura. Hoje
anunciamos o silêncio do som Iguaçu. O som que foi música, que foi novidade,
que foi mensagem de paz, hoje silencia numa despedida que é só tristeza
(CARDOSO, 1977).
O dia final de uma emissora de rádio ganhou publicidade na medida em que os sujeitos
que determinaram esse fato partilharam, mais ou menos, dados e informações sobre o
acontecimento, manipulando o sensível, tornando obscuras, alterando ou criando novas
estratégias, e permitindo assim uma reconfiguração da própria realidade junto à
sociedade da época.
Quanto a Paulo Pimentel, que também se insere nesse contexto enquanto um dos
principais personagens, teve sua imagem pessoal e política retratada pelo jornalista
Cícero Cattani, que postou em seu site as conquistas deste político e empresário,
notadamente ao fato deste ter sofrido enorme pressão para que se desfizesse de seus
veículos de comunicação:
A prática dessa política livre, aperfeiçoada por um tipo de partilha mais democrática dos
conteúdos sensíveis, no entanto, requer níveis de maturidade e democracia bastante
difíceis de ser praticados, haja vista todo tipo de estratégias utilizadas para camuflar,
esconder, manipular fatos históricos, notadamente em sociedades menos desenvolvidas.
Considera-se que seja natural à experiência democrática o fato de que a disputa política
se realize através de um processo de negociação argumentativa, cujo objetivo, segundo
Wilson Gomes, seja a produção da aceitação pela maioria de uma opinião apresentada e
sustentada por um sujeito, individual ou coletivo, participante de um debate aberto e
acessível (GOMES, 2001, p. 75).
Referências