Você está na página 1de 47

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM MATEMÁTICA

LUIZ GABRIEL DOS SANTOS GOMES

NUMEROS TRANSCENDENTES: A CONSTANTE


DE LIOUVILLE

Arapiraca
2017
Luiz Gabriel dos Santos Gomes

Números Transcendentes: A Constante de Liouville

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao corpo docente do Curso de Licenciatura
Plena em Matemática da Universidade Fede-
ral de Alagoas-UFAL, Campus de Arapiraca,
como requisito para obtenção do grau de Li-
cenciado em Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Rinaldo Vieira da Silva Junior

Arapiraca
Dezembro, 2017
Luiz Gabriel dos Santos Gomes

Números Transcendentes: A constante de Liouville

Trabalho ele COncl\lS80 ele curso aprovado pelo corpo docente do Curso de Licencia-
tura Plena em Xlateinática ela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Campus Arapiraca,
como requisito parcial do grau de licenciado em matemática.

Prof. DI'. Rinaldo Vieira da


Junior
i\latcmática Licenciatura - UFAL. Arapiraca
Orientador

I
Prof. Me. Eben Alves da ilva
.\fr\(CIll<-ítici1 Lir-onriutura - UFAL. Arapiraca
examinador

Arapiraca
Dezembro, 2017
Este trabalho é dedicado às crianças adultas que,
quando pequenas, sonharam em se tornar cientistas.
Agradecimentos
Agradeço a Deus por tudo que me proporcionou para que passasse por todas as
fases de minha formação.

Aos meus pais, Maria José (Lelê) e Jaelson, por toda dedicação e esforço que
tiveram para me proporcionar a melhor educação possível. Ao meu irmão, Gustavo, por
todo apoio, compreensão e paciência que teve comigo durante todos esses anos. A todos os
meus familiáres, em especial, ao meu tio Aldo que sempre me incentivou e me aconselhou.

Aos meus amigos, que sempre estiveram por perto quando precisei e souberam
respeitar minha ausência durante meus momentos de dificuldade no curso.

Aos meus colegas de curso, em geral, pelos anos de convivência e aprendizado. Em


especial, Thales e Wilson pela amizade edificada durante os anos da graduação. A vocês
deixo meu muito obrigado.

Aos meus professores, em geral. Especialmente, agradeço ao professor Wagner


Menezes, hoje falecido, pelos anos de convivência no Ensino Médio. Ele sempre me tratou
muito bem e se tornou uma grande referência, não apenas como profissional, mas também
como pessoa. Ao Professor Ornan, por sempre ser atencioso com seus alunos e por ter
acompanhado minha turma em praticamente todos os períodos, minha maior referência
na graduação, não apenas como profissional, mas também como ser humano. Ao professor
José Barros, que sempre se dispôs a ajudar todos os alunos.

Ao meu orientador, professor Rinaldo, que mesmo não sendo um trabalho de


conclusão de curso em sua área se dispôs a me ajudar com o pouco tempo que lhe coube.

E a todos que, diretamente ou indiretamente, fizeram parte da minha formação.


“As raízes do estudo são amargas,
mas seus frutos são doces”.
Aristóteles
Resumo
O presente trabalho trata da caracterização dos números algébricos e o início da teoria
dos números transcendentes, tendo como foco a constante de Liouville que é o primeiro
exemplo de número transcendente da história. Em particular, traremos a demonstração da
existência dos números transcendentes e sua não enumarabilidade, isto é, existem números
transcendentes e não são poucos.

Palavras-chave: Números algébricos, Números transcendentes, Constante de Liouville


Abstract
The present work deals with the characterization of algebraic numbers and the beginning of
the theory of transcendent numbers, focusing on the Liouville’s constant which is the first
example of the transcendent number of history. In particular, we will show the existence
of transcendent numbers and their non-enumarability, that is, there are transcendent
numbers and they are not few.

Keywords: Algebraic numbers, Transcendent numbers, Louville’s constant.


Sumário
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1 Noções Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.1 Conjuntos Enumeráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.2 Números Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3 Sequências e Séries . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.3.1 Sequências de números reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.3.2 Séries . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2 Números Algébricos e Transcendentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.1 Uma pequena abordagem histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2 Caracterização dos Números Algébricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.3 Existência dos Números Transcendentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3 Os Números de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.1 A constante de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
10

Introdução
O desenvolvimento da matemática acompanha o desenvolvimento do homem. Em
especial, o desenvolvimento e classificação dos números está ligado, inicialmente, a duas
necessidades básicas, são elas: contar e medir. O conceito primitivo dos números está
associado aos números naturais, representado por N, em que o homem relacionava objetos
de modo que pudesse fazer a contagem dos mesmos. Um exemplo classico é do homem que
contava seu rebanho de ovelhas a partir de pedras, relacionando a cada ovelha uma pedra.
A partir da necessidade de medir objetos menores que os números inteiros positivos, o
homem começou a determinar unidades de medidas menores que as conhecidas, tomando
uma maior como base, um exemplo atual sobre tal situação é o caso da unidade do metro
que tem suas subdivisões que são decímetro (1 décimo de 1 metro), centímetro (1 centésimo
de 1 metro) e milímetro (1 milésimo de 1 metro).

A formalização dos números naturais só aconteceu recentemente, no início do


século XX, com o matemático italiano Giuseppe Peano. A caracterização desses números,
considerados primitivos, foi feita de maneira axiomática de modo que 1 não era sucessor
de nenhum número e todo natural tem um único sucessor, tendo sua representação como
N = {1, 2, ...}. Vale ressaltar que alguns autores não consideram o zero como natural, visto
que o conceito de vazio veio bem depois do conceito dos números naturais.

Os demais conjuntos números são formalizados da seguinte maneira: o conjunto dos


números inteiros é formado pelos naturais, pelo zero e os inteiros negativos, representado
pela letra Z que vem do alemão zahl cujo significado é número. O conjunto dos Racionais,
representado por Q que vem da palavra quociente, é definido pela razão de dois números
inteiros, de modo que o(denominador seja diferente
) de zero. Sua representação formal é da
p
seguinte maneira Q = : p, q ∈ Z e q 6= 0 . De modo geral, todo número que pode ser
q
representado por uma fração é racional.

Na Grécia antiga já se tinha o conceito de número racional, acreditava-se que


qualquer medida era comensurável, isto é, poderia ser determinada. Uma das grandes
crises da matemática aconteceu por volta de 500 a.c, quando os pitagóricos mostraram

que a diagonal do quadrado de lado unitário é igual a 2 e tal número, por sua vez, não
era comensurável. Os pitagóricos tentaram esconder o resultado, acreditando que era um
Introdução 11

castigo dos deuses. Esses números que não seguem um padrão são chamados de irracionais,
representado por R − Q, onde R (conjunto dos números reais) é a união dos números
racionais e irracionais. Um conceito mais abrangente de número surgiu com a criação do
conjunto dos números complexos, representado por C, são números da forma a + bi, com

a, b ∈ R, onde i = −1. Daí, segue a relação de inclusão dos conjuntos N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R ⊂ C.

Apesar dos números racionais terem um padrão e os números irracionais serem


desprovidos de um, há uma propriedade em comum entre os racionais e alguns irracionais
√ p
como o 2, ambos são raízes de polinômios con coeficientes inteiros. Veja, por exemplo,
√ q
2
é raiz do polínômio qx − p e 2 é raiz do polinômio x − 2. Os números que são munidos
desta propriedade são classificados como números algébricos, quando não são munidos de
tal propriedades são classificados como números transcedentes. A partir dessa concepção
de números, surge o questionamento: existem números transcendentes?

O trabalho em questão, teremos como objetivo de estudo exibir uma introdução


a teoria dos números transcendentes com a caracterização dos conjuntos dos números
algébricos e números transcendentes. A teoria dos números transcendentes foi originada
pelo matemático francês Joseph Liouville em 1844 a partir de um teorema que caracte-
riza os números algébricos. Além de caracterizá-los, Liouville exibiu o primeiro número
transcendente da história, hoje conhecido como número ou constante de Liouville.

Este trabalho está divido em três capítulos. No capítulo 1 serão apresentados


alguns resultados de análise na reta que serão de grande importância para os seguintes
capítulos. No capítulo 2, os números algébricos e transcendentes serão caracterizados, tendo
como resultado principal a existência dos números transcendentes. Por fim, no capítulo
3 serão apresentados os números de Liouville e a demonstração de que os mesmos são
transcendentes.
12

1 Noções Preliminares
Neste capítulo será introduzido resultados preliminares que serão de grande impor-
tância para a compreensão de futuros resultados referente a caracterização dos números
algébricos e transcendentes. Os textos utilizados como base para a produção deste capítulo
foram Leithold (1994) e Lima (2006). Alguns resultados deste capítulo serão apenas citados.

1.1 Conjuntos Enumeráveis

Definição 1.1. Um conjunto X é dito enumerável quando é finito ou existe uma bijeção
f : N −→ X.

Isto significa que f é uma enumeração de elementos do conjunto X. Em simbolos,


temos:

f (1) = x1 , f (2) = x2 , ..., f (n) = xn , ...

Tem-se que X = {x1 , x2 , ..., xn , ...}.

Exemplo 1.1. O conjunto dos números pares positivos é enumerável. Seja f : N −→ 2N


definida por f (n) = 2n é uma bijeção.

(i) Injetividade: Sejam f (n1 ) = 2n1 e f (n2 ) = 2n2 . Se f (n1 ) 6= f (n2 ), temos:

2n1 6= 2n2 ⇒ n1 6= n2

(ii) Sobrejetividade: seja y ∈ 2N, então y = 2n para algum n ∈ N. Tomando x = n, temos


que f (x) = f (n) = 2n = y, isto é, y ∈ f (N), logo y = f (x). O que completa a bijeção.

Exemplo 1.2. Considere I o conjunto dos números impares positívos. I é enumerável.


Seja g : N −→ I definida por g(n) = 2n − 1 é uma bijeção. Análoga ao exemplo anterior.

Exemplo 1.3. Z é enumerável. Considere h : Z −→ N definida por:


Capítulo 1. Noções Preliminares 13


2n, se n > 0


h(n) = 
−2n + 1,

se n ≤ 0

é uma bijeção. Dai sua inversa h−1 : N −→ Z é uma bijeção. Logo, Z é enumerável.

Teorema 1.1. Todo subconjunto X ⊂ N é enumerável

Demonstração. Vamos considerar os seguintes casos:

(i) X é finito. Pela definição (1.4) temos que X é enumerável;

(ii) X é infinito. Vamos definir por indução uma bijeção f : N −→ X. Colocaremos f (1)
como o menor elemento de X. Suponha que f (1), f (2), ..., f (n) são definidos de modo que
satisfazem as seguintes condições:

(a) f (1) < f (2) < ... < f (n);

(b) Bn = X − {f (1), f (2), ..., f (n)}, tem-se x > f (n) para todo x ∈ Bn
Note que Bn 6= ∅, pois X é infinito. Definimos, agora, f (n+1) como o menor elemento de Bn .
Então f (n + 1) > f (n) e x > f (n + 1) para todo x ∈ Bn+1 = X − {f (1), ..., f (n), f (n + 1)}.
Segue que:

(a) f é injetiva, pois f é crescente;

(b) f é sobrejetiva, pois se existisse algum x ∈ X − f (N), teriamos que x é maior que
qualquer natural do conjunto {f (1), f (2), ..., f (n)...} para todo n ∈ N. Então o conjunto
infinito f (N) ⊂ N seria limitado, o que é um absurdo, pois todo subconjunto limitado dos
naturais é finito e por hipotese X é infinito. 

Exemplo 1.4. O conjunto dos números primos, denotado por P ⊂ N, é infinito e é


enumerável.

Corolário 1. Seja f : X −→ Y injetiva. Se Y é enumerável, então X também é.

Demonstração. Como f é injetiva, temos que f é bijetora sobre sua imagem f (X). Como
Y é enumerável, então existe uma bijeção ϕ : N −→ Y . Sabemos que f (X) ⊂ Y , então a
composição ϕ−1 ◦ f : X −→ N é uma bijeção. Logo, X é enumerável. 
Capítulo 1. Noções Preliminares 14

Exemplo 1.5. Note que nos exemplos anteriores vimos que o conjunto dos números pares
positivos, bem como os impares positivos e os inteiros são enumeráveis, podemos fazer
o mesmo utilizando o corolário 1. Sabemos que N é enumerável, pois f : N −→ N é uma
bijeção. Então basta provar que g : N −→ 2N definida por f (n) = 2n é injetiva. Façamos:
Considere f (n1 ) = 2n1 e f (n2 ) = 2n2 . Se f (n1 ) 6= f (n2 ), temos:

2n1 6= 2n2 ⇒ n1 6= n2

Logo, f é injetiva. Pelo corolário 1, temos que 2N é enumerável.

Corolário 2. Seja f : X −→ Y sobrejetiva. Se X é enumerável, então Y também é.

Demonstração. Como f é sobrejetiva, para cada y ∈ Y podemos escolher x = g(y) ∈ X tal


que f (g(y)) = f (x) = y para todo y ∈ Y . Daí, temos que g é injetiva. Logo, pelo Corolário
1, temos que Y é enumerável. 

Corolário 3. O produto cartesiano de dois conjuntos enumeráveis é um conjunto enume-


rável.

Demonstração. Se X e Y são enumeráveis, então existem sobrejeções f : N −→ X e


g : N −→ Y . A função ϕ : N × N −→ X × Y dada por ϕ(m, n) = (f (m), g(n)) é sobrejetiva.
Basta mostrar que N × N é enumerável. Considere ψ : N × N −→ N dada por ψ(m, n) =
2m · 3n . Note que:

ψ(m1 , n1 ) 6= ψ(m2 , n2 ) ⇒ m1 6= m2 e n1 6= n2

pois a fatoração de primos é única, pelo Teorema Fundamental da Aritmética. Logo ψ é


injetiva. Como N é enumerável, pelo corolário 1, temos que N × N é enumerável. 

Exemplo 1.6. Considere Q = { m


n : m, n ∈ Z, com n 6= 0} o conjunto dos números racionais.
Mostraremos que Q é enumerável. Tome Z∗ = Z − {0}.
Definimos a função f : Z × Z∗ −→ Q, dada por f (m, n) = m
n, que é sobrejetora.
Pelo corolário 3, f : Z × Z∗ é enumerável, pois Z é enumerável. Por fim, pelo corolário 2,
temos que Q é enumerável.

Corolário 4. A união de uma família enumerável de conjuntos enumeráveis é enumerável.


Capítulo 1. Noções Preliminares 15

Demonstração. Sejam X1 , X2 , ..., Xn conjuntos enumeráveis, isto é, existem f1 : N −→



[
X1 , f2 : N −→ X2 , ..., fn : N −→ Xn bijeções. Queremos mostrar que X = Xn é enume-
n=1
rável. Considere a função:

ϕ : N × N −→ X
(m, n) 7→ ϕ(m, n) = fn (m)

Note que se x ∈ X, então x ∈ Xn para algum n ∈ N. Como Xn é enumerável, então existe


um m ∈ N tal que fn (m) = x, logo ϕ é sobrejetiva. Como N × N é enumerável, segue que,
pelo corolário 2, X é enumerável. 

Observação 1.1. O caso da união finita de conjuntos enumeráveis X1 ∪ X2 ∪ ... ∪ Xn é



[
um caso particular do corolário anterior, X = Xn = {X1 ∪ X2 ∪ ... ∪ Xn , ...}.
n=1

Exemplo 1.7. (Metodo da Diagonal) O conjunto X = (0, 1) ⊂ R não é enumerável.


Note que todo a ∈ (0, 1) pode ser escrito de dois modos. Veja o exemplo:

0, 5 = 0, 4999....

Iremos considerar todos os decimais no intervalo (0, 1) com infinitas casas decimais. Agora,
vamos supor que X é enumerável, isto é, X = {x1 , x2 , ..., xn }. Dai, segue que:

x1 = 0, a11 a12 a13 a14 a15 ...


x2 = 0, a21 a22 a23 a24 a25 ...
x3 = 0, a31 a32 a33 a34 a35 ...
x4 = 0, a41 a42 a43 a44 a45 ...
x5 = 0, a51 a52 a53 a54 a55 ...
.. .. .. .. .. .. .. .. . .
. . . . . . . . .

onde aij = {0, 1, 2, ..., 9}. Tomemos o número x = 0, b1 b2 b3 b4 ... de modo que

b = 1, se aii 6= 1


i
bi = 
b = 0, se aii = 1

i

Daí temos que x 6= xi , ∀i ∈ N, isto é, x ∈


/ X. Absurdo, pois X é o conjunto de todos os
decimais infinitos entre 0 e 1. Logo X não é enumerável.
Capítulo 1. Noções Preliminares 16

1.2 Números Reais

O conjunto dos números reais, representado por R, é um corpo. Um corpo é um


conjunto munido de duas operações, chamadas adição e multiplicação, que satisfazem
determinadas condições que são conhecidas como axiomas de um corpo. A adição corres-
ponde a um par de elementos x, y ∈ R tal que x + y ∈ R e a multiplicação associa esse
elementos de modo que seu produto x · y ∈ R.

Sejam a, b, c ∈ R, os axiomas que as operações (+, ·) obedecem são:


(A.1) Associatividade:

a + (b + c) = (a + b) + c
a · (b · c) = (a · b) · c

(A.2) Comutatividade:

a+b = b+a
a·b = b·a

(A.3) Elemento neutro:

a+0 = 0+a = a
a·1 = 1·a = a

(A.4) Elemtento inverso:

a + (−a) = −a + a = 0
a · a−1 = a−1 · a = 1, com a 6= 0.

(A.5) Distributividade:

a · (b + c) = a · b + a · c

Definição 1.2. Seja K um corpo, chamamos de corpo ordenado quando existe um


subconjunto X ⊂ K, chamado conjunto dos elementos positivos de K, com as seguintes
propriedades:
Capítulo 1. Noções Preliminares 17

(i) Se a, b ∈ X, então a + b ∈ X e a · b ∈ X;

(ii) Se a ∈ K, então a = 0, a ∈ X ou − a ∈ X.

Exemplo 1.8. R é um corpo ordenado, pois R+ ⊂ R cumpre as condições da definição.


Veja:

(i) Sejam x, y ∈ R+ , então x + y ∈ R+ e x · y ∈ R+

(ii) Seja x ∈ R+ , então x = 0, x ∈ R+ ou − x ∈ R+ .

Proposição 1.1. Sejam x, y, z ∈ R. Valem as seguintes relações de ordem em R:

(i) Se x < y e y < z, então x < z (Transitividade);

(ii) Se x, y ∈ R, então x = y, x > y ou x < y (Tricotomia);

(iii) Se x < y, então x + z < y + z, para todo z ∈ R (Monotonicidade da adição);

(iv) Se x < y, então xz < yz, para todo z > 0, e xz > yz, para todo z < 0 (Monotonicidade
da multiplicação).

Demonstração.

(i) Dados x < y e y < z, significa que y − x ∈ R+ e z − y ∈ R+ . Daí, segue que (y − x) +


(z − y) ∈ R+ , ou seja, z − x ∈ R+ . Logo x < z.

(ii) Sejam x, y ∈ R, ou x − y ∈ R+ ou − (x − y) ∈ R+ ou x − y = 0. No primeiro caso,


temos que x > y, no segundo x < y e no terceiro x = y.

(iii) Se x < y, então y − x ∈ R+ , onde (y + z) − (x + z) ∈ R+ . Logo, x + z < y + z.

(iv) Se x < y e z > 0, então y −x e z > 0 ∈ R+ . Temos que (y −x)z ∈ R+ , dai yz −xz ∈ R+ ,
isto é, xz < yz. Para z < 0, com −z ∈ R+ , temos que (y −x)(−z) ∈ R+ , daí (xz −yz) ∈ R+ ,
logo yz < xz. 

Definição 1.3. Dado x ∈ R, definimos valor absoluto como:



x, se x ≥ 0


|x| =

−x,

se x < 0
Capítulo 1. Noções Preliminares 18

ou |x| = máx{−x, x}.

Teorema 1.2. Se x, y ∈ R, então |x.y| = |x|.|y| e |x + y| ≤ |x| + |y|.

Demonstração.

(i) Dado x ∈ R temos que x2 = |x|2 e x2 = (−x)2 . Análogo para y ∈ R. Daí,

|x.y|2 = (x.y)2 = x2 .y 2 = |x|2 .|y|2 = (|x|.|y|)2 ,

obtemos,

|x.y|2 − (|x|.|y|)2 = 0.

Pela diferença de quadrados, temos

|x.y| = |x|.|y| ou |x.y| = −|x|.|y|.

Como |x.y| ≥ 0, temos que |x.y| = |x|.|y|.

(ii) Como |x| ≥ x e |y| ≥ y, temos que, somando as desigualdades, |x| + |y| ≥ x + y. Por
outro lado, |x| ≥ −x e |y| ≥ −y, temos que |x| + |y| ≥ −(x + y). Por fim, |x| + |y| ≥
|x + y| = máx{x + y, −(x + y)}. 

Teorema 1.3. Dados a, x, δ ∈ R, tem-se |x − a| < δ se, somente se, a − δ < x < a + δ.

Demonstração. Como |x − a| = máx{x − a, −(x − a)}, então:

|x − a| < δ ⇐⇒ x − a < δ e a − x < δ.

Multiplicando a segunda desigualdade por (−1),

x − a < δ e x − a > −δ ⇐⇒ −δ < x − a < δ.

Somando a na desigualdade, temos que a − δ < x < a + δ. O que completa a demonstração.




Definição 1.4. X é dito intervalo degenerado da reta quando X = [a, a] = {a} ⊂ R.

Definição 1.5. O conjunto X ⊂ R é dito limitado superiormente quando existe b ∈ R, tal


que x ≤ b, ∀x ∈ X. Chamamos b de cota superior de X.
Capítulo 1. Noções Preliminares 19

Definição 1.6. O conjunto X ⊂ R é dito limitado inferiormente quando existe a ∈ R, tal


que x ≥ a, ∀x ∈ X. Chamamos a de cota superior de X.

Definição 1.7. O conjunto X ⊂ R que atende as definições (1.7) e (1.8) ao mesmo tempo
é chamado conjunto limitado.

Exemplo 1.9. Sejam A, B e C ⊂ R tal que A = [−2, ∞), B = (−∞, 1] e C = (2, 3).
Note que A é limitado inferiormente por x ∈ R, tal que x ≤ −2, mas não é limitado
superiormente. O conjunto B é limitado superiormente por x ∈ R, tal que x ≥ 1. Por fim,
note que C é um conjunto limitado pelo intervalo [2, 3] tendo, ao mesmo tempo, cota
superior e inferior.

Anteriormente falamos sobre cotas superiores e inferiores, porém, podemos encontrar


a menor das cotas superiores ou a maior das cotas inferiores? há conjuntos em que podemos
mostrar a cara desses elementos? iremos definí-las.

Definição 1.8. Seja b ∈ R. b é dito supremo de X ⊂ R, limitado superiormente, quando


b é a menor das cotas superiores. Rigorosamente, supremo de X, atende as seguintes
propriedades:

(1) x ≤ b, ∀x ∈ X;

(2) Se existe c ∈ R tal que x ≤ c, ∀x ∈ X, então b ≤ c.


Denotamos o supremo do conjunto X como b = supX.

Definição 1.9. Seja a ∈ R. a é dito ínfimo de X ⊂ R, limitado inferiormente, quando a é a


maior das cotas inferiores. Rigorosamente, ínfimo de X, atende as seguintes propriedades:

(1) x ≥ a, ∀x ∈ X;

(2) Se existe c ∈ R tal que x ≥ c, ∀x ∈ X, então a ≥ c.


Denotamos o ínfimo do conjunto X como a = inf X.

Observação 1.2. R é completo, pois todo subconjunto não vazio, limitado superiormente,
X ⊂ R possui supremo, isto é, b = supX ∈ R.
√ √
Observação 1.3. Q não é completo, pois X = [0, 7) ⊂ Q. Note que b = 7 = supX ∈
/ Q.
Capítulo 1. Noções Preliminares 20

Outra observação importante referente ao conjunto Q é que ele é denso na reta, ou


seja, em R. Formalizaremos tal definição e demonstraremos este fato a seguir.

Definição 1.10. Um conjunto S ⊆ R é dito denso em R se dado (a, b) ⊆ R, com a < b,


então S ∩ (a, b) 6= ∅.

Proposição 1.2. Q é denso em R.

Demonstração. Seja (a, b) ⊆ R, com a < b. Então, temos que b − a > 0. Pela propriedade
1
arquimediana, existe n ∈ N, tal que 0 < < b − a. Daí, segue que bn − an > 1. Como o
n
comprimento do intervalo (an, bn) é maior que 1, existe m ∈ Z tal que m ∈ (an, bn), isto é,
m
an < m < bn. Dividindo a desigualdade por n, segue que a < < b. Logo, Q é denso em
n
R. 

Teorema 1.4. (Teorema dos Intervalos Encaixados): Dado a sequência decrescente I1 ⊃


I2 ⊃ I3 ⊃ ... ⊃ In ⊃ ... de intervalos limitados e fechados com In = [an , bn ] existe pelo menos

\
um número real c tal que c ∈ In , ∀n ∈ N, isto é, In 6= ∅.
n=1

Demonstração. Os intervalos encaixados garantem que a1 ≤ a2 ≤ ... ≤ an ≤ ... ≤ b2 ≤ b1 .


Logo, o conjunto X = {a1 , ..., an , ...} é limitado superiormente por qualquer bi . Seja
c = supX. Como c é a menor das cotas superiores, devemos ter c ≤ bn , ∀n ∈ N. Logo, c ∈ In ,
∀n ∈ N. 

Teorema 1.5. O conjunto dos números reais não é enumerável.

Demonstração. Suponha, por absurdo, que existe uma bijeção f : N −→ R. Seja I1 = [a1 , b1 ]
um intervalo limitado e não degenerado da reta, tal que y1 = f (1) ∈
/ I1 . Se y2 ∈
/ I1 , então
fazemos I2 = I1 . Se y2 ∈ I1 , então y2 6= a1 ou y2 =
6 b1 . Suponha y2 6= a1 , temos I2 =
[a1 , a1 +y
2 ], logo y2 ∈
2
/ I2 . Suponha que podemos criar uma sequência decrescente de intervalos
a1 + y n
 
In com I1 ⊃ I2 ⊃ I3 ⊃ ... ⊃ In , tal que yn ∈/ In = a1 , . Deste modo, podemos obter
 2
a1 + yn+1

um intervalo não degenerado In+1 = a1 , ⊂ In , tal que yn+1 ∈/ In+1 , ∀n ∈ N.
2
Pelo teorema dos Intervalos Encaixados, existe um c ∈ In , ∀n ∈ N. Como yn ∈ / In temos
que c 6= yn , ∀n ∈ N. Absurdo, pois c não é imagem de nenhum natural, isto é, f não é
sobrejetiva. O que completa a demonstração, pois exibimos um c real que não foi enumerado
pela f , implicando que o conjunto dos números reais não é enumerável. 
Capítulo 1. Noções Preliminares 21

Observação 1.4. O teorema (1.5) nos mostra que o infinito dos R é maior que o infinito
dos N.

Observação 1.5. Chamamos o conjunto R − Q de conjunto dos números irracionais.

Observação 1.6. Note que Q 6= R, pois R não é enumerável. Daí, segue que Q ∪ (R − Q) =
R, implica que R − Q não é enumerável. (Consultar Corolário 4, seção 1, capítulo 1).

Exemplo 1.10. Seja p-primo, mostraremos que p ∈ R − Q. Façamos:

Considere p = ab , com a e b primos entre si e b =
6 0. Elevando ambos os membros ao
quadrados, temos:

a2
p=
b2

Dai,

p.b2 = a2

Absurdo, pois do lado esquerdo da igualdade há uma quantidade par de fatores primos e

do lado direito uma quantidade impar. Logo p ∈ R − Q.

1.3 Sequências e Séries

Nesta seção serão exibidos alguns conceitos referente a sequências e séries, visto
que, posteriormente, nos ajudarão na demonstração de alguns resultados.

1.3.1 Sequências de números reais

Definição 1.11. Uma sequência de números reais é uma aplicação a : N −→ R definida


por x(n) = an . Denotamos a sequência por (xn )n∈N ou simplesmente (xn ).

Definição 1.12. Dados (xn ) e (yn ), se existem c1 , c2 ∈ R, tais que xn ≤ c1 , ∀n ∈


N e c2 ≥ yn , ∀n ∈ N então (xn ) é limitada superiormente e (yn ) é limitada inferiormente.
Se c1 ≤ zn ≤ c2 , ∀n ∈ N, então (zn ) é dita limitada.
Capítulo 1. Noções Preliminares 22

Definição 1.13. (Limite de uma sequência): a ∈ R é limite de (xn ) se para todo ε > 0,
é possível encontrar n0 ∈ N, tal que todos os termos da sequência com indice n > n0
satisfazem |xn − a| < ε. Denotamos como xn −→ a ou lim xn = a.
Em símbolos: lim xn = a ⇐⇒ ∀ε > 0, ∃n0 ∈ N : n > n0 → |xn − a| < ε

Teorema 1.6. O limite de (xn ), quando existe, é único.

Demonstração. Suponha que lim(xn ) = a e lim(xn ) = b, com b 6= a. Suponha que para


b−a
n suficientemente grande temos que b > a. Tome ε = e observe que I ∩ J = ∅
2

Figura 1 – Representação do intervalo com os pontos a e b


fonte: produzida pelo autor.

Como limxn = a, ∃n1 ∈ N, tal que n > n1 =⇒ |xn − a| < ε, isto é, xn ∈ I. Por
outro lado, limxn = b, ∃n2 ∈ N, tal que n > n2 =⇒ |xn − b| < ε, isto é, xn ∈ J. Tome
n0 = máx{n1 , n2 }, então para n > n0 , temos que |xn − a| < ε e |xn − b| < ε ⇐⇒ xn ∈ I ∩ J.
Absurdo, pois I ∩ J = ∅. Logo o limite é único. 

Teorema 1.7. Toda sequência convergente é limitada.

Demonstração. Se (xn ) → a, então, por definição, ∀ε > 0, ∃n0 ∈ N, tal que n > n0 =⇒
|xn − a| < ε. Tomando ε = 2, temos que |xn − a| < 2 =⇒ a − 2 < xn < a + 2. Segue que
xn ∈ [a − 2, a + 2], ∀n > n0 ∈ N. Logo (xn ) é limitada. 

Observação 1.7. Note que o fato da sequência ser limitada não implica que ela converve.
Um exemplo para esse fato é a sequência (xn ) = 1 + (−1)n+1 = (2, 0, 2, 0, 2, 0...). Veja que
|xn | ≤ 2, ∀n ∈ N, mas não existe limite, pois (x2n ) = (0, 0, 0, 0...) e (x2n+1 ) = (2, 2, 2, 2, ...).

Definição 1.14. Dizemos que uma sequência (xn ) é

(i) monótona crescente se xn ≤ xn+1 , para ∀n ∈ N;


Capítulo 1. Noções Preliminares 23

(ii) monótona decrescente se xn ≥ xn+1 , para ∀n ∈ N.

Observação 1.8. Note que toda sequência xn ≤ xn+1 é limitada inferiormente e a sequên-
cia xn ≥ xn+1 é limitada superiormente pelo seu primeiro termo.

Teorema 1.8. Toda sequência monótona limitada é convergente.

Demonstração. Suponha que (xn ) é monotona crescente e limitada. Considere a a menor


das cotas superiores da sequência (xn ). Mostraremos que lim xn = a = sup{xi : i ∈ N}. Dado
ε > 0, a − ε não é cota superior de xn , isto é, ∃n0 ∈ N tal que a − ε < xn0 ≤ a. Como (xn )
é monotona crescente, temos que se n > n0 , então xn ≥ xn0 =⇒ a − ε < xn0 ≤ xn < a + ε.
Logo lim xn = a. 

Observação 1.9. A demonstração para uma sequência monótona decrescente é análoga e


seu limite converge para seu infimo, basta considerar a sequência (−xn ) crescente.
1
Exemplo 1.11. Note que a sequência (xn ) = é monotona decrescente e limitada pelo
n
1 1
   
sup = x1 e inf = 0. Logo, (xn ) converge para seu ínfimo, isto é, 0.
n n
Exemplo 1.12. Seja (xn ) = xn , com 0 < x < 1. Mostraremos que (xn ) é convergente e
seu limite é zero.
1 1 n0 1
 
Dado ε > 0, como 0 < x < 1, então > 1. Pelo item anterior, temos que > ⇒
x x ε
1 1
> ⇒ ε > xn0 . Logo, nenhum ε > 0 é cota inferior de (xn ), portanto, lim(xn ) = 0.
xn0 ε
Observação 1.10. lim xn = a ⇔ lim xn − a = 0 ⇔ lim |xn − a| = 0.

Para evitar calculos demasiados, o próximo teorema não sera demonstrado, caso o
leitor esteja curioso para a verificar a demonstração do mesmo, consultar Lima (2006),
pág. 116.

Teorema 1.9. (Operações com limites) Se (xn ) e (yn ) são convergentes e c uma constante,
então:

(i) a sequência constante (c) tem c como seu limite;

(ii) lim(xn ± yn ) = lim xn ± lim yn ;

(iii) lim xn .yn = lim xn . lim yn


Capítulo 1. Noções Preliminares 24

xn lim xn
(iv) lim = , se lim yn 6= 0.
yn lim yn
Teorema 1.10. (Permanencia do sinal) Se lim xn = a > 0, então existe n0 ∈ N tal que
n > n0 ⇒ xn > 0.

a
Demonstração. Dado ε > 0, tomando ε = , então existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) =
2
a 3a a
 
, , ou seja, xn > , assim n > n0 ⇒ xn > 0. 
2 2 2
Corolário 5. Sejam (xn ) e (yn ) sequências convergentes. Se xn ≤ yn para todo n ∈ N,
então lim xn ≤ lim yn .

Demonstração. Suponha que lim xn > lim yn . Então, teriamos que 0 < lim xn − lim yn =
lim(xn − yn ). Pelo teorema anterior, teriamos que xn − yn > 0 ⇒ xn > yn o que é um
absurdo, por hipótese xn ≤ yn . 

Observação 1.11. Mesmo supondo que xn > yn , para todo n, não podemos garantir que
1 1
lim xn > lim yn . Basta tomar a sequência constante (yn ) = 0 e (xn ) = . Claramente > 0,
n n
porém lim xn = lim yn = 0.

1.3.2 Séries

1
Como motivação, imaginemos que somemos de 1 a sua metade, isto é, e em
2
1
seguida pegássemos metade da metade de 1, que é , e somássemos. Continuando o esse
4
processo infinitamente, surge o questionamento, a soma em questão chegará a algum
número específico? Estudaremos de maneira introdutória o comportamento de algumas
somas infinitas nesta seção.

Definição 1.15. Seja (an ) uma sequência de números reais. A partir dela é formada uma
nova sequência do seguinte modo:
s 1 = a1
s 2 = a1 + a2
s 3 = a1 + a2 + a3
..
.
sn = a1 + a2 + a3 + ... + an
Capítulo 1. Noções Preliminares 25

Os números s1 , s2 , s3 , ..., sn são chamados somas parciais da soma infinita a1 + a2 + a3 +



X
... + an ... = an que é chamada de série.
n=1

X
Definição 1.16. Seja an uma série infinita e sn a soma parcial que define a série.
n=1
Então, quando lim sn existir e for S ∈ R, diremos que a série converge. Caso contrário, a
n→∞
série diverge.

1 X
Exemplo 1.13. Dada a série . Encontre sn em termos de n e calcule seu
n=1 n(n + 1)
1 1 1
limite com n −→ ∞. Note que an = = − . Daí, temos que:
n(n + 1) n n +1 
1 1 1 1 1 1 1 1 1
      
sn = 1 − + − + − + ... + − + −
2 2 3 3 4 n−1 n n n+1

Observe que o segundo termo da soma é cancelado com o terceiro, o quarto com o
quinto e assim sucessivamente até o n-ésimo termo da soma,sobrando apenas o primeiro e
o ultimo. Assim, temos que a soma do n termos da série é dado por

1 n
sn = 1 − =
n+1 n+1

Calculando seu limite, temos:


n
lim sn = lim
n n = lim 1 = 1
= lim n +
n→∞ n→∞ n + 1 n→∞ 1 n→∞ 1
1+
n n

A série converge para 1.



X 1
Exemplo 1.14. Dada a série n
. Encontre sn em termos de n e calcule seu limite
n=1 5
quando n −→ ∞.
1
Seja an = n . Temos que sua soma parcial é dada por:
5
1 1 1
sn = + 2 + ... + n (1.1)
5 5 5
1
Multiplicando sn por , temos:
5
1 1 1 1 1
sn = 2 + 3 + ... + n + n+1 (1.2)
5 5 5 5 5

Por fim, faremos a subtração de (1.1)-(1.2):


Capítulo 1. Noções Preliminares 26

1 1 1 1 4 1 1 5 1 1
   
sn − sn = − n+1 ⇒ 1 − sn = sn = − n+1 ⇒ sn = − n+1
5 5 5 5 5 5 5 4 5 5

Aplicando o limite quando n −→ ∞, temos:

5 1 1 5 1 1
 
lim s = n→∞
n→∞ n
lim − n+1 = . =
4 5 5 4 5 4

1
Logo, a série converge para .
4

(−1)n diverge.
X
Exemplo 1.15. Verifique que a série
n=0
Note que uma quantidade par da soma parcial resulta em sn = 0, enquanto em
uma quantidade ímpar sn = 1. Então lim sn não existe. Logo a série diverge.
n→∞
n
X 1
Exemplo 1.16. (Série Harmônica) Mostre que a série diverge.
n=1 n
Note que

n
1 X
=
n=1 n
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
     
1+ + + + + + + + + + + + + + + + ...
2 | 3 {z 4 } | 5 6 {z 7 8 } | 9 10 11 12 {z13 14 15 16 }
>0,5 >0,5 >0,5

Agrupando os termos deste modo, percebe-se que a série diverge, pois sua soma
dente ao infinito, mesmo que de forma lenta. Observe que agrupamos 2 termos, em seguida
4 e posteriormente 8. Então podemos fazer um agrupamento de termos de modo que sua
soma seja maior que 0,5.

Teorema 1.11. O termo geral de uma série convergente tem limite nulo.

X
Demonstração. Seja an = S. Sua soma parcial dos n-primeiros é dada por sn = a1 +
n=1
a2 + ... + an−1 + an . Considere agora sua soma parcial dos (n − 1)-primeiros termos dada
por sn−1 = a1 + a2 + ... + an−1 . Daí, temos que:
sn = sn−1 + an . Aplicando o limite com n −→ ∞ na igualdade, temos que:
lim s = lim sn−1 + lim an ⇒ S = S + lim an ⇒ lim an = 0 
n→∞ n n→∞ n→∞ n→∞ n→∞

Observação 1.12. O limn−→∞ an = 0 não implica que a série converge, basta observar a
1
série harmônica em que o limite do termo geral limn−→∞ = 0, mas a série é divergente.
n
Capítulo 1. Noções Preliminares 27

Observação 1.13. A contrapositiva é valida. Se a série é divergente, então o limite do


termo geral é diferente de zero.
a−1
Teorema 1.12. A série geométrica converge para se |q| < 1 e diverge se |q| ≥ 1.
q

Demonstração. A forma generalizada da série geométrica é dada por:



a.q n−1 = a + a.q + a.q 2 + ... + a.q n−1 + ...
X

n=1

Sua soma parcial é dada por:

sn = a + a.q + a.q 2 + ... + a.q n−1

Multiplicando sn por q, temos:

q.sn = a.q + a.q 2 + ... + a.q n−1 + a.q n

Subtraindo sn − q.sn , temos:

a. (1 − q n )
sn − qsn = a + a.q n ⇒ (1 − q) sn = a. (1 − q n ) ⇒ sn =
1−q

Consideremos os seguintes casos:

a
(i) Se |q| < 1, então n→∞
lim sn = . Logo a série converge;
1−q

(ii) Se q = 1, então sn = a.n, o que diverge quando n −→ ∞;



a.q n−1 = a + a(−1)1 + a.(−1)2 + ... + a.(−1)n−1 ... tem sua
X
(iii) Se q = −1, então a série
n=1
soma parcial sn = 0 se a quantidade de termos da soma for par e sn = a se a quantidade
de de termos for ímpar. Logo a série diverge;

(iv) Se |q| > 1, então lim a.q n−1 = a. lim q n−1 =


6 0. Logo, pelo teorema anterior, temos
n→∞ n→∞
que a série diverge. Observe que q n−1 pode ser tão grande quanto desejarmos para n
suficientemente grande. 
28

2 Números Algébricos e Transcendentes


Neste capítulo faremos uma caracterização dos conjuntos dos números algébricos
e transcendentes, além de uma pequena abordagem histórica sobre motivo pelo qual
utilizamos o nome transcendente. As principais referências utilizadas para a produção
deste capítulo foram Siqueira (2015) e Torres (2017).

2.1 Uma pequena abordagem histórica

A definição de números algebricos e transcendentes é do século XVIII e, segundo


o matemático Leonhard Euler (1707-1783), os números que recebem a classificação de
transcendente é porque eles transcendem o poder dos métodos algébricos, em outras
palavras, significa que não podemos operar um número transcendente com suas potências
e chegar nele mesmo. Por exemplo, podemos escrever o número 2 de modo que operando
com suas potências resultará no próprio 2, pois o mesmo é raiz do polinômio p(x) =
3x3 − 8x2 + 3x + 2. Assim, a raiz do polinômio tem relação com suas potências, veja:
2 = −3.23 + 8.22 − 3.2. Contudo, apesar de ter definido o que são números algébricos e
transcendentes, Euler morreu sem conseguir provar sua conjectura.

Apenas no século seguinte, em 1844, o matemático francês Joseph Liouville (1809-


1882) exibiu os primeiros exemplos de números transcendentes, assim provando sua
existência, o que certamente foi uma motivação para os matemáticos da época. A construção
do primeiro número transcendente, posteriormente, acarretou na nomeação do tal número
como constante de Liouville, em sua homenagem.

É importante ressaltar que o conceito de enumerabilidade veio depois do grande


resultado de Liouville com a construção de um número transcendente. Foi com o matemático
alemão Georg Cantor (1845-1918) que em 1874, com seus resultados referentes aos conceitos
de enumerabilidade de conjuntos, mostrou que o conjunto dos números algébricos é
enumerável e, portanto, o conjunto dos números transcendentes não é enumerável, assim,
não só a existência, mas também que a quantidade de números transcendentes é muito
maior que a dos números algébricos. De modo intuitivo, isso quer dizer que a infinidade de
números transcendente é maior do que a infinidade dos números algébricos.
Capítulo 2. Números Algébricos e Transcendentes 29

Muitos matemáticos da época não aceitaram os resultados de Cantor, o que se


entendia como um absurdo, pois até então os matemáticos aceitavam apenas um infinito,
isto é, não havia comparações entre diferentes tamanhos de infinitos. Apesar de ter sido
muito criticado, ele também recebeu apoio de grandes matemáticos como Deivid Hilbert
(1862 - 1943), matemático alemão, autor da frase: “Ninguém nos expulsará do paraíso que
Georg Cantor abriu para nós”.

Indicamos Andrade (2010) e Eves (1995) para mais detalhes sobre a história dos
resultados de Cantor.

2.2 Caracterização dos Números Algébricos

Definição 2.1. Seja Z o conjunto dos números inteiros. Chamamos de um polinômio


sobre Z em uma indeterminada x a expressão p(x) = a0 + a1 x + ... + an xn onde ai ∈
Z, ∀i ∈ {0, 1, ..., n}. Chamamos de polinômio mônico quando o coeficiente de maior grau
ou coeficiente lider é igual a 1, isto é, an = 1.

Definição 2.2. Definimos como número algébrico inteiro qualquer solução solução de um
polinômio mônico com seus coeficientes inteiros an−1 , ..., a2 , a1 , a0 .

Exemplo 2.1. Seja w ∈ Z. Note que w é solução da equação polinomial x−w = 0. Portanto,
qualquer w ∈ Z é um número inteiro algébrico.

Exemplo 2.2. (Número de Ouro ou proporção Áurea) Dados a, b ∈ R∗ , temos a relação


a+b a a
= . Tomando = ϕ, obtemos a equação
a b b

ϕ2 − ϕ − 1 = 0,

1+ 5
que tem como raiz ϕ = . Logo, por definição, número de ouro é inteiro algébrico.
2
√ √
Exemplo 2.3. A equação polinomial x2 + 9 tem como raízes x1 = i 3 e x2 = −i 3 são
inteiros algébricos.

Nos exemplos anteriores, vimos alguns exemplos de números algébricos inteiros, o


próximo resultado caracterizará os algébricos inteiros que são números reais.
Capítulo 2. Números Algébricos e Transcendentes 30

Teorema 2.1. Um número inteiro algébrico real é um número inteiro ou um número


irracional.

p
Demonstração. Suponha que w = ∈ Q, com p, q ∈ Z e q > 1, primos entre si, isto é, w ∈
/ Z,
q
seja raiz p(x) = xn + an−1 xn−1 + ... + a2 x2 + a1 x + a0 . Como p(w) = 0, temos que:

!n !n−1 !2 !
p p p p
+ an−1 + ... + a2 + a1 + a0 = 0
q q q q

pn pn−1 p2 p
+ a n−1 + ... + a 2 + a 1 + a0 = 0
qn q n−1 q2 q

pn pn−1 p2 p
= −a n−1 − ... − a 2 − a 1 − a0 (2.1)
qn q n−1 q2 q

Multiplicando (2.1) por q n , obtemos:

pn = −an−1 pn−1 q − ... − a2 p2 q n−2 − a1 pq n−1 − a0 q n

 
pn = q −an−1 pn−1 − ... − a2 p2 q n−3 − a1 pq n−2 − a0 q n−1 (2.2)
 
Note que t = −an−1 pn−1 − ... − a2 p2 q n−3 − a1 pq n−2 − a0 q n−1 ∈ Z, além disso, t 6= 0. Com
isso, temos que pn = qt, isto é, q|pn ⇒ q|p. Absurdo, pois p e q são primos entre si. Logo
p
w = não é solução. Isso significa que um número algébrico inteiro real é inteiro ou
q
irracional. 

Os próximos conceitos referentes ao conjunto dos números algébricos são mais


gerais, de modo que possamos caracterizá-lo de uma forma mais precisa a respeito de seu
comportamento.

Definição 2.3. Seja α ∈ C e um polinômio p(x) = an xn + an−1 xn−1 + ... + a2 x2 + a1 x + a0 ,


an 6= 0, com ai ∈ Z e i ∈ {0, 1, 2..., n}. Chamamos α de número algébrico quando p(α) = 0.
Denotamos como A o conjunto dos números algébricos.

Observação 2.1. Com relação a definição (2.3), é equivalente dizer que α é algébrico
quando é raiz de um polínômio p(x) = xn − bn−1 xn−1 + ... + b2 x2 + b1 x + b0 , com bi ∈ Q.
ai
Note que bi = 6 0.
e an =
an
Capítulo 2. Números Algébricos e Transcendentes 31

Observação 2.2. Todo inteiro algébrico real é algébrico, porém nem todo número algébrico
é inteiro algébrico real.
p
Exemplo 2.4. α = , com q 6= 0, é um número algébrico, pois α é raiz da equação
q
polinomial qx − p = 0.

Os números algébricos possuem propriedades de fechamento, as quais serão listadas


posteriormente. Para isso, destacaremos alguns conceitos importantes de álgebra linear
como conjuntos linearmente dependentes e independentes, base e dimensão. Indicamos
Steinbruch (1975) pág. 66 à 72.

Teorema 2.2. A forma um corpo, isto é, valem as seguintes condições:

(i) Se α e β ∈ A, então α + β ∈ A;

(ii) Se α e β ∈ A, então α.β ∈ A;

(iii) Se −α ∈ A, então α ∈ A;

(iv) Se α 6= 0 ∈ A, então α−1 ∈ A.

Para a demonstração dos fatos (i) e (ii) consideraremos a observação (2.1).

Demonstração.

(i) Considere p1 e p2 polinomios com coeficientes racionais p1 (x) = a0 + a1 x + a2 x2 + ... +


an−1 xn−1 + xn e p2 (x) = b0 + b1 x + b2 x2 + ... + bm−1 xm−1 + xm . Sejam α e β raízes de p1
e p2 , respectivamente. Então

αn + an−1 αn−1 + ... + a2 α2 + a1 α + a0 = 0 (2.3)

β n + bm−1 β m−1 + ... + b2 β 2 + b1 β + b0 = 0 (2.4)

Isolando o termo de maior grau, obtemos:

αn = −an−1 αn−1 − ... − a2 α2 − a1 α − a0 (2.5)


Capítulo 2. Números Algébricos e Transcendentes 32

β n = −bm−1 β m−1 − ... − b2 β 2 − b1 β − b0 (2.6)

Observe que αn é expresso como combinação linear de 1, α, α2 , ..., αn−1 e β n como


1, β, β 2 , ..., β n−1 . Multiplicando (2.3) por α e substituindo em (2.5) obtemos αn+1 como
combinação linear de 1, α, α2 , ..., αn−1 . Veja:

αn+1 + an−1 αn + an−2 αn−1 + ... + a2 α3 + a1 α2 + a0 α = 0


αn+1 + an−1 (−an−1 αn−1 − ... − a2 α2 − a1 α − a0 ) + an−2 αn−1 + ... + a2 α3 + a1 α2 + a0 α = 0

Fazendo a distributiva em an−1 , obtemos:

αn+1 − a2n−1 αn−1 − ... − an−1 a2 α2 − an−1 a1 α − an−1 a0 + an−2 αn−1 + ... + a1 α2 + a0 α = 0

Colocando αk , com k = {1, ..., n − 1}, em evidência, temos:

αn+1 + (an−2 − a2n−1 )αn−1 + ... + (a1 − an−1 a2 )α2 + (a0 − an−1 a1 )α − an−1 a0 = 0

Isolando αn+1 ,

αn+1 = (a2n−1 − an−2 )αn−1 + ... + (an−1 a2 − a1 )α2 + (an−1 a1 − a0 )α + an−1 a0

Logo, para j ≥ n podemos escrever αj como combinação linear de 1, α, α2 , ..., αn−1 . O


resultado é análogo para β p , com p ≥ m.

Considere os (m.n+1)-números 1, α +β, (α +β)2 , ..., (α +β)m.n e o espaço vetorial


sobre Q gerado pelos elementos B = {1, α, β, α2 , β 2 , αβ, ..., αn , β m , αn−1 β m−1 }. Como
B é o conjunto dos vetores gerados pelos (m.n)−elementos, então possui uma cardinalidade
menor ou igual a m.n. Logo a combinação linear de m.n + 1 ou maior são todas L.D.
Portanto, existe ri ∈ Q, nem todos nulos, tais que

r0 + r1 (α + β) + r2 (α + β)2 + ... + rm.n (α + β)m.n = 0

Isso significa que α + β satisfaz uma equação polinomial de grau menor ou igual a m.n.
Logo, α + β ∈ A. 

Demonstração.
Capítulo 2. Números Algébricos e Transcendentes 33

(ii) Consideramos, agora, (m.n + 1)-números 1, αβ, (αβ)2 , ..., (αβ)m.n . Seguindo o mesmo
argumento de (i), temos que para a ordem αj β p com j ≥ n e p ≥ m, logo existem
s0 , s1 , ..., sm.n , nem todos nulos, tais que

s0 + s1 (αβ) + ... + sm.n (αβ)m.n = 0

Isso significa que αβ é raiz de uma equação polinomial de grau menor ou igual a m.n.
Logo, αβ ∈ A. 

Demonstração.

(iii) Como α é algébrico, então existe uma equação polinomial da forma

p(x) = an .xn + an−1 xn−1 + ... + a2 x2 + a1 x + a0

tal que p(α) = 0. Então basta tomar o polinômio

p1 (x) = (−1)n an .xn + (−1)n−1 an−1 xn−1 + ... + (−1)2 a2 x2 + (−1)a1 x + a0

Note que −α é raiz de p1 , pois p(α) = p1 (−α) = 0. Logo −α ∈ A. 

Demonstração. Queremos mostrar que se α ∈ A, com α 6= 0, então α−1 ∈ A. Como α


satisfaz uma equação polinomial da forma

p(x) = an .xn + an−1 xn−1 + ... + a2 x2 + a1 x + a0

daí,

an .αn + an−1 αn−1 + ... + a2 α2 + a1 α + a0 = 0

multiplicando por α−n , obtemos:

an + an−1 α−1 + an−2 α−2 ... + a2 α2−n + a1 α1−n + a0 α−n = 0

Organizando as potências, temos

q(α−1 ) = an + an−1 (α−1 ) + an−2 (α−1 )2 + ... + a2 (α−1 )n−2 + a1 (α−1 )n−1 + a0 (α−1 )n = 0

1
O que mostra que α−1 é raiz do polinômio q(x). Em particular q(x) = p(x). 
x
Capítulo 2. Números Algébricos e Transcendentes 34

2.3 Existência dos Números Transcendentes

Teorema 2.3. O conjunto dos polinômios com coeficientes inteiros é enumerável.

Demonstração. Seja Z[x] = {an xn + an−1 xn−1 + ... + a1 x + a0 : n ∈ N, an =


6 0, ai ∈ Z}
o conjunto dos polinômios com coeficientes inteiros. A função

f : Z× Z× ...× Z∗ −→ Z[x]
(a0 , a1 , ..., an ) 7→ a0 + a1 x + ... + an xn

claramente é sobrejetiva, pois f −1 (a0 + a1 x + ... + an xn ) = (a0 , a1 , ..., an ). Pelo Corolário


2, da seção 1 do capítulo anterior, segue que Z[x] é enumerável. 

Em particular, sabemos que um polinômio p(x) ∈ Z[x] de grau n possui, no máximo,


n raízes complexas. Logo, p(x) = an xn + ... + a1 x + a0 em que ai ∈ Z, ∀i = 1, 2, ..., n, ...,
temos que o conjunto das raízes de um polinômio denotada por

Rp = {k ∈ R : p(k) = 0}

é finito e pela definição é enumerável.

Após a caracterização dos números algébricos, no próximo teorema, mostraremos a


existência dos números transcendentes e não são poucos.

Definição 2.4. Um número α ∈ C é dito transcendente quando não é algébrico, isto é,


α∈
/ Rp . Denotaremos o conjunto dos números transcendentes por T

Teorema 2.4. Existem números transcendentes.

Demonstração. Observe que



[
A= Rp
k∈Z[x]

é enumerável, pois a união de conjuntos enumeráveis é enumerável. Como R não é enume-


rável e R ⊂ C, segue que C não é enumerável.

Por outro lado, sabemos que C = A ∪ T. Como A é enumerável, temos que T não é
enumerável. Em particular, T 6= ∅, pois C é ilimitado. 
Capítulo 2. Números Algébricos e Transcendentes 35

O diagrama a seguir mostra a relação entre os números algébricos e transcendentes


reais.

Figura 2 – diagrama
fonte: produzida pelo autor
36

3 Os Números de Liouville
Sabemos que os racionais são densos na reta, é possivel se aproximar de um número
real por uma sequência de racionais, em particular números irracionais são aproximados
por uma sequência infinita de racionais. Porém, algumas aproximações são melhores do
que outras, isto é, convergem mais rápido para o número real. Por exemplo, para o número
π = 3, 1415926535... temos a seguinte sequência de racionais:
!
pj 3 31 314 3141 31415
 
= ; ; ; ; ; ...
qj 1 10 100 1000 10000

Note que a sequência tem como denominadores qj = 10−j , com j ∈ {0, 1, 2, ...}. Por
outro lado, π também pode ser aproximado por racionais com denominadores arbitrários,
22
em particular tem uma aproximação melhor. Por exemplo, = 3, 142857142857... é uma
7
314
aproximação melhor do que , porém não é melhor do que os termos seguintes da
! 100
pj 22 355
sequencia de racionais . Outra, aproximação melhor que , é o racional =
qj 7 113
3, 1415929203539823.... Observe que

22 314 355 3141592


π− < π− e π− < π−
7 100 113 1000000

Para exibir o primeiro número transcendente, Liouville criou uma propriedade que
qualquer número algébrico (real) satisfaz (teorema 3.1), tendo como fato principal que
tais números não são bem aproximados por racionais. Em seguida, exibiu uma classe de
números que não satisfaz a propriedade (definição 3.3). Daí, se o número não satisfaz a
propriedade que qualquer algébrico respeita, então é transcendente. A partir dessa ideia
Liouville exibiu o primeiro exemplo de número transcendente.

Para mais detalhes referente a aproximação de números reais por racionais, consultar
Moreira (2011) e Niven (1990).

Temos como resultado principal deste trabalho o primeiro número transcendente


da história (teorema 3.3), hoje conhecido como constante de Liouville. Este capítulo teve
como texto principal Marques (2007) e como complemento Amarante (2017), Lubeck
(2014) e Siqueira (2015).
Capítulo 3. Os Números de Liouville 37

3.1 A constante de Liouville

Definição 3.1. Um número α é dito algébrico de grau n se ele for raiz de uma equação
polinomial com coeficientes inteiros p(x) de grau n e não existe nenhum polinômio q(x) de
grau menor que n tal que q(α) = 0. Chamamos p(x) de polinômio minimal.
p
Exemplo 3.1. O número racional é de grau 1, pois anula a equação polinomial qx − p.
q
Observação 3.1. Note que esse exemplo mostra a generalização dos racionais como
números algébricos de grau 1.

Exemplo 3.2. 5 é um número algébrico de grau 2, pois apesar de anular a equação

polinomial x − 5, a mesma não se enquandra na definição. Daí, quando multiplicamos
pelo seu conjulgado, obtemos
p(x) = x2 − 5, (3.1)

sendo p(x) é o polinômio de menor grau ao qual 5 é raiz.

Definição 3.2. Um número real α é aproximável


! na ordem n por racionais se existem uma
pj
constante c > 0 e uma sequência de racionais distintos, com q > 0 e mdc(pj , qj ) = 1
qj
tais que

pj c
α− < n
qj qj
Proposição 3.1. Se α é n−aproximável, então:

(i) α é k−aproximável, para k < n;

pj
(ii) α − < c;
qj

(iii) (qj ) é ilimitada;

pj
(iv) lim = α.
j→∞ qj

Demonstração.

(i) Queremos mostrar que se α é aproximável na ordem n, então é aproximável na ordem


k, com k < n.
Capítulo 3. Os Números de Liouville 38

Tomando k = n − 1, obtemos:
pj c c c
α− < n= n−1
= (3.2)
qj qj q.q q.q k

Considere D = {qj ; j ∈ N}. Pelo Princípio da Boa Ordenação, existe q0 ∈ D, tal que
c
q0 ≤ qj , ∀j ∈ N. Tomando c0 = > 0, temos
q0
pj c c 1 c 1 pj c0
α− < n = . k ≤ . k ⇒ α− < k (3.3)
qj qj qj q j qo qj qj qj

Logo, α é aproximável na ordem k. 

Demonstração.

(ii) Como qj ∈ N, com qj ≥ 1. Temos que qjn ≥ 1. Logo,


pj c c
α− < n ≤ ≤c (3.4)
qj qj qj
pj
Logo, α − < c. 
qj

Demonstração.

(iii) Provaremos que (qj ) é ilimitada. Suponha por absurdo que (qj ) é limitada, isto é,
qj ≤ M . Sabemos que
pj 1
α− < n <1 (3.5)
qj qj
Multiplicando (3.5) por qj , temos:

|qj α − pj | < qj ≤ M ⇒ |qj α − pj | < M (3.6)

Aplicando a desigualdade trangular |a − b| ≥ |a| − |b| em (3.6), temos:

|pj | − |αqj | ≤ |αqj − pj | < M

daí,

|pj | − |αqj | < M ⇒ |pj | < M + |α|.|qj |

Como qj ≤ M , obtemos
|pj | < (|α| + 1)M. (3.7)
!
pj
Logo pj é limitado por (|α| + 1)M . Absurdo, pois é ilimitada. 
qj j≥1
Capítulo 3. Os Números de Liouville 39

Demonstração.

pj
(iv) Mostraremos que lim = α. Aplicando o limite j → ∞ na desigualdade,
j→∞ qj

pj c
0 ≤ α− < n (3.8)
qj qj

obtemos,
pj c
lim 0 ≤ lim α − < lim n (3.9)
j→∞ j→∞ qj j→∞ qj

segue que,
pj
lim =α (3.10)
j→∞ qj

Teorema 3.1. (Teorema de Liouville): Se α ∈ A ∩ R de grau n, então existe A = A(α) > 0,


tal que

p A
α− > n
q q
p
para todo ∈ Q, com q > 1.
q

Demonstração. Seja f (x) = a0 + a1 x + ... + an xn o polinômio minimal de α, com an 6= 0.


Então, existe δ > 0 tal que [α − δ, α + δ] ∩ Rf = {α}, onde Rf = {x ∈ R : f (x) = 0}.

Figura 3 – intervalo centrado em α


fonte: produzida pelo autor

p
Dado ∈ Q, vamos considerar os seguintes casos:
q
p
(i) ∈
/ [α − δ, α + δ];
q
p p
Como não pertence ao intervalo, a distância entre α e é maior que δ, isto é,
q q
p δ
α− >δ≥ n
q q
Capítulo 3. Os Números de Liouville 40

p
(ii) ∈ [α − δ, α + δ].
q
p
 
Note que f é contínua e derivável no intervalo α, . Pelo teorema do valor médio, existe
q
p
uma constante c entre α e tal que
q
!
p p
 
f (α) − f = f 0 (c). α − (3.11)
q q

Como f (α) = 0, pois α é raiz de f , aplicando o módulo em (3.11), temos que


!
p p
f = f 0 (c) . α − (3.12)
q q

Como f 0 é contínua num intervalo limitado, então admite uma cota superior, isto é,
p
 
0
|f (x)| ≤ M, ∀x ∈ α, . Daí,
q
!
p p p
f = f 0 (c) . α − ≤ M. α − (3.13)
q q q
!
p
Por outro lado, como f 6= 0, temos
q

p pn−1 pn
a0 + a1 + ... + an−1 n−1 + an n (3.14)
q q q
1
Colocando em evidência, obtemos
qn

a0 q n + a1 pq n−1 + ... + an−1 pn−1 q + an pn


qn

Note que |a0 q n + a1 pq n−1 + ... + an−1 pn−1 q + an pn | ≥ 1, segue que

|a0 q n + a1 pq n−1 + ... + an−1 pn−1 q + an pn | 1


≥ (3.15)
qn qn

Por transitividade em (3.13) e (3.15) , obtemos

p 1 p 1
M. α − ≥ n ⇒ α− ≥ (3.16)
q q q M.q n
1 1
 
Tomando A = min δ; , temos
2 M
p A
α− > n
q q


Capítulo 3. Os Números de Liouville 41

Observação 3.2. Pelo fato de Q ser denso em R é possível se aproximar-se de um número


real por racionais. O teorema de Liouville afirma que números algébricos reais não são bem
aproximados por racionais, respeitando esse comportamento. Para mais detalhes indicamos
Lubeck (2014).

Corolário 6. Se α ∈ R ∩ A de grau n, então α não é aproximável na ordem n + 1.

Demonstração. Suponha que α é aproximável na ordem n + 1, isto é,

pj c
α− < n+1
qj qj

Pelo teorema 3.1, temos

A c c
n < n+1 ⇒ qj <
qj qj A

O que é um absurdo, pois (qj ) é ilimitada. Logo, α não é aproximável na ordem n + 1 

) Seja α ∈ R, chamamos número de Liouville se existe uma sequência de


Definição( 3.3.
pj
racionais , com qj > 0 e mdc(pj , qj ) = 1, todos distintos, tais que
qj

pj 1
α− < j
qj qj
p
Proposição 3.2. Todo racional não é número de Liouville.
q
p
Demonstração. Suponha que α = é número de Liouville, isto é
q
pj 1
α− < j
qj qj

Por outro lado,

p pj pqj + pj q 1
− = ≥
q qj q.qj |q|.qj

Por transitividade, temos

1 1
> ⇒ |q| > qjj−1
qjj |q|.qj

p
Absurdo, pois (qj ) é ilimitada. Logo não é número de Liouville. 
q
Capítulo 3. Os Números de Liouville 42

Teorema 3.2. Todo número de Liouville é transcendente.

Demonstração. Suponha que


! α é um número de Liouville e algébrico de grau n. Então
pj
existe uma sequência tal que
qj j≥1

A pj 1
n < α− < j , ∀j ≥ 1
qj qj qj

Por transitividade, obtemos:

A 1 1
n < j ⇒ qjj−n <
qj qj A

Como j pode ser tão grande quando se queira, tem-se que j ≥ n + 1 implica que

1
qj ≤ qjj−n <
A
1
Logo (qj ) é limitada por . Contradição, pois pelo item (iii) da proposição 3.1 (qj ) é
A
ilimitada. 

Observação 3.3. O fato de todo número de Liouville ser transcendente não implica que
todo transcendente é número de Liouville. Os números π e e são exemplos clássicos de
números transcentes que não são números de Liouville. e foi demonstrado por Hermite, em
1873, e π foi demonstrado por Lindemann, em 1884, Lafeta (2016). Para outro exemplo de
transcendente indicamos Oliveira (2015).

Teorema 3.3. O número real l definido por


1 1 1
10−n! =
X
l= + 2! + 3! + ...
i=1 10 10 10

é número de Liouville.

Demonstração. Definindo pj e qj como


j
10j!−n!
X
pj = (3.17)
n=1

e
qj = 10j! (3.18)
Capítulo 3. Os Números de Liouville 43

Obtemos
j
pj
10−n!
X
= (3.19)
qj n=1
Daí, segue que

pj 1 1 1
10−n! = (j+1)! + (j+2)! + (j+3)! ...
X
l− = (3.20)
qj n=j+1 10 10 10

1
Colocando em evidência, temos
10(j+1)!

pj 1 1 1
 
10−n! = (j+1)! 1 + (j+2)!−(j+1)! + (j+3)!−(j+1)! + ...
X
l− = (3.21)
qj n=j+1 10 10 10

Observe que (j + k)! − (j + 1)! > k − 1, para k ∈ N, com k > 2. De fato, isso ocorre, pois

(j + 1)![(j + k)(j + k − 1)...(j + 2) − 1] > k − 1

Fazendo uma estimativa com os as potências de (3.21), temos


(j + 2)! − (j + 1)! > 1









(j + 3)! − (j + 1)! > 2

 ..
.








(j + k)! − (j + 1)! > k − 1

Dai, segue que

1 1 1 1 1 1
   
1+ + + ... < 1 + + 2 + ... (3.22)
10(j+1)! 10(j+2)!−(j+1)! 10(j+3)!−(j+1)! 10(j+1)! 10 10
1 1 1
 
Como 1 + + 2 + ... é uma série geométrica de razão r = , segue que
10 10 10
 
pj 1  1 
l− < (j+1)! .  1 

qj 10 
1−
10
pj 10 10 1
⇒ l− < < =
qj 9.10(j+1)! 10(j+1)! 10(j+1)!−1

Como

1 1 1
≤ =
10(j+1)!−1 qjj 10j!j
Capítulo 3. Os Números de Liouville 44

Basta mostrar que (j + 1)! − 1 ≥ j!j. Façamos

(j + 1).j! − 1 ≥ j!j ⇒ j.j! + j! − 1 ≥ j!j

Claramente, j! − 1 ≥ 0. Logo,

10−n!
X
l= (3.23)
n=1
é número de Liouville e, portanto, é transcendente. 

Exemplo 3.3. Os números da forma



X an
l= n!
= 0, a1 a2 000a3 00000000000000000a4 00... (3.24)
n=1 10

com an ∈ {1, 2, ..., 9}, para todo n ∈ N são números de Liouville. A demonstração desse fato
é análoga ao teorema (3.3). A demonstração deste fato pode ser encontrada em Marques
(2007).

Nem todo número de Liouville é da forma do exemplo (3.3).

Exemplo 3.4. O número

1 1 1
α = 1+ 1
+ 21 + 21 + ... = 1, 5625000000000035527... (3.25)
2 4 84
é número de Liouville. A demonstração deste fato encontra-se em Marques (2007).
45

4 Conclusão
Apesar de ser complexa, a Teoria dos Números Transcendentes (TNT) trás uma
nova ideia referente ao conceito e classificação dos números. Por ser uma área da matemática
com vários problemas em aberto, a TNT abre um grande leque de questionamentos e
possibilidades referente ao comportamento algébrico dos mesmos. Por exemplo, apesar de
e e π, comprovadamente, serem números transcendentes não sabemos se e + π ou eπ são.
Mesmo que este fato aparentemente seja natural, não se tem uma demonstração deste fato.
Hoje, tem-se a conjectura de que π e e são linearmente independentes e tal fato implica
que a soma e o produto dele são números transcendentes.

Em muitos casos, o conceito de número irracional é baseado apenas em que tal


número não pode ser escrito como uma razão de dois números inteiros com denominador
diferente de zero, isto é, não pode ser um número racional. Apesar desse fato nos ajudar
muito na compreensão dos números irracionais, somente essa definição não nos ajuda a
mostrar que outros números, como π e e, são números irracionais.

Portanto, seja para o ensino básico ou superior, se faz importante o conhecimento


sobre os números transcendentes para melhor compreensão do conceito e do comportamento
dos números irracionais, visto que apesar de existirem irracionais que são raízes de
polinômios com coeficientes inteiros tal fato não é geral.
46

Referências
AMARANTE, Evandro M. de S. Uma Abordagem sobre os números de Liouville.
Trabalho de Conclusão de Curso do Mestrado Profissional em Matemática. Universidade
Federal da Bahia, 2017.

ANDRADE, Maria G. C. Um breve passeio ao infinito real de Cantor. V Bie-


nal da SBM, Outubro, 2010.

EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Campinas: Unicamp, 1995.

LAFETA, Anna C.; SILVA, Elaine e LELIS, Jean. Teoria dos Números Transcenden-
tes: Do teorema de Liouville à conjectura de Schanuel, 1a ed. Bienal da Matemática,
Rio de Janeiro, 2016.

LEITHOLD, Louis. Cálculo com Geometria Analítica. 3a ed. Vol. 2. Harbra Ltda.,
São Paulo, 1994.

LIMA, Elon L. Análise Real. Textos Universitários. 8a ed. Vol. 1. Rio de Janeiro,
IMPA, 2006.

LUBECK, Kelly R. e FRIEDMANN, Priscila. Constante de Liouville: uma esco-


lha não feita por acaso. BoEM-Boletim online de Educação Matemática, 2(3):2-16,
2014.

MARQUES, Diego. Alguns resultados que geram números transcendentes. Disser-


tação de mestrado. Universidade Federal do Ceará, 2007.

MOREIRA, Carlos Gustavo T. de. Frações Contínuas, representações de núme-


ros e aproximações diofantinas. 1o Cológuio da Região Sudeste, 2011.

NIVEN, Ivan. Números: Racionais e Irracionais. ed. SBM, Rio de Janeiro, 1990.
Capítulo 4. Conclusão 47

OLIVEIRA, Diego e HOYOS, Marina G. C. Números Transcendentes: Números


de Liouville e a Constante de Chapernowne. Trabalho de Conclusão de Curso do
Mestrado Profissional em Matemática. Universidade Federal São João del Rei, 2015.

SIQUEIRA, Cleuber B. Equações Polinomiais e Números Transcendentes. Tra-


balho de Conclusão de Curso do Mestrado Profissional em Matemática. Universidade
Federal de Goiás, 2015.

STEINBRUCH, Alfredo; WINTERLE, Paulo. Álgebra linear. 2a ed. McGrall-Hill, São


Paulo, 1975.

TORRES, Mário R. R. Números Algébricos e Transcendentes. Trabalho de Conclu-


são de Curso do Mestrado Profissional em Matemática. Universidade Federal do Ceará,
2017.

Você também pode gostar