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Missão Stardust
K. H. Scheer
O major Perry Rhodan, comandante da espaçonave Stardust, descobriu muito mais do que se supunha pudesse
existir na Lua — ele veio a ser o primeiro homem a entrar em contato com outra raça.
Os arcônidas, provenientes de uma estrela distante e possuidores de um nível tão elevado de conhecimentos
científicos e filosóficos que, perto deles, a Humanidade ainda estava centenas de milhares de anos atrasada.
Mas estes alienígenas, enormemente poderosos, recusavam-se a cooperar com os terrestres a menos que Perry
Rhodan saísse vencedor do teste mais difícil a que um ser humano jamais se submetera...
Personagens Principais
Aconselhamos o leitor a começar o livro pela segunda parte, onde iniciam propriamente as aventuras espaciais
de Perry Rhodan. Na primeira parte só há uma viagem detalhada à Lua, inteiramente fictícia.
PRIMEIRA PARTE
A Partida
No prédio principal da Central de Nevada Fields, que abrigava o centro nervoso eletrônico da base espacial,
reinava a atividade febril e aparentemente inútil que caracteriza os preparativos finais da partida de uma
espaçonave.
A única finalidade de todas as operações, dos avisos transmitidos pelos alto-falantes e dos cálculos detalhados era
controlar mais uma vez os resultados que de há muito tinham sido apurados.
Os engenheiros que formavam a equipe responsável pela parte eletrônica da nave verificaram os inúmeros circuitos
do computador astro-eletrônico, cuja finalidade consistia em proceder a eventuais correções de curso.
Realizaram, também, uma revisão no dispositivo automático B, um robô especial incumbido do controle da
decolagem e da separação dos estágios e, ainda, do comando remoto.
O computador eletrônico C, que era o robô coordenador dos ecos de radar recebidos, e ainda a estação de
comando das câmaras especiais teleguiadas do dispositivo de infralocalização, apresentava, como já se esperava,
funcionamento perfeito.
Os últimos cálculos de verificação, realizados através de computadores eletrônicos, estavam exatos até a décima
casa decimal.
O engenheiro-chefe, responsável pela manutenção, comunicou que os dois dispositivos automáticos principais —
dispositivos eletrônicos da decolagem e do controle remoto — estavam em perfeitas condições de funcionamento.
Fez-se tudo aquilo que já tinha sido feito em várias decolagens anteriores, numa rotina altamente especializada.
Só uma pequena nuança de nervosismo poderia ter revelado a um observador experimentado que desta vez não
se tratava do lançamento de uma espaçonave qualquer.
Os soldados, fortemente armados, que se encontravam na entrada norte do prédio principal, prestaram continência
com um gesto displicente.
O general Lesley Pounder, comandante da Base Aérea de Nevada Fields e chefe do Departamento de Pesquisas
Espaciais, não fazia muita questão de que em oportunidades como esta a etiqueta militar fosse estritamente
observada.
Ficava satisfeito em saber que os homens estavam bem atentos nos seus postos.
Como havia sido planejado, o general Pounder entrou na sala principal do comando à meia-noite e quinze em
ponto.
Estava acompanhado do chefe do Estado Maior, o coronel Maurice e do diretor científico do projeto, o professor F.
Lehmann, que se tornara famoso principalmente como diretor da Academia de Tecnologia Espacial da Califórnia.
A chegada dos personagens principais não causou a menor interrupção nas atividades que se desenvolviam no
interior da sala.
O general tinha chegado; era só isso.
Lesley Pounder, um homem quadrado no aspecto e no caráter, famoso entre os colaboradores, e difamado em
Washington pela intransigência com que insistia no cumprimento das suas exigências, aproximou-se da enorme
tela de controle.
As imagens, que na sala de imprensa apareciam pouco nítidas, deslizavam, aqui, em tamanho natural na tela
ligeiramente abaulada.
Pounder apoiou as mãos no encosto da poltrona giratória e permaneceu imóvel por alguns instantes.
O professor Lehmann segurou os óculos sem aro com um gesto nervoso.
Alguma coisa parecia arder dentro dele.
Na sua opinião, havia coisas muito mais importantes para fazer do que voltar a inspecionar, em companhia do
comandante das operações, coisas de importância secundária que já tinham sido controladas.
Lançou um olhar de súplica ao chefe do Estado-Maior.
O coronel Maurice ergueu os ombros de modo quase imperceptível.
Tinham que aguardar.
Ao que parecia, Pounder ainda tinha algumas perguntas a fazer, embora estivesse mais bem informado que muitos
dos membros da sua equipe de cientistas.
— Isto é belo! De uma beleza empolgante! — disse Pounder em voz baixa, enquanto olhava para a tela.
— Alguma coisa dentro de mim vive perguntando se não estamos indo longe demais.
Os peritos do Departamento de Navegação Espacial continuam a achar que é rematada loucura arriscar o
lançamento da Terra.
Não é apenas a resistência do ar que temos de vencer.
Além disso, devemos atingir a velocidade que resultaria, automaticamente, de um lançamento a partir da
plataforma espacial.
São exatamente 7,08 quilômetros por segundo, ou seja, 25.400 quilômetros por hora.
— É a velocidade em que a estação espacial tripulada percorre sua órbita, general — apressou-se o professor
Lehmann a murmurar.
— No nosso caso, essa velocidade não representa um fator decisivo.
Peço licença para voltar a insistir nas enormes dificuldades que surgiriam na montagem da nave, com peças pré-
fabricadas, realizada no espaço, fora da ação da gravidade.
Já tivemos experiências bem amargas nesse setor.
É bem mais fácil construir a nave na Terra do que a 1.730 quilômetros de altitude.
E, em termos econômicos, isto representa uma diferença, a menos, de trezentos e cinqüenta milhões de dólares por
unidade.
— Esse argumento causou uma impressão formidável em Washington — ironizou o general.
— Bem, a esta altura, não se pode alterar mais nada.
Façamos votos para que os resultados brilhantes dos vôos experimentais justifiquem o risco que, hoje, estamos
assumindo.
A bordo desta nave estarão quatro dos meus melhores homens, professor.
Se alguma coisa não der certo, o senhor terá que se explicar comigo.
Lehmann empalideceu sob o olhar gélido do general.
Mas o coronel Maurice, um estrategista hábil em manter perfeito o equilíbrio entre os interesses conflitantes da
pesquisa científica e os do poderio militar, interveio com o tato que lhe era peculiar, levando a conversa para outro
campo.
— General, peço licença para lembrar-lhe o pessoal da imprensa.
Os repórteres já devem estar ardendo de curiosidade.
Ainda não liberei informações mais detalhadas.
— Não poderíamos evitar isso, coronel? — resmungou Pounder.
— No momento tenho coisas mais importantes para fazer.
— Acho conveniente atendê-los — respondeu o coronel de forma bem sugestiva.
O Dr.
Fleet, perito em astrofísica, pigarreou.
Era também o responsável pelas questões de medicina espacial, cabendo-lhe, ainda, cuidar da boa saúde dos
cosmonautas.
De repente, Pounder sorriu.
— Muito bem.
Falarei com eles.
Mas só pelo circuito fechado de televisão.
Maurice sobressaltou-se.
Os técnicos que os rodeavam riram disfarçadamente.
Era outra das atitudes típicas do velho.
— Pelo amor de Deus, general.
Essa gente conta com a sua presença pessoal.
Foi o que eu lhes prometi.
— Pois, então, retire a promessa — sugeriu Pounder sem se mostrar impressionado.
— Mas vão dizer o diabo de nós nos editoriais — disse o chefe do Estado-Maior em tom suplicante.
— Neste caso, mandarei prender estes rapazes até que se tenham acalmado.
Veremos.
Ligue-me com eles.
Nas paredes nuas do abrigo de observação, os alto-falantes pareciam retornar à vida.
A cabeça de Pounder apareceu numa tela.
Com o seu mais cativante sorriso, desejou a todos uma manhã bem agradável.
Logo após, o rosto do general tornou-se sério, não fazendo caso das feições contrariadas dos repórteres.
De forma lacônica e em tom indiferente, como se estivesse explicando algo bem irrelevante, anunciou:
— Cavalheiros, a imagem que apareceu há alguns minutos nas telas existentes no interior do abrigo em que se
encontram corresponde a um foguete de três estágios.
Nos elementos que compõem o mesmo, foram introduzidas modificações importantes.
A decolagem terá lugar dentro de três horas aproximadamente.
Estão sendo realizados os preparativos finais.
No momento, os quatro tripulantes ainda dormem um sono profundo que lhes descansará os nervos.
Só serão despertados duas horas antes da decolagem.
Os repórteres ainda se mostravam indiferentes.
Já havia tempo que as viagens espaciais tripuladas tinham deixado de ser novidade.
Os olhos de Pounder estreitaram-se ligeiramente.
Estava antegozando os trunfos que surpreenderiam os homens da imprensa.
— Em virtude de experiências passadas, o Comando de Exploração do Espaço decidiu não montar a nave espacial
na estação orbital.
Ninguém ignora as dificuldades e os fracassos das tentativas anteriores.
Por isso, a primeira espaçonave que deverá pousar na Lua, partirá diretamente da Terra.
A nave foi batizada com o nome de Stardust.
O comandante da primeira missão lunar é o major Perry Rhodan, com trinta e cinco anos de idade, piloto de
provas da Força Espacial, cosmonauta e físico nuclear, especializado em motores de radiação atômica.
Acho que Rhodan é uma pessoa bastante conhecida, como sabem, foi o primeiro homem da Força Espacial que
contornou a Lua.
Pounder fez outra pausa.
Com grande satisfação registrou o barulhento e exaltado vozerio que seguiu suas palavras.
Alguém, aos berros, pediu silêncio.
A calma voltou a reinar no recinto.
— Muito obrigado — disse o general.
— Os senhores estavam um pouco agitados.
Peço-lhes que não formulem perguntas.
O oficial encarregado das informações tratará disso logo após o lançamento.
Meu tempo é muito curto de modo que devemos aproveitá-lo o máximo possível.
A Stardust será tripulada por uma equipe de quatro homens rigorosamente selecionados.
Além do major Rhodan, participam da expedição o capitão Reginald Bell, o capitão Clark G.
Fletcher e o tenente-médico Eric Manoli.
Um grupo de pessoas altamente especializadas tanto no terreno militar quanto no científico.
Cada um deles é possuidor de pelo menos duas especializações distintas.
Uma tripulação cujos membros se completam com uma perfeição que poucas vezes é alcançada.
Os senhores receberão, depois, fotografias e dados adicionais sobre eles.
Ao que parecia, o general Pounder não estava disposto a brindar o auditório, que se mantinha cativo às suas
palavras, com um discurso mais prolongado.
Então, silenciando as vozes que começavam a se levantar, ao mesmo tempo em que olhava para o relógio,
exclamou:
— Por obséquio, cavalheiros, as perguntas que estão formulando são em vão.
Tudo o que lhes posso fornecer são dados genéricos.
A Stardust está preparada para uma permanência de quatro semanas na Lua.
O programa de exploração a ser cumprido pelos tripulantes está perfeitamente determinado.
Depois da alunissagem bem sucedida de naves não tripuladas, resolvemos assumir o risco de enviar uma expedição
de quatro homens à Lua e, queira Deus, não cometeremos qualquer equívoco.
Como os senhores sabem, a partida da Terra consome uma quantidade enorme de energia, ainda mais que o
último estágio da nave terá que descer na Lua e voltar com os seus próprios recursos, o que não seria possível com
os engenhos convencionais de propulsão, ainda mais numa nave de apenas três estágios de dimensões
relativamente reduzidas.
— Queremos dados técnicos! — gritou alguém, exaltado.
— Serão fornecidos — resmungou o general em resposta.
— O comprimento total da nave é de 91,6 metros.
O primeiro estágio tem 36,5 metros; o segundo, 24,7 e o terceiro, que constitui o módulo que descerá na Lua, 30,4.
O peso máximo de decolagem, com os tanques de combustível completos e a carga útil, é de 6.850 toneladas,
sendo a carga útil de 64,2 toneladas.
Assim mesmo, o módulo lunar não parece muito maior que a maioria das naves de transporte.
Isto acontece porque só o primeiro estágio é dotado de propelentes químicos.
O segundo e o terceiro estágios conterão os primeiros mecanismos de propulsão nuclear.
Esta declaração foi a segunda bomba de Pounder.
Ele a soltara de surpresa.
Impassível, prosseguiu:
— O primeiro estágio usará, como combustível, a melhor composição química de que dispomos para esse fim: o
N-trietil-borazan, cujo elemento combustível é o hidrogênio-boro.
O oxigênio é fornecido pelo tradicional ácido nítrico, que desencadeia a reação de auto-ignição quando misturado
na proporção de 1 para 4,9.
A potência de empuxo é superior em 180% à da velha hidrazina, em idênticas condições estequiométricas.
Os reatores do primeiro estágio são desligados a uma velocidade final de 10.115 quilômetros por hora e a uma
altitude de 88 quilômetros.
Nesse ponto, esse estágio se desprende.
O segundo estágio já está equipado com os novos propulsores nucleares, cujo reator funciona a uma temperatura
de 3.920 graus centígrados utilizando ligas especiais obtidas por condensação molecular.
Os novos micro-reatores foram instalados em condições bastante favoráveis.
Funcionam à base de plutônio.
A energia puramente térmica por eles gerada é transmitida para as câmaras de compensação térmica ou de
expansão, através de um elemento ativo intermediário.
Como elemento de transmissão das radiações, utilizamos o para-hidrogênio líquido em estado de pureza quase
absoluta, que é aquecido e eliminado pelos propulsores.
Depois que conseguimos eliminar as perdas através da evaporação, o hidrogênio líquido passou a ser excelente
elemento transmissor de radiação.
Tivemos que solucionar problemas bastante difíceis, especialmente aqueles ligados ao ponto de ebulição
extremamente baixo do hidrogênio líquido, que começa a ferver a uma temperatura de 252,78 graus centígrados
abaixo de zero.
O mecanismo de propulsão nuclear funciona a uma velocidade de escapamento de 10.102 metros por segundo,
velocidade que, em hipótese alguma, poderia ser atingida através de uma reação química.
Posteriormente, lhes serão fornecidos outros dados a respeito.
“A Stardust será lançada às três horas e dois minutos.
Vai descer junto à cratera Newcomb, perto do pólo sul lunar.
Estamos interessados em descobertas relativas à face oculta da Lua mas, devido às limitações da comunicação pelo
rádio, deveremos manter um homem na face visível.
Como é do conhecimento de todos, as ondas de rádio se propagam em linha reta.
Os tripulantes farão, também, extensos passeios no solo lunar com um novo tipo de veículo exploratório.
Por ora, isso é tudo, senhores.
Transmiti-lhes todas as informações essenciais.
Outros pormenores detalhados, inclusive técnicos lhes serão fornecidos pelo oficial encarregado pelo setor.”
***
II
A capacidade de empuxo do mecanismo de propulsão chegava a 1.120 toneladas a uma velocidade de radiação de
10.102 metros por segundo.
O ponteiro de minutos do relógio saltou para o mecanismo seguinte.
Eram três horas e um minuto.
Faltavam, pois, sessenta segundos para o lançamento.
Rhodan voltou a cabeça.
O movimento tornou-se um pouco difícil uma vez que ele estava literalmente afundado na camada de espuma de
borracha que revestia os assentos-leitos.
— Tudo bem com vocês? — perguntou.
A resposta resumiu-se a um sorriso.
Todos ouviam a voz monótona do encarregado pela contagem regressiva.
O último minuto havia chegado.
E, embora todos eles já tivessem inúmeras vezes ironizado aquele paulificante desfilar de números, desta vez até
isso tinha mudado.
A lembrança do reator atômico logo abaixo deles era como um pesadelo.
— ...dezoito, dezessete, dezesseis, quinze...
Rhodan aproximou o microfone dos lábios.
— Mensagem final da Stardust à Central — irrompeu sua voz pelos alto-falantes.
Era ouvida em toda parte, inclusive no abrigo isolado para a imprensa.
— Tudo bem a bordo.
Voltaremos a chamar após a ejeção do primeiro estágio.
Câmbio final.
— ...três, dois, um, zero, seqüência de ignição iniciada.
Era a mesma coisa de sempre.
Eles sabiam que, apesar de todo o cuidado concernente ao isolamento acústico, o corpo do foguete constituía-se
em um excelente corpo de ressonância.
E nem mesmo a divisão por estágios podia alterar isso.
Ouviram o borbulhar e o chiado das turbobombas instaladas embaixo, no interior do primeiro estágio.
Depois, teve início o ribombar, ainda hesitante, da pré-ignição, seguido imediatamente pelo barulho infernal das
substâncias químicas que reagiam entre si.
O N-trietil-borazan, que servia de combustível, misturou-se com o ácido nítrico que desprendia o oxigênio.
O processo químico teve início, com monstruosa potência nas 42 câmaras de combustão do primeiro estágio.
As línguas de fogo que reluziam numa incandescência branca, romperam a escuridão da noite.
O uivo da onda de compressão desencadeado pelo processo de ignição tomou conta do espaço até se perder no
trovejar ensurdecedor do gigantesco mecanismo de propulsão.
A Stardust ergueu-se lentamente.
À ascensão tranqüila, seguiu-se uma série de movimentos laterais inquietantes no terço superior da nave.
Era o instante mais crítico do lançamento.
Travava-se, naquele segundo, a luta entre os dispositivos de estabilização e o mecanismo de propulsão que parecia
querer desequilibrar o gigantesco foguete que mal iniciara sua arrancada rumo ao espaço.
Mas os dados fornecidos pelo computador de bordo indicavam que a perigosa inclinação já havia sido corrigida.
As exclamações de entusiasmo dos repórteres submergiram no barulho ensurdecedor.
Parecia o fim do mundo.
Era um barulho enorme e indescritível que só poderia ser superado pelo produzido pela explosão de um artefato
nuclear.
Nem mesmo no interior dos abrigos era possível compreender as palavras proferidas.
Quem não usasse isoladores no ouvido, via-se condenado temporariamente a uma surdez absoluta.
Os lábios se moviam e as mãos transmitiam sinais breves mas não se ouvia uma única palavra.
E os gestos pareciam revelar um esforço intenso e uma grande tensão nervosa.
Afinal, a nave começou a ganhar velocidade e iniciou sua trajetória, como se estivesse ávida para entrar no seu
elemento.
O ruído parecia aumentar aos poucos.
A torrente ígnea que escapava das câmaras de combustão chicoteava a plataforma com tremenda fúria que o céu
tornou-se de um rubro sangüíneo.
Instantes depois, em perfeito equilíbrio, o gigante subia verticalmente até que a esteira luminosa que o seguia fosse
vista como um débil ponto de luz que aos poucos desaparecia no céu estrelado.
Ouviu-se um estalo vindo dos alto-falantes e o rosto do general Pounder surgiu na tela.
— A nave espacial Stardust foi lançada exatamente às três horas e dois minutos, conforme as previsões —
comunicou com voz calma.
— Não houve qualquer ocorrência extraordinária, tudo correu bem.
Os senhores poderão ouvir os comunicados radiofônicos dos pilotos.
Falta pouco para a separação do primeiro estágio.
A aceleração máxima final é de 9,3G.
Dentro de três minutos aproximadamente a nave Stardust deverá penetrar no campo alcançado pela estação
orbital.
Dali em diante os senhores voltarão a vê-la nitidamente, podendo acompanhar a separação do segundo estágio.
Quero salientar mais uma vez que só deverão deixar o campo de Nevada Fields depois que a Stardust tiver
pousado na Lua.
Estamos guardando uma surpresa.
É só.
O general Pounder concluiu com um sorriso.
Vinda do sistema de alto-falantes, ressoou outra voz, esta, de um dos técnicos.
— Cinco segundos para a separação do número um.
Funcionamento perfeito, nenhum desvio de rumo...
dois...
um...
contato!
O dispositivo eletrônico realizou a operação com incrível precisão.
Não houve movimento de mãos ou de um dedo sequer.
Apenas olhos febris que espreitavam, nervosos na sala de comando e, contrastando com esta ansiedade, a estóica
paciência dos repórteres.
Nos alto-falantes, soou o sinal acústico que indicava o final da operação.
E, de repente, surgiram dois corpos distintos na tela do radar.
Neste instante, o sistema de aterrissagem por controle remoto assumiu o comando do primeiro estágio, trazendo-
o de volta ao chão.
A tripulação dispunha de um intervalo de oito segundos.
O computador de bordo já preparava a ignição do segundo estágio.
A voz de Rhodan soou, tranqüila.
— Rhodan falando.
Nenhum desvio de curso.
Indicações normais, vibrações dentro dos limites normais.
Tripulação pronta para ignição do segundo estágio.
Câmbio final.
Era tudo o que tinha a dizer e o bastante para os cientistas e supervisores da estação situada na Terra.
Prosseguindo sem qualquer força propulsora, a Stardust precipitava-se em direção ao vazio do espaço.
Rhodan lançou um rápido olhar ao redor de si.
Tudo parecia em ordem para o capitão Bell; Fletcher e Manoli também tinham suportado muito bem a força de
9,3G.
Agora era a vez do mecanismo de propulsão atômica do segundo estágio.
Rhodan sentiu a palma das mãos úmidas, mas seus sentidos experimentados não registraram qualquer ruído
anormal.
Reinava o mais absoluto silêncio.
Subitamente veio um arranque violento acompanhado de um uivo estridente que parecia invadir todas as
moléculas do material de que era feito a nave.
Mais uma vez, o corpo do foguete funcionou como câmara de ressonância.
Depois de alguns instantes, a aceleração subiu para 8 G.
Com isso, teve início a tremenda sobrecarga imposta ao organismo dos tripulantes mal refeitos do primeiro
esforço.
Rhodan sentiu o efeito do poderoso medicamento destinado a regular a circulação.
Por enquanto o organismo estava suportando a provação, apenas a respiração transformara-se em verdadeiro
martírio.
Incapaz de mover um dedo, fitou, com os olhos embaçados, os painéis de controle situados em sua frente.
Os sete segundos decorridos até o momento em que a tremenda pressão fosse reduzida ao valor normal de 1 G
pareceram uma eternidade.
Tratava-se de uma pausa para recuperação, fixada com base em cálculos exatos, nos quais se considerava a enorme
potência do sistema de propulsão.
Com a voz rouca, Rhodan gritou um tudo bem! e a resposta que se seguiu foi, para ele, ininteligível.
Após isso, veio o segundo intervalo de aceleração do estágio número dois.
Ainda não estava esgotada a reserva de combustível.
Três segundos depois da segunda ignição foi ultrapassada a velocidade de deslocamento da Terra.
Os indicadores dos velocímetros indicavam 11,5 quilômetros por segundo.
Os reatores do segundo estágio se extinguiram a uma velocidade de 20 quilômetros por segundo.
Novamente a separação se realizou de modo súbito, sem a menor transição de tal modo que a ausência de
gravidade que se seguiu produziu o efeito de uma tremenda martelada.
Os tripulantes sentiram-se impelidos para cima.
Uma força selvagem parecia comprimir seus corpos contra os cintos que os prendiam nos leitos.
Por alguns instantes, Rhodan perdeu a consciência.
Quando voltou a abrir os olhos, viu, através da vermelhidão que parecia envolvê-lo, que já se encontravam no
espaço exterior.
A correção de rumo já tinha sido levada a efeito.
Bem atrás deles, o segundo estágio, que já podia ser visto nas telas, estava sendo conduzido para o curso de
retorno pelo controle de Terra.
A essa altura, a Stardust já ultrapassara a órbita da estação espacial.
Prosseguindo em velocidade constante, encontrava-se a 3.250 quilômetros acima da superfície da Terra.
Agora dispunham de alguns minutos de descanso.
Teoricamente a velocidade da nave, no momento, devia ser suficiente para liberá-la em definitivo da ação da
gravidade terrestre.
Ainda segundo a teoria, estaria em condição de atingir qualquer ponto do universo independentemente de
qualquer propulsão.
Todavia, um enorme abismo separa a teoria da prática.
A gravidade da Terra tinha sido superada, mas a Terra ainda se fazia sentir, influenciando o vôo da espaçonave.
Além disso, o simples prosseguimento da viagem não bastava.
Ainda tinham que ser realizadas inúmeras manobras, para as quais a essa altura não se dispunha de dados precisos.
Os desvios de rota, por ínfimos que fossem, tinham sido calculados e corrigidos.
E também era necessário corrigir diferenças ainda menores nos valores-limites teóricos da velocidade, que,
ultimamente, tinham causado dificuldades por ocasião das manobras de aproximação.
O leito de Rhodan dobrou-se, formando uma macia poltrona.
O painel de instrumentos acompanhou o movimento, ficando, agora, em frente a ele, e não acima.
Foi uma sensação de alívio.
Reginald Bell recuperou-se com expressões menos sociáveis.
O capitão Fletcher fez ouvir uma tosse áspera e seca.
Nos cantos da sua boca havia sangue coagulado.
— Foi duro, muito mais duro que das outras vezes — disse Rhodan com voz grave.
— Nos últimos segundos, levaram-nos a 15,4 G.
Com isso, atravessamos o perigoso cinturão de radiação.
O que houve com você, Fletcher?
Fletcher estava pálido.
Seu rosto bochechudo perdera as cores sadias.
Apenas o brilho do seu cabelo continuava inalterado.
E, torcendo os lábios num gesto triste, gemeu:
— É o diabo.
Seria bom que eu descesse antes de fazer mais tolices.
Com 7 G ainda estava com a ponta da língua entre os dentes.
Foi uma estupidez.
A primeira coisa que se ensina a qualquer aluno da academia é que deve abster-se de gestos dessa espécie.
Logo eu...
Ao concluir, encolheu os ombros.
Seu rosto contorcia-se de dor.
Rhodan lançou-lhe um olhar perscrutador.
E disfarçou a expressão indagadora com um sorriso frio.
As solas magnéticas das botas de Bell estavam na chapa metálica do piso.
Cambaleando, lutava para equilibrar-se.
Enquanto o sistema de propulsão da Stardust estivesse parado, não tinham peso.
Sem dizer uma palavra, venceu os poucos passos que o separavam de Manoli, erguendo e voltando a colocar no
piso as solas magnéticas com movimentos pesados.
Depois de segurar ligeiramente o pulso de Manoli, fez um sinal de alívio.
— Está bem — disse laconicamente.
— Logo estará de volta.
O pulso trabalha que nem um mecanismo de relógio.
Mostre a língua, Fletcher.
Vamos logo! Abra a boca!
Um filete de sangue escorreu-lhe por entre os lábios.
Era problema para o Dr.
Manoli.
O comandante girou para a direita o regulador de volume e os sons confusos do rádio tornaram-se audíveis.
Enquanto isso, o Dr.
Manoli se recuperava.
Rhodan ouviu o leve chiado do mecanismo hidropneumático.
O leito de Manoli transformou-se em poltrona e alguns instantes depois, ele estava de pé ao lado de Fletcher.
— Que sorte! — disse o médico.
— Não chegou a cortar a língua, foi apenas um ferimento quase superficial.
Preciso de uns dez minutos.
É possível?
— É.
Pode começar, doutor.
Bell, registre na fita magnética os últimos valores do computador central.
Quero um cálculo de controle.
Vamos adiar as etapas seguintes por doze minutos.
Avise-me logo que terminar.
Poderemos compensar a perda de tempo com quatro segundos de potência total.
Alguns instantes depois, o rosto de Rhodan apareceu na tela da estação da Terra.
Pounder, que estava de pé diante do microfone, nervoso e inquieto, respirou aliviado.
— Stardust para Nevada Fields — soou a voz forte e clara na sala da Central de Comando.
— O capitão Fletcher sofreu um ferimento leve.
Mordeu a língua.
Manoli está estancando o sangue.
O ferimento poderá ser tratado com extrato de plasma.
Preciso de um adiamento de doze minutos.
Câmbio.
Pounder ergueu-se.
Seu olhar lançado em direção ao professor Lehmann disse tudo.
O cientista confirmou com ligeiro aceno de cabeça.
Era perfeitamente possível.
Havia uma margem de segurança prevenindo contra incidentes inesperados como esse.
O computador começou a trabalhar.
Alguns segundos depois, os valores corrigidos estavam disponíveis.
Foram transmitidos automaticamente para a Stardust por meio de uma antena direcional especial.
O painel iluminou-se diante do capitão Bell.
As calculadoras automáticas da nave, pequenas mas eficientes, acusaram o recebimento.
Para todos os efeitos, num instante foram inutilizados os resultados de uma série enorme de cálculos.
Novas cifras cruzaram o espaço e, em poucos segundos, um plano de vôo foi inutilizado e convertido em valores
inteiramente novos.
Os dedos de Bell martelaram o teclado para registrar os dados recebidos.
Rhodan transmitiu as informações de rotina relativas a radiações, resultados das mediações, temperatura, pressão
da cabine e estado de saúde dos tripulantes.
Manoli não gastou mais que onze minutos para colocar Fletcher em condições.
Os pequenos pontos estavam praticamente invisíveis.
Fletcher olhou, encabulado, para os companheiros.
— Da próxima vez, use o dedo, neném — disse Rhodan.
— Ele agüenta mais que a língua.
Os encostos das poltronas voltaram a inclinar-se para trás.
Logo após teve início a música assombrosa daquele mecanismo, cujo funcionamento ainda encaravam com receio
e expectativa.
Era o mecanismo de propulsão nuclear que, no segundo estágio, revelara um funcionamento excelente em
idênticas condições.
Voltou-se a ouvir o ronco selvagem e sentiu-se o solavanco pesado.
A aceleração, porém, só subiu para 2,1G.
Isso não causou qualquer dificuldade para Rhodan e sua tripulação.
Seguida por um raio chamejante de hidrogênio aquecido a uma temperatura elevadíssima, a nave foi impulsionada
numa velocidade vertiginosa para as profundezas do espaço.
Uma vez superados totalmente os problemas da decolagem, surgiram as dificuldades mais sérias de uma viagem
espacial.
Rhodan ouviu o barulho retumbante, agora uniforme, emitido pelo mecanismo de propulsão atômica.
A chama branco-azulada, suspensa no espaço vazio, seguia de perto a nave.
Resultava da combustão do hidrogênio líquido, submetido a um processo de expansão forçada na câmara
aquecida pela energia atômica.
O abastecimento do reator seria suficiente para mais de um ano.
Todavia, era necessário ter cautela com o elemento irradiante.
A reserva dele era limitada.
Uma vez esgotados os tanques, não havia mais nenhum elemento que pudesse ser expelido da câmara de
combustão.
Dessa forma, até mesmo o mais eficiente dos reatores se tornaria inútil.
Respirando pesadamente no seu leito, enquanto transmitia a intervalos regulares seus breves comunicados para os
receptores da estação espacial, Rhodan pensava nesse mecanismo propulsor, maravilhoso mas ainda primitivo.
Por enquanto, o empuxo só podia ser obtido indiretamente através do elemento intermediário formador do jato
de propulsão.
Será que um dia o homem conseguiria construir um mecanismo propulsor atômico puro? Seria um motor
superpotente, cujo limite de velocidade ficaria situado perto da velocidade da luz.
Com grande esforço, Rhodan torceu os lábios.
Sentia vontade de rir.
Ao que parecia, Reginald Bell entretinha pensamentos semelhantes.
Subitamente, gemeu:
— Juro que para os heróis de romance tudo é mais simples.
Eles não têm o problema da compressão provocada pelo impulso da nave, e nunca mordem a própria língua.
Como vai, Fletcher? Será que você agüenta? Vai demorar mais alguns minutos.
Daqui a cinco segundos subimos para 8,4G.
Tudo bem?
— Tudo bem — fungou o gigante pelo intercomunicador.
Nos fones de ouvido percebia-se a sua respiração ruidosa.
— Tudo bem.
Santo Deus, estamos a caminho.
Um dia contarei a meu filho.
Seus olhos serão redondos e brilhantes que nem bolinhas de mármore polido.
Fletcher ficou calado.
Sentia um cansaço profundo.
Só mesmo uma pessoa de organismo resistente, bem treinada, conseguiria falar claramente a um nível de
compressão ligeiramente superior a 2 G.
E, embora todos os tripulantes fossem capazes disso, o Dr.
Manoli abriu mão da oportunidade.
Em compensação, deu mostras dos seus sentimentos através da sombra de um sorriso suave.
Estavam a caminho.
A decolagem ficara para trás.
O que estava por vir dependeria da capacidade de raciocínio e de reações extremamente rápidas.
As forças de compressão, horríveis mas inevitáveis, estavam praticamente superadas.
Haviam deixado para trás a Terra, aquela gigantesca bola verde-azulada que se afastava lentamente.
Podiam sentir-se superiores à vida ligada à Terra; no momento essa sensação ainda os dominava.
Só a mente cristalina de Rhodan não acompanhou esse sentimento.
Ninguém percebeu o brilho desconfiado dos seus olhos.
Ainda não tinham chegado.
Ainda não tinham pousado na Lua.
E ainda não estavam preparados para a volta à Terra.
Desta vez, o programa não previa apenas um contorno relativamente seguro da Lua, mas um pouso extremamente
difícil no satélite da Terra.
III
SEGUNDA PARTE
A Interferência
I
O contato veio.
Os ruídos que o seguiram irromperam pelos amplificadores como uma torrente de água.
Os silvos extremamente agudos pareciam arrebentar os ouvidos dos tripulantes sobressaltados.
Por uma fração de segundo, Bell olhou para frente sem nada compreender.
Depois, seu rosto largo contorceu-se numa careta de pânico.
Rhodan enrijeceu os músculos e permaneceu absolutamente imóvel.
Uma vez superado o tremendo golpe, ele reagiu com a rapidez do raio.
Com um estalo, sua mão direita ligou a chave reservada para situações de acidente.
As fitas magnetizadas prenderam os homens aos assentos que se dobraram para trás.
Todos os membros da tripulação ouviram o estridente sinal de alarme emitido pelo dispositivo automático.
O computador da nave informava de forte interferência.
As lâmpadas que se acendiam demonstravam que o impulso de inversão de curso, emitido pela estação de
controle da Terra, não havia chegado à nave.
E o computador acusara, de imediato, os graves riscos que a missão corria.
As luzes dos diagramas se acenderam automaticamente e sem a menor incorreção.
— Desvio — gritou Bell fora de si.
— Não chegou nenhum impulso de ignição.
Estamos caindo para além do ponto de alunissagem.
As interferências estão impedindo a recepção dos impulsos de controle central.
São transmitidos exatamente na nossa freqüência! De onde virão?
Rhodan não perdeu tempo para pensar.
A superfície lunar, iluminada pelo sol nascente, aproximava-se em velocidade vertiginosa.
Rapidamente, ele desligou a chave geral, interrompendo todos os contatos com a Terra.
O uivo demoníaco dos instrumentos terminou.
Cessou repentinamente, como se nunca tivesse existido.
Uma campainha começou a emitir um som estridente.
Uma voz gravada em fita do dispositivo central de direção faz-se ouvir:
— Computador eletrônico central assume procedimentos automáticos para pouso.
Cálculos sendo executados.
Completos.
Iniciaremos a alunissagem.
Impulso de emergência QQRXQ sendo conduzidos com intensidade máxima para canal 16.
Iniciando alunissagem.
Era o que algum técnico tinha gravado na fita antes do lançamento.
Contudo, a intenção que todos tinham de pousar, diferia completamente da situação que estava ocorrendo.
Em um gesto desesperado, tratavam de fazer a nave descer de qualquer maneira.
Naquela altura, já não era mais possível arremeter e iniciar o caminho de retorno.
A superfície lunar estava muito próxima e a velocidade da queda voltaria a subir para mais dois quilômetros por
segundo.
Nessas condições, a indispensável mudança de direção teria consumido tempo demais.
Tratava-se de um pouso de emergência que teria que ser realizado fossem quais fossem as circunstâncias.
Pouco importava que abaixo da popa flamejante se estendesse uma planície ou se erguesse a encosta de uma
cratera de rochas agudas e paredões íngremes.
O mecanismo de propulsão entrou em funcionamento.
Os dispositivos fizeram a nave girar com tamanha rapidez que ela assumiu imediatamente a posição vertical.
A proa pontuda apontava para o céu absolutamente escuro que na Lua, desprovido de atmosfera, se identificava
com o espaço sideral.
Alguém gritou alguma coisa.
Ninguém sabia quem.
Rhodan não deu ordens à tripulação.
Não faria nenhum sentido.
Numa situação como aquela, nenhum homem poderia fazer qualquer coisa, nem mesmo ele, que reagira
imediatamente.
Os cálculos e as manobras necessárias só podiam ser feitos pelos computadores.
O cérebro humano não funcionaria com tamanha velocidade, mais ainda numa situação angustiante como aquela.
A encosta recortada de uma cratera surgiu na tela que estava acoplada ao dispositivo que captava as imagens do
exterior da nave.
As paredes da cratera estavam iluminadas pelo jato incandescente expelido pela câmara de combustão.
Bell gritou alguma coisa.
E era de admirar que com 16 G de pressão ainda conseguisse emitir algum som.
Ouviram-se, então, fortes ruídos abafados.
Um novo solavanco afundou-os nas camas pneumáticas.
A estrutura da nave rangeu como se fosse partir ao meio e algumas conexões e instrumentos se quebraram.
Logo, seguiram-se vibrações e sacudidelas intensas.
Mas, antes que as oscilações da nave cessassem, fez-se um silêncio tão profundo e repentino que os sentidos
puseram-se em alerta.
O barulho feito pelos suportes de alunissagem também havia cessado e o indicador pendular indicava que a nave
estava em posição vertical.
Uma lâmpada verde, acima de Rhodan, brilhava sem cintilações, emitindo uma luz tranqüila e constante.
Em meio ao silêncio, ouviu-se uma estridente e histérica gargalhada.
— Capitão Fletcher!
Rhodan não falou alto, mas sua voz tinha algo de cortante.
Os sons agudos cessaram.
Quando Fletcher se calou, as linhas duras do rosto de Rhodan se descontraíram.
Nos olhos do comandante surgiu uma expressão calma.
— Está bem, Fletcher, esqueça!
A lâmpada verde brilhava e por meio dela o computador central transmitia um sinal silencioso.
A nave estava de pé e, aparentemente, sem maiores avarias.
Bell exibia um sorriso de espanto.
Parecia recusar-se a crer no que acontecia.
O Dr.
Manoli ficou, como sempre, calado.
Os olhos negros davam vida ao rosto pálido.
Pareciam indagar.
Rhodan causaria, ainda, um choque aos tripulantes.
Naturalmente, eles esperavam alguma observação sobre o pouso de emergência bem sucedido.
Seria um procedimento óbvio.
Qualquer homem normal teria reagido dessa forma, nem que fosse apenas por meio de um breve suspiro de alívio.
Era de se esperar que surgisse alguma atitude relacionada com a angústia terrível dos últimos instantes.
Mas Rhodan reagiu de outra forma:
— Fletcher, você vai fazer o favor de verificar imediatamente a localização da emissora desconhecida que provocou
a interferência.
Os dados estão gravados nas fitas magnéticas do computador central.
Quero ver se você é bom mesmo em matemática!
E nada mais disse.
II
O nome do homenzinho vivaz que exibia um rosto jovial sob a calva enorme era Allan D.
Mercant.
Era sempre fácil reconhecê-lo graças à faixa de cabelos que lhe circundava a cabeça e cujo tom castanho-dourado
era interrompido por algumas mechas grisalhas nas têmporas.
Allan D. Mercant era uma criatura pacata; uma dessas almas piedosas que retiram minhocas e insetos das alamedas
de um jardim para evitar que sejam pisados.
Mas essa fragilidade aparente era apenas no que dizia respeito à sua vida íntima.
No que concernia ao aspecto funcional, ele era o homem-forte, a eminência parda do Conselho Internacional de
Defesa, que trabalhava em estreita colaboração com os organismos de defesa e serviços secretos do Ocidente.
A OTAN supervisionara a criação do Conselho Internacional de Defesa dando-lhe a denominação oficial de Agência
de Informação e Segurança.
Assim, Mercant estava subordinado diretamente ao alto-comando da OTAN.
Quando ele entrou no salão de conferências em companhia de um homem de meia-idade, o ruído abafado das
conversas parou.
O general Pounder, chefe da Força Espacial, fez as apresentações.
Tratava-se de uma reunião secreta que estava sendo realizada no prédio da Administração Nacional de
Aeronáutica e Espaço — NASA — em Washington.
Allan D. Mercant não tomou o tempo dos presentes com rodeios.
O rosto juvenil e moreno, encimado pela testa larga, era amável e muito simpático.
Apontou para uma pilha de jornais que se via numa das extremidades da mesa.
— Cavalheiros, acho que não há mais necessidade de conversarmos a respeito da causa destas notícias.
Compreendo, general, que lhe tenha sido impossível manter os repórteres indefinidamente em Nevada Fields.
De qualquer maneira, recebemos um número considerável de críticas, algumas em termos bastante enérgicos, mas
creio que o coronel Kaats tenha conseguido contornar as mesmas, solucionando-as a contento.
O homem de meia-idade que estava a seu lado confirmou com um aceno de cabeça.
O coronel Kaats era da Polícia Federal e exercia as funções de chefe da Divisão Especial de Defesa Interna.
— Algumas notícias veiculadas pelos jornais e pela televisão são bastante inquietantes.
Segundo estas fontes, a Stardust não desapareceu, apenas, mas caiu sobre a superfície da Lua.
Às vezes, as notícias são tão ricas em pormenores que não podemos deixar de nos perguntar até onde elas são
verdadeiras.
As fontes destas informações nos parecem o ponto de maior importância.
Faço estas considerações apenas para situá-los com maior perfeição dentro de todo o problema.
E posso adiantar que já começamos a investigar com o maior cuidado.
Mercant olhou pensativo seu relógio, antes de prosseguir.
— O fato é que a nave Stardust está desaparecida há mais de vinte e quatro horas.
Por enquanto, preferimos considerar a idéia de simples desaparecimento, o que nos deixa, ainda, com uma
pontinha de esperanças.
O ponto que me interessa é a opinião dos senhores sobre os editoriais de alguns dos jornais de maior circulação,
nos quais se afirma, clara e expressamente, que teria sido recebida uma mensagem de socorro procedente da nave
espacial.
Teria sido o sinal QQRXQ que, no código da Força Espacial, designa um ataque, uma perturbação proposital do
controle remoto e a iminência de uma queda.
Caso isto tenha ocorrido, peço que me sejam fornecidos dados completos.
Allan D.
Mercant cumprimentou os presentes com um gesto amável e sentou-se.
Com um movimento cansado, o rosto marcado por rugas de preocupação, o general Pounder levantou-se.
Sua voz parecia fraca e era indisfarçável um tom de desapontamento.
— O senhor tem razão.
O sinal QQRXQ designa esses conceitos.
Não sabemos, ainda, como certos repórteres conseguiram o código.
Pedi providências ao nosso setor de segurança mas, até agora, não tivemos qualquer resposta.
A recepção do sinal, porém, não tem nada de misterioso.
Algumas das maiores estações de rastreamento estavam com suas antenas apontadas para o pólo sul lunar e
tínhamos pedido, também, o auxílio dos maiores observatórios do mundo.
É bastante viável que algo tenha transpirado, o que, evidentemente, não explica o conhecimento do código por
parte de alguns dos jornalistas presentes à base.
É tudo o que tenho para informar.
— Esqueçamos, por enquanto, estes fatos.
Gostaríamos de saber o que aconteceu, realmente, com a nave.
Admite a possibilidade de uma interferência consciente e proposital nas mensagens do controle central? Pelo que
eu soube, por intermédio de peritos no assunto, isso só seria possível por meio de um emissor colocado na Lua.
Pounder inclinou a cabeça.
Nos seus olhos cintilou um reflexo de raiva impotente.
— Por mais absurdo que possa parecer, é isso mesmo.
Não há qualquer outra possibilidade.
Fizemos, nas últimas vinte e quatro horas, uma verificação detalhada e completa de toda a nossa aparelhagem.
E excluímos completamente a eventualidade de uma falha em nossos equipamentos.
Segundo, também, uma análise acurada dos fatos, chegamos a duas conclusões.
Pounder tirou um lenço e enxugou o suor da testa.
Respirando pesadamente, prosseguiu:
— O major Rhodan pode ter dado um sinal codificado errôneo, ou então os receptores da nave foram danificados
com a forte interferência.
No que diz respeito ao major Rhodan, achamos impossível que um homem com as qualificações do major possa
ter cometido um erro tão absurdo.
O senhor sabe que ele é considerado o mais experimentado piloto de provas e cosmonauta de nosso país.
Além disso, os cálculos efetuados provam que no momento decisivo, o foguete escapou ao controle de terra.
Considerando o ângulo da queda, a gravidade lunar e o peso da nave, esta deve ter tocado o solo a cerca de
sessenta ou setenta quilômetros da região polar.
É bastante provável que tenha realizado um pouso de emergência sem maiores danos.
Embora não possamos deixar de admitir a possibilidade de ter havido perda total.
Quem sabe?
Os olhos de Mercant, antes límpidos, tornaram-se sombrios.
O coronel Kaats pigarreou discretamente.
Os dados conferiam com aqueles coletados pelo serviço de defesa.
— Admitamos, general apenas admitamos que o equipamento de bordo tenha sido avariado por força de uma
interferência muito forte.
Qual a conclusão que devemos tirar disso? — disse Mercant, falando devagar.
Pounder pareceu perturbar-se com a pergunta.
Seu rosto pálido tornou-se quase rubro.
— Pelas informações recebidas, senhor, um foguete da Federação Asiática teria subido ao espaço juntamente com
a Stardust.
Se esta nave atingiu a Lua antes da nossa, e se pousou no mesmo local previsto para a alunissagem desta última,
pode ter realizado uma interferência bem sucedida na mesma freqüência por nós utilizada.
— O senhor acha que uma operação como esta pressupõe conhecimentos muito detalhados por parte dessa
gente? — perguntou Kaats incrédulo.
— É claro que sim! — exclamou Pounder irritado.
— Acho que cabe ao serviço secreto esclarecer este ponto.
Sou especialista em naves espaciais, coronel, todavia quero ressaltar que uma interferência como a que foi feita nas
nossas emissões só pode ter sido realizada por um transmissor colocado na Lua, se é que a nave recebeu um
ataque deste tipo.
E há bastante razão para se crer nesta possibilidade.
Nós operamos o transmissor mais potente do mundo.
Se alguém tentasse uma interferência partindo da Terra, ainda assim nossos sinais teriam chegado à Stardust.
Só mesmo um transmissor colocado na superfície lunar poderia conseguir interferir com sucesso nas nossas
transmissões.
Pounder sentou-se com um movimento brusco.
Parecia esgotado.
Mercant fitou-o sem proferir uma palavra.
Estava com a testa franzida.
— A Defesa Internacional cuidará do caso — decidiu.
— Não demoraremos a saber se o comandante da Stardust cometeu algum engano lamentável ou se houve
interferência de interesses estranhos.
Não seria viável admitir a idéia de, por exemplo, uma falha no equipamento de bordo da nave?
O professor Lehmann ergueu a cabeça estreita.
Parecia procurar as palavras mais adequadas.
Depois, disse, indignado:
— A Stardust não apresentou qualquer defeito.
Seu mecanismo funcionou perfeitamente.
No momento não posso apresentar os dados que disponho para comprovar o que digo.
Só esperamos que a tripulação entre em contato conosco.
Se os homens chegaram ao solo lunar sãos e salvos, Rhodan encontrará um meio.
Os receptores da nossa estação espacial estão ligados.
Caso Rhodan consiga chegar à face visível, poderá transmitir sinais de rádio.
Até então, só nos resta esperar.
Não há outra alternativa.
— Dentro de quanto tempo estará pronta para lançamento a nave gêmea da Stardust? — perguntou o chefe do
serviço secreto.
— A demora será de cerca de dois meses, no mínimo — respondeu Pounder.
— Até lá, meus homens morrerão asfixiados, se é que ainda estão vivos.
Seu suprimento de oxigênio é suficiente para cinco semanas no máximo e, se economizarem de modo extremo, seis
semanas.
Mais do que isso é impossível.
Se for necessário, podemos fazer pousar uma sonda não tripulada perto do pólo sul lunar.
Mas é muito duvidoso que esta operação de abastecimento seja bem sucedida.
Afinal, nossos homens teriam que encontrar a sonda.
Estamos numa situação desesperadora.
Allan D. Mercant deu a sessão por encerrada com uma rapidez extraordinária.
No momento, nada mais havia para dizer.
A nave Stardust continuava desaparecida.
Uma série enorme de problemas amontoava-se diante dos presentes.
Antes de sair da sala, o chefe do serviço secreto disse, com um sorriso misterioso:
— Lamento informar-lhes, cavalheiros, mas a nave asiática a que se referiram, explodiu no ar após o lançamento.
Pounder ergueu-se de um salto.
Incapaz de abrir a boca, fitou Mercant.
O homenzinho passou a mão pelos olhos.
— Sinto muito, mas os senhores terão que procurar outra causa.
Não houve qualquer outra nave que subisse ao espaço ao mesmo tempo que a Stardust.
De onde teria vindo, então, o transmissor colocado na Lua? Há coisas que não me parecem bem claras.
Apesar de tudo, os senhores receberão, logo, notícias minhas.
E, em voz baixa, acrescentou:
— O fato é que nós também acreditamos que não houve falha por parte do comandante da nave.
Caso lhes seja possível provar que todo o equipamento de bordo funcionou com perfeição, estaremos então às
voltas com um problema que se me afigura extremamente difícil.
Peço que todos os dados disponíveis sejam fornecidos o quanto antes à equipe de cientistas da Defesa
Internacional.
O senhor há de compreender que teremos que chegar a um resultado convincente.
— Rhodan não falhou — afirmou Pounder.
— E poderemos provar que todo o mecanismo de controle da nave funcionou com perfeição.
A mudança repentina do ângulo de queda é uma prova.
Ela foi constatada no último instante.
Poderemos apresentar-lhes todas as provas possíveis...
Allan D. Mercant cumprimentou-os com um gesto e saiu.
Subiu ao terraço do prédio e entrou, pensativo, no seu helicóptero.
Um céu límpido cobria a cidade naquele dia ameno de junho.
— Vamos enfrentar tempos difíceis, Kaats — murmurou.
— Tenho fama de possuir um sexto sentido e ele já se manifestou há alguns minutos.
Kaats estreitou os olhos.
Era verdade, Mercant possuía uma estranha intuição.
Farejava o perigo e as dificuldades com a mesma eficácia de um cão de caça.
Segundo os boatos, ele era dotado de um cérebro superdotado, além de todos os limites da capacidade mental
conhecida.
Esta e outras qualidades levaram-no, em pouco tempo, à chefia da Defesa Internacional.
III
Os membros da tripulação tiveram que esperar vinte e quatro horas até que a radioatividade do solo lunar se
reduzisse por ação das substâncias pulverizadas no local.
Perry Rhodan saiu da nave em primeiro lugar, quando o contador só registrava poucas incidências com um valor
ligeiramente inferior a 35 miliroentgens.
Todos permaneceram em silêncio.
Não houve qualquer manifestação de júbilo.
Apertaram-se as mãos e fitaram-se nos olhos sem dizer uma palavra.
Tinham certeza de serem os primeiros homens a pisarem no solo lunar.
Um dos suportes de pouso fora danificado no choque violento contra o chão.
De resto, a Stardust não sofrerá qualquer avaria séria.
Em virtude da radiação, que ainda era intensa, não era possível verificar o mecanismo propulsor.
Todavia, um teste rápido mostrara que ele estava em perfeitas condições.
O grande gerador de força também funcionava com perfeição absoluta e, o estado dos dispositivos de renovação
do ar e controle da temperatura, não podia ser melhor.
Havia pequenas avarias que poderiam ser reparadas, mas o que inspirava maior preocupação era a deformação do
suporte de pouso.
Segundo as estimativas do capitão Bell, seriam necessários pelo menos seis dias para pô-lo em ordem.
O aço-molibdênio era um material difícil de ser trabalhado.
Cerca de trinta e seis horas após o pouso forçado, retiraram do compartimento de carga a tenda pneumática —
uma enorme esfera de fibra sintética.
O conteúdo de um pequeno tubo de ar comprimido foi suficiente para inflar a tenda dando ao material a
consistência do aço.
A ausência de pressão externa tinha, também, as suas vantagens.
O longo recinto estava firmemente ancorado no solo rochoso.
A face externa bem polida refletia a luz do Sol num brilho intenso.
Os membros da tripulação estavam instalando o mecanismo regulador da temperatura e o conduto do ar.
Por enquanto, só havia ar no espaço entre as duas paredes da tenda.
A construção tinha sido testada na Terra sob condições que simulavam as existentes na Lua.
Só mesmo um meteoro poderia representar perigo.
A determinação exata da sua posição revelara-se bem simples.
As numerosas viagens ao redor da Lua haviam permitido a confecção de mapas excelentes, de modo que puderam
determinar sem a menor sombra de dúvida o local em que se encontravam.
A Stardust havia pousado a cerca de 82 quilômetros além do pólo sul lunar, já na face oculta do satélite.
O Sol aparecia com o formato de uma foice.
Mal e mal surgia acima do horizonte lunar que se encontrava bem próximo.
As crateras que rodeavam o local de pouso eram conhecidas e estavam registradas no mapa.
O mesmo acontecia com o pequeno planalto que se erguia entre duas encostas.
Só mesmo por um acaso a nave tocara o solo justamente neste ponto.
Caso tivesse descido entre as rochas pontiagudas da cadeia circular de montanhas, teria sido, quase que
infalivelmente, o fim.
A Terra não era visível.
Ficava muito além do horizonte visual.
Isso impossibilitava o envio de mensagens de rádio.
A única manifestação de Rhodan face às dificuldades com que se defrontavam foi uma contorção juvenil nos lábios.
O homem costumava conservar e considerar como objeto de sua propriedade tudo aquilo que havia conquistado
com trabalho e sacrifício.
Por isso, a nave Stardust fazia parte da paisagem.
Ao surpreender-se com essas reflexões, Rhodan deu uma risada.
Imediatamente, o pequeno amplificador embutido no seu capacete começou a estalar.
Ouviu-se uma voz ligeiramente preocupada.
— O que houve, Perry? — disse a voz.
— Alguma dificuldade? Aconteceu alguma coisa?
Rhodan sorriu para si mesmo.
Seus olhos se estreitaram como se estivesse absorto com algum pensamento.
— Perry! Responda! O que houve? — gritou Bell com mais força.
Ele tinha certeza que ouvira a risada de Rhodan pelo seu amplificador.
— Tomei a liberdade de rir — disse Rhodan.
— O amigo se opõe?
Ouviu-se uma praga.
— Este sujeito está em cima de uma cratera lunar, só e abandonado e acha motivos para ficar rindo — disse Bell
indignado.
— Você ouviu Fletcher? O sujeito está lá em cima e ainda ri!
— Já é alguma coisa — disse a voz mal-humorada no alto-falante.
— Estou me esforçando há meia hora para cocar as costas e não consigo.
É bem onde estão os tubos de oxigênio.
Bell tornou a chamar Rhodan.
A voz daquele parecia uma explosão.
O major teve que reduzir o volume.
— Perry, como está o ar aí em cima? — soou sua voz.
— Teremos trovoada — respondeu Rhodan em tom seco.
Bell ficou calado.
O humor de Rhodan era invencível.
— Digo isso, porque na Lua o ar é muito carregado — acrescentou com voz suave.
— Compreendi, comandante.
Mas qual a vantagem em saber disso?
— É exatamente o que penso! Mas eu estava me esforçando para tornar a informação o mais exata possível.
De agora em diante, não dependeremos mais do som, mas da visão.
Certo? Então, meu caro, a que distância eu estou daí?
— Cerca de 850 metros — soou a voz divertida do Dr.
Manoli.
— Para ser mais preciso, 852 metros.
Estou junto ao radar e ele me deu sua posição exata.
Eficiente, não é?
— Muito mais que isso! — disse Rhodan, rindo.
— Bell, tenho uma tarefa para você.
Pegue a pistola automática, regule a luneta para um aumento de dez vezes e a alça de mira para 850 metros.
Depois, descarregue metade de um pente de balas naquele bloco de pedra que se parece com a cabeça de um
gigante.
Fica cerca de 50 metros a minha esquerda.
Está vendo?
— Estou — confirmou Bell.
— Posso saber apenas para que é a brincadeira.
— Não estou brincando.
Quero saber os efeitos de um projétil-foguete em miniatura.
Estou interessado, principalmente, na força de impacto e na energia da explosão.
Comece.
Preste atenção para sentir a natureza do recuo sob as condições de gravidade daqui.
— Não vai haver recuo — disse Bell.
— Cada projétil tem sua própria carga propulsora e funciona nos moldes de um foguete.
Não há cápsulas.
O projétil e a espoleta saem ao mesmo tempo.
A velocidade de saída é de 2.480 quilômetros por segundo.
A pontaria é exata e segura e, positivamente, não há força de recuo.
Caso o senhor não saiba, colhi informações bem detalhadas a esse respeito.
— Bom menino! — disse Rhodan com ironia.
— Agora, atire, mas por favor, não me confunda com as rochas.
Bell soltou uma risada trovejante.
Fletcher observou-o em silêncio, enquanto ele levantava a arma pesada e enorme, com a coronha muito curta e o
cano de grande diâmetro.
Segundo determinações de segurança, os tripulantes só deviam sair da nave com a arma na mão.
O capitão Bell estava parado diante da tenda pressurizada, cuja montagem ainda não havia sido concluída.
Mais adiante, a menos de trinta metros, o foguete erguia-se no céu lunar.
Bell ajustou a luneta do visor para um aumento de dez vezes, e a distância para 850 metros.
A luz vermelha da ignição elétrica começou a brilhar e o primeiro projétil deslizou para dentro da câmara de
ignição.
O calibre dos projéteis era reduzido.
Não passava de seis milímetros e tinham o comprimento de um dedo.
Sua potência explosiva, no entanto, era enorme.
Bell hesitou por uns momentos.
O alvo ficava muito longe, embora o visor o trouxesse para muito perto.
— Vamos — soou uma voz enérgica.
— O que está esperando? Faça de contas que foi esse bloco de pedra que perturbou o nosso sistema de controle
remoto.
Então?
Bell soltou uma praga.
Finalmente compreendia aonde Rhodan pretendia chegar.
A experiência adquiriu um novo sentido.
A idéia de uma brincadeira inútil desvaneceu-se.
— Se você concordar, ajustarei a arma para dez tiros, fogo espaçado — disse com um tom seco na voz.
— Preciso ver até onde consigo chegar com esta arma.
— Certo! Pode começar.
Bell encostou a coronha da arma no ombro.
O bloco de pedra surgiu no visor bastante aumentado.
Ele lembrou-se que a distância a ser vencida não representava nada para esses projéteis, cuja velocidade era
tremenda.
Não havia necessidade de levantar o cano da arma acima do alvo.
Com a reduzida força de gravidade do satélite da Terra e a ausência de atrito do ar, o projétil descreveria uma
trajetória quase retilínea.
O visor tinha sido ajustado para tais condições, de maneiras que o atirador pudesse visar alvos colocados a
quilômetros de distância.
E as probabilidades de acertar o alvo eram muito grandes.
Quando Bell acionou o contato de ignição, Fletcher conteve a respiração.
Mas não houve o mais leve ruído.
Na terra, ouvir-se-ia o assobio estridente e a chicotada produzida pela saída do projétil.
Aqui, o disparo foi cercado de um silêncio fantasmagórico.
O único sinal visível foi a saída de chamas luminosas pela abertura para escapamento de gases, existente no cano
da arma.
Bell estava estupefato.
— Percebeu alguma coisa? — perguntou.
— Que diabo! Terei que me acostumar a esta maneira de disparar uma arma.
Não senti o mais leve recuo.
— É, mas as lascas de pedra foram atiradas até o lugar onde me encontro — ouviu-se uma voz rápida.
— Acho que antes de você diminuir a pressão no gatilho o projétil já tinha atingido o alvo.
A rapidez é incrível.
O bloco de pedra apresenta um furo de uns 30 centímetros de diâmetro e mais ou menos o mesmo de
profundidade.
E olhe que é granito.
Tente uma rajada mais longa.
A arma é de uma precisão fantástica.
Bell puxou o gatilho.
As chamas luminosas dos projéteis lhe fustigavam os olhos.
Do ponto onde estava, Rhodan viu a trajetória luminosa dos projéteis, representada pela queima do combustível
sólido que os impelia.
Quando penetraram na escuridão que se formara na encosta, surgiu um traço incandescente e antes que Bell
compreendesse o que se passava, o carregador da arma estava vazio.
Do bloco de granito restavam apenas lascas que, atiradas para o ar, voltavam ao solo com enervante lentidão.
Rhodan acompanhara atentamente a série numerosa de explosões.
Realizaram-se em silêncio e sem a menor vibração.
Revelavam-se, apenas, através da chuva de pedras e dos relâmpagos chamejantes.
— Pode parar, Bell — disse com voz abafada.
— Temos que reconhecer que a seção de armamento nos deu um brinquedo mais que eficiente.
Por quanto tempo você apertou o gatilho?
— Uns dois minutos — respondeu Bell.
E o carregador está vazio! Disparei noventa tiros em um instante!
— Está certo.
A cadência de tiros é de cerca de cinqüenta por minuto.
Muito bem! A experiência terminou.
Vou descer.
Eric, a comida está pronta?
— Está.
Pelo menos, fiz o que pude.
Rhodan começou a descer.
Era fácil vencer as fendas e outros obstáculos do solo.
A leveza proporcionada pela ausência de gravidade facilitava muitas coisas.
Após alguns minutos, estava diante da tenda pressurizada.
A montagem da conexão de ar estava concluída e a aparelhagem reguladora da temperatura tinha sido ligada às
instalações da nave.
— O enchimento consumiu alguns litros de oxigênio líquido — explicou Fletcher.
— Será que vale a pena desperdiçar um gás tão precioso? Quem sabe se não precisaremos dele, um dia, para
abastecer o interior da Stardust? Nossa reserva é limitada.
Rhodan postou-se diante dele, ereto.
Ainda assim, Fletcher o ultrapassava em altura por alguns centímetros.
— Ora, Fletcher, você está se preocupando por nada.
O reparo de suporte de pouso exige habilidade e liberdade de movimentos.
Não quero ter os movimentos embaraçados por um traje espacial quando tivermos que trabalhar com o aço-
molibdênio.
E também não quero ficar parado neste vazio
Fletcher piscou os olhos em direção ao céu estrelado que se apresentava de uma limpidez incrível.
— Foi só uma idéia — murmurou.
Nos seus lábios surgiu, por instantes, um sorriso de desânimo.
— Você estava pensando em sua volta à Terra, não é? Quem sabe, no bebê? — perguntou Rhodan, calmamente.
Fletcher ficou calado.
Seu rosto transformou-se.
— Não há problema.
Compreendemos perfeitamente.
Mas convém que você não pense demais nisso.
Nosso plano foi estabelecido e nós tivemos bastante tempo para discuti-lo em detalhes.
Só partiremos para uma viagem de exploração quando a Stardust estiver completamente reparada.
Não podemos arriscar uma partida imediata seguida de uma alunissagem além do pólo, pois o suporte danificado
não agüentaria o choque.
É lógico que poderemos subir alguns quilômetros e entrar em contato visual direto com a Terra através de uma
manobra adequada.
Mas, como já disse, teríamos que pousar novamente.
Com isso, a nave seria danificada de tal maneira que não conseguiríamos repará-la com os recursos de que
dispomos.
Se chegássemos a uma situação dessas, eu também duvidaria da conveniência de desperdiçar oxigênio com a
tenda pressurizada.
Mas, agora, estamos em condições de fazê-lo, não é?
Um sorriso indiferente surgiu no rosto de Rhodan.
Enquanto que Fletcher continuava a olhar para o espaço.
— É claro que sim — respondeu.
— Acontece que ocorreu-me mais uma pergunta.
Não seria conveniente iniciar imediatamente a viagem de retorno? Conseguimos realizar um pouso de emergência,
certo? Então, por que devemos nos preocupar com o conserto do suporte? O pouso na Terra é realizado por meio
de asas de sustentação e tocaremos o solo com os trens de pouso.
Não importa que o suporte esteja danificado, ainda assim, desceríamos normalmente.
Baixou a cabeça e seus olhos cintilaram.
Rhodan não perdeu a paciência nem a capacidade de raciocinar.
Apenas o tom de sua voz tornou-se mais enérgico.
— Fletcher, é óbvio que o que você propõe é viável.
Acontece que isso seria uma falta total de iniciativa e responsabilidade de nossa parte.
Temos uma missão a cumprir e não será um suporte de alunissagem com defeito que nos fará sair daqui antes da
hora.
E, além do mais, tenho a vaga impressão que não conseguiremos alcançar o espaço sem problemas.
Há algo para ser esclarecido aqui antes de partirmos.
Fletcher dominou-se imediatamente.
Num gesto silencioso, seus olhos azuis pediam perdão.
Bell começou a rir.
O incidente estava encerrado.
— Está bem! Esqueça minhas palavras — disse Fletcher, pigarreando.
— Foi um ligeiro instante de fragilidade humana.
Vamos comer e depois saberemos onde procurar o transmissor de onde partiu a interferência.
Já apurei os dados fundamentais, depois vou pedir ajuda ao computador.
— Estou bastante curioso — disse Rhodan.
— Bem! Veremos o que o nosso médico conseguiu fazer.
Pelos amplificadores dos capacetes, ouviram um suspiro de indignação.
O Dr.Manoli explicou, então, longamente, como e por que a arte de cozinhar, tão enaltecida, se resumia a uma
simples identidade com os processos químicos mais conhecidos.
O discurso soou bem, mas havia, nele, algo que não estava muito certo.
Rhodan parou junto à área de pouso situada logo abaixo do mecanismo propulsor da nave, onde o solo ainda
desprendia um pouco de radioatividade.
Diante dele estava a cesta transportadora pendurada no braço do guindaste que saía da comporta principal do
compartimento de carga.
Este ficava logo abaixo da cabine dos tripulantes.
Rhodan preferira não utilizar os degraus dobráveis presos à parte externa da nave.
Passando por baixo dos suportes de alunissagem, chegavam perto demais do mecanismo propulsor que ainda
emitia radioatividade em excesso.
— Um de nós terá que desistir, por hora, das delícias que tão avidamente esperamos — anunciou Rhodan com um
sorriso.
Seus olhos voltaram-se para os companheiros.
— Bell, quer fazer o favor de ficar de guarda aqui fora? Dentro de meia hora eu o substituirei.
Há um ótimo lugar ali em cima do morro.
Fique de olhos bem abertos.
Manteremos contato pelo rádio.
Reginald Bell não disse uma só palavra.
A voz profunda de Rhodan bastou-lhe para fazê-lo compreender.
Por mais calma que fosse a aparência do comandante, a inquietação o consumia por dentro.
Antes de se afastar, com a arma carregada, voltou-se para Rhodan.
— Perry, só uma pergunta.
Você está lembrado da informação segundo a qual uma nave tripulada da Federação Asiática teria sido lançada
antes de nós?
— Vejo que você compreendeu meu temor, Bell — confirmou Rhodan.
Seu rosto tornou-se sério e sombrio.
— Pode ser que haja alguém interessado em certificar-se pessoalmente da nossa queda.
Na minha opinião, o transmissor deve estar localizado perto da região polar.
Portanto, preste bastante atenção! Nosso radiogoniômetro está testando todas as freqüências possíveis.
Logo que ouçamos algum ruído estranho, teremos modificações por aqui.
No interior da cabine, o Dr.
Manoli começou a ter calafrios e em poucos instantes estava indisposto.
Ele era um homem que estava sempre pronto a enfrentar qualquer perigo ou qualquer sofrimento desde que fosse
por amor à ciência e à pesquisa.
No entanto, quando surgiam complicações inesperadas e que cheiravam a violência, as coisas mudavam de figura.
IV
Estavam sós em um mundo estranho e cheio de mistérios; sem ar, sem água, sem vida...
A fina liga especial que revestia o veículo blindado, de forma achatada, podia resistir a tiros de um canhão de
calibre médio; assim mesmo, não conferia aos seus ocupantes total sensação de segurança, pois além das chapas de
aço começava o vazio — o Vácuo absoluto com seus perigos conhecidos e desconhecidos.
Não era tanto o risco de vida que martirizava estes homens.
Era o ambiente desolador, tão estranho; era o semicírculo incandescente do Sol que emitia um brilho ofuscante; as
crateras que surgiam em meio a planícies vastas, rasgadas, por fendas no solo; eram as cordilheiras recortadas de
forma bizarra, que nunca foram corroídas pelas intempéries.
Diante de todo aquele panorama, o mais árido dos desertos da Terra transmitia uma mensagem de vida e
felicidade.
Estes fatos constituíam uma carga psicológica de primeira grandeza.
Eram os riscos para a mente que tinham que ser combatidos em primeiro lugar.
E vencidos de qualquer maneira.
Quem não aceitasse e superasse estes fatos com uma impassibilidade total, sucumbiria sob o peso dos mesmos.
Não havia qualquer medicamento contra as influências corrosivas que o ambiente cósmico exerce sobre o espírito
dos homens.
Rhodan levou tudo isso em consideração quando resolveu partir no veículo lunar e deixar Fletcher e o Dr.
Manoli a bordo da nave.
Não só porque dois tripulantes deviam ficar a bordo da Stardust como também, porque os nervos de ambos não
suportariam aos efeitos da expedição.
Fletcher recebeu ordens terminantes, por escrito, para decolar de volta para a Terra assim que julgasse conveniente,
colocando-se sob a ação do controle da estação orbital caso ele — Rhodan — não voltasse dentro de dezoito dias
do calendário da Terra.
Fletcher confirmou com um movimento de cabeça.
Ele estava perfeitamente habilitado para conduzir a nave ao espaço levando-a aonde fosse necessário.
Apenas cinco dias foram gastos para o reparo do suporte de alunissagem e um dia para a montagem e o preparo
do veículo lunar.
Depois de terem dormido por um período prolongado, sob os efeitos da psiconarcotina, Rhodan e Bell partiram
no veículo lunar.
Ele fora testado sob as condições mais adversas e não poderia falhar.
Era um meio de transporte apto a enfrentar qualquer terreno.
Não levava armamento e dispunha de uma cabine ampla para quatro pessoas.
Sua cúpula, de uma liga transparente, podia ser escurecida à vontade.
No pequeno espaço de carga situado atrás da cabine pressurizada só havia equipamentos e peças sobressalentes.
Rhodan não estava disposto a executar qualquer uma das numerosas missões de pesquisa constantes do
programa.
O que importava era salvar a vida.
Antes de mais nada, era necessário notificar a estação orbital.
E o transmissor do veículo era bastante forte para emitir sinais que chegariam à estação.
Havia vinte e quatro horas que estavam a caminho.
Tinham dormido por cinco horas e, no momento, Rhodan fazia com que os motores elétricos arrastassem o veículo
por cima de uma elevação.
O semicírculo solar começava a aumentar.
Dentro em pouco atingiriam o pólo sul lunar e estariam, então, em linha direta com a Terra.
Ainda estavam usando os trajes espaciais, mas sem os capacetes.
A cúpula pressurizada do veículo oferecia a mesma segurança da cabine principal da Stardust.
Seria necessária uma força descomunal para destruir o material sintético.
Bell estava olhando para a frente.
Os cumes elevados que se descortinavam diante dele não o agradavam.
Voltou a estudar o mapa.
— Não há dúvida, é a cordilheira de Leibnitz — disse com voz abafada.
— Quer dar uma paradinha?
Rhodan desligou o comando elétrico.
O zumbido dos motores cessou.
Rhodan enxugou o suor da testa.
Sem dizer uma palavra, começou a limpar o vidro dos óculos escuros.
A radiação ultravioleta o estava incomodando.
Também lançou um olhar em direção às montanhas.
— Só faltam uns oito quilômetros.
Aqui a gente se engana tremendamente com as distâncias.
Temos diante de nós a cratera Husemann, que não pode ser vista da Terra.
Se seguirmos mais uns quinze quilômetros chegaremos do outro lado do pólo.
Mas não podemos manter o rumo atual.
Temos de nos desviar para o leste, senão passaremos pelas ramificações da cordilheira de Leibnitz.
E isso não seria nenhum prazer.
O indicador de Bell tocou o mapa.
Seu rosto parecia cansado e inchado sob a barba que já tinha vários dias.
A viagem estava se transformando num martírio.
Rhodan correra que nem um louco.
Se fosse possível seguir em linha reta já teriam atingido a região polar há muito tempo.
Acontece que tinham que contornar os inúmeros obstáculos.
A linha traçada no mapa, que registrava o deslocamento do veículo, se apresentava bastante sinuosa.
Rhodan tossiu.
Sem dizer uma palavra estendeu a garrafa de água em direção a Bell.
— Vamos dobrar para leste.
Leibnitz não é brincadeira.
Não tenho vontade de cair naqueles precipícios.
Aquilo ali é uma das ramificações orientais da cordilheira.
O maciço principal fica mais ao oeste.
Passaremos sem maiores dificuldades.
Bell sorveu o líquido em goles compridos.
Na cabine fez-se um silêncio profundo.
Rhodan protegeu o teto com outra série de folhas de plástico polido.
O sol era por demais forte.
Não podiam absorver muito calor.
Seria um problema livrar-se do mesmo.
Finalmente Bell disse em tom sombrio:
— Vai acontecer alguma coisa.
Estou sentindo cócegas na nuca.
Não pode deixar de acontecer alguma coisa.
Olhe isto aqui!
Seu dedo voltou a tocar o mapa.
O rumo que estavam tomando conduzia diretamente para um círculo que Fletcher, o matemático, havia traçado no
mapa.
— Já sei — disse Rhodan, esticando as palavras.
Um sorriso que parecia uma máscara passou-lhe pelos lábios.
Bell fitou-o.
Tinha os lábios secos e rachados.
— Devíamos contornar esta área bem de longe, procurando em primeiro lugar estabelecer comunicação
radiofônica com a Terra.
Depois poderemos ver o resto.
O que acha?
Por um instante, Rhodan olhou fixamente para a frente.
Depois disso Reginald Bell viu um rosto de linhas bem marcadas.
Os olhos de Rhodan cintilavam.
— Os problemas existem para serem resolvidos.
Não adianta adiar a decisão com desculpas esfarrapadas.
Quer queiramos, quer não, teremos de enfrentar aquilo.
Prefiro uma ação rápida.
Portanto, seguiremos pelo caminho mais curto.
A parte que agir com maior rapidez levará uma vantagem considerável.
Os outros também estão sofrendo os efeitos negativos do ambiente, provavelmente mais que nós.
— Sim, somos heróis — resmungou Bell.
— Está certo, daqui por diante cuidarei da sonda infravermelha.
Se surgir qualquer sinal você terá de correr que nem o diabo.
Sua mão pousou automaticamente na arma.
Traziam na nave as armas automáticas de grande calibre, que funcionavam como metralhadoras.
Rhodan moveu a chave.
O veículo blindado arrancou sob o uivo dos motores elétricos.
Depois de terem contornado o morro em que ficava a cratera, chegaram a uma grande planície pedregosa.
A poeira levantou-se atrás das esteiras velozes.
As partículas ficavam suspensas numa estranha imobilidade, até que descessem com uma lentidão fantástica.
Não podia haver nada que revelasse melhor a ausência do vento.
Após outras seis horas de viagem viram todo o Sol.
A progressão foi rápida por causa da curvatura reduzida da Lua.
Depois de terem passado pela área crítica sem maiores incidentes, atingiram o limite do campo de visão direta.
Logo acima, a Terra surgiu em forma de semicírculo.
Era perfeitamente visível e, embora estivesse bem baixa, acima do horizonte setentrional, devia haver possibilidade
de estabelecer contato pelo rádio.
Rhodan lançou um olhar rápido para os lados.
Nas últimas horas tinham-se mantido bastante calados.
Bell sorriu, depois assobiou em tom agudo uma melodia desafinada.
Rhodan fez com que o veículo subisse uma encosta íngreme.
As esteiras revolviam o solo e o ruído dos motores tornou-se mais intenso.
Chegados à parte de cima, pararam num pequeno platô de rocha.
À sua direita um paredão sombrio erguia-se em direção ao espaço.
Bem diante deles, porém, estava suspensa no espaço a esfera brilhante que era a Terra.
Conseguiram.
Quase não falaram.
O esgotamento extremo estava gravado nos seus rostos.
Executaram as operações necessárias depressa, talvez mesmo precipitadamente.
Ambos tinham a sensação de que não havia tempo a perder: estava na hora de agir.
Rhodan fez sair a antena direcional parabólica, e Bell fez funcionar o reator, ligando-o ao transmissor.
As válvulas foram se aquecendo, enquanto Rhodan ajustava a antena com a maior exatidão.
A Terra estava ao alcance do equipamento automático de radiofonia.
Com um gesto lento e hesitante Rhodan girou a poltrona.
Diante dele dançavam os ponteiros dos instrumentos de controle.
O aparelho estava em perfeita ordem.
Colocou o microfone mais perto da boca.
Com um movimento um tanto complicado controlou a sintonização automática.
— Está pronto? — perguntou Bell com a voz áspera.
Estava de pé na cabine, meio abaixado.
Segurava na mão o pesado dispositivo automático de controle.
Rhodan confirmou com um movimento de cabeça e ligou o aparelho.
Nos alto-falantes do receptor ouviram-se os ruídos normais.
Não se identificavam com os estouros e os guinchos infernais resultantes de uma interferência deliberada.
Um sorriso suave aflorou aos lábios de Rhodan.
Depois ligou o transmissor.
Em tom circunspecto falou:
— Major Perry Rhodan, comandante da Expedição Stardust chamando controle de terra de Nevada Fields.
Favor acusar recebimento.
Major Perry Rhodan, comandante da Expe...
Aconteceu subitamente, como um raio que caísse de um céu azul.
Um brilho esverdeado surgiu e foi-se tornando cada vez mais forte, transformando-se numa luminosidade intensa,
que envolveu os rostos dos dois homens em uma luz fantasmagórica.
A poucos metros acima deles, a antena ardeu em chamas verdes e fosforescentes, cuja luminosidade era tamanha
que fez Rhodan soltar um gemido, cobrindo os olhos torturados com as mãos.
Tudo foi muito rápido e silencioso.
Uma abóbada de chamas saltitantes ergueu-se acima do veículo lunar.
A luminosidade do Sol tornou-se turva e os contornos da paisagem lunar se desfizeram.
Antes que Bell tivesse tempo de soltar um grito apavorado de advertência, o equipamento de rádio começou a
estourar.
Um raio saltou do envoltório de plástico.
Vapores corrosivos desprenderam-se do aparelho.
Os isoladores fundidos ficaram envoltos em pequenas chamas.
O pontapé de Rhodan foi desferido no último instante, rompendo a ligação com o gerador nuclear.
Bell mal percebeu que a mão de Rhodan bateu com um estalo no seu capacete.
Quando o oxigênio fresco penetrou nos seus pulmões, voltou a raciocinar com clareza.
Seus gritos cessaram.
Perry Rhodan, imóvel, estava encolhido na sua poltrona.
Parecia nem ter notado os últimos acontecimentos.
A luminosidade misteriosa desaparecera com a mesma rapidez com que havia surgido.
Não se via mais nada, nem mesmo o brilho mais débil.
Só mesmo a antena totalmente fundida e o aparelho de rádio consumido pelas chamas davam mostras de um
acontecimento que ficava além do seu entendimento.
Bell moveu-se pela cabine rapidamente.
Com os olhos selvagens procurava um inimigo.
Segurava a arma em atitude ameaçadora, mas não via qualquer figura humana.
O chiado agudo do extintor de espuma seca fez com que se sobressaltasse de novo.
Rhodan dirigiu o jato sobre o aparelho de rádio destruído.
Sua atitude era tão indiferente que Bell começou a praguejar.
Ele o fez de forma intensa, com bastante barulho.
Todavia, os lábios mal se moviam no rosto inchado, tomado de uma palidez cadavérica.
O fogo foi extinto.
O equipamento de condicionamento de ar sugou os vapores.
O oxigênio fluiu para o interior da cabine.
O incidente consumira vários litros do ar respirável.
Rhodan abriu o capacete.
Com o rosto indiferente, olhou cuidadosamente para cima.
Depois falou:
— Pronto.
Está tudo terminado.
Só esperavam por isto.
— Santo Deus, o que foi isso? — cochichou Bell.
Exausto, deixou-se cair na sua poltrona.
— O que foi isso?
— Foi uma maneira muito engraçada de interferir numa transmissão de rádio.
Pelo amor de Deus, não me pergunte como fizeram! Neste ponto sou tão ignorante como um recém-nascido.
Não tenho a menor idéia.
O que posso dizer é que essa luminosidade apareceu como um raio com a primeira frase que soltei para o
microfone.
Daí se conclui que estavam à espreita com um radiogoniômetro inteiramente automático.
O aparelho funcionou imediatamente.
É só o que posso dizer.
Bell levou à boca seu comprimido de concentrado.
Seus olhos estreitaram-se.
O engenheiro competente despertou dentro dele.
Entrou em funcionamento a parte do seu cérebro no qual estava armazenada a massa enorme de conhecimentos
relativos à eletrônica moderna.
— Será que você está passando bem? — indagou.
— Sempre o considerei um aluno exemplar da Academia Espacial e pensei que tivesse capacidade de raciocinar.
— E agora já não pensa assim? — perguntou Rhodan, com um traço de amargura no rosto.
— No momento não.
Você acaba de falar como o célebre Super-Homem daqueles fascículos de cinqüenta centavos.
O que quer dizer com a expressão radiogoniômetro automático? Será que você sabe o que acaba de dizer?
Trabalhamos com um raio direcional bem ajustado.
Como é que uma emissão destas poderia ter sido localizada com tamanha rapidez? A antena apontava para o
espaço vazio.
Mas não é só isso.
Será que você também tem uma explicação para a luminosidade verde? Pode imaginar que tipo de energia essa
gente utilizou?
— Convém não perguntar, pois a resposta teria de soar como a fala de um louco.
— Fomos cobertos por um anteparo abobadado — prosseguiu Bell obstinadamente.
— Vi perfeitamente.
Dali desceu um raio de luz verde, e nossa antena já era.
Perry, asseguro-lhe que uma coisa dessas não existe.
Poderia compreender tudo, mas tudo mesmo.
Até admitiria uma descarga dirigida de relâmpagos.
Mas neste ponto minha inteligência deixa de funcionar.
Rhodan continuou na sua posição rígida.
Seus olhos ardiam.
— Quer dizer que tudo não passou de um sonho, não é? Se eu fosse você teria dito que minha inteligência chegou
ao limite extremo da compreensão.
Alguém ouviu minha mensagem no mesmo instante em que ela foi iniciada, e agiu imediatamente.
Não estou muito interessado em saber como fez isso, já que com os conhecimentos científicos de que disponho
não tenho capacidade de interpretar o acontecimento.
O que me interessa mais é o fato de que esse alguém quer nos reduzir à condição de prisioneiros da Lua.
Darei minha cabeça à forca se conseguirmos subir um quilômetro com a Stardust.
Não pergunte por que, mas sinto que é assim.
Não, não sinto: sei! Sendo assim, que nos resta fazer?
Reginald Bell empalideceu ainda mais.
Todo lívido, fitou o comandante, cujos olhos claros se tinham tornado sombrios.
— Você é a pessoa mais insensível que já vi! — gaguejou.
— Será que não tem mais nada a dizer?
— Não.
Acontece que meu espírito só toma conhecimento das situações em que podemos fazer alguma coisa.
Os problemas insolúveis são imediatamente postos de lado.
Não devíamos falar a respeito deles.
Bell pigarreou.
A cor retornou à sua face.
— OK.
Vamos esconder a cabeça na areia, que nem um avestruz.
— Deu um sorriso triste.
Seus olhos percorreram a paisagem.
Estava desolada e vazia como antes.
— O fato é que já não compreendo mais nada.
Se não parecesse coisa de louco, falaria num campo energético.
Mas como poderia o mesmo ser montado no espaço praticamente vazio? Não vejo nenhum pólo energético,
absolutamente nada.
Quem está tentando nos eliminar? E como está fazendo tudo isso?
— Quem sabe se o foguete da Federação Asiática não pousou algumas horas antes de nós? Terão a bordo algum
equipamento completamente novo.
Basta que se veja a luminosidade verde.
Rhodan olhou atentamente para seu amigo.
Bell sorriu.
Suas mãos pesadas balançavam entre as pernas como se fossem enfeites incômodos.
— Deixemos de falar bobagens, meu velho.
Não me diga que você acredita no que está dizendo.
No ponto em que estamos nada mais importa para mim.
Estou disposto a engolir um prego enferrujado caso os chineses tenham inventado isso.
Foi uma coisa assombrosa.
Está bem, está bem, estou perfeitamente calmo.
Então, o que vamos fazer?
Rhodan deu um sorriso muito cordial.
Bell já sabia que aquela contorção dos lábios do companheiro representava um sinal de alarme de primeiro grau.
Conhecia muito bem esse homem alto de rosto magro,
— Vamos até lá ver o que há e, se possível, encostaremos o dedo no gatilho um décimo de segundo antes do
inimigo.
Não vejo outra possibilidade.
Se ficarmos parados, morreremos asfixiados dentro de algumas semanas.
Se decolarmos, a nave será abatida com toda certeza.
— Vamos negociar? — perguntou Bell num tom de insegurança.
— Bem que gostaria disso.
A questão é se poderemos negociar com essa gente.
Os fatos indicam o contrário.
Por que será que não nos deixaram expedir a mensagem? Isso não poderia fazer mal a ninguém.
A esta altura toda a Humanidade já deve saber que a Stardust pousou na Lua.
Portanto, não faz nenhum sentido interromper as nossas comunicações de forma tão drástica.
Isso até parece obra de algum maluco.
Não há nenhuma lógica, nenhum motivo.
Se tentassem nos matar ainda haveria uma certa lógica nesse procedimento.
Mas parece que não estão pensando nisso.
Por que será?
Bell voltou a soltar seus assobios estridentes.
— Em última análise é precisamente isso que fazem: estão nos matando — disse.
— É verdade que o.
estão fazendo aos poucos.
Quando as nossas reservas de oxigênio estiverem esgotadas...
Bell ficou calado.
Sua testa enrugou-se.
Depois, disse laconicamente:
— Está certo, comandante.
Vou registrar o novo curso no mapa.
Vamos à boca do mistério.
Dentro de oito horas estaremos lá.
Virou-se na sua poltrona.
Depois veio a observação de Rhodan.
— Antes de mais nada vamos dormir exatamente oito horas.
Depois vamos fazer a barba.
Não quero dar a impressão de um selvagem.
Bell ficou perplexo.
Olhou pelo material da cúpula blindada.
— Fazer a barba? — gemeu.
— Será que ouvi bem?
— Os asiáticos não têm tanta barba como nós.
Por isso nosso aspecto poderia ser chocante para eles — explicou Rhodan com um sorriso estranho.
Reginald Bell sentiu um calafrio.
Quais seriam as idéias do comandante?
VI
VII
VIII
***
Mas, para Perry Rhodan, os verdadeiros problemas e os grandes conflitos estavam apenas começando.
Isto porque, com a ajuda dos avançados recursos técnicos dos arcônidas, ele pretende criar algo que deverá
realizar a unificação da Humanidade: A TERCEIRA POTÊNCIA.