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Começo por agradecer aos meus pais, pela confiança que sempre depositaram em mim
e pelo apoio incondicional que sempre me prestaram.
Agradeço ainda à minha irmã, pela compreensão e pelo apoio que me deu durante a
realização do curso.
Índice
Resumo ........................................................................................................................ 09
Abstract ........................................................................................................................ 11
Introdução .................................................................................................................... 13
2. A prática da reabilitação _
do modelo metodológico à realidade das situações ................................. 95
A aldeia de Póvoa Dão ................................................................................. 95
A Quinta de Pêro Martins ........................................................................... 113
As dificuldades da concretização ............................................................... 126
Resumo
Abstract
The popular architecture is the result of the existent relation between man and his
environment. In that way, vernacular constructions present in the Beira Alta represent
an adaptation of its people to the features of the region. The singularity of this territory
and its economy, mainly influenced by agriculture, affected directly the aspect of these
constructions, namely of the Beira Alta house. This habitation, of very rude feature, is
more functional than comfortable due to being itself an important support in
agriculture, where the tools, the crops and even the animals were kept. Because of the
social mutations and the devaluation of the rural spaces, most part of these
architectural examples are in ruins conditions, decharacterized by posterior
modifications or have been replaced by constructions which are more adapted to the
current life style.
A few decades ago, the revaluation of the rural spaces, applied by territory
ordainment policies, produced an awareness of the disappearing of these
constructions. The necessity of its preservation became this way an growing concern
of the contemporary society and led to the recognition of these constructions as part of
the cultural patrimony of each country. Along with this revaluation process of the rural
spaces, emerged a growing interest in tourism in rural space by the Portuguese people
in ways of discovering less known areas and, in a certain way, returning to the origins.
In that way, tourism in rural space became the motive for supporting the rehabilitation
of the constructed vernacular patrimony but also the reason of protecting and giving
new life to the popular house of the Beira Alta.
The development of rehabilitation intervention appears being an extremely
complex process which changes according to the specificities of each case. The
objectives, principles and requirements ruling this kind of intervention must be clear
in every architect’s mind as well as the cognition of the existence of changeable
factors which influence the approach to the rehabilitation goal. The concretization of a
rehabilitation action forces the following of a very strict methodology, which, despite
of turning the organization and planning of the process easier, does not stops the
appearing of unexpected situations which create difficulties in the intervention
progress.
Introdução 15
Introdução
1
PEIXOTO, António Augusto da Rocha – Etnografia portuguesa : obra etnográfica completa. Lisboa : Publi,
1990.
2
Acerca deste tema ver:
- SILVA, Paulo Brito da – Património arquitectónico e valorização dos espaços rurais. Comunicação apresentada em
representação do Forum UNESCO no seminário Horizonte 2006 – Políticas e práticas de desenvolvimento rural. Crato,
Fronteira e Monforte, 14,15 e 16 de Dezembro de 2000;
- “(…), poderá afigurar-se pelo menos questionável o limite então pretendido por alguns de tratar a arquitectura
popular por contraposição à erudita. Até que ponto esta fronteira é de manter, até que ponto é uma distinção
susceptível de clarificar as contribuições do passado no domínio da Arquitectura?” in ASSOCIAÇÃO DOS
ARQUITECTOS PORTUGUESES – Arquitectura Popular em Portugal. 3ª ed. Lisboa: Associação dos Arquitectos
Portugueses, 1988, vol.1, prefácio da 2.ª edição.
3
ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITECTOS PORTUGUESES – Arquitectura Popular em Portugal. 3ª ed. Lisboa:
Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988.
20 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Castro
Meda
Daire Vila Nova
de Paiva Figueira
de Castelo
S. Pedro Trancoso Rodrigo
Aguiar da
do Sul
Sátão Beira
Oliveira de Pinhel
Viseu Penalva do Fornos de Almeida
Frades Vouzela
Castelo Algodres
Celorico
Mangualde da Beira Guarda
Tondela
Gouveia
Nelas
Carregal
Santa do Sal Seia
Mortágua Comba
Dão Oliveira Manteigas Sabugal
Tábua do
Hospital
Caracterização da região
4
OLIVEIRA, E. Veiga de; GALHANO, Fernando – Arquitectura Tradicional Portuguesa. 1ª ed. Lisboa: Publicações
D. Quixote, 1992.
5
Com a entrada em vigor da Constituição de 1976, a Beira Alta corresponde hoje em dia a diferentes sub-regiões: sub-
região da Beira Interior Norte, da Serra da Estrela, do Dão-Lafões bem como ainda uma pequena parte do Pinhal
Interior Norte (por abarcar no seu território os dois concelhos do distrito de Coimbra pertencentes à “antiga” Beira
Alta).
22 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[6] Rio Côa, terras de Riba-Côa [7] Lagoa Escura gelada no inverno, Serra da Estrela
Alva que correm no mesmo sentido. Além desses três rios, a região soma ainda o
Vouga que, nascido na serra da Lapa, corre de encontro com o limite Norte da região,
o Ceira, proveniente da Serra do Açor, e o Côa, oriundo do Sabugal, que ao contrário
dos outros rios corre no sentido Sul-Norte até desaguar no rio Douro. Sendo assim, a
maior parte da região apresenta-se rica em água e em solo fértil, exceptuando uma
pequena parte a Sudoeste, cujo solo de formação xistenta se revela pobre6.
6
“As formas graníticas, em presença do tipo de clima corrente entre nós com elevado teor de humidade, arenizam-se
facilmente dando assim origem a formas topográficas bem definidas de carácter rectilíneo, contribuindo deste modo
para o desenvolvimento de vales amplos e dotados de grande fertilidade. Os xistos, pelo contrário, além de menos
permeáveis que as rochas anteriores, não sofrem o mesmo processo de arenização pelo que os solos resultantes são
bastantes pobres.” in MOUTINHO, Mário C. – A arquitectura popular portuguesa. Lisboa: Editorial Estampa, 1979,
p.13.
7
VALE, Alexandre de Lucena e – Beira Alta : terra e gente. Viseu : Comissão Municipal de Turismo, 1958, p.21-
22.
24 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[9] Preponderância de pinheiros nas encostas mais altas [10] Diversidade de cores
Povo e economia
Formando parte integrante desta paisagem, a agricultura praticada nos vales e sopés
representa a base da economia da Beira Alta. Mais uma vez, esta região apresenta
diversidade no que se refere ao tipo de cultivo: desde as culturas cerealíferas à
horticultura e fruticultura, das quais se salientam o milho, o centeio, o olival e a vinha.
O milho, necessitando terras húmidas, localiza-se preferencialmente na parte situada
entre os rios Dão e Vouga ou em zonas irrigáveis, enquanto o centeio cobre a restante
parte da região. A vinha, presente por toda a parte, revela no entanto mais qualidade e
produtividade no vale do Dão. Com prova na dimensão das propriedades, de superfície
diminuta, que se encontram nesta região, todos estes cultivos são feitos à escala
familiar o que implica a participação de toda a família nesta lavoura.
8
“Por essas eminencias, tapetadas de relva no estio e de neves no inverno, nem as villas, nem as arvores se atrevem a
subir: só o pastor nómada as habita. Do alto do seu throno de rochas vê gradualmente ir nascendo a vida pelas
encostas: primeiro o zimbro, rasteiro e roido pelo gado, circumda os altos nús; logo apparecem os piornos, as urzes
brancas, os carvalhos; depois, já a meia altura da encosta, os castanheiros, as lavouras, e os enxames das villas;
afinal, na extrema baixa, o lançol de lagunas, tapete de esmeraldas engastadas em fios de brilhantes, que o sol faceta
ao espelhar-se no labyrintho dos canaes.” OLIVEIRA MARTINS cit. in “Notas sobre Portugal”, Lisboa : Imprensa
Nacional, 1908. Exposição Nacional do Rio de Janeiro, 1908, vol. II, p.30.
26 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
A maioria dos habitantes da Beira Alta são agricultores ou pastores, vivem da terra
e para a terra já que é ela que os alimenta e os veste. A vida desta gente é ditada pela
sementeira, pela rega, pela poda ou ainda pelas vindimas e pelas ceifas, sempre à
mercê do clima que determina os anos de abundância ou os de fome. A tradição
comunitária está também fortemente vincada, a partilha dos fornos, dos moinhos, dos
lagares ou das eiras. Neste contexto, a casa propriamente dita serve apenas de abrigo,
para comer e dormir, uma vez que funciona mais como importante instrumento
agrícola onde se guardam as alfaias, as colheitas e até os animais. Mais funcional que
confortável, a casa rural beirã testemunha de uma vida dura e sofrida com muita
miséria e pobreza material9.
9
LEAL, João – Etnografias portuguesas (1870-1970): cultura popular e identidade nacional. 1ª ed . Lisboa : Dom
Quixote, 2000, Capítulo 5: “Pastoral e contra-pastoral: O Inquérito à Habitação Rural”, p.145-159.
Parte I _ A Arquitectura Vernácula Beirã 27
A casa popular beirã _ simbiose entre o homem e o meio
10
OLIVEIRA, E. Veiga de; GALHANO, Fernando – op. cit.
28 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[15] Loriga, povoado erguido ao longo de uma crista montanhosa [16] Piódão, casas anichadas
[17] Sortelha, castelo e povoado [18] Piódão, caminhos íngremes [19] Linhares da Beira, caminho
Formas de povoamento
Sendo a agricultura uma das grandes condicionantes da vida beirã, foi também ela
que definiu as diferentes formas de povoamento que se encontram pela Beira Alta. De
facto, numa zona de terrenos húmidos ou irrigáveis, ou seja, mais férteis, existe uma
maior concentração de habitantes que se juntou em núcleos habitacionais apertados de
modo a poupar as terras ricas para o cultivo. Ao contrário, nos terrenos pedregosos
pouco produtivos, a densidade populacional é bastante menor e os habitantes
agruparam-se em povoados construídos com mais desafogo, com edificado mais
disperso.
O relevo também influenciou em muito a estrutura destes povoados: desde o
casario que se alastra sem condicionamentos impostos pela orografia nos povoados de
planície, às casas que se anicham, encastradas umas nas outras nos povoados de
montanha, passando por casos mais raros como os povoados erguidos ao longo duma
crista montanhosa, cuja rua principal lhe segue o desenho.
Outros factores como a presença dum castelo, em torno do qual se juntava o
casario por questões de segurança, ou ainda a influência da religião cristã, pela qual o
ajuntamento se fazia à volta da igreja, definiam ainda a estruturação dos povoados.
Parece então claro que “não intervieram na estruturação dos povoados ordenações
urbanísticas, com traçados prévios. Cada um foi erguendo a sua casa onde e
conforme pôde, adaptando-se ao parcelamento das propriedades, às condições
orográficas e à qualidade dos terrenos, deixando livres os caminhos comuns, alguns
quintais e pequenos «eidos», atinentes às habitações”11. Deste modo, os caminhos
aparecem tortuosos e estreitos, ora de terra batida ora calcetados com pedra miúda,
acontecendo ainda estarem lajeados com grandes pedras, vestígios da ocupação
romana. Estas pequenas ruas, que constituem a estrutura do povoado, dão acesso às
casas e aos currais e são por isso frequentemente percorridas pelos rebanhos aquando
da transumância.
Os largos, as mais das vezes simples alargamentos desses caminhos, são o centro
da vida social, onde o povo se junta e convive à volta dos principais equipamentos do
povoado – igreja, fonte, mercado, eira, forno, lagar, moinho. Quando situados à frente
de edifícios ou elementos mais notáveis como as juntas, os pelourinhos, os cruzeiros
11
ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITECTOS PORTUGUESES – Arquitectura Popular em Portugal. 3ª ed. Lisboa:
Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, vol.2, p. 15.
30 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[22] A caminho de Cidadelhe, Riba-Côa, construção nas rochas [23] Perto de Bobadela, casa
[24] Passarela, Gouveia [25] Sazes da Beira, muro de xisto assente sobre as rochas
ou de feição mais rica como os solares estes alargamentos servem também para
conferir importância, grandeza e respeitabilidade a estes mesmos edifícios.
12
ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITECTOS PORTUGUESES – Arquitectura Popular em Portugal. 3ª ed. Lisboa:
Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, vol.2, p. 28.
13
BARREIRA, João – A Habitação em Portugal. in “Notas sobre Portugal”, Lisboa : Imprensa Nacional, 1908.
Exposição Nacional do Rio de Janeiro, 1908, vol. II, p.152.
14
RIBEIRO, Orlando – Geografia e Civilização : temas portugueses. Lisboa : Livros Horizonte, 1970-1986, p.13-
14.
32 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[27] Blocos assentes sem argamassa, de maior tamanho nos cunhais [28] Pedra talhada à mão
desenvolvida aos longos dos séculos e transmitida pela repetição de técnicas ancestrais
de cariz popular. O granito, extraído à mão por processos rudimentares, é usado para a
construção de paredes apresentando diferentes tipos de aparelho. O uso de blocos de
diferentes tamanhos, dispostos de maneira a travarem-se uns aos outros, aparece
frequentemente nas habitações mais antigas e construções anexas enquanto os grandes
blocos regulares aparecem nos cunhais e elementos de cantaria das habitações, por
mais humildes que sejam. O aparelho regular de blocos grandes só se difunde a partir
do século XVIII, nas melhores casas da aldeia, e a pedra lavrada aparece somente nos
solares da nobreza.
As construções de xisto, erguidas pela sobreposição de pequenas lajes dessa rocha,
necessitam obrigatoriamente de elementos de maior dimensão e mais sólidos, como a
madeira ou o granito, sob forma de padieiras e ombreiras para sustentar os vãos das
janelas e das portas. Pela sua grande capacidade estrutural, o recurso ao granito acaba
por ser imprescindível, principalmente nas construções de maior vulto como as
igrejas, os castelos e ainda os solares, que apresentam cunhais, vergas ou outros
elementos desse material, independentemente de estarem localizados em zonas
xistosas ou graníticas.
Voltando à feição exterior da casa popular beirã, esta apresenta uma constante
tipológica que denuncia a existência de dois pisos com escada exterior de pedra que dá
acesso à habitação propriamente dita, localizada no primeiro andar. De planta simples,
quadrada ou rectangular, esta casa ostenta um telhado de duas ou quatro águas coberto
por telha de canudo ou placas de xisto conforme, mais uma vez, a localização
geográfica.
A inclinação do telhado e a saliência do beiral denunciam o rigor do clima,
invernos nevosos e ventosos dos quais é necessário proteger-se. Derivado ao baixo
nível económico, esta protecção efectua-se por métodos primitivos que ajudam à luta
contra o frio, como por exemplo, a colocação de fiadas de pedras ao longo dos
beirados, a localização dos currais sob a habitação ou ainda, a ausência de chaminé na
cozinha.
Ainda com o mesmo intuito, as aberturas aparecem diminutas e raras, só na
fachada da frente e às vezes nas traseiras, fechadas por portadas de madeira, a maior
parte das vezes sem vidraça. Sendo o sol o grande aliado que ajuda a vencer o frio, as
varandas cobertas por um alpendre tornam-se nos elementos mais característicos e
funcionais da arquitectura regional beirã.
34 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[33] Moimenta da Serra, Gouveia [34] Quintã de Pêro Martins, Figueira de Castelo
Rodrigo
[35] [36]
Organização interior
15
ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITECTOS PORTUGUESES – Arquitectura Popular em Portugal. 3ª ed. Lisboa:
Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988, vol.2, p. 75.
36 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[37] Loja com as colheitas [38] Arca e depósito de vinho [39] Sobrado de madeira
[40] Eira
Sendo assim, o primeiro andar, ao qual se acede pela escada exterior de pedra,
acolhe a habitação propriamente dita, composta pela cozinha e pelos quartos. O
ambiente geral remete para a escuridão, derivado à pequena dimensão das raras
aberturas, e para o desconforto, transmitido pela rudeza do material e pela falta de
mobiliário. As paredes aparecem ainda enegrecidas pelo fumo proveniente da lareira,
que se propaga por toda a casa até escoar a pouco e pouco pelas aberturas por entre as
telhas. Muitas vezes ardendo no próprio chão da cozinha, o lume permite a confeição
dos escassos alimentos como também serve de aquecimento aos beirões, nos longos e
rudes invernos. Os quartos são de tamanho muito reduzido, quanto basta para dormir,
e muitas vezes insuficientes para toda a família que acaba por viver em grande
promiscuidade. Por cima destas divisões costuma ainda existir um sobrado de
madeira17 onde se coloca palha, para o frio não penetrar, mas que também serve de
celeiro, para proteger e guardar as colheitas. É no entanto no rés-do-chão que a tarefa
agrícola da casa beirã é mais notória.
Com acesso directo a partir da rua, o piso térreo, chamado loja, destina-se
essencialmente à recolha do gado e à arrecadação das alfaias agrícolas, podendo ainda
lá encontrar um lagar, uma pipa ou uma arca de madeira onde se guardam os
alimentos. Por uma questão de economia de espaço construído, todos os recantos são
aproveitados, como por exemplo o vão debaixo da escada exterior onde muitas vezes
se guardam galinhas, porcos, coelhos ou ainda lenha.
16
VALE, Alexandre de Lucena e – op. cit., p.34-35.
17
Qualquer elemento de madeira que se possa encontrar na casa popular beirã, desde a estrutura do telhado ou do
sobrado, passando pelo pavimento do primeiro andar, as portas, as janelas (sem vidros), as varandas ou ainda o
revestimento dos tectos nas casas mais abastadas, são de pinho uma vez que os pinhais cobrem a grande maioria do
território da Beira Alta.
38 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Pormenores eruditos em casas populares, Santa Marinha – Seia, Linhares da Beira, Castelo Rodrigo
Parte I _ A Arquitectura Vernácula Beirã 39
A casa popular beirã _ simbiose entre o homem e o meio
Após esta descrição relativa à típica casa popular beirã, parece ainda necessário
salientar dois aspectos que não foram tidos em conta neste trabalho por remeterem
para excepções que fogem ao tipo dominante de casa que existe na Beira Alta.
Portanto, para evitar generalizações equívocas pelo facto de não constarem neste
estudo, parece importante fazer uma breve referência às restantes casas presentes na
zona em estudo consideradas tipologicamente diferentes da casa beirã comum.
É um facto existir zonas que, apesar de pertencerem à Beira Alta, apresentam um
carácter próprio que decorre de especificidades locais, não generalizável ao resto da
região18. Pode-se tomar como exemplo as povoações de Malhada Sorda e Nave de
Haver que, pela existência de um tipo especial de pedra granítica, apresentam feições
específicas, ou ainda a zona a Sul de Almeida, onde a organização dos espaços e o
tratamento interior nada têm a ver com a tipologia dominante.
O segundo aspecto refere-se a elementos arquitectónicos que vão pontualmente
aparecendo na feição da casa vernácula beirã e que derivam de outros factores que não
os que foram citados no estudo. Como foi visto ao longo do capítulo, a casa deriva
claramente da relação entre o homem e o seu meio ambiente que remete tanto para
condicionamentos físicos como económicos e sociais. No entanto, existe por vezes
uma outra influência, a da arquitectura erudita, que aparece em edifícios de vulto
como as igrejas, para marcar valores como a hierarquia social ou a preponderância do
clero, ou ainda em solares da nobreza, dispersos por toda a Beira Alta a partir do
século XVIII. Estes elementos de natureza erudita não foram então tidos em conta
uma vez que representam casos de excepção e, principalmente, porque este trabalho
pretende sobretudo evidenciar o carácter genuíno da casa popular beirã que, como
refere João Barreira,
18
Ver ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITECTOS PORTUGUESES – Arquitectura Popular em Portugal. 3ª ed. Lisboa:
Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988.
19
BARREIRA, João – op. cit., p.148.
40 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Para concluir este capítulo e justificar o facto de o discurso ter sido feito no
presente, é necessário salientar que esta realidade remete para meados do século
passado e que a descrição da casa popular beirã foi possível pelo estudo de
levantamentos efectuados antes de esse mundo entrar em declínio. Hoje em dia, a
maioria dos exemplares desta arquitectura estão em estado de ruína, descaracterizados
por arranjos posteriores ou foram substituídos por construções mais adequadas ao
modo de vida actual. Se de facto a agricultura foi, e continua a ser, a força motriz da
economia da Beira Alta, a industrialização e a mecanização modificaram
substancialmente os padrões de vida do povo agrícola. “Presentemente a
transumância quase desapareceu e a população (…) trabalha nas modernas fábricas
de lanifícios próximas (…)”20, ou emigrou, deixando a aldeia quase ao abandono só
com idosos, algumas mulheres e crianças.
No entanto, “o abandono dos sistemas tradicionais, tanto agrícolas como pastoris,
tem conduzido à transformação das paisagens que se vêm sujeitas a pressões
crescentes por parte de novas actividades”21. Nos últimos anos regista-se uma
revalorização dos espaços rurais gerada por um crescente interesse da população
portuguesa, principalmente dos citadinos, pela natureza, pela vida do campo e, para
alguns, pelo retorno às raízes. Com esta recente atenção virada para o mundo rural,
surgiu uma tomada de consciência da existência de um património arquitectónico em
risco de desaparecer, caso não lhe seja dada uma nova vida. Assim, na parte II do
presente trabalho pretende-se explicar as mudanças que sucederam ao longo do tempo,
no intuito de perceber como aconteceu esta recente valorização da arquitectura
vernácula. Procura-se ainda evidenciar os factores que têm uma influência directa ou
indirecta sobre este património, para chegar a uma conclusão sobre a importância da
sua salvaguarda e as consequentes medidas que podem ser tomadas nesse sentido.
20
RIBEIRO, Orlando – Portugal : o mediterrâneo e o atlântico. 1ª ed. Lisboa : Ed. João Sá da Costa, 1993.
21
UNIVERSIDADE DE ÉVORA; DEPARTAMENTO DE PLANEAMENTO BIOFÍSICO E PAISAGÍSTICO –
Contributos para a identificação e caracterização da paisagem em Portugal. Lisboa : Direcção-Geral do
Ordenamento do Território, 2004. Colecção Estudos 10, Volume III, Grupos de Unidades de Paisagem F-J (Beira
Alta a Pinhal do Centro), p.191.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 45
Património, Conservação, Restauro _ evolução dos conceitos
1
CARVALHO, Paulo – Património e (re)descoberta dos territórios rurais. in Boletim Goiano de Geografia. Jul./Dez.
2003, vol.23, nº2, p. 180-181.
2
DURAND, Jean-Yves – Patrimónios / patrimônos. in “Jornadas sobre a Função Social do Museu”, Montalegre,
2005, p.6.
46 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Antecedentes históricos
Foi na Antiguidade que começou a surgir uma preocupação, por parte dos romanos,
pelos vestígios materiais deixados pelos gregos. É de referir que este interesse remetia
tanto para bens móveis, que eram coleccionados, como para edifícios antigos. No
entanto, o propósito desta preservação não incidia sobre a protecção de testemunhos
do passado, uma vez que nem sequer lhes era reconhecido valor histórico, mas sim em
resultado de uma vontade de apropriação da cultura grega3.
3
CHOAY, Françoise – A alegoria do património. Lisboa : Edições 70, 2000, p.30-31.
4
SOROMENHO, Miguel; VASSALO E SILVA, Nuno – Salvaguarda do Património / Antecedentes Históricos. Da
Idade Média ao Século XVIII. in Catálogo Dar Futuro ao Passado. Lisboa: S.E.C., I.P.P.A.A., Galeria de Pintura do Rei
D. Luís, 1993 [Catálogo da Exposição], p.22.
5
CHOAY, Françoise – op. cit., p.44.
6
CHOAY, Françoise – op. cit., p.55.
7
Para mais informação sobre o contexto português nesta época, ver SOROMENHO, Miguel; VASSALO E SILVA,
Nuno – op. cit., p.22-32.
8
Alvará disponível em
http://www.ippar.pt/apresentacao/apresenta_legislacao_alvararegio.html, consultado em 29/06/09
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 47
Património, Conservação, Restauro _ evolução dos conceitos
Património monumental
Nos finais do século XVIII gerou-se um clima de instabilidade nos países europeus
causado pelas revoluções e guerras civis mas também pelo impacto da Revolução
Industrial9. Estes factos marcaram o inicio de uma nova era que modificou os modos
de vida da sociedade da época assim como o seu reconhecimento do passado10. A
industrialização causou ainda modificações no modo de construir tradicional que, a
pouco a pouco, foi abandonado a favor das técnicas de construção moderna.
O risco de perder os edifícios representativos das técnicas tradicionais e,
consequentemente, da cultura nacional11, permitiu uma tomada de consciência acerca
da necessidade urgente de salvaguardar estes testemunhos relativos a um passado em
vias de extinção. Foi deste modo que, ao longo do século XIX, se publicaram as
primeiras legislações nacionais sobre os monumentos, se criaram organismos
responsáveis pela salvaguarda do património12 e se elaboraram as primeiras teorias de
conservação e restauro.
9
Para mais informações sobre este tema, ver:
- CHOAY, Françoise – op. cit., p.118-120;
- AGUIAR, José – Cor e cidade histórica: estudos cromáticos e conservação do património. 1ª ed. Porto: FAUP
Publicações, 2002, p.37.
10
“As tradições são postas em causa pela modernidade mas, no momento em que se anuncia um mundo novo,
(re)descobre-se o valor do que se perde.” in AGUIAR, José – op. cit., p.38.
11
“Sobre o solo instável de uma sociedade em curso de institucionalização, eles [os monumentos históricos] parecem
recordar aos seus membros a glória de um génio ameaçado.” in CHOAY, Françoise – op. cit., p.182.
12
LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – Património Arquitectónico e Arqueológico: Cartas, Recomendações e
Convenções Internacionais. Lisboa: Livros Horizonte, 2004, p.14-15.
13
Para mais informações sobre as teorias do século XIX e do inicio do século XX, ver:
- CHOAY, Françoise – op. cit., capítulo IV;
- AGUIAR, José – op. cit., capítulo 2;
- SILVA, Armando Coelho Ferreira da – A(s) Ciência(s) do Património: Notas para a fundamentação e
enquadramento da conservação e restauro. in Revista da Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do Património.
Porto, FLUP, 2002. I Série vol. 1, p. 211-220.
48 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
reconstituição integral dos monumentos, enquanto John Ruskin, por seu lado, apelava
à “conservação estrita”.
Já no início do século XX, o trabalho do austríaco Alois Riegl revelou ser uma
contribuição da maior importância uma vez que este interpreta o processo de
conservação dos monumentos de acordo com uma teoria de valores atribuídos aos
monumentos históricos.
Ainda é de salientar que estas teorias eram aplicadas a num âmbito exclusivamente
nacional, uma vez que a gestão dos monumentos históricos e da sua respectiva
salvaguarda era assunto de cada país14. No caso de Portugal15, apesar de existirem
esforços de inventariação e classificação dos monumentos nacionais desde meados do
século XIX, foi só na transição para o século XX, que o país assumiu instrumentos
legais eficazes. A Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN),
criada a 30 de Abril de 1929 no seio do então denominado Ministério do Comércio e
14
ALHO, Carlos; CABRITA, António – Cartas e convenções internacionais sobre o património arquitectónico
europeu. in Sociedade e Território nº6. Porto: Edições Afrontamento, Janeiro 1988, p.131.
15
Para mais informações sobre o contexto português nesta época, ver: CUSTÓDIO, Jorge – Salvaguarda do
Património / Antecedentes Históricos. De Alexandre Herculano à Carta de Veneza. in Catálogo Dar Futuro ao
Passado. Lisboa: S.E.C., I.P.P.A.A., Galeria de Pintura do Rei D. Luís, 1993 [Catálogo da Exposição], p.33-71.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 49
Património, Conservação, Restauro _ evolução dos conceitos
16
ALHO, Carlos; CABRITA, António – op. cit., p.131.
17
Ver “Carta de Atenas sobre o restauro de monumentos” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.43-47.
18
CHOAY, Françoise – op. cit., capítulo IV.
19
Ibid., p.11-12.
50 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Património Cultural
20
CHOAY, Françoise – op. cit., p.182.
21
Ibid., p.183-184.
22
“E é esse peso, cultural, que está cada vez mais a apropriar-se do termo património, de tal forma que hoje já nem é
necessário falar de património cultural, porque falar de património já é suficiente. A partir daí, podemos falar de
património arquitectónico, genético, ecológico, paisagístico e de outros que se vão acrescentando ao termo inicial.”
TORRES Cláudio – Qualquer intervenção é, antes de mais, política. in Jornal de Animação da Rede Portuguesa
Leader +, “Pessoas e Lugares”, II série, nº 45, 2007, p.4-5.
23
“Enquanto, no antecedente, a conservação e o restauro do património cultural se confinou, quase exclusivamente,
aos “padrões imorredouros das glórias pátrias”, hoje em dia, essa preocupação alarga-se, naturalmente, aos
monumentos relativos à compreensão histórica de uma sociedade pluralista, quer se trate de uma modesta casa rural,
de arquitectura elementar e anónima, testemunha do passado campesino vernáculo, ou de um estabelecimento fabril,
dos inícios da Era industrial.” JORGE, Virgolino Ferreira – Património e Identidade Nacional. in Revista Engenharia
Civil da Universidade do Minho (CEC), n.º 9, Setembro 2000, p.7.
24
LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.18.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 51
Património, Conservação, Restauro _ evolução dos conceitos
25
Para mais informações sobre a Carta de Veneza, ver:
- “Carta de Veneza sobre a Conservação e Restauro de Monumentos e Sítios” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel
B. – op. cit., p.103-107.
- NETO, Maria João Baptista – A propósito da Carta de Veneza (1964-2004). Um olhar sobre o património
arquitectónico nos últimos cinquenta anos. in Estudos/Património, n.º 9. Lisboa: Publicação do IPPAR, 2006, p.91-99.
52 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
complementada por outras cartas que abordam mais especificamente estas novas
categorias do património cultural, como aliás se verá mais à frente, ao estudar a
salvaguarda do património construído vernáculo. Antes de se cingir ao estudo desse
património, parece ainda necessário referir a recente elaboração de uma carta sobre
conservação e restauro que toma em consideração a tomada de consciência que
entretanto se deu sobre a diversidade patrimonial.
26
Ver “Carta de Cracóvia 2000” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.289-295.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 53
Património, Conservação, Restauro _ evolução dos conceitos
27
SANTOS (dos), Armindo – Património? Que Património? O Património etnológico. in Trabalhos de Antropologia e
Etnologia, Porto: Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 2005, vol.45 (1-2), p.38.
28
“As acelerações bruscas e catástrofes ocorridas no século XX (das guerras mundiais aos atentados em larga escala,
dos riscos ambientais e biológicos às epidemias emergentes, das mudanças tecnológicas e económicas ao
adensamento do fosso entre a riqueza e a miséria) fazem com que o tempo de uma única geração seja suficiente para
se desenvolver uma consciência patrimonial, tal é a sensação de evolução progressista e a experiência do risco de se
perder algo de fundamental.” in PEIXOTO, Paulo – O desaparecimento do mundo rural. Comunicação apresentada no
VIII Congresso Luso-afro-brasileiro de ciências sociais: A questão social do novo milénio. Painel 11 “Universo rural:
debates e interpretações”. Coimbra, 16-18 de Setembro de 2004, p.13.
29
“Falar de património é falar de identidades.” TORRICO, Juan Agudo – Patrimónios e discursos identitários. in
Patrimónios e Identidades: ficções contemporâneas. Oeiras: Celta Ed., 2006, p.21-34.
54 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
30
ALMEIDA, C.A. Ferreira de – Pátrimónio. Riegl e hoje. in Revista da Faculdade de Letras, História, II Série vol.10.
Porto, FLUP, 1993, p.410.
31
“(…) la arquitectura vernácula ha ido desapareciendo al ser abandonada o alterada por sistemas constructivos in
compatibles. Esto se debe, en gran medida, al desprestigio que ha sufrido por ser considerada subdesarrollada y de
mala calidad. Sin embargo, como lo han demostrado diversas investigaciones, los problemas de calidad y por tanto de
conservación que presentan las estructuras vernáculas, no son resultado de las características intrínsecas de los
materiales que las constituyen, sino que se deben fundamentalmente a la pérdida de¡ interés, sabiduría y destreza de
los constructores tradicionales.” in BACA, Luis Fernando Guerrero – La Salvaguardia de la Arquitectura Vernácula.
in XXII Reunión Nacional de ASINEA, México, Maio 2003, p.67-68.
32
CASTELNOU, António Manuel Nunes – Sentindo o espaço arquitetônico. in Desenvolvimento e Meio Ambiente,
n.º 7, jan./jun. Editora UFPR, 2003, p.145-154.
56 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
As mutações que ocorreram nos espaços rurais fizeram com que estes sofram ainda
hoje de vários desequilíbrios, tanto de natureza demográfica como económica, e ainda
ecológica33. Do ponto de vista demográfico, pode-se dizer que estes meios apresentam
densidades populacionais reduzidas assim como um acentuado envelhecimento das
populações. Estes sinais são reflexo do êxodo rural, processo que esvaziou os campos
a favor das cidades, mas também da emigração cujo contingente é maioritariamente
constituído por população rural. Este processo de despovoamento das zonas rurais foi
provocado por uma crescente instabilidade económica que começou aquando das
mutações técnicas que afectaram a agricultura ou seja, com a aplicação das políticas
produtivistas34.
Por outro lado, a falta de população foi piorando cada vez mais a situação
económica destes meios. A mecanização da agricultura e a implantação de indústrias
também modificaram substancialmente as antigas paisagens agrárias, gerando
problemas de âmbito ecológico, além de participarem no desaparecimento dos saberes
e misteres tradicionais a favor de uma uniformização de técnicas ou seja, da
globalização. Todos estes problemas tornaram-se causas e consequências uns dos
outros, convertendo os espaços rurais em locais cada vez mais obsoletos,
marginalizados e cada vez menos atractivos.
33
Sobre este assunto, ver:
- PEIXOTO, Paulo – op. cit., p.13.
- SANTOS (dos), Armindo – op. cit., p.38.
- CARVALHO, Paulo – op. cit.
34
CARVALHO, Paulo – op. cit., p. 175.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 57
O património arquitectónico vernáculo _ do abandono à reutilização
35
“Pouco a pouco, perdemos os antigos saberes construtivos e, ao mesmo tempo que perdemos esse conhecimento,
falta-nos a comprovação experimental das teses que defendem a convivência das velhas com as novas tecnologias.” in
AGUIAR, José – Dificuldades na Conservação e Reabilitação do Património Urbano Português. in Sociedade e
Território n.º 21. Porto: Edições Afrontamento, Março de 1995, p.33.
36
Sobre este assunto, ver:
- PEIXOTO, Paulo – op. cit.
- CARVALHO, Paulo – op. cit., p. 174-196.
- SANTOS (dos), Armindo – op. cit., p.44-45.
37
SANTOS (dos), Armindo – op. cit., p.45.
38
Ibid., p.44-45.
58 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
39
Ver “Apelo de Granada sobre a Arquitectura Rural e o Ordenamento do Território” in LOPES, Flávio, CORREIA,
Miguel B. – op. cit., p.189-193.
40
“Apelo de Granada sobre a Arquitectura Rural e o Ordenamento do Território” in LOPES, Flávio, CORREIA,
Miguel B. – op. cit., p.191.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 59
O património arquitectónico vernáculo _ do abandono à reutilização
Embora redigidos com mais de uma década de diferença, estes dois textos insistem
sobre os mesmos princípios, dos quais se pode salientar a recomendação sobre a
necessidade de conciliar o processo de salvaguarda patrimonial com as políticas de
ordenamento do território, de desenvolvimento económico e de protecção ambiental.
Com o intuito de valorizar e proteger o património construído vernáculo, estes
documentos ajudaram principalmente à definição de novas estratégias para o
desenvolvimento rural.
41
Ver “Recomendação n.º R (89) 6 sobre a protecção e a valorização do património arquitectónico rural” in LOPES,
Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.219-222.
42
Ibid., p.219.
60 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
"O espaço rural passou de espaço de onde se vem para espaço para onde se
vai, de espaço de repulsão para espaço de atracção, de espaço
predominantemente agrícola, para espaço predominantemente simbólico.”44
43
Sobre este assunto, ver:
- CARVALHO, Paulo; CORREIA, Juliana – Turismo, património(s) e desenvolvimento rural: a percepção local da
mudança. in Colóquio Ibérico de Estudos Rurais, Coimbra, 23-25 de Outubro de 2008.
- CARVALHO, Paulo – op. cit., p. 174-196.
44
Afonso de BARROS cit. in ALVES, João Emílio – Património rural e desenvolvimento: do discurso institucional às
dinâmicas locais. O programa Revitalização de aldeias e vilas históricas da região Alentejo. Dissertação de Mestrado
em Cidade, Território e Requalificação do ISCTE, Departamento de Sociologia. Lisboa, 2002, p.12.
45
ALVES, João Emílio – op. cit., p.12.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 61
O património arquitectónico vernáculo _ do abandono à reutilização
46
“O turismo no espaço rural, nas suas múltiplas modalidades, perfila-se como um dos sectores com maior potencial
para assegurar a multifuncionalidade de alguns dos espaços rurais, contribuindo para o seu desenvolvimento
sustentável. A busca de destinos turísticos mais individualizados, onde se possam desfrutar uma melhor qualidade.”
FONSECA, Fernando, P. ; RAMOS, Rui A.R. – O turismo no espaço rural como eixo estratégico de desenvolvimento
sustentável: o caso de Almeida. in 13º Congresso da APDR “Recriar e Valorizar o Território”, Universidade dos
Açores, Campus de Angra do Heroísmo, 05-07 de Junho de 2007.
47
ALVES, João Emílio – op. cit., p.12.
48
Sobre este assunto, ver:
- CAVACO, Carminda – “Habitares” dos espaços rurais. in Revista da Faculdade de Letras, Geografia. Porto, FLUP,
2003. I Série vol. XIX, p. 47-64.
- PEIXOTO, Paulo – op. cit.
49
“Património é o que tem qualidade para a vida cultural e física do homem e para a existência e afirmação das
diferentes comunidades, desde a vicinal e paroquial, à concelhia, à regional, até à nacional e internacional. É neste
duplo aspecto, isto é, o de «Património como valor de identidade e de memória» de uma comunidade e, sobretudo, o
de «Património como qualidade de vida» que ele será cada mais falado e se lhe dará, futuramente, maior
importância.” in ALMEIDA, C.A. Ferreira de – op. cit., p.407-408.
50
Acerca da mobilidade ver CAVACO, Carminda – op. cit., p. 49-50.
62 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
práticas e saberes ancestrais. Mais uma vez, é o património rural presente nestes
espaços que funciona como símbolo do passado, da história e da tradição51.
51
“A revalorização do património e o encanto que ele produz inserem-se numa tendência geral que consiste na
necessidade sentida hoje pelas pessoas de recordar, de comemorar, própria de sociedades que passam por crises de
identidade. A busca de identidade leva a revalorização do significado do passado e das suas expressões
temporalizadas no espaço. Tal preocupação aparece ligada ao interesse pela história e pela tradição que, por vezes,
tem a ver com a ambivalência do presente e a incerteza quanto ao futuro. A crise de identidade ocorre numa época
marcada pela grande ambiguidade do existente e pelo risco que o acompanha. Esta situação própria da modernidade
tardia faz valorizar produtos históricos tornados objectos de consumo.” FERNANDES, António T. – Poder Local e
Turismo Social. in Revista da Faculdade de Letras, Sociologia, I Série vol. 12. Porto, FLUP, 2002, p.11-12.
52
CARVALHO, Paulo – op. cit., p. 178.
53
CAVACO, Carminda – op. cit., p. 50.
54
CARVALHO, Paulo – op. cit., p. 183.
55
DEWAILLY cit. in CARVALHO, Paulo – op. cit., p. 181.
56
CARVALHO, Paulo – op. cit., p. 181.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 63
O património arquitectónico vernáculo _ do abandono à reutilização
57
Ver “Carta sobre o património construído vernáculo” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.285-288.
58
PEIXOTO, Paulo – op. cit., p.17.
64 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Após alguma perda de interesse pelo turismo de praia e sol, é possível constatar
que alguns turistas optam por outros destinos menos concorridos e mais
personalizados, portanto, com outro tipo de características. Esta progressiva mudança
de preferências e exigências reflecte claramente uma mudança ideológica na sociedade
actual que, como foi mencionado anteriormente, está em busca de novos valores
culturais e emocionais, além de dar importância a outros aspectos tais como a
tranquilidade, a diversidade, a singularidade e, principalmente, a qualidade. Hoje em
dia a qualidade do património construído, da envolvente natural, da gastronomia, das
59
CÓIAS, Vítor – Património e turismo: um casamento de conveniência. in Pedra e Cal nº 3, Jul/Ago/Set 1999, p.5.
60
FONSECA, Fernando, P. ; RAMOS, Rui A.R. – op. cit., p.3-5.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 65
O património arquitectónico vernáculo _ do abandono à reutilização
63
Apesar da oferta do Turismo em Espaço Rural (TER) ter conhecido um
crescimento significativo apenas nas últimas duas décadas, o reconhecimento oficial
do TER deu-se a partir do final dos anos setenta do século XX, mais propriamente em
1978, aquando da publicação da primeira regulamentação do sector. Contudo, foi o
Decreto-Lei 256/86, de 27 de Agosto, que estabeleceu as normas relativas ao
desenvolvimento de três formas de turismo no espaço rural: Turismo de Habitação,
Turismo Rural e Agroturismo. Entretanto, novos decretos foram publicados dos quais
se salienta o Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, que constituí a mais recente
legislação sobre esta matéria, estabelecendo o regime jurídico da instalação e do
funcionamento dos empreendimentos turísticos. Este diploma apresenta uma nova
nomenclatura que distingue os empreendimentos de turismo de habitação dos
empreendimentos de turismo no espaço rural. Estes últimos aparecem subdivididos em
três categorias: as Casas de Campo, os Hotéis Rurais e o Agro-turismo. É ainda de
salientar que os requisitos específicos aos empreendimentos de turismo em espaço
rural constam de outro documento, a Portaria n.º 937/2008, de 20 de Agosto, que
completa o decreto-lei, estabelecendo os requisitos mínimos a observar pelos
estabelecimentos de turismo de habitação e de turismo no espaço rural.
“O turismo no espaço rural (TER) tem-se vindo a impor como actividade com
potencial para relançar o desenvolvimento de alguns espaços rurais,
nomeadamente daqueles que têm recursos com elevada qualidade cultural ou
natural. Contudo, a sustentabilidade é um conceito chave para esta modalidade
61
Sobre este assunto, ver:
- FONSECA, Fernando, P. ; RAMOS, Rui A.R. – op.cit., p.5-7.
- CAVACO, Carminda – op. cit., p. 57-61.
62
CAVACO, Carminda – op. cit., p. 58.
63
Sobre o TER ver:
- CAVACO, Carminda – op. cit., p. 59-60.
- CARVALHO, Paulo; CORREIA, Juliana – op. cit.
- FONSECA, Fernando, P. ; RAMOS, Rui A.R. – op. cit., p.7-8.
66 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
64
FONSECA, Fernando, P. ; RAMOS, Rui A.R. – op. cit., p.1.
65
Ibid., p.10.
66
Rentabilização Económica do Património in Dossier freguesias, ed. ANAFRE e MINHATERRA, Lda. Janeiro 2000,
p.2.
67
CAVACO, Carminda – op. cit., p. 58.
68
CAVACO, Carminda – op. cit., p.61.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 67
O património arquitectónico vernáculo _ do abandono à reutilização
69
SILVA, Paulo Brito da – Património arquitectónico e valorização dos espaços rurais. Comunicação apresentada em
representação do Forum UNESCO no seminário Horizonte 2006 – Políticas e práticas de desenvolvimento rural. Crato,
Fronteira e Monforte, 14,15 e 16 de Dezembro de 2000.
70
Sobre este assunto, ver:
- CAVACO, Carminda – op. cit., p. 58.
- CARVALHO, Paulo; CORREIA, Juliana – op. cit.
71
SILVA, Paulo Brito da – op. cit.
72
Ver “Carta sobre o turismo cultural” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.171-174.
73
Ver “Carta internacional sobre o turismo cultural” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.277-284.
68 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
No entanto, há que ter consciência que o turismo não constitui o único factor de
desenvolvimento rural. É necessário as autarquias investirem noutras áreas como a
cultura, a educação, as novas tecnologias de comunicação, que possibilitem um modo
de vida contemporâneo às pessoas que desejam permanecer nesses espaços74. Além
disso, ainda é preciso ter em conta que nem todas as áreas rurais são dotadas de
características que permitam o desenvolvimento da indústria turística. Estas
especificidades prendem-se, em linhas gerais, com a ligação à agricultura em moldes
tradicionais, a traça marcadamente rural das paisagens e dos espaços, a preservação
das tradições e dos costumes culturais e a existência de tipologias de edificados
tipicamente regionais onde possam funcionar os equipamentos e serviços turísticos75.
O caso em estudo, a Beira Alta, possui os requisitos necessários ao
desenvolvimento turístico. Como já foi salientado na primeira parte deste trabalho,
esta região encontra-se numa situação privilegiada, caracterizada pela diversidade e
singularidade paisagística. O Parque Natural da Serra da Estrela, a mais extensa área
protegida portuguesa; a Região Dão-Lafões, famosa pelo seu vinho; e a zona serrana,
conhecida pela gastronomia e pelos produtos pastoris, são algumas das zonas que
constituem fortes estímulos à prática turística da região. Resta ainda salientar a
presença, por toda a parte, de património histórico como igrejas, capelas, solares,
casas típicas, vias e pontes romanas, estações arqueológicas e castros que, como já foi
visto, atraí um grande número de turistas. Por outro lado, é um facto existirem
inúmeras construções vernáculas abandonadas e em ruínas. Neste sentido, é de notar
que a região já foi alvo de algumas acções desenvolvidas no sentido de recuperar
conjuntos com maior valor patrimonial, como é o caso do Programa de Recuperação
das Aldeias Históricas. Sendo assim, é possível concluir que a Beira Alta apresenta
um enorme potencial turístico que não pode deixar de ser aproveitado.
74
SILVA, Paulo Brito da – op. cit.
75
FONSECA, Fernando, P. ; RAMOS, Rui A.R. – op. cit., p.8.
Parte II _ A Salvaguarda do Património Arquitectónico Vernáculo 69
O património arquitectónico vernáculo _ do abandono à reutilização
Após ter descrito alguns dos fenómenos que levaram à valorização da arquitectura
vernácula e ao seu consequente reconhecimento enquanto património, a segunda parte
deste trabalho deixou ainda bem claro a necessidade de conservar estas construções.
Com a crescente difusão do turismo em espaço rural, a reabilitação surge como a
intervenção que melhor dá resposta a esta necessidade uma vez que permite, por um
lado, a salvaguarda deste património e, por outro, a sua reutilização. Mas como é que
se processa realmente uma intervenção de reabilitação, mais particularmente no caso
do património vernáculo da Beira Alta com vista para um uso turístico? Quais são os
pressupostos teóricos implícitos neste processo e como é que estes são transpostos
para a prática? Quais são as principais dificuldades?
De maneira a formular uma resposta crítica a estas perguntas, surgiu a necessidade
de dividir esta terceira e última parte em dois capítulos. O primeiro, de índole teórica,
pretende salientar as condições prévias relativas ao processo de reabilitação assim
como identificar o método mais apropriado de levar a cabo esta intervenção. O
segundo capítulo, baseado no estudo de casos, tem como objectivo tentar perceber
como funciona a prática da reabilitação na realidade. Cada obra escolhida pretende
exemplificar o desenvolvimento de um processo de reabilitação em específico, de
modo a, no final, salientar as dificuldades que se encontram na concretização dos
projectos.
Orientações/exigências prévias
“Reabilitação de um edifício:
Obras que têm por fim a recuperação e a beneficiação de uma
construção, resolvendo as anomalias construtivas, funcionais, higiénicas
e de segurança acumuladas ao longo dos anos, procedendo a uma
modernização que melhore o seu desempenho até próximo dos actuais
níveis de exigência.”1
1
Artigo 1.º a Carta de Lisboa sobre a Reabilitação Urbana Integrada in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. –
Património Arquitectónico e Arqueológico: Cartas, Recomendações e Convenções Internacionais. Lisboa: Livros
Horizonte, 2004, p.264.
2
AGUIAR, José; CABRITA, A. Reis; APPLETON, João – Guião de apoio à reabilitação de edifícios habitacionais.
4.ª Ed. Lisboa: LNEC, 1996/98, p.112.
3
Ver parte II capítulo 1.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 75
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
4
Ver:
- PAIVA, José Vasconcelos [et al.] – Guia técnico de reabilitação habitacional. Lisboa : I.N.H, 2006, p.271-272.
- “Carta sobre o património construído vernáculo” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.285-288.
76 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
5
É necessário referir que, ao longo de todo este capítulo, o termo “recuperação” remete para o âmbito da conservação.
6
Acerca deste tema ver:
- AGUIAR, José; CABRITA, A. Reis; APPLETON, João – Guião de apoio à reabilitação de edifícios habitacionais.
4.ª Ed. Lisboa: LNEC, 1996/98, p.116-117.
- CÓIAS, Vítor – Reabilitação estrutural de edifícios antigos : alvenaria, madeira : técnicas pouco instrusivas. 2ª
ed. . Lisboa : Argumentum, 2007. p.30.
7
CÓIAS, Vítor – op. cit., p.27.
8
LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) – A conservação do património histórico edificado. Lisboa:
L.N.E.C., 1990, p.15-16.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 77
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
9
“ As novas soluções arquitectónicas, para que sejam compatíveis com as Áreas Históricas, deverão rejeitar tanto o
pastiche como o objecto dissonante, sendo actuais e mantendo uma linguagem contextual.” Artigo 10.º da “Carta de
Lisboa sobre a Reabilitação Urbana Integrada” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.267.
78 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
- Exigências pessoais: este tipo de exigências remete para as aspirações dos donos
da obra ou dos moradores. Apesar de não se referirem a normas regulamentares,
estas ambições não se revelam menos exigentes e têm um grande peso no
desenvolvimento da obra.
10
AGUIAR, José; CABRITA, A. Reis; APPLETON, João – op. cit., p.117.
11
Ver Carta de Veneza na parte II capítulo 1.
12
É necessário referir que, ao longo de todo este capítulo, o termo “beneficiação” remete para as acções que pretendem
o melhoramento da eficiência do edifício.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 79
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
13
Ver Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951 que aprova o Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
14
Ver Decreto-Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
15
Ver Decreto-Lei n.º 78/2006, de 4 de Abril, que aprova o Sistema Nacional de Certificação Energética e da
Qualidade do Ar Interior nos Edifícios (SCE); Decreto-Lei n.º 79/2006, de 4 de Abril, que aprova Regulamento dos
Sistemas Energéticos e de Climatização nos Edifícios (RSECE); Decreto-Lei n.º 80/2006, de 4 de Abril, que aprova o
Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos edifícios (RCCTE).
16
Ver Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro, que estabelece o Regime Jurídico de Segurança Contra Incêndio
em Edifícios (RJ-SCIE).
17
Ver Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto, que aprova o Regime da Acessibilidade aos Edifícios e
Estabelecimentos que recebem público, via pública e edifícios habitacionais.
80 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Face ao exposto, falta ainda fazer uma ressalva extremamente importante. Apesar
da conclusão acima tirada transmitir a ideia de existir um método, aparentemente fácil,
que garanta a eficiência da intervenção, a concretização deste é muito mais complexa
do que possa parecer. De facto, ao tentar aplicar todas estas exigências vai ser possível
reparar que o cumprimento das normas legais entra em conflito com as exigências
relativas à ética de conservação. Esta incompatibilidade parece surgir principalmente
do facto de não existir regulamentação específica para o caso de uma intervenção de
reabilitação.
A consciência desta falha regulamentar faz com que exista uma certa flexibilidade
relativamente à aplicação dos regulamentos gerais ao caso dos edifícios existentes,
portanto, às reabilitações. Esta permissividade é também ela estabelecida por lei como
atestam os seguintes artigos:
Condições variáveis
18
Esta diferenciação foi efectuada com intuito de facilitar a organização do estudo assim como a percepção das ideias
que se pretendiam transmitir.
82 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
19
SERRANO, Rui; CABRITA, Ricardo – Arquitectura vernácula, a arquitectura feita por não arquitectos.
20
“Carta sobre o património construído vernáculo” in LOPES, Flávio, CORREIA, Miguel B. – op. cit., p.285.
21
Ibid., p. 285-286.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 83
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
22
AMORIM, Júlio – Algumas considerações sobre uma intervenção cuidadosa. Göteborg, Maio de 2003, p.2
23
Não parece existir sombra de dúvidas relativamente ao facto de esta tipologia ser considerada património construído
vernáculo uma vez que o estudo efectuado na primeira parte deste trabalho identificou as propriedades acima citadas
como sendo características destas habitações.
84 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
24
Ministério da Cultura; Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico – Critérios de classificação
de bens imóveis. 2ª ed . Lisboa : IPPAR, 1996, p. 26 a 29.
25
ALMEIDA, C.A. Ferreira de – Pátrimónio. Riegl e hoje. in Revista da Faculdade de Letras, História, II Série vol.
10. Porto, FLUP, 1993, p.414.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 85
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
No que diz respeito à acção de beneficiação, como aliás já foi referido, esta
pretende a melhoria, a vários níveis, do edifício existente e por isso depende, por um
lado, do estado em que este se encontra e, por outro lado, do uso que este pretende ter.
Neste sentido surge a seguinte questão: “Beneficiar o quê e com que objectivo?”, ou
seja, quais são as anomalias presentes no edifício que impedem ou tornam inseguro o
seu uso?, qual é a [nova] função que este pretende desempenhar? e,
26
“Ao IGESPAR compete por lei propor a classificação dos bens culturais imóveis de âmbito nacional.” in
http://www.igespar.pt/patrimonio/classificacaodopatrimonio/
27
RODERS, Ana Rita Pereira – Uma reabilitação consciente. Comunicação apresentada no 2.º Encontro Nacional
sobre Patologias e Reabilitação de Edifícios.
28
Admite-se que este reconhecimento é algo subjectivo uma vez que eu própria pertenço à descendência da
comunidade que erigiu estas construções, neste caso, o povo beirão.
86 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
29
Esta afirmação é efectuada com base na minha participação no PATORREB 2009, 3.º Encontro sobre Patologias e
Reabilitação de Edifícios que decorreu nos dias 18, 19 e 20 de Março de 2009 e no Congresso Património 2010
“Património Intervenção” realizados nos passados dias 14, 15 e 16 de Abril de 2010.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 87
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
Tanto num caso como no outro a beneficiação é efectuada de modo a optimizar o seu
desempenho e a cumprir os níveis de exigências requeridos por lei para esta função.
No entanto, no caso de um edifício ser adaptado a uma nova função, a probabilidade
da obra de reabilitação se tornar mais intrusiva – no sentido de trazer mais
modificações – é maior, partindo do pressuposto que o edifício não estaria preparado
para receber um programa diferente do original.
Neste sentido, a função pretendida para o edifício é uma variável a ter em conta no
processo de reabilitação uma vez que é esta que vai definir a necessidade de efectuar
certos tipos de modificações ou adaptações. No caso em estudo, sabe-se que a função
da casa popular beirã é a habitação, apesar de esta servir igualmente de apoio à
actividade agrícola. A sua tipologia levanta portanto problemas funcionais dos quais
se podem salientar a exiguidade dos espaços, a insuficiência de pé direito, as infra-
estruturas rudimentares e a falta de conforto térmico e acústico. Estes problemas
podem inviabilizar a sua reutilização para outros usos que não habitacionais. O
turismo em espaço rural, parece ser uma função adequada para a reutilização deste
tipo de construções uma vez que converge para o mesmo tipo de uso habitacional e,
portanto, tem um programa similar. As exigências requeridas por lei para o exercício
desta função surgem aqui como condicionantes a ter em conta no processo de
reabilitação.
Para mais à frente perceber quais a exigências impostas por este tipo de função e,
consequentemente, qual o impacto destas no acto de beneficiação, convém esclarecer
o conceito de “turismo no espaço rural”.
Segundo o Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, que aprova o regime jurídico
da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, a noção de
empreendimento de turismo no espaço rural tem a seguinte definição:
30
Artigo 18.º ponto 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março.
88 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
31
“São casas de campo os imóveis situados em aldeias e espaços rurais que prestem serviços de alojamento a turistas
e se integrem, pela sua traça, materiais de construção e demais características, na arquitectura típica local.” in
Artigo 5.º, da Portaria n.º 937/2008, de 20 de Agosto que estabelece os requisitos mínimos a observar pelos
estabelecimentos de turismo de habitação e de turismo no espaço rural.
32
“São empreendimentos de agro-turismo os imóveis situados em explorações agrícolas que prestem serviços de
alojamento a turistas e permitam aos hóspedes o acompanhamento e conhecimento da actividade agrícola, ou a
participação nos trabalhos aí desenvolvidos, de acordo com as regras estabelecidas pelo responsável.”in Artigo 7.º,
da Portaria n.º 937/2008, de 20 de Agosto.
33
“São hotéis rurais os hotéis situados em espaços rurais que, pela sua traça arquitectónica e materiais de
construção, respeitem as características dominantes da região onde estão implantados, podendo instalar-se em
edifícios novos que ocupem a totalidade de um edifício ou integrem uma entidade arquitectónica única e respeitem as
mesmas características.” in Artigo 8.º, da Portaria n.º 937/2008, de 20 de Agosto.
34
Artigo 18.º pontos 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março.
35
Artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março.
36
Ver p. 78 e 79 deste trabalho
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 89
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
Metodologia de intervenção
Conforme deixaram bem claro os dois pontos anteriores, para realizar uma
intervenção de qualidade é necessário, por um lado, seguir as orientações e exigências
éticas relativas ao conceito de reabilitação e, por outro lado, ter consciência da
37
Estes requisitos aparecem descritos nos artigos 10.º a 25.º da Portaria n.º 937/2008, de 20 de Agosto e não aparecem
aqui citados pelo facto de estes não representarem condicionantes com impacto relevante no processo de reabilitação.
38
Relembra-se que as exigências pessoais dizem respeito as aspirações dos donos de obra, conforme esclarecido p. 78.
90 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
39
PAIVA, José Vasconcelos [et al.] – Guia técnico de reabilitação habitacional. Lisboa : I.N.H, 2006, p. 295.
40
FERREIRA, J.F. – Técnicas tradicionais da construção; sua aplicação; alguns exemplos. in A intervenção no
património : práticas de conservação e reabilitação. Porto : FEUP, 2005. 2º Seminário, p.652.
41
MATEUS, João Mascarenhas – Técnicas tradicionais de construção de alvenarias: a literatura técnica de 1750 a
1900 e o seu contributo para a conservação de edifícios históricos. Lisboa: Livros Horizonte, 2002, p.283-284.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 91
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
Após estes estudos que permitem uma contextualização prévia do imóvel, iniciam-
se análises mais técnicas sobre elementos ou partes do edifício de modo a avaliar o seu
estado de conservação, identificando as anomalias existentes e as suas causas. Estes
estudos incidem principalmente sobre os materiais e o sistema construtivo e são
realizados “in situ” e em laboratório. Estas análises consistem em recolhas de
amostras, sondagens, prospecções, medições, monitorizações, ensaios, portanto,
qualquer tipo de exame que permita “determinar o estado, as capacidades e as
características essenciais dos materiais e dos elementos construtivos preexistentes,
assim como as causas das anomalias verificadas”42.
Todos estes estudos são indispensáveis à elaboração do diagnóstico, o qual, por sua
vez, permite identificar as acções necessárias à reabilitação do edifício. Sendo assim, a
intervenção pretendida pode ser classificada consoante o grau das acções de reparação
e beneficiação a efectuar43.
42
PAIVA, José Vasconcelos [et al.] – Guia técnico de reabilitação habitacional. Lisboa : I.N.H, 2006, p. 297.
43
Ver exemplo de graduação in AGUIAR, José; CABRITA, A. Reis; APPLETON, João – Guião de apoio à
reabilitação de edifícios habitacionais. 4.ª Ed. Lisboa: LNEC, 1996/98, p. 122 a 127.
92 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
44
CABRITA, A. Reis; AGUIAR, José; APPLETON, João – Manual de apoio à reabilitação dos edifícios do Bairro
Alto. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, LNEC, 1993, p. 129 e 130.
45
PAIVA, José Vasconcelos [et al.] – Guia técnico de reabilitação habitacional. Lisboa : I.N.H, 2006, p. 302.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 93
Os preceitos teóricos da reabilitação _ critérios e metodologia
Viseu
Póvoa Dão
[55] Localização de Póvoa Dão, Concelho de Viseu [56] Esquema de acesso à aldeia de Póvoa Dão
[57] Vista área da aldeia de Póvoa Dão na margem esquerda do rio Dão
Após o capítulo anterior ter efectuado um estudo sobre os preceitos que regem,
pelo menos em teoria, o processo de reabilitação, este capítulo pretende esmiuçar o
desenrolar de duas intervenções já concretizadas. Como foi visto no capítulo anterior,
o facto de a reabilitação não ter enquadramento legal, acrescentado ao facto de ainda
não existir uma consciência generalizada dos valores existentes no património
construído vernáculo, fazem com que as reabilitações efectuadas neste âmbito não
resultem em intervenções consideradas respeitadoras das orientações éticas enunciadas
nos princípios de reabilitação. Neste sentido, os casos de estudo escolhidos para
desenvolver este capítulo não pretendem ser exemplos de uma boa prática, mas sim
ajudarem a perceber quais os principais problemas que surgem no âmbito da
reabilitação do património vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística. Sendo
assim, o objectivo dos dois primeiros pontos remete para a descrição do
desenvolvimento de duas intervenções de reabilitação no património construído
vernáculo da Beira Alta, enquanto que o último ponto pretende salientar as principais
dificuldades passíveis de surgir neste tipo de intervenção.
46
Ver http://www.povoadao.com/
96 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[59] Casa em ruína [60] Inexistência das coberturas, persistência dos paramentos exteriores
[61] Feição típica da casa popular beirã: escadas exteriores de pedra, alpendre, beiral saliente
lado, possibilitar uma estadia sazonal. De facto, parte das casas estão à venda
enquanto as restantes constituem um empreendimento de turismo no espaço rural,
mais precisamente a modalidade designada por “Turismo de aldeia”, que é composta
por um conjunto de casas de campo.
47
Ver anexo 1.
48
Citação retirada da entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino, ver anexo 1.
49
“A Fotogrametria é a ciência que permite executar medições precisas utilizando de fotografias métricas. (…)Tem
por finalidade determinar a forma, dimensões e posição dos objectos contidos numa fotografia [neste caso aérea],
através de medidas efectuadas sobre a mesma.” in http://pt.wikipedia.org/wiki/Aerofotogrametria.
98 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[63] [64]
[65] [66]
50
Ver capítulo 2 da parte I, A casa popular beirã _ simbiose entre o homem e o meio.
100 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
núcleos que foram desenvolvidos de forma separada com projecto próprio. Existem
assim as casas da aldeia que compõem o núcleo do povoado, as casas da eira que
ficam depois da zona lúdica e, as casas dispersas que se encontram espalhadas pela
quinta que apresenta um total de 120 hectares. O primeiro projecto a ser desenvolvido
foi o que diz respeito às casas da aldeia e é essencialmente sobre este que incide este
estudo.
Voltando às exigências impostas, é possível resumi-las do seguinte modo:
- Nenhuma das casas era abrangida por qualquer tipo de classificação, não sendo,
neste sentido, obrigatório manter as características que elas apresentavam.
- Apesar do facto anterior, os promotores pretendiam uma intervenção que
devolvesse à aldeia a sua feição original, sugerindo a prática das técnicas
tradicionais antigas, o uso de materiais nobres e elementos rústicos e rejeitando as
soluções contemporâneas.
- Ao nível da regulamentação, nos finais da década de 90 e até 2006/2007, as
exigências térmicas e acústicas não eram tão rigorosas não sendo necessária, por
exemplo, a actual certificação energética.
- Relativamente às exigências impostas pela função, foi opção do promotor não
licenciar o projecto com uso para turismo. Sendo assim, as únicas exigências a ter
em conta a nível regulamentar remetiam apenas para as normas relativas aos
edifícios em geral.
51
Citação retirada da entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino, ver anexo 1.
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 101
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
“Aquelas casas muitas vezes funcionavam, como sabe, com uma “loja”,
onde se punham os animais, (…) os animais não requeriam a
habitabilidade que nós temos e nem que o RGEU nos exige.
(…)
Tivemos que, ou afundar o pavimento térreo, ou subir, e algumas estão
crescidinhas. Se eu subo uma, pois toda a envolvente tem de subir para
dar uma coerência. Não é nada fácil. Há um sítio em que se percebe
perfeitamente que em determinadas zonas foi impossível cumprir.”53
[68] [69]
[70]
[71] [72]
Fotografias do decorrer das obras
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 103
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
É de salientar que estes foram alguns dos problemas identificados ainda na fase de
projecto, não impedindo que surgissem outros durante a fase de obra. Para começar
esta última fase do processo de reabilitação, foi reunido um conjunto de técnicos e
artesãos – tais como carpinteiros e canteiros – indispensáveis à execução da obra nos
moldes em que esta tinha sido decidida. Passa-se agora à descrição da condução das
obras, salientando os imponderáveis que foram surgindo assim como a resolução
destes.
Como foi dito pelo arquitecto Jorge Paulo Carolino, as primeiras casas foram feitas
por experiência e as soluções foram surgindo no desenrolar da obra. Sendo assim,
apesar de não ter tido acesso às peças desenhadas do projecto, supõe-se que este não
tenha sido desenvolvido à escala do pormenor. A ideia inicial relativamente aos
paramentos exteriores remetia para a sua consolidação de maneira a estes poderem
suportar as novas estruturas do pavimento e da cobertura. No entanto, após várias
experiências de consolidação, chegaram à conclusão que, em boa parte das casas, era
preferível demolir o que ainda se mantinha erguido e reconstruir. A técnica escolhida
para proceder a esta reconstrução consistia em registar as casas, com recurso à
fotografia, demoli-las e voltar a construí-las. O arquitecto ainda salientou a facto de a
reconstrução acabar por não ser efectuada estritamente conforme o existente devido ao
facto de algumas pedras serem permeáveis, outras não apresentarem grande dureza e,
por consequência, não ser aconselhável tornar a usá-las, pelo menos na posição em
que elas se encontravam inicialmente. É ainda de realçar que as pedras tiveram de ser
todas lavadas, retirando-lhes a patine do tempo. Sendo assim, a opção de demolição
acabou por transformar esta intervenção mais numa reconstrução do que numa
reabilitação, uma vez que a ideia de manutenção do existente, implícita neste conceito,
deixa de existir. Apesar desta constatação, convém salientar que a vontade de usar as
técnicas de construção e os materiais tradicionais se manteve e não foi portanto usado,
104 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[73] Escavação do piso térreo para aumento do pé-direito [74] Exemplo de vão reduzido
[77] Estrutura da cobertura em madeira, coberta por roofmate, [78] Uso de materiais tradicionais
uma chapa de onduline e telha grampeada
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 105
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
54
Citação retirada da entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino, ver anexo 1.
106 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[79] Estrutura à vista [80] Paredes de gesso cartonado [81] Substituição dos tabiques
[82] Reforço da laje de madeira com betão para colocação de lareira [83] Lareira do restaurante
[84] Chaminés das casas revestidas a pedra [85] Chaminé do forno em chapa
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 107
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
[86] Aplicação da caixilharia [87] Janelas de abrir em madeira [88] Escadas interiores
das lajes, que são de madeira, e para optimizar o conforto acústico, foi então feita uma
estrutura de perfis metálicos que acolhe duas placas de gesso cartonado de 15mm, em
vez dos habituais 13mm, e ainda lã de rocha de alta densidade entre elas. É de
salientar que esta técnica foi essencialmente usada nos segundos pisos das habitações
que estão assentes sobre estrutura de madeira. De facto, nos locais em que as paredes
divisórias assentavam em cima do enrocamento, após o pavimento térreo ser
devidamente tratado e impermeabilizado, estas eram construídas em tijolo.
Ainda no interior mas também no exterior, a colocação da lareira, imposta pelo
promotor, levantou dois tipos problemas: o primeiro de ordem construtiva e o segundo
de ordem estética. A construção das lareiras nos pisos inferiores não colocou em si
nenhum problema de execução, ao contrário das lareiras situadas em cima dos
pavimentos com estrutura em madeira. De facto, esta estrutura não está preparada para
aguentar com uma carga deste tipo, o que obrigou à execução de um reforço em betão
devidamente dissimulado. O segundo problema surgiu durante a construção da
chaminé. Uma vez que as casas beirãs não tinham chaminés, o arquitecto Jorge Paulo
Carolino fez várias propostas cuja intenção era claramente assumir a
contemporaneidade, tal como aconteceu com o tubo de exaustão do termoacumulador,
vulgo cilindro. Estas ideias não foram avante, rejeitadas pelos promotores que
insistiram na construção de uma chaminé “típica” e, ainda, no seu revestimento a
pedra.
Finalmente, no que diz respeito às portas e às caixilharias das janelas – de duas
folhas de abrir e vidros duplos –, é de salientar que todas estas foram executadas em
madeira, assim como as escadas interiores acrescentadas de modo a permitir a
funcionalidade da habitação. Apesar de existirem vestígios de cor em alguns caixilhos,
o dono de obra não aceitou que as janelas fossem pintadas, preferindo optar pelo
verniz que escureceu a cor natural do pinho.
Relativamente aos acabamentos exteriores, relembra-se a proibição por parte da
companhia de electricidade, de modificar a forma e aparência dos contadores
eléctricos. Sendo assim, a opção tomada foi a pintura com uma tinta especial que
confere um aspecto enferrujado. Apesar de o arquitecto não considerar esta solução
como opção mais adequada, era a única autorizada pela companhia e, sempre
aparentava melhor do que as caixas de contadores originais. É de salientar que esta
tinta acabou por ser usada noutros elementos tais como a indicação dos números das
portas, os candeeiros dos alpendres e ainda a sinalética existente na aldeia. No que diz
respeito à iluminação das ruas, os postes também não puderam ser modificados,
110 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[95] [96]
[97] [98]
[99] [100]
[101] [102]
Comparação entre as casas existentes antes da reabilitação e o aspecto destas depois desta intervenção
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 111
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
Quintã de
Pêro Martins
Figueira
de Castelo
Rodrigo
[104] Vista área da aldeia e localização da Quinta de Pêro Martins com vista para o vale do rio Côa
[105] Quinta de Pêro Martins antes da intervenção [106] Vista da quinta após a reabilitação
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 113
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
deixar modificar as caixas dos contadores, que acabaram por ser pintados com uma
tinta que imita a ferrugem, reflecte a dificuldade em compatibilizar os princípios
orientadores da intervenção com as exigências impostas por entidades externas. Estes
problemas parecem surgir do facto de não existir regulamentação específica, ou mais
excepções, destinadas a facilitar o respeito pelas características do edifício alvo de
reabilitação, designadamente no caso das construções vernáculas uma vez que para os
edifícios classificados já existem regras que obrigam à protecção da integridade do
edifício.
A Quinta de Pêro Martins fica situada na região da Beira Interior Norte, mais
precisamente numa aldeia do concelho de Figueira Castelo Rodrigo chamada Quintã
de Pêro Martins. Foi adquirida em 2002 por um jovem casal, Miguel Torres,
arquitecto, e Sara Noro, designer de interiores, com o intuito de lá morarem mas
também de lá desenvolverem uma unidade de turismo em espaço rural. Sendo os dois
profissionais na área da construção, foram os donos da casa que executaram o projecto
de reabilitação.
55
Ver http://www.quintaperomartins.com/layout.html
56
Ver anexo 2
114 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[107] Fachada Poente com escadas de granito e alpendre [108] Beiral duplo
[110] Primeiro piso com carpintarias em bom estado de [111] Loja com vigas de madeira
conservação
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 115
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
[112] Porta interior existente [113] Porta após reabilitação [114] Corredor no piso privado
[115] Sala de estar para uso do turismo em espaço rural [116] Coexistência entre o novo
e o antigo
“(…) Não havia muita obra que se tivesse que fazer de novo, ou seja,
podíamos pegar na casa e trabalhar dentro da casa.”57
57
Ver anexo 2
58
É de salientar que hoje em dia a avaliação deste tipo de turismo é efectuada pela câmara municipal do local do
empreendimento.
118 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[120] Zona de jantar com passa pratos para a cozinha [121] Escada em caracol
[122] Acesso aos quartos [123] Um dos três quartos situados na casa-mãe
“Esta parte foi muito simples, sabíamos que a escada tinha que ser aqui
porque tínhamos o quarto escuro lá em cima e não queríamos estar a
desaproveitar nada e era a zona mais favorável no sótão para subirmos,
59
Citação retirada da entrevista a Sara Noro, ver anexo 2.
120 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[128] Anexos no fundo do pátio [129] Pátio e construções anexas antes da reabilitação
[130] Alpendre em madeira [131] Janelas de vidro único nas zonas de serviço
sabíamos que a cozinha tinha que ser para ali para aproveitarmos as
pocilgas e que aqui tínhamos que ter uma zona mais desafogada para
entrar para os quartos de hóspedes, pareceu-nos bem que a sala de
refeições fosse perto da cozinha e que tivesse um passa pratos ou uma
coisa do género que dê-se funcionalidade à sala de refeições, pronto e as
coisas foram surgindo.”
O mais difícil parece ter sido a inclusão dos três quartos na casa-mãe,
principalmente em termos de áreas e de funcionalidade devido à articulação com as
instalações sanitárias privativas. De resto, a elaboração do programa foi finalizada sem
problemas, algumas vezes com recurso a pareceres prévios de modo a ter a certeza que
este respeitava as condições necessárias à função de turismo rural. Um destes
pareceres foi pedido , por exemplo, para esclarecer a possibilidade de criar uma zona,
no interior dos quartos situados nos anexos, com equipamentos que permitissem a
confecção ou o aquecimento de comida. Uma vez que a legislação impedia a
instalação deste tipo de equipamentos no compartimento do quarto e que não havia
espaço para criar uma sala onde pudesse haver uma kitchenett, foi abandonada a ideia,
que nem chegou a ser incluída no projecto que foi avaliado para licenciamento.
De seguida, começou a obra que foi seguida diariamente por Sara Noro e Miguel
Torres, facto que permitiu estar sempre em cima dos acontecimentos e corrigir alguns
problemas que iam surgindo.
No que diz respeito à feição exterior, a casa principal manteve a aparência inicial.
As fachadas rebocadas foram pintadas de branco e as de pedra foram mantidas
conforme estavam. A estrutura do alpendre situado por cima das escadas exteriores foi
refeita, em madeira, e os elementos de ferro que a sustentavam foram substituídos por
perfis metálicos. Na fachada Norte foi acrescentado outro alpendre, igualmente com
estrutura metálica. Devido à falta de luz, as antigas portas de madeira que davam
entrada para a loja e as portas de ferro que davam acesso às pocilgas, por baixo das
escadas, foram substituídas por janelas de vidro único que permitem uma maior
entrada de luz. No entanto as portadas também foram mantidas para preservar tanto do
frio como do calor. Nas restantes janelas, foi mantido o desenho inicial e os caixilhos
foram refeitos em madeira de kâmbala, pintada em estufa, de maneira a ficar mais
durável.
Nos anexos, os paramentos exteriores foram refeitos com os materiais da região,
granito amarelo de Figueira e argamassa feita a partir de barro. De maneira a permitir
122 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[135] Sala de estar com paredes rebocadas a branco [136] Coexistência entre granito
e reboco
[139] Encaixe tradicional da [140] Pilar acrescentado para [141] Reforço da viga
asna reforço do cunhal
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 123
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
o uso destes espaços, tiveram que ser abertas janelas que seguiram o desenho existente
na casa apesar de simplificado.
60
Citação retirada da entrevista a Sara Noro, ver anexo 2.
124 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
[142] Recuperado de calor [143] Calha metálica [144] Percurso através o pátio
[145] Vista do pátio com acesso aos quartos dos anexos [146] Acesso à casa
sido os donos da obra a efectuar o projecto, situação que facilita muitas das questões
inerentes ao processo. No entanto, parece que esta situação não proporcionou o
envolvimento de diversos especialistas, nem uma análise prévia mais aprofundada
conforme sugerido na metodologia descrita no capítulo anterior. Em segundo lugar, é
de salientar a manutenção, na íntegra, da estrutura existente assim como o respeito
pela feição original da casa, no exterior mas também no segundo piso destinado ao uso
dos donos. Em terceiro lugar, a obra realizada reflecte a clara intenção de marcar a
contemporaneidade usando, nos elementos novos, materiais que se distinguissem dos
originais mas, compatíveis com esses. Finalmente, é de salientar que a inclusão das
infra-estruturas e a adaptação dos espaços foram realizadas de modo a respeitar o
edifício existente, tanto do ponto de vista construtivo como formal e ainda estético.
Dificuldades da concretização
No que diz respeito à fase de levantamento, sugerida como ponto de partida para o
desenvolvimento de uma intervenção de reabilitação, é de realçar uma grande falta de
estudos e análises em ambos casos. Como já foi referido, no caso específico da
reabilitação da arquitectura vernácula a falta de enquadramento por entidades
reguladoras do património faz com que não seja obrigatório, por um lado, a
constituição de uma equipa pluridisciplinar de especialistas e, por outro, a elaboração
de análises e estudos sobre os materiais e as estruturas. Uma vez que o recurso a estas
medidas implica, do ponto de vista económico, um gasto considerável e, em
contrapartida, não existe o “peso moral” de estar a intervir sobre um edifício
classificado, estas medidas não costumam ser tomadas no âmbito do património
construído vernáculo. Por outro lado e de um ponto de vista realista, é possível afirmar
que se não fosse com vista ao uso turístico, parece bem provável que estas construções
ainda nem sequer fossem valorizadas, pelo menos em Portugal, apesar de, no âmbito
Parte III _ A Reabilitação do Património Construído Vernáculo 127
A prática da reabilitação _ do modelo metodológico à realidade das situações
prever a existência de problemas numa fase prévia. No caso de Póvoa Dão, este tipo
de problemas foi resolvido em obra, relembra-se assim a necessidade de reforço da
estrutura de madeira do pavimento com betão armado de modo a esta poder aguentar
com o peso da lareira.
No que se refere ao respeito pelas normas regulamentares, relembra-se novamente
a falta de regulamentos específicos para os casos de reabilitação que tivessem em
conta as dificuldades de adaptação das normas vigentes às pré-existências. Este facto
obriga a adaptações que, por vezes, impedem a observância dos princípios relativos à
conservação, influenciando deste modo a qualidade da intervenção de um ponto de
vista ético. Sobre este assunto, relembra-se o caso de Póvoa Dão, em que foi a
flexibilidade permitida por parte da câmara municipal que permitiu garantir a
dimensão dos vãos das casas, impedindo uma total descaracterização da feição das
casas.
Conclusão
de elementos contemporâneos que a façam parecer algo que não é. Senão, para quê
reabilitar? Não valeria mais destruir e fazer de novo? Esta afirmação não deve no
entanto levar à imitação e ao fachadismo, bem pelo contrário. Na minha opinião, tem
que ser encontrado uma solução intermédia que, por um lado, respeite a pré-existência
e, por outro lado, se assuma como marca contemporânea. Esta solução exige um
grande trabalho por parte do arquitecto a quem compete garantir a coerência do
resultado final a nível estético, formal, funcional e também a nível construtivo. Acerca
deste assunto relembra-se ainda o conceito de compatibilidade que aparece inerente ao
processo de reabilitação.
Finalmente, convém ainda salientar o papel de “gestor” do arquitecto que remete
para a compatibilização de uma série de exigências provenientes do dono de obra, das
entidades reguladoras e das normas impostas por lei, além da coordenação do trabalho
dos restantes técnicos intervenientes. Os casos de estudo permitiram salientar algumas
das dificuldades resultantes da incompatibilidade existente entre estas exigências e
concluir que estas condicionam em muito o desenvolvimento do processo de
reabilitação. De modo a facilitar a execução do projecto, convém então o arquitecto ter
um conhecimento rigoroso das leis que regem este tipo de intervenção as quais, como
já foi visto, remetem essencialmente para as normas relativas à edificação em geral.
Bibliografia
FONSECA, Fernando, P. ; RAMOS, Rui A.R. – O turismo no espaço rural como eixo
estratégico de desenvolvimento sustentável: o caso de Almeida. in 13º Congresso da
APDR “Recriar e Valorizar o Território”, Universidade dos Açores, Campus de Angra
do Heroísmo, 05-07 de Junho de 2007. Texto disponível em
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/8487/1/13congAPDR-198.pdf,
consultado em 30/03/09.
Notas sobre Portugal. Lisboa : Imprensa Nacional, 1908. Exposiçäo Nacional do Rio
de Janeiro, 1908, vol.II.
Bibliografia 139
Documentos de referência
Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951 que aprova o Regulamento Geral das
Edificações Urbanas (RGEU)
Referências iconográficas
[43] [44] [45] [46] Imagens retiradas de Arquitectura Popular em Portugal. 3ª ed.
Lisboa: Associação dos Arquitectos Portugueses, 1988.
[86] [87] [88] Imagens cedidas pelo Arquitecto Jorge Paulo Carolino.
Jorge Paulo Carolino: Há um livrinho que depois lhe posso facultar que tem toda a história de
Povoa Dão. Nos dias mais recentes esta quinta era de uma família cujo nome me devia lembrar,
mas não me lembro. Que produzia aqui tudo o que tinha a ver com agricultura; tinham os
vinhos, enfim tinham imensas coisas. Estas casas derivavam de um empréstimo que os donos
da quinta, desta grande propriedade, cediam, gratuitamente. As pessoas iam construindo as
suas casas e trabalhavam, e tiravam, como sabe, parte do proveito para eles próprios, para
consumo. As casas estavam em perfeito estado de ruína. Havia uma zona mais consolidada,
ainda havia os paramentos exteriores. Normalmente eram casas que se resumiam a 4 paredes,
com uma cobertura, parte da parede enfarruscada, de fazer as refeições, com telha levantada,
que era o que eles utilizavam. Eram casas muito rudimentares. A casa maior, é a casa onde
agora ainda lá está um senhor, é o Sr. Soares. Entretanto as pessoas foram saindo, até que ficou
só esse senhor e a senhora. Tomavam conta daquilo… Esta quinta foi depois posta à venda e
estes senhores compraram-na. Aquilo, como lhe dizia há pouco, estava num estado lastimoso, e
foi sendo recuperado. Agora o problema era, como é que se recuperaria isso. De que moldes?
Então começou-se por fazer o levantamento do existente, o qual não fomos nós que fizemos…
O levantamento começou por um levantamento aerofotogramétrico, depois fez-se um
levantamento topográfico, depois fez-se o levantamento das casas uma a uma.
JPC: Sim, mas daquilo que havia, atenção! E com base nisso, depois partiu-se para o projecto.
Como disse, o aglomerado da aldeia foi dividido em vários núcleos, e cada núcleo tem diversas
casas. E foram-se fazendo os projectos assim. Vamos agora pegar neste núcleo e vamos
desenvolver as casas… Quero dizer que também há as casas da eira, que ficam depois daquela
zona lúdica, e as casas dispersas. Esta zona lúdica, como é óbvio, foi criada de raiz. Tirando
uma casinha que lá estava, não havia lá nem lago, nem charco, nem nada dessas coisas.
SR: Por acaso eu só estive nas casas da aldeia. Neste núcleo, as casas foram feitas de modo
tradicional? É tudo na mesma linguagem?
JPC: Foram. Vamos ver! Há aqui três casas, que eu depois posso dar o número, mas são estas
casas que estão aqui [o arquitecto está a apontar para o mapa]. Estas três casinhas que aqui
estão, foram casas que ficaram, foram casas que custaram uma fortuna.
JPC: As que estão perto do café… ora eu desço por aqui ao pé do restaurante, a casa melhor
que havia era onde está agora o restaurante, mas não tinha nada a ver com aquilo, claro. Estas
três casas são as que foram feitas mais a preceito. E nessas casas, o que é que nós fizemos?
Tirámos fotografias. Era impossível repor as pedras no mesmo sítio porque eram pedras,
muitas vezes, como eu costumo dizer na brincadeira, pedras broeiras. Portanto pedras que se
desfaziam, sem grande dureza, outras mais permeáveis.
SR: Mas eram dispostas só umas em cima das outras ou tinham algum tipo de argamassa?
JPC: Não, não tinham tipo nenhum de argamassa. Também depende das casas. Como sabe,
pessoas com fracos recursos, iam pondo as pedras umas em cima das outras, não é?
148 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
Possivelmente havia casas, mas eu isso não detectei … Possivelmente, sim esta casa maior já
tinha alguma argamassa, barro essencialmente. Nós fizemos várias experiências para tentar
consolidar aquilo que estava feito e chegámos à conclusão que, em boa parte delas, era
preferível demoli-las. Fotografá-las, registá-las, demoli-las e voltá-las a construir. E quando
digo “voltámos a construir”, não vamos ser utópicos e dizer que a janela estava rigorosamente
ali. Até porque houve que passar de um... aquilo devia ser um T0, era um compartimento
único, e depois tentar fazer um T2 ou T3, não é pêra doce.
JPC: A tipologia foi modificada. Isso não tenho dúvida nenhuma sobre isso. A tipologia foi
modificada.
JPC: Repare uma coisa. Quando vir esse livro de que lhe estou a falar, verá que há diferenças
na construção. Há diferenças na construção. Todas as casas, todas as aldeias que eu conheço,
têm mutações, como é óbvio. Por exemplo, há uma aldeia aqui, não é muito perto, mas é uma
das melhores recuperações, foi feita com subsídios do estado, que é a aldeia de Castelo
Rodrigo. Não sei se conhece. Distrito da Guarda.
JPC: Castelo Rodrigo tem uma intervenção completamente distinta do que esta tem. Aliás fez-
se até uma intervenção em algumas zonas do castelo, com soluções contemporâneas, muito
engraçado. Aqui optou-se por não fazer isso. Optou o promotor. Até por que eu acho que uma
das coisas que aqui faz falta na aldeia, é a cor. Acho que faz muita falta na aldeia, porque esta
aldeia em muitas casas tinha cor. As janelas tinham um vermelho, outra vez um azul, pontuado.
Nos bocadinhos de vestígios de madeira que havia, atenção. Embora a maior parte era tudo
madeira natural. Só duas janelas que existiam de sobra é que tinham vestígios disso. Outras,
completamente adaptadas, alguns sítios em que colocaram azulejos por cima das pedras. A
fonte estava perfeitamente adulterada. A única construção que havia com argamassa interior e
exterior era a capela. E agora se lá for é igual. A capela é o único sítio que tem isso. Em relação
às casas, do ponto de vista comercial, e faço a comparação com castelo Rodrigo precisamente
por causa disso, Castelo Rodrigo teve um subsídio, orientou-se essa adaptação tendo por base,
esse valor pecuniário que lhes foi facultado, e portanto o objectivo, visando o lucro como é
óbvio, foi contrabalançado com essa dádiva, não é? Aqui não. Então as pessoas tiveram de
alguma forma, e nisso eu concordo plenamente com elas, tiveram de adaptar as próprias casas
no sentido delas se tornarem habitáveis e que financeiramente pudessem ser…, que pusesse
haver uma compensação. As primeiras três casas como lhe disse, foram feitas por experiência,
uma experiencia que se foi adaptando. Depois contratou-se os canteiros, toda a gente,
carpinteiros… uma panóplia de pessoas, uma equipa vasta, demorou-se uma eternidade a
construir as casas. E depois tentou-se que nas casas seguintes, a construção fosse mais célere.
Que eu saiba, não se utilizou nada de cimento, mas houve um ou dois sítios onde se pôs tijolo,
e está devidamente oculto. Eu estou a falar na construção da casa no seu exterior, porque no
interior houve muitas construções que eu não acompanhei. Fiz só o projecto mas não
acompanhei. Estas de que lhe estou a falar, acompanhei-as e tenho a certeza absoluta daquilo
que aconteceu. Por exemplo, o soalho foi pregado à moda antiga, foi deixado com os pregos,
não foi polido, não houve lá máquinas, a cera foi posta e acabou… Levantava-se o problema de
como se deviam fazer as paredes. Tabique já não podia ser, porque já não havia ninguém que
as fizesse. Então adaptou-se a técnica das paredes de gesso cartonado, com duas placas
sobrepostas, por causa das oscilações das lajes que são em madeira. A estrutura é em madeira.
Anexo I _ Entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino 149
A aldeia de Póvoa Dão
JPC: Não, não mantivemos a estrutura, refizemos a estrutura. Muitas vezes pôde ser adaptada
ao que estava, mas na maioria dos casos as madeiras não existiam. Se vir as fotografias, os
telhados não existiam. O único sítio que estava mais preservado é o restaurante. Portanto
aquilo que agora faz parte do restaurante, antigamente era duas ou três casas. Tinham no meio
uma zona a céu aberto, tinham muitos corrais com as cabras, os porcos… Nós não queríamos
nem porcos, nem cabras nem nada disso. Portanto tínhamos de adaptar as coisas para terem
outra funcionalidade, não é? Há por exemplo algumas paredes do restaurante que estão tal
igual como estavam, há outras que foram modificadas, e pronto é assim.
JPC: Tentámos ao máximo fazer isso. Ou seja, utilizámos a madeira para as estruturas,
utilizámos a madeira para as lajes. É evidente que chegámos à cobertura, por exemplo, e
colocámos outras coisas. Ou seja pusemos madeira, estrutura de madeira, ripado de madeira,
mas em cima do ripado de madeira e antes da telha pusemos, para além do isolamento… Até
porque existe obrigatoriedade de cumprir determinada legislação que, se fosse agora, por
exemplo nas casas que nós estamos a fazer, vamos ter sérias dificuldades para as reconstruir.
Ou há uma excepção na lei para estas coisas, e isso a autarquia e as entidades é que poderão de
alguma forma dizê-lo, ou então é um pouco difícil. Mas falando outra vez da cobertura. A
cobertura teve uma chapa de onduline, que conhece com certeza… É uma chapa ondulada, de
origem francesa, muito boa, e que faz o isolamento acústico, térmico, para além de também
impedir a passagem da chuva. Portanto, é posta a onduline em cima do roofmate, e depois é
colocada a telha em cima. Aquilo é áspero e aguenta a telha. Nos casos mais inclinados, que
são poucos, há-de ver que os telhados de Povoa Dão são muito pouco inclinados, as telhas são
grampeadas.
JPC: O tipo de telha que lá estava. Procurámos fazê-lo o mais próximo possível. Na altura
houve uma polémica sobre isso para saber se a telha já tinha de ser… Alguém defendia que a
telha devia ter a coloração que vem de fábrica, uma coloração falsa, portanto já com aspecto
rústico, e eu disse que não queria nada disso. Vamos por a telha com o barro normal, depois ela
há-de chegar à sua velhice. As pedras tiveram de ser, infelizmente, todas lavadas. Foi uma
pena, mas pronto, teve de ser.
JPC: Sim foi. Houve uma coisa nas casas que eu detesto e não consegui mostrar ao promotor.
JPC: Sim. Eu já lhe mostrei o meu desgosto por isso, pelas chaminés. Aquelas casas nunca
tiveram chaminés!
JPC: Pois. E quando chegámos aquela altura, para a chaminé e a colocação da lareira, foi uma
chatice. Porque as lareiras que havia no primeiro andar, se a estrutura era toda em madeira,
eram de difícil execução. Eu na altura propus que houvesse um aparelho de queima, que nós
chamamos as salamandras, os recuperadores. Mas isso não foi aceite. Então tive de fazer
lareira. Lareira no rés-do-chão ainda dava mas lareira no andar de cima é muito difícil. Como é
150 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
que eu agarro a lareira se eu por baixo tenho uma estrutura de madeira? Então aí tive de utilizar
um reforço em betão. Está devidamente escondido, é uma situação ou outra. E pronto, teve de
se fazer isso. Mas quando chegou à parte de cima, pôs-se a questão de como é que se devia
fazer a chaminé. Eu sugeri que, já que tínhamos de fazer uma coisa que não existia, iríamos
fazê-la em chapa. Portanto, uma chapa que levasse…, em suma eram duas chaminés, digamos,
uma dentro da outra como agora se faz para os aquecimentos centrais, que são aquelas chapas
cilíndricas, aquelas condutas cilíndricas em inox. Do género disso mas não em inox, em chapa.
Chapa que depois levava uma tinta ou então deixava-se à intempérie, mas demoraria muito
tempo. Por uma questão de facilidade, já que a intempérie demora muito tempo, utilizámos
uma tinta com dois componentes. É uma tinta da CIN, muito cara por acaso, que após de
pintada aquilo fica com um aspecto de ferrugem.
SR: Por acaso não usaram isso nas caixas dos contadores?
JPC: Nas caixas dos contadores! As caixas dos contadores eram horrorosas! Como é que nós
vamos fazer isto? Antigamente não havia estas coisas todas que há agora. Na altura eu sugeri
que fizessem, em cada caixa da EDP, um invólucro, como se fosse uma camisa, uma caixa que
entrasse, que tapasse aquilo. A EDP não deixou. Portanto a solução foi, ou pintamos de uma
cor, ou deixamos estar tal e qual assim. Depois daquela tinta ser ensaiada noutros lados,
optámos por usar também aqui. Aquilo é uma coisa meia esquisita até porque quando chega
aos números, é horrível.
SR: Sou sincera, realmente quando olhei para aquilo… Acredito que haja quem goste, mas
realmente pronto. Tenho algumas dúvidas em relação a isso e gosto de falar nisso… em relação
à autenticidade, aos valores estéticos e históricos que se devem preservar. Por outro lado,
gostei imenso de estar em Povoa Dão, do projecto, de sentir a rusticidade do sítio, das
caixilharias serem em madeira, de respeitarem essas coisas, apesar de na realidade não reflectir
o original.
SR: Pois depende, a mim não me incomoda. Enquanto as caixas da EDP, aquela tinta, parecia-
me falso … é fachadismo!
JPC: E é!
SR: Para mim se calhar valia mais assumir. Por algo, …não sei…
JPC: Não deixam pôr! Eu estava-lhe a dizer que éramos para fazer uma caixa, em ferro
natural. Viu a sinalética? Comprámos as chapas e ficaram lá à intempérie não sei quantos
meses, não conseguimos. Pintámo-las. E quando chegámos às caixas da EDP, o que é que a
gente verificou? Verificou que, ou se deixava como estava, o que era horroroso, ou então se
fazia a tal camisa que tapava aquilo tudo. Uma caixa tapava aquilo tudo. Como a EDP não
autorizou, alguém se lembrou de pintar aquilo daquela cor. Já não sei se fui ou quem foi. Não
me lembro. Sei que os números são horrorosos porque pelo menos os números deveriam ter
sido repintados em cima daquela cor de ferrugem. Isso é o que eu opino. Mas há muitas coisas.
E as dificuldades de se fazer alternativas aos elementos ditos verdadeiros, autênticos… Esta
aldeia foi feita, apesar de ter muito tempo, esta aldeia e as casas foram feitas, tirando as três
Anexo I _ Entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino 151
A aldeia de Póvoa Dão
primeiras casas, foram feitas rápidas, porque havia a urgência de fazer dinheiro, de pôr a
render. Isto custou muito dinheiro. Ou seja isto não tem a tal dádiva do Estado.
SR: Nenhuma das casas era abrangida por qualquer tipo de classificação?
JPC: Não! E repare, tudo, infra-estruturas, caminhos, electricidade, água e essas coisas, até a
pequena ETAR, foi tudo feito à custa destes senhores. Eu louvo de facto esta iniciativa. Mesmo
assim, apesar de ser algo rápido e de nós fazermos alguma pesquisa, eles diziam “já estamos a
demorar muito”. Têm de se tomar opções. Luminárias exteriores, para dar outro exemplo.
Quando chegámos às luminárias exteriores, eu estava com algum receio que alguém quisesse
umas luminárias “à época”. À época não havia luminárias. Portanto vamos para trás e vamos
ver o que há de mais parecido. E então alguém sugeriu, não como aqueles belos candeeiros,
entre aspas, que estão ali no rossio, que são todos torneados, mas alguma coisa parecida. Eu
fiquei em pânico! Então sugeri, já que não havia electricidade, vamos fazer uma coisa nova.
Vamos assumi-la. A ideia, voltando outra vez a estas coisas da EDP, era pintá-la com uma cor
que fosse engraçada. A EDP também nem sequer isso consentiu. Está a ver? Portanto não é
muito fácil. As luminárias que têm as casas, são luminárias em folha, dessa do artesanato
visiense, ou de outro lado qualquer da beira. Quando as colocámos lá eram branquinhas, todas
polidas não é? Como é que nós vamos fazer? Por outra vez à intempérie? Não dá. Temos que
as electrificar. A bela tinta da CIN, passou a referência. Toca a pintar aquilo tudo e parece que
fomos buscá-las não sei aonde. Está a ver? Apesar de haver algum achado do levantamento que
nós fizemos e da recuperação das casas, os achados que havia foram basicamente de índole
agrícola e pessoal. Mas não mais do que isso está a ver? As pessoas não viviam com isso e teve
que se adaptar. Voltando outra vez às chaminés. Havia dois tipos de chaminés. Há a chaminé
do fogão e a do cilindro. Não havia esquentadores porque não havia gás, era tudo eléctrico.
Isso depois também houve complicações com isso porque entretanto já há casas que têm
aquecimento central, com botijas cá fora. Têm um gradeamento em madeira que eu desenhei
para lá, não queria uma coisa muito fechada, mas enfim. Como não havia esquentador, só havia
o termoacumulador, vulgo cilindro. Nós aqui só precisamos de uma saída. Para o fogão fez-se
um tubo e esse tubo foi pintado de preto… chapeuzinho chinês. Chegou-se àquela bela
chaminé e eu desenhei uma peça, trapezoidal, um cone de pirâmide, com duas placas em cima,
uma coisa muito limpinha, e não foi possível verificar isso. Não sei porquê. Na altura os donos,
quem de direito… Nós fazíamos actas, reuniões e essas coisas todas. Nessa reunião por acaso
não estive e foi decidido fazê-la em pedra. Então cortou-se a pedra, pedra velha, cortou-se a
pedra aos bocadinhos, e a primeira vez que vi aquilo, fiquei descrente.
JPC: O promotor pode fazer o que quiser. Quando a Sara tiver o seu atelier, vai ver que é
assim.
SR: Sim, mas o arquitecto não deveria ter conhecimento disso antes, a nível de
responsabilidade?
JPC: Deveria, mas repare uma coisa. Isso é muito bonito quando estamos na faculdade, mas cá
fora é muito pior. Essa coisa das chaminés, eu disse, já que não querem fazer isto em chapa,
tirem lá as pedras, e fez-se isso. Tirem lá as pedras, vamos rebocar o tijolo. Porque elas são
feitas em tijolo. Ou seja, eu tenho o reforço, ou não, depende se está no 1º andar ou no rés-do-
152 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
chão, depois tenho um ducto, a chaminé, em tijolo, e depois era forrado. E quando ultrapassava
a cobertura, eu disse assim, bom, vamos lá tirar a pedra, e vamos arear isto e pintá-las.
Experimentámos pintá-las de branco. Aí, acredito que fosse o meu erro. Naquela altura
pintámo-las de branco. Isso já foi há bastante tempo e eu devia ter procurado uma cor neutra
mas que não sobressaísse tanto. Reunimo-nos na aldeia e, as pessoas que tinham para decidir,
votaram e então optou-se pela pedra – acho que fui eu e o engenheiro Alexandre que votamos
pelo areado pintado – todos os outros votaram pela manutenção da pedra. Eu achei aquela
pedra muito feia. Nas chaminés não tem nada a ver com a casa. Quer dizer, pode ter a ver com
a casa mas não tem… Nesta aldeia, na recuperação destas casas, procurou-se ao máximo tentar
cumprir o mínimo necessário para as casas serem, poderem-se dizer como uma recuperação.
Mas é evidente que ninguém, alias pelas fotografias vai ver. Há fotografias em que só há
ruínas. Só ruínas. Portanto o que lá está é produto da sua imaginação. O posicionamento da
porta às vezes coincide, outras vezes é preciso mudar. Outra coisa que lhe devo dizer. O pé
direito. Aquelas casas muitas vezes funcionavam, como sabe, com uma “loja”, onde se punham
os animais, mas nem todas eram assim. Aquelas casas tinham dois pisos, era assim que
funcionava. E os animais não requeriam a habitabilidade que nós temos e nem que o RGEU
nos exige. Portanto o que é que houve? Tivemos que, ou afundar o pavimento térreo, ou subir,
e algumas estão crescidinhas. Se eu subo uma, pois toda a envolvente tem de subir para dar
uma coerência. Não é nada fácil. Há um sítio em que se percebe perfeitamente que em
determinadas zonas foi impossível cumprir.
SR: Há, por exemplo, umas casas que estão muito encostadas àquelas pedras, onde passa o
caminho romano, aí não foi possível, mexer?
JPC: Não, isso era assim. Mas há uns sítios onde se vê que, por exemplo, a cércia foi
modificada. Há aqui o caminho romano, o restaurante, e há aqui uma zona, acho que é ali
mesmo, aquela casa ali [o arquitecto está a apontar para o mapa] que, se comparar com esse
livrinho... É mesmo assim, não há volta a dar. Cada metro quadrado que eles tinham, há coisas
que eu não defendo tanto, como disse, o uso da cor, as chaminés, as janelas. Eu não queria as
janelas assim, nem de longe nem de perto. Desde sempre que não queria, mas isso sou eu.
Porque já não é uma aldeia histórica, podíamos ser mais atrevidos, não é? Eu ali fazia uma
janela de um vidro único, que é uma coisa que eu já faço há décadas. Em vez dos vidrinhos,
que é uma coisa que eu detesto. Mas isso sou eu que não gosto. E para dar mais conforto. Por
exemplo dentro das casas, havia muitas casas que eu teria forrado a gesso cartonado as paredes
de pedra do lado de dentro.
SR: Isso é uma pergunta que eu fiz aos senhores que estavam lá a trabalhar, como é que era
feito o isolamento?
JPC: Não há! Simplesmente não há. E para vedar a água? Como é que se veda a água? A Sara
há-de reparar que se pegar no cimento e num tijolo, que é poroso, e meter a argamassa, ela vai
secando e consolida. A pedra não é tão porosa. As pedras que eram mais porosas, nós tentámos
pô-las em locais em que não apanhava água. Todas as outras, como eram menos porosas, mais
fechadas, o grão é mais pequenino, a Sara põe a argamassa, a argamassa exige sempre junta
seca. Para ser junta seca, as pedras tinham de ser uniformes. Chegámos à conclusão de que não
podia ser assim senão as casas eram todas muito bonitas, muito certinhas, e não era isso que lá
estava. Voltámos atrás, e tentámos pôr o menos argamassa possível. Isto aqui tem uma
variação térmica estrondosa, porque está exposto a norte. E se vir, em poucos meses as pedras
ganham musgo, enquanto no verão isto é tórrido. E com os picos térmicos, o que é que
acontece? No primeiro inverno houve muitas casas que deixaram entrar água. E porque é que
deixaram entrar água? Não foram muitas casas porque ainda não havia muitas feitas. Como lhe
disse, isto foi feito por núcleos, e nós íamos aprendendo. As melhores casas são estas três que
Anexo I _ Entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino 153
A aldeia de Póvoa Dão
lhe falei. Para mim são. Até na sua autenticidade. Há aqui uma casa, que para mim é das mais
bonitas, que é esta aqui [o arquitecto está a apontar para o mapa]. Essa está quase, quase como
lá estava. Estava eu a dizer. Quente e frio, verifica-se que entre a argamassa e a pedra há uma
fissura. Já ouviu a expressão “chover deitado”? “Chover deitado” é uma forma popular de
dizer. Mas há zonas aqui em que a chuva não cai assim, não cai na vertical, cai com alguma
inclinação. E dependendo dos sítios, a força do vento é tal, que a chuva quase que cai deitada.
E com essa chuva, o beiral estar lá ou não estar não adianta. Pode proteger 30 cm de parede lá
em cima o resto não protege. E a água a fustigar a parede, acaba por entrar. Como é que nós
resolvemos? Houve umas paredes que nós tivemos de demolir e fazer de novo. Então
inventamos uma argamassa, recorremos a técnicos do Laboratório Nacional de Engenharia
Civil. Fizemos uma massa, não sei agora as proporções mas sei que leva barro, cimento branco,
um pouco de cimento cinzento, para lhe dar um bocadinho de cor, e mais uns ou outros
“ingredientes” para tentarmos fazer uma argamassa que não fosse tão rígida, que tivesse
alguma elasticidade, está a ver? E lá se foi conseguindo. Nós para testarmos isso, pusemos
mangueiras no cimo da casa, umas todas furadas, outras com maior pressão, para estarem ali
dias consecutivos a deitar água para vermos, para neutralizarmos a entrada da água dentro das
casas. Houve muitas casas em que o pavimento em madeira, em algumas zonas, teve de ser
retirado, fazer um fundo falso, e recorrermos a tijoleira. Porque era impossível dominar a água.
Porquê? Repare, é uma única parede. Não tem parede dupla.
SR: Antigamente, portanto nos finais dos anos 90 quando isto foi feito?
JPC: Hoje temos de ter mais cuidado com isso. Nós temos a debater este problema e aquilo
que nós propusemos foi que houvesse ocasionalmente uma das paredes, uma ou outra parede
que pudesse ser em pedra única, quando quisessem pedra por causa de ter esta rusticidade que
é tão de agrado dos habitantes das grandes cidades, há lá muitas casas vendidas a lisboetas por
exemplo, tinha que se fazer parede dupla, antigamente como sabe nós vemos aí casas
lindíssimas com paramentos em pedra lindíssimos e essas paredes têm pouca profundidade,
deve saber isso com certeza, são chamadas as paredes duplas daquela altura, o que é que eles
faziam? Faziam a parede por fora, portanto tinha uma estereotomia cuidada, depois no meio era
posto barro e palha, palha de centeio, portanto era feito uma mistura tal igual como se faz nas
coisas de taipa, o processo era igual e depois punha-se pedra mais fraquita pelo lado de dentro.
Depois ainda levava uma argamassa mas a pedra não era a mesma. Na reconstrução há imensas
casas em Viseu que acontece isso, imensas, eu tenho feito algumas. Depois as pessoas que
tinham mais dinheiro, daí a capela, porque era uma dádiva, a capelita já está rebocada. Pronto
era uma coisa que já exigia mais mão-de-obra, mais dinheiro por metro quadrado, não era ir
buscar as pedras a algum lado e encasteladas por ali acima. Na igreja não, porque a igreja se for
ver tem reboco da parte de dentro, tem reboco da parte de fora, foi pintada a cal. Pronto e
basicamente é isso, tentámos preservar ao máximo mas apoiarmo-nos um pouco em soluções
mais práticas não é? Nas futuras, como lhe disse, temos que inventar. Eu propus uma
intervenção completamente diferente com uso de corten, uso de pilares metálicos, de coisas
forradas a fenólio e pura e simplesmente foi rejeitado. Porquê? Porque eles tencionam abranger
o mercado britânico e eles gostam destas coisas, não há volta a dar… Os projectos já estão
154 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
feitos, ou seja, vão ser outra vez casinhas do género. Vou ver se desta vez me deixam fazer as
tais chaminés como eu quero.
SR: Percebo, estou a gostar imenso desta conversa porque esclarece as dúvidas que eu tenho
sobre o mantimento da rusticidade, não será simplesmente imitação ou fachadismo, qual será o
mal de integrar materiais modernos?
SR: Pois não, não vejo qualquer problema. Por exemplo, fui visitar o Mosteiro de Tibães e as
janelas não tinham vidro, obviamente agora foi necessário, então foram postos caixilhos
minimalistas, que não se vêm e que resulta muito bem. Mas depois há aquelas intervenções em
que se vêm janelas, de guilhotina, em PVC branco!
JPC: É horrível…
SR: Pronto, aí não se pode dizer “sim, sim, vamos usar materiais novos”, há que saber como
usá-los e portanto usá-los no sentido de marcar a contemporaneidade e não tentar imitar algo
que já foi. É por isso que eu gostei desta intervenção, porque é realista, é verdadeira. Por
exemplo, quiseram pôr janelas como eram e então puseram-nas de madeira, conforme eram,
por mais que não sejam as mesmas possivelmente a madeira não será ou o vidro agora é duplo
mas tentaram respeitar o máximo pelo menos a autenticidade estética.
JPC: Tentámos mas não era aquilo que eu queria. Também sou sincero, não era nada disso que
eu queria. Como lhe disse depois o promotor é que manda e, como eu costumo dizer, para os
arquitectos conseguirem fazer as suas coisas não depende só de si não é? Depende de outras
coisas… É evidente que fazer a Póvoa Dão é completamente diferente que fazer aquele
restaurante para o polis não é? Não tem nada a ver… Não tem nada a ver por exemplo com ser
um edifício multifamiliar, as coisas são como são não é?
SR: Mas por outro lado ao reabilitar é porque se tenciona manter algo do passado.
JPC: Sim, sem sombra de dúvida… mas há coisas que eu acho que não deviam… até em favor
da comodidade. Repare, algumas casas também têm aquecimento central eléctrico, para quê?
Sendo assim, punha-se uns cobertores de papa! Porque é que a janela não há de ter, eu já nem
falava nessas caixilharias minimalistas, mas por exemplo um caixilho em madeira com aquela
estrutura por dentro que é metálica e que é de vidro único. Não foi possível por vários motivos,
até por uma questão económica. O que é que quer saber mais?
SR: Pronto, já foi respondendo a certas perguntas… Mas por exemplo há outra casa, quando se
sobe pela estrada romana, antes de se chegar ao café do lado direito em que, aí nota-se
perfeitamente que a forma, a tipologia foi modificada, há um acrescento de madeira,
perfeitamente assumido e gostei, gostei mesmo de ver…
SR: Porque realmente é tudo muito bonito, parece tudo antigo, mas sabe bem ver estas marcas
contemporâneas quando soam assim bem.
JPC: Pois isso foi uma coisa que aconteceu numa determinada casa, nós tivemos que fazer
uma parede de uma determinada maneira e depois tivemos que… a madeira é um cenário
porque se lá for ver dentro a parede não é em pedra…
Anexo I _ Entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino 155
A aldeia de Póvoa Dão
SR: Tinha aqui perguntas sobre os critérios, os princípios que guiaram o projecto de
reabilitação que foi basicamente, acho eu, o que o arquitecto teve a dizer: tudo depende em
muito do promotor, o que ele pretende a esse nível.
JPC: Sim mas repare, tentou-se, e a verdade é essa, tentou-se ao máximo seguir a metodologia
que era então usada. Agora, com uma tipologia diferente como é óbvio. A maior parte das
casas não tinham escadas interiores e estas têm escadas interiores…
JPC: Exactamente. A divisão que havia entre pisos era uma divisão que só tinha ripinhas, não
é? Para o calor passar dos animais, agora não. Até porque havia zonas que levantavam
problemas com o bater dos passos no pavimento não podia haver pó. Por exemplo, o
restaurante, tivemos imensos problemas. Visitou o Restaurante?
JPC: Houve uma parte em cima que não foi mudada. A Sara entra no café, depois desce,
depois tem ali uma zona, aquela zona toda grande, ampla, não tinha telhado, era um pátio. Se
for em frente tem umas escadinhas e tem uma parte do restaurante em que tem uns tabiques.
Esses tabiques eram a casa do senhor Soares, ele vivia ali naquele primeiro andar, em baixo
tinha os porcos, uma cabra... Os tabiques que lá estavam eu preservei-os, tentei ao máximo
preservá-los. Aquilo era a divisão das casas, não tinham portas, não tinham nada… Quer dizer,
tinham umas portas que nós depois arrancamos…
JPC: Alcovas exactamente. Ora bom, quando passou a vistoria, o nosso colega da câmara
obrigou a substituir isso tudo. Porque ele pegou numa chave e começou a raspar dizendo “isto
está carunchoso, tem que sair”. Pronto e então o que é que nós fizemos? Tivemos que fazer
umas novas… mais ou menos a imitar, para lá pôr. Mas, a imitar, não estão bem iguais.
JPC: Exactamente. Quando nós passamos naquele piso, em baixo há uma zona de restauração.
Ora bom, batendo os pés, eu se tiver com atenção, posso ver pó a cair. Então tivemos que fazer
um soalho duplo, com isolamento a meio, com uma película plástica, isolada, pronto essas
coisas que nós não podemos seguir aquilo que era feito antigamente. E nas próximas vai ser
pior do que aquilo que nós falámos: o acústico, o térmico… As próximas vão ter casas de
banho que vão ser aprovadas com o regulamento do 163/2006, de 8 de Agosto, é um decreto-
lei sobre a acessibilidade.
JPC: também não houve porque repare uma coisa: eles nunca quiseram isto para turismo.
JPC: Não, aliás devo-lhe dizer que, para este tipo de casas é a câmara que delibera sobre isso,
se for um hotel não, mas nestes casos sim.
156 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
SR: Por exemplo, no caso de integração de novos materiais como é que é feita a adaptação,
como é que é feita a compatibilidade entre materiais?
SR: Mas por exemplo há paredes que, ao pôr uma laje de betão, não aguentam…
JPC: Ah, está bem… Mas isso repare numa coisa, nós temos soluções para essas coisas. O
convento de Freichinho foi feito por exemplo com situações em que nós pegávamos em alguns
locais, estudávamos isso e pegávamos em zonas de pedra que estavam em óptimas condições
de estabilidade e áreas não muito grandes em que conseguimos aplicar nas paredes uma
estrutura muitas vezes metálica para recepcionar lajes. Temos aí estudos sobre isso, fizemos
estudos sobre isso uma vez até invertíamos umas vigas em U que eram aparafusadas na parede.
JPC: Está bem mas isso tem que ser paredes com…, não pode ser com dimensões de 30 cm
como tem em Póvoa Dão, ou de 40 cm… paredes grandes em que chega lá e estuda-se isso e
vê-se que a parede suporta, que está bem do ponto de vista da estabilidade, que não está como a
gente diz “embarrigada”, enfim não é com pedrinha pequenina, é com pedra grande. Nós aí no
convento fizemos uma coisa também engraçada. Foi na zona da cozinha, a parede era de pedra
mais ou menos miúda e nós queríamos manter essa parede. Isto tem implicações, tem custos
mas o convento é um monumento nacional. Precisávamos de manter essa parede, o que é que
nós fizemos? Fizemos uma estrutura atrás da parede, se não me engano em ferro, fizemos uma
peça de betão, um muro de betão e depois, através de grampos, segurámos a parede toda
exterior, a parede exterior é um papel. Pronto isso é o processo, agora essa parede, por
exemplo, ficou caríssima. Mas eles também tiveram direito a um subsídio.
SR: Pois, lá está… Continuando com as exigências já me disse que na altura não havia tantas
exigências a nível de segurança e de conforto térmico, acústico…
JPC: Não porque antigamente isso não era certificado e agora é. Antigamente os projectos de
acústica eram iguais quase para todo o lado, fazia-se o projecto acústico, pronto era assim, os
engenheiros faziam isso, os especialistas faziam isso.
SR: Mas e nesse caso, agora que é obrigatório. Existem normas que se tornam flexíveis uma
vez que se trata de uma reabilitação? Como por exemplo a classificação energética obrigatória
nas casas também o é numa reabilitação?
JPC: Olhe, eu vou lhe dizer o seguinte: quando nós começamos a fazer Póvoa Dão, o
departamento de urbanismo da câmara de Viseu foi convidado a ir à aldeia e chegou à
conclusão que se fosse a aplicar todas as regras, nunca era feito. Portanto tiveram que abrir
uma excepção, não descarada, mas tiveram que abrir alguma excepção sem prejudicar as regras
básicas no sentido que isso pudesse ser feito. Por exemplo, as casa antigamente, e se reparar há
determinadas casas, que se olhar para elas parece que têm duas ombreiras e têm de facto duas
ombreiras porque quando nós fizemos o projecto, aliás dessas tais três casas, uma delas o
projecto obrigava, o RGEU obrigava, por isso é que até o engenheiro lá foi, obrigava que os
vãos para cada comprimento tenham uma determinada percentagem, 1/10 não é? Ora bom,
havia zonas em que as janelas eram pequeniníssimas pois como é evidente estamos numa
região onde as janelas são pequeninas, nós dilatámos o vão, e quando vi aquilo construído
disse: “não pode ser!”. Eu olho aqui para determinadas fachadas e só vejo buracos. E aquilo
Anexo I _ Entrevista ao arquitecto Jorge Paulo Carolino 157
A aldeia de Póvoa Dão
ficou grande e não dava. Então voltámos a encolher, há muitos compartimentos lá em que não
se cumpriu essa regra.
JPC: Têm porque eu depois tive que as encolher, algumas deitei-as abaixo e fi-las de novo,
outras que dava para disfarçar, disfarçou-se. Está a ver?
SR: Sim, sim, percebo. Pronto e então a última pergunta era mesmo, mas acho que isso
também já foi dizendo ao longo do discurso, sobre as principais dificuldades portanto a
adequação funcional, a legislação mas principalmente o orçamento.
JPC: Tudo isso eram premissas que à partida deveriam ser cumpridas. Nós tínhamos um valor,
não me recordo de quanto já, mas tínhamos um valor para fazer esta obra toda, foi largamente
ultrapassado. Na legislação já lhe contei, quanto à adaptação das casas também já foi
referenciado. A partir de 2007, portanto há dois anos, as leis a maior parte das vezes saíram em
2006 e 2007, a partir desta data tudo está mais rigoroso, tem que ter uma classificação do
imóvel quer termicamente, quer acusticamente. Os imóveis têm todos que ser classificados tal
igual os frigoríficos. E portanto o que é que acontece? Nestas novas casas nós vamos ter que
ter o cuidado, já debatemos sobre isso. Uma das preocupações que nós tivemos foi que do
ponto de vista acústico, as casas estivessem tratadas e foi por isso mesmo que nós
introduzimos, e também por causa daquelas oscilações da madeira, as divisórias em pladur.
Então nós pensamos da seguinte forma, todos os espaços que ficaram assentes em lajes de
madeira, essas divisórias eram feitas em estrutura metálica, com perfilaria metálica melhor
dizendo, com duas chapas de gesso cartonado de 15mm, normalmente são 13 mas as de15mm
são mais reforçadas e postas a tapar junta percebe? No meio levava sempre lã de rocha de alta
densidade e fez-se o tratamento acústico. Porquê? Numa casa de banho, num quarto, numa
sala, pronto, no mínimo isso funciona impecável. Nos outros locais em que eram feitas as
divisórias em cima do enrocamento, depois do chão tratado, impermeabilizado, podia-se fazer
com tijolo. Portanto foi uma construção mista. Eu não me lembro de haver lajes de betão ou
aligeiradas, não me lembro, se calhar houve mas eu não tenho ideia sobre isso.
SR: E a nível térmico, por exemplo, aquelas paredes como não foram isoladas…
JPC: Não são isoladas. Aliás, elas são isoladas elas levam um revestimento pelo exterior, uma
espécie dum produto tipo sica, isso sica é uma marca, é um líquido que se borrifa tal igual
como um spray e que é hidrófugo. Deita um balde de água e a pedra não fica com a água, a
água escorre. Só que como lhe disse há bocado, quando há fissuras entre a pedra e a massa a
água chega ali e entra, por muito isolado que isto esteja e por muito que a pedra e a argamassa
estejam. Como esse filtro não é elástico, ela racha. A nível térmico, o que nós fizemos foi todo
o tratamento basicamente na cobertura porque era o único sítio onde nós podíamos. Imagine
por exemplo uma casa, se lá for ver casas nem todas têm paredes de granito, ou seja, têm
paredes de granito mas por dentro têm outro acabamento. Quando assim acontece, por alguma
razão, então púnhamos um wallmate e acabávamos aquilo e termicamente ficava resolvido. E a
cobertura, como lhe falei há bocado da onduline, a onduline é um excelente material, para além
do isolamento, termicamente é óptimo, e também levou o roofmate não é? A própria madeira
tem um comportamento térmico não é?
SR: Pois, lá está, e a pedra em si também? A pedra tanto conserva a frescura interior quando
está calor lá fora como mantém o calor lá dentro, quando a lareira está acesa?
158 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
JPC: Está bem mas a Sara aquece a casa, desliga o aquecimento e a pedra mantém alguma
inércia mas depois aquilo desaparece. E, primeiro que a pedra consiga acumular o calor, é
muito difícil. Portanto, nós tentámos utilizar todos os métodos construtivos usados na altura,
não é? Adaptando-os à tipologia das casas e às funções que elas iam ter. Utilizamos muita
mão-de-obra e muito material de madeira e utilizamos muita pedra como é óbvio. Por isso é
que encareceu imenso as casas. Nós, quando fizemos o preço do custo por metro quadrado da
casa, dessas três casas, era completamente primitivo, eram uns milhares. Depois teve que se ir
diluindo nas outras casas está a ver? Outra coisa que também tivemos que tratar com alguma
dificuldade foi o tratamento exterior, o que é que íamos lá pôr? Por causa do frio, da geada,
tudo sempre em materiais naturais. Lá está aquelas tijoleiras em algumas zonas são de barro
mas não têm vidrados porque estalam. E pronto, foram essas coisas que nós fizemos, não é?
Sara Ribeiro: Para começar, qual era o estado da construção antes da intervenção?
Sara Noro: Estava muito bom porque nós acabámos por manter quase todo o piso de cima. O
piso de cima não tinha quase sido habitado e então nem sequer tínhamos vernizes, não
tínhamos pinturas, não tínhamos nada. E estava tudo muito bom. Claro que há sempre
problemas, a casa é do início do século XX, é de 1920, 1930, por aí… Portanto temos sempre
aqueles problemas inerentes em termos de madeiras com infiltrações, com algum caruncho… E
aí em cima já tínhamos optado por ser a nossa casa, optamos também por deixar alguma coisa
à vista alguma patine do tempo. Tudo o que não fosse nossa casa, que fosse comum ou que
fosse só para hóspedes ia ter uma linguagem mais contemporânea embora com alguns
materiais que nós consideramos que são importantes na construção popular aqui na Beira.
Utilizámos muito a madeira, acabamos por optar pelo pinho porque já era o pinho que existia lá
em cima e agora aqui utilizámos pinho também, só não utilizámos o pinho nas caixilharias
exteriores porque não é tão adequado ao clima usámos uma madeira exótica que é a câmbala e
acabamos por pintar também em estufa que ficou um bocadinho mais durável. Depois
utilizamos o granito da região, aqui amarelo de Figueira, é abujardado à picola. Utilizámos
também o xisto clivado, não é bem aqui desta aldeia mas em aldeias circundantes existe xisto.
Nós acabámos por utilizar o xisto de Foz Côa, utilizámos também no mobiliário de casa de
banho, acabámos por optar também por isso e aí ficou cerrado, ficou com meio polimento, aqui
utilizámos o clivado na zona da sala. E também o ferro que acho que é um material que não era
utilizado na altura mas que é um material nobre e que nestas recuperações normalmente
funciona muito bem.
SR: Quais foram os estudos efectuados antes de iniciar o projecto? Portanto, houve algum tipo
de levantamento, de pesquisa histórica?
SN: Pronto, aconteceu-me mais o menos o que lhe está a acontecer a si. Eu vim para cá porque
fiz turismo em espaço rural em casa do meu avô como tese de licenciatura. Pronto, fiz um
estudo exaustivo de o que era o turismo em espaço rural na altura, que já foi há daqui a pouco
nove anos, quais eram as condicionantes, o que é que era a arquitectura vernacular aqui na
Beira, pronto esse género de coisas e acabei por fazer a tese de licenciatura sobre a casa do
meu avô que é aqui em Vale de Afonsinho. Depois acabei por ficar cá a morar e comecei com a
casa da Cisterna, foi a minha primeira obra e foi uma escola porque era uma obra complicada.
É uma aldeia histórica com todas as condicionantes inerentes a uma aldeia histórica.
SR: A pergunta seguinte tem a ver com isso, a casa era abrangida por algum tipo de
classificação?
SN: A Quinta de Pêro Martins, não. Está numa aldeia normal, sem condicionantes nenhumas,
quer dizer, tem as condicionantes inerentes ao edifício e ao espaço. A casa da Cisterna tinha
muitas condicionantes (…).
E então quando começamos a ver que íamos casar, que tínhamos que arranjar uma casa para
viver, ao início pensámos em comprar terreno, construir uma habitação contemporânea essas
coisas todas, até tínhamos alguma espécie de projecto e, estávamos a fazer a casa da Cisterna e
eu disse “se fizesse uma coisa deste género”. Andámos à procura, eu tenho raízes cá, o meu
pai é de Algodres, é uma aldeia aqui perto, o Miguel é que não é de cá e andámos a procura em
Algodres de uma casa, nunca mais encontrávamos nada, andávamos assim um bocado
160 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
desorientados e tristes e eu disse “bem, vamos alargar as buscas”. Eu na altura ainda estava a
trabalhar na câmara, já tinha saído, estava naquela fase de me implementar sozinha e tinha uma
colega que trabalhava connosco na altura e disse “ah! Eu tenho uma casa na minha aldeia à
venda já há imenso tempo, muito gira e não sei o quê, não sei que mais, se calhar vocês até
vão achar piada, vamos ver”. E eu vim cá com ela. Apaixonei-me principalmente pela
paisagem que é lindíssima, não é? E gostei muito da casa, achei que a casa estava muito bem
situada, estava perto da aldeia mas não estava na aldeia... E estávamos um bocadinho desviados
disso e a casa em si era muito interessante, do ponto de vista arquitectónico achei-a muito
bonita. Para já porque é uma casa relativamente recente em termos de arquitectura popular, que
é do século XX, achei que tinha as características mais interessantes da arquitectura popular e
depois achei que era grande, tinha imensa potencialidade em termos de divisões e não havia
muita obra que se tivesse que fazer de novo, ou seja, podíamos pegar na casa e trabalhar dentro
da casa. E depois entrei e vi as vigas, fiquei fascinada e fiquei fascinada com o piso de cima
que achei que estava muito bem conservado e gostei muito, gostei do sótão, gostei de tudo. E
acabámos por comprar e depois fizemos o projecto. Quando estamos a trabalhar para nós é
mais complicado, ainda demorámos algum tempo a fazer embora em termos de divisões o mais
difícil foi fazer estes quartos aqui que eram mais complicados de gerir em termos de áreas e de
funcionalidade com casas de banho. De resto esta parte foi muito simples, sabíamos que a
escada tinha que ser aqui porque tínhamos o quarto escuro lá em cima e não queríamos estar a
desaproveitar nada e era a zona mais favorável no sótão para subirmos, sabíamos que a cozinha
tinha que ser para ali para aproveitarmos as pocilgas e que aqui tínhamos que ter uma zona
mais desafogada para entrar para os quartos de hóspedes, pareceu-nos bem que a sala de
refeições fosse perto da cozinha e que tivesse um passa pratos ou uma coisa do género que dê-
se funcionalidade à sala de refeições, pronto e as coisas foram surgindo. Depois às tantas
queríamos recuperar uma lareira que tínhamos lá em cima que acabamos por não recuperar e
fizemos o recuperador de calor e estamos muito satisfeitos, se calhar a lareira não tinha
funcionado tão bem. Pronto e há sempre imponderáveis na obra que surgem, foi a parede do
cunhal que estava com problemas, foi vermos que tínhamos que fazer uma estrutura em ferro
que não estávamos a contar, estávamos a contar com pequenos apontamentos de pilares, pronto
foram surgindo coisas que tivemos que nos adaptar e é sempre, não há nenhuma obra que não
aconteça isso. Mas pronto foi uma obra relativamente fácil em relação à casa da Cisterna só
demorou um ano e três meses, foi muito rápida. Foi porque nós também estávamos sempre em
cima do acontecimento, vínhamos cá todos os dias, houve erros, houve coisas que nós agora
olhamos e sabemos que não foi como nós queríamos mas que ficava mais caro estar a tirar e
não valia a pena, houve coisas que o empreiteiro fez e que mais ninguém fazia, por exemplo
este chão parece que é muito simples, é uma coisa engraçada. Aparece a marcação das vigas
em baixo, parece uma coisa simples mas cada quadrado tem uma métrica ou seja, todas as
pedras foram cortadas à medida para caberem, nós tivemos aqui um dia inteiro a fazer a
marcação do chão, parece que é muito fácil…
SN: Parece que foi um chão facílimo de fazer, parece que chegaram aqui e foi só assentar, não
foi nada, é muito complicado. São pequenas coisas que são complicadas e que na altura nós
não pensámos, parece-nos bem em planta e depois vamos à obra e a concretização é
complicada. Mas pronto, fez-se. E o empreiteiro foi simpatiquíssimo e esteve sempre aqui,
claro que não é aquele empreiteiro perfeito, também faz erros, e as vezes nem é por ele é pelos
empregados que cá estão. Por exemplo o Miguel chegou aqui uma vez e estavam, ainda se
nota, a limpar a viga, acharam que estava suja coitada, estavam a plaína-la, íamos tendo um
colapso, mas pronto disfarçou, normalmente ninguém nota. Pronto são pequenas coisas que
olhamos e pensamos “Ai que horror! O que é que aconteceu aqui?!” mas que a maior parte
Anexo II _ Entrevista a Sara Noro, designer de interiores 161
A Quinta de Pêro Martins
das pessoas não nota. Pronto, neste momento temos tudo o que é inerente a uma obra, que
mesmo numa obra nova acontece: fissurações, algumas pequenas infiltrações, pequenas coisas
que todas as obras têm, a casa já tem quatro anos e pronto vai precisando de uma pintura, de
uns arranjos aqui, outros ali, isso é normalíssimo…
SN: Sim, e depois é assim, no turismo, o segredo é ir mudando, é ir comprando aqui uma coisa,
fazendo um lifting aos quartos principalmente, é importante. E fazer sempre coisas novas, ter
ideias tentar que os hóspedes adiram às ideias novas que aparecem, não é?
SR: Sim, sim. Pronto, isto já foi dito mas, recapitulando, aqui os critérios, princípios de
intervenção, foram essencialmente manter os materiais originais mas compatibilizando.
Portanto a maior compatibilização que se nota aqui a nível de material mas também de
estrutura foi a cintagem das vigas em ferro…
SN: É assim, aqui foi um bocado para preservar os pisos de cima que nós tivemos que fazer
isso porque nós podíamos perfeitamente ter deitado uma parte da casa abaixo e pronto. E
acabámos por se calhar gastar mais dinheiro mantendo o piso de cima do que se tivéssemos
deitado tudo abaixo e construído de novo, não é? Não tínhamos tido tantas restrições, não
tínhamos tido tantos custos e tanta dificuldade em termos de criar aqui a cintagem, não é?
SN: É assim, eu tenho umas teorias completamente… vão desde a preservação total até uma
certa reinterpretação das coisas. Por exemplo se for numa igreja, se for num edifício histórico,
numa coisa que esteja marcadamente classificada e que seja muito importante do ponto de vista
histórico e arquitectónico e estético, acho que sim, acho que se deve preservar o máximo.
Embora não tenha construído ao modo do antigamente. É assim por exemplo eu acho Castelo
Rodrigo muito interessante em termos de preservação porque as muralhas estavam quase a cair
e chegou-se a um ponto em que disseram “atenção, vamos preservar o que já existe, só nos
sítios em que seja perigoso para o visitante vir passear e cair é que nós vamos preservar e
subir um bocadinho mais.”. Então o que é que eles fizeram? Acabaram por fazer um
gateamento de juntas a marcar o que existia, o que era existente e o que era novo, o que foi
apenso, embora se tenha feito da mesma maneira que dantes mas pronto é diferente, nota-se
que teve ali qualquer coisa diferente. Pronto eu sou apologista do que é histórico não se mexer.
E, quando se mexe, ser uma coisa que seja externa ao que já existe, ou seja, que se possa deitar
abaixo e manter o que lá estava, não é? Coisas em vidro, em ferro…
SN: Exactamente, pronto. Agora em casas assim, destas, acho que uma linguagem
contemporânea não faz mal nenhum porque estamos a conseguir preservar um bocadinho da
nossa história mas adaptando ao que nós precisamos neste momento que é o conforto, a
comodidade, casas de banho, cozinhas isto não existia, não é? Portanto aqui já sou um
bocadinho mais facilitadora embora, pronto aqui as nossas paredes podem cair que a estrutura
mantém-se, não é?, porque acabamos por fazer isso assim.
SR: Pois, por exemplo, eu gostei imenso das fotografias que tinha visto na internet: aquele
alpendre com perfis metálicos. Aquilo tinha alpendre?
162 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
SN: Tinha.
SR: De madeira?
SN: Não, já tinha sido feito de novo, era uma estrutura horrível daqueles ferros finos redondos
e fazia um triângulo em cima.
SR: Pois estou a ver… mas havia marcas da antiga estrutura de madeira?
SN: Eu penso que eles tentaram fazer o alpendre só com dois pilares de madeira mas que
depois correu mal e tiveram que pôr um terceiro em ferro e acabaram depois por refazer toda a
estrutura em ferro.
SR: Porque eu realmente concordo com o que disse, com o facto de nestas casas se poder
marcar a contemporaneidade preservando os materiais, alguma vida, algo do passado… Mas
realmente acho que em certos casos, em que as pessoas acabam por entrar num certo
fachadismo ou numa certa imitação…
SR: É. Na minha opinião, o exemplo dos caixilhos é o mais emblemático, causa muitas vezes
problemas. Ou quero preservar aquela janela de guilhotina antiga e então faço-a de madeira,
conforme era exactamente, pronto obviamente os vidros já são diferentes mas pronto, conforme
era, de madeira; ou então assumo a contemporaneidade e ponho por exemplo vidro único, que
seja, pronto não sou muito apologista de plásticos, mas nem que fosse PVC…
SN: É assim neste momento nós aqui temos o problema: a madeira é muito bonita mas em
termos de pontes térmicas é…
SN: Não ainda não tivemos este problema mas é assim não temos muitas razões de queixa com
estas madeiras. Lá está, porque escolhemos uma madeira exótica. Se tivéssemos escolhido
pinho como por exemplo escolhemos na casa da Cisterna, tínhamos tido problemas muito mais
graves.
SN: Não! Não foi com os erros que se aprende, a dona da casa da Cisterna embirrou que tinha
que ser uma madeira de pinho ou uma madeira… porque ela é bióloga, e é contra o abate da
floresta amazónica…
SN: É muito ecológico, é muito bonito mas na minha casa eu quero ter conforto… Mas claro
que se eu não tivesse que fazer em madeira, eu achei que a madeira era muito importante, se
calhar se fosse a minha casa tinha optado pelo alumínio, ponto final. O alumínio que agora é
fantástico…
SN: Eu teria optado pelo alumínio. Porque é assim, realmente é verdade em termos de ponte
térmica a madeira é muito pior e mesmo com as portadas em madeira, há muita gente que se
vira para mim e diz “há mas isso não é alumínio?” E eu: “Não, não, é madeira!”.
SR: Mas por acaso é verdade, quando eu vi as fotografias pensava que era…
SR: Porque se nota, lá está porque muitas vezes quando se assume a contemporaneidade
deixam a madeira e põem caixilhos mais minimalistas e realmente quando eu vi vidro único
fiquei com essa ideia.
SN: Não, aqui a opção de vidro único foi só para dar luz por aqui temos muito pouca luz e
aquela porta já existia com aquele desenho e nós, como era a porta de entrada principal,
tentámos manter a porta como existia mas como vê, elas estão as duas abertas, aquela está um
bocado fechada mas também não ia criar muito mais luz, e nós temos pouca luz na sala, a sala
tem muita pouca luz. Aquela janela ali também não cria muita mais luz e neste momento está
sempre fechada porque não é prática de estar aberta e optámos por pôr lá o aquário e
esquecemos completamente a janela. Mas realmente temos muito pouca luz aqui e também nos
bungalows embora os bungalows estejam com vidro fosco para a privacidade dos hóspedes, se
eles quiserem ter aquilo aberto não têm que estar a ver as outras pessoas que estão a passar no
pátio e verem o que se passa lá dentro. Mas uma das coisas foi a luz porque de resto nós
tentámos manter todo o desenho de janelas que existia. Quando não estava muito bem feito, do
género, não sabíamos muito bem o que é que era porque já estavam em ferro ou qualquer coisa,
optámos pelo desenho que já existia na casa. Lá em cima era quase tudo em madeira e
mantivemos o mesmo desenho, depois aqui simplificámos um bocadinho mais nestas janelas
que foram criadas, tanto nos bungalows como aqui nos quartos, simplificámos um bocadinho
mais mas baseámo-nos numa que já existia neste quarto vermelho. Pronto, tentámos que
houvesse uma linguagem comum a todas as janelas. De resto, as portadas acho que por duas
razões porque já existiam na casa embora não houvesse cá em baixo, achei importante manter e
porque são boas para tirar frio e calor.
SR: Desculpe, agora lembrou-me: esta porta já tinha este formato? Mas não eram lojas aqui?
SN: Eram, mas esta era assim porque não tinha luz. Aqui era um portão de garagem, não, era
uma porta assim só que era só portada e não tinha luz quase nenhuma então eles tinham esta
porta assim, só para dar um bocadinho de luz. Eu por acaso agora já não lembro se aí também
tinha uma portada mas era capaz de ter. Mas realmente a casa é muito escura e nós optamos
por não abrir mais vãos. Todos os vãos que existem na casa principal… O que nós tentámos
foi: casa principal, o mais fiel possível ao existente; tudo o que foi construído de novo, nota-se
que foi construído de novo, pronto. Este sistema aqui da cozinha, tudo o que é novo, que foi
introduzido, nota-se que é novo. O resto, porque não tinha tanto interesse, porque eram
164 Reabilitação do Património Vernáculo da Beira Alta numa perspectiva turística
armazéns, porque eram sítios onde estavam as galinhas, tentámos que fossem funcionais e que
tivessem uma linguagem contemporânea e mais funcionalidade.
SN: Estava. Nós pensamos em pôr toda ou em pedra ou rebocada mas ela tem uma razão para
estar assim. Os ventos dominantes vêm daqui e ela está mais quente deste lado então eles
puseram o branco deste lado e desse lado está a pedra, não tem tantos problemas. Foi uma
inteligência na altura, não sei se depois quando houvesse dinheiro até rebocavam tudo, mas
quando nós comprámos eram duas fachadas em pedra e duas fachadas sem ser em pedra,
rebocadas. E nós discutimos um bocado isso, eu não sou apologista, por exemplo eu gosto de
Castelo Rodrigo mas custa-me um bocadinho Castelo Rodrigo não ter reboco em algumas
casas que se nota que mereciam porque foram feitas para levar reboco. Quando se vê aquelas…
SR: Cantarias?
SN: As cantarias. Quando se vê que elas saiem da parede de pedra e são direitinhas é porque
iam levar reboco e é importante que haja, lá está é a tal identidade da casa, se era para levar
reboco porque não? Porque agora está na moda a pedra à vista e qualquer dia está na moda a
rebocar e vai tudo rebocado mesmo as casas que não eram para rebocar. É assim, dantes quem
tinha dinheiro, assim há uns séculos atrás, rebocava as casas, não é? E quem tinha dinheiro
deixava as cantarias nos cunhais e à volta das janelas e das portas. Quem não tinha pintava e
depois pintava a fingir que eram cunhais. Quem não tinha dinheiro deixava a pedra à vista.
Neste momento é o contrário.
SN: Não é? E as casas acabam por perder um bocadinho de identidade portanto aqui nós
optámos por deixar o que estava. Estava tudo em pedra menos estas duas fachadas e eu acho
que ficou interessante do ponto de vista estético e cromático porque marca a casa, porque a
casa vê-se melhor sendo branca, não é? E quando subimos, ou por um lado, ou pelo outro,
conseguimos vê-la logo porque faz uma distinção muito grande entre o balcão e a casa não é?
E depois aqui no pátio também marca a entrada e distingue bastante do resto. Pronto, foi uma
opção, já estava e nós optámos por deixar.
SR: Optaram por manter, está bem. Para responder às novas necessidades, de segurança,
conforto e também turismo, portanto as leis, tiveram que ser acrescentadas infra-estruturas?
SN: Sim, não havia casa de banho, não havia cozinha, não havia água corrente.
SN: Sim daquela calha, é uma calha técnica que tem toda a parte de infra-estruturação: tem a
parte de aquecimento, tem a parte de águas e esgotos e tem a parte eléctrica.
Anexo II _ Entrevista a Sara Noro, designer de interiores 165
A Quinta de Pêro Martins
SR: E por exemplo naquelas casas de banho que estão ali naqueles anexos, aquilo está em cima
da rocha?
SN: Sim.
SR: Ah, pronto, está bem. Lá está, era isso, como é que conseguiram encaixar as infra-
estruturas? Por exemplo as salamandras deixaram, assumiram o tubo à vista, mas o resto, os
aquecimentos já foi tudo pensado em projecto? Porque, lá está, esta casa não tem pedra à vista
no interior, como se costuma usar mais na minha zona, o que dificulta se quisermos manter a
pedra à vista no interior, conseguir pôr isolamento térmico.
SN: Nós éramos para deixar pedra à vista nalgumas paredes aqui, e estou satisfeita de não
termos deixado. Para já porque tornava ainda mais escura a sala e por outra coisa, é que está
sempre sujo, aquilo suja imenso, a pedra deita areia, e torna-se sujo. Nós éramos para manter,
eu não sou muito apologista da pedra à vista nos interiores, sinceramente, acho que é muito
bonito no exterior mas no interior, é sujo, é escuro, não é muito funcional. E pronto, opinião
pessoal não é? São quase todas paredes com caixa de ar e pladur.
SN: Com isolamento térmico, algumas com acústico. Optámos pelo pladur em todas as
divisões em que não temos tijolo, é um painel sanduíche duplo com isolamento no meio, a
infra-estruturação passa toda dentro das paredes, aqui também. As únicas paredes que estão
rebocadas aqui em baixo é esta e aquela ali porque eram para ser em pedra e depois eu optei
por não as deixar em pedra. Lá em cima é tudo rebocado, só as paredes que foram construídas
de novo é que são de pladur, as outras são em tabique.
SN: As paredes de pladur sim, as outras não, são de tabique normal. Não sei se conhece o que
é que é um tabique?
SN: As exteriores não, lá em cima só temos pladur e isolamento por baixo das janelas que é
onde há as maiores pontes térmicas e optámos, para não diminuir mais as divisões, não pôr.
Mas cá em baixo todas têm.
SN: Exactamente, as paredes de tabique originais só deitando abaixo partes nas zonas onde
queríamos fazer mudanças. Depois claro que picámos tudo e voltámos a rebocar.
SR: Está bem. Pronto e em relação às principais dificuldades que têm a ver também com as
exigências, pronto tirando o dono da obra que neste caso são vocês…
SR: Exacto, mas muitas vezes… Por exemplo a nível do turismo, coisas que teve que…
SN: É assim, já tinha a experiência de outras casas e foi mais fácil. A única coisa que eu queria
pôr e que não pus foi, nos dois bungalows, uma mini cozinha, pôr um micro-ondas, e não foi
possível porque, não sei se já conhece a legislação mas num quarto directamente não podemos
ter uma cozinha. Podemos ter uma sala com 12m2 onde teríamos a kitchenett, portanto foi
impossível. Pronto, foi a única coisa que não pusemos. De resto, não houve alterações
nenhumas.
SR: E a nível de, apesar de isto ter mais de 4 anos mas, a nível de RCCTE e de…
SN: RCCTE não sabemos, não fizemos, podemos estar a respeitar, podemos não estar a
respeitar. Quer dizer, a respeitar estamos sempre…
SR: Mas não houve nenhum controlo a nível de turismo para ser aceite?
SN: Não, ainda não. É assim, houve. Pusemos o projecto a apreciação, foi aprovado e vieram
fazer vistoria, estava conforme o projecto, fizemos aquelas pequenas afinações porque há
sempre aqueles imponderáveis de obra mas vieram cá e estava tudo bem e pronto, foi a única
coisa. Eu estou aí a ver as acessibilidades, as acessibilidades ainda não tinham saído.
Acessibilidades nós optámos por não ter porque não tínhamos muita facilidade para acesso a
deficientes.
SN: Não é obrigatório, e continua a não ser e se quiser pedir isenção… Para turismo em espaço
rural não é obrigatório, e continua a não ser agora. É assim, por opção nossa na altura
pensámos e ponderámos mas era difícil porque nós temos muitos desníveis e era muito difícil
estarmos aqui a fazer isso mas, nestas últimas recuperações que temos feito, e eu estou quase
especialista em turismo em espaço rural, porque temos feito muitos aqui em Figueira e aqui na
zona, temos optado por pôr um quarto para deficientes, para pessoas com mobilidade
condicionada e temos percursos de mobilidade condicionada. Mas é assim, aqui optámos por
não ter porque era muito complicado.
SN: Não porque se não quiser ter pede isenção. Diz que dado as características da casa não é
possível, pronto.
SR: Pronto. E portanto em si não houve assim nada que impedisse, normas?
SN: Não. É assim normalmente eu faço sempre, não neste momento porque é a câmara que
legaliza os turismos, legaliza ou licencia, mas dantes eu ia sempre ao turismo com o projecto,
com o ante-projecto falar com a arquitecta e falávamos sobre essas coisas. Por exemplo, eu não
pedi que me aprovassem as kitchenett’s, eu fui antes pedir um parecer prévio e ela disse-me
que não. Pronto, e eu não avancei. Foi opção, perguntei a ver se dava, não deu portanto vamos
avançar com as coisas como estão.
SR: Está bem. Pronto, acho que é tudo, não estou a ver mais nada… Tenho aqui questões mas
em si não…
SN: Há sempre. Há sempre pesquisa histórica mas depois é assim: já tínhamos o background
do que o que era a arquitectura popular e acaba por ser um bocado tudo igual não é?
SN: É mais difícil se calhar construir um edifício de raiz e pensar orientação solar,
características da zona, clima… do que se calhar pegar numa pré-existência e pensarmos “é
uma arquitectura popular temos que fazer isto com estes materiais e com estas condicionantes
e adequar isto a este programa”. Pronto é mais fácil se calhar. Eu gosto muito mais de
trabalhar em recuperação do que em edifícios novos, pessoalmente.
SR: Pois eu também gosto imenso. E torna-se sempre mais fácil mais condicionantes tivermos.
SN: Eu acho que sim. Aquela coisa da folha em branco acho muito complicado para mim.
SN: Pois, há clientes que querem condicionantes a mais e aí torna-se muito complicado.
SR: Pois, isso sem dúvida mas no caso de uma reabilitação, portanto duma pré-existência, há
logo coisas que estão limitadas que…
SN: Sim, a estrutura, a não ser que queiramos deitar tudo abaixo, mas temos sempre aquela
coisa, são quatro paredes, não é? Não vamos sair muito daí.
SR: Exacto.
SN: Pronto e depois eu tenho o seu e-mail vou tentar mandar-lhe algumas fotografias da nossa
obra, tanto do antes como do durante…