Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Nada de Especial - Vivendo Zen - Charlotte Joko Beck - PDF Versão 1
Nada de Especial - Vivendo Zen - Charlotte Joko Beck - PDF Versão 1
Vivendo Zen
Editora Saraiva
1ª edição, 1994
ORELHAS: 4
PREFÁCIO 5
I. LUTA 7
RODAMOINHOS E ÁGUAS PARADAS 7
O CASULO DA DOR 14
SÍSIFO E O FARDO DA VIDA 20
RESPONDENDO ÀS PRESSÕES 27
A BASE DE APOIO 33
II. SACRIFÍCIO 41
SACRIFÍCIO E VÍTIMAS 41
A PROMESSA QUE NUNCA É CUMPRIDA 45
JUSTIÇA 52
PERDÃO 53
A FALA QUE NINGUÉM DESEJA OUVIR 54
O OLHO DO FURACÃO 64
III. SEPARAÇÃO E VÍNCULOS 68
PODE ALGUMA COISA NOS FERIR? 68
O PROBLEMA SUJEITO-OBJETO 77
INTEGRAÇÃO 85
OS TOMATEIROS RIVAIS 89
NÃO JULGAR 95
IV. MUDANÇA 102
PREPARO DO TERRENO 102
EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS 106
O DIVÃ DE GELO 110
DERRETENDO OS CUBOS DE GELO 120
O CASTELO E O FOSSO 126
V. PERCEPÇÃO CONSCIENTE 134
O PARADOXO DA PERCEPÇÃO CONSCIENTE 134
RECOBRANDO O JUÍZO 143
ATENÇÃO SIGNIFICA ATENÇÃO 152
FALSAS GENERALIZAÇÕES 158
OUVINDO O CORPO 165
VI. LIBERDADE 169
OS SEIS ESTÁGIOS DA PRÁTICA 169
CURIOSIDADE E OBSESSÃO 175
TRANSFORMAÇÃO 184
O HOMEM NATURAL 190
VII. DESLUMBRAMENTO 201
A QUEDA 201
O SOM DE UM POMBO E UMA VOZ CRÍTICA 207
CONTENTAMENTO 211
CAOS E DESLUMBRAMENTO 219
VIII. NADA ESPECIAL 225
DO DRAMA AO NÃO-DRAMA 225
MENTE SIMPLES 232
DOROTHY E A PORTA TRANCADA 234
PEREGRINAR NO DESERTO 243
A PRÁTICA É DAR 247
Orelhas:
Viver o zen n ã o é n a d a d e es pecial: é a p en a s a vid a com o t a l.
O zen é a vid a em s i, n a d a m a is . Qu a n d o b u s ca m os n o zen (ou em
qu a lqu er ca m in h o es p ir it u a l) a r ea liza çã o d e n os s a s fa n t a s ia s ,
separamo-n os d a t er r a e d o céu , d os n os s os s er es a m a d os , d e
n os s o cor a çã o, p ois t a is fa n t a s ia s n os coloca m n u m is ola m en t o
t em p or á r io. A r ea lid a d e, n o en t a n t o, s e in s in u a d e m il m a n eir a s , e
a n os s a vid a s e t or n a u m a cor r er ia d es en fr ea d a , u m d es es p er o
m u d o, m elod r a m a s con fu s os . Dis t r a íd os e ob ceca d os , lu t a n d o p or
a lgo es p ecia l, b u s ca m os ou t r o lu ga r e ou t r o t em p o: n ã o o a qu i,
n em o a gor a e t a m p ou co o is t o t u d o, m en os a vid a com u m ,
esse... nada de especial.
E m Na d a d e es p ecia l, Ch a r lot t e J ok o ob s er va : "As cois a s s ã o
semp r e o qu e s ã o". E s s e p en s a m en t o n ã o é u m con s elh o d e
d es es p er o, m a s u m con vit e a o con t en t a m en t o. Viven d o a p a r t ir d o
qu e s om os , s a ím os d e u m a vid a cen t r a d a em n ós p a r a u m a vid a
centrad a n a r ea lid a d e. Ab a n d on a n d o os p en s a m en t os m á gicos ,
despert a n d o p a r a a m á gica d o m om en t o a t u a l, d a m o-n os con t a d a
graça do nada de especial... o zen vivido.
As r eflexões d e J ok o Beck s ob r e t óp icos com o lu t a , s a cr ifício,
s ep a r a çã o e vín cu los , m u d a n ça , con s cien t iza çã o, lib er d a d e e d es -
lu m b r a m en t o r evela m d e qu e m a n eir a a ver d a d eir a es p ir it u a lid a d e
n ã o im p lica u m a vid a r eclu s a , s ep a r a d a , m a s u m m er gu lh a r n a s
vivên cia s d iá r ia s os s en t im en t os , os r ela cion a m en t os , o t r a b a -
lho com con s ciên cia , h on es t id a d e e in t egr id a d e. Dot a d a d e u m a
p er s p icá cia e d e u m d is cer n im en t o h oje céleb r es , es t a con s a gr a d a
m es t r a ocid en t a l con t em p or â n ea a p r es en t a n ova s d im en s ões p a r a
a s im p lifica çã o d e n os s o viver . Com is s o Ch a r lot t e J ok o r evela
como quando nada é especial tudo pode sê-lo.
Nad a d e e s p ecial fa la d o a t em p or a l e d o p er en e, com
m et á for a s s im p les e cla r a s p a r a a s cois a s com u n s e os in cid en t es
d o d ia -a -d ia , ilu m in a n d o com m a r a vilh os o b om s en s o a n os s a vid a .
Prefácio
O zen vivo n ã o é n a d a es p ecia l: é a vid a com o t a l. O zen é a
vid a em s i, n a d a m a is , "Nã o p on h a u m a ou t r a ca b eça em cim a d a
s u a ", d ecla r ou o m es t r e Rin za i. Qu a n d o b u s ca m os n o zen (ou em
qu a lqu er ca m in h o es p ir it u a l) a r ea liza çã o d e n os s a s fa n t a s ia s ,
separamo-n os d a t er r a e d o céu , d os n os s os s er es a m a d os , d e
n os s os cor a ções e d e n os s a s cos t a s qu e d oem , d a s p r óp r ia s s ola s
d e n os s os p és . E s s a s fa n t a s ia s n os coloca m n u m is ola m en t o
temporário; no entanto, a realidade insinua-s e d e d ez m il m a n eiras
e n os s a s vid a s t or n a m -s e cor r er ia s d es en fr ea d a s , u m m u d o
d es es p er o, m elod r a m a s con fu s os . Dis t r a íd os e ob ceca d os , lu t a n do
p or a lgo es p ecia l, b u s ca m os ou t r o lu ga r e ou t r o t em p o: não o a qu i,
não o a gor a, não is t o. Tu d o m en os es s a vid a com u m , es s e... n a d a
especial.
O zen vivo s ign ifica u m a in ver s ã o d e n os s a fu ga d o n a d a ,
u m a a b er t u r a p a r a o va zio d o a qu i-a gor a . De m a n eir a len t a e
d olor os a r econ cilia m o-n os com a vid a . O cor a çã o es m or ece, a
es p er a n ça m or r e. "As cois a s s ã o s em p r e o qu e s ã o", ob s er va J ok o.
E s s a t a u t ologia va zia n ã o é u m con s elh o d e d es es p er o, m a s u m
con vit e a o con t en t a m en t o. Ao m or r er m os p a r a os s on h os d o ego,
a o a b a n d on a r m os o es for ço d e ob t er r es u lt a d os , r ecu p er a m os a
s im p licid a d e d a m en t e. No ja r d im d a s exp er iên cia s cot idianas
d es en t er r a m os t es ou r os in es p er a d os . In gen u a m en t e, viven d o a
p a r t ir d o qu e s om os , s a ím os d e u m a vid a cen t r a d a em n ós p a r a
u m a vid a cen t r a d a n a r ea lid a d e e a b er t a a o d es lu m b r a mento.
Ab a n d on a n d o os p en s a m en t os m á gicos , d es p er t a n d o p a r a a m a gia
d o m om en t o a t u a l, d a m o-n os con t a , n o va zio d in â m ico, d a gr a ça
do nada em especial... o zen vivo.
E m s u a vid a e em s eu s en s in a m en t os , em s u a p r óp r ia p r e-
sença, Joko Beck manifesta a ausência notável que é o zen vivo.
Com o ob s er va Len or e Fr ied m a n : "E m s u a n a t u r a lid a d e
absoluta, Joko encarna a qualidade zen do 'nada especial'. Ela está
a p en a s a li, em ca d a s im p les m om en t o" *, A cla r eza s em cer im ônia
d e J ok o va i lon ge. S u a s id éia s ecoa r a m n u m n ú m er o in con t á vel d e
leit or es p elo m u n d o t od o. S e m p re z en : Com o in trod u z ir a p rá tica d o
z en e m s e u d ia-a-d ia t r ou xe os en s in a m en t os e a cla r eza d o zen
p a r a a vid a d iá r ia n u m a for m a s in t on iza d a com os r it m os d a vid a
ocid en t a l con t em p or â n ea . Nad a e s p ecia l: o z en v ivo a m p lia e
a p r ofu n d a os en s in a m en t os d e J ok o. S u a eleva d a m a t u r id a d e e
b em p r óxim a a t en çã o d a p r á t ica em s i fa zem d es t e livr o u m t ext o
útil não só para aqueles que desejam compreender melhor o zen no
Ocid en t e, com o t a m b ém p a r a a qu eles qu e es t ã o d et er m in a d os a
transformar suas vidas.
Como a a n t er ior , es t a ob r a é fr u t o n ã o s ó d a s id éia s d e J ok o,
m a s t a m b ém d o gen er os o a p oio d e m u it os d e s eu s d ed ica dos
a m igos e a lu n os . Os leit or es en con t r a r ã o a qu i p a les t r a s qu e es s es
a lu n os a m igos t r a n s cr ever a m ou s u ger ir a m qu e fos s em in clu íd a s .
S em a a ju d a qu e p r es t a r a m , es t e livr o t a lvez n ã o t ives s e s id o
con clu íd o. J oh n Lou d on , ed it or -ch efe d a Ha r p er em S a n
Fr a n s cís co, or ien t ou es t e p r ojet o com in cen t ivos e s a b ed oria.
Agradeço-lh e p or s u a lid er a n ça e s en s a t ez. Pou cos a u t or es e
ed it or es p od em s er m a is a for t u n a d os qu e eu em t er m os d e a s s is -
t ên cia ed it or ia l: com u m b om h u m or in a b a lá vel, Pa t Pa d illa
t r a b a lh ou com r a p id ez e p r ecis ã o em m in h a s ger a lm en t e d es or -
denadas revisões. Mais uma vez, colaborar com Joko foi a maior de
t od a s a s a legr ia s . Com u m a com p a ixã o qu e a s a b ed or ia t or nou
madura, ela continua servindo todas as vidas que toca.
Steve Smith
Claremont, Califórnia
Fevereiro de 1993.
*
Meetings with remarkable women: Buddhist teachers in America, Boston: Shambala,
1987, p. 112
I. Luta
R ODAMOINHOS E ÁGUAS PARADAS
*
Os votos são os seguintes: "Preso num sonho autocentrado: somente sofrimento /
Apegado a pensamentos autocentrados: exatamente o sonho. / A cada momento, a vida é
assim: a única mestra. / Ser somente este momento: o caminho da compaixão"
d es a gr a d á veis . Ain d a a s s im , é fu n d a m en t a l qu e veja m os o qu e
estam os fa zen d o. Qu a n t o m a is t em p o p r a t ica r m os , m a is p r on t a -
m en t e p od er em os r econ h ecer n os s os p a d r ões d e d efes a . O p r o-
ces s o n u n ca é fá cil ou in d olor , p or ém , e a qu eles qu e es t ã o
es p er a n d o en con t r a r u m lu ga r fá cil e r á p id o p a r a d es ca n s a r n ã o
deverão embarcar nessa viagem.
Por es s e m ot ivo é qu e n ã o m e s in t o à von t a d e com o
crescimento do Centro Zen em San Diego. Um número excessivo de
a p r en d izes es t á em b u s ca d e s olu ções fá ceis e in d olor es p a r a s u a s
d ificu ld a d es . Pr efir o u m cen t r o m en or , lim it a d o à qu eles qu e es tão
p r on t os e d is p os t os a execu t a r o t r a b a lh o. Cla r o qu e n ã o es p er o d e
p r in cip ia n t es o m es m o qu e d e p r a t ica n t es m a is exp er ien t es .
E s t a m os t od os a p r en d en d o, ca d a vez m a is . No en t a n t o, qu a n t o
maior o centro, mais difícil é manter o ensino limpo e rigoroso. Não
é im p or t a n t e o n ú m er o d e a lu n os qu e con s egu im os a t r a ir p a r a o
centro. Importante é manter forte a prática. Por isso estou exigindo
ca d a vez m a is n os en s in a m en t os . E s t e n ã o é u m lu ga r p a r a qu em
es t á in t er es s a d o n u m a p a z ou n u m es t a d o d e gr a ça a r t ificia is , ou
em algum outro estado particular.
O qu e ob t em os efet iva m en t e d a p r á t ica é t or n a r m o-n os m a is
con s cien t es , m a is d es p er t os , m a is vivos . É r econ h ecer n os sas
t en d ên cia s n ociva s t ã o b em qu e n ã o t en h a m os n eces s id a d e d e p ô-
la s em p r á t ica com os ou t r os . Ap r en d em os qu e n u n ca es t á cer t o
b er r a r com a lgu ém s ó p or qu e es t a m os a b or r ecid os . A p r á tica
ajuda-n os a p er ceb er on d e n os s a vid a es t á es t a gn a d a . Dife-
r en t em en t e d os r ios d e m on t a n h a com s u a m a r a vilh os a á gu a
p er cor r en d o vá r ios lu ga r es , s om os à s vezes leva d os a u m a im o-
b iliza çã o com p en s a m en t os d o t ip o: "Nã o gos t o d is s o... E le d e fa t o
me magoa", ou "Minha vida é tão difícil...". Na realidade, só existe o
flu xo in ces s a n t e d a á gu a . Aqu ilo qu e ch a m a m os d e n os s a vid a
nada mais é que um pequeno desvio, um rodamoinho que se forma
para em seguida se desfazer. Às vezes, os desvios são pequeninos e
m u it o cu r t os : a vid a r od op ia p or u m a n o ou d ois em u m s ó lu ga r e
d ep ois é r em ovid a . Ás p es s oa s s e in d a ga m p or qu e a lgu n s b eb ês
m or r em qu a n d o a in d a s ã o t ã o n ovin h os . Qu em s a b e? Nós n ã o
s a b em os p or qu ê. Fa z p a r t e d es s e in t er m in á vel flu xo d e en er gia .
Qu a n d o p u d er m os a ceit á -lo, es t a r em os em p a z. Qu a n d o t od os os
nossos esforços vão em direção oposta, não estamos em paz.
ALUNO:
E m n os s a vid a , é u m a b oa id éia es colh er u m a d ir eçã o
específica e con cen t r a r a li n os s a a t en çã o, ou é m elh or a p en a s
a ceit a r a s cois a s com o ela s s ã o? E s t ip u la r m et a s es p ecífica s p od e
bloquear o fluxo da vida, não é?
JOKO: O p r ob lem a es t á n ã o em t er m os m et a s , m a s em n os s a
r ela çã o com ela s . Pr ecis a m os t er a lgu m a s m et a s . Por exem p lo, os
p a is s e es t ip u la m m et a s , com o or ga n iza r s u a s fin a n ça s a n t e-
cip a d a m en t e p a r a p a ga r a ed u ca çã o d e s eu s filh os . As p es s oa s
com t a len t os n a t u r a is t êm com o m et a d es en volvê-los . Nã o h á n a d a
d e er r a d o n is s o. Ter m et a s é p a r t e d e s er h u m a n o. É com o
chegamos lá que cria transtornos.
ALUNO: O m elh or ca m in h o é t er a s m et a s , m a s n ã o fica r n a
dependência do resultado final?
JOKO: É is s o. A p es s oa s im p les m en t e fa z a qu ilo qu e é p r ecis o
p a r a a t in gir s eu ob jet ivo. Qu a lqu er p es s oa qu e s e in t er es s e em
obter u m gr a u a ca d êm ico p r ecis a m a t r icu la r -s e n u m a es cola e
a s s is t ir à s a u la s , p or exem p lo. A qu es t ã o é in cen t iva r o ob jet ivo
realizando-o n o p r es en t e: fa zen d o is t o, is s o ou a qu ilo, con for m e for
s e m os t r a n d o n eces s á r io, a qu i, a gor a . E m a lgu m m om en t o ir em os
cola r o gr a u , ou o qu e for . Por ou t r o la d o, s e a p en a s s on h a m os
com u m ob jet ivo e d eixa m os d e p r es t a r a t en çã o a o p r es en t e, é
p r ová vel qu e n ã o con s iga m os leva r n os s a vid a a d ia n te e
fiquemos estagnados.
S eja qu a l for a n os s a es colh a , o r es u lt a d o n os s er vir á como
u m a liçã o. S e es t iver m os a t en t os e d es p er t os , a p r en d er em os o qu e
é n eces s á r io fa zer em s egu id a . Nes s e s en t id o, n ã o h á d ecis ã o
er r a d a . No m in u t o m es m o em qu e t om a m os u m a d ecis ã o, s om os
con fr on t a d os com n os s o p r óxim o p r ofes s or . Pod em os fa zer es -
colh a s qu e n os d eixem in com od a d os . Pod em os t er r em or s o p or
cer t a s cois a s qu e fa zem os e a p r en d er com es s a s exp er iên cia s .
Por exem p lo, n ã o exis t e u m a p es s oa id ea l p a r a s e ca s a r , n em u m
m eio id ea l d e s e viver . No in s t a n t e em qu e n os ca s a m os , es t a m os
com t od o u m n ovo con ju n t o d e op or t u n id a d es in éd it a s d e a p r en -
d iza gem , com b u s t ível p a r a p r á t ica . Is s o va le n ã o a p en a s p a r a
ca s a m en t os , m a s p a r a qu a lqu er r ela çã o. E n qu a n t o es t iver m os
p r a t ica n d o com o qu e ch ega a n ós , o r es u lt a d o fin a l s er á qu a s e
sempre recompensador e terá valido a pena.
ALUNO: Qu a n d o es t ip u lo u m a m et a p a r a m im , m in h a
t en d ên cia é u s a r o es t ilo "r á p id o e em fr en t e", ign or a n d o o flu xo d o
rio.
JOKO: Qu a n d o o r od a m oin h o t en t a t or n a r -s e in d ep en d en t e d o
r io, com o u m t or n a d o qu e r od op ia e s a i d o con t r ole, ele p od e
ca u s a r m u it os es t r a gos . Mes m o qu e p en s em os n o ob jet ivo com o
u m cer t o es t a d o fu t u r o a s er a lca n ça d o, a ver d a d eir a m et a é
s em p r e a vid a d es t e m om en t o. Nã o h á com o em p u r r a r o r io p a r a o
la d o. Mes m o qu e t en h a m os con s t r u íd o u m d iqu e à n os s a volt a e
ten h a m os n os t or n a d o u m la go d e á gu a es t a gn a d a , a lgu m a cois a
a con t ecer á qu e n ã o h a vía m os p r evis t o. Ta lvez é a a m iga e s eu s
qu a t r o filh os qu e s e con vid a p a r a vir n os vis it a r p or u m a s em a n a .
Ou m or r e a lgu ém . Ou o t r a b a lh o m u d a d e r ep en t e. A vid a p a r ece
n os a p r es en t a r ju s t a m en t e a qu ilo qu e s er ia p r ecis o p a r a m ovi-
mentar o lago.
ALUNO:Em termos da analogia dos rodamoinhos e do rio, qual
é a diferença entre vida e morte?
JOKO: O r od a m oin h o é u m vór t ice, e em t or n o d e s eu cen t r o a
á gu a gir a . Con for m e a vid a d a p es s oa va i p r os s egu in d o, o cen t r o
a os p ou cos va i fica n d o ca d a vez m a is fr a co. Qu a n d o en fr a qu ecer o
s u ficien t e, d es fa z-s e e a á gu a s im p les m en t e s e t or n a d e n ovo p a r t e
do rio.
ALUNO: Des s e p on t o d e vis t a , n ã o s er ia m elh or s er s em p r e
apenas parte do rio?
JOKO: Nós s em p r e s om os p a r t e d o r io, s en d o r od a m oin h os ou
n ã o. Nã o h á com o evit a r m os s er p a r t e d o r io. Nã o s a b em os d is s o,
p or ém , p or qu e t em os u m a for m a d elim it a d a e n ã o en xer gamos
além dela.
ALUNO: Por t a n t o é u m a ilu s ã o qu e a vid a s eja d ifer en t e d a
morte?
JOKO: E m s en t id o a b s olu t o is s o é ver d a d e, em b or a d e n os s o
p on t o d e vis t a s eja m m om en t os d is t in t os . E m n íveis d ifer en t es ,
a m b a s a s p er cep ções s ã o ver d a d eir a s : n ã o exis t e vid a e m or t e e
exis t e vid a e m or t e. Qu a n d o s ó con h ecem os es s a s egu n d a
p er s p ect iva , a p ega m o-n os à vid a e t em em os a m or t e. Qu a n d o
vemos as duas, o aguilhão da morte é muito mais tênue.
S e es p er a r m os o b a s t a n t e, t od os os r od a m oin h os a ca b a r ã o
desfazendo-s e com o t em p o. A m u d a n ça é in evit á vel. Com o vivo em
S a n Diego h á m u it o t em p o, t en h o ob s er va d o os p en h a s cos d e La
Jolla há anos. Eles estão mudando. A linha costeira que existe hoje
n ã o é a m es m a qu e eu con t em p la va h á tr in t a a n os . Acon t ece o
mesmo com os rodamoinhos: eles também mudam e, com o tempo,
vã o en fr a qu ecen d o. Algo ced e en fim , a á gu a flu i n u m a
corredeira e está tudo certo.
ALUNO:
Qu a n d o en fim m orre m os , re te m os a lgu m a cois a d o qu e
fomos ou tudo se acaba?
JOKO:Nã o vou r es p on d er a es s a p er gu n t a . S u a p r á t ica ir á
proporcionar-lhe um certo entendimento dessa questão.
ALUNO: Algu m a s vezes você d es cr eveu a en er gia d a vid a com o
u m a in t eligên cia n a t u r a l qu e n ós s om os . E s s a in t eligên cia t er ia
algum tipo de limite?
JOKO: Nã o. In t eligên cia n ã o é u m a cois a ; n ã o é u m a p es s oa .
Nã o t em lim it es . No in s t a n t e em qu e es t a b elecem os lim it es p a r a
u m a cois a , n ós a r ein s er im os n a es fer a fen om ên ica d a s cois a s ,
como um rodamoinho que se enxerga separado do rio.
ALUNO: Um d e n os s os vot os com u n s n o Cen t r o Zen fa la d e u m
"ilim it a d o ca m p o d e b en es s es " *. Is s o é o m es m o qu e o r io, qu e a
inteligência natural que nós somos?
JOKO: S im . A vid a h u m a n a é a p en a s u m a for m a t em p or á r ia
que essa energia toma.
ALUNO: Ap es a r d is s o, em n os s a s vid a s exis t e d e fa t o a
necessidad e d e lim it es . Ten h o u m a gr a n d e d ificu ld a d e em ju n t a r
isso com o que você está dizendo.
JOKO: Algu n s lim it es s ã o s im p les m en t e in er en t es a o qu e
s om os ; p or exem p lo, t od os t em os u m a qu a n t id a d e lim it a d a d e
en er gia e d e t em p o. Pr ecis a m os r econ h ecer n os s a s lim it a ções
n es s e s en t id o. Ma s is s o n ã o qu er d izer qu e t en h a m os d e
es t a b elecer lim it es a r t ificia is e d efen s ivos qu e b loqu eia m n os sas
vid a s . Mes m o qu a n d o s om os a in d a p equ en os r od a m oin h os
p od em os já r econ h ecer qu e s om os p a r t e d o r io e n ã o fica m os
estagnados.
*
Francis Dojun Cook, How to raise an ox: Zen master Dogen's Shobogenzo, including ten
newly translated essays, Los Angeles: Center Publications, 1978, p. 24 e s.
O CASULO DA DOR
Qu a n d o n os in clin a m os n o zen d o, o qu e es t a m os h on r a n d o?
Uma maneira de responder a essa pergunta é indagar o que de fato
h on r a m os em n os s a vid a e qu e t r a n s p a r ece n a qu ilo qu e p en s a m os
e fa zem os . E a ver d a d e d es s a qu es t ã o é qu e, em n os s a vid a , n ós
n ã o h on r a m os a n a t u r eza b u d a , n em o Deu s qu e en glob a t od a s a s
cois a s , in clu s ive a vid a e a m or t e, o b em e o m a l, t od os os op os t os .
A ver d a d e é qu e n ã o es t a m os in t er es s a d os n is s o. É cer t o n ã o
qu er er m os h on r a r a m or t e, a d or e a p er d a . O qu e fa zem os é er igir
um falso deus. A Bíblia diz: "Não tens outros deuses antes de mim".
Mas fazemos justamente isso.
Qu a l é o d eu s qu e con s t r u ím os ? O qu e d e fa t o h on r a m os , a
qu e d a m os r ea lm en t e a t en çã o, d e m om en t o a m om en t o? Pod e-
r ía m os ch a m á -lo d e o d eu s d o con for t o, d a s a m en id a d es e d a
s egu r a n ça . Qu a n d o r ever en cia m os es s e d eu s , d es t r u ím os a n os s a
vid a . Qu a n d o r ever en cia m o d eu s d o con for t o e d a s a m en id a d es ,
a s p es s oa s lit er a lm en t e s e m a t a m , com d r oga s , á lcool, cor r id a s d e
a u t om óveis , r a iva , im p r u d ên cia s . As n a ções r ever en cia m es s e d eu s
n u m a es ca la m u it o m a ior e d es t r u t iva . E n qu a n t o n ã o en xer garmos
d e for m a h on es t a qu e é d is s o qu e n os s a vid a t r a t a , n ã o s er em os
capazes de descobrir quem somos de fato.
Tem os m u it a s m a n eir a s d e lid a r com a vid a , m u it a s m a n eiras
d e r ever en cia r o con for t o e a s a m en id a d es . Tod a s ela s b a seiam-se
n a m es m a cois a : o m ed o d e d ep a r a r com qu a lqu er t ip o d e
incômodo. S e d evem os t er or d em e con t r ole a b s olu t os , es t a mos
t en t a n d o evit a r t od a e qu a lqu er fon t e d e in côm od o. S e
con s egu im os fa zer com qu e a s cois a s s eja m d o jeit o qu e qu er emos
e fica m os za n ga d os qu a n d o is s o n ã o a con t ece, en t ã o p en s a mos
qu e p od em os s ob r eviver e d eixa r d e la d o n os s a a n s ied a d e a
r es p eit o d a m or t e. S e con s egu im os a gr a d a r a t od a s a s p es s oa s ,
en t ã o im a gin a m os qu e a s cois a s d es a gr a d á veis n ã o en t r a r ã o em
n os s a vid a . E s p er a m os qu e, s en d o a es t r ela d o es p et á cu lo, r es -
p la n d ecen t e, m a r a vilh os a e eficien t e, t er em os u m a p la t éia t ã o
em b evecid a qu e n ã o p r ecis a r em os s en t ir n a d a . S e con s egu ir m os
n os a fa s t a r d o m u n d o e en tr et er -n os a p en a s com n os s os p r óp r ios
s on h os , fa n t a s ia s e d is t ú r b ios em ocion a is , p en s a r em os qu e con -
s egu im os n os fu r t a r a os in côm od os . S e con s egu ir m os p r ever tu d o
a n t es , s e con s egu ir m os s er t ã o es p er t os qu e n os s eja p os s ível
en ca ixa r t u d o em a lgu m p la n o ou or d em , for m u la n d o u m
en t en d im en t o in t elect u a l com p let o, en t ã o t a lvez n ã o s eja m os
ameaça d os . S e con s egu ir m os n os s u b m et er a a lgu m a a u t or id a d e,
fazê-la d it a r -n os com o a gir , en t ã o p od er em os en t r ega r a ou t r em a
r es p on s a b ilid a d e p or n os s a vid a e n ã o t er em os m a is qu e n os
in cu m b ir d ela . Nã o t er em os d e s en t ir a a n s ied a d e d e t om a r u m a
d ecis ã o. S e viver m os a lu cin a d a m en t e cor r en d o a t r á s d e t od a s a s
sensações a gr a d á veis , d e t od a s a s excit a ções , d e t od a s a s for m a s
d e d iver s ã o, en t ã o t a lvez n ã o t en h a m os d e s en t ir d or . S e con s e-
gu ir m os d izer a os ou t r os o qu e fa zer , m a n t en d o-os b em s ob
con t r ole, s ob n os s os p és , t a lvez eles n ã o con s iga m n os fer ir . S e
conseguirmos "via ja r " n u m êxt a s e qu a lqu er , s e con s egu ir m os s er
u m "b u d a " in con s eqü en t e, n ã o t er em os d e a s s u m ir a r es p on -
s a b ilid a d e p elos in côm od os d o viver . Pod er em os a p en a s r ela xa r e
ser felizes.
Tod a s es s a s s ã o ver s ões d o d eu s qu e r ea lm en t e r ever en cia -
m os . É o d eu s d o n en h u m d es con for t o e d o n en h u m in côm od o.
S em exceçã o, t od o s er n a Ter r a t em es s a a t it u d e, em m a ior ou
m en or gr a u . E n qu a n t o a a lim en t a m os , p er d em os o con t a t o com o
qu e n a ver d a d e é. Nes s a fa lt a d e con t a t o, n os s a vid a d es ce em
es p ir a l. E a qu eles m es m os in côm od os qu e t a n t o d es ejá va m os
evitar conseguem, tomar-nos de assalto.
Tem s id o es s e o p r ob lem a d a vid a h u m a n a d es d e o in ício d os
t em p os . Tod a s a s filos ofia s e r eligiões t êm s id o t en t a t iva s va r iá veis
d e lid a r com es s e m ed o b á s ico. Ap en a s qu a n d o es s a s t en t a t ivas
n os fa lh a m é qu e fica m os p r on t os p a r a in icia r u m a p r á t ica s ér ia . E
ela s d e fa t o fa lh a m . Por qu e os s is t em a s qu e a d ot a m os n ã o s e
b a s eia m n a r ea lid a d e, n ã o p od em d a r cer t o, a p es a r d e t od os os
n os s os m a ior es es for ços . Ma is ced o ou m a is t a r d e, con s t a t a m os
que está faltando algo.
In felizm en t e, n ós m u it a s vezes a p en a s a u m en t a m os o n os s o
er r o con t in u a n d o com a s m es m a s t en t a t iva s ou r eves t in d o n os s o
velh o e d éb il s is t em a com u m ou t r o n ovo, t a m b ém d éb il. É s ed u t or ,
p or exem p lo, en t r ega r m o-n os a a lgu m a fa ls a a u t or id a d e ou a u m
p r et en s o gu r u , qu e ir á a d m in is t r a r a n os s a vid a p or n ós , enquanto
t en t a m os en con t r a r a lgo ou a lgu ém for a d e n ós qu e s e in cu m b a d e
nosso medo.
On t em u m a b or b olet a en t r ou voa n d o p ela p or t a d e m in h a
ca s a e ficou es voa ça n d o p ela s a la . Algu ém a a p a n h ou e a s olt ou lá
for a . Fiqu ei p en s a n d o n a vid a d e u m a b or b olet a . E la com eça com o
u m a la ga r t a , qu e s e d es loca m u it o d eva ga r e n ã o con s egu e
enxergar muito longe. Depois de um certo tempo, ela faz um casulo
e n a qu ele es p a ço es cu r o e s ilen cios o p er m a n ece m u it o t em p o. Por
fim , d ep ois d o qu e d eve p a r ecer u m a et er n id a d e d e t r eva s , ela
emerge como uma borboleta.
A h is t ór ia d e vid a d a s b or b olet a s é s em elh a n t e à n os s a
p r á t ica . Tem os a lgu n s p r econ ceit os a r es p eit o d e a m b a s , p or ém .
Pod em os im a gin a r , p or exem p lo, qu e s en d o a s b or b olet a s s er es
lin d os , s u a vid a n o ca s u lo, a n t es d e s e t or n a r em b or b olet a s ,
t a m b ém é lin d a . Nã o p er ceb em os t u d o o qu e a la ga r t a d eve
s u p or t a r p a r a t or n a r -s e u m a b or b olet a . Da m es m a for m a , qu a n d o
com eça m os a p r a t ica r , n ã o n os d a m os con t a d a lon ga e p en os a
t r a n s for m a çã o a qu e s om os s olicit a d os . Tem os d e en xer ga r a t r a vés
d e n os s a b u s ca d e cois a s ext er n a s , d os fa ls os d eu s es d o p r a zer e
d a s egu r a n ça . Tem os d e p a r a r d e d evor a r is s o e p er s egu ir a qu ilo
com n os s a vis ã o m íop e e s im p les m en t e r ela xa r d en t r o d o ca s u lo,
nas trevas da dor que é a nossa vida.
E s s a p r á t ica exige a n os e a n os . Diver s a m en t e d a s b or b oletas,
n ã o em er gim os d e u m a s ó vez. E n qu a n t o gir a m os d en t r o d o ca s u lo
d e d or , p od em os t er vis lu m b r es fu ga zes d a vid a , com o u m a
b or b olet a es voa ça n d o a o s ol. Nes s es m om en t os , s en t im os o
a b s olu t o d es lu m b r a m en t o d o qu e é n os s a vid a a lgo qu e n u n ca
con h ecem os com o la ga r t in h a s a t a r efa d a s , p r eocu p a d a s a p en a s
com n ós p r óp r ia s . Com eça m os a con h ecer o m u n d o d a b or b olet a
apen a s p elo con t a t o com n os s a p r óp r ia d or , o qu e s ign ifica n ã o
r ever en cia r m a is o d eu s d o con for t o e d a s a m en id a d es . Tem os d e
d es is t ir d e n os s a s er vil ob ed iên cia a qu a lqu er s is t em a qu e evit e a
d or qu e t en h a m os ela b or a d o, con s t a t a n d o qu e n ã o p od em os n os
es qu iva r d o in côm od o s im p les m en t e cor r en d o m a is d ep r es s a e
t en t a n d o m a is u m p ou co. Qu a n t o m a is d ep r es s a n os a fa s t a m os d e
n os s a d or , m a is ela s e a p od er a d e n ós . Qu a n d o n ã o fu n cion a m a is
a qu ilo d e qu e d ep en d ía m os p a r a d a r s en t id o à n os s a vid a , o qu e
fazer?
Algu m a s p es s oa s ja m a is d es is t em d es s a fa ls a b u s ca . Com o
t em p o p od em a ca b a r m or r en d o d e u m a overdose, lit er a l ou
figu r a t iva m en t e. No es for ço d e a d qu ir ir con t r ole m ovem o-n os cada
vez m a is r á p id o, d a m os t u d o o qu e t em os , t en t a m os com m a is
em p en h o, es p r em em os a s p es s oa s a o m á xim o, es p r em em os n ós
mesm os a o m á xim o. No en t a n t o, a vid a n u n ca p od er á s er d e fa t o
s u b m et id a a u m con t r ole t ot a l. Qu a n t o m a is fu gim os d a r ea lid a d e,
mais a dor aumenta. Essa dor é nossa mestra.
A p r á t ica s en t a d a n ã o t r a t a d e en con t r a r u m es t a d o feliz d e
gr a ça e n ele s e es qu ecer . E s s e es t a d o p od e in clu s ive ocor r er n a
p r á t ica s en t a d a , qu a n d o já h ou ver m os viven cia d o n os s a d or vá rias
vezes s egu id a s , d e m od o qu e d ep ois s ó r es t a o en t r ega r -s e. E s s a
en t r ega a es s a a b er t u r a p a r a a lgo n ovo e vir gem é a con s eqüência
d e s e viver a d or , n ã o o r es u lt a d o d e s e en con t r a r u m lu ga r on d e
podemos deixar a dor do lado de fora.
Sesshin * s en t a d o e a p r á t ica d iá r ia s ã o u m a qu es t ã o d e n os
embrulharmos naquele casulo de dor. Não o faremos senão de bom
gr a d o. Pr im eir o p od em os t er a p en a s u m a p equ en a fa ixa atando-
n os , e en t ã o n os livr a m os d ela . Ou t r a vez a en r ola m os à n os s a
volt a e m a is u m a vez n os s olt a m os , Dep ois d e u m t em p o, s en t im o-
n os d is p os t os a s en t a r com u m a p a r cela d e n os s a d or d u r a n t e
a lgu m t em p o. E n t ã o d ep ois , t a lvez, d is p om o-n os a t oler a r d u a s ou
t r ês fa ixa s n os a p er t a n d o. Con for m e n os s a vis ã o va i fica n d o m a is
cla r a , p od em os s im p les m en t e s en t a r d en t r o d e n os s o ca s u lo e
descobrir que é o único espaço sossegado que já tivemos na vida. E,
qu a n d o es t iver m os d is p os t os a es t a r a li em ou t r a s p a la vr a s ,
qu a n d o es t iver m os d es eja n d o qu e a vid a s eja o qu e ela é,
en glob a n d o t a n t o a vid a com o a m or t e, t a n t o o p r a zer com o a d or ,
t a n t o o b em com o o m a l, s en t in d o con for t o em s er a s d u a s
coisas , então o casulo começa a desfazer-se.
Difer en t em en t e d a b or b olet a , a lt er n a m os en t r e o ca s u lo e a
borboleta muitas vezes. Esse processo se mantém por toda a nossa
vid a . Tod a vez qu e d ep a r a m os com á r ea s n ã o r es olvid a s d d n os s a
vid a , t em os qu e con s t r u ir u m ou t r o ca s u lo e r ep ou s a r n ele em
s ilên cio a t é qu e t en h a s e com p let a d o o p er íod o d e a p r en d iza gem .
Tod a vez qu e o ca s u lo s e r om p e e n ós d a m os m a is u m p equ en o
passo, estamos um pouco mais livres.
O p r im eir o e es s en cia l p a s s o p a r a n os t or n a r m os u m a b or -
b olet a é r econ h ecer qu e n ã o ch ega r em os lá s en d o la ga r t a s . Temos
que enxergar mais além de nossa busca pelo falso deus do conforto
e d o p r a zer . Tem os qu e for m u la r u m a n ít id a im a gem d es s e d eu s .
Tem os d e a b r ir m ã o d e n os s a n oçã o d e qu e t em os d ir eit os , d e qu e
a vid a n os d eve is t o ou a qu ilo. Por exem p lo, t em os d e a b a n d on a r a
*
Retiro para meditação zen intensiva.
n oçã o d e qu e con s egu im os for ça r os ou t r os a n os a m a r fa zen d o
cois a s p a r a eles . Tem os d e r econ h ecer qu e n ã o t em os con d ições d e
m a n ip u la r a vid a p a r a n os s a t is fa zer e qu e en con t r a r os d efeit os
em n ós ou n os ou t r os n ã o é u m ca m in h o efica z p a r a s e a ju d a r
qu em qu er qu e s eja . Aos p ou cos va m os a b a n d on a n d o n os s a
arrogância básica.
A ver d a d e é qu e a vid a d en t r o d o ca s u lo é fr u s t r a n te e d ói
m u it o e n u n ca fica in t eir a m en t e p a r a t r á s . Nã o es t ou d izen d o qu e
d a m a n h ã a t é a n oit e s en t im os a lgo com o "E s t ou en volvid o p ela
d or ". E s t ou d izen d o qu e es t a m os s em p r e a cor d a n d o p a r a o qu e d e
fato nos sentimos atraídos, para aquilo que estamos fazendo com a
n os s a vid a r ea lm en t e. E o fa t o é qu e is s o é d olor os o. Nã o exis t e
possibilidade de liberdade, porém, sem essa dor.
Ou vi h á p ou co t em p o u m a d ecla r a çã o d e u m a t let a p r ofis -
s ion a l: "Am or n ã o é p r a zer com p a r t ilh a d o. É d or r ep a r t id a ". E is
u m a b oa p er cep çã o. S em d ú vid a p od em os gos t a r m u it o d e p a s sear
com nosso marido ou namorado, por exemplo, quando saímos para
ja n t a r ju n t os . Nã o es t ou qu es t ion a n d o o va lor d o p r a zer
com p a r t ilh a d o. Ma s , s e qu er em os u m a r ela çã o m a is p r óxim a e
a u t ên t ica , p r ecis a m os com p a r t ilh a r com n os s o com p a n h eir o a qu ilo
qu e m a is n os a s s u s t a fa la r p a r a ou t r a p es s oa . Qu a n d o fa zem os
is s o, en t ã o o ou t r o t em a lib er d a d e d e fa zer a m es m a cois a . E m vez
d is s o, qu er em os fica r m a n t en d o a n os s a im a gem , p r in cip a lmente
para alguém a quem estamos tentando impressionar.
Compartilhar nossa dor não significa ficar informando o outro
d e qu e m a n eir a ele n os ir r it a . S er ia u m a ou t r a m a n eir a d e lh e
es t a r d izen d o "E s t ou com r a iva d e você". Is s o n ã o n os a ju d a a
qu eb r a r n os s o fa ls o íd olo, n em a n os a b r ir p a r a a vid a com o u m a
b or b olet a . O qu e d e fa t o n os a b r e é fa la r d e n os s a s
vu ln er a b ilid a d es . Às vezes vem os u m ca s a l qu e vem fa zen d o es s e
á r d u o t r a b a lh o d u r a n t e t od a s u a vid a . Ao lon go d es s e t em p o,
en velh ecer a m ju n t os . Pod em os s en t ir o im en s o con for t o, a qu a -
lid a d e r ecíp r oca d e b em -es t a r en t r e os d ois . É m a r a vilh os o e m u it o
r a r o. S em es s a qu a lid a d e d e a b er t u r a e vu ln er a b ilid a d e, os p a r es
n ã o fica m s e con h ecen d o d e ver d a d e; s ã o u m a im a gem viven d o
com outra imagem.
Ta lvez t en t em os n os es qu iva r d o ca s u lo d a d or m er gu lh a n do
n u m es t a d o n eb u los o e m a l foca liza d o, com o u m b oia r levemente
a gr a d á vel qu e p od e d u r a r h or a s . Qu a n d o n os d a m os con t a d e qu e
é is s o qu e es t á a con t ecen d o, qu a l s er ia u m a b oa p er gu n t a p a r a s e
fazer?
ALUNO: "O que estou evitando?"
ALUNO-. Eu poderia perguntar: "O que estou vivenciando neste
exato momento?".
JOKO: E s s a s s ã o d u a s b oa s p er gu n t a s p a r a s e fa zer . O cu r ios o
é qu e d izem os qu e qu er em os con h ecer a r ea lid a d e e ver a n os s a
vid a com o ela é; e, n o en t a n t o, qu a n d o com eça m os a p r a t ica r , ou
freqüentamos os sesshin, encontramos imediatamente maneiras de
evitar a realidade, refugiando-nos nesse estado nebuloso, sonhador.
E s s a é a p en a s u m a ou t r a for m a d e r ever en cia r o fa ls o d eu s d o
conforto e do prazer.
ALUNO: Nã o é u m cer t o d es equ ilíb r io b u s ca r o s ofr im en t o e
concentrar nele a atenção?
JOKO: Nã o t em os qu e ir b u s cá -lo, ele já es t á em n os s a s vid a s .
A ca d a cin co m in u t os en t r a m os n u m a es p écie d e d ificu ld a d e. Tod a
n os s a "b u s ca " é p a r a evit á -lo. E xis t em in con t á veis m a n eir a s p a r a
s e t en t a r es ca p a r d ele, ou p a r a coloca r u m a con ch a d e p r ot eçã o a
n os s a volt a . Ap es a r d e t od os os n os s os es for ços , es s a con ch a s e
r om p e. E n t ã o fica m os m a is d es es p er a d os e n os es for ça m os m a is .
Va m os t r a b a lh a r e d es cob r im os qu e o ch efe t eve u m a n oit e d ifícil,
ou qu e n os s o filh o aca b a d e liga r d izen d o qu e es t á com p r ob lem a s
n a es cola . A con ch a es t á s en d o o t em p o t od o in va d id a . Nã o exis t e
m a n eir a d e n os a s s egu r a r m os d e qu e ela p er m a n ecer á in t a ct a .
Nos s a s vid a s s e d es m or on a m p or qu e n ã o con s egu im os t oler a r
nenhuma oposição ao modo como queremos que as coisas saiam.
A d or es t á con s t a n t em en t e em n os s a s vid a s . S en t im os n ã o s ó
a n os s a p r óp r ia d or , m a s a d a s p es s oa s a o n os s o r ed or . Ten t a m os
erguer um paredão mais sólido que o anterior, ou evitar as pessoas
qu e es t ã o s ofr en d o; con t u d o, a d or s em p r e es t á p r es en t e, s eja
como for.
ALUNO: Va m os s u p or qu e es t ou p r a t ica n d o e qu e n ã o es t ou
sofr en d o. Na ver d a d e, es t ou m e s en t in d o m u it o b em . É ú t il
lembrar d e m om en t os d olor os os p elos qu a is já s e p a s s ou , ou
r et or n a r a s it u a ções qu e fica r a m s em r es olver e t en t a r tr a b a lh a r
com essas coisas?
JOKO: Nã o é n eces s á r io. S e es t iver m os a ler t a s p a r a o qu e es t á
s e p a s s a n d o em n os s os p en s a m en t os e em n os s o cor p o n es t e m o-
mento, teremos mais do que o suficiente com que trabalhar.
Qu a n d o es t a m os p len a m en t e d es p er t os , n es t e m om en t o, a
p r á t ica t a m b ém p od e s er a gr a d á vel. Ma s n ã o d evem os ir em b u s ca
d is s o e t en t a r es ca p a r d a d or , p ois a s s im es t a r ía m os t r a zen d o p a r a
a p r á t ica o fa ís o d eu s e n os r ecu s a r ía m os a d es p er t a r p a r a s u a
verdadeira natureza.
ALUNO: Com o t em p o d es cob r i qu e o qu e com eça a a p a r ecer
d u r a n t e a p r á t ica n ã o é t a n t o p r a zer ou d or , n em a lgo en t r e es s es
d ois , m a s a p en a s in t er es s e. A vivên cia p od e s er vis t a com o u m a
espécie de curiosidade,
JOKO: Sim, bem lembrado.
ALUNO: E s t a m os fa la n d o d a d ifer en ça en t r e o a b s olu t o e o
relativo? Podemos dizer que o absoluto é prestar atenção em tudo e
qu e o r ela t ivo é ir a p en a s a t r á s d e p r a zer e con for t o? Rela xa r n o
casulo da dor seria então um meio de se chegar ao absoluto?
JOKO; E u n ã o d ir ia qu e é "u m m eio d e ch ega r a o a b s olu t o",
p ois s em p r e es t a m os n ele. Por ém , es colh em os n ã o p r es t a r a t en çã o
n o fa t o d e es t a r m os n ele e d eixa r m os d e la d o p a r t e d e n os s a s
vivência s . O a b s olu t o s em p r e en glob a a d or e o p r a zer . Nã o h á
n a d a d e er r a d o com a d or em s i: n ós a p en a s n ã o gos t a m os d ela .
Nã o exis t e a lgo ch a m a d o a b s olu t o qu e s eja m a ior d o qu e o r ela t ivo.
São os dois lados de uma mesma moeda. O mundo fenomênico das
p es s oa s , d a s á r vor es e d os t a p et es e o m u n d o a b s olu t o d o p u r o
n a d a in cogn os cível, d a en er gia , s ã o a m es m a cois a . E m vez d e ir
em b u s ca d e u m id ea l u n ila t er a l, p r ecis a m os n os cu r va r d ia n t e d o
a b s olu t o n o r ela t ivo, a s s im com o d o r ela t ivo n o a b s olu t o. Devem os
honrar todas as coisas.
*
Francis Dojun Cook, How to raise an ox. Zen master Dogen's Shobogenzo, including ten
newly translated essays, Los Angeles: Center Publications, 1978, p. 24 e S.
**
Para maiores comentários sobre o conceito de um "aspecto central" ver Don Richard
Riso, Personatity types: Using the enneagram for self-discovery, Boston: Houghton Mifflin,
1987.
p r es s ã o. Qu a n d o a s cois a s es t ã o d ifíceis , n ã o h á s en ã o p r es s ã o em
n os s a vid a . E m ou t r a s ép oca s exis t e m u it o p ou ca p r es s ã o e en t ã o
p en s a m os qu e a s cois a s es t ã o in d o b em . Ma s a vid a s em p r e n os
pressiona de alguma maneira.
Nos s o p a d r ã o t íp ico d e r es p on d er a p r es s ões é cr ia d o b em n o
in ício d e n os s a s vid a s . Qu a n d o en fr en t a m os d ificu ld a d es n a
in fâ n cia , o m a cio t ecid o d a vid a com eça a for m a r p r ega s . É com o
s e es s a s p r ega s for m a s s em u m a p equ en a b ols a qu e u s a m os p a r a
es con d er n os s o m ed o. O m od o com o es con d em os n os s o m ed o
es s a p equ en a b ols a , qu e é n os s a es t r a t égia p a r a d a r con t a d a
situação é n os s o a s p ect o p r in cip a l. E n qu a n t o n ã o en fr en t a r m os
n os s o "a s p ect o p r in cip a l" e viven cia r m os n os s o m ed o, n ã o
conseguir em os s er a qu ela t ot a lid a d e con t ín u a , o "ca m p o in for m e
d e b en efícios ". E m vez d is s o es t a m os t od os r ep let os d e p r ega s , d e
calombos.
Ao lon go d e u m a vid a in t eir a d e p r á t ica , o a s p ect o p r in cipal
d a p es s oa m u d a qu a s e qu e in t eir a m en t e. Por exem p lo, eu
costumava ser tão tímida que, se tivesse de comparecer a uma sala
on d e es t ives s em d ez ou qu in ze p es s oa s , p or exem p lo, ou a u m
coquetel para pouca gente, eu levaria uns quinze minutos andando
d e u m la d o p a r a ou t r o lá for a a n tes d e con s egu ir r eu n ir a cor a gem
necessá r ia p a r a en t r a r . Hoje, n o en t a n t o, em b or a eu n ã o p r efir a
gr a n d es fes t a s , s in t o-m e à von t a d e n ela s . E xis t e u m a gr a n d e
d ifer en ça en t r e s en t ir t a n t o m ed o qu e m a l s e con s egu e en t r a r n a
s a la e s en t ir -s e à von t a d e n es s a s it u a çã o. Nã o es t ou qu er en d o
d izer qu e a p er s on a lid a d e b á s ica d a p es s oa m u d e. E u n u n ca s er ei
''a a lm a d a fes t a '', m es m o qu e viva a t é os 1 1 0 a n os . Gos t o d e olh a r
p a r a a s p es s oa s qu e es t ã o n u m a fes t a e d e con ver s a r com a lgu m a s
delas; esse é o meu jeito.
Muitas vezes cometemos o erro de supor que podemos apenas
n os r et r ein a r a t r a vés d e es for ços e a u t o-a n a lis e. Pod em os p en s a r
n a p r á t ica zen com o u m es t u d o d e n ós m es m os , p a r a p od er m os
a p r en d er a p en s a r d e m a n eir a d ifer en t e, d a m es m a for m a com o
p od er ía m os a p r en d er xa d r ez ou cu lin á r ia fr a n ces a . Ma s n ã o é is s o.
A p r á t ica zen n ã o é com o a p r en d er h is t ór ia d a a n t igü id a d e,
m a t em á t ica ou cu lin á r ia r efin a d a . E s s es t ip os d e a p r en d iza d o t êm
s eu lu ga r , s em d ú vid a , p or ém qu a n d o s e t r a t a d e n os s o a s p ect o
principal o m od o com o m a is com u m en t e lid a m os com a
pressão é n os s o m a u u s o d a m en t e in d ivid u a l qu e cr iou a
con t r a çã o em ocion a l. Nã o p od em os u s á -la p a r a s e cor r igir ; n ã o
podemos usar nossa pequena mente para corrigir a pequena mente.
É u m p r ob lem a for m id á vel: a qu ilo m es m o qu e es t a m os
in ves t iga n d o é t a m b ém o n os s o m eio ou in s t r u m en t o d e
investigação. A distorção em nosso modo de pensar distorce nossos
esforços para corrigir a distorção.
Nã o s a b em os com o a t a ca r o p r ob lem a . S a b em os qu e a lgo em
n ós n ã o va i b em p or qu e n ã o es t a m os em p a z; t en d em os a
exp er im en t a r t od a s a s es p écies d e fa ls a s s olu ções . Um a d es s a s
"s olu ções " é n os t r ein a r a p en s a r d e m od o p os it ivo. E s s a é a p en a s
u m a m a n ob r a d a p equ en a m en t e. Qu a n d o n os p r ogr a m a m os p a r a
t er p en s a m en t os p os it ivos a in d a n ã o ch ega m os r ea lm en t e a n os
com p r een d er e s en d o a s s im con t in u a m os a en t r a r em d ificu ld a d es .
S e cr it ica m os n os s a m en t e e n os d izem os : "Você n ã o p en s a m u it o
b em , en t ã o n ã o vou for çá -la a p en s a r ", ou "Você a lim en t ou t od os
es s es p en s a m en t os d es t r u t ivos ; a gor a você d eve t er p en s a m en t os
a gr a d á veis , p en s a m en t os p os it ivos ", a in d a es t a m os u s a n d o n os s a
m en t e p a r a t r a t a r d e n os s a m en t e. E s s e p on t o é s ob r et u d o d ifícil
p a r a os in t elect u a is a b s or ver em , u m a vez qu e p a s s a r a m s u a vid a
in t eir a u s a n d o a m en t e p a r a r es olver p r ob lem a s e, é n a tu r a l,
in icia m s u a p r á t ica zen d o m es mo m od o. (Nin gu ém m elh or qu e eu
p a r a s a b er com o é a s s im !) A es t r a t égia n u n ca d eu cer t o e n u n ca
dará.
Existe uma única maneira de se escapar a esse laço fechado e
n os en xer ga r com cla r eza : t em os d e d a r u m p a s s o a lém d o a lca n ce
d e n os s a p equ en a m en t e e ob s er vá -la . E s s a qu e ob s er va n ã o é
p en s a m en t o p or qu e o ob s er va d or p od e ob s er va r o p en s a mento.
Tem os d e ob s er va r a m en t e e r ep a r a r n o qu e ela es t á fa zen d o.
Tem os d e n ot a r com o a m en t e p r od u z es s es en xa m es d e
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os e cr ia , d es s a m a n eir a , a t en s ão
corporal. O processo de dar um passo atrás não é complicado, mas
s e n ã o es t a m os h a b it u a d os a ele p a r ece n ovo e d es con h ecid o e
talvez assuste. Com persistência, torna-se mais claro.
Va m os s u p or qu e p er d em os o em p r ego. Os p en s a m en t os
in u n d a m a n os s a m en t e, cr ia n d o em oções va r ia d a s . Nos s o a s p ect o
p r in cip a l ir r om p e em cen a , en cob r in d o n os s o m ed o p a r a qu e n ão
p r ecis em os en fr en t á -lo d ir et a m en t e. S e p er d em os n os s o em p r ego,
a ú n ica cois a a fa zer é p r ocu r a r ou t r o, s u p on d o qu e p r ecis a m os d e
d in h eir o. Con t u d o, em ger a l n ã o é is s o qu e fa zem os . Ou , s e
es t a m os p r ocu r a n d o ou t r o t r a b a lh o, p od em os n ã o a gir com
eficiên cia p or qu e fica m os m u it o ocu p a d os com o n os s o a b or r e-
cimento e com o transtorno causado pelo aspecto principal.
Va m os s u p or qu e a lgu ém n os cr it icou . De r ep en t e s en t im os a
p r es s ã o. Com o lid a r com is s o? Nos s o a s p ect o p r in cip a l a p a r ece n o
m es m o in s t a n t e. Us a m os qu a lqu er t r u qu e m en t a l qu e con s e-
gu im os en con t r a r : p r eocu p a ções , ju s t ifica t iva s , r ecr im in a ções . Po-
d em os t en t a r es qu iva r -n os d o p r ob lem a p en s a n d o em a lguma
cois a in ú t il ou ir r eleva n t e. Pod em os u s a r a lgu m a d r oga p a r a
silenciá-lo.
Qu a n t o m a is ob s er va r m os n os s os p en s a m en t os e a ções , m a is
n os s o a s p ect o p r in cip a l t en d er á a d es a p a r ecer . Qu a n t o m a is s e
d es fa z, m a is s en t im o-n os d is p on íveis p a r a viven cia r o m ed o que
apareceu antes de tudo. Durante muitos anos, a prática refere-se a
for t a lecer o ob s er va d or . Com o tem p o, es t a r em os d is p on íveis p a r a
fa zer o qu e es t iver p ela fr en t e, s em r es is t ên cia , e es s e ob s er va d or
d es a p a r ecer á . Nã o p r ecis a r em os en t ã o d o ob s er va d or p a r a m a is
n a d a ; p od em os s er a p r óp r ia vid a . Qu a n d o es s e p r oces s o es t iver
com p let o, a p es s oa s er á u m s er p len a m en t e r ea liza d o, u m b u d a
em b or a eu a in d a n ã o t en h a con h ecid o n in gu ém cu jo p r oces s o
tenha ficado completo.
S en t a r p a r a a p r á t ica é com o n os s a vid a d iá r ia : o qu e a p a r ece
qu a n d o n os s en t a m os é o p en s a m en t o a qu e qu er em os n os a p ega r ,
o n os s o a s p ect o p r in cip a l. S e gos t a m os d e fu gir d a vid a ,
en con t r a r em os em n os s a p r á t ica s en t a d a u m a m a n eir a d e n os
es qu iva r d o s en t a r . S e gos t a m os d e n os p r eocu p a r , fica r em os
p r eocu p a d os ; s e gos t a m os d e fa n t a s ia r , ir em os fa n t a s ia r . Aqu ilo
qu e fa zem os em n os s a p r á t ica s en t a d a é com o o m icr ocos m o d o
r es t o d e n os s a s vid a s . Nos s a p r á t ica s en t a d a m os t r a -n os com o
es t a m os leva n d o n os s a vid a e n os s a vid a m os t r a -n os o qu e fa ze-
mos quando nos sentamos para a prática.
A t r a n s for m a çã o n ã o com eça com a p es s oa d izen d o p a r a s i
m es m a : "Ten h o qu e s er d ifer en t e". A t r a n s for m a çã o com eça com a
com p r een s ã o d o qu e es t á d it o n o ver s o d o Kesa: "Va s t o é o ca m p o
d a lib er t a çã o". Nos s a s p r óp r ia s vid a s s ã o u m va s t o ca m p o d e
lib er t a çã o, u m ca m p o in for m e d e b en efícios . Qu a n d o ves t im os os
en s in a m en t os da vid a , ob s er va n d o n os s os p en s a mentos,
viven cia n d o a s s en s a ções qu e r eceb em os a ca d a s egu n d o, en t ã o
es t a m os n os d ed ica n d o a n os s a lva r e a s a lva r t od os os s eres
sensíveis; apenas sendo quem somos.
ALUNO: Meu "a s p ect o p r in cip a l" p a r ece m u d a r con for m e a s i-
t u a çã o. S ob p r es s ã o em ger a l s ou con t r ola d or , d om in a d or e Fico
com r a iva . E m ou t r a s it u a çã o, n o en t a n t o, p os s o t or n a r -m e r et r a í-
do e calado.
JOKO: Mes m o a s s im , p a r a ca d a p es s oa , com p or t a m en t os
diferent es em r es p os t a à p r es s ã o a d vêm d a m es m a a b or d a gem
b á s ica d ia n t e d o m ed o, em b or a p os s a m p a r ecer d ifer en t es . E xis t e
um padrão intrínseco que está sendo expresso.
ALUNO; Qu a n d o m e s in t o p r es s ion a d o em es p ecia l qu ando
m e s in t o cr it ica d o , d ou d u r o e t en t o fa zer b em a s cois a s ; t en t o
n ã o s om en t e r evid a r , m a s s en t a r -m e n a a n s ied a d e e n o m ed o. No
a n o p a s s a d o, p or ém , ch egu ei à con s t a t a çã o d e qu e, qu a n d o m e
s in t o cr it ica d o, p or t r á s d e m eu s es for ços p a r a a gir d e for m a
cor r et a es t á u m a r a iva en or m e. O qu e r ea lm en t e qu er o é a t a ca r ;
sou um tubarão assassino.
JOKO: E s s a ir a es t eve a li o t em p o t od o; s er u m a b oa p es s oa e
u m b om p r ofis s ion a l é s eu d is fa r ce. E xis t e u m t u b a r ã o a s s a s s in o
em t od o m u n d o. E é o m ed o qu e n ã o s e viven ciou . S eu m od o d e
encobri-lo é p a r ecer s er t ã o b oa p es s oa , fa zer t a n t a s cois a s e s er
tão maravilhoso que ninguém jamais consiga ver quem você de fato
é a lgu ém m or t o d e m ed o. Con for m e va m os d es en t er r a n d o es s a s
ca m a d a s d e fú r ia , é im p or t a n t e n ã o d eixá -la va za r p a r a n os s a s
con d u t a s ; n ã o d evem os in fligir n os s a fú r ia a os ou t r os . Na p r á t ica
gen u ín a , n os s a fú r ia é a p en a s u m es t á gio qu e p a s s a . Por ém , p or
a lgu m t em p o, s en t im o-n os m u it o m a is in com od a d os d o qu e
qu a n d o com eça m os . Is s o é in evit á vel; es t a m os n os t or nan d o m a is
h on es t os e n os s o fa ls o es t ilo s u p er ficia l es t á com eça n d o a s e
d is s olver . O p r oces s o n ã o d u r a p a r a s em p r e, m a s com cer t eza é
m u it o d es a gr a d á vel en qu a n t o d u r a . De vez em qu a n d o p od em os
a t é exp lod ir , m a s is s o é m elh or d o qu e fu gir ou m a s ca r a r n os s a
reação.
ALUNO: Fr eqü en t em en t e, con s igo en xer ga r os p a d r ões d a s
ou t r a s p es s oa s com m u it o m a is r a p id ez d o qu e o m eu . Qu a n d o
ela s s ã o im p or t a n t es p a r a m im , s in t o a t en t a çã o d e lh es d izer o
qu e vejo. S in t o-m e com o s e es t ives s e ven d o u m a m igo s e a foga r e
n ã o lh e d ou u m s a lva -vid a s . Qu a n d o d e fa t o in t er fir o, p or ém , em
ger a l m e d á a s en s a çã o d e qu e es t ou m e in t r om et en d o em s u a s
vidas, o que não é em absoluto da minha conta.
JOKO: É im p or t a n t e es s e p on t o. O qu e s ign ifica s er u m ca m p o
in for m e d e b en efícios ? Tod os vem os a s p es s oa s fa zen d o cois a s qu e
evidentemente lhes são prejudiciais. O que devemos fazer?
ALUNO: Não basta estar consciente e ser presente para elas?
JOKO: S im , es s a é em ger a l a m elh or r es p os t a . De vez em
qu a n d o a s p es s oa s n os p ed em a ju d a . S e s eu p ed id o for s in cer o,
es t á cer t o r es p on d er . Ma s p od em os n os a fob a r m u it o, n os a t ir a r
em con s elh os . A m a ior ia d e n ós s e com p õe d e con s er t a d or es . Um a
a n t iga m á xim a zen a con s elh a a n ã o r es p on d er en qu a n t o n ã o n os
tiver em s olicit a d o t r ês vezes . S e a p es s oa r ea lm en t e qu er s u a
op in iã o in s is t ir á . Ma s a p r es s a m o-n os em d a r op in iões qu a n d o
ninguém as quer. Eu sei: eu era assim.
O ob s er va d or n ã o t em em oções . É com o u m es p elh o. Tu d o
a p en a s p a s s a à s u a fr en t e. O es p elh o n ã o ju lga . S em p r e qu e
ju lga m os , a cr es cen t a m os u m ou t r o p en s a m en t o qu e n eces s it a s er
r ot u la d o. O ob s er va d or n ã o cr it ica . J u lga r n ã o é a lgo qu e o
ob s er va d or fa ça . E le s im p les m en t e ob s er va ou r eflet e, com o u m
es p elh o. S e p a s s a lixo à s u a fr en t e, ele r eflet e lixo. S e p a s s a m
r os a s à s u a fr en t e, ele r eflet e r os a s . O es p elh o con t in u a s en d o u m
es p elh o, u m es p elh o va zio. O ob s er va d or n em m es m o a ceit a ; s ó
observa.
ALUNO: O observador não é de fato parte da pequena mente?
JOKO: Nã o. O ob s er va d or é u m a fu n çã o d a p er cep çã o
con s cien t e qu e s ó s u r ge qu a n d o t em os o a p a r ecim en t o d e u m
ob jet o em n os s a vivên cia n o m u n d o fen om ên ico. S e n ã o a p a r ece
u m ob jet o (p or exem p lo, n o s on o p r ofu n d o), o ob s er va d or n ã o es t á
a li. O ob s er va d or fin a lm en t e m or r e qu a n d o s om os apenas a
percepção consciente e não precisamos mais dele.
Nu n ca con s egu im os en con t r a r es s e ob s er va d or , p or m a is qu e
o procuremos. No entanto, apesar de nunca conseguirmos localizá -
lo, é ób vio qu e p od em os ob s er va r . Pod er ía m os d izer qu e o
ob s er va d or é u m a d im en s ã o d ifer en t e d a m en t e, m a s n ã o um
a s p ect o d a p equ en a m en t e, qu e exis t e n o n ível lin ea r com u m . Nós
s om os p er cep çã o con s cien t e. Nin gu ém ja m a is ob s er vou a
p er cep çã o con s cien t e, n o en t a n t o é is s o qu e s om os u m "ca m po
informe de benefícios".
ALUNO: Pa r ece qu e u m a s en s a çã o d es a gr a d á vel con s egu e m e
ancorar no presente e focalizar minha atenção no aqui-agora.
JOKO: Tem os o a n t igo d it a d o s egu n d o o qu a l n a ú lt im a
es s ên cia d o h om em es t á a op or t u n id a d e p a r a Deu s . Qu a n d o a s
cois a s s ã o a gr a d á veis , t en t a m os n os a p ega r à s a m en id a d es . E m
n os s a t en t a t iva d e r et er o p r a zer , n ós o d es t r u ím os . Quando
es t a m os s en t a d os n a p r á t ica e ver d a d eir a m en t e p a r a d os , p or ém , o
desconfor t o e a d or n os r em et em d e volt a a o p r es en t e. A p os t u r a
s en t a d a t or n a m a is ób vio n os s o d es ejo d e es ca p a r ou d e fu gir .
Qu a n d o es t a m os p r a t ica n d o b em , n ã o h á ou t r o lu ga r a on d e ir .
Nos s a t en d ên cia é n ã o a p r en d er is s o a m en os qu e s in t a m os
d es con for t o. Qu a n t o m a is con s cien t es es t iver m os d e n os s o d es -
con for t o e d e n os s os es for ços p a r a es ca p a r , m a is t r a n s t or n os s er ã o
cr ia d os n o m u n d o fen om ên ico: d es d e gu er r a s in t er n a cion a is a t é
discussões p es s oa is e b r iga s em n os s o ín t im o; t od os es s es
p r ob lem a s s u r gem p or qu e n os s ep a r a m os d e n os s a s vivên cia s . O
d es con for t o e a d or n ã o s ã o a ca u s a d e n os s os p r ob lem a s ; a ca u s a
é que nós não sabemos o que fazer com essas sensações.
ALUNO: At é m es m o n o p r a zer t em u m elem en t o d e d es con for t o.
Por exem p lo, é u m p r a zer t er u m p ou co d e p a z e s ilên cio, m a s logo
s in t o u m cer t o in côm od o a o p en s a r qu e o b a r u lh o e o a la r id o
podem recomeçar a qualquer instante.
JOKO: Pr a zer e d or s ã o a p en a s p ólos op os t os . O
contentamen t o es t á em s er d is p on ível p a r a qu e a s cois a s s eja m
com o s ã o. Com con t en t a m en t o, n ã o h á p ola r id a d e. S e o b a r u lh o
com eça , ele com eça . Am b os s ã o con t en t a m en t o. Um a vez qu e
qu er em os n os a p ega r a o p r a zer e a fa s t a r a d or , p or ém ,
d es en volvem os u m a es t r a t égia d e es ca p e. Qu a n d o a lgu m a cois a
d es a gr a d á vel n os a con t ece en qu a n t o s om os cr ia n ça s ,
d es en volvem os u m s is tema u m a s p ect o p r in cip a l p a r a lid a r com
a s cois a s d es a gr a dáveis e vivem os d es d e en t ã o com b a s e n is s o
em vez de ver a vida como ela é.
A BASE DE APOIO
Na vid a cot id ia n a es t a m os m u n id os d o qu e p od em os ch a m a r
d e u m a b a s e d e a p oio im a gin á r ia : é elét r ica e n os a r r em es s a p a r a
cim a t od a vez qu e t em os p ela fr en t e a lgo qu e n os p a r ece u m
p r ob lem a . Pod em os im a gin a r qu e t em m ilh ões d e p on t os d e s a íd a ,
t od os a o n os s o a lca n ce. Tod a vez qu e n os s en t im os a m ea ça d os ou
a b or r ecid os , a cion a m os es s e d is p os it ivo e r ea gim os à s it u a çã o.
E s s a b a s e d e a p oio r ep r es en t a n os s a d ecis ã o fu n d a m en t a l a
r es p eit o d o qu e t em os d e s er p a r a s ob r eviver e ob t er d a vid a a qu ilo
qu e qu er em os . Ain d a qu a n d o ér a m os cr ia n ça s d es cob r im os qu e a
vid a n ã o er a s em p r e d o jeit o qu e qu er ía m os qu e fos s e e qu e a s
cois a s m u it a s vezes d a va m er r a d o, d o n os s o p on t o d e vis t a p es s oa l.
Nã o qu er ía m os qu e n in gu ém n os con t r a r ia s s e, n ã o qu er ía m os
viven cia r cois a s d es a gr a d á veis e, a s s im , cr ia m os u m a r ea çã o
d efen s iva p a r a b loqu ea r a p os s ível in felicid a d e. E s s a r ea ção
d efen s iva é n os s a b a s e d e a p oio. E s t a m os liga d os n ela , m a s
damos-Ih e u m a a t en çã o es p ecia l em p er íod os d e es t r es s e e a m ea ça.
Tom a m os u m a d ecis ã o a r es p eit o d a vid a cot id ia n a a vid a com o
ela é r ea lm en t e: ela é in a ceit á vel. E t en t a m os n os con t r a p or a o qu e
está acontecendo.
Tu d o is s o é in evit á vel. Nos s os p a is n ã o for a m s er es p er fei-
t a m en t e ilu m in a d os , n em b u d a s , m a s ou t r os s er es e cir cu n s t â n -
cia s t a m b ém con t r ib u ír a m . Qu a n d o ér a m os cr ia n ça s p equ en a s ,
n ã o t ín h a m os s u ficien t e m a t u r id a d e p a r a n os h a ver com eles d e
m a n eir a s á b ia . Por is s o a cion á va m os n os s a b a s e d e a p oio e
t ín h a m os a ces s os d e b ir r a , fa zía m os es câ n d a los , t a lvez ficá va mos
r et r a íd os . Des s a ép oca em d ia n t e, a vid a n ã o foi m a is vivid a p elo
p r a zer d e s e es t a r vivo, m a s p a r a a s s egu r a r n os s a b a s e d e a p oio.
Parece bobagem, porém é isso que fazemos.
As s im qu e a b a s e d e a p oio es t iver con s t r u íd a , s em p r e qu e
a lgo d es a gr a d á vel n os a t in gir m es m o qu e s eja s ó u m olh a r u m
p ou co a t r a ves s a d o d e a lgu ém , n ós a cion a r em os es s a b a s e. E la
p od e con t er u m n ú m er o in fin it o d e t om a d a s d e a cion a m en t o e,
d u r a n t e o d ia , p od em os a cion á -la in fin it a s vezes . Com o r es u ltado,
d es en volvem os u m a vis ã o m u it o es t r a n h a d a n os s a vid a . p or
exem p lo, s u p on h a m os qu e Glor ia fa lou com igo com m u it a
arrogâ ncia. Os fatos em si sã o ela ter dito uma coisa para mim. Ela
e eu p od em os t er u m a p equ en a d is cu s s ã o p a r a r es olver , m a s a
ver d a d e d a qu es t ã o é qu e ela s im p les m en t e d is s e a lgo. Na h or a , n o
entanto, s in t o-m e s ep a r a d a d e Glor ia . No qu e m e d iz r es p eit o, t em
a lgo d e er r a d o com ela . "Afin a l d e con t a s , veja s ó o qu e ela fez! E la
realmente é u m a p es s oa d es a gr a d á vel!" Agor a es t ou com r a iva d ela .
A verdade, porém, é que minha diferença nã o é com Gloria; ela n ã o
t em n a d a qu e ver com is s o. E m b or a s eja ver d a d e qu e ela t en h a
d it o a lgo, m eu a b or r ecim en t o n ã o vem d ela , m a s d e t er a cion a d o
m in h a b a s e d e a p oio. Viven cio es s a b a s e com o u m a es p écie d e
tensã o, qu e é d es a gr a d á vel. Nã o qu er o t er n a d a qu e ver com es s a
sensa ção, en t ã o en t r o em gu er r a com Glor ia . Tod a via é a m in h a
base de apoio que está causando o meu incômodo.
S e o in cid en t e for b a n a l, n u m t em p o r ela t iva m en t e cu r t o eu o
t er ei es qu ecid o e a cion a r ei m in h a b a s e d e a p oio a r es p eit o d e
a lgu m a ou t r a cois a . S e o in cid en t e for s ign ifica t ivo, n o en t a n t o,
p os s o t om a r u m cu r s o d r á s t ico d e a çã o. Lem b r o-m e d e u m a m igo
d a fa m ília , d u r a n t e a Gr a n d e Dep r es s ã o, qu e foi d es p ed id o d o
em p r ego em qu e s e h a via m a n t id o p or qu a r en t a a n os . Cor r eu p a r a
o t elh a d o, a t ir ou -s e e a s s im s e m a t ou . E le n ã o en t en d ia s u a vid a .
Algo t in h a ocor r id o, é ver d a d e, m a s n ã o er a ca s o p a r a s u icíd io. E le
es t a va com s u a b a s e d e a p oio fu n cion a n d o a t od o va p or e s eu
sofrimento era tão intenso que não conseguiu suportá-lo.
S em p r e qu e a lgo r ep r es en t a t ivo a con t ece em n os s a vid a ,
leva m os u m in t en s o ch oqu e d e n os s a b a s e d e a p oio. Nã o s a b emos
o que fazer com esse choque. Embora tenha vindo de dentro de nós,
p en s a m os qu e vem d e for a , "d e lá ". Algu ém ou a lgo n os t r a t ou
m u it o m a l. S om os vít im a s . Com Glor ia , m e p a r ece ób vio: o
p r ob lem a é Glor ia . "Qu em m a is p od er ia s er ? Nin gu ém m a is m e
in s u lt ou h oje. Tem d e s er ela ." Pa r a r evid a r , com eço a p la n eja r :
"Com o p os s o d a r -lh e o t r oco? Ta lvez eu n ã o fa le com ela n u n ca
m a is . S e ela va i fica r fa zen d o is s o, eu n ã o qu er o qu e ela s eja m a is
m in h a a m iga . J á t en h o p r ob lem a s s u ficien t es . Nã o p r ecis o d e
Gloria". Na realidade, a verdadeira fonte de meu aborrecimento não
é Glor ia . E la fez u m a cois a d e qu e eu n ã o gos t ei, m a s s eu
comportamento não é a fonte de minha dor. A fonte de minha dor é
minha base de apoio fictícia.
Quando nos sentamos para a prática, gradualmente tornamo-
n os m a is con s cien t es d e n os s o cor p o e p er ceb em os qu e es t á o
tempo todo contraído. Em geral a contração é muito discreta e sutil,
in vis ível p a r a a s ou t r a s p es s oa s . Qu a n d o fica m os d e fa t o
a b or r ecid os , a con t r a çã o a u m en t a . Algu m a s p es s oa s es t ã o t ã o
for t em en t e con t r a íd a s qu e is s o s e t om a evid en t e p a r a os ou t r os .
Dep en d e d a h is t ór ia p a r t icu la r d e ca d a u m . Mes m o qu e a p es s oa
t en h a t id o u m a vid a r ela t iva m en t e fá cil e feliz, a con t r a çã o es t á
sempre lá, como uma tensão marginal.
O qu e p od em os fa zer com es s a con t r a çã o? A p r im eir a cois a é
tomar consciência de que ela existe. Isso leva em gera] alguns anos
de prática. Nos primeiros anos em que nos sentamos para praticar,
lidamos em ger a l com os p en s a m en t os m a is os t en s ivos qu e
r u m in a m os a r es p eit o d os a p a r en t es p r ob lem a s qu e t em os com o
u n iver s o. E s s es p en s a m en t os m a s ca r a m a con t r a çã o s u b jacente.
Tem os d e lid a r com eles e a ca lm a r n os s a s vid a s a t é qu e n os s a s
r ea ções em ocion a is n ã o s eja m t ã o d es t r a m b elh a d a s . Qu a n do
n os s a s vid a s t iver em s e t or n a d o u m p ou co m a is a s s en t a d a s e
n or m a is , ir em os n os con s cien t iza r d a con t r a çã o m a r gin a l s u b ja -
cen t e qu e s em p r e es t eve a li, o t em p o t od o. A p a r t ir d e en t ã o,
p od em os n os t or n a r con s cien t es d a con t r a çã o com m a is in t en s i-
dade do que quando algo dá errado do nosso ponto de vista.
A p r á t ica n ã o d iz r es p eit o a os even t os t em p or á r ios d e n os s a
vid a . E la s e r efer e à n os s a b a s e d e a p oio. E s t a r egis t r a os eventos
t em p or á r ios . Dep en d en d o d os even t os e d e com o n os s a b a s e d e
a p oio os r egis t r a , ch a m a m os n os s a s r ea ções d e a b or r ecim en t o,
r a iva , d ep r es s ã o. E s s e t r a n s t or n o n ã o é p elos even t os , m a s p or
n os s a b a s e d e a p oio. Por exem p lo, s e u m ca s a l es t á d is cu t in d o,
p en s a m qu e s u a b r iga é d e u m com o ou t r o, m a s n a r ea lid a d e a
d is cu s s ã o é d e ca d a u m com s u a p r óp r ia b a s e d e a p oio. Acon t ece
u m a b r iga qu a n d o ca d a u m a d a s p es s oa s s in t on iza s u a p r óp r ia
b a s e d e a p oio n u m a r ea çã o a a lgu ém . Por is s o, qu a n d o t en t a m os
r es olver u m a d es a ven ça lid a n d o com n os s o côn ju ge d e a lgu m a
maneira , n ã o ch ega m os a p a r t e n en h u m a ; n ã o é es s a a fon t e d o
problema.
Uma outra coisa que aumenta a confusão é que nós gostamos
d e n os s a b a s e d e a p oio. E la n os con fer e im p or t â n cia p r ópria.
Qu a n d o n ã o en t en d o m in h a b a s e d e a p oio, en t ã o p os s o exigir
m u it a a t en çã o d is cu t in d o com a Glor ia , d es for r a n d o-m e d ela , e
a s s im ela fica s a b en d o com qu em s e m et eu . Qu a n d o a jo a s s im ,
m a n t en h o m in h a b a s e d e a p oio, o qu e con s id er o com o m in h a
p r ot eçã o d ia n t e d o m u n d o. Ten h o con fia d o n ela d es d e m eu s
t em p os d e cr ia n ça e n ã o qu er o m e livr a r d ela . S e eu fos s e m e
d es fa zer d ela , t er ia d e en ca r a r t od o o m eu t er r or ; em vez d is s o,
p r efir o en fr en t a r a Glor ia . E is s o qu e con s t it u i a p r á t ica s en t a d a :
en ca r a r o t er r or e s er a t en s ã o s ecu n d á r ia ou p r ed ominante
n o cor p o. Nã o qu er em os fa zer is s o. Qu er em os lid a r com n os s os
principais problemas através de nossa base de apoio.
Há m u it os a n os , t r a b a lh ei p a r a u m a gr a n d e com p a n h ia . E r a
a a s s is t en t e d o ch efe d e m in h a s eçã o, u m la b or a t ór io d e p es qu is a
cien t ífica . Min h a va ga n o es t a cion a m en t o fica va p er t o d a en t r a d a
d o la b or a t ór io. E r a b om is s o; qu a n d o ch ovia , eu p od ia s a lt a r d o
ca r r o e en t r a r n o ed ifício s em fica r m u it o m olh a d a . Foi s u r gin d o
u m p r ob lem a com es s a va ga , p or qu e a p or t a con d u zia t a m b ém
d ir et o p a r a o es cr it ór io d o vice-p r es id en t e. E n t ã o a s ecr et á r ia d o
vice-p r es id en t e d ecid iu qu e a qu ela m in h a va ga er a o m elh or lu ga r
p a r a es t a cion a r . E la com eçou u m a con fu s ã o e a s com u n icações
in t er n a s com eça r a m a voa r p a r a t od o la d o. E r a m p a r a o
d ep a r t a m en t o d e p es s oa l, p a r a o m eu ch efe, p a r a o ch efe d ela , e
p a r a a lgu n s ou t r os lu ga r es . E la es t a va m u it o con t r a r ia d a p or qu e
no papel seu cargo era superior ao meu e no entanto a melhor vaga
er a a m in h a . Pen s ei: "E la es t á t en t a n d o m e t ir a r es t a va ga . E u
s em p r e t ive es t a va ga . Lega lm en t e, é m in h a ". Meu ch efe, a p es soa
m a is im p or t a n t e d o la b or a t ór io d e p es qu is a cien t ífica , s olid a r izou -
s e com igo e com eçou a lu t a r com o vice-p r es id en t e. S eu s egos
es t a va m en volvid os . Qu em er a m a is im p or t a n t e? Nã o h a via u m a
r es p os t a cla r a . Nes s a a lt u r a , em vez d e es t a r m os a p en a s a s d u a s
b a t en d o b oca , n os s os ch efes es t a va m igu a lm en t e n o con flit o. Tod a
noite, quando saía da minha vaga, eu s ab ia que estava certa.
E s s a lu t a d u r ou m es es . As com u n ica ções d eixa va m d e s er
exp ed id a s e d e r ep en t e t od a vez qu e es s a s ecr et á r ia m e via
ela s com eça va m d e n ovo a voa r d e u m la d o p a r a ou t r o. Fin a lmente,
cer t a n oit e, n u m cr u za m en t o, en qu a n t o es p er a va qu e o s in a l
m u d a s s e p a r a ver d e, p er ceb i o s egu in t e: "Nã o es t ou ca s a d a com
a qu ela va ga . S e ela a qu er , qu e a leve". As s im , n o d ia s egu in t e,
com ecei eu m es m a a exp ed ir a s com u n ica ções . Com p er m is s ã o d o
d ep a r t a m en t o d e p es s oa l, ced i m in h a va ga . Meu ch efe ficou fu r ios o
com igo. Por ém , com o n ã o er a u m a qu es t ã o m u it o gr a ve, a ca b ou s e
a cos t u m a n d o com a s it u a çã o. Um a s em a n a m a is t a r d e, a
s ecr et á r ia m e t elefon ou e convidou-m e p a r a a lm oça r . Nu n ca n os
aproximamos muito, mas mantivemos uma relação cordial.
A ver d a d eir a qu es t ã o n ã o er a en t r e m im e es s a s ecr et á r ia . A
va ga er a a p en a s u m a es p écie d e s ím b olo p a r a ou t r a s es p écies d e
lu t a s . Nã o es t ou qu er en d o d izer qu e a gen t e d eva s em p r e a b r ir
m ã o d e u m a va ga n o es t a cion a m en t o. Nes s e ca s o, p or ém , a
qu es t ã o er a t r ivia l: eu p a s s ei a t er d e a n d a r t a lvez qu a r en t a ou
cin qü en t a p a s s os , em vez d e s et e. Um a ou d u a s vezes n o in ver n o
fiqu ei r ea lm en t e en ch a r ca d a d a ca b eça a os p és . No en t a nto,
en qu a n t o es s a con t r ovér s ia n ã o foi r es olvid a , m a n t eve m u it a s
pessoas ocupadas durante meses.
Nos s a s d es a ven ça s n u n ca s ã o com os ou t r os , m a s com n os s a
p r óp r ia b a s e d e a p oio. S e t em os u m a b a s e d e a p oio com m u it a s
t om a d a s p r on t a s p a r a n os liga r m os em qu a lqu er u m a d ela s ,
p r a t ica m en t e qu a lqu er cois a s er á m ot ivo. Nós gos t a m os d e n os s a s
b a s es d e a p oio; s em ela s , ir ía m os s en t ir -n os a t er r or iza d os , t a l
como nos sentíamos quando éramos muito pequenos.
O objetivo da prática é tornarmo-nos amigos de nossa base de
a p oio. Nã o ir em os n os livr a r d ela d e u m a vez p or t od a s . E s t a m os
m u it o a p ega d os a ela p a r a is s o. Ma s , con for m e a m en t e for
r ea lm en t e s e a qu iet a n d o e t or n a r -s e m en os in t er es s a d a em lu t a r
com o m u n d o; qu a n d o d es is t ir m os d e n os s a s p os ições em a lgu m a s
lu t a s s em s en t id o; qu a n d o n ã o t iver m os m a is qu e b r iga r t a n t o
p or qu e ch ega m os a ver o qu e es t á p or t r á s , en t ã o n os s a
ca p a cid a d e d e p er m a n ecer m os s en t a d os n a p r á t ica a u m en t a r á .
Nesse ponto, começamos a sentir que o problema real está naquela
a n t iga cr ia çã o con s t it u íd a d e d or a d or d a cr ia n cin h a qu a n d o
d es cob r e qu e a vid a n ã o é a qu ilo qu e ela gos t a r ia qu e fos s e. E s s a
d or es t á r eves t id a d e r a iva , m ed o e ou t r os s en t im en t os p a r ecid os .
Nã o h á m eios d e s e es ca p a r d es s e d ilem a , excet o volt a n d o p elo
m es m o ca m in h o e t or n a n d o a s en t ir os s en t im en t os or igin a is . Nã o
es t a m os in t er es s a d os n is s o, p or ém , e é p or is s o qu e s en t a r n a
prática se torna tão difícil.
Qu a n d o r egr es s a m os a o cor p o, n ã o é qu e d es en t er r a m os
a lgu m gr a n d e m elod r a m a qu e s e d es en r ola em n os s o ín t im o. Pa r a
a m a ior ia d a s p es s oa s , a m a ior p a r t e d o t em p o, a con t r a çã o é t ã o
s ecu n d á r ia qu e n em con s egu em p er ceb er qu e es t á lá . Ma s es t á .
Qu a n d o s im p les m en t e n os s en t a m os e m a n t em os u m a a p r o-
xim a çã o ca d a vez m a ior d a s en s a çã o d es s a con t r a çã o, a p r en d emos
a d es ca n s a r n ela p or p er íod os ca d a vez m a ior es : cin co s egu n d os ,
d ez s egu n d os , d ep ois t r in t a m in u t os ou m a is . Um a vez qu e a b a s e
d e a p oio é n os s a in ven çã o e qu e n ã o t em u m a r ea lid a d e
fu n d a m en t a l, ela com eça a s e r es olver u m p ou co a qu i, u m p ou co
a li. Dep ois d e fica r em sesshin p or a lgu m t em p o, t a lvez
p er ceb a m os qu e ela s u m iu . Dep ois ela p od e volt a r . S e
en t en d er m os a n os s a p r á t ica , a o lon go d os a n os d e p r á t ica es s a
b a s e d e a p oio va i fica n d o ca d a vez m a is fin a e m en os d om in a n te.
Pod em ocor r er a b er t u r a s m om en t â n ea s , E m s i m es m a s , essas
a b er t u r a s n ã o s ã o im p or t a n t es , u m a vez qu e a b a s e d e a p oio em
ger a l r et or n a im ed ia t a m en t e a fu n cion a r a s s im qu e d ep a r a m os
com u m a n ova s it u a çã o d es a gr a d á vel com a lgu ém . Nã o t en h o u m
in t er es s e es p ecia l em cr ia r a b er t u r a s n a b a s e d e a p oio; o t r a b a lh o
r ea l es t á em d is s olvê-la p or com p let o, a os p ou cos . S a b em os qu e a
base de apoio está em ação quando nos sentimos contrariados com
a lgo ou com a lgu ém . S em s om b r a d e d ú vid a t em os qu es t ões n o
m u n d o ext er n o a s er em r es olvid a s , a lgu m a s d ela s m u it o d ifíceis .
Contu d o es s a s qu es t ões n ã o s ã o o qu e n os con t r a r ia . O qu e n os
con t r a r ia é es t a r m os fu n cion a n d o a p a r t ir d e n os s a b a s e d e a p oio.
Quando isso acontece, não há serenidade, não há paz.
E s t a m od a lid a d e d e p r á t ica t r a b a lh a r d ir et a m en t e com a
b a s e d e a p oio, com n os s a s con t r a ções s u b ja cen t es p od e s er
m a is d ifícil d o qu e a p r á t ica d o koan . Com a p r á t ica d o koan, a
*
*
Koan: uma questão paradoxal tradicional, impossível de ser analisada racionalmente,
usada para aprofundar a meditação.
Mu it a s es cola s d e t er a p ia in cen t iva m qu e o clien t e m a n ifes te
d ir et a m en t e s u a h os t ilid a d e. Qu a n d o a exp r es s a m os p or ém , n os s a
a t en çã o d ir ige-s e p a r a for a , p a r a u m a ou t r a p es s oa ou cois a , e
p a r a o ver d a d eir o p r ob lem a . E xp r es s a r n os s os s en t im en t os é u m a
cois a n a t u r a l e n ã o a lgo t er r ível em s i. Tod a via em ger a l n os cr ia
p r ob lem a s . Qu a n d o ver d a d eir a m en t e vivid a , a r a iva é m u it o
s ilen cios a . Tem u m a cer t a d ign id a d e. Nã o h á m a n ifes t a ções , n ã o
h á t ea t r a liza ções . Refer e-s e a p en a s a es t a r com a qu ela con t r a çã o
fu n d a m en t a l qu e d en om in ei a b a s e d e a p oio. Qu a n d o d e fa t o
ficamos com raiva, então os pensamentos pessoais e autocentrados
s e d es t a ca m d o s en t im en t o e fica m os d ia n t e d a en er gia p u r a , qu e
pode ser usada de um modo compassivo.
E s s a é a ver d a d eir a h is t ór ia d a p r á t ica . A p es s oa qu e con -
s egu e fa zer is s o com gr a n d e con s is t ên cia é a lgu ém qu e ch a m a mos
d e ilu m in a d o. Pa s s a r p or u m a exp er iên cia m om en t â n ea d e es t a r
s em a b a s e d e a p oio n ã o é a ver d a d eir a ilu m in a çã o. A p es s oa
r ea lm en t e ilu m in a d a é a qu ela qu e con s egu e t r a n s for m a r en er gia
qu a s e o t em p o t od o. Nã o qu e a en er gia n ã o a p a r eça m a is . A
qu es t ã o é o qu e fa zer com ela ? S e a lgu ém d á u m a t r om b a d a n o
n os s o ca r r o, s em t er p r es t a d o a t en çã o, n ã o ir em os a p en a s s or r ir
com d ocilid a d e. Ter em os u m a r ea çã o: "Ma s qu e d r oga !". Ma s e
en t ã o? Por qu a n t o t em p o p er m a n ecem os n es s a r ea çã o? A m a ior ia
d e n ós p r olon ga es s a r ea çã o e a a m p lia a o m á xim o. Um exem p lo é
n os s a p r op en s ã o a m over p r oces s os ; n ã o es t ou d izen d o qu e u m
p r oces s o n u n ca s eja ju s t ifica d o. Pod e s er à s vezes n eces s á r io p a r a
r es olver u m a p en d ên cia . No en t a n t o m u it os p r oces s os s ã o n a
r ea lid a d e a r es p eit o de a lgu m a ou t r a cois a e são
con t r a p r od u cen t es . S e m a n ifes t o m in h a r a iva p a r a Glor ia , ela , d e
a lgu m a m a n eir a , ir á d evolvê-la p a r a m im . Min h a a m iza d e com
Glor ia p od er á a ca b a r . Qu a n d o o elem en t o p es s oa l o m od o com o
m e s in t o qu a n t o a ela é a fa s t a d o, en t ã o r es t a s ó a en er gia .
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a a p r á t ica d es s a en er gia , com d ign id a d e,
em b or a n o com eço s eja d olor os o, d ep ois s e t r a n s for m a n u m lu ga r
d e gr a n d e d es ca n s o. Um a fr a s e d o cor a l d e Ba ch m e vem à m en t e:
"E m Teu s b r a ços eu d es ca n s o". Is s o s ign ifica d es ca n s a r em qu em
eu r ea lm en t e s ou . "Aqu eles qu e p od er ia m m oles t a r -m e n ã o
con s egu em en con t r a r -m e a qu i." Por qu e é qu e eles n ã o con s egu em
encontrar-m e a qu i? Por qu e n ã o t em n in gu ém em ca s a . Nã o t em
n in gu ém a í. Qu a n d o s ou en er gia p u r a , n ã o s ou m a is eu . S ou u m
fu n cion a m en t o p a r a o qu e é b om . E s s a t r a n s for m a çã o é o m ot ivo
p elo qu a l es t a m os s en t a d os n a p r á t ica . Nã o é fá cil. E n ã o a con t ece
d o d ia p a r a a n oit e. Ma s , s e p r a t ica r m os b em , ir em os com o t em p o
n os en volver ca d a vez m en os em equ ívocos in t er p es s oa is ,
p r eju d ica n d o a n ós e a os ou t r os . S en t a r p a r a a p r á t ica in cin er a o
elem en t o a u t ocen t r a d o e n os d eixa com a en er gia d e n os s a s
emoções, sem a destrutividade.
Sesshins, a p r á t ica r egu la r , e a p r á t ica n a vid a s ã o os m e-
lhores caminhos para produzir essa transformação. Pouco a pouco,
vai acontecendo uma mudança em nossa energia e mais um trecho
d e n os s a b a s e d e a p oio é in cin er a d o. Con for m e n os s a s
p r eocu p a ções a u t ocen t r a d a s for em s en d o d eixa d a s d e la d o, n ã o
p od er em os m a is r et or n a r a o m od o com o ér a m os . Um a t r a n s for -
mação fundamental aconteceu.
"Em Teus braços eu me descanso." Existe uma verdadeira paz
quando descansamos dentro dessa contração fundamental, apenas
viven cia n d o o cor p o com o é. Com o d iz Hu b er t Ben oit em s eu
maravilhoso livr o Th e s u p re m e d octrin e (A d ou t r in a s u p r em a ) *,
qu a n d o es t ou n u m d es es p er o r ea l, p elo m en os d eixe-m e d es ca n s a r
n es s e d iva d e gelo. S e eu con s egu ir ver d a d eir a m en t e d es ca n s a r a í,
m eu cor p o ir á con for m a r -s e com ele e n ã o h a ver á m a is s ep a r a çã o.
Nes s e p on t o, a lgu m a cois a m u d a . Com o m e s in t o a r es p eit o d e
Glor ia a gor a ? Oh , t ivem os u m p equ en o d es en t en d im en t o e
d a r em os en t ã o u m b elo p a s s eio a p é p a r a con ver s a r m os a r es p eit o.
Sem problemas.
II. Sacrifício
S ACRIFÍCIO E VÍTIMAS
*
Hubert Benoit, The supreme doctrine: Psychologícal studies in zen thought, Nova York:
Viking, 1955, p. 145.
s a cr ifica d os à cob iça , à r a iva e à ign or â n cia d os ou t r os , à s u a fa lt a
d e con h ecim en t o d e qu em s ã o. Mu it a s vezes es s a vit im a çã o é
com et id a p or n os s os p a is . Nin gu ém t em u m p a r d e b u d a s com o
p a is . E m vez d e b u d a s , t em os p a is com o p a is : fa lh os , con fu s os ,
ir a d os , a u t ocen t r a d os com o t od os n ós . E u fu i m a lt r a t a d a p elos
m eu s p a is e com cer t eza m a lt r a t ei m eu s filh os a lgu m a s vezes . At é
m es m o os m elh or es p a is m a lt r a t a m s eu s filh os à s vezes , p or qu e
são humanos.
Com a p r á t ica t om a m os con s ciên cia d e t er m os s id o s a cr ifi-
ca d os e n os a b or r ecem os m u it o com es s e fa t o. S en t im o-nos
m a goa d os , m a n ip u la d os , com o s e a lgu ém n ã o n os t r a t a s s e d o
m od o com o d evía m os s er t r a t a d os e is s o é ver d a d e. E m b or a
inevitável, ainda é verdade e dói, ou assim parece.
O primeiro estágio é simplesmente tornar-se consciente de ter
s id o s a cr ifica d o. O s egu n d o es t á gio con s is t e em t r a b a lh a r com o
s en t im en t o qu e d ecor r e d e t a l con s cien t iza çã o: n os s a r a iva , n os s o
d es ejo d e fica r qu it es , n os s o d es ejo d e m a goa r a qu eles qu e n os
m a goa r a m . E s s es d es ejos va r ia m m u it o qu a n t o à s u a in t en s id a d e:
a lgu n s s ã o m od er a d os , ou t r os p od er os os e p er s is t en t es . Mu it a s
t er a p ia s t r a t a m d e d es en t er r a r n os s a s vivên cia s d e vit im a çã o;
a p r es en t a m va r ia d a s a b or d a gen s a r es p eit o d o qu e fa zer qu a n t o a
t a is exp er iên cia s . Na p olít ica p a r ece qu e p en s a m os qu e d evem os
r evid a r . Pod em os r evid a r , ou p od em os fa zer a lgu m a ou t r a cois a .
Mas o que poderia ser?
Con for m e p r a t ica m os , t om a m os con s ciên cia d e n os s a r a iva
p or ca u s a d a s cois a s , d e n os s o d es ejo d e d es con t a r , d e n os s a
con fu s ã o, r et r a im en t o e in d ifer en ça . S e con t in u a m os p r a t ica n d o
(man t en d o a a t en çã o, r ot u la n d o n os s os p en s a m en t os ), en t ã o a lgo
diferente em b or a t a m b ém d olor os o com eça a d es p on t a r em
n os s a con s ciên cia . Com eça m os a ver n ã o s ó com o fom os
s a cr ifica d os , m a s t a m b ém com o s a cr ifica m os os ou t r os . E s s a
con s t a t a çã o p od e s er a in d a m a is p en os a d o qu e a p r im eir a . E ,
es p ecia lm en t e qu a n d o d a m os va zã o à n os s a r a iva e a o n os s o
r es s en t im en t o e t en t a m os fica r qu it es , com eça a n os p a r ecer ca d a
vez m a is evid en t e qu e a gor a es t a m os s a cr ifica n d o ou t r a s p es soas,
d a m es m a for m a com o fom os s a cr ifica d os . E a Bíb lia d iz: o m a l
perpetua-s e ger a çã o a p ós ger a çã o. Qu a n d o a d or qu e s en t im os
d ia n t e d o qu e fa zem os a os ou t r os e a d or p elo qu e n os fizer a m
com eça r em a s er d o m es m o t a m a n h o, en t ã o n os s a p r á t ica es t a r á
amadurecendo.
S e es t a m os com p r om et id os com cu r a r , qu er em os com p en sar.
O qu e s ign ifica a p a la vr a compensar? S ign ifica p en s a r * ju n t o,
s a r a r ju n t o. Nã o p od em os a p a ga r o qu e fizem os n o p a s s a d o. J á
es t á feit o. S en t ir m o-n os cu lp a d os p or ca u s a d is s o é u m a m a n eir a
d e n os s a cr ifica r m os , p or qu e n o p a s s a d o s a cr ifica m os ou t r a s
p es s oa s . A cu lp a n ã o a ju d a . Dizer qu e s en t im os m u it o
desculpar-nos n em s em p r e é com p en s a r . E m b or a p os s a s er
n eces s á r io, p od e n ã o s er s u ficien t e. A p r á t ica r eligios a t r a t a d e
u m a com p en s a çã o, d e p r a t ica r com a n os s a p r óp r ia vid a , de
en xer ga r o n os s o d es ejo d e s a cr ifica r os ou t r os p or qu e es t a m os
com r a iva . Pr ecis a m os con s t a t a r es s es d es ejos , m a s n ã o r ea lizá -los.
O p r oces s o d e com p en s a çã o leva a vid a in t eir a . É d is s o qu e
t r a t a a vid a h u m a n a : com p en s a ções in t er m in á veis . Por ou t r o la d o,
s en t ir cu lp a é u m a exp r es s ã o d o ego: p od em os s en t ir p en a d e n ós
(e n os s en t ir m os a t é n ob r es ) s e n os p er d er m os em n os s a cu lp a . Na
ver d a d eir a com p en s a çã o, em vez d e foca liza r m os n os s a a t en çã o n a
cu lp a , a p r en d em os a con cen t r á -la m a is em n os s os ir m ã os e ir m ãs,
em n os s os filh os , em qu em qu er qu e es t eja s ofr en d o. Pa r a qu e
es s es es for ços p os s a m s er gen u ín os , n o en t a n t o, d evem os a n t es
lid a r com a p r im eir a ca m a d a qu e é a d e t om a r con s ciên cia d e
t od os os n os s os p en s a m en t os , s en t im en t os e d e n os s a r a iva p or
tudo o qu e n os s a vid a t em s id o. Dep ois p r ecis a m os d es en volver a
a gu d eza d e vis ã o e a s en s a çã o cla r a d e n os s o a t u a l d es ejo d e
s a cr ifica r os ou t r os . Is s o é m u it o m a is im p or t a n t e: n ã o o qu e n os
foi feit o, m a s o qu e es t a m os fa zen d o com os ou t r os . Algu ém t em d e
para r o p r oces s o. Com o in t er r om pê-lo? Nós o in ter r om p em os
qu a n d o n os r et ir a m os d e n os s os p en s a m en t os a m a r gos a r es p eit o
d o p a s s a d o e d o fu t u r o e com eça m os a es t a . a p en a s n o a qu i e n o
a gor a , fa zen d o o m elh or qu e p od em os , ob s er va n d o o qu e fa zem os .
As s im qu e es s e p r oces s o s e t om a m a is cla r o, exis t e a p en a s u m a
cois a qu e r ea lm en t e qu er em os fa zer : r om p er a ca d eia , a m en iza r o
s ofr im en t o d o m u n d o. S e u m a em ca d a d ez p es s oa s d o m u n d o s e
d is p u s es s e a r om p er a ca d eia , o ciclo in t eir o d es m or on a r ia ; n ã o
teria força suficiente para se manter por si.
O que tudo isso tem que ver com integridade, com iluminação?
Um a p es s oa ilu m in a d a es t a r ia d is p os t a , s egu n d o a s egu n d o, a s er
o s a cr ifício n eces s á r io p a r a s e r om p er o ciclo d o s ofr im en t o. E s t a r
d is p on ível p a r a o s a cr ifício n ã o s ign ifica s er "m a is s a n t o qu e você";
*
Nota da Tradutora: No sentido de pensar as feridas. No original, atone, at one.
is s o é p u r o ego. A d is p on ib ilid a d e p a r a s er s a cr ifica d o é m a is
s im p les e m a is b á s ica . Qu a n t o m a is s en t a m os n a p r á t ica , m a is
a u m en t a n os s o con h ecim en t o d e n ós m es m os e d e n os s a vid a .
E n t ã o t em os u m a es colh a a cer ca d o qu e ir em os fa zer ; p od em os
es colh er en t r e s a cr ifica r ou n ã o u m a ou t r a p es s oa . Por exem p lo,
p od em os es colh er d a r u m a r es p os t a a t r a ves s a d a p a r a a lgu ém . Is s o
p od e p a r ecer u m a cois a t r ivia l, m a s n ã o é. Nós es colh em os com o
n os r ela cion a r com a s p es s oa s d e qu em s om os p r óxim os . Nã o qu e
n os t or n em os m á r t ir es ; es colh er s er m á r t ir é n a r ea lid a d e a lgo
b a s t a n t e a u t ocen t r a d o. E n ã o é qu e d es is t a m os d o p r a zer qu e h á
n a vid a . (Com cer t eza n ã o qu er em os con viver s em p r e com p es s oa s
qu e n u n ca s e d iver t em .) A qu es t ã o p r in cip a l é t or n a r m o-nos
con s cien t es d e t er m os s id o s a cr ifica d os e en t ã o com eça r m os a ver
com o s a cr ifica m os os ou t r os . E s s e é u m es t á gio qu e p r ecis a fica r
cla r o. Fr eqü en t em en te ou ço: "Por qu e é qu e eu n ã o d ever ia r evid a r ?
Olha o que fizeram comigo!".
ALUNO:Às vezes , qu a n d o m e s in t o cu lp a d o, en t r o n u m a
sintonia de autopunição. Como posso sair dessa sintonia?
JOKO: O a u t ofla gela m en t o é a p en a s p en s a r . Pod em os t om a r
consciên cia d es s es p en s a m en t os e s en t ir a t en s ã o cor p or a l qu e os
a com p a n h a . Pod em os n os p er gu n t a r o qu e con qu is t a m os p u n in d o-
n os in ces s a n t em en t e. De cer t o m od o, gos t a m os do
a u t ofla gela m en t o p or qu e é a u t ocen t r a d o: t or n a -n os o cen t r o d o
acontecim en t o. A via gem d a cu lp a é u m a a t ivid a d e m u it o
autocentrada.
ALUNO: E qu a n t o a es t a r com p es s oa s a qu em m e h a b it u ei a
es t a r p er t o e d e qu em n ã o gos t o m a is ? A r a iva s ob e com o u m a
s om b r a . Qu a n d o p en s o n ela s , m in h a s en s a çã o é qu e es t ou a fu n -
dando.
JOKO: Fique ap en a s a te n to aos s eu s s en t im en t os ; ob s er ve o
qu e es t á p en s a n d o. S e h ou ver u m m om en t o a p r op r ia d o em qu e
você p r ecis a es t a r com es s a s p es s oa s , ob s er ve com o é. E n ã o evit e
a s p es s oa s qu e m ob iliza m es s a r a iva . Nã o es t ou s u ger in d o qu e
você necessariamente vá atrás delas, mas pelo menos não as evite.
ALUNO: Com fr eqü ên cia s in t o cu lp a p or n ã o es t a r u s a n d o com
qu a lid a d e o t em p o d es p en d id o ju n t o a os m eu s p a is . Ten h o m e
ob s er va d o fa zen d o is s o vá r ia s vezes . No en t a n t o, con t in u o n a
mesma.
JOKO: Você es t á s e a va lia n d o s egu n d o u m a id éia m en t a l.
Quando você estiver com seus pais, esteja simplesmente com eles e
veja o qu e a con t ece. É o qu e b a s t a . O r es t o é fa n t a s ia a r es p eit o d e
com o você d ever ia s er . Qu em s a b e com o você d ever ia s er ? Nós
a p en a s fa zem os o m elh or , s em p r e. Com o t em p o, p er d er em os t od o
o interesse em nosso passado.
J USTIÇA
P ERDÃO
Se for m os h on es t os , t er em os d e a d m it ir qu e o qu e d e fa t o
qu er em os d a p r ática es p ecia lm en t e n o com eço, m a s em a lgum
gr a u o t em p o t od o é u m m a ior con for t o em n os s a s vid a s .
E s p er a m os qu e, com u m a p r á t ica s u ficien t e, o qu e n os in com od a
a gor a n ã o n os in com od e d ep ois . E xis t em n a ver d a d e d u a s m a -
n eir a s d e a b or d a r m os a p r á t ica , e qu e p r ecis a m s er cit a d a s . A
p r im eir a p er s p ect iva é o qu e a m a ior ia d e n ós pensa qu e é a
p r á t ica (qu er o a d m it a m os , qu er n ã o), e a s egu n d a é a qu ilo qu e a
p r á t ica n a ver d a d e é. Con for m e n os s a p r á t ica va i s e d es en volvendo
com o t em p o, a os p ou cos p a s s a m os d e u m a p er s p ect iva p a r a ou t r a ,
em b or a n u n ca a b a n d on em os p or com p let o a p r im eir a . E s t a m os
todos em algum ponto desse continuum.
Qu a n d o a gim os m ovid os p ela p r im eir a p er s p ect iva , n os s a
a t it u d e b á s ica é qu e em p r een d er em os es s a p r á t ica d ifícil e exigente
p or qu e es p er a m os ob t er d et er m in a d os b en efícios p es s oa is d ela .
Pod em os n ã o es p er a r t ê-los t od os a o m es m o t em p o. Pod em os t er
u m a cer t a lim it a çã o d e p a ciên cia , m a s d ep ois d e a lgu n s m es es d e
p r á t ica p od em os com eça r a s en t ir qu e fom os lu d ib r ia d os ca s o
n os s a vid a n ã o t en h a m elh or a d o. E n t r a m os n a p r á t ica com u m a
cer t a exp ect a t iva ou exigên cia d e qu e ela , d e a lgu m a for m a , ir á
incumbir-s e d e n os s os p r ob lem a s . Nos s a s exigên cia s b á s ica s s ã o
qu e n os s in t a m os b em e n os t or n em os felizes , qu e t en h a m os m a is
p a z e s er en id a d e. E s p er a m os n ã o t er m a is qu e a t u r a r a qu eles
h or r íveis s en t im en t os d e con t r a r ied a d e, e ir em os con s egu ir t u d o o
qu e d es eja m os . E s p er a m os qu e, em vez d e s er in s a t is fa t ór ia , n os s a
vid a s e t or n e m a is gr a t ifica n t e. E s p er a m os fica r m a is s a u d á veis ,
m a is à von t a d e. E s p er a m os t er m elh or con t r ole d e n os s a vid a .
Im a gin a m os qu e s er em os ca p a zes d e t r a t a r os ou t r os m elh or s em
que isso seja inconveniente.
E xigim os qu e a p r á t ica n os d eixe con fia n t es e qu e ob t en h a -
m os ca d a vez m a is a qu ilo qu e qu er em os : s e n ã o d in h eir o e fa m a ,
p elo m en os a lgo p r óxim o. E m b or a t a lvez n ã o qu eir a m os a d m it i-lo,
exigim os qu e u m a ou t r a p es s oa t om e con t a d e n ós e qu e a s
p es s oa s qu e n os s ã o p r óxim a s a t u em em n os s o b en efício. E s p e-
r a m os s er ca p a zes d e cr ia r con d ições d e vid a qu e n os s eja m
a gr a d á veis , com o o r ela cion a m en t o cer t o, o t r a b a lh o cer t o, o
m elh or p r ogr a m a d e es t u d os . Pa r a a qu eles com qu em n os id en -
tificamos, queremos ser capazes de consertar suas vidas.
Nã o h á n a d a d e er r a d o em qu er er qu a lqu er u m a d es s a s
cois a s , m a s , s e p en s a r m os qu e a lca n çá -la s é d o qu e t r a t a a p r á t ica ,
en t ã o a in d a n ã o a t er em os en t en d id o. As exigên cia s s ã o t od a s a
r es p eit o d o qu e nós qu er em os : qu er em os fica r ilu m in a dos,
qu er em os p a z, qu er em os s er en id a d e, qu er em os a ju d a , qu eremos
controle sobre as coisas, queremos que tudo seja maravilhoso.
A s egu n d a p er s p ect iva é b em d ifer en t e: ca d a vez m a is
qu er em os s er ca p a zes d e cr ia r h a r m on ia e cr es cim en t o p a r a t od a s
a s p es s oa s . E s t a m os in clu íd os n es s e cr es cim en t o, m a s n ã o s om os
o cen t r o d ele; s om os a p en a s u m a p a r t e d o qu a d r o. Con for m e es s a
s egu n d a p er s p ect iva va i s e for t a lecen d o em n ós , com eça m os a
d es fr u t a r o s er viço qu e p r es t a m os a os ou t r os e tem os m en os
in t er es s e em s a b er s e s er vir a os ou t r os a t r a p a lh a n os s o p r óp r io
bem-es t a r . Com eça m os a ir em b u s ca d e con d ições d e vid a
com o u m em p r ego, s a ú d e, u m n a m or a d o qu e m a is fa vor eça m
es s e s er viço. Ta lvez ela s n ã o n os s eja m s em p r e a gr a d á veis . O qu e
m a is n os im p or t a é qu e t a is con d ições n os en s in a m com o s er vir
b em a vid a . Um a r ela çã o d ifícil p od e s er ext r em a m en t e p r oveit os a ,
por exemplo.
Conforme adotemos a segunda perspectiva mais e mais vezes,
a p r en d em os a s er vir a t od os , e n ã o s ó a s p es s oa s d e qu em
gos t a m os . Ca d a vez m a is , t em os in t er es s e em s er r es p on s á veis
p ela vid a , e n ã o n os im p or t a m a is t a n t o s e os ou t r os s e s en t em ou
n ã o r es p on s á veis p or n ós . Na r ea lid a d e, n ós in clu s ive n os
t or n a m os d is p os t os a s er r es p on s á veis p ela s p es s oa s qu e n os
m a lt r a t a m . E m b or a p os s a m os n ã o o p r efer ir , t ornamo-n os m a is
propensos a vivenciar situações difíceis para aprender.
À m ed id a qu e n os a p r oxim a r m os m a is d a s egu n d a p er s p ec-
t iva , ir em os con t in u a r con s er va n d o m u it o p r ova velm en t e
a qu ela s p r efer ên cia s qu e d efin ia m a p r im eir a p er s p ect iva . Con t i-
nuaremos p r efer in d o s er felizes , s en t ir -n os b em , es t a r em p a z,
ob t er o qu e qu er em os , m a n t er m o-n os s a u d á veis , t er u m cer t o
con t r ole s ob r e a s cois a s . A p r á t ica n ã o n os leva a p er d er n os s a s
p r efer ên cia s . Por ém , qu a n d o u m a p r efer ên cia en t r a em con flit o
com a qu ilo qu e é m a is p r oveit os o, en t ã o s en t im o-n os d is p os t os a
d es is t ir d a p r efer ên cia . E m ou t r a s p a la vr a s , o cen t r o d e n os s a vid a
es t á m u d a n d o, d a p r eocu p a çã o con os co p a r a a a t en çã o à p r óp r ia
vid a . A vid a n os in clu i, s em d ú vid a ; n ã o fom os elim in a d os d a
segunda perspectiva, mas não somos mais o centro.
A p r á t ica d iz r es p eit o a d es loca r -s e d a p r im eir a p a r a a
s egu n d a p er s p ect iva . E xis t e u m a a r m a d ilh a in er en t e à p r á t ica ,
p or ém : s e p r a t ica r m os b em , m u it a s d a s exigên cia s d a p r im eir a
p er s p ect iva p od em s er s a t is feit a s . Tem os m a is p r ob a b ilid a d e d e
n os s en t ir m elh or , d e fica r m a is con for t á veis . Pod em os n os s en tir
m a is à von t a d e com n ós m es m os . Um a vez qu e n ã o es t a m os
p u n in d o n os s os cor p os com t a n t a t en s ã o, n os s a t en d ên cia é n os
tornarmos mais saudáveis. Essas mudanças podem causar em nós
a equ ivoca d a n oçã o d e qu e a p r im eir a p er s p ect iva é cor r et a : qu e a
prática é tornar a vida melhor para nós. Na realidade, os benefícios
qu e a u fer im os p es s oa lm en t e s ã o in cid en t a is . A ver d a deira razão da
p r á t ica é s er vir a vid a d a m a n eir a m a is p len a e p r od u t iva qu e
p u d er m os . E is s o é m u it o d ifícil p a r a a n os s a com p r een s ã o,
s ob r et u d o a p r in cíp io. "Você qu er d izer qu e d evo t om a r con t a d e
a lgu ém qu e a ca b ou d e m e d es t r a t a r ? Is s o é lou cu r a !" "Você es t á
d izen d o qu e d evo d es is t ir d o qu e é con ven ien t e p a r a m im p a r a
servir alguém que nem gosta de mim?"
Nossas atitudes centradas em nosso ego têm raízes profundas
e leva m m u it os a n os d e á r d u a p r á t ica p a r a a fr ou xá -las um pouco.
E es t a m os con ven cid os d e qu e a p r á t ica d iz r es p eit o à p r im eir a
p er s p ect iva , d e qu e ir em os con s egu ir a lgu m a cois a d ela qu e s eja
maravilhosa para nós.
A ver d a d eir a p r á t ica , con t u d o, é m u it o m a is volt a d a p a r a
en xer ga r m os com o n os fer im os e m a goa m os os ou t r os com p en -
s a m en t os e a t os ilu d id os . É en xer ga r m os d e qu e m a n eir a m a goa -
m os os ou t r os , t a lvez p or es t a r m os s im p les m en t e t ã o p er d id os em
n os s os p r óp r ios p en s a m en t os qu e n em s equ er con s egu im os vê-los.
Nã o a ch o qu e d e fa t o ca u s em os d a n os a os ou t r os ; é s ó qu e n ã o
vem os m u it o b em o qu e es t a m os fa zen d o. Pos s o s a b er com o es t á
in d o a p r á t ica d e u m a p es s oa ven d o s e s eu in t er es s e p elos ou t r os
es t á a u m en t a n d o, in t er es s e qu e va i a lém d o qu e m er a m en t e E U
qu er o, d o qu e es t á ME fer in d o, d e com o a vid a é t er r ível, e a s s im
p or d ia n t e. E s s e é o s in a l d e u m a p r á t ica qu e es t á a va n ça n d o. A
p r á t ica s em p r e é u m a b a t a lh a en t r e a qu ilo qu e qu er em os e a qu ilo
que a vida quer.
É n a t u r a l s er egoís t a , qu er er o qu e s e qu er , e s om os in evi-
t a velm en t e egoís t a s a t é qu e en xer gu em os u m a a lt er n a t iva . A
fu n çã o d e lecion a r n u m cen t r o com o es t e é a ju d a r a en xer ga r a
a lt er n a t iva e in comodar-n os em n os s o egoís m o. E n qu a n t o es t i-
ver m os p r es os n a p r im eir a p er s p ect iva , gover n a d os p elo d es ejo d e
n os s en t ir b em ou em es t a d o d e gr a ça , ou ilu m in a d os , n ós
precisamos s er in com od a d os . Precisamos s er con t r a r ia d os . Um
b om cen t r o e u m b om in s t r u t or t r a b a lh a m p a r a is s o. Afin a l d e
con t a s , a ilu m in a çã o é a p en a s a a u s ên cia d e t od o in t er es s e ou
p r eocu p a çã o p or s i. Nã o ven h a m a es t e cen t r o p a r a s e s en t ir em
m elh or ; es t e n ã o é o lu ga r p a r a is s o. O qu e qu er o s ã o vid a s qu e
cr es ça m p a r a qu e p os s a m t om a r con t a d e m a is cois a s e d e m a is
pessoas.
Hoje d e m a n h ã r eceb i u m t elefon em a d e u m a n t igo a lu n o qu e
t em câ n cer n o p u lm ã o. Nu m a op er a çã o a n t er ior , for a m r emovidos
t r ês qu a r t os d e s eu s p u lm ões e ele es t á s e d ed ica n d o a s en t a r e
p r a t ica r . Algu m t em p o d ep ois d a op er a çã o, ele com eçou a t er
p r ob lem a s d e vis ã o e d or es d e ca b eça m u it o for t es . Algu n s t es t es
r evela r a m d ois t u m or es cer eb r a is o câ n cer t in h a s e es p a lh a d o.
E s t á d e volt a a o h os p it a l p a r a fa zer t r a t a m en t o. Con ver s a m os a
respeito do tratamento e de como ele está indo. Eu lhe disse: "Sinto
r ea lm en t e m u it o qu e t u d o is s o t en h a a con t ecid o com você. Qu er o
a p en a s qu e você s e s in t a con for t á vel. E s p er o qu e a s cois a s
m elh or em ". E le r es p on d eu : "Nã o é is s o qu e qu er o d e você. E u
qu er o qu e você exu lt e d e s a t is fa çã o. É a s s im p a r a m im e é
m a r a vilh os o. Vejo o qu e a m in h a vid a é". E d ep ois a cr es cen t ou :
"Nã o qu er d izer qu e n ã o s in t a m u it a r a iva e m ed o e fiqu e s u b in d o
p ela s p a r ed es . Tod a s es s a s cois a s con t in u a m a con t ecen d o e agora
eu s ei o qu e é a m in h a vid a . Nã o qu er o n a d a d e você excet o qu e
partilhe de meu regozijo. Eu gostaria que todos pudessem se sentir
do jeito que estou me sentindo".
E le es t á viven d o d en t r o d a s egu n d a p er s p ect iva , a qu ela n a
qu a l a colh em os a s con d ições d e vid a em p r ego, s a ú d e, a m or
qu e n os s er ã o a s m a is p r oveit os a s d e t od a s . E le con s egu iu is s o.
Qu er viva d ois m es es , d ois a n os , qu er u m lon go t em p o, em cer t o
s en t id o n ã o im p or t a . Nã o es t ou s u ger in d o qu e ele é u m s a n t o. E le
p a s s a p or d ia s d e u m a im en s a d ificu ld a d e: d or , r a iva , r evolt a .
E s s a s cois a s a con t ecem a gor a com ele; a p es a r d is s o, n ã o er a s ob r e
es s a s cois a s qu e ele qu er ia fa la r . S e p u d es s e r ecu p er a r -s e, a in d a
t er ia t od a s a s lu t a s e d ificu ld a d es qu e qu a lqu er p es s oa t em , a s
exigên cia s e os s on h os d e s eu ego. E s s a s cois a s n u n ca
d es a p a r ecem d e fa t o; s ó o qu e m u d a é n os s o m od o d e lid a r com
elas.
A m u d a n ça d a p r im eir a p a r a a s egu n d a p er s p ect iva é d ifícil
p a r a n ós com p r een d er m os , em es p ecia l n o p r in cíp io. Ten h o n ot a do,
n a s con ver s a s com a s p es s oa s n ova t a s qu a n t o à p r á t ica , qu e
m u it a s vezes a s m in h a s p a la vr a s s im p les m en t e n ã o s ã o r egis t r a -
d a s . Com o u m ga t o n u m t et o d e zin co qu en t e, ou got a s d e á gu a
n u m a fr igid eir a em p on t o d e fr itu r a , a s p a la vr a s t oca m s ó p or u m
m om en t o a s u p er fície e d ep ois es va ecem -s e. Com o t em p o, p orém,
a s p a la vr a s n ã o ir ã o m a is s a lu t a r e s u m ir com t a n t a fa cilid a de.
Algu m a cois a com eça a a fu n d a r , a a s s en t a r . Con s egu im os
s u s t en t a r p or m a is t em p o qu e a vid a é m u it o d ifer en t e d a qu ilo qu e
a ch a m os qu e p od er ia ou d ever ia s er . Com o t em p o, a u m en t a a
ca p a cid a d e d e s im p les m en t e s en t a r -s e com o qu e a vid a n a
verdade é.
E s s a m u d a n ça n ã o a con t ece d e u m d ia p a r a ou t r o. S om os
ob s t in a d os d em a is p a r a is s o. E la p od e s er a celer a d a p or u m a
gr a n d e en fer m id a d e ou u m for t e d es a p on t a m en t o, p or u m a p er d a
gr a ve ou ou t r o p r ob lem a s ér io. Ap es a r d e eu n ã o qu er er qu e cr is es
a s s im a con t eça m p a r a n in gu ém , ela s em ger a l p r op or cion a m o
a p r en d iza d o n eces s á r io. A p r á t ica zen é d ifícil s ob r et u d o p or qu e
cr ia d es con for t o e n os coloca ca r a a ca r a com os p r ob lem a s qu e
t em os em n os s a s vid a s . Nã o qu er em os fa zer is s o, em b or a n os
a ju d e a a p r en d er e n os in cen t ive a ir em fr en t e, r u m o à s egu n d a
p er s p ect iva . S en t a r em s ilên cio qu a n d o es t a m os con t r a r ia d os e
gos t a r ía m os r ea lm en t e d e es t a r fa zen d o a lgu m a ou t r a cois a é u m a
liçã o qu e a s s en t a p ou co a p ou co. Qu a n t o m a is r econ h ecem os o
va lor d a p r á t ica , m a is a u m en t a n os s a m ot iva çã o p a r a p r a t ica r .
Com eça m os a s en t ir a lgo. Ga n h a m os for ça p a r a s en t a r e p r a t ica r
d ia a p ós d ia , p a r a p a r t icip a r d e s es s ões d e u m d ia in t eir o d e
p r á t ica s en t a d a , p a r a fa zer u m sesshin. O d es ejo d e fa zer es s a
p r á t ica á r d u a a u m en t a . Len t a m en t e com eça m os a com preender
a qu ilo qu e m eu a n t igo a lu n o es t a va qu er en d o d izer com a fr a s e:
"Agor a eu s ei o qu e é a m in h a vid a ". E s t a m os equ ivoca d os s e
sentimos pena dele. Talvez ele seja um dos felizardos.
ALUNO: Você d is s e qu e, n a s egu n d a p er s p ect iva , exigim os qu e
n os s a s vid a s s eja m m a is p r od u t iva s . Você qu er d izer p r od u t iva s
para a prática da pessoa ou o quê?
JOKO: Produtivas para a vida. Produtivas para a vida em geral,
in clu in d o t a n t o d a vid a qu a n t o for p os s ível. E s s a p a r ece u m a
afirmação b a s t a n t e ger a l, m a s , qu a n d o a con t ece em n os s a vid a ,
n ós a com p r een d em os . Por exem p lo, t a lvez a ju d a m os u m a m igo
com s u a m u d a n ça m es m o qu a n d o es t a m os m u it o ca n s a d os e n ã o
qu er em os t r a b a lh a r . Deixa m o-n os d e la d o, im p om os u m a in con -
ven iên cia a n ós m es m os , n ã o p a r a s er m os n ob r es , m a s p or qu e é
necessário.
ALUNO: Qu a n d o ou ço es s e t ip o d e h is t ór ia , qu er o
im ed ia t a m en t e com eça r a fa zer p la n os p a r a r ea liza r cois a s
produtivas.
JOKO: S im , p od em os t or n a r qu a lqu er cois a u m id ea l a s er
buscad o. Por ém , s e a gir m os a s s im , r a p id a m en t e ir em os d ep a r a r
com n os s a p r óp r ia r es is t ên cia o qu e n os d á a lgo com qu e
trabalhar. Tudo é útil para nós.
Nã o t em os d e n os for ça r a t é o p on t o d e n os a r r eb en t a r m os .
Nã o d ever ía m os n os con s id er a r com o m á r t ir es ; es s e é u m ou t r o
id ea l, a p en a s is s o, u m a im a gem d e com o d ever ía m os s er , em
contraste com o que de fato somos.
ALUNO; Qu a n d o p la n ejo com o p os s o t or n a r m in h a vid a m a is
s egu r a e con for t á vel, im a gin o qu e ela ir á t or n a r -m e feliz n o fin a l.
Ma s en t ã o s u r ge u m a qu es t ã o: "S er ei r ea lm en t e feliz?". Per ceb o em
m im u m a a n s ied a d e d e a ga r r a r a s egu r a n ça e a felicid a d e e, p or
t r á s d es s e id ea l, es t á u m a s en s a çã o d e in s a t is fa çã o, p or qu e d e
alguma maneira eu seí que também não será isso.
JOKO: Há u m cer t o va lor em n ós p er s egu ir m os t a is s on h os
porqu e, qu a n d o a lca n ça m os o qu e p en s á va m os qu er er ,
en xer ga m os com m a is cla r eza qu e is s o n ã o n os d á a s a t is fa çã o
p ela qu a l a n s iá va m os . É a s s im qu e a p r en d em os . A p r á t ica n ã o é
p a r a m u d a r a qu ilo qu e fa zem os ; ela s e r efer e m a is a t or n a r m o-nos
gr a n d es ob s er va d or es e a viven cia r m os a qu ilo qu e es t á s e p a s -
sando conosco.
ALUNO: O p r oces s o d e p er s egu ir os s on h os p a r ece
interminável. Algum dia desaparece?
JOKO: Des a p a r ece s im , m a s s om en t e d ep ois d e a n os e a n os d e
p r á t ica . Du r a n t e m u it o t em p o, eu com eça va ca d a sesshin com
u m a s en s a çã o d e r es is t ên cia . "Nã o qu er o fa zer is s o p or qu e s ei o
qu a n t o es t a r ei ca n s a d a n o fin a l." Qu em qu er fica r ca n s a d o? Hoje
es s a r es is t ên cia já d es a p a r eceu p a r a m im . Qu a n d o o sesshin
com eça , ele com eça . S e es t a m os p r a t ica n d o, os p r ogr a m a s
a n t ecip a d os d o ego a os p ou cos d es a p a r ecem . Ma s t a m b ém n ã o d e-
vemos fazer desse desaparecimento um outro programa antecipado.
Nã o d ever ía m os p en s a r a p r á t ica com o u m m od o d e ch ega r em
alguma outra parte. Não há lugar nenhum para onde ir.
ALUNO: Nes t e m om en t o d e m in h a vid a , es t ou fa zen d o m u it a s
a m iza d es n ova s , m u it os n ovos con t a t os . É excit a n t e. Nã o s ei qu em
está ajudando quem se sou eu quem está dando para eles, ou se
s ã o eles qu e es t ã o d a n d o p a r a m im . Is s o tem r ela çã o com a p r á t ica ?
JOKO: A p r á t ica m u d a a qu ele p a d r ã o d e a m iza d e ca lca d o em
cá lcu los d a r a zã o cu s t o/ b en efício p a r a ca d a en volvid o; t or n a m o-
n os s im p les m en t e m a is gen u ín os . E m cer t o s en t id o, n ã o p od emos
a ju d a r os ou t r os ; n ã o s a b em os o qu e é m elh or p a r a eles . Pr a t ica r
com a n os s a p r óp r ia vid a é o ú n ico m eio d e p od er m os a judar
a lgu ém ; n a t u r a lm en t e s er vim os os ou t r os t or n a n d o-n os ca d a vez
mais quem somos.
ALUNO: S e qu er em os a t u a r d en t r o d a s egu n d a p er s p ect iva ,
fazend o o qu e é m a is p r oveit os o p a r a a vid a , com o s a b er o qu e
fa zer ? Com o p od er em os s a b er s e é es t e em p r ego ou es t a r ela çã o
que corresponde a isso?
JOKO: Qu a n d o vivem os d en t r o d a s egu n d a p er s p ect iva , n ã o
levam os con os co id ea is n em p r ogr a m a s a n t ecip a d os . É m a is u m a
qu es t ã o d e en xer ga r cla r a m en t e o qu e es t á à n os s a fr en t e. Agimos
s em fica r gir a n d o a qu es t ã o em n os s a s m en t es , com o u n i d is co
riscado, sem parar.
Sentar-s e p a r a p r a t ica r com es s a qu es t ã o a ju d a ; p r es t a m os
a t en çã o a os n os s os p en s a m en t os e à t en s ã o em n os s o cor p o, e
com eça m os a ver com m a is n it id ez com o a gir . A ver d a d eir a p r á t ica
d e s en t a r é s em p r e u m p ou co em b a r a lh a d a . S e n os m a n tivermos
s en t a d os p a r a p r a t ica r , p or u m tem p o lon go o b a s t a n t e, p or ém , a s
cois a s vã o s e t or n a n d o p ou co a p ou co m a is cla r a s . E xis t e u m
continuum, e s en t a r -s e n a p r á t ica é a va n ça r a o lon go d es s e
continuwn. Nã o qu e ch egu em os em a lgu m lu ga r ; a p en a s qu e, ca d a
vez m a is , t or n a m o-n os a p en a s n ós m es m os . Nã o m e r efir o a
sentar-s e n u m a a lm ofa d a a p en a s . S e es t a m os p r a t ica n d o b em ,
estamos fazendo zazen o tempo todo.
ALUNO: S on h a m os qu e ir em os ch ega r a s a b er qu a l é a cois a
cer t a a fa zer , qu a n d o d e fa t o, em a lgu m p on t o, n ós a p en a s
com eça m os a a gir e en t ã o, s eja com o for , a p r en d em os com es s a
a çã o. S e com et em os er r os e m a goa m os a s p es s oa s , d es cu lp a m o-
n os . Qu a n d o ob s er vo m in h a m en t e e p er m a n eço a t en t o a o m eu
cor p o, d ecor r e d es s a p r á t ica d e a t en çã o u m a m aneira de agir. Pode
s er u m cu r s o d e a çã o m u it o con fu s o, S e m e a t en h o à m in h a
p r á t ica , p or ém , d e a lgu m a m a n eir a a p r en d er ei com es s es
comportament os e is s o é o m elh or qu e p os s o fa zer . Nã o p os s o
es p er a r s a b er s em p r e o qu e é m elh or p a r a a vid a . S ó p os s o fa zer o
que posso fazer.
JOKO: S im . A id éia d e qu e d ever á ch ega r o m om en t o em qu e
fica r em os s a b en d o o qu e fa zer é p a r t e d a p r im eir a p er s p ect iva . A
ca m in h o d a s egu n d a , d izem os : "Ir ei p r a t ica r , vou fa zer o m elh or
que posso e aprenderei com os resultados".
ALUNO: A r es p eit o d a qu es t ã o d e a ju d a r os ou t r os , p en s o qu e,
con for m e for m os en xer ga n d o ca d a vez m elh or os n os s os s en t i-
m en t os e a s n os s a s t en d ên cia s p a r a m a n ip u la r u m a s it u a çã o,
n es s a m es m a m ed id a com eça r em os a a gir com m a is h a r m on ia , ou
p elo m en os a cr ia r m en os con fu s ã o. Por is s o n ã o t em os d e ir lon ge
p a r a a ju d a r os ou t r os . Ap en a s en xer ga r o qu e es t a m os fa zen d o
con for m e in t er a gim os a ju d a n a t u r a lm en t e a s p es s oa s , s em qu e
nem estejamos de fato nos esforçando para isso.
JOKO: S im . Por ou t r o la d o, s e vem os a lgu ém a lém d e n ós
com o u m a p es s oa p a r a a ju d a r , p od em os es t a r cer t os d e qu e
a r r a n ja m os u m b om p r ob lem a . S e s en t a r m os p a r a p r a t ica r , a cer ca
d e n os s a s con fu s ões e lim it a ções , s em t en t a r m os fa zer m a is n a d a ,
com o tempo fazemos algo.
ALUNO: Às vezes , o m a is va lios o p a r a a lgu ém n ã o é o qu e
fazemos por ele, mas o que não fazemos.
JOKO: Cer to. Mu it a s vezes , o cu r s o m a is a cer t a d o d e a çã o é
a p en a s p er m it ir qu e a s p es s oa s s eja m o qu e s ã o. Por exem p lo,
s er ia u m er r o s e eu ten t a s s e fa zer a lgu m a cois a p or a qu ele m eu
a n t igo a lu n o qu e t em câ n cer . Pos s o a p en a s ou vi-lo e s er qu em eu
s ou . E le es t á p a s s a n d o p elo qu e t em d e p a s s a r ; es s e é s eu
aprendizado. Não posso fazer nada a respeito.
ALUNA: Descobri em mim recentemente uma maior disponibili-
d a d e. Pa r ece qu e es t ou m en os a u t ocen t r a d a e m a is a b er t a , m a is
d is p on ível p a r a os ou t r os . Pa r t e d is s o es t á em en con t r a r -m e m a is
r ela xa d a . As p es s oa s m e p r ocu r a m com s u a s p r eocu p a ções . Nã o é
qu e es t eja m p ed in d o a ju d a . E m ger a l s ó qu er em a lgu ém qu e a s
es cu t e. Tu d o o qu e t en h o d e fa zer é s im p les m en t e s er eu m es m a e
es t a r d is p on ível, d iga m os , p a r a a p es s oa d o ou t r o la d o d a lin h a
que está me dizendo: "Quero te dizer uma coisa...".
JOKO: É isso.
ALUNO: Joko, você parece disponível o tempo todo, desse jeito.
JOKO: Nem sempre. Às vezes, desligo o telefone.
ALUNO:
Nã o a ch o qu e você a ja a s s im p a r a o s eu p r óp r io b em .
Existem algumas pessoas que realmente se aproveitam de você.
JOKO:
Ma s es s e é o m eu t r a b a lh o. E , lem b r em -s e, n in gu ém
pode "aproveitar" de mim.
ALUNO: Você es t á d izen d o qu e s em p r e qu e a lgu ém gr it a
p ed in d o a ju d a você d eve s em p r e r es p on d er ? O qu e fa zer com
aquelas pessoas que ligam e se queixam o tempo todo?
JOKO: E u d igo a lgo com o "E s t ou es cu t a n d o o qu e você es t á
d izen d o. Ta lvez você p u d es s e p r a t ica r com is s o. Com o você
praticaria com isso?".
Nã o m e im p or t o s e a lgu ém s e qu eixa . Tod os n os qu eixa mos,
em b or a p os s a m os n ã o a d m it i-lo. Tod os gos t a m os d e n os qu eixa r .
No en t a n t o, m e in com od o s e a s p es s oa s qu er em a p en a s con t a r
s u a s h is t ór ia s , s em p a r a r , s em o m en or es p a ço p a r a r eflet ir s ob r e
o qu e p od er ia m es t a r tr a b a lh a n d o em s u a vid a . Nã o t en h o lu ga r
nesses enredos. Talvez essas pessoas tenham de sofrer até estarem
dispostas a acordar um pouco.
ALUNO: Fiqu ei m u it o com ovid o com s u a h is t ór ia d o a lu n o com
câ n cer . Ten h o u m a t r em en d a r es is t ên cia a r econ h ecer qu e todo
esse sofrimento está certo.
JOKO: Nã o n os ca b e d izer qu e t od o es s e s ofr im en t o es t á cer t o.
Ta m b ém n ã o qu er o qu e ele s ofr a . Ma s é o qu e ele d iz qu e im p or t a .
A vid a n os a p r es en t a lições o t em p o t od o. É m elh or s e p u d er m os
a p r en d er ca d a u m a d ela s , in clu in d o a s p equ en in a s . Por ém , n ós
n ã o qu er em os a p r en d ê-la s . Qu er em os coloca r a cu lp a p elo
p r ob lem a em ou t r a p es s oa , s im p les m en t e colocá -lo d e la d o, t ir á -lo
d e n os s a vis t a . Qu a n d o n os r ecu s a m os a a p r en d er com os
p r ob lem a s m en or es , s om os for ça d os a a p r en d er com os m a ior es . A
p r á t ica t r a t a d e a p r en d er com ca d a p equ en a cois a qu e em er ge d e
m od o qu e, qu a n d o gr a n d es qu es t ões n os con fr on t a m , s om os m a is
aptos a lidar com elas.
ALUNO: Tor n ei a m e fa m ilia r iza r r ecen t em en t e com o fa t o d e
qu e, qu a n d o com eço a m e a fa s t a r d o ca m in h o em qu e vin h a vin d o
e m e d ir ijo m a is p a r a on d e p r ecis o es t a r s egu in d o, t od a s a s es p é-
cies de caos aparecem. Não vai ser fácil.
JOKO: Cer t o. Qu a n d o com eça m os u m a p r á t ica s ér ia e, p or
a lgu m t em p o a p a r t ir d o in ício, a vid a p a r ece p ior a r em vez d e
melhor a r , es t a m os n u m a p a r t e d a con ver s a qu e n in gu ém d es eja
ouvir.
O OLHO DO FURACÃO
*
Gateless gate, newly translated with commeníary by zen master Koun Yamada, Los
Angeles: Center Publications, 1979, p. 35.
ou t r a s p r ovid ên cia s n eces s á r ia s . E s t á va m os d ir et a m en t e n o cami-
n h o d o fu r a cã o e ele er a m u it o in t en s o. E m fr en t e à ca s a vía m os
á r vor es en or m es , a n t iga s , qu eb r a n d o e ca in d o p a r a t od o la d o. Os
ventos atingiam uma velocidade média de 200 km horários.
Dep ois d e t r ês ou qu a t r o h or a s , n u m a qu es t ã o d e m in u t os ,
t u d o ficou qu iet o d e n ovo. O s ol a p a r eceu e os p á s s a r os com eça -
r a m a ca n t a r . O ven t o p a r ou . E s t á va m os n o olh o d o fu r a cã o.
Den t r o d e u m a h or a m a is ou m en os , o olh o s e d es locou , os ven t os
r ecom eça r a m e a t r a ves s a m os o ou t r o la d o d a m a s s a r od op ia n t e d e
ven t os . E m b or a n ã o t ã o p od er os o qu a n t o o p r im eir o la d o, t a m b ém
era muito intenso. No final tinha sobrado uma gigantesca confusão
p a r a s er a r r u m a d a . Fiqu ei s a b en d o m a is t a r d e qu e à s vezes os
p ilot os s ã o a cid en t a lm en t e a p a n h a d os p elos fu r a cões , s u jeit a n d o a
s i e a o a viã o a m om en t os d e u m t er r ível es t r es s e. Qu a n d o is s o
a con t ece, eles em ger a l t en t a m voa r p a r a o olh o d o fu r a cã o, o
centro, para terem uma mínima chance de recuperar-se.
A m a ior ia d a s p es s oa s é com o o h om em n o a lt o d a á r vor e, ou
o p ilot o d en t r o d o a viã o, a p en a s a ga r r a d os , es p er a n d o con s eguir
s a ir d a t em p es t a d e. S en t im o-n os a p r is ion a d os n a s os cila ções d a
vid a . Pod em s er ocor r ên cia s n a t u r a is , com o en fer m id a d es s érias.
Pod em s er d ificu ld a d es n os r ela cion a m en t os , qu e s em p r e p a r ecem
in ju s t os . Do n a s cim en t o à m or t e, fica m os p r is ion eir os d es s e
r od op io d e ven t os qu e é a r ea lid a d e d a vid a : u m a en er gia en or m e,
deslocando-s e e m od ifica n d o-s e, Nos s a m et a é com o a d o p ilot o:
p r ot eger a n ós e a n os s o a viã o. Nã o qu er em os fica r on d e es t a m os .
Por is s o fa zem os o m á xim o p os s ível p a r a p r es er va r a s n os s a s vid a s
e s a lva r a es t r u t u r a d o a viã o, p a r a p od er m os es ca p a r d o fu r a cã o.
E xis t e es s a cois a p od er os a e en or m e qu e ch a m a m os d e n os s a vid a
e es t a m os em a lgu m p on t o, s en t a d os b em n o m eio d e n os s o a viã o,
esperando conseguir encontrar uma saída sem nos machucarmos.
Va m os s u p or qu e, em vez d e es t a r m os n u m a viã o, es t a m os
n u m p la n a d or n o m eio d o fu r a cã o, s em o con t r ole e o p od er d o
m ot or . S om os a r r a s t a d os p elos ven t os a r r eb a t a d or es . S e t em os
a lgu m a id éia d e s a ir vivos d is s o, s om os t olos . Mes m o a ssim,
en qu a n t o viver m os d en t r o d a qu ela en or m e m a s s a d e ven t os , t emos
u m a excelen t e ca r on a . Ap es a r d o m ed o e d o t er r or , p od e s er
excitante e delicioso como deslizar montanha abaixo.
O h om em n o a lt o d a á r vor e, a ga r r a d o p a r a s a lva r s u a vid a , é
com o o p ilot o d o a viã o, es p er a n d o em d es es p er o con s egu ir s a lva r -
s e d a s os cila ções d a vid a . E d ep ois lh e p er gu n t a m : "Qu a l é o
s ign ifica d o d a vid a ?". Com o é qu e ele r es p on d e? Com o é qu e nós
r es p on d em os ? Ao viver m os n os s a s vid a s , a s s im com o a o fa zer m os
zazen, es t a m os t en t a n d o p r ot eger -n os . E s s a m en t e qu e p en s a ,
imagina, se excita, se emociona, culpa os outros e se sente vítima é
como o piloto do avião tentando desesperadamente. sair do furacão.
Nu m a vid a d e t a n t a s t en s ões e a gr u r a s , joga m os com t u d o o qu e
t em os a p en a s p a r a s ob r eviver . Tod a a n os s a a t en çã o es t á em n ós
m es m os e em n os s o p a in el d e con t r oles ; qu a n d o t en t a m os n os
s a lva r , n ã o p r es t a m os a t en çã o em m a is n a d a . Con t u d o qu em
es t iver n o p la n a d or p od e d es fr u t a r t u d o os r elâ m p a gos , a ch u va
qu en t e, o u ivo d o ven t o. E le p od e p a s s a r m om en t os in d es cr it íveis .
O qu e a con t ecer á n o fin a l? Am b os m or r em , é cla r o. Ma s qu a l
conhece o significado da vida? Quem conhece o contentamento?
Com o o p r im eir o p ilot o, p a s s a m os a vid a in t eir a ten t a n d o
p r ot eger a n ós m es m os . Qu a n t o m a is n os s a in t en çã o é n os p r ot e-
ger das oscilações de nossa atual situação, mais estresse sentimos,
m a is in felizes n os t or n a m os e m en os vivem os r ea lm en t e a n os s a
vid a . Devem os ign or a r o cen á r io qu e n os r od eia s e es t a m os ob ce-
cados com os painéis de controle, que cedo ou tarde irão nos faltar,
de qualquer modo.
Qu a n d o es t a m os n o zazen, p od em os ob s er va r n os s os .m eca -
n is m os d e p r ot eçã o p r es t a n d o a t en çã o à n os s a m en t e. Pod em os
n ot a r com o t en t a m os exp lica r n os s a d or e a s s im a fa s t á -la , joga n d o
a cu lp a d e n os s a s d ificu ld a d es em ou t r em . Con s egu im os p er ceb er
n os s a s im p ied os a s e vã s t en t a t iva s d e n os s a lva r . Nos s os es for ços
n ã o a d ia n t a m d e n a d a , é cla r o. Qu a n t o m a is t en t a m os , m a is
tensos e nervosos ficamos.
Existe apenas uma coisa para finalmente resolver o problema;
ninguém qu er ou vir qu a l é, p or ém . Pen s e n o h om em qu e es t á n o
p la n a d or . S er á qu e ele d e fa t o qu er ia es t a r lá ? Des d e o p r im eiro
in s t a n t e, ele n ã o t em n en h u m a ch a n ce. E le es t á a li s ó p a r a s er
levado na maior carona do mundo. Nossas próprias vidas são como
es s a ca r on a , qu e t er m in a in evit a velm en t e em n os s a m or t e.
E s t a m os t en t a n d o fa zer o im p os s ível, s a lva r -n os . Nã o p od em os
fazê-lo. Aliá s , es t a m os t od os m or r en d o n es t e exa t o m in u t o. Qu a n -
t os m in u t os m a is t em os ? Com o o p la n a d or , t a lvez t en h a m os s ó
m a is u m m in u t o, t a lvez u m a cen t en a d eles . Nã o im p or t a qu a n t os :
n o fin a l, ca ím os t od os . Ma s a qu ele qu e p od e p er gu n t a r "Qu a l é o
s ign ifica d o d a vid a ?" é o p ilot o d o p la n a d or , n ã o o d o a viã o. O
primeiro saberá que no instante seguinte irá colidir, e o segundo só
saberá quando gritar.
Va m os a o sesshin n a es p er a n ça d e qu e, d en t r o d o fu r a cã o d e
n os s os t u m u lt os , ir em os en con t r a r o p equ en o olh o, o p equ en o
n ir va n a . Pen s a m os : "Deve es t a r em a lgu m lu ga r . On d e? On d e
es t á ?". Às vezes , a lca n ça m os u m p on t in h o d e s os s ego, d e b on s
s en t im en t os . E n t ã o t en t a m os a p ega r -n os a ele. Tod a via n ã o p od e-
m os n os a ga r r a r a o olh o d o fu r a cã o. O fu r a cã o s egu e cor r en d o em
fr en t e. O n ir va n a n ã o es t á em en con t r a r a qu ele p equ en o es p a ço d e
ca lm a on d e fica m os p r ot egid os e a b r iga d os p or a lgo ou a lguém.
Is s o é u m a ilu s ã o. Na d a n o m u n d o ir á ja m a is n os p r ot eger : n em
n os s o com p a n h eir o, n em n os s a s cir cu n s t â n cia s d e vid a , n em
n os s os filh os . Afin a l d e con t a s , a s ou t r a s p es s oa s es t ã o t od a s
ocu p a d a s s e p r ot egen d o. S e p a s s a r m os a vid a p r ocu r a n d o o olh o
d o fu r a cã o, t er em os vivid o d e m a n eir a es t ér il. Mor r er em os s em
termos vivido de fato.
Nã o s in t o p en a d o p ilot o n o p la n a d or . Qu a n d o ele m or r er ,
t er á p elo m en os vivid o. S in t o p eit a d a qu eles qu e es t ã o t ã o cegos
p or s eu s p r oced im en t os d efen s ivos e p r ot et or es qu e n u n ca s equ er
ch ega m a viver . Qu a n d o es t a m os em s u a com p a n h ia , p od em os
s en t ir o m ed o e a in u t ilid a d e. No sesshin, p od em os en xer ga r es s e
equ ívoco com m a is cla r eza : n ã o es t a m os t en t a n d o viver p len a -
mente nossa vida; estamos tentando encontrar o olho do furacão, o
lugar onde por fim ficaremos a salvo.
Nin gu ém p od e s a b er o qu e é a vid a , m a s p od em os exp er i-
mentá-la d e m a n eir a d ir et a . S ó is s o n os é d a d o, com o s er es
h u m a n os . Por ém , n ã o a ceit a m os o p r es en t e. Nã o vivem os n os s a s
vid a s d ir et a m en t e. E m vez d is s o, vivem os p r ot egen d o-n os . Qu a n do
n os s os s is t em a s d e p r ot eçã o fa lh a m , cu lp a m os a lgu ém ou n ós
m es m os . Tem os s is t em a s p a r a en cob r ir n os s os p r ob lem a s ; n ã o
es t a m os d is p os t os a en ca r a r a d or d a vid a d e fr en t e. Aliá s , qu a n d o
a encaramos de frente, a vida se torna uma grande viagem.
Cla r o qu e é in t er es s a n t e com p r a r s egu r o d e vid a e ver ifica r
qu e os fr eios em n os s o ca r r o fu n cion a m . Ma s , n o fin a l, a t é m es m o
m o es s es exp ed ien t es n ã o n os s a lva r ã o. Ced o ou t a r d e, t od os os
n os s os m eca n is m os d e p r ot eçã o fa lh a r ã o. Nin gu ém con s egu e r e-
s olver com p let a m en t e o koan d a vid a , em b or a em n os s a im a gin a -
çã o o ou t r o s u jeit o t a lvez t en h a con s egu id o. Cu lp a m os a s ou t r a s
p es s oa s p or qu e p en s a m os qu e ela s d ever ia m já t er com p r een d id o
t u d o a r es p eit o d a vid a . Nós n ã o, m a s a in d a a ch a m os qu e os
ou t r os n u n ca d ever ia m s er con fu s os a r es p eit o d e com o vivem . Na
ver d a d e, s om os t od os con fu s os p or qu e t od os es t a m os im er s os
n es s e jogo d e a u t op r ot eçã o, em vez d e n o ver d a d eir o jogo d a vid a .
A vid a n ã o é u m es p a ço s egu r o. Nu n ca foi e n u n ca s er á . S e
con s egu im os ch ega r n o olh o d o fu r a cã o p or u m a n o ou d ois , a in d a
a s s im n ã o s e p od e con t a r com is s o. Nã o exis t e lu ga r s egu r o p a r a o
n os s o d in h eir o, p a r a n ós , p a r a a qu eles qu e a m a m os . E n ã o n os d iz
respeito preocuparmo-nos com isso.
E n qu a n t o n ã o en xer ga r m os m a is a lém d es s e jogo qu e n ã o
fu n cion a , n ã o es t a r em os joga n d o o jogo r ea l. Algu m a s p es s oa s
jamais enxergam mais além e morrem sem jamais terem vivido. E é
u m a gr a n d e p en a . Pod em os p a s s a r n os s a vid a cu lp a n d o a s ou t r a s
p es s oa s , a s cir cu n s t â n cia s ou o a za r , p en s a n d o qu e a vid a d ever ia
s er d e ou t r o jeit o. Pod em os m or r er a s s im s e qu is er m os . É n os s o
p r ivilégio, m a s n ã o é m u it o d iver t id o. Tem os d e n os a b r ir p a r a o
en or m e jogo qu e es t á em a n d a m en t o e d o qu a l fa zem os p a r t e.
Nos s a p r á t ica d eve s er cu id a d os a , m et icu los a , p a cien t e. Tem os d e
encarar todas as coisas.
*
Mu literalmente "não" ou "nada" é normalmente proposto para os iniciantes como
um meio de focalizar sua atenção.
E s s e t ip o d e p r á t ica é p or ém m u it o m a is len t o p or qu e, em vez
d e con cen t r a r -s e n u m ú n ico ob jet o, t r a b a lh a com t u d o em n os s a
vid a . Qu a lqu er cois a qu e n os a b or r eça ou con t r a r ie (qu e, p a r a
s er m os h on es t os , in clu i qu a s e t u d o) s e t or n a fa r elo p a r a o m oin h o
d a n os s a p r á t ica . Tr a b a lh a r com t u d o leva a u m a p r á t ica qu e
permanece viva em cada segundo de nossa vida.
Qu a n d o a p a r ece r a iva , p or exem p lo, a m a ior ia d a s p r á t ica s
zen t r a d icion a is n os leva r ia a ign or a r es s a r a iva e a n os con cen trar
em a lgu m a cois a , com o a r es p ir a çã o. E m b or a d es s e jeit o a r a iva
s eja p os t a d e la d o, ela volt a r á t od a vez qu e for m os cr it ica d os ou
a m ea ça d os d e a lgu m a for m a . Por ou t r o la d o, n os s a p r á t ica é n os
t or n a r m os a p r óp r ia r a iva , viven cia n d o-a p len a m en t e, s em
separação ou rejeição. Quando trabalhamos dessa maneira, nossas
vid a s s e a qu iet a m . Aos p ou cos , a p r en d em os a n os r ela cion a r com
os objetos problemáticos de uma forma diferente.
Nos s a s r ea ções em ocion a is gr a d u a lm en t e s e m in im iza m ; p or
exem p lo, ob jet os qu e t em ía m os vã o p er d en d o s eu p od er s ob r e n ós
e podemos lidar com eles com mais presteza. É fascinante observar
a m u d a n ça qu e ocor r e; vejo-a a con t ecer n os ou t r os e em m im
t a m b ém . E s s e p r oces s o n u n ca es t á com p let o; n o en t a n t o, es t a m os
nos tornando cada vez mais livres e despertos.
ALUNO: Com o é a qu ilo qu e você d es cr eve com o d ifer en t e d a
prática s h ik an ta z a * tradicional?
JOKO: Cor r et a m en t e en t en d id o, é m u it o p a r ecid o com o
s h ik an ta z a , m a s exis t e u m a t en d ên cia a es va zia r a m en t e. É
p os s ível en t r a r n u m a es p écie d e exp er iên cia b r u xu lea n t e n a qu a l o
s u jeit o n ã o es t á in clu íd o. E s s a é a p en a s u m a ou t r a for m a d e fa ls o
samadhi. Os p r oces s os d e p en s a m en t o for a m elim in a d os d a
percepção conscien t e e ca n cela m os n os s a exp er iên cia s en s or ia l d a
m es m a for m a com o s er ia feit o com qu a lqu er ou t r o ob jet o d a
percepção consciente.
ALUNO: Você d is s e qu e o ver d a d eir o p r op ós it o d a p r á t ica é
exper im en t a r m os n os s a u n id a d e com t od a s a s cois a s , ou a p en a s
serm os n os s a s p r óp r ia s vivên cia s d e m od o qu e, p or exem p lo, es t a -
*
Shikantaza "apenas sentar'': uma forma pura de meditação sentada, sem a ajuda da
contagem da respiração ou da prática do koan, na qual a mente mantém-se bastante
concentrada, alerta e calmamente cônscia do presente.
m os s ó lixa n d o a s u n h a s s e for is s o qu e es t iver m os fa zen d o. Ma s
não é um paradoxo tentar chegar até nisso?
JOKO: Con cor d o com você: n ã o p od em os te n tar s er u n os com
o lixa r . S e t en t a r m os n os t or n a r u n os com es s e m ovim en t o,
separamo-n os d ele. O p r óp r io es for ço s e d er r ot a . E xis t e u m a cois a ,
p or ém , qu e p od em os fa zer : p od em os r ep a r a r n os p en s a m en t os qu e
n os s ep a r a m d e n os s a a t ivid a d e. Pod em os es t a r côn s cios d e n ã o
es t a r m os com p let a m en t e en ga ja d os n a qu ilo qu e es t a m os fa zendo.
Is s o n ã o é t ã o d ifícil. Rot u la r n os s os p en s a m en t os a ju d a -n os n es s e
s en t id o. E m vez d e d izer "Vou m e u n ir com o a t o d e lixa r ", o qu e é
dualista p en s a r a r es p eit o d a a t ivid a d e em vez d e s ó execu t á -
la , sempre podemos observar que não o estamos fazendo. É tudo
quanto se torna necessário.
A p r á t ica n ã o t em qu e ver com p a s s a r p or cer t a s exp er iên cias,
com viven cia r gr a n d es con clu s ões , n em com ch ega r em a lgu m a
p a r t e ou t or n a r -s e a lgo. S om os p er feit os com o s om os . Com
"p er feit os " qu er o d izer qu e é is s o, s ó. A p r á t ica é s im p les mente
m a n t er a p er cep çã o con s cien t e d e n os s a s a t ivid a d es e t a m b ém
d e t od os os p en s a m en t os qu e n os s ep a r a m d e n os s a s a t ivid a d es .
Qu a n d o lixa m os n os s a s u n h a s ou n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , n ós
a p en a s lixa m os a s u n h a s ou n os s en t a m os p a r a p r a t ica r . Um a vez
qu e n os s os s en t id os es t ã o a b er t os , ou vim os e s en t im os ou t r a s
cois a s t a m b ém : s on s , od or es e a s s im p or d ia n t e. Qu a n d o os
p en s a m en t os s u r gem , ob s er va m os qu e s u r gir a m e r egr es s a m os à
nossa experiência direta.
A percepção consciente é nosso verdadeiro ser. E o que somos.
Por isso, não temos que tentar desenvolver a percepção consciente;
n ós a p en a s p r ecis a m os ob s er va r com o b loqu ea m os n os s a
con s cien t iza çã o, com p en s a m en t os , fa n t a s ia s , op in iões e
ju lga m en t os . Ou es t a m os n a p er cep çã o con s cien t iza d or a , qu e é o
n os s o es t a d o n a t u r a l, ou es t a m os fa zen d o a lgu m a ou t r a cois a . O
s in a l d o a lu n o m a d u r o é qu e, n a m a ior p a r t e d o t em p o, ele n ã o fa z
outra coisa. Ele está apenas ali, vivendo sua vida. Nada especial.
Qu a n d o n os t or n a m os u m a p er cep çã o con s cien t e a b er t a ,
n os s a h a b ilid a d e p a r a os r a ciocín ios n eces s á r ios t or n a -s e m a is
a gu d a , e t od o o n os s o input s en s or ia l s e t or n a m a is cla r o, m a is
in t en s o. Dep ois d e a lgu m t em p o s en t a d os n a p r á t ica , o m u n d o
p a r ece m a is b r ilh a n t e, os s on s s ã o m a is in t en s os , e h á u m a
r iqu eza d a ca p t a çã o s en s or ia l qu e é a p en a s o n os s o es t a d o n a t u ral
se não estivermos bloqueando o acesso às experiências com nossas
mentes rígidas e preocupadas.
Qu a n d o com eça m os a p r á t ica , p od em os m a n t er a p er cep ção
con s cien t e s ó p or in t er va los m u it o b r eves e logo d es via m os a n os s a
a t en çã o d o p r es en t e. Pr is ion eir os d e n os s os p en s a m en t os , n ã o
r ep a r a m os n em qu e es t a m os d iva ga n d o. E n t ã o n os a p a n h a m os d e
volt a e r ecu p er a m os a a t en çã o n a p r á t ica s en t a d a . A p r á t ica in clu i
t a n t o a p er cep çã o con s cien t e d e n os s a p os t u r a s en t a d a com o a
p er cep çã o con s cien t e d e t er m os d iva ga d o. Ap ós a n os d e p r á t ica ,
es s a s d iva ga ções d im in u em a t é qu a s e d es a p a r ecer em , em b or a is s o
nunca ocorra de forma radical.
ALUNO: Os s on s e od or es e t a m b ém a s n os s a s em oções e
pensamentos são todos partes da nossa prática sentada?
JOKO: S im . É n or m a l qu e a m en t e p r od u za p en s a m en t os . A
prát ica é t om a r con s ciên cia d e n os s os p en s a m en t os s em n os
perderm os n eles . Ca s o n os p er ca m os , p r es t e a t en çã o n is s o
também.
O zazen n a r ea lid a d e n ã o é com p lica d o. O ver d a d eir o p r o-
b lem a é: n ós n ã o qu er em os fa zê-lo. S e m eu n a m or a d o com eça a
olh a r p a r a a s ou t r a s m u lh er es , p or qu a n t o t em p o p er m a n ecer ei
s im p les m en t e d is p os t a a viven cia r is s o? Tod os t em os p r ob lem a s
con s t a n t es , m a s n os s a d is p on ib ilid a d e p a r a s om en t e s er es t á n os
últimos itens, em nossa lista de prioridades, até termos praticado o
s u ficien t e p a r a t er m os fé em a p en a s s er m os d e m od o qu e a s
s olu ções p os s a m a p a r ecer n a t u r a lm en t e. Um ou t r o in d ica d or d e
u m a p r á t ica em fa s e d e a m a d u r ecim en t o é o d es en volvim en t o
dessa confiança e dessa fé.
ALUNO: Qu a l é a d ifer en ça en t r e p er m a n ecer t ot a lm en t e
absorvid o n o lixa r d a s u n h a s e em es t a r con s cien t e d e es t a r
totalmente absorvido no lixar das unhas?
JOKO: Estar consciente de estar absorvido em lixar as unhas é
a in d a u m d u a lis m o. Você es t á p en s a n d o "E s t ou t ot a lm en t e a b -
s or vid o lixa n d o a s m in h a s u n h a s ". E s s a n ã o é a ver d a d eir a
p r es en ça a t en t a . Na ver d a d eir a p r es en ça a t en t a , a p es s oa es t á s ó
fa zen d o. A con s cien t iza çã o d e qu e s e es t á a b s or vid o n u m a d a d a
exper iên cia p od e s er u m p a s s o ú t il n o ca m in h o, m a s a in d a n ã o é
t er ch ega d o efet iva m en t e lã , p or qu e a in d a h á o p en s a r s ob r e is s o.
Ain d a h á u m a s ep a r a çã o en t r e a p er cep çã o con s cien t e e o ob jet o
d es s a p er cep çã o con s cien t e. Qu a n d o es t a m os lixa n d o a s u n h a s ,
não estamos pensando em prática. Numa boa prática, não estamos
p en s a n d o "E s t ou n a p r á t ica ". Um a b oa p r á t ica é fa zer o qu e
es t a m os fa zen d o e ob s er va r qu a n d o d iva ga m os . Qu a n d o já
es t a m os n es s a p r á t ica h á m u it os a n os , p er ceb em os qu a s e d e
imediato quando começamos a divagar.
Foca liza r a a t en çã o em a lgo ch a m a d o "p r á t ica zen " n ã o é
n eces s á r io. S e, d a m a n h ã a t é a n oit e, for m os t om a n d o con t a d e
u m a cois a a p ós a ou t r a , d e m a n eir a com p let a e ca b a l e s em
p en s a m en t os con com it a n t es d o t ip o "S ou u m a b oa p es s oa p or t er
feit o is s o", ou "Nã o é m a r a vilh os o eu p od er t om a r con t a d e t u d o?",
então isso será suficiente.
ALUNO: Min h a vid a p a r ece con s is t ir em ca m a d a s s ob r e
ca m a d a s d e a t ivid a d es , t od a s d es en r ola n d o-s e a o m es m o t em p o.
S e eu fizes s e a p en a s u m a cois a p or vez e d ep ois p a s s a s s e p a r a a
seguinte, eu não conseguiria dar conta de tudo que realizo normal-
mente durante um dia.
JOKO: Du vid o. Fa zer u m a cois a d e ca d a vez e en t r ega r -s e p or
com p let o a es s a execu çã o é o m eio m a is efica z d e s e con s egu ir
viver , p or qu e n ã o h á b loqu eio n en h u m n o or ga n is m o. Qu a n d o
vivem os e t r a b a lh a m os d es s a m a n eir a , s om os m u it o eficien t es s em
nos afobarmos. A vida é sem acidentes.
ALUNO: Ma s e qu a n d o u m a d a s cois a s é t er d e r eflet ir s ob r e
u m a s s u n t o, ou t r a é a t en d er o t elefon e, u m a t er ceir a é u m a ca r t a
para se escrever...
JOKO: Mes m o a s s im , t od a vez qu e n os volt a m os p a r a u m a
ou t r a a t ivid a d e, s e es t iver m os com p let a m en t e p r es en t es , a p en a s
fazend o o qu e es t a m os fa zen d o, a t a r efa s er á con clu íd a m u it o m a is
d ep r es s a e m elh or . E m ger a l, n o en t a n t o, in clu ím os n a a t ivid ade
vá r ios p en s a m en t os s u b lim in a r es com o "Pr ecis o con s egu ir fa zer
t od a s es s a s cois a s t a m b ém ou m in h a vid a s im p les m en t e n ã o
s er ve". A a t ivid a d e p u r a é m u it o r a r a . Qu a s e s em p r e exis t e u m a
s om b r a , u m film e s ob r e ela . Pod em os n ã o es t a r con s cien t es d is s o,
mas p er ceb er a p en a s u m a cer t a t en s ã o. Nã o exis t e t en s ã o n a
a t ivid a d e p u r a , a lém d a con t r a çã o fís ica exigid a p a r a qu e a
atividade em si seja executada.
Há m u it os a n os , n u m sesshin, eu cos t u m a va t er a exp er iên -
cia d e a p en a s t or n a r -m e o cozin h a r , o a r r a n ca r a s er va s d a n in h a s ,
ou o qu e fos s e qu e eu t ives s e qu e fa zer , m a s a in d a exis t ia u m
a s s u n t o s u t il a li. E s em a m en or h es it a çã o, a s s im qu e o sesshin
t in h a eva p or a d o u m p ou co qu e fos s e, eu volt a va com p let a m en t e a
t od a a m es m a h is t ór ia d e s em p r e. E u n ã o m e h a via t or n a d o u n a
com o objeto.
ALUNO: De volt a a o exem p lo d e lixa r a s u n h a s : s e r ea lm en t e
es t a m os a p en a s fa zen d o is s o, en t ã o n ã o es t a m os em a b s olu t o
cien t es d e n ós , a o p a s s o qu e, s e lem b r a m os d e qu e es t a m os
fa zen d o is s o, r et or n a m os a o d u a lis m o s u jeit o e ob jet o e n ão
es t a m os m a is en t r egu es à p u r a a t ivid a d e. Is s o n ã o s ign ifica , n o
en t a n t o, qu e qu a n d o es t a m os s ó lixa n d o a s u n h a s n ã o es t a m os
absolutamente ali? Não existimos mais?
JOKO: Qu a n d o es t a m os en t r egu es à p u r a a t ivid a d e, s om os
u m a p r es en ça , u m a p er cep çã o con s cien t e. Ma s is s o é t u d o o qu e
s om os . E is s o n ã o s e p a r ece com n a d a . As p es s oa s s u p õem qu e o
es t a d o ilu m in a d o é in u n d a d o d e s en t im en t os a m or os os e em oções
ca lor os a s . Por ém , o ver d a d eir o a m or , ou a ver d a d eir a com p a ixã o, é
s im p les m en t e es t a r n ã o-s ep a r a d o d o ob jet o. E m es s ên cia , é u m
flu xo d e a t ivid a d e n a qu a l n ã o exis t im os com o u m s er s ep a r a d o d e
nossa atividade.
S em p r e exis t e u m cer t o va lor n a p r á t ica qu e t em ca r a ct er ís -
t ica s d u a lis t a s . Um cer t o t r ein o e u m d es con d icion a m en t o d es en -
rolam-s e em qu a lqu er s it u a çã o d e p r á t ica s en t a d a . Ma s , a t é qu e
t en h a m os s u p er a d o es s e d u a lis m o, n ã o con s egu ir em os con h ecer a
lib er d a d e fin a l. Nã o exis t e u m a lib er d a d e fin a l en qu a n t o n ã o
houver apenas um só, ali.
Pod em os a ch a r qu e n ã o n os im p or t a m os com a lib er d a d e
final nesse sentido. A verdade, no entanto, é que nós a desejamos.
ALUNO: Se uma pessoa está sentindo amor e outra pessoa está
sentindo ódio, existe uma diferença em como devem praticar?
JOKO: Nã o. O a m or ou a com p a ixã o gen u ín a é u m a a u s ên cia
d es s a s d u a s em oções con ceb id a s em n ível p es s oa l. S om en t e u m a
p es s oa p od e a m a r ou od ia r n o s en t id o u s u a l. S e n ã o exis t e p es s oa ,
s e es t a m os a p en a s a b s or vid os n o viver , es s a s em oções es t a r ã o
ausentes.
Na p r á t ica d e con cen t r a çã o qu e d es cr evi p r im eir o, u m a vez
qu e o s en t im en t o d e r a iva é u m ob jet o, o qu e fa zem os é s im p les -
m en t e ign or á -lo. E m p u r r a m os a em oçã o p a r a o la d o e es va zia mos
o koan d e s eu con t eú d o. O p r ob lem a d es s a a b or d a gem é qu e,
qu a n d o volt a m os à vid a d iá r ia , n ã o s a b em os o qu e fa zer com a s
n os s a s em oções , p or qu e ela s n ã o for a m r es olvid a s . S ã o u m
t er r it ór io d es con h ecid o p ela p r á t ica zen clá s s ica . Na p r á t ica d a
con s cien t iza çã o, n ós a p en a s viven cia m os o p en s a m en t o e a
em oçã o e s u a s s en s a ções con com it a n t es . Os r es u lt a d os s ã o m u it o
diferentes.
ALUNO: Na p r á t ica s h ik an ta z a qu e m e en s in a r a m , a s em oções
fa zem p a r t e d a p r á t ica : ela s a p a r ecem e n ós n os s en t a m os p a r a
praticar com elas.
JOKO:
S im , a p r á t ica s h ik an ta z a p od e s er en t en d id a d es s a
maneira. Temos apenas que nos acautelar quanto às armadilhas.
ALUNO: Nos sesshins m a is lon gos e d ifíceis , à s vezes m e s in t o
com o Gor d on Lid d y, com m in h a m ã o s ob r e a ch a m a d e u m a vela
p a r a s a b er qu a n t a d or con s igo s u p or t a r . No velh o es t ilo d a p r á t ica
do samadhi, eu p en s o qu e o t es t e d o samadhi d a p es s oa er a s u a
ca p a cid a d e d e n ã o s en t ir a d or m ed ia n t e o es t a d o d e gr a ça e a
concentração.
JOKO: Certo. Então o objeto é cancelado.
ALUNO: Nes s e es t ilo d e p r á t ica , o sesshin torna-s e u r n a
es p écie d e p r ova d e r es is t ên cia . Você p od er ia com en t a r com o a d or
funciona nesse sistema para não ser masoquismo?
JOKO: Um a d or m od er a d a é u m b om m es t r e. A vid a m es m a
a p r es en t a a d or e t a m b ém in con ven iên cia s . S e n ã o s a b em os com o
lid a r com a d or e com a in con ven iên cia , n ã o s a b em os m u it o a
n os s o p r óp r io r es p eit o. Um a d or ext r em a n ã o é n eces s á r ia , n o
en t a n t o. S e a d or for exces s iva , p ode-s e u s a r u m b a n co ou a
ca d eir a , ou a t é m es m o p od e-s e d eit a r . Mes m o a s s im , exis t e u m
cer t o va lor em a p es s oa d is p or -s e a s er a d or . A s ep a r a çã o s u jeit o-
ob jet o ocor r e p or qu e n ã o es t a m os d is p os t os a s er a d or qu e
a s s ocia m os com o ob jet o. E p or is s o qu e n os d is t a n cia m os d ele. S e
n ã o n os en t en d em os em r ela çã o à d or , cor r em os d ela qu a n d o
aparece, e perdemos esse imenso tesouro de conscientização com a
vivência direta da vida. De modo que, até certo ponto, é útil sentar-
s e com a d or p a r a p od er m os r ecu p er a r u m a con s ciên cia m a is
plena de nossa vida tal qual ela é.
Qu a n d o a t en d o a lu n os em daisan *, a m a ior p a r t e d o t em p o
m eu s joelh os fica m d oen d o. E n t ã o es t ã o d oen d o: é s ó is s o.
S ob r et u d o qu a n d o fica m os m a is velh os , é ú t il s er ca p a z d e es t a r
com a n os s a vivên cia e viver p len a m en t e a vid a . Pa r t e d o qu e
viem os a qu i a p r en d er é com o es t a r com o d es con for t o e a in con -
veniência.
De cer t a for m a , a d or é u m gr a n d e m es t r e. S em u m cer t o
gr a u d e d es con for t o, a m a ior ia d a s p es s oa s a p r en d er ia m u it o
pouco. Dor, desconforto, dificuldade e até mesmo a tragédia podem
ser grandes instrutores, em especial quando ficamos mais velhos.
ALUNO:
Den t r o d a con s ciên cia or d in á r ia , t u d o o qu e es t eja
além de nós é um objeto?
JOKO: S e p en s a r m os n o eu d a p es s oa com o u m ob jet o en t r e
ou t r os , a t é m es m o ele p od e s er u m ob jet o. Pos s o ob s er va r a m im
mesma, posso ouvir a minha voz, posso cutucar as minhas pernas.
Desse ponto de vista, sou um objeto também.
ALUNO: E n t ã o, ob jet os in clu em s en t im en t os e es t a d os d e
ânimo, além das coisas do mundo?
JOKO: S im . E m b or a p en s em os em n ós com o s u jeit os e em
t u d o o m a is com o ob jet os , is s o é u m er r o. Qu a n d o n ós s ep a r a m os
a s cois a s u m a s d a s ou t r a s , t u d o s e t or n a u m ob jet o. S ó exis t e u m
único sujeito verdadeiro que é o absolutamente nada. O que é?
ALUNO: A percepção consciente.
JOKO: S im , a p er cep çã o con s cien t e, em b or a a p a la vr a s eja
inadequ a d a . A p er cep çã o con s cien t e n ã o é n a d a e, n o en t a n t o, o
mundo inteiro existe através dela.
INTEGRAÇÃO
*
Daisan: uma entrevista formal entre aluno e instrutor no decurso da prática meditativa.
*
Ver Paul Reps, compilador, Zen flesh, zen bones: A collection of zen and pre-zen
writings, Garden City, NY: Anchor, Doubleday, sem data, "O homem que se tornou um
discípulo", p. 41.
qu e exigiu s eu d in h eir o ou a vid a . O in s t r u tor d is s e a o la d r ã o on d e
es t a va o d in h eir o, e p ed iu qu e ele a p en a s d eixa s s e o s u ficien t e
p a r a p a ga r s eu s im p os t os e qu e qu a n d o es t ives s e p r es t es a s a ir
a gr a d eces s e a o in s t r u t or p elo p r es en t e. O la d r ã o con cor d ou . Un s
d ia s d ep ois foi ca p t u r a d o e con fes s ou vá r ios cr im es , in clu s ive o
a s s a lt o a o in s t r u t or zen . Ma s es t e in s is t iu qu e n ã o h a via s id o
vítima de roubo porque havia dado ao homem o seu dinheiro e este
agradecera p or is s o. Dep ois d e o la d r ã o t er t er m in a d o d e cu m p r ir a
pena, voltou até o instrutor e tornou-se um de seus discípulos.
E s s a s h is t ór ia s p a r ecem r om â n t ica s e lin d a s . Ma s va m os
s u p or qu e a lgu ém n os p eça em p r es t a d o d in h eir o e n ã o n os d evolva.
Ou qu e a lgu ém r ou b e o n os s o ca r t ã o d e cr éd it o e o u t ilize. Com o
r ea gir ? Um a d ificu ld a d e d a s h is t ór ia s clá s s ica s d o zen , com o es s a ,
é qu e ela s p a r ecem a n t iga s e m u it o d is t a n t es . Por es t a r d is t a n t e d e
n os s a ép oca , p od em os d eixa r d e en t en d er o "x" d a qu es t ã o. A
questão não é que alguém levou o dinheiro ou o que o mestre fez. A
qu es t ã o é qu e o m es t r e n ã o ju lgou o la d r ã o. Is s o n ã o qu er d izer
qu e a m elh or cois a s eja s em p r e d a r a o la d r ã o a qu ilo qu e ele qu er ;
p od e s er qu e à s vezes es s a n ã o s eja a m elh or m a n eir a d e r ea gir .
E s t ou cer t a d e qu e o m es t r e con s id er ou a s it u a çã o, viu qu em er a o
h om em (t a lvez u m ga r ot o qu e a p a n h ou u m a es p a d a e es p er a va
com ela conseguir um dinheirinho rápido) e intuitivamente soube o
qu e fa zer . Nã o é t a n t o o qu e o m es t r e fez, m a s a m a n eir a com o
a giu . A a t it u d e d o m es t r e foi cr u cia l. E m vez d e fa zer u m
ju lga m en t o, ele s im p les m en t e lid ou com a s it u a çã o. S e a s it u a çã o
tivesse sido diferente, sua resposta poderia ter sido outra.
Nã o p er ceb em os qu e s om os t od os p r ofes s or es . Tu d o o qu e
fa zem os , d e m a n h ã a t é a n oit e, é u m en s in a m en t o: o m od o com o
fa la m os com a lgu ém , n a h or a d o a lm oço, o m od o com o fa zem os
n os s a s t r a n s a ções b a n cá r ia s , n os s a r ea çã o qu a n d o o a r t igo qu e
a p r es en t a m os é a ceit o ou r ejeit a d o t u d o o qu e fa zem os e
d izem os r eflet e n os s a p r á t ica . Ma s n ã o é p os s ível qu er er m os s er
s im p les m en t e com o S h ich ir i Kogen . É u m a a r m a d ilh a d o t r ein o
con clu ir : "Oh , eu d ever ia s er d es s e jeit o". Os a lu n os ca u s a m u m
gr a n d e d a n o qu a n d o a r r a s t a m es s es id ea is p a r a a p r á t ica . E les
im a gin a m qu e "d ever ia m s er a lt r u ís t a s , gen er os os e n ob r es com o o
gr a n d e m es t r e zen ". O m es t r e em ca d a u m a d es s a s h is t ór ia s foi
eficien t e p or qu e foi o qu e ele er a . E le n ã o p en s ou d u a s vezes a
**
Sutra: texto budista tradicional, em geral falado em voz alta.
r es p eit o. Qu a n d o t en t a m os s er u m a cois a qu e n ã o s om os ,
tornamo-nos escravos de uma mente rígida e fixa, que segue regras
a r es p eit o d e com o a s cois a s t êm d e s er . A violên cia e a r a iva qu e
exis t em em n ós con t in u a m d es p er ceb id a s p or qu e n os m a n t em os
a p r is ion a d os em n os s a s im a gen s d e com o d ever ía m os s er . S e
con s egu im os u s a r a s h is t ór ia s d e for m a cor r et a , ela s s ã o
maravilhos a s . E n t r et a n t o, n ã o d ever ía m os a p en a s t en t a r cop iá -las
em n os s a s vid a s . S om os in t r in s eca m en t e p er feit os d o jeit o qu e
somos. Somos ilu m in a d os . Ma s , en qu a n t o n ã o com preendermos
isso, iremos nos iludir a respeito das coisas.
Os cen t r os zen e ou t r os loca is d e p r á t ica es p ir it u a l cos t u mam
ign or a r o qu e t em d e ocor r er com u m s er h u m a n o p a r a qu e
a con t eça a ver d a d eir a ilu m in a çã o. A p r im eir a cois a qu e t em d e
acontecer a o lon go d e m u it a s et a p a s , s u p er a n d o m u it os d es vios
e a r m a d ilh a s é a n os s a in t egr a çã o com o s er es h u m a n os , p a r a
qu e a m en t e e o cor p o t or n em -s e u m a cois a s ó. Pa r a m u it a s
p es s oa s , es s e em p r een d im en t o leva a vid a in t eir a . Qu a n d o o cor p o
e a m en t e s ã o u m s ó, n ã o s om os m a is con s t a n t em en t e p u xa d os
p a r a cá e p a r a lá , p a r a fr en t e e p a r a t r á s . E n qu a n t o formos
con t r ola d os p or n os s a s em oções a u t ocen t r a d a s (e a m a ior ia d e n ós
t em m ilh a r es d es s a s ilu s ões ), n ã o t er em os a in d a s u p er a d o es s a
et a p a . Pega r a p es s oa qu e a in d a n ã o in t egr ou cor p o e m en t e e
forçá-la a p a s s a r p elo es t r eit o e con cen t r a d o p or t ã o d a ilu m inação
p od e s em d ú vid a p r od u zir u m a p od er os a exp er iên cia d e vid a , m a s
essa pessoa não vai saber o que fazer com isso. Vislumbrar por um
in s t a n t e a u n id a d e ú lt im a d o u n iver s o n ã o s ign ifica
n eces s a r ia m en t e qu e d a í em d ia n t e n os s a s vid a s s er ã o m a is livr es .
Pois , en qu a n t o n os p r eocu p a m os com o qu e a lgu ém n os fez, com o
r ou b a r o n os s o d in h eir o p or exem p lo, não es t a m os
ver d a d eir a m en t e in t egr a d os . De qu em é o d in h eir o a fin a l d e con t a s ?
E o qu e t or n a n os s o u m p ed a ço d e t er r a ? Nos s o s en s o d e
p r op r ied a d e a p a r ece p or qu e t em os m ed o e s om os in s egu r os e p or
is s o qu er em os t er cois a s . Qu er em os p os s u ir a s p es s oa s . Qu eremos
s er os d on os d a s id éia s . Qu er em os t er n os s a s p r óp r ia s op in iões .
Qu er em os t er u m a es t r a t égia p a r a viver . E n qu a n t o es tivermos
fa zen d o t od a s es s a s cois a s , a id éia d e qu e p od er ía m os a gir com
naturalidade como o mestre Kogen é completamente sem sentido.
O im p or t a n t e é qu em s om os a ca d a m om en t o d a d o e d e qu e
m od o lid a m os com a qu ilo qu e a vid a n os ofer ece. Qu a n d o m en t e e
cor p o t or n a r em -s e m a is in t egr a d os , o t r a b a lh o p a r a d oxa lm en t e ir á
fica r m u it o m a is fá cil. Nos s a t a r efa é in t egr a r m o-n os com o m u n d o
t od o. Com o d is s e o b u d a : "O m u n d o t od o s ã o m eu s filh os ". As s im
qu e es t iver m os r ela t iva m en t e em p a z con os co, a in t egr a çã o com o
resto do mundo se tornará mais fácil. O que custa mais tempo e dá
m a is t r a b a lh o é a p r im eir a p a r t e. As s im qu e is s o es t iver qu a s e
a lca n ça d o, exis t em m u it a s á r ea s d a vid a qu e t êm a qu a lid a d e d e
u m a vid a ilu m in a d a . Os p r im eir os a n os s ã o m a is d ifíceis d o qu e os
ú lt im os . O m a is d ifícil é o p r im eir o s esshin; os m es es m a is d ifíceis
da prática estão no primeiro ano; o segundo já é mais fácil, e assim
por diante.
Ma is t a r d e p od e ir r om p er u m a n ova cr is e, t a lvez d ep ois d e
cin co ou d ez a n os d e p r á t ica , qu a n d o com eça m os a en t en d er qu e
n ã o ir em os ga n h a r n a d a com t a n t o t em p o s en t a d o a b s olu t a -
m en t e n a d a , O s on h o a ca b ou , o s on h o d a glór ia p es s oa l qu e
p en s á va m os ob t er a p a r t ir d a p r á t ica . O ego es t á d es fa zen d o-se;
es s e p od e s er u m p er íod o á r id o, d ifícil. Con for m e vou lecion a n do,
p er ceb o os p r ogr a m a s p r é-preparados d a p es s oa s e d es fa zen do.
Isso acontece na primeira parte da viagem. É mesmo lindo, embora
s eja a p a r t e d ifícil. A p r á t ica d eixa d e s er r om â n t ica : n ã o s e p a r ece
mais com aquilo que lemos nos livros. Então começa a prática real:
d e u m m om en t o p a r a o ou t r o, a p en a s en ca r a n d o ca d a m om en t o.
Nossas mentes não se impõem mais tanto a nós. Não nos dominam
m a is . Tem in ício u m a gen u ín a r en ú n cia d e n os s os p r ogr a m a s
a n t ecip a d os , em b or a m es m o n es s a ép oca t a l et a p a p os s a s er
in t er r om p id a p or t od a s a s es p écies d e ep is ód ios d ifíceis . O
ca m in h o n u n ca é d ir et o e s u a ve. Alíá s , qu a n t o m a is p ed r egos o,
melhor. O ego precisa de obstáculos que o desafiem.
Con for m e n os s a p r á t ica p r ogr id e, ob s er va m os qu e os ep i-
sódios os ob s t á cu los em n os s o ca m in h o n ã o s ã o t ã o d ifíceis
quanto p od er ia m t er s id o. Nã o t em os m a is t a n t os p r ogr a m a s
a n t ecip a d os a r es p eit o d e t u d o, n em o m es m o im p u ls o p a r a n os
t or n a r m os im p or t a n t es ou gr a n d es ju izes . S e s en t a m os p a r a p r a -
t ica r com a t é 4 0 % d e p er cep çã o con s cien t e, p equ en a s fa gu lh a s
s a em d e n os s a s p r ogr a m a ções a n t ecip a d a s . Qu a n t o m a ior for o
t em p o em qu e p er m a n ecem os s en t a d os p r a t ica n d o, m en os cois a s
vã o a con t ecer d u r a n t e a p r á t ica . Por qu a n t o t em p o a t u r a m os
en xer ga r t od a a ob s t r u çã o d e n os s o ego? Por qu a n t o t em p o
con s egu im os ob s er vá -lo a n t es d e la r ga r m ã o e s im p les m en t e
r et or n a r a o a qu i? Tr a t a -s e d e u m len t o p r oces s o d e d es ga s t e e
n ã o d e u m a qu es t ã o d e ga n h a r vir t u d es ; é m a is ga n h a r en t en -
dimento.
Além d e r ot u la r n os s os p en s a m en t os , p r ecis a m os p er m a n ecer
com a s s en s a ções d e n os s o cor p o. S e tr a b a lh a r m os com es s a s
d u a s qu es t ões com t od a a p a ciên cia p os s ível, ir em os a os p ou cos
abrindo-nos para uma nova visão de vida.
Qu er em os u m a vid a qu e s eja t ã o r ica e a m p la e benéfica
qu a n t o s eja p os s ível. Tod os t em os a p os s ib ilid a d e d e viver a s s im .
In t eligên cia a ju d a . As p es s oa s qu e vêm a u m cen t r o zen s ã o, d e
m a n eir a t íp ica , m u it o in t eligen t es . Ma s ela s t a m b ém t en d em a ca ir
n a s m a lh a s d e m u it a s r a cion a liza ções e a n á lis es . S eja qu a l for a
disciplina a r t e, m ú s ica , fís ica , filos ofia p od em os m od ificá -la e
usá-la p a r a evit a r a p r á t ica . Por ém , s e n ã o o fa zem os , a vid a n os
d á u m ch u t in h o a p ós o ou t r o a t é a p r en d er m os a qu ilo qu e
p r ecis a m os a p r en d er . Nin gu ém p od e fa zer es s a p r á t ica p or n ós . O
ú n ico t es t e p a r a s a b er s e es t a m os fa zen d o a p r á t ica é a n os s a
própria vida.
OS TOMATEIROS RIVAIS
*
Tao Te Ching: A new English version, with foreword and notes, por Stephen MitchelI,
Nova York: Harper & Row, 1988, p. 68.
Um b om exem p lo es t á em n os s o es for ço p a r a s er m os h o-
n es t os . A h on es t id a d e é a b a s e a b s olu t a d e n os s a p r á t ica . Ma s o
qu e is s o qu er d izer ? Va m os s u p or qu e d izem os p a r a a lgu ém :
"Qu er o s er h on es t o com você. Qu er o lh e con t a r com o vejo o n os s o
r ela cion a m en t o". O qu e d is s er m os p od e s er p r oveit os o. Por ém ,
m u it a s vezes n os s os es for ços d e h on es t id a d e n ã o vêm d a
verdadeira honestidade, mas de um espírito de brincar, de incluir o
outro mesmo que possamos fingi-lo. Enquanto tivermos a menor
in t en çã o qu e s eja d e t er r a zã o, d e m os t r a r ou en s in a r a lgo p a r a o
ou t r o, p r ecis a m os n os a ca u t ela r . E n qu a n t o n os s a s p a la vras
t iver em a m en or liga çã o qu e s eja com o ego, s er ã o d es on es t a s . As
p a la vr a s ver d a d eir a s vêm qu a n d o en t en d em os o qu e é s a b er qu e
estamos com raiva, saber que estamos com medo, e esperar. Dizem
a s a n t iga s p a la vr a s : "Você t em a p a ciên cia d e es p er a r a t é qu e s u a
m en t e a qu iet e e a á gu a fiqu e cla r a ? Você con s egu e s e m a n t er
im óvel a t é qu e a a çã o cor r et a a p a r eça p or s i?". E s s e é u m m od o
m a r a vilh os o d e a p on t a r o "x" d a qu es t ã o: s er á qu e con s egu im os
fica r em s ilên cio p or u m m om en t o a t é qu e a s p a la vr a s ju s t a s
a p a r eça m p or s i p a la vr a s h on es t a s , qu e n ã o m a goa m os ou t r os ?
E s s a s p a la vr a s p od em s er m u it o fr a n ca s . Pod em com u n ica r
exa t a m en t e o qu e qu er em os d izer . Pod em in clu s ive s er a s m es m a s
p a la vr a s qu e t er ía m os fa la d o a p a r t ir d e n os s o ego, m a s h a ver á
u m a d ifer en ça . Viver d es s e jeit o n ã o é fá cil. Nin gu ém con s egu e
fazê-lo o t em p o t od o. Nos s a p r im eir a r ea çã o vem d a
a u t op r es er va çã o e d o m ed o, e en t ã o a r a iva s a lt a b em n o m eio d a
cen a . Nos s os s en t im en t os for a m fer id os , es t a m os com m ed o,
ficamos com raiva.
Se tivermos paciência de esperar até que a lama (nossa mente)
deca n t e e a á gu a fiqu e lím p id a , s e p er m a n ecer m os im óveis a t é qu e
a a çã o cor r et a s u r ja p or s i, á s p a la vr a s cer t a s a p a r ecer ã o, s em qu e
p r ecis em os p en s a r n ela s . Nã o p r ecis a r em os ju s t ifica r a qu ilo qu e
es t a m os d izen d o u s a n d o m ú lt ip la s r a zões ; n ã o t er em os qu a is quer
razões. As palavras certas se farão dizer se tivermos nos aquietado.
Nã o con s egu im os is s o s em u m a p r á t ica s in cer a . Pod e n ã o s er u m a
p r á t ica for m a l; à s vezes , a p en a s r es p ir a m os fu n d o, es p er a m os u m
m in u t o, s en t im os com o vã o a s cois a s b em n o m eio d e n os sa
b a r r iga e en t ã o é qu e fa la m os . Por ou t r o la d o, s e es t a m os t en d o
u m gr a n d e con flit o com u m a p es s oa , t a lvez p r ecis em os d e m a is
tempo. Pode ser melhor às vezes não dizer nada durante um mês.
Meu s velh os a m igos qu e d is cu t ia m p or ca u s a d os t om a t es
n ã o t in h a m n en h u m a in t en çã o d e ca u s a r d a n o. Ap es a r d e t od o o
b a r u lh o, n ã o h a via r ea lm en t e a p a r t icip a çã o d e s eu s egos . J á
vin h a m joga n d o a qu ele jogo h a via a n os . Mu it a s vezes ou ço d os
alunos histórias a respeito de seus amigos, do que deu errado, e do
qu e qu er em fa zer p a r a "a cer t a r " a s it u a çã o. "Meu a m igo fez u m a
cois a r u im . Meu a m igo n ã o m e a ju d ou . Vou m os t r a r p a r a ele com o
é qu e es t ou m e s en t in d o." Acer ca d e t a is s it u a ções J es u s d is s e:
"Qu e a t ir e a p r im eir a p ed r a a qu ele qu e n ã o t iver p eca d o". Tod os
t em os fa lh a s . E u t en h o fa lh a s ; você t a m b ém . Tod os t em os fa lh a s .
Con t u d o, o n os s o ego n os d iz qu e s ó o outro es t á er r a d o. Gr a n d e
p a r t e d a qu ilo qu e ch a m a m os d e com u n ica çã o com os ou t r os
d u r a n t e n os s os con flit os a ca b a s en d o, n o fu n d o, d izer -lh es com o
s ã o fa lh os . E n t ã o eles , m u it o n a t u r a lm en t e, qu er em n os d izer
com o n ós t em os fa lh a s . E a s s im va i, d e lá p a r a cá , d e cá p a r a lá .
Na d a d e ú t il es t á s en d o com u n ica d o. As p es s oa s qu e es t ã o fa la n d o
s ã o com o d ois n a vios qu e p a s s a m u m p elo ou t r o à n oit e. As
p es s oa s s e n ega m a es p er a r a t é qu e a la m a a s s en t e, p or ém . Tem os
m ed o d e qu e os ou t r os s e a p r oveit em d e n ós . Ma s s er á qu e is s o
pode mesmo acontecer?
ALUNO: Nã o p od em s e a p r oveit a r d e n ós , m a s com cer t eza n os
sentimos assim uma grande parte do tempo.
JOKO: S im , é com u m s en t ir m os qu e es t ã o s e a p r oveit a n d o d e
n ós . Va m os s u p or u m a p es s oa qu e n os d eve d in h eir o e n ã o p a ga .
Ou qu e a lgu ém d eixa d e cu m p r ir u m a p r om es s a qu e n os fez. Ou
qu e a lgu ém fa la d e n ós p ela s cos t a s . E p or a í va i; t od os n ós
fa zem os es s a s cois a s . S er á qu e es s a s con d u t a s s ã o suficientes
p a r a s e a b a n d on a r u m a m igo, u m m a r id o ou m u lh er , u m filh o, ou
p a i ou m ã e? Ter ía m os n ós a p a ciên cia d e es p er a r a t é qu e n os s a
la m a a s s en t a s s e e a á gu a es t ives s e cla r a ? Con s egu ir ía m os m a n t er -
n os im óveis a t é qu e a a çã o a d equ a d a a p a r eces s e p or s i? Às vezes ,
fica m os com r a iva d e n ós . Qu a n d o is s o a con t ece, cos t u m a m os
em p r ega r p a la vr a s fa ls a s e qu e b r ot a m d e n os s a p r op en s ã o a n os
s en t ir m os m a goa d os ou p r eju d ica d os . E m vez d e d ir igir a a lgu ém a
n os s a ir a , n ós a r een ca m in h a m os p a r a n ós m es m os . Ma s s ó
segu n d o o Ta o o va zio, o s ilên cio é qu e a s p a la vr a s ju s t a s e a
a çã o ju s t a p od em a p a r ecer . As p a la vr a s e con d u t a s ju s t a s são o
Tao.
Qu a n d o lecion o, t en h o m en os in t er es s e n os con flit os qu e os
a lu n os vivem e m a is n o ca r á t er d e s u a s p a la vr a s e d e on d e ela s
proced em . No ca s o d a s p es s oa s qu e t êm p r a t ica d o p or a lgu m
t em p o, a s p a la vr a s p od em p a r ecer m elh or es , m a s a in d a vêm d o
lu ga r er r a d o. "E u s ei qu e é t u d o eu . E u s ei qu e n ã o t em n a d a qu e
ver com você. Nã o p r et en d o s er r a n zin za n em in t r om et id o, mas..."
O julgament o a in d a es t á p r es en t e, a p en a s d is fa r ça d o. Pod er ia m t er
a p en a s d it o: "Ma s qu e d r oga ! Por qu e é qu e você n ã o p ega e
a r r u m a s u a s r ou p a s ? ". E m b or a s eja b om qu e a s r ou p a s es t eja m
a r r u m a d a s , n ã o é d es s e jeit o qu e s e fa z is s o a con t ecer .
Con s egu ir ía m os n os m a n t er im óveis , d e b oca fech a d a , a t é qu e a
a çã o e a s p a la vr a s ju s t a s a p a r eces s em p or s i? A m a ior p a r t e d o
t em p o n ã o h á p er igo em n ã o s e fa zer nada. Qu a s e t u d o o qu e
fa zem os n ã o fa z m u it a d ifer en ça , d e qu a lqu er m a n eir a , n ós a p en a s
achamos que faz.
S om os p es s oa s za n ga d a s p or qu e es t a m os t od os a s s u s t a d os .
Felizm en t e, t em os em ger a l a op or t u n id a d e d e p r a t ica r com a r a iva ,
com a s p es s oa s qu e s ã o d ifíceis p a r a n ós . Pod em os t en t a r lid a r
com elas eliminando-as de nossas vidas. Por que fazemos isso?
ALUNO: Para facilitar a nossa vida.
ALUNO: Por qu e p en s a m os qu e ela s s ã o a ca u s a d o n os s o
problema.
ALUNO: Porque elas não fazem o que queremos que façam.
ALUNO:
Por qu e t a lvez ela s n os m os t r em a lgo a n os s o r es p eit o
que não queremos enxergar.
ALUNO: Para evitarmos a nossa própria culpa.
ALUNO: Poderíamos estar querendo puni-las.
ALUNO: Ta lvez n a ú lt im a vez em qu e es t ivem os ju n t os t en h a
sido tão confuso e doloroso que não queremos nos aproximar outra
vez.
JOKO: Pr ecis a m os es t a r d is p os t os a d es ca n s a r n a con fu s ã o e
n o in côm od o, d eixa n d o a la m a a s s en t a r a t é con s egu ir m os ver com
m a is n it id ez. Com es s a es p écie d e p r á t ica , p od em os d es cob r ir a
jóia p r ecios a d e n os s a vid a ; h a ver á en t ã o u m a a u s ên cia d e
a lt er ca ções . Ain d a p od er em os t er d is cu s s ões , com o os t om a t eir os
rivais m a s p or es p ír it o es p or t ivo. Qu a n d o es t u d a m os a r a iva a
fundo, ela desaparece. Como disse Dogen Zenji, estudar o budismo
é estudar o eu, e estudar o eu é esquecer o eu. Quando nossa raiva
s e d is s ip a n u m n a d a , n ã o h á p r ob lem a . A a çã o cor r et a a p a r ece p or
s i. E m r et ir os in t en s ivos , es s e p r oces s o é a celer a d o. O eu
a u t ocen t r a d o t or n a -s e m a is t r a n s p a r en t e, m a is n ít id o, e a s s im
podemos nos assentar bem no meio dele. Conforme a lama decanta
e a á gu a fica lím p id a n ova m en t e, p od em os en xer ga r a jóia quase
com o s e es t ivés s em os em á gu a s t r op ica is e con s egu ís s em os olh a r
b em n o fu n d o e ver a s p la n ta s e os p eixes color id os . E n t ã o
p od em os fa la r a s p a la vr a s ver d a d eir a s , em op os içã o à s
autocentradas, que sempre criam desarmonia.
ALUNO: Joko, o que você diz para alguém que está morrendo?
JOKO : Nã o m u it o, ou "eu a m o você". Mes m o qu a n d o es t a m os
morrendo ainda queremos fazer parte da experiência humana.
ALUNO: Algu m a s vezes , qu a n d o t en h o u m con flit o, s e con s igo
s a ir e d izer a lgo d a m elh or m a n eir a p os s ível, m es m o qu a n d o n ã o
s a i p er feit o, a p r en d o m u it a cois a a m eu r es p eit o qu e n ã o qu er ia
s a b er e is s o é m u it o va lios o. E n t ã o p os s o s er h on es t o a r es p eit o
disso, em vez de esperar.
JOKO: S im , eu en t en d o. Qu a n d o eu d igo p a r a es p er a r , n ã o
es t ou fa la n d o d e u m a fór m u la . E s t ou fa la n d o d e u m a a t it u d e d e
aprend iza gem . Às vezes é ú t il d izer a lgo a n t es qu e a la m a a s s en t e;
d ep en d e d a a t it u d e, d o es p ír it o d a s p a la vr a s . Mes m o qu e o es p írito
es t eja u m p ou co t or cid o, s e es t a m os a p r en d en d o d ep r es s a
en qu a n t o a gim os , is s o t a m b ém p od e fica r b em . S e a gim os d e
m a n eir a im p r óp r ia , en t ã o n os d es cu lp a m os . Dever ía m os es t a r
s em p r e p r on t os p a r a n os d es cu lp a r . Tod os t em os cois a s d e qu e
pedir desculpas.
ALUNO:E u m u it a s vezes p en s o qu e es t ou s en d o h on es t o e s ó
mais tarde é que percebo que estava enganando a mim mesmo.
JOKO: S im . O t es t e d e u m b om con flit o em con t r a s t e com o
con flit o qu e ca u s a d a n o é qu e n ã o r es t a m r es íd u os d ep ois .
Tod os s e s en t em b em m a is t a r d e. E s t á t u d o cla r o. Aca b a d o. O
clima fica agradável. É maravilhoso, mas raro.
ALUNO: Pa r ece qu e exis t em a lgu m a s cois a s , n o en t a n t o, qu e
simplesmente não conseguimos consertar.
JOKO: Nã o es t ou fa la n d o d e con s er t a r cois a s ; is s o é t en t a r
controlar o mundo, dirigir o universo.
ALUNO: Às vezes p er m it o qu e a s p es s oa s a b u s em d e m im .
Quand o fa ço is s o, é im p or t a n t e fa la r e coloca r u m lim it e. Qu a n d o
faço isso costumo obter bons resultados.
JOKO: Tu d o b em fa la r e es cla r ecer , s e o fizer m os com a s
p a la vr a s ver d a d eir a s . E s e s en t im os qu e a b u s a r a m d e n ós ,
p r ecis a m os r econ h ecer qu e t a lvez t en h a m os con s en t id o com es s e
a b u s o. Qu a n d o vem os is s o, p od e vir a s er d es n eces s á r io d izer
qu a lqu er cois a . E m vez d e t en t a r ed u ca r ou s a lva r a ou t r a p es s oa
(o qu e n u n ca é a lgo qu e n os d iz r es p eit o), p od em os a p en a s
aprender.
NÃO JULGAR
P REPARO DO TERRENO
De t em p os em t em p os , u m d e m eu s a lu n os p a s s a p or u m a
d is cr et a r evir a volt a , u m a p equ en a p er cep çã o es p ecia l ou kensho.
Algu n s cen t r os zen con cen t r a m -s e n es s a s exp er iên cia s e d ã o-lhes
m u it a ên fa s e. Is s o a qu i n ã o a con t ece. As vivên cia s s ã o
in t er es s a n t es : s e, p or u m m om en t o, a lgu ém en t r a n o p r es en t e
a b s olu t o, ocor r e u m a m u d a n ça . E s s a m u d a n ça n ã o d u r a , s em p r e
es cor r ega m os d e volt a p a r a os n os s os m eios u s u a is d e fa zer a s
cois a s . Ma s , p or u m cer t o t em p o, t a lvez u m s egu n d o, t a lvez u m a
h or a , t a lvez s em a n a s , t u d o o qu e er a u m p r ob lem a n ã o o é m a is .
E n fer m id a d es p er t u r b a d or a s e lu t a s d e t od os os t ip os d e r ep en t e
s er en a m . Por u m in s t a n t e, a vid a ficou d e p on t a -ca b eça . Vem os a s
cois a s com o ela s d e fa t o s ã o. Ter es s a s exp er iên cia s n ã o s ign ifica
m u it o em s i. Ma s p od e a s s in a la r -n os o ca m in h o p a r a es t a r m os n o
p r es en t e a b s olu t o ca d a vez m a is . E s t a r n o p r es en t e é o p on t o
cen t r a l d a p r á t ica s en t a d a e d a p r á t ica em ger a l: a ju d a -n os a s er
m a is s en s a t os d ia n t e d a vid a , m a is com p a s s ivos , m a is or ien t a d os
r u m o a o qu e p r ecis a s er feit o. Tor n a m o-n os m a is eficien t es em
n os s o t r a b a lh o. E s s es r es u lt a d os s ã o m a r a vilh os os ; n ã o ob s t a n t e,
não podemos nos empenhar em consegui-los ou fazê-los acontecer.
O m á xim o qu e n os é p os s ível é p r ep a r a r a s con d ições n eces s á r ia s .
Pr ecis a m os t er cer t eza d e qu e o s olo es t á b em p r ep a r a d o, d e qu e
es t á r ico, s olt o e fér t il, p a r a qu e, qu a n d o a s em en t e ca ir , b r ot e
r a p id a m en t e. A t a r efa d o a lu n o n ã o é ca ça r r es u lt a d os , m a s es t a r
n o p r ep a r o d o ca m in h o. Com o d iz a Bíb lia : "Pr ep a r a o ca m in h o
para o Senhor". Esse é o nosso trabalho.
E m cer t o s en t id o, o n os s o ca m in h o n ã o é n en h u m ca m in h o.
O ob jet ivo n ã o é ch ega r em n en h u m a p a r t e. Nã o h á gr a n d es
m is t ér ios , n a ver d a d e. O qu e p r ecis a m os fa zer é a lgo d ir et o e
objet ivo. Nã o qu er o d izer com is s o qu e s eja fá cil; o "ca m in h o" d a
p r á t ica n ã o é u m a es t r a d a livr e. E s t á en t u lh a d a d e p ed r a s
p on t ia gu d a s qu e p od em fa zer -n os t r op eça r ou r a s ga r n os s os s a -
p a t os . A vid a em s i é r ep let a d e ob s t á cu los . E n con t r á -los é o qu e
em ger a l fa z a s p es s oa s ir em a os cen t r os zen . O ca m in h o d a vid a
p a r ece s er p r in cip a lm en t e com p os t o p or d ificu ld a d es , p or cois a s
qu e n os d ã o t r a b a lh o. Ap es a r d is s o, qu a n t o m a is t em p o p r a t ica -
m os , m a is com eça m os a en t en d er qu e a qu ela s p ed r a s p on t ia gu das
do caminho são de fato jóias preciosas, pois nos ajudam a preparar
a s con d ições a d equ a d a s p a r a n os s a s vid a s . As p ed r a s são
d ifer en t es con for m e a p es s oa . Um a p od e p r ecis a r
d es es p er a d a m en t e d e m a is t em p o s ozin h a ; ou t r a p od e p r ecis a r
d es es p er a d a m en t e d e m a is t em p o com a s ou t r a s p es s oa s . A p ed r a
pontiagu d a p od e s er t r a b a lh a r com u m a p es s oa d es a gr a d á vel, ou
viver com a lgu ém d ifícil d e s e leva r . As p ed r a s p on t ia gu d a s p od em
ser seus filhos, seus pais, qualquer pessoa. Não se sentir bem pode
s er s u a p ed r a p on t ia gu d a . Per d er o em p r ego, a r r u m a r ou t r o,
preocupar-se com isso. Existem pedras pontiagudas em todo lugar.
O qu e m u d a com os a n os d a p r á t ica é ch ega r a s a b er a lgu m a cois a
qu e você n ã o s a b ia a n t es : qu e n ã o exis t em p ed r a s p on t ia gu d a s , a
es t r a d a es t á cob er t a d e d ia m a n t es . Qu a is s ã o ou t r a s p ed r a s
pontiagudas que, na realidade, são diamantes?
ALUNA: A morte do meu marido.
ALUNO: Prazos.
ALUNO: Doenças.
JOKO: S im , m u it o b em . O qu e é n eces s á r io p a r a n ós , s er es
human os , n os d a r m os con t a d e qu e a s p ed r a s p on t ia gu d a s d e
n os s a s vid a s s ã o n a r ea lid a d e d ia m a n t es ? Qu a is s ã o a lgu m a s d a s
condições que nos tornam possível praticar?
Qu a n d o s om os b em n ova t os em t er m os d e p r á t ica , p od e s er
im p os s ível qu e en xer gu em os u m gr a n d e t r a u m a com o u m p r esente,
a p ed r a p on t ia gu d a com o u m d ia m a n t e. E m ger a l é m elh or
com eça r a p r á t ica n u m a ép oca em qu e a vid a d a p es s oa n ã o es t á
m u it o r evir a d a . Por exem p lo, qu a n d o a m u lh er a ca b ou d e ga n h a r
u m b eb ê, o p r im eir o m ês n ã o é u m a b oa h or a p a r a com eça r a
prática com o eu m es m a b em m e lem b r o. É a con s elh á vel
começa r a p r a t ica r n u m p er íod o m a is ca lm o. É m elh or es t a r em
con d ições d e s a ú d e r a zoá veis . Um a s a ú d e u m p ou co p r ecá r ia n ã o
elim in a a p os s ib ilid a d e d a p r á t ica , m a s en fer m id a d es gr a ves
tornam-n a m u it o d ifícil d e com eça r . Aju d a t a m b ém a p es s oa es t a r
em con d ições r a zoa velm en t e b oa s d e con d icion a m en t o fís ico. A
prática é fisicamente cansativa.
Qu a n t o m a ior o t em p o d e n os s a p r á t ica , m en os im p or t a n t es
s ã o es s es p r é-r equ is it os . Ma s s em eles , n o in ício, a s p ed r a s
tornam-s e gr a n d es d em a is . Des s e jeit o n ã o con s egu im os en xergar
ca m in h o n en h u m p a r a p r a t ica r . Qu a n d o a p es s oa ficou a n oit e
in t eir a a cor d a d a com u m b eb ê ch or a n d o e s ó con s egu iu d or m ir
d u a s h or a s , es s a n ã o é u m a b oa h or a p a r a s e fa zer z az e n , S e o
corpo d a p es s oa es t á s e d es p ed a ça n d o ou s e ele es t á in feliz,
também n ã o es t á n u m b om m om en t o p a r a com eça r . Qu a n t o m a is
p r a t ica r m os , m a is a s d ificu ld a d es d a vid a qu e s e n os a p r es en t a m
p od em s er con s id er a d a s ver d a d eir a s jóia s . Ca d a vez m a is , os
p r ob lem a s n ã o ca n cela m a p r á t ica , m a s , em vez d is s o, es t im u lam-
n a . E m lu ga r d e p en s a r qu e é a p r á t ica qu e é d ifícil d em a is , qu e
t em os m a is p r ob lem a s d o qu e s u p or t a m os , vem os qu e os
p r ob lem a s em s i s ã o a s jóia s , e d ed ica m o-n os a com eça r com eles
u m t r a b a lh o qu e n u n ca a n t es p u d em os s on h a r . E m m in h a s
en t r evis t a s com os a lu n os , ou ço con s t a n t es r ela t os a r es p eit o
d es s a s m u d a n ça s : "Há t r ês a n os , eu n ã o t er ia con s egu id o d e jeit o
n en h u m d a r con t a d es t a s it u a çã o, já h oje...". E s s a é a r evir a volt a ,
o p r ep a r o d o t er r en o. Is s o é o qu e o cor p o e a m en t e p r ecis a m p a r a
d e fa t o a con t ecer a t r a n s for m a çã o. Nã o é qu e o p r ob lem a
d es a p a r eça ou qu e a vid a "m elh or e"; a vid a t r a n s for ma-se
lentamente e a s p ed r a s p on t ia gu d a s qu e od ia m os s e t or n a m
jóia s b em -vin d a s . Pod e s er qu e n ã o exu lt em os qu a n d o vir m os qu e
elas aparecem em nosso caminho, mas valorizamos a oportunidade
qu e r ep r es en t a m e, s en d o a s s im , a colh em o-la s em vez d e n os
es qu iva r m os d ela s . É es s e o fim d e n os s a s qu eixa s a r es p eit o d a
vid a . At é a qu ela p es s oa d ifícil, qu e cr it ica você, qu e n ã o r es p eit a a
sua opinião, ou o que for todos têm alguém ou alguma coisa que
é a p ed r a n o ca m in h o. E s s a é u m a p ed r a p r ecios a : é u m a
oportunidade, uma jóia para recolher.
Nin gu ém en xer ga a jóia logo d e ca r a . Nin gu ém a vê p or
com p let o. Às vezes p od em os en xer gá -la n u m a á r ea , m a s n ã o em
ou t r a . ,As vezes vem os a jóia e em ou t r a s n ã o con s egu im os
localizá-la. Podemos nos recusar de modo taxativo a vê-la; pode ser
que não queiramos ter nada que ver com ela.
Mes m o a s s im d evem os n os h a ver o t em p o t od o com es s e
p r ob lem a b á s ico. Por qu e s om os h u m a n os , u m a gr a n d e p a r t e d o
t em p o n ós n em qu er em os fica r s a b en d o d ela . Por qu ê? Por qu e
havermo-n os com ela s ign ifica u m a vid a a b er t a p a r a a s d ificu l-
d a d es em vez d e fu ga d ia n t e d a s a d ver s id a d es . E m ger a l, es t a m os
t en t a n d o s u b s t it u ir a lgu m a cois a p ela d ificu ld a d e. Qu a n d o
es t a m os ch eios d os filh os , p or exem p lo, gos t a r ía m os d e d evolvê-los
e r eceb er ou t r os n ovos . Mes m o qu a n d o con t in u a m os com eles ,
en con t r a m os m a n eir a s s u t is d e "d evolvê-los ", em lu ga r d e
p er m a n ecer com a r ea lid a d e d e qu em s ã o. Lid a m os com t od os os
ou t r os p r ob lem a s d a m es m a for m a : t em os m a n eir a s s u t is d e
"devolver" quase tudo, de escolher não lidar com aquilo.
Engalfinharmo-n os com a r ea lid a d e d e n os s a vid a fa z p a r t e
d a in t er m in á vel p r ep a r a çã o d o t er r en o. Às vezes p r ep a r a m os b em
u m p equ en o s et or d o t er r en o. Pod em os t er b r eves vis lu m b r es d e
ilu m in a çã o, m om en t os qu e a con t ecem d e r ep en t e. Ain d a a s s im ,
exis t em m u it os m a is a cr es d e t er r a qu e n ã o for a m cu lt ivados
en t ã o con t in u a m os in d o a d ia n t e, a b r in d o m a is e m a is a n os s a vid a .
É is s o t u d o qu e d e fa t o im p or t a . A vid a h u m a n a d ever ia s er com o
u m vot o, d ed ica d o à d es cob er t a d o s ign ifica d o d e s e viver . O
s ign ifica d o d o viver n ã o é d e fa t o com p lica d o, m a s n os a p a r ece
com o qu e en volt o p or u m véu qu e é feit o d o m od o com o
en xer ga m os n os s a s d ificu ld a d es . É p r ecis o a m a is p a cien t e d a s
p r á t ica s p a r a com eça r m os a en xer ga r is s o, p a r a d es cob r ir m os qu e
as pedras pontiagudas são verdadeiras jóias.
Na d a d is s o t em a lgo qu e ver com ju lga m en t os , com s er m os
"boas" ou "más" pessoas. Apenas fazemos o melhor que podemos, a
ca d a m om en t o d a d o. O qu e n ã o vem os , n ã o vem os . E s s e é o "x" d a
p r á t ica : a m p lia r o "b u r a qu in h o d a fech a d u r a " qu e p or vezes
en con t r a m os , p a r a qu e s e t or n e ca d a vez m a is la r go. Nin gu ém o
loca liza o t em p o t od o. E u com cer t eza n ã o. As s im , con t in u a m os
tentando enxergar do mesmo jeito.
De cer t o m od o, a p r á t ica d iver t e: olh a r p a r a a m in h a p r ópria
vid a e s er h on es t a a r es p eit o d ela é d iver t id o. É d ifícil, h u m ilh a n t e,
d es en cor a ja d or ; em cer t o s en t id o, p or ém , é en gr a ça d o, p or qu e é
es t a r viva . Ver a m im e à m in h a vid a com o s ã o r ea lm en t e é
en gr a ça d o. Dep ois d e t od o o em p en h o, a evit a çã o, a n ega çã o e os
d es vios p or ou t r os ca m in h os , é p r ofu n d a m en t e s a t is fa t ór io qu e,
p or u m s ó s egu n d o, es t eja m os com a vid a t a l com o ela é. E s s a
s a t is fa çã o é o p r óp r io cer n e qu e n os con s t it u i. A p es s oa qu e s om os
es t á a lém d a s p alavras a p en a s o p od er a b er t o d a vid a ,
manifestando-s e s em p r e em t od a s a s es p écies d e cois a s
in t er es s a n t es , m es m o qu e s eja em n os s a p r óp r ia in felicid a d e e
a t r a vés d e lu t a s . As a d ver s id a d es s ã o a o m es m o t em p o t er r íveis e
curativas. Isso é o que significa preparar o terreno. Não precisamos
n os p r eocu p a r a r es p eit o d os p equ en os m om en t os ou a b er t u r a s
qu e ir r om p em . S e t iver m os u m s olo fér t il e b em p r ep a r a d o,
podemos semear qualquer coisa, que crescerá.
Qu a n d o efet u a m os es s e t r a b a lh o com t od a a p a ciên cia ,
chega m os n u m a s en s a çã o d ifer en t e d e n os s a s vid a s . Há p ou co
t em p o ou vi d e u m a lu n o qu e m or a lon ge e fa la va com igo a o
t elefon e qu e n ã o con s egu ia a cr ed it a r n o qu e es t a va a con t ecen d o.
"Qu a s e o t em p o t od o a m in h a vid a é u m a gos t os u r a ." Pen s ei
com igo m es m a , s im , qu e b om , m a s ... a v id a é m u it o a gr a d á vel.
Um a vid a a gr a d á vel in clu i p a d ecim en t os a fet ivos , d ecep ções , lu t o.
Faz parte do fluxo da vida permitir que tais momentos transcorram.
E les vêm e vã o, e o lu t o fin a lm en t e s e t r a n s for m a em a lgu m a ou t r a
cois a . Ma s , s e fica r m os n os qu eixa n d o, a p ega d os e r ígid os (qu e é
com o gos t a m os d e fa zer ), en t ã o ter em os m u it o p ou co qu e d es fr u t a r .
S e t em os s id o con s cien t es d o p r oces s o d e n os s a s vid a s , in clu s ive
d os m om en t os qu e od ia m os , e t em os en t ã o a con s ciên cia d es s e
ódio "Não quero fazer isso, mas vou fazê-lo do mesmo jeito" , a
p r óp r ia t om a d a d e con s ciên cia é a vid a em s i. Qu a n d o
p er m a n ecem os n es s a p er cep çã o con s cien t e n ã o t em os a qu ela
s en s a çã o r ea t iva a r es p eit o d a vivên cia es t a m os s im p les m en t e
viven cia n d o. E n t ã o, n u m d a do m om en t o, com eça m os a en xer ga r :
"Oh , m a s qu e cois a t er r ível e a o m es m o t em p o qu e d elícia ".
Va m os a p en a s s egu in d o a d ia n t e, p r ep a r a n d o o t er r en o. É o qu a n t o
basta.
E XPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS
A ca d a s egu n d o, es t a m os n u m a en cr u zilh a d a en t r e a
in con s ciên cia e a p er cep çã o con s cien t e, en t r e es t a r a u s en t e e es t a r
p r es en t e, ou en t r e a s exp er iên cia s e o viven cia r . A p r á t ica d iz
r es p eit o a s a ir d o â m b it o d a s exp er iên cia s e en t r a r n o d a s vivên -
cias. O que queremos dizer com isso?
Nos s a t en d ên cia é n os exced er com o t ermo exp eriên cia e,
qu a n d o d izem os "Fiqu e em s u a exp er iên cia ", es t a m os fa la n d o d e
m a n eir a d es cu id a d a . Pod e n ã o s er p r oveit os o s egu ir es s e con s elh o.
E m ger a l vem os n os s a s vid a s com o u m a s ér ie d e exp er iên cia s . Por
exem p lo, t en h o a exp er iên cia d e u m a ou ou t r a p es s oa , d e m eu
a lm oço ou d e m eu es cr it ór io. Des s e p on t o d e vis t a , m in h a vid a
n a d a m a is é qu e t er u m a exp er iên cia a p ós a ou t r a . E n volven d o
ca d a exp er iên cia p od e h a ver u m d is cr et o h a lo ou véu em ocion a l
n eu r ót ico. E m ger a l, es s e véu a s s u m e a for m a d e m em ór ia s ,
fa n t a s ia s , es p er a n ça s p a r a o fu t u r o a s a s s ocia ções qu e fa zem os
com a exp er iên cia , com o r es u lt a d o d e n os s os con d icion a m en t os
a n t er ior es . Qu a n d o fa zem os zazen, n os s a s exp er iên cia s p od em s er
d om in a d a s p or n os s a s r ecor d a ções , a s qu a is p od em s er
arrebatadoras.
Algo er r a d o com is s o? Os s er es h u m a n os realmente têm
r ecor d a ções , fa n t a s ia s , es p er a n ça s , is s o é n a t u r a l. Qu a n d o r eves -
t im os es s a s exp er iên cia s com t a is a s s ocia ções , n o en t a n t o, ela s s e
t or n a m u m ob jet o: u m s u b s t a n t ivo em lu ga r d e u m ver b o. S en d o
assim , n os s a vid a s e t or n a en con t r a r u m ob jet o d ep ois d o ou t r o:
pessoas, o almoço, o escritório. As recordações e as esperanças são
a lgo p a r ecid o: a vid a s e t or n a u m a s ér ie d e "is s os " e "a qu ilos ".
Cos t u m a m os ver n os s a vid a com o en con t r os com cois a s qu e
existem "lá for a ". A vid a t or n a -s e d u a lis t a : s u jeit os e ob jet os , eu e
as outras coisas.
Nã o h á n a d a d e er r a d o com es s e p r oces s o a m en os qu e
a cr ed it em os n ele, p ois , qu a n d o d e fa t o a cr ed it a m os qu e es t a m os o
d ia in t eir o en con t r a n d o ob jet os , t or n a m o-n os es cr a viza d os . Por
n u ê? Por qu e qu a lqu er ob jet o "lá for a " t er á u m d is cr et o r eves t i-
m en t o d e t on a lid a d e em ocion a l. E en t ã o r ea gim os em t er m os d e
n os s a s a s s ocia ções em ocion a is . No en s in o zen clá s s ico, s om os
es cr a vos d a cob iça , d a r a iva e d a ign or â n cia . Ver o m u n d o
exclus iva m en t e p or es s e p r is m a é es cr a viza d or . Qu a n d o n os s o
mundo consiste em ob jet os , d ir igim os n os s a vid a s egu n d o a qu ilo
qu e es p er a m os d e ca d a ob jet o: "S er á qu e ele gos t a d e m im ?"; "Is s o
m e b en eficia d e a lgu m a for m a ? "; "Devo t em ê-la ?". Nos s a h is t ór ia e
nossas r ecor d a ções a s s u m em o com a n d o, e d ivid im os o m u n d o em
coisas a serem evitadas e coisas a serem alcançadas.
O p r ob lem a com es s e t ip o d e vid a é qu e a qu ilo qu e m e
beneficia agora pode ferir-me depois e vice-versa. O mundo está em
con s t a n t e m u d a n ça e p or is s o n os s a s a s s ocia ções n os d es orientam.
Nã o h á a m en or s egu r a n ça n u m m u n d o d e ob jet os . E s t a m os
s em p r e em es t a d o d e a ler t a e d es con fia n d o a t é m es m o d a qu ela s
p es s oa s qu e d izem os a m a r e d e qu em n os m a n t em os p r óxim os .
E n qu a n t o a ou t r a p es s oa for u m ob jet o p a r a n ós , p od em os es t a r
certos de que não haverá amor ou compaixão genuínos entre nós.
S e t er exp er iên cia s é o n os s o cot id ia n o, qu a l é o ou t r o m u n d o,
o ou t r o b r a ço d a en cr u zilh a d a ? Qu a l é a d ifer en ça en t r e
exp er iên cia s e vivên cia s ? Qu a l é o ou vir , o t oca r , o s a b or ea r , o ver
etc. genuínos?
Qu a n d o ocor r e a vivên cia , n a qu ele m om en t o n ã o s e d á a lgo
n u m t em p o e n u m es p a ço. Nã o p od e s er a s s im , p ois , qu a n d o
ocor r e t em p o e es p a ço, foi cr ia d o u m ob jet o d a exp er iên cia .
Qu a n d o t oca m os , olh a m os e ou vim os , es t a m os cr ia n d o o m u n d o
d o t em p o e d o es p a ço, m a s a vid a em s i a qu ela qu e vivem os n ã o
está no espaço e no tempo, ela é só vivências. O mundo do tempo e
d o es p a ço a con t ece qu a n d o o viven cia r s e r ed u z a u m a s ér ie d e
exp er iên cia s . No p r ecis o m om en t o em qu e s e es cu t a a lgo, p or
exem p lo, exis t e s ó o ou vir , qu e cr ia o s om d o a viã o, ou d o qu e s eja .
Tâ p , t â p , tâ p , t â p ... exis t e es p a ço en t r e ca d a b a t id a e ca d a u m a
d ela s é u m ou vir a b s olu t o. E s s a é a n os s a vid a , e a s s im cr ia m os o
n os s o m u n d o. E s t a m os cr ia n d o-o com t od os os n os s os s en t id os e
com t a n t a r a p id ez qu e n ã o n os é p os s ível a com p a n h a r o p r oces s o.
O m u n d o d e n os s a s exp er iên cia s es t á s en d o cr ia d o d o n a d a ,
segundo a segundo.
No s er viço qu e a t en d em os d iz u m a d a s d ed ica t ór ia s : "Mu -
d a n ça in ces s a n t e fa z gir a r a r od a d a vid a ". Viven cia r , viven cia r ,
vivenciar m u d a n ça , m u d a n ça , m u d a n ça . "Mu d a n ça in ces s a n te
fa z gir a r a r od a d a vid a e a s s im a r ea lid a d e é exib id a em t od a s a s
s u a s m ú lt ip la s for m a s . O h a b it a r s os s ega d a m en t e en qu a n t o m u d a
a s i m es m o lib er t a t od os os s er es s en s íveis s ofr ed or es e
proporciona-lh es gr a n d e con t en t a m en t o." "O h a b ita r s os s ega d a -
m en t e en qu a n t o m u d a a s i m es m o" qu er d izer s en t ir a p u ls a çã o d a
d or em m in h a s p er n a s , ou vir o s om d o ca r r o: a p en a s o viven cia r .
Ap en a s h a b it a r n a p r óp r ia exp er iên cia . At é m es m o a d or es t á
m u d a n d o m in u s cu la m en t e, s egu n d o a s egu n d o. "O h a bitar
s os s ega d a m en t e en qu a n t o m u d a a s i m es m o lib er t a t od os os s er es
sensíveis sofredores e proporciona-lhes grande contentamento."
S e es s e p r oces s o fos s e cla r ís s im o, n ã o t er ía m os a m en or
n eces s id a d e d e p r a t ica r . O es t a d o d e ilu m in a çã o é n ã o ter expe-
r iên cia s ; em vez d is s o é u m a a u s ên cia d e t od a s a s exp er iên cia s . O
es t a d o d e ilu m in a çã o é o viven cia r p u r o e in t a ct o. Is s o é
inteiramente diferente de se "ter uma experiência de iluminação". A
ilu m in a çã o é a d em oliçã o d e t od a s a s con s t r u íd a s exp er iên cia s d e
p en s a m en t os , fa n t a s ia s , r ecor d a ções e es p er a n ça s . Fr a n ca m en t e,
n ã o es t a m os in t er es s a d os em d em olir n os s a s vid a s t a l com o a
con h ecem os . Dem olim os a s fa ls a s es t r u t u r a s d e n os s a s vid a s
r ot u la n d o n os s os p en s a m en t os , d izen d o p ela m ilés im a vez
"Pen s a m en t o d e qu e is s o e a qu ilo va i a con t ecer ". Dep ois d e o
t er m os t id o m il vezes , a ca b a m os en xer ga n d o o qu e é. É a p en a s
en er gia p u r a r od op ia n d o a p a r t ir d e n os s o con d icion a m en t o s em a
m en or r ea lid a d e. Nã o exis t e u m a ver d a d e in t r ín s eca n is s o; é p u r a
mudança.
Pa r a n ós é fá cil fa la r d es s e p r oces s o, m a s n ã o exis t e n a d a em
qu e es t eja m os m en os in t er es s a d os qu e n a d em oliçã o d e n os sas
es t r u t u r a s d e fa n t a s ia . Tem os o m ed o s ecr et o d e qu e s e a s
demolirmos todas seremos nós mesmos demolidos.
E xis t e u m a a n t iga h is t ór ia s u fi a r es p eit o d e u m h om em qu e
d eixou ca ir s u a s ch a ves n o la d o es cu r o d a r u a cer t a n oit e,
cr u za n d o p a r a a ou t r a ca lça d a on d e h a via lu z, on d e p od er ia
en xer ga r a s ch a ves . Qu a n d o u m a m igo p er gu n t ou p or qu e es t a va
procurando debaixo do facho de luz, em vez de no lugar onde tinha
d eixa d o a s ch a ves ca ír em , ele r es p on d eu ; "E s t ou olh a n d o a qu i
p or qu e t em m a is lu z''. É is s o o qu e fa zem os com a n os s a vid a :
r efer ên cia con h ecid a é a qu ela qu e n os s er ve p a r a olh a r , S e t em os
u m p r ob lem a , s egu im os t r a jet os fa m ilia r es d e s olu çã o: p en s a r ,
r em oer , a n a lis a r ,- m a n t er a lou cu r a d e n os s a s vid a s em or d em
porque é isso que estamos acostumados a fazer. Não tem nenhuma
im p or t â n cia qu e n ã o d ê cer t o. Ap en a s fica m os a in d a m a is
d et er m in a d os a con t in u a r p r ocu r a n d o em b a ixo d o p os t e d e lu z.
Nã o es t a m os in t er es s a d os n a qu ela vid a qu e es t á for a d o es p a ço e
d o t em p o, con s t a n t em en t e cr ia n d o o m u n d o d o es p a ço e d o t em p o.
Nã o es t a m os in t er es s a d os n is s o; a liá s , is s o n os a s s u s t a . O qu e n os
im p ele a a b a n d on a r es s e m elod r a m a , a s en t a r com es s a con fu s ã o
em p r a t ica r ? No fu n d o, t r a t a -s e en fim d o in côm od o com qu e t em os
d e n os h a ver n a m a n eir a com o leva m os a n os s a vid a . Além d a vid a
d e exp er iên cia s qu e s e t êm , exis t e a vid a viven cia d a , u m a vid a d e
com p a ixã o e con t en t a m en to. Pois a ver d a d eir a com p a ixã o com o o
ver d a d eir o p r a zer n ã o s ã o cois a s a s er em exp er im en t a d a s . Nos s o
ver d a d eir o in s t r u t or é a p en a s es t e: m u d a r , m u d a r , m u d a r ;
viven cia r , viven cia r , viven cia r . O m es t r e n ã o es t á n o es p a ço e n o
tempo e n a d a m a is é qu e es p a ço e t em p o. Nos s a vivên cia d a
vid a t a m b ém é cr ia r a p r óp r ia vid a . "Mu d a n ça in ces s a n t e fa z gir a r
a r od a d a vid a e a s s im a r ea lid a d e é exib id a em s u a s m u it a s
formas."
Um p oem a d e W. H. Au d en ca p t a a es s ên cia d e qu a s e t u d o
que constitui nosso estado habitual:
Pr efer ir ía m os a n t es n os a r r u in a r a m u d a r * m es m o qu e
m u d a r s eja a es s ên cia d o qu e n ós s om os . Pr efer ir ía m os m or r er em
noss a a n s ied a d e, em n os s o m ed o, em n os s a s olid ã o a s u b ir p ela
cr u z d o m om en t o e d eixa r qu e a li n os s a s ilu s ões m or r es s em . E a
cr u z é t a m b ém a en cr u zilh a d a , a es colh a . E s t a m os a qu i p a r a fa zer
essa escolha.
O DIVÃ DE GELO
*
W. H. Auden, extraído de "The Age of Anxiety", in Collected Poems, ed. por Edward
Mendelson, Nova York: Random House, 1976, p. 407.
Pod em os d ecid ir qu e a m elh or op çã o p a r a s e con s egu ir u m a
s ob r evivên cia a gr a d á vel é t or n a r -s e u m a p es s oa a d a p t á vel,
"a gr a d á vel*'. S e is s o n ã o p a r ece fu n cion a r , p od em os a p r en d er a
a t a ca r os ou t r os a n t es qu e eles n os a gr id a m , ou b em r ecu a m os .
E xis t em , p or t a n t o, t r ês es t r a t égia s p r in cip a is p a r a lid a r m os com a
op os içã o: con for m a r -s e em a gr a d a r , a t a ca r ou r ecu a r . Tod o m u n d o
emprega uma ou mais dessas estratégias de alguma maneira.
Para conseguirmos manter nossa estratégia, temos de pensar.
S en d o a s s im , a cr ia n ça va i ca d a vez con fia n d o m a is em s eu s
r a ciocín ios p a r a ela b or a r es s a es t r a t égia . Tod a s it u a çã o ou p es soa
em s eu ca m in h o com eça a s er a va lia d a d o p on t o d e vis t a d a
es t r a t égia es colh id a . Dep ois d e a lgu m t em p o t r a t a m os o m u n d o
t od o com o s e es t ives s e em ju lga m en t o e p er gu n t a m os : "E s s a
p es s oa ou a con t ecim en t o ir á m e fer ir ?". E m b or a p os s a m os for -
mulá-la com s or r is os e civilid a d e, es s a qu es t ã o n os ocor r e d ia n t e
de tudo que encontramos.
Com o t em p o a ca b a m os a p er feiçoa n d o a n os s a es t r a t égia a
t a l p on t o qu e n ã o a id en t ifica m os m a is con s cien t em en t e; a gor a
es t á n o cor p o. Por exem p lo, va m os s u p or qu e d es en volvem os u m a
es t r a t égia d e r ecu o. Qu a n d o d ep a r a m os com a lgo ou com a lgu ém ,
t en s ion a m os o cor p o; es s a é a r es p os t a h a b it u a l. Pod emos
t en s ion a r n os s os om b r os , n os s o r os t o, n os s o es t ôm a go ou a lgu m a
ou t r a p a r t e d o cor p o. O es t ilo p a r t icu la r é ú n ico d e ca d a p es s oa . E
n em s equ er s a b em os qu e es t a m os fa zen d o a s s im p or qu e, t ã o logo
a con t r a çã o s e d ê, d es en r ola -s e em ca d a célu la d e n os s o cor p o.
Nã o t em os d e s a b er a r es p eit o d is s o; es t á s im p les m en t e a li.
E m b or a a r es p os t a s eja in con s cien t e, t or n a n os s a vid a
d es a gr a d á vel p or qu e é u m r ecu o d ia n t e d a vid a e u m d is t a n cia r -se
dela. A contração dói.
Mes m o a s s im , t od os s e con t r a em . Mes m o qu a n d o p en s a mos
qu e es t a m os n u m m om en t o d e r ela t iva felicid a d e, p od em os s er
ca p a zes d e d et ect a r u m a leve t en s ã o p elo cor p o. Nã o é n a d a d e
ext r a or d in á r io e p od e s er m u it o d is cr et a . Qu a n d o t u d o es t á a
n os s o fa vor , n ã o n os s en t im os m a l, m a s a leve con t r a çã o n u n ca
ces s a . E s tá s em p r e a li, em t od a s a s p es s oa s qu e exis t em s ob r e a
face da Terra.
As cr ia n ça s a p r en d em a ela b or a r s u a s es t r a t égia s in cor p o-
r a n d o t u d o o qu e lh es a con t ece n es s a r efer ên cia p a r a s eu s is t em a
pessoa l. Nos s a s p er cep ções t or n a m -s e s elet iva s , in cor p or a n d o os
even t os qu e s e a ju s t a m a o n os s o s is t em a e elim in a n d o os qu e n ã o.
Um a vez qu e o s is t em a t em a p r et en s ã o d e n os m a n t er a s a lvo e
s egu r os , n ã o t em os n en h u m in t er es s e em en fr a qu ecê-lo com
informações con t r a d it ór ia s . Na ép oca em qu e a t in gim os a
m a t u r id a d e, es s e s is t em a é n ós m es m os . É a qu ilo qu e d en om in a -
mos ego. Vivem os a p a r t ir d ele, t en t a n d o loca liza r p es s oa s , s i-
t u a ções , em p r egos qu e ven h a m a con fir m a r n os s a es t r a t égia ,
evitando aqueles que a ameacem.
Ta is m a n ob r a s , n o en t a n t o, n u n ca s ã o com p let a m en t e s a t is -
fa t ór ia s p or qu e en qu a n t o viver m os ja m a is con s egu ir em os s a b er
com exa t id ã o o qu e ir á a con t ecer em s egu id a . Mes m o qu e t ivés -
semos a maior parte de nossa vida sob controle, nunca saberíamos
com o a lca n ça r es s e con h ecim en t o e n ós s a b em os qu e n ã o
s a b em os . As s im , s em p r e exis t e u m elem en t o d e m ed o. E le t em d e
es t a r p r es en t e. S em s a b er o qu e fa zer , a p es s oa n or m a l b u s ca em
t od a p a r t e p or u m a r es p os t a . Tem os u m p r ob lem a e, n a r ea lid a d e,
n ã o s a b em os d o qu e s e t r a t a . A vid a s e t or n a p a r a n ós a p r om es s a
que jamais é cumprida porque a resposta não nos satisfaz. E nesse
ponto que podemos começar a prática. Só uns poucos felizardos na
fa ce d es t e p la n et a com eça m a en xer ga r o qu e p r ecis a s er feit o p a r a
s e r ecu p er a r o ja r d im d o É d en , qu e é o n os s o E u em
funcionamento genuíno.
Ta lvez con s iga m os a r r u m a r u m com p a n h eir o qu e é s im -
p les m en t e m a r a vilh os o (em p a r t icu la r n os r ela cion a m en t os , a
ilu s ã o r ein a s ob er a n a ). Ca s a m o-n os ou va m os viver com es s a
p es s oa e... ep a ! S e es t a m os p r a t ica n d o, es s es "ep a s !" p od em s er
m u it o in t er es s a n t es e in s t r u t ivos . S e n ã o es t a m os p r a t ica n d o,
p od em os d is p en s a r o com p a n h eir o e ir a t r á s d e a lgu m ou t r o.
Pa r ece qu e a p r om es s a n ã o foi cu m p r id a . Ou com eça m os u m n ovo
em p r ego, ou n ovo p r ojet o. No in ício va i t u d o m u it o b em , m a s
d ep ois com eça m os a p er ceb er a lgu m a s á s p er a s ver d a d es , e a
d es ilu s ã o com eça a in filt r a r -s e. S e es t a m os viven d o s egu n d o a s
d ir et r izes d e n os s a es t r a t égia , n a d a p a r ece qu e va i fu n cion a r ,
p or qu e a vid a fen om ên ica é, p or d efin içã o, u m a p r om es s a qu e
n u n ca s e cu m p r e. S e s a t is fa zem os u m d es ejo, fica m os felizes p or
u m b r eve in s t a n t e, m a s a n a t u r eza d a s a t is fa çã o d e u m d a d o
d es ejo é en con t r a r im ed ia t a m en t e o d es ejo s egu in t e, e d ep ois m a is
u m e d ep ois ou t r o, e d ep ois ou t r o... Nã o h á com o fica r livr e d a
p r es s ã o ou d o es t r es s e. Nã o con s egu im os a s s en t a r . Nã o en -
contramos paz.
Qu a n d o n os s en t a m os , o r od a m oin h o in ces s a n t e em n os s a
m en t e r evela -n os n os s a es t r a t égia . S e r ot u la r m os n os s os p en s a -
m en t os p or m u it o t em p o, ir em os r econ h ecer n os s a es t r a t égia . É
es s a p r óp r ia es t r a t égia qu e ger a os p en s a m en t os r en it en t es . S ó
u m a cois a em n os s a vid a n ã o é a p r is ion a d a p or es s a es t r a t égia
a vida orgânica, física, do corpo.
Cla r o qu e o cor p o es t á r eceb en d o p u n ições p or qu e r eflet e
n os s a a u t ocen t r a çã o. O cor p o t em d e ob ed ecer à m en t e; p or is s o,
se ela está dizendo que o mundo é um lugar terrível, o corpo diz "Ai,
com o es t ou d ep r im id o!". No m es m o in s t a n t e em qu e a s im a gen s
aparecem com o p en s a m en t o, fa n t a s ia ou es p er a n ça o cor p o
t em d e r es p on d er . Tem u m a r es p os t a cr ôn ica e, à s vezes , es s a
resposta exacerba-se em depressão ou enfermidade.
O p r in cip a l p r ofes s or qu e t ive em t od a a m in h a vid a foi u m
livr o. Ta lvez s eja o m elh or livr o s ob r e zen qu e já foi es cr it o. É u m a
t r a d u çã o d o fr a n cês , p or ém , e o t ext o n ã o es t á b em en ca d ea d o; a s
s en t en ça s n ã o con s t it u em p a r á gr a fos in t eir os . Dep ois d e ler u m a
d es s a s s en t en ça s é p os s ível qu e n os p er gu n t em os a t u r d id os : "Ma s
o qu e foi qu e ele disse?" Por is s o é u m livr o d ifícil; m es m o a s s im , é
a .m elh or exp lica çã o d o p r ob lem a h u m a no qu e já en con t r ei. Nu m a
cer t a ép oca com ecei a es t u d a r s eu s en s in a m en t os e o fiz d u r a n t e
d ez ou qu in ze a n os . Meu exem p la r p a r ece qu e foi p a r a r n a
máquina de lavar roupa. Trata-se de A d ou trin a s u p re m a de Hubert
Ben oit , u m p s iqu ia t r a fr a n cês qu e p a s s ou p or u m gr a vís s im o
a cid en t e qu e o d eixou in ca p a z p or m u it os a n os . A ú n ica cois a qu e
p od ia fa zer er a fica r im óvel, d eit a d o. O p r ob lem a h u m a n o er a s eu
in t er es s e in s a ciá vel e, p or is s o, u s ou a qu eles a n os d e r ecu p er a çã o
para mergulhar profundamente nessa questão.
A exp r es s ã o d e Ben oit p a r a a con t r a çã o em ocion a l qu e
p r oced e d e n os s os es for ços p a r a n os p r ot eger é "es p a s m o". E le
ch a m a a fa la çã o in ces s a n t e d o n os s o d iá logo in t er n o d e "o film e
im a gin á r io". O p on t o d e t r a n s içã o p a r a ele veio qu a n d o s e d eu
con t a d e qu e "es s e es p a s m o qu e vin h a ch a m a n d o d e a n or m a l es t á
n o ca m in h o qu e leva a o satori (ilu m in a çã o)... Pod er -se-ia in clu s ive
d izer qu e a qu ilo qu e d eve s er p er ceb id o, d en t r o d o film e im a gin á r io,
é u m a cer t a s en s a çã o d e cã ib r a p r ofu n d a , d e u m a p er t o
p a r a lis a n t e, d e u m fr io im ob iliza d or ... e qu e é n es t e d iva d u r o,
im óvel e gela d o qu e n os s a a t en çã o d eve p er m a n ecer fixa , com o s e
es t ivés s em os t r a n qü ila m en t e es t ir a d os con t r a u m a r och a d u r a ,
m a s a colh ed or a , qu e fos s e m old a d a exa t a m en t e p a r a r eceb er o
nosso corpo" *.
O qu e Ben oit es t á d izen d o é qu e, qu a n d o d es ca n s a m os
s os s ega d os d en t r o d e n os s a d or , es s e r ep ou s o é o "p or t ã o s em
p or t eir a ". E s s e é o ú lt im o loca l em qu e qu er em os es t a r ; n ã o é
a gr a d á vel, e t od o o n os s o im p u ls o es t r a t égico volt a -s e p a r a a s
a m en id a d es . Nã o; qu er em os a lgu ém qu e n os con for t e, qu e n os
s a lve, qu e n os d ê p a z. Nos s os p en s a m en t os , p la n eja m en t os e
p r ojet os es t r a t égicos in ces s a n t es t en t a m ju s t a m en t e is s o. Ap en a s
qu a n d o p er m a n ecem os com a qu ilo qu e es t á p or t r á s d o film e
im a gin á r io e a li d es ca n s a m os é qu e com eça m os a t er p is t a s .
Cos t u m o exp lica r d o s egu in t e m od o: em lu ga r d e p er m a n ecer m os
com os n os s os p en s a m en t os , n ós os r ot u la m os a t é qu e s e
a qu iet em u m p ou co e en t ã o fa zem os o m elh or p os s ível p a r a
p er m a n ecer com a qu ilo qu e d e fa t o é a n ã o-d u a lid a d e qu e é a
sensaçã o d e n os s a vid a n es t e exa t o m om en t o. Is s o con t r a r ia t u d o
a qu ilo qu e qu er em os , t u d o o qu e n os s a cu lt u r a n os en s in a , m a s é
a única solução real, o único portão de saída.
Qu a n d o a s s en t a m os em n os s a s en s a çã o d e d or , a ch a m os qu e
ela é t ã o a p a vor a n t e qu e n os a git a m os t u d o d e n ovo. No in s t a n t e
em qu e a t er r is s a m os n a s en s a çã o d e in côm od o, s a lt a m os d e volt a
p a r a o film e im a gin á r io. S im p les m en t e n ã o qu er em os es t a r n a
r ea lid a d e d a qu ilo qu e s om os . Is s o é h u m a n o, n em b om n em m a u ,
e s ã o n eces s á r ios vá r ios a n os d e p r á t ica p a r a s e t oca r ca d a vez
m a is a r ea lid a d e, com con for t o a o p a r a r p or a li, a t é qu e p or fim ,
com o d iz Ben oit , é a p en a s u m a r och a d u r a , m a s a colh edora,
moldada para ajustar-se ao nosso corpo e, enfim, é aí que podemos
descansar e ficar em paz.
Às vezes p od em os d es ca n s a r p or u m cu r t o p er íod o, m a s , p or
es t a r m os m u it o h a b it u a d os , logo volt a m os p a r a o m es m o fa la t ór io
mental de sempre. E, assim, atravessamos o processo vezes e vezes.
Com o t em p o, é es s e in ces s a n t e p r oces s o qu e n os leva à p a z. S e
estiver completo, pode ser chamado de satori, ou iluminação.
O film e im a gin á r io ger a o es p a s m o e o es p a s m o ger a o film e
im a gin á r io. É u m ciclo in t er m in á vel qu e s ó s e r om p er á qu a n d o
es t iver m os d is p os t os a d es ca n s a r em n os s a d or . A ca p a cidade para
*
Hubert Benoit, The supreme doctrine: Psychological studies in zen thought, Nova York:
Viking, 1955, p. 140 e 145.
fa zer is s o s ign ifica qu e n os s en t im os a t é cer t o p on t o d es ilu d id os ,
qu e n ã o es p er a m os m a is qu e n os s os p en s a m en t os e s en t im en t os
s eja m a s olu çã o p a r a a lgu m a cois a . E n qu a n t o a lim en t a r m os a
es p er a n ça d e qu e a p r om es s a d ever á s er cu m p r id a , n ã o ir em os
descansar em meio às dolorosas sensações corporais.
Por t a n t o, a p r á t ica com p õe-s e d e d u a s p a r t es . Um a é a
d ecep çã o in t er m in á vel. Tu d o em n os s a vid a qu e n os d ecep cion a é
u m a m igo d ed ica d o. E es t a m os t od os s en d o d es a p on t a d os , d e u m
m od o ou d e ou t r o. S e n ã o es t a m os d ecep cion a d os , n u n ca
desistim os d e n os s o d es ejo d e p en s a r e d e n os r ecoloca r n o a lt o
com o vit or ios os . Nin gu ém ga n h a n o fim ; n in gu ém ir á s ob r eviver.
Por ém es s e a in d a é o n os s o im p u ls o, o n os s o s is t em a . E le s ó p od e
s er d es a r t icu la d o com a n os e a n os d e p r á t ica e com o d es ga s t e
natural qu e a vid a t r a z. Por is s o é qu e n os s a p r á t ica e n os s a vid a
têm de ser a mesma coisa.
Tem os a ilu s ã o d e qu e a s ou t r a s p es s oa s ir ã o n os fa zer felizes ,
qu e ela s ir ã o fa zer com qu e a n os s a vid a fu n cion e. At é qu e n os
livr em os d es s a ilu s ã o, n ã o h a ver á u m a s olu çã o r ea l. As ou t r a s
p es s oa s exis t em p a r a n os a legr a r m os e n ã o p a r a qu a lqu er ou t r o
p r op ós it o. E la s fa zem p a r t e d a m a r a vilh a qu e a vid a é; n ã o es t ã o
a qu i p a r a fa zer qu a lqu er cois a p or n ós . E n qu a n t o es s a ilu s ã o n ã o
com eça r a s e d es fa zer , n ã o ir em os n os con t en t a r em p er m a n ecer
no es p a s m o, na con t r a çã o em ocion a l. Rod op ia r em os
im ed ia t a m en t e p a r a lon ge d is s o, r et or n a n d o logo a os n os s os p en -
samentos: "Sim, mas se eu fizer isto as coisas vão melhorar...".
A vid a é u m a s ér ie d e in t er m in á veis d ecep ções e é m a r a vi-
lhoso qu e s eja a s s im a p en a s p or qu e ela n ã o n os d á a qu ilo qu e
qu er em os . Per cor r er es s e ca m in h o r equ er cor a gem , e m u it a s
p es s oa s , n es t a vid a , n ã o o fa r ã o. E s t a m os t od os em d ifer en t es
m om en t os d o ca m in h o, o qu e es t á m u it o b em . S ó a lgu n s p ou cos ,
dotados de uma persistência enorme e que não entendem as coisas
t od a s d a vid a com o in s u lt os e s im com o op or t u n id a d es , é qu e
fin a lm en t e com p r een d er ã o. As s im , s e in ves t ir m os t od a a n os s a
en er gia t en t a n d o fa zer com qu e a n os s a es t r a t égia fu n cion e m elh or ,
en t ã o es t a m os a p en a s gir a n d o em cim a d e n os s os ca lca nhares.
Nossa infelicidade nos perseguirá até o nosso último suspiro.
Por t a n t o, n a vid a n ã o h á s en ã o op or t u n id a d es , s ó op or t u n i-
d a d es . E is s o in clu i qu a lqu er cois a em qu e con s iga m os p en s a r . At é
qu e n os s in t a m os d es ilu d id os com o film e im a gin á r io qu e
p a s s a m os in ces s a n t em en t e d ia n t e d os olh os (m a l os a b r im os p ela
m a n h ã e já com eça a p r im eir a s es s ã o), n ã o n os m a n t er em os
a s s en t a d os n a cã ib r a . Fa r em os p a s s a r m a is a lgu m t r ech o d o film e.
Suponho que seja isso que se esteja dizendo quando se menciona a
roda do carma.
Bem , n ã o es t ou p ed in d o a n in gu ém qu e a d ot e es s a d es cr ição
com o a lgu m a es p écie d e s is t em a d e cr en ça . A ú n ica m a n eir a d e
con h ecer m os a r ea lid a d e d es s a p r á t ica é execu t a n d o-a . Dep ois d e
a lgu m t em p o, p a r a a lgu m a s p es s oa s (à s vezes in t er m it en t emente,
m a s d ep ois qu a s e o t em p o t od o), ocor r e o qu e os cr is t ã os ch a m a m
de "a paz que ultrapassa todo o entendimento".
Mu it a s vezes m e a ju d ou em m om en t os d ifíceis p en s a r n a -
qu ele d ivã gela d o e im óvel e, em vez d e lu t a r e b r iga r , a p en a s
dispor-m e a d es ca n s a r a li. Com o t em p o a ca b a m os d es cob r in d o
qu e o d ivã é o ú n ico lu ga r t r a n qü ilo, a fon t e d a s a ções
transparentes.
E n qu a n t o p a les t r a s ob r e dharma, t u d o is s o s oa p r oib it ivo. No
en t a n t o, a s p es s oa s qu e p r a t ica m o t em p o t od o s ã o a qu ela s qu e
estão d es fr u t a n d o a vid a . É es s e o p or t ã o s em p or t eir a s p a r a o
con t en t a m en t o. As p es s oa s qu e en t en d em e t êm a cor a gem d e
fa zer is s o s ã o a qu ela s qu e even t u a lm en t e fica m con h ecen d o o qu e
é o con t en t a m en t o. Nã o es t ou fa la n d o d e u m a felicid a d e
interminável (porque não existe isso), mas de contentamento.
ALUNO; É com u m qu e a s p es s oa s es colh a m u m a d es s a s
estratégia s , m a s con for m e o t em p o p a s s a ela s p od em a d ot a r u m a
ou t r a ? As p es s oa s qu e es colh er a m , d iga m os , r ecu a r e n ã o
p a r t icip a r p od em , a o s e t or n a r em , m a is for t es , d ecid ir a lgo com o
"Bom , t a lvez a gor a eu vá m e con for m a r u m p ou co e a gr a d a r a os
outros". As pessoas alguma vez saem de cima do muro e entram no
fluxo da calçada?
JOKO: Mu it a s vezes ob s er vei qu e a s p es s oa s qu e a n t es er a m
d ep en d en t es e con for m is t a s com eça m a a s s u m ir a r es d e u m a fa ls a
in d ep en d ên cia . Is s o é n a t u r a l, u m es t á gio a n t es d e con s eguirmos
s er r ea lm en t e n ós m es m os . Qu a n t o m a is p r a t ica m os a cã ib r a ,
m a is a t r a n s for m a çã o s e a celer a . Do p on t o d e vis t a d o m u n d o
fen om ên ico fa zem os p r ogr es s os em b or a , em s en s o a b s oluto,
estejamos sempre bem do jeito que somos.
ALUNO: Qu a n d o d es ca n s a m os em n os s o d es con for t o, d es cob r i-
m os qu e n ã o é a s s im t ã o a s s u s t a d or e qu e con s egu im os n os
aventurar um pouco?
JOKO: Cer t o. Por exem p lo, p od em os a p r en d er qu e
con s egu im os es t a r d ep r im id os e a in d a a s s im fu n cion a r .
S im p les m en t e con t in u a m os em fr en t e e a gim os . Nã o t em os d e n os
s en t ir b em p a r a fu n cion a r . Qu a n t o m a is n ós for m os con t r a n os s o
sistema rígido, melhor.
ALUNO: Qu a n d o você fa la a r es p eit o d a cã ib r a , is s o p a r ece
fazer parte do sistema rígido.
JOKO: Nã o, ela é p r od u zid a p elo s is t em a r ígid o, m a s é a ú n ica
p a r t e d o s is t em a a b er t a a ofer ecer -lh e u m a s olu çã o. Por exem plo,
s e t em os p en s a m en t os r a ivos os , o cor p o t em d e ten s ion a r . Nã o
con s egu im os t er u m p en s a m en t o d e r a iva a r es p eit o d e a lgu ém
s em n os t en s ion a r . E , s e h a b it u a lm en t e t em os u m a es t r a t égia qu e
é a r a iva e o a t a qu e, o cor p o p er m a n ecer á con t r a íd o qu a s e qu e o
t em p o t od o. Tod a via es s a é a ú n ica p a r t e d es s e s is t em a qu e n os
for n ece u m a s a íd a p or qu e p od em os viven cia r a cã ib r a e d eixá-la
in t a ct a e, com is s o, ela p od e s e a b r ir . Pod e cu s t a r cin co a n os , m a s
vai abrir.
ALUNO: Ou t r o d ia eu li qu e, s eja qu a l for n os s o a s p ect o
p r in cip a l, é b om exa ger á -lo. Pa r a m im , p or ém , is s o s er ia o m es m o
que ficar com muita raiva e agredir os outros.
JOKO: Você pode fazê-lo a sós.
ALUNO: Ma s s e eu r ea lm en t e exa ger a r a r a iva e a t a ca r p a r a
torná-la mais consciente isso não iria agredir alguém?
JOKO: Nã o. Por fa vor lem b r em -s e d e qu e o ú n ico m eio d e
exager a r é exa ger a r a sensação d e qu e a cã ib r a es t á lá . Nã o
deveríam os exa ger a r n os s os com p or t a m en t os ir a d os . E s s e s is t em a
é t ot a lm en t e in con s cien t e, p or is s o, a o viven cia r m os d e m a n eir a
consciente a cãibra, ela pode se dissolver por si.
ALUNO: Por exp er iên cia p r óp r ia d es cu b r o qu e es t ou n es t a
cã ib r a t er r ível e, d e r ep en t e, ela m u d a . Algu m a cois a s e a b r e e
es t ou n u m es p a ço on d e m e s in t o livr e e a b er t o; d ep ois , s em
nenhuma razão aparente, retorno para a minha contrariedade.
JOKO: E vid en t em en t e, você volt a p a r a o s eu s is t em a h a b it u a l
de pensamentos autocentrados.
ALUNO: Às vezes p a r ece com o s e fos s e u m m ú s cu lo qu e es t a va
contraído e agora está relaxando.
JOKO: S im , m a s a ca u s a r ea l n ã o é u m a qu es t ã o m u s cu la r .
Nos s o d es ejo b á s ico d e s ob r eviver es t á n a b a s e d e t od os os n os s os
p r ob lem a s . S e h ou ves s e a lgu m a m a n eir a d e lid a r com os m ú s cu los,
en t ã o t od os a qu eles qu e t r a b a lh a m cor p or a l m en t e s er ia m s u jeit os
iluminados.
ALUNO: Per ceb o qu e a s en s a çã o d es a gr a d á vel n ã o é u m es t a d o
es t á t ico. E s t á s em p r e flu in d o, m u d a n d o o t em p o t od o. E n t ã o es t ou
d en t r o e for a , p elo lu ga r in t eir o, p or qu e é en er gia p u r a , n ã o é
estático.
JOKO: A ú n ica cois a qu e in t er fer e n o flu xo é o fa t o d e
acreditarm os d e n ovo em n os s os p en s a m en t os . E is s o é
p r a t ica m en t e u m d e n os s os m a ior es h á b it os . Pr ecis a m os p r a t ica r
s en t a d os p or m u it os e m u it os a n os a n t es d e n ã o a cr ed it a r m os
mais em nossos pensamentos. Precisamos de fato.
ALUNO: E n qu a n t o n ã o d es ga s t a r m os a for ça d o p r ojet o d e n os
p r ot eger d a vid a e d e lu t a r con t r a o m od o com o a s cois a s n os s ã o
a p r es en t a d a s a ca d a m om en t o, ir em os s em p r e volt a r a o es t a d o d e
contração que é "Não gosto disso!". Acontece o tempo todo.
ALUNO: Onde se situa a cãibra?
JOKO: On d e você a s en t ir . Pod e s er n o r os t o, n os om b r os , em
qu a lqu er p a r t e. E m ger a l é em b a ixo, n a s cos t a s , n a lin h a d a
cintura.
ALUNO: E s t ou ca d a vez m a is con s cien t e d e qu e a lgu n s d e
m eu s p en s a m en t os p a r ecem s im p les m en t e cois a s d a d a s , im a gen s
que tenho de mim e que não parecem pensamentos, ou que são tão
a gr a d á veis qu e n ã o os r ot u lo. E n t ã o a con t ecem p en s a m en t os qu e
não são rotulados porque parecem como uma boa prática zen.
JOKO: S im . É o p en s a m en t o qu e n ã o ca p t a m os qu e fica
dirigindo o espetáculo.
ALUNO: Um a b oa p a r t e d o m eu con d icion a m en t o p a r ece
inconscien t e ou s u b con s cien t e. Por is s o p os s o s en t ir -me
conscientem en t e m u it o cla r o e leve e, n o en t a n t o, o
condicionamento a in d a es t á lá e a ca b a m e leva n d o d e volt a p a r a a
cã ib r a ou o leit o d u r o, o es p a s m o, m u it o em b or a eu n ã o con s t a t e
nada acontecendo no plano consciente.
JOKO: Cer t o. Lem b r em -s e d e qu e, em cer t o s en t id o, n ã o exis t e
in con s cien t e n en h u m e o qu e é r evela d o p od e s er m u it o s u t il. Um a
b oa p a r t e d o qu e es t a m os fa la n d o n ã o é u m a gr a n d e cã ib r a d o t ip o
qu e s e d es cr eve com o "con t r a çã o m u s cu la r d ep ois d e exces s os
físicos".
ALUNO: Você d is s e qu e n a b oa p r á t ica o com p a n h eir o d e
r ot u la r p en s a m en t os é viven cia r . Is s o qu er d izer qu e o p en s a m en t o
qu e você n ã o ca p t a p od e s e r evela r s e você es t iver r ea lm en t e
vivenciando a cãibra?
JOKO: S im . Qu a n t o m a is p r a t ica r m os e t or n a r m os a s cois a s
conscien t es , m a is e m a is com eça r á a b oia r à b eir a d 'á gu a o p en s a -
m en t o d e qu e n ã o t ín h a m os con s ciên cia a n t es . S u b it a m en t e ele
n os a t in ge. "Oh , n u n ca t in h a p en s a d o n is s o a n t es ." E le s im p les -
mente emerge.
ALUNO: O qu e é o es p a s m o ou o t r em or cor p or a l r ep et it ivo qu e
costuma aparecer às vezes nesse tipo de prática?
JOKO: S e p er m a n ecer m os com o es p a s m o m u it a s vezes , o
cor p o va i t r em er , a s lá gr im a s p od em b r ot a r , p or qu e s e r ea lm en t e
pus er m os n os s a a t en çã o n o cor p o e lh e d er m os lib er d a d e p a r a s er
qu em é, ele com eça r á a a b r ir -s e e a en er gia qu e es t a va b loqu ea d a
com eça r á a em er gir . Pod e a d ot a r a for m a d e ch or o, t r em or , ou
outro movimento involuntário.
ALUNO: Você poderia falar mais a respeito de sentimentos?
JOKO: S en tim en t os s ã o a p en a s p en s a m en t os m a is s en s a ções
corporais.
ALUNO: E se um sentimento aparece?
JOKO: Fragmente-o. Ou p er ceb a qu a is s ã o os p en s a m en tos,
entre na sensação corporal.
ALUNO: Ao viven cia r m os a lgo, a vivên cia p od e efet iva m en t e d e-
sencadear recordações ou vislumbres de total entendimento?
JOKO: S im , à s vezes . S e n os m a n t em os n a vivên cia , a cã ib r a
à s vezes s e d es fa z. E n t ã o ver em os cer t a s im a gen s d o p a s s a d o, m a s
eu n ã o m e p r eocu p a r ia com is s o. Deixe a p en a s qu e ven h a m e
s u m a m . A p r á t ica n ã o t r a t a d e a n a lis a r es s a s r ecor d a ções , p or qu e
a li n ã o h á u m "eu ". No en t a n t o, n a p r á t ica qu e s e a s s en t a s ob r e
vivên cia s , n os s a vid a em er gir á m a is e m a is d o n ã o-eu , com o u m a
vid a d e fu n cion a m en t o d ir et o e efet ivo e s im ! d e p en s a m en t os
válidos e claros. Vivenciar é a chave.
V. Percepção Consciente
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a a p r á t ica é im p or t a n t e m a n t er
u m a im ob ilid a d e t ã o a b s olu t a qu a n t o p os s ível: es t a r con s cien t e d a
lín gu a n o s eu es p a ço, d os glob os ocu la r es , d a in qu iet a çã o d os
d ed os . Qu a n d o eles d e fa t o s e m ovim en t a m , é im p or t a n t e t om a r
con s ciên cia d o m ovim en t o. Qu a n d o qu er em os p en s a r , n os s os
glob os ocu la r es s e m ovim en t a m . Tem os m a n eir a s m u it o s u t is d e
es ca p a r d e n ós m es m os . A im ob ilid a d e a b s olu t a é p a r a m u it os
uma instrução restritiva e desagradável. Para mim, é. Depois de ter
fica d o n a p r á t ica , s en t a d a p or vá r ios p er íod os , qu er o fa zer a lgu m a
coisa, consertar algum objeto, tomar conta do que tiver pela frente.
Nã o d ever ía m os n os m a n t er t en s os ou d u r os , m a s s im p les m en t e
m a n t er a im ob ilid a d e t a n t o qu a n t o p u d és s em os . S er m os a p en a s o
qu e s om os é a ú lt im a cois a qu e qu er em os fa zer . Tod os n ós t em os
gr a n d es d es ejos : d e con for t o, d e s u ces s o, d e a m or , d e ilu m in a çã o,
d e ch ega r a o es t a d o b ú d ico. Qu a n d o vem o d es ejo, em p en h a m o-
n os , t en t a n d o t or n a r n os s a vid a a lgo qu e ela n ã o é. Por is s o, a
ú lt im a cois a qu e qu er em os é fica r p a r a d os . Na im ob ilid a d e
a b s olu t a t om a m os con s ciên cia d e n os s a fa lt a t ot a l d e
d is p on ib ilid a d e p a r a s er m os o qu e s om os , n es t e p r óp r io s egu n d o.
E is s o é u m a cois a m u it o a b or r ecid a : n ós , en fim , n ã o qu er em os
fazê-la , d e jeit o n en h u m . O m es t r e Rin za i d is s e: "Nã o d es perdice
u m p en s a m en t o s equ er n a p er s egu içã o d o es t a d o b ú d ico". Is s o
s ign ifica qu e d evem os s er com o s om os , a ca d a m om en t o, d e u m
m om en t o p a r a ou t r o. É t u d o o qu e ja m a is p r ecis a r em os fa zer , m a s
o d es ejo h u m a n o é ir em b u s ca d e a lgo m a is . At r á s d o qu e n os
empenhamos quando sentamos para praticar?
ALUNO: Conforto.
ALUNO: Tentar parar de pensar.
JOKO: Estamos tentando parar de pensar em vez de tomarmos
consciência de nosso pensar.
ALUNO: Ter a lgu m a es p écie d e exp er iên cia cor p or a l in t en s a ,
um estado alterado de consciência.
aluno: Paz.
ALUNO: Ficar mais acordado, menos sonolento. Ou livrar-se da
r a iva . "As s im qu e con s egu ir m e livr a r d es t a r a iva , ch ega r ei m a is
perto do estado de buda."
JOKO: Ou podemos nos lembrar de uma fase de nossa vida em
qu e a s cois a s cor r ia m b em , p a r a t en t a r m os en t ã o r ecu p er a r es s a
s en s a çã o. S e n ã o t iver m os u m a ú n ica id éia d e ir n o en ca lço d o
estado búdico, o que estaríamos fazendo?
ALUNO: Não nos apegando.
JOKO: Não nos apegando e sendo propensos a ser...
ALUNO: Quem somos e onde estamos.
JOKO : Sim qu em s om os e on d e es t a m os , exa t a m en t e a qu i e
a gor a . Qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , es t a m os n os d is p on d o
a fa zer is s o p or m a is ou m en os t r ês s egu n d os . Dep ois , qu a s e qu e
im ed ia t a m en t e, já es t á a li o d es ejo d e m ovim en t o, d e a git a çã o, d e
pensar, de fazer alguma coisa.
Nos t er m os m a is s im p les qu e con s igo en con t r a r , exis t em d ois
t ip os d e p r á t ica . Um é a ten t a t iva d e n os a p er feiçoa r m os
r a p id a m en t e. Au m en t a m os n os s a en er gia , com em os m elh or ,
purificamo-n os d e a lgu m a m a n eir a e for ça m o-n os a t er u m a m en t e
cla r a . As p es s oa s p en s a m qu e ilu m in a çã o é o r es u lt a d o d es s es
es for ços , m a s n ã o é. Cla r o, é b om a lim en t a r -s e d e m a n eir a a d e-
qu a d a , p r a t ica r exer cícios , fa zer a qu ela s cois a s qu e n os t or n a r ã o
m a is s a u d á veis . E es s e es for ço d e viver m os m elh or , d e s egu ir p or
u m caminho que nos levará a alguma parte, pode produzir pessoas
qu e p a r ecem m u it o s a n t ifica d a s , m u it o ca lm a s , m u it o
impressionantes.
Do p on t o d e vis t a d o s egu n d o t ip o d e p r á t ica , n o en t a n t o,
es s a n oçã o d e n os t r a n s for m a r m os em a lgo d ifer en t e e m elh or n ã o
tem s en t id o. Por qu ê? Por qu e s en d o a p en a s com o s om os es t á b em .
Uma vez, porém, que sermos como somos não parece bom, ficamos
confusos, transtornados, raivosos. Essa declaração de que estamos
bem sendo como somos e pronto não faz para nós o menor sentido.
Podem os es cla r ecer es s a qu es t ã o d e u m a ou t r a m a n eir a . S e
es t a m os con s cien t es d e n os s os p en s a m en t os , a t en d ên cia d eles é
d es a p a r ecer . Nã o p od em os es t a r con s cien t es d e p en s a r s em qu e o
p en s a r com ece a m in gu a r , a d is s olver -s e. Um p en s a m en t o é
s im p les m en t e u m t a n t in h o d e en er gia , m a s a ele a cr es cen t a m os
n os s a s cr en ça s con d icion a d a s e t en t a m os d ep ois n os a p ega r m os
a o p en s a m en t o. Qu a n d o o con s id er a m os d a p er s p ect iva d e n os s a
p er cep çã o con s cien t e im p es s oa l, ele d es a p a r ece. Qu a n d o olh a mos
p a r a u m a p es s oa , p or ém , ela d es a p a r ece? Nã o, ela p er m a n ece. E
es s a é a d ifer en ça en t r e r ea lid a d e e a vis ã o ilu s ór ia d a r ea lid a d e
qu e t em os , qu a n d o vivem os em n os s os p en s a m en t os : qu a n d o
ver d a d eir a m en t e con s id er a d os com a t en çã o, a qu ela p er manece,
es t a d es a p a r ece. A ver s ã o p es s oa l d a vid a s im p les m en t e s e d es fa z.
O qu e n ós qu er em os é s er u m a vid a r ea l. Is s o é d ifer en t e d e s e
viver como um santo.
Tod os n ós s om os s ed u zid os p elo fa s cín io d es t e t ip o d e p r á t ica :
qu er em os n os t or n a r ou t r a cois a qu e n ã o s om os . Pen s a m os qu e,
qu a n d o n os s en t a m os em sesshin, es t a m os n os t r a n s for m a n d o em
a lgu m a cois a qu e é u m a ed içã o a p er feiçoa d a . Mes m o qu a n d o
d es p er t a m os p a r a a ver d a d e d a s cois a s , o d es ejo, b em n o fu n d o, é
qu er er a lgu m a ou t r a cois a qu e s im p les m en t e n ã o es t á a li. Nã o
t em os d e n os livr a r d e n os s os p en s a m en t os ; b a s t a qu e n os
m a n t en h a m os olh a n d o p a r a eles . S e p r oced er m os a s s im , eles s e
d es m a n ch a r ã o n o n a d a . Qu a lqu er cois a qu e s e d es m a n ch a n o
n a d a n ã o é r ea l. Ma s a r ea lid a d e n ã o d es a p a r ece a p en a s p or qu e
estamos olhando para ela.
ALUNO: Nã o h a ver ia a n eces s id a d e d e a lgu m t ip o d e ob jet ivo
p a r a qu e p u d es s e a con t ecer u m p r oces s o a fin a l, p a r a qu e s e
chegasse em algum resultado?
JOKO: O que você quer dizer com "processo1 *?
ALUNO: Processo é fazer alguma coisa.
JOKO: A p er cep çã o con s cien t e é u m fa zer ? E xis t e u m a
d ifer en ça en t r e fa zer a lgu m a cois a p or exem p lo, "Vou s er u m a
b oa p es s oa " e a s im p les p er cep çã o con s cien t e d o qu e es t ou
fazend o. Va m os s u p or qu e es t ou fa zen d o u m a fofoca . Fofoca r é
fa zer a lgu m a cois a , m a s a p er cep çã o con s cien t e d is s o n ã o é u m
fazer , u m leva r cois a s a a con t ecer em . A b a s e d o fa zer é o
p en s a m en t o d e qu e a s cois a s d ever ia m s er d ifer en t es d o qu e ela s
são.
E m vez d e d izer a m im m es m a "Ten h o d e m e t or n a r u m a
p es s oa m elh or " e t en t a r fa zer is s o, eu d ever ia s im p les m en t e t om a r
con s ciên cia d o qu e es t ou fa zen d o p or exem p lo, ob s er va r qu e
t od a vez qu e en con t r o u m a d et er m in a d a p es s oa eu a coloco d e for a .
Qu a n d o eu t iver m e a com p a n h a d o fa zen d o is s o u m a cen t en a d e
vezes , a lgo a con t ece. O p a d r ã o s e d es a r t icu la , e t or n o-m e u m a
pessoa melhor, embora eu n ã o t en h a a gid o s egu n do a instrução da
s en t en ça p a r a s er u m a p es s oa m elh or . A p er cep çã o con s cien t e n ã o
t em s en t en ça s , n ã o t em p en s a m en t os n es s e s en t id o. É a p en a s
p er cep çã o con s cien t e. É is s o o s en t a r n a p r á t ica : n ã o fica r p r es o
n a m en t e, n ã o en t r a r n a a r m a d ilh a d e es for ça r -s e p a r a ch ega r em
alguma parte, para tornar-se um buda.
ALUNO: Pa r ece u m p a r a d oxo. Nu m n ível, n os s a m en t e es t á
fazend o a lgo d e for m a a t iva e, n u m ou t r o, es t a m os con s cien t es d o
qu e n os s a m en t e es t á fa zen d o. E m qu e con s is t e a p er cep ção
consciente?
JOKO: No p en s a m en t o com u m , a m en t e s em p r e t em u m
ob jet ivo, a lgu m a cois a qu e ir á ob t er . S e n os a t ola m os n es s es
p r ojet os d o qu e ob t er , en t ã o s om e a p er cep çã o con s cien t e d a
r ea lid a d e. Ter em os s u b s t it u íd o a p er cep çã o con s cien t e p or u m
s on h o p es s oa l. A p er cep çã o con s cien t e n ã o a n d a , n ã o s e en t er r a
em sonhos; ela apenas permanece onde está.
A p r in cíp io, a d is t in çã o en t r e o p en s a m en t o cor r iqu eir o e a
p er cep çã o con s cien t e p a r ece s u t il e es qu iva . Con for m e p r a t ica mos,
con t u d o, a d is t in çã o s e t or n a ca d a vez m a is n ít id a : com eça m os a
n ot a r ca d a vez m a is com o n os s os p en s a m en t os s ã o ocu p a d os com
a t en t a t iva d e ch ega r m os em a lgu m lu ga r , e com o fica m os
p r is ion eir os d eles , d e t a l m od o qu e n ã o con s egu im os m a is r ep a r a r
no que está realmente presente em nossas vidas.
ALUNO: A im p r es s ã o qu e d á é qu e ou es t a m os ob s er va n d o o
qu e es t á a con t ecen d o, ou fica m os a t ola d os n o con t eú d o d e n os s os
pensamentos.
JOKO: Cer t o. Nã o h á n a d a d e er r a d o com u m p en s a m en t o em
si. É a p en a s u m a d os e d e en er gia . Ma s qu a n d o n os p r en d em os em
s eu con t eú d o, n a s p a la vr a s d o p en s a m en t o, en t ã o o t er em os
a r r a s t a d o p a r a n os s os d om ín ios p es s oa is e qu er er em os fica r a p e-
gados a ele.
ALUNO: Fica r a p ega d o a u m p en s a m en t o exige u m a cr en ça . Na
n oit e p a s s a d a , en qu a n t o ia p a r a u m cer t o lu ga r , m in h a m en t e
est a va r ep let a d e p en s a m en t os e s en t im en t os . E u a cr ed it a va qu e
estava praticando: eu sabia que estava com raiva, que estava tenso,
qu e es t a va a p r es s a d o, e m in h a p is t a er a eu es t a r com u m a r a iva
ca d a vez m a ior , ca d a vez m a is con t r a r ia d o. De r ep en t e eu d is s e
p a r a m im m es m o: '*Qu a l é a p r á t ica n es t e exa t o m om en t o?". E u m
m ilh ã o d e p on t os d e lu z ilu m in ou o qu e es t a va a con t ecen d o n a
m in h a m en t e. De u m a p er s p ect iva com p let a m en t e im p es s oa l a in d a
h a via o m es m o con t eú d o r a iva , p r es s a , t en s ã o fís ica , mas
n a d a t in h a qu e ver com a m in h a p es s oa . E r a qu a s e com o ob s er va r
uma barata no chão da cozinha.
JOKO: Quando começamos a observar os pensamentos e senti-
m en t os , eles com eça m a s e d is s olver . Nã o con s egu em m a n t er -se
sem a sustentação de nossa crença neles.
ALUNO: Quand o n os a t ola m os d es s e jeit o n os n os s os
pensament os , n os s o m u n d o fica m a is es t r eit o. Nã o t em os m a is
u m a p er s p ect iva d o t od o. Qu a n d o leva m os n os s a p er cep çã o
con s cien t e p a r a n os s os p en s a m en t os , es s a es t r eit eza a la r ga e os
pensamentos restritivos começam a sumir.
JOKO: S im . S e n os s a s vid a s n ã o es t ã o m u d a n d o en qu a n t o
va m os p r a t ica n d o, en t ã o a lgu m a cois a er r a d a es t á ocor r en d o com
o que estamos fazendo.
ALUNO; Qu a n d o n os a t ola m os em n os s os p en s a m en t os ,
geramos ansiedade, não é?
JOKO: S im . A a n s ied a d e é s em p r e u m a d is t â n cia en t r e o m od o
com o a s cois a s s ã o e o m od o com o p en s a m os qu e ela s t er ia m d e
s er . A a n s ied a d e é a lgo qu e s e es t en d e en t r e o r ea l e o ir r ea l. Nos s o
d es ejo h u m a n o é evit a r m os a qu ilo qu e é r ea l e, em lu ga r d ele,
es t a r m os n o d om ín io d e n os s a s id éia s a r es p eit o d o m u n d o: S ou
t er r ível"; "Você é t er r ível"; "Você é m a r a vilh os a ". A id éia é s ep a r a d a
d a r ea lid a d e, e a a n s ied a d e é a d is t â n cia en t r e a id éia e a r ea lid a d e
d e qu e a s cois a s s ã o a p en a s com o ela s s ã o. Qu a n d o p a r a m os d e
a cr ed it a r n o ob jet o qu e cr ia m os qu e es t á p or a s s im d izer
d es loca d o p a r a u m s ó d os la d os d a r ea lid a d e , a s cois a s
r a p id a m en t e s e r ea lin h a m d e volt a n o cen t r o. É is s o qu e s ign ifica
dizer que algo ou alguém é centrado. A ansiedade então desaparece
de vista.
ALUNO: Pa r ece qu e fico ext r em a m en t e t en s o com es s a
tentativa de me ater à percepção consciente.
JOKO: S e você es t á t en t a n d o a t er -s e à p er cep çã o con s cien t e,
is s o é u m p en s a m en t o. Nós u s a m os u m a p a la vr a com o percepção
consciente e em s egu id a a s p es s oa s t or n a m -n a a lgo es p ecia l. S e
não es t a m os t en t a n d o (t en t e p or a p en a s d ez s egu n d os p a r a r d e
p en s a r ), n os s o cor p o r ela xa , e con s egu im os ou vir e ob s er va r t u d o o
qu e es t á s e p a s s a n d o. No in s t a n t e m es m o em qu e p a r a m os d e
p en s a r , es t a m os con s cien t em en t e p er cep t ivos . A p er cep çã o
con s cien t e n ã o é a lgo qu e t en h a m os d e s er é u m a a u s ên cia d e
alguma coisa. O que é a ausência de uma coisa?
ALUNO: Não é que estamos só mudando aquilo de que estamos
côn s cios ? Nã o a ca b a m os d e d ecid ir qu e s em p r e es t a m os con s -
cien t es ? Min h a p r em is s a é qu e a vid a é s em p r e p er cep çã o con s -
cien t e. S em p r e es t a m os cien t es d e a lgu m a cois a . Qu a n d o n os
s en t a m os n a p r á t ica (em cer t o s en t id o, is s o é u m p a r a d oxo), t em os
um objetivo nesse sentar: estamos refocalizando a nossa percepção
consciente, talvez tornando-a mais aguda a respeito de algo.
JOKO: Nã o, is s o t om a a p er cep çã o con s cien t e fa zer a lgu m a
cois a . A p er cep çã o con s cien t e é com o o ca lor qu e s ob e n u m d ia d e
ver ã o: a s n u ven s n o céu a p en a s d es a p a r ecem . Qu a n d o es t a m os
conscientes, o irreal simplesmente desaparece e não temos de fazer
nada.
ALUNO: Há m a is p er cep çã o con s cien t e d ep ois d e u m sesshin
que antes?
JOKO: Nã o, a d ifer en ça é qu e n ã o a es t a m os b loqu ea n d o. A
p er cep çã o con s cien t e é o qu e s om os , m a s n ós a b loqu ea m os com
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os : s on h a n d o, fa n t a s ia n d o, fa zen d o t u do
a qu ilo qu e qu er em os fa zer . Ten t a r s er con s cien t e é s ó o
p en s a m en t o com u m , n ã o é a p er cep çã o con s cien t e. Tu d o o qu e
p r ecis a m os fa zer é tom a r con s ciên cia d e n os s os p en s a m en t os
a u t ocen t r a d os . Fin a lm en t e, eles d es a p a r ecem n a d is t â n cia e n ós
r es t a m os a p en a s a li. E m b or a s e p os s a d izer qu e es t a m os fa zen d o
u m a cois a , a p er cep çã o con s cien t e n ã o é u m a cois a n em u m a
p es s oa . A p er cep çã o con s cien t e é a n os s a vid a qu a n d o n ã o es t a -
mos fazendo mais nada.
ALUNO: A s im p les p er cep çã o con s cien t e n ã o t em m a is n a d a .
Não tem espaço, tempo, nada.
JOKO: Cer to, a p er cep çã o con s cien t e n ã o t em es p a ço, t em p o,
n em id en t id a d e e, a p es a r d is s o, é qu em s om os . No m es m o
in s t a n t e em qu e fa la m os d ela ela já s e foi. E m t er m os d e p r á t ica ,
n ã o t em os d e t en t a r s er con s cien t es . O qu e t em os d e fa zer é
ob s er va r n os s os p en s a m en t os . Nã o d evem os t en t a r s er con s cien t es ;
semp r e s om os con s cien t es , a m en os qu e es t eja m os a p r is ion a d os
em n os s os p en s a m en t os a u t ocen t r a d os . E s s a é a fin a lid a d e d e
rotularmos nossos pensamentos.
ALUNO:
Então às vezes estamos conscientemente percebendo e
não notamos isso.
joko: É.
ALUNO: Ta lvez a d ifer en ça en t r e os p en s a m en t os com u n s n os
qu a is a cr ed it a m os e a p er cep çã o con s cien t e é qu e u m p en s a m en to
em qu e s e a cr ed it a n ã o s e s u s t en t a n a p er cep çã o con s cien t e, ele
não é reconhecido como um simples pensamento.
JOKO: Cer to. E le n ã o é vis t o a p en a s com o o fr a gm en t o d e
en er gia qu e é d e fa t o. Nós o con s id er a m os r ea l, e a cr ed it a m os n ele.
E n t ã o ele com eça a d ir igir o es p et á cu lo, em vez d e a p er cep çã o
consciente desempenhar esse papel, que é o que deveria acontecer.
ALUNO: Cos t u m o n ot a r a p er cep çã o con s cien t e d e m a n eir a
mais acentuada quando não estava sendo consciente. Por exemplo:
d e r ep en t e m e d ou con t a d e qu e es t ou n o t r a b a lh o e n em s ei com o
cheguei lá e então acordo.
JOKO: E xcet o o b u d a , t od o m u n d o flu t u a p a r a d en t r o e p a r a
for a d a p er cep çã o con s cien t e. Ma s qu a n t o m a is t em p o d e p r á t ica
t iver m os , m a ior a p or cen t a gem d e t em p o d e n os s a s vid a s qu e s er á
leva d a n a p er cep çã o con s cien t e. Du vid o qu e a lgu ém con s iga u m
dia viver totalmente na percepção consciente.
ALUNO: Você d is s e "qu a n t o m a is t em p o d e p r á t ica t iver m os ",
m a s n a r ea lid a d e você es t a va s e r efer in d o à for m a com qu e
colocamos a atenção no presente?
JOKO: S im . É p os s ível p r a t ica r s en t a d o p or vin t e a n os e
mesmo assim não ter noção do que é essa prática. Mas, se estamos
s en t a n d o e p r a t ica n d o com a t ot a lid a d e d e n os s a vid a , en t ã o s em
s om b r a d e d ú vid a o m on t a n t e d e p er cep çã o con s cien t e a u m en t a .
E u cos t u m a va p a s s a r m et a d e d a vid a d eva n ea n d o. E r a "a gr a d á vel''.
ALUNO: Durante muitos anos, minha prática sentada consistiu
em primeiro me desligar do meio ambiente e depois do meu corpo e
depois recitar Mu sem parar. Eu era totalmente consciente de nada.
JOKO: S im , es s a é u m a for m a d e p r á t ica con cen t r a d a qu e,
p a r a a lgu m a s p es s oa s , p r od u z efeit os r á p id os e in t en s os , m u it o
agrad á veis . Nã o a ju d a m u it o a vid a d es s a p es s oa . De t od o jeit o, o
Mu não tem de ser praticado dessa forma.
ALUNO: Qu a n d o foca lizo a a t en çã o n a p er cep çã o con s cien t e,
par ece qu e ob s er vo m a is d or em m eu cor p o. Ma s s e eu s im p les -
mente "via ja r " n ã o t en h o m a is p r ob lem a d e d or , n em s in t o d or .
Dep ois a cor d o e t om o con s ciên cia , e lá es t á a d or d e n ovo. Por qu e
a dor desaparece quando eu "viajo"?
JOKO: Bom , n os s os s on h os s ã o n a r cót icos p od er os os . Por is s o
é qu e gos t a m os t a n t o d eles . Nos s os s on h os e n os s a s fa n t a s ia s s ã o
vicia n t es , d a m es m a for m a com o a s s u b s t â n cia s ca u s a d or a s d e
vícios.
ALUNO: Nã o exis t e u m a s ep a r a çã o d a r ea lid a d e s e s en t im os
dor?
JOKO: Não, se a sentirmos totalmente.
ALUNO: Se eu r ea lm en t e m e t om o a d or , es s a d or
simplesmente d es a p a r ece. Por ém , a s s im qu e t en h o u m
p en s a m en t o a r es p eit o, s ofr o. Qu a n d o ob s er vo a d or e t en h o o
p en s a m en t o qu e d iz qu e é d olor id a , o s ofr im en t o p er m a n ece, m a s
s e eu s im p les m en t e a ob s er vo com o u m a s en s a çã o in t en s a , o
sofrimento some.
JOKO: Qu a n d o con s egu im os ver a d or com o a p en a s u m a
s en s a çã o es t á vel com m u it a s va r ia ções m ín im a s , t or n a -se
in t er es s a n t e e a t é m es m o b ela . Tod a via , s e n os a p r oxim a m os d ela
com a idéia de que iremos fazê-la sumir, isso é só um outro jeito de
ir atrás de um estado búdico.
ALUNO: Qu a n d o com eço a p r á t ica , t or n o-m e con s cien t e em
ger a l d e es t a r m u it o t en s o, com u m a d or d e a p er t o p or t od o o
cor p o. S in t o-a com o a lgo qu e es t á s im p les m en t e a li d o ou t r o la d o
d e m in h a p er cep çã o con s cien t e. Du r a n t e a n os a s p es s oa s vivia m
m e d izen d o: "Você es t á t ã o t en s o!" e eu r es p on d ia "Nã o es t ou
t en s o". Hoje p er ceb o qu e eu s im p les m en t e n ã o p er ceb ia es s a
t en s ã o, m a s es t a va lá . E u u s a va m eu s p en s a m en t os p a r a b loqu ea r
a p er cep çã o con s cien t e d ela . A t en s ã o e a d or es t a va m lã , a p en a s
despercebidas.
JOKO: A t en s ã o e a d or s ã o r ea is ? Algo es t á lá , m a s o qu e é?
Um a n oit e d es s a s eu es t a va a n d a n d o a o lon go d a cos t a , en qu a n t o
o lu a r b r ilh a va s ob r e a á gu a d o m a r . E u con s egu ia ver u m la m p ejo
brilhante de luz sobre o oceano, ou era o luar que realmente estava
ali? O oceano realmente tem algo sobre sua superfície? Qual é essa
cor ? E r ea l ou n ã o? Nen h u m a d a s in d a ga ções é cor r et a . De m in h a
p er s p ect iva , o lu a r es t a va s ob r e a á gu a . Ma s , s e eu t ives s e m e
a p r oxim a d o m a is d a t on a d 'á gu a , n ã o t er ia vis t o lu a r n en h u m
sobre sua superfície. Eu teria visto qualquer coisa que ali houvesse
p a r a s e ver . Nã o exis t e is s o d e lu a r s ob r e a á gu a , lit er a lm en t e
fa la n d o. Qu a n t o à s n u ven s d o céu : qu a n d o es t a m os n u m a n u vem ,
chamamo-la d e n évoa . Da m es m a for m a , em p r es t a m os u m t ip o d e
fa ls a r ea lid a d e a n os s os p en s a m en t os . É ver d a d e qu e s em p r e
vivem os d en t r o d e u m a d et er m in a d a p er s p ect iva . A p r á t ica d iz
r es p eit o a a p r en d er a viver n es s a r ea lid a d e r ela t iva , d es fr u t a n d o-a,
m a s en xer ga n d o-a com o d e fa t o é. Com o o lu a r s ob r e a á gu a , es t á
lá s egu n d o u m a cer t a p er s p ect iva r ela t iva e n ã o é r ea l, n ã o é
o a b s olu t o. At é m es m o a á gu a em s i t em a p en a s u m a r ea lid a d e
p a r cia l. Qu a n d o n ã o h á lu z s ob r e a á gu a , vem os qu e ela é p r et a .
Um d ia eu es t a va ja n t a n d o n u m r es t a u r a n t e qu e fica va n a or la
m a r ít im a e a vi m u d a r d e cor , d e a zu l p a r a a zu l-es cu r o, p a r a
p ú r p u r a a in d a m a is es cu r o e fin a lm en t e n ã o con s egu i m a is vê-la.
O qu e é r ea l? E m t er m os a b s olu t os , n a d a d is s o é r ea l. E m t er m os
d e n os s a p r á t ica , n o en t a n t o, d evem os com eça r com n os s a s
exp er iên cia s , com es t e t r a b a lh o m et icu los o s ob r e a p er cep çã o
con s cien t e. Pr ecis a m os r et or n a r à r ea lid a d e d e n os s a s vid a s .
Tem os d or es e p a d ecim en t os , t em os a d ver s id a d es , gos t a m os d a s
p es s oa s ou n ã o: es s e é o con ju n t o d e cois a s qu e com p õe a n os s a
vida. É aí que começa nosso trabalho com a percepção consciente.
R ECOBRANDO O JUÍZO
*Philip Kapleau, ed., The three piliars of zen: Teaching, practice, enlightenment, Boston:
Beacon, 1967, p. 10-11.
p r ofu n d o n em s u t il." E m r es p os t a , o m es t r e es cr eveu
s im p les m en t e: "At en çã o. At en çã o. At en çã o". Fr u s t r a d o, o a lu n o
exigiu : "O qu e s ign ifica es s a p a la vr a atenção!". E o m es t r e Ich u
disse: "Atenção significa atenção".
E m lu ga r d e atenção pod er ía m os u s a r p ercep ção con s cie n te.
At en çã o ou p er cep çã o con s cien t e é o s egr ed o d a vid a , o cer n e d a
p r á t ica . Com o o a lu n o n es s a h is t ór ia , con s id er a m os es s e en -
s in a m en t o u m a d ecep çã o; é á r id o e d es in t er es s a n t e. Qu er em os
a lgo excit a n t e em n os s a p r á t ica ! A s im p les a t en çã o en t ed ia !
Perguntamos: a prática é só isso?
Qu a n d o os a lu n os a p a r ecem p a r a fa la r com igo, ou ço qu eixas
e m a is qu eixa s : o h or á r io d o r et ir o, o a lim en t o, o s er viço, eu
m es m a , e a s s im p or d ia n t e. Ma s a s qu es t ões qu e a s p es s oa s es t ã o
m e t r a zen d o n ã o s ã o m a is r eleva n t es ou im p or t a n t es d o qu e u m
even t o "t r ivia l" com o es fola r u m d ed o. Com o coloca m os a s n os s a s
a lm ofa d a s ? Com o es cova m os os n os s os d en t es ? Com o va r r em os o
ch ã o ou fa t ia m os u m a cen ou r a ? Pen s a m os qu e es t a m os a qu i p a r a
d a r con t a d e qu es t ões "m a is im p or t a n t es ", com o os p r ob lem a s qu e
t em os com n os s os côn ju ges , n os s os t r a b a lh os p r ofis s ion a is , n os s a
saúde etc. Não queremos nos incomodar com as "pequenas" coisas,
p or exem p lo com o s egu r a m os n os s os t a lh er es ou on d e p om os a
colh er . Mes m o a s s im , s ã o es s es a t os qu e con s t it u em o es t ofo d e
n os s a vid a , d e u m m om en t o a ou t r o. Nã o é u m a qu es t ã o d e
im p or t â n cia ; é u m a qu es t ã o d e p r es t a r a t en çã o, d e es t a r
con s cien t em en t e p er cep t ivo. Por qu ê? p or qu e ca d a m om en t o n a
vid a é a b s olu t o em s i. E is s o é t u d o o qu e exis t e. Nã o exis t e m a is
n a d a a lém d es t e m om en t o p r es en t e; n ã o exis t e p a s s a d o, n ã o exis t e
fu t u r o, n ã o exis t e n a d a a lém d is t o. Por is s o, qu a n d o n ã o
p r es t a m os a t en çã o a ca d a p equ en o isto, p er d em os t u d o. E o
con t eú d o d o isto p od e s er qu a lqu er cois a . Is to p od e s er en d ir eit a r
n os s os colch on et es d e p r a t ica r , fa t ia r u m a ceb ola , vis it a r a lgu ém
qu e n ã o d es eja m os vis it a r . Nã o im p or t a o con t eú d o d o qu e s eja o
m om en t o; ca d a m om en t o é a b s olu t o. É s ó is s o qu e exis t e e qu e
ja m a is exis t ir á . S e con s egu ís s em os p r es t a r t ot a lm en t e a t en çã o,
n u n ca fica r ía m os con t r a r ia d os . S e es t a m os con t r a r ia d os , é
a xiom á t ico qu e n ã o es t a m os p r es t a n d o a t en çã o. S e p er d em os n ã o
a p en a s u m s ó m om en t o, m a s u m m om en t o d ep ois d o ou t r o,
estamos em apuros.
Va m os s u p or qu e fu i con d en a d a a s er d eca p it a d a n a gu ilh o-
t in a . Agor a es t ou ca m in h a n d o e s u b in d o os d egr a u s qu e leva m a o
ca d a fa ls o. Con s igo m a n t er m in h a a t en çã o n o m om en t o? Con sigo
es t a r con s cien t e d e ca d a p a s s o, p a s s o a p a s s o? Con s igo coloca r
m in h a ca b eça n a gu ilh ot in a cu id a d os a m en t e p a r a a s s im s er vir
b em a o a lgoz? S e eu con s egu ir viver e m or r er d es s a m a n eir a , n ã o
surgem quaisquer problemas.
Nos s os p r ob lem a s a p a r ecem qu a n d o s u b or d in a m os es t e m o-
mento a alguma outra coisa, a nossos pensamentos autocentrados:
n ã o é s ó es t e m om en t o, m a s o qu e eu qu ero. Reves t im os o
m om en t o com n os s a s p r ior id a d es p es s oa is , o d ia in t eir o. E é a s s im
que começamos a ter dificuldades.
Um a ou t r a h is t ór ia a n t iga d iz r es p eit o a u m gr u p o d e la drões
que invade o estúdio de um mestre zen e lhe diz que iam decepá-lo.
E le com en t ou : "Por fa vor , a gu a r d em a t é a m a n h ã d e m a n h ã .
Pr ecis o con clu ir u m cer t o t r a b a lh o". As s im , p a s s ou a n oit e
com p let a n d o o t r a b a lh o, b eb en d o ch á e d es fr u t a n d o. E s cr eveu u m
p oem a s im p les n o qu a l com p a r a va s u a ca b eça d ecep a d a a u m a
b r is a p r im a ver il e o en t r egou a os la d r ões com o u m p r esente
quando eles voltaram. O mestre entendia bem o que era praticar.
Tem os d ificu ld a d e em com p r een d er es s a h is t ór ia p or qu e
t em os t od os u m im en s o a p ego à n os s a ca b eça , qu e qu er em os qu e
p er m a n eça s ob r e n os s os om b r os . Nã o é n os s o d es ejo p a r t icular
qu e n os s a s ca b eça s s eja m d ecep a d a s . E s t a m os d et er m in a d os a
qu e a vid a p r os s iga d o jeit o com o nós qu er em os qu e p r os s iga .
Qu a n d o is s o n ã o a con t ece, fica m os com r a iva , con fu s os , d ep r i-
m id os , ou d e a lgu m a for m a con t r a r ia d os . Nã o é r u im em s i t er
esses sentimentos, mas quem quer uma vida comandada por eles?
Qu a n d o a a t en çã o a o m om en t o p r es en t e é d es via d a p a r a
a lgu m a ver s ã o d e "E u t en h o d e con s egu ir a s cois a s ao m e u m od o",
cria-s e u m a d is t â n cia en t r e n os s a p er cep çã o con s cien t e e a
r ea lid a d e t a l com o é, n es t e m om en t o p r ecis o. Nes s a d is t â n cia ou
fos s o d es p eja m os t od os os m a les d e n os s a vid a . Cr ia m os u m a
d is t â n cia a t r á s d a ou t r a , em s eqü ên cia , o d ia in t eir o. A fin a lid a d e
d a p r á t ica é a n u la r es s a s d is t â n cia s , é r ed u zir o t em p o qu e p a s -
samos ausentes, prisioneiros de nosso sonho autocentrado.
No en t a n t o, com et em os u m er r o s e p en s a m os qu e a s olu çã o
es t á em qu e eu p r es t o a t en çã o. Nã o é "E U va r r o o ch ã o", "E U fa t io
a ceb ola ", "E U d ir ijo o ca r r o". E m b or a es s a p r á t ica s eja n eces s á r ia
n os es t á gios p r elim in a r es , ela con t in u a a lim en t a n d o os
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os a o d en om in a r a p es s oa com o u m "E U"
p a r a o qu a l a exp er iên cia es t á p r es en t e. Um jeit o m elh or d e
en t en d er é a s im p les p er cep çã o con s cien t e: a p en a s viven cia r ,
viven cia r , viven cia r . Na s im p les p er cep çã o con s cien t e, n ã o h á
d is t â n cia , n ã o h á es p a ço p a r a p en s a m en t os a u t ocen t r a d os a p a r e-
cerem.
E m a lgu n s cen t r os zen , os a lu n os s ã o s olicit a d os a s e en -
volver em a ções em câ m er a exa ger a d a m en t e len t a , p or exem p lo
a b a ixa n d o ob jet os e er gu en d o-os m u it o d eva ga r . E s s a a t en çã o
a u t ocon s cien t e é d ifer en t e d a s im p les p er cep çã o con s cien t e, d o
a p en a s fa zer o a b a ixa -leva n t a . A r eceit a p a r a s e viver é s im p les -
mente fazer o que estamos fazendo. Não estando autoconsciente do
qu e fa z; s ó fa zen d o. Qu a n d o ocor r em os p en s a m en t os a u t o-
centrados , en t ã o er r a m os d e b on d e e a p a r ece a d is t â n cia . E s s a
d is t â n cia ou fos s o é o loca l d e n a s cim en t o d os p r ob lem a s e
transtornos que nos atormentam.
Mu it a s for m a s d e p r á t ica , com u m en t e ch a m a d a s d e m ed i-
t a çã o con cen t r a t iva , b u s ca m es t r eit a r a p er cep çã o con s cien t e d e
a lgu m a m a n eir a . Os exem p los in clu em r ecit a r m a n t r a s , con cen -
trar-s e n u m a im a gem vis u a l, t r a b a lh a r com o Mu (d e m a n eir a
con cen t r a d a ) e a t é m es m o a com p a n h a r a r es p ir a çã o s e is s o for
feit o d e m od o a d eixa r d e for a os d em a is ór gã os d os s en t id os . No
proces s o d e a fu n ila m en t o d a a t en çã o, es s a s p r á t ica s r a p id a mente
cr ia m cer t os es t a d os a gr a d á veis . Pod em os s en t ir qu e n os
es qu iva m os d e n os s os p r ob lem a s p or qu e n os s en t im os m a is ca l-
m os . Qu a n d o n os in s t a la m os n es s e foco t ã o es t r eit o, p od em os
d ep ois d e u m cer t o t em p o a t é en t r a r em tr a n s e, com a s p ect os d e
t or p or e s os s ego, n u m es t a d o em qu e t u d o n os es ca p a . Ap es a r d e
es s es m om en t os s er em ú t eis , t od a p r á t ica qu e a fu n ila n os s a p er -
cep çã o con s cien t e é lim it a d a . S e n ã o leva r m os em con t a t u d o em
n os s o m u n d o, t a n t o d e n a t u r eza fís ica com o m en t a l, p er d er em os
a lgu m a cois a . Um a p r á t ica es t r eit a n ã o s e t r a n s fer e b em p a r a o
r es t o d e n os s a vid a ; qu a n d o a leva m os p a r a o m u n d o, n ã o s a b e-
mos como agir e podemos ainda nos sentir bastante constrangidos.
Um a p r á t ica d e con cen t r a çã o, s e fôs s em os m u it o p er s is t en tes
(com o eu cos t u m a va s er ), p od e m om en t a n ea m en t e n os for ça r a
a t r a ves s a r n os s a r es is t ên cia , e en t ã o t er u m vis lu m b r e d o a b s oluto.
E s s a a b er t u r a for ça d a n ã o é r ea lm en t e a u t ên t ica ; a lgo fica d e for a .
E m b or a t en h a m os u m vis lu m b r e d o ou t r o la d o d o m u n do
fen om ên ico, ca p t a n d o o n a d a ou o p u r o va zio, a in d a exis t e u m eu
r ea liza n d o is s o. A exp er iên cia con t in u a s en d o d u a lis t a e lim it a d a
em sua aplicabilidade.
Por ou t r o la d o, a n os s a p er cep çã o con s cien t e com o p r á t ica é
t a l qu e r eceb e t u d o o qu e a con t ece. O "a b s olu t o" é s im p les mente
t u d o em n os s o m u n d o, es va zia d o d o con t eú d o em ocion a l p es s oa l.
Com eça m os p or es va zia r -n os n ós m es m os d es s es p en samentos
a u t ocen t r a d os , a o a p r en d er m os a es t a r ca d a vez m a is
con s cien t em en t e p er cep t ivos em t od os os n os s os m om en t os . E m -
b or a u m a p r á t ica d e con cen t r a çã o p os s a foca liza r a r es p ir a çã o e
bloquear o som dos carros ou o falatório de nossa mente (o que nos
d eixa p er d id os qu a n d o p er m it im os qu e qu a lqu er es p écie d e
exp er iên cia p en et r e n a con s ciên cia ), a p r á t ica d a p er cep çã o con s -
cien t e es t á a b er t a a qu a lqu er exp er iên cia p r es en t e em t od o es t e
in côm od o u n iver s o e a ju d a -n os a ir m os a os p ou cos n os
desemaranhando de nossas reações e apegos emocionais.
Tod a vez qu e t em os u m a qu eixa a r es p eit o d e n os s a s vid a s ,
es t a m os n a qu ele t ip o d e d is t â n cia d e qu e fa lei. Na p r á t ica d a
p er cep çã o con s cien t e, ob s er va m os n os s os p en s a m en t os e a con -
t r a çã o d e n os s o cor p o r eceb en d o t u d o is s o e volt a n d o p a r a o
m om en t o p r es en t e. E s s e é o t ip o m a is á r d u o d e p r á t ica . Pr efer i-
r ía m os com cer t eza fu gir d es s a cen a ou en t ã o p er m a n ecer m er -
gu lh a d os em n os s os p equ en os t r a n s t or n os . Afin a l d e con t a s , t od a s
a s n os s a s a d ver s id a d es n os m a n t êm com o o cen t r o d a s cois a s ou
p elo m en os a s s im a cr ed it a m os . A a t r a çã o d e n os s os p en s a m en t os
autocentrados é como pisar na lama: nosso pé cons egu e a cu s t o s e
despregar e já está preso de novo. Podemos nos libertar lentamente,
mas, se pensarmos que é fácil, estaremos nos enganando.
Tod a vez qu e es t iver m os a b or r ecid os , es t a r em os n es s a d is -
t â n cia ; n os s a s em oções a u t ocen t r a d a s , o qu e nós qu er em os d e
n os s a vid a , p r ed om in a m . No en t a n t o, n os s a s em oções d o m omento
n ã o s ã o m a is im p or t a n t es d o qu e en cos t a r a ca d eir a d e volt a n o
lugar ou recolocar a almofada no lugar certo.
A m a ior ia d a s em oções n ã o d ecor r e d o m om en t o im ed ia t o,
com o qu a n d o p r es en cia m os a cen a d e u m a cr ia n ça s en d o a t r op e-
la d a p or u m ca r r o, m a s s ã o ger a d a s p or n os s a s exigên cia s a u t o-
cen t r a d a s d e qu e a vid a s eja com o nós qu er em os qu e ela s eja .
E m b or a n ã o fa ça m a l t er es s a s em oções , a p r en d em os p ela p r á t ica
qu e ela s n ã o t êm im p or t â n cia em s i. E n d ir eit a r o lá p is s ob r e a
carteira é tão importante quanto se sentir abandonado ou solitário,
p or exem p lo. S e con s egu im os viven cia r o s en t ir -s e s olit á r io e
en xer ga r n os s os p en s a m en t os a r es p eit o d e es t a r m os s olit á rios,
entã o con s egu im os s a ir d o fos s o d es s a d is t â n cia . A p r á t ica é es s e
m ovim en t o, vezes e vezes s egu id a s . S e n os lem b r a m os d e a lgo qu e
a con t eceu h á s eis m es es e com es s a r ecor d a çã o s u r gem
s en t im en t os d e a b or r ecim en t o, n os s os s en t im en t os d evem s er
vis t os com in t er es s e, e n a d a m a is . E m b or a p os s a p a r ecer u m a
cois a fr ia , é n eces s á r ia es s a a t it u d e p a r a qu e n os t or n em os p es -
s oa s gen u in a m en t e a fet iva s e com p a s s iva s . S e n os p er ceb em os
p en s a n d o qu e n os s os s en t im en t os s ã o m a is im p or t a n t es d o qu e
a qu ilo qu e es t á a con t ecen d o n u m d a d o m om en t o, p r ecis a m os
ob s er va r a p r es en ça d es s e p en s a m en t o. Va r r er a ca lça d a é r ea li-
d a d e; n os s os s en t im en t os s ã o u m a cois a qu e n ós cr ia m os , com o
u m a t eia qu e fia m os e n a qu a l n os en r ed a m os . É u m p r oces s o
s u r p r een d en t e es s e em qu e n os m et em os em cer t o s en t id o,
somos todos malucos.
Qu a n d o vejo m eu s p en s a m en t os e ob s er vo a s s en s a ções d o
m eu cor p o, r econ h eço a m in h a r es is t ên cia p a r a p r a t ica r com es s a s
vivên cia s e d ep ois volt o p a r a t er m in a r d e es cr ever a ca r t a qu e
es t a va fa zen d o, en t ã o es t ou m e a r r a n ca n d o d o fos s o d a d is t â n cia e
en t r a n d o n a p er cep çã o con s cien t e. S e for m os d e fa t o p er s is t en t es ,
d ia a p ós d ia , ir em os gr a d u a lm en t e d es cob r ir n os s o ca m in h o p a r a
s a ir d es s a in s en s a t a con fu s ã o qu e é a n os s a vid a p es s oa l. A ch a ve
é atenção, atenção, atenção.
Preench er u m ch equ e é t ã o im p or t a n t e qu a n t o o a n gu s t ia n t e
p en s a m en t o d e qu e n ã o ver em os u m en t e qu er id o. Qu a n d o n ã o
t r a b a lh a m os com o fos s o cr ia d o p ela d es a t en çã o, t od os os ou t r os
pagam um preço.
A p r á t ica é n eces s á r ia p a r a m im t a m b ém . Va m os s u p or qu e
eu a n s eio p ela vis it a d e m in h a filh a n a ép oca d o Na t a l, e ela m e
t elefon a p a r a d izer qu e n ã o vem . A p r á t ica a ju d a -m e a con t in u a r a
amá-la em vez d e m e s en t ir con t r a r ia d a p or qu e ela n ã o fa r á o qu e
eu qu er ia qu e fizes s e. Com a p r á t ica , p os s o a m á -la com m a is
plenitude. S em a p r á t ica , eu m e s en t ir ia u m a velh in h a s olit á r ia e
d es a m p a r a d a . E m cer t o s en t id o, a m or é s im p les m en t e a t en çã o,
s im p les m en t e p er cep çã o con s cien t e. Qu a n d o m e m a n t en h o con s -
cien t em en t e p er cep t iva , p os s o lecion a r b em , o qu e é u m a for m a d e
a m a r ; p os s o coloca r m en os exp ect a t iva s n os ou t r os e s er vi-los
m elh or ; qu a n d o vir m in h a filh a ou t r a vez, n ã o t r a r ei a n t igos
ressentimentos para esse encontro e serei capaz de vê-la com olhos
n ovos . As s im , a p r ior id a d e é a qu i e a gor a . Aliá s , exis t e u m a s ó
p r ior id a d e e é a a t en çã o a o m om en t o p r es en t e, s eja qu a l for s eu
conteúdo. Atenção significa atenção.
F ALSAS GENERALIZAÇÕES
Na s r u d in , s á b io e t olo s u fi, es t a va u m d ia em s eu ja r d im
es p a lh a n d o fa r elo d e p ã o p or t od o la d o. Qu a n d o u m vizin h o lh e
p er gu n t ou p or qu e o fa zia , ele d is s e: "Pa r a m a n t er os t igr es a
d is t â n cia ". O vizin h o en t ã o com en t ou : "Ma s n ã o exis t em t igr es
n u m r a io d e 2 .0 0 0 k m a o r ed or d a qu i!". E Na s r u d in con clu iu :
"Eficaz, não é?".
Rim os p or qu e t em os cer t eza d e qu e a s d u a s cois a s t igr es e
fa r elo d e p ã o n ã o t êm n a d a qu e ver u m a com a ou t r a . No
en t a n t o, com o a con t ece com Na s r u d in , n os s a p r á t ica e n os s a s
vid a s cos t u m a m b a s ea r -s e em fa ls a s gen er a liza ções qu e n a d a t êm
qu e ver com a r ea lid a d e. S e n os s a vid a es t á a licer ça d a em
con ceit os gen er a liza d os , p od em os a gir com o Na s r u d in , es p a lhando
fa r elo d e p ã o p a r a m a n t er os t igr es a fa s t a d os . Dizem os , p or
exem p lo, "E u a m o a s p es s oa s ", ou "E u a m o m eu m a r id o". A
verdade é que ninguém ama ninguém o tempo todo e ninguém ama
o m a r id o ou a es p os a o t em p o t od o. E s s a s gen er a lid a d es
ob s cu r ecem a r ea lid a d e es p ecífica e con cr et a d a n os s a vid a ,
daquilo que está acontecendo conosco neste dado momento.
Cla r o qu e p os s o a m a r o m a r id o qu a s e o t em p o t od o. Ain d a
a s s im , a gen er a liza çã o em s i d eixa d e for a a r ea lid a d e m u t á vel e
ca m b ia n t e d e u m a r ela çã o r ea l. Da m es m a m a n eir a , d izer "E u a m o
o m eu t r a b a lh o", ou "A vid a é d u r a com igo". Qu a n d o com eça m os a
p r a t ica r , em ger a l a cr ed it a m os em op in iões gen er a liza d a s e a s
exp r es s a m os . Pod em os p en s a r , p or exem p lo, "S ou u m a p es s oa
a t en cios a ", ou "S ou u m a p es s oa t er r ível". Por ém , n a r ea lid a d e, a
vida nunca é uma generalidade. A vida sempre é específica: é o que
es t á a con t ecen d o n es t e exa t o m om en t o. A p r á t ica s en t a d a a ju d a -
n os a en xer ga r em m eio a o n evoeir o d a s gen er a liza ções a cer ca d e
n os s a s vid a s . Con for m e va m os p r a t ica n d o, n os s a t en d ên cia é
abandonar nossos conceitos generalizados em favor de observações
m a is es p ecífica s . Por exem p lo, em lu ga r d e "Nã o con s igo t oler a r
m eu m a r id o", ob s er va m os "Nã o con s igo s u p or t a r o m eu m a r id o
qu a n d o ele n ã o s e cu id a ", ou "Nã o con s igo m e s u p or t a r qu a n d o
faço isso ou aquilo". Em vez de conceitos generalizados, vemos com
m a is cla r eza o qu e es t á s e p a s s a n d o. Nã o fica m os m a is r eves t in d o
os acontecimentos com grandes pinceladas de verniz.
Nos s a exp er iên cia d e u m a ou t r a p es s oa ou s it u a çã o n ã o é
a p en a s u m a cois a s ó. Pod e in clu ir m ilh a r es d e p en s a m en t os e
r ea ções m en or es . Um p a i p od e d izer "Am o a m in h a filh a ", e, n o
en t a n t o, es s a gen er a liza çã o ign or a m om en t os t a is com o ' 'Por qu e
ela é t ã o im a t u r a ?", ou "E la es t á s en d o ign or a n t e". Qu a n d o n os
s en t a m os p a r a p r a t ica r , ob s er va n d o e r ot u la n d o n os s os p en -
s a m en t os , t or n a m o-n os m a is fa m ilia r iza d os com o in ces s a n t e
t r a n s b or d a m en t o d e n os s a s op in iões ã r es p eit o d e t u d o e d e n a d a .
E m vez d e a p en a s n ivela r p or b a ixo o m u n d o t od o em gen er a li-
zações va zia s , t or n a m o-n os côn s cios d e n os s os con ceit os e ju l-
ga m en t os m a is es p ecíficos . Ao n os fa m ilia r iza r m os m a is com o
n os s o p en s a m en t o, d es cob r im os qu e es t a m os m u d a n d o, d e u m
momento para o outro, assim como nossas idéias mudam.
E s cu t em os o qu e d iz u m a cer t a m oça . E la es t á s a in d o com
um rapaz há algum tempo. Ela pensa que as coisas estão indo bem.
S e lh e p er gu n t a s s em , ela d ir ia qu e r ea lm en t e s e im p or t a m u it o
com ele. Nes t e m om en t o ele lh e t elefon a . Va m os ou vir n ã o s ó o qu e
ela diz para ele, mas também o que ela está pensando para si:
Qu e b om qu e você es t á liga n d o p a r a m im . Você p a r ece
ótimo ("Mas devia ter telefonado mais cedo").
Ah , en t ã o você foi a lm oça r com fu la n a , É s im , ela é
en ca n t a d or a . Ten h o cer t eza d e qu e você gos t ou m u it o d a com -
panhia dela ("Eu te mato!").
Você es t á a ch a n d o qu e es t ou m eio s em a s s u n t o? Qu e n ã o
s ou m u it o d e fa la r ? Bom , ob r iga d a p or s u a op in iã o ("Você m a l m e
con h ece! Com o ou s a fa zer es s a es p écie d e gen er a liza çã o a m eu
respeito!").
Você foi b em n o exa m e? Fico feliz p or is s o. Qu e b om p a r a
você! ("Ma s es t á s em p r e p en s a n d o n ele! S er á qu e t er ia a lgu m
interesse pela minha vida?")
Você gos t a r ia d e s a ir a m a n h ã à n oite p a r a ja n t a r ? E u
a d or a r ia ir . S er ia ót im o vê-lo d e n ovo! ("Fin a lm en t e m e con vidou!
Só queria que não tivesse deixado para o último instante!")
E s s a é u m a con ver s a p er feit a m en t e cor r iqu eir a en t r e d u a s
p es s oa s , a qu ela es p écie d e fa r s a qu e p a s s a p or com u n ica çã o.
E s s a s p es s oa s p r ova velm en t e gos t a m u m a d a ou t r a . Mes m o a s sim,
ela es t a va for m u la n d o u m con ceit o a p ós o ou t r o s ob r e ele e s ob r e
si mesma. A conversa foi um verdadeiro mar de material conceituai;
foi com o d ois gr a n d es n a vios qu e s e cr u za m em a lt o-m a r à n oit e
total ausência de contato.
Den t r o d a p r á t ica zen cos t u m a m os d eb a t er con ceit os ilu s ó-
r ios o t em p o t od o: "Tu d o é p er feit o s en d o com o é"; "Tod os es t ã o
fa zen d o o m elh or qu e p od em "; "Tod a s a s cois a s s ã o u m a s ó"; "S ou
u n a com ele". Ch a m a m os t u d o is s o d e a fa la çã o in ú t il d o zen ,
em b or a a s ou t r a s r eligiões t a m b ém t en h a m a s s u a s p r óp r ia s
ver s ões . Nã o é qu e a s d ecla r a ções s eja m fa ls a s . O m u n d o é uno.
Eu sou você. Tu d o é p er feit o s en d o com o é. Tod o s er h u m a n o n a
fa ce d o p la n et a e s tá fa zen d o o m elh or qu e p od e n es t e m om en t o. É
s em d ú vid a ver d a d e. Ma s , s e p a r a r m os n is s o, t er em os feit o d a
n os s a p r á t ica u m exer cício s ob r e con ceit os e t er em os p er d id o a
p er cep çã o con s cien t e d o qu e es t á a con t ecen d o con os co n es t e exa t o
segundo.
A b oa p r á t ica s em p r e im p lica a n a lis a r n os s os con ceit os .
Con ceit os s ã o à s vezes elem en t os ú t eis n a vid a d iá r ia ; t em os d e
usá-los . Tod a via p r ecis a m os r econ h ecer qu e u m con ceit o é s ó u m
con ceit o e n ã o a r ea lid a d e, e es s e r econ h ecim en t o ou con h e-
cim en t o len t a m en t e s e d es en volve con for m e va m os p r a t ica n d o. Aos
p ou cos p a r a m os d e "com p r a r " n os s os con ceit os . Nã o for mulamos
m a is ju lga m en t os ger a is d o t ip o: "E le é u m a p es s oa t er r ível", ou
"E u s ou u m a p es s oa t er r ível". Ob s er va m os n os s os p en s a m en t os :
"Pr efer ia qu e ele n ã o a t ives s e leva d o p a r a a lm oça r ". E n t ã o t em os
d e viven cia r a d or qu e a com p a n h a es s e p en s a m en t o. Qu a n d o
con s egu im os fica r com a d or com o u m a p u r a s en s a çã o fís ica , em
algum momento ela se dissolverá e então iremos nos adiantar até a
ver d a d e, qu e é t u d o s er p er feit o d o jeit o qu e é. Tod os e s tão fazendo
o m elh or qu e p od em . Ma s tem os d e p a r t ir d a vivên cia , qu e
fr eqü en t em en t e é d olor os a , e en t r a r n a ver d a d e em vez d e r eves t ir
n os s a s vivên cia s com u m a ca m a d a d e p en s a m en t os . As p es s oa s d e
n a t u r eza in t elect u a l s ã o p a r t icu la r m en t e p r op en s a s a com et er es t e
er r o: ela s p en s a m qu e o m u n d o r a cion a l d os con ceit os é o m u n d o
real. O mundo racional dos conceitos não é o mundo real, é apenas
uma descrição dele, um dedo apontando para a lua.
Va m os ilu s t r a r com a exp er iên cia d e a lgu ém t er s id o a gr edido.
Qu a n d o s om os cr it ica d os ou t r a t a d os d e m a n eir a in ju s t a , é
im p or t a n t e ob s er va r os p en s a m en t os qu e t em os e n os d es loca r a t é
o n ível celu la r d e n os s a m á goa , p a r a qu e n os s a p er cep çã o
con s cien t e s e t or n e a s s en s a ções n u a s e cr u a s , e n a d a m a is : n os s o
qu eixo qu e t r em e, a con t r a çã o n o p eit o, ou o qu e for qu e p os s a mos
es t a r s en t in d o n a s célu la s d e n os s o cor p o. E s s e viven cia r p u r o é
zazen. Qu a n d o p er m a n ecem os n ele, n os s o d es ejo d e p en s a r vem
vá r ia s vezes à t on a : ju lga m en t os , op in iões , r ecr im in a ções ,
r es p os t a s a t r a ves s a d a s . E n t ã o r ot u la m os os n os s os p en s a mentos e
m a is u m a vez volt a m os a o n ível celu la r d e vivên cia s , qu e é
p r a t ica m en t e in d es cr it ível, t a lvez a p en a s u m la m p ejo d e en er gia ,
talvez alguma coisa mais forte. Nesse espaço não há "eu" ou "você".
Qu a n d o s om os es s a vivên cia n ã o-d u a l p od em os en xer ga r a n os s a
s it u a çã o com m a is cla r eza . Pod em os ver qu e "ela es t á fa zen d o o
m elh or qu e p od e". Con s egu im os ver qu e nós es t a m os fa zen d o o
m elh or qu e p od em os . S e d izem os es s a s s en t en ça s s em o
com p on en t e cor p or a l d a vivên cia , n o en t a n to, n ã o s a b er em os qu a l
é a ver d a d eir a p r á t ica . Um a p er s p ect iva ca lm a , fr ia , r a cion a l, d eve
fundamentar-s e n a qu ele p u r o n ível celu la r . Tem os n eces s id a d e d e
con h ecer n os s os p en s a m en tos, mas isso não significa que devemos
p en s a r qu e eles s ã o r ea is , n em qu e d evem os a gir com b a s e n eles .
Ap ós ob s er va r n os s os p en s a m en t os a u t ocen t r a d os , m om en t o a p ós
m om en t o, a s em oções t en d em a s e equ a liza r . E s s a s er en id a d e
n u n ca p od er á s er en con t r a d a s e r eves t ir m os o qu e es t á r ea lm en t e
a con t ecen d o com u m a ca m a d a d e con ceit os filos óficos com o s e
fosse uma demão de verniz.
S ó qu a n d o n os em b r en h a m os p elo n ível viven cia l é qu e a vid a
t em s en t id o. É is s o qu e os ju d eu s e os cr is t ã os es t ã o d izen do
qu a n d o fa la m em es t a r com Deu s . Viven cia r é a lgo for a d o t em p o:
n ã o é o p a s s a d o, n ã o é o fu t u r o, n ã o é n em o p r es en t e n o s eu
s en t id o u s u a l. Nã o p od em os d izer o qu e é; p od em os a p en a s s ê-lo.
E m t er m os b u d is t a s t r a d icion a is , es s a es p écie d e vid a é s er a
própria natureza búdica. A compaixão brota dessas raízes.
Tod os t em os n os s os con ceit os fa vor it os . "S ou s en s ível.
Magôo-m e com fa cilid a d e." "S ou d o t ip o d e p es s oa qu e for ça a s
cois a s ." "S ou u m in t elect u a l." Nos s os con ceit os p od em s er ú t eis n o
n ível cot id ia n o, m a s p r ecis a m os en xer ga r s u a n a t u r eza gen u ín a .
Con ceit os qu e n ã o for a m viven cia d os s ã o u m a fon t e d e con fu s ã o,
d e a n s ied a d e, d e d ep r es s ã o; a t en d ên cia d eles é p r od u zirem
comportamentos que não são bons para nós nem para os outros.
Pa r a r ea liza r o tr a b a lh o d a p r á t ica , p r ecis a m os d e u m a
p a ciên cia in es got á vel, qu e t a m b ém s ign ifica r econ h ecer qu a n d o
não temos paciência. Sendo assim, precisamos ser pacientes com a
n os s a fa lt a d e p a ciên cia ; r econ h ecer qu a n d o n ã o qu er em os
p r a t ica r fa z t a m b ém p a r t e d a p r á t ica . Nos s os m om en t os d e
evit a çã o e r es is t ên cia fa zem p a r t e d o qu a d r o con ceit u a l qu e a in d a
n ã o es t a m os p r ep a r a d os p a r a exa m in a r . Tu d o b em n ã o es t a r m os
p r ep a r a d os . E n qu a n t o va m os n os p r ep a r a n d o, p ou co a p ou co,
abre-s e u m es p a ço e es t a r em os a p t os a viven cia r u m p ou co m a is e
d ep ois u m p ou co m a is . Res is t ên cia e p r á t ica a n d a m d e m ã os
d a d a s . Tod os r es is t im os à n os s a p r á t ica , p or qu e t od os r es is t im os
à s n os s a s vid a s . E s e a cr ed it a m os em con ceit os em vez d e n a
exp er iên cia d a qu ele m om en t o, s om os com o Na s r u d in : es t a m os
espalhando farelo de pão sobre as jardineiras para manter os tigres
afastados.
ALUNO: Às vezes , os con ceit os s ã o n eces s á r ios . Qu a l a
d ifer en ça en t r e u m con ceit o qu e m e s er ve e u m qu e m e con fu n d e?
Por exemplo, "olhe para os d ois la d os d a r u a a n t es d e a t r a ves s a r " é
uma generalização útil.
JOKO:
E s s e é u m b om exem p lo, u m u s o s en s a t o d a m en t e
human a . No en t a n t o, u m a gr a n d e p a r t e d o qu e s e p a s s a em
nossas cabeças não tem relação com a realidade.
ALUNO: Se a generalização ou o conceito surge de uma emoção
autocentrada então pode não ser proveitosa.
JOKO: Na con ver s a p elo t elefon e d a qu ela m oça , os
ju lga m en t os vin h a m d e em oções e op in iões ocu lt a s ; eram
cen t r a d a s em s eu ego. S eu s ju lga m en t os a r es p eit o d o r a p a z er a m
exp r es s ões d e s u a p r óp r ia n eces s id a d e e n a d a t in h a m qu e ver com
ele. Fa ls a s gen er a liza ções con ceit os p r eju d icia is s em p r e t êm
u m a t on a lid a d e em ocion a l p es s oa l. Por ou t r o la d o, ob s er va ções
s ob r e com o con s egu ir efet u a r com eficá cia u m cer t o t r a b a lh o, ou
s ob r e com o r es olver u m p r ob lem a d e m a t em á t ica p od em n ã o t er
quase nenhum contexto emocional. São pensamentos úteis, esses.
ALUNO: Pa r a m im es t á t ã o en cob er t o o n ível viven cia l, celu la r ...
JOKO: Lembre-se de que o nível vivencial não é uma coisa exó-
t ica e es t r a n h a . Pod e s er u m for r n iga m en t o n a p ele ou u m a
contração no meio do peito, um rosto crispado o nível vivencial é
b a s t a n t e b á s ico e n u n ca es t á m u it o d is t a n t e. É a qu ilo qu e s om os
exa t a m en t e a gor a . O n ível viven cia l n ã o é a J go es p ecia l e qu a n t o
m a is n os s en t a r m os p a r a p r a t ica r , m a is b á s ico n ós o
r econ h ecer em os . Nos p r im eir os a n os d e p r á t ica , con t u d o, h á m a is
p or viven cia r p or qu e vivem os n u m t u m u lt o d e em oções qu e ger a
muitas e muitas sensações.
Nu n ca evit a m os p or com p let o o n ível celu la r . Mes m o qu e
a com p a n h em os a n os s a r es p ir a çã o p or a p en a s u m fr a gm en t o d e
s egu n d o, en t r e p en s a m en t os , es t a m os t od os n o n ível celu la r em
a lgu m n ível. Qu a n t o m a is r ot u la m os n os s os p en s a m en tos e con -
t in u a m os volt a n d o p a r a a qu ilo qu e es t iver a con t ecen d o em n os sas
vivên cia s , m elh or . Pa s s a r a viver u m a vid a m a is viven cia l é a lgo
qu e p od e à s vezes d em or a r u m p ou co e à s vezes s er m u it o r á p id o,
d ep en d en d o d a in t en s id a d e d a p r á t ica . Qu a n d o n os d a m os con t a
d e qu e p r ecis a m os p r a t ica r 2 4 h or a s p or d ia é im p os sível
evitarmos o nível vivencial.
ALUNO: Um con ceit o qu e n u m cer t o m om en t o é p a r a m im
m u it o ca r r ega d o d e em oçã o, n u m ou t r o m om en t o p od e n ã o m e
a b a la r em a b s olu t o. Por exem p lo, p os s o fica r m e p r eocu p a n d o a
respeit o d e en con t r a r em p r ego. An t es d a en t r evis t a , es t a r ei
r ea lm en t e p r eocu p a d o com is s o e vou gen er a liza r a r es p eit o d a
s it u a çã o d a m in h a ca r r eir a p r ofis s ion a l. Dep ois qu e a en t r evis t a
es t iver con clu íd a , qu a n d o p en s o d e n ovo a qu ela m es m a cois a , n ã o
consigo imaginar como aquilo pôde ter me aborrecido.
JOKO: Tod os os p en s a m en t os ocor r em em con textos
es p ecíficos . E s t a é a qu es t ã o: en xer ga r o con t ext o es p ecífico e n ã o
s ó o p en s a m en t o ger a l. Nos s a r ea çã o a u m a p es s oa ou a u m
pensam en t o s er á d ifer en t e h oje d a qu e t er em os n a s em a n a qu e
vem , d ep en d en d o d e ca d a u m a d a s s it u a ções . S e você t ives s e u m
m ilh ã o d e d óla r es n o b a n co, p r ova velm en t e n ã o s e im p or t a r ia d e
con s egu ir a qu ele em p r ego ou n ã o. Ap en a s en t r a r ia ca lm a m en t e n a
s it u a çã o e d es fr u t a r ia a en t r evis t a . Tod a r ea lid a d e é es p ecífica,
im ed ia t a . Pod em os en con t r a r a s m es m a s p es s oa s e t er u m
pensamento a r es p eit o d ela s h oje, e já n a s em a n a qu e vem
(d ep en d en d o d a s m óveis s it u a ções p es s oa is ) ela s n os p a r ecer ã o
diferentes.
ALUNO: S e eu es t ou s em p r e p r es t a n d o a t en çã o à s s en s a ções
d o m eu cor p o, com o p os s o p r es t a r a t en çã o n a s cois a s qu e es t ã o à
minha volta, ou na tarefa que preciso executar? Por exemplo, como
p os s o joga r ca r t a s ou d ir igir e a in d a a s s im p r es t a r a t en çã o n a s
sensações de meu corpo?
JOKO: Pod em os foca liza r n u m a d et er m in a d a a t ivid a d e
en qu a n t o con t in u a m os r ecep t ivos a u m â m b it o m a is a m p lo d e
sensações . Por exem p lo, en qu a n t o es t ou fa la n d o a gor a com vocês ,
t a m b ém es t ou m u it o cien t e d e t u d o o qu e es t á s e p a s s a n d o com igo.
Is s o n ã o qu er d izer qu e n ã o es t ou p r es t a n d o t ot a l a t en çã o em
vocês. "Prestar atenção em vocês" faz parte da informação sensorial
total qu e r eceb o a gor a com o a m in h a vid a n es t e p r ecis o m om en to.
S e t en h o u m a p len a p er cep çã o con s cien t e d e m in h a vid a , es t a t em
d e in clu ir t u d o. Qu a n d o u m a lu n o e eu es t a m os con ver s a n d o em
daisan, m in h a a t en çã o es t á t ot a lm en t e volt a d a p a r a ele, m a s eu
es t ou s em p r e con s cien t e d e m in h a vid a . Min h a s a ções d ecor rem
desse contexto total e não somente de minha cabeça.
ALUNO: A con cen t r a çã o n a qu ilo qu e es t ou fa zen d o n es t e exa t o
m om en t o n ã o é exclu s iva . Qu a n d o es t ou a n a lis a n d o d a d os n o
com p u t a d or , lá n o t r a b a lh o, m in h a m en t e es t á r ep let a d es s a a n á -
lis e d e d a d os , m a s con s igo t er u m a p len a p er cep çã o con s cien t e d o
m eu cor p o. Nã o é qu e eu fiqu e s ó n o m eu cor p o. Nã o t en h o t em p o
p a r a fa zer is s o. Min h a s s en s a ções cor p or a is n ã o s ã o o foco
p r in cip a l d o qu e es t ou fa zen d o. Ma s é im p or t a n t e a ca d a m om en to
es t a r p er ceb en d o con s cien t em en t e a s s en s a ções fís ica s e t a m bém
a s m in h a s r ea ções a t u d o o qu e es t á a con t ecen d o. As s im , p os s o
es t a r n o m eio d e u m a a n á lis e es t a t ís t ica e, n o en t a n t o, a o m es m o
tempo, estar cônscio de outras coisas. Às vezes, é claro, me envolvo
d e t a l m a n eir a n u m a d et er m in a d a a t ivid a d e qu e m e es qu eço d e
t u d o o m a is . Por ém , qu a s e o t em p o t od o, m in h a p er cep çã o
consciente não está focalizada e não é exclusiva.
JOKO: A es s ên cia d a p r á t ica zen é s er t ot a lm en t e o qu e você
es t á fa zen d o. Ma s n ós n ã o s om os m u it o a s s im . Qu a n d o n ã o s om os ,
en t ã o n os s o foco p r ecis a r egr es s a r p a r a o n os s o cor p o. Qu a n d o
con s egu im os is s o, t om a -s e m a is fá cil en t r a r p or in t eir o n o qu e
es t a m os fa zen d o. Pod em os es t a r t ot a lm en t e con cen t r a d os n u m a
certa a t ivid a d e ou con s cien t es d e vá r ia s . A qu es t ã o é viven cia r o
que quer que esteja acontecendo. Um grande mestre de xadrez, por
exem p lo, tem u m im en s o a cú m u lo d e a p r en d iza d o e for m a ção
in t elect u a l; n o en t a n t o, n o m eio d o jogo, s u a p er cep çã o con s cien t e
es t á t ot a lm en t e n o m om en t o p r es en t e, e a p a r ece o m ovim en t o
exa t o a s er feit o. O a p r en d iza d o t écn ico es t á lá , m a s s u b or d in a d o à
sua intensa percepção consciente, que é o verdadeiro mestre.
ALUNO: Qu a n d o s e p r a t ica m ú s ica , é im p or t a n t e t om a r
consciência d e t od os os n íveis d a n os s a vivên cia . Qu a n d o es t ou
praticand o a lgo n ovo n o p ia n o, s e ign or a r m eu cor p o, é p os s ível
qu e m e a con t eça u m a t en d in it e, p or exem p lo. Is s o a con t ece m u it a s
vezes com os a lu n os n ovos . E , s e eu es t iver a p en a s p r es t a n d o
a t en çã o a os m eu s p en s a m en t os em ocion a is , fico d es cu id a d o em
termos das notas que estou executando.
JOKO: At é m es m o u m a m ín im a p er cep çã o con s cien t e d e
qu a n t o t em p o p a s s a m os "com p r a n d o" os n os s os p en s a m en t os
a u t ocen t r a d os é u m a p r á t ica ú t il. Cla r o qu e em p ou cos in s t a n t es
nós estaremos fazendo a mesma coisa de novo.
OUVINDO O CORPO
*
Essa é uma seqüência tradicional de imagens em que um homem doma aos poucos um
touro selvagem, assim aludindo ao progresso da prática, que da desilusão chega à
iluminação.
volt a p a r a o p er íod o d o p r é-ca m in h o, on d e n os vem os t ot a lm en t e
t om a d os p or n os s a s r ea ções . E s s a r ever s ã o n ã o é n em b oa , n em
ruim, apenas algo que fazemos.
E s t a r t ot a lm en t e à m er cê d o p r é-ca m in h o, n o en t a n t o, é n ã o
t er a m en or id éia d e qu e exis t e u m ou t r o ca m in h o p a r a s e ver a
vid a . Ad en t r a m os o ca m in h o d a p r á t ica , p or ém , qu a n d o com eça -
m os a r econ h ecer n os s a s r ea ções em ocion a is ; p or exem p lo, qu e
es t a m os s en t in d o r a iva e com eça n d o a cr ia r ca os . Com eça m os a
d es cob r ir qu a n t o m ed o s en t im os ou com qu e r egu la r id a d e t em os
pensamentos mesquinhos ou invejosos.
O p r im eir o es t á gio d a p r á t ica é es s e p r oces s o d e t or n a r -me
con s cien t e d e m eu s s en t im en t os e d e m in h a s r ea ções in t er n a s .
Rot u la r os p en s a m en t os a ju d a n es s e s en t id o. É im p or t a n t e s er
fir m e n es s a fa s e, p or ém , ca s o con t r á r io p er d er em os u m a b oa p a r t e
d o qu e s e p a s s a em n os s os p en s a m en t os e s en t im en t os .
Precisamos observar tudo o que se passa. Nos primeiros seis a doze
m es es d e p r á t ica p od em os s ofr er m u it o p or qu e com eça m os a n os
en xer ga r com m a is n it id ez e a r econ h ecer o qu e r ea lm en t e es t a m os
fa zen d o. Rot u la m os os p en s a m en t os , p or exem p lo: "E u qu er ia qu e
ele sumisse do mapa!", ou "Não consigo mais agüentar o jeito como
ela a r r u m a os t r a ves s eir os !". Nu m r et ir o in t en s ivo, es s es
p en s a m en t os t êm a t en d ên cia d e s e m u lt ip lica r con for m e va m os
fica n d o ca n s a d os e ir r it a d iços . Nos p r im eir os s eis a d oze m es es ,
abrirmo-n os p a r a n os s a vid a in t er ior p od e s er u m gr a n d e ch oqu e.
E m b or a es s e s eja o p r im eir o es t á gio d a p r á t ica , r es íd u os d ele
perma n ecem n os d ez ou qu in ze a n os s egu in t es , con for m e
continuamos a nos conhecer cada vez mais.
No s egu n d o es t á gio, qu e com eça d e m a n eir a t íp ica n o s e-
gu n d o a n o e s e es t en d e a t é o qu in t o, com eça m os a r om p er os elos
d os es t a d os em ocion a is , d ecom p on d o-os em s eu s com p onentes
fís icos e m en t a is . Con for m e p r os s egu im os r ot u la n d o p en samentos,
e quando começamos a saber o que significa vivenciar a nós, nosso
cor p o e a qu ilo qu e ch a m a m os d e o m u n d o ext er n o, os es t a d os
em ocion a is len t a m en t e com eça m a s e d es fa zer . Nu n ca
d es a p a r ecem p or com p let o, p or ém . A qu a lqu er m om en t o, p od emos
volt a r com t u d o p a r a o es t á gio a n t er ior e is s o n os a con t ece com
gr a n d e fr eqü ên cia . Mes m o a s s im , es t a m os com eça n d o u m n ovo
es t á gio. A d em a r ca çã o en t r e es t á gios n u n ca é p r ecis a , cla r o. Ca d a
um flui no seguinte. É mais uma questão de ênfase.
O es t á gio u m é o com eço d a con s cien t iza çã o d o qu e es t á s e
p a s s a n d o e d o m a l qu e is s o ca u s a . No es t á gio d ois , s om os
m ot iva d os a d es fa zer os elos d a s r ea ções em ocion a is . No es t á gio
t r ês , com eça m os a en con t r a r a lgu n s m om en t os d e p u r o viven cia r
s em os p en s a m en t os a u t ocen t r a d os : a p en a s o p u r o viven cia r em s i.
E m a lgu n s cen t r os zen , es s es es t a d os s ã o à s vezes ch a m a d os d e
experiências de iluminação.
No es t á gio qu a t r o, d e m a n eir a len t a e fir m e n os en ca m in h a -
m os p a r a u m es t a d o n ã o-d u a l d e vid a em qu e a b a s e d o exis t ir é
viven cia l, em vez d e s er d om in a d o p or fa ls os p en s a m en t os . É
im p or t a n t e lem b r a r qu e s ã o a n os e a n os d e p r á t ica im p lica d os em
todos esses estágios.
No es t á gio cin co, 8 0 a 9 0 % d a vid a é vivid a d e m a n eir a
viven cia l. Agor a viver é a lgo m u it o d ifer en t e d o qu e cos t u m a va s er .
Pod em os d izer qu e es s a é u m a vid a d o n ã o-ego, p or qu e o p equ en o
eu , a qu ele p r een ch im en t o em ocion a l a t r a vés d o qu a l vía m os a vid a
e qu e n os fa zia d es p en ca r , p r a t ica m en t e s e foi. Nes s a fa s e, é
im p os s ível o d is cíp u lo viver com o n o p r é-ca m in h o, fica n d o
p r is ion eir o d e t u d o e n a s m a lh a s d e s u a s r ea ções em ocionais.
Mes m o qu e a p es s oa qu is es s e r ever t er d o es t á gio cin co p a r a o p r é-
ca m in h o, ela n ã o o con s egu ir ia . No es t á gio cin co, es t ã o m u it o m a is
fortes a com p a ixã o e a va lor iza çã o d a vid a d a s ou t r a s p es s oa s .
Nes s e es t á gio, é p os s ível s er p r ofes s or e a ju d a r os ou t r os qu e s e
en con t r a m em ou t r os m om en t os d o ca m in h o. Os qu e ch ega r a m n o
es t á gio cin co p r ova velm en t e já s ã o p r ofes s or es d e u m jeit o ou d e
outro. Fr a s es com o "E u n ã o s ou n a d a " (e "Por t a n t o s ou t u d o") n ã o
s ã o m a is d es t it u íd a s d e s en t id o, com o fr a s es lit er á r ia s d e efeit o,
m a s cois a s qu e a p es s oa s a b e in t u it iva m en t e. E s s e con h ecim en t o
não é nada especial ou exótico.
Do ponto de vista teórico, existe um sexto estágio, o estado de
b u d a , em qu e a vid a t r a n s cor r e t od a em es t a d o viven cia l p u r o. Nã o
o conheço e duvido que alguém o atinja por completo.
De lon ge o m a is d ifícil d e t u d o é s a lt a r d o es t á gio u m p a r a o
d ois . Pr im eir o, d evem os t om a r con s ciên cia d e n os s a s r ea ções
em ocion a is e d e n os s a t en s ã o cor p or a l, d e com o n os d es in cu m -
b im os d e t u d o em n os s a s vid a s , m es m o qu e ocu lt em os a s n os s a s
r ea ções . Tem os qu e n os en ca m in h a r p a r a a m a is n ít id a
con s cien t iza çã o p os s ível, r ot u la n d o os n os s os p en s a m en t os e
começando a s en t ir a t en s ã o n o cor p o. Res is t im os a r ea liza r es s e
t r a b a lh o p or qu e ele com eça a d ila cer a r qu em n ós p en s á va m os s er .
Nes s e es t á gio, é ú t il t om a r con s ciên cia d e n os s o t em p er a m en t o
b á s ico, d e n os s a es t r a t égia p a r a en fr en t a r a p r es s ã o d e n os s a s
vid a s . A p s icot er a p ia t a m b ém p od e s er p r oveit os a n es s e es t á gio s e
for in t eligen t e. A b oa t er a p ia a ju d a -n os a a u m en t a r n os s o ca m p o
d e con s ciên cia . In felizm en t e, t er a p eu t a s b on s d e ver d a d e s ã o a t é
cer t o p on t o r a r os e a m a ior p a r t e d a s t er a p ia s n ã o é in t eligen t e e
inclusive incentiva a jogar culpa em outros.
Nesse cenário de lutas que é a transição do estágio um para o
d ois , com eça m os a n os d a r con t a d e qu e t em os es colh a . Qu a l é
es s a es colh a ? Um a é a r ecu s a d e p r a t ica r : "Nã o vou m a is r ot u la r
esses pensamentos; é um tédio. Vou só me sentar e ficar sonhando
com a lgu m a cois a a gr a d á vel". A es colh a é p er m a n ecer a t ola d o e
con t in u a r s ofr en d o (o qu e, in felizm en t e, s ign ifica qu e fa r em os os
ou t r os s ofr er t a m b ém ) ou en con t r a r a cor a gem p a r a m u d a r . On d e
en con t r a r es s a cor a gem ? E la a u m en t a con for m e n os s a p r á t ica
con t in u a e com eça m os a t om a r con s ciên cia d e n os s o p r óp r io
s ofr im en t o e (s e for m os d e fa t o p er s is t en t es ) d o s ofr im en t o qu e
ca u s a m os à s ou t r a s p es s oa s . Com eça m os a p er ceb er qu e, s e
recusarmos a b a t a lh a r a qu i, ca u s a r em os d a n os à vid a . Tem os d e
fazer uma escolha entre viver uma vida dramática e autocentrada e
ou t r a b a s ea d a n a p r á t ica . Ad ia n t a r -s e d e m a n eir a fir m e d o es t á gio
u m p a r a o d ois im p lica qu e n os s o d r a m a t em , len t a m en t e, d e
ch ega r a o fim . Do p on t o d e vis t a d o p equ en o eu , es s e é u m
sacrifício tremendo.
Qu a n d o es t a m os n os d eb a t en d o en t r e o es t á gio u m e o d ois ,
fa zem os ju lga m en t os m or a is : "E le r ea lm en t e m e d eixa ir a d o!";
"Sinto-m e r ejeit a d a !"; "S in t o-m e m a goa d o"; "E s t ou a b or r ecid a e
r es s en t id a "; "S in t o von t a d e d e m e vin ga r ". E s s a s s en t en ça s b r ot a m
d e n os s a s em oções . Tod a s s ã o m u it o s a b or os a s e a t é s ed u t or a s :
ela b or a m os u m d r a m a d e p r im eir a em cim a d e n os s a p os içã o d e
vít im a s d a vid a , d o qu e a con t eceu con os co, d e com o t u d o é
d ificílim o. Ap es a r d e n os s o s ofr im en t o t od o, n a ver d a d e a d or a m os
s er o cen t r o d e t u d o is s o: "S in t o-m e d ep r im id a "; "S in t o-me
en t ed ia d a "; "S in t o-m e a b or r ecid o"; "S in t o-m e ir r it a d o"; "S in t o-me
excit a d a ". E s s e é o n os s o d r a m a p es s oa l. Tod os t em os ver s ões d e
u m d r a m a p es s oa l, e s ã o n eces s á r ios a n os d e p r á t ica a n t es d e n os
s en t ir m os d is p os t os a con s id er a r s er ia m en t e a b a n d on á -lo. As
p es s oa s d es loca m -s e em velocid a d es d ifer en t es d evid o a d ifer en ça s
d e h is t ór ico p es s oa l, d e for ça , d e d et er m in a çã o. Ain d a a s s im , s e
for m os p er s is t en t es , com eça r em os a m u d a r d o es t á gio u m p a r a o
dois.
Qu a n t o m a is cla r a for a in s er çã o n o es t á gio d ois , com eça m a
s u ced er ca d a vez m a is p er íod os em qu e n os en con t r a m os d izen d o:
"Oh , t u d o b em . Nã o s ei p or qu e p en s ei qu e is s o fos s e u m gr a n d e
p r ob lem a ". Des cob r im os qu e vem os t u d o com u m a com p a ixão
cr es cen t e. E s s e p r oces s o n u n ca ch ega a fica r com p let o ou a
fin a liza r . E m qu a lqu er m om en t o p od em os m er gu lh a r d e volt a n o
es t á gio u m . Mes m o a s s im , n o ger a l, n os s a ca p a cid a d e d e
a p r ecia çã o a u m en t a e d es cob r im os qu e p od em os va lor iza r p es s oa s
qu e a n t es n ã o con s egu ía m os n em s equ er s u p or t a r . Nu m a b oa
p r á t ica , exis t e u m m ovim en t o qu a s e qu e in exor á vel, m a s d evem os
es t a r d is p os t os a p a s s a r t a n t o t em p o qu a n t o s eja p r ecis o em ca d a
passo. O processo não pode ser apressado.
E n qu a n t o in s is t ir m os n os ju lga m en t os em ocion a is qu e m en -
cion ei (e p od e h a ver in fin it a s va r ia ções d os m es m os ), p od em os
es t a r s egu r os d e qu e n ã o es t a m os in s t a la d os com fir m eza n o
es t á gio d ois . S e a in d a a cr ed it a m os qu e u m a ou t r a p es s oa n os fa z
s en t ir r a iva , p or exem p lo, p r ecis a m os r econ h ecer exa t a m en t e qu a l
é o nosso trabalho. Nosso ego é muito poderoso e insistente.
Qu a n d o n os d es loca m os p a r a o es t á gio t r ês , es t a m os a os
p ou cos d eixa n d o p a r a t r á s o es t á gio d u a lis t a d os ju lga m en t os
t er p en s a m en t os , em oções , op in iões a r es p eit o d e n ós e d os ou t r os ,
de tu do e do m u n do e n os en ca m in h a m os p a r a u m a vid a m en os
d u a lis t a e m a is s a t is fa t ór ia . Os ca s a is d is cu t em m en os en t r e s i,
com eça m os a d eixa r m a is em p a z os filh os ; os p r ob lem a s qu e
es t a m os en fr en t a n d o s e a t en u a m qu a n t o m a is r á p id o p er ceb em os
o qu e é a p r op r ia d o p a r a s er feit o. Algu m a cois a es t á d e fa t o
m u d a n d o. Qu a n t o t em p o is s o t u d o leva ? Cin co a n os ? Dez a n os ?
Depende da pessoa.
O continuum d a p r á t ica p od er ia s er d ivid id o d e d ifer en t es
m a n eir a s . Pod er ía m os s im p lifica r a a n á lis e com u m a a n a logia :
primeiro, exis t e o s olo, qu e é a qu ilo qu e s om os n es t e m om en t o d o
tempo. O solo pode ser de argila ou areia, rico em húmus" e adubo.
Pod e a t r a ir qu a s e n en h u m a m in h oca , ou m u it a s m in h ocas,
d ep en d en d o d e s u a fer t ilid a d e. O s olo n ã o é n em b om , n em m a u ; é
a qu ilo com qu e d ep a r a m os com o p on t o d e p a r t id a p a r a t r a b a lh a r .
Nã o t em os p r a t ica m en t e n en h u m con t r ole s ob r e o qu e os n os s os
p a is n os d er a m em ter m os d e h er ed it a r ied a d e e con d icionamento.
Nã o p od em os s er n a d a a lém d o qu e s om os n es t e p r ecis o m om en t o.
Tem os cois a s p or a p r en d er , s em d ú vid a ; m a s a qu a lqu er p on t o d o
p r oces s o s om os qu em s om os . Pen s a r qu e d ever ía m os s er qu a lqu er
ou t r a cois a é r id ícu lo. S im p les m en t e p r a t ica m os com a qu ilo qu e
somos. Esse é o solo.
Ao n os en t r ega r m os a o t r a b a lh o d e cu lt ivo d o s olo es t a m os
cobrin d o a qu eles qu e d en om in ei es t á gios d ois a qu a t r o. Tr a b a -
lh a m os com o qu e é o ch ã o a s s em en t es , o a d u b o, a s m in h o-
cas , a r r a n ca n d o a s er va s d a n in h a s , p od a n d o, u s a n d o m ét od os
naturais para produzir uma boa safra.
Do s olo qu e foi cu lt iva d o vem u m a colh eit a qu e com eça a
mostrar-s e b em evid en t e n o es t á gio qu a t r o e a u m en t a d a í em
d ia n t e. A colh eit a é a p a z e o con t en t a m en t o. As p es s oa s qu eixam-
s e p a r a m im d izen d o: "Ain d a n ã o s in t o con t en t a m en t o em m in h a
p r á t ica ", com o s e ela lh es fos s e p r op or cion a r es s a vivên cia . Qu em
n os d á es s e con t en t a m en t o? Nós n os ofer ecem os es s a vivên cia p or
m eio d e u m a p r á t ica in ca n s á vel. Nã o é a lgo qu e p os s a m os es p er a r
ou exigir . Ap a r ece qu a n d o a p a r ece. Um a vid a d e con t en t a m en t o
n ã o s ign ifica qu e es t eja m os s em p r e felizes e n a d a m a is . Significa
a p en a s qu e a vid a é r ica e in ter es s a n t e. Pod em os a t é d et es t a r
cer t os a s p ect os d o viver , m a s ca d a vez m a is é a lgo s a t is fa t ór io d e
se viver, num plano geral. Não nos engalfinhamos mais com a vida.
Res u m in d o: o p r im eir o es t á gio con s is t e em n os con s cienti-
za r m os d o qu e s om os em ocion a lm en t e, in clu in d o n os s o d es ejo d e
con t r ola r . O s egu n d o es t á gio é. d ecom p or a s r ea ções em s eu s
com p on en t es fís icos e m en t a is . Qu a n d o es s e p r oces s o com eça a
tornar-s e u m p ou co m a is a d ia n t a d o, com eça m os n o t er ceir o
estágio a p a s s a r a lgu n s m om en t os em p u r o viven cia r . Agor a o
p r im eir o es t á gio p a r ece b a s t a n t e r em ot o. No qu a r t o es t á gio,
movimentamo-n os com m a is lib er d a d e n o s en t id o d e viver
viven cia lm en t e, a fa s t a n d o-n os d os es for ços p a r a t a n t o. No qu in t o
es t á gio, a vid a viven cia l es t á a gor a in s t a la d a com fir m eza . De 8 0 a
9 0 % d o t em p o, a p es s oa es t á viven cia n d o s eu viver . O t em p o d o
pré-caminho ca t ivo d a s em oções p es s oa is e t r a n s fer in d o-a s p a r a
os ou t r os , p en s a n d o qu e a cu lp a d e n os s a s d ificu ld a d es é a lgu ém
qu e n ã o n ós a gor a é im p os s ível d e s er r et om a d o. A p a r t ir d o
es t á gio d ois em d ia n t e, a com p a ixã o e a a p r ecia çã o d os ou t r os
começam a crescer.
ALUNO: A s u a d es cr içã o d os es t á gios d a p r á t ica é m u it o ú t il. É
com o u m m a p a : n ã o n os d iz com o ch ega r a o fim , m a s n os p er m it e
saber onde nos encontramos ao longo do percurso.
JOKO:Com o a lgu ém "ch ega a o fim " d ep en d e d e ca d a p es s oa .
Tod os s om os d ifer en t es e os p a d r ões d e ego va r ia m d e p es s oa a
pessoa. Ainda assim, é útil ter uma imagem do padrão geral.
O qu e d es cr evi é b a s t a n t e p a r ecid o com a s d ez figu r a s
clá s s ica s d a s eqü ên cia d o t ou r o e d o h om em , m a s veio a p r es en -
tado em termos mais psicológicos porque essa forma de abordagem
é m a is con h ecid a h oje em d ia . No fu n d o, p or ém , p r á t ica é p r á t ica ;
p r ecis a m os en t r a r com t u d o o qu e s om os . Tem os s im p les m en t e d e
fazê-la. C, E, G. C, E, G. C, E, G.
CURIOSIDADE E OBSESSÃO
Um d e m eu s a lu n os d is s e-m e, h á p ou co t em p o, qu e p a r a ele
a m ot iva çã o t od a qu e s en t ia p a r a s en t a r e p r a t ica r er a a cu r ios i-
d a d e. E le es t a va a ch a n d o qu e eu ir ia d is cor d a r d ele e d esaprovar
es s a for m a d e p r a t ica r . A ver d a d e é qu e eu con cor d o p len a m en te.
Um a gr a n d e p a r t e d e n os s a vid a p a s s a m os p r es os em n os s os
p en s a m en t os , ob ceca d os com is t o ou a qu ilo, e n ã o ver d a d eir a -
m en t e n o p r es en t e. Ma s à s vezes n os in t r iga m os a n os s o p r óp r io
res p eit o e a r es p eit o d e n os s a s ob s es s ões : "Por qu e s ou t ã o a n s ios o,
d ep r im id o ou a fob a d o?". Des s a s en s a çã o in t r iga n t e vem u m a
cu r ios id a d e e u m a d is p on ib ilid a d e p a r a a p en a s ob s er va r a n ós e a
n os s os p en s a m en t os , p a r a ver com o n os leva m os a fica r t ã o
contraria d os . O a r co r ep et it ivo d o p en s a m en t o r ecu a p a r a s egu n d o
p la n o e t om a m os con s ciên cia d o m om en t o p r es en t e. S en d o a s s im ,
a curiosidade é, em certo sentido, o coração da prática.
S e for m os cu r ios os d e ver d a d e in ves t iga r em os s em n en h u m
p r econ ceit o. S u s p en d er em os n os s a s cr en ça s p or a lgu m t em p o e
a p en a s ob s er va r em os , a p en a s n ot a r em os . Qu er em os in ves t iga r a
n ós m es m os , d e qu e m od o leva m os n os s a vid a . S e fizer m os is s o d e
m a n eir a in t eligen t e, exp er im en t a r em os a vid a m a is d e p er t o e
com eça r em os a vê-la com o é. Por exem p lo, es t a m os a qu i s en t a dos.
Va m os s u p or qu e, em vez d e n os p r eocu p a r m os com u m a cois a ou
ou t r a , n ós d ir igim os n os s a a t en çã o p a r a a n os s a exp eriência
im ed ia t a . Pr es t a m os a t en çã o n o qu e es t a m os es cu t a n d o. S en t im os
n os s os joelh os d olor id os e ou t r a s s en s a ções em n os s o cor p o.
Dep ois d e a lgu m t em p o, p er d em os n os s o foco, e n os s os
p en s a m en t os com eça m a fer vilh a r e for m a r a r cos d e r ep et içã o, u m
a t r á s d o ou t r o, Qu a n d o n os d a m os con t a d e qu e n os d es via mos,
volt a m os a p r es t a r a t en çã o. E s s e é o p a d r ã o n or m a l d a p rática
s en t a d a . O qu e es t a m os d e fa t o fa zen d o é in ves t iga r a n os s a
p es s oa , os n os s os p en s a m en t os , a n os s a vivên cia : ou vimos,
s en t im os , p er ceb em os o od or d a s cois a s . Nos s a s s en s a ções
a cion a m p en s a m en t os e n os s a m en t e s e la n ça n u m ou t r o a r co.
E n t ã o p er ceb em os es s e a r co r ep et it ivo. Nos s o foco d e in ves t iga ção
m u d a u m p ou co e com eça m os a con s id er a r : "O qu e é t od o es s e
p en s a r ?"; "O qu e é qu e eu fa ço?"; "No qu e es t ou p en s a n do?";
"Com o é qu e eu es t ou con s t a n t em en t e p en s a n d o a r es p eit o d is s o e
não daquilo?".
Se ob s er va r m os o n os s o p en s a m en t o em vez d e cor r er m os
com ele, com o t em p o a n os s a m en t e s e a qu iet a r á e n ós in ves t i-
ga r em os o m om en t o s egu in t e. E s s a p er cep çã o con s cien t e p od eria
s er : "E s t ou s en t a d a a qu i h á h or a s e o m eu cor p o t od o es t á
com eça n d o a d oer ". E n t ã o in ves t iga m os is s o. O qu e d ói? O qu e é
r ea lm en t e is s o? Dep ois d e a lgu m t em p o t om a m os con s ciên cia n ã o
s ó d e n os s a s s en s a ções fís ica s , m a s d e n os s os p en s a m en t os a
r es p eit o d ela s t a m b ém . Ob s er va m os o fa t o d e qu e n ã o qu er emos
fica r d e jeit o n en h u m s en t a d os a qu i. Ob s er va m os n os s os
pensamentos rebeldes: "Quando será que vão tocar o sino para que
eu p os s a m e m ovim en t a r ?". Rep a r a r é u m a for r n a d e cu r iosidade,
u m a in ves t iga çã o d o qu e é. Ap en a s p r es t a m os a t en çã o n a qu ilo qu e
está implicado em nossa vida ou em nossa prática sentada.
E s s e p r oces s o p od e ocor r er n ã o s ó qu a n d o n os s en t a m os
p a r a p r a t ica r , m a s em ou t r a s op or t u n id a d es . Va m os s u p or qu e
es t ou n o con s u lt ór io d o d en t is t a p a r a ob t u r a r u m a cá r ie. Ob s er vo
m eu s p en s a m en t os a r es p eit o d o t r a b a lh o d o d en t is t a : "E u n ão
gos t o d e leva r u m a in jeçã o n a gen giva !". Ob s er vo a s u a ve t en s ã o
qu e a con t ece a s s im qu e o d en t is t a en t r a n a s a la . E n qu a n t o n os
cu m p r im en t a m os ed u ca d a m en t e "Olá , com o va i?" ob s er vo
qu e m eu cor p o es t á con t r a in d o. E n t ã o ch ega a a gu lh a . Ap en a s
s in t o e fico com es s a s en s a çã o. O d en t is t a a ju d a com a lgu m a s
in s t r u ções : "Con t in u e a p en a s r es p ir a n d o. Res p ir e fu n d o...". É
com o t r ein a r p a r a u m p a r t o n a t u r a l: qu a n d o a com p a n h a m os a
respiração, não pensamos na dor. Simplesmente somos a dor.
Ou t a lvez es t eja m os n o n os s o a m b ien t e d e t r a b a lh o. J á
d elin ea m os n os s a s t a r efa s p a r a a p a r t e d a m a n h ã . E n t ã o o ch efe
en t r a e d iz: "Tem os u m p r a zo a p er t a d o a gor a . Deixem o qu e
es t a va m fa zen d o. Pr ecis o d is t o p r on t o a n t es d o r es t o. Da qu i a u m a
h or a ". S e t em os p r a t ica d o s en t a d os , ob s er va m os d e im ed ia t o a s
nossas reações corporais, no mesmo instante em que começamos a
fazer nossa tarefa. Observamos que o corpo começa a contrair-se e
qu e a lim en t a m os p en s a m en t os r es s en t id os : "S e ele m es m o fos s e
fa zer is s o n ã o es p er a r ia qu e fica s s e p r on t o em u m a h or a ".
Ob s er va m os n os s os p en s a m en t os e en t ã o os a b a n d on a mos,
volt a n d o p a r a o qu e t em os d ia n t e d e n ós e p r ecis a s er feit o,
Mergulhamos nisso.
Pod em os in ves t iga r t od a a n os s a vid a d es s a m a n eir a . "O qu e
estou sentindo? O que acontece comigo quando a vida faz o que ela
fa z?'' As a b r u p t a s exigên cia s d o ch efe s ã o a p en a s a lgo qu e a vid a
faz para mim. Da mesma forma, precisar obturar um dente é o que
a vid a fa z com igo. Ten h o s en t im en t os e p en s a m en t os a r es p eit o d e
ca d a in cid en t e. Qu a n d o p er m a n eço com os s en t im en t os e
p en s a m en t os , a s s en t o-m e em a p en a s es t a r a qu i, em a p en a s es t a r
com a s cois a s qu e a con t ecem d o jeit o qu e a con t ecem , in d o
s im p les m en t e a t é a cois a s egu in t e. Na h or a d o a lm oço, o ch efe
volta e pergunta: "Você ainda não terminou aquilo?". Ele não disse:
"O qu e h á d e er r a d o com você?", m a s r eceb em os es s a m en s a gem .
S en t im os n os s o cor p o ou t r a vez t en s ion a r . Ob s er va m os n os s os
p en s a m en t os r es s en t id os a r es p eit o d ele. Fa zem os u m a lm oço
r á p id o em vez d a h or a in t eir a qu e t ín h a m os p la n eja d o leva r
almoçando. Depois corremos de volta para o trabalho.
Qu a n d o t em os a gr a n d e s or t e d e fa zer u m t r a b a lh o d o qu a l
gostamos de verdade, também observamos as reações. Observamos
qu e o cor p o r ela xa m a is . Ob s er va m os qu e en t r a m os com m a is
fa cilid a d e n a t a r efa . Fica m os a b s or vid os , o t em p o p a s s a m a is
d ep r es s a , e n os s os p en s a m en t os s ã o m a is in fr eqü en t es p or qu e
gos t a m os n ã o é m a is im p or t a n t e d o qu e a qu ilo qu e d et es t a mos,
porém. E quanto mais tempo praticamos, mais o fluxo de momento
a m om en t o p r es id e n os s o viver , in d ep en d en t e d e n os sas
p r efer ên cia s e a ver s ões . Tem os con s ciên cia d a s it u a çã o con forme
ela flu i p or n ós e n os d eixa p a r a t r á s . E s t a m os s ó fa zen d o o qu e
es t a m os fa zen d o. E s t a m os cien t es d o flu xo d a exp er iên cia . Na d a
es p ecia l. Ma is e m a is o flu xo in s t a la -s e e p r om ove u m a vid a
bastante boa.
Não é que tudo passe a ser agradável. Não podemos antecipar
o qu e a vid a ir á n os p r op or cion a r . Qu a n d o n os leva n t a m os p ela
m a n h ã , n ã o s a b em os qu e à s 1 4 h or a s ir em os qu eb r a r a p er n a .
Nu n ca s a b em os o qu e es t á p or a con t ecer . É p a r t e d o p r a zer d e s e
estar vivo.
A prática nada mais é que essa atitude de curiosidade: "O que
es t á a con t ecen d o a qu i, a gor a ? No qu e es t ou p en s a n d o? O qu e
es t ou s en t in d o? O qu e a vid a es t á m e a p r es en t a n d o? O qu e es t ou
fa zen d o com is s o? Qu a l é a cois a in t eligen t e p a r a s e fa zer a es t e
r es p eit o? O qu e é a cois a in t eligen t e d e s e fa zer com u m ch efe qu e
já es t á ir r it a d o e for a d o b om s en s o? O qu e fa ço qu a n d o ob t u r a r
u m d en t e s e t or n a u m a d or in s u p or t á vel?". A p r á t ica d iz r es p eit o a
es s a s for m a s d e in ves t iga çã o. Qu a n t o m a is ch ega m os a u m a cor d o
com n os s os p en s a m en t os e r ea ções p es s oa is , m a is p od em os
s im p les m en t e es t a r n a qu ilo qu e p r ecis a s er feit o. É is s o qu e
com p õe em es s ên cia a p r á t ica zen : fu n cion a r d e u m m om en t o p a r a
o outro.
Tem u m a m os qu in h a n es t a s op a , con t u d o. A m os ca é qu e
m u it a s vezes n ã o s om os cu r ios os a cer ca d a vid a , n em a b er t os p a r a
ela . E m vez d e exa m in a r com in t er es s e es s e ch efe d ifícil, vem o-nos
a p r is ion a d os em p en s a m en t os e r ea ções a es s a s it u a çã o. At ola m o-
n os em d es vios m en t a is ob s es s ivos , em a r cos r epetit ivos d e
p en s a m en t os . S e n u n ca p r a t ica m os o zen , p od em os fica r n es s es
a r cos r ep et it ivos qu a s e qu e 9 5 % d o t em p o. S e es t ivemos
p r a t ica n d o b em já h á a lgu n s a n os , t a lvez p er m a n eça m os n es s es
arcos entre 5 e 10% do tempo.
Com respeito àquele chefe difícil, o arco de pensamentos pode
s er : "Ma s qu em ele p en s a qu e é? E le a ch a qu e vou fa zer is s o t u d o
em u m a h or a ? Ma s é r id ícu lo!". A r es is t ên cia a p a r ece. "Vou d a r
u m a liçã o n ele!" Pod em os ch ega r a t é a s a b ot a r o s er viço qu e
p r ecis a s er feit o. S e n ã o o s a b ot a m os , p od em os fa zer is s o con os co,
mantendo-n os a t ola d os em n os s os p en s a m en t os e em n os s a r a iva .
Per t o d o fin a l d o d ia , ir em os p a r a ca s a es got a d os e fa la r em os p a r a
qu em es t á lá com o h oje o ch efe es t a va im p os s ível. "Nin gu ém
con s egu e t r a b a lh a r com ele. E le es t á a r r u in a n d o a m in h a vid a ."
Nes s a s a ca lor a d a s r ea ções p es s oa is n ã o vem os a p r es en ça d e u m a
p os t u r a cu r ios a e in ves t iga t iva . E m vez d ela , m a n t em o-n os a t a d os
p elo la ço d a ob s es s ã o m en t a l. Nã o ob s er va m os a p en a s n os s os
p en s a m en t os a r es p eit o d o ch efe: em lu ga r d is s o, a cr ed it a m os qu e
a lgu m a va lid a d e exis t e p a r a t er m os r od op ia d o o d ia t od o em t or n o
d e n os s os p en s a m en t os en r a ivecid os , em vez d e en xer gá -los em
s u a s im p les n a t u r eza , s en t in d o a con t r a çã o cor p or a l qu e a p a r eceu
em fu n çã o d eles , e, ta n t o qu a n t o n os fos s e p os s ível, volt a r p a r a o
trabalho fazendo algo que solucionasse aquele problema.
A p r á t ica s en t a d a é exa t a m en t e is s o: es t a m os in ves t iga n d o a
n os s a vid a . Ma s , qu a n d o n os p er d em os em n os s os fios a u t o-
cen t r a d os d e p en s a m en t os , n ã o es t a m os m a is in ves t iga n d o cois a
n en h u m a . E s t a m os p en s a n d o em com o t u d o é r u im , ou cu lp a n d o
a lgu ém d e a lgu m a cois a , ou n os r ecr im in a n d o. Ca d a p es s oa t em
s eu es t ilo p r óp r io, qu e é com o ju s t ifica m os n os s a exis t ên cia .
Gos t a m os qu e n os s os a r cos r ep et it ivos d e p en s a m en t os cr es ça m .
S en t im os p r a zer n is s o d e ver d a d e a t é com eça r m os a p er ceb er
que eles arruínam a nossa vida.
As p es s oa s s e p er d em em m u it os t ip os d ifer en t es d e a r cos d e
p en s a m en t os . Pa r a a lgu m a s é: "Nã o con s igo fa zer n a d a en quanto
n ã o t iver en t en d id o t u d o". Por is s o r ecu s a m -s e a a gir a t é t er em
a n a lis a d o t u d o. Ou t r a s r es p on d em a ch efes d ifíceis d izen d o: "Vou
fazer o trabalho, mas do meu jeito. E não vou mexer nisso a menos
qu e p os s a s a ir p er feit o". Um p er feccion is m o ob s es s ivo p od e s er o
la ço qu e n os a t a . E s t e t a m b ém p od e s er d e n a t u r eza filos ófica , e
en t ã o p r ecis a m os con s t ela r u m a im a gem com p let a d e com o a s
cois a s s e en ca ixa m u m a s n a s ou t r a s . E s s e la ço é n o fu n d o u m a
t en t a t iva d e t or n a r s egu r a a n os s a vid a : p en s a m os qu e,
en t en d en d o t u d o, t er em os m a is s egu r a n ça . Um a ou t r a es p écie d e
laço é t or n a r -s e ob s es s iva m en t e ocu p a d o e tr a b a lh a r o t em p o
in t eir o. Um es t ilo cor r ela t o é fa zer m u it a s cois a s a o m es m o t em p o,
Nos s os a r cos r ep et it ivos d e p en s a m en t os s ã o o n os s o es t ilo p es s oa l
e d es cob r im os o qu e s ã o qu a n d o r ot u la m os os n os s os
pensamentos. É por isso que rotular pensamentos é tão importante.
Tem os d e s a b er on d e e com o gos t a m os d e n os en r ed a r em
p en s a m en t os ; t em os d e con h ecer nosso p r óp r io es t ilo p es s oa l d e
fazer esses arcos e laços de nos atar.
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , n os in t eir a m os d e como
é qu e p r efer im os n os lu d ib r ia r . Qu a n d o es t a m os n os en ga nando,
p r es os em n os s os a r cos e la ços , n ã o es t a m os s en d o cu riosos,
a p en a s m ecâ n icos , a p en a s s egu in d o os d it a m es d e u m a d ecis ã o
b á s ica in con s cien t e qu e t om a m os em ou t r a ép oca : "Pr ecis o s er
d es s e jeit o e fa zer a qu ilo". Nã o con s egu im os p er ceb er n en h u m a
m en s a gem e n ã o con s egu im os en xer ga r o qu e es t á a con t ecen d o d e
ver d a d e. Nã o exis t e u m a ver d a d eir a cu r ios id a d e a cer ca d e com o
estamos funcionando e acerca de outros possíveis meios de se agir.
O la ço d os p en s a m en t os ob s es s ivos e a u t ocen t r a d os a t u d o a p er t a
e bloqueia. Nossa abertura e curios id a d e b á s ica s a r es p eit o d a vid a
foram-se com o vento.
Sentar-s e e p r a t ica r n ã o é a lgo qu e s e b a s eie em es p er a n ças.
Baseia-s e em n ã o s a b er , er n u m a p os t u r a d e s im p les a b er t u r a e
cu r ios id a d e. "Nã o s ei, m a s p os s o in ves t iga r ." Tod os n ós t em os o
n os s o es t ilo p a r t icu la r d e fr a ca s s a r n es s e s en t id o. Gos t a m os d e
p en s a r d e for m a cir cu la r e r ep et it iva ; gos t a m os d es s es a r cos
m en t a is m a is d o qu e d e n os s a p r óp r ia vid a . E s s es a r cos é qu em
n ós a ch a m os qu e s om os : "S ou es s e t ip o d e p es s oa ". Gos t a m os
d es s es p en s a m en t os e a t ivid a d es d e for t a lecim en t o d a s n os s a s
crenças, mesmo que sejam estéreis.
Qu a n t o m a is n os s en t a m os p a r a p r a t ica r e r ea lm en t e n os
t or n a m os m a is fa m ilia r iza d os con os co, m a is d is p os t os va m os
fica n d o p a r a s ó en xer ga r es s es a r cos m en t a is e d eixa r qu e s e vã o,
qu e s e d es fa ça m . Com eça m os a p a s s a r u m t em p o ca d a vez m a ior
n a p a r t e es s en cia l d a p r á t ica s en t a d a , qu e é a p en a s es t a r a b er t o e
cu r ios o, a p en a s d eixa n d o a vid a flu ir em p a z. Do p on t o d e vis t a d e
u m p r in cip ia n t e, p r a t ica r d es s a for m a é a cois a m a is t ed ios a d o
m u n d o. Qu a n d o s en t a m os , n a d a es t á a con t ecen d o, excet o qu e
ou vim os u m ca r r o p a s s a n d o lon ge, qu e n os s o b r a ço es qu er d o d eu
u m leve t r em or e qu e s en t im os o a r . Do p on t o d e vis t a d e u m a
p es s oa a p ega d a a s eu s p r óp r ios a r cos p es s oa is d e p en s a m en t os , é
n a t u r a l qu e s u r ja a qu es t ã o: "Pa r a qu e você qu er fa zer isto*! Que
importância isto t em ? ". Ap es a r d is s o, es s a p r á tica é de importância
cr u cia l p or qu e é n es s e es p a ço qu e a vid a a s s u m e o com a n d o. A
vida a in t eligên cia ou o fu n cion a m en t o n a t u r a l d a s cois a s
sabe o que fazer.
ALUNO:Qu a n d o m e s in t o d ep r im id o gos t o d e for m a r u m a
visualização onde eu me sinta bem.
JOKO: Is s o é u m la ço. Ach a m os qu e n ã o in t er es s a o m od o
com o es t a m os n os s en t in d o, qu e exis t e a lgu m a cois a er r a d a com a
s en s a çã o qu e es t a m os t en d o d e n ós . E n t ã o s u b s t it u ím os is s o p or
a lgo "m elh or " qu e in ven t a m os . S e, em vez d is s o, a p en a s in ves -
tigarmos o que é sentir-se abatido ou deprimido, e termos interesse
n es s a p es qu is a , ir em os d es cob r ir cer t a s s en s a ções cor p or a is e
cer t os p en s a m en t os qu e s er vir a m p a r a com p or a qu ela s en s a çã o
ger a l. Qu a n d o a gim os in t er ior m en t e d es s a m a n eir a , a d ep r es s ã o
t en d e a d es a p a r ecer e n ã o s en t im os m a is n eces s id a d e d e vis u a lizar
ou fantasiar um outro estado.
ALUNO: A in ves t iga çã o em s i n ã o p od e s er u m la ço ob s es s ivo?
Debruçar-s e s ob r e a vid a in t er n a com o u m d et et ive qu e s e d ebruça
s ob r e u m a evid ên cia com u m a lu p a : "E u fiz is s o e d ep ois a qu ilo, o
que me levou a fazer aquilo outro...".
J OKO: É u m a cois a s im p les m en t e ob s er va r o n os s o p r oces s o
interior como um fato, e outra ficar preso em por que o fazemos, no
qu e p od e es t a r er r a d o com is s o. S e es t a m os t en t a n d o r a s t r ea r a s
cois a s com o u m d et et ive em b u s ca d e d es ven d a r u m cr im e, n ã o
estamos fora do laço.
ALUNO: Há a lgu m p er igo em ob s er va r o la ço e s egu i-lo p or
onde ele levar? Esse processo poderia desenrolar-se para sempre?
JOKO: Nã o. S e es t a m os r ea lm en t e a p en a s ob s er va n d o n os s a s
obsessões sem nos aprisionarmos nelas, elas tendem a desfazer -se,
a m or r er . E m ger a l, n ós p er s egu im os n os s os a r cos r ep et it ivos d e
p en s a m en t os p or qu e d e fa t o qu er em os r et or n a r p a r a n os s o es t ilo
a u t ocen t r a d o d e p en s a r . No m es m o in s t a n t e em qu e s im p les m en te
ob s er va m os os n os s os p en s a m en t os , es s e a p ego a u t ocen t r a d o é
cor t a d o, e o a r co p er d e for ça , ^ão t em os d e n os p r eocu p a r com
u m a ob s er va çã o in t er m in á vel d e p en s a m en t os . Qu a n d o com eça -
m os a p r a t ica r s en t a d os , n os s os p en s a m en t os ou a r cos m en t a is
ob s es s ivos t êm m u it a en er gia , m a s es s e ím p et o s e d is s ip a con -
for m e va m os a u m en t a n d o os p er íod os d e p r á t ica . Ca d a vez m a is
n os s os p en s a m en t os ir ã o m or r en d o, e n ós s im p les m en t e seremos
nossas sensações corporais, a vida como ela é.
Nã o qu er o qu e a s p es s oa s a qu i a p en a s en gu la m o qu e es t ou
fa la n d o em s im p les b oa -fé. Qu er o qu e in ves t igu em o qu e es t ou
d izen d o p or s i m es m a s . É is s o qu e é a p r á t ica : u m p r oces s o d e
d es cob er t a p a r a n ós m es m os , a r es p eit o d e com o fu n cion a m os e
pensamos.
ALUNO: Algu m a s a t ivid a d es p a r ecem exigir qu e s e s iga u m a
s eqü ên cia d e p en s a m en t os . Por exem p lo, a p r ofis s ã o d e es cr it or ou
u m a p es qu is a filos ófica . E s s a s a t ivid a d es p a r ecem d ep en d er d a
ca p a cid a d e d e s u s t en t a r u m "a r co" ou u m a lin h a d e id éia s t a n t o
quanto possível.
JOKO: Cla r o, t u d o b em . Is s o é m u it o d ifer en t e, en t r et a n t o, d e
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os e ob s es s ivos . A fu n çã o cr ia t iva d e u m
es cr it or ou d e u m filós ofo s ó p od e a con t ecer s e a p es s oa não
es t iver es cr a viza d a p or s eu s p r óp r ios p en s a m en t os p es s oa is a n -
s ios os . Ob s er va r com o n os s a p r óp r ia m en t e t r a b a lh a , en xer ga r
n os s os a r cos m en t a is ob s es s ivos , em s u a n a t u r eza r ea l, p od e
libertar-n os p a r a u m u s o m a is im a gin a t ivo d e n os s a m en t e, s em
ficarmos atolados.
ALUNO: Há a lgu m a es p écie d e p en s a m en t o a r es p eit o d e s i
mesmo que não seja autocentrado?
JOKO: S im . E m ger a l t em os d e p en s a r a r es p eit o d e n os s a
p es s oa . Por exem p lo, u m a cá r ie a p a r ece em u m d en t e. Pr ecis o m e
organ iza r p a r a u m a id a a o d en t is t a . Is s o é p en s a r em m im , m a s
não necessariamente de uma maneira obsessiva e autocentrada.
ALUNA: Às vezes , p en s a r s ob r e a p r á t ica p od e s er u m la ço.
Pos s o for m a r u m a fa n t a s ia d e com o m in h a vid a va i s er
m a r a vilh os a s e eu s em p r e es t iver a t en t a a os m eu s p en s a m en t os e
sentimentos.
JOKO: S im . Nes s e ca s o, n ós n ã o es t a r em os s im p les m en t e
investiga n d o os n os s os p en s a m en t os , m a s a cr es cen t a n d o
es p er a n ça s ou exp ect a t iva s . Nã o s e t r a t a m a is d e u m a p es qu is a
a b er t a e cu r ios a . Com o d izia o m es t r e Rin za i: "Nã o p on h a ou t r a
ca b eça a cim a d a s u a ". E s s a é u m a ca b eça ext r a . Com u m a p r á t ica
s en t a d a con s is t en t e, cu id a d os a , com eça m os a d es em a r a n h a r es s es
laços e a reconhecer do que são feitos.
ALUNO: Qu a n d o es t ou à s volt a s com a lgu m a t a r efa m en t a l, em
ger a l m e en r ed o n u m p od er os o la ço d e a u t ocr ít ica . Por exem p lo,
qu a n d o es t ou es cr even d o, é fá cil p a r a m im in t er r om p er m eu flu xo
criativo de pensamentos com juízos críticos a respeito do que estou
fazendo. E n t ã o o p r oces s o in t eir o en t r a em cu r t o-cir cu it o e fico
paralisado.
JOKO: Sim. Como você poderia praticar com isso?
ALUNO: Ap en a s ob s er va n d o m eu s p en s a m en t os a u t ocr ít icos e
continuando com a atividade.
JOKO: Certo.
ALUNA: Per ceb o qu e p a r a m im é a t er r or iza n t e a p er s p ect iva d e
m eu s p en s a m en t os a u t ocen t r a d os r ea lm en t e d es a p a r ecer em . Meu
m ed o é qu e t a lvez eu n em exis t is s e m a is s em es s e a p ego fu n d a -
mental a mim mesma.
JOKO: S im . Ap en a s ob s er ve is s o. Qu a n t o m a is ob s er va m os
qu e não qu er em os qu e es s a m u d a n ça ocor r a m a is ,
p a r a d oxa lm en t e, t or n a m o-n os livr es p a r a p er m it ir qu e s e efet u e.
E la n ã o p od e s er for ça d a . Nã o h á n a d a a s er for ça d o. E s t a m os
a p en a s s en d o con s cien t em en t e p er cep t ivos , com a b er t u r a e
curiosidade.
ALUNO: Algumas pessoas dizem que meditação demais é depri-
m en t e e qu e p r ecis a s er equ ilib r a d a com ou t r a s a t ivid a d es m a is
felizes, como celebrações. O que você pensa a esse respeito?
JOKO. E m s i, n ã o h á n a d a n a vid a qu e s eja b om ou r u im . O
qu e é a p en a s é o qu e é, A d ep r es s ã o n ã o é m a is qu e cer t a s
sensações cor p or a is a com p a n h a d a s d e p en s a m en t os , os qu a is
p od em s er a m b os in ves t iga d os . Qu a n d o n os s en t im os d ep r im id os ,
precisam os t ã o-s om en t e ob s er va r a s en s a çã o e r ot u la r os
p en s a m en t os . S e d eixa m os a d ep r es s ã o d e la d o ou n os es qu iva m os
d ela , t en t a n d o s u b s t it u í-la p or a lgo com o ir a u m a fes t a , n ã o
t er em os in ves t iga d o n em en t en d id o a d ep r es s ã o. Ir a fes t a s p od e
en cob r ir a d ep r es s ã o p or u m cer t o t em p o, m a s ela volt a r á .
Dis fa r ça r n os s os s en t im en t os e p en s a m en t os é a p en a s u m ou t r o
tipo de laço.
ALUNO: Um d os m eu s la ços é p r eocu p a r -m e com o t r a b a lh o e
a s qu es t ões d e d in h eir o: "S er á qu e t er ei d in h eir o s u ficien t e p a r a a s
n eces s id a d es ? Con s igo s u s t en t a r a m in h a fa m ília ? Meu em p r ego é
s egu r o?". Min h a t en d ên cia é m a n t er -m e em a r a n h a d o n es s es
pensamentos ansiosos e preocupados.
JOKO: Cer t o. Ao in ves t iga r m os n os s os p en s a m en t os
ob s es s ivos , n ã o os a b a n d on a m os n em b a n im os . Ma s a os p ou cos
eles p er d em o p od er qu e exer cem s ob r e n ós , con for m e va m os
ven d o d o qu e s e com p õem e s en t in d o qu a l é o m ed o b á s ico qu e
lhes está por baixo. Lentamente eles se desmancham.
ALUNO: Per ceb o qu e a ch o qu e a s a t ivid a d es s ã o em s i
depriment es ou ca p a zes d e a legr a r e qu e m in h a t en d ên cia é
es qu ecer qu e is s o qu e ch a m a m os d e d ep r es s ã o ou con t en t a m en t o
é só u m b a n d o d e p en s a m en t os e s en s a ções qu e t em os com o
res p os t a d ia n t e d a s cois a s . E m ger a l, o qu e con s id er a m os com o
"a legr e" é s ó u m a fu ga m om en t â n ea d o qu e es t á s e p a s s a n d o
d en t r o d e n ós . E n tã o t em os m ed o d e p a r a r e n os p er m it ir
realmente sentir.
JOKO: É is s o m es m o. O con t en t a m en t o gen u ín o é s er es t e m o-
mento, a p en a s com o ele é. Viven cia r o m om en t o p od e s er s en t ir a
con t r a çã o qu e ch a m a m os d e d ep r es s ã o, ou p od e s er s en t ir a
con t r a çã o qu e ch a m a m os r eceb er b oa s n ot ícia s . S en d o a s s im , o
ver d a d eir o con t en t a m en t o es t á p or b a ixo t a n t o d a qu ilo qu e ch a -
m a m os d e d ep r es s ã o com o d o qu e ch a m a m os d e ela çã o. E xis t e
u m a es p écie d e qu a lid a d e im p es s oa l, ou vis ã o d ivin a d a s cois a s ,
que aparece naqueles que se sentam para praticar por muitos anos
a fio. Não estou falando de tomar-me fria e insensível ou cruel. Não
s ou u m a p es s oa in d ifer en t e, em b or a t en h a d es en volvid o es s a
qualidade impessoal em minha vida.
ALUNA: Há a n os eu já a con h eço e t en h o u m a s en s a çã o a
r es p eit o d is s o qu e você fa lou . Na m in h a op in iã o, con for m e você s e
t om ou m a is "im p es s oa l", você s e t or n ou m a is a fet iva , m a is
receptiva à aproximação dos outros.
JOKO: Nu m a cer t a ép oca eu t in h a m ed o d em a is p a r a p er m it ir
qu e a s p es s oa s ch ega s s em p er t o. Hoje vejo o qu e cos t u m a va s er
t ã o p er t u r b a d or e d igo: "Oh , is s o é qu e e s tá a con t ecen d o. Qu e
in t er es s a n t e". É s im p les m en t e u m a qu es t ã o d e in ves t iga çã o ou d e
cu r ios id a d e: "O qu e es t á a con t ecen d o a gor a ?". E s s a é a n os s a vid a .
Por exem p lo, ou t r o d ia m eu ca r r o levou u m a b a t id a . A ou t r a
m ot or is t a n ã o es t a va olh a n d o e eu t a m b ém n ã o en t ã o d em os
u m a t r om b a d a . E u n ã o t ive a m en or r ea çã o d e qu a lqu er es p écie.
Nã o es t ou d izen d o qu e é b om ou r u im , m a s com cer t eza é m a is
fá cil p a r a a s s u p r a -r en a is . S e a lgu ém t ives s e s e m a ch u ca d o eu
p od er ia t er t id o u m a ou t r a r es p os t a , m a is for t e, em b or a es t eja
cer t a d e qu e s er ia b em d ifer en t e d a qu ela qu e s er ia a m in h a r ea çã o
h á a lgu n s a n os . Tu d o é s im p les m en t e a vid a , u m p r es en t e qu e n os
é dado vivenciar.
T RANSFORMAÇÃO
*
Carlos Castaneda, Journney to Ixtlan: The lessons of Don Juan, Nova York: Simon and
Schuster, 1972.
p les m en t e a ter-s e a is s o, s em d es is t ên cia ou d es vio. Va m os s u por
qu e t em os u m h á b it o d e a cr ed it a r em p en s a m en t os com o "Nã o
va lh o n a d a ". A p r á t ica im p ecá vel s ign ifica qu e qu a s e n u n ca
d eixa m os d e p er ceb er t od a s a s vezes em qu e es s e p en s a mento
ocor r e. Mes m o qu e u m ou ou t r o es ca p e d e r ep en t e, p r á tica
im p ecá vel é a qu ela qu e s u s t en t a a p r es s ã o s ob r e n ós . Nã o s e t r a t a
d e es t a r m os t en t a n d o s er m elh or es , ou d e s er m os p ior es ca s o n ã o
con s iga m os . Mes m o a s s im , p r ecis a m os s er m et icu los os . Pr á t ica
im p ecá vel s ign ifica qu e n u n ca p a r a m os . O ca m in h o d a
t r a n s for m a çã o n ã o s ign ifica "Oh , já p r a t iqu ei b a s t a n t e p or h oje;
a ch o qu e vou s a ir p a r a m e d iver t ir ". Nã o h á n a d a d e er r a d o em s e
p a s s a r b on s m om en t os , m a s p r á t ica im p ecá vel é t er con s ciên cia
disso também. De outro modo, estamos apenas nos ludibriando.
Ap es a r d e m et icu los a , a p r á t ica m a d u r a n ã o t em es for ço. Nos
p r im eir os a n os , con t u d o, n ã o h á m eios d e evit a r m os a s lu t a s . Aos
p ou cos , a o lon go d os a n os , a lu t a t or n a -s e m en or . A p r á t ica n ã o é
t a m b ém a lgo p a r a s e d eixa r d e la d o qu a n d o a s cois a s s e t or n a m
d ifíceis . E m vez d e "As cois a s es t ã o t ã o com p lica d a s a gor a qu e vou
p r a t ica r n a s em a n a qu e vem ", p r ecis a m os p r a t ica r exa t a m en t e
a gor a , com es s a d ificu ld a d e qu e es t a m os a t r a ves s a n d o. S e n ã o for
a s s im , a p r á t ica é s ó m a is u m b r in qu ed in h o qu e es t a m os u s a n d o
para nos divertir, uma simples perda de tempo.
O ca m in h o d a t r a n s for m a çã o r equ er u m gu er r eir o im p ecá -
vel qu e n ã o é o m es m o qu e s er u m gu er r eir o p er feit o. E m vez
d is s o, es t a m os s em p r e fa zen d o o m elh or qu e p od em os , t r a b a -
lh a n d o com u m cu id a d o es p ecífico. E m lu ga r d e d ecid ir "Vou
t om a r con s ciên cia ", p r ecis a m os d ecid ir "Qu a n d o eu fizer is s o ou
a qu ilo vou t or n a r -m e em es p ecia l con s cien t e". E m vez d e t en t a r
t r a b a lh a r com t u d o d e u m a vez, t r a b a lh a m os com u m ou d ois
a s s u n t os p or vez, t a lvez p or d ois ou t r ês m es es , e a p en a s n os
m a n t em os con s is t en t em en t e a t en t os a es s es a s s u n t os . S e
d eixa m os qu e a p en a s u m s ó p en s a m en t o d es s es es ca p e, com o
"Mas eu sou mesmo uma pessoa que não tem jeito", sem tomarmos
con s ciên cia d ele, s en ã o b a s t a n t e t em p o d ep ois , en t ã o ir em os
querer praticar e sentar com ainda mais firmeza e tentar outra vez.
É p r ecis o qu e n os a p liqu em os com con s t â n cia , qu e con s olid em os a
r es is t ên cia m u s cu la r p a r a a lon ga e á r d u a jor n a d a . No fin a l,
p er ceb em os qu e não é u m a lon ga e á r d u a jor n a d a , m a s n ão
enxergaremos isso até o dia em que enxergarmos isso.
Qu a n d o es t ou lon ge d o cen t r o zen d e S a n Diego, a s p es soas
à s vezes com b in a m u m a p r á t ica d e d ois d ia s e r ea liza m -n a . Is s o é
bom. Nem todos podem participar; alguns têm filhos pequenos, por
exem p lo. Mes m o a s s im , en t r a r n u m a p r á t ica d es s e t ip o s en t a r -
s e d u r a n t e d ois d ia s , lu t a n d o p a r a m a n t er -s e con s cientemente
perceptivo é d o qu e es t a m os fa la n d o, Nu m a p r á t ica s ér ia n ã o h á
com o evit a r es s a es p écie d e es for ço. Há lu t a r e es for ça r -s e d u r a n t e
u m lon go t em p o. Nã o h á com o fu gir d is s o. Lu t a r e es for ça r -se
d es en volve for ça . S ign ifica cr es cer , a m a d u r ecer . Qu a n d o n os
qu eixa m os , qu a n d o n os s en t im os a m a r gos a r es p eit o d o qu e
a lgu ém fez p a r a n ós , a m a r gos p elo qu e a vid a n os fez, en t ã o
es t a m os s en d o cr ia n cin h a s . Deve h a ver u m gr a n d e s eio em a lgu m
lu ga r a o qu a l es t a m os t en t a n d o n os a ga r r a r . A p r a t ica zen t r a t a d e
cr es cer e a m a d u r ecer . Nã o d ever ía m os in icia r u m a p r á t ica a s s im
en qu a n t o n ã o a qu is és s em os m u it o. Devem os qu er er d e ver d a d e
uma vida que se irá transformar.
O HOMEM NATURAL
Nã o im p or t a h á qu a n t os a n os ven h a m os p r a t ica n d o, n os s a
t en d ên cia é com p r een d er d e m a n eir a er r a d a a n a t u r eza d a p r á t ica.
De u m jeit o ou d e ou t r o n ós s u p om os qu e a p r á t ica d iz r es p eit o a
cor r igir u m er r o. Im a gin a m os qu e, s e fizer m os is t o ou d om in a r m os
a qu ilo, p or fim con s egu ir em os s u p er a r o er r o qu e h á em n ós .
Nos s a s vid a s s er ã o "a jeit a d a s " e d e a lgu m a m a n eir a a gir em os
melhor.
Muitas formas de terapia começam pelo suposto de que existe
algo de errado com a pessoa que busca terapia, e que esse trabalho
s er vir ia p a r a con s er t a r o qu e es t á er r a d o. Tr a n s p om os es s a
atitude t ã o d ifu n d id a em n os s a cu lt u r a p a r a n os s a p r óp r ia
prática espiritual.
Pr es u m im os qu e a lgo n ã o es t á cer t o com n os s a s vid a s p or que
n ã o n os s en t im os con t en t es con os co. De n os s o p on t o d e vis t a
p es s oa l, a lgo e s tá er r a d o. O qu e p r ecis a s er en t en d id o a r es p eit o
desse dilema?
Pen s em os n u m fu r a cã o. Do p on t o d e vis t a d o fu r a cã o em s i,
n ã o h á o m en or p r ob lem a em d es t r u ir m ilh a r es d e á r vor es , em
d es t r u ir o s is t em a d e en ca n a m en t o, em m a t a r p es s oa s , em d es -
t r u ir a s p r a ia s et c. É is s o o qu e os fu r a cões fa zem . Do n os s o p on t o
d e vis t a , con t u d o, s ob r et u d o s e a n os s a ca s a foi d es t r u íd a p or u m
furacão, algo está muito errado. Se pudéssemos, daríamos um jeito
n os fu r a cões . S ó qu e a in d a n ã o con s egu im os ver o qu e p od e s er
feito.
In felizm en t e, qu a n d o t en t a m os d a r u m jeit o n a s cois a s , n a
m a ior ia d a s vezes cr ia m os u m con ju n t o t od o n ovo d e p r ob lem a s . O
a u t om óvel é u m a b ela in ven çã o qu e fa cilit a n os s a s vid a s d e
in ú m er a s m a n eir a s , p or ém , com o t od os n ós s a b em os , t r ou xe
con s igo t od o u m a r s en a l d e gr a n d es p r ob lem a s . E n t r egu e a s i
m es m a , a n a t u r eza fa z t od a es p écie d e con fu s ã o, m a s es s a p a r ece
ser uma confusão curativa, e o processo natural se restaura por si.
Qu a n d o a lim en t a m os a id éia d e qu e p r ecis a m os r esolver t od os os
p r ob lem a s d a vid a , p or ém , n ã o n os s a ím os t ã o b em . A r a zã o d e
n os s o fr a ca s s o es t á em qu e n os s os p on t os d e vis t a s ã o lim it a d os
a o qu e n os s o ego n eces s it a , a o qu e "eu qu er o". S e a qu ilo qu e es t á
acontecendo em nossa vida fosse aceito, nada nos perturbaria.
S er á qu e d ever ía m os a p en a s n os t or n a r p a s s ivos e p er m it ir
qu e t u d o fos s e com o é, s em fa zer n a d a a r es p eit o? Nã o. Ma s n os
m et em os em a p u r os p elos con t ext os em ocion a is qu e a cr es cen t a -
mos, pela atitude de que existe uma coisa errada que precisa ser
ajeitada.
E m p a r t icu la r , qu er em os qu e n os s os eu s p es s oa is s eja m
d ifer en t es d o qu e s ã o. Por exem p lo, qu er em os n os t or n a r "ilu -
m in a d os ". Im a gin a m os qu e u m eu ilu m in a d o é d e a lgu m a for m a
glor ifica d o, d ifer en t e, d es t a ca d o d o r es t o d os m er os m or t a is co-
muns. Ilu m in a çã o p a r ece-n os s er u m a gr a n d e con qu is t a , a r ea li-
za çã o excels a d o ego. E s s a â n s ia d e t or n a r -s e ilu m in a d o p en et r a
m u it os cen t r os es p ir it u a is com o u m a cor r en t e s u b t er r â n ea d e
excit a çã o a r es p eit o d a p r á t ica es p ir it u a l. Na r ea lid a d e, is s o é
ridículo.
Mes m o a s s im , qu a n d o n os s en t im os in felizes , gos t a m os d e
im a gin a r qu e p od em os en con t r a r a lgo qu e n os con s er t e, d e m od o
qu e n os s os r ela cion a m en t os s em p r e s eja m m a r a vilh os os .
Imaginamo-n os s em p r e n os s en t in d o b em , fa zen d o t r a b a lh os qu e
nunca d ã o m om en t os d e s ofr im en t o, qu e n u n ca n os a p r es en t a m
reveses.
Veja m os o qu e p od er ía m os ch a m a r d e "o h om em n a t u r a l".
(Pod er ía m os fa la r igu a lm en t e d a "m u lh er n a t u r a l", m a s n es t e
exem p lo fa lem os d o h om em .) Na Bíb lia , o h om em n a t u r a l s er ia o
Ad ã o a n t es d e s er exp u ls o d o ja r d im d o É d en , ou s eja , a n t es d e t er
t om a d o con s ciên cia d e s i com o u m eu s ep a r a d o. Com o er a es s e
homem natural? O que seria ser um homem natural?
ALUNO: O homem natural seria pleno de deslumbramento.
JOKO: E ver d a d e, em b or a ele n ã o s ou b es s e qu e er a p len o d e
d eslumbramento.
ALUNO: Nã o h a ver ia s en s o d e s ep a r a çã o en t r e ele e o m u n d o à
sua volta.
JOKO: Ma is u m a vez is s o é ver d a d e. E le t a m b ém n ã o t er ia
consciência dessa ausência de separação.
ALUNA: Ele simplesmente seria.
JOKO:S im . E le s er ia , s im p les m en t e. Com o s e com p or t a r ia ?
Por exem p lo, ele s er ia s a n t o, ou d e vez em qu a n d o s a ir ia p a r a
caçar?
ALUNO; Ele faria o que fosse preciso para viver.
JOKO: E le fa r ia o qu e fos s e p r ecis o p a r a s ob r eviver . S e
necessár io, ele ca ça r ia , com o os n a t ivos a m er ica n os qu e fa zia m
oferendas aos animais que tinham de matar.
ALUNO: Ele faria guerra com o povo de sua tribo?
JOKO: Pos s ivelm en t e, em b or a eu d u vid e qu e s e t r a t a s s e d e
uma matança. Talvez desacordos eventuais.
ALUNO: Pen s o qu e u m h om em n a t u r a l s er ia com o o m eu ga t o:
com e, d or m e, fa z o qu e p r ecis a s er feit o a ca d a m om en t o s em
tomar nenhuma consciência disso, ou pensar a respeito.
JOKO: É m u it o is s o. Os cã es s ã o u m m a u exem p lo p or qu e n ós
fa zem os d eles o qu e qu er em os qu e eles s eja m . J á os ga t os s ã o
mais independentes, mais como o homem natural.
O es t a d o n a t u r a l é d o qu e t r a t a a p r á t ica . S er u m a p es s oa
n a t u r a l n ã o qu er d izer qu e n os t or n em os u m a es p écie d e s a n t o.
Sem uma noção de separação entre nós e o mundo, porém, sempre
exis t e u m a b on d a d e e u m a p r op r ied a d e in a t a s em n os s a s a ções.
Por exem p lo, n os s a s d u a s m ã os n ã o s e com p or t a m d e m a n eir a
imprópria entre si porque fazem parte do mesmo corpo.
O homem natural aprecia alimentos. Ele aprecia amar. De vez
em qu a n d o fica con t r a r ia d o e p r ova velm en t e n ã o p or m u it o t em p o.
Pode sentir medo quando sua sobrevivência é ameaçada.
E m con t r a s t e com es s e qu a d r o, n os s a vid a é m u it o
a n t in a t u r a l. S en t im o-n os s er es s ep a r a d os d o m u n d o e is s o n os
a fa s t a d o ja r d im d o É d en . Qu a n d o n os d es t a ca m os d o m u n d o,
t a m b ém d es t a ca m os o b em d o m a l, o s a t is fa t ór io d o insatisfatório,
o a gr a d á vel d o d olor os o. Dep ois d e t er m os s ep a r a d o a s cois a s
d es s a m a n eir a , p er m a n ecer em os p a r a s em p r e t en t a n d o d ir igir -nos
p a r a u m d os la d os , evit a n d o o ou t r o, d e m od o a s ó en con trarmos
aquelas partes da vida que nos convêm.
A n a t u r eza é com o o fu r a cã o. S eja o qu e for qu e a con t eça ,
a con t ece. Nã o qu er em os is s o em n os s a vid a , p or ém . Qu er em os u m
fu r a cã o qu e a r r a s e a s ou t r a s ca s a s , m a s a n os s a n ã o. E s t a m os
s em p r e a t r á s d e u m p equ en in o n ich o d e s egu r a n ça em m eio a o
fu r a cã o d a vid a . Con t u d o es s e lu ga r n ã o exis t e. A vid a d iz r es p eit o
a a p en a s viver e a p r ecia r a qu ilo qu e vier . Por qu e n os s a s m en t es
s ã o egocen t r a d a s , p or ém , p en s a m os qu e a vid a s e t r a t a d e
protegermo-n os . Is s o n os m a n t ém ca t ivos . Um a m en t e egocen t r a d a
é a u t ocen t r a d a . Pa s s a t od o o s eu t em p o p en s a n d o em com o ir á
s ob r eviver e m a n t er -s e a s a lvo, con for t á vel, en t r et id a , s a t is feit a ,
n ã o a m ea ça d a , a ca d a en cr u zilh a d a . Qu a n d o vivem os a s s im ,
p er d em os o b on d e. Per d em os n os s o cen t r o. Qu a n t o m a is n os
a fa s t a m os d o cen t r o, m a is a n s ios a e excên t r ica quer dizer, longe
do centro nossa vida se torna.
Des d e n os s os p r im eir os m om en t os d e vid a , es t a m os d es en -
volven d o u m a m en t e egocen t r a d a . Viver d es s a for m a é a p en a s
olh a r a vid a d e u m a d et er m in a d a m a n eir a . Nã o exis t e n a d a
in t r in s eca m en t e er r a d o com is s o; é s ó qu e vem os a vid a a p en a s d e
n os s o p r óp r io p on t o d e vis t a . Nos s a n a t u r eza es s en cia l p er manece
in viola d a em t od os os m om en t os . Nã o p od em os vê-la , p or ém ,
p or qu e es t a m os a gor a s em p r e en xer ga n d o a p a r t ir d e u m a
perspectiva limitada e unilateral.
E s t a m os lon ge d e "s ó viver " com o u m h om em ou u m a m u lh er
n a t u r a is p r ova velm en t e viver ia m . E s t a m os p en s a n d o s ob r e o viver ,
o t em p o t od o. Ta lvez p a s s em os d e 8 0 a 9 0 % d o n os s o t em p o
fa zen d o is s o. E n os es p a n t a m os d e qu e n a d a p a r ece es t a r cer t o, d e
qu e n a d a é cer t o. De n os s o p on t o d e vis t a , es t a m os s em p r e m u it o
incomodados.
E n t r egu e a s eu s p r óp r ios r ecu r s os , o h om em n a t u r a l é es -
s en cia lm en t e b om . Ca ça qu a n d o p r ecis a . Fa z o qu e p r ecis a . Por
n ã o s e s en t ir s ep a r a d o, n o en t a n t o, ca u s a m u it o p ou co d a n o.
Ba s t a olh a r m os p a r a n ós p a r a ver m os o qu a n t o es t a m os d is t a n t es
dessa espécie de vida.
Nos s a t a r efa es s en cia l n a p r á t ica não é t en t a r a lca n ça r a l-
gu m a cois a . Nos s a ver d a d eir a n a t u r eza n os s a n a t u r eza b u d a
es t á s em p r e a í. S em p r e in viola d a . É p r es en t e. Recon h ecem os qu e
estamos s im p les m en t e b em qu a n d o en t r a m os em con t a t o com ela .
No en t a n t o, n ã o es t a m os em con t a t o com ela p or qu e n os
d es via m os p a r a u m d os la d os , s om os u n ila t er a is . E is s o cr ia os
problemas de nossas vidas.
Diz-s e com m u it a fr eqü ên cia qu e a es s ên cia d e qu a lqu er
prática r eligios a é a r en ú n cia d o eu . Mu it o ver d a d eir o, d es d e qu e
en t en d a m os cor r et a m en t e es s a s p a la vr a s . Ao qu e é qu e t em os d e
renunciar então?
ALUNO: Aos apegos.
JOKO: Sim. Os apegos assentam-se no quê?
ALUNO: Nos pensamentos autocentrados?
JOKO: Pensamento a u t ocen t r a d o. S u p on h a m os qu e a lgu ém
m e d iz: "J ok o, você é u m a es t ú p id a ". E s s a p es s oa es t á s ó m e
d a n d o s u a op in iã o. E u d evolvo com ou t r a : "Nã o s ou es t ú p id a . Você
é qu em n ã o s a b e o qu e es t á fa zen d o''. E com is s o fica m os d e b a t e-
b oca . E n t r a m os n es s es jogos em r a zã o d e n os s a s m en t es a u t o-
cen t r a d a s , egocen t r a d a s . Des s e p on t o d e vis t a , s em p r e exis t e a lgo
d e er r a d o com o m u n d o. Na r ea lid a d e, p or ém , a vid a em s i va i b em ,
b a s t a n t e t r a n qü ila . O qu e ca u s a a s p er t u r b a ções s ã o a s n os s a s
opiniões.
A p r á t ica n ã o d iz r es p eit o a en con t r a r m os a lgu m a cois a . Nã o
t em os d e en con t r a r a ilu m in a çã o. Nã o t em os d e en con t r a r a n os s a
n a t u r eza b u d a . É o qu e s om os . O qu e p r ecis a m os fa zer é r em over
n os s a cegu eir a , p a r a p od er m os n ova m en t e volt a r a vê-la . Qu a is
são algumas maneiras práticas de remover nossa cegueira?
ALUNO: Rotular nossos pensamentos.
JOKO: S im , p od em os r ot u la r n os s os p en s a m en t os p a r a vê-los
apen a s com o p en s a m en t os , com o a lgo qu e n ós m es m os en gen d r a -
mos. Precisamos ver que eles não têm uma realidade essencial.
ALUNO: Pen s o qu e a p es s oa t em d e a ceit a r o fa t o d a cegu eir a .
Nã o con s igo r ot u la r n a d a en qu a n t o n ã o m e d is p u s er a olh a r p a r a
isso.
JOKO: É ver d a d e. E m ger a l n ã o t em os d is p os içã o p a r a fa zer
es s e t r a b a lh o d e ver en qu a n t o n ã o es t iver m os s ofr en d o. O qu e
provavelm en t e a con t ece em qu a lqu er vid a a u t ocen t r a d a : s ofr er , em
mim e nas pessoas à minha volta.
Nos s a p equ en a m en t e p r od u z qu eixa s . Pr od u z a m a r gu r a e a
s en s a çã o d e s er vít im a . Pr od u z s a ú d e p r ecá r ia . Nã o é a ú n ica
ca u s a d e u m a s a ú d e p r ecá r ia ; m es m o a s s im , u m cor p o con s t a n -
tem en t e t en s o t em u m a d u p la b a t a lh a p a r a en fr en t a r . A p equ en a
m en t e p r od u z a r t ifícios e a r r ogâ n cia . Im p ed e-n os d e es t a r em
con t a t o com a s s en s a ções d e n os s o cor p o e com a vid a em s i.
Qu a n d o es t a m os em con t a t o, p or ou t r o la d o, n os s a s vid a s s ã o
mais como a do homem natural. O que isso significa?
ALUNO: Significa uma noção do ato apropriado.
JOKO: Sim. Algo mais?
ALUNO: Um a m a ior a b er t u r a . A in t eligên cia n a t u r a l a b s or ve
infor m a çã o a t r a vés d os ór gã os d os s en t id os e fu n cion a com o u m a
parte de tudo o mais.
JOKO: Nos s a t en d ên cia é en xer ga r m os com m a is cla r eza .
Nos s a t en d ên cia é s a b er com o equ ilib r a r a s cois a s e o qu e fa zer
n u m a d et er m in a d a s it u a çã o. Nos s a t en d ên cia é p er m a n ecer m os
ca lm os p or qu e n ã o n os t r a n s t or n a m os d ia n t e d e ca d a cois in h a .
Nos s a t en d ên cia é s er m os m a is d iver t id os . Ma is es p on t â n eos . Ma is
coop er a t ivos . Ten d em os a ver o ou t r o com m a is p len it u d e em vez
de como uma coisa a ser manipulada.
E s s es r es u lt a d os n ã o n os ch ega m com fa cilid a d e. O t r a b a lho
qu e r ea liza m os s ob r e a a lm ofa d a é à s vezes b a s t a n t e á r id o.
Fica m os ca n s a d os d e r ot u la r n os s os p en s a m en t os e d e volt a r à s
s en s a ções d o n os s o cor p o. Ma s es s e n ã o é u m t r a b a lh o s em
sentido, embora leve anos. Somos obstinados e não queremos fazer
n a d a qu e n ã o s eja n eces s á r io. Qu a n d o n ã o a gim os a s s im , n o
en t a n t o, a vid a é d u r a con os co e com t od os à n os s a volt a . Mes m o
então, costumamos não fazer o trabalho que é preciso.
Ren u n cia r a o eu p a r ece exót ico. Im a gin a m os Cr is t o n a cr u z
ou a lgu m a ou t r a a çã o n ot á vel. Ma s r en ú n cia d o eu é, b a s ica m en te,
a lgo m u it o s im p les e es s en cia l. Ren ú n cia d o eu é o qu e a con t ece
t od a vez qu e vem os n os s os p en s a m en t os r od op ia n d o e os
r ot u la m os e a b r im os m ã o d e n os s o p equ en o eu p ois os
p en s a m en t os s ã o is s o e volt a m os a o qu e es t á a con t ecen d o.
Volt a m os a ca p t a r a s s en s a ções cor p or a is , o s om d os ca r r os , o
od or d o a lm oço. É is s o qu e s ign ifica r en ú n cia d o eu . Qu a n d o n os
s en t a m os d u r a n t e u m a s em a n a , fa zen d o r et ir o, d ever ía m os fa zer
is s o d ez m il vezes : r ot u la r n os s os p en s a m en t os , en xer ga r a fa n -
t a s ia , r et or n a r à p er cep çã o con s cien t e d o qu e é, o qu e é r en u n cia r
a o p equ en o eu em fa vor d o eu m a ior . Res u lt a d o: a p en a s a vid a
vindo.
Na d a h á n is s o d e m a r a vilh os o: é o qu e fa zem os t a lvez d ez
vezes a ca d a p er íod o d e p r á t ica s en t a d a . S e es t iver m os r ea lm en t e
a ler t a s , t a lvez vin t e ou t r in t a vezes . S e n os p er d em os em n os s os
p en s a m en t os d u r a n t e qu in ze m in u t os , p er d em os u m a p a r t e d e
nosso trabalho.
Ninguém se apressa em nos dar uma medalhinha de ouro por
t er m os feit o es s e t ip o d e t r a b a lh o. Nin gu ém . Pa r a t a n t o,
precisa-
m os en t en d er o qu e es t á im p lícit o a í. Tu d o a n os s a vid a
inteira es t á im p lica d o. Tu d o o qu e d e fa t o qu er em os es t á
en volvid o n es s e m on ót on o t r a b a lh o qu e r ea liza m os vá r ia s vezes
seguidas.
Depois surgem fases em nossa vida em que simplesmente não
t em os d is p on ib ilid a d e p a r a fa zer es s e t r a b a lh o d u r a n t e a lgum
tempo. "Não importa o que a Joko diga, vou entrar neste devaneio,"
E n t ã o p a s s a m os o film in h o d e n os s a p equ en a fa n t a s ia e d ep ois
volt a m os a o t r a b a lh o. Nos s a m en t e s a i d e s u a fa n tasia
a u t ocen t r a d a e r et or n a p a r a a s en s a çã o qu e es t á em n os s os
joelhos, para perceber a tensão de nosso corpo, para apenas deixar
a con t ecer o qu e es t á a con t ecen d o. Nes s e s egu n d o, r en u n cia m os a
n ós . E s s e é o es t a d o ilu m in a d o: es t a r s im p les m en t e a í. S em p r e
r et or n a m os a o n os s o p equ en o eu . Qu a n d o n os s en t a m os p a r a
p r a t ica r , p or ém , a os p ou cos a u m en t a o in t er va lo em qu e
p er m a n ecem os s im p les m en t e com a vid a com o ela é, en qu a n t o a s
interrupções de nossa autocentraçao se tornam um pouco menores,
u m p ou co m a is b r eves . As in t er r u p ções n ã o d u r a m m a is t a n t o e
n ã o a s leva m os m a is t ã o a s ér io. Ca d a vez m a is , ela s s ã o com o
n u ven s qu e va gu eia m p elo céu : n ós a s vem os , m a s s om os m en os
con t r ola d os p or ela s . Com o t em p o, es s e p r oces s o p r od u z u m a
a cen t u a d a d ifer en ça em n os s a vid a . S en t im o-n os m elh or .
Fu n cion a m os m elh or . Dep ois d e u m r et ir o in t en s ivo, p or exem p lo,
a m a ior ia a ch a qu e a s cois a s qu e er a m u m p r ob lem a a n t es a gor a
s ã o t r ivia is , qu a n d o n ã o en gr a ça d a s . O "p r ob lem a " n ã o m u d ou ,
m a s a m en t e es tá d ifer en t e. A fin a lid a d e d e m in h a s a u la s e a do
próprio sesshin es t á n es s e r et or n o à vid a d iá r ia . Qu a n d o
volt a m os p a r a a s exigên cia s m a is com p lexa s d e n os s a vid a d e t od o
d ia , n o en t a n t o, cos t u m a m os es qu ecer d e con t in u a r p r a t ica n d o.
E m vez d e p er m it ir qu e n os s a m en t e s e p er ca , t em os d e con t in u a r
a t en t os , ob s er va n d o. S e n ã o fa zem os is s o, a cla r eza qu e tínhamos
con qu is t a d o com eça a es fu m a ça r -s e. Is s o n ã o t em d e ocor r er ; n ã o
temos de lutar com alguém no dia seguinte ao sesshin.
Qu a n t o m a is t em p o n os m a n t iver m os p r a t ica n d o e m a is os
h á b it os d a p r á t ica t or n a r em -s e s im p les m en t e qu em s om os , m a is
t em p o d u r a r ã o os b en efícios d o sesshin. Dep ois d e u m p er íod o,
ch ega m os n u m p on t o em qu e n ã o h á m a is d ifer en ça en t r e o
sesshin e a vida diária.
É im p or t a n t e n os lem b r a r m os d e qu e n ã o es t a m os con s er -
t a n d o n a d a . Nã o es t a m os t en t a n d o s er d ifer en t es d o qu e s om os .
Aliá s , a p r á t ica é a p en a s r et or n a r à qu ilo qu e s em p r e s om os . Nã o
es t a m os fa zen d o n a d a es p ecia l. Nã o es t a m os t en t a n d o fica r ilu -
m in a d os . Ma n t er n o-n os a p en a s volt a n d o, r en u n cia n d o a o p equ eno
eu, vezes e vezes seguidas.
Con for m e fa zem os es s e t r a b a lh o, com eça m os a s en t ir a vid a
d e u m a m a n eir a d ifer en t e, e es s a é a ú n ica cois a qu e p od e n a
ver d a d e n os en s in a r a lgo. Pa la vr a s com o es t a s vêm e vã o: s e n ã o
fa zem os o t r a b a lh o, a s p a la vr a s n ã o s ign ifica m n a d a . Ler u m livr o
ou ou vir u m a a u la n ã o é em s i s u ficien t e. É o t r a b a lh o que
execu t a m os qu e n os d á u m a id éia d e u m a m a n eir a d ifer en t e d e
s en t ir m os n os s a vid a . Con for m e es s a id éia s e t or n a m a is fir m e,
descobrimos que não podemos mais voltar para casa, mesmo que o
qu is és s em os . Qu a n d o n os t r a n s for m a m os ca d a vez m a is em qu em
n ós s om os , ver d a d eir a m en t e, os efeit os in s t a la m -s e e n os s a s vid a s
mudam.
Alguma pergunta?
ALUNA: Você d es cr eveu a p r á t ica com o r et om a r a ca d a
m om en t o a os s on s ou à s s en s a ções cor p or a is , m a s e s e eu es t iver
praticando com uma emoção forte, como luto ou ira?
JOKO: O qu e é u m a em oçã o? Um a em oçã o é s im p les m en t e
u m a com b in a çã o d e s en s a ções cor p or a is e p en s a m en t os . Os
pensam en t os s ã o a u t ocen t r a d os . "Ma s com o é qu e ele ou s a s a ir
com ou t r a m u lh er ? E le d is s e qu e m e a m a va !" E s s es p en s a m en t os
apoderam-s e d e n ós com o u m fogo. "Ma s com o ele ou s a fa zer is s o!"
Nos s os p en s a m en t os r od op ia m e gir a m . "E le n ã o d ever ia a gir
a s s im !" E con t in u a m s em ces s a r . Bem , en qu a n t o es t a m os t en d o
es s es p en s a m en t os , o cor p o es t á s e t en s ion a n d o. Va m os s u p or ,
p or ém , qu e com eça m os a r ot u la r os p en s a m en t os . Pod e cu s t a r
"d ia s , m a s , em a lgu m m om en t o, n os s os p en s a m en t os com eça m a
ca ir p or t er r a e r es t a -n os a p en a s es t e cor p o t en s o e s ofr ed or . S e
a p en a s p er m a n ecem os com es t e cor p o t en s o e s ofr ed or , s em
p en s a m en t os , o qu e a con t ece? A t en s ã o a u m en t a e en t ã o ca i p or
terra e a emoção acabou.
O fa t o é qu e n ã o exis t e n a d a d e r ea l n u m a em oçã o
a u t ocen t r a d a . Tod os p en s a m os qu e n os s a s em oções s ã o
im p or t a n t es ; n o en t a n t o, n ã o exis t e n a d a m en os im p or t a n t e qu e
u m a em oçã o a u t ocen t r a d a . A em oçã o é a p en a s t en s ã o e
pensam en t os qu e cozin h a m os t od os ju n t os . Os p en s a m en t os s ã o
es s en cia lm en t e ir r ea is , n ã o es t ã o vin cu la d os à r ea lid a d e. Por
exemplo, posso
a ch a r qu e o fu r a cã o n ã o é ju s t o, qu e n ã o d ever ia m e a t in gir .
E s s e é u m p en s a m en t o in ú t il, d es vin cu la d o d o r ea l. Nã o é
importa n t e. Min h a s s en s a ções cor p or a is são a p en a s o qu e são,
n em b oa s n em m á s . Qu a n d o en t en d em os a em oçã o a u t ocen t r a d a ,
vemos que é desnecessária.
ALUNO: Qu a n d o es t ou r ot u la n d o p en s a m en t os , e u m
p en s a m en t o s e er gu e e com eça a ca m in h a r p or m in h a ca b eça , e a
meio camin h o eu p a r o e d igo: "E p a , é u m p en s a m en t o", t en h o d e
volt a r n a h or a p a r a m in h a s s en s a ções cor p or a is ou é m elh or
p r im eir o ob s er va r o p en s a m en t o com p let a m en t e a n t es d e d eixá -lo
de lado?
JOKO: S e es s e p en s a m en t o t iver u m a im p or t â n cia d ecis iva
p a r a s u a vid a , ele volt a r á . Você n ã o p r ecis a s e p r eocu p a r em n ã o
tê-lo visto até o fim.
ALUNA: O que é uma verdadeira emoção?
JOKO: Um a ver d a d eir a em oçã o é u m a r es p os t a à r ea lid a d e.
Vamos supor que um amigo tem um ataque cardíaco e cai no chão.
Com cer t eza eu es t a r ia t en d o u m a em oçã o a o s a lt a r p a r a t en t a r
fa zer a lgu m a cois a . Por ou t r o la d o, qu a n d o es t ou com r a iva d e a lgo
qu e a con t eceu h á cin co m in u t os , es s a n ã o é u m a em oçã o r ea l. S e
a lgu ém m e ofen d eu h á cin co m in u t os , n ã o qu er o s a b er qu e a
m in h a em oçã o a r es p eit o d es s e in s u lt o é ir r ea l. E m lu ga r d is s o,
qu er o p er m a n ecer n o "E le n ã o d evia t er feit o is s o. Ma s qu e s u jeit o
h or r ível!". Qu a n d o levo m in h a s p equ en a s em oções a s ér io, en t ã o
r efor ço m in h a id éia d e m im m es m a p a r a qu e eu p os s a m e m a n t er
jogando essa espécie de jogo.
ALUNO: A raiva pode ser uma verdadeira emoção?
JOKO. Pod e, m a s é r a r o. S e eu vejo a lgu ém es p a n ca n d o u m a
p es s oa e m e in t r om et o p a r a fa zer a lgu m a cois a , p a r a p a r a r com
a qu ela a gr es s ã o, t a lvez s in t a em m im a lgu m a r a iva . Ma s is s o é
m a is com o u m a p equ en a t em p es t a d e d o qu e com o a qu ilo qu e
n or m a lm en t e ch a m a m os d e r a iva . Qu a s e s em p r e, qu a n d o p en s a -
m os qu e es t a m os m a n ifes t a n d o a ver d a d eir a r a iva , n a r ea lid a d e
estamos é nos enganando.
ALUNA: Existe uma verdadeira emoção na empatia?
JOKO: A ver d a d eir a em p a t ia ou com p a ixã o n ã o é em s i u m a
em oçã o. Pod e con t er em oções com o o a m or . Por ém , em s i, a
com p a ixã o é a p en a s a b er t u r a a o qu e é. Por s er com p let a m en t e
a b er t a , s er á r ecep t iva e ca p a z d e ver o qu e é m elh or d e s e fa zer e o
fa r á . A com p a ixã o t a lvez s eja o r es u lt a d o fin a l d a p r á t ica . Nin gu ém
é s em p r e com p a s s ivo, m a s , s e n os s a p r á t ica for r ea l, ir em os n os
t or n a r m a is com p a s s ivos . Tor n a m o-n os m a is con s cien t es d os
ou t r os com o p es s oa s , n ã o s ó com o cois a s a s er em con t r ola d a s , ou
m a n ip u la d a s , ou con s er t a d a s , m a s com o cen t r os d e r ea l p er cep çã o
con s cien t e. E s s a ca p a cid a d e a u m en t a com a p r á t ica . S e n ã o
a u m en t a , en t ã o es t a m os en t en d en d o a p r á t ica , ou s im p les m en t e
não a estamos realizando.
Nã o t en h o d e in ves t iga r o qu e a lgu ém es t á fa zen d o n a
a lm ofa d a s e en xer go s eu com p or t a m en t o n o r es t o d e s u a vid a . É
ób vio qu a n d o u m a p r á t ica es t á a m a d u r ecen d o. A s en s a çã o d e s er
vít im a , d e "coit a d in h a d e m im ", d es a p a r ece. A p es s oa t em m u it o
m a is p er cep çã o con s cien t e d a s n eces s id a d es d a s ou t r a s p es s oa s e
u m a d is p on ib ilid a d e ca d a vez m a ior p a r a s a t is fazê-las o qu e é
muito diferente de ser um "bonzinho na vida".
ALUNA: E n t ã o a com p a ixã o n ã o n eces s a r ia m en t e s e p a r ece
com alguma outra coisa?
JOKO: Nã o. S e n ós es t a m os d e fa t o ou vin d o com com p a ixã o a
outra pessoa, p od em os n ã o s en t ir m u ito cois a n en h u m a ; s imples-
m en t e ou vim os e a gim os com p r op r ied a d e. Con fu n d im os com -
p a ixã o com a m or . Com p a ixã o p od e con t er a m or , o qu e p od e s er
u m a em oçã o, m a s em s i a com p a ixã o n ã o é a m or . Na ver d a d eir a
com p a ixã o n ã o exis t e s ep a r a çã o, o qu e qu er d izer qu e n ã o h á
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os en t r e m im e a p es s oa com a qu a l eu
esteja. Nenhuma separação é compaixão.
ALUNO: A d efin içã o d o d icion á r io p a r a e m p a tia é s en t ir o qu e o
ou t r o es t á s en t in d o. Is s o n ã o s ign ifica n eces s a r ia m en t e r ea gir a o
qu e es t ã o s en t in d o ou s im p a t iza r . Com p a ixã o s ign ifica es t a r com a
experiência que estão tendo, mas não na experiência.
JOKO: A p es s oa ver d a d eir a m en t e com p a s s iva n u n ca n em
p en s a a r es p eit o. É a lgo n a t u r a l. Nã o r es u lt a d e s u a t en t a t iva d e
s er com p a s s iva . Ten t a r s er com p a s s ivo é com o t en t a r s er
espon t â n eo. Ou s om os ou n ã o s om os . S e n ã o s om os , p od em os
es t a r cer t os d e qu e es t a m os a p r is ion a d os n u m s on h o a u t ocen t r a d o
d e a lgu m a es p écie. Qu a n d o es t a m os a p r is ion a d os em n os s os
p en s a m en t os , n ã o s om os com p a s s ivos . As s im , o cer n e d a p r á t ica é
in ves t iga r o s on h o a u t ocen t r a d o d e qu e t a n t o gos t a m os . S e n ã o
estivermos apegados a ele, seremos compassivos.
ALUNA: Amor e compaixão são a mesma coisa?
JOKO: Às vezes , o a m or t em u m a con ot a çã o em ocion a l p or
breves p er íod os . Ver d a d eir a m en t e, a m a r a lgu ém n ã o s ign ifica qu e
n os s en t im os em ot ivos a r es p eit o d ele, p or ém . Pod em os a m a r
n os s os filh os e qu er er qu e eles lim p em os s a p a t os n o ca p a ch o
a n t es d e en t r a r em ca s a . S en t ir ir r it a çã o p or qu e eles n ã o fa zem
is s o é u m a em oçã o, m a s o a m or qu e es t á lá , em b a ixo d a r a iva , n ã o
é. O amor pelos próprios filhos permanece estável.
No ca s o d o a m or r om â n t ico, qu a s e s em p r e exis t e u m ele-
m en t o d e n eces s id a d e, u m p en s a m en t o d e qu e ir em os ob t er a lgo
d ele: "Fico t ã o excit a d a p or es t a r com você"; "Me s in t o t ã o b em
qu a n d o es t ou p er t o d e você"; "Você m e fa z s en t ir t ã o feliz";
"Qu a n d o es t ou com você m e s in t o com p let a "; "Você s a t is fa z t od a s
a s m in h a s n eces s id a d es ". Qu a n d o a lgo en t ã o a con t ece p a r a
d es t r u ir n os s a fa n t a s ia , a s p a la vr a s m u d a m : "E u r ea lm en t e o
detesto! Não sei nem o que um dia enxerguei nele!".
Na r ea lid a d e, n in gu ém n os t or n a felizes ou t r is t es ; n ós é que
fa zem os is s o con os co. O a m or r om â n t ico es t á r ep let o d e ilu s ões . O
a m or gen u ín o, ou com p a ixã o, n ã o t em ilu s ões . É s im p les m en t e
quem somos.
VII. Deslumbramento
A QUEDA
CONTENTAMENTO
D O DRAMA AO NÃO-DRAMA
MENTE SIMPLES
P EREGRINAR NO DESERTO
*
Stephen Levine, Healing into life and death, Nova York: Doubleday, 1987.
u m a t en s ã o e u m a a n s ied a d e in ces s a n t es qu e a com p a n h a m d e
perto nossos quereres. São gêmeos inseparáveis.
Às vezes , é ú t il a cen t u a r a a n s ied a d e, ch ega n d o n u m p on t o
em qu e s im p les m en t e n ã o a con s iga m os m a is t oler a r . E n t ã o,
podemos estar dispostos a recuar e, a distância de um passo atrás,
t er u m a ou t r a m a n eir a d e olh a r p a r a o qu e es t á a con tecend o. E m
vez de nos preocuparmos interminavelmente com o que está errado
lá for a com o p a r ceir o, o t r a b a lh o, ou ou t r a cois a , p od em os
com eça r a m u d a r n os s a r ela çã o com o qu e é. Ap r en d em os a s er
a qu ilo qu e s om os n es t e m om en t o, n es t e r ela cion a m en t o ou
n a qu ele a s p ect o a b or r ecid o d e n os s o tr a b a lh o. Com eça m os a
en xer ga r a liga çã o en t r e n ós e os ou t r os . Vem os qu e a n os s a d or
t a m b ém é a d eles , e qu e a d or d eles t a m b ém é a n os s a . Por
exem p lo, u m a m éd ica qu e n ã o t em u m a r ela çã o com s eu s
p a cien t es ir á vê-los s im p les m en t e com o u m p r ob lem a a t r á s d o
ou t r o, p r ob lem a s a s er em es qu ecid os a s s im qu e s a ír em d e s eu
con s u lt ór io. O m éd ico qu e p er ceb e qu e s eu p r óp r io d es con for t o e
a b or r ecim en t o s ã o o d es con for t o e o a b or r ecim en t o d e s eu s
p a cien t es t er á a p oio d es s e s en s o d e vin cu la çã o e ir á t r a b a lh a r com
mais precisão e eficiência.
O t éd io cot id ia n o d e n os s a s vid a s é o d es er t o p elo qu a l
p er egr in a m os em b u s ca d a Ter r a Pr om et id a . Nos s a r ela ções , n os s o
t r a b a lh o e t od a s a s p equ en a s t a r efa s n eces s á r ia s qu e n ã o
qu er em os , r ea liza r s ã o t od os p r es en t es . Tem os d e es cova r os
d en t es , t em os d e com p r a r com id a , t em os d e la va r a r ou p a , t em os
d e fa zer o ca n h ot o d o t a lã o d e ch equ es . E s s e t éd io es s a
p er egr in a çã o n o d es er t o é n a r ea lid a d e a fa ce d e Deu s . Nos s a s
d ificu ld a d es , o p a r ceir o qu e n os leva à lou cu r a , o r ela tór io qu e n ã o
queremos escrever essas coisas são a Terra Prometida.
S om os es p ecia lis t a s n a p r od u çã o d e p en s a m en t os a cer ca d e
n os s a vid a . Nã o s om os es p ecia lis t a s , n o en t a n t o, em a p en a s
sermos n os s a s vid a s , n os s a d or e p r a zer , n os s a s d er r ot a s e vit órias.
At é m es m o a felicid a d e p od e s er d olor os a p or qu e s a b em os qu e
podemos perdê-la.
A vid a é m u it o cu r t a . Os m om en t os qu e a gor a viven cia m os
rapidamente se vão para sempre. Nunca mais os veremos. Todo dia
qu e p a s s a leva con s igo m ilh a r es e m ilh a r es d e m om en t os d es s es .
De qu e m a n eir a ir em os p a s s a r o p equ en o in t er va lo qu e n os r es t a ?
Ir em os ga s t á -lo r od op ia n d o em t or n o d e n os s os p en s a m en t os a
r es p eit o d e com o a vid a é t er r ível? E s s es p en s a m en t os n ã o s ã o
n em s equ er r ea is . Ter em os p en s a m en t os a s s im , m a s p od em os
s a b er qu e os es t a m os p en s a n d o em vez d e n os em a r a n h a r m os
n eles . Qu a n d o con s egu ir m os s en t a r e a t en t a r p a r a n os sas
s en s a ções cor p or a is e p en s a m en t os qu e s ã o a d or , o s ofr im en t o s e
transformará no universal, que é o contentamento.
A fin a lid a d e d e n os s a vid a , com o S t ep h en Levin e d iz, é
cu m p r ir a qu ilo p a r a qu e n a s cem os , s a r a r m os n a vid a . Is s o s ign i-
fica s a r a r a p a r t ir d a d or d e n os s o "eu qu er o" p es s oa l, s ep a r a d o e
con s t r it o, e t or n a r m o-n os a b er t u r a . A fin a lid a d e d e n os s a vid a é
s er m os a p r óp r ia a b er t u r a , qu e é con t en t a m en t o. Con t en t a m en to
in clu i s ofr im en t o, felicid a d e, t u d o o qu e é. E s s e t ip o d e cu r a é d o
qu e a n os s a vid a s e com p õe. Qu a n d o cu r o a m in h a d or , s em
n en h u m p en s a m en t o a r es p eit o, eu t a m b ém cu r o a s u a . A p r á t ica
consiste em descobrir que a minha dor é a nossa dor.
S en d o a s s im , n ã o con s egu im os en cer r a r n os s os r ela cion a -
m en t os . Pod em os ir em b or a , d ivor cia r -n os , m a s n ã o p od em os
acabar com eles. Quando achamos que podemos encerrá-los, todos
s ofr em . Nã o con s egu im os t er m in a r com a r ela çã o com n os s os
filh os ; n ã o p od em os n em s equ er en cer r a r u m a r ela çã o com qu em
n ã o a p r ecia m os . E s s e t ér m in o ir ia exigir qu e fôs s em os a lgo qu e
n ã o s om os e n u n ca s er em os , ou s eja , p es s oa s s ep a r a d a s d a s
d em a is . Qu a n d o t en t a m os s er s ep a r a d os , o s ofr im en t o r ecom eça
por toda parte.
Com o d iz S t ep h en Levin e, n a s cem os p a r a cu r a r -n os n a vid a .
Is s o qu er d izer qu e n os cu r a m os n a n os s a d or e qu e n os cu r a m os
n a d or d o m u n d o. Pa r a ca d a u m d e n ós , es s a cu r a a con t ece d e u m
m od o d ifer en t e, p or ém o ob jet ivo b á s ico é o m es m o. Pr ecisamos
ou vir es s a ver d a d e e lem b r á -la vá r ia s vezes s egu id a s , m ilh a r es d e
vezes . Pa r a r ea liza r es s e t r a b a lh o, t em os d e ir con t r a a cor r en t e d e
n os s a s ocied a d e, qu e n os en s in a a ir em b u s ca d o n ú m er o u m :
ca d a qu a l p a r a s i. Na p r á t ica d iá r ia , em sesshins dos qu a is
p a r t icip a m os , n a m a n u t en çã o d o con t a t o qu a n d o m or a m os lon ge,
t em os a ju d a p a r a fa zer m os o t r a b a lh o, es s e t r a b a lh o d e cu r a r -nos
n a vid a , e ch ega r m os a ver qu e, a t é m es m o a gor a , já a lca n ça m os a
Terra Prometida.
A PRÁTICA É DAR
*
Peace Pilgrim: Her life and work in her own words, compiled by some of her friends.
Santa Fé, NM: Ocean Tree, 1991. Também Steps toward inner peace A discourse by
Peace Pilgrim: Suggested uses of harmonious principles for human living. Friends of
Peace Pilgrim, 43480 Cedar Avenue, Hemet, CA 92343.
J a p ã o exige d os n ovos a lu n os qu e p r a t iqu em p or d ez a n os s em u m
t r a b a lh o d ir et o com ele. Qu a n d o os a lu n os volt a m d ep ois d e d ez
a n os , ele lh es d iz qu e volt em a p r a t ica r s en t a d os p or m a is d ez.
E m b or a n ã o s eja a s s im o m eu es t ilo d e en s in a r , ele t em u m a
finalidade. Leva tempo descobrir o que a vida é.
Na s em a n a p a s s a d a r eceb i d ois t elefon em a s d e p es s oa s em
b u s ca d e con s elh os a r es p eit o d a p r á t ica . Um a d ela s d izia qu e s u a
a m iga t in h a vivid o u m a p er cep çã o es p ir it u a l u m p ou co d e-
s in t egr a d a e qu e qu er ia s a b er qu a l er a o livr o cer t o qu e a ju d a s s e a
a m iga a a p r u m a r -s e. A ou t r a p es s oa ligou -m e à 1 :3 0 h d a
m a d r u ga d a p a r a d izer qu e t in h a lid o u m livr o m a r a vilh os o s ob r e
ilu m in a çã o e a ch a d o qu e s u a p r óp r ia p r á t ica n ã o es t a va m u it o
ilu m in a d a . E la qu er ia a ju d a p a r a en t en d er o qu e s e p a s s a va . E u
lh e d is s e qu e n ã o er a u m a b oa id éia t elefon a r p a r a a s p es s oa s n o
m eio d a n oit e. E la r es p on d eu : "Oh , já es t á d e m a d r u ga d a ?". E u
d is s e: "A ilu m in a çã o d iz r es p eit o a d es p er t a r . E p a r a qu e você
d es p er t e você t em d e s a b er qu e h or a s s ã o". E la d is s e: "Is s o n u n ca
me ocorreu".
Ilu m in a çã o é a ca p a cid a d e d e d a r t ot a lm en t e a ca d a s egu n do.
Nã o é t er a lgu m a s exp er iên cia s ext r a or d in á r ia s . E s s es m omentos
p od em ocor r er , m a s n ã o t or n a m u m a vid a ilu m in a d a . Pr ecisamos
p er gu n t a r : "O qu e s ign ifica p a r a m im d a r , n es t e m om en t o?". Por
exem p lo, qu a n d o o t elefon e t oca , com o p od em os d a r ? Qu a n d o
es t a m os n u m t r a b a lh o fís ico lim p a n d o, p in t a n d o, cozin h a n d o ,
o que significa dar totalmente?
E m b or a n ã o p os s a m os n os t or n a r p es s oa s ca p a zes d e d a r
t ot a lm en t e a p en a s p en s a n d o s ob r e is s o, p od em os n ot a r qu a n d o
n ã o d a m os t ot a lm en t e. Ocu lt a m os d e n ós m es m os n os s a s m ot i-
va ções a u t ocen t r a d a s , e a p r á t ica a ju d a -n os a p er ceb er o qu a n t o
s om os a u t ocen t r a d os . A ver d a d e é qu e, a qu a lqu er m omento,
s om os com o s om os . Pr ecis a m os viven cia r is s o, s a b er qu a is s ã o
n os s os p en s a m en t os e s en s a ções cor p or a is , e, en t ã o, a os p ou cos ,
n os s a vivên cia p od e volt a r -s e s ob r e s i m es m a . Nós n ã o t em os d e
fa zer is s o. Is s o s e volt a s ob r e s i m es m o p or s i. Nã o p od em os n os
fa zer s er d e u m a cer t a m a n eir a . Im a gin a r qu e p od em os é u m a d a s
m a ior es a r m a d ilh a s d a p r á t ica . Ma s p od em os t om a r con t a t o com a
nossa intolerância e grosseria, com nossa preguiça e com os outros
jogos qu e joga m os . Qu a n d o p er ceb em os com o s om os d e ver d a d e,
a s cois a s len t a m en t e com eça m a vir a r com o a con t ece com
t a n t os a lu n os qu e t en h o. É m a r a vilh os o a s s is t ir a is s o. Qu a n d o a
r evir a volt a a con t ece, es s a gen t ileza ou ca p a cid a d e d e d oa çã o
difunde-se. É disso que trata a prática. Em vez de um novo ideal
"Eu n ã o qu er o vis it á -lo h oje à t a r d e m a s eu d everia estar
dando" , agimos e vivenciamos o que acontece dentro de nós.
Então, por favor: dar, dar, dar e praticar, praticar, praticar.
É esse o Caminho.