Você está na página 1de 229

Folhas de um outono

Por: Fernanda Belém


Capítulo 1 – Começando uma nova estação
Capítulo 2 – Primeiros passos
Capítulo 3– Surpresas de outono
Capítulo 4 – Primeiras linhas
Capítulo 5 – Mil dias em um
Capítulo 6 – Entrando na Máquina do Tempo
Capítulo 7– Ah, o verão!
Capítulo 8 – Antes do Amanhecer
Capítulo 9 – Oh! Cupido! Vê se deixa em paz
Capítulo 10 – E se...
Capítulo 11 - Provocações
Capítulo 12 – Quem é você?
Capítulo 13 – E vai rolar a festa!
Capítulo 14 – Verdades
Capítulo 15 – Depois daquele beijo
Capítulo 16 – Longe de Casa
Capítulo 17 – Como um dia de domingo
Capítulo 18 – Surpresas de outono
Capítulo 19 – Dando o Primeiro Passo
Capítulo 20 – A carta
Capítulo 21 – Resposta
Capítulo 22 - Eu Nunca
Capítulo 23 - Consequência
Capítulo 24 – Não foi apenas um sonho
Capítulo 25 – Mudaram as estações
Capítulo 26 –De chocolate, choc choc chocolate bate o meu coração
Capítulo 27 – Amanhã, outro dia
Capítulo 28 – A entrevista
Capítulo 29 – Fofocando com as Amigas
Capítulo 30 – Um cantinho, um violão
Capítulo 31 – Seus olhos e seus olhares, milhares de tentações
Capítulo 32 – Dia da Mentira (só que não!)
Capítulo 33 – Algo mais?
Capítulo 34 – Tão natural quanto a luz do dia
Capítulo 35 – Tô me sentindo muito sozinha
Capítulo 36 – A Amizade
Capítulo 37 – Cuidados Especiais
Capítulo 38 – Mais uma Noite
Capítulo 39 – Tudo novo, de novo!
Capítulo 40 – E vai rolar a festa...
Capítulo 41 – Que eu tô voltando pra casa. Outra vez.
Capítulo 42 – Folhas de Um Outono
Capítulo 1 – Começando uma nova estação
“Pelas ruas do outono
Ventos se perdem do verão
Pétalas secas entre planos
Por caminhos onde jamais
Nos encontramos
Faz tanto frio
Nesta tarde...”
Outono – Última dança

Começando - 22 de março
Alô, Alô! Será que algum dia alguém vai ler este blog? É engraçado pensar que um total
desconhecido pode ler as minhas palavras. Digamos que este espaço é um experimento. Desde
pequena, gosto de escrever em agenda. Mas já estou crescidinha, com meus 16 anos e cansei de
fazer um diário. Quero falar mais de sentimentos e menos da rotina. Por isso surgiu a ideia de
entrar para o mundo do blog.
Se você está disposto (a) a ler as minhas linhas, saiba que vai encontrar nada mais nada
menos do que reflexões. Algumas bobas e outras mais profundas. Não tenho a pretensão de
agradar ninguém. Quero escrever livremente o que sinto. Isso é permitido na blogosfera? É o
que pretendo descobrir.
Meu perfil: Tenho 16 anos, me chamo Camila Garcia – mais conhecida como Mila - e
faço aniversário em dezembro. Quero ser jornalista e conhecer o mundo inteiro. Por falar em
viajar... Ainda não sou experiente no assunto, mas a minha última viagem foi inesquecível e isso
despertou em mim a vontade de conhecer cada vez mais destinos e pessoas.
Mais informações para a posteridade:
Essa é uma mania que tenho. Gosto de contar como estou em cada ano da minha vida
para saber exatamente quem fui – Quem sabe não me transformo em uma pop star? Isso já vai
facilitar uma futura biografia. – Risos!!
Sou branca azeda! Na verdade sou morena, mas como o sol tem passado bem longe de
mim, a minha cor é indefinida e horrorosa. Meu cabelo é comprido, castanho e ondulado – estou
aprendendo a gostar mais dessas ondas que me tiravam o sono. Continuo resistindo bravamente
aos tratamentos que alisam os fios.
Tenho olhos cor de mel e adoro maquiagem. Infelizmente tenho uma mãe um pouco
neurótica que acha que vou ficar “velha rapidinho” se continuar usando lápis de olho, rímel e
sombra sendo “tão novinha”. Coisas de mãe! Então, não posso usar essas maravilhas todos os
dias. Uso apenas em ocasiões especiais.
Acho que é isso que posso falar sobre mim – fisicamente! Mas neste blog são os meus
pensamentos que irão prevalecer. E como vivemos em constante mutação – “prefiro ser essa
metamorfose ambulante...” -, vou deixar que eles mostrem quem sou a cada dia, a cada
postagem, a cada minuto.
Posso começar?!
As folhas secas do outono já começaram a cair
Dizem por aí que passamos a perceber certas coisas apenas quando elas marcam a nossa
vida de alguma maneira. Posso afirmar que isso aconteceu comigo. Desde o verão do ano
passado – o melhor da minha vida! – as estações do ano passaram a ter um significado especial
para mim. Não sei explicar muito bem, mas assim como a natureza, também passei a “sofrer”
uma transformação interna com as mudanças do clima.
Estranho?
No verão do ano passado vivi momentos inesquecíveis. Construí amizades, me apaixonei,
amadureci. Sei que não podemos permanecer no paraíso para sempre e as férias perfeitas
tiveram um curto prazo de 15 dias. - É... A vida não é fácil para ninguém! Nem mesmo para uma
mocinha no auge da adolescência como eu.
Passei o maior sufoco no último outono. A saudade daquele amor de verão doía de uma
maneira que nunca havia sentido. O nome da dor? Leandro. Ah, aquele menino! Ainda me
lembro do perfume, da voz e daquelas mãos como se tivéssemos nos despedido ontem. Búzios foi
a primeira das muitas viagens incríveis que ainda pretendo fazer.
Por que o amor acabou no verão? – Snif, snif, snif!
Quem consegue namorar a distância? Gosto de presença física, de toque, de beijo. - Ui,
ui, ui! – Infelizmente, Rio de Janeiro e Goiânia não permitem essa aproximação frequente – são
1.322km de distância! Sim, calculei no Google. Ainda são as estrelas que fazem com que aquele
filme não perca a cor. Sempre que olho para o céu, volto àquela estação.
Você pode estar se perguntando se a gente manteve contato. Por algum tempo sim.
Estávamos ligados pelas redes sociais, mas fui fraca e não aguentei ver que a vida continuava
seguindo seu rumo. Fotos e comentários me deram coragem para excluir o Leandro do meu
mundo virtual e deixá-lo apenas nas minhas lembranças. Era mais gostoso pensar em algo que
vivi intensamente do que ficar encarando uma realidade que nada mais tinha a ver comigo –
tinha vontade de arrancar os cabelos de todas as garotas que deixavam recadinhos fofos para
ele.
Foi assim que senti mais frio do que nunca nas estações seguintes. Procurei me
esquentar com novas descobertas e até que não me saí tão mal. Tirei da cabeça paixões
platônicas que não chegaram a virar concretas e tentei não fantasiar demais. Acho que estou
realmente amadurecendo – e chegando cada vez mais perto dos dezoito anos!!!
Nossa! Não imaginava que fosse escrever tanto. Nas minhas agendas as folhas me
limitavam mais. Não importa. Como disse antes, esse espaço é meu. Breve ou longo, quero
sempre escrever o que estou sentindo. Acho que tudo isso estava precisando sair de mim e
agora, assim como as folhas das árvores que já começaram a cair, também precisei jogar esse
desabafo para fora.
Estou vazia como as árvores do outono?! Talvez, mas novas folhas sempre voltarão a
surgir. É ou não é verdade?
Isso foi muito brega? Risos!
Até a próxima!
Depois de reler meu primeiro texto, adicionei uma foto e postei no blog. Não pretendia
divulgar aquele endereço para ninguém. Se por acaso uma pessoa o achasse e começasse a ler,
não teria problema algum. Mas não queria que amigos e família descobrissem. As opiniões e
julgamentos acabariam sendo inevitáveis.
Podar, me limitar, me controlar. Não era o que pretendia. Queria estar livre como ficava
nas páginas da minha agenda. Sem a preocupação de que alguém fosse ler.
Admirei o resultado final do blog e me senti satisfeita. Optei por um visual bem simples,
sem desenhos, enfeites ou qualquer papagaiada do tipo. Preferi uma cor entre o azul e o verde.
Nada muito chamativo. Afinal, não era aquele o meu objetivo. Quanto mais no escuro estivesse,
quanto menos chamasse a atenção, mais perfeito seria.
- Camilaaaaaa! – O grito agudo da minha mãe dava a impressão de que a qualquer
momento os vidros da janela poderiam trincar.
Fechei correndo a página do meu novo blog e desliguei o computador. Sabia que em
instantes a porta do meu quarto seria aberta e não estava disposta a ser pega no flagra.
- Você não está me ouvindo? – Invadiu o meu quarto, resmungando bem alto.
- Mãe, até São Jorge conseguiu te escutar de dentro da lua.
- Você me respeita, menina! – Não perdia aquela mania de me ameaçar com a mão
levantada, como se fosse me dar uma palmada. – Já está pronta?
Tive uma leve sensação de déjà vu. Uma nostalgia gigantesca tomou conta de mim. Ah,
aquele verão! Tinha começado exatamente daquela maneira, com os gritos da minha mãe.
Quanta saudade!
Não dos gritos, claro!
Sacudi a cabeça percebendo que estava sendo observada.
- O que você está olhando? – Corei com o olhar da minha mãe que parecia saber
exatamente em que lugar estava o meu pensamento.
- Você ainda pensa muito no Leandro?
Na mosca!
- O quê?! Que ideia é essa, mãe? Ficou louca? Já tem mais de um ano que não tenho nem
notícias dele. – Senti meu coração acelerar só de ter que falar sobre aquele assunto.
- Sei que você estava pensando no seu primeiro namoradinho. E nem adianta disfarçar.
Você saiu de dentro de mim, conheço todos os seus pensamentos.
Argh! Sai imaginação! Sai imaginação horrível!
Sei que é a lei da vida, a natureza, mas é muito estranho pensar no meu nascimento.
“Você saiu de dentro de mim”. Gostaria de continuar acreditando na história da cegonha.
Ou não!
Não gosto de ter essa imagem na mente. Sinto um arrepio sempre que escuto isso.
- Camila, você vive com a cabeça no mundo da lua, hein? Será que isso é déficit de
atenção? – Disparou.- Quando voltar de viagem, vou te levar ao médico. Não é normal ser tão
distraída assim. No meio de uma conversa a sua cabeça vai parar lá no lugar onde Judas perdeu o
Band-Aid.
-Não seriam... as botas, mãe?
- As botas, Camila, ele perdeu bem antes!!!
Mamãe não perdia a mania de inventar doenças. E como o déficit de atenção “está na
moda”, ela vive repetindo isso sem parar. “Menina, temos que investigar se você tem ‘DDA’. Os
sintomas estão na cara!”
Se papai esquece o guarda-chuva e volta para pegar, a história também é a mesma.
“Paulo, Paulo... Depois não diga que não avisei! Isso é ‘DDA’!”
- Mãe, preciso correr! Se não terminar de arrumar a minha bolsa, vou acabar perdendo o
ônibus.
- Verdade! – Ficou me encarando por quase um minuto e percebi que os olhos dela
começaram a ficar marejados.
- O que aconteceu? – perguntei, nervosa.
- Meu nenenzinho lindo cresceu! – Levantou a blusa e enxugou algumas lágrimas que
começaram a rolar. – Ainda não posso acreditar que você vai viajar sozinha.
Puxei o braço dela e dei um abraço apertado. Apesar das brigas, ela era a melhor mãe do
mundo.
Nem eu conseguia imaginar aquela possibilidade até ter as passagens compradas, o hotel
reservado e a inscrição no curso finalizada. Realmente viajaria sozinha. E era verdade:
Eu estava crescendo e pronta (espero!) para começar uma nova história.
Capítulo 2 – Primeiros passos

Uma pontinha de medo tomou conta de mim enquanto olhava meus pais acenando do
lado de fora da janela do ônibus. Viajar sozinha era tudo o que uma adolescente poderia querer.
Não. Na verdade, o sonho seria viajar somente com as amigas. A solidão era bem diferente disso.
Sem drama, Camila! Você ainda vai fazer muitas viagens assim. Vai chorar agora, é?!
Criancinha...
Xô consciência, estúpida!
Respirei fundo e sacudi a cabeça quando o ônibus deu a partida e meus pais ficaram para
trás. Minha voz interna tinha razão. Briguei tanto pela minha independência, não tinha o direito
de desistir.
Lutei, debati, discuti com a minha mãe para convencê-la de que seria capaz de passar
duas semanas em um curso intensivo de redação, criação e roteiro muito badalado entre
profissionais que trabalham com o mundo das palavras. Somente depois de muita insistência,
telefonemas e referências eu consegui a autorização e o dinheiro para aquela empreitada. E
agora, depois de toda a batalha, iria chorar?
Não. Claro que não!
A tarefa não era das mais fáceis. Na verdade, teria que perder duas semanas na escola e
ainda aprender a me virar sozinha no período do curso. O destino? Campos do Jordão. A
distância não era tão grande, diferente do frio na barriga que era enorme. Parecia que cruzaria o
oceano.
Sem ter o que fazer, com o ônibus passando pela Linha Vermelha, peguei o meu celular e
aproveitei que o sinal da internet estava alto para mandar uma mensagem no grupo que criei com
Dani, Juliana e Gisela no Whatsapp. Era uma maneira de mantermos as fofocas sempre
atualizadas, principalmente por causa da Gi, que não estudava na nossa escola.
Mila: Como tá a aula, meninas? Já tô na estrada.
Dani: Aula chata. Juliana é nerd e está sentada lá na frente, com o celular bem
guardado dentro da mochila. Na estrada? Que emoção! Aproveita!
Gisela: kkkkkkkkkkkkkk.. Dani, a Ju vai querer te matar quando ler o que você falou
dela. Boa viagem, Mila!
Mila: Obrigada!! Preciso estudar, não vai dar para aproveitar. =(
Dani: Faz os dois.
Mila: kkkkkkkkk... Vou tentar!
Gisela: Isso aí!!! Vê se volta cheia de histórias! Já estou com o maior tédio. As meninas
vivem nessa aula em horário integral, você começando a viagem e eu sem companhia para
estudar ou fofocar. Almocei sozinha e agora estou aqui, batendo papo com o Vídeo Show.
Dani: Para de chorar, Gi! As pessoas não sabem aproveitar a sorte. Aff! Como eu queria
bater um papo com a televisão. Troco fácil de lugar com você. Mila, quero saber de tudo! Você
vai ser uma distração para esse período de aulas dobradas. Cara, que saco ter que ficar na
escola o dia inteiro!! Ainda temos praticamente dois anos para o vestibular. Qual é o motivo
dessa tortura antecipada?!
Mila: Um ano e meio, amiga! É pouco tempo. Pior que vou perder muita matéria e vou
ter que me torturar ainda mais para alcançar vocês. Presta atenção nas aulas, copia os
comentários importantes dos professores e me passa tudo depois!
Dani: Valeu, nerd! Kkkkkkkkk... Você está demais! Faz curso para se preparar para a
futura profissão, tá preocupada com os comentários dos professores. Ai, ai... Quem te viu quem
te vê, dona Camila! Está vendo, né Gisela? O mundo é dos nerds! Acho que nós duas somos de
Marte.
Gisela: Pois é... kkkkkkkkkkkkkk!!!
Dani: Ih... Ferrou! Professora de olho! Fui.
Mila: Entro no Facebook sempre que puder. Vou evitar o Whatsapp para não ser uma
distração para vocês. Copia as matérias para mim! Bj

Dani: Nada de evitar isso aqui! Vou te matar se não mandar notícias. Bj! Obs:
Chataaaaaaaaaa!! Matérias??? Bléeeeeeerg! Quero viajar tb! Mundo injusto. Kkkkkkk... FUI!!!
Gisela: Beijão, Mila! Arrebenta no curso e na viagem.
Quatro horas e muitos minutos de estrada pela frente, amigas na escola e ninguém para
conversar. Agradeci mentalmente por ter comprado a poltrona da janela, pois a vista iria me
distrair. A senhora sentada ao meu lado tinha cara de poucos amigos. Bufou quando me viu
digitar as mensagens para as meninas, como se o barulhinho dos meus dedos na tela estivesse
sendo um grande incômodo.
Chata! Nem barulho fazia!! É muito azar!
O ideal seria um gatinho para conversar e fazer o tempo passar mais rápido. Mas não dá
para querer o mundo todo só para a gente, né?! Já estava viajando sozinha – obrigada, Deus! –,
não reclamaria por ter um ouvido biônico e uma cara sem sorrisos ao meu lado.
Com Hey There Delilah, do Plain White T’s tocando no meu celular, encostei a cabeça na
poltrona e fechei os olhos. Ainda me sentia uma menina, mas sabia que já precisava me preparar
para virar mulher. Queria me dedicar aos estudos para conseguir alcançar os meus sonhos. Esse
era o motivo daquela viagem tão diferente da primeira. Claro que já havia viajado antes, mas
alguma coisa – ou alguém?! Um goiano?! – despertou em mim a vontade de viver muitas
aventuras e de conhecer vários lugares do mundo.
Faltava apenas um ano e meio para o vestibular. Quantas pessoas desejam cursar
jornalismo? E o mercado de trabalho? Pelo que ouvi falar e andei pesquisando, é muito
competitivo, um dos mais disputados. Precisava me dedicar ao máximo para conseguir realizar
meus objetivos.
Não era o meu sonho ser uma apresentadora de jornal. Na verdade, meu maior desejo era
o de trabalhar com as palavras. Queria ser paga para viajar o mundo e contar em uma revista,
livro ou site tudo o que vi e vivi.
Pensando bem... Não descartaria a televisão!
Adoro programas de viagem. Imagina ser uma integrante do “Que Mundo é Esse?” ou
“Não Conta Lá em Casa”! Não poderia contar lá em casa mesmo. Mamãe morreria se eu
viajasse para um destino de guerra ou tragédias naturais. Mas quem sabe? As aventuras desses
meninos são sempre empolgantes, acho que a experiência que eles conquistam em cada destino,
vai ficar na memória deles para sempre. Exatamente o que eu quero para mim.
Ai, ai!
Depois de pensar no meu futuro profissional por mais de um ano, a ideia estava cada vez
mais certa e madura na minha cabeça.
Suspirei. Sentindo o ar mais gelado, parei de refletir sobre a vida e olhei pela janela. O
ônibus já havia começado a subir a serra. Desde pequena adorava quando viajávamos para
alguma cidade serrana. Acreditava que era um jeito de chegar mais perto das nuvens e que
poderia pegá-las quando havia neblina na estrada. E aquele verde? Era praticamente uma pintura.
Apesar do frio, o céu estava completamente limpo, de um azul incrível. Parecia uma
piscina gigante, calma, esperando alguém dar o primeiro mergulho. O sol brilhava, mas não
aquecia.
Tirei meu casaco da bolsa já me preparando para o gelo que enfrentaria quando
chegássemos à rodoviária de Campos do Jordão. Mamãe avisou que lá fazia um frio de congelar.
Quentinha e embalada pelo One Direction, peguei no sono e dormi até o destino final.
Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz...
- Ei, o ônibus já parou – a senhora antipática-de-ouvido-biônico-e-cara-de-poucos-amigos
me sacudiu. Quando viu que estava despertando, foi embora.
Nossa! Quanta solidariedade!
Espreguicei, passei a mão pelo rosto para ver se estava tudo certo e criei coragem para
levantar. Fiquei um pouco tensa quando lembrei que não teria ajuda com as bagagens. Bem que
mamãe me alertou que era melhor levar menos “trambolho” para ficar apenas com uma bolsa e a
mochila, mas meus casacos precisaram de mais espaço e uma terceira mala entrou na jogada.
Vai dar tudo certo! Pensamento positivo.
Fui até o bagageiro do ônibus e me ajeitei com a mão livre. Até que não foi tão
complicado. Olhei ao redor e a rodoviária era bem pequena, principalmente se fosse comparada
com a do Rio de Janeiro. Não foi difícil achar um ponto de táxi.
O motorista me ajudou e disse não precisar do endereço, pois sabia chegar ao hotel.
Relaxei e observei pela janela o movimento em Campos do Jordão.
Andamos, andamos e andamos. Não vi mais pessoas pelas ruas, a quantidade de casas
diminuiu e um nó começou a apertar a minha garganta. Aquele motorista era confiável? Será que
estava me levando pelo caminho certo?
- Moço, tem certeza que essa é a estrada para o hotel?
Que pergunta idiota, Camila! Até parece que ele vai confessar se estiver com planos de
te sequestrar.
Aquele pensamento me fez estremecer. Será que era o momento de ligar para a minha
mãe?! Não. Se o meu sonho era viver viajando, precisava aprender a me virar sozinha até nas
situações de perigo. E pensando friamente, não estava correndo nenhum risco real. Afinal, o
taxista estava no ponto da rodoviária e ainda tinha uma credencial pendurada.
E se fosse falsa?
Xô pensamentos ruins!! Minha consciência é uma mala quando quer.
- Seu hotel é um pouco afastado, você é a segunda pessoa que levo pra lá hoje. Já conhece
o lugar? - começamos a subir uma senhora ladeira.
- Não – respondi um pouco mais aliviada com a simpatia do taxista.
- Não? Vai gostar bastante. Tem muitas áreas de lazer.
- Que legal! Mas nem sei se vou poder aproveitar muito, pois vou fazer um curso.
- Ih, o senhor que levei pra lá mais cedo também vai fazer um curso – percebi que ele me
olhou pelo retrovisor. – Mas não deve ser o mesmo, pois você é muito mais jovem.
- Hum... Pode ser. O curso não tem limite de idade – pensei sobre aquilo e me preocupei.
Será que eu passaria duas semanas cercada de pessoas bem mais velhas? Não que tivesse muita
importância, mas seria mais divertido com uma galera da minha idade.
Verde, verde e verde. A estrada ficou cada vez mais fechada e não tinha nada ao redor. O
medo cresceu dentro de mim. Suspirei.
- A entrada é aqui, mas vou te deixar na frente da recepção, pois é muito chão para você
andar até lá.
Fiquei encantada e aliviada quando passamos pelos portões. Cercado de verde e afastado
do centro da cidade, o hotel era mesmo gigante. Infelizmente, a escuridão do céu não me
permitiu analisar tudo detalhadamente, mas teria muitos dias para as minhas inspeções.
- Pronto. Está entregue – o motorista sorriu e abriu a porta do carro para me ajudar com a
bagagem.
Inalei o ar frio do começo da noite. Parecia que todo aquele verde e a ladeira que subimos
para chegar ao hotel deixavam o clima ainda mais gelado. Agradeci ao motorista, paguei e fui
confirmar a minha reserva e pegar a chave.
Um funcionário muito simpático me levou em um carrinho de golfe até o meu quarto.
Avisei que poderia ir andando, mas a moça da recepção me alertou que o chalé era longe. No
caminho aproveitei para me informar sobre o local do café da manhã e do curso. Não entendi
muito bem a explicação, mas sabia que teria que andar bastante.
Pelo menos não vou precisar me preocupar com exercícios físicos enquanto estiver por
aqui. Vou voltar muito mais gatinha para o Rio e para a escola. Hummmm!
Estacionamos na frente do chalé e confesso que aquele medo insistente continuou. A
casinha era linda, mas isolada. Os quartos não eram muito próximos uns dos outros e a
insegurança deu sinal de alerta mais uma vez.
Que saco! Será que aquele sentimento infantil não ia me deixar nunca?!
- Se precisar de alguma coisa, é só ligar para a recepção. O número está bem ao lado do
telefone, perto da cama – acenou e seguiu pelo caminho de volta.
Deitei no sofá e peguei o celular.
Que maravilha! Sem sinal.
Corri até o telefone do quarto.
- Finalmente, Camila! Estava preocupada. Chegou direito? Já comeu alguma coisa? Está
muito frio? - Disparou mamãe, aflita.
- Nossa! Quantas perguntas! Acabei de chegar e descobri que o celular não pega aqui no
quarto. Ainda não comi, mas vou pedir alguma coisa no restaurante do hotel.
- Ai, meu Deus! Não deixa de me dar notícias, tá? Juízo, hein menina?! Como é o lugar?
- Não precisa se preocupar, pois é no meio do nada. Não vou sair daqui. É bem grandão e
parece ter muita coisa para fazer. Pena que não vou poder aproveitar tanto as áreas de lazer.
- Estava revendo o site e realmente é bem grande. Parece um hotel fazenda. Não vai
inventar ideia de se machucar nas atrações radicais.
- Atrações radicais? - Perguntei sem entender nada.
- Isso mesmo. É muito perigoso você inventar de se arriscar no arvorismo, pode acabar
caindo e quebrando o pescoço.
Oi? Será que mamãe estava falando sério?
Ela vai ficar apavorada se eu conseguir trabalhar viajando. Tsunamis, furacões,
terremotos, imagina se precisar passar por essas situações? Aí, sim, também teria medo. Mas
não estava nem um pouco preocupada com brinquedinhos de criança.
- Pode deixar, mãe.
- Não vou te perturbar, acho que esse é mesmo o melhor caminho para o seu
amadurecimento e a gente confia em você. Mas ainda assim, quero que me ligue todos os dias,
combinado?
Se não ligar, corro o risco de ser acordada de madrugada com a sua ligação. Ai, ai, ai!
Até parece que te conheci ontem.
- Pode deixar, coisinha chata. Beijos e obrigada por ter me dado esse curso e essa viagem
de presente. Manda um beijo para o meu pai também e diz que estou muito agradecida por tudo
isso – reconheci o que eles tinham feito por mim. Implicava com mamãe, mas sabia que ela era
uma das melhores do mundo.
- Seu pai também está mandando beijos e disse para você ter juízo. Ouviu, né?! Obedeça a
essa ordem ou ficará de castigo pelo resto da vida.
Mamãe era inacreditável. Depois de mais alguns “conselhos”, finalmente desligou. Ainda
com o telefone na mão, liguei para o restaurante do hotel e fiz um pedido. Estava cansada e não
queria congelar com o frio que fazia do lado de fora. Enquanto esperava a comida, deixei tudo
pronto para não me atrasar no dia seguinte.
Não demorou muito para me deliciar com o fantástico jantar: uma macarronada com molho
de camarão – ah, os camarões! Sou MUITO viciada nesses bichinhos feios!
Depois de não deixar mais nenhuma gota de molho no prato, senti um cansaço grande,
mas queria fazer mais uma coisa antes de dormir totalmente sozinha pela primeira vez.
Medinho!

Outono, segunda postagem no blog - 22 de março


Ok. Para uma futura jornalista os meus títulos estão realmente ridículos. Mas ainda sou
apenas estudante e somente amanhã começo a entrar em contato com o mundo dos textos,
estilos, das redações criativas. Por isso, peço perdão desde já se você está lendo as minhas
linhas tortas. Perda de tempo total.
Amadurecer é uma coisa muito engraçada, né? Em menos de dez horas que larguei a
barra da saia da minha mãe, já experimentei tanta novidade! E são bobeiras, nada muito
marcante ou uma mudança de vida radical.
Pedir o meu próprio jantar, escolher em que lugar deste quarto enorme vou comer, não
ter ninguém para conversar na estrada... Pequenas coisas, grandes transformações. É como se
estivesse começando a descobrir a delícia de estar apenas com a minha companhia.
Sozinha, observo melhor os detalhes. Percebi o aroma do quarto, cheirinho de natureza.
Reparei nas cortinas com estampa floral, nas janelas azuis, no pé-direito altíssimo, na porta que
tem cara de casa de vô, aquelas do interior, que fazem barulhinho para abrir e fechar. Também
notei a cama enorme e deliciosa. Arrisquei até uns saltos, já que ninguém estava olhando. E
dessa forma, senti um pouquinho do que é a liberdade.
Confesso que gostei. Espero aproveitar muito, muito mais dessa sensação.
Boa noite!!!
Capítulo 3– Surpresas de outono

Corre, Camila! Correeeeee!!


Descobri mais uma novidade de ser sozinha: Você precisa de um despertador com
muitas opções de soneca para voltar a te acordar a cada cinco minutos como se fosse a sua mãe
gritando.
Atrasada, agradeci por ter separado antecipadamente a roupa que usaria no primeiro dia
do curso. O clima estava agradável. Não fazia nem frio nem calor. O céu estava completamente
limpo, sem nenhuma nuvem. Saí correndo pelas ruas do hotel até o restaurante. Montei apenas
um pão com queijo e presunto – que tristeza! O café da manhã é no estilo colonial, o que
significa MUITA COMIDA! E lá estava eu, com um mísero pãozinho de queijo com presunto.
Triste! - e continuei a correr pelo caminho até o espaço das aulas.
Cheguei quase sem fôlego e reparei os olhares das pessoas. Todos eram bem mais velhos.
Com seus vinte e muitos anos. Trintões e até quarentões também marcavam presença. Não era
uma turma grande, mas não havia uma única pessoa da minha idade.
Puxei o ar com força para me recuperar da corrida e dei uma mordida no meu pobre café
da manhã.
Meu Deus!
Engasguei com o pão e comecei a tossir alto e descontroladamente.
Mico! Mico! Mico!
Um dos alunos se aproximou perguntando se poderia me ajudar. Agradeci e dispensei
com a mão mostrando que já havia me recuperado.
Senti uma tremedeira intensa e uma vontade enorme de estar com o celular para passar
imediatamente aquela informação para Dani, Ju e Gisela. Todas iriam morrer com a notícia.
Ali, na minha frente, como um dos alunos do curso, estava um ator lindo de morrer, o
protagonista da última novela das oito. Bruno Ferraz em carne, osso, olhos azuis, corpo
musculoso, pele morena e cabelo preto. E ele estava bem ao meu alcance.
Lindo, tesão, bonito e gostosão!
Controle-se, Camila!
- Vamos lá, pessoal? A aula vai começar.
Despertei de um transe com a voz do professor. Fomos direcionados para uma segunda
sala e tentei sentar perto do Bruno, mas foi impossível. Acabei ficando na ponta do semicírculo
formado pelas cadeiras.
O professor pediu para que todos fizessem uma breve apresentação e é claro que, com
toda a sorte que tenho, fui a primeira.
- Meu nome é Camila Garcia, tenho dezesseis anos. Ano que vem vou ter a minha
primeira e espero que única experiência com o vestibular. Meu sonho é cursar a faculdade de
jornalismo e trabalhar com revista ou blog de viagem. Quero poder contar o que vi nos lugares
que visitei e indicar passeios, hotéis, restaurantes. Bom, acho que é isso.
Os outros vinte e poucos alunos continuaram com as apresentações enquanto o professor
fazia algumas anotações em seu caderno. Prestei atenção em algumas, mas foi a do Bruno que
me deixou enfeitiçada. Ele disse ter acabado de completar vinte e um anos e sonhava em
trabalhar com roteiros de filmes e televisão.
Hum...
Foco, Mila! Você não está aqui para arrumar um namorado!
Mas esse é famoso e lindo.
Focoooo!
Cruzes! Minha consciência é sempre um porre!
Depois de todas as apresentações o professor fez um discurso brilhante e finalizou
dizendo que tudo o que falamos são textos que poderiam ser livros de sucesso ou um fracasso
total.
- Toda a nossa vida é rodeada de textos. Apresentações, conversas, brigas... Tudo é texto.
Se você lê muito, consegue se expressar bem melhor. Não vou ensiná-los a escrever, pois vocês
já sabem. Nessas duas semanas, vamos trocar experiências e quero que tenham a oportunidade de
mergulhar no mundo que são apaixonados. Esqueçam certo e errado. Escrevam com o coração e
vamos conversar sobre o que produzirem. Não vai existir melhor ou pior. Cada um tem o seu
estilo e os seus gostos. Mas para que essa experiência seja realmente proveitosa, entreguem-se de
corpo e alma. Essa é a oportunidade que têm de colocar emoção na caneta – parou de caminhar e
encarou a turma em silêncio. – Bom, vamos para a prática? Enquanto se apresentavam, bolei a
tarefa de cada um. Vou distribuir e se tiverem alguma dúvida, não fiquem tímidos para
perguntar.
Estava encantada com o Márcio. O jeito de falar, de encarar a turma... No primeiro dia de
aula, já havia me conquistado. Aparentava ter uns quarenta anos. Moreno, com cabelo um pouco
grisalho e olhos castanhos. Sério, mas com um sorriso doce no final de cada frase.
Queria ter professores como ele na escola! Aquilo, sim, era uma aula agradável.
- Mão na massa, pessoal! Boa sorte com a primeira tarefa. Se encontrarem qualquer tipo
de dificuldade, peçam ajuda. Além de mim, vocês têm uns aos outros. Diferentes idades, áreas de
interesse, personalidades. Isso pode ser ótimo no amadurecimento dos textos. Troquem ideia.
Ninguém se moveu.
Reli o meu papel:
“Passeie pelo hotel e conte o que sentiu pelo lugar.”
Que tipo de tarefa era aquela?!
Olhei em volta e todos pareciam assustados com seus papéis.
- Vamos lá, pessoal! Vocês não estão segurando um bicho de sete cabeças. Esse é apenas
o primeiro desafio e cada minuto que perdem nesta sala, estão perdendo tempo de tarefa,
aprendizado e inspiração.
- Quando precisamos entregar? – Perguntei.
- Amanhã. Diariamente vocês receberão um novo exercício e precisam entregar o
anterior. Serão dez ao todo e no último dia vamos conversar sobre o material produzido.
Aproveitem essa experiência, por mais absurda que possa parecer no início. Como falei,
mergulhem de cabeça e coloquem a alma na caneta. Podem escrever uma ou cem linhas. Não
importa! Apenas escrevam o que foi pedido e o que desejarem. Sem muitas regras.
Todos continuaram estáticos. Resolvi ser corajosa e dar o primeiro passo.
- Posso sair para começar a fazer o meu? – Senti uma tensão com os olhares na minha
direção.
- Claro – sorriu. – Acho que todos devem fazer o mesmo. Ah, e não esqueçam que a sala
está livre para usarem quando quiserem. Alguns podem preferir o quarto, as áreas de lazer, o
terraço ou a grama. Não importa o lugar, apenas escrevam. Estarei sempre por aqui.
Lentamente todo mundo deixou a sala. Parei um pouco depois do espaço do curso e olhei
mais uma vez para o meu papel.
- Que loucura isso, não achou?! – Disse Bruno com a voz rouca, parando ao meu lado.
Ao meu lado. Obrigada, Deus!!
- Bastante – sorri e senti um leve tremor nas pernas.
- Mas acho que vai ser bem legal. Um dos roteiristas mais competentes que conheço foi o
responsável por me indicar esse curso – explicou. - E você? Como veio parar aqui?
- Minha professora de português sabe da minha paixão pelo jornalismo e me deu o maior
incentivo, pois adora as minhas redações. Ela me ajudou até a convencer os meus pais a me
deixarem vir sozinha, pois disse que era imperdível.
- Que professora maneira! – Elogiou.
- É mesmo. A Jane é incrível! Ah, se todos os professores fossem como ela ou o Márcio.
- As pessoas passariam a gostar mais da escola – deu uma leve piscadinha para mim. Ai,
ai, ai! – E falando em Márcio... O que você precisa escrever? – Perguntou.
Entreguei o papel para que ele pudesse ler com os próprios olhos e torci para que não
percebesse a tremedeira das minhas mãos.
Bancando a fã-maluca, né Mila?
- Ah, moleza! O meu é bem mais complicado.
- Obrigada pelo incentivo – brinquei. – Qual é o seu?
- Também preciso caminhar pelo hotel, mas tenho que escolher um lugar para ser a
principal cena do meu filme ou da minha novela e explicar o motivo da escolha daquele cenário
– suspirou. - Acho que cada um recebeu um desafio de acordo com a profissão. Como o meu
interesse é escrever roteiro, tem tudo a ver. O seu é contar sobre os lugares que viajou, então vai
ter que sentir o hotel e falar sobre ele. Interessante – constatou.
Bruno Ferraz tinha prestado atenção na minha apresentação! AI, MEU DEUS!
- Interessante e difícil – disse preocupada.
Para de se lamentar, Camila! Ele vai achar que você é uma anta.
- Difícil? O seu nem tem cara de exercício. Você só precisa caminhar e descobrir os
detalhes do hotel e o que você mais gosta nele – fez um sinal com a mão, como se fosse bem
simples.
- É. Realmente, o seu é bem mais complicado – concordei rápido demais, mas era bem
difícil discordar de uma pessoa que enfeitava até bem pouco tempo a minha agenda e até mesmo
o mural de fotos do meu quarto.
Obrigada pelo pôster, Capricho!
- Seu nome é Camila, certo? O meu é Bruno.
Ah, sério? Se não me contasse, jamais saberia.
- Isso! Mas pode me chamar de Mila, é assim que todos os meus amigos me chamam –
tentei mostrar que além de ter cara de boba, também era simpática.
- Muito prazer, jornalista! – Sorriu. – Vamos caminhar?
Capítulo 4 – Primeiras linhas

Depois de andar por todo o hotel – metade dele com o Bruno, que ficou no caminho
quando descobriu uma árvore maravilhosa, enorme, cheia de galhos e com muitas folhas secas
em volta -, sentei na cadeira de sol e observei aquela última parada. Peguei mais uma vez o meu
bloquinho e aumentei o número de anotações que havia feito por toda a manhã. A piscina estava
completamente vazia e era enorme. Um desperdício. Mas quem iria encarar a água gelada com
aquele friozinho da cidade?
Fechei os olhos e me senti aquecida com o calor que vinha do céu. Uma sensação muito
gostosa. Ainda de olhos fechados, pensei no curso e no quanto iria aprender. E o Bruno? Além
de estudar comigo, era grande a chance de virarmos amigos. Durante a caminhada, a conversa
fluiu de um jeito tão gostoso, que nem parecia que tínhamos acabado de nos conhecer. Precisava
contar para as meninas sobre ele. Não conseguia nem mesmo imaginar a reação delas.
- Está sonhando com o príncipe encantado? – Bruno fez sombra ao parar ao meu lado, me
fazendo estremecer com o frio repentino e com sua presença.
Quando abri os olhos, ele estava sorrindo.
Você nem imagina. E o príncipe acaba de se materializar bem aqui na minha frente. Será
que volto a sonhar? Quero ser acordada com um beijo.
– E como está o seu projeto de exploradora de hotel?
- Terminei. Caminhei por todos os lugares, descobri áreas de lazer que nem sabia que
existiam. Você sabia que tem um escorrega gigante no meio das escadas dos apartamentos?
- Claro! Estou hospedado lá. Você não tinha visto? – Franziu a testa sem entender a
minha surpresa.
- Não. Estou em um chalé, só descobri os apartamentos por causa da minha caminhada.
Esse escorrega teria sido muito útil hoje de manhã. Acordei atrasada para a aula e se estivesse
hospedada lá, nem teria pensado em usar as escadas.
Bruno deu uma gargalhada.
- E na sua descoberta você aproveitou para escorregar?
- Não – sorri sem graça, pois senti uma vontade enorme de fazer aquilo, mas fiquei com
vergonha. O escorrega era muito grande e imaginei como seria delicioso descer nele.
- Também não fiz isso ainda, mas não vou perder a oportunidade – disse com toda a
simpatia do mundo.
Pegou o celular e lembrou que já era hora do almoço.
Desculpa, meninas do Brasil! Vou almoçar com o Bruno Ferraz. Morram de inveja!
- Sua mãe deve ser bem legal, né? – Puxou assunto enquanto caminhávamos para o
restaurante.
Olhei de rabo de olho para ver se era alguma espécie de brincadeira. Não parecia uma
piada. Mas fiquei intrigada para descobrir o motivo de ter mencionado a minha mãe sendo que
nem toquei no nome dela.
- Por que você acha isso?
- Ué... Você disse que só tem dezesseis anos e está sozinha, hospedada no chalé, que é a
opção mais cara e desejada do hotel. Tudo isso para fazer um curso caro e que a maioria das
pessoas que fazem são aquelas que já estão trabalhando ou querem trocar de área. Isso não é
motivo para deduzir que a sua mãe é uma ótima pessoa? – Questionou.
Refleti um pouco. Bruno tinha razão, mamãe só pecava na hora de ser chata, pois
exagerava um pouquinho. Mas tudo bem, ela tinha até um crédito extra para ser uma mala sem
alça.
- Certo. Minha mãe é legal, só é dramática demais. Se você a conhecesse, entenderia –
revirei os olhos para enfatizar o que estava dizendo.
Se mamãe soubesse que eu falava dela daquele jeito...
- Já estou até curioso. E seu pai, é durão?
- Que nada! Papai tenta é segurar a onda da minha mãe. Ele sempre foi muito mais
tranquilo que ela. Nunca pega no meu pé.
- Legal! – Sorriu. - Também não posso reclamar dos meus. Quando disse que queria ser
ator, queriam me proibir. Eles moram em Juiz de Fora e para que eu pudesse lutar pelos meus
objetivos, precisava me mudar para o Rio de Janeiro ou São Paulo. Tinha acabado de completar
quinze anos e meus pais trabalhavam, não podiam mudar toda a vida deles só por minha causa,
pelo meu sonho. Acabei convencendo primeiro o meu pai, que conversou com a minha mãe.
Depois de muita e muita conversa, ficou decidido que eles confiariam em mim, alugariam um
apartamento no Rio de Janeiro e pagariam um curso profissionalizante de ator. Mas deixaram
bem claro que bastaria uma pisada na bola para que aquele sonho acabasse. Concordei e foi
assim que me vi sozinho na Cidade Maravilhosa, com apenas quinze anos.
- Caramba! Não consigo me imaginar morando sozinha. Até a experiência de vir para cá
me assustou – revelei. – Acho que sou muito dependente dos meus pais e das minhas amigas,
preciso aprender a me libertar mais.
- Que nada! – Bruno riu. – Isso é normal. Também fiquei assustado, mas a gente se
acostuma. Você não venceu seus medos e veio mesmo sem conhecer ninguém?
- Aham – concordei.
- Então, se precisasse morar sozinha para conquistar seus sonhos, tenho certeza que
conseguiria. No início foi complicado. Era muito novo, precisei aprender a fazer compras,
cozinhar, limpar a casa e me virar no Rio. Mas foi muito bom, pois amadureci bem mais rápido e
também mostrei para os meus pais que era digno de confiança. Mesmo longe dos olhares deles,
nunca matei nenhuma aula até acabar o terceiro ano e não me envolvi com nada errado.
- Eles devem ter o maior orgulho – disse toda derretida. Se já admirava o Bruno antes,
agora, a admiração era ainda maior. Tem coisas que nenhum pôster ou entrevista são capazes de
revelar sobre uma pessoa. Principalmente a simpatia e o caráter.
- Acho que sim – confirmou pensativo. – E você, é carioca mesmo? – Mudou de assunto.
- Aham.
- Você não faz perguntas e eu fico aqui, fazendo várias sobre você e contando sobre mim
o que nem foi perguntado – desviou a atenção do caminho e me olhou.
- Ah, Bruno! Já sei algumas coisas sobre você, né?! E fico sem graça de perguntar outras.
Acabamos de nos conhecer e já vou te encher de perguntas? – Disse com sinceridade.
- Estou enchendo o seu saco, jornalista? – Perguntou com cara de criança que acabou de
fazer alguma coisa errada. – A senhorita é que tinha que me fazer perguntas, pois todos os seus
futuros colegas de profissão fazem isso pra caramba. E quer dizer que já sabe coisas sobre mim,
é? Que tipo de coisas? – Deu outro sorriso fofo.
Camila, você e essa língua grande!! Vai dizer que lê tudo o que sai sobre ele nos
jornais? Que ficou apaixonada pelo Bruno na última novela? Vai contar que ficava suspirando
por ele com suas amigas? Vai?
- O que todas as outras pessoas também sabem. Não preciso perguntar o seu nome se já
sei qual é. Acompanhava a sua última novela – confessei sem graça.
- Quem me dera se fosse a minha novela.
- Como assim? – Não entendi o que ele quis dizer.
- Amo atuar. Acho legal e me apaixonei pelo teatro logo que cheguei ao Rio e comecei as
aulas. Mas não sou o tipo de pessoa que adora badalação, eventos quase todos os dias, festas. E,
além disso, mais do que atuar, descobri uma verdadeira paixão pelos textos. Tenho vontade de
escrever novelas, seriados, filmes.
Que menino fofo e simpático! Parecia mesmo uma pessoa normal. Não era nem um
pouco metido, mesmo sendo tão famoso.
Estávamos parados na frente do restaurante do hotel.
- Bom, acho melhor a gente almoçar – chamei quando senti minha barriga roncar e ele
concordou. Aquele mísero pãozinho não tinha matado a minha fome e o meu estômago já estava
até doendo.
O serviço de almoço era delicioso. Fiz um prato com uma comidinha mineira e o Bruno
pegou um pouco de tudo. Quando sentamos, ele fez uma piada com a diferença do peso dos
nossos pratos e não paramos mais de conversar.
- Quais são seus planos para o resto do dia? – Perguntou quando terminou de comer o
último pedaço de carne.
- Não tenho a menor ideia. Confesso que fiquei surpresa com o curso. Achei que ainda
estaríamos tendo aula e que iria durar o dia inteiro.
- Mas não deixa de ser assim, né? Observar, escrever, trocar ideia... Acho que tudo isso
faz parte do aprendizado. Bem que o meu camarada disse que era muito diferente e interessante.
- Verdade – terminei de beber o restinho do meu suco. – Acho que vou aproveitar esse
tempo livre para fazer o meu trabalho. Fiz tantas anotações. Preciso pensar em como organizar
todas elas.
- Jura? – arregalou o olho.
- Por quê? – perguntei sem entender o motivo do espanto.
- Eu nem fiz anotações, escrevi direto o que vou entregar ao Márcio – tirou do bolso da
bermuda cargo um bloco pequeno, com três páginas preenchidas.
- Nossa! Ainda não consigo escrever dessa maneira, preciso organizar meus
pensamentos. Fiz várias anotações, mas não tenho ideia de como juntar todas e transformar em
um texto interessante – senti uma pontada de nervoso.
- Relaxa, jornalista. Você vai mandar bem, tenho certeza. – Estava adorando aquele
jeitinho que ele tinha adotado para me chamar. - Acho que vou tirar um cochilo. Adoro dormir
depois do almoço e com essa quantidade enorme de comida, o sono vai vir com força – bocejou
e esticou os braços se espreguiçando.
- Sorte a sua. Tenho muito trabalho pela frente – fiz uma careta.
- Olha só, que menina dedicada! Continue assim e o seu futuro será brilhante –
incentivou. - Vou descansar um pouco. Essa história de acordar muito cedo, acaba comigo. Boa
sorte no trabalho – deu um beijinho na minha bochecha e se despediu, seguindo na direção
oposta.
Quase não mexi o rosto para continuar sentindo o beijo do Bruno.
Morra de inveja, mundo!
Comecei a rir sozinha pensando em como estava sendo infantil com todos aqueles
pensamentos, mas quem agiria de outra maneira? Minha cabeça vivia uma fase de confusão total.
Sempre me encontrava dividida entre ser mais racional e madura ou boba e cheia de faniquitos
normais da minha idade.
Será que toda adolescente passa por essa crise de personalidade?
Respirei fundo pensando no que teria para fazer e lembrei que ainda precisava falar com
mamãe. Sem querer perder mais tempo segui para o chalé. Aproveitei uma carona no carrinho de
golfe e cheguei em poucos minutos, muito mais rápido do que se tivesse ido com as minhas
próprias pernas.
Liguei o laptop e enquanto ele iniciava, corri até o telefone. Contei para mamãe sobre o
primeiro dia de aula e, apesar de ter começado a dizer que aquilo “cheirava a um curso caça-
níquel”, já que o professor praticamente não dava aula e dispensava a turma ainda no início da
manhã, percebi que ela amoleceu ao sentir a minha empolgação com algo que era relacionado ao
estudo.
- Estou feliz por você, meu bebê! Se precisar de alguma coisa, liga para a gente no
mesmo instante – disse como se estivesse falando com uma criancinha.
- Pode deixar, mãe.
- Beijos, princesinha.
E por incrível que pareça, desliguei o telefone sentindo saudades.
O laptop já estava ligado e olhando para mim. Queria começar o trabalho o quanto antes,
mas ainda precisava fazer mais uma ligação.
Capítulo 5 – Mil dias em um

- Dani, você está na escola? – Perguntei assim que ela atendeu ao primeiro toque.
- Infelizmente! Estamos no intervalo, daqui a pouco tem mais tortura. Os professores
nunca param de falar. Como está aí? Que telefone é esse? – Estranhou o número do hotel.
- Credo! Tenho até medo de pensar na quantidade de matérias que vou perder. Meu
celular não pega aqui e é por isso que estou ligando do quarto – expliquei. - As meninas estão
com você?
- Aham. Ih... Já sei que tem alguma fofoca boa. Quer fazer o favor de contar logo – deu
um grito de empolgação.
- Quem está aí? – Quis saber.
- Conta a fofoca logo, Mila – subiu um tom de voz, como sempre fazia quando estava
ansiosa.
- Antes, me diz quem está com você – insisti.
- Pati e Juliana.
- Ótimo! Sai de perto de todo mundo, vai com as duas para algum lugar seguro e coloca o
telefone no viva-voz.
- Sério? Você vai pagar uma nota nessa ligação interurbana. Vai ser difícil achar um lugar
vazio por aqui. A aula terminou agora, o pátio está cheio, os banheiros também. Pode me contar
que repasso a informação.
- Não dificulta, Dani! Volta para a sala – pedi.
- Boa ideia – tirou a boca de perto do telefone e imaginei que estava chamando as
meninas. Em poucos minutos todas gritaram “oi” ao mesmo tempo. – Pronto, Mila! Você está no
viva-voz.
- Meninas, vocês não imaginam como isso aqui é incrível – suspirei.
- O curso? – Identifiquei a voz da Pati.
- Essa é a fofoca? Caramba, Mila! Você já foi mais cheia de novidades, hein? – Juliana
implicou e fiquei feliz de ver como ela estava cada vez mais solta e cheia de piadinhas. Nem
parecia aquela menina tímida do ano anterior.
- O curso é muito legal e já na primeira aula o professor deu um exercício para cada
aluno. O meu, como quero ser jornalista e escrever sobre viagens, é fazer um passeio pelo hotel e
depois contar sobre ele. Estou encantada. Vocês não têm ideia de como é incrível – contei cheia
de entusiasmo. Queria ter as minhas amigas por perto, vivendo tudo comigo.
- Que máximo! Que sonho! Muito maneiro – todas resolveram falar ao mesmo tempo e
não consegui identificar muito bem quem disse cada uma daquelas coisas.
- Demais, né? E, além disso, a fofoca maior vem agora. Vocês vão morrer quando
souberem quem é o meu mais novo amigo. Juliana, não deixa de passar essa informação para a
Gisela, hein? Contar pela internet não tem graça nenhuma.
- CONTA!!!! – Gritaram juntas.
- Ai, ai... Bruno Ferraz!!!!! – Contei empolgada.
Gritos e mais gritos vieram do outro lado da linha. Elas estavam nervosas, desesperadas,
perguntando um milhão de coisas. Prometi que entraria na internet mais tarde para contar tudo
com detalhes.
- Mas você já falou com ele?
- Falei? Queridinhas, eu almocei com o Bruno Ferraz!
- Não! – Gritou Dani.
- Sim!
- Cara, você é muito sortuda. Estou até tremendo – Dani estava histérica.
- Ele é ainda mais bonito pessoalmente. Os olhos são perfeitos.
- Tira foto, Mila! Pelo amor de Deus, não vai se esquecer de tirar fotos dessa vez –
implorou Dani.
- Não vou tirar agora. Tenho duas semanas para isso, vou esperar a oportunidade certa. O
Bruno é um fofo e não está me tratando como fã. Também não quero me comportar como uma.
Vamos esperar. Perfeito, né?!
- MUITO!! – Concordaram aos berros.
- Vocês iam se surpreender com ele. Bruno é bem gentil, parece um cara normal, acho
que não tem noção do tanto que é famoso. É todo simples, sabe?! Simpático, atencioso, nem um
pouco metido – comecei a babação que havia guardado apenas para mim.
- Que máximo! A sua segunda viagem já está cheia de emoções. Se estivesse no seu lugar
viajaria todo mês. Parece que a sorte te persegue quando você arruma a mala para colocar o pé na
estrada. Primeiro o Leandro e agora... Bruno Ferraz – suspirou Dani.
Dei uma gargalhada.
- São coisas completamente diferentes, mas totalmente emocionantes. No verão do ano
passado conheci o meu primeiro-amor-não-platônico. E nesse outono, acabo de conhecer O cara.
Por isso quero viver viajando. Quero ter a oportunidade de conhecer mais lugares e pessoas
especiais. Essa vai ser a minha futura carreira. Podem apostar.
- Que sonho! Será que você pode me levar na mala quando sair para viver suas
aventuras? Já dei sorte na primeira, também quero mais – riu Juliana.
- Precisamos combinar uma viagem juntas – sugeri.
Gritos empolgados do outro lado da linha quase me deixaram surda.
- Amigas, já estou com saudades, mas preciso desligar. Beijos para vocês. A gente se fala
pelo Whatsapp e Facebook.
- Beijo! – Gritaram.
O relógio da sala do chalé marcava duas horas da tarde. Sabia que precisava escrever o
meu trabalho, mas um pensamento não saía da minha cabeça e se não colocasse tudo aquilo para
fora, não conseguiria me concentrar no que realmente precisava fazer. Por isso, abri o meu blog e
deixei os pensamentos me guiarem.
Mil dias em um! É assim que me sinto quando viajo – 23 de março
Viajar. Para muitos, arrumar a mala e colocar o pé na estrada é apenas uma diversão,
lazer, fuga... Não para mim. Considero o ato de viajar um grande aprendizado. O motivo? Vou
de coração aberto para conhecer pessoas e histórias.
Mesmo ainda não sendo uma grande viajante – coisa que pretendo ser muito em breve –
sei que posso dizer isso com propriedade. Em apenas duas viagens, uma que está apenas
começando, já pude amadurecer e descobrir coisas que levaria muitos e muitos dias para viver
se estivesse enfiada apenas no meu mundinho.
Com poucos minutos de aula, recebi uma tarefa que me rendeu outros bons minutos de
conversa e caminhada. Vivenciei um pouco da minha futura profissão. Já fiz novas amizades e
posso dizer que em menos de vinte e quatro horas, me surpreendi – assunto para uma próxima
postagem.
Tenho um agradecimento eterno a todos os que fizeram parte da minha “primeira
viagem”. Claro que já rodei por outros lugares, mas nada foi como Búzios e aquela experiência
me fez enxergar uma nova maneira de viajar.
Não quero ser turista, desejo conhecer pessoas e histórias. Meu objetivo não é levar para
casa lembrancinhas das cidades que visitei. Quero levar lembranças memoráveis que, de tão
grandes, não caberiam em bagagens. Não desejo passeios, quero vida. Viver cada lugar e cada
pessoa por onde passar. As viagens serão responsáveis pela minha construção interna. E espero
que estas sejam cheias de marcas e até mesmo cicatrizes.
Quero viver mais de um milhão de anos. E vou conseguir, pois o relógio do viajante é
diferente dos “meros mortais”. Um dia é muito mais que um dia. Que venham muitos, muitos,
muitos outros como esses e completamente diferentes também.
Como disse certo compositor, “eu quero sempre mais que ontem” e essa frase vem sendo
fonte de inspiração para a minha vida. Vou continuar buscando sempre mais.
Mas não quero correr e ainda é cedo para pensar na próxima viagem. Essa minha atual
aventura está apenas começando e sinto que muitas coisas boas ainda estão por vir.
Que venham!
Estou de braços abertos esperando todas elas.
Até breve. Curtam comigo essa viagem.
Capítulo 6 – Entrando na Máquina do Tempo

Depois de conseguir completar o meu primeiro trabalho para o curso, pedi o jantar no
quarto e aproveitei para assistir pela milionésima vez “De repente trinta”, que estava passando na
televisão. O frio, o filme e a comidinha me deixaram com mais preguiça ainda. Não demorei a
pegar no sono. Acordei sem o despertador, totalmente descansada.
Bem diferente do dia anterior, tive bastante tempo para tomar banho, lavar o cabelo,
escolher um short jeans clarinho e uma blusa de manga comprida de um verde bem escuro, que
combinava bastante com o branco azedo da minha pele. Aproveitei para secar um pouco os fios
com o secador que ficava no banheiro – posso viver no hotel para sempre? – e caminhei no meu
tempo, sem pressa, até o salão do café da manhã.
Hummmmmmm!!!!
Assim que abri a porta, pude sentir o cheiro delicioso dos pães fresquinhos, dos doces e
de todas as outras gostosuras que fizeram meus olhos brilharem.
Enchi o meu pratinho com dois pães de forma, queijo, presunto, uma fatia de bolo de
chocolate, dois pães de queijo e um pouquinho de ovo mexido. Quando olhei para as mesas
buscando um lugar para sentar, quase deixei tudo cair no chão.
Será que todo dia vou ter um susto pela manhã? O de hoje é um pesadelo ou uma
miragem?
Em poucos segundos tive a resposta para a minha dúvida, quando vi uma mão para o alto,
acenando para mim. Era a realidade, por mais estranha que pudesse parecer.
- O que vocês estão fazendo aqui? – Perguntei para Bernardo e Rafael, sem acreditar na
presença dos dois.
- Oi para você também, Mila – brincou Bernardo. – Minha namorada, que também é sua
melhor amiga, simplesmente tem uma cabecinha oca e nem pensou em me avisar sobre esse
curso quando você fez a sua inscrição – foi a única resposta que tive, Rafael nem levantou a
cabeça para olhar na minha direção.
- Não entendi – permaneci em pé, com o prato na mão, sentindo a cabeça girar.
- Mila! – Chamou minha atenção como se a resposta estivesse ali, na minha cara.
Dei de ombros.
Enquanto isso, Rafael continuava a comer calmamente, sem esboçar nem um sorriso. Na
verdade, ele sequer me olhou.
- Você está fazendo esse curso, pois sonha em ser jornalista e já quer começar a se
preparar antes mesmo do vestibular, não é?
Confirmei com a cabeça.
- E qual é a importância desse curso para a gente?
Minha ficha caiu. Tinha esquecido completamente que tanto o Rafael quanto o Bernardo
já cursavam a faculdade dos meus sonhos.
Camila, sua cara de pau! Quem é que no nono ano sabe com toda a certeza do mundo o
que quer estudar na Universidade? Aquela desculpa de que o jornalismo sempre foi seu sonho,
tanto que já treinava nas agendas, não era de verdade. Esqueceu que o seu primeiro contato
com o curso de Comunicação Social aconteceu quando a Dani te contou que o Bernardo e o
Rafael queriam fazer jornalismo? Esqueceu que tudo começou por causa desse loirinho que está
sentado bem aí na sua frente? Hoje, isso é a sua certeza. Mas no nono ano, foi tudo por uma
paixão.
Ai. Meu. Deus!
- Verdade. Nem me toquei, Bernardo. Desculpa – sentei na cadeira que ele puxou para
mim, mas a minha fome já era quase inexistente. – Mas se a Dani não te contou, como ficou
sabendo? – Rafael continuava totalmente na dele, como se a minha presença ali fosse irrelevante
ou invisível.
- Ah, a empolgação que a sua amiga não teve para me falar sobre o que realmente
importava, ela teve para me ligar no meio da tarde para contar que você conheceu um “ator
incrível, da última novela” – fez as aspas com as mãos - e quando falou os detalhes, fiquei
curioso sobre o curso. Entrei no site, liguei para cá e implorei por duas vagas. Assim que
garantimos a inscrição, corremos com as malas para a rodoviária para tentar comprar as
passagens e, por sorte, conseguimos um horário no início da noite. Quase um milagre! – Riu.
- Vocês estão aqui desde ontem? – Perguntei ainda sem acreditar que eles realmente
estavam ali.
- Aham. Até tentamos te procurar, mas não te vimos nem no restaurante nem em parte
alguma. Dani tentou te ligar, mas o seu celular só dava fora de área ou desligado.
Ele me procurou ou eles me procuraram?
- Acabei ficando no chalé para fugir do frio e dormir cedo – expliquei e mexi no meu café
da manhã com o garfo.
Bernardo continuou a contar sobre a aventura de fazer tudo correndo. Imitou o bico da
Dani com a “injustiça” de ter que ir para a escola enquanto sua melhor amiga – eu!! – e o
namorado dela estavam viajando para estudar em um “curso divertido”.
Rafael revirou os olhos e me senti na obrigação de falar alguma coisa.
- Coitada! Essas aulas em período integral são muito cansativas. Nem é frescura. Dani
sabe que o curso é legal, pois contei tudo com detalhes – sorri. - Você vai adorar o professor – já
que estava sendo completamente ignorada por aquele loiro-abusado, também iria me dirigir única
e exclusivamente ao Bernardo.
- Espero que sim, pois isso aqui foi um alto investimento de grana e de lábia. Imagina
como foi difícil convencer nossos pais na correria.
Balancei a cabeça confirmando que havia entendido a dificuldade daquela situação e
terminei de comer o último pão de queijo do meu prato.
- Bom, vou andando para o curso. Daqui a pouco a gente se encontra de novo – não dei
tempo para que o Bernardo falasse mais nada. Não queria ter que esperar por eles. Como ainda
não tinham acabado o café, aproveitei e saí de fininho.
Assim que passei pela porta, fui atingida pelo ar gelado de Campos do Jordão, precisei
respirar fundo para controlar as emoções que surgiam dentro de mim.
Bloqueia tudo isso da sua cabeça, Camila. Você já não é mais uma criancinha de amores
platônicos. Está viajando sozinha, conhecendo novas pessoas e adquirindo conhecimentos.
Esquece esse loiro-encrenca!
Obedecendo a voz da minha consciência, tentei pensar no Bruno Ferraz, no curso e no
trabalho que teríamos que fazer mais tarde. E assim, caminhei com velocidade e determinação
para a sala.
Bruno estava sentado no canto, com a maior cara de sono. Aproveitei a cadeira vaga ao
lado dele e sentei ali mesmo.
- Ei! Bom dia, jornalista – sorriu quando me viu.
- Bom dia! Você está com a cama nas costas? – Dei uma risada. – Não te vi no café da
manhã.
- Acho que o meu celular deu algum problema, pensou que me mudei para outro país,
pois adiantou uma hora e me fez acordar mais cedo. Bem que estranhei a escuridão do lado de
fora, mas pensei que talvez pudesse ser o frio chegando. Só quando cheguei aqui e vi esse
relógio enorme, é que entendi que estava uma hora adiantado para tudo.
- Putz!
- Aproveitei para cochilar um pouco aqui na sala. Acordei com o pessoal chegando –
bocejou cheio de preguiça.
- Hum...
Não deu tempo de falar mais nada, pois o professor chegou. Márcio estava todo
sorridente e já foi passando de mesa em mesa para recolher as redações. Puxou mais duas
cadeiras e pediu para que abríssemos o semicírculo, pois entrariam mais dois alunos.
- Olha eles aí! – Comentou Márcio quando Bernardo e Rafael passaram pela porta.
Assim que sentaram, um ao lado do outro e distante de mim, na outra ponta da sala –
graças a Deus! –, Márcio explicou tudo que tinha acontecido no primeiro dia de aula. Pediu para
que também fizessem a apresentação e avisou que teriam dois exercícios para entregar no dia
seguinte.
Bernardo começou falando sobre o sonho de trabalhar com o jornalismo investigativo.
Disse que sempre acompanhou esse tipo de matéria nos jornais e na televisão e que admira muito
os profissionais que atuam nessa área.
- Sei que é perigoso, mas me dá a sensação de que é uma maneira de fazer a diferença no
mundo. Imagina! Descobrir assassinos, traficantes, esquemas de roubo na política... – comentou
com brilho nos olhos.
Dani morria de medo daquele desejo do Bernardo e torcia para que ele se encantasse com
outra área durante a faculdade.
Márcio sorriu com a empolgação e pediu para Rafael também contar sobre o interesse
dele e perguntou o que o levou a fazer o curso. Com uma timidez que nunca imaginei que ele
tivesse, levantou e começou a se apresentar, estava visivelmente desconfortável. Contou sobre o
sonho de fazer o jornalismo esportivo, principalmente voltado para o surfe.
- Meu pai me ensinou a pegar onda desde moleque, por isso sempre amei o mar.
Ouvir uma informação extra sobre o Rafael, não que ele queria ser jornalista esportivo,
mas sim sobre o pai dele, foi muito legal. Imaginei o Rafa pequenininho, com aquele cabelo
loiro, indo todo feliz para a praia, brincando nas ondas do mar. O pensamento me encheu de
ternura. Sacudi a cabeça quando percebi que estava com um sorriso bobo no rosto.
- Muito interessante – elogiou Márcio assim que Rafael voltou a sentar. – Temos poucos
jovens no curso e dos poucos que temos, três querem ser jornalistas. E o mais bacana é que cada
um quer uma área diferente nessa profissão – fez uma pausa e logo voltou a falar. - Bom,
conseguiram fazer a primeira tarefa com facilidade? – Todo mundo confirmou com a cabeça. –
Que bom. Ao longo do curso vou passar alguns trabalhos mais reflexivos, outros que envolvam
conversar com outra pessoa ou ainda mexer na memória de vocês. Sempre que tiverem qualquer
tipo de dificuldade, podem falar comigo.
A aula continuou e procurei esquecer que estava dividindo a mesma sala com o Rafael.
Márcio colocou algumas letras de música para fazer observações sobre o estilo do texto.
Também falou sobre cartas, poemas, poesias, dando exemplos legais para cada um deles.
Diferente do dia anterior, a aula durou até a hora do almoço.
- Agora, vocês já tiveram contato com mais estilos literários e podem usar qualquer um
para o novo trabalho. Sejam criativos! Podem arriscar um poema, poesia, carta, letra de música.
O que quiserem fazer está liberado – distribuiu os papéis com os trabalhos e dispensou a turma.
Bruno continuava com cara de sono, mas tinha ficado atento a tudo durante a aula.
Quando todos começaram a deixar a sala, fiquei sem saber o que fazer. Enquanto decidia se
falava alguma coisa ou se simplesmente levantava, ele me encarou.
- Hoje o meu trabalho é mais difícil e o seu? – Perguntou.
Estava tão atordoada com todas as emoções daquela manhã, que nem mesmo me lembrei
de olhar o papel.
“Escreva sobre a melhor viagem da sua vida.”
- Gostei do meu, mas não tenho nem ideia de como vou fazer isso. É muito vago –
mostrei para o Bruno. – Sobre o que eu falo? Descrevo o lugar ou posso falar sobre o que vivi
nessa viagem? Contar sobre as pessoas que conheci? Só um detalhe? Não tenho ideia do que é
para fazer.
- Pode escrever sobre o que quiser dessa experiência. Pode ser apenas sobre um
determinado amanhecer ou um fim de tarde. O que o seu coração mandar, você coloca no papel –
esclareceu Márcio. Senti o rosto esquentar de vergonha. Não tinha reparado que ele continuava
na sala, pois quase todo mundo já havia saído.
- Obrigada – respondi baixinho.
Fui caminhando ao lado do Bruno até o restaurante e só então lembrei que ele não tinha
me contado sobre o que era o trabalho dele.
- Conversar com um participante do curso e escrever sobre uma história de amor que
algum deles tenha vivido – respondeu quando perguntei. - Acho que vou te usar de cobaia. Com
dezesseis anos, aposto que tem muita coisa interessante pra contar.
Bruno Ferraz quer saber sobre mim! Quer fazer o trabalho dele comigo! Acho que vou
desmaiar!
Controle-se, Mila. Você já não é mais criança para ter esses faniquitos.
Argh! Odeio a minha consciência! Ela é pentelha como a minha mãe.
- Não sei – resisti.
- Ah, deixa de ser boba! Você vai me contar a sua história. Prefiro falar com você. Os
outros são tão sérios, mais velhos... Aceita, vai! – segurou a minha mão, implorando de uma
maneira brincalhona.
- Pode ser – não resisti.
Bruno sorriu e abriu a porta para mim. Imediatamente vi a mesa que Bernardo e Rafael
estavam sentados, bem no canto do restaurante. Eles já estavam comendo e conversando
bastante. Rafael olhou na minha direção e por reflexo, virei a cabeça e segui olhando para o outro
lado.
Como no dia anterior, montei meu prato e almocei com o Bruno. Dessa vez, como o
restaurante estava cheio, sentamos com duas garotas que também faziam o curso com a gente.
Muito simpáticas, falaram sobre a aula do Márcio, sobre os trabalhos e também perguntaram se a
gente já conhecia Campos do Jordão. Elas contaram que eram advogadas e que decidiram fazer o
curso juntas, pois sentiam necessidade de aprender a escrever melhor.
- A gente percebe que no nosso meio tem muita gente escrevendo mal. É sempre bom se
atualizar e tentar se aprimorar para não ser apenas mais um no mercado – explicou Tatiana, que
disse ter trinta e cinco anos. – E vocês? Já são namorados há muito tempo?
- Não somos namorados – tratei logo de corrigir.
- Jura? Até comentamos que formavam um casal muito bonito – sorriu, me deixando com
mais vergonha ainda.
- A gente se conheceu ontem – contou Bruno.
- Que legal! Vocês vieram sozinhos, sem conhecer ninguém?
- Aham – respondemos ao mesmo tempo.
- Uau! Você é muito corajosa – elogiou. - Quando tinha a sua idade, era muito imatura e
insegura. Não largava a barra da saia da minha mãe para nada. Tinha até medo de dormir
sozinha, no escuro – riu com aquela lembrança.
Continuamos a conversar por mais algum tempo até que Tatiana avisou que ia descansar
um pouco e as duas se despediram da gente.
- Acho que vou fazer o mesmo. O que acha da seguinte proposta - Bruno me encarou com
uma cara muito engraçada, parecia uma criança querendo negociar com os pais. – Vou dormir
um pouco, só um pouquinho mesmo, para recuperar aquela hora a menos de sono. Enquanto isso,
você faz o seu trabalho. Lá pelas quatro, passo no seu chalé e você me ajuda com a sua história
de amor.
- Ai, Bruno! Olha só, já conhecemos essas duas meninas, elas devem ter muito mais
histórias, vai ser melhor para você – tentei apelar.
Ele não deu nenhuma resposta, apenas ficou me encarando com uma carinha de cachorro
sem dono.
- Tá bom – bufei. – Aceito a sua proposta.
Abriu um sorriso triunfante.
- Você acha que consegue terminar até esse horário? – Perguntou e olhou para o relógio.
- Consigo! Vai ser assim na minha profissão de verdade, não é? Então, já vou sofrer com
o curto prazo para escrever – respondi e senti um frio enorme na barriga. Bruno Ferraz, ídolo de
um milhão de meninas da minha idade, ia sentar comigo para ouvir a minha história de amor.
Aquilo era muito legal!
- Muito bem, jornalista! Isso que é dedicação. E obrigado por aceitar – colocou a mão em
cima da minha e apertou de levinho para reforçar o agradecimento - Qual é o número do seu
quarto?
- Ahm?! – Arregalei os olhos com aquela pergunta.
- Preciso saber para poder te ligar, caso resolva desaparecer – deu uma gargalhada com o
meu susto.
Dei o número do meu quarto e avisei que era melhor a gente ir andando para dar tempo
de fazer tudo. Quando levantamos, olhei de rabo de olho para a mesa dos meninos, mas eles já
não estavam mais lá. Suspirei aliviada, me despedi do Bruno e seguimos por caminhos
diferentes.
Agarrei o celular no minuto que entrei no chalé. Nenhuma mensagem importante no
Whatsapp.
Tentou falar comigo. Sei!
Mila: Dani, não acredito que você não me avisou da decisão do Bernardo de vir para cá
fazer o curso COM O RAFAEL! Será que assim como foi em Búzios, você “esqueceu” esse
“pequeno” detalhe?
Terminei de digitar com força, estava com raiva.
O status indicava que ela estava online, mas não havia enviado ainda nenhuma resposta.
Deixei o celular em cima da mesinha da sala do chalé e fui até o quarto com o meu bloquinho.
Antes de começar a escrever, achei melhor ligar para a minha mãe, que provavelmente estava
aflita depois de tanto tempo sem falar comigo.
- Tão bom ouvir a sua voz – só mesmo mamãe para dizer aquilo, antes mesmo de
realmente ouvir a minha voz.
- Oi, mãe! Tudo bem por aí?
- Ótimo! E com você? Como foi a aula hoje?
- Muito boa. Estou amando! O Bernardo também está aqui, decidiu fazer o curso em cima
da hora.
- Namorado da Dani? – Perguntou com uma voz mais desconfiada.
- É.
- Ela também foi?
- Não. A Dani nem sabe direito o que quer fazer no vestibular, vive mudando de ideia. O
que ela ia fazer aqui? – Respondi com certa agressividade, ainda sentindo raiva pela falta de
noção dela ao deixar de me contar sobre o Rafael.
- Hum... E qual é o trabalho que precisa fazer para hoje?
Li o exercício para mamãe, falei mais um pouco sobre o clima e sobre o hotel, contei que
dormi muito cedo no dia anterior – e pelo suspiro, parece ter sido a informação que mais aprovou
-, avisei que precisava desligar para poder adiantar a minha redação.
No silêncio do quarto, fechei os olhos para voltar ao passado. Joguei sentimentos e
recordações de qualquer jeito no papel, depois organizaria com calma as minhas ideias. Sorri
com as lembranças.

-----------

Quando Bruno bateu na porta, estava tão mergulhada na construção do meu texto, que dei
um pulo da cama. O tempo passou voando e nem percebi. As palavras ainda me olhavam soltas.
O trabalho passava muito longe de estar pronto.
- Ei! Que cara é essa? – Bruno se espantou quando abri a porta.
- Não estou conseguindo fazer nada – lamentei. - Transformar uma viagem de quinze dias
em algumas linhas é uma missão impossível. Não sei nem por onde começar.
- Mila, mas o professor não quer saber sobre todos os dias da sua viagem. Não é uma
descrição. O interesse dele é conhecer o seu texto. Acredito que poderia até mesmo inventar, não
precisava ser algo real.
Coloquei a mão na cabeça me sentindo um pouco zonza. Sempre fui muito perfeccionista
e não queria correr o risco de entregar um trabalho ruim.
- Sem desespero, jornalista! É muito mais simples do que pensa. Na verdade, o seu
trabalho é contar sobre o que viu, mas de um jeito bem pessoal. Não foi isso que falou na sua
apresentação?
- Exatamente – confirmei.
- Então, se já estivesse trabalhando e fosse escrever uma crônica sobre a melhor viagem
da sua vida, como seria? Não acredito que ficaria preocupada em descrever cada detalhe do que
conheceu. Pensa no que os seus leitores gostariam de ler na sua coluna de viajante.
Sorri com a facilidade com que o Bruno dizia tudo aquilo e fiquei ainda mais encantada
com o curso e com o trabalho. Já conseguia imaginar a minha história.
Percebendo que a inspiração e a empolgação estavam novamente acesas dentro de mim,
Bruno avisou que ia buscar um lanchinho para a gente.
- Não demoro, tenta correr com isso aí – disse e saiu do chalé.
Estalei os dedos e comecei a escrever. Deixei as lembranças tomarem conta da minha
cabeça – e, principalmente, do meu coração! Ai, ai... - e não parei para reler em momento algum.
O texto preenchia cada vez mais o espaço da página em branco. E não levei muito tempo para
colocar o último ponto final. Com um suspiro, guardei o meu bloquinho.
Aproveitei que ele ainda não havia voltado, para trocar a blusa fininha por um casaco de
moletom mais feio, só que mais quentinho e confortável para o fim de tarde gelado. Não tinha a
menor pretensão de ficar me arrumando toda. Não havia nenhum futuro pretendente disponível
por ali.
E o Bruno Ferraz?!
Hahaha... Só rindo de você, consciência. Até parece que o cara que pode ficar com todas
as modelos e atrizes tão famosas quanto ele, vai olhar para uma pirralha, normal como eu. Não
adianta nem mesmo fazer um investimento. Além de ser famoso, ele é muito mais velho. Vinte e
um anos. Mamãe me mata!
Dona Regina nos meus pensamentos novamente. Ê, ê!!
Camilinha, lerdinha do meu coração, você já parou para pensar que foi exatamente essa
idade que o seu goiano inesquecível, dono das estrelas mais lindas do céu, fez no último dia 16?
Um gelo tomou conta da minha barriga. Claro que tinha pensado no Leandro – meu
inesquecível amor de verão - durante todo o dia do aniversário dele, mas em momento algum me
preocupei com a idade. Como no último verão havia acabado de completar quinze anos e ele
ainda não tinha feito vinte, a diferença era apenas grande. Mas era incrível o que o dia do
aniversário fazia. Causava uma verdadeira distância entre a gente. Um abismo de tempo. Cinco
anos de diferença.
Ainda bem que mamãe não pensou nisso antes. Caso contrário, ela me mataria.
Sacudi a cabeça para mandar aqueles pensamentos para longe. Olhei a minha aparência
no espelho e fiquei em dúvida se continuava ou não com aquele casaco delicioso e desarrumado.
Era cinza, com três letras enormes estampadas em azul e um capuz pendurado na cabeça. Antes
que pudesse pensar melhor sobre aquilo, Bruno bateu na porta.
Já era. Se as chances de conquista eram mínimas, agora estão zeradas!
Tchau, consciência!
Camila, você não é mais a mesma! Será que vai investir em uma blusinha do Chaves?
Pega emprestada com a Juliana aquela do “foi sem querer querendo”. Vai combinar
perfeitamente com essa sua nova ideia de moda.
Parei no meio do caminho, quando estava quase com a mão na maçaneta.
Sério! Nossa consciência pode ser cruel. E a bipolaridade dos hormônios da adolescência
estava me deixando louca. Pensei na roupa da Juliana que tanto critiquei no último verão. Estava
indo por aquele caminho? De cara limpa, sem nenhuma maquiagem, com um casaco gigante e
sem-graça estava dando um tapa na cara da moda? Logo eu, que sempre gostei de me arrumar? E
logo agora, que estava na companhia de um ator gatíssimo e muito simpático como o Bruno
Ferraz?
- Camila? – Gritou do lado de fora.
- Já vou – respondi.
O que fazer?!
Abri a porta.
Ai.
- Menina esperta! Ia mesmo falar para pegar um casaco, pois já está fazendo o maior frio
aqui fora. O sol está bem fraquinho.
- Pois é! Será que é muito ruim sair do quarto com esse moletom? – Perguntei totalmente
envergonhada. - Sei que não é a coisa mais bonita do mundo, mas é tão gostosinho e como
vamos ficar por aqui, pensei que não teria muito problema.
- Problema? – Franziu a testa sem entender. - O problema seria se você não fosse vestida
assim. Quer virar pinguim? Esse casaco está ótimo. Parece ser quente e vai te aquecer. Também
trouxe o meu e já vou vestir – apontou para a cintura e vi um moletom amarrado. – Vamos?
Trouxe lanches.
Caminhamos até o lago que ficava bem próximo ao meu chalé. Havia um deck bem no
meio e resolvemos sentar ali, com as pernas penduradas, mas sem encostar os pés na água.
- Perfeito para o momento, não acha? – perguntou enquanto se acomodava.
Encarei o Bruno sem entender direito o que ele queria dizer com aquilo.
Dei de ombros.
- Para uma história de amor – explicou.
Arregalei os olhos com aquela declaração e senti uma descarga de adrenalina passando
por todo o meu corpo.
Bruno riu.
- Não é sobre isso que vamos conversar? – Continuou. – É um ótimo cenário para
estimular suas lembranças e para que me conte a sua melhor história.
Senti uma onda de decepção e o meu corpo inteiro murchar. Não que estivesse
interessada no Bruno. Havia aprendido a ser realista e a não conservar desejos platônicos. Mas
por alguns instantes, senti uma fagulha acender com a possibilidade de um interesse. A água fria
que veio em seguida apagou qualquer faísca que pudesse ter começado a queimar.
- Hum... Como te disse antes, não tenho histórias muito interessantes. Vou pensar em
alguma legal – respirei fundo sentindo o ar gelado e observei o cenário que nos encontrávamos.
Verde, muito verde por todos os lados. Um lago escuro, com canoas presas por cordas em
uns tocos, prontas para serem usadas pelos hóspedes. Silêncio e mais nada nem ninguém por
perto. Realmente aquele lugar inspirava o romance. Fechei os olhos e, ainda inspirada pela
minha redação, voltei um ano na minha máquina do tempo. A presença do Leandro e aquelas
lembranças foram tão fortes que, quando abri os olhos, cheguei a ficar tonta.
Bruno estava me observando e não ficou nem um pouco constrangido quando nossos
olhares se cruzaram.
- É exatamente sobre essa história que quero saber – disse depois de um breve período de
silêncio. Em seguida, ergueu um copo metálico e um pacotinho para mim. – Para te inspirar
ainda mais, trouxe um chocolate quente e esses pães de queijo. Melhor beber logo, pois com o
frio que está, nem esse copo térmico vai conseguir manter a temperatura do leite por muito
tempo.
Agradeci. Dei um gole no chocolate e senti todo o meu corpo ficar aquecido. Deitei no
deck, minhas pernas continuaram para fora, penduradas. Tornei a fechar os olhos.
Bruno percebeu que precisava daquele silêncio e não falou nada. Viajei por lembranças
que estavam escondidas em gavetinhas fechadas da minha memória. Respirei mais uma vez
profundamente, mas já não senti o frio daquele outono. O aroma era do verão e daquele perfume
que me enfeitiçou. Pensei na Juliana e na Gisela. No Cristiano, no Tadeu e, é claro, no Leandro.
Tremi quando revivi aquele abraço apertado e o beijo intenso.
- Ah, Bruno! Não sei como posso começar a contar – abri os olhos e percebi que ele
continuava a me observar. Corei.
- Não precisa ficar com vergonha, jornalista. Vamos lá! Conte-me tudo e não esconda
nada – sorriu. – É só começar pelo início.
- Minhas histórias não têm tanta emoção, mas se ainda assim quer ouvir, vou contar. Se
ficar com sono, pode me interromper sem se preocupar.
- Camila, Camila! Para de esconder o jogo e abre logo o seu coração – piscou com um
sorriso perfeito.
Comecei a contar sobre aquele verão.
Capítulo 7– Ah, o verão!

Rafael foi o ponto de partida da história. Não escondi nada e soltei o verbo, deixei
escapar todos os micos que paguei quando ficava parada na frente da sala dele ou quando me
escondia atrás das pilastras da escola para tirar fotos. Também confessei que, apesar de todas as
minhas tentativas de chamar atenção, nunca fui notada.
- Ah, duvido – disse Bruno.
- Juro! E o pior você não sabe.
- O quê? – Perguntou e fez cara de curioso.
- Ele está aqui.
- O Rafael? – Arqueou a sobrancelha tentando entender aquela informação.
- Aham. No nosso curso.
- Ah, é o que quer ser jornalista esportivo? O surfista? – Lembrou no mesmo instante.
- Ele mesmo – confirmei.
- Você sabia que ele ia fazer o curso? – Perguntou desconfiado.
Depois de tudo que contei era mais do que normal o Bruno achar que eu só estava ali por
causa do Rafa.
- Não, claro que não. Na verdade, nem ele sabia que ia vir para cá.
- Como assim? – Bruno estava totalmente confuso.
- O outro menino, o Bernardo, é namorado da minha melhor amiga e quando ela contou
para ele que eu estava amando Campos do Jordão e o curso de redação, ele foi pesquisar na
internet e acabou se interessando. Ligou para o Rafael, que também se animou, fizeram a
inscrição e pegaram a estrada ontem mesmo.
- E como você sabe de tudo isso? Não vi você falando com eles.
Bruno estava me observando?
Hummmmmmmm...
- Encontrei na hora do café da manhã. O Bernardo me contou tudo isso enquanto o Rafael
fez questão de ignorar a minha presença – comentei ainda ressentida.
- Hum... Então, tem mais história com o Rafael? – perguntou querendo entender melhor
todo o drama.
- Claro – confirmei. - Já cansou de ouvir?
- Não, jornalista! Achei que aquela era uma introdução para depois seguir para outro
amor. De olhos fechados você parecia relembrar uma coisa muito mais profunda do que um amor
platônico. Mas se tem mais, estou curioso para saber como a fantasia virou realidade e,
principalmente, o que levou o Rafael a não olhar mais para você.
- Nossa! Até isso acontecer tem é história para rolar.
- A senhorita é um perigo – brincou. – Continua a me contar, estou cada vez mais
interessado.
Segui falando sobre as férias e o desespero de ser obrigada a viajar com os amigos dos
meus pais para um lugar que não conhecia ninguém, longe do Rafael e com a Juliana, que
naquela época não chegava nem perto de ser uma boa amiga. Expliquei todo o drama pré-viagem
até o telefonema da Dani contando que o Rafa e a Patrícia tinham ficado.
- Putz! Mas foi vacilo dessa sua amiga também, hein? A menina ficou com ele mesmo
sabendo que você era apaixonada?
Bem diferente daquela ocasião, a raiva já não me consumia com aquela história. Defendi
a Pati e continuei a contar sobre como as coisas se desenrolaram. Bruno chorou de rir quando
mencionei as blusas da Juliana e o meu desespero para arrumá-la melhor.
- Falei, falei, falei e hoje estou vestida tão feia ou até pior – lamentei e apontei para a
minha roupa.
- Ah, fala sério, Mila! Você é linda.
Dei uma gargalhada e senti um friozinho no estômago.
- Não estou brincando. Você queria estar neste deck, com um casaco de couro e bota de
cano longo? Para de bobeira. Está vestida perfeitamente bem para a ocasião e seu casaco não tem
nada de anormal.
- Obrigada! Estou extremamente sensual com ele, não é mesmo? – Debochei.
- Ué, mas você queria estar sensual? – Sorriu com o canto da boca.
Bravo, Camila! Perfeita a sua colocação.
E agora? Que resposta dar?
- Você entendeu o que quis dizer. Esse casaco não tem nada de bonito e me deixa
esquisita. Para uma pessoa que se importava tanto em arrumar a “menina-monstro” – fiz as aspas
com os dedos, pois odeio pensar que já dei esse apelido para a fofa da Ju –, usar esse tipo de
roupa é bem estranho. É quase um pedido para que alguém se sinta obrigado a realizar a tarefa de
me arrumar também.
- Não entendo. Se o casaco te incomoda tanto, porque está vestida com ele ou mais
importante ainda, por que o trouxe para a viagem?
- Porque desde aquele verão mudei um pouquinho as minhas prioridades. A aparência já
não é tão importante para mim. Descobri na Juliana uma pessoa muito legal, que não seria
diferente se continuasse usando as roupas que gostava. E antes dessa descoberta, não costumava
ser muito receptiva a fazer amizade com pessoas diferentes de mim. Só que em alguns
momentos, a antiga Camila ainda perturba a minha cabeça – olhei na direção daqueles olhos
azuis. – Pode dizer: Muita futilidade para uma pessoa só, né?
- Ah, Mila! Acho que isso é coisa da idade. Olha só, você continua sendo a mesma
pessoa, mas está pensando completamente diferente. Amadureceu e aprendeu. Todo mundo tem
o seu momento fútil na vida. Confesso que amadureci cedo e você já sabe um pouco da minha
história. Não foi fácil, mas me virei e hoje, com vinte e um, sei que sou uma pessoa melhor e
com uma cabeça boa, sou mais maduro do que muito cara mais marmanjo – coçou a cabeça. –
Mas não vamos perder o rumo da conversa. Você é o foco e o seu coração é o alvo da minha
pesquisa – deu uma gargalhada e ficou de pé. Estendeu a mão para mim.
- Quer ir embora? – Levantei.
- Claro que não. Estou longe de ter o meu trabalho pronto. Só que está ficando muito frio.
Vamos para o seu chalé.
- Para o meu chalé?!
Ele estava achando que estava acostumada a ter garotos na minha casa – pior! - no meu
quarto?
- Algum problema? – Estranhou.
- Minha mãe.
Camila e sua boca grande atacam novamente.
Morre de vergonha, Camila! Morre! Mergulha essa cabeça na água gelada desse lago
para ver se essa língua deixa de ser tão tagarela e para de falar tudo o que chega à ponta dela.
- Sua mãe? – Ergueu as sobrancelhas. – Ela está aqui?
- Não – tratei logo de corrigir. - Mas ela me mataria se soubesse que um menino entrou
no meu quarto.
Bruno sorriu.
- Se a gente não entrar no chalé, vamos congelar. Pode ficar tranquila que eu não vou te
agarrar.
Ah, que pena!
Camila, Camila!
Grhhhh! Consciência de TPM eterna, bipolar, chata pra caramba!
- Tá. Vem!
- Ah, só para você saber e espero que não me odeie depois disso, tenho uma camisa com
a estampa “Bazinga”, do meu seriado favorito – revelou e começamos a rir.
Durante o caminho, pensei no que mamãe ia falar sobre o que estava prestes a acontecer.
Resolvi tirar aquele pensamento da cabeça. Abri a porta e enquanto sentava no sofá, Bruno foi
ligar o aquecedor. Depois, resolveu se acomodar na mesinha que ficava entre o quarto e o lugar
que estava sentada.
- Fica melhor para anotar o que achar importante – explicou a escolha.
- Então se prepare, pois agora vem a melhor parte da história.
- Hum... É agora que o príncipe vira sapo? – Deu um sorriso iluminado na minha direção.
– Conseguiu fazer com que o platônico virasse real?
- Não! Conheci outra pessoa.
Percebi o olhar atento do Bruno e continuei a história. Contei sobre a primeira vez que vi
o Leandro e tudo o que aconteceu na sequência. Rimos quando minha mãe foi o alvo da conversa
e não ouvi nem um pio quando contei sobre o jogo da verdade e o céu estrelado.
- Gostei dessa ideia de jogo da verdade – fez uma anotação. - E mesmo depois de todo o
investimento do cara, você não ficou com ele?
- Estava preocupada com a minha mãe. Não queria arrumar encrenca.
- Quando tiver uma filha, quero que seja obediente como você.
Não pude deixar de rir.
– Mas não foge do assunto. Leandro, Rafael... Quem ganhou o beijo? – Voltou ao tema
principal da conversa.
- Brincamos de jogo da verdade mais uma vez e não consegui mais resistir ao Leandro.
Bruno aproveitou para fazer mais algumas anotações. Continuei contando sobre a
brincadeira com todos os amigos e tudo o que aconteceu depois. Reviver aqueles momentos era
muito gostoso. Um filme passava na minha cabeça e era como se pudesse estar em Búzios mais
uma vez. Com a tagarelice da minha boca, Bruno acabou descobrindo que o Leandro foi a
primeira pessoa a despertar algumas coisas diferentes em mim.
- Ah, espertinha! Esses beijos mais intensos são os melhores. E essa fase de descobertas é
ainda mais especial.
- Ei, não entenda errado! Não descobri nada – levantei a mão exageradamente, para
reforçar a minha defesa.
- Não se preocupa, jornalista! Não vou pensar nada “errado” de você – fez aspas com as
mãos. - Sei perfeitamente como são essas coisas e confesso que achei bacana a atitude do
Leandro de conversar abertamente sobre isso. Não são todos os caras de dezenove anos que
agem assim, alguns nem mesmo respeitariam certos limites.
- É verdade – suspirei e continuei a história até o dia da despedida.
Senti meus olhos ficarem marejados e me calei.
- Esse Rafael é o típico cara que só dá valor depois que perde, né? E o que aconteceu
entre você e o Leandro? Voltaram a se encontrar?
- Continuamos a conversar pela internet e telefone nos meses seguintes. Mas aquilo não
durou. Era horrível ver as fotos do Leandro em festas, bares, sempre cheio de amigas. É claro
que sabia que a vida estava seguindo seu rumo e que não havia a possibilidade de acontecer um
namoro tão distante. Por isso, cortei relações e nem sei se ele chegou a perceber – lamentei.
- Como assim?
- Já não nos falávamos mais com frequência. Não fiz nenhum tipo de despedida. Apenas
excluí o Leandro da minha lista de contatos do celular e do Facebook e procurei esquecer. Queria
lembrar apenas que o verão havia sido perfeito e que outras estações estavam por vir. Se ficasse
com ele entre os meus contatos, acabaria caindo em tentação. Não queria mais correr atrás,
mandar mensagens ou ficar vendo quando tinha sido a última vez que ele havia ficado online.
- Foi aí que o Rafael voltou a aparecer?
- Não. Foi tudo muito estranho.
- O que aconteceu?
- Quando as aulas voltaram, eu ainda era louca pelo Leandro. Tinha certeza que ele sentia
o mesmo por mim, pois tudo o que vivemos foi bem intenso, mesmo com o pouco tempo. Nas
férias, conversamos muito pela internet. Todo dia a gente se falava pelo Skype, trocávamos
recadinhos pelo Whatsapp. Ele sempre perguntava sobre a situação com o Rafael e eu dizia a
verdade, que não rolava nada e que nem tinha encontrado ele desde Búzios.
- Não encontrou mesmo? – Perguntou com um tom de dúvida na voz.
- Evitava sair com a Dani quando o Bernardo também ia, pois ficava com medo daquele
encontro. Quando as aulas voltaram, aconteceu a mesma coisa. Eu nem passava o recreio com as
meninas. Ficava na sala, falando com ele pelo Whatsapp e quando batia o sinal, corria para casa
para entrar na internet e pegar o Leandro conectado antes da faculdade. Era o meu vício.
- Mas ainda não entendi. O que aconteceu com o Rafael pra ele nem falar mais com você
depois de tudo isso? – Bruno esqueceu o caderno, apoiou os dois braços nos joelhos como se
estivesse interessadíssimo naquele assunto.
- Sei lá – suspirei. – Depois de algumas semanas de aula, Leandro começou a sumir,
nossos horários passaram a não bater mais e ele dizia que eu tinha que aproveitar a escola, as
minhas amigas e o Rio de Janeiro. Disse que não queria que eu ficasse trancada em casa, na
internet, esperando o momento de falar com ele.
Bruno concordou lentamente com a cabeça.
- Gosto desse cara – comentou como se fosse um irmão mais velho aprovando o
namorado da irmã.
Revirei os olhos.
- Quando voltei para a minha rotina normal de aula, passando recreio com as meninas,
ficando na escola depois que as aulas acabavam para poder fofocar mais... O Rafael já não
olhava mais para mim.
- Talvez, tenha sido porque ele imaginou que depois de Búzios vocês acabariam ficando
– ponderou Bruno.
- Mas a gente nem se encontrou. Evitei isso – dei de ombros.
- Ele pode ter percebido e acabou ficando com raiva.
- Será? – perguntei com uma pontinha de dúvida. – Não sei se o Rafa me daria tanta
moral assim.
- Bom, acho que isso tem cara de ciúme e ressentimento por você não ter dado mais bola
para ele. Mas também acredito que tudo na vida pode ser arrumado. Vocês estão aqui, em
Campos do Jordão, fazendo o mesmo curso e no mesmo hotel. Quem sabe não seja a hora de um
acerto de contas?
- Não temos nada para acertar e já nem estudamos mais na mesma escola. O Rafael é
passado. Na verdade, ele nunca foi nada além de um amor platônico – encerrei o assunto.
Vendo que eu estava começando a me irritar, Bruno levantou a mão pedindo que
esperasse. Entrou no meu quarto como se fosse dele e pegou o telefone. Não consegui ouvir o
que estava fazendo.
- Pedi comida – voltou sorrindo. – Não está com fome?
Somente naquele momento percebi que muito tempo havia passado e que realmente a
minha barriga estava roncando. Olhei para o relógio e me espantei quando vi que já marcava
nove horas.
- Caramba! Melhor correr com isso. Você não vai conseguir acabar o seu trabalho para
amanhã – alertei com o olho arregalado de preocupação.
- Claro que vou. Já estou rascunhando o meu roteiro. Quer dizer, rascunhando não, ele já
está basicamente pronto. Acho que vou entregar assim mesmo – sacudiu duas folhas totalmente
preenchidas.
- Já acabou? – Abri a boca como se estivesse surpresa, para mostrar que estava
impressionada com a habilidade dele.
- Você foi uma ótima ajudante. Já tenho uma boa história de amor aqui e olha que é
intensa, hein? – Brincou.
- Quero ler – pedi.
- Claro que não. Quem sabe no final do curso? – fechou o caderno e tirou toda a minha
esperança.
Não tive tempo de reclamar, pois o telefone começou a tocar. Pedi silêncio absoluto. Se
fosse minha mãe e se ela escutasse a voz de um garoto no meu quarto... Nem sei o que
aconteceria comigo!
Corri até o aparelho, atendi o telefone torcendo para que ela não me enchesse de
perguntas e para que o Bruno não conseguisse ouvir as minhas respostas.
Para o meu alívio, mamãe não estava inspirada. Ficou feliz de me encontrar no quarto.
Por isso, quase não demorou. Queria me desejar boa noite e pediu para que a mantivesse
informada das novidades.
Por mais que implicasse com o jeito controlador, a saudade era cada vez maior. Era a
primeira vez que ficava sem ela e sabia que ainda teria muitos dias pela frente.
- Estava aqui pensando em como as coisas são engraçadas – disse Bruno assim que voltei
para a salinha do chalé.
- Que coisas? A minha história? – Perguntei preocupada.
- Claro que não, jornalista! Estou falando das situações que passamos. Olha só, nos
conhecemos ontem, mas parece que somos amigos desde sempre.
Ohmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm!!!!!
- É verdade – também tive aquela sensação. Mas já “o conhecia” da TV. Gostei de saber
que ele estava se sentindo bem comigo. E aquela coisa toda de “amiga de uma celebridade”, já
não parecia mais tão importante. O Bruno era uma pessoa normal e muito legal.
- Qual é o seu nome todo? – Perguntou enquanto mexia no celular.
- Camila Garcia – respondi sem entender o motivo do interesse.
- Vou te adicionar no Facebook.
Oba!!!
Peguei meu laptop, coloquei na mesinha e entrei na internet para aceitar o pedido. Vi que
as meninas já tinham escrito para mim e morri de medo de terem perguntado alguma coisa sobre
o Bruno.
Passei rápido o olho pelas mensagens, mas só pediam para que eu entrasse no bate-papo.
Ufa!
- Nossa! Você é popular, hein?
Olhei para ele sem entender o motivo do comentário.
- Em menos de um minuto suas amigas já estão curtindo o que escrevi para você –
explicou.
Atualizei a página e levei um susto.
Bruno F.: Agora também somos amigos virtualmente! ;)
7 pessoas clicaram em curtir.
Meu Deus!! Minhas amigas precisavam fazer tanto alarde?
Depois de mais alguns minutos, a plaquinha vermelha anunciou que havia recebido
recados.
Cinco novos comentários:
Danizinha: OMG!! Não acreditoooooo!! Agora são amigos também no Facebook?
Divide essa amizade aí, Mila! Ps: Oi, Bruno! Ps2: Quer fazer o favor de responder o Whatsapp,
Camila Garcia!! Você me deixou preocupada. Ps3: Cuida bem do meu amor aí, hein? Tem
muita mulher nesse curso?
Bernardo Souza: Aff! Dani, sempre que a Camila viaja você fica com essa empolgação
enorme. Sossega, amor! E não tem nenhuma mulher aqui no curso além da sua amiga. Mila,
você precisa dar um jeito na Dani. Ps: Em que lugar você se esconde? Já terminou seu
trabalho? Estamos tocando um violão e conversando aqui na varanda. Tentei te achar, mas não
te encontrei. Chega aí!
Gisela: Ui, ui, ui!!! Mila, na próxima viagem não deixo você ir sozinha! Ô garotinha de
sorte!
Regina: Camila, por que as meninas estão eufóricas com essa amizade? Como ela
surgiu? Esse não é aquele menino da novela? Quer me dar uma explicação? E que história é
essa de que só tem você de mulher nesse curso? Não estou gostando nada dessa informação,
Camila! E vai dormir. Nada de “chega aí” na varanda do Bernardo. Tô de olho!!
Danizinha: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!!!!!! Ai, tia! Você é demais!
Kkkkkkkkkkkkkkkk... Te amo, Bê! Amiga, fica de olho nele, hein?
Bernardo Souza: kkkkkkk. Tia Regina, não precisa se preocupar! A Mila é uma menina
muito comportada e obediente.
Queria morrer de tanta vergonha com todas aquelas mensagens. Bruno estava dando uma
enorme gargalhada enquanto provavelmente lia cada uma delas.
- Aff – resmunguei e esperei pacientemente a crise de riso do meu novo amigo acabar.
Quando ia desligar o computador para não sofrer com mais comentários ridículos na
minha página, reparei que havia uma mensagem privada. Abri para ver de quem era.
Uma Nova Mensagem:
Juliana: Oi, amiga!
Que legal isso, hein? Amiga do Bruno Ferraz!! Imagino como você está desesperada
com as mensagens nessa atualização. Não fica brava comigo, mas tive que rir! Estão hilárias!!
Estava louca para te contar uma novidade. Ainda não contei para mais ninguém. Fico
com medo de me julgarem ou de ficarem fazendo perguntas que não vou ter respostas. Mas sei
que para você eu posso contar. E mais ainda, me sinto na obrigação de contar.
Sei que fizemos a promessa de excluir os meninos das nossas redes sociais para não
ficarmos sofrendo com fotos, recados e atualizações. Estava fiel ao que prometemos e não visitei
nenhuma vez o perfil do Cris. Mas você acredita que depois de tanto tempo recebi uma
mensagem dele? Não era nada importante. Só dizia que pensou em mim e que sentiu saudades
daquele verão. Perguntou como estávamos, disse que também sentia saudades de você e da Gi.
Isso aconteceu antes de você viajar, mas eu não sabia como contar. Desculpaaaaaaaa!!
Estava decidindo se apagava a mensagem e fingia que ela nunca existiu, mas já se passaram
duas semanas e eu não consigo esquecer.
Confesso que fiquei bem balançada e não sei o que fazer! Ainda não respondi, mas estou
com vontade de fazer isso. Você ficaria chateada? E o que será que a Gi vai pensar? Sei que
está vivendo uma nova história e um momento completamente diferente agora, mas queria
compartilhar esse segredo com você.
Te adoro!!! Aproveita tudo por aí e se puder, me ajuda com conselhos! Você é muito boa
nisso e desde que nos conhecemos sempre me deu os melhores. Beijos
- Ei, o que foi? Alguma notícia ruim? – Quis saber Bruno depois de todo o meu silêncio.
- Não! Estava lendo uma mensagem da Juliana. Ela estava me pedindo um conselho.
- De moda? – Brincou ao associar o nome dela a tudo o que havia contado para ele. –
Quer que eu tire uma foto sua para que ela veja o casaco que está usando neste momento? –
Implicou.
Arregalei os olhos e abri a boca fingindo estar indignada com aquela insinuação.
- Brincadeira, jornalista – fez uma careta e tacou a almofada pequena em mim.
- Mereço! De um lado, você implica comigo e na internet, as minhas amigas me
envergonham com esses comentários na atualização da nossa amizade.
- Ah, para de bobeira! É normal as pessoas se surpreenderem assim. Você não engasgou
na entrada da sala quando me viu?
Não acredito! Não acredito! Não acredito!
No lugar de Mila, meu nome tinha que ser Mico. Prazer, Camico!
Percebendo meu embaraço, Bruno deu mais uma gargalhada e levantou no instante
seguinte, quando alguém bateu na porta. Antes de abrir, parou atrás da minha cadeira e
massageou rapidamente os meus ombros.
- Deixa de ser boba, jornalista! Estamos construindo uma amizade e não podemos ficar
com vergonha sem motivo – deu mais um apertão nas minhas costas e foi pegar nossa comida
com o rapaz do restaurante.
Um cheirinho maravilhoso invadiu o ambiente e fez com que a minha barriga roncasse
com força total. Era um aroma delicioso de alguma coisa que não consegui identificar.
- Leva o laptop para outro lugar – pediu enquanto equilibrava as caixas.
Obedeci rapidamente. Levei meu computador para a cama e em segundos já estava de
volta. Contemplei uma macarronada linda e duas sobremesas de chocolate.
- Hummmmmm...!!! – Senti a boca salivar.
Sério! Do jeito que amo massa, tinha que ser italiana!
Ou obesa.
- Gostou? – Perguntou puxando a cadeira para mim.
- Muito – agradeci e ele sentou na minha frente.
Enquanto comíamos, Bruno me contou um pouco sobre o mundo da fama. Fiquei
surpresa ao saber que nem tudo era fácil. Imaginava muito mais glamour nessa profissão. Mas
descobri que os horários são complicados, alguns trabalhos também. E me surpreendi quando ele
revelou sobre os egos inflados, as competições que rolam entre alguns “colegas” de trabalho e
outras coisas nada divertidas.
- Credo! Pensei que era uma vida mais fácil!
- Não é mais fácil, mas também passa longe de ser a mais difícil. Existem inúmeras
vantagens e muitos acontecimentos bons. Mas o que sempre mantive na cabeça foi a consciência
de que não poderia me deslumbrar. Isso é complicado, ainda mais para quem é novo. São muitas
tentações, um mundo cheio de portas abertas, muitas oportunidades que aparecem, inúmeros
convites para festas, eventos...
- E mulheres, né?! – Completei com ironia.
- É verdade, mas vou confessar uma coisa... Isso é bem legal no início, só que cansa.
Acaba com a graça da conquista. Você chega a um lugar e as mulheres, até mesmo as mais gatas,
já estão te olhando, te encarando. É tudo muito fácil. Não vou ser hipócrita de dizer que isso é
ruim. É o que a maioria das pessoas deseja, só que perde a graça com o passar do tempo. Sinto
falta de ser anônimo em uma festa, de descobrir se uma menina que gostei, realmente se
interessou por mim ou pela minha fama – bebeu um gole do refrigerante. – É aquela velha
história, né? Tudo tem o lado bom e o lado ruim.
- Pois é.
Comi um pedaço da tortinha de chocolate e a minha cabeça voou para tudo o que o Bruno
havia acabado de dizer. Nunca parei para pensar que todo mundo precisa enfrentar problemas,
por melhor que a vida possa parecer.
- E além de tudo, ainda tem os fotógrafos que não saem do pé. Você vai à praia, ao
cinema, ao teatro e lá estão eles. Sempre aparece um flash pelo lugar que passa. Zero de
privacidade.
- Isso deve ser chato pra caramba!
- Com certeza. Por isso estou me sentindo tão bem aqui. Vim três dias antes do curso,
queria descansar. A última novela foi cansativa, com gravações em todos os horários. Em alguns
dias, precisei até mesmo acordar de madrugada para fazer cenas na praia. É complicado –
desabafou.
Suspirei.
- E não pensa que a sua vida vai ser moleza não, hein? Jornalista rala pra caramba. Ainda
mais para fazer o que você quer. Vai passar muitos dias fora de casa, se é que vai conseguir ter
uma casa fixa em algum lugar. Esqueça Natal e Ano Novo com a família e saiba que também vai
ser complicada a questão do coração.
- Está querendo que eu desista? – Perguntei sentindo meu sangue circular mais rápido
com todas aquelas informações.
- Claro que não. Só estou mostrando os fatos. Você precisa olhar os dois lados. Sempre.
Nem tudo vai ser um mar de rosas ou um inferno total 24 horas por dia. Mas pelo pouco que
observei e que me contou, acho que vai se dar bem e vai deixar corações partidos ao redor do
mundo – juntou as caixas vazias e foi procurar o lixo.
Continuei imóvel, refletindo. Nunca havia pensado no que deixaria para trás, apenas
sonhava com o que queria ver e conhecer. Realmente seria difícil ter um relacionamento estável
se vivesse viajando. Mas sempre sonhei em construir uma família. O que iria fazer?
- Mila, acho que falei demais e coloquei uma pulga atrás da sua orelha, né?
- Não falou demais. Só disse uma verdade que nunca havia parado para pensar.
- Você não deve se preocupar com isso. Olha a sua idade! Dezesseis anos! Vai ter muito
tempo para arrumar suas malas, rodar o mundo e ainda assim conhecer alguém especial, viajar
menos e continuar construindo os seus sonhos. Quando achar o cara certo, pode ter certeza que
ele vai apostar em você e te acompanhar sempre que for possível. Mas nesse momento você
precisa perseguir aquilo que quer, pois tudo vai se ajeitar – fez um carinho na minha bochecha e
olhou o relógio. – Acho que está na hora de dormir. Você deve fazer o mesmo. Daqui a pouco
vamos ter a terceira aula e mais surpresas do professor.
- Daqui a pouco? Que horas são? – Fiquei surpresa.
- Quase uma.
- Meu Deus!! Foi tão bom conversar com você, que o tempo passou voando.
- É verdade. Não parece mesmo que nos conhecemos ontem e nem que você tem apenas
dezesseis anos – sorriu. - Vou correndo para não virar pinguim. Deve estar um gelo do lado de
fora. Boa noite, jornalista! Vai dormir e não fica com minhocas na cabeça. Tudo vai dar certo –
abriu a porta e disparou pelas ruas do hotel.
Fiquei observando Bruno correr e quando ia entrar, ouvi baixinho o som de um violão.
Olhei para o lado e percebi que o chalé mais próximo ao meu estava com a luz da varanda acesa.
Pelo som que saía de lá, imaginei de quem eram as duas sombras. Cheguei um pouco mais para
fora para dar uma espiada e notei que um deles olhava na minha direção. Com o coração
acelerado, dei meia volta e entrei o mais rápido que consegui no meu chalé.
Capítulo 8 – Antes do Amanhecer

Minhocas na cabeça – madrugada de 25 de março


O relógio corre e não consigo dormir. Já rolei de um lado para o outro e a cada virada
um novo pensamento se instala na minha cabeça. O que falei no post anterior é a mais pura
verdade! Em apenas três dias de viagem, vivi meses ou até mesmo anos.
Não que tenha feito um milhão de coisas. Mas conversar com alguém tão diferente de
mim expandiu meus horizontes.
Relembrei o meu último verão e senti uma saudade imensa daquele calor e das sensações
que nunca mais voltei a sentir igual. Desde que deitei, não consigo mais tirar da cabeça o filme
“Antes do Amanhecer”. Não que tenha alguma pretensão de encontrar aquele amor mais uma
vez. Mas fiquei pensando em como as pessoas vivem se esbarrando por aí, cruzando seus
caminhos, trocando histórias e simplesmente indo embora em um curto espaço de tempo.
Não consigo imaginar uma maneira de apagar da memória as marcas deixadas por
aqueles que passam por nossas vidas. Elas são eternas. Por menor que tenha sido o tempo
vivido com aquela pessoa ou naquele lugar, se teve alguma importância, se acrescentou alguma
coisa, as lembranças duram para sempre. E isso não precisa nem mesmo acontecer depois de
um beijo. Essas trocas podem ser como as de hoje, com um novo amigo.
Conversar, descobrir, conhecer...
Fico com uma sensação de preenchimento. É como se a cada nova conversa o meu corpo
se renovasse. E isso é tão gostoso! Tentei dormir, mas estou me sentindo tão repleta que precisei
vir transbordar um pouco, deixar as palavras escaparem, compartilhar um pedaço de mim com
quem quer que seja ou até mesmo com ninguém.
Confesso que pensar no lado negativo da minha futura profissão – Sim! Nada é
perfeito... – me deixou um pouco apreensiva. Mas como já diz aquela música “Cada escolha
uma renúncia, isso é a vida!”, preciso aprender a lidar com a saudade. Pois já fiz a minha
escolha: Quero viver com a mala nas mãos e um tênis nos pés. Talvez, o verão tenha sido a
primeira lição de muitas que ainda vou ter por aí.
Apesar da falta que a minha família vai fazer, sinto que preciso explorar e contar o que
vi. Necessito de culturas, pessoas, vivências. E apesar das despedidas, sempre vai existir o
reencontro. Ou as memórias e a saudade.
O mundo me espera e vou desbravar tudo o que puder.

Respirei fundo e publiquei mais aquele “desabafo” no meu blog. Aproveitei a solidão e a
falta de sono para entrar no Facebook e responder a mensagem da Juliana.

Mila Garcia: Ei, Ju!!


Que surpresa, hein? O Cristiano ressurgindo das cinzas? Acho que você deve fazer o que
tem vontade. O grande problema de ficar em contato com ele é a distância. Infelizmente, isso
não vai mudar. A não ser que esteja pensando em ir para Goiânia ou o Cris para o Rio. Você
precisa avaliar o que pode acontecer com as trocas de mensagens. Não vale a pena se elas
forem te fazer sofrer ou ficar com a cabeça em um lugar que não pode estar. Já é difícil sem
falar, imagina mantendo contato.
Aqueles garotos roubaram nossos corações, né? Ai, ai! Por que não aparecem uns
cariocas tão fofos quanto eles? Quero saber a sua decisão e o que vai rolar, hein? Só não
pergunta do Leandro e nem me passa informações. Não quero ter esperanças pelo que não pode
ser.
O Bruno é um gato! E você não imagina como ele é atencioso, gente boa... Socorro!! No
início, confesso que fiquei louca por estar falando com um ator mega famoso. Mas depois de
passar esses dois dias com ele, aquela euforia de fã já está dando lugar a um sentimento de
carinho. Ele deve ser um amigo incrível e acho que vou descobrir cada vez mais esse lado dele.
Ok. Não vou te enganar. É claro que não recusaria um beijinho do Bruno. Quem teria
coragem de negar uma coisa dessa? Mas acho que não sou uma pretendente. Além de pirralha,
não faço parte desse meio das celebridades. Pensando bem, acho que não pertencer ao mundo
dos famosos não seria um problema, mas a idade provavelmente sim. Ele até mesmo disse com
todas as letras “não vou te agarrar!” ou seja, sem chances. =(
Acontece, né?! Preciso entender que não vou encontrar um príncipe em cada viagem que
fizer. Se minha mãe estivesse lendo isso, ela falaria: Se beijar na boca de alguém em todos os
lugares que viajar, não vai conhecer um príncipe, mas vai pegar sapinhos. Kkkkkkkkkkkkk...
Por falar em sapo...
A Dani te contou que o Rafael está aqui com o Bernardo? Quase deixei o meu café da
manhã inteiro cair quando dei de cara com os dois. Fiquei p da vida com a Dani, pois ela não
teve nem o trabalho de me avisar.
O pior você não sabe! Bruno veio fazer o trabalho dele no meu chalé – ele quis saber
sobre o Leandro!!!! Fazia parte do exercício, descobrir a história de amor de um dos
participantes –, ficamos conversando, pedimos comida e jantamos aqui.
DÁ PARA ACREDITAR EM TUDO ISSO?! BRUNO FERRAZ NO MEU CHALÉ!!!
Ok. Fim do surto!
Quando ele foi embora – quase uma hora da manhã!!!!!! -, percebi que o Rafa e o Bê
estavam no chalé ao lado do meu. Mesmo com todo o frio, os dois malucos decidiram tocar
violão na varanda e para o meu completo azar, tenho quase certeza que o Rafa viu o Bruno
saindo. Imagina o que eles estão pensando? SOCORRO, amiga!!!!!!!!!
Já que estamos fazendo revelações, vou contar um segredo muito secreto para você.
Ninguém sabe. Ninguém mesmo! Criei um blog e comecei a escrever nele meus pensamentos.
Imagina, né?! Risos! Passa lá para ler, é só clicar nessa imagem no final da mensagem, que
você vai ser direcionada. Depois me conta se achou muito ridículo. Como não me julga nem
critica, vou deixar que tenha o privilégio de conhecer melhor a minha cabeça e analisar se levo
jeito para a escrita.
Te adoro, amiga! Beijos e me escreve para contar as novidades.
Desliguei o laptop e antes de deitar, peguei o celular para ver a resposta da Dani no
Whatsapp.
Dani: Amiga, nunca imaginei que você ficaria tão chateada assim. Como o seu celular
não estava pegando, pensei que seria mais legal você se surpreender do que te contar a
novidade pelo Whatsapp. Nunca pensei que a surpresa seria ruim ou que você ficaria danada da
vida comigo. Quero me desculpar. Sobre Búzios... Confesso que fiquei chateada com a sua
insinuação. Você acha mesmo que fiz alguma dessas coisas para te sacanear? Claro que não foi
essa a minha intenção. Desculpa por ter feito tudo errado. Espero que isso não tenha abalado a
nossa amizade. AMO você e nunca vou fazer nada para te prejudicar!! Beijos
Mila: Estava irada quando escrevi a mensagem, mas já passou. Pode ficar tranquila que
não estou mais chateada com você. Boa noite. Bjs

Tentei deitar mais uma vez. Faltavam menos de duas horas para o despertador tocar e o
cansaço começou a tomar conta de mim. Fechei os olhos e em poucos minutos estava sonhando.
Capítulo 9 – Oh! Cupido! Vê se deixa em paz

Trimm... Trimmm... Trimmmmmmmm


Quase joguei o celular na parede com aquele barulho ensurdecedor. Por que os
despertadores não podem ser mais carinhosos? Não seria melhor se eles pudessem fazer
carinho? Acordar com um barulho insuportável como aquele, era terrível. Principalmente para
uma pessoa que havia dormido por apenas uma hora e que estava no meio de um sonho perfeito.
Maldita hora que inventei de tentar reproduzir os gritos da minha mãe para não chegar
atrasada de novo. Alarme a cada minuto, sem opção de soneca... NUNCA MAIS!
O pior é que não podia nem mesmo enrolar mais um pouquinho na cama. Já estava
atrasada.
Espreguicei e tomei coragem para levantar. Puxei a cortina da salinha e vi que o céu
estava lindo. Resolvi colocar uma bermudinha e uma blusa de manga comprida branca, com um
coração azul turquesa estampado bem no meio.
Passei um pouco de blush para tentar apagar a cara de zumbi que tinha conquistado
depois da noite em claro e conferi o resultado no espelho. Estava quase parecendo um
personagem do seriado The Walking Dead. Resolvi usar também o corretivo e o pó.
Até que esses dois produtos misturados com o efeito bronzeador do blush deram uma
disfarçada na olheira de panda. Tutorial de maquiagem no Youtube é vida!
Com o horário já apertado e com medo de dar de cara com o Rafael e o Bernardo no café
da manhã, resolvi ir direto para o curso. A greve de fome foi totalmente em vão. Todos já
estavam sentados e, para o meu terror, só havia um lugar disponível, bem ao lado daquele loiro-
metido. Bruno deu uma piscadinha para mim e mexeu os lábios desejando bom dia sem emitir
nenhum som e com cara de quem estava se divertindo com o meu desconforto de ter que sentar
ali.
O professor entrou na sala disparando perguntas e colocando uma pilha de DVDs em
cima da mesa. Queria saber quem tinha tido dificuldades com o trabalho, quem tinha levantado
boas histórias e quem havia arriscado um estilo de texto diferente.
Murmúrios em resposta, cabeças balançando em sinal de afirmação ou negação a cada
pergunta.
Márcio continuou questionando a turma e depois passou a escolher as pessoas
aleatoriamente, para que cada uma falasse sobre o trabalho. Aquilo foi se repetindo inúmeras
vezes.
- E você, rapaz? – Apontou para o Bruno – Fez o seu trabalho sobre quem? Se eu bem me
lembro, sua tarefa era descobrir a história de amor de algum participante do curso, certo?
- Aham – confirmou com a cabeça e me olhou profundamente.
Atenção, Bruno! Atenção! Espero que você receba esses sinais telepáticos. Se abrir essa
sua boquinha linda para falar sobre o Leandro ou, principalmente, sobre o Rafael, vou te matar.
Captou a minha mensagem?
Bruno deu uma risada e eu torci para que a minha telepatia tivesse sido captada por ele.
Por via das dúvidas, enviei também a linguagem dos sinais - coloquei o dedo na boca, fazendo o
famoso sinal de silêncio e na sequência passei o dedo pela garganta, como aquelas ameaças que a
gente vê nas novelas.
Espero que a gargalhada que ele deu depois da minha encenação, tenha sido de
compreensão.
- Conta como foi descobrir a história de amor da futura jornalista do grupo - pediu
Márcio deixando claro que ele havia captado a minha mensagem.
Maldita linha cruzada!
- Foi uma ótima surpresa. Apesar de ter apenas dezesseis anos, a Camila é uma menina
cheia de qualidades e com uma personalidade bem diferente para a idade dela. A maioria das
adolescentes está muito mais interessada na “balada” da próxima noite do que com a profissão
do futuro.
Hummmmmmm!
- E o amor? – insistiu Márcio.
Fofoqueiro!!!
- Quis conhecer mais da Camila antes de saber sobre a história de amor, pois assim ela se
soltaria com mais facilidade. E foi exatamente o que aconteceu. Quando falou sobre a paixão de
verão que viveu, pude sentir toda a intensidade e percebi o quanto aquilo teve significado.
Também acredito que essa experiência resultou no desejo de seguir a profissão de jornalista
“viajante”.
Meu Deus! Como o Bruno sabia tanto sobre mim? E por que estava revelando tudo
aquilo na frente de toda a turma? Na frente do Rafael!
- Muito bem! Estou gostando de ver como se dedicaram ao trabalho – elogiou Márcio e
caminhou até o quadro para começar a aula.
- Ei, Mila! – Bernardo passou o braço pela frente do corpo do Rafael e me cutucou. –
Você ainda não esqueceu aquele cara? Fala sério, hein? Dani uma vez contou que vocês já nem
se falam mais – disse bem baixinho.
Dani linguaruda e Bernardo intrometido! O que ele tem a ver com isso?
- Do que você está falando? – Disfarcei fingindo não entender.
- Você contou sobre o seu amor de verão para o Bruno? Fala sério, Mila! Foram só
quinze dias em Búzios e puff! – fez um gesto de explosão com a mão. - Acabou. Desencana
dessa história – continuou falando baixinho.
Aquilo estava mesmo acontecendo?
Rafael não se mexia, parecia que nem estava respirando. Uma verdadeira estátua bem ali
entre a gente, ouvindo tudo o que o Bernardo estava dizendo.
Dei de ombros e apontei para o Márcio.
A aula continuou até a hora do almoço e aqueles questionamentos do Bernardo não saíam
da minha cabeça. Estava irritada. Tão irritada que quase não consegui prestar atenção no
professor. Foram mais três horas de estômago vazio e cansaço. Lamentei pela desatenção que
insistia em tomar conta de mim.
- Antes de saírem, quero que venham até a minha mesa e escolham um filme. Vocês
podem assistir no próprio quarto ou na sala de vídeo do hotel. A tarefa para amanhã é bem
simples – disse enquanto entregava mais um pedaço de papel para cada um, com o exercício que
teríamos que fazer.
“O que você faria se estivesse na pele de um dos personagens.”
Distraída lendo a tarefa e com a lerdeza da noite mal dormida, demorei a perceber que as
pessoas já estavam escolhendo os filmes e indo embora. Levantei rápido e fui em direção ao que
havia sobrado. Não gostei de nenhum dos títulos que estavam na mesa. Os últimos três eram de
suspense e não me animei nem um pouco para assistir aquilo e ficar mais uma noite sem dormir.
Quando ia reclamar com o professor, vi que o Bruno estava segurando uma capa familiar.
Dei um grito ao identificar o filme que ele havia escolhido. Rafael e Bernardo ficaram me
observando.
- Troca comigo, por favor?! Por favor? Por favor? – Implorei.
- O filme? Não precisamos trocar, podemos fazer sobre o mesmo, os exercícios são
diferentes. Esqueceu, jornalista? – Deu um tapinha na minha testa.
- É verdade! Caramba... Muita coincidência! Como não conseguia dormir, escrevi no meu
blog sobre esse filme. Sou completamente apaixonada por “Antes do Amanhecer”.
- Opa! Quanta informação de uma vez só. Quer dizer que a senhorita já tem um blog? –
Ficou surpreso. - E escreveu nele depois que saí do seu chalé? Você não dormiu?
Puuuuuuuuutz! Falei que tenho um blog para o Bruno e na frente do Rafael e do
Bernardo!! Nem sob tortura passo o endereço. Já imaginou o mico?! Pior!!! O que os meninos
estão pensando de mim? Bruno disse em alto e bom som que saiu do meu chalé ontem à noite. AI
MEU DEUS!!! Isso não pode ficar pior. Ou pode?
- Tenho um blog bobo e secreto – dei uma risada nervosa. – Sério! É novo e não divulgo
para ninguém. Resolvi criar esse espaço para poder jogar ali os meus pensamentos. Não tenho
pretensão alguma de fazer com que as pessoas visitem e comentem. Na verdade, não gostaria que
um conhecido descobrisse o meu cantinho virtual. É quase como um diário.
Respirei aliviada quando Bernardo e Rafael saíram da sala.
- Hum... Estou curioso! Deve ser bem interessante.
- Não tem nada de interessante por lá. Posso garantir.
- Sei... - passou a mão na capa do filme – é melhor você dormir agora e a gente assiste
mais tarde, o que acha?
- Antes de qualquer coisa, o que preciso é comer. Estou tonta de fome. Como não
consegui dormir depois que você foi embora, fiquei escrevendo e só preguei o olho faltando uma
hora para acordar. Saí no desespero e além de atrasada, preferi não correr o risco de encontrar
aquele loiro-antipático no café da manhã. Ou seja, estou com a barriga completamente vazia.
- Você está sem dormir e sem comer? – Bruno segurou a minha mão e me puxou na
direção da porta. – Vamos almoçar nesse instante.
Dois homens que também faziam o curso sentaram com a gente. Estava com tanta fome e
tão cansada que deixei eles conversarem e quase não falei. Só dizia alguma coisa quando via que
a pergunta também havia sido direcionada para mim. Quando terminei de comer, me desculpei
pela desatenção e expliquei que quase não tinha dormido na última noite. Aproveitei a deixa para
me despedir.
- Vou esperar você acordar para a gente assistir o filme, tá? – Avisou Bruno e mandou
beijos.
O caminho parecia mais longo do que nunca e as minhas pernas fraquejavam a cada novo
passo.
- Mila – gritou Bernardo e acelerou para me alcançar. Rafael ficou para trás e parecia
andar ainda mais devagar.
Essa não!
- Você está bolada com alguma coisa? – Perguntou sem rodeios.
- Não – respondi imediatamente – Deveria estar?
- Acho que não, né? – Deu de ombros – Sei que a Dani é que é a sua amiga, nós dois não
somos tão próximos, mas também não somos tão distantes.
O que o Bernardo estava querendo com aquela conversa?
Olhei para ele em silêncio tentando entender. Dani tinha certa razão de se preocupar com
o namorado. Ele era muito charmoso. Tinha o cabelo castanho, ondulado, olhos cor de mel e um
físico de quem pratica esporte. E além de tudo, era simpático com todo mundo. Eles faziam o
típico casal perfeito.
- Você veio fazer o curso sozinha, não conhece ninguém e agora que tem dois amigos
aqui, está ignorando a gente. Queria saber se existe algum motivo para isso.
O Bernardo era cego ou o quê? Será que ele não percebia que o amiguinho dele não
tinha nem olhado para a minha cara desde que chegou? Quem estava ignorando quem?
- Acho que você está enganado, Bernardo. Em primeiro lugar, não estou ignorando vocês.
E, além disso, não estou sozinha. O Bruno é um amigo muito legal.
- Olha só como você é – disse em tom de crítica e me deixou ainda mais estressada. - O
Leandro foi o seu grande amor e você conheceu o cara por menos de quinze dias. O Bruno é o
seu melhor amigo e vocês se conheceram agora – deu uma risada.
Que irritante!!!!! O que ele tem a ver com a minha vida?
Respirei fundo para não dar uma resposta atravessada. Queria apenas entender o motivo
para estar sendo tão chato naquele momento.
- Bernardo, o tempo que a gente conhece alguém não quer dizer nada. Podemos estar em
contato com uma pessoa durante anos e o relacionamento pode ser muito mais frio e distante do
que com outra que a gente conhece por apenas um dia. Mas não estou entendendo o motivo dessa
discussão – disse já na porta do meu chalé.
- Não estamos discutindo. Só queria saber se fiz alguma coisa de ruim para você.
Rafael passou direto.
- Acho que você está perguntando isso para a pessoa errada – apontei com o queixo na
direção do Rafa.
Bernardo seguiu o meu olhar.
- O Rafael?
- Você só pode estar cego ou se fazendo de desentendido, não é Bernardo? – perguntei
irritada.
- Como assim?
- Desde que vocês chegaram, acho que não ouvi a voz do Rafael. Estou sendo totalmente
ignorada e você vem me perguntar qual é o meu problema? – o sono estava me deixando com
mais raiva do que gostaria de demonstrar.
- Mila, acho que você e o Rafael precisam conversar, acertar as coisas.
- Acertar? Acertar o quê? A gente nunca teve nada.
- Você foi apaixonada por ele durante um ano inteiro.
- E o que isso importa? – perguntei me sentindo esgotada.
- Importa que existiu um sentimento e ele não pode ter acabado do nada. Você se
apaixonou pelo Leandro, ficou com o cara, viveu um lance maneiro, mas acabou. Já com o
Rafael, a história ficou pela metade. Não teve beijo, conversa... – Bernardo subiu na madeira da
minha varanda e sentou, demonstrando que não estava com pressa para sair dali.
- Nada é tão simples assim. A minha história com o Leandro aconteceu de verdade – dei
ênfase para ele entender o que eu queria dizer. - Com o seu amigo, apesar de ter sido uma
paixonite muito mais longa, foi um sentimento só meu, o Rafael não sabia nem mesmo que eu
existia.
- Mas quando aconteceu... Você fechou todas as portas – disse baixinho.
- O que aconteceu? O Rafael só me procurou quando já estava com o Leandro, em
Búzios, vivendo a minha história. Antes e depois do verão ele não falou comigo, não me olhou,
não aconteceu nada. Só não entendo o motivo da raiva que ele demonstra ter – lembrei-me da
frieza dele.
- Acho que não é raiva. Sinceramente, não conversei com o Rafael sobre isso, ele não é
uma pessoa muito aberta para falar sobre sentimentos. Mas também não fez nenhum comentário
quando avisei que ia te chamar para conversar e tocar um violão no nosso chalé ontem, não falou
nada quando disse que você estava fazendo esse curso – explicou como se estivesse tentando me
convencer.
- Continuo sem entender em que lugar você quer chegar com essa conversa – estava
completamente sem forças para continuar argumentando. Precisava dormir – Bê, gosto de você
pra caramba, me desculpa por não ter falado melhor. Foi uma surpresa a chegada de vocês,
confesso que fiquei um pouco desconcertada – suspirei. - Não sei em que ponto essa discussão
virou o meu relacionamento com o Rafael, quer dizer, a falta do meu relacionamento com ele.
Mas o que sei é que isso foi uma coisa que ficou no passado e já não tem mais nada a ver.
- Ou não – deu um sorriso matreiro.
- Você está querendo ser cupido?
- Acho que tenho o dom para esse trabalho – deu de ombros.
- Esquece isso. Aposto que o Rafael vai querer te matar se sonhar que você está andando
por aí com uma flecha na mão querendo que ele seja o alvo.
- Você está ficando com o Bruno? – Perguntou depois de dar uma gargalhada com o meu
comentário.
- Não – respondi imediatamente.
- Mas está gostando dele?
- Como você mesmo disse, acabei de conhecer o Bruno.
- Como você também disse, tempo não quer dizer nada – retrucou.
- Gosto muito dele como amigo. Acho que vou ganhar uma ótima amizade. E só – não
queria que o Bernardo ficasse pensando que o meu interesse em viajar era apenas com o intuito
de me apaixonar. – Falando sério agora... Preciso dormir, Bê!
- Tá certo. Desculpa por te perturbar – desceu da varanda. – Mas preciso saber se estamos
entendidos. Você não está chateada e não vai mais fugir, né?.
- Não fugi em nenhum momento.
- E como somos amigos, vamos combinar de fazer alguns trabalhos juntos. Acho a maior
bobeira do mundo você e o Rafael ficarem com essa palhaçada de nem se cumprimentarem. Já
não estamos mais no jardim de infância. Isso é chato para mim e para a Dani. Ela quer sair com
você e eu também quero sair com o meu amigo, mas não podemos sair juntos, pois vocês se
evitam. Esse curso é uma ótima oportunidade para acabar com essa situação.
Por que você está falando tudo isso para mim e não para o Rafael?
No segundo seguinte, Bernardo parecia ter lido o meu pensamento.
- Preferi conversar isso com você, pois conheço bastante o meu amigo. O Rafa é um cara
gente boa pra caramba, prestativo, mas orgulhoso até dizer chega. A Dani me contou sobre o
bilhete que ele escreveu para você, não deve ter sido legal saber que continuou toda apaixonada
pelo Leandro e nem deu ideia para o que ele disse. Mas pelo que também conheço do Rafael,
para aquele bilhete ter sido escrito é porque alguma coisa existia entre vocês. E isso nunca virou
realidade. Como melhor amigo dele e namorado da sua melhor amiga, me sinto no dever de fazer
alguma coisa em relação a isso.
Caraca! Será que essa conversa está mesmo acontecendo ou isso já é alucinação do meu
sono? Estou sonhando?
Olhei desconfiada para ele.
- Bom, acho que já falei demais. Espero que você pense pelo menos um pouco sobre tudo
o que conversamos. Sei que é madura e que entende bem o que estou falando. Afinal, você nem
mesmo estaria fazendo esse curso se isso não fosse verdade – e com aquele último elogio, se
despediu e me deixou cheia de pensamentos malucos na cabeça.
Não consegui fazer quase nada quando entrei no chalé. Corri para a cama, que parecia
mais macia do que nunca e me joguei. Tirei apenas o sapato e puxei a coberta. Apaguei antes que
o relógio marcasse a passagem de mais um minuto.
Capítulo 10 – E se...

Saltei da cama com o coração disparado ao ouvir a batida na janela do meu quarto.
Silêncio. Será que sonhei com o barulho?! Quando estava deitando mais uma vez, escutei a voz
do Bruno chamando pelo meu nome. Corri até a porta ainda zonza e abri para entender o que
estava acontecendo.
- Ei! Ainda estava dormindo? – perguntou assustado.
Reparei que o céu já estava começando a escurecer. Tinha dormido a tarde inteira e ainda
estava me sentindo dentro de um sonho. Uma rajada de vento gelado me fez voltar para a
realidade e só então percebi que estava completamente desarrumada na frente do Bruno Ferraz.
Quantas garotas não passariam um quilo de maquiagem se soubessem que o
conheceriam? E ali estava eu, de cara não só lavada, como – pior ainda – amassada.
- Que sono pesado, hein?! Liguei e nada! Resolvi vir aqui para ver se estava tudo bem.
Aproveitei e já trouxe o filme e alguns lanches.
Percebendo que a minha cabeça ainda não estava funcionando perfeitamente, Bruno me
virou e foi me empurrando para dentro do chalé.
- Por que você não toma um banho para despertar? Enquanto isso, eu arrumo os lanches e
já deixo o DVD no ponto certo.
Ainda sem dizer uma palavra, fui até o armário, peguei um short e uma blusinha básica
amarela. Como o quarto tinha aquecedor, não havia necessidade de usar roupa de frio. Olhei para
a cama bagunçada e sacudi a cabeça. Não sabia o que era pior: o meu estado ou a bagunça do
chalé - bloquinho e tênis largados no chão, laptop na outra metade da cama de casal, cobertor
desarrumado... Oh, céus! -, suspirei olhando aquela confusão.
- Vai tomar banho, Camila – repetiu Bruno.
- Não sei nem mesmo em que lugar está o aparelho de DVD – lamentei, enquanto
vasculhava a salinha com os olhos.
Aos poucos o mundo real ficava menos embaçado. Bruno estava todo arrumadinho, com
uma bermuda branca, um casaco marrom e ainda segurava dois sacos com os lanches.
- Vai logo, jornalista! Deixa comigo que vou resolver tudo.
Obedeci.
A água estava tão quentinha e gostosa que acabei demorando muito mais do que
pretendia, mas quando saí do banho, me senti completamente revigorada. Passei um pouquinho
do meu perfume, escovei os dentes e penteei o cabelo. Queria eliminar totalmente aquela última
visão sombria que o Bruno tinha tido de mim.
Quando saí do banheiro, esperava encontrá-lo na salinha. Como não o vi, pensei que
havia ido fazer alguma coisa. Quase gritei quando passei pela porta do quarto e dei de cara com
ele, sentado – quase deitado - na outra metade da cama de casal, com a coberta por cima das
pernas.
- Demorou, hein?! Já está tudo pronto – com as mãos, apontou para os pães recheados,
duas grandes jarras de chocolate quente e uns bolinhos que foram colocados na ponta da cama. –
Vem logo! Precisamos assistir e ainda escrever – bateu com a mão no colchão indicando que era
para sentar ao seu lado.
Senti uma onda de pavor crescer dentro de mim ao imaginar o que mamãe falaria se
sonhasse com aquela cena. Um garoto sentado na minha cama, em um chalé que ficava em outra
cidade, bem longe dos olhares dela.
Estou ferrada!
- Ahm?! Por quê?!
Ai meu Deus! Pensei em voz alta.
- Nada.
- Já sei. Pensou novamente na sua mãe, né? Relaxa, jornalista! Já disse que não vou te
agarrar. Não estamos ficando. Pode ficar tranquila e vem logo assistir ao filme. Fiquei esperando
você chegar para comermos o lanche juntos, mas não estou aguentando mais de fome.
Bruno Ferraz está me desprezando na cara dura?!
“Não estamos ficando! Não vou te agarrar!”
Sou tão feia assim? Desinteressante?!
Não que estivesse pensando em dar uns beijinhos, mas poxa vida! Qual garota gosta de
ser dispensada desse jeito?
Sentei na pontinha da cama me sentindo irritada e ao mesmo tempo tensa com aquela
situação nada convencional na minha pouca experiência de vida. Parecia um robô, toda dura e
sem saber o que fazer com o corpo, as mãos e os movimentos.
Bruno deu uma risada sem se importar com o meu embaraço. Puxou a mesma colcha que
estava cobrindo as pernas dele para cima do meu colo e colocou a caixa cheia de pães recheados
entre nós dois.
- Posso colocar o filme?! – perguntou e me entregou uma das jarras de chocolate quente.
Confirmei com um movimento de cabeça e mantive os braços abaixados para que não
fosse visível o leve tremor das minhas mãos. Antes de iniciar, Bruno correu até o interruptor e
desligou a luz, voltou na mesma velocidade e se cobriu mais uma vez.
Somente a televisão iluminava o breu do quarto.
Suspirei em todas as cenas românticas que não eram mais novidade para mim. Sabia até
mesmo as falas dos protagonistas nas conversas mais especiais. Adorava a história e pensar em
como o acaso pode trazer encontros como aquele.
Era incrível imaginar que aquilo pudesse mesmo acontecer. Duas pessoas se conhecerem
em um trem, gostarem do papo um do outro e decidirem passar um dia inteiro juntos. O único dia
que teriam antes de irem embora para suas casas. Apenas algumas horas para conversarem, se
conhecerem, escolherem os assuntos, decidirem o que seria legal conhecer do outro e revelar de
si.
Ai, ai!
- Gostei! – foi a primeira vez que um de nós dois falou alguma coisa em duas horas. –
Você teria descido do trem?! – fixou o olhar em mim.
- Sim e você? – não precisei pensar muito sobre aquela pergunta, pois sempre que assisto
ao filme, faço o mesmo questionamento.
- Não sei. Será que eles voltam a se encontrar? – perguntou pensativo.
- Quer mesmo saber?
- Você sabe? – me olhou cheio de expectativa.
- Claro! Já assisti “Antes do Amanhecer” um milhão de vezes, você acha que não teria
assistido a continuação? Ou melhor, as continuações?
- O que acontece?
- O segundo encontro acontece anos depois. Não consigo lembrar muito bem, pois “Antes
do Pôr do Sol” não me encantou tanto quanto esse e acabei assistindo apenas uma vez. E no
último filme, o Antes da Meia Noite, eles já estão casados. Mas não vou contar mais, você
precisa assistir, né?
- E por que esses dois não te encantaram como o primeiro? Não gostou do reencontro e
do casamento? Você não gosta de finais felizes, jornalista?
- Adoro! Mas depois de todo o amor que senti pelo primeiro filme, pelas conversas, achei
que os outros dois foram menos empolgantes. O que mais amo nesse filme é a conversa dos
protagonistas. Parece uma história real, que pode acontecer com qualquer um.
- Tipo você e o Leandro – Bruno leu meus pensamentos.
Será que tinha aberto algum canal telepático mais cedo? Todo mundo parecia saber
exatamente o que estava pensando.
- É. Pode ser – desviei o assunto. - O segundo filme não tem essa pegada. Não tem aquela
coisa da fantasia, da vontade de que aquilo aconteça com a gente. Ele é mais próximo da
realidade e não me deixou sonhando com a história.
- Hum... Quer dizer que a senhorita é romântica e gosta de sonhar com príncipe
encantado? – brincou.
- Gosto de sonhar com destinos cruzados ao acaso, pessoas que se conhecem e se
identificam sem que tenham vivido meses ou anos juntas. Gosto de sonhar com esse mistério do
“e se não tivesse viajado nessa data?”, “E se tivesse ficado em outro hotel?”, “E se a minha mãe
não me obrigasse a viajar com ela?”,“Será que teria conhecido o Leandro algum dia?”E não falo
só dele. Gosto de pensar assim sobre tudo. Pequenas decisões que podem mudar toda uma
história.
- Brincar de “e se” é bem legal e um pouquinho perigoso, né?
- Perigoso? – perguntei sem entender.
- É. Quando usamos para questionar acontecimentos da nossa vida, pode ser perigoso.
- Explique-se – pedi e levantei para acender a luz.
- Penso da seguinte maneira – parou de falar como se estivesse tentando organizar os
pensamentos – Acho que funciona bem como o protagonista falou no início do filme. Não
decorei a fala, mas penso como ele: E se um dia deixar passar um encontro e pelo resto da vida
ficar com aquilo na cabeça? Será que teria sido legal? Será que ela era a mulher da minha vida e
deixei escapar? Mas se resolvo investir naquilo sem pensar em nada mais... Como fica todo o
resto da minha vida? E tudo o que construí até ali? Percebe o problema? Brincar de “e se...” pode
trazer graves consequências.
- É – tentei pensar melhor sobre aquilo.
- Mas não brincar também pode não ser a decisão mais inteligente, pois você pode acabar
com as chances de viver ótimas experiências, encontros, aventuras.
- Ahm?! – coloquei a mão nos olhos, confusa com toda aquela reflexão.
Bruno deu uma gargalhada e um tapinha na minha testa.
- Confuso o meu pensamento?
- Nossa! Estou completamente perdida.
- É o que o “e se...” faz com a gente.
- Você realmente já pensou bastante nisso, né?! – a curiosidade me pegou de jeito.
- Muito. Por isso digo que é bem perigoso – sorriu. – Mocinha, acho que está na hora de
nos despedirmos para que você não seja obrigada a passar mais uma noite sem dormir.
Precisamos escrever nossos textos sobre esse tema e acho que serão muitas reflexões até
conseguirmos colocar tudo no papel.
- Verdade.
Levantou e caminhamos juntos até a porta do chalé.
- Se precisar de alguma coisa, é só ligar para o meu quarto.
- Obrigada.
- Viu? Não precisa ficar com medo de mim ou de mentir para a sua mãe. Não sou um
bicho papão. Sei me comportar direitinho – beijou o alto da minha cabeça. – Boa noite,
jornalista! E bom trabalho. Não fica sem dormir, hein? – piscou e correu, provavelmente para
fugir do frio que estava fazendo do lado de fora.
Mesmo sentindo o vento gelado, continuei imóvel, pensando em toda a conversa maluca
de minutos atrás. Somente quando senti que as minhas pernas iam congelar, entrei correndo, sem
olhar para o chalé vizinho. Já tinha confusão demais na minha cabeça, não queria que um cabelo
loiro despertasse outras dúvidas que estavam adormecidas ou esquecidas dentro de mim.
Antes de pensar no trabalho, escrevi mais uma vez no blog.

O maldito ou querido - E se... – 25 de março


Você alguma vez já parou para pensar "E se tivesse escolhido aquela escola, no lugar da
que estudei?", ou "E se tivesse viajado naquele dia?", ou "E se tivesse escolhido outra
profissão?". São tantos "E se..." que poderiam ter levado a gente a tantos outros caminhos.
Não tirei essa ideia do nada. Na verdade, estava conversando sobre esse tema com um
amigo, depois de ver o filme “Antes do Amanhecer” – pois é... Mais uma vez falando sobre esse
filme por aqui – e depois disso, não consegui mais parar de refletir.
Temos tantos anos de vida e tantas escolhas ao longo do caminho.
Se pararmos para pensar, descobrimos coincidências maravilhosas que a vida nos
proporciona. Será o destino? Você estava no lugar certo, na hora certa, quando conheceu
aquela pessoa perfeita que te tirou o chão? E se simplesmente tivesse optado por ficar em casa
ou ir a outro lugar? Você nunca conheceria aquela pessoa? Ou seja, pequenas decisões podem
mudar o rumo de toda uma vida, de toda uma história. E aí eu me pergunto: Isso é coincidência
ou destino?
São tantos "E se..." que acontecem todos os dias. Já pensou quantas escolhas você tem
que fazer a cada amanhecer? Vou de táxi, ônibus, metrô ou de carona para a escola? Levo
comida ou almoço na rua? Vou para a lanchonete ou volto direto para casa? E cada escolha,
tem uma consequência. Algumas pequenas, outras enormes.
Será que isso é o destino?
Mas se tudo já estivesse escrito em algum lugar, se toda a nossa história já estiver
traçada, não seria um pouco sem graça? Acho mais legal pensar que não passa de uma
coincidência.
Que ótimo você encontrar o amor da sua vida porque escolheu tirar a camisola e se
arrumar quando uma amiga te chamou para sair. Que coincidência boa! Se tudo for o destino...
Mesmo que você não tenha ido para a festa, dois dias depois pode conhecer aquele mesmo
garoto em algum outro lugar.
E o trabalho? Será que escolheu sua carreira porque era para isso que estava
destinado? Não é mais legal pensar que a sua profissão foi uma consequência de várias outras
escolhas que fez durante toda a vida? De tantos caminhos que pegou?
A certeza de que tudo vai acontecer como tem que acontecer, é perigosa. Pensando e
filosofando sobre isso, concluí que acreditar no destino pode gerar certo comodismo. "Já que
tudo vai acontecer de uma maneira ou de outra, para que vou me preocupar com isso?" Chato
pensar assim.
Prefiro acreditar que não tem nada escrito. Nós somos responsáveis por escrever a nossa
história.
Pensando assim, acho que a vida fica ainda mais encantadora. Saber que existe o desafio
diário de decidir qual será o próximo passo, sem saber se será apenas mais um dia como todos
os outros ou se algumas coincidências e surpresas maravilhosas podem passar por aquele
caminho.
O “E se...” é perigoso? Meu amigo acredita que sim. Mas prefiro o perigo com direito
de escolha a uma vida inteira traçada, independente das minhas decisões.
Arriscar é sempre melhor do que se conformar. Nada cai do céu. Não quero ficar
sentada... Esperando. Quero percorrer novos caminhos e me surpreender em alguma esquina
por aí.
Em qualquer lugar do mundo.

Depois de atualizar o blog, fechei os olhos tentando me lembrar do filme e deixei a


emoção carregar a tinta da caneta para preencher a folha vazia. Com toda a inspiração, não
demorei a escrever e aproveitei para dormir cedo.
Enquanto ficava naquele nível do sono, que você não sabe se está dormindo ou acordada,
apenas um pensamento parecia flutuar na minha frente.
E se...
Capítulo 11 - Provocações

Consegui acordar antes do despertador. Dormir na parte da tarde tinha recuperado toda a
minha energia e a noite foi tranquila. Caminhei devagar até o restaurante do café da manhã.
Assim que entrei, Bernardo acenou para mim e mostrou um lugar vazio entre ele e o Rafael.
Depois de todo o falatório do dia anterior, achei melhor não fugir. Iria provar que era mais adulta
do que aquele loiro-infantil. Coloquei o meu bloquinho em cima da mesa e fui pegar o que iria
comer.
- Bom dia, jornalista! Dormiu bem? – perguntou Bruno parando bem ao meu lado, com o
prato ainda vazio.
- Sim. Estou novinha em folha – dei um sorriso e falei baixinho – Bernardo me chamou
para sentar na mesa deles – reforcei a última palavra para que ele entendesse quem fazia parte
daquele plural.
- Hum... Já vi que o meu café da manhã vai ser divertido – deu língua e pediu que
guardasse o outro lugar na mesa para ele.
Logo que sentei avisei que o Bruno iria ocupar a outra cadeira. Rafael continuou me
ignorando. Respirei fundo e decidi mostrar a minha superioridade.
- E o trabalho? Conseguiram fazer? – perguntei e Bernardo contou totalmente empolgado
sobre o filme que assistiram.
Assim que Bruno sentou e começou a falar, Rafael parecia ter esquecido que eu estava
ali. Participou da conversa, riu e sequer olhou na minha direção. Aquilo estava me incomodando
profundamente.
Um, dois, três, quatro, cinco...
Venha paciência!!!! Se esse loiro continuar fazendo isso comigo, não vou aguentar e vou
perguntar qual é o problema dele.
Recomeçando a contagem...
Um, dois, três.
Suspirei muito alto e os três olharam na minha direção.
Agora você percebeu que eu existo, loiro-do-mal?
- O que aconteceu, Mila? – perguntou Bernardo. Senti minhas bochechas corarem.
- Por quê? – fingi que não estava entendendo o motivo da pergunta.
- Você estava falando uns números aí baixinho e de repente soltou o maior suspiro do
mundo. Estamos te deixando entediada?
Caramba, Camila! Você precisa aprender a controlar seus pensamentos. Eles têm que
ser silenciosos, não precisam sair pela sua boca.
Aff!
- Não. Para falar a verdade, nem prestei atenção na conversa de vocês, estava preocupada
com outras coisas – expliquei e terminei de comer o último pedaço de pão – Acho que vou
andando para o curso.
Como todos já tinham acabado de comer, levantaram e me seguiram para a aula.
Não demorou muito e o professor entrou na sala.
Márcio começou a falar sobre livros, sinopses e crônicas. Tentei ficar atenta a tudo que
era dito e esquecer um pouco a raiva que estava me dominando. Olhei de rabo de olho para o
Rafael e percebi que o caderno não tinha anotação alguma, apenas rabiscos que não paravam de
crescer. Círculos, quadrados, triângulos, jogo da velha, casinhas...
Loiro-cabeça-de-vento!
Quer dizer então que Rafael estava pagando uma nota no curso para ficar fazendo
desenhos ao invés de prestar atenção no professor?
Bonito, hein?!
- Como disse no início da aula, hoje vocês só receberão o exercício na parte da noite.
Terão o dia inteiro livre para curtirem o hotel.
O quê?! Quando Márcio havia dito aquilo? Eu também não tinha prestado atenção em
nenhuma palavra do professor?
Loiro-maldito-que-distrai-pensamentos!
- Vamos nos encontrar às oito horas, no piano bar daqui do hotel e lá vocês irão
aproveitar uma boa música e uma ótima noite. Vão comer uma massa gostosa, beber um bom
vinho... Quer dizer, apenas os maiores de idade, ouviu mocinha?! – piscou na minha direção me
fazendo encolher de vergonha. – E também vão pensar na tarefa que darei logo que chegarem.
Mas não precisam se preocupar com ela durante o restante da noite. Podem pensar melhor no
sábado. O nosso encontro de amanhã será no horário do pôr-do-sol. Vamos nos encontrar no
mirante, às quatro. Estamos entendidos?!
Todos concordaram e se despediram do professor. Fomos almoçar juntos e tudo se
repetiu como no café da manhã. Fiquei muda durante todo o tempo e o Rafael falando sem parar
sobre programas de surfe e o sonho que tinha de trabalhar na mesma emissora do Bruno, só que
fazendo programas de esporte ou documentários sobre as melhores ondas do mundo.
- Quero conhecer muitas cidades, viajar para todos os países e descobrir ondas perfeitas –
disse com um olhar distante, como se estivesse vendo o mar bem na frente dele.
Era só o que me faltava. Sai fora, Rafael! Viver viajando é o MEU sonho!
- Você também quer isso, Bernardo? – perguntou Bruno com curiosidade.
- Não. Apesar de me amarrar nessa área do jornalismo esportivo, quero o investigativo.
Quando era moleque sempre brincava de detetive – deu uma risada com a lembrança –, acho que
essa vontade nunca me deixou.
- Verdade. Agora lembrei que você comentou isso na sua apresentação – Bruno deu uma
olhada na minha direção e percebeu que até aquele momento não havia dito nada. – Quem sabe
vocês dois não se encontram pelo mundo? – apontou para mim e para o Rafael.
- Oi? – perguntei depois de ter levado um susto. Já estava achando que era invisível.
- O Rafael vai viajar atrás de ondas e você quer viajar buscando histórias. Podem até
trabalhar juntos e elaborar um material ainda mais completo.
Bernardo gostou da sugestão do Bruno e jogou ainda mais lenha na fogueira. Imaginou
em voz alta como seria se Rafael e eu pegássemos o mesmo avião tendo como destino cidades
que quase ninguém conhece.
- Imagina que irado – concluiu depois de desenhar cenários e situações maravilhosas para
a gente.
- Provavelmente as nossas viagens vão ser bem diferentes. Vou para lugares como os que
você descreveu. Quero conhecer cidades esquecidas pelo resto do mundo, com praias
paradisíacas – disse Rafael com ar superior, como se aquele tipo de viagem não fosse me atrair.
- Também quero conhecer lugares assim – bati o pé.
Rafael deu uma risadinha irônica.
- Qual é o problema, Rafael? – ataquei - Por que você acha que eu não iria querer fazer
uma viagem desse tipo? – Era a primeira vez, em mais de um ano, que me dirigia diretamente a
ele.
- Fala sério, Camila! Até parece que você gostaria de ir para um lugar sem conforto, sem
pessoas que tenham a mesma vida que a sua, com realidades completamente diferentes da que
está acostumada – disparou com ressentimento na voz.
- E o que te leva a pensar que não faria isso?
- Não precisa ser nenhum vidente para saber – finalizou o assunto se preparando para
levantar.
- Acho que você está muito enganado no que diz respeito a mim – acusei mantendo o
olhar firme naqueles olhos verdes.
- Será? – perguntou e fez um sinal de que estava indo embora para o Bernardo e deu um
tchau para o Bruno. – Duvido que esteja errado.
Fiquei sem ação, muda e acompanhando o Rafael sair pela porta do restaurante. Meu
coração estava acelerado, a adrenalina no meu corpo estava a mil. Quem ele pensava que era
para ter uma opinião tão equivocada sobre mim?
- Se isso não é amor... O que mais pode ser? – cantarolou Bernardo e arrancou uma
gargalhada do Bruno.
- Não sei qual é a graça! – olhei enfezada para os dois. – Por que você não vai ter uma
conversinha com o seu amigo, ao invés de vir atrás de mim me acusando de um monte de coisa?
– levantei um pouco a voz para o Bernardo.
- Relaxa, jornalista! Rafael está implicando com você. Esse é o sinal mais forte de que
existe aí muita coisa mal resolvida e muito sentimento rolando.
- Ah, tá! Sentimentos ruins, né? – fiz o sinal da cruz.
- Muito longe disso – Bruno piscou para mim e Bernardo concordou.
- Vocês estão me irritando com essas insinuações. Vou para o meu quarto, pois tenho
mais o que fazer – dei língua para eles e saí marchando em direção ao meu chalé.
Capítulo 12 – Quem é você?

Aquele incômodo ainda tomava conta de mim. Era uma mistura de raiva e vontade de
disparar algumas palavrinhas para aquele loiro-abusado. Mas não adiantava nada ficar remoendo
tudo o que ficou por dizer. Coloquei o pijama e fui me aquecer debaixo dos cobertores. Como a
festa seria só mais tarde, ia aproveitar para dormir um pouco e olhar a internet. Fiquei alguns
minutos em silêncio, lembrando de toda a frieza e, de repente, da alfinetada que recebi do Rafael.
Não sei como pude já ter gostado de você. O que tem de bonito tem de idiota!
Corri até o laptop e voltei rapidamente com ele para a cama. Queria pensar em outras
coisas, esquecer que aquele loiro-nojento já tinha passado pelo meu coração.
Sem perder mais tempo, abri o painel de controle do blog e quando ia atualizar, senti um
frio na espinha ao notar que havia um comentário na minha postagem da madrugada.

“De: Anônimo
Gostei do texto! Também costumo pensar nas possibilidades que acabamos deixando
passar. ‘E se tivesse acontecido de outro jeito? Em outro momento? ’ Mas não fico muito tempo
com isso na cabeça.
Penso da seguinte maneira – ‘se’ não aconteceu diferente, não era para acontecer. E o
meu ‘e se...’ acaba ali. Existem momentos da vida que simplesmente não podemos agir de outra
forma. Na verdade, até podemos, mas estaremos sendo inconsequentes ou insensatos. Largar
uma carreira, uma faculdade, amigos, família ou uma cidade para arriscar uma aventura? Não
sei. Acho que sou mais cauteloso.
‘E se...’ a coisa for forte, tão forte que nunca vai sair da cabeça? Aí é só dar um jeito.
Mas pelo menos será por algo mais certeiro. Alguém que durou nos pensamentos mais do que
uma simples empolgação.
Tudo tem que ter um ponto de equilíbrio.
Não vá com muita sede ao pote, nem espere sentada até a água secar. Aproveite alguns
‘e se...’ e deixe outros para um talvez ou nunca mais.
Boas reflexões! Até a próxima”

Terminei de ler e fiquei sem ação. Queria descobrir quem era aquela pessoa que tinha
escrito um comentário tão profundo em um espaço tão particular.
E desde quando a internet é um espaço particular, Camila?
Minha curiosidade estava me atormentando.
Será que ele me conhece?!
Intrigada com tudo aquilo, comecei a mexer no Facebook sem prestar muita atenção ao
que estava fazendo.
“E aí, amigaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!! Finalmente você
entrou!!” – escreveu Dani, assim que fiquei conectada no Messenger.
“Oi!!”
“Você sempre me mata nessas suas viagens!” – reclamou.
“Dani, o que está fazendo em casa tão cedo?”
“A professora passou um trabalho, já mandei para o seu e-mail, e aí, não teve aula. Era
só terminar o exercício, entregar e ir embora.”
“Hum...!”
“Mas chega de falar de coisa chata... CONTA TUDO!!!”
“Tudo o quê?!”
“Ah, Camila! Não enrola... Quero saber da viagem, do curso e, principalmente, do
Bruno Ferraz. Ai, ai! E ainda quero saber se o Bê está se comportando, quais são os planos
para o final de semana e sobre o RAFA!!! Estou sabendo que vocês estão entre tapas e beijos.
Conta, conta, conta!!!!”
“Hahahaha... Então, aqui é lindo! MUITO frio, mas o hotel é perfeito! Todo romântico,
cheio de chalés – estou em um desses. O seu namorado e o amiguinho bipolar dele estão aqui do
lado. Tem muita coisa para fazer. O curso é ótimo! Amo o professor. Ele é todo misterioso e só
passa trabalhos que nos obrigam a pensar. Tenho o maior prazer em fazer todos eles!”
“E o BRUNO FERRAZ?”
“Hahahaha...Cusiosa!!”
“Conta!!!!”
“O Bruno é um gato e fofo demais! Já até esqueci que ele é famoso. Conversamos tanto,
que nem parece que acabamos de nos conhecer. Adoro a companhia dele. Mas acho que hoje
comecei a perder um pouco dessa exclusividade do Bruno. No café da manhã, sentamos com o
Bê e o Rafael. Bruno parece ter gostado bastante deles. Ficaram bem amiguinhos e bateram o
maior papo. No almoço, fui até jogada para escanteio pelos três e depois de muito tempo,
quando resolveram me incluir na conversa, aquela anta daquele loiro veio cheio de alfinetadas
para cima de mim e depois foi embora, me deixando com cara de tonta na frente dos meninos
que só ficaram rindo.”
“MUITA INFORMAÇÃO DE UMA VEZ SÓ!! O MEU Bernardo está AMIGO do Bruno
Ferraz?! AI. MEU. DEUS!! O Bê é fogo... conversamos todos os dias e ele foi incapaz de me
contar isso. Também quero ficar amiga dele! Que saco essa minha vida, viu? É muita injustiça
perder tudo isso. Vou tentar convencer minha mãe a dar um passeio em Campos do Jordão
nesse final de semana.”
“Boa ideia!!!!!!! Seria muito legal ter você aqui.”
“Vou fazer um drama danado. Meu pai é muito chato, tem preguiça de pegar estrada...
Mas vou tentar.”
“Uhuuuuuuuuuu!!!! \o/”
“Mas voltando ao assunto. E o Rafa, amiga? Essa história toda de um alfinetar o outro...
Isso é amor mal resolvido.”
“Até você, Dani?! Não tenho mais nada com o Rafa. Quer dizer... Nunca tive nada com
ele e nem vou ter. Ele é o oposto do Leandro, cara. Enquanto o Lê era doce, carinhoso, lindo...
O Rafael é um ogro. Faz questão de me ignorar, é grosso, metido... Como já pude ter gostado
dele? Como??”
“Mila, sério mesmo... As pessoas demonstram seus sentimentos de maneiras diferentes.
Concordo com você que o Leandro era uma gracinha. Quem não fica caidinha por um cara
romântico, mais experiente, todo fofo? Claro que é o sonho de todas as garotas. Mas o Lê mora
muito longe, não dá para ficar apaixonada para sempre por um amor de verão que já não está
mais aqui, né? Vocês já nem se falam mais. Precisa tirar essa história da cabeça. E acho que o
Rafael seria um bom remédio para isso. Sempre que conversamos de verdade, com sinceridade,
ele foi bem lindinho. Nunca foi grosso com ninguém. Lembra quando rolou toda aquela
confusão em Búzios?”
“Que confusão?”
“Quando você ainda não tinha me contado sobre o Leandro e acabei te ligando para
explicar toda a situação com o Rafael.”
“Como esquecer? Aff!”
“Lembro que fiquei torcendo para que rolasse alguma coisa entre vocês dois, mesmo
depois do rolo com a Pati. Conversei muito com ele, foi quando conheci o Rafa melhor e
descobri que ele era gente boa pra caramba e que não tinha feito nada para sacanear ninguém.
Ele simplesmente não sabia mesmo que você gostava dele. A carinha que ele fez quando contei
sobre seu amor platônico foi de quem queria alguma coisa.”
“Ai, amiga! Não começa... O Rafael ficou no passado. Não tem nada a ver.”
“Não vou insistir, deixa rolar.”
“Não tem nada para deixar rolar!” – bufei olhando a tela do computador. – “Chega
desse assunto!”
“Não vou falar mais nada! Você ainda tem muitos dias aí. Quero saber de novidades
quentíssimas quando a gente se falar de novo.”
“Aff! Você não desiste, hein?”
“Quem disse que estou falando do Rafael?”
“Não?”
“Ele não é o único gato que está solto por aí. Se não rolar uma paixão antiga, tem
sempre um Bruno Ferraz que pode ser ainda mais perfeito para te salvar.”
“Cara, Dani! Sério mesmo... VOCÊ NÃO EXISTE!!!”
“Vai aproveitar, Mila! É como sempre dizem para a gente... Não vamos ter essa idade de
novo! Precisamos curtir todos os momentos e não deixar boas oportunidades passarem.”
“Você tem razão em algumas coisas que diz, mas não em tudo. Hoje é dia de festa aqui.”
“Ui, ui, ui!!!! Aproveita!!! E TOMA CONTA DO BÊ PRA MIM!!!! Não deixa nenhuma
sirigaita chegar perto dele.”
“hahahahaha... Pode deixar, amiga! Vou deitar um pouco para não virar um zumbi mais
tarde.”
“Tá. Abre essa cabeça para deixar as coisas acontecerem.”
“Beijossss!!”
“Beijo, beijo!!!”
Sem conseguir dormir, liguei para a recepção e pedi um misto quente com um
achocolatado. Olhei a minha lista de músicas e selecionei a pasta mais inspiradora.
Em poucos minutos o meu lanche chegou. Depois de devorar o misto, sentei
confortavelmente na cama e com a música tocando, o leite me esquentando a cada gole, fechei os
olhos para deixar a inspiração tomar conta de mim.

“Meu primeiro leitor – 26 de março


Confesso que não esperava ter um leitor tão cedo. Não divulguei meu blog, não falei dele
com ninguém – quer dizer, deixei escapar para o meu novo amigo que tenho esse espaço na
internet, mas não acredito que você seja ele! Nem a Ju, né? – e por isso, estou intrigada para
saber como foi que você chegou até aqui.
Você me conhece? Sou uma completa desconhecida para você?! É homem? Mulher?
Quantos anos? O que te fez ter vontade de comentar no blog?
Desculpa por todas essas perguntas, mas sou MUITOOOOO curiosa! Sei que isso aqui é
a internet e que você pode responder qualquer coisa, totalmente diferente da realidade. Sei que
pode se passar por qualquer pessoa, mas não custa nada apostar na honestidade do meu
primeiro leitor!
E se vai ser verdade ou não, não importa! Acho que qualquer resposta já vai ser
suficiente! Só queria conhecer um pouquinho mais da primeira pessoa que está lendo todos os
meus pensamentos.
Espero que isso não iniba seus comentários!
Um abraço e volte sempre!”

Apertei o botão para publicar e fechei o laptop.


Não daria tempo de dormir antes da festa. Ainda queria me arrumar com calma, lavar e
secar o cabelo com o secador, passar chapinha – sim! Estava com vontade de tirar os cachos e
fazer uma produção diferente.
Tchau, maldição das roupas sem graça e sem sal! Tchau, moletom!
Oi, moda!
Espreguicei com muita vontade e caminhei até as minhas roupas. Separei tudo, deixei em
cima da cama e fui para o banho. Fiz uma massagem no cabelo, queria que ele ficasse perfeito.
Hum... E esse capricho todo, hein Dona Camila?
Ai, consciência! Se você soubesse como eu te odeio.
Sei... Estou de olho. Isso é pelo loiro-tentador?
Sacudi a cabeça. Estava ficando louca. Será que mais alguém no mundo tem uma
consciência tão acusadora quanto a minha? Ela jogava contra mim? Eu, hein?!
Saí do banheiro de roupão, cantarolando uma música.
- Estranho seria se eu não me apaixonasse por você – cantei alto. Era melhor deixar a
cabeça ocupada com o meu querido Nando Reis e suas letras lindas e esquecer acusações falsas
feitas pelo meu gênio do mal.
Segurei a escova como se fosse um microfone e cantei ainda mais alto. Quem canta seus
males espanta.
Como sou a mais azarada das azaradas, alguém bateu na minha porta.
Putz!
Papai do Céu, quem quer que seja do outro lado, não permita que tenha escutado a
minha cantoria.
Com uma toalha na cabeça e vestindo um roupão felpudo, não sabia o que fazer. Uma
nova batida. Abri apenas um pedacinho.
Era o Bruno.
- Você ainda não está pronta? – perguntou com as mãos na cintura e não fez nenhum
outro comentário. Provavelmente não tinha escutado a minha falta de habilidade com a música.
- Não. Estou me arrumando agora – olhei de cima a baixo. Uau! Como ele está lindo com
essa blusa preta de gola alta e esse jeans claro – Você veio me buscar? – fiquei surpresa com
aquela gentileza.
- De certa forma, sim! Estava no chalé dos seus amigos e resolvemos passar aqui para
que você não fosse sozinha para a festa – explicou com um sorriso no rosto.
- Resolveram? – fiquei espantada com aquele plural, abri um pouquinho mais a porta e
olhei para o lado de fora. Parados na entrada da minha varanda estavam Rafael e Bernardo. – Ah,
tá! Obrigada, mas ainda vou demorar um pouco. Podem ir andando na frente e encontro vocês lá.
- Tem certeza? Podemos esperar.
- Não precisa.
- Ei – falou Bruno, bem baixinho, quase sem emitir som nenhum, mexendo apenas os
lábios, com a cabeça para dentro do meu chalé – quer que eu fique te esperando?
- Não, pode ir com seus novos amigos – respondi com um pequeno toque de
ressentimento.
- Está chateada? – perguntou me encarando e corei ao lembrar que estava apenas de
roupão.
- Depois a gente conversa. Daqui a pouco encontro vocês no restaurante – encerrei o papo
com a mão na porta, mostrando que estava querendo fechar.
- Não demora.
- Pode deixar.
Meu coração estava mais acelerado quando consegui fazer com que eles fossem embora.
Pelo Bruno, pelo Rafael, pela situação e por toda a complicação que dominava a minha cabeça.
Voltei a cantarolar. Não queria pensar em problemas, foquei na minha arrumação e fui
para o banheiro secar a juba.
Uma hora e meia depois estava com o cabelo perfeito. Quase não alisava meus fios, mas
quando fazia aquilo, amava o resultado.
Satisfeita, peguei a maquiagem e fui para a segunda parte da produção. Não passei muita
coisa, apenas um corretivo, pó, lápis de olho, rímel e blush com efeito bronzeador. Mamãe
detestava essa história de maquiagem no meu rosto. Se dependesse dela, só começaria a me
pintar lá pelos trinta. A sorte é que tenho amigas perfeitas.
Dani me deu esses presentes maravilhosos no meu último aniversário, com uma cartinha
que dizia “Para que você conquiste amores em todas as estações do ano”. Claro que amei o
presente e escondo a sete chaves para que mamãe não ouse causar um acidente “sem querer,
querendo”.
Dei um pulo quando o telefone começou a tocar.
- Alô? – respondi com o coração acelerado.
- Esqueceu que você tem mãe?
- Caramba! Estava pensando em você agora.
- Por quê? Aposto que estava pensando em aprontar alguma besteira, né? – acertou na
mosca!
Olhei no espelho o meu rosto maquiado e achei melhor não comentar nada.
- Estava pensando que ainda não tinha falado com você hoje.
- Pois é. O que andou fazendo para ficar tão ocupada?
- Nada. Voltei da aula e aproveitei para olhar o que estou perdendo na escola. Dani
mandou as anotações e exercícios dos professores. Não quero deixar tudo ficar acumulado
enquanto estou aqui.
- Ahm! Acho bom. E agora, já vai dormir?
Ai, Deus! Contar ou não contar que vai ter uma festinha agora e que por sinal, já estou
bastante atrasada?
- Já.
Mentira tem perna curta...
Xô, consciência!
- Na verdade, vou jantar e depois é que vou dormir. O pessoal do curso está no
restaurante do hotel, tipo uma confraternização, sabe?
- Camila, Camila – fez uma voz que eu odiava. - Já são quase dez! Não vai inventar de
ficar até de madrugada com um bando de gente que você não conhece, né? Não tem idade para
isso.
Tá vendo, consciência?!
- Relaxa, mãe. Vou jantar, ficar só um pouquinho e voltar para o meu chalé. E não são
desconhecidos que estão lá. Conheço as pessoas, estou estudando com elas desde o início da
semana. Não é nenhuma noitada, é apenas um jantar com todo mundo do curso e dentro do hotel.
- Quero que me ligue assim que voltar.
- Fala sério, mãe!
- Estou falando muitíssimo sério. Se não fizer isso, amanhã mesmo vou com seu pai te
buscar – ameaçou.
- MÃE! – gritei – por favor! Estou dentro do hotel, não vou para lugar nenhum fora daqui
e vou ficar com as pessoas que estão fazendo o curso comigo. O que tem de mal nisso? Que saco
– reclamei.
- Olha como você fala, Camila! Se ficar respondona assim, nem mesmo sair desse chalé
você vai.
Respirei fundo, era melhor não discutir. Já tinha problemas demais na cabeça, era mais
seguro não provocar.
- Desculpa! Não vou falar mais nada. Pode deixar que não vou demorar tanto e te ligo
quando voltar – voltei a ser a Camila obediente.
- Acho bom. Vou esperar.
- Ok. Então, preciso desligar para terminar de me arrumar, já estou muito atrasada.
- Juízo, hein? Beijos.
- Beijo.
Peguei a roupa que já estava separada em cima da cama e coloquei o mais rápido que
consegui. Acrescentei também umas bijuterias bonitas. Calcei o único salto que havia levado e
fiquei muito orgulhosa quando olhei no espelho a produção final. Amava a minha blusa preta de
seda, que tinha um decote perfeito. Mamãe nem sonhava que havia dado um jeito de colocar
aquele presente da Gisela na minha mala. Com a calça jeans escura e mais justinha, ficou muito
bonito.
Não estava nem um pouco parecida com uma menina de dezesseis anos. Passaria por
mais de dezoito facilmente. Esse não era um sonho constante, muito menos obsessivo. Não era
como as minhas amigas que sonhavam em conquistar logo a liberdade de ser maior de idade.
Gostava de ser adolescente e de não ter tantas responsabilidades, mas me sentir um pouco mais
velha uma vez ou outra, também era legal.
Com quase duas horas de atraso, liguei para a recepção para pedir que o “carrinho de
golfe” fosse me buscar. Quando ouvi o barulho do lado de fora, olhei mais uma vez o meu
reflexo no espelho e saí totalmente confiante.
Capítulo 13 – E vai rolar a festa!

Uma rajada de vento me fez estremecer. Mamãe tinha razão: Aquela não era uma roupa
muito apropriada para o clima da serra.
Tudo bem. Relaxa, Camila! Logo que entrar no salão, o frio vai passar. Esse tremor é
psicológico. Imagina um sol bem forte, um calor de verão delicioso, o cheirinho do filtro solar.
Socorro! Essa terapia barata não funciona. Frio não é psicológico, é MUITO físico
mesmo. Acho que vou congelar!!!!!!
Estava encolhida quando chegamos ao tal piano bar do hotel. O lugar era bem mais
acolhedor que o restaurante. Quando a porta abriu, foi como se tivesse sido puxada como um
imã. O ambiente era bem pequeno, quentinho e com uma música muito agradável.
Passei a mão pelos braços tentando me aquecer mais rapidamente e percebi os olhares na
minha direção. Todo mundo do curso já estava por ali, parecia que havia sido a última a chegar.
Continuei no mesmo lugar, um pouco sem graça. A maioria das pessoas estava em pé,
segurando uma taça de vinho e conversando. Procurei pelo Bruno e nossos olhares se
encontraram. Senti um frio percorrer a minha espinha com a cara que ele fez quando me viu.
No instante seguinte, Bernardo e Rafael também perceberam a minha presença e
pareciam me olhar com a mesma expressão do Bruno. Toda a segurança que senti ao me encarar
no espelho começou a evaporar. Desconfiei que algo poderia estar errado.
Será que exagerei na maquiagem? Será que estou brega, feia, estranha?
Fui a primeira a desviar o olhar dos três. Queria procurar alguma coisa para fazer ao
invés de ficar em pé, completamente deslocada.
- E então, Camila? Está gostando do curso? – perguntou Márcio, me entregando um papel
com o próximo exercício.
- Amando! – sorri e fiquei agradecida por ter arrumado uma distração.
- Ainda não estou dando nenhum feedback para os alunos, mas gostaria de aproveitar
essa oportunidade para dizer que você deve acreditar nos seus sonhos e seguir os seus planos.
Você escreve muito bem, tem talento, jeito e vai se realizar se acreditar no seu potencial.
- Muito obrigada – fiquei sinceramente feliz com aquele elogio.
- Vai lá aproveitar. Pode pensar no trabalho apenas amanhã, não precisa se preocupar
com isso hoje, muito menos fazer anotações. Quero saber sobre sensações. Como ainda não tem
idade para beber vinho, acredito que vai ser a pessoa mais sortuda na hora de concluir o trabalho.
Talvez, alguns não tenham tanta sorte de conseguir resgatar todas as lembranças desta noite –
sorriu e se despediu.
Sozinha mais uma vez, peguei o papel para dar uma olhada no exercício.
“Como você descreveria as sensações desta noite? Sons, aromas, paladares e
sentimentos.”
Gostei e tentei imaginar sobre o que escreveria. Fiquei tão distraída com meus
pensamentos que não reparei quando Bruno parou bem ao meu lado. Dei um pulo com o susto.
- Desculpa – pediu de um jeito fofo, como se realmente estivesse se sentindo culpado.
Soltei uma gargalhada nervosa.
- Não tinha visto você se aproximar – expliquei com a mão no coração, que estava
acelerado pela surpresa.
- Percebi – passou a mão pelo meu ombro. - Gostou do exercício? – apontou para a folha
que estava na minha mão.
- Aham. Achei bem legal. E você?
- Complicado. Preciso criar uma cena sobre a festa de hoje – coçou a cabeça.
- Uma cena?
- É. Imaginar ou descrever alguma coisa, como se fosse parte de um roteiro.
- Uau!
Bruno sorriu com a minha empolgação e deu um bom gole na taça de vinho.
- Só não decidi ainda se vou inventar ou se descrevo uma cena real – suspirou. - Você
está linda, jornalista! O Bernardo também fez esse comentário e o Rafael não conseguiu fechar a
boca de tão impressionado que ficou com essa grande produção – deu uma piscadinha.
- Até parece – senti meu rosto queimar e desviei o olhar. Queria que o garçom aparecesse
com um refrigerante ou com algum petisco para que pudesse ter o que fazer com as mãos.
- Está procurando alguém? – perguntou arqueando a sobrancelha de um jeito só dele.
- O garçom. Mas não é nada urgente. Não estou com fome, só com vontade de beber
alguma coisa.
- Nada de vinho, hein? Você não pode, é novinha. Muito novinha – a última frase parecia
mais uma lamentação do que uma constatação. Aquilo me deixou um pouco intrigada e
incomodada.
- Algum problema com a minha idade?
- Menores não podem beber álcool. Não sabia? – passou o dedo pela ponta do meu nariz
de brincadeira, como se estivesse explicando para uma criança. E algumas borboletas
despertaram no meu corpo.
Por que isso está acontecendo? Bruno é apenas um amigo.
Por alguns segundos ficamos nos encarando sem dizer nada, mas se havia rolado algum
clima, desapareceu como um passe de mágica no minuto seguinte.
- Boa noite, Mila – Bernardo chegou perto da gente, acompanhado pelo Rafa.
- Oi – respondi seca. Não sabia muito bem como me comportar perto deles,
principalmente depois das alfinetadas do Rafael.
- Não querem sentar? – Bernardo fez um sinal com a cabeça para o Bruno, que me
encarou mais uma vez com aquele olhar tão diferente, fazendo meu chão sacudir.
Ai, meu Deus! Tem terremoto em Campos do Jordão?
Com um suspiro, Bruno concordou e fomos andando até uma mesa que estava vazia. Ele
sentou do meu lado direito, Bernardo ficou na minha frente e o Rafael do lado esquerdo.
Oh, céus!
- A massa só vai sair mais tarde e estou com fome. Vamos lá buscar uns petiscos,
brother? – Bernardo chamou Bruno, que concordou. Não deram tempo para nada, levantaram no
mesmo instante e seguiram na direção da cozinha.
Que situação!
Rafael continuou imóvel e mudo, olhando para a pista de dança. Querendo mostrar a
minha superioridade, não fugi da situação como ele estava fazendo. Para olhar para a pista, ele
precisava ficar com a cabeça virada para trás, o mesmo que eu teria que fazer, pois estava de
costas para o salão.
Decidi que seria madura e encarei a mesa vazia. Pelo menos estava ali e não com o corpo
todo torto, como se precisasse de alguma coisa para me salvar. Com o canto do olho dei mais
uma avaliada na cena. Rafael estava mais lindo do que quando me apaixonei por ele na escola.
Parecia que tinha malhado, estava mais forte, bronzeado como sempre e tinha realçado todas
aquelas qualidades com uma blusa amarela um pouco mais justa.
Pensando bem... Ele está MUITO mais gato!
Mas também está muito mais metido. Não caia em tentação, Camila!
Verdade.
Antes que pudesse desviar o olhar, Rafael me pegou no flagra. Nossos olhares se
encontraram e senti o rosto arder de vergonha. Tentei disfarçar.
- O que você estava olhando? – perguntou sem a menor cerimônia.
- Oi? – não conseguia acreditar que ele havia perguntado aquilo.
- Por que você estava me encarando? – nossos olhares se cruzaram mais uma vez e não
fazia a menor ideia de qual resposta dar.
- Estava observando o esforço danado que você está fazendo, correndo o risco de ficar
com torcicolo, só para olhar para qualquer lugar distante da mesa – já que é para ser sincera,
vamos ser sinceros, não é?
Opa! Isso na cara do Rafael é surpresa? Ele não esperava uma resposta verdadeira?
- Pois é!
Pois é?
- Rafael, sinceramente, não sei qual é o seu problema comigo.
- Não tenho absolutamente nada com você, nem problema – respondeu ríspido.
Senti a raiva crescer dentro de mim. Enquanto pensava em uma resposta, Bruno e
Bernardo voltaram com uma tábua de frios, uma cesta de pães e com um garçom que estava
segurando refrigerante, mais taças de vinho e algumas pastinhas.
- Moleque, você é maluco? – perguntou Bernardo bem baixinho para o Rafael.
- Por quê? – deu um bom gole no vinho.
- Cara, você sabe que isso vai dar merda. Solta essa taça.
Bruno olhou para mim e dei de ombros. Não fazia ideia do que estava acontecendo.
- Se liga, Bernardo!
- Se liga você, cara! Você vai ser expulso do curso, hein?
- Não estamos mais na escola, brother!
- E daí?
- Qual é o problema aqui? – Bruno se meteu na conversa.
Continuei apenas observando.
- O Rafael é menor de idade.
É?
- É? – perguntou Bruno tão surpreso quanto eu estava.
- Faço aniversário no início de junho. Falta pouco. Relaxa, cara!
- Mas legalmente você ainda não pode beber – acusou Bernardo. – Não estamos na
faculdade, não é uma festa na casa dos amigos. Se alguém se ligar que você está bebendo e que é
menor de idade – apontou para o meio do salão –, vai dar problema.
Rafael bufou e virou de uma vez só a taça de vinho que estava segurando.
- Pronto. Acabou a prova do crime.
Depois de toda aquela discussão, mudaram de assunto. Continuei em silêncio, enquanto
ouvia os músicos tocarem jazz.
- Não vai comer nada? – Bruno interrompeu meus pensamentos.
- Vou. Obrigada – mesmo sentindo o estômago revirar depois de ter sido afrontada pelo
Rafael, também sentia o começo de um vazio que provavelmente era fome. Peguei uns
queijinhos e coloquei no prato que estava perto de mim.
- O que aconteceu enquanto não estávamos aqui? – perguntou bem baixinho, enquanto
Bernardo discutia com o Rafael sobre alguma banda de rock.
- Nada – menti.
- E essa carinha? Posso não te conhecer a vida toda, mas sei que você está chateada.
- Um pouco, mas vai passar.
Pegou a minha mão e fez um carinho.
Ai!
Era como se sentisse um friozinho na barriga.
Enquanto Bruno continuava segurando a minha mão e ficava com o olhar distante,
Bernardo e Rafael pararam de conversar e observaram a cena com curiosidade.
O que está acontecendo aqui?
O garçom interrompeu a cena perguntando se queríamos comer. Aceitamos e a conversa
voltou ao normal. Os três falando sobre música e eu comendo totalmente em silêncio.
Apesar dos pesares, o jantar estava delicioso. Era uma massa com manjericão, queijos,
tomate e molho. Quando terminei de me deliciar, olhei o relógio e levei um susto. Já passava da
meia noite, mamãe ia me matar.
- Já estou indo – disse e levantei apressada, os três me encararam surpresos.
- Como assim, jornalista?
- Estou com sono – menti. Não queria admitir na frente do Rafael que, mesmo longe da
minha mãe, seguia todas as regras.
- Mila, senta aí – ordenou Bernardo, reparei que ele estava enrolando a língua para falar.
O vinho já começava a fazer efeito.
- Não dá. Já comi e estou com sono. Boa festa para vocês – não deixei que falassem mais
nada, saí o mais rápido que pude.
- Jornalista – gritou Bruno, já do lado de fora do salão. – Ainda está cedo. Vai passar a
noite inteira sozinha? Está tão chateada assim? O que aconteceu?
- Não estou chateada, mas mamãe está esperando a minha ligação para dizer que voltei
para a segurança do chalé – lamentei um pouco envergonhada.
- Ah, não acredito!
- Pois é. Mas para ser sincera, não é muito divertido ficar vendo vocês três conversando e
não ter com quem falar.
- Desculpa – se aproximou, segurou a minha mão mais uma vez e deu um beijinho –
Camila, Camila! A senhorita está um perigo hoje, sabia?
Ri com aquele comentário.
- Está rindo, né? Mas é verdade. Posso jurar que você não tem apenas 16 anos e isso é um
perigo danado.
- Ah, é?
Ai, ai, ai! Alguém me belisca! Acho que estou sonhando. Bruno Ferraz está me dando
mole?! É sério?
- Não provoca! – pediu baixinho, bem próximo.
- Provocar? O que estou fazendo? – perguntei, sentindo a respiração quase sumir.
- Está toda linda aí, cheirosa, – se aproximou do meu pescoço e encostou o nariz
provocando um arrepio - jogando charme... – soltou a minha mão e se afastou um pouco. –
Queria dizer que acho melhor você ir embora agora, mas está um pouco difícil dizer isso –
suspirou profundamente.
Estremeci com o clima quente entre a gente contrastando com o frio congelante da noite.
Minha barriga chegou a doer com toda a agitação que acontecia dentro dela.
- E aí? – Bernardo abriu a porta do salão acompanhado do Rafael e franziu a testa ao
perceber que estava acontecendo alguma coisa – O que vocês estão fazendo aqui fora?
Droga!
Bruno arregalou os olhos.
- Estava perguntando se ela não quer companhia até o chalé e emprestando o meu casaco
– colocou a jaqueta dele nas minhas costas.
- Obrigada – senti o perfume do Bruno e alguma coisa reagiu no meu corpo. - Bom, estou
indo – anunciei mais uma vez e fui caminhando até o carrinho que estava na frente da recepção.
Enquanto me afastava, Bruno continuou parado, pensativo, me acompanhando com o olhar e foi
o último a entrar.
Capítulo 14 – Verdades

- Oi, mãe! Já estou no chalé – avisei assim que ela atendeu com voz de preocupação.
- Graças a Deus! Demorou pra caramba, hein?
Mamãe não era fácil mesmo!
- Fui a última a chegar e a primeira a ir embora da confraternização. Assim que serviram
o jantar, comi e voltei para o meu quarto – disse desanimada.
- Queria ter ficado mais? – acho que ela percebeu algo na minha voz.
- Não, estou cansada – menti, mas não estava com vontade de ficar discutindo pelo
telefone.
- Ai, minha filha! Será que é anemia? Você está comendo feijão?
Aff!
- Estou comendo direito, mãe! Aqui está frio, dá preguiça – respondi, sem paciência.
- Hum... O Bernardo acabou de colocar uma foto da festa no Facebook. Aquele menino
com eles é o ator, né?
Minha mãe ter o Facebook dos meus amigos era o fim dos tempos!
- É. O Bruno Ferraz – só de falar o nome dele senti mais uma vez aquele frio na barriga.
- Muito lindinho esse menino. O loirinho é aquele que você ficou apaixonada antes do
Leandro, não é? – a curiosidade momentânea dela se transformaria em cobranças depois.
- Chega de papo, mãe – cortei logo aquele assunto.
- Juízo! Estou feliz de saber que mesmo com um ator famoso e com a sua paixãozinha aí,
ainda assim você voltou para o seu chalé e ligou para a mamãe – suspirou. – Te amo, filhinha!
Boa noite.
E eu tinha opção? Aff!
- Beijos, mãe! Boa noite.
Com o bloquinho na mão e um silêncio absoluto no chalé, pensei na noite que tive e
resolvi deixar o trabalho para a manhã do dia seguinte. Ainda não tinha a menor ideia sobre o
que iria escrever. Sensações? Não queria contar para o Márcio sobre as borboletas que senti na
barriga com o Bruno, mas talvez pudesse falar sobre a raiva com o comentário do Rafael. Ou
sobre as duas coisas. Não precisava citar nomes e o professor não seria indelicado de ler os
nossos trabalhos na frente de toda a turma. Ele mesmo havia dito que era para escrever com o
coração, não ia ficar expondo todo mundo assim.
Completamente sem sono, peguei meu laptop e antes mesmo de trocar de roupa, fui olhar
o blog. Estava curiosa para saber se o meu primeiro e único leitor havia escrito na última
postagem.
Senti um arrepio quando vi no painel do blog que havia um comentário.

“Ei! Que surpresa agradável abrir o seu blog e descobrir uma postagem feita para mim.
Não imaginava que o meu comentário fosse despertar tanta curiosidade em você. =)
Sobre seus questionamentos: Não sou da sua família e nem faço parte da sua rede de
amigos. E você tem razão, na internet podemos ser qualquer pessoa. Então, para que falar sobre
quem sou eu?! Isso não faz muito sentido, pois você vai ficar sempre com um pé atrás, sem saber
se falei ou não a verdade sobre mim.
Cheguei ao seu blog por indicação de um amigo. Aposto que você vai ficar se
perguntando sobre o meu amigo. Digamos que ele também se enquadra em tudo que descrevi aí
em cima – não é da família, não faz parte da sua rede de amigos, etc... -, mas por algum motivo
especial ele descobriu os seus textos e comentou comigo. Gostei de ler seus pensamentos e
reflexões. Já salvei nos meus favoritos e fico torcendo por novas atualizações.
Foi um prazer ter essa ‘conversa’ com você, espero que tenhamos outras
oportunidades!
Beijos,
Seu leitor”

Terminei de ler com o coração disparado. Não tinha motivo para tanto frenesi, mas por
alguma razão aquela situação era empolgante.
Sorri e reli o comentário.
Como ainda estava cheia de perguntas e de coisas na cabeça, abri o painel do blog e
comecei a digitar.

“Mistérios são como as neblinas do outono – madrugada de 26 de março


Ahá! Finalmente um título digno de uma cronista, não? Ah, o meu futuro! Espero tanto
poder dizer que escrevo crônicas de viagens. Não vejo a hora de entrar para a faculdade e
passar a conviver com todos os encantos do jornalismo. Até lá, vou brincando de seguir a minha
profissão por aqui. Já tenho até um leitor! Não é mesmo, senhor mistério?!
Continuando os meus devaneios virtuais...
Por mais incrível que possa parecer, apesar de ser uma pessoa curiosa, gosto de
mistérios. Tudo bem, alguns não são tão legais! Mas outros são perfeitos para dar um tempero a
mais em nossas vidas.
Como já disse antes, minha vida de viajante é bem movimentada – curta, mas já repleta
de histórias - e cheia de acontecimentos.
O que fazer quando você sente borboletas na barriga por uma pessoa que é apenas um
amigo? Um amigo recente, mas que mesmo com pouquíssimo tempo já trocou muita ideia,
muitas e muitas conversas, das mais rasas até as mais profundas. E de repente, não mais que de
repente, essa mesma pessoa se transforma em alguém que desperta alguma coisa diferente em
você. O motivo? Desconhecido. O que fazer quando isso acontece?!
Você deve achar estranho “Quer dizer que já está apaixonada? Você sempre se
apaixona rápido assim?”. Claro que não. Alguém aqui falou em paixão? Na verdade, muitas
coisas estão acontecendo no meu mundo nesse momento e mexendo demais comigo. Não sei o
que fazer e pensar. E para complicar ainda mais, como se tudo o que tinha acontecido até agora
não fosse suficiente, essas borboletas ainda resolveram despertar por causa de um olhar
diferente.
As pessoas não precisam de muito tempo para me conquistar. Um sorriso que aquece e
uma conversa que preenche, são suficientes para que alguém se torne importante na minha
história. Isso até me faz lembrar a Alice no seu país das maravilhas, quando ela questiona o
coelho – ‘Quanto tempo dura o que é eterno?’ E ele responde: - ‘Às vezes, apenas um segundo!’.
O mesmo acontece comigo.
Agora, neste momento, uma angústia detona o meu peito. A minha vontade é de bater na
porta do meu mistério real e perguntar ‘Ei, o que foi que aconteceu naquele olhar? Naquele
instante?’ ou ‘Por que sou um perigo para você?’. Só que essa coragem fica apenas no texto.
Ela não deixa de ser linha para virar voz. Se tudo continuar como está, talvez nunca saiba o que
realmente aconteceu. E aí, o momento passou.
Já no mundo virtual, o meu mistério é divertido. Ganhei um leitor que gosta do que
escrevo. Comenta, mas não conta quem é. Tudo bem! Posso não conhecê-lo e de nada irá
adiantar saber seu nome. Mas vou confessar diretamente para você – meu caro leitor - que
gosto de mistérios como esse. Minha imaginação é grande e às vezes é legal voar e imaginar
rostos, vozes e nomes.
É um prazer ter você por aqui. Volte sempre!
Mistérios! Bons e ruins. Se não fossem eles, a vida não teria tanta graça, não é verdade?
Quem sabe essa inspiração me dê coragem para solucionar o que está mais perto de mim?
Será?
Até a próxima!”

Terminei de atualizar o blog, ouvi vozes do lado de fora do meu chalé e logo depois uma
batidinha na porta.
- Quem é? – perguntei assustada, afinal, já passava de uma da manhã.
- Somos nós, Mila – reconheci a voz do Bernardo.
Ai. Meu. Deus! O que esses garotos querem e quem está incluído no “nós”?
Corri até o espelho, continuava com o mesmo visual. Como não tinha tirado a
maquiagem, nem trocado de roupa, continuei gostando do que estava vendo. Mais uma batida na
porta.
- Milaaaaaaaa?!
- Vocês são loucos? – disse, assim que encontrei os três parados na minha varanda.
- Já estava indo dormir, jornalista? – perguntou Bruno.
- Não.
- Vamos fazer um som? – Bernardo apontou para o violão que estava segurando.
- Vamos? Olha a hora – não estava acreditando na ideia louca daqueles três.
- Mila, tem um mirante que fica longe dos quartos, não vamos acordar nenhum outro
hóspede e nada ruim pode acontecer. Não tem risco de assalto nem nada, estamos no hotel –
Bernardo tentou me convencer pacientemente.
- Está o maior frio – reclamei.
- Pega um, dois, vinte casacos... Mas vamos – insistiu.
Eles não estavam bêbados, mas falando um pouco enrolado e mais alegres que o normal.
Mesmo naquelas condições, Rafael não falou nada, mas percebi que pelo menos arriscou alguns
olhares na minha direção.
Ele tinha bebido mais?
Não sabia o que fazer. Fiquei segurando a porta, analisando as expressões dos três. O
sono ainda passava longe do meu corpo e acabei concordando com aquela loucura.
Papai do Céu, não me castigue!
Entrei para pegar a jaqueta que o Bruno havia deixado comigo e peguei o maior casaco
de moletom que tinha levado. Apesar de feio, sabia que não deixaria que morresse de frio. Vesti
antes de fechar a porta e segui os três.
Acabamos indo para o mesmo deck que contei a minha história de amor de verão para o
Bruno. Era mais perto e menos frio que o mirante. Sentamos em círculo – a mesma posição da
mesa da festa - e o Bernardo começou a tocar alguma coisa.
- O que vocês querem ouvir? – perguntou.
- Nando Reis – não pensei duas vezes antes de responder. Os três olharam na minha
direção – Não me perguntem o motivo, mas desde cedo estou com as músicas dele na cabeça.
Dito isso, Bernardo começou a tocar uma das minhas favoritas – All Star. Ele tocava e
cantava muito bem. Rafael e Bruno acompanhavam bem baixinho e eu só escutava.
As músicas continuaram, os ritmos variaram e cada hora um de nós fazia o pedido. Bob
Dylan, Aerosmith, Cássia Eller, Ana Carolina, Seu Jorge e Jorge Bem Jor fizeram parte do
repertório. Apesar do frio, não estava com vontade de ir embora. Mesmo com toda a situação
com o Rafael e com o que tinha acontecido mais cedo com o Bruno, naquele momento, tudo
estava calmo. Até o meu coração.
Estava deitada no deck, viajando nos meus pensamentos, olhando o céu estrelado,
enquanto eles cantavam uma música do Jorge Bem. Eu nunca havia prestado atenção naquela
letra, mas ao ouvir os três cantando, fiz uma viagem para Búzios.
“Pois está fazendo
Um ano e meio, amor
Que eu estive por aqui
Desconfiado, sem jeito
E quase calado
Quando fui bem recebido
E desejado por você
Nunca como eu
Poderia esquecer, amor...
Ai, ai, ai
Se naquele dia você
Foi tudo foi demais pra mim
Ai, ai
Se naquele dia você
Foi tudo
Fez de mim um anjo...”

- Acho que é melhor a gente ir dormir – interrompeu Bruno e me trouxe de volta para
Campos do Jordão. Quando sentei, reparei que os três estavam me olhando de um jeito estranho.
- Verdade – concordou Bernardo e todos nós levantamos.
Não sei o que eles estavam pensando, mas pelas trocas de olhares pareciam saber
exatamente para onde os meus pensamentos tinham me levado.
- Boa noite, jornalista. – Bruno se despediu de mim ali mesmo, me deu um beijinho no
rosto, fixou o olhar por um minuto no meu, balançou a cabeça e foi embora.
Segui Bernardo e Rafael, já que os nossos chalés eram próximos. Quando chegamos na
frente do meu quarto, Bernardo continuou andando e o Rafael ficou ali, parado. Meu coração
parou por um minuto e depois deu um salto. Não estava pronta para mais frieza ou hostilidade.
Por que ele não tinha acompanhado o Bê?
Sem saber o que fazer, peguei a chave do meu bolso e não ia nem mesmo me despedir.
- Espera – pediu baixinho, com a voz rouca, provavelmente um efeito do vinho.
- O quê? – perguntei desconfiada e nervosa.
A varanda era bem pequena. Continuei com a mão na maçaneta, pronta para abrir, entrar
e bater a porta na cara dele se fosse grosso comigo mais uma vez.
- Espera – repetiu.
Fiquei totalmente desconcertada. Soltei a chave e virei de frente para ele.
- O que está rolando entre você e o ator? – perguntou sem rodeios.
- Você sabia que ele tem nome? Se ainda não souber, é Bruno – disse com certo tom de
deboche e petulância.
- E o que você tem com ele? – parecia não estar nem um pouco interessado em falar o
nome de ninguém.
- Nada.
- Não está encantada pelo Bruno? – Perguntou e me olhou desconfiado.
- O que você tem com isso?
- Está ou não está?
Por um segundo lembrei do olhar do Bruno quando me viu na festa, da preocupação que
teve comigo, da conversa esquisita na hora que estava voltando para o meu chalé.
- Não te interessa o que sinto ou deixo de sentir por alguém.
- Você adora sofrer, né? – deu uma risada debochada. – Primeiro foi um romance com
aquele cara de outro estado e agora está pagando paixão por um ator mais velho, que te olha
como uma criança.
Ai. Aquilo doeu. Será que o Bruno tinha comentado alguma coisa sobre mim?
- Não pedi a sua opinião para nada.
- Será que você não consegue entender que príncipe encantado não existe? Você tem
sempre que viver buscando um conto de fadas para a sua vida?
- Rafael, do que você está falando? O que está fazendo aqui em Campos do Jordão? O
que veio fazer no meu chalé? Por que simplesmente não vai embora? – disse com vontade de
chorar, sentindo que as lágrimas já estavam queimando os meus olhos.
- Aquele cara não era um príncipe, o ator também não é. Você precisa parar de fantasiar
as coisas – a voz era dura, ressentida e ele estava cada vez mais próximo de mim.
- Não estou fantasiando nada. Não quero discutir a minha vida com você – nossas vozes
estavam um pouco elevadas e algumas lágrimas rolaram pelo meu rosto, por mais que tentasse
evitar. Queria entrar no chalé, mas por algum motivo eu não conseguia fazer aquilo. Estávamos
em pé, na entrada da varanda. Eu dentro, ele fora e assim regulávamos o mesmo tamanho com o
desnível que separava as duas partes.
Naquele momento, sem dizer mais nada, Rafael chegou mais perto. Fiquei gelada, sem
ação. Os olhos dele eram intensos, mas ao mesmo tempo frios. E com aquela expressão, sem
nenhum tipo de romantismo, se aproximou da minha boca e me beijou. Um beijo diferente de
tudo que já havia experimentado.
Logo que nossos lábios se tocaram tudo foi rápido e forte. O beijo era como uma
explosão. Não tinha calma, não tinha delicadeza, mas também não era ruim. Era como se a nossa
raiva fizesse com que fosse cada vez mais intenso. Não estava nem mesmo conseguindo pensar.
- Chega! – reuni toda a força que ainda tinha para afastar o Rafael. – Por que você fez
isso? – passei a mão pela minha boca como se estivesse tentando apagar o beijo que havia
acabado de acontecer.
- É sobre isso que estava falando, Camila! Nem tudo precisa de explicações, historinhas,
ou fantasia. É melhor esquecer que isso aconteceu. Vamos fingir que esse beijo nem existiu –
suspirou e se afastou de mim.
- Faço questão de esquecer! Na verdade, não tenho nem o que lembrar – disse com raiva
e com a voz um pouco elevada.
- Que bom. Um dia você cresce e sai desse seu mundo de conto de fadas – e assim ele foi
embora.
O beijo do Rafael tinha deixado um gosto de vinho na minha boca. Senti ainda mais
vontade de chorar. Entrei no chalé e deixei que as lágrimas viessem. Mergulhei na cama, enfiei o
rosto no travesseiro e pensei no Leandro, no Bruno e no conto de fadas que sempre sonhava em
viver.
Rafael tinha mesmo razão e aquilo doía mais do que qualquer outra coisa.
Capítulo 15 – Depois daquele beijo

Acordei com a mesma roupa da festa, com o rosto inchado e a boca seca de tanto chorar.
De certa maneira, foi bom colocar tudo aquilo para fora. Já tinha muito tempo que guardava
sentimentos que não queria admitir e que tentei esconder desde o último verão.
Guardei não só dos outros, mas até de mim.
Olhei o relógio e levei um susto quando vi que já passava do meio dia.
Não estava com fome e nem com vontade de encontrar ninguém. Aproveitei para pegar o
meu bloquinho para fazer o exercício que o professor havia passado. Se ele queria sensações,
tinha várias para colocar no papel.
De todos os exercícios, aquele foi o que mais escrevi. Foram três folhas inteiras de
desabafo. Quando terminei, estava me sentindo ainda mais leve.
Sem vontade de sair do quarto, abri o painel do blog.
“Você tem um comentário”
“Parabéns pelo título da postagem! Realmente foi bem poética. Você escreve com poesia.
Confesso que não sou bom com as palavras, mas até que conheço uma ou outra citação. E esses
seus pensamentos me lembraram de uma que acredito que você vai gostar:
‘A certeza é fatal. O que me encanta é a incerteza. A neblina torna as coisas
maravilhosas’.
Concorda?
E se me permite ir ainda mais além, aposto que a neblina do seu outono será outra
experiência incrível. Mesmo estando do lado de cá do computador, posso perceber um clima
diferente no seu ar.
Você está na idade de aproveitar mesmo. Viva as estações, o calor, o frio, a névoa, as
flores. Curta tudo, pois isso passa rápido e o tempo não volta mais. Deixa para se preocupar lá
na frente.
Mistérios! Aproveite todos eles e seja sempre feliz.
Beijos,
Seu leitor!”.

Neblina? Tinha uma nuvem muito mais escura e pesada do que uma simples neblina na
minha vida. Suspirei tentando me animar com o comentário do meu leitor, mas nem ele foi capaz
de tornar o meu sábado mais colorido.
Será que isso é TPM?
Isso está mais para PPLE. Paixonite-Por-Loiro-Encrenca!
Paixonite?
Fala sério! Só se eu for uma mula!
Afastei da cabeça aquela conversa com a minha consciência. Aquilo estava ficando cada
vez mais estranho.
Acho que preciso de um psicólogo com urgência.
Sem muita determinação, caminhei até as minhas roupas para escolher o que vestir e fui
tomar um banho. Como não queria tirar a escova do cabelo, nem demorei no chuveiro. Voltei
para cama e fiquei passando tempo no Facebook.
Já eram quase duas horas quando tomei coragem para sair do quarto e ir até o restaurante
comer alguma coisa. Não tinha mais quase ninguém por lá e os funcionários estavam começando
a retirar a comida. Como não estava com muita fome, peguei apenas um pouquinho de arroz,
feijão, peito de frango e purê de batata.
Sozinha, fiquei brincando com o meu prato e não me empolguei nem um pouco em levar
o garfo até a boca. Dei no máximo umas cinco garfadas e não consegui mais olhar, nem sentir o
cheiro da comida. Estava enjoada, com um aperto na garganta e uma vontade enorme de ficar
bem quietinha no meu canto. Era difícil não ter minhas amigas por perto.
Voltei para a segurança do chalé e só saí de lá quando já estava atrasada para o curso.
Acabei me distraindo com “Dez Coisas Que Odeio Em Você”, que estava passando na televisão
e perdi o horário.
A vida precisa ser mais fácil, como acontece nos filmes. O mocinho implica com a
mocinha, eles brigam, brigam, brigam, mas no fundo se amam e um final feliz não demora a
acontecer.
Cheguei quase sem fôlego ao mirante e todos me olharam. Tinha sido a última a chegar.
Pedi desculpas pelo atraso e sentei na grama, o mais distante que consegui ficar do Rafael,
Bernardo e Bruno. Sentei ao lado das mesmas advogadas que tinham almoçado com a gente uns
dias antes.
- Tudo bem com você? – perguntou Tatiana.
- Aham. Acordei com um pouco de dor de cabeça – menti.
- Você não bebeu o vinho ontem, né? – arregalou os olhos.
- Não! Acho que é TPM – bufei, para mostrar que também estava irritada. Ela retribuiu
com um sorriso.
- Somente outra mulher é capaz de entender isso, não é? – riu. – Por isso sentou afastada
dos seus amigos?
Concordei com a cabeça como se aquela fosse realmente a razão para o meu humor e
para o meu rosto desanimado. A mentirinha colou, pois Tatiana fez cara de compreensão e disse
que se precisasse de qualquer coisa – até absorvente ou remédio para cólica –, que poderia falar
com ela.
– O pôr do sol desse ponto do hotel vai ajudá-los com a inspiração para o trabalho de hoje
– Márcio chamou atenção para ele – obrigada, professor!! - e começou a distribuir os exercícios.
“Inspire-se e deixe a imaginação rolar. Repare nas montanhas e no entardecer e
escreva sobre o que a sua cabeça e o seu coração mandarem.”
Hum... Que exercício mais difícil!
- Queridos, agora é com vocês! Quem não me entregou a tarefa de sexta, pode entregar
junto com essa, na segunda-feira. Amanhã é dia livre, aproveitem para passear pela cidade ou
para curtirem o hotel. Vou deixá-los em silêncio nesse momento. Podem ficar sozinhos, em
dupla ou em grupos. Como quiserem! Mas não deixem de apreciar toda a beleza desse pôr do
sol.
Pensei no exercício e olhei aquela paisagem incrível. Estávamos no ponto mais alto do
hotel e a vista era perfeita. O céu já estava ficando alaranjado e o sol começava a querer se
esconder atrás das inúmeras montanhas. Fiquei encantada e sem palavras com aquele final de
tarde.
Bruno estava me observando. Quando nossos olhares se encontraram, sorriu. Ao invés de
sorrir de volta, desviei o olhar. Ainda lembrava claramente do comentário do Rafael dizendo que
o Bruno me via como uma criança. Tentei esquecer aquilo para me concentrar no pôr do sol e no
trabalho que precisava fazer. Respirei fundo e fixei os olhos nas montanhas. Quando estava
completamente distraída, escrevendo na folha em branco sobre cenários inesquecíveis que
podem trazer lembranças de momentos e pessoas, levei um susto com o Bruno se jogando ao
meu lado.
- Boa tarde, jornalista!
- Oi – respondi sem graça e um pouco fria.
- Posso saber o que aconteceu? – perguntou baixinho. – As coisas estão estranhas entre a
gente. Foi alguma coisa que fiz ou disse ontem?
- Como assim? – dei de ombros.
- Sorri e você virou o rosto. Agora está toda estranha.
- Não aconteceu nada – respondi e dei uma olhada de rabo de olho na direção do Rafael.
Ele e o Bernardo estavam escrevendo e não prestavam atenção na gente.
- Vamos conversar sobre isso? – levantou o meu rosto para que olhasse para ele.
- Preciso terminar de escrever – me esquivei.
- Então, vamos terminar e depois conversamos – sem sair do meu lado, pegou o caderno e
voltou a fazer o exercício. Notei que meia página já estava preenchida.
Tentei voltar para a minha inspiração. Olhei para as montanhas mais uma vez e fiquei
ainda mais impressionada com a beleza daquele lugar. Cada morro tinha um tamanho e juntos
pareciam formar uma pintura. Voltei do ponto que havia parado e com a cabeça longe, consegui
terminar o que queria dizer. Menos páginas que o exercício anterior, mas não menos profundo.
Observei Bruno levantar e caminhar na direção que o professor estava para entregar o que
havia escrito. Mesmo já tendo terminado o meu, resolvi deixar para entregar na próxima aula.
Continuei no mesmo lugar olhando o restinho de claridade que coloria o céu.
- Oi, Mila – cumprimentou Bernardo, enquanto passava por mim. – Ainda não acabou? –
Rafael ficou parado ao lado dele esperando a minha resposta.
- Ainda não – menti.
- Quando acabar encontra a gente lá no restaurante. Vamos combinar o que vamos fazer
amanhã.
- Tá – menti mais uma vez. A última coisa que faria era encontrar com eles daqui a pouco
e muito menos pensar em programação para o dia seguinte. Rafael me lançou um olhar estranho,
mas não falou uma única palavra.
Ainda bem!
Só a lembrança da noite anterior me dava calafrios. Não sabia como olhar para ele depois
daquele beijo cheio de ressentimento. As meninas também se despediram e foram entregar os
trabalhos para o Márcio.
- E aí, jornalista? Não vai entregar o seu trabalho? – perguntou Bruno, e voltou a sentar
ao meu lado.
- Acho que vou entregar junto com o de ontem.
- Ainda não terminou? – tentou olhar por cima da minha folha, mas não conseguiu, pois
escondi.
- Acabei, mas fico com vergonha de entregar aqui. Prefiro entregar na sala de aula.
- Deixa de ser boba. Entrega logo isso e vamos encontrar seus amigos. Temos que pensar
no que vamos querer conhecer no único dia livre do curso. São várias opções e acho que não dá
tempo de fazer tudo em um dia só.
- Vai lá você, vou voltar para o meu chalé – disse rápido e com mais desespero do que
pretendia.
Quase todos os outros alunos já tinham ido embora. O frio era cada vez maior.
- Quer o casaco? – fez um movimento para tirar a jaqueta, mas segurei a mão dele e
impedi que fizesse aquilo.
- Você é louco? Pode ficar tranquilo que esse aqui é bem quentinho – passei a mão pelo
meu casaco de moletom, que vesti assim que o sol se despediu de uma vez por todas.
- Se sentir frio pode me avisar que te dou o meu, combinado? – sorriu e concordei com a
cabeça.
- E então, quer me contar o que aconteceu ontem ou vou precisar colocar o Rafael contra
a parede? – perguntou, me encarando.
- Ele não comentou nada? – olhei de verdade para o Bruno, pela primeira vez naquele dia.
- Nada.
- Jura? – perguntei sem saber se acreditava totalmente naquilo.
- Não confia em mim, jornalista?
Fiquei em dúvida na hora de responder. Apesar de ter sentido uma afinidade gigantesca
com o Bruno nos primeiros dias do curso, com a chegada dos meninos ele acabou se
aproximando mais deles e me deixando um pouco de lado.
- Ei, você está pensando se confia ou não? – fez cara feia.
- Não é isso. Acho que da mesma forma que ficamos próximos nos primeiros dias, hoje
você está muito mais amigo do Rafael e do Bernardo.
Bruno se aproximou e deslizou a mão pelo meu cabelo, olhando profundamente nos meus
olhos, totalmente em silêncio. Suspirou quando não sustentei mais o olhar.
Ai. Meu. Deus!!!!
Senti minhas bochechas esquentarem.
- Nossa conversa vai precisar ser bem mais ampla e franca do que pensei – respirou fundo
e fez a minha barriga doer com aquela declaração. – Para começar, juro que o Rafael não
comentou nada. Tomamos café da manhã juntos e até perguntei sobre vocês dois, mas o
Bernardo disse que ele estava escondendo o jogo desde que havia voltado para o chalé ontem à
noite. Além disso, o humor do Rafael não parecia muito bom durante o dia inteiro. Ficamos em
dúvida se aquela cara fechada era ressaca ou algum problema com ele – terminou de falar e ficou
esperando, como se fosse a minha vez de esclarecer as coisas.
- Não quero que você comente nada com eles, tá? – pedi.
- Confia em mim, jornalista! Comigo os seus segredos estão bem guardados.
Estava mesmo querendo desabafar sobre o que havia acontecido, mas não queria contar
para as meninas, pois fiquei com medo que a Dani desse com a língua nos dentes e acabasse
contando para o Bernardo. Conversar com o Bruno talvez aliviasse um pouco aquele nó na
garganta.
Olhei mais uma vez para o céu, que agora era de um azul intenso e maravilhoso.
Organizei os pensamentos e comecei a falar. Não fui interrompida em momento algum, apenas
nós dois continuávamos naquele lugar, tinha toda a atenção do Bruno para mim.
- Depois ele disse que era para eu esquecer que aquele beijo tinha existido e foi embora –
terminei a história com o rosto quente e com os olhos molhados. Estava magoada com tudo
aquilo. – Não fiz nada de ruim para justificar o jeito que o Rafael está me tratando.
- Ah, Mila! – Bruno me puxou e me envolveu com o braço. Com a outra mão fez um
carinho no meu rosto, que estava apoiado no colo dele. – Não fica assim! Sabe, acho que tem
uma história muito maior por trás de tudo isso. Não acredito que o Rafael tenha raiva de você.
Isso tem cara de mágoa.
- Mas o que eu fiz? Ele praticamente me humilhou – lamentei com voz de choro.
- Acho que vocês precisam conversar e acabar de uma vez por todas com essa bobeira.
Não foi legal o que o Rafael fez com você ontem, mas para ter rolado um beijo, é porque existe
um sentimento aí. Das duas partes. Sabe aquela história “quando um não quer, dois não brigam?”
– constatou.
- Só se for sentimento de raiva, né? Ele só me criticou. O Rafael me odeia e eu nem sei o
motivo.
- Odeia tanto que te puxou e te deu um beijo. Que bela maneira de odiar – Bruno riu e
passou a mão pelo meu cabelo, que ainda estava liso da escova do dia anterior – Apesar de não
entender o jeito estranho que o Rafael gosta de você, entendo muito bem o motivo.
Oiiiiiiii?
Levantei a cabeça, me afastei um pouco e encarei o Bruno. O que ele quis dizer com
aquilo? Antes que começasse a levantar um milhão de questionamentos, ele continuou a falar.
- É, jornalista! Sabe aquela história sobre descer do trem e do “e se...”? Têm momentos
na vida que podemos até pensar em arriscar, mas também precisamos saber quando devemos
resistir e ficar no vagão.
Percebendo a confusão estampada no meu rosto, Bruno deu uma risada e apertou a minha
bochecha.
- Sobre o que você está falando? Ou melhor, de quem? – perguntei.
- Estou falando da gente, da vida, de decisões e até do Leandro.
- O Leandro? – ainda sentia alguma coisa pulsar em mim sempre que ouvia aquele nome.
- Também. Quando você me contou a história de vocês dois, fiquei pensando no que faria
se estivesse no lugar dele.
- E o que faria?
- Primeiro, achei que desceria do trem. Imaginei que se estivesse no lugar dele, se
realmente estivesse amarradão em uma menina, não deixaria que ela escapasse. Mas pensando
melhor, com um pouco mais de calma, acho que isso não seria a coisa mais esperta a ser feita.
Abaixei a cabeça.
- Ei, não por sua causa! – tentou arrumar o que tinha dito. – Só acho que se a gente pensar
um pouco melhor, vamos ver que descer do vagão é uma atitude muito inconsequente. Claro que
pode dar certo, mas a chance de dar errado é infinitamente maior – parou de falar e esperou.
Como fiquei em silêncio, ele continuou – Sabe, pensei em descer do trem em diversos momentos
nesses últimos dias, mas descobri que não descer é uma atitude menos egoísta e mais sensata.
- Não estou entendendo – disse com sinceridade.
- Senti uma afinidade enorme logo que nos conhecemos. Você é uma menina alegre,
doce, engraçada e nem parece que tem a idade que tem. É difícil encontrar meninas preocupadas
com o futuro, cheias de valores e tão obedientes, mesmo quando os pais não estão de olho. Mas
você é assim. Nossas conversas, nossa aproximação instantânea, a afinidade, fizeram com que
alguma coisa ficasse em sinal de alerta em mim. Você me deixou com uma vontade enorme de
descer do trem, sabe? – deu uma risada envergonhada.
Senti meu rosto esquentar com aquela revelação tão direta.
- E foi por esse motivo que me assustei e acabei me afastando um pouquinho. Quando vi
que estávamos próximos demais em tão pouco tempo, achei melhor puxar o freio de mão.
Comecei sentindo certo receio de você se envolver e acabar se magoando. Depois, o medo
mudou de lado. Só que isso não pode acontecer comigo. Tenho uma pessoa, uma namorada. Não
temos a melhor relação do mundo e nem mesmo vivemos o melhor momento das nossas vidas,
mas isso não é motivo para fazer o que der na telha, sem pensar nas consequências – confessou.
Não sabia o que dizer.
O céu já estava totalmente escuro e estrelado. Fazia muito, muito frio, mas nenhum de
nós dois parecia se importar.
- Você vai continuar muda? – perguntou.
- Não sei o que dizer sobre tudo isso – minha voz estava quase sem som, a vergonha e a
tensão com todas aquelas revelações, apertaram ainda mais a minha garganta.
- Quer que eu continue a conversa?
- Se você quiser...
- Quero – suspirou. - Então, o que quero que saiba é que não mudei de lado – riu. – Mas
vi nos seus amigos uma oportunidade de me segurar com força dentro do vagão – mais uma
risada. - A verdade é que fiquei com medo de me envolver com todo o seu jeitinho, a sua
inocência, os seus olhos brilhando para cada descoberta, para cada nova experiência longe dos
olhares dos seus pais. Fiquei com medo de sentir alguma coisa que não posso se continuasse a
ver sua cara de assustada por ter um menino na sua “casa”, na sua cama – deu uma gargalhada
com a última frase. – Nossa! Isso não ficou nem um pouco inocente, mas você entendeu o que
quis dizer. Estava falando sobre o filme que assistimos e o seu rosto de apreensão por ter um
garoto ao seu lado, no lugar que você dorme. Ficou melhor assim, né? – brincou. – Por isso me
afastei. Não sabia como ter essa conversa com você, não queria que se envolvesse e acabasse se
decepcionando e também não queria me envolver até chegar a um momento impossível de
recuar. E tenho que confessar também que ontem foi quase impossível resistir. Jornalista, além
de todas as qualidades que já mencionei, você é gata pra caramba! Estava um mulherão na festa
– assobiou de brincadeira um “fiu-fiu”. – Mas esse elogio também não é um incentivo para que
capriche na maquiagem todos os dias nem para que tenha vontade de parecer mais velha em
todas as festas. Você também fica linda assim, com essa carinha de vergonha, de perdida, sem
maquiagem, com cara de choro... Você é toda linda!
Silêncio. A única coisa que dava para ouvir em alto e bom som, com toda a certeza, era a
bateria de escola de samba que tinha dentro do meu peito. Bruno sorriu e balançou a cabeça.
- Mila, é difícil acontecer uma amizade entre um homem e uma mulher sem que pelo
menos um dos dois se envolva. Não digo que é impossível, mas isso é bem complicado de
existir. Você é linda e acho que não sou de se jogar fora – tentou colocar um pouco de humor. –
Essa combinação pode dar um resultado perigoso. Se não tivesse uma namorada, se fosse mais
novo, talvez o problema não fosse tão grande assim – parou para pensar por um minuto. – Na
verdade, seria explosivo demais – riu. - Mas além desses dois fatores, que já são motivos
suficientes para a gente segurar a onda, ainda existem outras pessoas e outras histórias. Se
estivéssemos realmente apaixonados, se vivêssemos um caso de amor à primeira vista, tudo isso
poderia ser diferente e essa conversa nem teria existido. Mas acho que o que sentimos – parou de
falar e me encarou – na verdade, o que eu sinto, pois nem mesmo sei se você chegou a ter algum
interesse por mim – arqueou a sobrancelha e continuou – é uma coisa de pele, de química, de
atração e afinidade. Não vale a pena a gente estragar uma amizade por uma coisa que pode até
ser forte, mas que não envolve um sentimento verdadeiro. É uma coisa mais daqui – tocou o meu
braço – do que daqui, né? – puxou a minha mão e pousou na altura do coração dele.
Concordei mexendo apenas a cabeça, totalmente envergonhada. Mas ele não estava
falando nenhuma mentira. Realmente todas aquelas borboletas que bateram asas na minha
barriga na noite anterior, tinham aparecido por causa de uma atração que senti e não de amor ou
paixão.
– Ei, será que a senhorita poderia dar um sorriso? Não gosto de te ver com essa carinha
tensa, sem palavras.
- Não sei o que falar.
Caramba, Camila! Parece um papagaio que vive repetindo que não sabe o que falar, que
não tem o que falar... Meu Deus! O Bruno vai retirar todos os elogios que fez. Até um papagaio
tem um repertório melhor que o seu, está parecendo mais uma calopsita que só sabe assobiar
uma música!
- Pode falar sobre as montanhas, sobre como o céu está estrelado, sobre o curso... –
sorriu. – Pode falar sobre o que quiser. Não precisamos deixar escapar essa amizade. O tempo
que temos aqui é bem pequeno e não devemos perder experiências legais e seguras, nada de
descer do trem ou de fazer coisas que podemos nos arrepender depois. Por mais que em alguns
momentos, como agora, isso pareça um pouco complicado – sorriu e se afastou. – É só respirar
fundo, contar até dez e manter certa distância.
Dei uma gargalhada com mais aquele comentário sincero. Depois de tudo o que o Rafael
fez comigo, era até bom para o ego ter aquela conversa com o Bruno.
- Acho que nunca conversei tão abertamente assim com ninguém – mudei, finalmente, o
meu comentário. Bruno me olhou com uma cara tão engraçada que me deu vontade de rir.
- Você quer dizer que nunca ouviu ninguém falar tão abertamente assim, né?! Porque até
agora só eu falei – fez uma careta e deitou na grama, olhando para o céu. Como continuei
sentada, meio sem saber o que fazer, ele me puxou para deitar ao lado dele.
- Obrigada – falei, depois de alguns minutos de silêncio.
- Pelo quê?
- Por toda essa conversa, pela sinceridade, por fazer com que me sinta bem, por dizer
tudo o que disse e por estar se tornando uma pessoa muito especial para mim, um amigo como
nunca tive igual. Acho que amizades verdadeiras são construídas exatamente dessa maneira, com
honestidade.
Bruno virou a cabeça e me olhou, fiz o mesmo.
- Vamos ignorar essas correntes elétricas, pois isso tudo passa. Amizade é uma coisa que
fica para sempre.
Concordei com um sorriso. Bruno era mesmo muito fofo.
- Qual é a sua estrela com o Leandro? – perguntou, voltando a olhar para cima.
Suspirei com aquela pergunta e mesmo diante de um céu tão estrelado, encontrei em
poucos segundos o Cruzeiro do Sul. Meu pensamento foi longe.
- O que você sente quando olha para elas? – perguntou.
- Sinto que o Leandro encontrou um jeito de não me deixar esquecer nunca o que vivi
com ele, pois essas estrelas sempre vão brilhar. E é para Búzios que os meus pensamentos vão
imediatamente quando dou de cara com elas, mesmo sem querer.
- E o que você pensa quando isso acontece?
- Começo a me fazer um milhão de perguntas. Se o Leandro não morasse tão longe, será
que estaríamos completando um ano e pouco de namoro? E qual momento do relacionamento
viveríamos agora? Crise? Brigas? Amor? E será que estaria aqui, mesmo se ele ainda existisse na
minha vida? Ele estaria aqui comigo? Teria ciúmes de você? – falei cada vez mais rápido.
- Incrível, não é? Como a vida é cheia de desvios e paradas. Cada uma delas pode ter um
destino diferente. É muito estranho pensar em tudo isso. É louco demais – passou a mão pela
cabeça e fechou os olhos.
- Muito louco mesmo – também fechei meus olhos. Senti o vento passar, a grama nas
minhas costas e a presença de uma pessoa muito especial ao meu lado. Um amigo como nunca
tive e que não ia querer perder por nada no mundo. Realmente a amizade ia valer muito mais do
que um beijo na boca.
- Acho que está ficando mais frio.
- Também acho – respondi, abrindo os olhos.
Antes que fizéssemos qualquer movimento para levantar, Bruno me encarou mais uma
vez.
- Já que sou seu amigo e que estamos sendo sinceros, posso te dar o último conselho do
dia?
- Aham.
- Acho que você precisa sentar e conversar com o Rafael.
Só de ouvir o nome daquele loiro-arrogante meu coração mudou de calmo para
estressado.
- Não tenho nada para conversar com ele, principalmente depois de tudo que falou e do
beijo que me deu.
- Exatamente por esses motivos é que vocês precisam conversar. Ou você vai preferir
evitar um encontro até o final do curso? Não podemos esquecer também que uma das suas
melhores amigas é namorada do melhor amigo dele. Resolver esse problema não é melhor do
que fugir?
Bruno tinha razão, mas eu não fazia a menor ideia de como resolver aquela situação.
Antes que pudesse ficar com mais minhocas na cabeça, ele ficou de pé e me puxou.
- Vamos encontrar o Rafael e o Bernardo? – perguntou com um desafio no olhar.
- Acho que vou para o meu chalé.
- Camila... – disse com um tom de advertência.
- Ai, tá bom! Vamos lá – segurei no braço do Bruno, como se aquele gesto fosse me dar
força para encarar o meu problema.
- Isso aí! Sabia que você não ia me desapontar – elogiou e apressou o passo na direção do
restaurante.
Tanto pela rápida caminhada quanto pela expectativa do que poderia acontecer, meu
coração dava saltos a cada novo passo. Não sabia quando iria conversar com o Rafael, nem
mesmo se isso iria rolar, mas não ia ficar me escondendo achando que era culpada pelo jeito que
ele havia me tratado.
Queria aprender a enfrentar os meus problemas, os meus medos e me tornar uma pessoa
mais madura. Sabia que isso era tão importante para o meu futuro profissional quanto aprender a
escrever bem.
E se o desafio começava ali, estava pronta para encarar.
Capítulo 16 – Longe de Casa
- Finalmente! O que estavam fazendo? – perguntou Bernardo, assim que passamos pela
porta do restaurante. Ele e Rafael estavam sentados logo na primeira mesa.
- Conversando – respondeu Bruno, mantendo nossos braços entrelaçados.
- Vocês ficaram no mirante até agora? – arqueou as sobrancelhas e abriu um sorriso
quando Bruno confirmou com a cabeça. - Hummmmm... Conversando? Sei! – brincou. Rafael
me fuzilou com o olhar. Bruno percebeu e deixou nossos braços ainda mais firmes.
- Já comeram? – Bruno ignorou a insinuação do Bernardo, deixando no ar a possibilidade
de ter rolado alguma coisa entre a gente. Quando confirmaram que já tinham jantado, ele
perguntou o que eu iria querer.
- Acho que prefiro um misto com chocolate quente – não estava com muita fome, ainda
sentia o meu estômago embrulhado com tantas emoções.
Bruno fez o pedido ao garçom e sentamos na mesma mesa que o Bernardo e o Rafael.
Enquanto esperávamos a comida chegar, Bernardo mostrou cheio de animação a
programação que tinham feito para o dia seguinte. Começaríamos por uma cachoeira, depois o
teleférico, um passeio a pé pelo centro da cidade e, para terminar, um parque de flores que todo
mundo disse que é imperdível.
- Como vamos fazer tudo isso? – perguntei já preocupada em como dar a notícia de que
passaria o dia fora do hotel para a minha mãe.
- De carro – respondeu Bernardo como se fosse uma coisa óbvia.
Enquanto lanchávamos, Márcio se aproximou, puxou uma cadeira e sentou com a gente.
Bernardo contou sobre os planos para o dia seguinte e o professor ficou animado. A presença
dele no passeio era a esperança para que mamãe deixasse que eu fosse com eles.
Quando terminamos de comer, avisei que estava voltando para o meu chalé. Já eram
quase nove horas e, se quisesse mesmo colocar os pés para fora do hotel no dia seguinte,
precisava usar toda a minha lábia e carisma para convencer mamãe.
--------
- Oi, mãe! – tentei falar com a voz mais doce possível assim que ela atendeu no primeiro
toque.
- Boa noite, bebezinho da mamãe! Como foi o seu dia?
Contei sobre o trabalho, sobre o pôr do sol maravilhoso e sobre a vista perfeita que a
gente tinha das montanhas.
- Nossa! Depois quero ver as fotos – avisou.
- Não tirei nenhuma ainda, mas amanhã é o dia de folga do curso, vou fotografar tudo o
que puder.
- Isso mesmo.
- Então, queria falar com você sobre amanhã.
- O quê? – o tom de voz mudou de alegre para desconfiado.
- Amanhã o Bernardo, Rafael, Bruno e o professor combinaram de passear pelos pontos
turísticos de Campos do Jordão, que ficam aqui pertinho do hotel e eu queria ir.
- Camila, Camila! Você não acha que está arrumando problema? Não tem outras meninas
nesse curso? Vai ficar saindo só com os garotos?
- Ah, mãe! Eles já são meus amigos, né? Você conhece bem o Bernardo, sabe que ele é
legal, responsável e namorado da minha amiga. A mãe da Dani confia nele pra caramba, pois
sabe que o Bê é ótimo. Não tem perigo de nada, Campos do Jordão é uma cidade pequenininha e,
além disso, fora do hotel, o meu celular pega e você pode me ligar o tempo todo – apelei. -
Também vou tirar foto de todos os lugares e coloco na internet para você acompanhar o passeio
em tempo real. Quero muito ir. Deixa? Por favor? – pedi quase sem ar, depois de tanto falar.
- Olha, pra falar a verdade gostaria mesmo era que você ficasse bem debaixo da minha
asinha para sempre, mas estava conversando com o seu pai sobre o seu amadurecimento.
Estamos muito orgulhosos por você estar correndo atrás dos seus sonhos, por já ter decidido a
sua profissão e por saber o que realmente quer. Conversei também com a minha analista e ela
disse que preciso te dar asas para voar. Então, meu amorzinho, vou confiar em você. Pode ir
amanhã, mas toma cuidado e tenha juízo.
Senti meus olhos ficarem marejados e as lágrimas surgiram. Nunca pensei que ficaria
emocionada com alguma coisa que a minha mãe dissesse.
- Obrigada, mãe – senti uma saudade enorme dela. – Pode confiar em mim, pois não vou
fazer nada de errado e vou ter cuidado.
- Sei disso. Estamos morrendo de saudades de você.
- Também estou com saudades! Muito obrigada por me dar a oportunidade de viver tudo
isso. Amo vocês – declarei e nos despedimos.
Achei melhor descansar o quanto antes, pois não sabia as surpresas que o dia seguinte
reservava. Só desejava que fossem todas boas.
Capítulo 17 – Como um dia de domingo
Antes de sair para o café da manhã, dei uma conferida no visual. Estava com um short
jeans soltinho, uma blusa preta e tênis colorido. Coloquei dinheiro, documento e celular dentro
da mochila que usava para os dias de piscina no clube. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo
meio de ladinho e saí do chalé.
O céu estava sem nenhuma nuvem. Acho que a sorte anda ao meu lado quando viajo.
Obrigada, São Pedro! Mesmo com o sol brilhando, o clima era bem geladinho na sombra. Por
precaução, havia colocado o biquíni, mas tinha quase certeza que não iria molhar nada além do
dedinho do pé.
- Bom dia, jornalista! – Bruno levantou e me abraçou quando cheguei ao restaurante.
Bernardo e Rafael continuaram sentados e somente o Bê sorriu para mim - Já pedi seu chocolate
quente e fiz esse sanduíche para você – ergueu o prato na minha direção.
Ok. Achei um príncipe encantado, mas tenho que me contentar com o título de amigo-
encantado ou irmão-encantado. Ô sorte!
- Obrigada! Assim vou ficar mal acostumada – flertei.
- Pode ficar. Não é trabalho algum fazer isso para você – Bruno entrou na brincadeira e
piscou para mim.
Acho que o título de Amigo-Irmão-Encantado é ainda melhor para ele. Já que não
poderia beijar, era legal saber que tinha um protetor lindo e divertido assim ao meu lado. Ai,
ai...
- Animados? Acho que vai ser divertido – Bernardo abriu o mapa para mostrar o caminho
que faríamos.
- Vai ser ótimo – respondeu Bruno e terminou de comer o sanduíche.
- Bom dia! – Márcio entrou bem empolgado no restaurante. – Estou apenas esperando
vocês - avisou.
Sem querer perder mais tempo, levantamos e seguimos o professor até o estacionamento.
Quando chegamos ao carro, Bruno correu para abrir a porta do banco do carona para mim,
enquanto todo mundo se ajeitava atrás.
Ao passar pelo portão do hotel, senti uma onda de adrenalina. Aquele era apenas o
começo de inúmeras experiências que teria pela frente, mas era um início muito legal.
Depois de uma descida, uma subida e outra descida enorme, chegamos à nossa primeira
parada: Ducha de Prata. Estacionamos na frente de uma feirinha de artesanato, eram várias
barraquinhas vendendo todo tipo de coisa. Enquanto os meninos compravam água, andei na
direção da entrada da tal cachoeira.
O lugar era bem bonitinho, cheio de pontes coloridas que tinham pontos bem embaixo da
ducha para quem quisesse se molhar. Também notei a existência de algumas que levavam para a
parte de cima e uma pequena que seguia para a parte de baixo. Peguei o celular, tirei algumas
fotos e mandei para mamãe.
- Ei, jornalista! Que susto. Da próxima vez, avisa que está saindo de perto da gente –
Bruno se aproximou de mim acompanhado pelo Rafael e me ofereceu uma garrafinha de água –
quer que tire uma foto sua?
- Vamos tirar um selfie – já estava preparando o celular para inverter a câmera, mas ele
pegou o aparelho da minha mão.
- Rafael, pode bater uma foto para a gente? – pediu e entregou o meu celular na mão
daquele loiro-problema fazendo com que ele ficasse desconcertado, sem poder dizer não.
Depois de duas fotos, Bruno correu para pegar o celular e empurrou o Rafael na minha
direção.
- Vai lá também – disse e se posicionou como se já estivesse enquadrando o melhor
ângulo para a foto.
Senti vontade de matar o Bruno. Desde aquele beijo, não havia mais trocado uma única
palavra com o Rafael e agora, estava sendo obrigada a fingir que nada tinha acontecido e ainda
teria que tirar uma foto com ele.
Para a minha surpresa, não era a única que estava sem graça ali. Ele também estava
completamente sem jeito.
- Vamos lá, gente! Camila, chega mais para a direita para o cenário ficar diferente – pediu
e obedeci. Caminhei na direção que o Bruno havia apontado. – Sorriam e se abracem, né?
Nenhum dos dois morde, não. Posso garantir – brincou e mais uma vez levantou o celular para
tirar a foto.
Rafael se aproximou e passou a mão pela minha cintura.
Como assim?
Depois de tudo, como aquele loiro-sonso ousava fingir na cara dura que nada
aconteceu? Ele estava me abraçando e sorrindo para a foto?
- Ei, Mila! Estou esperando você mostrar os dentes – provocou Bruno.
Sorri, pois não sabia o que mais poderia fazer e depois de ver o flash piscar, caminhei na
direção do Bruno e peguei meu celular.
- Obrigada – falei baixinho e de maneira irônica. Ele sorriu.
Quando Márcio e Bernardo se aproximaram, avisei que estava indo dar uma olhada na
outra ponte, eles continuaram por ali. Caminhei por uma pequena trilha até umas pedras que
davam na água. Amava aquele cheiro de natureza. Sentei, tirei o tênis e me aproximei bem da
pontinha para molhar meus dedos.
Estremeci. Era impossível pensar em mergulhar ali, mas era gostoso colocar o pé e deixar
por alguns segundos. Da posição que estava, conseguia ver os meninos conversando lá em cima,
mas eles não podiam me ver. Coloquei uma música para tocar no meu celular, deitei na pedra e
viajei pelos meus pensamentos. Fechei os olhos para prestar atenção nas sensações de estar ali,
naquele lugar tão diferente do movimento intenso da cidade. Senti a pedra gelada nas minhas
costas, o cheirinho gostoso de terra e de mato, relaxei ouvindo Jack Johnson.
- Acho que vou te passar um trabalho extra – disse Márcio, quando abri os olhos depois
de ouvir umas três músicas.
- Que susto – sentei rapidamente, coloquei a minha meia e o meu tênis – pensei que vocês
ainda estavam conversando lá em cima.
- Viemos ver o que tinha aqui e te buscar para conhecer o centro da cidade, mas você
estava tão relaxada, que resolvemos esperar. Acho que vou pedir para você fazer uma redação
sobre o passeio de hoje. Trabalho extra – brincou.
- Olha que eu faço, hein? – levantei e peguei a minha mochila. – Vamos?
Dei mais uma olhada para aquele cantinho tão gostoso e relaxante, molhei a mão na água
geladérrima e passei no rosto. Que delícia! Fui a última a chegar ao carro e partimos para o
centro de Campos do Jordão.
Aquele lugar parecia cenário de filme. As casinhas tinham um estilo todo europeu, com
as folhas secas das árvores pelo chão, as ruas ficavam ainda mais charmosas. Estava apaixonada.
- Vamos dar uma caminhada e depois paramos para almoçar? – sugeriu Márcio e todos
concordaram.
Fiquei impressionada com a quantidade de restaurantes que existiam ali. Mesmo
pequena, a cidade é totalmente preparada para receber turistas. Não faltam opções de hotéis e
lugares para comer.
Em diversos momentos da caminhada, sentia meu sorriso estampado no rosto. Estava
amando aquela sensação de conhecer um lugar novo, de observar, de estar acompanhada, mas ao
mesmo tempo sozinha. A minha certeza do futuro parecia aumentar dentro de mim a cada passo
dado.
Depois de quase duas horas rodando pelo centro, tirando fotos, olhando lojinhas e
feirinhas, minha barriga começou a dar sinais de alerta. Fiquei com água na boca com tantas
lojas de chocolate que pareciam deliciosas, mas os meninos me convencerem a esperar e entrar
só depois do almoço, pois se a gente acabasse provando algum doce antes, perderíamos a fome.
Tadinhos! Eles não sabem que sou fominha pra caramba.
Paramos em novas lojinhas de artesanato e o Bernardo me pediu ajuda para escolher um
presente para a Dani.
Que fofo! Será que algum dia vai existir alguém que também vai pensar em um presente
para mim durante uma viagem?
- E aí, vamos almoçar? – chamou Bruno quando saímos de mais uma loja.
Graças a Deus!
- Vamos! Já estou com fome de tanto andar – concordou Márcio.
- Posso dar uma sugestão? – perguntou Rafael e quando todos disseram que sim, ele
continuou – Cara, tem uma pastelaria aqui que é boa demais. Vim no inverno passado com os
meus primos e ficava lotada de tão famosa que é. Com certeza não vai estar cheia agora, o
movimento começa mais tarde, mas se não se importarem com isso... Vão se amarrar no pastel.
Eu garanto.
Tinham sido poucas as vezes que havia presenciado aquele lado simpático do Rafael. Era
tão diferente da maneira que ele vinha me tratando.
- Mas será que não vamos ficar com fome com apenas um pastel? – perguntou Bruno.
- Não! Ele é gigante, cara. Acho que a Camila não vai nem conseguir comer o dela
sozinha.
Oi? Ouvi o meu nome sair da boca daquele loiro-grosso-e-sem-noção? Da onde surgiu
toda aquela simpatia?
- Beleza! Vocês topam? – perguntou Bruno para todos nós, mas olhando diretamente para
mim.
Dei de ombros e concordei com a cabeça.
Não estávamos muito longe da tal pastelaria. Quando nos aproximamos e senti o
cheirinho que vinha de lá, quase flutuei como nos desenhos animados. O lugar era bem
bonitinho, as paredes eram repletas de fotos de artistas, cantores e apresentadores que já tinham
comido os famosos pastéis. No cardápio, as opções eram tantas que ninguém escolheu o mesmo
sabor.
Rafael tinha razão quanto a duas coisas: o tamanho do pastel e o gosto maravilhoso da
massa e do recheio. Pedi um dos sabores “mais sem graça” da enorme lista, mas como sou
apaixonada por milho e catupiry, não resisti a essa combinação. Todos implicaram comigo, mas
nem me importei.
Quando chegou e experimentei o primeiro pedaço, não me arrependi da escolha. O pastel
estava maravilhoso! Tão bom que foi alvo de muitas fotos e a melhor foi imediatamente para o
Instagram. Ao contrário do que o Rafael havia dito, consegui comer o meu inteiro, sem deixar
nenhum pedacinho para contar história.
- Parabéns, Camila – Márcio resolveu me parabenizar, olhei para ele sem entender o
motivo. – Acabei de descobrir mais uma das suas qualidades, além de escrever belos textos.
- Qual? – perguntei sem graça.
- A de comer.
Todos na mesa deram uma gargalhada, senti a minha bochecha esquentar de vergonha.
- Mas é verdade! Aposto que todos eles – apontou para os meninos – iriam amar ter uma
namorada assim. A maioria das garotas só quer saber de salada e de poucas garfadas na comida.
Um pastel desse tamanho? Nem pensar! Ainda mais se ele for recheado de milho e catupiry.
Mais gargalhadas.
- Não como tanto assim todos os dias. Na verdade, tento evitar comer besteira, mas não
dispenso uma comida gostosa se estou com vontade. Acho que se conseguir equilibrar as
guloseimas e as coisas boas, não tem problema nenhum - tentei me defender.
- Você está completamente certa. Meu comentário foi um elogio, não uma crítica –
explicou Márcio com um sorriso no rosto.
- Mulheres neuróticas são chatas, nenhum garoto gosta – acrescentou Bruno.
- Verdade – confirmou Bernardo e todos olharam para o Rafael.
Até eu!
- É – se limitou a dizer e tive quase certeza absoluta que o rosto dele ficou corado.
Para fechar toda aquela comilança, Rafael pediu um pastel de banana com chocolate e
dividimos em cinco pedaços iguais.
- Selfie – convocou Bruno antes que a gente atacasse a sobremesa. Todo mundo se
espremeu para caber na foto e ela ficou linda, totalmente espontânea e feliz.
A sobremesa estava maravilhosa e foi devorada em poucos segundos. Depois de me
lambuzar com todo aquele chocolate divino, coloquei no Instagram a nossa foto. Um minuto
depois o meu celular tocou.
- E aí, filhinha! Está se divertindo? – perguntou mamãe, assim que atendi.
- Muito.
- Que pastel enorme aquele da foto, hein?
- Delicioso, mãe! – elogiei, me sentindo muito satisfeita.
- E os meninos, estão cuidando de você direitinho? Quem é esse cara mais velho na foto?
É sério, mãe? Você vai fazer essas perguntas indiscretas mesmo sabendo que eles estão
bem ao meu lado?
- Vim com os meninos e o professor. Lembra que te falei? – tentei dar a resposta da
maneira mais disfarçada possível.
- Que legal! Fico menos preocupada. Já sabem o que vão fazer agora?
Contei sobre os planos e também falei um pouquinho sobre o que já havíamos feito.
Tentei dar todas as informações que mamãe queria para que confiasse cada vez mais em mim.
- Quero ver mais fotos. Você só mandou duas até agora – reclamou.
- A internet não ajuda muito. Mais tarde eu te mando tudo.
- Oba! Quero ver. Cuidado, tá filha?! Estou orgulhosa das suas conquistas, da sua
independência e de como está crescendo rápido. Te amo!
- Também, chatinha. Beijo.
Quando desliguei, os meninos ficaram fazendo gracinha. Fingi que estava chateada e o
Bruno me abraçou, bagunçando meu cabelo. De barriga cheia, saímos da pastelaria e entramos
na loja de chocolates que ficava bem ao lado, quase mandei embrulhar tudo.
Sim! Sou chocólatra e – Graças a Deus! – não tenho problema com espinha.
- Galera, precisamos fazer uma escolha – Márcio chamou a nossa atenção quando saímos
da loja com sacolas recheadas de doces. – Não dá tempo de fazer o passeio de teleférico, ir ao
parque das flores e andar de quadriciclo. Precisamos escolher as prioridades. Sinceramente, acho
o jardim mais bonito e diferente. É enorme, com uma vista deslumbrante. Não é um programa
feminino, vocês também vão curtir.
Depois de perdermos mais alguns minutos decidindo o que fazer, optamos por seguir a
sugestão do professor.
Voltamos para o carro, Bruno ligou o som e fomos para o famoso jardim. Passamos por
algumas subidas e entramos em uma estradinha mais estreita. Era muito, muito alto. As
montanhas vistas dali eram impressionantes.
Estacionamos na frente do parque Amantikir e seguimos até a bilheteria. Quando
passamos pela entrada, demos de cara com um terreno enorme. Não dava para ter uma noção
exata do tamanho. Olhamos para cima e tivemos a certeza de que teríamos muitos jardins para
percorrer.
O aroma daquele lugar era delicioso. Impossível identificar qual perfume se destacava
mais. Era uma mistura de flores, grama, terra molhada, natureza. Senti vontade de deitar ali
mesmo, naquele gramado e de fechar os olhos para sentir o vento gelado que soprava bem
fraquinho.
Tiramos muitas fotos para guardar aqueles cenários para sempre.
Passamos por alguns jardins que pareciam florestas, com trilhas entre árvores enormes,
laguinhos, pontes, flores de todas as cores. A caminhada era marcada por subidas e descidas,
algumas de tirar o fôlego.
Quando estávamos chegando ao final do passeio, Bernardo sugeriu uma brincadeira em
um labirinto de arbustos que ficava no caminho da saída.
Apesar de parecer brincadeira de criança, não era tão bobinho. Na verdade, olhando de
fora, parecia até bem grande.
- Mulheres em primeiro lugar – sugeriu Bernardo, empolgado com o desafio. – O último
a encontrar a saída vai ter que sofrer um castigo – avisou e todos aceitaram.
Entrei correndo e depois de quatro voltinhas, acabei me perdendo de verdade. Tentei
voltar para o ponto de partida, mas não consegui encontrar o caminho. Também não dava para
ouvir os passos de ninguém. Parecia que cada um tinha ido por uma direção. Os corredores
apertados do labirinto começaram a me dar uma agonia que nunca havia sentido antes.
Não acredito que está com medinho de um brinquedo de criança, Camila.
Respirei fundo e joguei aquela ansiedade de lado. Queria achar a saída antes de todos,
resolvi apressar os passos.
- Ai – gritei quando dei um esbarrão com força no Rafael.
Tinha que ser aquele loiro!
- Desculpa – pediu bem baixinho.
- Acho que a culpa foi minha, fiz a curva com muita velocidade – expliquei.
- Toda essa pressa é para vencer? – perguntou.
Não posso confessar que estava com medo.
- Sou bastante competitiva - disfarcei.
Ficar ali parada, naquele espaço mínimo, com um caminho sem saída atrás de mim e com
o Rafael na minha frente, fez com que a ansiedade e a claustrofobia momentânea viessem com
mais força ainda.
Ai, meu Deus! O que fazer?
Calma, Camila! Tudo isso é coisa da sua cabeça. Isso é apenas um brinquedinho, não é
tão difícil assim achar a saída. Não existe motivo para pânico ou medo. É só caminhar e achar o
maldito caminho certo.
Respirei fundo e pedi licença, tentando chegar Rafael para o lado para não perder mais
tempo ali.
- Você tem problema com lugares fechados? – chegou perto de mim, impedindo ainda
mais a minha passagem.
- Acho que não. Nunca senti isso antes – respondi com o coração acelerado. Por mais que
tentasse disfarçar, Rafael havia percebido que não estava tudo certo comigo.
- Calma! Respira fundo – pousou a mão no meu braço, sem muito jeito – Cara, você está
gelada. Com certeza tem claustrofobia.
- Mas nunca senti isso – repeti, agoniada.
- Bernardo? – chamou Rafael.
- O que você está fazendo? – perguntei ainda mais nervosa.
- Vou ver se alguém já achou a saída para te guiar.
- Não faz isso – pedi, quase choramingando. - Já é ruim o bastante saber que estou
pagando esse mico na sua frente, não quero que todo mundo saiba disso – lamentei.
- Mico?
- Até crianças brincam aqui. Isso é uma vergonha – senti vontade de chorar.
- Claro que não, Camila. Um monte de gente é claustrofóbica, é normal acontecer com
qualquer um.
- Por favor? Não conta isso para ninguém.
- Tem certeza que não quer uma ajuda rápida?
- Não. Já passou a agonia, o medo, sei lá – menti. Meu coração ainda estava batendo
acelerado e forte.
Mais uma explosão de sensações aconteceu dentro de mim quando Rafael continuou sem
se mexer, me encarando profundamente. Mas aquilo, nada tinha a ver com claustrofobia. Sem
dizer mais nada, segurou a minha mão e me guiou pelos caminhos apertados do labirinto.
Nunca esperei que ele fosse fofo daquele jeito comigo. Agradeci silenciosamente pela
paciência, compreensão e por ter conseguido me acalmar completamente.
A mão do Rafa era grande, macia e quentinha. Ele não entrelaçou os dedos aos meus,
estava me segurando como quem segura uma criança, apenas com o intuito de guiar.
Depois de avançarmos por um corredor mais longo e de errarmos duas entradas,
conseguimos chegar ao meio do labirinto.
- Está mais calma? – soltou a minha mão um pouco sem graça com aquela situação.
- Não sei o que aconteceu comigo – respondi baixinho, sem conseguir olhar nos olhos
dele. Estava morrendo de vergonha.
- Relaxa! Essas coisas acontecem com qualquer um – deu de ombros e voltamos a andar.
Depois de mais dois caminhos errados, conseguimos encontrar a saída.
- Pode ir na frente – disse e ficou parado.
Agradeci e saí correndo. Os meninos estavam sentados no meio fio, rindo da brincadeira.
- Caramba, você e o Rafael merecem o troféu tartaruga – implicou Bernardo. – Sem
senso nenhum de direção, hein? Jamais iria querer ficar perdido em uma trilha com vocês.
- Ele ainda não saiu? – disfarcei para não levantar nenhum tipo de suspeita. – Quem
ganhou?
- É claro que fui eu! Tenho habilidade para isso – gabou-se Bernardo. - Márcio foi o
segundo e Bruno, depois de rodar como uma barata tonta foi o terceiro.
Rafael saiu e todo mundo implicou com a demora, ele riu das brincadeiras e me olhou de
rabo de olho ainda com o sorriso no rosto. Deu uma desculpa qualquer e não contou para
ninguém o que havia acontecido lá dentro.
Agradeci mexendo apenas os lábios e aquele segredo bobo parecia estar dando início a
alguma coisa que até aquele momento não existia entre a gente.
Capítulo 18 – Surpresas de outono
O último passeio daquele dia era em um hotel bem próximo ao lugar que estávamos, mas
ainda assim Bruno preferiu ir de carro para que não perdêssemos tempo e aproveitássemos mais.
Chegamos em menos de cinco minutos e fomos até os quadriciclos. Como além de nova, não
tenho nenhuma experiência em dirigir aquilo, muito menos uma moto, acharam melhor que eu
fosse de carona com um dos meninos.
Bruno me entregou a rede de proteção para o cabelo e o capacete. Fiquei completamente
ridícula com aqueles adereços e implorei para que não tirassem foto, mas ninguém me ouviu.
Peguei carona com o Bruno, ele me ajudou a subir e só depois que consegui achar uma
boa posição, ele sentou. Como já estava acomodada, segurando na parte de trás do quadriciclo,
achei melhor continuar naquela posição, mesmo depois dele ter oferecido para que segurasse na
cintura dele.
Ok, podem dizer o quanto sou boba pela oportunidade perdida. Eu sei.
O passeio era guiado e passávamos por alguns trechos que davam frios na barriga. Eram
tábuas que pareciam que iriam romper a qualquer instante, fazendo papel de pequenas pontes que
passavam por cima de grandes poças d’água.
- Não precisa ficar com medo, jornalista – disse Bruno com a voz abafada pelo capacete.
Ele provavelmente estava dando uma conferida pelo retrovisor nas caras que eu estava fazendo. –
Mesmo se essas madeirinhas não estivessem aqui, passaríamos pelas poças com tranquilidade.
Eles fazem esses caminhos só para dar mais emoção – explicou empolgado.
Paramos em uma cachoeira e todo mundo desceu para tirar mais fotos. Soltei o cabelo
daquela redinha tosca, ele estava todo amassado. Não queria ter a imagem tão detonada na
internet e antes de me juntar aos meninos, tentei dar uma arrumada no visual.
O lugar era muito lindo. Senti uma enorme vontade de entrar na pequena queda de água.
Tinha feito aquilo uma única vez na vida, quando ainda era pequena e lembro como a sensação
era gostosa. Mas com o friozinho que fazia em Campos do Jordão, a coragem para repetir a
experiência era praticamente nula. Para não perder tanto tempo com um milhão de celulares,
combinamos de tirar fotos apenas com o aparelho do Bruno. Ele ficou responsável por criar um
grupo no Whatsapp para compartilhar todas elas com a gente.
- Acho que vou salvar seu número com outro nome – comentou Bernardo para o Bruno,
enquanto voltávamos a colocar o capacete.
- Por quê? – perguntei curiosa, me metendo na conversa.
- Acho mais seguro. Você sabe muito bem como a sua amiga é, né? Se ela descobre o
número do Bruno, pode ser que ele tenha que trocar depois.
Todo mundo riu.
Quando Bruno foi ligar o quadriciclo, ele não funcionou. O guia tentou ajudar, mas
acabamos descobrindo que a gasolina havia acabado. Ele se desculpou e disse que devolveria o
dinheiro, mas que precisaríamos ir de carona com os nossos amigos.
Antes que eu pudesse pensar melhor no que iria fazer, eles decidiram por mim. Bernardo
deu carona para o Bruno, Márcio acelerou para puxar a fila e sobrou apenas o Rafael, que ficou
me encarando sem dizer nada, vendo o que eu iria fazer.
- Posso ir com você? – perguntei totalmente sem graça, me sentindo ainda mais ridícula
com aquele capacete. Ele concordou.
Rafael me ajudou a subir, da mesma forma que o Bruno havia feito e depois voltou para o
lugar dele. Fiquei exatamente na mesma posição da ida, com as mãos apoiadas na parte de trás
do quadriciclo. Quando o guia viu que todos já estavam preparados, acelerou e todo mundo foi
seguindo em fila, nós éramos os últimos.
- Eu não mordo – disse com a voz abafada pelo capacete e fiz cara de quem não tinha
entendido o comentário. Rafael não explicou mais nada, apenas puxou a minha mão e prendeu na
sua cintura.
Com o impulso que o carrinho deu, acabei apertando involuntariamente o meu braço no
corpo dele.
Ui, ui, ui.
Era uma sensação muito estranha estar abraçada ao Rafael depois de tudo o que já
tínhamos vivido. Quer dizer, depois de toda a minha paixonite e tantos desencontros. Fiquei tão
aérea pensando em tudo aquilo, que nem reparei nas pontes, na lama e no caminho de volta.
Parecia que tinha apenas piscado e já estávamos chegando ao ponto final.
- Obrigada – agradeci envergonhada quando desci do carrinho.
Sem demorar nem mais um minuto, arranquei aquele capacete e a rede de proteção,
tentando prender o meu cabelo de um jeito que não ficasse feio.
- Prontos para a última emoção do dia? – perguntou Márcio. – Mocinha, acho melhor
você deixar a sua mochila comigo.
- Você não vai? – perguntou Bruno ao professor.
- Deixo isso para os jovens – abriu um sorriso divertido.
- E que emoção é essa? – perguntei já sentindo uma pontinha de apreensão.
- Segredo – respondeu Bernardo. – Mas você não pode nem pensar em amarelar. Esse é
um desafio obrigatório para quem quer ser uma jornalista de viagens – provocou. – Não é nada
perigoso. Até a Dani, que é fresquinha, não perderia essa oportunidade.
- Mas qual é o problema de me dizerem o que é?
- Porque tudo que é surpresa é mais emocionante.
Acabei concordando e acompanhei os meninos. Senti um frio enorme na barriga. Não
queria parecer fraca ou medrosa demais.
Caminhamos juntos por um campo enorme e começamos a subir uma montanha. Quando
olhei para cima, cheguei a ficar enjoada, pois descobri qual era o tal desafio.
- É sério isso, gente? – perguntei olhando para a tirolesa que ficava bem no alto.
- Claro – respondeu Bernardo me puxando pelo braço para que eu não desistisse. – Vai
ser legal, Mila! O Márcio vai tirar fotos iradas e você vai poder guardar o registro da sua
primeira aventura de viagem.
Quando chegamos ao topo da subida, esqueci o receio e fiquei hipnotizada pela vista. Um
campo enorme e verde, cheio de árvores lindas e ao fundo toda a cadeia de montanhas que eu já
estava apaixonada. O visual estava ainda mais incrível por causa do pôr do sol.
- Está com medo de descer? – Bruno parou ao meu lado.
- Não.
Ele me olhou desconfiado.
- Não precisa se jogar se não quiser.
- Eu sei, mas quero superar meus limites – disse confiante.
- Muito bem – elogiou e me chamou para colocar os equipamentos.
O céu estava alaranjado e o frio parecia aumentar a cada segundo. Estremeci.
- Posso ir primeiro? – pedi e todos me olharam.
- Tem certeza? – perguntou Bruno em dúvida.
- Prefiro ir antes de todo mundo. Estou morrendo de frio também, aqui venta mais – disse
e andei na direção do responsável pela tirolesa para que ele me dissesse tudo o que precisava
saber antes de descer.
Estava sentindo uma adrenalina enorme enquanto ele me preparava. Percebi o olhar
congelado do Rafael em mim e aquilo só fez aumentar ainda mais a sensação inquietante do meu
corpo.
Respirei fundo, tentei não pensar muito no que estava fazendo e...
- Uhuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!!!!! – gritei durante toda a descida.
Aquilo era gostoso demais! Abri os braços e balancei as pernas para aproveitar ainda
mais a sensação de liberdade. Nunca havia sentido nada igual. Era como voar. Cheguei ao final
com muita vontade de fazer de novo, estava com um sorriso de orelha a orelha.
- Sua foto ficou demais, Camilinha – elogiou Márcio.
Estava louca para ver, mas ele pediu para que eu esperasse que todos descessem, pois
tinha ficado responsável por tirar todas as fotos e se fosse parar para me mostrar, poderia acabar
perdendo a descida de alguém.
- Amei! Quero fazer de novo – disse empolgada quando todos tinham descido.
Todo mundo riu com a minha animação e fomos até o nosso hotel conversando sobre o
dia que passamos juntos.
-----
Entrei no meu quarto e encostei na porta. Que dia!! Meu coração estava batendo mais
forte que o normal e minha cabeça ainda girava. Antes que pudesse pensar mais uma vez em
tudo o que tinha visto e vivido, corri para tomar um banho.
Liguei o chuveiro em uma temperatura bem quente e deixei a água cair no meu corpo.
Fechei os olhos e repassei tudo o que havia acontecido desde o meu pavor no labirinto até aquele
momento. Lembrei da mão do Rafael envolvendo a minha, do jeito tão diferente que ele havia
me tratado, das duas cachoeiras e da minha sensação de voar.
É sério que existem mesmo pessoas que não gostam de viajar?
O banho estava tão gostoso, que dava até vontade de dormir ali, deixando a água cair.
Mas além de ter consciência de que isso seria um desperdício, também acelerei para ligar logo
para mamãe, antes que ela enviasse uma equipe de busca para a cidade.
- Oi, amor – falou assim que ouviu a minha voz. Pelo menos ela não estava irritada com a
demora. – Gostou da sua aventura?
- Amei. O dia foi longo, mas maravilhoso.
- Que bom, filha. E você já jantou ou está apenas com aquele pastel na barriga?
- Ainda não comi, mas vou pedir alguma coisa para jantar no meu quarto mesmo. Está
fazendo o maior frio lá fora.
- Então, vai se alimentar logo e aproveita que passeou o dia inteiro para dormir cedo. Mas
antes, me conta um pouquinho das suas aventuras.
Fiz uma descrição perfeita de tudo o que havia visto durante o dia. Contei sobre a cidade,
o parque das flores, o labirinto, o quadriciclo e a tirolesa.
- Não acredito, Camila – disse em tom de desespero.
- Sem neura, dona Regina! Já estou sã e salva no meu quartinho do hotel.
- Você é maluca. Fica procurando encrenca para a sua vida – reclamou.
- Não corri nenhum tipo de risco. Relaxa. Vou colocar as fotos para você ver. Não era
nada muito alto. Fiquei com mais medo do labirinto do que da tirolesa.
- Você não bate bem da cabeça – suspirou. - Coloca logo essas fotos, seu pai está aqui
mandando beijos e dizendo que também quer ver tudo o que você fez. Te amo, pequena.
- Beijos para você dois. E obrigada por tudo isso.
Nem cheguei a colocar o telefone no gancho, apenas dei um toquinho para desligar e dar
linha de novo e liguei para o restaurante do hotel. Pedi um prato bem caseiro: arroz, feijão, bife e
batata-frita.
Enquanto esperava a comida, penteei o cabelo e coloquei um conjunto de moletom bem
quentinho que havia levado para dormir, mas que era horroroso. Como não tinha a pretensão de
colocar nem um dedinho para fora do quarto e sabendo que só veria o entregador do restaurante,
não me importei.
Liguei o laptop e entrei no meu blog.

O que mais as nuvens do outono reservam para mim? – 28 de março


É engraçado perceber como a gente pode mudar de uma hora para outra. É assustador
também. Em determinado momento estamos bem, acreditamos que o mundo é de um jeito e no
minuto seguinte, já não sabemos o que está acontecendo com a gente, já não entendemos nada
sobre a vida, já não somos mais donos de certeza alguma e no lugar da segurança, é a
insegurança que esmaga o peito. Como isso pode acontecer tão rápido? Como podemos
amadurecer em instantes?
Acho que já estou me tornando repetitiva, mas realmente a cada novo dia a minha
certeza aumenta: Quero viajar o mundo e descobrir cada vez mais quem sou e a que lugar
pertenço. Espero vencer meus medos, sozinha ou de mãos dadas com alguém. Quero ver estrelas
tão lindas como as que vi em Búzios e montanhas tão mágicas quanto as de Campos do Jordão.
Quero mais, muito mais.
Quais surpresas ainda estão por vir nesse destino? Não tenho a menor ideia. E com essa
mistura de sentimentos que vai do medo ao deslumbramento, espero descobrir todas elas. Quero
“viver tudo o que há para viver, quero me permitir...”

Fechei o painel do blog e entrei no Facebook. Levei um susto com a quantidade de


notificações. O balãozinho vermelho mostrava que havia 53 curtidas, marcações e comentários.
Morrendo de curiosidade, entrei para saber o motivo de tanto alvoroço.
Ah, claro! O motivo de todo esse estardalhaço só podia ser o Bruno. Tinha esquecido
completamente que ele era famoso. Todo mundo estava achando o máximo eu estar dividindo
um pastel com uma celebridade. Se eles soubessem que esse é o menor de todos os detalhes que
vivo aqui.
Dei uma gargalhada com o comentário da Dani, que comemorava o fato de o Bernardo
também estar na foto com o Bruno. Ela já estava achando que também namorava uma estrela.
Tão diferente do número de notificações, o balãozinho das mensagens dizia que havia
apenas uma aguardando por mim.
Juliana: Oi, Mila! Menina, hoje entendo a agonia que a Dani sentia enquanto estávamos
em Búzios. É muito chato ficar vendo as suas novidades – e coitada, nem isso a Dani via, pois a
gente ignorou a internet naquele verão! – e não poder fofocar para saber tudo nos mínimos
detalhes. Fiquei curiosa quando vi que você estava dividindo um pastel com o Bruno e com o
Rafael (?!?!?!?!?!). Como está essa relação entre vocês? Já estão amigos, ficaram, só dividem
comida, mas não trocam palavras? O que acontece?
Então, também fico nervosa com essa distância, pois perco a minha melhor conselheira.
Sei que você não quer saber muito sobre o Cris, pois ele faz com que você lembre outra pessoa,
mas você é a amiga que mais confio para conversar sobre essas coisas. Será que vai se importar
muito com esse assunto? Pode dizer a verdade, verdadeira. Não quero trazer lembranças que
você não quer ter, tá?
Então, estou falando com o Cris DIRETO! Ou por aqui, ou pelo whatsapp ou por
telepatia – risos! Mas é sério, Mila! Ele disse que sente muita saudade, que nunca gostou tanto
de conversar com alguém como gostou de conversar comigo e que nunca sentiu tanta falta de
uma pessoa como sentiu de mim durante todos esses meses que ficamos sem contato. Agora,
estamos tirando o atraso e conversando sem parar. Ele disse que se fosse algo passageiro o que
sentimos um pelo outro, que aquela saudade e aquele frio na espinha teriam morrido no verão
ou no máximo no outono passado, mas se ainda está tão vivo assim entre nós dois, é porque não
foi apenas um amor de férias. Não é fofo?
Ele também me falou sobre os meninos, mas não vou nem citar nomes nem dizer o que
ele falou, só vou fazer isso se você quiser saber.
Ai, Mila! Estava me esquecendo de falar uma coisa muito importante... Menina, estou
apaixonada e viciada no seu blog. Você escreve muito bem e não tinha que manter em segredo.
Quando descobrirem suas postagens, você não vai nem precisar fazer faculdade para trabalhar
com o que quer.
Você já é praticamente uma profissional. Parece até a Carrie Bradshaw, de Sex And The
City, mas naquele outro seriado, quando ela começa a escrever, sabe? Diários de Carrie. Uma
pena que cancelaram, né? Era tão legal! Você poderia escrever sobre diferentes temas, sobre
relacionamentos... Acho que seria perfeito.
E quem é aquele “seu leitor”? Você não morre de curiosidade de saber não? Eu morri.
Que história legal!! Não comentei nada lá, pois até para isso fico um pouco tímida. Você sabe,
né? Existem coisas que não mudam nunca.
Acho que já escrevi um testamento. É a saudade que sinto de você. Obrigada por ter se
tornado a minha melhor amiga e por sempre ser a melhor conselheira do mundo. Você pode
estar em qualquer lugar do planeta, mas sempre vou arrumar um jeito de te achar e de te pedir
ajuda, um ouvido – ou olhos – para um desabafo.
Obrigada. Te adoro para sempre!
Beijos!!!

Suspirei tentando organizar os pensamentos.


Rafael, Leandro, Bruno... Meu Deus! Quanta confusão na minha cabeça!
Será que queria ter notícias do Leandro depois de ficar tanto tempo tentando fechar
aquela cicatriz da saudade que ele deixou?
Depois da mensagem da Ju, a minha curiosidade para saber o que o Cris havia falado
sobre eles estava quase me matando.

Mila: Oi, Ju! Caramba... Quanta notícia!


Que bom saber que você achou o meu blog legal. Até agora fico boba com essa história
do meu leitor. Não tenho a menor ideia de como ele me achou. Em alguns momentos desconfio
que pode ser algum dos meninos que estão aqui – Bruno, Rafael ou Bernardo. Mas no instante
seguinte, acho que isso é a maior maluquice e que não existe a menor possibilidade de ser um
deles.
E esse seu amor com o Cris? Ah, Ju! Isso é tão fofo... Confesso que invejei um
pouquinho, sabe? Apesar de ser o mais tímido dos meninos, ele com toda a certeza é o mais
corajoso e o que realmente sabe o que quer. O Lê e o Tadeu provavelmente se sentem como se
tivessem vivido apenas um amor de verão que passou. Tudo bem, a história foi linda,
inesquecível, mas confesso que sempre torci para que nunca tivesse acabado ou para que tivesse
um recomeço. Mas a cada nova estação, essa esperança fica mais distante.
Depois da sua mensagem pensei bastante sobre isso, decidi que não quero saber notícias
do Lê. Sobre o Cris, pode continuar a me contar. Amo histórias de amor que dão certo.
Ju, aqui está uma verdadeira confusão de sentimentos na minha cabeça. Já cheguei a me
sentir atraída pelo Bruno e depois ele confessou que também se sentiu atraído por mim – Oh
céus!!! Dá para acreditar? Nunca mais vou olhar para aquele pôster que tenho dele da mesma
maneira.
O Rafael me beijou, mas isso é segredo absoluto. Foi horrível, amiga. Não o beijo, mas a
atitude dele. Tudo aconteceu depois da festa de sexta-feira, ele havia bebido vinho e parecia
estar um pouco alterado. Falou diversas coisas terríveis para mim, cheio de grosseria. Quando
foi embora, ainda disse que era para eu esquecer que aquele beijo tinha existido.
Só que hoje, naquele passeio que fizemos em Campos do Jordão, que está totalmente
popular no meu Facebook, ele parecia outra pessoa. Não perdeu aquele jeito marrento, mas teve
momentos de cuidado comigo, sabe? Confundiu totalmente a minha cabeça sobre o que pensar
dele e também o que ele acha de mim. Tem momentos que tenho certeza absoluta que ele me
odeia e em outros, sei lá...
Também escrevi um testamento. Estou com saudades de vocês.
Te adoro!!
Beijos

E como se fosse uma sincronia de tempo perfeita, quando cliquei em enviar, minha
comida chegou.
Capítulo 19 – Dando o Primeiro Passo
Depois de jantar, entrei mais uma vez no Facebook. Juliana ainda não tinha visualizado a
mensagem, minha foto com os meninos continuava bombando de comentários e curtidas, olhei a
caixa de bate-papo e o Rafael estava on-line.
Mila: Oi.
Ai. Meu. Deus! O que fui fazer?
Se o desespero foi grande no momento em que apertei a tecla para enviar a mensagem,
ele aumentou ainda mais quando li que ela havia sido visualizada. Com o silêncio que seguiu,
imaginei um milhão de coisas. Não sabia o que iria escrever caso ele respondesse. Quando
pensei em dizer que havia enviado a mensagem para a pessoa errada, apareceu um aviso que ele
estava digitando.
Obrigada por ser dedo duro, Facebook!
Rafael: oi.
Mila: Só queria agradecer por você ter me ajudado mais cedo, por não rir de mim e por
não ter falado nada para os meninos.
Rafael: Relaxa!
Silêncio.
Mais alguns minutos e mais silêncio.
Uau! Que conversa sensacional! Quantas palavras ditas, quantos assuntos
compartilhados.
Opa! Ele está escrevendo de novo.
Rafael: Já te disse que essas coisas acontecem. E além disso, você foi totalmente
corajosa no brinquedo que a maioria das pessoas iria fugir, a tirolesa.
Mila: Obrigada. Acho que gosto mais de me sentir livre do que presa.
Rafael: Isso é ótimo.
Enquanto decidia se puxava ou não mais um assunto, o Facebook dedurou o Rafael mais
uma vez. Ele estava escrevendo algo, só que acabou desistindo.
Droga!
Mila: E o Bernardo, já está dormindo? Não vão tocar violão hoje?
Tentei continuar a conversa.
Rafael: Ele não desgruda do computador desde que chegamos. Deve estar conversando
com a sua amiga. Acredita que ainda nem tomou banho?
Mila: kkkkkkkkkkkkkk... Aqueles dois não se desgrudam! Mesmo com a distância, eles
dão um jeito.
Rafael: Quando as pessoas querem, elas sempre dão um jeito.
Ai. Aquela tinha doído.
Mila: Verdade.
Rafael: Depois falamos melhor, tenho que ir. Bernardo desligou o computador e já tá me
enchendo o saco aqui para jogar cartas com ele e o Bruno. Beijo.
Mila: Ele vai jogar sem tomar banho? =O Que porquinho! Kkkkkkkkk... Vocês são
loucos! Já viram a hora? Não esqueçam que amanhã tem aula, hein? Vou dormir para não ficar
com sono de manhã. Beijo e obrigada por tudo.
Rafael: Boa noite.
Antes de deitar, separei as duas redações que ainda não tinha levado para o Márcio e a
roupa do dia seguinte.
Liguei a televisão para ver se conseguia me distrair e tirar da cabeça aquela mensagem do
Rafael, mas ela me assombrou até o cansaço tomar conta do meu corpo.
“Quando as pessoas querem, elas sempre dão um jeito”.
Capítulo 20 – A carta
O clima no café da manhã foi muito melhor do que todos os outros dias. Não fui mais
ignorada pelo Rafael e aquilo me fez bem. Ainda estávamos longe de nos tornarmos amigos, mas
pelo menos não ficamos mais como lutadores em uma arena.
A aula do Márcio foi mais uma vez deliciosa. O tema principal foi o filme Cartas para
Julieta. Ele falou sobre como as palavras podem mudar destinos. Também comparou as cartas
com as mensagens rápidas de e-mail. Fiquei tão encantada por aquela aula que quase não
piscava, com medo de perder alguma coisa.
- Então é isso, pessoal! A tarefa de hoje vai ser igual para todo mundo – avisou enquanto
passava de mesa em mesa para pegar os trabalhos de quem ainda estava devendo. – Quero que
vocês escrevam uma carta para alguém do passado. Pode ser uma carta de amor, um pedido de
desculpas, uma carta para algum amigo que você sempre adorou, mas nunca mais encontrou.
Podem escrever para quem quiserem. Sei que algumas pessoas já me entregaram alguns
trabalhos impressos, mas especificamente esse quero que vocês escrevam com o próprio punho.
Nada de computador. Escrevam como se fossem entregar para a pessoa. Não importa se não sabe
o endereço, se o destinatário já morreu, não interessa. Escrevam tudo o que um dia ficou por
dizer e façam isso em quantas páginas acharem necessárias.
Senti a minha barriga congelar e a vontade de pegar a caneta para começar a escrever já
era enorme.
- Vamos almoçar? – chamou Bernardo.
Fui em silêncio ao lado dos meninos e não consegui prestar atenção no que eles
conversavam durante o almoço. Quase não toquei na pouca comida que havia colocado no meu
prato.
- Está se sentindo mal, jornalista? – perguntou Bruno após Rafael sinalizar com a cabeça
para que eles prestassem atenção em mim. Mesmo distraída, percebi aquele movimento.
- Não, mas não estou com muita fome. Acho que vou deixar vocês e vou para o meu
chalé. Quero aproveitar que estou inspirada para começar logo o trabalho.
- Vai ficar com fome depois – alertou Bernardo.
- Como alguma coisa mais tarde, depois a gente se fala.
Sem dar tempo para que eles falassem mais, levantei e saí do restaurante. Ao invés de
seguir na direção do meu chalé, fui para o caminho oposto. Acelerei o passo até chegar ao
mirante e sorri satisfeita ao constatar que não havia ninguém lá. Tentei me acomodar da melhor
forma possível na grama, o dia estava totalmente cinza, mas a paisagem continuava sendo
maravilhosa. Estava vestindo uma calça legging preta e um enorme casaco vermelho. Logo pela
manhã, tinha achado a roupa bem desarrumada, mas agora, com o vento que soprava naquele
lugar, sabia que havia sido a escolha perfeita.
Respirei profundamente para sentir o ar gelado invadir o meu corpo. A sensação era
gostosa, o clima inspirava. Abri meu caderno e comecei a escrever tudo o que tentei esconder até
de mim, desde aquele verão.
Leandro,
Oi. Tudo bem? É até engraçado escrever para você depois de todo esse tempo. Um pouco
maluco, estranho, sei lá! Mas confesso que dá um friozinho na barriga. Uma mistura de bom e
ruim, sabe?
Estou fazendo um curso de redação criativa, em Campos do Jordão. Dá para acreditar que
já estou treinando para o meu futuro? Lembra quando te contei que sonhava em ser jornalista?
Pois é, o sonho está cada vez mais forte e estou correndo atrás da melhor maneira que posso.
Todo dia o professor dá um tema para que cada aluno desenvolva um trabalho. É uma
aula bem diferente e muito legal! Estou apaixonada pelo curso.
Hoje, durante toda a manhã, ficamos conversando sobre cartas. Começamos falando
sobre aquele filme – Cartas para Julieta – já assistiu? É bem fofo! Depois, o Márcio – esse é o
nome do professor – passou como trabalho um desafio: Escrever uma carta para alguém do
passado, para falar alguma coisa que tenha ficado por dizer.
E aqui estou eu, tirando você da minha memória para te trazer para o frio de Campos do
Jordão.
Parece meio idiota? Por que escolher logo você? Será que mesmo depois de todo esse
tempo ainda não esqueci o que aconteceu naqueles poucos dias do verão que já cansou de
passar?
Bom, nesse momento, quero esquecer qualquer comportamento maduro, qualquer
disfarce do tipo “o que passou, passou!” que insisto em vestir desde que as férias do ano passado
chegaram ao fim. Quero poder ter os meus dezesseis anos como qualquer outra garota da minha
idade, com meus dramas - que tento camuflar e finjo não ter - e com a paixonite platônica - que
digo em alto e bom som que aprendi a evitar, pois é coisa de criança. Hoje, quero ser a Mila
insegura, uma menina com saudades, aquela que tem tanto a te dizer...
Sei que já faz tempo, mas o que vivi com você foi diferente de tudo o que havia
experimentado. Até aquele verão, eu era uma pessoa que ainda desconhecia muitas sensações e
sentimentos. As minhas paixões não eram correspondidas e nunca tinha compartilhado
momentos especiais com outra pessoa. Também não experimentei nada parecido depois daquilo.
Será que é um problema meu?
Fico pensando em como isso pode soar bobo, infantil. Esses dias eu ouvi que preciso
acordar, pois contos de fada não existem e vou cansar de tanto esperar por um príncipe em um
cavalo branco. Acho até que a pessoa tem um pouco de razão, sou mesmo sonhadora demais.
Não sei muito bem o que você pensa – e se ainda pensa – sobre o nosso verão. Não sei se
quando olha para o céu estrelado e vê o Cruzeiro do Sul, se ainda se lembra de mim. Não sei se
fui apenas mais uma garota que passou na sua vida, mais um beijo entre tantos, somente uma
distração. Também não sei o quanto é bobo pensar durante tanto tempo em uma história que foi
escrita em tão poucos dias. Mas quando penso nisso, me lembro do coelho da Alice – aquela do
país das maravilhas – quando ele diz que às vezes basta um segundo para que algo dure para
sempre.
Então, esquecendo todos os julgamentos que podem ser feitos, deixando de lado o medo
de parecer infantil e parando de enrolar de uma vez por todas, o que queria dizer é:
Você foi a história mais especial que já vivi e por mais que eu tenha outras experiências,
por mais garotos que venha a conhecer, aquilo que experimentei com você vai estar sempre na
minha lembrança.
Muitas vezes me peguei pensando no que teria acontecido se você morasse no Rio ou se
eu morasse em Goiânia. Será que estaríamos juntos? Será que teria dado certo? E será que eu
estaria aqui, em Campos do Jordão, fazendo esse curso e sonhando em viajar pelo mundo para
contar o que vi e vivi? Ou nesse momento os meus planos já seriam outros?
A Juliana me escreveu para contar que o Cris voltou a escrever para ela. Confesso que foi
difícil não pensar em você depois disso.
Por que nunca mais falou comigo? Por que nunca mais me procurou? Em qual momento
você decidiu que não valia mais a pena manter contato? O que te levou a essa decisão?
Nossa! Quantas perguntas...
Lembra o bilhete do Rafael? Nunca respondi. Também não dei muita bola para nenhum
dos garotos que conheci depois. Acho que sempre fiquei com certo medo de me envolver com
alguém e do telefone tocar no dia seguinte, com você do outro lado da linha dizendo que estaria
indo dar uma volta no Rio.
Como nunca nos despedimos de verdade – a gente simplesmente foi parando de se
falar!!!!!!!!! -, acho que continuei esperando pela mensagem ou pela ligação que nunca chegou.
Então, acredito que é isso que está faltando para que eu deixe aquele verão no passado, para que
ele seja apenas uma boa lembrança, somente cinco estrelinhas no céu.
Sem essa despedida, sempre vai ficar um “e se...” na minha cabeça. E como disse um
amigo que fiz recentemente, isso é muito perigoso, pois são pensamentos e mais pensamentos
que muitas vezes só atormentam e não levam a lugar algum. Ficamos apenas pensando o que
poderia ser ou o que poderia ter sido e não seguimos em frente, não nos abrimos a outras
possibilidades.
Outro amigo também me fez pensar quando disse que quando as pessoas querem, elas
sempre dão um jeito. Acho que isso é mesmo verdade. Sei lá! Se a gente tivesse que ter vivido
outra estação, outros momentos, outra cidade, isso já teria acontecido.
Mas deixando de lado tudo o que não foi...
Queria agradecer por ter sido uma pessoa especial, por ter despertado tantas sensações
gostosas em mim, me tratado de um jeito tão carinhoso, por ter me dado um céu de presente e
por ter escrito um lindo capítulo da minha vida. Também queria me desculpar por dizer tudo isso
– por mais que seja para um trabalho e talvez algo que você nunca vá ler -, por fazer perguntas
que mais parecem cobranças, por achar que tenho o direito de querer uma despedida, mesmo que
o nosso romance tenha sido apenas de verão.
Obrigada e desculpa!
Beijos,
Mila Garcia
Capítulo 21 – Resposta
Depois de terminar a carta, fiquei por algum tempo deitada na grama. Quando o frio
começou a apertar ainda mais, voltei para o chalé decidida a enviar aquelas palavras para o
Leandro. Passei na recepção, pedi para usar o scanner e salvei o arquivo no Pen Drive. Não perdi
nem mais um segundo, andei o mais rápido que consegui na direção do meu quarto. A vontade
era de correr. Já tinha perdido tempo demais.
- Ei, Mila – gritou Bernardo.
Ah, não! Agora não!!
Acenei e continuei a andar.
- Que pressa é essa, jornalista? – quis saber Bruno.
- Depois falo com vocês – estava tão ansiosa e nervosa que nem me preocupei em ser
simpática.
Não queria amolecer nem mudar de ideia. Marchei na direção do meu chalé e liguei o
computador assim que o alcancei.
Com as mãos tremendo, foi difícil encaixar o pen drive, mas assim que consegui, passei o
arquivo para a pasta dos meus documentos e abri o meu e-mail. Leandro ainda estava entre os
meus contatos e torci para que não tivesse mudado de endereço eletrônico.
Anexei o arquivo e digitei.

Assunto: Uma carta para você


Olá! Não precisa responder essa mensagem. Tudo o que precisava falar, está na
carta anexada aqui.
Beijos,
Mila
Sentindo o coração disparar, apertei o botão para enviar. Pronto. Estava feito. Depois de
tanto tempo, Leandro teria notícias minhas. Preferi mandar a carta ao invés de passar para o
computador, exatamente pelo que o Márcio falou na aula. A nossa letra mostra muito mais sobre
nós mesmos. Uma tremidinha, uma mancha, uma caligrafia mais caprichada... Tudo isso deixa as
palavras ainda mais fortes e verdadeiras. As cartas transbordam sentimentos, revelam muito mais
da nossa alma.
Corri até o telefone e como imaginei mamãe já estava preocupada com o meu “sumiço”.
Se não ligasse no horário que ela já estava acostumada, ela surtava. Depois que expliquei que
estava tudo bem e que demorei a ligar porque estava fazendo o trabalho do curso, tudo ficou
resolvido.
Voltei para o computador depois de conversar mais um pouquinho com mamãe. Resolvi
aproveitar aquela onda de inspiração que estava tomando conta de mim para atualizar o meu
blog.
Minha trilha sonora – 29 de março
“Coloquei uma carta numa velha garrafa, mas uma carta de solidão. Coloquei uma
carta, um pedido da alma: salvem meu coração”
Se a minha vida fosse um filme e tivesse que escolher a trilha sonora, a música de hoje
não seria das mais animadas. Obrigada, LS Jack pela antiga canção que inspira esse momento
que estou vivendo agora.
Fico secretamente me perguntando: Será que a minha carta vai chegar até você? Será
que você vai “abrir a garrafa” para descobrir o que tem lá dentro? Será que existe algum jeito
de salvar o meu coração? E o que vai achar de tudo o que escrevi?
Sinto um aperto no peito. Talvez continue sem uma resposta, mas pelo menos disse o meu
adeus.
E se comecei com uma música, termino com outra essa postagem que pouco diz para
quem lê, mas que revela muito do que está dentro de mim nesse momento:
“Bem mais que o tempo
Que nós perdemos
Ficou pra trás
Também o que nos juntou
Ainda lembro
Que eu estava lendo
Só prá saber
O que você achou
Dos versos que eu fiz
E ainda espero
Resposta”

Não sei o que estava buscando quando abri o meu e-mail mais uma vez, mas com toda a
certeza do mundo, não era o que acabei encontrando. O nome do Leandro olhava para mim e
quase não consegui segurar o mouse com firmeza para clicar na mensagem dele.
Depois de respirar fundo diversas vezes, a coragem apareceu e, para me deixar ainda
mais surpresa, uma mensagem de apenas uma linha me encarava.

Está conectada? Me adiciona no Skype, por favor! Vou te esperar.

Ai, meu Deus!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Senti o meu coração dar cambalhotas de emoção. Depois de tanto tempo, iria falar
novamente com o Leandro.
Mas o que ele tinha para dizer? Por que mandou aquele e-mail tão seco, tão sem
palavras?
Medoooooooooooooooo!
Abri o Skype e adicionei o novo nome de usuário do Leandro que ele havia mandado no
assunto do e-mail. Em um segundo ele apareceu online, provocando em mim uma enorme
tremedeira.
“Oi”
Escrevi para que percebesse que estava conectada, mesmo tendo a certeza que ele já sabia
daquilo. Afinal, havia acabado de adicioná-lo.
No instante seguinte, quase caí da cadeira. Estava concentrada, olhando fixamente para a
tela, esperando o momento que o Skype avisaria que ele estava digitando uma mensagem,
quando no lugar do texto, ouvi uma musiquinha. O susto foi tão grande, que a cadeira quase
virou. Leandro estava me convidando para uma conversa com vídeo. Olhei para mim e tive
vontade de chorar. Estava com aquele casacão vermelho, com o cabelo preso e com uma cara de
dar medo.
O que eu faço?!
Enquanto a musiquinha continuava, corri como barata tonta pelo quarto. Não daria tempo
de escolher uma roupa melhor, arrumar o cabelo e passar a maquiagem.
Mas o Leandro não me vê desde o último verão!! Como posso aparecer assim para ele
depois de tanto tempo?
Corri para a minha bolsinha de maquiagem e passei disfarçadamente um pouco de tudo.
Queria ter pelo menos mais cor. Olhei para o espelho e decidi soltar o cabelo. Arrumei da melhor
maneira que pude com a mão e fui para frente do computador, que já estava silencioso
novamente.
“Atende.”
“Desculpa, tinha ido ao banheiro. Chama mais uma vez.”
Logo que terminei de digitar, a musiquinha voltou a tocar e confirmei o pedido de vídeo.
Quando Leandro apareceu, senti uma saudade indescritível, uma vontade enorme de entrar no
meu laptop e parar do outro lado, sentir aquele abraço e aquele beijo mais uma vez.
- Oi! – sorriu.
Era alucinante o que acontecia dentro de mim. Tambores, borboletas, raios, tudo junto e
misturado passando por cada centímetro do meu corpo. Nunca imaginei que depois de tanto
tempo, ouvir aquela voz seria tão especial e mexeria tanto comigo. Senti uma agonia enorme de
saber que estávamos tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe. E mais uma vez, aquela sensação
que era boa e ruim me inundou.
- Oi – respondi com a voz fraca.
Leandro estava tão lindo quanto antes. Na verdade, estava ainda mais bonito. Com o
braço mais musculoso, o cabelo um pouco maior e o sorriso que eu amava. Usava uma blusa
verde musgo e um fone no ouvido.
- Está me ouvindo bem?
Ah, aquele sotaque!
- Mila?
- Oi. Desculpa, estou ouvindo bem.
- Você continua indo visitar o seu universo paralelo com a mesma facilidade de sempre,
né? – deu uma gargalhada. – Tinha me esquecido dessa sua habilidade.
- Quando ouvi a sua voz, meus pensamentos voaram longe mesmo. Nem lembro mais
quando foi a última vez que escutei você falar – a sinceridade dominava a minha língua.
- Já faz tempo, né? – suspirou - Está sozinha em Campos do Jordão? Sua mãe deixou? –
demonstrou surpresa e aquilo me fez rir. Leandro conhecia mamãe muito bem.
- Dá para acreditar? – brinquei.
- São quantos dias de curso?
- Praticamente duas semanas. Começou na terça passada e acaba nessa sexta.
- E como está aí? A cidade é legal?
- Muito! O hotel é afastado de tudo, tem uma vista maravilhosa e é enorme. Como não
tivemos aula no domingo, conseguimos passear. As casas são muito fofas, é um clima mais frio,
delicioso.
- Já fez amizades?
O que será que ele vai pensar quando eu falar do Rafael?
- Sabe quem é Bruno Ferraz?
- Ator?
- Aham – confirmei.
- Sei.
- Foi a primeira pessoa que conheci aqui. O Bruno está fazendo o curso e é gente boa pra
caramba. Virou meu amigo logo de cara.
- Hum... Só amigo?! – brincou.
- Claro – fiz uma careta.
- Já deve ter roubado o coração do menino – deu aquele sorriso todo dele, que mais
ninguém tinha igual.
- Até parece – fiz careta e mudei de assunto. - E além dele, o Bernardo e o Rafael também
estão aqui. Lembra deles?
- O namorado da sua amiga e o seu namoradinho? Como esquecer?
Bufei.
- Ele nunca foi e não é o meu namorado – fiz cara de brava.
- Ai, carioca! Não imaginei que sentiria tanta saudade assim ao falar com você, sabia?
Quando te passei meu Skype, fiquei sem saber como a gente começaria a conversar. Pensei que
seria tenso, mas parece que a gente se despediu ontem. É natural falar com você – passou a mão
pelo rosto e voei longe, me lembrando de como era gostoso segurar aquela mão.
- Por que você achou que seria tenso?
- Pela carta que recebi – levantou umas folhas e só depois entendi que era a carta
impressa.
- Ah, Lê! Desculpa! Não era para ser uma carta ruim. Na verdade, nem reli o que escrevi
– raciocinando melhor, foi terrível a minha atitude. Não conseguia nem mesmo lembrar
claramente o conteúdo.
- Mas quando a gente tem alguma coisa a dizer, é melhor não pensar muito. O ideal é
fazer o que você fez. Caso contrário, acabamos não fazendo tudo o que estamos com vontade.
Isso pode provocar um monte de arrependimentos depois e oportunidades perdidas.
- Nossa! Que profundo – sorri para tentar descontrair um pouco a conversa.
- Antes de qualquer outra coisa, como você está?! – pelo movimento da câmera, percebi
que ele estava usando o laptop e que estava no quarto dele, sentado na cama.
Que saudades daquela boca, daquela pele e de todos os sonhos que tive sobre o nosso
futuro! Ai, ai, ai... Você é uma tentação, Leandro!
- Estou bem. Crescendo, amadurecendo.
- Isso ficou nítido no seu texto. Você não parece mesmo uma menininha de dezesseis
anos – sorriu. Ele sabia que eu adorava quando ele se referia a mim como “menininha”.
- E você, como está? – arregalei o olho com uma lembrança - Caramba! Parabéns
atrasado!! Como foi completar 21 aninhos? Já está velho, hein? Muito estranho pensar que beijei
um idoso! – impliquei, lembrando que o aniversário dele havia sido naquele mês.
- Idoso nada! Estou garotão ainda. Pode confessar que foi o melhor beijo que você já deu
– brincou.
- Confesso.
Leandro encarou a minha imagem no computador.
- Ai, Mila! Essa doeu.
- O quê? – arqueei a sobrancelha sem entender.
- Sua sinceridade me dá vontade de mergulhar nesse computador e chegar aí em
segundos. Ou de pegar o primeiro avião para o Rio de Janeiro e te roubar de tudo e de todos, para
não sair mais de perto de mim – coçou a cabeça.
Minha garganta apertou. A saudade era imensa.
- Não faz essa carinha! É horrível estar longe e não poder te abraçar – apoiou a cabeça
nas mãos e fechou os olhos. Parecia estar ganhando tempo para pensar melhor.
Então, havia chegado a hora da parte tensa da conversa e eu não sabia se queria ouvir.
- Mila – Leandro voltou a olhar para o computador -, li umas cinco vezes ou mais tudo o
que escreveu. Adoro a sua sinceridade, o seu jeito de dizer as coisas, a sua maneira de pensar, a
sua espontaneidade. Tenho muito orgulho de ter conhecido uma menina tão especial e de ter
vivido uma história legal como foi o nosso verão.
Senti meus olhos encherem de lágrimas. Droga! Não queria chorar.
- Já me peguei diversas vezes imaginando, principalmente no ano passado, quando voltei
para casa, o que teria acontecido se alguma coisa fosse diferente. Se eu morasse no Rio, se você
morasse por aqui, se eu pedisse a transferência da faculdade. Milhões de dúvidas preencheram os
meus pensamentos durante muito tempo. Enquanto a gente se falava, a vontade de ficar mais
perto era enorme. Minha mãe até percebeu e perguntou o que você tinha de tão especial para ter
me deixado daquele jeito – sorriu.
Já não estava preocupada com aparência, postura, nada. Sentei da forma mais confortável
que consegui e prestei atenção em cada palavra dita pelo Leandro.
- É muito complicado a gente querer adivinhar as coisas. O que a gente viveu, foi sem
sombra de dúvidas uma história inesquecível. Mesmo sendo mais velho que você, mesmo já
tendo vivido mais experiências, posso garantir que o seu beijo foi o mais gostoso, que a paixão
foi realmente intensa e que a vontade de te levar para casa foi enorme. Mas eu tinha apenas 19
anos e você, 15. Como agora, que você tem dezesseis e eu acabei de fazer 21. Ainda somos
muito novos – suspirou.
- Eu sei – falei sem quase emitir nenhum som.
- Não que eu não acredite no amor.
Concordei com a cabeça.
- Da mesma maneira que fiquei dias pensando em jogar tudo para o espaço e me mudar
para o Rio de uma vez, percebi a loucura que era chegar a pensar naquilo – pegou um copo de
água na mesinha ao lado da cama e deu um gole. – Por isso, comecei a me afastar. Não fiquei
mais tão conectado como ficava antes e tive até essa conversa com o Tadeu e o Cris também.
Não que quisesse influenciar para que eles tivessem a mesma atitude, mas achei legal dividir a
minha opinião para saber se estava pensando errado ou se tinha um fundo de razão.
- Não entendi muito bem. O que fez com que você achasse que era melhor se afastar? –
perguntei sentindo um nó na garganta, revivendo aquela sensação de vazio que senti toda vez que
olhava para o computador e não via o Leandro conectado, toda vez que olhava o Whatsapp e ele
ainda não havia enviado nenhuma resposta.
- Percebi que a gente estava abrindo mão de amigos próximos, de festas, passeios e
qualquer relacionamento social com as pessoas que estavam ao nosso lado fisicamente, para
poder ficar durante horas conversando pela internet. Era ótimo, mas não era o certo. Estávamos
distantes e não seria fácil mudar aquele cenário tão cedo.
- E foi assim que você decidiu que não falaria mais comigo? – perguntei, sentindo uma
pequena mágoa.
- Não foi isso. Mas realmente quis dar espaço para que você não ficasse o tempo todo no
computador. Queria que aproveitasse a sua idade, o seu momento, sem ficar pensando em um
garoto que estava tão longe de você. E não sou tão solidário assim. Também fiz isso por mim,
para que eu aproveitasse a nova experiência da minha vida, o meu primeiro ano de faculdade, os
novos amigos, novos eventos...
- Mas em momento algum você pensou que seria melhor falar isso para mim? Não
imaginou que sem me avisar que se afastaria, eu ficaria esperando por você na frente do
computador, contando os minutos que faltavam para ter aquelas conversas que eu amava? Nem
passou pela sua cabeça que seria muito pior se eu ficasse pensando no que havia feito de errado
para que você se afastasse? – não consegui mais conter o choro. Aquela revelação do Leandro
me deixou magoada. Nunca tinha pensado que aquele afastamento havia sido planejado. A
expectativa e a espera me fizeram sofrer muito mais do que se ele tivesse sido sincero.
- Camila, você nunca fez nada errado.
- Mas sempre acreditei que havia feito. Que não era boa o bastante, que não tinha sido
especial para você e mais um monte de outras coisas – confessei e abracei o meu corpo.
Quando Leandro ia continuar a falar, alguém bateu na porta. Minha cabeça estava tão
confusa que, sem pensar direito, seguindo o impulso, levantei para ver quem era, sem nem
mesmo secar as lágrimas. Dei de cara com Bruno, Bernardo e Rafael.
- O que aconteceu? – Bruno me encarou e segurou meu braço demonstrando
preocupação.
- Nada – passei a mão pelo meu rosto. – Posso falar com vocês depois?
- Você já estava estranha no almoço, viemos aqui justamente para saber se havia alguma
coisa errada e para te chamar para tocar um violão.
Leandro tossiu e todos olharam para o computador que estava na mesinha, de frente para
a porta. Percebi o olhar de reconhecimento do Rafael no mesmo instante e não consegui encará-
lo quando ele se virou para mim.
- Seu Skype está ligado? – perguntou Bruno olhando mais uma vez para dentro do meu
chalé.
- Aham. A gente pode conversar daqui a pouco?
- Tem certeza que está tudo bem? – insistiu. – É o Leandro? – perguntou mexendo apenas
a boca. Confirmei com um aceno de cabeça.
- Quando puder, vai lá para o nosso chalé. Vamos pedir algumas coisas para comer e
tocar um violão – chamou Bernardo. – E aí, Leandro! Beleza, cara? – disse um pouco mais alto,
olhando para a tela do meu laptop.
Olhei para o monitor e vi o Leandro acenando, sem dizer uma palavra.
- Pode deixar. Passo lá daqui a pouco – tentei sorrir e fechei a porta assim que eles
saíram.
Respirei fundo e sentei mais uma vez para continuar a conversa com o Leandro.
- Hum... Violão no chalé do Rafael? – implicou, quebrando o clima tenso da conversa
interrompida.
Dei um sorriso amarelo. Ainda não estava no clima de brincadeira.
- Mila – voltou a falar sério -, o que queria dizer é que você não fez absolutamente nada
de errado. Você também foi marcante para mim, aquele verão foi inesquecível. Tanto por sua
causa, quanto pelo clima, pelas amizades, por tudo o que a gente experimentou juntos. Pode ter
certeza que sempre que olhar para o céu vou me lembrar de tudo aquilo. Você tem toda a razão
quando diz que teria sido muito melhor se eu tivesse falado o que pensava, do que sumir como
sumi. Fui covarde e imaturo. Queria muito me desculpar pela minha atitude.
- Não precisa se desculpar por motivo algum. A minha carta não foi com esse intuito.
Talvez, se eu não estivesse nesse curso, nem mesmo escreveria uma carta para você. Mas como a
oportunidade surgiu, só queria que soubesse o quanto foi especial e também aproveitei para me
despedir, como não tínhamos feito antes.
- E aqui estamos novamente – sorriu, mas um sorriso triste. – Sabe aquilo que você
escreveu sobre o “e se...”?
Naquele instante, pensei no blog e não na carta e fiquei confusa.
- Como assim?
- Você escreveu que sempre pensava nas possibilidades e que um amigo disse que isso
era perigoso.
- Ah, tá! Sei.
- Concordo com o seu amigo. Já pensei muito em tudo o que poderia ter sido, mas já não
faço mais isso. Tento focar no que estou vivendo, sem fazer comparações, sem ficar pensando no
que deixei para trás com essa ou aquela escolha.
- Verdade.
- Dá um aperto usar a palavra despedida, sabe Mila? Acho que foi por isso também que
fugi dessa responsabilidade. Até aqui, pelo computador, olhar para você dá uma sensação na
minha barriga que ninguém provocou até hoje. Sinto uma saudade que nunca senti de nenhuma
outra garota e é estranho demais, pelo pouco tempo que passamos juntos. Mas como você disse,
existem pessoas que precisam de apenas um segundo para serem eternas, né?
Mais uma vez os meus olhos ficaram cheios de lágrima.
- Pois é – foi só o que consegui dizer.
- Bom, então espero que você nunca se esqueça do nosso verão, da nossa história e dos
momentos que passamos juntos. Guarda aqueles dias com carinho nas suas lembranças, mas não
se prenda a eles. Viva a melhor época da sua vida, aproveite experiências, viagens, namoros...
Com juízo, é claro! Ou a dona Regina me mata por dar esses conselhos e te puxa pelo cabelo
para você entrar na linha – deu uma risada. – Mas aproveita tudo o que tiver que aproveitar. Não
fica pensando no que poderia ter sido. Quem sabe o que o destino é capaz de fazer? A gente
nunca sabe o que vem pela frente. Se a gente tenta apressar alguma coisa, ela pode não
funcionar. Tudo tem a hora certa para acontecer. Você acredita nisso?
- Acho que sim – respondi em dúvida, sem conseguir organizar meus pensamentos. –
Mas também acho que nada acontece porque já está escrito, acho que somos nós que escrevemos
a nossa história. Nossas decisões é que definem o que vai ou não acontecer com a gente.
- Ué, mas não foi você mesma que disse que é romântica e espera um príncipe em um
cavalo branco? – sorriu para mim com carinho. - O acaso, o destino ou até mesmo as estrelas
podem fazer com que a gente se encontre em qualquer lugar do mundo, em algum momento do
futuro. Ou, se não acreditar mais em nada disso, também podemos dizer que nós vamos acabar
fazendo com que esse encontro aconteça. Mesmo que de maneira inconsciente. Mas não vamos
pensar nisso agora, não vamos pensar nisso enquanto não é possível. Vamos encarar essa
conversa de hoje realmente como uma despedida. Quero que você tenha o seu coração livre, sem
a sensação de que está esperando por alguém.
- Despedidas são horríveis, sem abraços são ainda piores – murmurei.
- É verdade! – Leandro me encarou em silêncio, com um olhar triste. – Amei ter a
oportunidade de esclarecer as coisas, de te ver de novo, de ouvir a sua voz e de perceber pela sua
carta como você está se tornando uma mulher que corre atrás do que quer e que vai com vontade
atrás dos seus sonhos. Tenho certeza que vou ouvir muito o seu nome como uma jornalista
famosa. Vou poder contar para todo mundo que você foi o meu amor de verão – deu mais um
sorriso de fazer o coração parar. - E espero que lá na frente, quando já tiver conhecido o mundo
todo, ainda olhe para o céu e consiga encontrar o Cruzeiro do Sul e se lembre de tudo outra vez.
- Então, você só vai torcer para que eu seja uma jornalista famosa para poder se gabar
para os seus amigos dizendo que já pegou uma celebridade? – impliquei dando uma gargalhada.
- Não podemos só pensar nos outros, né? Temos que pensar na gente também – entrou na
brincadeira.
- Cara de pau – fiz cara de emburrada.
- Ai, Mila! Até quando é para ser pesado, você é leve. Obrigado por ter feito parte da
minha vida, viu menininha?
- Até um dia, quem sabe?! – disse com o coração doendo.
- Verdade! Até qualquer dia! Foi ótimo falar com você e é uma pena que os
computadores ainda não permitam, nem por um segundo, a gente tocar na pessoa do outro lado.
Estou com uma vontade enorme de beijar essa boca linda, de te abraçar, de sentir você perto de
mim. É quase uma tortura te ver e não poder te tocar.
- Precisam inventar isso logo – concordei.
- Ah, e antes que me esqueça... Você está ainda mais gata do que no ano passado. Como
isso é possível? Esse sorriso, esse seu olhar – passou a mão pelo cabelo e respirou fundo – É foda
saber que estou tão longe – soltou o ar. - Desculpa o palavrão.
- Bobo! Você também está lindo. Obrigada pela conversa, pelos elogios e pela
sinceridade. O tempo pode passar, os amores também, mas aquele verão vai ser inesquecível.
- Obrigado, Mila! – ficou alguns minutos em silêncio, olhando para o a minha imagem no
computador. Fiz exatamente a mesma coisa - Quem desliga primeiro? – perguntou.
- Quem ligou, desliga.
- Chata! – deu língua. – Se cuida, viu? Espero sonhar com você para matar a saudade que
essa internet malvada não permitiu. Obrigado por ter tido a coragem que me faltou. Você é
realmente surpreendente e eu te adoro. Muito e para sempre. Beijos. – mandou beijos e deu um
tchau antes de desligar.
A imagem sumiu, o quarto ficou silencioso e senti mais uma vez aquele vazio dentro de
mim. Não queria chorar, mas foi uma missão quase impossível. Deitei por alguns minutos para
colocar para fora o que precisava, mas não deixei que aquela emoção me dominasse. Respirei
fundo, lavei o rosto e decidi aceitar o convite dos meninos e encontrá-los. Com certeza, seria
muito melhor me distrair do que ficar sozinha. Antes de desligar o computador, dei mais uma
olhada no meu e-mail e descobri que havia mais uma mensagem.

De: Leandro
Assunto: A carta que nunca chegou
Eu também escrevi uma carta, mas nunca enviei. Acho que chegou o dia dela sair do
meu caderno. Está em anexo e é a despedida que você sempre esperou.
Até qualquer dia,
Leandro

Oi Mila,
Você já viajou alguma vez em uma máquina do tempo?
Quanto tempo! Quem diria que outro verão iria chegar, né? Ops... É claro que todos
diriam isso, afinal ele sempre chega. Essa é uma certeza que todo mundo tem. As incertezas são
sobre o que acontece com quem a gente conhece no clima mais gostoso, nas férias mais longas,
na viagem perfeita.
Acho que nunca imaginei que com dezenove anos, na idade que mais queria curtir,
naquele momento de transição entre escola e faculdade, iria conhecer uma menina que mudaria
todo o meu pensamento.
Lembro que falei sobre isso com você lá em Búzios. Contei que tinha viajado com uma
cabeça de Dom Juan.
Ah, aquele goiano não sabia de nada mesmo!
Ninguém avisou que aquelas ideias de conquistador iriam se transformar logo que ele
visse uma menina de olhos brilhantes, quase amarelos, com o sorriso mais bonito que ele iria
conhecer. Ninguém avisou também que era para ele se preparar, pois dez dias seriam mais do
que suficientes para manter aquela carioca na cabeça até o próximo verão e, muito
provavelmente, até tantos outros.
Pois é, Mila! Quem diria que outro verão iria chegar e você ainda estaria tão presente nos
meus pensamentos? Logo eu, um cara que esse ano vai completar vinte um, que esse ano já está
indo para o terceiro período da faculdade e que arrumou até mesmo uma namorada. Será que é
muito errado gostar de alguém, mas ter uma lembrança assim tão forte e tão boa de outra pessoa?
Se você for como a maioria das meninas, aposto que nem terminou de ler o parágrafo.
Ficou presa na informação da namorada, acertei? Risos! Mulheres!! Mais risos!
Pois é... Conheci uma menina na minha turma da faculdade, ela é legal e gosto dela.
Começamos a ficar no final do ano e continuamos até agora.
Só que hoje, exatamente hoje, tive uma experiência incrível! Sabe a pergunta estranha
que está no início da carta? Pois é... Eu entrei na tal máquina do tempo. Está rindo?! Mas é
verdade.
Não sei bem como aconteceu, mas lembro de acordar e olhar o relógio. Estar de férias dá
aquele direito de dormir um pouco mais, de ficar de preguiça e com vontade de não fazer nada.
Abri o calendário no meu celular para contar quantos dias ainda teria antes das aulas começarem
e por algum motivo me lembrei do que estava fazendo nesse mesmo dia, no ano passado. Você
ainda consegue lembrar?
Senti uma saudade muito grande do jogo da verdade, das brincadeiras, daquele seu beijo
gostoso, do abraço mais apertado, do calor (!!!) e da vontade de não ir embora nunca mais.
Lembrei como nunca do seu rosto, da sua voz, das caras engraçadas que você fazia quando
ficava nervosa ou cheia de dúvidas e medos.
Liguei o ar do meu quarto, o som e pedi para que minha mãe avisasse para qualquer
pessoa – incluindo a minha namorada – que não estava passando muito bem e que não poderia
atender. Tudo mentira! A não ser que saudade seja uma doença, não estava sentindo nada além
daquilo. Mas queria curtir as lembranças que me pegaram de jeito.
Outro verão...
E o que anda aprontando por aí?
Confesso que hoje entrei no seu Facebook para olhar as suas fotos. Seu olhar, seu sorriso,
seu corpo... Tudo em você está diferente. Como consegue ficar mais bonita a cada dia? Pena que
a maioria das suas fotos são bloqueadas, o seu mural também. Fiquei curioso para saber o que
mudou no seu jeito de escrever, de pensar...
Estou muito, muito estranho hoje! Essa nostalgia, essa ideia de escrever uma carta, esse
ar meio romântico, não fazem parte de quem eu sou todos os dias. Deve ser esse clima de verão
que desperta alguma coisa em mim, que me faz até viajar em uma máquina do tempo. Qual é a
sua mágica, carioca?
Acho que já falei demais. Não tenho o dom de escrever, como bem lembro que você tem.
Nenhuma dessas palavras foi reescrita ou planejada, mas por algum motivo precisei colocar tudo
isso no papel.
Bom, minha menininha, espero que as estrelas te acompanhem sempre e deixem o seu
caminho como um eterno verão - cheio de descobertas, sonhos, planos e amor. Também espero
que, por mais que os anos passem, mesmo que você encontre alguém, ainda assim se lembre de
Búzios e de um goiano que terá para sempre uma carioca no coração.
Quem sabe o que o futuro reserva para a gente?
Beijo grande para você, Lê.
Capítulo 22 - Eu Nunca
- Ei, você veio. Entra aí, a comida acabou de chegar – disse Bernardo e saiu da frente da
porta para que pudesse entrar.
Rafael e Bruno olharam na minha direção assim que entrei no chalé. Eles estavam
sentados no chão, com o laptop aberto em um site de letras e cifras de música. Sentei entre os
dois. As caixas com salgadinhos e os copos com refrigerante estavam no meio da roda.
- Pode se servir, Mila – avisou Bernardo e sentou.
Tinha certeza que os meus olhos estavam vermelhos e inchados de tanto que havia
chorado depois da carta. Ver o Leandro pelo vídeo e ler tudo aquilo que ele escreveu, foi demais
para mim. Fiquei com uma saudade que parecia não caber no peito.
Ninguém fez nenhuma pergunta sobre o que havia acontecido. Pareciam fingir que não
viam nada de errado. Fiquei feliz com aquela atitude deles. Nunca imaginei que os meninos
seriam tão compreensivos quanto as minhas amigas.
Não estava com um pingo de fome, mas peguei um salgadinho mesmo assim.
- Vocês três sabem tocar? – perguntei curiosa quando o Bruno passou o violão para o
Rafael.
- Aham – Bernardo sorriu. – Quer escolher a próxima música?
- Depois escolho, não estou com muita inspiração nesse momento.
Rafael começou a dedilhar e cantar uma música que eu não conhecia. Antes que pudesse
prestar mais atenção, Bruno se aproximou e passou o braço pelas minhas costas, me puxando
para bem pertinho dele. Em qualquer outra situação, imaginaria que estava interessado em mim,
mas naquele momento eu sabia que era o melhor amigo que alguém poderia ter. Sem perguntar,
sem dizer nada, apenas com um abraço, conseguiu me fazer entender tudo o que aquele silêncio
representava. Encostei a cabeça no ombro dele e recebi um carinho no cabelo.
- Obrigada – falei baixinho.
Bruno sorriu. Bernardo e Rafael trocaram olhares, mas não fizeram nenhum comentário.
Apenas a música preenchia o ambiente.
- Vamos animar esse clima, galera? – perguntou Bernardo de um jeito tão engraçado que
todo mundo riu. Até eu. Parecia estar agoniado com todo aquele silêncio. – Mila, você quer falar
sobre o que aconteceu?
- Não – respondi imediatamente.
- Mas você está bem? – insistiu.
- Sim. Não fiquei mal, foi apenas um momento de saudade, lembranças e despedidas.
Não foi nada ruim – expliquei.
- Que bom! Vocês ainda se falam direto? – evitou dizer o nome do Leandro, como se
fosse algo proibido.
- Não. Já não falava com ele desde o início do ano passado.
Rafael diminuiu o ritmo no violão e o som ficou baixinho.
- E por que falou agora? – Bernardo arqueou a sobrancelha, estava tentando entender
melhor a situação.
- Por causa do trabalho.
Os três olharam para mim sem entender do que eu estava falando.
- O trabalho do curso – dei de ombros.
- Ahm? – Bernardo continuou sem entender.
- A carta – respondeu Rafael por mim e fiquei surpresa por ele ter entendido a situação.
- Hummmmmmm... – Bruno balançou a cabeça finalmente compreendendo o que havia
acontecido.
- Ainda estou boiando – insistiu Bernardo.
- Bê, tinha dito que não queria falar sobre isso e já estou falando. Mas queria que isso
ficasse apenas entre a gente. Sei que você namora a minha melhor amiga, mas ainda não decidi
se quero falar sobre tudo isso com elas. Afinal, não foi nada.
- Mila, vocês que são fofoqueiras. Não conto tudo para a Dani e pode deixar que isso vai
ficar guardando entre a gente. O que acontece em Campos do Jordão fica em Campos do Jordão
– brincou e levantou a mão para que batesse nela. – Já que estamos entendidos sobre os segredos,
me explica o que aconteceu.
- O professor não mandou a gente escrever uma carta para alguém do passado?
- Aham.
- Então, escrevi para o Leandro.
- E?
- Depois que escrevi, resolvi mandar para o e-mail dele.
- Depois de tanto tempo sem falar com o cara, você mandou a carta para ele?
- Mandei e ele respondeu minutos depois pedindo para que eu entrasse no Skype.
- O que você colocou na carta?
- Nem lembro direito. Só sei que escrevi tudo o que queria dizer e nunca tinha tido
coragem.
- E no Skype ele fez alguma nova promessa? Disse que vocês vão se encontrar em breve?
– perguntou demonstrando um pouco de descrença.
Rafael me encarou parecendo bem interessado na resposta. Fingi não perceber.
- Não, apenas nos despedimos.
- Como assim? – dessa vez foi o Bruno que fez a pergunta.
- Em todo esse tempo a gente nunca havia se despedido. Simplesmente paramos de
conversar.
- E resolveram se despedir agora? – Bernardo voltou ao interrogatório.
- Sim. Antes tarde do que nunca, né?
- Não entendi o objetivo – franziu a testa.
- Seguir em frente.
Silêncio. Os três estavam olhando para mim com expressões de surpresa.
Até o Rafael.
- Sem uma despedida, sempre fiquei pensando que receberia uma mensagem, uma visita,
um sinal de fumaça...
- E nada disso aconteceu – concluiu Bernardo.
- Pois é. Uma despedida evita isso.
- Posso ser sincero, Mila?
- Pode.
- Você conheceu o cara, ficou com ele e só. Foram poucos dias, não foi um namoro de
muito tempo, um relacionamento longo. Acho que você foi um pouco imatura nessa história. O
Leandro é mais velho, viveu outras experiências, quer outras coisas e agindo assim, sei lá, acho
que pode até assustar o cara.
Gostei da sinceridade do Bernardo.
- Sei que foi pouco tempo, mas foi suficiente para que fosse importante. E não pensei
assim sozinha.
- Será? – duvidou.
- Tenho certeza.
- Como? – franziu a testa com a minha segurança ao afirmar aquilo.
- Ele também escreveu uma carta.
- Hoje?
- Não. Ele escreveu no verão desse ano, mas não enviou.
Bernardo me olhou desconfiado.
- Foi o que ele disse? – perguntou com descrença.
- Foi o que ele me mandou.
- Você acabou de dizer que ele não havia enviado.
A conversa parecia uma partida de tênis, Rafael e Bruno eram os expectadores que
acompanhavam o bate e volta sem dizer uma palavra.
- Não até hoje, mas resolveu fazer isso depois que a gente conversou.
- E você acreditou que ele escreveu no verão e não depois da conversa?
- A carta é enorme e não daria tempo dele escrever e enviar logo depois que terminamos
de conversar. Mas chega desse assunto, não quero mais falar sobre isso e nem provar nada para
vocês. O Leandro foi uma história que amei viver, me fez amadurecer e ainda despertou o meu
desejo de viajar. Está ótimo. Não espero mais nada dele. Já ganhei o bastante e foi um ótimo
presente.
- Isso mesmo – concordou Bruno e mudou de assunto. – Vamos jogar alguma coisa para
distrair a cabeça?
- Eu nunca? – Bernardo deu a ideia.
- Você nunca o quê? – perguntei curiosa.
Todos caíram na gargalhada.
- O que perguntei de errado?
- Você nunca jogou eu nunca? – quis saber Bruno e me deixou ainda mais confusa.
- Mila, não acredito que você não conhece esse jogo. Você e as meninas nunca brincam
disso? – perguntou Bernardo sem acreditar.
- Não sei do que se trata.
- É fácil. Todo mundo começa o jogo com os cinco dedos – Bruno começou a explicação.
- Os cinco dedos? – arqueei a sobrancelha completamente desorientada.
- Da mão. Assim – colocou a mão aberta na minha frente e contou quantos dedos tinham
para não deixar dúvidas – cinco dedos – sorriu.
Eles devem estar achando que você é uma mula que não sabe nem mesmo contar,
Camila!
Aff!
- E depois?
- Todo mundo fica com a mão aberta e começa o jogo. Cada um faz uma afirmação de
uma coisa que nunca fez e se o outro já tiver feito, abaixa um dedo. Quem perder todos primeiro,
paga uma consequência. Entendeu? – Bernardo assumiu a explicação.
- Mais ou menos – confessei.
- Vamos começar a jogar e você vai entender. É divertido. Mas não vale mentir, se fizer
isso, não tem graça a brincadeira. Não precisa ficar com vergonha de confessar nada. Quem joga
“eu nunca” sabe que todas as verdades reveladas durante o jogo, são segredos apenas entre os
participantes. E já temos também o pacto de que o que acontece em Campos do Jordão fica em
Campos do Jordão.
- Tá – respondi animada e com um pouco de receio do que viria pela frente.
- Quer ser a primeira? – perguntou Bruno.
- Melhor você – sugeriu Bernardo. - Ela ainda não entendeu totalmente a brincadeira.
Deixa a Mila por último.
- Beleza. Posso começar? – perguntou e como todos concordaram, ele pensou um pouco e
fez a primeira afirmação. – Eu nunca usei drogas.
- Se você já tiver feito, abaixa um dedo. É assim que funciona, entendeu? – Bernardo fez
a pergunta para mim.
- Hum... Entendi. Obrigada – olhei para todas as mãos e nenhum dedo tinha sido
abaixado.
- A primeira rodada sempre é a mais tranquila. Depois começam as afirmações mais
diretas, com objetivo de eliminar o outro. – Quando viu que fiz uma cara de quem não tinha
entendido, ele disse – Você vai entender. Agora, é a minha vez. Hum... Eu nunca traí.
Ainda bem, senhor Bernardo. Se já tivesse feito isso, essa história de que o que acontece
em Campos do Jordão fica em Campos do Jordão iria pelo ralo. Amizade em primeiro lugar.
Mais uma vez ninguém abaixou o dedo.
- Eu nunca namorei – disparou Rafael.
Bernardo xingou.
- Que isso, cara! Temos uma menina na brincadeira – Bruno chamou atenção e também
ficou com um a menos.
Rafael nunca namorou?
Hum...
- Eu nunca... – Não sabia o que dizer – Nunca fumei.
Ok. A minha foi sem graça e ninguém perdeu ponto.
- Nunca tive um amor de verão.
Fuzilei o Bruno com aquela declaração. Sou muito competitiva e não gosto de perder.
Nem tanto. Tenho medo é da consequência!
A brincadeira continuou e ficou engraçada. Um tentava eliminar mais dedos do outro,
com afirmações bem diretas. Estava morrendo de rir e com apenas um dedo levantado quando o
Bernardo fez uma afirmação que me deixou constrangida.
- Eu nunca quis ficar com ninguém que está nesse chalé.
Droga!
Perdi o meu último dedo. Olhei para a roda, Bruno também havia abaixado um, mas
continuou com o polegar sobrando.
- Olha!!!!! Temos uma confissão aqui!! – Bernardo não deixou passar. – Tá podendo,
hein Mila?! Mais da metade dos homens do chalé já quiseram ficar com você. Arrasando
corações – começou a zoar e a rir muito.
Bruno não parecia nem um pouco constrangido, diferente do Rafael, que acabou sem
nenhum dedo, igual a mim.
- Vocês dois perderam! Vamos pensar na consequência? – disse o empolgado Bernardo.
Capítulo 23 - Consequência

Sozinhos no chalé e completamente sem graça. Era assim Rafael e eu estávamos desde
que os meninos resolveram sair para que a gente conversasse sobre todos os nossos problemas.
Consequência nem um pouco divertida.
Bernardo disse que ia até o apartamento do Bruno jogar um baralho e que voltaria apenas
quando tivesse a certeza de que teríamos nos acertado. Tentei explicar que já estava tudo bem
desde o dia anterior, mas eles não aceitaram e disseram que a gente tinha muita coisa para
colocar em pratos limpos.
- Posso ligar para a minha mãe? – perguntei ao Rafael depois de olhar o relógio e
descobrir que já eram quase onze horas. Ele confirmou com a cabeça e indicou o lugar do
telefone que, assim como no meu chalé, também ficava no quarto.
Aproveitei para observar o lugar que eles dormiam, não era tão bagunçado quanto pensei
que seria. No lugar da cama de casal, eram duas camas de solteiro. Tentei descobrir qual delas
era do Rafa.
Por que isso te interessa, Camila?! Você está me assustando!
Aff! Consciência maluca!!
Falei com mamãe rapidinho, só para avisar que continuava tudo bem. Achei melhor
garantir o boa noite, antes que ela ligasse para o meu chalé e não encontrasse ninguém por lá. Ela
nunca levaria numa boa a informação de que eu estava em um chalé só com meninos. Aquela
realmente era uma situação bem inusitada. Sempre fui totalmente colada com as minhas amigas,
agora estava aprendendo muito mais sobre o universo masculino. Mesmo assim, já sentia falta
delas.
Depois de ficar alguns minutos em silêncio, sentada na cama, criando coragem para
levantar, com vergonha do que viria pela frente, resolvi encarar e voltei para a salinha do chalé.
Rafael continuava na mesma posição, sentado no chão e mais uma vez com o violão no colo.
Sem saber o que fazer, sentei de frente para ele.
- Está melhor? – perguntou olhando pela primeira vez bem dentro dos meus olhos.
- Melhor? – fiquei tão desconcertada com aquele olhar, que não entendi a pergunta.
- É! Com o que aconteceu mais cedo – tocou bem baixinho algumas notas no violão.
- Obrigada pela preocupação – disse com sinceridade. – Não estava mal, apenas não sou
muito fã de despedidas – dei um sorriso tentando descontrair. - Não sei o que você pensa de
mim, mas não passei todos esses meses sofrendo pelo Leandro. Não fiquei pensando nele desde
o verão passado até hoje, como pode parecer. Só pensei nisso aqui, pois é a primeira viagem que
faço depois de Búzios. E também porque alguns dos exercícios acabaram me fazendo pensar
nele.
- Você não precisa me dar explicações – deu de ombro. – Só queria saber se está se
sentindo melhor.
- Só de pensar que todo mundo deve achar que fiquei chorando pelos cantos durante todo
esse tempo, me dá raiva. Não sou idiota assim. Sei que sou nova, que tenho muita coisa para
viver e não fico esperando um príncipe encantado – me lembrei das acusações dele naquela
noite.
- Você precisa se preocupar menos com o que as pessoas pensam.
Ai.
Rafael tinha o dom de, com poucas palavras, falar boas verdades.
- Desculpa, não queria ser grosso com você – me encarou mais uma vez depois que notou
o meu silêncio.
- Naquele dia, você falou que vivo esperando um príncipe encantado. Só dei uma
explicação para que não pense que sou boba e que fiquei todo esse tempo esperando pelo
Leandro.
- Não costumo beber e nem gosto disso. Curto minha praia, esportes, mas naquele dia
acabei bebendo algumas taças de vinho. Acordei me sentindo péssimo e sabia que tinha vacilado
na noite anterior. Sei que não sou o cara mais simpático do mundo, mas também não sou um
ogro completo – olhou mais uma vez bem dentro dos meus olhos e provocou uma sensação de
montanha russa na minha barriga. – Queria aproveitar para pedir desculpas pelo que falei e
também pelo que fiz.
- Rafael, posso ser sincera? – perguntei sentindo o sangue circular mais rápido dentro do
meu corpo, me deixando cheia de determinação.
- Claro – arqueou a sobrancelha.
- Não consigo te entender.
- Como assim? – colocou o violão ao lado do corpo e chegou mais para frente, mais para
perto de mim.
- Sei lá – aquela proximidade me deixou um pouco tonta. Não consegui pensar rápido
para dar uma resposta decente. – Não dá para saber o que esperar de você. Em alguns momentos
parece ser uma pessoa muito legal, gente boa, mas em outras ocasiões parece mesmo um ogro,
um cara totalmente metido e arrogante.
Uau! Você e sua boca grande, Camila! Não consegue segurar essa língua, não é? O que
você vai achar se ele disser que você parece com a Fiona, do Shrek?
Tchau, consciência!
- Realmente não sou o rei da simpatia – deu um sorrisinho de canto de boca -, mas não é
de propósito. Sou muito fechado, tímido, reservado, nem no Facebook você vai ver muitas coisas
sobre mim.
- Eu sei!
Ops...!!!
- Andou olhando meu Facebook, é? – implicou com um sorriso diferente e lindo.
- Disse que sei, pois nunca vejo nada seu nas atualizações dos meus contatos – disfarcei.
Rafael não precisava saber que já o xinguei diversas vezes por não colocar fotos e não escrever
praticamente nada, principalmente quando alimentava aquela paixão platônica por ele. Era
desesperador ter a amizade dele na rede social, mas não ter nenhuma informação naquele lugar.
- Hum... Sei – voltou a tocar uma música, mas não deixou aquele sorriso ir embora.
Sem saber mais o que fazer ou dizer, resolvi quebrar o gelo avisando que estava na hora
de ir embora.
- Liga para os meninos, fala para eles voltarem – sugeri, me preparando para levantar.
- Não deve nem ter dado tempo deles chegarem ao apartamento do Bruno.
- Ah, claro que deu! É longe, mas não tanto assim.
- Camila, essa foi só uma maneira diferente de dizer que você ficou pouco tempo.
Estou vendo coisas ou Rafael ficou vermelho?
Senti minhas bochechas esquentarem e o meu coração acelerar.
Camila, Camila! Que hormônios são esses, criatura?! Você ainda está com o olho
vermelho de ter chorado pelo Leandro e agora está aí, toda derretida por esse loiro-encrenca?!
- Acho que é melhor ir embora mesmo – levantei quando notei aqueles olhos claros e
maravilhosos me encarando de tão perto. – Amanhã a gente tem aula cedo e já está bem tarde.
Rafael concordou em silêncio e foi comigo até a porta.
- Putz! E agora? – perguntei preocupada, quando vi o mundo desabar do lado de fora do
chalé.
- É melhor você esperar passar – deu de ombros.
A chuva caía com força e o frio era ainda maior. Olhei para o meu chalé e pensei na
possibilidade de correr até ele.
- Acho melhor você não fazer isso, vai acabar ficando doente. Sei que o seu chalé é aqui
ao lado, mas olha essa chuva! Não tem como chegar lá sem se molhar inteira – aconselhou.
- Como você sabia o que eu estava pensando? – perguntei assustada.
- Você está parecendo desesperada para ir embora e olhando fixamente para o seu chalé.
Não foi difícil adivinhar.
Ficamos parados na parte coberta da varanda, olhando em silêncio para a chuva que
parecia ter ganhado ainda mais força. Estremeci de frio.
- Vamos entrar? Você não está nem com casaco, vai ficar doente – entrou sem esperar a
minha resposta, mas manteve a porta aberta.
Mesmo congelando, continuei imóvel e sem saber o que fazer. Um raio brilhou no céu e
segundos depois, o barulho do trovão me fez dar um pulo.
- Tem medo? – perguntou e me entregou um casaco grosso, com um tecido gostoso, todo
felpudo e bem quentinho. – Coloca, Camila!
Obedeci e senti o perfume do Rafael no meu corpo. Ele era muito cheiroso.
Hummmmmmmmm...
Camila, Camila!
Outro clarão. Automaticamente coloquei as mãos nos ouvidos. Desde pequena, sempre
odiei barulho de trovoada. Rafael riu.
- E você acha mesmo que vai ter coragem de ir para destinos distantes, com risco de
tsunamis, furacões? – provocou.
Destampei o ouvido cedo demais. Quando ia responder a provocação, o barulho que veio
do céu me fez dar mais um salto, acompanhado de um mini-gritinho.
- Droga – bufei e fui decidida encarar a chuva para correr para o meu chalé.
- Você está louca? – me puxou antes que tivesse a chance de sair da varanda – Camila,
olha a chuva, o vento, o frio... Subir essa ladeira até o seu chalé não é a atitude mais inteligente
do mundo. E como vai fazer sozinha, com todos esses raios e trovões? – implicou.
- Acho que é melhor do que ficar aqui – empinei o queixo, meu olhar queimou em
desafio.
- Trégua – estendeu a mão para que eu apertasse.
- Foi você que começou com a provocação – acusei.
- Desculpa – suspirou. – Vamos entrar. Está muito gelado aqui.
- Já está tarde.
- Mas ficar aqui em pé, congelando, não vai fazer a chuva parar de cair, nem impedir o
relógio de andar.
Olhei mais uma vez para o céu e acabei concordando com ele. O tempo não estava com
cara de que iria melhorar tão cedo.
Sentei no sofá, Rafael sentou no chão e voltou a pegar o violão.
- Se quiser, pode ligar a televisão. O controle está em cima da mesinha.
Quando ia aceitar a sugestão dele para ver se o tempo passava mais rápido, São Pedro
resolveu me provar que tinha mandado a chuva de propósito para que eu conversasse com o
Rafael. Foi só apertar o botão do controle, para o estouro lá fora ser ainda maior e apagar todas
as luzes.
- Não acredito! E agora? – perguntei nervosa.
- Você também tem medo de escuro? – perguntou e fez com que me sentisse ridícula
mais uma vez.
- Sei que você acha que sou uma criança, uma garota mimada que tem medo de tudo e
que não consegue viver longe da barra da saia da mamãe. Uma menina que acredita em príncipe
encantado. Sei que pensa que sou fraca, que meus sonhos são pequenos. Mas você não me
conhece, Rafael. Posso ser sim um pouco de tudo isso. Mas estou crescendo. Quero muito
acreditar que posso conhecer o mundo, me realizar. Espero que cada vez que alguém achar que
sou muito pequena para encarar essa aventura, a vontade que existe dentro de mim dobre de
tamanho até eu me tornar gigante – senti meus olhos ficarem molhados. Da onde tinha saído
aquele discurso? Que Camila era aquela que havia dito todas aquelas coisas? De que lugar saiu
aquela força e determinação?
Silêncio.
Será que agora o Rafael quer brincar de “quem falar primeiro, come todas as porcarias
do mundo?”.
Depois de alguns minutos sem ninguém dizer mais nada, não aguentei.
- Rafael? – o chalé estava tão, tão escuro que não conseguia enxergar nada afastado de
mim.
Silêncio.
Droga! O que esse garoto está fazendo?
- Rafael? – chamei mais uma vez e ele não respondeu. – Que saco! Isso não tem graça,
sabia?
- Estou aqui.
Ufa!
Estava com medinho, né?! E o tal gigante?
Ele ainda não acordou, consciência pentelha!
- Desculpa pelo desabafo – pedi um pouco sem graça.
- Não precisa se desculpar. Foi legal o que você falou – elogiou com a voz baixinha,
parecia envergonhado.
- Rafael?
- Oi.
- Posso fazer uma pergunta? – já que estava tudo escuro, a coragem parecia estar
crescendo e a minha cara de pau aumentando.
Ahá!
- Hum...
Suspirei.
- Por que você me beijou no dia da festa?
- Tinha bebido – respondeu sem nem parar para pensar.
- Só por esse motivo?
- De certa maneira, sim.
Silêncio.
- Camila? – imitou o meu jeito de começar uma pergunta.
- Oi.
- A bebida foi apenas uma desculpa bem covarde para fazer uma coisa que realmente
estava com vontade.
Uma onda de sensações percorreu o meu corpo.
E lá vamos nós na descida mais alta e rápida da maior montanha russa do mundo. Sem
as mãos!!
- Não entendo uma coisa... – disse quando consegui recuperar o fôlego.
- O quê?
- Se sentiu vontade de me beijar, por que foi tão grosso o tempo todo? Você disse tanta
coisa ruim, que parecia ter raiva. E não foi só no dia da festa, mas desde que chegou aqui,
começou a me provocar, me ignorou e sem bebida para justificar suas atitudes.
- É complicado.
- O quê?
- Tudo isso – suspirou. – Estava agindo daquele jeito quando cheguei, pois não sabia de
que outra maneira agir.
- Como assim?
- Já disse que sou fechado, não gosto de me expor, mas ainda assim escrevi aquele
bilhete, lá em Búzios. Depois, quando não rolou nada e nem nos falamos mais, fiquei me
sentindo um pouco ridículo. Escrever uma cartinha? – disse em um tom meio depreciativo. - Em
que lugar estava a minha cabeça quando fiz aquilo?
- Apesar de ter sido no momento errado, gostei do que escreveu – confessei. - Não
mostrei para ninguém. Está guardado na minha agenda.
Camila!!!! Sua linguaruda!
- Ainda tem o bilhete? – perguntou com um tom de voz diferente, que não consegui
decifrar, mas podia jurar que ele estava sorrindo.
- Aham – apesar da vergonha, fui sincera.
Um vento forte começou a soprar do lado de fora e pareceu levar para longe a nossa
conversa. Mais uma vez tudo ficou silencioso.
- Você acha que consegue chegar até o telefone? – perguntei depois de alguns minutos.
- Acho que sim, mas para quê?
- Perguntar na portaria o que aconteceu com a luz, ligar para os meninos... Sei lá – estava
um pouco agoniada com aquela situação.
Ouvi barulho de movimentos. Consegui perceber quando colocou o violão no chão e ouvi
os passos até o quarto. Mesmo depois de todo aquele tempo no escuro, ainda assim não
conseguia enxergar quase nada.
- Acho que não foi apenas a luz, o telefone também está sem sinal – disse depois de um
tempo.
- Não acredito. E agora?
- É só esperar. Daqui a pouco a chuva passa e a gente descobre o que aconteceu. Não
precisa ficar com medo ou preocupada com nada. Estamos em segurança aqui.
- Mas olha a hora, Rafael! Daqui a pouco começa nossa aula – apesar de me esforçar para
ficar tranquila, um mundo de pensamentos fantasmagóricos passou pela minha cabeça.
- Camila, todo mundo está hospedado aqui, o curso também é no hotel. Não existe motivo
algum para preocupação. Se não der para ter aula cedo, o Márcio vai dar um jeito de avisar a
mudança de horário. Mas tenho certeza que ninguém vai ser obrigado a sair no meio de um
temporal. Relaxa.
Mais barulho de vento e de galhos batendo com força no telhado.
Ouvi os passos do Rafael cada vez mais alto, consegui ver que ele estava se aproximando
quando já estava quase ao lado do sofá.
- Posso sentar aqui?
- Claro.
Continuei olhando para frente, mas consegui ver que ele estava de lado, virado para mim
no pequeno sofá.
- Essa situação chega a ser engraçada – comecei a rir.
- Qual é a graça? – apesar de parecer uma pergunta grosseira, pelo tom de voz, percebi
que não foi.
- Quem poderia imaginar que estaríamos aqui, isolados em um chalé, com a maior chuva
do mundo do lado de fora, sem telefone e sem luz, depois de tudo que já aconteceu com a gente?
– continuei rindo. – Se minha mãe souber disso, ela me mata. Se as meninas ouvissem essa
história, não acreditariam.
- Por que você sempre pensa nas outras pessoas?
- Como assim?
- Ninguém precisa saber de nada disso se não quiser que saibam. Estamos apenas nós
dois aqui. Não precisa se preocupar, pois da minha boca não vai sair nada.
- Não estou dizendo que precisam saber, só comentei que ninguém acreditaria.
- Por que está nervosa?
- Você sempre insinua coisas sobre mim, fica achando que sabe tudo ao meu respeito e,
pelo que parece, acha que sou uma fofoqueira.
Rafael deu uma risada divertida.
- Não penso isso de você, Camila. É normal as pessoas contarem experiências que vivem
para as amigas, todo mundo faz isso o tempo todo. Mas também acho que existem momentos que
não precisam ser compartilhados, pois muita gente quer dar palpite, opinião em situações que
não precisam da intromissão dos outros.
- Já entendi e você pode ficar tranquilo que não vou contar para ninguém sobre o jogo ou
sobre qualquer conversa com você. Essa noite surreal não aconteceu. Até eu vou me esquecer
dela – lembrei o que ele havia dito no dia da festa, quando pediu que eu esquecesse o beijo.
- Você não precisa esquecer – senti a mão dele bem perto da minha e a adrenalina
disparou pelo meu corpo. – Não quero que esqueça.
Rafael se aproximou lentamente e me beijou. Um beijo completamente diferente do
último. Calmo, macio, quente e demorado. Senti a respiração dele mais acelerada e o coração
também. Enquanto me beijava, pousou a mão no meu pescoço e começou a fazer um carinho
gostoso.
Se do lado de fora tudo estava gelado e barulhento, ali naquela sala estava aconchegante e
silencioso. Depois de beijar, beijar, beijar, Rafael se ajeitou no sofá e me aninhou em seus
braços. Tudo continuava escuro e não dissemos nenhuma palavra. Mas daquela vez, o silêncio
não foi desconfortável e o colo dele estava tão agradável, que acabei adormecendo.
Capítulo 24 – Não foi apenas um sonho

Que sonho mais estranho!


Abri os olhos me sentindo dormente e percebi que aquele não era o quarto do meu chalé.
Na verdade, ali não era nem mesmo um quarto e...
Ai. Meu. Deus!
Minha Nossa Senhora!
Não foi um sonho.
E AGORA??????????????
Mamãe vai me matar!
Tentei ser racional.
Não existe nenhuma possibilidade de mamãe descobrir que passei a noite fora do meu
chalé. Só se eu abrir a boca. Respirei fundo e sem me mexer muito, olhei para o lado.
Eu dormi com o Rafael!!!!!! Como isso foi acontecer?
Sem drama, Camila! Coloca a cabeça para funcionar.
- Bom dia – disse Rafael com voz de sono e com o cabelo despenteado – Que horas são?
– fez um carinho no meu cabelo.
Dei um pulo e senti o meu corpo estalar. Estava dormente depois de passar o restante da
madrugada em uma posição totalmente torta, naquele pequeno sofá.
- Não sei. Já é de manhã?! – perguntei confusa e completamente sem graça.
Rafael se esticou e pegou o celular.
- Ainda é bem cedo. Não precisa se preocupar, pois não perdemos a hora do curso.
Ah, Rafael! Não é exatamente essa a minha maior preocupação.
- E o Bernardo? Será que ele tentou voltar? Você deixou a porta trancada? E se ele bateu
e a gente não ouviu? A chuva já parou de cair? – disparei perguntas, estava completamente
atordoada.
- Calma, Camila! Respira – levantou e me segurou pelos braços. - A porta está trancada,
mas provavelmente ele não voltou. Deve ter ficado pelo apartamento do Bruno mesmo. Já era
bem tarde quando pegamos no sono e a tempestade estava forte do lado de fora.
- Ninguém pode nem imaginar essa situação. Minha mãe vai me matar e as outras pessoas
não vão acreditar que não aconteceu nada aqui.
- Relaxa – suspirou e me encarou. - Não tem como a sua mãe saber disso e não aconteceu
absolutamente nada para você ficar tão nervosa. Ninguém precisa saber que dormiu aqui, se não
falar sobre isso. Só depende de você.
- Já disse que não vou falar nada – bufei.
- Camila! Você está muito nervosa – colocou as mãos nos meus ombros e massageou.
- Vou embora – disparei na direção da porta sem dar tempo para o Rafael falar mais nada.
A vergonha me consumia.
Imagina se ele inventa de me beijar? Meu bafo deve estar horroroso!
Que pensamento ridículo.
Acho melhor eu parar de pensar.
- Rafael? – parei com a mão na maçaneta e olhei para ele. – É melhor você abrir a porta e
dar uma olhadinha se tem alguém por aqui. Imagina se dou de cara com alguém do curso, algum
funcionário ou com os meninos?
Ele fez cara de impaciência, mas foi fazer o que pedi. Somente naquele momento o
observei melhor. Havia cochilado com a mesma roupa de ontem, calça jeans e casaco. Estava
com o cabelo todo bagunçado e um rosto de sono tão, tão fofo que dava vontade de ficar olhando
para sempre.
- O que foi? – perguntou.
- Nada.
- Por que está me olhando desse jeito?
- Como?
- Sei lá – deu de ombros e abriu a porta. Foi até a varanda, respirou fundo o ar gelado e se
estalou. – Pode sair, não tem ninguém aqui. Todo mundo no hotel ainda deve estar dormindo –
bocejou.
- Obrigada – passei por ele com passos rápidos. – Depois devolvo seu casaco, tá?
Concordou com a cabeça.
- Camila? – chamou quando eu já estava me preparando para correr. – Foi legal. – sorriu
e entrou no chalé.
Foi legal? O quê? O jogo? A conversa? Nosso beijo? Ou dormir pertinho de mim,
mesmo em um sofá minúsculo?
Também sorri, apesar de nervosa. Tudo aquilo foi realmente legal.
Capítulo 25 – Mudaram as estações

Depois de uma ducha demorada – desculpa, mãe natureza! -, estava totalmente atrasada
para o curso. Passei correndo no restaurante para tomar um suco e roubar três pães de queijo e
saí voando para a sala de aula.
Se a profissão de jornalista não der certo, posso virar maratonista facilmente. Passei o
curso inteiro praticando a corrida.
Cheguei na sala sem ar e sem saber como encarar o Rafa e os meninos. Não imaginava o
que tinham conversado e o que sabiam sobre a noite anterior. Como a aula já havia começado,
deixei para me preocupar com aquilo mais tarde.
Márcio estava falando sobre os diferentes tipos de olhares para uma mesma situação,
paisagem ou cena. Deixei a minha mente viajar e ela voltou para aquela madrugada. Foi difícil,
digamos que impossível, pensar em outra coisa durante toda a manhã. Meu coração acelerava
tanto com as lembranças, que parecia que estava fazendo um dos exercícios mais complicados de
ginástica. Não era uma batidinha acelerada. Era um rufar de tambores bem alto e que
demonstrava urgência.
Será que o amor emagrece? Não costumam dizer que as calorias vão sendo perdidas
conforme os batimentos cardíacos aumentam de velocidade?
Hum...
Amor, Camila?
Levei um susto tão grande com o meu pensamento, que dei um pulo da cadeira.
- Tudo bem, mocinha? – perguntou Márcio enquanto todos me olhavam.
- Aham, desculpa. Achei que tinha sentido um bicho na minha perna – menti.
Por mais que tentasse me concentrar, era impossível. Foi a primeira vez que fiquei tão
perto de um garoto daquele jeito, com uma intimidade que pensei que só teria lá pelos meus
dezoito anos, no mínimo. Dividir a cama – ou melhor, o sofá - com alguém do sexo oposto
enquanto dormia? Nem nos meus sonhos mais atrevidos aquilo havia sido permitido. Dormir
abraçada? Mamãe deve ter alguma fórmula para evitar isso até no meu pensamento.
Ainda é demais para a minha cabecinha pensar que aquela noite realmente aconteceu!!!
Despertei dos meus devaneios quando notei que o Bruno estava me encarando. Fugi do
olhar dele com medo de que descobrisse alguma coisa telepaticamente. Todo mundo vive
dizendo que “meus olhos dizem tudo”.
- O exercício de vocês será mais uma vez igual, mas tenho certeza que os trabalhos serão
totalmente diferentes. Quero que escrevam sobre alguém do curso. Uma pessoa que vocês
tenham tido afinidade logo de cara ou que não tenham gostado ou até mesmo sobre quem já
conheciam – olhou para a gente. - Mas escolham apenas um e decidam sobre o que irão falar
dessa pessoa. O jeito? A aparência? A impressão que ela causa? Vocês decidem. Aproveitem o
dia para observar, conversar ou pensar na pessoa que será a sua inspiração para esse exercício.
Bom trabalho para todos – disse juntando o material para ir embora.
Não me mexi. Fiquei indecisa sobre o que fazer. Não sabia se esperava os meninos, se
agia normalmente ou se dava uma desculpa qualquer e fugia para o meu quarto.
Vai ficar escondida até o final do curso? Fala sério! E o Rafael deixou bem claro que
não ia comentar nada com ninguém.
- Sonhando acordada, jornalista? – Bruno implicou quando notou que estava olhando
para o nada. – Vamos almoçar?
Concordei, mas não falei muito durante o tempo que ficamos juntos. Quando terminamos
de comer, avisei que iria dormir um pouco, pois a chuva não tinha me deixado descansar. Sem
deixar tempo para que perguntassem alguma coisa, fugi deles e de qualquer situação
constrangedora.
Na segurança do meu chalé, liguei o computador. Meu Facebook pipocava de
notificações e o grupo do Whatsapp com as minhas amigas estava com tantas mensagens, que a
tela até travou e eu desisti de ler.
Camila: Caramba! Vocês falam muito, até quebraram meu celular. Não consigo ler as
mensagens anteriores, pois não dá nem para rolar a tela. Alguém online para me atualizar e
fazer um resumo das conversas?
Juliana: kkkkkkkkkkkkkkk... A maioria foi a Dani querendo saber do Bernardo, depois do
Rafa e depois do Bruno.
Dani: Putz! Até que enfim, dona Camila! Sério... Chega a dar ódio de você quando viaja.
Não quero mais que você encasquete com essa profissão de jornalista aventureira que vai rodar
o mundo. Imagina! Quanto tempo vou precisar aguentar sem falar com você? Até o Bê, que
quase não usa a internet, me escreve mais. Poxa...
Gisela: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... Olha o drama!!
Camila: Pois é! Te amo, Dani!
Dani: Não parece! =P
Camila: Boba!!
Dani: Dá para contar as novidades?
Pensei na noite anterior e decidi que definitivamente aquele seria um segredo apenas meu
e do Rafa. Pelo menos por enquanto.
Camila: O curso está acabando. Já nem lembro mais que o Bruno é famoso. Tenho
certeza que vamos sair muito com ele aí, no Rio. Ele é um fofo e não vou querer perder o
contato. O bom de não ter rolado nada é que a amizade vai poder existir para sempre, pois não
vou ficar esperando nada que ele não possa dar.
Gisela: Verdade, amiga! E se ele é legal... É melhor não perder a amizade mesmo.
Dani: Vocês não podem estar falando sério. LAMENTÁVEL!
Gisela: ????
Dani: Claro que amizade é importante, mas ACORDEM!!! Bruno Ferraz, o gatinho mais
fofo da televisão, está no mesmo lugar que a Mila e pelo que ela já me contou, dando grandes
condições para que role algo entre eles e vocês acham mais legal se eles forem apenas
amiguinhos? Fala sério! Ninguém tem uma grande história com beijinhos no rosto. É o romance
que faz com que momentos sejam eternos e tragam lembranças que vão ser contadas para os
netos.
Juliana: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
Gisela: hahahahahahahahahahahahahahahah....
Camila: Ai, Dani! Só você!
Dani: Um dia você vai se arrepender de não ter me escutado. Mas tudo bem... Você sabe
o que faz. E o Bernardo? Está se comportando direitinho?
Camila: Claro!
Dani: Jura?
Camila: Lógico, Dani! Ele não é nem maluco de não se comportar.
Juliana: Dani, a professora está te encarando.
Dani: Merda!
Juliana: Meninas, Dani vai ficar sem o celular até o final da aula. Mila, a professora
mandou você prestar atenção no curso e não tirar a nossa atenção. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
Acho melhor eu sair daqui antes que fique sem meu celular também.
Camila: Tá!! Beijosssssssssssssss... Daqui a poucos dias já estou com vocês de novo e
vamos poder fofocar MUITO!!!
Gisela: Como ainda posso fofocar, pois não tenho aula nesse horário, não posso deixar
de perguntar pelo Rafael. Como está a relação de vocês?
Suspirei antes de responder. Se fingisse que não tinha visto a mensagem, elas
desconfiariam de alguma coisa, pois esse aplicativo dedo duro iria me entregar. Achei melhor
responder.
Camila: No início estava horrível, depois ele começou a não me ignorar mais. No final
de semana a gente foi passear por Campos do Jordão – eu, Bê, Rafa, Bruno e o professor – e
conversamos até um pouquinho melhor. Depois disso, o Rafael ficou mais simpático e não
estamos mais nos alfinetando. No fundo ele é legal.
Gisela: Hummmmmmmmmmmmm...
Camila: Mas não está rolando nada. Ele é muito fechado, na dele...
Gisela: Tudo pode acontecer!! O curso ainda não acabou... Quem sabe ele não é a sua
nova estação?
Camila: Ahm?
Gisela: O Leandro foi o seu verão. Ele era doce, fofo, engraçado, “quente” – ui, ui, ui!
Kkkkkkkkkkkkk – e agora você está dizendo que o Rafael é quieto, na dele, fechado... Pode ser o
seu outono.
Camila: kkkkkkkk... Que ideia louca! Você é muito figura, Gi!
Gisela: Sou quase poeta!
Camila: Verdade! Bem profunda!
Gisela: ;) Aproveita, Mila! Vou estudar um pouquinho... Beijos!!!
Camila: Beijos!!!

Olhei para o meu quarto vazio e me senti sozinha. Era muito ruim estar longe das minhas
amigas durante tanto tempo. Pior ainda era esconder um segredo como aquele.
Deitei na cama e fiquei pensando no que a Gisela havia acabado de dizer, aproveitei para
pegar o meu bloquinho e comecei a escrever o meu trabalho. Sem saber, ela tinha me inspirado.
Estava em dúvida se faria o exercício sobre o Bruno ou o Rafael, mas depois daquela declaração
tão filosófica da minha amiga, já sabia a resposta.
Não demorei a preencher duas páginas frente e verso. Fiquei surpresa ao perceber que
tinha tanto para falar sobre aquele menino do meu passado, que começava a fazer cada vez mais
parte do meu presente. Em momento algum escrevi sobre o que havia acontecido, falei apenas
sobre os olhos misteriosos, o jeito reservado e tudo que fazia lembrar o outono. Gostei daquela
ideia que a Gi havia me dado bem sem querer e foi um dos textos mais poéticos que escrevi.
Fiquei satisfeita com o resultado e esperava que o Márcio guardasse aquelas palavras apenas para
ele.
Aproveitei que estava cheia de inspiração para atualizar o meu blog.

Mila e o seu mundo mágico – 30 de março


Vocês já viveram um dia tão longo, tão cheio de decisões e de situações difíceis até de
imaginar, que mais parece um sonho do que a realidade de fato?
Quando penso no dia que tive ontem, sinto como se ele tivesse acontecido em um mundo
paralelo, em um tempo distante... E se alguém me contasse sobre tudo o que aconteceu, jamais
acreditaria que era verdade. Juro.
Mas o que fez desse dia tão surreal?
Ah, uma cadeia de acontecimentos. Não sei se uma coisa estava entrelaçada na outra, se
a primeira atitude foi a responsável pela última ou se nada tinha conexão e apenas foi
acontecendo, acontecendo, acontecendo... Só sei que o dia começou louco e terminou ainda mais
estranho.
Misturei passado com presente, visitei mundos proibidos, conversei com quem queria
esquecer, e fiquei “ilhada” com a última pessoa que levaria para uma ilha deserta.
Se me dissessem que ontem teve uma pane no sistema do universo e que o relógio teve
mais de 24 horas, acreditaria sem nenhuma dúvida.
Que loucura! Com certeza foi um daqueles dias que a gente não esquece nunca mais.

Senti falta do meu leitor. Será que escrevi uma coisa tão sem sentido e acabei afastando a
única pessoa que lia o meu blog? Dei de ombros. Aquele era o meu espaço e não queria deixar de
escrever tudo o que tivesse vontade só porque alguém poderia achar ruim.
Mas se você perdeu o seu único leitor, como vai ser para escrever em uma coluna de
viagens? Será que alguém vai querer ler?
Minha Nossa Senhora! Mais alguém tem uma consciência tão perversa quanto a minha?
Não é possível!
Por mais alguns minutos fiquei me questionando sobre a qualidade dos meus textos,
depois resolvi deixar pra lá. Aquele não era um espaço profissional, pelo contrário, era
totalmente pessoal.
Abri meu Facebook para ler os recados, a maioria continuava sendo para a foto com o
Bruno e os meninos. As minhas amigas estavam na maior euforia com aquela amizade.
Rafael: Oi!
A janela de mensagens instantâneas saltou na minha frente e dei um pulo quando vi de
quem era.
Mila: Oi!
Rafael: Está tudo bem?
Mila: Aham! Por quê?
Rafael: Você praticamente não abriu a boca hoje e parecia estar fugindo da gente.
Mila: Fiquei sem graça, não sabia o que você tinha falado para os meninos e não queria
dar nenhum furo.
Rafael: Não falei nada.
Mila: Mas o Bernardo nem quis saber como fui embora com toda aquela chuva?
Rafael: Eles só perguntaram se rolou alguma coisa e eu disse que não.
Mila: Hum...
Rafael: Essa era a maior curiosidade deles, seu chalé é aqui ao lado, acho que eles nem
pensaram sobre a sua volta. Risos!
Mila: Que bom!
Rafael: Você precisa se preocupar menos. Já te disse isso.
Mila: Eu sei! Mas já estou seguindo seus conselhos...
Rafael: Ah, é?!
Mila: Aham.
Rafael: Qual conselho?
Mila: Conversei com minhas amigas hoje e não contei nada.
Rafael: Risos! Que progresso!
Mila: Você não precisa debochar...
Rafael: Não estou debochando. Estou feliz de saber que você entendeu o que eu penso e
ainda seguiu uma dica que poderia simplesmente ter ignorado.
Mila: Não costumo ignorar as pessoas.
Rafael: Mas em alguns momentos vale a pena fazer isso. Não devemos dar ouvidos a
tudo que nos dizem.
Mila: Você me deixa confusa!
Rafael: Risos!
Mila: Você está rindo de verdade?
Rafael: Não entendi...
Mila: Você escreveu “risos” e perguntei se estava só escrevendo isso ou rindo de
verdade.
Rafael: Você me pegou. Agora estou rindo de verdade com essa pergunta.
Mila: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...
Rafael: Posso dar mais um conselho?
Mila: Claro.
Rafael: Não precisa mudar o seu jeito, ficar sem graça... Assim, todo mundo vai fazer
exatamente o que você não gostaria: Muitas perguntas.
Mila: Eu sei... Mas como não sabia o que você tinha dito, fiquei muito sem graça de falar
alguma coisa diferente.
Rafael: Relaxa! Agora você já sabe.
Mila: Sim.
Rafael: =)
Mila: É engraçado ver você colocando emoticons...
Rafael: ?
Mila: Sei lá, não combina com você.
Rafael: Também me acho estranho colocando essas carinhas. Não combinam mesmo
comigo.
Mila: kkkkkkkkkkkkkk... Já fez o exercício?
Rafael: Já.
Mila: *curiosa* Fez sobre quem?
Rafael: *silencioso*
Mila: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... *chorando de rir*!
Rafael: Por quê?
Mila: Foi engraçado ler você *silencioso*.
Rafael: =P E você? Já fez o seu exercício?
Mila: Aham.
Rafael: Quer tomar um chocolate quente agora?
Mila: No centro?
Rafael: Não... Aqui no hotel mesmo.
Mila: Os meninos também vão?
Rafael: Não. Eles saíram.
Mila: Ah, é? Para onde?
Rafael: O Bruno recebeu uma ligação sobre um trabalho, pois descobriram que ele
estava aqui e aí o Bernardo se animou e foi com ele.
Mila: E você, não quis ir? Que trabalho?
Rafael: Não mesmo. Eles foram para São José dos Campos. O Bruno foi passar a tarde
tirando fotos e o Bernardo se empolgou para conhecer esse mundo.
Mila: Poxa... Eles nem falaram nada comigo.
Rafael: Ih... Você também ia querer ir?
Mila: Impossível! Minha mãe ia me matar.
Rafael: E por que ficou chateada?
Mila: Porque o Bruno era mais meu amigo, agora só quer saber de vocês.
Rafael: Hum... Saquei. Vai querer tomar um chocolate quente?
Mila: Vou.
Rafael: Quer me encontrar lá ou já está pronta para ir comigo?
Mila: Vou ligar para a minha mãe e pegar um casaco.
Rafael: Ok.
Desliguei o computador correndo e falei o de sempre com mamãe. Disse que ainda
precisava fazer o exercício e não demorei muito batendo papo. Peguei o meu casacão vermelho
de moletom e mais uma vez dei de ombros para a moda.
Calcei a sapatilha e acelerei, quando abri a porta levei o maior susto. Rafael estava
apoiado na entrada da varanda, me esperando.
Capítulo 26 –De chocolate, choc choc chocolate bate o meu coração

- Que susto – coloquei a mão no coração olhando para o Rafael.


- Por quê? Não estávamos falando agora mesmo na internet? – me olhou sem entender o
motivo do meu espanto.
- Não sabia se ia me esperar aqui ou lá no restaurante, você só disse “ok” – expliquei com
a respiração ainda um pouco desregulada.
- Vamos? – chamou e concordei.
- Putz! Esqueci o seu casaco. Quer que eu volte e pegue? – perguntei quando já
estávamos no meio do caminho.
- Não tem problema. Depois você me devolve.
Enquanto caminhávamos, Rafael parecia estar com a cabeça em outro lugar. Percebi que
o olhar dele estava distante.
- Algum problema? – perguntei, sem saber o que mais poderia falar.
- Não entendi – olhou para mim.
- Você me chamou para tomar um chocolate quente, mas está tão silencioso.
- Desculpa. Estava viajando – sorriu.
- Sei como é isso, vivo com a cabeça no mundo da lua – retribuí o sorriso.
Entramos no restaurante e Rafael foi até o balcão.
- Já sabe o que vai querer? – perguntou.
- Quero um chocolate quente e um misto, por favor – falei tanto para ele quanto para o
garçom.
Rafael pediu a mesma coisa, sentamos para esperar.
- Como descobriram que o Bruno estava aqui? – puxei assunto.
- Acho que foi a empresária dele que aproveitou o curso para arrumar trabalho nessa
região – bufou. – Nunca conseguiria estar no lugar dele. Não sei como o Bernardo se anima para
esse tipo de coisa. Você praticamente vira um escravo. Era visível a falta de empolgação do
Bruno para ir até lá fazer o tal trabalho.
- Caramba! Ele disse que queria aproveitar esses dias para descansar. Tadinho! E se o
curso fosse durante o dia inteiro?
- Ele teria que decidir o que seria mais importante para ele.
- Verdade.
Ficamos em silêncio até o garçom colocar o lanche na mesa. Estava nervosa e tensa, não
sabia direito como agir ou puxar assunto. Era engraçado perceber como as pessoas são
diferentes. Com os meninos que fiquei depois do Leandro, nem precisei me preocupar, pois não
foram mais do que beijos em alguma festinha. Não encontrava no dia seguinte para ter que
pensar no que dizer. Com o Leandro foi natural. Mas com o Rafael a atmosfera era diferente.
Tínhamos dado o nosso segundo beijo na noite anterior, mas não conversamos sobre aquilo e não
fazia ideia se aconteceria de novo.
Apelei para a famosa conversa de elevador.
- Acho que não vai cair a mesma chuva de ontem, né? – quem nunca puxou assunto sobre
o tempo quando não tinha nada a dizer, que atire a primeira pedra.
- Não sei. O tempo está meio esquisito.
- E os meninos? – perguntei preocupada, depois de pensar sobre aquilo.
- Ué, se o tempo estiver horrível é só eles ficarem por lá – deu de ombros, como se não
fosse importante. – Não precisa se preocupar, o Bruno sabe o que faz. O cara mora sozinho desde
os quinze anos.
- Verdade – suspirei.
- Olha aqui – Rafael levantou o celular e morri de rir com a foto que o Bê tinha acabado
de enviar. Ele estava com uma cara muito empolgada. O Bruno estava lá atrás, cheio de
iluminação e fotógrafos em cima.
- Bernardo é muito engraçado. Ele e a Dani combinam muito, foram feitos um para o
outro – elogiei e mais uma vez ficamos sem assunto.
Quando Rafael deu o último gole no chocolate quente, ouvimos um estrondo do lado de
fora.
- Acho melhor a gente dar uma olhada no tempo – chamei e levantamos.
Assim que passamos pela porta do restaurante, Rafael olhou para o céu e comecei a sentir
pingos grossos caindo cada vez mais rápido. Saímos correndo pelas ruas do hotel. Quando
chegamos em frente ao meu chalé, estávamos bem molhados.
- É melhor entrar logo para me secar, vou acabar ficando doente – me abriguei na
varanda e passei a mão pelo meu corpo, mas estava encharcada.
- Como ela é toooooda certinha... – implicou com um sorriso.
- Não sou certinha, só que estamos molhados e vamos ficar gripados.
- É assim que você quer trabalhar viajando pelo mundo? Vai ficar se escondendo da
chuva, dos ventos, de tudo? – perguntou com um olhar tão cheio de vida, que me deixou curiosa.
Ele estava me provocando.
- Claro que não vou me esconder.
- Não? Então prova – desafiou.
- Como? – perguntei nervosa.
- Se arriscando mais. Andar sempre na linha não é a coisa mais divertida do mundo. É
legal surpreender os outros e se surpreender também – começou a se afastar.
- De que jeito?
- Você precisa descobrir – voltou a correr.
Fiquei parada na varanda pensando sobre aquilo e resolvi, mais uma vez, seguir o
conselho dele.
- Rafael? – saí correndo na chuva antes que ele entrasse no chalé. Quando parou e olhou
na minha direção, fiquei com medo de não ter coragem de fazer o que havia pensado.
Não queria deixar de arriscar.
- O que aconteceu? – perguntou quando cheguei mais perto, a chuva tinha aumentado e
estávamos ficando ainda mais ensopados.
Peguei toda a cara de pau e coragem que consegui reunir dentro de mim, diminuí a
velocidade dos passos e quando parei na frente dele, antes de fazer qualquer coisa, encarei
aqueles olhos que tinham me encantado na primeira vez que vi.
- A chuva está aumentando – disse, mas não se mexeu. Parecia curioso para saber o
motivo que me levou a ir atrás dele.
- Que bom que ela aumentou – falei ainda buscando coragem.
- Bom? – franziu a testa sem entender.
- Aham – estava esperando a pergunta certa.
- Por quê?
E ele fez a que eu queria.
- Porque sempre quis beijar alguém embaixo de uma chuva como essa – tremendo um
pouco, tanto pelo frio, quanto pelo nervosismo, me aproximei.
Rafael me encarava com surpresa. Passei uma mão pelo cabelo dele e a outra pousei na
nuca. Fiz um carinho sem desviar o olhar e quando achei que meu coração ia saltar pela boca, fui
me aproximando bem devagar, até nossos lábios se tocarem. Rafael, que estava estático até
aquele momento, passou a mão pelas minhas costas e me puxou até não haver mais nenhum
espaço entre a gente.
Ai – meu - DEUS! Que beijo é esse?
Aquele era o nosso terceiro beijo e os três tinham sido completamente diferentes. O
primeiro, no dia da festa, foi um beijo frio, quase furioso. O segundo foi mais delicado, com
carinho.
Mas esse beijo...
Quase posso jurar que tem paixão aqui.
Ui, ui, ui.
A chuva caindo com força em cima da gente, as roupas molhadas, as mãos do Rafael nas
minhas costas, tudo estava como havia imaginado viver um milhão de vezes enquanto assistia
aos filmes românticos que amo. Toda mocinha que se preze já viveu uma cena assim e sempre
me deixou babando.
Mesmo com toda aquela chuva e frio, sentia calor. O beijo estava tão gostoso que era
quase impossível parar de beijar. Rafael levantou meu cabelo e passou a mão pela minha nuca
me fazendo suspirar. Tínhamos nos esquecido do mundo. Estávamos nos beijando no meio da
rua do hotel e qualquer um poderia ver, mas aquilo era o que menos importava naquele
momento.
Uma adrenalina absurda corria pelo meu corpo. A cada toque do Rafael na minha pele,
minha perna ficava mais bamba. Quando começou a descer a mão que estava nas minhas costas,
respirei fundo e me afastei.
Rafael se assustou com o meu movimento rápido.
Ficamos nos encarando em silêncio por alguns segundos, ele segurou a minha mão, meu
coração batia totalmente fora de ritmo.
- Vou tomar um banho e tirar essa roupa molhada – disse e me afastei.
- Também vou fazer a mesma coisa – me soltou.
Corri na direção do meu chalé e quando ia entrar, foi a vez do Rafael me surpreender.
- Camila?
- Que susto – coloquei a mão no coração, não tinha reparado que ele havia corrido
comigo.
- Só queria retribuir a surpresa.
Antes que pudesse pensar no que ele estava querendo dizer com aquilo, Rafael me beijou
mais uma vez. O mesmo beijo intenso - e apaixonado?!?! – que havia sentido antes. Mais uma
onda de calor me esquentou de todo aquele frio.
- Surpresas quase sempre são boas, né? – sorriu e se afastou aos poucos. Antes de correr,
olhou mais uma vez na minha direção e gritou – Vai se secar para não ficar doente.
Fiquei parada, ainda sentindo calor. Mas aquela sensação não demorou muito. Em
questão de segundos percebi que a água que vinha do céu não era nem um pouco quentinha e o
frio fez meus ossos doerem. Entrei correndo no chalé, joguei a roupa ensopada no chão do
banheiro e tomei um banho com a água quase fervendo.
No que estava me metendo?
Capítulo 27 – Amanhã, outro dia

Acordei com o telefone tocando e dei um pulo. Olhei para o relógio, já era de manhã.
Caramba! Dormi ou hibernei?
Ainda zonza, peguei o telefone. Mamãe estava aflita querendo saber por que não tinha
dado mais notícias desde a tarde de ontem. Expliquei que estava tão cansada, que o meu cochilo
se transformou em um sono profundo. Ela estava preocupadíssima com a chuva e me encheu de
perguntas, se estava me agasalhando, comendo direito e se o chalé era seguro. Depois de deixá-la
mais tranquila, expliquei que precisava me arrumar para o curso.
- Estou com saudades, filhinha!
- Também. Falta pouco – fiquei triste ao lembrar o tempo que restava.
- A gente nunca ficou tanto tempo sem você. Seu papaizinho lindo também está
mandando beijos.
Por que mamãe estava falando como se eu fosse um bebê?!
- Manda beijos também. Depois a gente se fala mais.
- Bom curso.
- Beijo.
Antes de levantar da cama, pensei no que havia acontecido. Um frio na espinha me
deixou arrepiada.
Com que cara iria encontrar o Rafael depois daquela atitude impulsiva?
Como tive coragem de sair correndo atrás dele e de dar aquele beijo?!
Camila, sua devassa!
Não é para tanto, né?
Ou é?
O despertador tocou me tirando daqueles devaneios, não tinha mais tempo para pensar
nem enrolar. Escolhi uma calça jeans e uma blusa preta mais grossa, de gola alta, justa no corpo.
Olhei pela janela e o tempo continuava fechado, com certeza o frio era grande do lado de fora.
Separei uma jaqueta jeans para me deixar aquecida.
Não demorei no banho, pois estava morrendo de fome e não queria perder o café da
manhã. Peguei o casaco, meu bloquinho e saí do chalé com um aperto no coração. Era uma
mistura de vergonha, constrangimento e algo mais que ainda não sabia definir muito bem.
- Camila? – gritou Rafael.
Tremi ao ouvir aquela voz bem atrás de mim. Olhei, ele estava se aproximando.
- Oi – disse baixinho, morrendo de vergonha.
- Bom dia – sorriu.
- Bom dia. E os meninos? – perguntei olhando para trás, para ver se o Bernardo estava
por perto.
- Dormiram por lá. Falei com eles ainda agora, vão se atrasar um pouco, mas já estão na
estrada.
- Que bom – respondi e voltamos a andar.
- Saiu ontem?
- Eu? – estranhei aquela pergunta.
- Passei no seu chalé, bati na porta, te gritei, mas você não atendeu.
Ai meu DEUS!!! O que ele foi fazer no meu chalé depois que eu o agarrei?
- Acabei pegando no sono, só acordei com a minha mãe me ligando hoje de manhã. Por
que você não me ligou? Com certeza teria acordado com o telefone.
- Não era nada importante – deu de ombros e por um minuto poderia jurar que vi as
bochechas dele ficarem um pouco vermelhas.
- O que você queria falar comigo?
- Nada. Ia te avisar que os meninos iam ficar por lá. Você estava preocupada, queria que
soubesse que estava tudo bem. E como vi que você tinha medo de trovão, ia perguntar se
precisava de companhia. Mas que bom que não acordou com a tempestade.
Ohmmmmmmmmmmmmm!!!
- Obrigada pela preocupação. Acho que estava muito cansada, pois apaguei e não acordei
com barulho nenhum.
- Sorte a sua. Eu estava entediado, ia perguntar se não queria assistir a um filme,
conversar, ouvir uma música.
Tum, tum, tum... Bate um coração!
- Poxa... – suspirei.
Por que você tem que ter o sono tão pesado, bicho preguiça?!
Entramos no restaurante e aquele assunto ficou no caminho. Fizemos nossos pratos.
Peguei um pão francês, com queijo e presunto, três pães de queijo, um pouco de ovo mexido e
uma banana. Também fiz uma xícara de chocolate quente e um copo de suco.
- Caramba – surpreendeu-se com o meu prato assim que sentei.
- Ah, não como nada desde o lanche que fizemos ontem – justifiquei, sentindo meu
estômago roncar.
- Você está mais do que certa. Pensei que era meio fresquinha como a maioria das
meninas, mas é legal perceber que estava errado.
- Por que todos vocês falam isso? Sempre me sinto como um elefante quando como na
frente de algum garoto – mordi o pão de queijo e senti um prazer enorme, estava quentinho e
macio.
Hummmmmmm!!!
- Não é muito comum encontrar garotas assim. Mas isso não é uma critica, é muito
maneiro – sorriu.
Será que ainda estou sonhando? Desde quando o Rafael é simpático dessa maneira
comigo?
- Gosto de comer – senti o cheirinho do pão quentinho e aquela declaração foi dita com
toda a verdade do mundo.
Rafael deu uma gargalhada, provavelmente com a cara que fiz ao dizer aquilo depois
morder mais um pão de queijo. Amava aquelas bolinhas.
- Você é engraçada – continuou com um enorme sorriso no rosto e nos olhos. Meu
coração derreteu um pouquinho mais com aquela expressão.
- Obrigada? – não tinha certeza se aquilo era um elogio.
Era tão estranho estar ali, sentada com o Rafael, tomando café da manhã. Se alguém
tivesse me contado que aquilo algum dia aconteceria, teria rido na cara da pessoa. Não parecia
uma situação possível nem nos meus sonhos mais inusitados.
– Vamos? – interrompeu meus pensamentos.
- Aham – dei o último gole no suco de laranja e levantei.
Fomos em silêncio até o curso e sentamos um ao lado do outro.
Não abrimos a boca durante toda a aula. Márcio estava arrasando mais uma vez com o
tema daquela quarta-feira. Foi uma das melhores aulas do curso. Ele falou bastante sobre como
devemos prestar mais atenção nas pessoas, lugares e coisas, sem preconceito, sem usar as nossas
experiências anteriores para julgar quando estivéssemos contando nossas histórias.
Prestei atenção em cada palavra, em cada exemplo e pensei em como aquilo não só servia
para os textos, como para tudo na nossa vida. Suspirei lembrando todas as vezes que havia feito
julgamentos, em como tinha usado a minha caneta invisível para mudar cenas, personagens e
figurinos.
Márcio resolveu criar um suspense e ficou olhando para todo mundo com aquele sorrisão
antes de explicar qual seria o exercício do dia.
- Preparados? Vocês vão ter que procurar a pessoa que escolheram no último exercício e
deverão conversar com ela sobre os mais diferentes assuntos. Precisam prestar atenção na
essência, no que possuem em comum, nas histórias que o outro vai contar. Sei que alguns
escreveram sobre quem já conhecem e, nesse caso, o exercício vai ser ainda mais difícil, pois
quero que tentem conhecer além do que já imaginam saber da pessoa. Buscar histórias do
passado, descobrir sentimentos e outras coisas. Lembrem-se da aula de hoje e tentem ouvir com
ouvidos limpos as histórias, não julguem, não coloquem opiniões embasadas nas experiências de
vocês. Reservem pelo menos duas, três horas para essa conversa. Olhem nos olhos enquanto
estiverem conversando. E escrevam sobre o que aprenderam com essa experiência, o que
descobriram e o que a pessoa é diferente daquilo que escreveu anteriormente – olhou para o rosto
de cada um e parou bem no meu – Você, por exemplo, a cada novo dia aprende um monte de
coisas, forma opinião sobre os mais variados assuntos, não é?
Confirmei com a cabeça.
- Então, imagina como você vai contar para os seus leitores sobre as viagens que fizer. Se
for descrever a sua experiência com o seu olhar normal, vai acabar não atraindo tanta gente. Sabe
por quê?
Dei de ombros.
- Porque cada pessoa tem seu gosto, suas vivências... Se for a um restaurante e não gostar
da comida, com o seu olhar normal o que seria mais óbvio fazer? Dizer que não gostou. Mas se
usar o seu olhar treinado poderá contar sobre como cada aroma, cada textura da comida entrou
em contato com o seu paladar. E não vai ser apenas a maneira de escrever que vai ser diferente.
Com esse esforço você vai passar a viver as experiências de um novo jeito.
Suspirei.
Como iria falar para o Rafael que havia feito o meu trabalho sobre ele?
- Alguma dúvida? - o professor quis saber, mas como ninguém perguntou nada, ele
liberou a turma.
Senti que minhas pernas estavam fracas e demorei a levantar. Exatamente naquele
instante, Bernardo e Bruno entraram correndo na sala. Continuei sem sair do lugar. O professor
explicou o exercício e sugeriu que os dois fizessem juntos, já que não tinham feito o do dia
anterior, iria facilitar para os dois.
- Primeiro, quero que escrevam o que um já sabe do outro. Podem falar sobre o que
quiserem. Depois, quero que conversem bastante – e continuou a explicar resumidamente o que
havia falado na aula.
Quando saímos da sala, tentei esquecer que teria que confessar para o Rafael que ele
havia sido a inspiração do meu trabalho anterior. Tentei focar nas histórias sobre as fotos do
Bruno, que o Bernardo contava empolgado. Demos boas risadas durante o almoço com todo o
relato daquela “aventura”.
- E vocês? Ficaram comportados por aqui? – Bernardo deu uma gargalhada e levantou o
olhar como se estivesse nos desafiando a falar.
- Fiquei preocupada com vocês – olhei na direção do Bruno, mudei de assunto. – Poxa,
você nem me avisou que ia para outra cidade – fiz cara de triste.
- Ah, jornalista! Não deu tempo. Pedi para o Rafael dar o recado. Foi tudo muito corrido.
- Sei... – dei língua para ele.
Bruno puxou a minha cadeira e passou o braço pelas minhas costas. Rafael e Bernardo
ficaram olhando aquela cena.
- E o trabalho? Vocês vão ter que fazer sobre quem? – perguntou Bruno, olhando
primeiro para mim e depois para o Rafael.
Senti minhas bochechas esquentarem e uma sensação de queimação no corpo.
- Vou fazer sobre o Rafael – resolvi responder de uma vez, já que ele não falava nada.
Era melhor fingir que era algo natural do que ficar criando todo um clima sobre aquele assunto.
- Hummmmmmm... - implicou Bernardo – O amor está no ar.
- Deixa de ser bobo, garoto – fingi que não tinha nada de mais.
- Fiquei com ciúmes. Pensei que tinha feito sobre mim – Bruno fez um biquinho, lindo!
- Quase fiz, mas como me largou sozinha aqui, mudei de ideia – dei de ombros.
- Ah, é assim, é? – perguntou com o olho arregalado e depois fez cosquinha na minha
barriga.
Era muito fácil estar com o Bruno, ele era um menino leve e divertido. Não precisava
ficar cheia de preocupação com minhas atitudes ou com o que iria dizer.
Depois de implorar para que ele parasse com as cosquinhas, Bernardo sugeriu que eles
fossem logo fazer os exercícios. Fiquei sozinha com o Rafael mais uma vez.
- Quer fazer o seu trabalho antes e depois a gente se encontra para que eu possa fazer o
meu? – perguntei querendo descobrir sobre quem o Rafael havia feito.
- Acho melhor a gente já começar e depois ficamos livres.
Cruzes! Ele quer se ver logo livre de mim?
- Tá bom – abri o meu bloquinho.
- Aqui não, né Camila? Toda hora fica passando alguém, não dá nem para se concentrar.
Vamos para o seu chalé?
Borboletas começaram a se agitar na minha barriga. Ficar sozinha com o Rafael, sem os
olhares de nenhuma outra pessoa era perturbador.
- Pode ser – levantei e senti que estava toda dura, parecia um robô com movimentos
friamente calculados.
Pegamos uma carona no carrinho e não demoramos nada a chegar. Rafael não tirou os
olhos de mim enquanto abria a porta e provavelmente percebeu o leve tremor das minhas mãos,
que quase não conseguiram acertar o buraco da fechadura.
- Você fez o seu trabalho sobre o Bernardo? – perguntei não aguentando mais de
curiosidade, enquanto sentava ao lado dele no pequeno sofá.
- Não.
- Bruno? – arqueei a sobrancelha.
- Claro que não – deu de ombros.
- Sobre quem foi?
Levantou o olhar para mim como se a resposta fosse óbvia, mas sempre sou mais lerda
quando as borboletas se agitam na minha barriga, não consigo pensar direito e mais pareço uma
tonta do que alguém inteligente.
- Escrevi sobre você, Camila.
Aquela declaração provocou um verdadeiro tornado no meu corpo. Senti que tinha virado
uma maria-mole, uma gelatina e fiquei com medo de não conseguir me mexer.
Rafael riu.
- O que foi? – perguntei com vergonha.
- Nada – balançou a cabeça e abriu o caderno, encerrando aquele assunto e demonstrando
que estava na hora de começar.
- Como vamos fazer?
- Não sei – me olhou, parecendo esperar alguma sugestão.
- Acho que podemos conversar sobre todo tipo de assunto. Nunca fizemos isso. A gente
não se conhece de verdade. Sei muito pouco sobre você – parei de falar quando tive uma ideia e
resolvi compartilhar com ele. – Já sei! Vamos fazer tipo uma entrevista?
- Como assim?
- Você já faz faculdade de jornalismo. E é a mesma profissão que quero seguir. Vamos
ter que entrevistar pessoas para conhecer melhor sobre elas e escrever matérias. Por que não
treinamos com esse trabalho?
- Pode ser – deu um sorriso com a minha empolgação.
- Já até tive uma ideia sensacional de como podemos fazer – brinquei, mas estava
realmente animada.
- Hum...
- Vamos dividir a entrevista em partes. Primeiro, podemos pensar em dez perguntas bem
básicas sobre nossa vida e aí a gente intercala, uma vez você e depois eu. No segundo bloco,
podemos fazer perguntas mais profundas, de assuntos variados. E no terceiro, um “bate bola jogo
rápido”. O que acha? – perguntei quase sem ar, depois de ter falado tudo de uma vez sem nem
mesmo pegar um fôlego.
- Legal – abriu o caderno. – Vamos pensar nas perguntas.
Capítulo 28 – A entrevista

Depois de alguns minutos em silêncio, começamos a brincadeira que nos ajudaria com o
trabalho. A primeira rodada de perguntas foi bem básica, mas uma maneira bem legal de
conhecer mais um ao outro. Perguntamos sobre família, cor preferida, animal de estimação –
como não morrer de amores com o Rafael babando pelo labrador e declarando amor infinito ao
bichinho? Quem diria que ele seria tão fofo e carinhoso desse jeito?! -, comida favorita,
passatempos, viagens inesquecíveis e por aí vai.
- Foi legal a sua ideia – elogiou quando começamos a pensar na segunda rodada de
perguntas.
- Também gostei. Descobri coisas sobre você que nem imaginava – confessei.
- Tipo o quê? – perguntou com curiosidade.
- Seu cachorro – sorri ao imaginar mais uma vez os dois juntos.
- O Zeus é incrível. Se você conhecer, vai ficar apaixonada.
- Espero ter essa oportunidade – olhei para baixo, sentindo vergonha de ter falado aquilo.
- Sempre fui frustrada com isso, pois meus pais nunca deixaram que eu tivesse um bichinho de
estimação.
- Morando em apartamento é mais complicado mesmo.
- Ah, nem é. Existem cachorrinhos tão pequenos que um apartamento é um ótimo espaço
para eles.
- Quando você morar sozinha pode escolher ter ou não o seu cachorro.
- Não vai ser uma escolha difícil. Já sonho com esse dia.
Rafael abriu um sorriso enorme.
- A gente combina de pegar uma praia quando fizer sol e deixo você cuidar do Zeus
enquanto pego onda, tá? – disse com carinho.
Borboletas se agitaram na minha barriga.
- Vou amar.
- Preparada para a segunda parte da entrevista? – perguntou tão solto e natural, como
nunca havia visto antes. Aquela tinha sido mesmo uma boa ideia e uma ótima maneira para que a
gente se conhecesse melhor.
- Vou pensar nas perguntas. Você já sabe as suas?
- Ainda não, mas dessa vez não vou programar antes. Como combinamos que agora os
assuntos vão ser mais profundos, vou perguntar de acordo com o que a gente for conversando –
explicou.
- Então pode começar.
- Não quer anotar as suas?
- Vou tentar te copiar – sorri para ele.
- Então, vamos lá – suspirou e mudou a posição, ficando de perna de índio, de frente para
mim.
Começamos a conversar sobre os planos profissionais do futuro, sobre o que a gente
desejava fazer, como sonhávamos que seriam as nossas vidas de viajantes. Falamos também
sobre a possibilidade de fazer algumas daquelas viagens juntos, cada um correndo atrás de
matérias e entrevistas diferentes, em um mesmo cenário.
- Sério, Camila! Como você acha que seria se tivéssemos que viajar para um lugar
isolado do mundo, sem energia elétrica, com uma cultura totalmente diferente da nossa, sem
conforto... Acha mesmo que está preparada para viver uma experiência assim?
- Com certeza.
- Queria estar lá para ver isso.
- Aposto que me adapto melhor que você.
Rafael deu uma gargalhada.
- Não sei por que está rindo. Acha mesmo que sou tão fresca e medrosa que não posso me
virar em um lugar diferente do que estou acostumada?
- Acho que vai ser no mínimo curioso – passou a mão pelo cabelo. Aquele gesto me
deixava quase sempre hipnotizada. Ele era muito gato. – Será que a gente vai se encontrar em
alguma viagem assim?
- Você iria gostar se isso acontecesse? – perguntei.
- Se não ficar choramingando com qualquer bichinho que passar pelo seu caminho e se eu
não tiver que ficar carregando um milhão de malas para você, seria legal ter a sua companhia –
me olhou de um jeito diferente, com um olhar mais vibrante.
- Por que acha que seria legal?
- Você é uma garota interessante. E sabe como é, né? Em um lugar sem luz, sem muitas
distrações, ter uma gatinha por perto para fazer o tempo passar mais rápido, deixa a situação
melhor.
Arregalei o olho com aquela declaração do Rafael. O que ele estava querendo dizer com
aquilo?
- Calma, Camila – deu uma risada com a minha cara de espanto. – “A maldade está nos
olhos de quem vê”, conhece essa frase? Não pensei em nada do que você imaginou aí.
- Como você sabe o que imaginei?
- Não é difícil deduzir pela cara que fez. Não pensei maldade. Só estava pensando que,
apesar dos pesares, já ficamos isolados, sem energia elétrica e nos viramos bem juntos.
- Verdade – me lembrei daquele episódio e senti meu rosto esquentar de vergonha. –
Agora é a minha vez. Que Rafael de verdade é você?
- Como assim? – arqueou a sobrancelha e estalou as mãos.
- Porque hoje estou tendo a oportunidade de conhecer um garoto que não fazia ideia que
existia dentro de você – dei uma risada com aquele pensamento. – Te achava meio metido,
depois arrogante, mas agora posso até dizer que você é bem legal.
- Obrigado – riu com a minha sinceridade. – Também estou conhecendo outra Camila
aqui.
- Ah, é?
- Com certeza.
- Por quê?
- Gata eu já sabia que você era, mas pensava que, além disso, era fresca e bobinha, sabe?
Mas me surpreendi – me olhou com uma expressão diferente. – Você é divertida, simpática,
interessada e preocupada com o futuro. Gosto dessas qualidades.
Virei o rosto com vergonha de todas aquelas declarações. Rafael chegou um pouco mais
perto, passou a mão pelo meu braço e fiquei toda arrepiada. Ele sorriu e eu fiquei encarando a
televisão desligada, sem coragem de olhar para o lado.
- E respondendo a sua pergunta, sou fechado e tímido, muitas pessoas provavelmente
acham que sou metido e arrogante por causa desse meu jeito. Como todos os meus camaradas
são extrovertidos, divertidos, todos esperam o mesmo de mim. Mas quando conheço melhor as
pessoas, me solto e falo mais. Sei que muita gente acha que sou o maior galinha, que devo ficar
com um milhão de mulheres, mas nem tenho paciência para fazer noitada direito. Curto mesmo
uma praia, o surfe, as ondas... E não namorei ninguém ainda, porque não encontrei ninguém que
sentisse vontade de fazer isso. Até agora – me olhou mais uma vez com aquela intensidade no
olhar.
- Nunca imaginei que você pudesse ser assim. Em Búzios, quando colocou o bilhete
dentro da minha bolsinha, parecia um cara todo cheio de si, arrogante pra caramba, sabe?
Lembro que você ficava me encarando, sem nem se importar com o Leandro ao meu lado. E
quando me parou na saída do banheiro, você estava bem seguro do que estava fazendo. Não
parecia nem de longe um menino tímido.
- Você reparou que fiquei te encarando?
- Claro! Quem não reparou?
- Ninguém. Só olhava para você quando sabia que não tinha mais ninguém prestando
atenção.
Hum... Então foi tudo realmente proposital? Ele sabia o momento certo que podia me
olhar?
- Percebia seu embaraço quando você notava que estava te olhando – continuou a falar. –
Era engraçada a sua reação – divertiu-se com a lembrança.
- Engraçado? Para mim foi tenso.
- Por quê?
- Ah, ficava preocupada de o Leandro reparar e ficar chateado comigo. Já não tinha sido
muito legal contar para ele que estava na praia com vocês – suspirei ao pensar naquele dia. –
Imagina se ele percebesse o jeito que você estava me olhando ou quando me entregou o bilhete?
Putz, ainda teve isso... – tampei os olhos com as mãos ao me lembrar dos papéis que encontrei na
minha bolsinha quando voltei para o Rio.
- Isso o quê?
- Não mexi no bilhete que você colocou na minha bolsinha. Ia deixar para ler só quando
chegasse em casa. Não queria que nada atrapalhasse a história que eu estava vivendo em Búzios.
Mas o Leandro leu o que você escreveu.
- Como assim? – arqueou a sobrancelha e cruzou os braços.
- Quando voltei, fui mexer naquela bolsa e encontrei dois papeizinhos. Estranhei aquilo.
Lembrei que você tinha deixado um bilhete, mas não entendi o que era aquele outro. Quando
abri, descobri que era uma mensagem do Leandro. E nela, ele dizia que tinha visto o seu.
- E aí? Ele ficou bolado?
- Acho que não.
- O que ele escreveu?
- Que esperava que eu fosse feliz e aproveitasse tudo o que achasse importante e legal de
viver – pensei mais uma vez no Leandro, suspirei.
- Você ainda pensa muito nele? – Rafael parecia ter lido os meus pensamentos.
- Não – menti.
- No que está pensando agora? – me pegou de surpresa com aquela pergunta.
- Que tudo isso é muito estranho.
- O quê? – perguntou sem entender.
- Tudo isso. No verão do ano passado, saí de casa pensando em você, totalmente
apaixonadinha. Aí, acabei vivendo tudo o que vivi lá em Búzios e seu nome fez parte de algumas
conversas com o Leandro. Ele queria saber quem você era, o que tinha significado para mim, se a
gente se falava, se eu ainda estava apaixonada e coisas do tipo. Agora, um ano depois, estou em
uma viagem com você e estamos falando sobre o que passou, sobre quem o Leandro foi para
mim e se ainda representa alguma coisa. Não é estranho? – encarei o Rafael.
- É – limitou-se a dizer aquilo. – Você acha que ele vai ser para sempre o cara da sua
vida?
- Não. Claro que não! Ele foi uma pessoa especial, importante, mas foi um amor de
verão.
Rafael me olhou desconfiado, mas achou melhor não continuar naquele assunto. Acho
que assim como eu, ele parecia querer acreditar que aquilo era mesmo uma verdade.
- Vamos para a terceira parte? Perguntas e respostas curtas? – sugeriu e concordei.
As perguntas aconteceram como nos programas de entrevista, descobrimos mais algumas
coisas um do outro e fizemos anotações.
- Sua última pergunta – avisou.
- Ah, termina você primeiro – pedi.
- Tá. Se você pudesse fazer qualquer coisa nesse exato momento, o que seria?
- Que difícil.
- Vamos lá, sem enrolar. Tem que responder como as outras, com resposta curta.
- Vale qualquer coisa?
- Aham.
- Queria ler seus pensamentos.
Rafael sorriu com a minha resposta.
- Então, termina a entrevista com a mesma pergunta que eu fiz para você.
- Por quê?
- Pergunta e vai descobrir.
- Se você pudesse fazer qualquer coisa nesse exato momento, o que seria?
- E agora você vai descobrir qual era o meu pensamento.
Segurou o meu braço, se aproximou e me deu um beijo. Colocou as duas mãos no meu
rosto e beijou mais e mais. Carinhoso, delicioso, fofo, muitas coisas misturadas naquele encontro
das nossas bocas.
- Você está sendo uma ótima surpresa, Camila – disse e me beijou mais uma vez, me
fazendo flutuar.
Capítulo 29 – Fofocando com as Amigas

Outro olhar – 31 de março


A partir de hoje quero praticar o meu novo olhar. Quantas vezes não soltamos aos
quatro ventos as nossas opiniões sobre o que amamos e odiamos? Já parou para pensar em
como isso pode influenciar outras pessoas a deixarem de experimentar alguma coisa que você
não tenha gostado, mas que elas poderiam amar?
Diariamente usamos a nossa caneta invisível e mudamos trajetos, cenários, figurinos e
personagens da nossa história real. Influenciamos pensamentos e comportamentos sem que a
gente nem perceba. Quando não aceitamos alguém só por ser diferente da gente, estamos
perdendo a oportunidade de conhecer uma pessoa maravilhosa ou acabamos interferindo na
maneira como ela é. Quem não mudou uma coisa ou outra para agradar alguém ou para se
sentir inserida e não totalmente fora do contexto?
Se o meu objetivo é viajar o mundo para contar o que vi, não posso levar o meu olhar
viciado de sempre para contar as minhas aventuras. Vou treinar diariamente o uso desse novo
jeito de ver a vida. Por isso, a partir de hoje, vou evitar o amo ou odeio, o gosto e não gosto.
Vou tentar apenas viver e experimentar. Ouvir, perceber, observar, sem emitir opiniões
baseadas no que eu penso.
Confuso, não?
Mas um exemplo que o professor deu no curso, é perfeito para explicar melhor tudo isso.
Não vou mais dizer se gostei ou não de uma comida. Vou contar sobre a textura, o
aroma, o paladar. E vou fazer o mesmo com tudo. Vamos ver se dá certo. Acho que no mínimo
será uma experiência interessante. Vocês poderão acompanhar por aqui a evolução desse olhar.
Querem tentar fazer também?

Estava acelerada. Queria achar outras coisas para fazer para não ficar pensando na tarde
com o Rafael. Estava morrendo de medo de me envolver ainda mais, de me entregar e acabar
metendo os pés pelas mãos. Não queria passar por mais uma despedida, por mais um coração
despedaçado.
Mas o Rafael não mora em outro estado.
Apesar de tentar não pensar nas nossas conversas, não consegui fazer aquilo por muito
tempo. Rafael tinha me surpreendido em diversos momentos, com algumas revelações e com
atitudes que não esperava dele.
Ai, aquele beijo! Aquele olhar! Se a gente casar e tiver um filho, precisa puxar os olhos
do pai.
No que você está pensando, dona Camila?
Sacudi a cabeça para afastar aquelas ideias totalmente loucas.
Não vou me apegar! Não vou me apegar! Não vou me apegar! Não vou me apegar!
Droga!
Era só me lembrar do que ele disse para a montanha-russa voltar a funcionar dentro de
mim.
Peguei meu celular para ver as mensagens das meninas e me distrair, mas mais uma vez
não consegui ler as conversas anteriores do nosso grupo no Whatsapp.
Mila: Cara, vocês falam demais! Alguém pode fazer um resumo de tudo que rolou?
Dani: Ah, é! Escreveu agora a senhora mudinha, né?
Ju: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Gisela: kahaiuhaiuhaiuahiuahiuahaiuhiauhaiuhia
Mila: Sem resumos?
Dani: Aulas chatas, professores chatos, invejinha da sua viagem, reclamações que você
não posta fotos...
Gisela: Reclamações que você não vigia o Bê, não é dona Dani ciumenta?
Mila: hahahahahahahahaha... Amiga, o Bernardo está amigão do Bruno, pode
comemorar.
Dani: Tô sabendo... Mas não sei se gostei muito disso.
Mila: Como não?
Dani: Fotos em outra cidade? Chuva que não deixou voltar? Quantas mulheres não
devem ter caído em cima por ser um cara famoso e um amigo gato do cara famoso?
Ju: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... MUITO CIUMENTA!!!!
Dani: Sou mesmo.
Mila: Relaxa, Dani! O Bruno é muito fofo e bonzinho, ele teria me contado se tivesse
acontecido alguma coisa.
Dani: Sei...
Mila: Amiga, o Bernardo também é ótimo, nunca te deu motivos para ciúme.
Dani: Nunca teve oportunidade, mas agora é faculdade, essas viagens... Fico
arrancando o cabelo.
Mila: Deixa de bobeira...
Gisela: Mas e você, amiga? Conta as novidades aí...
Mila: Estou amando o curso e triste por estar acabando.
Gisela: E o Bruno, o Rafael?
Mila: Continuam lindos... kkkkkkkkkkkkk
Gisela: Conta!!!!
Mila: Dei uns beijinhos no Rafa... Dani, não fala isso para o Bernardo, hein?
Não consegui manter a boca fechada.
Dani: NÃO ACREDITO!!!!! Quando isso aconteceu? Foi bom? Foi como você
esperava?
Mila: A história é longa, quando eu voltar, a gente marca um lanche para que eu possa
contar os mínimos detalhes.
Dani: Resume aí, estou morta de curiosidade.
Mila: Não dá. Tenho que fazer um trabalho agora, mas não conta nada, tá?
Dani: Pode deixar. Juro que vou manter o bico calado. Aiiiiiiiiiiiiiiiii... que lindo!
Mila: Não teve nada de lindo... Só bonitinho! Kkkkkkkkkk....
Dani: Vocês vão namorar? Seria tão legal se isso acontecesse!! Imagina! As duas
melhores amigas com os dois melhores amigos.
Ju: Conheço essa história...
Gisela: Também!
Dani: Chatas!!! Agora é a minha vez.
Mila: Não tem vez nenhuma, amiga! Para de sonhar, a gente não vai namorar. Nem
estamos ficando, foram só uns beijinhos e tudo escondido. Os meninos não sabem. Mas quando
eu chegar, a gente se encontra e conto tudo. Tem até o Leandro na história.
Já que tinha começado a falar, resolvi contar tudo de uma vez. Amigas são para isso
mesmo, não ia ficar guardando minhas histórias.
Gisela: Leandro??????!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!
Mila: Aham! Mas depois a gente fofoca. Estou saindo agora. Amo vocês! Beijos.
Gisela: Nãooooooooooooooooooo... Conta!!!
Dani: =O
Ju: Você só instiga...
Mila: Fui!!!! Não tem graça contar os detalhes por aqui. Guardem a ansiedade e vamos
fofocar tudinho quando eu voltar. Prometo que não vou deixar escapar nem uma vírgula de tudo
que aconteceu. Beijos e obrigada por estarem sempre perto, mesmo longe.
Joguei o celular em cima do sofá. Se ficasse olhando para o nosso grupo, sabia que não
largaria o aparelho tão cedo. Esse aplicativo é um vício enorme.
Coloquei One Directon na minha playlist e deixei Rafael tomar conta dos meus
pensamentos mais uma vez. Agora, era a hora de focar em toda a nossa conversa, pensar em tudo
o que acreditava que ele era e acabei me enganando, escrever sobre o lado doce dele que
desconhecia completamente.
Suspirei, deitei na cama e deixei que a inspiração conduzisse a minha mão naquelas
folhas de papel.
Capítulo 30 – Um cantinho, um violão

Pulei da cama quando ouvi alguém batendo na porta. Estava tão distraída, sonhando
acordada, que fiquei até um pouco tonta de voltar tão rápido para a realidade. Saí correndo,
arrumei o cabelo com um rabo de cavalo e fui ver quem era.
- E aí, jornalista! Estava dormindo? – Bruno abriu um sorriso enorme para mim. Olhei
para ver se havia mais alguém com ele, mas estava sozinho.
- Não. Estava vendo um filme.
- Já terminou o trabalho?
- Aham.
- Não vai me convidar para entrar?
Abri um pouco mais a porta para deixar que o Bruno passasse por ela. Ele caminhou na
direção do sofá. Suspirei ao pensar nos beijos que tinham acontecido ali mesmo, um pouco mais
cedo.
- Rafael e Bernardo já estão esperando a gente, mas já tem algum tempo que não
conversamos, né? Queria saber como você está. E a relação entre você e o Rafael? – foi direto ao
ponto. – Com a brincadeira de segunda, a minha viagem a trabalho e vocês dois sozinhos por
aqui, deu tudo certo ou tudo errado?
- Deu tudo certo – sorri com a preocupação dele. – Eles estão esperando a gente para
fazer o quê?
- Para tocar um violão, conversar... – cruzou as pernas, como se não tivesse pressa
alguma para sair dali. - Estou curioso. Você não vai dizer mais nada?
- Ai, Bruno! – sentei ao lado dele no sofá e abracei a almofada que ainda conservava o
perfume do Rafa. - Ficamos todos esses dias, mas ao mesmo tempo não estamos ficando. Nada
com o Rafael é simples, né? Ele me deixa confusa – respirei fundo.
- Mas isso é ruim?
- Sei lá! Mais ou menos. Ele está me fazendo bem. Quando a gente fica, parece que tudo
muda. O Rafa fica simpático, fofo, carinhoso. Estou descobrindo um menino que desconhecia e
gostando dessa descoberta – elogiei.
- Então é uma coisa boa que está rolando entre vocês.
- Quando alguma coisa acontece, é bom. Mas quando não rola nada, fica tudo meio
estranho. A gente nem se fala direito.
- Então, quer dizer que tem rolado um romance secreto?
- Aham.
- E qual é a sua reclamação para essa situação?
- Ah, não é uma coisa certa. Ainda fico sem saber como agir ao lado dele. Os beijos
aconteceram por causa do momento, foi uma coisa totalmente espontânea – tentei explicar. –
Não sei se existe algum sentimento.
- Hummmm... E como está esse coração? – olhou nos meus olhos.
- Confuso – respondi com sinceridade.
- Isso é ruim?
- Uma coisa confusa não costuma ser boa, né? Mas nesse caso, também não é ruim. Sei
lá! É legal não ter tanta certeza se vai ou não rolar um beijo, pois quando o clima acontece, o frio
na barriga é ainda mais forte. E isso é bom de sentir – confessei.
- Sei... – deu um sorriso torto.
- Não me olha assim – pedi e tampei o rosto com as mãos – Você me deixou com
vergonha. Isso é uma coisa que deveria conversar com as minhas amigas e não com você. Mas
como elas estão longe, acho que estou sentindo falta de conversar com alguém. Ai, droga! Falo
demais, né?
- Claro que não, Mila! – deu uma gargalhada. – Somos amigos e você pode me contar
tudo. Sei como esses frios na barriga são bons. Fico feliz que as coisas estejam dando certo.
- Também – concordei sem ter tanta certeza do que era ou não certo nisso tudo.
- Não disse que o que vocês precisavam era de uma conversa? Sabia que toda aquela
briguinha era paixão mal resolvida.
- Ele não está apaixonado – afirmei com toda a certeza que imaginava ter sobre aquilo.
- E você está?
Poft! Tapa na cara!
- Não.
Bruno me olhou com cara de quem não acreditava nem um pouco no que havia acabado
de afirmar.
- Juro – disse baixinho. – Como poderia estar apaixonada?
- Como poderia não estar?
- Por que está dizendo isso?
- Jornalista, não sei quem é mais cabeça dura. Vocês precisam parar com todo esse
orgulho e assumir de uma vez que estão loucos para conhecer mais um pouco do outro, que estão
com vontade de beijar sem precisar esconder isso, que querem deixar rolar o que sentem quando
estão juntos.
- Não sei se é isso que o Rafa quer.
- Olha para mim e repete isso, Camila! Você acha mesmo que não rola nada entre vocês
além de beijos?
Fiquei em silêncio e apoiei o nariz na almofada. Senti aquele cheirinho tão gostoso que
provocava alguns frios na minha barriga. Pensei nos beijos, nas mãos, no jeito do Rafael quando
estávamos sozinhos. Ele tinha uma postura quase arrogante, mas ao mesmo tempo parecia se
abrir mais a cada novo encontro.
- Não precisa dizer mais nada, seus olhos já disseram tudo. Quer um conselho? –
perguntou, mas não esperou uma resposta – Deixa rolar. Não pensa muito numa definição do que
está vivendo, apenas viva. Se for uma coisa legal, vai deixando acontecer.
Concordei com a cabeça, sem saber o que mais poderia dizer.
- Então, vamos lá antes que o Rafael fique com raiva de mim. Sinto que ele tem ciúmes e
vai ficar bolado com todo esse tempo que estamos juntos.
- Até parece – dei de ombros.
- Tô falando sério. Quando falo de você, tenho quase certeza que ele me fuzila com os
olhos – deu uma risada.
- Coisas da sua cabeça.
Bruno deu de ombros.
- Vai assim mesmo ou quer trocar de roupa para encontrar o seu príncipe?
- Palhaço – dei língua. – Espera um segundo, você ainda não me disse direito o que
vamos fazer.
- Bernardo levou o violão para aquele piano-bar da festinha de sexta e algumas pessoas
da turma e o Márcio estão lá.
- Poxa, ninguém me avisou que ia rolar festinha hoje.
- O que estou fazendo aqui? – me olhou com uma cara engraçada. - Ah, quando avisei
que ia vir te buscar, o Rafael me deu aquela encarada.
- Iam fazer uma festinha sem nem falar comigo – impliquei. – Está vendo como o Rafa
não está nem aí para mim?
- Quer parar de ser reclamona? Quando acabamos de fazer nosso trabalho, Bernardo ligou
para o Rafael e pediu para ele levar o violão lá para cima. Chamamos o Márcio, que estava lá
perto e ele chamou outras pessoas do curso que também estavam por ali.
- Rafael nem pensou na possibilidade de passar por aqui para me chamar quando foi levar
o violão – lamentei.
- Para de ser boba, Mila. Deixa de ser chorona e vamos lá.
Enquanto Bruno me esperava, troquei o short por uma calça jeans, coloquei uma blusa
toda estampada, bem quentinha e peguei o casaco do Rafael. Passei batom, blush e lápis de olho.
Sem exageros. Liguei para mamãe, conversamos bem rapidinho. Depois de todo aquele processo,
estava finalmente pronta para ir.
- Vamos? – chamei.
- Oi? Ahm? – Bruno fingiu que estava acordando de um sono profundo.
- Nem demorei tanto assim, tá? – fiz um bico.
- Brincadeirinha, jornalista. Você até que foi bem rápida para ficar toda linda assim.
Rafael vai querer me matar quando a gente passar pela porta, bem juntinhos – implicou e deu
uma risada.
- Não vai nada – senti o coração acelerar com a possibilidade de o Rafael sentir ciúmes
de mim.
- Você vai ver.
Quando saímos do chalé, o carrinho de golfe estava passando ali pertinho. Corremos e
gritamos por ele, que por sorte escutou e garantiu a nossa carona. Abracei disfarçadamente o
casaco do Rafael para sentir aquele perfume de novo, antes de devolver para ele.
Algumas pessoas do curso estavam sentadas em volta do Bernardo, que era o responsável
por tocar o violão naquele momento. Assim que passamos pela porta, o olhar do Rafa me atingiu
em cheio, senti um apertão do Bruno nas minhas costas, provavelmente querendo provar que a
teoria dele era mesmo verdade. Ergui o casaco para mostrar que havia me lembrado de devolver
e sorri. Caminhamos até ele, sentamos juntos. Os três.
Enquanto Bernardo tocava, Bruno me dava cutucões disfarçadamente. Olhei para ele
perguntando só com os lábios, sem emitir nenhum som, o que ele queria.
- Chega mais perto do Rafael – me deu um pequeno empurrãozinho.
- Cala a boca – briguei com ele.
Continuamos com a cantoria até que o pessoal começou a se despedir. Quando ficamos
apenas nós quatro, Bernardo parou de tocar e mexeu na mão, massageando, como se ela estivesse
dolorida depois de todo aquele tempo tocando sem parar.
- Me dá esse violão aqui, cara – pediu Bruno e começou a tocar Jota Quest, “Do Seu
Lado”.
Amava a música e cantarolei bem baixinho, acompanhando a letra. Quando chegou no
refrão, ele olhou para mim e para o Rafael e enfatizou “O teu amor pode estar do seu lado”.
Bernardo começou a rir e aplaudiu a mensagem nem um pouco subliminar do Bruno.
- Vai gente, nosso amigo já está tocando a trilha sonora de vocês. Queremos ver o beijo –
pediu Bernardo.
Fiquei totalmente sem ação. Estava sentindo meu corpo todo duro, sem saber como
executar os movimentos mais simples.
- Fala sério! Vocês parecem dois moleques de quinze anos – reclamou Rafael.
Qual é o problema dele com pessoas mais novas?
- Somos amigos de vocês – devolveu Bernardo – e sempre ficamos na torcida para que
rolasse alguma coisa. Não precisam esconder o jogo. Aproveitem esses dias sem ficar se
escondendo.
- Também acho que estão perdendo tempo com esse joguinho – ajudou Bruno, colocando
mais lenha na fogueira.
Rafael deu de ombros e não teve reação alguma. Senti meu chão balançar. Seria o fim de
uma coisa que nem tinha começado direito. Sabia que ele odiava exposição, detestava ter que
falar da vida dele para os outros e toda aquela pressão não ajudaria em nada.
Os meninos pararam de implicar e continuaram com as músicas.
- É Maskavo – respondeu Rafael, quando perguntei o nome da banda que o Bernardo
estava tocando quando voltou a assumir o violão.
- Hum... Vou colocar na minha playlist, é uma gracinha essa letra – sorri para ele.
As músicas continuaram, Bruno deitou no chão e fechou os olhos. Rafael chegou um
pouco mais perto de mim, com movimentos quase imperceptíveis e consegui sentir a pele dele na
minha. Fiquei arrepiada no mesmo instante.
- Trouxe o seu casaco – disse baixinho, ainda segurando aquele tecido tão gostoso.
- É melhor você me devolver depois e usar mais uma vez. Essa blusinha não vai te
esquentar quando a gente sair daqui, já está tarde e muito frio.
Os olhos do Rafael me deixavam hipnotizada. Quando ele falava baixinho, demonstrando
certo tipo de preocupação comigo, sentia milhares de borboletas batendo asas por todo o meu
corpo.
- Sem querer ser chato, mas acho que é melhor a gente ir até a lanchonete para comer
alguma coisa e depois puxar o bonde – sugeriu Bernardo.
Sério que você está interrompendo logo agora, Bê? Coloca pilha e depois chama para ir
embora na hora que estamos conversando? Sério?
- Está com sono? – perguntei.
- Ainda não, mas preciso falar com sua amiga antes de dormir. Ela deve estar numa
agonia só. Já viram que horas são? Amanhã vamos ficar detonados na aula.
- Verdade. É melhor a gente “puxar o bonde” mesmo – imitei o jeito de falar do Bernardo
e todo mundo riu.
Mas a minha vontade era de ficar.
Capítulo 31 – Seus olhos e seus olhares, milhares de tentações

Não demoramos nada na lanchonete. Bernardo estava apressadíssimo, queria comer no


quarto e pediu para que levássemos tudo para viagem. Ninguém foi contra, em menos de dez
minutos já estávamos saindo de lá.
Péssimo cupido! Aff!
Bruno se despediu assim que passamos pela porta, pois o quarto dele ficava na direção
oposta. Segui o caminho com Rafa e Bernardo.
- Boa noite para vocês. Juízo, hein? – brincou Bernardo, quando chegamos ao meu chalé
e seguiu para o quarto deles.
Rafael não se mexeu.
- Você não vai com ele? – perguntei.
- É isso que você quer?
- Não.
- O que você quer?
- Um beijo de boa noite – respondi, sentindo um calafrio por todo o meu corpo.
Camila, Camila! Desde quando você ficou danadinha assim?
Ficamos nos olhando em silêncio. Minha respiração ficou desregulada, era difícil
controlar todas aquelas sensações. Rafael me instigava e provocava uma adrenalina enorme
apenas com o olhar.
Depois que Bernardo entrou no chalé, Rafael se aproximou. Não me movi. Nossos olhos
não se desviaram.
- Você é complicada e perfeitinha, né? – disse bem perto da minha boca, senti o cheiro da
bala de melancia que ele estava comendo e a vontade de dar um beijo aumentou ainda mais, se é
que aquilo era possível.
- Não sou complicada – reclamei cheia de charme.
- Hum... Só perfeitinha? – passou o dedo pelos meus lábios, deixando as minhas pernas
como gelatina.
Ainda de olhos abertos, Rafael quase não deixou mais espaço entre nossos lábios. Podia
sentir a respiração quente dele, o calor da pele e a boca quase encostando na minha. Não
consegui mais resisti e fui em frente.
Que beijo!!
Enquanto nos beijávamos, Rafael foi me rodando lentamente para que a gente mudasse
de posição. Quando ficou no lugar que eu estava, encostou na bancada da varanda e me puxou
ainda mais para perto dele. Passou a mão pela minha nuca e fez os meus braços e as minhas
pernas ficarem totalmente arrepiados.
– Você é irresistível – respirou fundo e me deu um estalinho.
- Sou? – perguntei, sentindo o ar falhar.
- Demais – respondeu e me puxou para um abraço d-e-l-i-c-i-o-s-o!!
Ainda abraçados, Rafael enterrou o rosto no meu pescoço, cheirando meu cabelo. Depois
afastou todos os fios e encostou o nariz na minha nuca.
SOCORROOOOOOOOOOOOOOOO!!
Passou a boca devagar, dando beijos de leve. Senti o ar faltar nos meus pulmões. A
minha cabeça dizia que era melhor me afastar, mas aquele carinho estava tão, tão bom que não
conseguia nem mesmo pensar em como usar as palavras.
Rafael respirou fundo e me puxou ainda mais para perto dele. Bem, bem perto.
- Acho que é melhor a gente dormir, né? – cortei totalmente o clima, mas estava nervosa
com aquilo que estava sentindo.
- Você quer que eu vá embora agora? – me segurou pela cintura e me deixou sem ar mais
uma vez.
- Não.
Oh, céus! Minha boca não obedece a minha cabeça.
Rafael deu um sorriso como se tivesse adorado a resposta. E mais um beijo demorado
aconteceu para deixar a viagem ainda mais perfeita e a noite inesquecível.
- Queria ficar mais e mais e mais. – disse baixinho, no meu ouvido.
- Também queria – suspirei.
- Não fala assim... – pediu.
- Por quê?
- Não vou conseguir ir embora – me puxou e beijou minha boca com a maior vontade do
mundo. O beijo era cada vez mais urgente e gostoso.
O termômetro de Campos do Jordão provavelmente marcava uma temperatura de cinco
graus, como acontecia toda noite, mas naquele pedacinho da minha varanda era verão.
Impossível sentir frio com tanto calor.
- Não quer entrar? – perguntou Rafael com a voz rouca.
- Não.
Obrigada, boquinha maldita! Finalmente disse a coisa certa.
- Poxa – suspirou profundamente.
- Não sou assim, Rafa! Desculpa.
- Ei, não tem que se desculpar por nada. Nem sei por que fui falar isso – olhou nos meus
olhos e depois para todo o meu corpo. Ui, ui, ui!!! - Você é muito... – fez uma pausa antes de
continuar – atraente, bonita e com um beijo bom demais. Não dá vontade de parar – para reforçar
o que havia acabado de dizer, me beijou mais uma vez. – Tem certeza que não quer que eu fique
com você essa noite? – perguntou.
Olhei para ele com os olhos arregalados e Rafael começou a rir.
- Estou brincando, Camila.
- Não sou esse tipo de garota – tentei me defender.
Está vendo a reputação que você está criando, boca mequetrefe! Por que é tão difícil
dizer a coisa certa?
- Sei que não é – levantou minha cabeça, com o dedo no meu queixo. – Ei, sei que não é
assim. Falei de brincadeira, só para ver a sua reação.
Percebeu que ainda não tinha acreditado naquilo.
- Camila, acha mesmo que passou pela minha cabeça a ideia de que pudéssemos dormir
juntos? Desculpa, não brinco mais com esse tipo de coisa.
Fiquei ainda mais sem graça.
- Não quero que pense que sou toda errada.
- Pode ficar tranquila, só penso coisas boas sobre você. Muito boas – sorriu de um jeito
cafajeste. Lindo! - Gostei muito de te conhecer mais, de descobrir que é cheia de qualidades,
além de ser essa gatinha. – Suspirou e segurou a minha mão. – Como disse, sou meio fechado
com quem não tenho intimidade. Mas não sou aquele estúpido do dia da festa. Ainda fico até
meio sem graça com você depois do que fiz. Mas espero ter tempo para que você me conheça
melhor e para que perceba que também sou um cara legal.
- Não se preocupa. Já estou percebendo isso.
Um vento passou e me fez estremecer, mas foi só olhar para os olhos azuis do Rafael para
sentir todo o meu corpo esquentar mais uma vez.
- Quem diria, né?
- O quê? – perguntei.
- Que estaríamos nessa situação. Depois de todos os desencontros, estamos aqui, sem
conseguir parar de beijar, sem querer ir embora.
- Verdade – senti um leve tremor, tanto de frio quanto de uma vontade enorme que ele
ficasse.
- Que pena que temos aula amanhã e não podemos ficar aqui a noite toda. Boa noite –
começou a andar, mas no meio do caminho mudou de ideia. Voltou antes que eu tivesse tempo
de ter me mexido e me deu mais um beijo daqueles de tirar o ar.
Sem me soltar, sem que nossas bocas se afastassem, foi me guiando na direção da porta
do meu chalé. Senti como se estivesse flutuando. Quando já não tinha mais para onde andar, com
a parede nas minhas costas, ele fez com que ficássemos bem perto, sem espaço algum entre a
gente e deu o beijo mais apaixonado de todos os tempos.
Afastar? Não afastar? Afastar? Não afastar? Afastar? Não afastar? Afastar? Não
afastar? Afastar? Não afastar? Afastar? Não afastar? Afastar? Não afastar? Afastar? Não
afastar? Afastar? Não afastar?
Ah, não vou virar uma pecadora se aproveitar só esse pouquinho, né? Não estou fazendo
nada errado. Estou? É errado sentir isso? É errado querer sentir todas essas coisas? É errado
estar gostando tanto desse abraço, dessa aproximação?
Hum...
Que beijo! Que calor...
- É melhor eu ir embora. Não estou mais conseguindo pensar direito – foi sincero e se
afastou um pouquinho.
Fiquei totalmente sem graça com aqueles olhos maravilhosos que me encaravam. Eu não
tinha afastado o Rafael e aquele beijo, ah... Aquele beijo foi tudo de mais quente que
experimentei em toda a minha vida.
- Dorme bem, Camila – fez um carinho no meu rosto, sorriu e começou a se afastar.
Ainda tonta, abri a porta e entrei no chalé. Olhei para todos os lados e imaginei o que não
poderia imaginar, mas era praticamente impossível não pensar naquilo. Balancei a cabeça para
afastar aqueles pensamentos e resolvi tomar um banho frio na esperança de que aquilo acalmasse
toda a corrente elétrica que passava pelo meu corpo.
Capítulo 32 – Dia da Mentira (só que não!)

Depois de passar praticamente o restante da madrugada em claro, revirando na cama,


pensando no Rafael e no que estávamos vivendo a cada dia, precisei de mais uma ducha forte e
fria para tentar suavizar aquela sensação estranha que continuava na minha barriga. Estava
sentindo um milhão de coisas diferentes desde a noite anterior, não sabia dizer muito bem o que
era tudo aquilo.
Não encontrei os meninos pelo restaurante e quando entrei na sala, eles ainda não
estavam por lá. Márcio chegou, começou a aula e tentei prestar atenção ao que estava sendo dito.
Já quase no meio da explicação, eles chegaram.
Bruno sentou na cadeira vazia que estava ao meu lado. Mesmo adorando ele como
sempre, preferia que fosse o Rafael a ocupar aquele lugar.
Camila, sua tratante! Até bem pouco tempo estava em um caso de amor e ódio pelo
loirinho e agora, quer largar seu amigo gato, que o tempo todo esteve ao seu lado, pelo
Rafael??
Pela primeira vez, durante todos aqueles dias, senti uma enorme vontade que a aula
terminasse logo, mas não parecia que aquilo aconteceria tão cedo.
- Por que vocês chegaram tarde e juntos? – perguntei bem baixinho para o Bruno.
- Você não olhou o Whatsapp?
- Como assim? – franzi a testa sem entender a pergunta.
- Criei um grupo para a gente e me atrasei porque fiquei enviando todas as fotos que
tiramos até agora.
- Ah, vou ver quando voltar para o chalé – comentei ainda mais ansiosa.
- Depois que enviei tudo, saímos no mesmo horário e por isso chegamos juntos.
- Entendi.
Márcio pediu para que a gente fizesse silêncio, voltei a prestar atenção na aula. Foram
inúmeras as vezes que eu e Rafael cruzamos nossos olhares. Sentia um tremor interno, uma
espécie de choque, cada vez que aquilo acontecia. As horas do relógio demoraram como nunca a
passar, mas quando foi chegando próximo ao horário do almoço, o professor resolveu passar o
exercício, que mais uma vez foi direcionado para toda a turma.
- Não sei se lembraram, mas hoje é primeiro de abril, dia da mentira. Quero que façam
mais uma vez o trabalho com a dupla anterior. O objetivo é contar verdades sobre você que
ninguém conheça. Alguma mentirinha que contou no passado... Revele a verdade para a sua
dupla, mesmo que ela não tenha nada a ver com aquilo. Tentem buscar na memória todas as
mentiras que já contaram por aí e falem em voz alta qual é a informação verdadeira. Depois,
quero que escrevam como foi essa experiência. Como foi saber verdades escondidas de pessoas
que vocês não conhecem direito ou verdades que você nunca imaginaria de pessoas que já
conhecia – olhou na nossa direção. – Também quero que escrevam a sensação de contar para
alguém coisas que queriam esquecer ou informações que não imaginaram compartilhar com
outra pessoa, nunca.
Depois da explicação, todos começaram a deixar a sala.
- Preparada para contar grandes verdades ao Rafael? – implicou Bruno, enquanto os
meninos não se juntavam a gente.
- Não tenho nada a esconder – respondi totalmente confiante.
- Gostei de ver – elogiou.
- Vamos encher a pança? – perguntou Bernardo, quando parou ao nosso lado.
Não sabia como agir na frente do Rafael, ele também não parecia estar totalmente
confortável, mas tentamos fingir que nada estava rolando e que tudo estava na mais perfeita
ordem.
Almoçamos e conversamos durante um bom tempo. O clima de despedida já começava a
pesar no ar. Não que a gente não fosse mais se ver, é claro que iríamos. Mas aquela cumplicidade
que só quem viaja junto conquista, é que se transformaria.
- Vamos fazer logo o trabalho? – chamou Bruno e Bernardo concordou.
- Quando vocês acabarem podem encontrar com a gente lá no apartamento do Bruno.
Combinamos com as advogadas de fazer um som lá – avisou Bernardo.
Olhei desconfiada para ele. Dani não ia gostar nem um pouquinho daquela ideia. Apesar
de serem mulheres mais velhas, eram bonitas e muito simpáticas.
- Fala sério, Mila – reclamou Bernardo quando percebeu meu olhar para ele. - Vai contar
para a Dani? Não quero que sua amiga fique com ciúmes sem motivo algum. Não vejo razão
para falar sobre isso com ela. Você acha que se tivesse alguma intenção maldosa teria te
chamado para passar lá?
Hum... Talvez ele esteja certo.
- É. Tudo bem...
- Espero que possa confiar em você.
- Só não esqueça nunca que a Dani é a minha melhor amiga e que não mentiria para ela
de maneira nenhuma.
- Mas você não vai mentir, só vai omitir uma coisa boba para que ela não fique cheia de
minhocas na cabeça por um motivo nada a ver.
- Tá bom.
Concordei, mas ainda sentia a pulga atrás da orelha.
- O que foi? – perguntou Rafael quando ficamos sozinhos.
- Não gosto de pensar que tenho que mentir para minha amiga.
- Esquece isso. Não é nada importante. Vamos? – chamou e concordei.
Com o pensamento longe, caminhamos em silêncio, nem mesmo falamos sobre o
trabalho. Muitas coisas ocupavam cada pedacinho da minha cabeça.
- Quer ir para o deck? – perguntou Rafael quebrando o silêncio, quando já estávamos
chegando ao meu chalé.
- Quero.
O dia estava lindo. Aquele tempo feio havia dado adeus e um céu azul voltou a deixar
Campos do Jordão com um clima mais quentinho. Sentamos no chão do deck e ficamos olhando
para o lago, que estava cheio de peixes grandes e dourados.
- E aí? – Rafael cutucou a minha mão.
- O quê? – respondi ainda meio travada, sem saber ao certo como agir.
- Vai me contar muitas verdades? – sorriu e entrelaçou nossos dedos.
Fiquei arrepiada.
- Não se esqueça que você também terá que fazer a mesma coisa – brinquei.
- Sei disso – foi chegando bem pertinho de mim e parou quando nossos joelhos se
tocaram.
Estávamos um de frente para o outro, com pernas de índio.
- Primeiro as damas. Quero saber de todas as mentiras que já contou por aí e as verdades
sobre elas – segurou com as duas mãos o meu rosto e me deu um estalinho.
Estamos ficando? Agora somos um casal? Por que ele só é assim quando estamos
sozinhos?
- Ei – passou a mão na frente do meu rosto –, no que está pensando?
E agora, dona Camila? Você não pode mentir.
- Estava me perguntando se estamos ficando.
- Como assim? – fez cara de quem não tinha entendido o que eu queria saber.
- Ué, nós dois ficamos, mas não sei muito bem como agir com você. Nunca sei se foi uma
coisa de momento ou se vai acontecer de novo – fui sincera.
- Você não queria que te beijasse agora?
- Não foi o que falei.
- Então, você queria? – abriu um sorriso matreiro que me deixou com frios na barriga.
- Sim – confessei.
Por que sou tão fiel com as regras? Que saco! Nunca poderei ser uma jogadora de
pôquer. Todo mundo sempre vai descobrir o meu jogo, não sou a rainha do blefe. Nem chego
perto disso.
Rafael interrompeu meus pensamentos com mais um beijo, muito melhor que um simples
estalinho.
- Também estava com muita vontade de te beijar, desde quando te vi na sala. Não faço
isso em público, pois acho que precisamos nos conhecer melhor antes de explanar para todo
mundo. As pessoas possuem um dom incrível de se meter na vida alheia e estragar o que poderia
ser bom.
- Isso é verdade – concordei.
- Quando a gente se beijar, mesmo que seja apenas na frente dos nossos amigos daqui,
vamos ter que dar explicações se, no dia seguinte, já não nos beijarmos mais. E vão rolar
perguntas sobre o que está acontecendo, sobre todos os nossos comportamentos.
- Nunca tinha pensado como você, mas concordo com tudo isso.
Rafael fez um carinho no meu rosto.
- Já te disse, mas posso repetir. Você foi uma surpresa boa para mim nessa viagem.
Gostei de ter a oportunidade de te conhecer melhor. Espero que a gente possa continuar com
essas descobertas – segurou o meu queixo e me deu mais um beijo.
- Também gostei de descobrir que você não é um garoto metido e arrogante.
- Jura que pensava isso de mim?
- Ah, Rafa! Você me ignorou totalmente no ano passado. O que mais poderia pensar
sobre você? – dei de ombros.
- Hum... Mas mudou de opinião?
- Com certeza. Esses últimos dias também me surpreenderam. Nunca imaginei que você
pudesse ser assim.
- Como?
- Desse jeito mais carinhoso, cuidadoso. Desde o labirinto, você se transformou em outra
pessoa para mim. Fiquei cada vez mais curiosa para descobrir quais outros segredos estava
escondendo.
- E você? Quais verdades estão embaixo do tapete? – provocou.
- Começa você? – pedi. – Não sei ainda o que dizer.
- Quando te beijei no dia da festa, não foi “apenas” porque eu estava bêbado. Usei aquilo
como desculpa para justificar o que havia feito. E fui um babaca para disfarçar também o que eu
estava com vontade de fazer, que era te beijar. Desculpa – pediu. – Sua vez.
Nossa! A “brincadeira” já começa com tudo! O Rafael confirmou que já queria me
beijar...
Ohmmmmm!
- Fiquei nervosa quando te vi em Búzios e ainda mais tensa quando você me parou na
porta do banheiro e me entregou aquele bilhete. Falei para as minhas amigas, para o Leandro e
também deixei parecer para você, que não tinha me importado com nada daquilo, como se não
tivesse mexido comigo de jeito algum, mas mexeu – abaixei a cabeça, envergonhada.
Rafael puxou meu rosto para cima.
- Obrigado por me deixar saber disso – pegou a minha mão e deu um beijo.
- Sua vez – avisei.
- Fingi que não me importei quando meus pais se separaram, mas foi muito ruim. Não
falei nada, disse que compreendia, mas senti muito a falta do meu pai todos os dias. Já não temos
mais a ligação que sempre tivemos e isso não foi a melhor coisa do mundo para mim, na
verdade, foi a pior.
Ohm!
Senti meu coração apertar com aquela revelação. Nunca poderia imaginar que o Rafael
era daquele jeito. Um menino cheio de sentimentos, de incertezas, de problemas. Quando olhava
aquele rosto perfeito, cabelo e olhos maravilhosos, sempre imaginava um garoto bem resolvido,
cheio de si, e totalmente seguro.
- E por que nunca contou isso para os seus pais? – perguntei, observando a reação do
Rafael.
- Esqueceu que não sou de falar de sentimentos?
- Mas está falando para mim.
- Pois é – me olhou sério. – Ainda não consegui entender isso também.
Aquela cara e aquele olhar foram irresistíveis. Puxei o rosto dele e dei um beijo. Para a
minha surpresa, Rafael me prendeu em um abraço tão carinhoso, que não tive mais vontade de
me afastar.
- Menti para todo mundo quando disse que não sentia mais nada quando te via na escola
ou em qualquer outro lugar. E também menti para o Bruno, quando disse que já não sentia nada
por você. Na verdade, acho que menti até mesmo para mim.
- Você sente alguma coisa? – perguntou ainda abraçado comigo.
- Aham.
- O quê?
- Não sei. Nunca soube. Você provoca sensações em mim, mas não sei dizer ao certo
quais são.
- Isso é bom ou ruim? – perguntou fazendo um carinho no meu cabelo.
- É bom, quando as sensações são boas e é ruim, quando judia de mim.
- Ah!! – me abraçou apertado. – Não faço isso com você.
- Fez algumas vezes, mas está melhorando cada dia mais – falei com charminho e
encostei a cabeça no peito dele, aproveitando o carinho no meu cabelo.
Viver aquela cena era quase como sonhar acordada. Já havia idealizado um milhão de
momentos com ele, mas nenhum tinha sido tão cheio de verdades e intimidade como o que
estava acontecendo. Estar naquele lugar todo lindo e romântico, sentindo o meu corpo todo
envolvido no abraço do Rafa, depois de tudo o que já tinha acontecido entre a gente... Era
surreal, mas ao mesmo tempo era perfeito.
O curso não tinha me ensinado apenas a escrever melhor, mas havia me proporcionado
muito, muito mais.
Continuamos a conversar e rimos de algumas mentiras bobas que contamos em nossas
vidas. Rafael estava mais solto que nunca e era ainda mais gostoso estar com ele daquele jeito.
Quando já não tínhamos mais nada para desmentir, passamos a conversar sobre músicas,
filmes e programas de televisão. Descobrimos ter muito em comum e com isso, a conversa
rendeu muitas horas.
- Será que não é melhor a gente ir ao apartamento do Bruno ver o que eles estão
aprontando? – sugeri.
- Está mesmo preocupada com o Bernardo?
- Um pouco.
- Posso dar uma opinião?
- Claro.
- Você não acha que não tem nada a ver com isso?
Olhei para o Rafael e senti como se o sangue tivesse parado de circular no meu corpo.
Depois de tudo que conversamos, do dia tão legal que tivemos, era como se alguém jogasse um
balde de água fria na minha cabeça.
- Desculpa, não queria ser grosso – me abraçou – só estou dando uma opinião. Sei que a
Dani é sua amiga e que você se sente na obrigação de “vigiar” – fez as aspas com as mãos – o
namorado dela, mas acho que isso precisa ser uma coisa só deles. Quem quer que outra pessoa
tome conta de quem gosta, não está fazendo a coisa do jeito certo, não acha? Um relacionamento
precisa de confiança e se os dois se amam, não precisam de vigias.
Parei para pensar sobre o que ele havia acabado de falar.
- Ah, sei lá – dei de ombros.
- Não concorda?
- Acho que é complicado, mas não tiro a sua razão.
- Se o Bernardo quiser ficar com uma das garotas, não é você que tem que dizer para ele
não fazer isso. Acho que isso vai da consciência da pessoa. Nem você nem a Dani estão na cola
dele 24 horas por dia. Se ele tiver a traição na cabeça, pode fazer aqui como em qualquer outro
lugar.
- Você sabe de alguma coisa? – perguntei, nervosa com aquela conversa.
- Não sei de nada, só estou falando a minha opinião. Mas se ainda assim, quiser ir para o
apartamento do Bruno agora, podemos ir. Sem problema.
- Você acha que ele está interessado em uma daquelas mulheres? – meu coração batia
acelerado, não conseguia pensar na possibilidade de ter que contar alguma coisa daquele tipo
para a Dani.
- Camila, não disse todas essas coisas para te preocupar. Apenas dei a minha opinião,
pois não estava com vontade de ir pra lá agora. Queria ficar sozinho com você, mas podemos ir,
sem problema algum. E tenho certeza que você não vai encontrar nenhuma cena suspeita. Só não
queria ter que ir agora apenas para servir de vigia.
Respirei fundo.
Oh, céus! O que fazer? Ficar de olho no Bernardo ou beijar muito o Rafael?
Olhei para aquele rostinho lindo.
Desculpa, Dani!
- Tá bom.
- O quê?
- Não precisamos ir agora.
Rafael sorriu.
- Está com frio? – perguntou.
- Um pouco.
- Vamos para o seu chalé?
Olhei para ele um pouco desconfiada. Não sabia se aquela era uma boa ideia.
- Ei, você está preocupada? – perguntou, quando demorei a responder.
- Um pouco – confessei.
- Fala sério, Camila! Não estou com segundas intenções. Só sugeri o chalé, pois está frio
e a gente pode ver um filme, sei lá.
- Tá bom – concordei.
Ai, ai, ai!! Estou arrumando encrenca ou como diria minha mãe “sarna para me coçar”,
seja lá o que isso significa.
Enquanto eu ia até o quarto ligar para os meus pais, pedi que Rafael fosse ligando a
televisão da sala para descobrir se estava passando algum filme legal. Atualizei as novidades
para mamãe e disse que precisava fazer meu trabalho. Dei uma rápida olhadinha no Whatsapp e
coloquei para baixar as fotos que Bruno havia enviado para o grupo que criou de Campos do
Jordão.
“Rafael: O que está fazendo conectada?”
Olhei a mensagem subindo no alto do meu celular e cliquei imediatamente para ver se era
algum erro ou se era realmente do Rafa.
“Camila: Estava dando uma olhadinha só.”
“Rafael: Hum... O que está fazendo agora?”
Ele estava querendo brincar?
“Camila: Nada. Estou de bobeira! E você?”
“Rafael: Estou esperando uma gatinha que estou conhecendo melhor.”
“Camila: Vai sair com ela?”
“Rafael: Não sei. Ela é um pouco complicada.”
“Camila: Sério? Por quê?”
“Rafael: Ela me deixa esperando sozinho, fica enrolando, parece até que está com medo
de mim.”
“Camila: Putz! E você vai continuar esperando?”
“Rafael: Não tem outro jeito. Estou morrendo de vontade de dar um beijo na boca
perfeita que ela tem.”
Uma onda invadiu o meu corpo. Era gostoso brincar daquilo.
“Camila: O que mais você gosta nela?”
“Rafael: O jeito que ela sorri. Antes de conhecer essa menina, tinha quase certeza
absoluta que ela era bobinha, fresca, sei lá... Mas a cada novo dia descubro que estava
totalmente enganado.”
“Camila: Só o sorriso dela chama a sua atenção?”
“Rafael: Você é curiosa, hein? Risos! Também gosto dos olhos dela, da maneira que me
encara e de como tenta disfarçar quando nossos olhares se encontram. O jeito dela é
diferente...”
Deitei na cama, esqueci completamente que estávamos no mesmo lugar, separados
apenas por uma parede. Aquela conversa no celular não aconteceria daquela maneira tão solta se
estivéssemos cara a cara.
“Camila: E por que acha que ela está com medo de você?”
“Rafael: Não sei. Talvez não tenha sido o cara mais agradável e legal quando nos
conhecemos, mas acho que já provei que a primeira impressão nem sempre é a que precisa
ficar.”
“Camila: De repente ela só não sabe o que você está pensando e acaba ficando mais
travada, mas isso não quer dizer que tenha medo de você.”
“Rafael: Pode ser. Espero que a gente possa continuar se conhecendo. Estou curtindo
essa menina, sabe? Mas e você? Soube que também conheceu um cara.”
“Camila: Verdade! E olha que não contei para ninguém isso. Não tem jeito, né? As
notícias se espalham rapidinho. Como tem gente fofoqueira no mundo... Fico impressionada
com isso.”
“Rafael: Risos! Mas e aí? Está gostando do garoto?”
“Camila: No início, senti ódio. Ele foi estúpido, grosso e tudo de ruim que você
imaginar. Sério! Chegou a me fazer chorar.”
“Rafael: Não acredito que você chorou por causa dele.”
“Camila: É porque você não imagina os desaforos que ele falou para mim. Fiquei
magoada e ofendida.”
“Rafael: Nossa! Mas ele falou tanta coisa assim para te magoar?”
“Camila: Estava em um momento já um pouco sensível e ouvir tudo o que ele disse,
acabou mexendo demais comigo. Chorei praticamente a noite toda, me senti ridícula, pequena,
boba...”
“Rafael: Mas em que momento isso mudou e você desculpou o cara?”
“Camila: Como estamos fazendo o curso juntos, acabamos sendo obrigados a conviver e
frequentar os mesmos lugares e com as mesmas pessoas. Dessa maneira acabamos nos
aproximando, já sem esperar nada de bom um do outro. Acho que a falta de expectativas acabou
trazendo boas surpresas.”
“Rafael: Hum... Interessante! E hoje, o que acha dele?”
“Camila: Confesso que ainda tenho um pé atrás, sabe? Não sei muito bem o que pensa
de mim. A gente fica meio que escondido de todo mundo. Ele diz que é porque não quer ninguém
se metendo e dando opinião na vida dele, mas tenho um pouco de dúvida se é isso mesmo.”
“Rafael: Teria outro motivo para essa atitude?”
“Camila: Vergonha, talvez.”
“Rafael: Vergonha de quê?”
“Camila: De mim, ué! De deixar as pessoas saberem que está ficando comigo...”
“Rafael: Quem teria vergonha disso?”
“Camila: Ele, talvez!”
“Rafael: Duvido.”
“Camila: Pode ser que sim, pode ser que não. Como vamos saber?”
“Rafael: Tenho certeza que não é isso.”
“Camila: Bom, eu já não tenho essa certeza. Mas tirando isso, estou gostando muito de
conhecer esse menino. Ele é legal, um pouco reservado, mas quando se mostra um pouquinho
mais... Fico encantada! Acho que ele precisava destruir esse muro que costuma erguer ao redor
dele e deixar que as pessoas tenham o prazer de conhecer melhor quem ele é.”
“Rafael: Quem sabe você o ajude a diminuir essa parede?”
“Camila: Seria um prazer.”
“Rafael: E o que mais gosta nele?”
“Camila: Adoro o beijo. É tão diferente, sabe? Nenhum beijo até agora foi igual. Todo
dia é de um jeito diferente, outro sabor, uma nova intensidade.”
“Rafael: Legal! E o que está fazendo no celular? Ele não está te esperando por aí? Se eu
estivesse no lugar desse cara, estaria louco para ficar perto de você mais uma vez.”
“Camila: Ele está bem aqui, no meu chalé.”
“Rafael: Então vocês estão juntos nesse momento?”
“Camila: Não. Ele está na sala e eu estou no quarto, mas estou morrendo de vergonha
de ir até ele agora.”
Ouvi uma risada baixinha vindo da sala.
“Rafael: E por que está com vergonha?”
“Camila: Porque esqueci que ele estava por aqui e acabei falando ‘alto’ demais tudo o
que acho dele. Como vou encarar o menino agora?”
- Camila?
Quase pulei da cama quando a voz veio da sala. Senti meu corpo ficar um pouco
dormente e o meu rosto inteiro esquentar.
- Oi – respondi.
- Ainda está falando com sua mãe? Já assisti quase um filme inteiro. Vem logo pra cá –
fingiu que não estava falando comigo segundos antes pelo celular.
Levantei e tentei colocar na cabeça que faria a mesma coisa. Fingiria que não era com ele
que estava falando todas aquelas verdades. Nada estaria diferente, foi apenas uma brincadeira.
Acreditando naquela mentirinha, passei pela porta do quarto e entrei na sala. Ao
encontrar os olhos do Rafael, percebi que não conseguia enganar nem mesmo a minha cabeça no
dia primeiro de abril.
Capítulo 33 – Algo mais?

01 de abril – O dia da verdade


Dizem por aí que esse é o dia da mentira, mas como nada na minha vida é normal, é
claro que comigo tinha que ser exatamente o contrário. O meu dia foi cheio de verdades.
Primeiro, porque o professor mandou – pois é... O exercício foi exatamente esse – e segundo,
porque resolvi falar demais.
Não sei que mania é essa que eu tenho de sair me abrindo e dizendo tudo o que penso
para quem não devo. Tá, não foi nada tão dramático assim, mas quando a gente se mostra
demais, acabamos ficando muito expostos. Agora, não sei como voltar atrás.
É engraçado como o medo faz com que a gente mude, não é? Acho que se fosse no ano
passado, não ficaria tão apreensiva assim ao falar demais. Na verdade, eu nem me importava
com nada disso. Era tudo novidade, não sabia como esconder um sentimento ou algo que queria
dizer. Quando via, as palavras já estavam saindo pela minha boca e pronto, nada mais era
segredo.
Um ano mais velha, tendo vivido poucas experiências depois da última mais marcante,
aqui estou eu, toda diferente, tentando ser mais reservada, mais comedida, menos exposta. Tudo
para me proteger, para tentar não quebrar o meu coração.
Mas pensando e pensando sobre isso, fico em dúvida sobre qual é o melhor jeito de viver
a vida. Quando não temos medo, é porque ainda não tivemos decepções e vamos de braços
abertos para novas descobertas, queremos viver tudo intensamente e aproveitar todos os
momentos como se fossem os últimos.
E aí crescemos mais um pouco e a intensidade dá lugar ao cuidado, ao pensar, ao
analisar antes de fazer. Ficamos com medo de ir com sede ao pote. Vamos com calma e
tentamos não demonstrar tudo o que sentimos. Vestimos disfarces de personagens blasé,
superficiais, quando na verdade temos uma profundidade enorme de sensações querendo ser
libertadas.
Quanto mais adultos ficamos, mais superficiais vamos nos tornando?
Apesar de me sentir mais vulnerável nesse momento, depois de ter falado o que sentia,
também sei que coisas maiores podem vir. Tanto boas quanto ruins. A experiência que estou
vivendo pode ser mais intensa, forte, profunda. E o tombo, a decepção, podem machucar mais.
Mas devemos deixar de viver por medo do que vamos sofrer? Não é melhor deixar acontecer,
aproveitar, sem medo de ser feliz?
Não quero ser uma pessoa que confia, desconfiando. Ou que ama, desapegando. Quero
esperar sempre o melhor, sonhar com o mundo colorido e viver da maneira mais intensa que eu
puder.
Não, não estou sendo contraditória com o que escrevi umas postagens atrás. Continuo
não querendo esperar um príncipe encantado. A questão não é idealizar ou não alguém. Decidi
que quero viver o que há para viver... Até mesmo com um sapo. Sem precisar me esconder
apenas para agradar.

Senti minha barriga revirar pela milésima vez naquele dia e não era fome. Relembrar a
tarde que passei com o Rafael, chegava a me dar uma espécie de calafrios. Depois que saí do
quarto, ficamos um pouco sem jeito – eu totalmente envergonhada e ele sem saber muito bem
como agir. Sentei ao lado dele, ligamos a televisão e ficamos encarando a tela, sem nem saber o
que estávamos assistindo. Rafael foi passando lentamente o braço pelas minhas costas, me
puxando para bem pertinho. Descansei minha cabeça no ombro dele e senti vontade de ficar
daquele jeito para sempre.
Quando meu pescoço começou a doer – droga! Por que nos filmes essas posições sempre
parecem as mais confortáveis possíveis? Era bom, mas na vida real era impossível ficar sentada
daquela maneira sem ganhar um torcicolo de presente – sentei na posição normal e o Rafa veio
me beijar.
Com toda certeza ele é o menino dos mil beijos, pois mais uma vez foi diferente o que
senti quando nos beijamos. O que não foi diferente foi o calor que o beijo provocou. Como
estava com a cabeça encostada na almofada, não consegui me afastar daquele jeito repentino que
sempre faço quando fico assustada com o que sinto quando nos beijamos assim.
Empurrei Rafael, colocando a mão no peito dele.
- Não precisa ficar assustada – disse ele, ainda com o rosto bem pertinho de mim. – Não
estamos fazendo nada de errado.
- Preciso fazer o exercício – respondi, sem saber que outra coisa dizer.
Rafael me olhou por mais um tempo, sem dizer nada. Aproximou os lábios mais uma vez
dos meus e disse baixinho que não estava com vontade de ir embora, mas que me deixaria quieta
para fazer o exercício e que depois a gente se encontrava de novo.
E foi embora, sem me dar tempo para ter forças nas pernas para levantar do sofá.
-----
Depois de fazer o trabalho, desabafar no meu blog e de mais uma vez sentir falta dos
comentários do único leitor que passou pelo meu espaço virtual, peguei meu celular para
conversar um pouco com as meninas. Elas queriam saber do Leandro, mas continuei firme e
disse que só contaria tudo o que havia acontecido quando voltasse para casa.
Pedi para que elas não se esquecessem de enviar todas as matérias para o meu e-mail e
quando ia começar a contar um pouco mais sobre o que estava vivendo com o Rafael, uma
mensagem dele saltou no alto da minha tela.
Sorri.
“Rafael: E aí? Acabou o exercício?”
“Camila: Terminei.”
“Rafael: Vai querer ir para o apartamento do Bruno? Estou indo agora.”
“Camila: Pode ser.”
“Rafael: Aconteceu alguma coisa?”
“Camila: Não. Por quê?”
“Rafael: Está muito monossilábica.”
“Camila: Impressão sua.”
“Rafael: Sei... Passo aí em cinco minutos. Só falta colocar meu casaco.”
“Camila: Tá bom. Estou te esperando. Bj.”
Liguei mais uma vez para a minha mãe. Já havia falado com ela mais cedo, mas para
evitar que ela resolvesse me ligar e não me encontrasse no chalé, decidi fazer aquela ligação.
- E aí, meu amor? Conseguiu fazer seu trabalho?
- Aham – confirmei.
- Vai fazer o que agora?
Merda.
Não estava preparada para aquela pergunta.
- Vou até a lanchonete comer alguma coisa e depois devo voltar para o quarto para
descansar.
Camila, Camila! O cara lá de cima está vendo todas essas mentirinhas, viu?
- Talvez demore um pouquinho mais, pois os meninos estão tocando violão. Se eles ainda
estiverem por lá, não vou voltar logo depois de comer.
- Tudo bem. Só peço que tenha juízo, tá?
Encarei o telefone e franzi a testa.
Que ET é esse com voz de Dona Regina?! Nenhuma reclamação? Drama? Nada?
- Tá tudo bem com você, mãe?
- Está, por quê? – perguntou, sem entender.
- Não é normal você aceitar tão tranquilamente assim uma informação como a que acabei
de te passar.
Risadas do outro lado da linha.
- Meu amor, sei que pego um pouco no seu pé, mas estou crescendo junto com você
nessa viagem. Quando você tiver uma filha, vai entender o que sentimos quando vemos nosso
bebê crescendo e criando suas próprias asinhas – suspirou. – Tentamos fazer com que vocês
fiquem com a gente até não ser mais possível. É difícil perceber que de repente você cresceu.
Mas estou orgulhosa de quem está se tornando. Já falei isso e vou insistir.
Senti meus olhos ficarem cheios de lágrima. Rafael bateu na porta.
- Mãe, o Rafael está aqui na porta. Ele veio me buscar para a gente andar até a lanchonete
juntos. Depois falo com você, tá? Te amo muito e obrigada por tudo isso.
- Vocês estão namorando?
Opa! Sabia que não dava para acreditar em Marte. Olha Dona Regina de volta!
- Não, mãe!
- Ele é tão bonitinho.
ET, você está me confundindo.
- É.
- Você gosta dele?
- Um pouco – confessei, ainda com um pouco de dúvida se estava fazendo a coisa certa
ao ser honesta.
- Vamos marcar um lanche aqui em casa para que eu e seu pai possamos conhecer o
Rafael.
Socorro!!
- Não tenho nada com ele, mãe! E o Rafael também não gosta dessas coisas. Preciso ir.
- Vai lá e no domingo conversamos melhor sobre tudo isso. Cuidado, viu filhinha? Seu
pai está mandando beijos.
- Manda beijos para ele também e outro para você. Até amanhã.
Achei melhor garantir a despedida do dia.
- O que é que eu não gosto? – perguntou Rafael assim que abri a porta.
- Você estava ouvindo a minha conversa?
- Do jeito que você pergunta fica parecendo que estava bisbilhotando com o ouvido
colado na porta. Não tenho culpa se está esse silêncio todo aqui fora e se a sua voz estava alta o
suficiente para que eu escutasse o meu nome – deu de ombros.
Rafael estava lindo. Usava um casaco azul escuro, que realçava a cor dos olhos e cabelo.
O perfume quase me enfeitiçava.
- Você está bem? – perguntou e me puxou para perto dele.
- Aham.
- E não vai me contar sobre o que estava falando de mim?
- Acabei soltando para a minha mãe que você estava batendo na porta do meu chalé para
ir até a lanchonete comigo e ela começou a perguntar um monte de coisa.
- Vamos para a lanchonete? – me olhou com uma cara engraçada.
- Não quis contar que ia para o apartamento do Bruno para não ter drama sem motivo.
- Que coisa feia. Não pode mentir assim...
Coloquei a mão na cintura e fiz cara feia para ele.
- Mas quero saber o que é que eu não gosto.
- Ela queria saber se estávamos juntos e já começou a imaginar um monte de coisas.
Queria marcar um lanche lá em casa para te conhecer – apontei para a cabeça e fiz um sinal
como se fosse uma ideia louca.
- Vou ficar com vergonha, mas vai ser legal.
Sem me deixar pensar no que responder em seguida, me deu um beijo. Depois colocou o
braço ao redor da minha cintura e fomos caminhando juntos, em silêncio, pela noite fria de
Campos do Jordão.
Capítulo 34 – Tão natural quanto a luz do dia

Como se fosse a cena mais natural e comum, Bruno abriu a porta e não fez nenhum
comentário sobre o braço do Rafael nas minhas costas. Ainda meio atordoada, olhei para dentro
do quarto, bem diferente do meu chalé, e encontrei a Tatiana e a Júlia sentadas na varanda, com o
Bernardo no meio das duas tocando violão. Latinhas de cerveja jogadas no cantinho do chão e
pacotes de biscoitos vazios eram a prova de que já estavam juntos desde cedo.
Caminhamos até eles e percebi como o espaço era enorme, a vista era linda, dava para ver
muitos pedaços do hotel.
Bernardo abriu um sorriso de orelha a orelha quando notou que o Rafa estava com o
braço me envolvendo. Balançou a cabeça em sinal afirmativo e disse que a próxima música seria
para a gente.
“Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?”
E continuou a cantar Eduardo e Mônica. A letra não era exatamente o que poderia chamar
de perfeita para mim e para o Rafael, se pensássemos ao pé da letra, mas quando a gente entendia
o sentido, realmente poderia ser a nossa música. Afinal, quem um dia poderia dizer que nós dois
estaríamos assim? Braços entrelaçados, cabeças que encostavam a todo momento, carinhos
disfarçados?
Tatiana já estava bem animadinha e falava um pouco enrolado. Ver o jeito que ela sorria
para o Bernardo estava me deixando irritada.
Que mulher sem noção! Será que ela não tem vergonha de dar em cima de um garoto
que é praticamente 15 anos mais novo que ela?
A Júlia também não ficava atrás, toda hora falava com a voz mansa, jogando o maior
charme do mundo para o Bruno.
- Bernardo – chamei. - Falei com a Dani antes de vir para cá, ela pediu para te mandar
beijos e dizer que estava com saudades.
Ok. Foi totalmente forçado e inapropriado aquele meu recado. Dani nem mesmo tinha
mandado dizer nada para o Bernardo, mas me senti na obrigação de jogar o nome dela no ar.
- Quem é Dani? – perguntou Tatiana.
- A namorada dele – enchi a boca para responder.
- Hum... Você tem namorada, é?
Encarei o Bernardo e percebi um dar de ombros quase disfarçado vindo dele.
- Tem e é a minha melhor amiga – resolvi responder por ele.
Rafael apertou levemente o cantinho da minha barriga e deu um beijo na minha orelha,
como se quisesse dar algum recado com aqueles movimentos.
- Calma! Lembra tudo que conversamos mais cedo? – disse baixinho.
Olhei para ele sentindo o sangue ferver. Não ia deixar uma sirigaita dar em cima do
namorado da minha amiga, bem na minha frente, sem fazer nada. Naquele instante, me arrependi
de não ter levado o celular. Queria passar uma mensagem para a Dani. Se bem que aquilo só
faria com que ela ficasse chateada, sem poder resolver o problema. Ela não estava ali para fazer
nada.
Resolvi respirar fundo e me acalmar. Rafael tinha razão. Não adiantava ficar de cara feia.
E de repente, a Tatiana nem estava dando em cima do Bê. Ela era mesmo bem falante e com
algumas latinhas de cerveja, talvez estivesse apenas mais solta.
Depois de mais algumas músicas, Bernardo resolveu pedir para que Bruno ou Rafael
assumissem o violão.
- Todo seu – apontou Bruno olhando para o Rafael.
Antes de assumir a posição, ele me deu um beijo na frente de todo mundo e fez todos os
pensamentos que estavam na minha cabeça evaporarem. Não pensei mais na Dani, no Bernardo,
Tatiana ou em qualquer outra pessoa. Só tinha olhos para ele.
Quando Rafael começou a cantar, tentei prestar atenção na letra, pois não conhecia a
música. Perguntei para o Bruno e ele disse que tinha quase certeza que era do Engenheiros do
Hawaii. Parecia um pouco triste, mas ao mesmo tempo era linda.
“ Ontem à noite, a noite tava fria
Tudo queimava, nada aquecia
Ela apareceu, parecia tão sozinha
Parecia que era minha aquela solidão
Ontem à noite eu conheci uma guria
Que eu já conhecia de outros carnavais
Com outras fantasias
Ela apareceu, parecia tão sozinha
Parecia que era minha aquela solidão”
Nossos olhos se encontraram e Rafael sorriu para mim. Esqueci de todo mundo que
estava a nossa volta, não conseguia desviar o olhar. Estava enfeitiçada. A música me fez lembrar
o dia que falei com o Leandro pelo Skype e que depois cheguei no chalé dos meninos totalmente
acabada, com os olhos vermelhos de tanto chorar. Naquele mesmo dia, alguma coisa mudou na
minha relação com o Rafael. Aquele último trecho parecia ser a trilha sonora daquela noite. Já
nos conhecíamos “de outros carnavais, com outras fantasias”, mas naquele momento eu “apareci
e estava tão sozinha”.
Minha barriga revirou com aquela lembrança, um filme passou pela minha cabeça. Já não
pensava mais no Leandro desde a nossa despedida oficial. Virei a página, comecei a escrever
uma nova história. Mas naquele momento revivi aquele dia, como se estivesse vendo tudo
acontecer na tela do cinema. O adeus, a tristeza que senti, os olhares do Rafael, a conversa no
escuro, o beijo, o aconchego que senti nos braços dele e tudo que continuou acontecendo.
- Ei – Bruno estalou o dedo na frente do meu rosto.
A música já tinha mudado, mas eu estava totalmente absorvida pelas recordações, com o
olhar perdido no vazio da noite.
- Oi – respondi um pouco tonta de voltar tão rápido para o presente.
- O que aconteceu?
- Nada. Tenho essa mania de voar – brinquei.
- Percebi. Você estava totalmente fora daqui.
- Pois é – não tinha como negar.
- E qual foi o destino dessa cabecinha? – perguntou baixinho, quando notou que Rafael
não estava prestando atenção.
- Longe – tentei passar por telepatia a resposta, pois não queria que alguma coisa
estragasse o que estava vivendo com o Rafa. – Estava assistindo o filme do meu outono.
- Hum... E o filme estava legal?
- Muito. Começou legal, aconteceram alguns dramas, mas depois se transformou em um
romance cada vez mais fofo.
- E como termina?
- Ainda não sei. Preciso assistir a continuação para descobrir, mas espero que termine
muito bem.
- Como seria o final perfeito? – sorriu para mim.
- A protagonista seria bem sortuda. Ganharia um amigo para toda a vida e ainda um amor
que não termina com a viagem.
- Amor, é? Hum... A coisa está ficando séria – fez cosquinha na minha barriga e percebi o
olhar do Rafael na minha direção.
- Falei como seria o final perfeito e não como ele é de fato.
- Sei. Senti que fui fuzilado agora com o olhar do seu namorado, não posso mais fazer
cosquinhas em você. Se isso não é amor, o que mais pode ser? – implicou.
- Até parece.
- Olha o seu sorrisinho – não resistiu e fez cosquinhas mais uma vez. – Está toda feliz
com o relacionamento.
- Para, seu bobo!
- Tá namorando... Tá namorando – continuou com a brincadeira.
- Até agora não recebi nenhum pedido do tipo.
- E precisa oficializar as coisas?
- Ué, preciso saber que estou namorando, né? – dei de ombros.
- Mas já está ficando sério. Vocês chegaram aqui como um casal e ele já até te beijou na
frente de todo mundo, como se fosse a coisa mais natural de todas, como se todo mundo já
soubesse e estivesse acostumado com isso.
- Ele é assim. Se vocês ficarem comentando, ele vai acabar se fechando e mudando
comigo.
- Ok. Recado entendido – piscou para mim. – Pode deixar que não vou fazer comentário
nenhum. Vou roubar o violão dele para que você possa aproveitar mais o seu namorado, tá? –
divertiu-se. – A gente tem a vida toda pela frente para conversar. Pode deixar que nossa amizade
não vai ser perdida ou trocada por namorado nenhum, mas sei que no início, os beijos valem
mais que os bate-papos. Pode deixar que entendo e não fico chateado por ter sido deixado de
lado – fez um bico.
Dei um tapa no ombro do Bruno e ele começou a rir. Depois de bagunçar meu cabelo,
levantou e pediu o violão para o Rafael.
Mais algumas músicas tomaram conta do ambiente, até que comecei a sentir bastante
sono.
- Quer ir embora? – perguntou Rafael, depois que bocejei pela terceira vez.
- Acho que sim. Estou com sono. Se quiser ficar, não tem problema.
- Não quer que eu vá com você?
- Se quiser ficar, não quero que tenha que ir só para me levar.
Sem responder, ficou de pé e estendeu a mão para me ajudar a levantar. Avisamos que
estávamos indo embora.
- Vocês não vão dormir? Já está tarde e temos aula daqui a pouco – tentei jogar a indireta
para ver se as garotas se mancavam e davam o fora dali.
Todo mundo deu de ombros e continuaram com as músicas.
Saí de lá um pouco incomodada de pensar que os quatro ficariam sozinhos e tudo poderia
acontecer, já que não estava mais com eles e não corria o risco de ninguém contar nada para a
Dani.
Parei de me preocupar com os outros no momento que reparei que o Rafael estava calado
demais.
- Ei, que silêncio é esse? – perguntei.
Deu de ombros.
Ele estava andando de cabeça baixa, com as mãos nos bolsos, não chegando nem mesmo
pertinho de mim.
- O que aconteceu?
- Nada – continuou sem olhar na minha direção.
Ah, não! De novo não! Será que a bipolaridade do loiro tinha voltado?
- Você está todo sério, longe de mim – resolvi não ficar com vergonha de dizer o que
estava com vontade. Depois de tudo que passamos não queria dar um passo para trás. – Se não
queria vir embora, era só ter falado. Não ia ficar chateada se continuasse lá.
- Não tem nada a ver com isso.
- Então, o que aconteceu para você ficar assim?
- Não aconteceu nada, Camila. Estou normal.
- Jura? Não posso duvidar disso, pois está exatamente como no início do curso. Se está
dizendo que esse é o seu normal, ok. Provavelmente, fui uma idiota de acreditar que era
diferente. Nesses últimos dias, você conseguiu me enganar direitinho – disparei cheia de
ressentimento e acelerei o passo.
- Camila! – chamou.
Que se dane, loiro-inconstante!
Não olhei para trás.
- Camila – correu e segurou o meu braço.
- Me solta, Rafael! Não estou com vontade de me magoar de novo – senti a garganta
apertar.
Podem parando, lágrimas malditas! Não ousem sair dos meus olhos.
- Desculpa – disse baixinho e não me soltou.
Ainda bem!
Paramos na frente do meu chalé. Fiz força – forcinhazinha – para que ele largasse meu
braço, mas Rafael não estava disposto a me deixar entrar.
- Não consigo entender. Estávamos indo tão bem e de repente, de uma hora para outra,
tudo mudou – disse ainda sentindo um aperto na garganta.
- Camila, também não sei muito bem o que está acontecendo. Enquanto estava tocando
violão e vi o Bruno todo cheio de intimidade com você, seu sorriso para ele, o jeito que vocês
estavam um com o outro... Me deixou com uma sensação diferente. Nunca senti esse tipo de
coisa e não sei lidar com isso – abaixou a cabeça e se afastou um pouco, soltando meu braço.
Passou a mão pelo cabelo e soltou o ar com força.
Oi? Rafael está com ciúmes de mim?! Ai, meu Deus! Será que isso é verdade? Ele está
mesmo gostando de mim?
- Você está com ciúmes do Bruno? – não consegui segurar minha língua fofoqueira.
Senti os olhos dele me acertando em cheio, eram intensos e gelados.
- Não fiquei com ciúmes, mas não gostei do que senti – respirou fundo. - Isso não vai dar
certo.
- O quê? – senti minha barriga dar um estalo.
- Nós dois.
Ai.
Senti como se tivesse levado um soco no estômago.
- Não acredito que está falando isso só porque brinquei com o Bruno - minha boca deu
uma leve tremida enquanto falava. As lágrimas começaram a querer saltar dos meus olhos.
- Não foi por isso. O problema é que não estamos começando uma coisa do zero. A gente
já tem uma história e que começou toda errada. Não estamos começando a construir sentimentos
como todo início de relacionamento. Já experimentamos vários durante todo esse tempo. Há
mais de um ano os nossos desencontros começaram. Será que isso é saudável? Será que vale
investir em tudo isso? Gostei muito de te conhecer mais e de ficar com você. Mas acho que é
melhor a gente parar agora, enquanto não estamos tão envolvidos, para que ninguém fique
magoado depois. Essa história toda é muito complicada.
Não estamos envolvidos?
Fale por você, Rafael!
- Ok – disse com a força que tinha dentro de mim. Não queria que me visse chorar. Se ele
não estava envolvido, não queria desmoronar com o meu orgulho chorando na frente dele.
- Mas não vamos nos arrepender do que aconteceu até aqui. Foi legal. E tudo que disse
foi verdade. Você é uma menina diferente de tudo que imaginei e gostei de te conhecer melhor.
Elogios não são feitos para deixar a gente feliz?
Por que esses elogios estão parecendo cacos de vidro perfurando a minha pele?
- Obrigada. Boa noite, Rafael – disse e virei de costas para ele, já sentindo as lágrimas
caírem pelo meu rosto.
Minha mão tremia e quase não consegui colocar a chave na fechadura. Limpei
disfarçadamente as gotinhas que tinham escapado dos meus olhos, tentei recuperar a minha
calma antes de encarar o Rafael mais uma vez.
Depois de alguns segundos de concentração, coloquei um sorriso falso no rosto e virei
para dar um até logo.
A rua estava completamente vazia. Ele já tinha ido embora.
Capítulo 35 – Tô me sentindo muito sozinha

Entrei no chalé e fui direto para a cama chorar. Quando acreditei que estava começando a
viver uma nova experiência, uma história que me faria suspirar... Veio essa bomba explodir bem
em cima da minha cabeça.
Será que fui uma idiota? Tudo isso não passou de uma pegadinha de primeiro de abril?
Rafael precisava ser tão sem caráter, tão malvado?
Abracei o travesseiro e senti uma enorme vontade de voltar correndo para casa. Nunca
havia me sentido tão sozinha assim.
“É melhor a gente parar agora, enquanto não estamos envolvidos”.
Lembrar aquela frase dita em alto e bom som fazia minha barriga doer, como se tivesse
mesmo levado um soco, bem ali, na boca do estômago.
Isso é para você aprender a não se apaixonar tão rápido, Camila! Assim são os
garotos... Uns vão embora porque moram longe e outros, porque simplesmente é o que desejam.
02 de abril – Vazio que dói
Acho que não conhecia muito bem o que era a solidão. Pelo menos não até esse
momento. Ok. Você pode estar aí pensando que estou sendo dramática, exagerando ou está
balançando a cabeça, dizendo que deve ser algum faniquito de adolescente e que logo, logo isso
vai passar. Talvez realmente passe. Sei que vai passar.
Mas agora, sozinha no meu chalé, sinto que estou totalmente só.
Quando estou em casa e tenho algum problema – dor, saudade, frio, medo ou outra coisa
qualquer -, meus pais estão sempre por perto para me acolher, me abraçar e cuidar de mim.
Se não quero que eles saibam de algum problema, corro até as minhas amigas e divido
mágoas, tristezas e angústias. Mas aqui, longe de tudo e de todos, estou sozinha. Sem abraços,
sem carinho, sem promessas de que tudo vai ficar bem. E esse vazio dói.
Quando ficamos magoados ou tristes com alguém, já é ruim demais o que sentimos. Ter
que lidar com isso sem ter a companhia de mais ninguém, é quase insuportável. A gente fica
mais triste, a cabeça dá voltas e mais voltas pensando nas palavras ditas, sentimos o coração
quase parar.
Com certeza tudo isso vai me deixar mais forte, mais preparada para o que vou enfrentar
na minha futura profissão. Sei que ainda vou encarar muitas despedidas, palavras que vão
machucar, cenários que nunca mais vão sair da minha cabeça e pessoas que vou ter que deixar
para trás ou que vão partir de repente.
Tenho que aprender que a vida é assim e talvez um dia, já não faça doer tanto. Mas hoje
está doendo. E não tem ninguém aqui para me abraçar.
O vazio também dói.
Capítulo 36 – A Amizade

Acordei com o despertador, mas não senti a menor vontade de levantar da cama. Estava
fraca, com muito frio e nem queria me olhar no espelho, pois já imaginava o que ia encontrar por
lá. Depois de todo o choro e do pouco tempo de sono, sabia que estava um monstrinho. E o pior?
Aquilo não importava.
Os minutos passavam, aquele era o último dia de aula, mas não conseguia mexer nem o
dedo do pé. Não queria mexer. Puxei o edredom macio, pesado e quentinho até o topo da minha
cabeça e lamentei por ser tão covarde.
Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz...
- Camila! – levei um susto com a voz do Bruno, do lado de fora da minha janela. Tinha
caído no sono mais uma vez. – Camila! – chamou mais uma vez. – Se você não abrir essa porta
em um minuto, vou ter que arrombar ou chamar alguém na recepção.
Tirei o cobertor do meu corpo, saí da cama correndo, quando abri a porta e senti o frio
que vinha do lado de fora, tive a sensação de que ia desmaiar.
- Ei, o que aconteceu? – Bruno me segurou, me encarando com os olhos arregalados.
Olhei para o meu corpo e nada no mundo poderia ser pior. Estava vestindo apenas uma
blusa comprida, que não chegava a ser um camisolão, uma calcinha daquelas que são quase
como um shortinho, mas que graças a Deus estava coberta pela camisa que havia roubado do
meu pai e meias coloridas. Tinha dias que amava dormir daquele jeito, principalmente ontem.
Era uma maneira de estar mais perto de casa, acolhida por algo familiar.
- Camila, o que aconteceu? – perguntou Bruno, preocupado, pouco se importando com a
roupa – ou a falta de roupa – que eu estava usando.
Senti mais uma vez o meu corpo mole e uma sensação terrível de que ia desmoronar. Um
calafrio deixou todos os pelinhos dos meus braços arrepiados.
Percebendo que eu não estava nada bem, Bruno entrou e fechou a porta. Somente naquele
instante ele pareceu avaliar melhor a minha situação.
- Hum... Acho que a Juliana acharia interessante esse seu traje de dormir. É a nova moda
em Paris? Bem sensual – tentou fazer uma brincadeira.
Mas nem mesmo o comentário e a consciência de que estava praticamente de blusa e
calcinha na frente do Bruno – não um Bruno qualquer, mas Bruno Ferraz!!! – fizeram com que
eu sentisse vergonha. Uma sensação muito pior de alguma coisa que eu não sabia o que era,
camuflava todo o resto e não me deixava pensar em mais nada.
- Mila, você está se sentindo mal? – perguntou, ainda mais preocupado.
Como se toda aquela humilhação não bastasse, comecei a chorar em alto e bom som,
sentindo todo o meu corpo tremer.
Bruno demorou alguns segundos para se mexer. Ele parecia assustado com a minha
reação.
- Ei, Mila! Sabia que tinha alguma coisa fora do lugar. Você nunca mataria o último dia
do curso se o problema não fosse grave – se aproximou de mim, parecendo não saber exatamente
o que fazer. Provavelmente constrangido de me ver descabelada, com aquela roupa, com os
olhos vermelhos e inchados.
Aquela garota do Exorcista é a Miss Universo perto de mim nesse momento.
– Camila, acho que precisamos de um médico – disse quando passou a mão pelo meu
rosto.
- Por quê? – perguntei assustada.
- Você está pelando. Vai deitar, vou ligar para a recepção.
Não conseguia me mexer. O frio que estava sentindo parecia ter paralisado todo o meu
corpo. Fiquei encolhida e voltei a chorar.
Sem pensar duas vezes, Bruno me pegou no colo, me levou para a cama, me cobriu com
o edredom e pediu que eu não me mexesse.
Ok. Não vai ser difícil obedecer a essa ordem. Mexer dói.
Até tentar organizar o pensamento era exaustivo. Minha cabeça estava pesada. Fechei os
olhos e peguei no sono mais uma vez.
Zzzzzzzzzzzz...
- O que aconteceu, Mila? – perguntou Bernardo, sem o sorriso de sempre que ele
carregava para todo lado.
Espera aí, o que o Bernardo está fazendo aqui? Quem deixou ele entrar?
Olhei ao meu redor, Bruno estava puxando a cadeira da sala para o quarto e Rafael
parecia estar ajudando a trazer a mesinha também.
Rafael? O que ele está fazendo aqui?
Ai, meu Deus! Mamãe vai me matar! Três meninos no meu quarto e eu estou de calcinha!
CALCINHA!
Melhor do que estar sem ela, não?
Verdade.
Calma, Camila! A Blusa tampa quase tudo e é só não mexer nesse edredom que ninguém
nem vai saber o que você está vestindo – ou o que não está vestindo.
Ai. Dói tudo.
Fechei os olhos.
- Mila – chamou Bernardo. Ele estava angustiado.
Olhei para ele.
- Quer que eu ligue para a sua mãe?
- Calma, cara. Isso não vai resolver nada e só vai deixar a mãe dela preocupada. Já
estamos com tudo o que precisamos aqui. A Mila só está com febre, não é nada sério. Moro
sozinho desde novo e já passei muitas vezes por isso sem ter ninguém para me ajudar.
Febre? Quem disse que estou com febre?
Tentei falar, mas desisti.
- Mila, levanta o braço – pediu Bruno, com um termômetro na mão e puxou um pouco o
meu edredom para baixo.
Os três observaram a cena, sem saber muito bem o que fazer.
- É... Mila, acho melhor você mesma colocar pela gola da camisa – disse Bruno, um
pouco sem jeito.
Oi? O que ele estava falando?
Olhei para ele confusa.
- Acho que a febre deve estar muito alta, ela não está pensando direito – disse baixinho
para Bernardo. – Cara – olhou para o Rafael –, coloca o termômetro nela enquanto vou buscar
um pano gelado para colocar na cabeça.
Bernardo foi atrás do Bruno perguntando o que poderia fazer e ficamos apenas nós dois
no meu quarto. Ver o Rafael ali, sem graça e sem saber direito como agir, fez com que as
lágrimas saltassem dos meus olhos.
- Não chora – pediu baixinho e foi se aproximando da minha cama. Colocou a mão na
minha testa. – Nossa! Você está muito quente mesmo. O que será que te deixou assim? Será que
foi a chuva que pegou naquele dia?
Foi você que me deixou assim. Quis responder, mas minha boca não obedecia. Minha
língua parecia pesada.
Bruno entrou no quarto avisando que ia à farmácia comprar algumas coisas e que o
Bernardo tinha ido até o restaurante pegar algumas frutas para o meu café da manhã.
- Bruno – consegui falar – vocês estão perdendo a última aula do curso. Não quero que
façam isso por mim. Já estou me sentindo melhor. Posso me cuidar sozinha, de verdade – disse
com muito esforço, me sentindo totalmente acabada.
- Jornalista, amigos de verdade não abandonam os amigos quando eles não estão bem.
Além disso, não precisa se preocupar. Márcio já está avisado e disse que o que a gente perder
hoje, ele repassa amanhã antes do jantar de confraternização. Agora, obedece ao Rafael e fica
descansando. Vou comprar algumas coisas para você melhorar logo e já volto – entregou a toalha
de rosto do banheiro toda molhada para o Rafa e se despediu.
Senti meu braço sento puxado para cima com delicadeza e o termômetro passando – junto
com a mão do Rafael!!!!! - pela gola do meu blusão. Como se eu pudesse queimá-lo, os
movimentos foram todos bem rápidos e em segundos já estava com o braço para baixo
novamente.
Ainda sem dizer nada, pegou a toalhinha encharcada que estava apoiada na perna e
colocou na minha testa.
- Ai, está muito gelado - reclamei do frio que senti.
- É assim mesmo, vai esfriar a sua cabeça e você vai começar a se sentir melhor.
- Isso tudo parece um pesadelo – resmunguei já com os olhos fechados.
- O quê?
- Tudo – me limitei a responder apenas isso.
O termômetro apitou e antes que o Rafael ficasse sem saber o que fazer, eu mesma tirei
do meu braço. Quando ia olhar a temperatura, ele tirou da minha mão.
- Deixa comigo. Putz – tirou a toalha e colocou a mão na minha testa. – Você está com a
febre bem alta, tenho um antitérmico na minha carteira, acho melhor tomar logo - levantou, tirou
a carteira do bolso e sentou novamente.
- Quanto está a minha temperatura? – perguntei preocupada.
- Alta, quase 40.
- O quê? – arregalei os olhos e senti todo o meu rosto doer.
- Você está se sentindo gripada?
- Não estou gripada. Que droga! Acho que vou ligar para a minha mãe.
- Calma, Camila. Sua mãe não vai poder fazer nada agora e se disser que está com toda
essa febre, ela vai ficar desesperada. Não precisa ficar nervosa, estamos aqui e vamos cuidar de
você – entregou o comprimido e foi buscar uma garrafinha de água no frigobar. – Toma logo
esse remédio. A febre não vai demorar a diminuir.
Obedeci. Enquanto tentava beber mais água, Bernardo chegou com uma bandeja com
pães, queijo, presunto e frutas. Senti vontade de vomitar só de sentir o cheiro de toda aquela
comida.
- Você precisa comer, Mila. Tenta pelo menos uma fruta – alertou Bernardo.
- Não estou com vontade.
- Mas nem sempre a gente vai fazer só o que está com vontade – respondeu e empurrou
uma banana para o meu colo.
Rafael pegou, descascou e deu na minha mão.
- Obrigada – agradeci e dei uma mordida. – Sério, se eu comer, vou passar mal. Não
quero isso agora.
- É melhor não forçar mesmo. Já dei o remédio para ela, daqui a pouco a febre passa e ela
come essas coisas.
Bernardo sentou na cadeira que o Bruno tinha levado para o meu quarto. Rafael
continuou sentado ao meu lado, na cama.
- Falei com a Dani, ela também acha melhor não contar nada para a sua mãe – disse
Bernardo depois de alguns minutos de silêncio total no quarto.
- Ela vai perceber que tem alguma coisa errada na minha voz quando me ligar – ponderei.
- Fala que é impressão ou diz que está começando a ficar gripada.
Concordei.
Rafael tirou o pano da minha testa, aproveitei para virar de lado. Acabei pegando no sono
mais uma vez.
Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.
Que calor, que calor!
Abri os olhos e me senti um pouco desnorteada. Não conseguia saber o que tinha sido
realidade ou o que era sonho. Estava encharcada de suor. Saí atirando o edredom para fora da
cama e senti o sangue sair de todo o meu corpo quando vi que o Bruno estava parado, bem ali na
minha frente.
No mesmo instante puxei o blusão para baixo e o cobertor para cima.
- E aí, jornalista? – sorriu e caminhou até a beira da cama. – Nossa, você está suando
muito. Que bom – abriu o meu armário, como se fosse dele e separou uma blusa, um short, sutiã
e uma calcinha.
AI, MEU DEUS!!!!!
- Vai tomar um banho para tirar essa febre do corpo – falou igual a minha mãe.
Sem ter muito o que dizer, obedeci. Liguei o chuveiro no morno e entrei com o corpo
inteiro embaixo da água. Depois de lavar o cabelo e de passar o sabonete com força, como se ele
fosse capaz de fazer a febre desaparecer para sempre, saí do banho e liguei o secador. Não queria
correr o risco de sair com o cabelo muito molhado e piorar.
Mais cheirosa e com a cara um pouco melhor, voltei para o quarto e encontrei a cama
toda arrumada.
- Pedi para a faxineira trocar todos os lençóis e a coberta – disse orgulhoso do cuidado
que estava tendo comigo.
- Obrigada, Bruno.
- Você acha que está ficando gripada? Está sentindo outros sintomas?
- Não.
- Você costuma ter febre emocional? Aconteceu alguma coisa ontem que te chateou?
- Ah, não quero falar sobre isso – minha barriga doeu e meus olhos ficaram cheios de
lágrimas mais uma vez.
- Acho que acertei, hein? Foi alguma coisa com o Rafael? Ele está todo preocupado com
você.
- Duvido – disse com uma pontinha de raiva e mágoa.
- Juro. Vocês brigaram?
- Não.
- Então...?
- Quando voltamos do seu apartamento, sem mais nem menos, o Rafael disse que achava
melhor a gente não continuar a ficar – deixei as lágrimas caírem.
- Como assim? – Bruno arqueou as sobrancelhas.
- Desse jeito. Ele disse que não sabia lidar muito bem com o que estava sentindo e achava
melhor a gente parar enquanto não estávamos envolvidos.
- Mas com o que ele não sabe lidar?
- A conversa já está toda embaralhada na minha cabeça, mas foi uma mistura de coisas.
- Tipo o quê?
- Ah... Sei lá! Não entendi muito bem os motivos dele. O que me deixou mais chateada,
foi que ele disse que ainda não estamos envolvidos. Depois de toda essa semana que passamos
juntos, depois de todas as conversas e de me sentir toda feliz por ele não esconder mais que
estávamos nos conhecendo melhor, ele vir me dizer que não estamos envolvidos... Isso foi o pior.
Mais uma vez me senti uma idiota que se envolve rápido demais com as pessoas – sequei os
olhos com as mãos.
- Primeiro, você não é nada do que está falando. Já cansei de te dizer que é uma menina
linda, só com pontos positivos. Segundo, tenho quase certeza que o Rafael só fez isso para se
proteger. Quando estamos apaixonados, perdemos a razão e, às vezes, ficamos com medo do que
estamos sentindo. Nunca ouviu dizer que os homens são mais covardes? É verdade. Optamos por
decisões idiotas por puro medo de sofrer.
- Não sei, Bruno. Acho que o Rafael queria me fazer de boba mesmo.
- Lógico que não, Mila. Ele estava até ainda agora aqui, todo preocupado com você. Falei
para eles irem almoçar e pedi para trazerem sua comida. Quando eles voltarem, vou lá comer
alguma coisa também. Não queria te deixar sozinha.
- Obrigada. Não sei como agradecer a você por ser tão bonzinho assim comigo todos
esses dias.
- Relaxa – deu uma risada. – Amigos são para essas coisas.
Ouvimos sons do lado de fora e uma batida na porta. Bruno levantou, deu um beijo no
alto da minha cabeça, colocou a mão na minha testa.
- Acho que já está sem febre. E quer saber a verdade? Isso não é gripe nem nada do tipo,
é febre emocional mesmo.
- Ahm?
- O nome da sua febre é Rafael – sorriu e foi abrir a porta.
Deitei mais uma vez na cama, mas não senti vontade de me cobrir, não estava mais
sentindo frio. Ouvi o barulho da porta fechando e passos se aproximando do meu quarto.
- Oi, Bruno disse que você já está melhor – Rafael se aproximou meio sem jeito.
Bernardo não apareceu.
- Aham – respondi.
- Que bom. Ficamos preocupados, pois estava com a febre muito alta. Sua mãe já ligou?
– estendeu o prato na minha direção.
- Ainda não – peguei a comida e fiquei olhando sem muita vontade de colocar nada na
boca. A presença dele fazia com que sentisse minha garganta doer.
Rafael ficou com as mãos dentro do bolso da bermuda que estava usando.
- É melhor você comer pelo menos um pouco. Isso vai fazer você melhorar da gripe.
- Não estou gripada.
- Então, o que acha que fez você ficar com aquela febre tão alta? – se aproximou e
colocou a mão na minha testa. – Que estranho! Parece mesmo que ela foi embora.
- Já estou me sentindo melhor. Deve ter sido porque não dormi ou sei lá – dei de ombros.
- Não dormiu? – perguntou com a voz em um tom mais baixo.
Neguei com a cabeça.
- Tenho alguma culpa nisso? – olhou dentro dos meus olhos e me fez estremecer.
E aí? Dizer ou não a verdade?
- Acho que tem – abaixei a cabeça.
Rafael sentou ao meu lado, do outro lado da cama de casal e colocou o travesseiro no
colo.
- Por quê?
- Pelo que aconteceu quando voltamos para cá ontem à noite - resolvi não mentir.
- Você não pareceu chateada quando eu sugeri que a gente não ficasse mais.
- Ah, Rafael! Não gosto de ficar me humilhando, né? O que você queria? Acha que eu
tinha que implorar para você não fazer aquilo? – perguntei.
- Não acho isso. Só que se você gosta de mim, se estamos ficando e o objetivo é construir
uma relação, como vamos fazer isso se os dois sempre ficarem com a guarda alta? Não podemos
deixar o orgulho tomar conta, até para não acontecer o que aconteceu com você. Talvez, se
tivesse dito que já estava envolvida, a gente poderia ter conversado e não faríamos aquela cena
patética de cada um seguir para um lado e hoje, não estaria doente. Agora chega de falar, você
precisa comer. Depois conversamos mais – apontou para meu prato de comida, se aconchegou
mais na cama e ligou a televisão.
Capítulo 37 – Cuidados Especiais

- Tem certeza que não quer mais? – perguntou Rafael quando me movimentei para
levantar e colocar o prato na sala.
- Absoluta – parei quando ele segurou meu braço.
- Deixa que levo para você – pulou da cama e correu até a sala. Quando voltou, colocou
mais uma vez a mão na minha testa. – Acho que está ficando um pouco mais quente de novo.
Coloca o termômetro – buscou na mesinha que estava cheia de remédios e me entregou.
No instante que coloquei, o telefone tocou.
- Não fala nada, deve ser mamãe.
- Pode deixar – fez sinal de que ficaria em silêncio.
Por incrível que pareça, o sexto sentido da minha mãe estava desligado. Ela não percebeu
nada na minha voz e, dessa maneira, não imaginou que eu estava doente, que tinha um menino
deitado na minha cama de casal, muito menos que um garoto tinha me visto de calcinha mais
cedo.
Ufa! Como eu tinha conseguido fazer tanta coisa errada em apenas uma manhã?
- E aí? Ela percebeu alguma coisa? – perguntou Rafael, segurando o termômetro que
tinha tirado do meu braço enquanto falava com mamãe.
- Nada.
- Que bom. Se ela soubesse que você está com febre, acha que ficaria muito preocupada?
- Acho que ela viria me buscar hoje mesmo – respondi imaginando a cena.
Rafael riu.
- Mesmo sabendo que a gente está tomando conta de você?
- Principalmente se ela soubesse disso.
Comecei a sentir frio e me enfiei embaixo da coberta.
- A febre está voltando. Tem certeza que não está se sentindo gripada?
- Tenho. Estou com o corpo mole, com um pouco de dor de cabeça, mas não tenho nada
no nariz nem na garganta.
Fiquei deitada, um pouco encolhida, enquanto a coberta começava a me deixar aquecida.
- O que você quer assistir? – perguntou e deitou ao meu lado.
Dei de ombros e ele começou a mudar os canais. Não voltamos a tocar no assunto da
conversa que estávamos tendo antes do almoço e com a moleza que a febre estava causando em
mim, acabei pegando no sono.
Zzzzzzzzzzzzzzz...
Acordei e tudo estava escuro, somente a luz da televisão iluminava o quarto. Estava
deitada de frente para o armário. Fui virando lentamente para ver se Rafael ainda estava ao meu
lado e senti borboletas se agitando na minha barriga quando dei de cara com ele dormindo.
Ai, meu Deus! Nunca, nunquinha, mamãe pode sonhar que olhei para o lado e tinha um
garoto lindo deitado na minha cama. E ele ainda tem cara de anjo.
Não queria mais ter aquelas sensações com a presença do Rafa. Ao mesmo tempo que era
bom sentir aquilo, era ruim lembrar que nunca daríamos certo.
- Oi – disse ele abrindo os olhos. – Acabei pegando no sono, como você está se sentindo?
- Não sei. Acabei de acordar também.
Ainda sonolento Rafael levantou a mão e colocou na minha testa.
- Acho que está sem febre, quer colocar o termômetro para confirmar se sou um bom
avaliador de temperatura? – brincou.
- Não precisa. Estou me sentindo melhor, só com um pouco de fome.
- Isso é um bom sinal. Vamos pedir alguma coisa gostosa para jantar?
- Você pode ir encontrar os meninos se quiser, já estou bem.
- Não vou te deixar sozinha, Camila – disse com firmeza.
- Mas não quero que se sinta na obrigação de cuidar de mim.
- Pode deixar. Estou aqui e vou continuar cuidando de você porque eu quero. Não estou
sendo obrigado por ninguém a fazer isso, tá? – olhou bem nos meus olhos e fez meu sangue
circular mais rápido.
Fiquei em silêncio, não sabia o que dizer. Rafael saiu da cama e foi até o telefone pedir
comida. Antes de voltar para o meu lado, acendeu a luz.
- Sou um babaca – disse depois de encarar a televisão por alguns minutos.
- Por que está falando isso?
- Você não merecia o que falei. É tudo muito novo e confuso para mim. Ainda não sei
lidar com isso e fiquei um pouco assustado com a rapidez que comecei a sentir muitas coisas –
me olhou de rabo de olho.
- Também é novo para mim – respondi e minha voz saiu fraca.
- Menti quando disse que não estava envolvido. Não sei o que está acontecendo, só sei
que foi aumentando a cada dia. E ontem, quando vi você e o Bruno com uma sintonia tão grande,
fiquei incomodado. Continuei a tocar o violão e fiquei pensando que tudo está indo rápido
demais e aquilo me assustou. Nunca me envolvi com ninguém do jeito que está acontecendo com
a gente.
- E por isso você desistiu?
- Não desisti de nada.
- Desistiu da gente.
Se alguém me contasse que aquilo estava acontecendo, não acreditaria. Rafael, deitado
bem ao meu lado, me olhando nos olhos e dizendo todas aquelas coisas. E agora, aquele silêncio.
Olhos nos olhos e mais nada. Quer dizer, os personagens da novela continuavam a falar na
televisão, mas não atrapalhavam em nada aquele momento.
Se Cauã Reymond não foi capaz de estragar o clima, a batida na porta fez esse papel. E
como um passe de mágica, toda aquela atmosfera se desfez.
Capítulo 38 – Mais uma Noite

Sentamos na cama para jantar. Rafael pediu um estrogonofe de carne que estava uma
delícia. A fome era tanta, depois de um dia inteiro de barriga recusando comida, que comi rápido
demais.
- Acho que está melhor mesmo, né? – brincou, quando coloquei o prato em cima da
mesinha.
Sorri para ele. Comecei a me sentir bem mais disposta, mas não sabia se era por causa da
febre, que parecia ter me deixado ou se era pela comida deliciosa, que preencheu os espaços
vazios do meu corpo.
- Odeio ficar doente.
- Quem é que gosta? – perguntou. – Mas vamos torcer para que amanhã você acorde
totalmente recuperada.
- Verdade.
- Gosta desse filme? – perguntou, aumentando o som da televisão.
Olhei para a tela, mas não reconheci.
- Acho que nunca vi. Você gosta de filmes românticos? – não conseguia acreditar
naquilo.
- Não são tão ruins – riu. – Assisti esse por acaso, estava olhando as programações outro
dia lá em casa e como não estava passando nada melhor, deixei nele.
- Qual é o nome?
- As Sete Regras do Amor. Vou deixar aí, você vai gostar – levantou.
- Você já vai? – perguntei sentindo uma pontinha de tristeza de ter que ficar sozinha, sem
saber o que ia acontecer com a gente.
- Eu? Está louca? – apagou a luz e voltou para a cama. – Não vou a lugar algum. Essa
noite eu vou cuidar de você.
Senti aquela sensação de montanha russa na minha barriga.
Rafael está querendo dizer que vai dormir aqui? Nessa cama? Ao meu lado? Ai, meu
Deus! O que fazer?
- Rafa...
- Olha o filme e não se preocupa com o que está na sua cabeça. Só vou ficar aqui para ver
se vai ter febre e te dar remédio se precisar.
Sem saber muito bem como agir, no escuro do quarto, segui a sugestão dele e fiquei de
olho na televisão. No início, não consegui prestar tanta atenção. A proximidade do Rafael, saber
que estávamos ali, tão perto, me deixou totalmente desconcentrada. Mas aos poucos, a história
foi me envolvendo mais e mais e eu me esqueci de tudo para acompanhar o romance.
- Que fofo – suspirei quando as letrinhas começaram a passar na tela.
- Sabia que você ia gostar – sorriu. - Acho melhor você descansar agora para acordar
recuperada amanhã. Quer que eu desligue a televisão?
- Não. Gosto de dormir com ela ligada.
- Tem medo de escuro, é? – brincou.
Dei língua para ele.
Rafael ficou me olhando sem dizer nada por alguns segundos, depois colocou a mão na
minha testa.
- Sem febre – anunciou.
- Estou me sentindo melhor, de verdade. Se quiser, pode ir para o seu chalé.
- E se eu não quiser? – desafiou.
Dei de ombros.
- Por que você não coloca o seu pijama? Não vai ser confortável para você dormir de
short jeans – sugeriu.
Não queria ficar de camisola ou com um dos meus pijamas de bichinho na frente do Rafa.
Resolvi colocar um short de clube, mais molinho e confortável e uma blusa de malha. Aproveitei
para escovar bem os dentes.
Suspirei ao sair do banheiro e voltar para o quarto.
- Acho que se eu deixar a televisão ligada, não vamos conseguir dormir – desligou tudo e
ficamos no breu do quarto depois que eu voltei a deitar. – Já volto! Vou ao banheiro rapidinho.
Fiquei sozinha no escuro.
Minha barriga pareceu congelar quando ele voltou e deitou ao meu lado. Rafael também
havia dado um jeito de escovar os dentes, pois senti o cheirinho da minha pasta vermelha vindo
da boca dele.
- Camila?
- Oi.
- Desculpa.
- Você já pediu e eu já aceitei.
- Mas quero que saiba que estou falando de verdade. Estou me sentindo arrependido
durante todo o dia, com uma sensação ruim. Odiei te ver toda encolhida, com febre, parecendo
tão sozinha, quando cheguei aqui mais cedo – respirou fundo. – Quando Bruno entrou na sala
para avisar ao professor, levantei imediatamente e o Bernardo me seguiu. Naquele instante,
comecei a sentir uma espécie de culpa. Uma sensação que nunca tive antes.
Senti meus olhos arderem.
Por que eu tinha que ser tão sentimental e chorona? Meu Deus! Nunca fui tão manteiga
derretida assim. Será que são os hormônios adolescentes que vivem me castigando?
- Não precisa se sentir culpado, Rafa. Você não tem que ficar com pena de mim, acho que
esse é o pior sentimento que pode existir.
- Imagina, Camila! É claro que não estou falando essas coisas por sentir pena de você.
- É o que então?
- Não sei. Nunca senti essas coisas antes, nunca me envolvi com ninguém dessa maneira.
Mas não estou com vontade de te deixar sozinha de novo – disse baixinho.
Silêncio.
Não sabia o que dizer, minha barriga tinha um verdadeiro furacão dentro dela. Todas
aquelas declarações do Rafa estavam provocando uma onda de sentimentos em mim.
- Fala alguma coisa – pediu.
- Por que você só me chama de Camila?
Sério?! É sério mesmo que depois de tudo o que o loirinho falou você fez essa pergunta
para ele? Você é a pessoa mais sem noção, corta clima do planeta Terra.
- Como assim? – perguntou confuso.
- Todo mundo me chama de Mila. Menos o Bruno que me chama de jornalista, na
maioria das vezes. Mas nunca ouvi você dizendo Mila, sempre Camila.
- Gosto do seu nome e... – não completou a frase.
- E?!
- Deixa pra lá.
- Fala – pedi.
- Esquece. Já estou falando mais do que falei a minha vida inteira.
- Mas isso é sobre o meu nome, quero saber – virei de lado, queria observar a expressão
dele. O olho já havia acostumado com o escuro. Conseguia ver o Rafa perfeitamente, tão perto
de mim que me fez estremecer.
- Ah, Camila! Sei lá. Mesmo sabendo que todo mundo te chama de Mila, também sei que
era assim que aquele cara te chamava.
Ahm? Cara? Que cara?
- Não entendi.
- O seu amor de verão – disse com um tom quase de deboche, se recusando a falar o
nome do Leandro.
- É sério? – perguntei baixinho.
- Ai, Camila! Você me desestabiliza, sabia? Têm momentos que me sinto até bobo ao seu
lado, pois fico sem saber como agir ou sem ter o que falar – suspirou. – Não costumo ser assim e
por isso, tenho atitudes como a que tive ontem. Fico na defensiva.
- Também não sei como me comportar do seu lado. Você me confunde.
- Ao mesmo tempo em que penso em cair fora logo, parece que algum imã em você não
me deixa tomar essa decisão. Quando te olho, fico com vontade de ficar por perto. Quando você
fala, tenho vontade de ficar ouvindo mais e mais.
- Também sinto vontade de ter você por perto, mas confesso que não consigo ainda ser
totalmente natural na sua presença. Sempre fico com medo de falar a coisa errada e acabar
levando um fora.
- Nossa! Acho que sou um cara desprezível.
- Claro que não, Rafa – senti vontade de pousar minha mão naquele rosto lindo e dar um
beijo. Mas estávamos deitados na minha cama. Não era certo fazer aquilo.
- Como não?
- Você mesmo disse que fica na defensiva. Nós dois estamos agindo diferente, por algum
motivo. Podemos fazer uma tentativa de não ficarmos com medo um do outro e passarmos a
falar o que queremos, sem ter que pensar mil vezes se devemos ou não dizer aquilo. Vamos parar
de pisar em ovos?
- Concordo.
- Estava gostando muito do que estava acontecendo entre a gente, se você quiser tentar
mais um pouquinho...
- Eu quero – disse sem deixar que eu completasse o meu pensamento. Aproximou a mão
do meu rosto e fez um carinho na minha bochecha. – Quero tentar fazer dar certo. Estou
gostando muito de ficar com você, dos seus beijos, do seu jeitinho. Também estou com medo,
confesso. Confessar nossos fantasmas no escuro é uma tarefa bem mais fácil.
Não pude deixar de rir com aquele último comentário.
- Mas não precisa ficar com medo de mim, não mordo – brinquei.
- Nunca me envolvi com ninguém desse jeito, sabe? Não estou acostumado a me entregar
a sentimentos assim. Mas sei lá, estou com muita vontade de fazer isso agora, com você.
Meu corpo inteiro estremeceu.
- Então, vamos voltar a ficar?
- Você quer? – perguntou.
Mesmo no escuro, consegui ver a intensidade no olhar dele.
- Quero – confirmei.
Rafael me puxou para perto e me beijou. Um beijo carinhoso, calmo, mas ao mesmo
tempo intenso.
- Rafa – chamei depois de afastá-lo com a minha mão.
- Oi?
- Como a gente prometeu que não vai mais pensar antes de dizer o que queremos dizer,
preciso te falar uma coisa.
- O quê?
- Isso me assusta um pouco – disse quase cobrindo o rosto de vergonha.
- Ahm? – não entendeu.
- Isso – apontei para a cama.
Rafael deu uma gargalhada.
- Relaxa, Mila. Não vamos pular etapas, não vou te agarrar aqui, apesar de estar
morrendo de vontade. Nem na semana que vem, nem na próxima, talvez depois de mais
algumas... Mas não agora – riu mais uma vez. – Não precisa ficar preocupada, pois sei que você
é diferente e merece momentos especiais. Vamos deixar para pensar nessa sua preocupação
quando a gente tiver certeza que esse lance dá mesmo certo, que o momento chegou. Não quero
que você viva com isso na cabeça, nem que fique se cobrando se é ou não a hora de viver novas
experiências. Quando tiver preparada, vai acontecer – fez um carinho na minha mão. – Talvez
isso aqui já seja surreal para você. Estamos juntos, na mesma cama e vamos dormir desse jeito.
Mas não é nenhum pecado. Não é motivo de vergonha. Na verdade, é bom, muito bom. Também
é novo para mim. Nunca vivi nada como o que estamos vivendo aqui. Não sou o rei da
experiência, como já disse, nem mesmo vivi essa coisa toda de sentimentos com outra pessoa.
Viu? Você sabe mais que eu.
- Obrigada.
- Pelo quê?
- Por tudo que disse, por me acalmar, por estar cuidando de mim o dia inteiro e por se
importar.
- Realmente estou me importando. Muito. Também estou com medo, mas quero deixar de
ser covarde. Você está mesmo disposta a tentar?
- Tentar o quê?
- Nós dois – disse me olhando nos olhos.
- Sim. Temos mais um dia para aproveitar.
- Não, Camila. Temos muito mais que apenas um dia, não vou embora para outro lugar
quando o curso acabar. Moramos na mesma cidade.
- Você quer continuar tentando quando a gente voltar para o Rio? – senti um frio enorme
na barriga. Pensei que ele só queria ficar comigo em Campos do Jordão.
- Camila, quero saber se você quer conhecer meu cachorro, se quer ir para a praia
comigo, mesmo sabendo que fico bastante tempo pegando onda, se gostaria de conhecer meus
pais, se quer me apresentar aos seus e todas essas coisas que um casal costuma fazer, sabe?
- Um casal? – estava atordoada, não conseguia pensar muito bem no que dizer.
Ai, ai... Que nervoso! Passei tanto tempo sonhando com um momento como esse, mas
nunca imaginei que realmente iria acontecer. Ainda mais com o Rafael. E em uma cama!!!!!!
- Você não facilita, né? – disse com um sorriso lindo. – Você quer tentar?
- Quero!!!!
Mais um beijo, mais um abraço, mais carinhos embalados pelo ritmo das batidas
aceleradas do meu coração.
Capítulo 39 – Tudo novo, de novo!

Ohmmmmm! Ele é tão quentinho, tão perfeito, tão lindo, tão meu!
Calma, Camila! Muita calma nessa hora.
Deixa de ser chata, consciência!
Não vai se envolver rápido demais para sofrer depois.
Dei um ponto final a toda aquela discussão com a minha consciência, que vinha se
tornando cada vez mais frequente e que me fazia sentir ridícula quando caía na real. Estava
imóvel desde quando abri os olhos. Era uma experiência tão nova acordar ao lado do Rafael, que
queria observar todos os detalhes. Até porque, sabia que quando a gente voltasse para casa,
aquilo não iria acontecer de novo tão cedo. Dormir juntos? Mamãe não permitiria jamais!
Estávamos bem pertinho. Minha cabeça estava apoiada no braço dele e minha testa estava
praticamente encostada no peito do Rafa. Era acolhedor, aconchegante e todos os outros
adjetivos maravilhosos que puder usar para definir aquela sensação.
Rafael não tinha levado pijama. Tinha dormido com a bermuda cargo e uma blusa de
malha. Mas ainda assim, era tudo muito confortável. Estar aninhada no colo dele era perfeito.
Lembrei dos momentos antes de dormir e senti mais uma vez o meu corpo inteiro ficar
arrepiado. Mesmo sabendo que o Rafa não iria tentar nada, era tenso demais estar deitada com
ele e beijar, abraçar, sentir aquela pele macia.
Nossas respirações também indicavam que era melhor a gente tomar um ar. A febre tinha
ido embora, mas o quarto inteiro estava quente. Os minutos passavam e a vontade de dormir não
aparecia.
- Camila, acho melhor a gente tentar descansar – disse Rafael depois de mais um beijo.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, mas logo o Rafael voltou a falar.
- Sabe o que estava pensando?
- Ahm?
- Ainda bem que nossa diferença de idade é tão pequena.
- Como assim?
- Você já tem dezesseis, eu ainda tenho dezessete. Tudo bem, quase dezoito, mas ainda
assim, é uma diferença pequena.
- Mas por que isso é importante?
- Ah, porque seus pais poderiam achar ruim se eu fosse mais velho. E tudo isso aqui seria
diferente. Provavelmente eu já teria vivido mais e estar com você, nessa situação, não seria tão
novidade, tão especial ou tão intenso. Acho que é mais legal quando a gente pode descobrir
juntos algumas coisas.
- Com certeza. Não sabia que você era mais novo que o Bernardo. Só descobri isso no dia
da festa, quando ele chamou sua atenção por causa da bebida.
- Entrei na escola um ano antes e acabei ficando adiantado em todos os outros anos.
- Hum... Entendi. Acho que você tem razão, minha mãe vai ficar mais calma ao saber que
nossa diferença de idade não é tão grande. E... Posso te perguntar uma coisa?
- Pode.
- Você também nunca...? – não sabia como completar a frase sem morrer de vergonha.
- Não.
- Jura?
- Por que está tão surpresa?
- Sei lá. Sempre imaginei que os meninos começavam cedo – sorri.
- Alguns sim, outros não. Teve aquela época que todo mundo queria marcar de ir
naquelas casas, sabe? Mas sei lá... Não animei muito de começar desse jeito. Queria viver essa
experiência de verdade, não pagando por ela.
- Acho nojento isso.
- O quê?
- Ah, esses lugares que você precisa pagar.
Rafael deu uma gargalhada, me abraçou e me aninhou nos braços. E foi naquela posição,
cheia de carinho, que eu passei todas as horas do meu sono e era daquele jeito que me encontrava
até aquele momento.
- Bom dia – sorriu assim que despertou e viu que eu já estava com os olhos abertos.
- Bom dia – respondi e senti uma vontade enorme de acordar daquele jeito todos os dias.
- Está se sentindo melhor?
- Totalmente.
- Que bom. Sabe que horas são?
- Não tenho ideia.
Beijou o alto da minha cabeça, se afastou e pegou o celular em cima da mesinha de
cabeceira.
- Já são nove horas. Vamos tomar café e depois encontrar o pessoal? Márcio disse que
iria conversar com a gente sobre os nossos trabalhos, falar tudo que perdemos ontem. Bernardo e
Bruno mandaram mensagem há dez minutos, dizendo que já estavam chegando na sala.
- Vamos logo – espreguicei e levantei um pouco envergonhada.
- Posso usar o banheiro rapidinho? – pediu.
Concordei e aproveitei para separar a roupa que iria usar.
- Enquanto você se arruma, vou correr no meu chalé para tomar uma ducha e colocar
outra roupa – avisou quando saiu do banheiro. - Encontro você aqui em quinze minutos, pode
ser?
- Pode.
E para o meu completo pavor, antes de ir embora, ele se aproximou e me deu um
estalinho.
Deus! Por que ainda não inventaram uma pasta de dente para usar antes de dormir, que
fique ainda mais cheirosa ao acordar?! Odeio a sensação de boca seca e de cheiro de gambá
nos dentes ou na língua, sei lá...
Mas tudo bem! Nem tudo está perdido com apenas um estalinho.
Sozinha, no meu chalé, corri para o banho e pensei mais um pouquinho naquela noite.
Por que deixamos aquela conversa para o último dia? Será que ele passaria a última noite mais
uma vez comigo? Mas se eu já não estava mais doente, será que Bruno e Bernardo iriam pensar
coisas erradas ao meu respeito?
Teríamos apenas aquele sábado e o início da manhã de domingo para ficarmos juntos do
jeito que a gente quisesse. Depois, quando voltasse para casa, a vida não seria tão fácil.
Um mundo novo estava começando.
Deixei os pensamentos de lado e corri para terminar de me arrumar. Estava tão disposta,
que era até difícil acreditar que tive tanta febre no dia anterior. Com certeza não foi gripe nem
nada físico. A temperatura alta provavelmente foi uma reação ao meu emocional que tinha ficado
tão abalado.
Quando Rafael bateu na porta, dei mais uma olhadinha no espelho e fui ao encontro dele.
Caminhamos de mãos dadas até o café da manhã, conversamos enquanto comíamos e depois
fomos abraçados até a sala do curso.
- Olha só, os pombinhos chegaram – brincou Márcio.
Senti meu rosto esquentar de vergonha.
O clima daquela manhã estava ótimo, tanto a temperatura do dia, quanto o astral dos
meus amigos. Márcio acabou com a brincadeira e começou a falar tudo o que tinha conversado
com a turma no dia anterior. Foram mais algumas horas de aprendizado e de um resumo geral de
tudo o que tinha acontecido em todos aqueles dias.
Ele falou sobre a experiência que tínhamos tido, perguntou o que achamos e se estávamos
satisfeitos. Disse que ficou bastante surpreso com a profundidade dos nossos textos. Elogiou a
maneira que cada um de nós usou para se expressar e explicou que havia feito comentários em
todas as nossas redações.
- Tenho certeza que vão brilhar nas profissões que escolheram e também na vida pessoal,
pois nos textos de todos vocês, pude notar como são jovens cheios de valores, vontade de
crescer, bons pensamentos. Foi muito legal perceber tudo isso. Vocês formam um grupo bem
bacana, com um ótimo futuro pela frente. Ah, e espero ser convidado para esse casamento, hein?
– apontou para nós dois. – Se aceitarem a minha sugestão, acho que seria uma experiência
interessante se trocassem as redações e lessem na ordem que foram escritas. É bonito ver como
vocês evoluíram em pensamentos e sentimentos e colocaram tudo isso em palavras. Acho que
podem fazer isso um dia. Não precisa ser agora. Vai ser no mínimo divertido – sorriu. – No final
da última redação, coloquei os meus contatos. Quando quiserem escrever, tirar alguma dúvida,
podem mandar um e-mail. Também coloquei as minhas redes sociais. Ah, e ainda não estamos
nos despedindo. Não esqueçam que logo mais vamos ter a nossa festinha de confraternização.
Concordamos e deixamos a sala. Não foi preciso nem ir embora para já começar a sentir
saudades de tudo aquilo.
- Não acredito que já acabou – lamentei quando começamos a caminhar.
- Foi bom, né? – elogiou Bernardo.
- Muito! Vou morrer de saudades de tudo. Passa um filme na cabeça, desde o primeiro
dia até agora. Dá uma vontade enorme de voltar no tempo e começar tudo de novo – disse
enquanto olhava as folhas das minhas redações. As folhas do meu outono.
Resolvemos sentar nas mesinhas da piscina e o Bernardo correu para pegar o violão.
Bruno sugeriu uma pizza de almoço e todos concordaram. Enquanto ele foi buscar, Rafael puxou
a minha cadeira para perto dele e me deu mais um beijo daqueles!
- Aleluia!! Aleluia!! – tocou e cantou Bernardo quando voltou e viu o nosso beijo.
Sorri sem graça.
- Querem passar mais um tempinho sozinhos? – perguntou ainda sem saber se sentava ou
não ao nosso lado.
- Fala sério e senta logo aí – ordenou Rafael.
Bruno voltou com uma pizza gigante e um refrigerante de dois litros.
Conversamos sobre um milhão de assuntos durante horas, ninguém estava com vontade
de ver o tempo passar, de imaginar que no dia seguinte iríamos embora. Era engraçado observar
que mesmo que dessa vez todo mundo morasse perto, ainda assim era difícil saber que estava
terminando mais uma viagem. Mesmo sendo amigos, não nos veríamos diariamente como
acontecia ali.
Depois de muitas conversas e risadas, Bruno pegou o violão e começou a tocar. Ficamos
cantando até a tarde começar a ficar mais fria e o sol começar a se despedir.
- Acho que é melhor a gente se arrumar, galera. A confraternização de hoje começa cedo
– alertou Bernardo.
Concordamos, mas não nos mexemos. Estávamos com pena de ter que ir embora dali.
Todos nós compartilhávamos o mesmo sentimento. Bruno foi o primeiro a levantar e acabamos
fazendo o mesmo um pouco depois.
- Vê se não demora como da última vez, ouviu dona Camila?! – Implicou Bruno.
- Pode deixar.
Nós nos despedimos e fui andando com Bernardo e o Rafael até a porta do meu chalé.
- Vou levar o Rafael comigo – avisou Bernardo. – Caso contrário, vocês dois vão acabar
nem indo para a festa - brincou e puxou o braço do Rafael.
Sorri, mandei beijos para o ar e entrei no meu quarto me sentindo feliz com todas as
novas possibilidades que estavam por vir.
Capítulo 40 – E vai rolar a festa...

03 de abril – O último dia


E amanhã vai acontecer o meu segundo adeus. Não uma despedida triste, não é a morte,
não é a partida. Dessa vez, todos vão continuar por perto. Mas ainda assim, saber que está
chegando a hora de arrumar a mala, colocar tudo o que pertenceu a esse lugar na bagagem –
tanto na física, que todo mundo carrega quando vai viajar, quanto no pedacinho do cérebro que
armazena as lembranças – e pegar o caminho de volta para casa, deixa um aperto no coração.
É nesse momento que um filme passa na cabeça. E a gente fica meio calado, assistindo
aquela história que protagonizamos e que já está praticamente com as letrinhas rolando.
Não. Ainda não. Falta o grande ato, a última cena, aquele final que deixa todo mundo
emocionado ou com vontade de matar o roteirista. Aquele desfecho que vem antes da palavra
“fim”.
Nesse outono eu cresci. Aprendi a lidar com meus medos, frustrações, tristezas, elogios,
descobertas. Vivi experiências que fizeram com que eu amadurecesse e fui instigada a pensar de
maneiras que nunca tinha tentado antes. Não melhorei apenas a escrita, mas mudei como
pessoa. Tenho certeza que me transformei.
Preciso aceitar que despedidas – não só de pessoas, mas de lugares, experiências,
perfumes, comidas... – sempre serão tristes, mas necessárias para que novas aventuras possam
acontecer.
Vou sentir saudades dessas montanhas, do clima geladinho, do meu chalé no meio do
mato e de tudo que aprendi e vivi nesse lugar. Mais um destino riscado na minha lista e mais um
mundo inteiro esperando a minha visita. Faltam poucas horas para que as letrinhas comecem a
passar. Preciso correr para ver qual vai ser a minha grande cena final.
Até a próxima postagem!

Fechei o laptop e corri para o banheiro. Já tinha avisado para mamãe que estava tudo
bem. Ela se despediu de mim, pedindo para que ligasse para ela na hora que estivesse indo para a
rodoviária. Achei incrível não escutar nenhuma pergunta sobre o que faria na minha última noite
e também não ter que me preocupar com a hora de voltar para o chalé.
Depois do banho, coloquei o roupão e sequei o cabelo. Passei a chapinha para deixar os
fios bem lisos e caprichei na maquiagem. Senti um frio enorme na barriga ao lembrar tudo o que
havia acontecido na primeira festinha do curso, na última vez que tinha feito exatamente aquele
ritual. Tanta coisa havia mudado desde então.
Tirei os pensamentos da cabeça, para me concentrar no que faltava para ficar pronta.
Coloquei uma calça jeans escura, bem justinha e uma blusa de manga caída preta. Optei por usar
meu cordão comprido e prateado, que deu todo o charme na roupa. Passei perfume e acabei
decidindo prender meu cabelo de um jeito diferente. Corri até o celular e pesquisei no Youtube.
Achei uma dica perfeita de uma blogueira que eu adoro, a NiinaSecrets, sobre como fazer uma
trança diferente. Segui o passo a passo e apesar de ter me atrapalhado um pouco, consegui fazer
exatamente como ela ensinava.
Conferi o resultado no espelho e fiquei empolgada com o que vi. Estava bem diferente de
como sempre me arrumava. Era exatamente o que queria. Quando ouvi uma batida na porta,
ainda estava me observando e analisando o tanto que eu havia mudado, não só internamente
como também na aparência.
Abri a porta e dei de cara com os meninos.
- Como você está diferente, jornalista – comentou Bruno.
- Estou estranha? – perguntei um pouco insegura.
- Claro que não – respondeu sem deixar dúvidas.
Rafael me deu um beijo e passou o braço pelas minhas costas, para que a gente pudesse
caminhar daquele jeito, bem juntinhos.
- Você está muito linda – disse perto da minha orelha.
- Obrigada – sorri para ele.
Quando chegamos ao salão, o clima era de total descontração. Todos estavam
conversando, rindo, bebendo e dançando. Fomos até o garçom pegar bebidas e comer uns
canapés que estavam sendo servidos. Bruno e Bernardo escolheram cerveja, Rafael pegou um
refrigerante e eu preferi um copo de água mesmo.
Decidimos ficar em pé e conversamos com algumas pessoas do curso que se
aproximavam da gente. Tatiana e Júlia não perderam tempo e, quando perceberam a nossa
presença, foram correndo puxar assunto com os meninos. Senti meu sangue ferver com os
sorrisos.
- Relaxa – disse Rafael.
As músicas estavam animadas e ninguém conseguia ficar parado enquanto conversava,
todo mundo balançava o corpo no ritmo da batida. Bernardo e Bruno estavam tão entretidos no
papo com as meninas, que praticamente excluíram a gente da conversa. Fiquei ainda mais
irritada.
- Já pensou em como vai contar para a sua mãe sobre nós dois? – perguntou, em uma
tentativa clara de desviar a minha atenção.
- Ainda não.
- Mas amanhã já vamos voltar para casa. Não está na hora de começar a pensar sobre
isso?
Ele conseguiu totalmente a minha atenção. Senti um arrepio ao pensar em como
explicaria para a minha mãe sobre tudo aquilo.
- Acho que vou esperar um pouco para contar.
Rafael me olhou de um jeito estranho.
- O que foi? – perguntei.
- Não acho que vai dar certo isso.
- Por quê?
- Se ela não souber, vamos ter que ficar escondido? Acho que não tenho mais idade para
esse tipo de coisa – disse um pouco chateado.
- Rafa, vou precisar que tenha paciência. Nada é muito simples com a minha mãe. Se eu
contar que estamos ficando, ela vai ficar de marcação serrada.
- Será?
- Você não conhece a minha mãe.
- Camila, você já não é mais tão menininha. Acho que pode conversar sério com ela e
dizer o que aconteceu aqui. Não é tão difícil contar que a gente acabou se aproximando mais,
gostamos um do outro e sentimos vontade de continuar nos conhecendo melhor. Qual é o
problema nessa história?
- O problema é que estou aqui sozinha, ela acha que não estou na idade de namorar e vai
ficar histérica de saber que ficamos juntos sem a supervisão dela, com um chalé inteiro para
mim.
- Mas eu nem aproveitei esse chalé direito, só fiquei lá pra cuidar de você quando ficou
doente – riu.
- Essa é uma informação que ela nunca vai poder saber.
- Não aconteceu nada, Camila! Você não tem com o que se preocupar. Precisa passar essa
confiança para a sua mãe, conversar essas coisas com ela. Precisa dizer que mesmo sozinha, não
passou nenhum sinal vermelho.
- Ela não vai acreditar.
- Claro que vai. Com certeza ela conhece a filha que tem. Caso contrário, ela não teria
deixado você vir para cá sozinha.
- Não sei.
- Se você não contar a verdade, vai acabar perdendo a confiança dela. Mas se agir com
maturidade, aposto que vai conquistar ainda mais liberdade. O que você acha melhor, viver
inventando desculpas e mentiras para que a gente possa se encontrar ou dizer a verdade e não ter
problema para ir até a minha casa ou me levar na sua?
- Ela nunca vai deixar que eu vá até a sua casa ou que você vá até a minha.
- Como pode ter tanta certeza disso? – perguntou, duvidando do que eu estava falando.
- Conheço a minha mãe.
- Quando você foi para Búzios, ela não deixou você ir para a Rua das Pedras de carro
com o Leandro? Não permitiu que ficasse até de madrugada por lá?
Balancei a cabeça confirmando tudo aquilo.
- Então.
- Vou pensar melhor sobre isso – tentei finalizar aquele assunto.
- Ficar escondido não vai ser legal.
- Você vai contar para a sua mãe?
- Claro – respondeu como se fosse uma coisa óbvia.
- Mas você não disse que não gosta de se expor, de contar sobre sua vida para as pessoas?
- Mas é bem diferente nesse caso, né? Quero que você vá lá em casa, que conheça minha
mãe, meu cachorro, meu quarto – sorriu.
Senti um arrepio com aquele último comentário.
- Vou ficar com vergonha de conhecer sua mãe – confessei.
- Você com vergonha? Imagina como eu vou ficar.
- E por que quer que isso aconteça tão rápido?
- Porque não quero ter que ficar escondido. Quero sentir vontade de estar com você e não
encontrar nenhum empecilho para isso.
- Mas você sabe que mesmo com minha mãe sabendo sobre a gente, não é assim que vai
funcionar, né? Acho que vai ser até pior. Provavelmente, mamãe vai marcar muito mais em cima
do que se não soubesse de nada.
- Não acredito nisso. Se contar a verdade, pode argumentar que ela precisa confiar em
você – disse e me puxou para sentar na mesa que tinha acabado de vagar.
Os meninos se aproximaram e sentaram com a gente.
- Bernardo, você está muito atirado para a Tatiana, hein? Vou contar para a Dani sobre
esse assanhamento todo – tirei a atenção do Rafael de cima de mim.
- Nada a ver, Mila! E se fizer algum comentário do tipo para a Dani, ela vai acreditar e
ficar chateada comigo.
- Não vou falar nada, mas acho que você está muito cheio de sorrisos para ela.
- Cara, a mulher é mais velha. Só gostei do papo dela, é divertida e gente boa. Não
arranca pedaço conversar com outra pessoa e nem chega perto de ser uma traição – defendeu-se.
- Sei disso, mas não quero depois ser acusada pela minha amiga de não ter tomado conta
de você. Estou de olho. Se pisar na bola, não vai ter essa história de que o que acontece em
Campos do Jordão fica em Campos do Jordão – avisei.
- Nossa, Mila! Quanto estresse – reclamou Bernardo.
- Calma, jornalista! Não está acontecendo nada e é melhor mudar de assunto, pois elas
estão voltando – avisou Bruno.
Depois daquele meu ataque sem noção, Bernardo ficou um pouco mais distante de todos,
com um semblante preocupado. Fiquei arrependida de ter tido uma atitude tão besta, ele
provavelmente estava achando que eu faria algum comentário com a Dani. Bruno resolveu puxar
um assunto sobre o curso para que todos nós pudéssemos participar e aos poucos o clima voltou
a ficar mais leve.
Bernardo tinha aquele jeito meio solto, mais simpático e não era por estar interessado em
outra pessoa, era da personalidade dele ser assim. Com certeza ele conquistaria muitas mulheres
daquele jeito e deixaria corações partidos pelo caminho. Só esperava que nunca fosse o da Dani a
se despedaçar.
Depois de jantar e de dançar muitas músicas, o pessoal começou a ir embora. Já estava
quase amanhecendo.
- Vamos? – perguntou Bernardo.
- Ah, não quero ir embora – olhei para o Bruno e senti vontade de chorar.
- O que foi, jornalista?
- Tenho medo de não te ver mais – confessei.
- Fala sério! Já disse que essa amizade não vai acabar. Posso? – perguntou ao Rafael.
- Toda sua – brincou.
Bruno me puxou e me deu o maior abraço do mundo.
- Você é a irmã que não tive, jornalista. Vamos continuar nos falando sempre e não
vamos deixar a nossa amizade morrer de jeito nenhum. E não esquece que promessa é dívida,
vou te levar qualquer dia desses para assistir uma das minhas gravações.
- Vou amar.
- Não sei se a gente ainda se vê amanhã de manhã, pois o ônibus de vocês é muito cedo e
eu pretendo dormir até mais tarde.
Ainda não tinha parado para pensar sobre aquilo.
- Vocês também vão embora amanhã cedo? – perguntei para Bernardo e Rafael.
- Ele sim, eu vou voltar com o Bruno de carro. Não estou com vontade de ficar segurando
vela durante tanto tempo, sabe? Como já estava com a passagem comprada, dei para o Rafael.
Assim, vocês podem voltar namorando para a viagem passar mais rápido.
Senti mais um arrepio na espinha. Mamãe estaria me esperando na rodoviária e com toda
a conversa que eu e o Rafa tivemos, tinha certeza que ele não faria nem um pingo de questão de
disfarçar.
- Não ficou feliz com a notícia? – perguntou Bernardo estranhando o meu silêncio e,
provavelmente, a minha cara.
- Claro que fiquei. Só fico preocupada com o que mamãe vai pensar, ela vai estar me
esperando na rodoviária.
- Desencana, Mila – Bernardo minimizou a minha preocupação.
- Bom, vamos? – chamou Rafael. – Já está amanhecendo, nosso ônibus sai às nove. Não
vamos nem ter tempo de dormir.
- Verdade. Boa viagem, jornalista! Cuida bem dela, hein Rafael – pediu Bruno.
- Pode deixar. Valeu – apertou a mão do Bruno e se despediu.
Bernardo foi caminhando ao nosso lado.
- Veste isso – Rafael me entregou o casaco dele e ficou apenas com a blusa que usava por
baixo.
- Não precisa.
- Está frio e você estava doente.
Adorei aquele carinho e cuidado dele. Já na frente do meu chalé, Bernardo se despediu.
- Nunca vou fazer nada para magoar sua amiga – disse dando um beijo na minha cabeça.
- Sei disso. Desculpa pelo que falei lá na festa. Estava nervosa e acabei descontando em
você.
- Relaxa. Não fiquei chateado. Boa noite para vocês e boa viagem amanhã. Rafael, não
me acorda antes de ir, hein?
- Pode deixar.
- Você não vai com ele? – perguntei parada na frente da minha varanda.
- Até queria dormir com você hoje de novo, mas ainda não arrumei a minha mala e
preciso fazer isso, mas a gente praticamente não ficou juntos na festa. Não quero ir para o meu
chalé sem ao menos dar um beijo gostoso em você.
Disse aquilo e se aproximou. Sempre que ele fazia aquilo, todo o meu corpo ficava
arrepiado. O perfume do Rafa me enfeitiçava e me deixava com vontade de ficar perto para
sempre. Passei a mão pela nuca dele e o beijo ficou intenso. Apoiei meu corpo na varanda e
segurei Rafael pela cintura.
- Assim, não vou conseguir ir embora – disse com a respiração acelerada.
- Não estou com pressa – provoquei.
- Queria ficar aqui mais algumas semanas com você – confessou. - Sei que vamos
continuar juntos no Rio, mas vou sentir falta de momentos como esses que vivemos aqui.
- Acho que não daria muito certo.
- Por quê? – me olhou franzindo a testa.
Dei de ombros.
- Começou, agora fala o que pensou – pediu.
- Acho que precisamos da minha mãe marcando em cima – senti minhas bochechas
esquentarem.
Rafael riu. Um sorriso enorme.
- Ah, é? – beijou meu pescoço.
Respirei fundo.
- Com certeza.
- Por quê? – perguntou e beijou minha nuca.
Fechei os olhos e senti que minha respiração estava totalmente desregulada. Faltava ar.
Aquele carinho era bom demais. Perigoso também, mas aquele era o último dia, já era quase de
manhã e eu sabia que nada de mais iria acontecer. Por que não aproveitar só um pouquinho sem
me preocupar tanto?
Camila, Camila!!
Percebendo que eu não tinha pedido para que ele parasse, como sempre fazia, Rafael
levantou o meu cabelo com a mão e continuou a beijar o meu pescoço.
- Chega – pedi sentindo o coração acelerar e o meu corpo amolecer.
- Não vai perder a hora do café da manhã, hein? – Rafael deu um sorriso, me beijou e se
despediu. – Bons sonhos – me deu um abraço cheio de carinho. – Estou adorando tudo isso.
- Rafa – chamei quando ele já estava andando. – Estou adorando também. Muito –
confessei e entrei no meu chalé.
Capítulo 41 – Que eu tô voltando pra casa. Outra vez.

Depois de voltar para o meu quarto, deitei na cama e demorei muito a dormir. Não
conseguia parar de pensar em tudo que havia acontecido desde o dia que cheguei em Campos do
Jordão. Estava voltando para casa com muito mais que um certificado de conclusão de curso de
redação criativa. Tinha ganhado experiência, maturidade, outras maneiras de enxergar a vida, um
amigo e um quase-namorado.
É verdade mesmo que tudo isso aconteceu em apenas duas semanas?
Devo ter dormido por apenas uma, duas horas no máximo e o despertador já deu sinal de
que era hora de levantar. Tomei um banho, mas não lavei o cabelo, preferi viajar com ele mais
liso. Arrumei a mala correndo e deixei tudo pronto para voltar do café da manhã, escovar os
dentes e me despedir do meu chalé.
- Camila – chamou Rafael do lado de fora, deu uma batidinha na porta.
- Oi – dei um sorriso assim que dei de cara com ele na minha varanda.
- Vamos? – me puxou, deu um abraço gostoso e um beijo de bom dia.
Concordei e caminhamos juntos.
- Estou morto de sono.
- Também. Se preferir ir com os meninos e dormir mais um pouco, não tem problema –
disse, mas torci para que ele não concordasse com aquilo.
- Prefiro voltar com você. E, além disso, também posso dormir no ônibus.
- Eu vim dormindo ao lado de uma mulher antipática, ela ficava me olhando de cara feia
– fiz uma careta.
- Sério?
- Aham. Parece que a irritei só porque fiquei conversando com minhas amigas pelo
Whatsapp. Sendo que nem fiz barulho nenhum – aquilo parecia ter acontecido há muito tempo
atrás.
- Tem gente que é chata por natureza.
- Verdade.
Chegamos ao restaurante e eu peguei uma xícara de leite com chocolate e fiz um pão com
queijo e presunto.
- Vai comer somente isso? – estranhou.
- Tenho medo de comer mais e passar mal na viagem.
- Hum... Mas assim não vai ficar com fome?
- Acho que não. Quando como mais do que isso é olho grande mesmo – dei uma risada e
Rafael me acompanhou.
Não demoramos muito para comer. Rafael passou comigo no meu chalé, me ajudou com
as malas, passamos no dele para pegar a mochila – sério! Como os homens podem sobreviver
durante duas semanas com apenas UMA mochila?! – e fomos até o estacionamento encontrar o
táxi que estava esperando.
- Caraca! Esqueci de ligar para a minha mãe – dei um pulo no táxi quando lembrei que
ela tinha pedido que eu a avisasse quando estivesse saindo.
- Liga agora.
Foi o que fiz. Esperei o celular ter sinal e liguei no mesmo instante para mamãe. Avisei
que já estava a caminho da rodoviária.
- Está sozinha?
Opa! O sexto sentido dela parecia ter voltado a funcionar junto com o sinal do meu
celular.
- Estou com o Rafael.
- O loirinho?
- É.
- Hum... E os outros meninos?
- O Bernardo vai voltar com o Bruno de carro para poder dormir um pouco mais.
- E por que o Rafael não quis voltar com eles?
- Porque ele preferiu vir comigo, para não me deixar sozinha.
- Hummmmm... Já sei que tem alguma história nisso aí.
Apesar de insinuar aquilo, não parecia brava.
- Para de bobeira, mãe!
- Pergunta para o Rafael se ele não quer almoçar com a gente. Vocês vão chegar na hora
do almoço, podemos comer todos juntos.
- Não sei, mãe. Vou perguntar para ele.
- Tá bom. Boa viagem, meu amor. Venham com os anjinhos. Amo você e estou ansiosa
para te apertar.
- Daqui a pouco estou aí. Beijos.
Fiquei olhando para a estrada, sem dizer uma palavra. Não sabia se queria contar para o
Rafael sobre o convite que mamãe tinha acabado de fazer. Fiquei em dúvida se aquela era uma
boa ideia.
- Ei, o que você vai me perguntar?
Ele estava atento ao que eu falava com mamãe.
- Minha mãe te chamou para almoçar com a gente.
- Se quiser que eu vá, vou gostar de conhecer seus pais de uma vez – segurou a minha
mão.
- Não quero que faça nada obrigado.
- Tem alguém apontando uma arma para a minha cabeça? – brincou. – Quero mesmo ir,
de verdade.
Chegamos na rodoviária e ele me ajudou a colocar as malas no bagageiro do ônibus.
Senti um frio enorme na espinha com toda a expectativa do que estava por vir.
- Por que está tão quietinha? – perguntou quando o ônibus começou a andar.
- Sei lá. Isso tudo é muito novo para mim, acho que estou um pouco nervosa.
- Não precisa ficar, também é novo para mim. Já te disse que não namorei antes, vamos
aprender juntos. Estou me policiando para ser uma pessoa melhor, menos orgulhoso e tentando
me abrir mais com você – confessou e me puxou para ficar encostada no peito dele.
Ficamos em silêncio e Rafael começou a fazer um carinho muito gostoso na minha
cabeça. Pegou o casaco que estava no braço, colocou na perna e disse que se eu quisesse, poderia
deitar no colo dele. Foi o que fiz. O carinho continuou e eu acabei pegando no sono bem
rapidinho.
Zzzzzzzzzzzzzzz...
Acordei assustada. Dei um pulo do colo dele e olhei pela janela. Ainda estávamos na
Dutra. Rafael estava cochilando. Fiquei encarando aquele rosto perfeito e quase não pude
acreditar que finalmente estávamos juntos.
- Oi – disse assim que abriu os olhos e me pegou olhando para ele.
- Oi – respondi.
- Já estamos chegando?
- Não sei. Acho que estamos na Dutra.
Rafael puxou a cortina do ônibus e confirmou a minha suspeita.
- Ainda temos uma hora pela frente – abriu um pacotinho da bala de melancia que eu
adorava.
- Também quero uma – pedi. Estava morrendo de medo de estar com bafo depois de ter
cochilado.
Com a bala na boca, cheguei mais perto dele. Já não precisava ficar mais tão afastada na
hora de falar. Ficamos com nossos rostos bem próximos.
- Está nervosa?
- Aham – confessei.
- Eu também – revelou. – Mas vai ser legal.
- Tomara – disse, sem saber o que esperar.
Rafael me beijou. Um beijo tão bom quanto todos os outros, com um gostinho especial de
melancia.
Ficamos nos encarando por um tempo, sem dizer nada.
- O que você está achando de tudo isso? – perguntei.
- Estou gostando muito mais do que poderia imaginar que um dia gostaria de alguém ou
de uma situação como essa.
- Jura?
- Aham. E você?
- Também estou gostando muito. É diferente, sabe? Você já foi a minha paixão platônica
por um ano e ter me apaixonado de novo, durante o curso, mas dessa vez vivendo de verdade o
sentimento, é ainda mais forte, mas ao mesmo tempo parece que é construído diariamente.
- Quer dizer que está apaixonada? – sorriu.
Senti minhas bochechas pegarem fogo.
- Não precisa ficar sem graça, Camila! Também estou me apaixonando por você e tenho
ainda mais dificuldade em dizer isso – sorriu e me deu mais um beijo. – Posso ver seus
trabalhos? – pediu.
Um frio no estômago fez com que eu sentisse como se tivesse levado um soco. Nem
todos os frios eram bons.
- Acho que não.
- Por quê? – perguntou arqueando a sobrancelha e me encarando sério.
- Ah, Rafa! Você sabe... Acho que não vale a pena. Estamos bem, não vamos mexer em
coisas que podem acabar fazendo mal.
- Como assim?
- Nem todos os trabalhos foram sobre você – abaixei a cabeça.
- Eu sei. Mas tudo é parte da sua história e eu quero te conhecer melhor. Se quiser,
também deixo você ler os meus – mexeu na mochila.
Eu quero! Eu quero! Eu quero!!
Larga de ser curiosa, Camila! Quem recebe tem que dar. Se quiser ler as redações dele,
vai ter que dar as suas.
Pensei nos trabalhos que havia escrito, ainda nem tinha lido os comentários do professor.
Queria ler com calma, quando chegasse em casa. Não sabia se queria que o Rafael lesse.
- Prometo que não vou ficar chateado com o que eu ler aqui. Juro. Só quero te conhecer
melhor – olhou nos meus olhos ao dizer aquilo.
- Tá bom – entreguei os papéis para ele tendo quase certeza que estava fazendo a coisa
errada.
Rafael pegou as folhas do meu outono, encostou a cabeça na poltrona e começou a ler.
Decidi olhar as redações dele só depois, preferi ler com o Rafa cada página da minha história
naquele curso.
Senti frios na barriga ao ver o nome do Leandro já na segunda folha, quando escrevi
sobre a melhor viagem da minha vida. Quanta emoção havia colocado ali. Se me arrependia?
Não. Uma pessoa não pode anular a outra. Conhecer e começar a namorar o Rafael não pode
apagar o que vivi com o Leandro naquele verão. As estrelas vão continuar no céu e Búzios
também vai estar exatamente no mesmo lugar. Posso construir novas histórias, mas o filme do
que ficou para trás nunca vai desaparecer.
Rafael suspirou.
- Eu desceria do trem – disse depois de ler a minha redação sobre “Antes do Amanhecer”.
– Na verdade, já desci. Sei que somos do mesmo Estado, mas não pensava em namorar ninguém
agora. Acabei de entrar na faculdade, tenho um mundo todo novo para explorar, mas preferi
descer do trem a deixar essa oportunidade passar. Acho que tudo na nossa vida são resultados de
escolhas.
- Rafa, não quero que você faça comparações. Você é você. Ele é ele. Nenhum é melhor
ou pior. Apenas diferentes. O que escrevi sobre o Leandro, foi o que senti naquela época e que
guardei na memória. Talvez hoje, já fosse tudo diferente. Ano passado, eu tinha acabado de fazer
quinze anos, era ainda mais menina, ainda mais inocente. Hoje, ainda continuo sem saber de
muitas coisas da vida, mas já estou mais madura, mais mudada. Talvez aquilo não fosse tão
intenso. Ou talvez fosse. Não dá para saber. O que eu sei é que foi uma história muito legal e o
que estou vivendo agora também é muito especial.
- Não precisa se justificar. Quando eu quis descer do trem, já sabia o que você carregava
na bagagem, mas ainda assim quis arriscar. Quero arriscar – beijou a minha mão e continuou a
ler.
Quando chegou na parte da festa, parecia estar lendo duas vezes cada linha. Naquela
redação, havia colocado toda a minha angústia, mágoa e frustração com o que o Rafa havia feito
comigo. Todo o tratamento que dispensou a mim, ríspido, grosso, arrogante... Tudo estava
descrito ali. Não escrevi os acontecimentos, falei apenas sobre como doía ser tratada de um jeito
que achava que não merecia.
- Desculpa – disse Rafael ao terminar aquela leitura.
Os olhos dele estavam com lágrimas? Ohmmmmmmmm...
- Esquece isso.
- Não vou esquecer. Fui um babaca com você e tive a sorte de não ter perdido a
oportunidade de reverter a situação. Obrigado por isso – segurou a minha mão e entrelaçou
nossos dedos.
Na sequência, foi a vez da redação do dia do pôr do sol. Ainda estava com o coração
apertado. Meus textos eram emotivos demais, pareciam esconder uma tristeza que eu nem sabia
que existia em mim. Eram profundos e cheios de sentimento.
E então... A carta!
Aquela era a redação que eu mais temia que o Rafa lesse. Nem lembrava direito o que
havia escrito, mas tinha quase certeza que até sobre ele eu havia comentando. Senti minha
respiração sumir e fiquei imóvel. Era o maior texto de todos. Ali, eu encerrava um ciclo. Era o
ponto final para uma emoção que carreguei durante um ano. Era o adeus que tinha que ter
acontecido no momento que saí de Búzios.
Rafael respirou fundo quando leu que eu não havia respondido ao bilhete. Percebi que
parou por alguns segundos naquela informação. Depois voltou a ler e foi até o final sem fazer
nenhum comentário e sem tirar os olhos do papel.
As redações seguintes eram todas sobre ele. Foi engraçado perceber como os sentimentos
evoluíam a cada página. Rafael foi ficando mais real para mim e depois mais intenso. Quando
achei que o Leandro era muito maior nas histórias que escrevi, notei que estava enganada. Era o
Rafa que ganhava minhas linhas, que crescia como meu protagonista, que fazia com que aquele
outono fosse especial.
Ele ficou sem abrir a boca até a última página. Quando terminou, me encarou, segurou
meu rosto e me deu um daqueles beijos cheios de algo mais.
- Você precisa ser escritora. Seu jeito de escrever é envolvente, não dá vontade de parar
de ler. Obrigado pelas palavras e pelo que escreveu sobre mim – sorriu. – E parabéns pelos
elogios que recebeu do Márcio, ele realmente ficou surpreso com o seu dom.
- Ainda não li – nem mesmo naquele momento. Quando terminava de ler a redação,
desviava o olhar. Queria ter o prazer de ler os comentários sobre os meus textos quando estivesse
sozinha. Iria ler um por um e reler todos aqueles que me motivassem ainda mais. Tinha pensado
até mesmo em reservar um espaço no meu mural de fotos para colocar o elogio mais legal que
encontrasse, para que aquilo me fizesse mais forte a cada dia.
- Por quê? – estranhou.
Expliquei para ele o que queria fazer e o Rafa sorriu.
- Camila, você não precisa de elogios dos outros para seguir em frente no seu sonho. Isso
já está dentro de você. É só acreditar no seu dom. Sinceramente, acho que nasceu para escrever.
Não vou nem te mostrar os meus textos.
- Ah, vou ficar muito chateada se fizer isso – reclamei.
- Estou falando sério. Vou ficar com vergonha.
- Pode parando, Rafa.
- Juro que vou deixar, mas vamos combinar de fazer isso depois? Já estamos chegando e
estou nervoso com esse almoço.
Não pude deixar de sorrir. Mas também comecei a sentir aquele frio na barriga que era
tão meu.
Uma nova história estava realmente começando.
Capítulo 42 – Folhas de Um Outono

“Tenho motivos pra crer


Que ainda não é hora
Epílogos e finais”

15 de abril
Pois é, estou de volta para você, minha agenda querida! Não, não abandonei o meu blog,
mas existem coisas que precisamos desabafar e que nem um cantinho na internet e nem mesmo
um psicólogo podem resolver o problema. Somente quando sabemos que ninguém, ninguém vai
ler o que queremos escrever é que conseguimos colocar para fora de verdade o que está nos
angustiando.
E é por isso que estou aqui.
Sabe, me sinto até um pouco envergonhada e chateada por não ter preenchido suas
páginas com as minhas novas histórias. Pois é! Muita coisa mudou desde a última vez que
conversamos. Fui deixando suas folhas vazias, pois estava cansada de dizer sempre a mesma
coisa, estava exausta de me lamentar. O verão passou, as estações passaram e eu ficava
resmungando pra lá e pra cá.
Mas alguma coisa mudou quando completei dezesseis anos. Deixei o coração de lado
para focar no que eu queria: viajar. Não! Não como uma aventureira qualquer. Decidi manter o
sonho de ser jornalista, mas com a ideia de viver com uma mala na mão indo para todo lado do
mundo conhecer pessoas, lugares e histórias. Quero escrever, como converso com você, para
milhares de outras pessoas. Tenho uma vontade enorme de apresentar culturas, tristezas e
alegrias de povos que ninguém conhece. E por esse motivo, fui fazer um curso em um lugar
lindo chamado Campos do Jordão.
Se você tivesse ido comigo, estaria preenchida de sensações. Seria irresistível te olhar na
mesa do meu quarto e não te contar sobre aquelas montanhas, sobre o cheirinho da natureza, o ar
frio que entrava pelo nosso nariz e que parecia ser livre de poluição. Teria contado sobre a
cachoeira, a tirolesa e o medo que senti no labirinto no parque das flores.
Ah, e naquele mesmo dia, teria enchido sua página de corações. Afinal, foi ali que tudo
começou a mudar.
Lembra do Rafael? Pois é! Aquele mesmo que preencheu o primeiro dia do ano passado
as suas páginas? Ele voltou. Primeiro, cheio de arrogância, com aquele ar todo metido, cheio de
si, que só ele tem. Mas depois, o Rafael foi se abrindo e foi mudando.
Enquanto essa mudança acontecia, resolvi colocar um ponto final no verão. Já estávamos
no outono, afinal! Já era hora de deixar aquela estação para trás. E foi assim que mexi com o
passado, mandando uma carta para o Leandro.
Mas é claro que aquele goiano não ia deixar a despedida acontecer daquela maneira. Ele
me chamou no Skype e a gente se viu mais uma vez. E o que eu senti, teria preenchido mais e
mais folhas suas. Foi saudade, tristeza, vontade de abraçar, beijar, de voltar no tempo. E não
posso nem dizer que acabou quando o vídeo chegou ao fim. Porque mais uma vez o Leandro me
surpreendeu. No meu e-mail estava uma carta que ele havia escrito alguns meses antes, dizendo
o quanto sentia a minha falta e desejando saber o que eu andava fazendo.
O mosquito do amor à distância voltou a me picar?
Não. O Leandro disse que estava namorando. Pois é! Namorando. Também disse que
tinha se afastado na época que a gente ainda se falava todos os dias, pois achou que seria melhor
daquela maneira. Ele sequer achou que uma explicação seria melhor do que sumir sem mais nem
menos.
Depois do vídeo e da carta, coloquei o ponto final. E pela primeira vez, chorei de verdade
pelo fim que aconteceu um ano antes, pela despedida que tinha que ter acontecido há muito mais
tempo.
E foi assim que o Rafael voltou para a minha história. Devagar, como quem não quer
nada – e de repente nem queria mesmo! – ele foi se aproximando. O mundo caiu em Campos do
Jordão e ficamos ilhados no chalé dele. Ali, mesmo com todas as nossas diferenças, tivemos que
conversar. Ficamos sem luz, sem ter como ir embora e sozinhos. Foi desse jeito que tudo
começou.
O coração, bobo que é, percebeu que despedaçado como estava não poderia ficar. Sentiu
que alguém estava colocando pequenos curativos nele. Com carinhos disfarçados, preocupações
escondidas e com uma vontade de beijar... Que era quase explosiva.
Tentamos disfarçar os sentimentos que cresciam, mas não conseguíamos esconder a
química que acontecia ali. Quando nossas peles se encostavam, quase entravam em combustão. E
foi cada vez mais difícil evitar o beijo, os carinhos e a vontade de ficar junto.
Também fiz um amigo que já ocupou algumas das suas páginas. Não, não fui apaixonada
por ele no sentido literal da palavra. Era fã. Isso mesmo! Agora sou amiga de uma celebridade –
o Bruno Ferraz! E ele é incrível! Nossa amizade se fortaleceu a cada dia, a cada folha de outono
que escrevi fora de você.
Viu como está desatualizada?
Não voltei apenas com um amigo e com uma história de amor de outono. Um amor de
viagem. Na verdade, voltei para casa com um amigo e um namorado na bagagem. Quem poderia
imaginar que o Rafael e eu escreveríamos uma história juntos?! Mas foi exatamente isso que
aconteceu.
Desde que voltamos, o Rafa tem se esforçado para não ser tão reservado, para se abrir
cada vez mais comigo. Optamos por um tratamento que foi praticamente de choque. Já chegamos
na rodoviária de mãos dadas, para - nem tanta - surpresa dos meus pais, que já pareciam esperar
por isso.
Mamãe – para a minha surpresa! – não fez nenhum comentário e agiu naturalmente,
sendo totalmente simpática com o Rafa e puxando o maior papo no carro e no restaurante que
eles nos levaram para almoçar. Até papai, que é mais calado, resolveu ter uma conversa pra lá de
animada com o Rafael. Dá para acreditar em tudo isso?
E foi assim, naturalmente, que tudo continuou acontecendo. Voltei para a escola já no dia
seguinte e pude fofocar com as minhas amigas sobre todos os detalhes da viagem. Quando o
sinal tocou e fomos liberados para voltar para casa, senti meu coração acelerar ao ver aquele
cabelo loiro que eu sempre amei, parado ao lado do Bernardo. Ali começava a minha nova rotina
e fiquei apaixonada por ela.
Por falar em paixão, ela aumenta a cada dia. Conhecer mais e mais o Rafael faz com que
eu sinta uma vontade enorme de passar mais um milhão de dias ao lado dele. É engraçado
perceber como a gente pode até se apaixonar por alguém só pela aparência, mas apenas quando
descobrimos de verdade quem aquela pessoa é, a paixão se mantém. Tive a sorte de descobrir
que o Rafa não é lindo apenas por fora.
Senti uma angústia enorme, uma vontade de pegar ele nos braços e não soltar mais, no
dia que ele me levou para conhecer o pai. Ele e a mãe são separados, mas o Rafa guarda uma
admiração tão grande pelo pai, uma vontade tão escancarada de ficar ali, com ele pelo tempo que
for possível, que quando a gente precisou ir embora, me deu uma vontade danada de falar “pede
para os eu filho ficar, diz o tanto que você ama ele!”. Mas achei melhor ficar calada.
Sabe aquela história do “tal pai, tal filho”? Então, os dois são assim. Sentem muito, mas
não falam e nem sempre o Rafa enxerga o amor que o pai sente por ele. Mas eu consegui ver, é
quase palpável e dá vontade de berrar – “falem isso um para o outro!!!!!!!!! Não dói dizer o
quanto a gente ama alguém.”.
E foi exatamente depois de um encontro com o pai dele que, quando ficamos sozinhos, eu
olhei nos olhos do Rafael e disse o primeiro eu te amo da minha vida. Foi natural, intenso e
verdadeiro. Não buscava uma reciprocidade da ação, mas ela aconteceu. Ali, de frente para o
mar, ele continuou me olhando nos olhos e disse “também amo você, Camila”. Assim,
exatamente desse jeito.
Depois das declarações tão carregadas de sentimento a gente se beijou – você não vai
acreditar em como os beijos do Rafa são sempre diferentes um do outro e eu sou apaixonada por
todos eles – e continuamos a ver o sol indo embora. Aquele dia vai ficar guardado para sempre
no meu coração.
Foi tudo muito rápido? Talvez. Um “eu te amo” com menos de um mês de namoro? Pois
é. Mas continuo achando que o tempo não diz nada, que não existe uma regra para a gente se
apaixonar, amar, deixar de gostar ou viver feliz para sempre. Ah, só podemos falar sobre amor
depois de três meses, noivado depois de cinco anos, casamento depois de um e filhos depois de
mais um ano. Quem foi que disse isso? Acho que o que é de verdade, intenso e forte, acontece
como tem que acontecer. Mas pode ficando calma. Ainda estamos apenas na parte do amor, o
início dele. Noivado, casamento e filhos fica para o futuro. Apenas acho que cada um faz quando
quer e prazos não devem ser estabelecidos.
Outra novidade que não posso deixar de registrar: Um ET raptou mamãe! Tenho certeza
disso. Você não imagina como ela mudou desde que fui para Campos do Jordão. Ela não reclama
tanto de mim, confia nas minhas atitudes e nas minhas decisões, é a maior puxa saco do Rafa.
Adora quando ele vem aqui em casa e já libera até que eu vá à casa dele. Tá, só quando a mãe do
Rafael está lá. Mas tudo bem. Já é uma evolução.
E sinceramente? É até bom que nossas mães fiquem de olho, pois é tão, tão bom beijar o
Rafael, sentir as mãos dele deslizando pelas minhas costas, pelos meus braços, que seria até
perigoso se a gente já tivesse permissão para ficar muito tempo sozinhos, sem nenhuma
supervisão.
Sei que disse que as coisas não precisam de um prazo, de um tempo limite para
acontecer. Mas não quero colocar a carroça na frente dos burros. As minhas revistas favoritas
sempre dizem que nossos hormônios vivem a flor da pele e não quero fazer algo tão importante
apenas por impulso. Acho que isso é maior do que uma vontade, é uma intimidade compartilhada
que quero mesmo que seja especial.
O Rafa respeita tudo isso, não pressiona, nem tenta ir além. Quando o desejo fica
insuportável, ele respira fundo e se afasta, sem que eu precise pedir para que ele tenha aquela
atitude. Até a mão ele mantém acima do meu quadril. Não é um fofo?
Acho que consegui resumir bem para você tudo o que aconteceu durante esse
praticamente um ano que fiquei sumida. Realmente o que aconteceu entre o verão do ano
passado e o outono desse ano não foi significante para merecer um relato tão detalhado quanto
esse. Acho que vou voltar a escrever todos os dias a partir de hoje.
Mas agora, se você tivesse o dom de pensar e argumentar, estaria me perguntando o que é
tão importante e secreto que não poderia escrever no meu cantinho virtual nem falar para uma
psicóloga, não é? Não fiquei maluca e nem reservada demais. É claro que, como sempre, deixei o
acontecimento mais bombástico para o final.
Sim, é uma bomba. Não contei para ninguém, só você vai saber. Ainda não sei o que
fazer, com quem falar ou que atitude tomar. É uma batata quente que está assando na minha mão,
que começou a me queimar hoje, pela manhã, quando abri o meu e-mail.
“ Mila,
Não consigo parar de pensar em você desde aquele dia que recebi a sua carta. Releio
suas palavras todos os dias e elas sempre me acertam de um jeito diferente. Fico me
perguntando se nós fizemos a coisa certa ou a errada. Será que o nosso verão foi algo
passageiro, que mereceu o fim que teve, ou precisava ficar inacabado para voltar a esquentar
em outro momento das nossas vidas?
Preciso confessar uma coisa para você. Mesmo tendo me afastado, sempre estive por
perto. A gente já não se falava mais, mas continuei a acompanhar as suas fotos, os seus
pensamentos nas suas atualizações da linha do tempo. Quando você me bloqueou, passei a ter
que me contentar com as suas atualizações públicas ou com o que suas amigas colocavam de
você e com os seus comentários.
Não pense que foi apenas você que viveu uma história intensa de verão. Como te disse
quando conversamos naquele dia por vídeo, você tem alguma coisa que mexeu comigo de
verdade e tornou tudo muito forte e inesquecível. Já me peguei sonhando com você – acordado
ou dormindo – diversas vezes ao longo desses meses. Já chamei minha namorada de Mila sem
querer, talvez querendo. Já imaginei inúmeras vezes como teria sido se eu tivesse feito alguma
coisa diferente, se tivesse ido morar no Rio ou, pelo menos, se tivesse aproveitado as promoções
das passagens de avião para tentar continuar nosso relacionamento à distância. Será que teria
dado certo?
Vou fazer outra confissão: eu sou o seu leitor. Como? Não vai brigar com ninguém por
causa disso, pois jurei segredo, mas acho que preciso te contar isso também. A Juliana tem
conversado com o Cris e em um dos papos, acabou soltando, sem querer, a informação de que
você tinha feito um blog. Acho que ela fez algum comentário sobre o que você escreveu na sua
primeira postagem.
Quando o Cris me contou aquilo, disse que ele precisava descobrir o endereço. A Juliana
não queria dar de jeito nenhum, disse que você a mataria se ela fizesse aquilo. Mas o Cris
insistiu e jurou de pé junto que não passaria para mais ninguém – não fica com raiva dele, ele
cruzou os dedos e fez isso por mim! Ele é uma pessoa totalmente confiável. Ainda um pouco
resistente, Juliana acabou dando o endereço e eu passei a acompanhar todas as suas postagens.
Resolvi comentar, mas quando vi que aquilo te deixou instigada demais, fiquei com medo
de acabar descobrindo quem eu era e achei melhor acabar com aquela brincadeira. Mas
diariamente eu entrava para ver o que você dizia. Me senti arrasado quando li sobre como você
ficou mal.
Mas logo você deu a volta por cima e as postagens começaram a mudar. Foi um vício
acompanhar os seus textos – sempre disse que você escreve muito bem – e ao mesmo tempo era
uma tortura não poder te abraçar quando sabia que estava precisando de um abraço.
E de repente você sumiu. Parou de atualizar. Não disse mais nada. E aquele pedacinho
que eu ainda tinha de você se foi. Senti uma coisa que nunca senti antes. Por isso chamo de
coisa, pois não sei explicar o que é. Não é apenas saudade, mas é uma vontade enorme de estar
perto de você para saber o que é isso.
Fiquei pensando no tal trem que você falou, sobre descer ou não descer, sobre ficar
imaginando para sempre se deixamos uma história de verdade escapar ou se era apenas uma
aventura de verão.
Depois de pensar, pensar e pensar, decidi que existe apenas uma maneira de não sofrer
com isso por toda a vida. Não quero que a história legal que a gente viveu seja para sempre um
fantasma do que poderia ter sido se a gente tivesse tentado. Por isso, resolvi comprar uma
passagem para o Rio de Janeiro, para o início das minhas férias da faculdade, no dia 21 de
junho, no primeiro dia do inverno.
Já está tudo acertado. Vou ficar hospedado em Ipanema por 15 dias. Não quero te forçar
a nada, nem mesmo te impor esse encontro. Mas para que aquele tal trem não me assombre pelo
resto da vida, resolvi agir. Estou indo ao seu encontro, quero ver se no frio do inverno, o que
sentimos ainda vai ser intenso como no verão. Quero te olhar nos olhos e entender se o que
aconteceu em Búzios ainda acontece quando a gente está perto um do outro ou se foi apenas
algo tão forte, que idealizamos mais do que realmente é para ser.
Mas se tudo isso vai ou não acontecer, é uma decisão sua. Não é uma obrigação você ir
ao meu encontro. Nem quero que responda ao meu e-mail me pedindo para não fazer isso ou
dizendo que está feliz com a possibilidade de nos reencontrarmos. Não quero que diga nada
agora. Você tem dois meses e alguns dias para tomar a sua decisão. Não tenha pressa.
Se estiver feliz, vivendo uma história forte e se já tiver certeza que o que passou, passou,
não se preocupe que eu vou entender. O que eu não quero é ficar com essa dúvida eterna na
minha cabeça, com a culpa de que eu poderia ter feito alguma coisa e não fiz. Por isso estou
indo.
Bom, se você quiser me reencontrar, conversar, entender o que aconteceu com a gente e
o motivo de ter sido tão difícil simplesmente deixar de lado a nossa história, me encontra no dia
21 de junho, às 17horas, na pedra do Arpoador. Estarei por lá. Se você não aparecer, deixamos
essa história para sempre em Búzios e já digo desde agora o quanto foi bom te conhecer e o
quanto foi inesquecível, carioca!
A decisão é sua.
Beijos,
Leandro

E é por esse motivo que precisei vir conversar com você, agenda! Porque só você escuta
sem julgar, sem dar opinião, sem me olhar cobrando uma decisão.
Sinceramente, não sei o que fazer. Quando tento raciocinar, penso que não devo ir. Estou
muito feliz com o Rafael, estamos construindo muitas coisas legais, a cada dia nossa
cumplicidade cresce, fortalece. Não disse aquele “eu te amo” da boca para fora, falei o que
realmente estava sentindo.
Mas ao mesmo tempo, fico com medo de algum dia me arrepender por não ter ido até o
Leandro. Afinal, ele está agindo, ele quer saber o que é que existe – ou não! – entre a gente. Ele
está vindo ao meu encontro, mesmo namorando, mesmo ainda morando em outro Estado. Ele
está fazendo alguma coisa.
Durante todo o dia fiquei pensando - O que fazer? Apago esse e-mail, esqueço e finjo que
nunca recebi? Converso com o Rafael, conto toda a história, corro o risco de perder o garoto que
eu estou cada vez mais apaixonada, por alguma coisa que pode não significar mais nada? Vou
até o Leandro sem dizer nada sobre isso para ninguém, vejo o que acontece entre a gente e só
então decido o que fazer depois?
Não sei! Não sei! Não sei! Foram as respostas que consegui dar a todo instante.
Minha cabeça dói, meu corpo também. Sinto como se estivesse doente. Quanto mais
penso, mais confusa fico.
É uma bomba-relógio com dia e hora para estourar, mas que parece me consumir a cada
segundo, como se eu fosse o pavio que está queimando, lentamente.
Tenho dois meses para tomar a decisão final. Decidi que enquanto isso, não vou tomar
nenhuma atitude precipitada. O que me dói é saber que estou guardando um segredo do Rafa e
isso era a última coisa que queria que acontecesse.
Mas como disse no início, existem coisas que a gente não consegue dividir com mais
ninguém além de nós mesmos, podemos desabafar apenas em uma folha secreta de papel.
Espero que o tempo me ajude a tomar a decisão certa.
Agora que coloquei tudo para fora, vou esquecer que esse e-mail existe, vou esquecer que
o dia 21 de junho vai chegar. Vou viver intensamente o Rafa, continuar a escrever a nossa
história, aproveitar todas as sensações que o outono tiver para me proporcionar.
E o que tiver que ser... Será!

Você também pode gostar