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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA

CENTRO DE HUMANIDADES – CH
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO – PROGRAD
CURSO DE LETRAS

SHIRLEY PINHEIRO LIMA

DO PÃO AO BERRO:
A PADARIA ESPIRITUAL NA OBRA DE EDNARDO, UM OLHAR DE
RESISTÊNCIA E INTERTEXTUALIDADE

CRATO - CE
2023
SHIRLEY PINHEIRO LIMA

DO PÃO AO BERRO:
A PADARIA ESPIRITUAL NA OBRA DE EDNARDO, UM OLHAR DE
RESISTÊNCIA E INTERTEXTUALIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso (monografia)


apresentado à banca examinadora como
requisito parcial para a conclusão do Curso de
Letras – habilitação em Português e Inglês, da
Universidade Regional do Cariri, no semestre
letivo 2022.2.

Orientador(a): Francisco Flávio Cavalcanti de


Queiroz

CRATO – CE
2023
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Regional do Cariri – URCA
Bibliotecária: Ana Paula Saraiva de Sousa CRB 3/1000
SHIRLEY PINHEIRO LIMA

DO PÃO AO BERRO:
A PADARIA ESPIRITUAL NA OBRA DE EDNARDO, UM OLHAR DE
RESISTÊNCIA E INTERTEXTUALIDADE
BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________
Professor Francisco Flávio Cavalcanti de Queiroz – Urca (Orientador)

___________________________________________
Professora Francisca Eugênia Duarte – Urca (1ª Avaliadora)

___________________________________________
Professora Sibéria de Menezes Carvalho de Queiroz – Seduc – Ceja (2ª Avaliadora)

Aprovado em 11/12/2023.

4
Mainha,
este trabalho, bem como tudo o que eu faço, é para você.
AGRADECIMENTOS

Escrever sempre foi a minha arte e a forma que eu encontrei de dar um sentido à minha
existência. A ela, recorro nos bons e maus momentos, bem como nas horas ociosas. A ela
atribuo também, qualquer possibilidade de expressão neste mundo que nos abriga, mas que
pesa sobre os nossos ombros e, por vezes, insiste em nos atirar em abismos de solidão.
Quando isso acontece, eu escrevo.

Talvez por ter dado tanta importância ao ato de escrever, acabei transformando o processo de
escrita deste trabalho em algo mais assustador e solitário do que ele de fato é. A cobrança
natural da vida tornou-se irrelevante diante da minha própria cobrança e inúmeras tentativas
falhas de alcançar uma suposta perfeição. Os olhares julgadores, provavelmente nem
existiram, no entanto refletiam a minha própria insegurança e a dura constatação da minha
incapacidade de concluir este, que é o trabalho mais importante que já escrevi até aqui.

Nesse meio tempo, o mundo ao meu redor entrou em colapso. Entre as inúmeras mortes pela
pandemia do Covid-19, o caos político instaurado no Brasil, as guerras internacionais e as
mudanças climáticas, eu não sabia mais o que desejar ou esperar da vida. A relação com a
escrita já não era a mesma. Eu já não era a mesma. No entanto, meu encargo seguia igual
(bem como seus obstáculos): escrever este trabalho.

Felizmente, apesar dos pesares, este mundo que nos acondiciona, também nos proporciona os
meios para suportá-lo. E a eles, eu sou imensamente grata. E é difícil, até injusto, tentar
nomeá-los, pois acredito que todas as pessoas que cruzaram o meu caminho e acrescentaram
positivamente à minha trajetória mereciam um espaço nestes agradecimentos, mas é
inevitável que a minha memória não me traia e que alguns nomes passem despercebidos. A
esses, que o universo lhes transmita a minha gratidão.

Agradeço primeiramente a Deus, cuja relação tem se tornado cada vez mais íntima e singular,
a Exu, a quem eu recorro nos momentos de desesperança, e a Nossa Senhora das Graças. Eu,
que nunca fui muito religiosa, descobri Neles a fé que tanto ansiava. Desde então, tenho
percebido a minha caminhada mais leve e, quando a vida pesa, me refugio em suas orações
em busca de me reconectar.

Esse é o fim da minha jornada como estudante do curso de Letras Português-Inglês da


Universidade Regional do Cariri (URCA) e é, provavelmente, a última vez que o escrevo
assim, por extenso. Por esta razão, com lágrimas nos olhos e o peito inundado de saudosismo,
agradeço a todos os professores que serviram de pilares para que eu chegasse até aqui, em
especial àqueles que foram essenciais para que eu me encontrasse no curso e nas áreas que
escolhi. Aos professores Sergiana Tavares; Michel Marques; Raul Azevedo; Guilherme
Mariano; Aline Bussons; Sandra Espínola; Edson Soares; Cristiane Baltor; Lúcia Agra;
Bernardo Shalatiel; Felipe Ridalgo; Francisco De Freitas e Martha Milene, se hoje posso dizer
que sou apaixonada pelo meu curso, é porque tive vocês como educadores.

Agradeço especialmente e principalmente, ao professor Flávio Queiroz. A sua orientação, o


seu apoio e o seu entusiasmo foram essenciais em cada processo deste trabalho. Cada palavra
aqui escrita é fruto da sua confiança de que essa pesquisa “teria futuro”. Ao senhor, minha
eterna gratidão.
Agradeço aos amigos que a vida me proporcionou. Aos meus companheiros da UFCA, Ana
Lúcia e Hemerson Soares.

Ao meu tio José Roberto e à minha tia Raniela. Dizem que família a gente não escolhe, mas
se pudesse, eu os escolheria mil vezes. E da forma mais sincera que nossa relação nos
permite, agradeço também ao meu pai. Parafraseando Renato Russo: és parte ainda do que me
faz forte, para ser honesta, só um pouquinho infeliz.

À Simone de Oliveira, com toda a carga que esse termo clichê carrega, minha melhor amiga.
Sempre que o ato de existir pesa demais e o sentimento que nada dura nessa vida, eu me
lembro de você que, entre encontros e desencontros, é minha maior certeza. Um dia, quando
estivermos bem velhinhas, você com seus filhos e eu com meus gatos, a vida bem vivida e as
memórias eternizadas pela palavra, nós brindaremos à presença, aos desabafos e até às
discussões, essas não nos faltam.

Lucélia Andrade, um dia eu lhe disse que a senhora não fazia ideia de sua influência na minha
trajetória, até tentei explicar em poucas palavras, mas a Língua Portuguesa jamais será
suficiente para expressar a minha gratidão. O semestre em que você me acolheu em sua
disciplina foi essencial à minha formação e crucial à minha forma de ver o passado, o presente
e, especialmente, o futuro. E, como se não bastasse, devo a você a existência deste trabalho.
Foi na sua aula que concebi a ideia para essa pesquisa e boa parte do que trago nela, aprendi
com a senhora. Obrigada por tamanho encantamento.

Luciana Bessa, o que seria de mim sem você? Tem um poema de Carlos Drummond de
Andrade que sempre te dedico, em que ele diz que “amizade é um meio de nos isolarmos da
humanidade cultivando algumas pessoas”. Como você bem sabe, eu sou mestre em me isolar
e leiga em cultivar pessoas. Mas em 2021, o universo me presenteou com a sua presença que,
desde sua chegada, mudou os rumos da minha vida. Você é minha maior impulsionadora
desde muito tempo. Eu sou incapaz de definir o valor das nossas conversas, dos nossos cafés,
das nossas parcerias, do nosso companheirismo e dos momentos maravilhosos que você tem
me proporcionado. De você, eu nunca me isolei.

Agradeço à minha avó, Maria Bentivi, que na verdade é minha bisavó, mas que para sempre
eu chamarei de Mãe. A senhora é uma das minhas pessoas favoritas do mundo, um dos meus
pilares e uma das minhas razões de viver.

E finalmente, Mainha. Absolutamente tudo o que sou hoje, sou por e para você. Muitas coisas
me dão orgulho nessa vida, mas sempre que te ouço dizer, toda contente e orgulhosa, que sou
uma boa filha, tua parceira e tua confidente, meu coração se derrete da forma mais bonita
possível e sinto que o propósito da minha existência está concluído. A você agradeço, não só
a minha vida, mas todo o suporte incondicional, até mesmo quando não concorda comigo.

7
Todo mundo sabe
Principalmente o bom Deus, que tudo vê
Que os homens vão dizer que a vida é dura e incompleta
(...)
Pra quem amassa o pão da poesia
Na limpeza e na alegria
Contra o lixo nuclear
(...)
(Belchior, 1982)
RESUMO

Em uma sociedade, todo gesto é político, seja o termo mobilizado ou não. Quando
relacionada com a política, a arte assume o importante papel de produtora de fenômenos de
transformação, reprodução e compreensão de um sistema social. Assim como a História, é
comum observar a ciclicidade dos movimentos artísticos e sua relação com outros gêneros,
textos, enunciados e discursos, para além do espaço-tempo. Na linguística e nos estudos
literários, essa relação entre um texto e outro é conceituada a partir das teorias de
intertextualidade, em que todo texto é resultado da relação intertextual com outros
enunciados. A partir desses pressupostos, o objetivo desta pesquisa é analisar as ocorrências
de resistências e intertextualidades presentes na letra da canção “Artigo 26”, do cantor
cearense Ednardo, cujos textos-fontes são as produções e discursos do grêmio literário Padaria
Espiritual, em especial seu Programa de Instalação. Esta trata-se de uma pesquisa
bibliográfica e descritiva, para a qual foram utilizados livros e artigos publicados sobre a
Padaria Espiritual, bem como textos e poemas produzidos pelos membros do grêmio e a
produção musical do cantor Ednardo. Como embasamento teórico, utilizamos Sânzio
Azevedo (2011); I. V. Koch; A.C. Bentes; M. M. Cavalcante (2008); Gleudson Passos
Cardoso (2002) e Gilmar de Carvalho (2013), dentre outros. O estudo percebe que o artista
cearense engajou sua arte na luta contra a censura do governo ditatorial, inspirado em suas
próprias raízes, a Padaria Espiritual, uma das mais fascinantes fontes de resistência artísticas
do Ceará.
Palavras-chave: Padaria Espiritual. Ednardo. Intertextualidade.
ABSTRACT

In a society, every gesture is political, whether the term is mobilized or not. When related to
politics, art assumes the important role of producing phenomena of transformation,
reproduction and understanding of a social system. Just like History, it is common to observe
the cyclicality of artistic movements and their relationship with other genres, texts, statements
and discourses, beyond space-time. In linguistics and literary studies, this relationship
between one text and another is conceptualized based on theories of intertextuality, in which
every text is the result of an intertextual relationship with other statements. Based on these
assumptions, the objective of this research is to analyze the occurrences of resistance and
intertextualities present in the lyrics of the song “Artigo 26”, by Ceará’s singer Ednardo,
whose source texts are the productions and speeches of the literary group Padaria Espiritual,
especially its Installation Program. This is a bibliographic and descriptive research, for which
books and articles published about Padaria Espiritual were used, as well as texts and poems
produced by members of the guild and the musical production of the singer Ednardo. As a
theoretical basis, we used Sânzio Azevedo (2011); I. V. Koch; A.C. Bentes; M. M. Cavalcante
(2008); Gleudson Passos Cardoso (2002) and Gilmar de Carvalho (2013), among others. The
study realizes that the artist from Ceará engaged his art in the fight against the censorship of
the dictatorial government, inspired by his own roots, Padaria Espiritual, one of the most
fascinating sources of artistic resistance from Ceará.
Keywords: Padaria Espiritual. Ednardo. Intertextuality.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12
2 INTERTEXTUALIDADE 15
3 ENTRE REGIMES E SECAS: Fortaleza e a atuação intelectual na segunda metade
do século XIX 18
4 PADARIA ESPIRITUAL: uma sociedade de rapazes de Letras e Artes 21
5 O BERRO DE EDNARDO: porque cantar parece com não morrer 26
6 DO PÃO AO BERRO: a Padaria Espiritual na obra de Ednardo 31
6.1 VOCÊ JÁ LEU O ARTIGO 26? 32
7 CONCLUSÃO 39
REFERÊNCIAS 40
1 INTRODUÇÃO

Instrumento de ação e transformação de uma sociedade, pode-se dizer, numa


concepção mais abrangente, que todo gesto é político ou tem uma face política, sendo o termo
ou não mobilizado. Uma música instrumental, por exemplo, desconectada com o
tempo-espaço da sua performance é, desde sua desconexão, absolutamente política. Nesse
sentido, segundo Marcos Napolitano (2011), a relação entre arte e política pode ser analisada
a partir de dois aspectos: como objeto de uma ordem política vigente e a serviço de um poder
consolidado; ou como objeto de resistência e crítica dessa ordem, relacionada aos processos
de luta, engajada e contestatória. Sendo assim, a arte é uma das mais importantes produtoras
de fenômenos de transformação, reprodução e compreensão de um sistema social. Portanto,
sua produção “engajada” se relaciona diretamente ao papel do artista-intelectual e sua relação
com os discursos e valores políticos.

No que concerne à Literatura, muitos foram (e são) os autores, poetas e intelectuais


que contextualizaram suas obras diretamente aos acontecimentos políticos de seu tempo,
exercendo, através das práticas letradas, poder de influência no impulsionamento das
mudanças e revoluções sociais. Em concordância com o que já foi dito, Mário de Andrade,
considerava que, ainda que o artista não seja político, enquanto homem, “a obra de arte é
sempre política enquanto ensinamento e lição; e quando não serve a uma ideologia serve a
outra, quando não serve a um partido serve ao seu contrário” (Barbosa, 1974, p. 19). Em
entrevista a Francisco de Assis Barbosa, Andrade afirma que o artista,

mesmo que queira, jamais deverá fazer uma arte desinteressada. O artista
pode pensar que não serve a ninguém, que só serve à Arte, digamos assim.
Aí está o erro, a ilusão. No fundo, o artista está sendo um instrumento nas
mãos dos poderosos. O pior é que o artista honesto, na sua ilusão de arte
livre, não se dá conta de que está servindo de instrumento, muitas vezes para
coisas terríveis (Barbosa, 1974, p. 10).

O mesmo acontece no cenário artístico-musical. Os grandes gêneros musicais


americanos — o jazz norte-americano, o son e a rumba cubana, o samba brasileiro, o tango
argentino e o bolero mexicano — se consolidaram a partir do início do século XX, período em
que as massas da sociedade se organizavam e se reordenavam em busca de afirmação cultural
e política (Napolitano, 2002). No Brasil, por exemplo, durante a Era Vargas (1930-1945),
escritores, como Cecília Meireles, se mobilizavam contra o regime em defesa da arte e da
educação. Décadas mais tarde, durante o período da Ditadura Militar (1964-1985), a música

12
popular, bem como a literatura, foi fundamental na disseminação do imaginário e ideais de
liberdade na sociedade brasileira.

O clima de censura que se instalou no Brasil, em especial no pós-68, com a


edição do AI-5, transformou a música no principal recurso de diálogo do
povo frente a repressão imposta. A produção cultural passa a ser peneirada, a
partir desse Ato. Diante disso, durante os anos finais da década de 60 e início
dos anos 70, só viriam a público, músicas, peças de teatro, livros, enfim,
qualquer produto cultural que os censores julgassem adequados ao momento
político. Diante disso, durante esse período, em termos de produção musical,
várias músicas acabam se transformando em verdadeiros gritos de guerra
(Maia, 2015, p. 8).

E quando o assunto é resistência artística brasileira, o Ceará se coloca como um grande


provedor de artistas engajados que, tanto na música, quanto na literatura, se destacam pelo
pioneirismo. Da terra da luz saíram Rachel de Queiroz, primeira mulher a ingressar na
Academia Brasileira de Letras, em 1977; José de Alencar, o maior nome do Romantismo
nacional; Francisca Clotilde, primeira escritora a abordar a separação conjugal, em 1902, na
sua obra “A Divorciada”, numa época em que a sociedade que nem sequer cogitava essa ideia
ainda; Belchior, um dos maiores nomes na música brasileira, que atuou frente à luta pelas
Diretas Já; dentre muitos outros.

Considerando a ciclicidade dos movimentos artísticos, bem como da própria história


da sociedade, é muito comum a ocorrência de relações entre os diversos gêneros e artistas que
os compõem, para além do espaço-tempo, seja musical, literário, plástico, dentre outros. A
primeira percepção desse diálogo entre textos foi teorizada pelo filósofo russo Mikhail
Bakhtin. A partir de então, novas teorias foram desenvolvidas até a chegada do conceito de
intertextualidade pela crítica literária Julia Kristeva, em 1960.

Partindo dessas premissas, nos debruçamos sobre as produções de duas grandes fontes
artísticas do Ceará: a Padaria Espiritual, agremiação criada pelo romancista Antônio Sales
(1868-1940) e o cantor e compositor José Ednardo Soares Costa Sousa (1945), um dos
maiores representantes da música cearense em todo o território nacional. Portanto, o objetivo
deste artigo é analisar as relações de intertextualidade, arte e resistência dos objetos e a
influência da Padaria Espiritual na canção "Artigo 26", que compõe o disco Berro (1976), de
Ednardo, lançando um olhar histórico sobre os diferentes períodos de produção dos artistas
cearenses.

13
De caráter simbolista, a Padaria Espiritual foi um movimento literário que nasceu na
capital cearense, nas últimas décadas do século XIX. Segundo Sânzio de Azevedo (2011), no
Café Java, um dos quiosques localizados na praça do Ferreira, reuniam-se jovens intelectuais
de Fortaleza que “bebiam café e literatura, naquela fase da vida em que tudo são planos,
sonhos, desejo de construir alguma coisa, de projetar-se, enfim” (Azevedo, 2011, p.17). Foi
nesse espaço que foi concebida a ideia de criação da mais original agremiação
artístico-literária do Ceará. Quase um século depois, a Padaria Espiritual serviu de inspiração
para duas canções do fortalezense Ednardo, cujas letras são compostas por referências e
conceitos do Programa de Instalação da Padaria Espiritual, ressignificadas a partir dos
discursos adotados pelo cantor.

Este artigo é uma pesquisa bibliográfica e descritiva, para a qual foram utilizados
livros e artigos publicados sobre e pela Padaria Espiritual, o contexto histórico e político do
Ceará no período de sua criação e a produção musical do cantor Ednardo. A partir dessas
leituras, buscamos descrever cada uma dessas categorias. Como embasamento teórico,
utilizamos Sânzio Azevedo (2011); I. V. Koch; A.C. Bentes; M. M. Cavalcante (2008);
Gleudson Passos Cardoso (2002) e Gilmar de Carvalho (2013), dentre outros.

14
2 INTERTEXTUALIDADE

Todo texto revela uma relação com outros textos, ao passo que o discurso de um
enunciado sempre estará em diálogo com os discursos de outrem. Esse conceito surge pela
primeira vez de forma implícita em Bakhtin (1982 apud Siqueira, 2017), em sua análise do
romance polifônico de Dostoievski, mostrando o valor bivocal ou plurivocal da palavra, ao
estabelecer “múltiplos contatos no interior do mesmo discurso ou com outros discursos
(discurso dialógico)” (Siqueira, 2017, p. 14).

Nesse sentido, partindo do dialogismo bakhtiniano, surgiu, em 1960, o conceito de


intertextualidade, definido pela crítica literária francesa Julia Kristeva, numa abordagem
teórica que define a construção de qualquer texto, a partir da absorção e transformação de
outro texto, numa espécie de mosaico de citações (Koch; Bentes; Cavalcante, 2012). Segundo
Siqueira (2017, p. 16),

todo texto pressupõe várias classes de discursos, contemporâneos ou


anteriores, e se apropria deles para confirmá-los ou recusá-los, mas, de
qualquer forma, para possuí-los e de tal sorte que o corpus que precede o
texto age, pois, como uma pressuposição generalizada. Assim, todo texto
está sob a jurisdição de outros discursos que lhe impõem um universo. É
dizer que o texto é uma intertextualidade, uma permutação de textos,
absorção e transformação de uma multiplicidade de outros textos, rede de
conexões internas e externas.

Partindo deste princípio, todo texto é resultado da relação intertextual com outros
enunciados, logo, a intertextualidade é intrínseca aos discursos produzidos e pode ou não
tornar difícil a percepção e identificação dessa relação entre os textos (Oliveira; Fernandes;
Sousa, 2017). Nesse sentido, Koch; Bentes; Cavalcante (2012) dividem intertextualidade em
duas categorias: intertextualidade em sentido restrito (Stricto Sensu) e intertextualidade em
sentido amplo (Lato Sensu).

Segundo as autoras, a intertextualidade stricto sensu acontece quando “um texto, está
inserido em outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que já faz parte da memória
social de uma coletividade ou uma memória discursiva” (Koch; Bentes; Cavalcante, 2012, p.
17). Esta categoria está subdividida em quatro tipos: temática, encontrada em textos
científicos de uma mesma área do saber; estilística, quando o produtor do texto imita, repete
ou parodia estilos ou variedades linguísticas de outro autor; explícita, quando o texto
referência a fonte do intertexto, atribuindo a outro enunciador, o que foi citado, e implícita,
quando o intertexto aparece sem qualquer menção à sua fonte, no texto produzido. Nesta, o
15
produtor do texto espera que o leitor reconheça a presença do intertexto a partir de sua própria
memória discursiva. No que concerne à intertextualidade lato sensu, as autoras afirmam que
as ligações que podem ser estabelecidas nos textos ocorrem “não apenas com enunciados
isolados, mas com modelo gerais e e/ou abstratos de produção e recepção de textos/discursos”
(Bauman; Briggs, 1995 apud Koch; Bentes; Cavalcante, 2012, p. 85)

Nos estudos sobre intertextualidades, outros olhares se destacam, como Gérard


Genette, que abordou o fenômeno das relações entre textos a partir das relações de
transtextualidade, em que define a transcendência textual, tudo o que coloca um texto em
relação a outros textos, ainda que de forma “secreta” (Koch; Bentes; Cavalcante, 2012, p.
119). O autor subdividiu a transtextualidade em cinco tipos diferentes:

• Intertextualidade – presença efetiva de um texto em outro, com ou sem


referência (citação, plágio, alusão etc.).
• Paratextualidade – constituída pela relação, geralmente menos explícita e
mais distante, entre dois textos (título, subtítulo, intertítulos, prefácios,
posfácios, etc.)
• Metatextualidade – a relação que une um texto a outro texto do qual ele
fala, sem necessariamente citá-lo (convocá-lo), até mesmo, em último caso,
sem nomeá-lo (crítica literária)
• Hipertextualidade – toda relação que une um texto B (chamado de
hipertexto) a um texto anterior A (hipotexto) do qual ele se origina de uma
forma que não seja a do comentário
• Arquitextualidade – conjunto de categorias gerais ou transcendentes ao
texto (tipos de discurso, gêneros literários) de caráter taxionômico (Oliveira;
Fernandes; Sousa, 2017, p. 631).
A intertextualidade, dita por Genette, é restrita e trata das relações de copresença entre
textos. Essa relação diz respeito às intertextualidades explícitas (citação) e implícitas (alusão e
plágio). A citação aparece diretamente marcada no texto e é considerada a forma mais
explícita de intertextualidade, pois, por meio de códigos textuais, deixa claro que houve
empréstimo de um texto em outro texto. Segundo Koch; Bentes; Cavalcante (2012), “elas
instruem o coenunciador a identificar uma divisão de vozes, de alteridades [...] que estão
bastante demarcadas”.

A alusão acontece quando o enunciado supõe a percepção de uma relação entre ele e
outro texto, reconhecida apenas por quem conhece previamente o texto referenciado. Para
Genette (2010 apud Oliveira; Fernandes; Sousa, 2017, p. 635), esta é a forma menos explícita
de intertextualidade, já que sua menção a outro enunciado é feita de forma indireta. Para
perceber a presença da alusão no texto é necessário que o leitor recorra às suas leituras

16
prévias. O plágio trata-se da apropriação do texto de outro autor e da “omissão proposital e
desonesta da autoria” (Koch; Bentes; Cavalcante, 2012, p.128). De acordo com Oliveira,
Fernandes e Sousa (2017, p. 636):

Piègay-Gros (2010) enfatiza que a alusão pode ultrapassar, em muito, o


campo da intertextualidade, já que pode remeter o leitor não apenas a outros
textos, mas também à história, à mitologia, à opinião ou aos costumes.
Portanto, nem toda alusão se caracteriza como intertextual, mas apenas
aquela que faz referência a um texto específico.

Segundo Oliveira, Fernandes e Sousa (2017), os estudos de Genette foram retomados


pela autora Piègay-Gross, ao qual ela adicionou um novo subtipo de intertextualidade
explícita aos propostos pelo autor: a referência, trata-se da menção direta de um determinado
texto ao seu texto-fonte, permitindo que o leitor os associe, no entanto sem citá-lo
diretamente.

Para embasar essa pesquisa e analisar a letra da canção, proposta no capítulo anterior,
usaremos o conceito de dois dos subtipos de relações intertextuais de copresença, propostos
por Piègay-Gross (2010 apud Oliveira; Fernandes; Sousa, 2017): alusão e referência, pois
acreditamos que, dentre os conceitos apresentados no referencial teórico, estes são os mais
adequados à nossa proposição.

17
3 ENTRE REGIMES E SECAS: Fortaleza e a atuação intelectual na segunda
metade do século XIX

O período de transição do Segundo Reinado para a República causou, em todo o


território brasileiro, intensas agitações políticas. No norte do país, a capital da província
cearense ascendia economicamente, no caminho para tornar-se uma grande metrópole.
Impulsionada pelo destaque econômico proporcionado pela cultura algodoeira e pela
exportação do produto para as grandes potências europeias, Fortaleza, na segunda metade do
século XIX, passou por uma série de melhoramentos urbanos, que não refletiram em uma
melhoria nas condições de vida das populações menos abastadas. Ao contrário, na época, a
Fortaleza que construía redes de iluminação, de saneamento e linhas de navio a vapor que a
ligavam ao Rio de Janeiro e à Europa, foi invadida pelas mazelas sociais oriundas das grandes
secas que assolavam o estado. A metrópole em ascensão, como destaca José Olivenor (2002),
convertia-se em uma “Metrópole da Fome”, desfigurada pelos flagelados que se acumulavam
pelas ruas e calçadas e chocavam os olhos da elite fortalezense, causando-lhe preocupações e
acentuando “o desejo de criar uma cidade limpa, arejada, espaçosa e habitada por pessoas sãs,
que não colocassem em risco o progresso material e o desenvolvimento moral da população
de Fortaleza” (Olivenor, 2002, p. 50-51).
Nesse contexto, a capital cearense se via diante de um intenso crescimento
populacional. E, com a chegada de trabalhadores atraídos pela exportação do algodão e de
retirantes sertanejos vitimados pela seca, cresciam também, os números de desigualdades.
Frederico Castro Neves (2002, p. 75-76) afirma que, no final do século XIX, a população
cearense construiu uma nova relação com o ambiente em que a seca ganha um novo papel de
destaque.

A seca deixa de ser, definitivamente, um fenômeno rural e “natural”. Não só


no campo com sua rudeza e sua ignorância diante dos preceitos da
civilização invade Fortaleza, como a seca passa a ser percebida através de
seus “resultados” mais visíveis: a miséria, as migrações, a destruição da
produção rural, etc.

Diante dessas mudanças na sociedade fortalezense, principalmente no que concerne às


desigualdades e desejos dos diferentes grupos sociais, a cidade se apresenta como o espaço
propício para a manifestação de seus interesses, uma vez que a capital cearense foi palco de
intensas manifestações políticas e literárias na imprensa.

18
De acordo com o historiador Gleudson Passos Cardoso (2002), durante a transição de
regimes, através das linhas editoriais dos jornais partidários, revistas científicas e periódicos
literários, os intelectuais fortalezenses da época levavam ao público leitor tanto “os interesses
políticos das oligarquias locais pelo poder provincial, bem como os modelos científicos, os
sistemas filosóficos e as narrativas literárias que deveriam contribuir na formação dos novos
estado e nação brasileiros” (Cardoso, 2002, p. 41).
É nesse cenário que se destacam duas frentes de jornalismo (político/literário —
científico), formado por escritores boêmios, poetas e romancistas, que se confrontaram em
calorosos debates nos periódicos do Centro Literário e da Padaria Espiritual, na tentativa de
informar os leitores acerca das discussões travadas nos centros urbanos brasileiros.
Estimulados pelas diferentes posições sociais em que se encontravam, os intelectuais
de Fortaleza se organizavam em dois grupos, cujos ideais divergiam. O grupo Mocidade
Cearense, formado por uma elite abastada, detentora de poder na política local e uma
burguesia beneficiada pela cultura algodoeira, defendia uma ideia de patriotismo ligada à
imagem de José de Alencar. Defensores do racionalismo filosófico, e organizadores de
campanhas em prol do movimento abolicionista, os membros da Mocidade Cearense foram
responsáveis pela criação de algumas das principais agremiações cearenses, dentre elas a
Academia Francesa (1873), o Clube Literário (1886), o Instituto do Ceará (1887), e a
Academia Cearense (1894), o que, para Cardoso (2002), demonstrava a preocupação desses
sujeitos em demarcar sua esfera de atuação política.
Em oposição, estavam os Novos do Ceará, grupo formado por intelectuais letrados,
mas descendentes de classes populares mais baixas, tanto da capital, quanto do interior, que
acreditavam na ideia pregada pelo movimento republicano de oportunidades de ascensão
social através do mérito. Foram esses jovens artistas, escritores e poetas que criaram aquela
que se tornou a agremiação literária mais conhecida do Ceará: a Padaria Espiritual.

As últimas décadas do século dezenove foram definitivas para a


institucionalização cultural no Ceará. Comparado com a informalidade
da Academia Francesa do Ceará, de 1873, o Clube Literário, de 1886,
teve maior estabilidade funcional, com reuniões literárias regulares e
periódico próprio, A Quinzena. Logo em seguida, em 1887, mas com
propósitos científicos, seria fundado o Instituto do Ceará. Na última
década deste século, surgiram a Padaria Espiritual, de 1892, o Centro
Literário e a Academia Cearense (de Letras), ambos de 1894 (Júnior,
2019, p. 66).
No que concerne aos ideais, a divergência entre os grupos se dá, também, a partir de
suas influências artísticas e ideológicas. Os intelectuais da Mocidade Cearense, à luz do
19
pensamento positivista de Augusto Comte e dos movimentos sociais que se mobilizavam na
França, importavam os “ares modernos” da Europa para o seu modo de pensar, vestir e
conviver em sociedade, em detrimento dos acontecimentos e condições locais. Daí a criação
da Academia Francesa, que era a representação dos interesses burgueses da elite fortalezense
e do seu comprometimento com a implantação dos valores modernos e civilizados. Em
contrapartida, os Novos do Ceará eram avessos aos estrangeirismos e defendiam a
preservação da diversidade da cultura popular local. Segundo Cardoso (2002), os Novos do
Ceará consideravam que a literatura deveria ser um espaço possível de redescoberta do
humano, cuja missão dos escritores era regenerar os comportamentos e valores daquela época.
Pensamento em vigor na atuação durante a atuação da agremiação literária criada pelo grupo.

20
4 PADARIA ESPIRITUAL: uma sociedade de rapazes de Letras e Artes

No dia 30 de maio de 1892, na rua Formosa, nº 105, nasceu aquela que viria a ser a
agremiação literária mais ousada e original do Ceará. A Padaria Espiritual, idealizada por
Antônio Sales, surgiu como uma solução ao desânimo e insatisfação dos jovens intelectuais
fortalezenses com os espaços dedicados às Letras, atuantes nos últimos anos do século XIX.
A sociedade de rapazes de letras e artes se propunha a ser diferente das tantas de caráter
formal que havia em Fortaleza. Sales queria que “fosse uma coisa nova, original e mesmo um
tanto escandalosa, que sacudisse o nosso meio e tivesse uma repercussão lá fora” (Sales, 1938
apud Azevedo, 2011, p. 18).
A Padaria Espiritual se distinguia pela irreverência e originalidade. O caráter
humorístico, proposto em sua sessão inaugural, fica evidente desde a escolha de seu nome,
considerado “estapafúrdio” pelo poeta Olavo Bilac, aos textos publicados no periódico
intitulado “O Pão”. Em sua primeira edição, datada de 10 de julho de 1892, “O Pão” traz um
texto de apresentação em que adianta o seu descompromisso e distanciamento do formalismo
acadêmico:

O leitor conhece os estatutos da Padaria Espiritual? Naturalmente. Então, já


devia estar á espera do jornal que prometteu crear, com o nome de O Pão.
Eil-o, com a mesma somma de direito com que os outros seus collegas
percorrem profusamente o mundo inteiro. O seu programma é muito simples
transmittir ao leitor com a maior exactidão o que sente e o que pensa a
Pada­ria Espiritual sobre tudo e sobre todos. Não obedece absolutamente a
sugestões extranhas, nem tão pouco toma a si o compromisso de agradar: em
compensação, de modo algum: ameaça hostilisar. Promette apenas uma
cousa: dizer sempre a verdade, doa esta em quem doer. Não promette ser
eterno; deseja, porem, viver o mais que for possível (O PÃO, 1892, p. 01).

De acordo com Sânzio de Azevedo (2011), o próprio Programa de Instalação da


Padaria Espiritual, redigido por Antônio Sales, em 1892, e impresso na Tipografia d’O
Operário, de Fortaleza, ganhou evidência em periódicos de outros estados justamente pelo
tom humorístico que adota. O documento traz quarenta e oito artigos que regulamentam a
agremiação e tornam explícito o caráter debochado da Padaria:

XVI — Aquele que durante uma semana não disser uma pilhéria de espírito,
pelo menos, fica obrigado a pagar no sábado café para todos os colegas.
Quem disser uma pilhéria considerada superiormente fina, pode ser
dispensado da multa na semana seguinte.
XVII — O Padeiro que for pegado em flagrante delito de plágio falado ou
escrito pagará café e charutos para todos os colegas (Azevedo, 2011, p. 25).

21
No segundo artigo do Programa de Instalação, Antônio Sales denomina os membros
da agremiação de Padeiros, sendo um Padeiro-mor (presidente); dois Forneiros (tesoureiros);
um Guarda-livros (bibliotecário); um Investigador das Cousas e das Gentes, chamado de Olho
da Providência e os demais sócios eram os Amassadores. Com o limite de vinte gremistas,
podendo “admitir sócios honorários, que se denominaram — Padeiros Livres” (Azevedo,
2011, p. 20), todos os Padeiros tinham um “nome de guerra”, pseudônimo pelo qual eram
tratados nas Fornadas, como eram denominadas as sessões, que aconteciam no Forno, local
onde eram realizadas leituras críticas das produções originais e inéditas ou de outras obras
encontradas na imprensa.

As narrativas produzidas pela Padaria Espiritual estavam sempre permeadas pela vida
simples e bucólica. Num movimento contrário à Belle Époque, que se interpunha nos espaços
públicos do Brasil, alinhando os pensamentos e o modo de vida das elites nacionais aos
padrões europeus, os Padeiros eram críticos ferrenhos ao patriotismo republicano e à ordem
capitalista que se instaurou junto ao novo regime. Os membros da Padaria resistiam à
descaracterização dos costumes regionais e satirizavam os valores da nova burguesia, que
desprezavam os velhos hábitos e defendiam a ideia de modernização e progresso a partir da
valorização dos bens materiais e da negação da cultura popular, condenando as danças e
tradições populares, bem como o maracatu, os fandangos, cultos religiosos, curandeirismos,
dentre outros. A Padaria Espiritual se colocava, então, como "a inimiga mais terrível que
possuía a burguesia", como afirma Sabino Batista, sob nome de guerra "Sátiro Alegrete", no
poema que compôs para comemorar o primeiro ano do grêmio:

Padeiros! O calendário
Do tempo marca afinal
O primeiro aniversário
Da nossa mãe espiritual.

Um ano de vida (é incrível!)


Completa hoje a Padaria
A inimiga mais terrível
Que possui a burguesia.

Um grupo atirado e guapo


De dez ou doze rapazes,
- Cidadãos muito capazes
22
De matar onça a sopapo, -
(...)

Há um ano – quase em geral –


Exclamava a burguesia:
Padaria Espiritual?
Que quer dizer Padaria?

Que grandiosa novidade!


Que título tolo e banal!
Chamar-se uma sociedade
Padaria Espiritual!

Assim chamava basbaque


A burguesia intrigada,
Salientando o sotaque
De uma voz arrasada.
(...)

O grande indiferentismo
Dos ignaros banqueiros
Nunca causou prejuízo
A nenhum de nós, padeiros.
(...)

Devemos mais uma vez


Fazer um protesto forte:
– Votar a todo burguês
O nosso ódio de morte!
(Barreira, 1948 apud Brito, 2014, p. 122-124).

Segundo Gleudson Passos Cardoso (2006), para os Padeiros, impedir o avanço dessa
nova ordem começava na preservação dos costumes tradicionais, dos modos de vida no sertão
e da linguagem popular. Esta última, é uma preocupação do grupo desde sua implantação,
uma vez que o décimo quarto artigo de seu Programa de Instalação proibia o uso de palavras
estranhas à língua vernácula e condenava indignas de publicidade as peças literárias que

23
falassem de animais e plantas estranhos à fauna e flora brasileira. Para alguns críticos da
Literatura Brasileira, essas preocupações adiantam os ideais de nacionalismo e regionalismo
da Semana de 22 em São Paulo, antecedendo em trinta anos, um dos principais pensamentos
dos modernistas sulistas. Em 1895, na nona edição d’O Pão, o grêmio reitera sua diligência
com a linguagem utilizada pelos seus membros:

Prevenimos aos nossos consocios nos Estados que, segundo os nossos


estatutos, é vedado aos Padeiros empregar nos seus escriptos palavras
extranhas á língua vernacula, e desde já pedimos autorisação a todos para
substituir por vocabulo portuguez qualquer vocabulo estrangeiro que
porventura encontremos nas produções que nos mandem.
Precisamos afirmar definitivamente este ponto: a lingua portugueza não
precisa de favores de nenhuma outra (O PÃO, 1895, p. 06).

Além da sociedade burguesa, quem também estava na lista de inimigos da Padaria


Espiritual eram os padres, os alfaiates e a polícia. A aversão aos primeiros, de acordo com
Azevedo (2011), se dá pelo anticlericalismo oriundo da onda cientificista que se deu na
segunda metade do século XIX; os alfaiates aparecem como símbolo de extorsão que precisa
ser combatida e a polícia simboliza o poder odioso.

O Programa de Instalação da Padaria Espiritual previa ainda, no artigo 25, a criação de


um jornal onde seriam publicados os textos literários e as críticas “amassadas” pelos Padeiros
durante as Fornadas. E, no dia 10 de julho de 1892, dois meses depois da criação do grêmio,
surgiu O Pão.
Sânzio de Azevedo (2011) divide a produção d'O Pão e, consequentemente da
agremiação, em duas fases. A primeira, na qual foram publicados seis números, todos em seu
ano de criação, nota-se, além do já mencionado humorismo, características de lirismo,
irreligiosidade, misticismo, anticlericalismo e ódio ao burguês. Na segunda fase, datada a
partir de 1 de janeiro de 1895, O Pão reaparece e, até dezembro do mesmo ano, são
publicados 27 números. Faz-se então, um hiato de oito meses, antecedendo os 6 últimos
números, publicados entre 15 de agosto e 31 de outubro de 1896, quando o periódico encerrou
suas atividades.
O jornal foi o palco para as críticas e poesias de nomes como Venceslau Tupiniquim
(nome de guerra de Jovino Guedes); Moacir Jurema (Antônio Sales); Félix Guanabarino
(Adolfo Caminha); Paulo Kandalaskaia (Joaquim Vitoriano); Aurélio Sanhaçu (Antônio de
Castro), dentre outros, o que deu ao periódico o caráter de jornal literário, embora não se
detenha somente a isso, uma vez que desde sua primeira edição, O Pão carrega as

24
preocupações de seus amassadores com o cotidiano, abordando assuntos como as escolas e
bibliotecas públicas de Fortaleza.
O “pão do espírito”, como eram chamadas as produções fornecidas pelos Padeiros
“aos sócios em particular e aos povos em geral”, em alusão ao primeiro artigo do seu
Programa de Instalação era o “alimento da alma”.
Um diálogo publicado na primeira edição d’O Pão traz uma discussão acerca do preço do
periódico, que torna explícito o caráter “nutritivo” atribuído por seus autores àquelas
publicações, uma vez que o jornal era o “alimento”, “consumido” por aqueles que tinham
“fome” de conhecimento.

Dialogo entre um Padeiro e uma moça:


—Qual é o preço d'O Pão?
—6o reis, minha senhora.
—Oh! E' muito caro! Pois não vê logo que não dou meus três vinténs
pel’O Pão?
—Ah! E' porque V. Exe. não tem.... fome! (O PÃO, 1892, p. 02).

A originalidade da Padaria Espiritual foi destaque na época de seu exercício e ganhou


notoriedade no sudeste do país. Em sua segunda edição, O Pão (1892) traz uma nota do Jornal
carioca Diário do Commercio em que pontua o caráter original dos Padeiros: “O Diario do
Commercio faz espirituosos commentarios a respeito da Padaria e affirma que a litteratura
aqui está mais adiantada do que na Capital Federal. Deveras?” (O Pão, 1892, p. 08).

No entanto, apesar do pioneirismo, a Padaria Espiritual foi historicamente legada ao


nicho que define toda obra artística produzida fora do eixo Rio/São Paulo como literatura
regionalista ou literatura menor, resultando no apagamento e redução das fontes disponíveis
para pesquisa, mas não minou o interesse de intelectuais e artistas nesta, que é a mais ousada
agremiação artística do Ceará, como afirma o professor Ítalo Gurgel, na apresentação do livro
Breve História da Padaria Espiritual (2011), de Sânzio de Azevedo.

25
5 O BERRO DE EDNARDO: porque cantar parece com não morrer

Tal qual as produções dos intelectuais da Padaria Espiritual, a obra do cantor e


compositor Ednardo carrega muitos traços, costumes e tradições culturais do Ceará, bem
como marcos da própria historiografia do estado. Em um passeio, ainda que despretensioso,
pela discografia de Ednardo, é possível perceber seu compromisso em fazer de sua arte
musical e poética um registro vivencial da sua e de outras épocas, um relato de tudo o que viu,
entendeu e sentiu ao se debruçar e vivenciar os acontecimentos históricos do Ceará.

José Ednardo Soares Costa Sousa nasceu em Fortaleza, em 1945, onde iniciou sua
carreira musical duas décadas depois. Filho do diretor do Ginásio Dom Bosco, cresceu em
meio aos livros da biblioteca do colégio, época em que entrou em contato com diversas obras
da literatura, desde as clássicas às populares. Cedo também, foi o seu contato com a música.
Aos seis anos, foi incentivado pela mãe a estudar piano clássico e, aos catorzes anos, teve
certeza de que queria fazer música. Nesse período, Ednardo já fazia os próprios arranjos no
piano, a partir das músicas que se popularizaram na rádio.

No entanto, foi somente em 1971 que decidiu dedicar-se inteiramente ao ofício de


fazer música. Na época, Ednardo estava no quinto ano do curso de Engenharia Química e
trabalhava como operário da Petrobras no setor de asfalto, mas a rotina exaustiva de trabalho
e estudo atrapalhava a sua produção de letras e melodias, que, segundo o artista, era o que
mais gostava de fazer:

Quando nós fomos chegando ao final de 71, eu já estava no 5ª ano da


faculdade de Engenharia Química, eu me lembro que era mês de setembro de
71, e cada vez mais a música ficando mais forte dentro de mim. Cada vez
mais fazendo mais músicas, produzindo letras e melodias e insatisfeito com
essa coisa do trabalho, tanto na Petrobras, porque lá eu era operário
mesmo...[...] e nem a faculdade me entusiamava mais e iria me levar para um
processo de engenheiro. [...]. Um afastamento da coisa que eu gostava mais,
que era a música. [...] aí foi o insight: ‘eu vou fazer só música mesmo’. [...].
Nem tranquei, simplesmente não fui mais lá, não prestei os exames finais.
Eu já tinha até passado por média mesmo com essa atribulação toda, mas não
prestei os exames finais e pedi dispensa da Petrobras. Peguei um fusquinha
que eu tinha (risos), botei todas as minhas coisas dentro: violão, letras de
música e roupas, tudo mais e aí: ‘mamãe, papai estou indo para o Rio de
Janeiro’. [...]. Ela mesma que tinha me entusiasmado nessa coisa de música,
quando ela viu que eu estava deixando a casa indo para outro local; ela ficou
abaladíssima: ‘meu filho, você está se formando’, essa coisa todinha. [...].
Quando eu saí, eu devia ter uns 25 a 26 anos. [...]. Mas o Belchior também
fez isso meses antes, indo para o Rio de Janeiro, largando a faculdade de
medicina e Fagner também (Ednardo, 2003 apud Castro, 2017, p. 20).

26
As primeiras apresentações musicais de Ednardo foram nos festivais que revelaram
grandes nomes da música popular cearense, como os cantores Belchior e Fagner. Em 1970,
com sua musicalidade mais profissional e consciente, Ednardo ganhou o II Festival
Nordestino, com a música “Beira Mar” que trazia imagens da cidade de Fortaleza, uma
característica que se tornaria recorrente em sua obra, a partir dali.

Na Beira Mar
Entre luzes que lhe escondem
Só sorrisos me respondem
Que eu me perco de você
Você nem viu

A lua cheia que eu guardei


A lua cheia que eu esperei
Você nem viu, você nem viu

Viva o som, velocidade


Forte, praia, minha cidade
Só o meu grito nega aos quatro ventos
A verdade que eu não quero ver
(...)

(Ednardo, 1970)

O início da produção artística de Ednardo se deu no auge da ditadura militar no Brasil.


A instauração do Ato Inconstitucional n°5 (AI-5), em 1968, assinada pelo presidente Arthur
Costa e Silva, desencadeou um intenso e longo período de censura e repressão artística, que
refletiu diretamente na produção cultural do país. O AI-5 combatia principalmente o
crescimento das manifestações estudantis, limitando a liberdade desses grupos, que foram
proibidos de frequentar determinados lugares.

O AI-5 forneceu ao Presidente da República, plenos poderes; ao Congresso,


recesso; aos meios de comunicação, censura prévia; aos parlamentares,
cassação; ao aparelho repressivo, um abrigo seguro; ao aparato de segurança,
autonomia. Sem políticos civis, sem imprensa combativa, sem um judiciário
autônomo, o Regime tornava-se exclusivamente militar, as Forças Armadas
alcançam a hegemonia absoluta dentro do Estado brasileiro. A ditadura
mostrava-se sem disfarces. (Stephanou, 2001 apud Saggiorato, 2008, p. 21).

Inspirado nas conversas na universidade, nos bares e nos ideais de liberdade em meio
àquele contexto de repressão, as letras de Ednardo foram transpassadas pelo seu processo de

27
despertar político.

Em 1970, já morando em São Paulo, Ednardo ascende nos palcos sudestinos ao lado
de uma leva de cantores cearenses que saíram de suas terras ao mesmo tempo, em busca de
mais visibilidade no cenário musical em São Paulo e no Rio de Janeiro. Juntos, Ednardo,
Belchior, Fagner, Jorge Mello, Wilson Cirino, Amelinha, Rodger Rogério, Téti e outros
artistas fizeram parte de um grupo de efervescência cultural que ganhou destaque na televisão
e ficou conhecido como “O Pessoal do Ceará”.

Em 1973, Ednardo, Téti e Rodger Rogério lançaram o LP “Meu Corpo Minha


Embalagem, Todo Gasto da Viagem – Pessoal do Ceará”. O disco reunia dez faixas, dentre
elas “Beira Mar”, canção com a qual venceu o Festival Nordestino de 1970, e “Terral”, em
que Ednardo remonta novamente a paisagens de Fortaleza e cria uma crônica da vida na
cidade:

Eu venho das dunas brancas


Onde eu queria ficar
Deitando os olhos cansados
Por onde a vida alcançar
(...)

Eu tenho a mão que aperreia


Eu tenho o sol e areia
Sou da América, sul da América
South América
Eu sou a nata do lixo, eu sou do luxo da aldeia
Eu sou do Ceará

Aldeia, Aldeota
Estou batendo na porta pra lhe aperriar
Pra lhe aperriar, pra lhe aperriar
Eu sou a nata do lixo, eu sou do luxo da aldeia
Eu sou do Ceará

A Praia do Futuro, o farol velho e o novo


Os olhos do mar
São os olhos do mar, são os olhos do mar
O velho que apagado, o novo que espantado
28
O vento a vida espalhou
Luzindo na madrugada, braços, corpos suados
Na praia fazendo amor.
(Ednardo, 1973)

Antes do lançamento do disco, Ednardo foi chamado à Polícia Federal para prestar
esclarecimentos sobre a letra de “Terral”. Os militares interpretaram a frase “braços, corpos
suados na praia fazendo amor” como uma apologia e incitação à sexualidade, ao que Ednardo
rebateu dizendo que “o ato de fazer amor é um ato natural; aliás, o senhor deve ter nascido de
um ato deste, com sua mamãe e o seu papai” (Ednardo, 2003 apud Castro, 2017, p. 39). Em
razão da censura, a letra foi modificada e o termo “fazendo” foi substituído por “falando”.

Em sua trajetória, Ednardo sofreu vários outros episódios de censura e perseguição


política. No entanto, isso não o impediu de imprimir, em sua obra, o caráter de resistência que
crescia com o seu desejo de liberdade. Em diálogo com o contexto em que eram produzidas,
as letras do cearense assumiram o aspecto de arte engajada, que dá voz a uma geração que
sente angústia e necessidade de se expressar. Em 1979, protagonizou e liderou o maior evento
artístico-musical realizado no Ceará, que reuniu grandes nomes da cultura do estado, como
Patativa do Assaré, os Irmãos Aniceto, além de Fagner e Belchior, que já eram estrelas da
música cearense.

As composições de Ednardo revelam um discurso de consciência política, racial e


artística, repletas de referências às suas raízes culturais e à historiografia do Ceará. Esses
elementos o colocam, na definição de Gilmar de Carvalho (2013), como o artista com mais
traços do que seria um cantar cearense. “O cantar, para Ednardo, por exemplo, é vital. A
trajetória do compositor descreve uma linha de coerência, sintonizado com seu tempo e com
as coisas pelas quais ele luta” (Carvalho, 2013, p. 72).

Para as gerações posteriores, as composições do cantor cearense são importantes


registros dos acontecimentos históricos do estado. Na letra de “Passeio Público”, por
exemplo, Ednardo canta sobre Bárbara de Alencar, atuante da Revolução de 1817 e a primeira
mulher a se tornar presa política no Brasil. Dona Bárbara do Crato, como ficou conhecida, foi
uma das líderes do movimento republicano no Cariri cearense. Influenciados pelos
pernambucanos, os revolucionários lutavam contra o autoritarismo da Coroa Portuguesa e
reivindicavam mudanças no sistema governamental. A atuação de Bárbara de Alencar na
Revolução de 1817 resultou na prisão da heroína do Crato e na tentativa de detração de sua
imagem. Bárbara foi torturada por quase quatro anos, na Fortaleza de Nossa Senhora de
29
Assunção, onde atualmente há uma placa indicando que “aqui gemeu longos dias D. Bárbara
de Alencar em 1817 victma da tyrannia do governador Sampaio”. Mais de um século depois,
os gemidos da revolucionária foram inspiração para os versos de Ednardo:

Hoje ao passar pelos lados


Das brancas paredes, paredes do forte
Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos
Ganidos de morte
Vindos daquela janela
É Bárbara, tenho certeza
É Bárbara, sei que é ela
Que de dentro da fortaleza
Por seus filhos e irmãos
Joga gemidos, gemidos no ar
Que sonhos tão loucos, tão loucos, tão loucos
Tão loucos foi Bárbara sonhar
(...)
(Ednardo,1976).

A obra de Ednardo mistura o rock, o frevo, a lambada, maracatu e outros ritmos,


endossando o compromisso com suas raízes e dificultando qualquer tentativa de rotulação ou
classificação das suas canções. A recorrência da influência da literatura de cordel em suas
letras é mais um elemento de sua consciência artística. Sua música de maior sucesso é
também a síntese de sua arte. Em “Pavão Mysterioso”, Ednardo faz uma releitura d’O
Romance do Pavão Misterioso, um clássico da literatura de cordel, com arranjos de maracatu
e uma metáfora à resistência e à luta contra a repressão ditatorial, em plena vigência do AI-5.
A canção foi tema da novela Saramandaia, em 1976, e se tornou popular em todo o território
nacional.

Não temas, minha donzela


Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar
(Ednardo, 1974).
Ednardo é um dos maiores representantes da cultura musical cearense, autor de mais
de quatrocentas letras e melodias, sua obra está dividida em quinze discos originais e
dezesseis compilações, com músicas projetadas em diversos países da América e da Europa.

30
6 DO PÃO AO BERRO: A Padaria Espiritual na obra de Ednardo

Em 1976, Ednardo lançou “Berro”, seu segundo disco solo, produzido por Osmar Zan
e Marcelo Duran, pela gravadora RCA. Com arranjos dos músicos Roberto Aurélio, Brandão,
Crimélio e do próprio Ednardo, o LP contém onze faixas em que o artista mistura rock, rock
alternativo, frevo, baião, dentre outros estilos.

Numa entrevista ao jornal O Globo (1976) acerca do lançamento do disco, Ednardo


narra sua trajetória, as dificuldades que enfrentou assim que chegou ao Rio de Janeiro até do
sucesso da canção “Pavão Mysterioso” e o processo de criação do “Berro”:

Em 1975, eu virei uma caldeira. Uma caldeira que você enche de lenha,
começa a botar fogo, e não tem válvula de escape. Fui acumulando as coisas,
sem poder botar fora. E isso é o tipo de coisa que pode funcionar muito
legal, mas também pode contribuir pra o aniquilamento do criador. Porque
você pensa mil coisas e não consegue extravasar. [...] Então, 75 foi um ano
de tentativas em várias áreas - o Festival da Globo, a RCA, tudo. Houve até
uma tentativa heroica de fazer shows no pau e pedra, transando microfones,
emendando, indo nas universidades, me oferecendo, acertando tudo,
arranjando os instrumentos, e fazendo os shows. Foi um murro
violentíssimo, isso tudo. Um murro que transparece muito no 'Berro'. Por
isso, inclusive, esse título. Porque ou você faz arte, ou é o gigolô da própria
arte. [...] 'Berro' é o resultado disso tudo; é meu grito, minha raiva. Como é
que você quer que a gente seja terno, passando um ano fazendo show
emendando fiozinho? Minha música é meu momento (O Globo, 1976).

O “Berro” de Ednardo é o resultado de suas frustrações como artista do norte, diante


do mercado musical e da hegemonia do eixo Rio/São Paulo no cenário musical. Nesse
contexto, fica clara a intenção e o compromisso de Ednardo de levar em suas letras e melodias
acontecimentos importantes, que marcaram a historiografia do Ceará, mas que não são de
conhecimento do público do sudeste, como a Revolução de 1817, na música “Passeio
Público” e a Padaria Espiritual, nas canções “Artigo 26” e “Padaria Espiritual”.

Agora, tem gente que me acusa de ‘nostalgia’ aguda, sempre que falo do
Ceará. Não é. Quando a gente mora no Nordeste é bombardeado o tempo
todo com o Rio e São Paulo, com as coisas do ‘sul-maravilha’. [...] Mas eu
acho que para se universalizar a gente não tem que romper com as próprias
raízes. Tem é que aprofundar. Tanto faz falar na fome do Nordeste, como na
de Bangladesh. Então, por que não falar das coisas de lá, pelo amor de Deus?
Eu acho que se eu sou de lá, e agora estou aqui, tenho é que aproveitar as
duas coisas e fazer a síntese [...] Por isso, no 'Berro', eu procuro, inclusive,
cantar coisas importantes de lá, que nem chegaram muito aqui (O Globo,
1976).
A seguir, partindo dos conceitos de relações intertextuais de copresença, explícitas e
implícitas, já discutidas anteriormente, analisaremos a letra da, já citada música, “Artigo 26” e

31
as evocações, feitas pelo cantor, às características que marcaram o grêmio cearense.

6.1 VOCÊ JÁ LEU O ARTIGO 26?


Observemos a letra da canção Artigo 26, cujos aspectos intertextuais de construção de
sentidos serão analisados a seguir.

Artigo 26
( 01 ) Olha o padeiro entregando o pão
( 02 ) De casa em casa entregando o pão
( 03 ) Menos naquela, aquela, aquela, aquela não
( 04 ) Pois quem se arrisca a cair no alçapão?
( 05 ) Pois quem se arrisca a cair no alçapão?

( 06 ) Anavantu, anavantu, anarriê


( 07 ) Nê pa dê qua, nê pa dê qua, padê burrê
( 08 ) Igualitê, fraternitê e libertê
( 09 ) Merci bocu, merci bocu
( 10 ) Não há de que

( 11 ) Rua formosa, moça bela a passear


( 12 ) Palmeira verde e uma Lua a pratear
( 13 ) Um olho vivo, vivo, vivo a procurar
( 14 ) Mais uma ideia pro padeiro amassar
( 15 ) Mais uma ideia pro padeiro amassar

( 16 ) Anavantu, anavantu, anarriê


( 17 ) Nê pa dê qua, nê pa dê qua, padê burrê
( 18 ) Igualitê, fraternitê e libertê
( 19 ) Merci bocu, merci bocu
( 20 ) Não há de que

( 21 ) Você já leu o artigo 26?


( 22 ) Ou sabe a história da galinha pedrês?
( 23 ) E me traduza aquele roque para o português
( 24 ) A ignorância é indigesta pro freguês
( 25 ) Que a ignorância é indigesta pro freguês

( 26 ) Anavantu, anavantu, anarriê

32
( 27 ) Nê pa dê qua, nê pa dê qua, padê burrê
( 28 ) Igualitê, fraternitê e libertê
( 29 ) Merci bocu, merci bocu
( 30 ) Não há de que

( 31 ) Você queria mesmo, é ser, um sanhaçu


( 32 ) Fazendo fio e voando pelo azul
( 33 ) Mas nesse jogo lhe encaixaram, e é uma loucura
( 34 ) Lá vem o padeiro, pão na boca é o que te cura
( 35 ) Lá vem o padeiro, pão na boca é o que te cura

( 36 ) Anavantu, anavantu, anarriê


( 37 ) Nê pa dê qua, nê pa dê qua, padê burrê
( 38 ) Igualitê, fraternitê e libertê
( 39 ) Merci bocu, merci bocu
( 40 ) Não há de que (Ednardo,1976).

“Artigo 26” é a segunda faixa do disco “Berro”, nela, Ednardo traz à luz a Padaria
Espiritual, movimento, que, nas palavras do cantor, era “um negócio danadíssimo, muito
sério, que atingia principalmente a área cultural, na transição entre Brasil Império e Brasil
República” (O Globo, 1976). Em um contexto de repressão, ditadura e censura, o cantor
retoma, através de manifestações intertextuais, símbolos de resistência e regionalidade,
ressignificando-os em seu próprio discurso. Começaremos nossa análise pelos elementos
explícitos de intertextualidade.

Na primeira estrofe da letra, percebemos a primeira referência, que se configura como


uma “indicação explícita do que ele deve buscar na sua memória discursiva, pois remete o
leitor a um texto mesmo sem citá-lo literalmente” (Oliveira; Fernandes; Sousa, 2017), nos
versos 01 e 02, o compositor evoca a imagem do “padeiro entregando o pão/ de casa em casa
entregando o pão/ menos naquela, aquela, aquela, aquela não”. O Pão, como já foi discutido,
foi o periódico criado pela Padaria Espiritual, no qual seus membros, os Padeiros, publicaram
as produções criadas durante as Fornadas, como eram chamadas as sessões e reuniões do
grêmio. No contexto atual à composição da canção, o “pão”, alimento do espírito, seria a arte
como resistência à repressão do governo vigente, distribuída com cuidado, “pois quem se
arrisca a cair no alçapão?”.

Nos versos 13, 14 e 15, encontramos mais uma referência aos membros da padaria,

33
bem como de sua função. “Um olho vivo, vivo, vivo, vivo, a procurar/ mais uma ideia pro
padeiro amassar/ mais uma ideia pro padeiro amassar”. O “olho vivo” refere-se ao Olho da
Providência, o membro da Padaria que ficava responsável por observar as movimentações e
acontecimentos citadinos e levar, às Fornadas, novos assuntos para serem debatidos e
amassados entre os Padeiros. No Programa de Instalação da Padaria Espiritual, o Olho da
Providência é descrito como “um Investigador das Coisas e das Gentes” (Azevedo, 2011, p.
19).

A terceira intertextualidade encontrada diz respeito ao próprio título da canção que, na


letra, é encontrado no verso 21: “você já leu o artigo 26?”. O intertexto neste questionamento
pode ser interpretado a partir de dois textos-fontes: o vigésimo sexto artigo do Programa de
Instalação da Padaria Espiritual, que trata dos inimigos dos Padeiros, “São considerados,
desde já, inimigos naturais dos Padeiros: os padres, os alfaiates e a polícia. Nenhum Padeiro
deve perder ocasião de patentear seu desagrado a essa gente” (Azevedo, 2011, p. 28). A outra
interpretação possível, diz respeito ao artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, idealizada durante a Revolução Francesa, em 1789, a partir dos ideais de liberdade
de direitos da burguesia francesa, que se mobilizou contra o sistema opressor da monarquia
absolutista e estabeleceu a República na França. O artigo, em questão, trata do direito à
educação:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, está baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser
humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais
ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus filhos (Organização das Nações Humanas, 1948).

A Revolução Francesa é mais uma vez objeto de intertextualidade na letra de “Artigo


26”, O refrão da canção é constituído, de maneira não linear, por termos da língua francesa.
No entanto, a presença desses “estrangeirismos” na letra da canção aparece de forma
“abrasileirada”, como afirmam Grangeiro e Ferreira (2016, p. 88):

a presença da língua francesa no texto não ocorre por acaso. É uma marca de
heterogeneidade mostrada, marcada na superfície linguística. Constitui-se,
pois, como um dos elementos fundamentais no processo de significação,

34
trazendo para a cena enunciativa um dos principais elementos da cultura de
um povo que é a sua língua. [...] Ela é ressignificada a partir dos elementos
da cultura popular do Ceará. A própria utilização da língua francesa com
sotaque brasileiro/cearense aponta para o efeito de pastiche, de brincadeira.

Na letra de Ednardo, “Il n’y a pas de quoi Pas de bourré/ Egalité, fraternité et liberté/
Merci beaucoup”, se transforma em “Nê pa dê qua, padê burrê/ Igualitê, fraternitê e libertê/
Merci bocu”. Diante disso, atentamos ao verso 08, da letra (“Igualitê, fraternitê e libertê”).
Nele, o compositor nos introduz a mais uma referência ao movimento revolucionário da
burguesia francesa, dessa vez ao seu lema “Egalité, fraternité et liberté”, que ecoou pelo
mundo, espalhando a ideologia dos revolucionários.

A Revolução Francesa é considerada o maior acontecimento da história


contemporânea, seus ideais, inspirados pelos pensamentos iluministas, se disseminaram por
diversos países. No Brasil, a influência da revolução se deu de muitas maneiras. A base da
Constituição Federal Brasileira, de 1988, por exemplo, é pautada nos ideais franceses, bem
como em seu já citado lema. No preâmbulo da Constituição, a Assembleia Nacional
Constituinte, destacada como representante do povo brasileiro, define a instituição de um
Estado democrático “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]” (Constituição Federal
Brasileira, 1988).

A própria Padaria Espiritual é marcada pelos ideais da Revolução Francesa, desde o


anticlericalismo, uma vez que o grêmio tinha os padres como seus inimigos naturais, como na
defesa do direito à educação. O artigo XL, do Programa de Instalação da Padaria Espiritual
trata justamente da preocupação dos gremistas acerca dos estabelecimentos de ensino. “A
Padaria desejaria muito criar aulas noturnas para a infância desvalida; mas como não tem
tempo para isso, trabalhará por tornar obrigatória a instrução pública primária” (Azevedo,
2011, p. 33). Aqui, Ednardo se aproxima do discurso da Padaria ao evocar suas influências,
bem como uma de suas preocupações.

A partir de agora analisaremos as manifestações intertextuais a partir de elementos


implícitos. A alusão ocorre quando um texto aparece de maneira indireta em outro enunciado,
assim, esta, segundo Genette (2010 apud Oliveira; Fernandes; Sousa, 2017), é a forma menos
explícita de intertextualidade e para que seja compreendida, é necessário que o leitor recorra
aos seus conhecimentos prévios e pode ser remetida à história, costumes, dentre outros
enunciados. Na letra de “Artigo 26”, encontramos quatro alusões ao discurso da Padaria
35
Espiritual.

A primeira encontra-se no verso 11, “Rua formosa, moça bela a passear”, nele, o autor
faz alusão à rua em que se localizaram as sedes do grêmio. Em Azevedo (2011), a sessão
inaugural da Padaria já aconteceu em seu primeiro prédio, na Rua Formosa, nº 105 (hoje,
Barão do Rio Branco). Mobiliada somente com uma mesa de pinho, um armário e cadeiras, a
primeira sede do grêmio ficava nas dependências de antigo armazém do comerciante José
Bruno Menescal. Ainda na primeira fase da Padaria, as fornadas passaram a acontecer no nº
106, depois mudaram-se para o nº 11, antes de decidirem realizar as sessões nas casas dos
próprios gremistas.

Segundo Brito (2012, p. 77),

do primeiro prédio saíram porque o proprietário irritou-se com a falta de


pagamento dos aluguéis; do segundo, porque o estabelecimento ameaçava
desabar e, finalmente, do terceiro, porque deliberaram que as reuniões, isto é,
as “fornadas”, seriam realizadas na casa dos próprios padeiros. Durante a
presidência de Rodolfo Teófilo, as “fornadas” eram realizadas em sua casa.

A seguir, nos versos 12 e 31, Ednardo intertextualiza novamente aos preceitos da


Padaria, lidos no seu Programa de Instalação. Ao citar elementos da flora (“Palmeira verde e
uma Lua a pratear”) e da fauna (“Você queria mesmo, é ser, um sanhaçu”) nacionais, o
compositor alude ao vigésimo primeiro artigo do programa, que condena o uso de animais e
plantas que não fossem naturais do Brasil em suas peças literárias. “Será julgada indigna de
publicidade qualquer peça literária em que se falar de animais ou plantas estrangeiras à Fauna
e à Flora Brasileira, como – cotovia, olmeiro, rouxinol, carvalho, etc” (Azevedo, 2011, p. 26).
Além disso, o termo sanhaçu pode ser interpretado como uma alusão a Aurélio Sanhaçu,
nome de guerra do escritor Antônio de Castro.

O mesmo acontece no verso 23, “E me traduza aquele roque para o português”,


quando o cantor alude à aversão dos Padeiros aos estrangeirismos, que, no artigo XVI,
proíbem o “uso de palavras estranhas à língua vernácula, sendo, porém, permitido o emprego
dos neologismos do Dr. Castro Lopes” (Azevedo, 2011, p. 24), este último, um médico do Rio
de Janeiro averso a palavras de origem inglesa e francesa e autor do livro Neologismos
Indispensáveis e Barbarismos Dispensáveis (1889).

O último elemento de intertextualidade implícita que analisamos foram encontrados


nos versos 24, 25, 34 e 35 “A ignorância é indigesta pro freguês/ Que a ignorância é
indigesta pro freguês/ Lá vem o padeiro, pão na boca é o que te cura/ Lá vem o padeiro, pão

36
na boca é o que te cura”. Nestes versos, Ednardo alude ao discurso da Padaria Espiritual, cujo
fim era distribuir o pão do espírito, necessário àqueles que têm fome de conhecimento, sendo
assim, O Pão é essencial à coletividade. Em 1982, na primeira edição do jornal, Álvaro
Martins, sob pseudônimo de Polycarpo Estouro, publicou um poema que expressa essa
necessidade d’O Pão para a sociedade:

Leitoras, o pão (jornal)


Que está na ordem do dia,
Vae ter uma freguesia
Enorme, na capital,

Com tudo, a população


Pode na terra viver,
Porem passar sem comer..,
Leitoras, isto é que não !

Por isto é que o nosso pão


Sendo tão extr'ordinario,
E' hoje o mais necessário
A' toda a população…

Pão—é vida; pão—é goso


Pão—é germen da alegria,
E' fructo mysterioso
Da árvore da sympathia.

Pois é com pão (salvo seja)


Meninas, com que se faz,
A hostia com que na egreja
Dos peccados vos... limpaes!

Trabalhai, pois, pelo pão,


Queridas leitoras minhas,
Que eu vos dou as Bolachinhas;
A cinco... por um tustáo;
Prestai auxilio e razão,
A' nossa aggremiação

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Ao nosso grande ideal;
Que no fim desta campanha,
Pudemos, a vosso lado,
Vos mostrar o resultado
Da massa... espiritual!
(O PÃO, 1892, p. 02).

No poema, O Pão é fonte de vida e de alegria e o alimento mais necessário à


população, a partir dele é feita a hóstia que representa o sangue e corpo de Cristo, símbolo
utilizado pela Igreja Católica para limpar os pecados de seus fiéis. Aqui, Polycarpo Estouro
compara o “pão do espírito” ao “pão eucarístico”, ambos objetos de cura aos seus leitores e
fiéis, bem como na letra de Ednardo, cujo discurso se assemelha, uma vez que “o pão na boca
é o que te cura”, que pode ser endossado pela nona faixa do disco Berro, intitulada “Padaria
Espiritual”:

Nessa nova padaria espiritual


Nessa nova palavra de ordem geral
Eu faço o pão do espírito
E você cuida do delito
De comer, de comer
Onde e como cometer
(...)

Coma tudo, tudo o que você puder


Arrote e coma você mesmo até
Consuma tudo em suma
Definitiva e completamente
Na destruição somente deste absurdo aniquilamento
É que talvez surja um outro novo momento
(..) (Ednardo,1976).

A letra da segunda canção traz novamente a agremiação cearense ao centro do


discurso de resistência de uma nova ordem geral, cujo consumo do “pão do espírito” é a fonte
de destruição desse “absurdo aniquilamento”, no entanto, dessa vez, o eu-lírico aparece na
condição de “novo Padeiro”.

38
7 CONCLUSÃO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar as ocorrências de intertextualidade na


canção “Artigo 26”, do cantor e compositor cearense José Ednardo Soares Costa Sousa,
baseadas nas produções literárias do movimento Padaria Espiritual, idealizada pelos
intelectuais menos abastados da sociedade letrada de Fortaleza, no final do século XIX, bem
como os discursos de resistência presentes em ambas as produções artísticas.

Para tal, foram utilizados os conceitos de intertextualidade propostos por Koch;


Bentes; Cavalcante (2008) e dos tipos de intertextualidade implícita e explícita, definidos por
Piègay-Gross (2010 apud Oliveira; Fernandes; Sousa, 2017), dos quais foram selecionados
dois, alusão e referência, para embasar a nossa análise. Além disso, fizemos um apanhado
teórico dos períodos de produção literária e artística da Padaria Espiritual e de Ednardo,
respectivamente, assim como do contexto histórico-social desses períodos, para o qual
utilizamos Azevedo (2011); Carvalho (2013) e Cardoso (2002).

A partir dessas noções, a pesquisa nos permitiu perceber a influência dos textos da
Padaria Espiritual na canção “Artigo 26” de Ednardo, principalmente do seu Programa de
Instalação, lido por Antônio Sales, em 1892, na ocasião da criação do grêmio. Os principais
preceitos da Padaria serviram de inspiração para o cantor cearense, que construiu a sua letra a
partir de referências e alusões à produção do grêmio.

Pode-se concluir que os grandes acontecimentos e revoluções históricas encontram na


arte uma grande aliada aos movimentos de resistência ao elitismo e à opressão. E, assim como
a História, que às vezes parece se repetir, a arte muitas vezes se encontra nesse movimento
cíclico. Em síntese, todo enunciado é resultado de sua relação com outros, assim, o artista
cearense que se engajou na luta contra a censura do governo ditatorial, se inspirou em suas
próprias raízes, a Padaria Espiritual, que foi (e segue sendo) uma das mais fascinantes fontes
de resistência artísticas do Ceará. O fascínio se estende, sobretudo, à pesquisadora, que, a
partir deste trabalho, pretende seguir com a pesquisa em outros níveis de sua formação
acadêmica.

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