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O ÀS: AS PROFUDENZAS DE
KOLÁSI
Vinícius França Rocha
ÍNDICE

Sumário
Preâmbulo.............................................................................4
Capítulo 1: Um sujeito procurado!........................................7
I.............................................................................................. 7
II........................................................................................... 11
III......................................................................................... 15
IV......................................................................................... 18
V........................................................................................... 24
Capítulo 2: Sem tempo pra descanso!..................................29
I............................................................................................ 29
II.......................................................................................... 41
III......................................................................................... 46
IV......................................................................................... 58
V........................................................................................... 76
VI......................................................................................... 78

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Preâmbulo

A vida na Terra havia se tornado difícil e perigosa, mas a


Ordem sempre foi uma organização muito minuciosa. Todos os
soldados passavam por um rigoroso treinamento, que durava cerca
de sete anos na academia de recrutas. Seu objetivo? Prepará-los
para um mal que avassalou e ainda mata milhões de pessoas todos
os anos ao redor do mundo. Voltamos para trezentos anos antes
dessa história, no começo de 2020. Uma doença incurável e
desconhecida afetou milhões de jovens ao redor do mundo. Pelo
menos é o que achavam. Esses jovens nunca estiveram doentes e
muito menos precisavam de cura. Estamos falando agora de seres
muito peculiares, com poderes sobre humanos. E por serem
“superiores”, foram obrigatoriamente manipulados pelos exércitos
do mundo todo, se tornando no início, armas mortais nas guerras
entre as potências ou no combate ao crime. Isso durou por muito
tempo, até que anos mais tarde algo mais importante passou a ser
prioridade dos governos na Terra, fazendo eles cooperarem entre
si: a proteção contra um novo mal. Alguns desses jovens
“despertavam” acentuando ainda mais suas índoles ruins e por
algum motivo desconhecido eles tinham como único objetivo as
mais perversas ações contra a raça humana, seu próprio povo.
Então eles colocaram os soldados, manipulados pelo governo, na
linha de frente contra esses monstros.
Com o tempo, líderes mundiais chegaram em um consenso:
aqueles que seguiam o caminho do bem e fortaleciam seu país na
luta contra o mal, foram chamados de enkloveres e os da causa
oposta, de supramorfos. E foi assim que a Ordem Enklover foi
criada, para gerir melhor esses jovens que ganhavam esses dons.
Para impor rédeas. Como uma forma de organização conforme
eles evoluíam recebiam patentes, que representavam tanto sua
bravura e força, quanto sua posição de comando. E por demonstrar
ser uma organização eficiente, em pouco tempo a Ordem estava
presente em todos os países, unificando os super-humanos e sendo
bancada pelas mais influentes entidades e governos ao redor do
mundo. Já que o surto surgia novamente e, de tempos em tempos
continuava surgindo até os dias de hoje, essa organização se
manteve imponente e necessária para que ainda se tivesse vida na
terra. Para que se tivesse um controle desses super-humanos.
Do momento em que despertavam, sempre na adolescência,
até se aposentarem na Ordem, esses enkloveres seguiam uma
doutrina muito rígida. Eram treinados, disciplinados e
comandados pela vida toda, com pouquíssimas liberdades.
Qualquer deslize era sinônimo de pena de morte e, os mais fortes,
que posteriormente assumiram os cargos de comando da
organização, substituindo as pessoas comuns, faziam esse papel
sem piedade. O executor e líder absoluto da Ordem Saifer
D’Vangog, era a linha tênue que impedia esses seres de assumirem
o controle do mudo. Era considerado o ser aliado mais poderoso, e
os enkloveres o temiam muito. Seu senso de justiça único fazia
com que os humanos ainda tivessem seu lugar nesse mundo
completamente diferente.
Com o passar do tempo, os soldados enkloveres passaram a
ganhar objetos que aumentavam exponencialmente seus poderes
de acordo com suas personalidades. Isso só foi possível graças ao
estudo feito com os supramorfos mortos e as armas que eles
usavam. A coleta de uma pedra de origem desconhecida,
encontrada nessas armas inimigas e nomeada Adonita, fazia com
que tanto os enkloveres como os seus principais inimigos
expandissem ainda mais o seu poder. O que antes era feito apenas
por esses seres malignos passou a ser de conhecimento mútuo.
Com essas pedras presentes em suas armas ou acessórios eles
concentravam uma energia interior, nomeada pelos médicos
estudiosos daquela época de Karma, e então transformavam em
poderes ou habilidades no meio externo.

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No lado inimigo, com exceção dos mais poderosos, os
supramorfos eram em maioria muito burros, mas tinham uma
excelente qualidade de batalha. Além das mesmas habilidades dos
enkloveres, eles tinham o dom de forjar um metal desconhecido
apelidado de matéria negra, aparentemente indestrutível. Quanto
maior fosse sua índole ruim, mais monstruoso a matéria negra se
tornava e mais forte era seu domínio desse metal na fabricação de
armas. Em consequência disso, ranks foram atribuídos a esses
monstros para facilitar a comunicação, organização e atitude dos
soldados. Os supramorfos mais fracos eram considerados de
categoria três, os medianos dois e os mais fortes de categoria um.
No meio desse caos, as pessoas comuns incluindo os jovens
que não despertaram, viviam afundadas no medo e tratavam esses
soldados como deuses. Podiam conviver e se relacionar com eles,
mas era algo difícil visto que o ego e abuso de poder desses
soldados era muito frequente. Foi pensando nisso que o governo
criou uma lei absoluta. Uma a qual nos papeis, devia ser a chave
para uma vida em harmonia. A Lei da Fragilidade Humana dizia
que qualquer ato de agressão mínima que fosse de um enklover
contra uma pessoa comum, que fosse devidamente comprovada,
era a sua sentença de morte imediata. Por incrível que pareça isso
não impedia as mais perversas situações a quais essas pessoas
sofriam, por debaixo dos panos. O mundo não era mais o mesmo
lugar e por algum motivo Viktor sabia que algo estava por vir.
V exilados, as pessoas que desertavam da Ordem Uma
organização impiedosa e sistemática que monopolizava o uso das
pessoas que manifestavam certas “habilidades” especiais, a qual
as grandes massas acreditavam serem os escolhidos por deus.
Capítulo 1: Um sujeito procurado

Acordou assustado na manhã fria de uma quarta feira. Os


pesadelos estavam cada vez mais frequentes e suas noites de
descanso cada vez piores. Se levantou da cama ainda zonzo em
direção a minúscula cozinha daquele apartamento temporário. Era
impossível começar o dia sem um bom café, mas para seu
infortúnio a cafeteira parecia haver pifado novamente. Balbuciou
alguma coisa enquanto esfregava a mão no rosto, puto. A
alternativa era fazer de modo clássico, assim como os antigos
povos faziam, então rapidamente pôs a água para ferver e em
seguida preparou uma capsula de expresso, virando o pó de café
com caramelo para dentro de uma meia, talvez limpa. Assim que a
água atingiu a temperatura ideal (segundo as lendas era quando
começava a borbulhar), despejou-a lentamente pelo filtro
improvisado.
Enquanto bicava seu indispensável café forte e quase sem
açúcar, o jovem Viktor Miracily escutava atento o primeiro jornal
do dia: “... estão chamando ele de Às agora. Mas onde estão as
autoridades? Até quando o desertor ficará à solta? Novamente a
S.L sofre com roubo de informações secretas e isso tem
preocupado os líderes da organização. Wang ainda não se
pronunciou a respeito...”. Ele sorria. Mirou para o relógio
pendurado à parede suja daquela sala de estar e viu que os
ponteiros já marcavam seis horas e dezoito minutos. Deu mais um
gole antes de se levantar da poltrona de couro a qual estava
sentado, quase nu. Era um belo homem pardo com seus vinte e

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poucos anos, cabelos castanhos e corpo bem torneado. Talvez em
outra vida as mulheres se apaixonassem pela mandíbula definida e
os olhos verdes penetrantes, em alguma novela na TV. Mas
nessa... Certamente não havia conquistado muita fama, exceto é
claro por outros desertores da Ordem, que o viam como seu herói.
Talvez pelo fato de saberem como era a podridão daquele sistema
de monopólio dos “humanos especiais”, que eles carinhosamente
chamavam de supramorfos.
Voltou a cozinha sedento por qualquer petisco que poderia
encontrar ali, em meio a algumas caixas de pizzas e lanches,
obviamente apenas da noite anterior. Não era fácil manter a
homeostase do corpo desses super-humanos e se entupir de
porcaria muita das vezes parecia a melhor solução se tratando de
um metabolismo ridicularmente acelerado. Nem sequer uma
migalha, foi o que encontrou ao vasculhar cada uma das caixas.
Por sorte se lembrou que na geladeira haviam algumas barras de
um hipercalórico para atletas, as Slydies, que viraram febre no
meio militar por serem uma comida prática. Poucas delas eram
capazes de suprir a enorme quantidade de proteínas e carboidratos
que esses humanos geneticamente modificados necessitavam.
Alguns minutos depois, após um belo banho, se dirigiu ao
pequeno quarto que era quase, mas quase junto a sala de estar
mórbida que ele havia frequentado há alguns dias. Revirou sua
mala por alguns minutos e por fim se contentou com uma camisa
branca, com a assinatura de uma das melhores grifes do noroeste
da Europhya, que o deixava com certa pinta de um empresário da
capital, se não fosse pelo fato de estar num dos lugares mais sujos
de Speelcenter. Passou seu perfume favorito antes de conferir o
celular e sair do apartamento. Como sempre não haviam
mensagens.
Caminhou depressa por um bom tempo naquele bairro no
subúrbio de uma das cidades mais agitadas ao norte, no continente
de Starlathina, há muito tempo conhecida como América do Sul.
Logo de frente para um galpão abandonado havia um beco.
Conferiu os arredores e o adentrou. A passagem era estreita a
ponto de o poder fazer sentir um desagradável aroma de mijo nas
paredes, misturado a sangue e com certeza alguns tipos de drogas.
Passou por um cão que revirava agitadamente um sacola de lixo
espatifada pelo chão e seguiu por alguns metros até parar
subitamente. Pronunciou algumas palavras estranhas e uma porta
emergiu na parede daquele beco, com uma espécie de tranca que
ele facilmente abriu ao encostar a palma da mão. Barulhos de
engrenagens podiam ser ouvidos. Deveria ter uns vinte e quatro
centímetros de espessura, mas se movia como se fosse de isopor.
Trancou-a com cuidado antes de descer por uma longa escadaria
até chegar em um enorme centro comercial subterrâneo.

Strongarmy era cheio das pessoas mais influentes no mercado


militar clandestino. Apesar das paredes e pisos de cimento rústico,
o ambiente era bem organizado e limpo. Inúmeros vasos com
plantas das mais raras espécies decoravam o arredor das lojas,
restaurantes e estandes. A iluminação era clara e agradável, assim
como a ventilação, feita por inúmeros dutos e máquinas que
filtravam e refrigeravam todo o centro. Ali se podiam encontrar de
tudo, desde coturnos militares e chips com sistema anti-rastreio
até armamentos pesados, feitos exclusivamente para matar os
supramorfos. Mas sem dúvidas, a coisa mais valiosa procurada
por aqueles que sabem viver contra o sistema era o mercado de
informações. A maioria das pessoas que frequentavam aquele
lugar eram soldados desertores da organização. Soldados que não
aceitavam obedecer a soberania da Ordem cegamente. A
informação se mostrava uma arma valiosa para sobreviver
naqueles tempos. O que tornava Viktor um jovem tão respeitado
pela maioria daqueles homens e mulheres era como fazia o uso
delas. Como alvoroçava a Ordem com elas.

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Seguiu passando por alguns conhecidos até a entrada de uma
loja muito peculiar, com paredes pretas e vidraças brilhantes,
acompanhadas de um brasão, o brasão da família Gronty, que era
um escudo com duas espadas cruzadas ao centro. Adentrou pelo
estabelecimento e se dirigiu até o balcão. Muitas armas místicas
cobriam as paredes de dentro de caixas de vidro, provavelmente
blindadas, além de quadros e suvenires fascinantes que tornavam a
aparência dali completamente diferente da parte de fora. Uma
linda espada de minério negro ocupava um lugar especial no canto
da loja e, a julgar pela proteção, parecia ser o objeto mais caro ali.
O jovem fitou-a por alguns segundos, encantado. Um homenzinho
de várias cicatrizes e histórias se aproximou, segurando uma caixa
de madeira.

— Err... Como pediu, fiz algumas melhorias em vários


aspectos dessas luvas velhas, que você insiste em não se
desapegar. — disse o senhor, após um tossido para chamar sua
atenção.

— Você sabe bem que elas são mais que armas pra mim,
Reymer.

— Sim, sim. Foi por isso que dediquei muitos dias pra
consertar a merda que você aprontou com elas.

— Tô ansioso pra ver o que você mexeu. — suspirou. — A


última fuga do Leste me deixou todo fodido. Pensei que talvez
nem você fosse conseguir dar um jeito nelas.

— Seu pai odiava usá-las. Talvez não soubesse extrair todo


seu potencial. Mas pelo que vejo no noticiário, você anda se
saindo muito bem.
— Eu gosto da forma como elas liberam o meu karma. Nem
muito, nem pouco, eu diria que são perfeitamente equilibradas
para o meu elemento fogo.

Reymer sorriu, abriu a caixa e a aproximou de Viktor, muito


confiante no trabalho que fizera. Dentro tinha um par de luvas
pretas, com uma pedra vermelha que brilhava intensamente no
dorso de cada uma.

— Veja bem, substituí o interior das luvas por espuma de


hypergel, revestida de couro de carneiro. Na parte externa, dei
mais alguns banhos de grafeno e troquei as pedras danificadas por
adonitas vermelhas. Não me pergunte como eu as consegui, mas
vai ficar caro pra você, seu merdinha. Também substitui as antigas
costuras de fio de lã por linhas com microfilamentos de aço, o que
vai te dar mais resistência, sem perder a flexibilidade nos dedos.

— Puta merda Reymer, isso ficou...

— Sim, ficaram perfeitas. Melhor que isso só se forjasse com


minério negro.

— Nossa! A energia... dessas adonitas é um pouco intensa de


se acostumar... — disse ao calçar as luvas, com os olhos
cintilantes em vermelho, eufórico. — Mas eu gostei, sinto que
consigo liberar mais karma agora, sem danificá-las.

— Que bom que gostou, por que se não gostasse ficaria por
isso mesmo.

— E quanto eu te devo?

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— São trinta e cinco bitcoins. Mas se estiver disposto a fazer
um trabalho... — Reymer soltou um riso, enquanto o olhava de
canto.

— Que tipo de trabalho? — disse se virando para ele.


— Preciso que elimine uma certa pessoa. Todos os malditos
assassinos que eu tentei contratar recusaram o serviço.

— E por que acha que eu aceitaria?

— Duvido muito que tenha o dinheiro para pagar pelo serviço.


Além do mais, você e a única pessoa que talvez consiga fazer esse
trabalho.

— Talvez?

— Preciso que mate o Edwins pra mim.

— Da mineradora Edwins?

— Exato.

— Puta merda! Por que um velho como você, que nem sequer
põe um pé para fora de Strongarmy quer matar um dos caras mais
ricos e protegidos do continente?

— Soube de fontes confiáveis que as empresas dele planejam


explorar mais a fundo as minas no Nordeste da S.N.

— As minas de Soutren?

— Sim. Como você sabe, as adonitas que eu utilizo para criar


a maioria das armas que abastecem os exilados desse continente
de merda, vem das minas abandonadas de Soutren. Então,
digamos que meus sócios e eu sairemos prejudicados, caso isso
venha a acontecer nos próximos meses.

— Não é um trabalho fácil. O filho da puta nunca sai daquele


prédio gigante. É quase suicídio entrar lá.

— É por isso que você é a pessoa certa.

— Você sabe que eu não mato por dinheiro Reymer. Além


disso, tô muito ocupado agora. A bagunça que eu fiz na Sede do
Leste finalmente tá me trazendo retorno. Mas se aumentar a
proposta, talvez eu pense melhor.

— Eu sabia que o valor que você me deve não cobriria o


serviço, por isso vou te pagar mais trinta Bitcoins, adiantados.
Uma oferta mais que generosa, visto que ofereci metade para os
assassinos que conversei.

— Você sabia que eles não tinham culhões pra fazer esse
trabalho. Mas valeu a tentativa. — disse Viktor andando enquanto
olhava as armas expostas. — Fez uma oferta baixa para alguns
assassinos, sabendo que teria que aumentar o valor quando fosse
me oferecer. Aposto que você pagaria fácil cem Bitcoins pra eu
matar o desgraçado, mas não é isso o que eu quero.

— Ah e? — perguntou o velho curioso. — E o que você quer


então?

— Eu quero quitar os trinta e cinco que eu te devo, mais


aquela espada ali. — disse apontando para o canto da sala, para a
arma que havia namorado desde que chegara.

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— Não, não! Aquela não. — respondeu Reymer agora
furioso. — Essa belezinha vale uns duzentos Bitcoins fácil. Além
do mais, desde quando se interessa por espadas? Achei que seu
negocio fosse as cartas de baralho e os cassinos clandestinos.

— Você sabe que não tem ninguém louco o suficiente pra


fazer esse trabalho. E sabe que vai perder muito mais que
duzentos bitcoins se eu não aceitar.

Reymer ficou pensativo por um momento, mas no fim pareceu


concordar, ainda que muito puto. O coringa caminhou em direção
ao pedestal a qual a arma estava exposta. A espada negra tinha
quase noventa centímetros, um sulco ao centro da lamina que
brilhava em vermelho e um belíssimo guarda-mão em formato de
meia lua. Junto ao cabo revestido de couro se podia ver um pomo
danificado. Estava protegida por uma enorme caixa de vidro, com
lasers e todo tipo de segurança possível.

— Substitua o pomo. Quero que faça um modelo no formato


do naipe de espadas.

— Tudo bem. Você tem muita sorte, essa raridade tem


afinidade com o elemento fogo. O dakiliano que a empunhava era
um classe S.

— Eu sei. — Viktor a olhava penetrante. — Foi meu pai


quem explodiu a cabeça dele. — O que é isso brilhando no sulco?

— Eu suponho que ela tenha sido forjada junto a um grande


cristal de adonita vermelha. Um dos maiores que eu já vi.

— Por isso emana toda essa energia...


O coringa se afastou e então caminhou em direção a saída.
Reymer destravava o mecanismo de segurança.

— Quando vem buscar? — perguntou.

— Em alguns dias. — disse o jovem enquanto saía. — Ah!


Fique atento ao jornal das nove.

— Acha que consegue fazer isso até a noite? — perguntou


incrédulo.

O rapaz gargalhou. Se virou de canto enquanto seus olhos


ainda cintilavam em vermelho e atraiam os de Reymer.

— Você não me conhece velho? Me refiro ao jornal das nove


da manhã.

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II
A mineradora Edwins era pioneira na extração de adonita, um
cristal com propriedades incríveis formado misteriosamente após
a colisão do pequeno cometa H320 com a Terra. Para saber sua
importância, era necessário primeiro entender sua relação com o
grande despertar e as mudanças causadas por ele.

Uns meses depois da colisão, no ano 2.364, o cometa


começou a emitir ondas estranhas, gerando um tipo desconhecido
de radiação. Tal acontecimento desencadeou diversas mudanças
no planeta, incluindo o grande despertar, que dividiu a raça
humana em duas espécies distintas, dando origem a todos os
poderes conhecidos. Poderes que antes eram consideradas apenas
fantasia. Aqueles com a índole boa, que quando despertavam
mantinham sua consciência e integridade foram mais tarde
chamados de supramorfos. Já aqueles que quando ganhavam seus
poderes personificavam o mal, obtinham olhos negros e tinham as
mais perversas ações como seu objetivo, foram chamado de
dakilianos. Não se sabe o por que de suas ações, só que eles
precisavam ser detidos. Assim surgiu a Ordem, uma organização
global que tinha como objetivo entender essas habilidades e
treinar soldados capazes de combater os novos inimigos da
humanidade. Naquela época os países de cada continente já
estavam unificados depois da Reforma Regencial e um novo
idioma mundial havia sido criado, abandonando todas os outros,
afim de facilitar a comunicação entre os povos. Sendo assim, a
organização facilmente conseguiu o apoio de todos os governos do
mundo.

Depois de um longo tempo de pesquisa, os cientistas notaram


que todos os poderes existentes eram derivadas de cinco
elementos primordiais: água, terra, vento, fogo e éter, sendo este
último um tipo de energia obscura predominantemente usada
pelos dakilianos, e raramente encontrada em supramorfos. Além
disso, para que eles pudessem ser manifestados era necessário um
tipo de energia desconhecida produzida pelo corpo. Essa energia
foi então chamada de karma, e acreditavam que alguma mutação
genética causada pela radiação do cometa era a responsável pela
sua origem.

Apesar dos esforços da Ordem em seu rigoroso treinamento,


as batalhas contra os dakilianos eram difíceis e sempre deixavam
um grande número de baixas. Eles pareciam dominar os elementos
de uma forma a qual era impossível se alcançar naturalmente. Foi
então que estudando as armas dos dakilianos eles descobriram a
adonita, uma espécie de cristal que funcionava como um tipo de
catalisador, facilitando o controle e liberação do karma. Haviam
cinco cores de adonita conhecidas, sendo branca, azul e verde as
mais comuns e vermelha e preta as mais raras. Coincidentemente
cada cor desse cristal tinha melhor afinidade com um tipo
elemento. Assim a branca tinha uma melhor afinidade com o
elemento vento, a azul com o água, a verde com o terra, a
vermelha com o fogo e a preta com o elemento éter. Isso a fez
ficar conhecida como cristal elemental, passando a ser utilizada
na fabricação de todas as armas do exército supramorfo. Com isso
diversas expedições foram feitas em busca desses cristais e,
quando descobriram sua fonte nas camadas profundas da Terra, as
famílias mineradoras se tornaram a principal potencia mundial nos
tempos atuais.

Além da adonita, um outro material ainda mais raro foi


descoberto qwalém do minério negro, um material raríssimo de
origem ainda desconhecida e que apenas podia ser encontrado nas
armas deles.

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III
— Você é uma vadia! Se eu pudesse te... Sai da minha frente!

— Eu te juro que não fiz nada, você tem que acreditar em


mim! — gritou uma mulher desesperada.

— Eu te vi olhar pra aquele filho da puta. Vai dizer que estou


louco? — O homem falava furioso.

Os vizinhos de cima estavam atacados. Já eram repentinas as


brigas a noite, depois da cocaína e as festas que eles iam. Foi com
um soco na parede do apartamento que ele acordou assustado.
Olhou preocupado para o relógio, que agora marcava pouco mais
de quatro horas da madrugada. O alarme tocou em seguida. Se
levantou e se espreguiçou por um momento enquanto parecia
esperar alguma coisa. Conferiu algumas pastas sobre a
escrivaninha no quarto, comeu mais algumas Slidyes e iniciou
uma série de gestos com as mãos, fazendo surgir uma magia
estranha. Um tipo de hexágono em chamas pairava no ar, e em um
instante ele colocou seu celular no centro dele. Com outro gesto
ele sumiu, levando o aparelho consigo.

— E lá vamos nós — disse baixinho.

Foi quando de repente a rua ficou muito silenciosa, o que era


incomum naquela hora por conta das casas de show ao redor dali.
Se virou indo em direção a única janela da pequena sala de estar,
que bloqueava a visão de fora por uma cortina amarela encardida.
Com um olhar cauteloso aos arredores pôde confirmar a presença
de pelo menos dez soldados da Ordem.
— Esses idiotas... não sabem chegar sem alertar o bairro todo
— murmurou consigo mesmo.
Um estrondo foi ouvido e o piso de concreto estremeceu.
Suas pupilas dilataram e sua percepção do ambiente ficou
incrivelmente mais ampla. Girou o tronco para a esquerda no
momento em que uma flecha de gelo quase o atingiu,
atravessando a janela do prédio. Entrelaçou os dedos com as luvas
apertadas e uma luz vermelha brilhou sobre o dorso de suas mãos,
onde se encontravam suas pedras de Adonita. Num gesto com a
mão esquerda fez parecer uma carta — um valete de paus. A
arremessou como um tiro pelo buraco no vidro, fazendo assim ela
alcançar o topo do prédio vizinho. Num estalar de dedos se
teleportou até ela. Sua visão escureceu e rapidamente voltou ao
normal, mas agora o que via era o topo daquele prédio. Surgiu
como faíscas e cartas de fogo até se materializar em carne e osso.
Isso tudo em milésimos de segundos. Lá em cima um soldado
muito branco, de olhos azuis brilhantes o fitava cautelosamente
com um arco recurvo feito do mesmo material da flecha que o
atingira, mirando sem piscar em sua cabeça recém materializada.
— Vejam só se não é o meu tenente preferido — zombou
Viktor.
— Queria dizer que estou feliz em te ver, mas aí estaria
mentindo — respondeu o arqueiro.
— Você continua o mesmo, Willy.
— E você continua o garoto covarde de sempre.
Soltou os três dedos e mais uma flecha congelante cortou o
vento em direção ao coringa, que a antecipou projetando com a
mão esquerda um escudo de cartas flamejantes muito denso. Todo
o arredor foi coberto pela neblina gerada pelo atrito de suas
habilidades.

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— Vai ter que fazer melhor — gritou Viktor quase ofuscado
pelo som de vaporização.
Seus olhos estavam vermelhos e podiam ser vistos em meio
aquela fumaça.
— Não tire conclusões precipitadas. — disse Willy.
De repente algo muito forte e veloz segurou seus pés,
perfurando o chão do terraço. Isso o deixou menos surpreso do
que deveria. Mirou para o céu e avistou Clarice, sua antiga
parceira de equipe e também ex namorada, com enormes asas de
metal em um mergulho veloz em direção a ele. Os irmãos Tyler e
Tom Silver também apareceram segurando seus braços antes de
ele pensar em se teleportar.
— Parece que vocês conseguiram rapazes... — Sorriu de
canto enquanto fechava os olhos.
Um chute aéreo de Clarice atingiu sua cabeça a uma
velocidade muito alta, o fazendo destruir o terraço e afundar até o
andar abaixo. Ele apagou. A equipe cumpriu sua missão depois de
anos. Pelo menos era o que se passava na cabeça do arqueiro.
— Bom trabalho. — disse Willy se aproximando do enorme
buraco no chão.
Os demais nem lhe deram atenção, apenas esperavam de
dentro do helicóptero militar. Clarice pegou Viktor no colo e voou
em direção a Sede do Norte.
— Putos ignorantes! — Pestanejou o tenente.
Era um homem razoavelmente belo, com um rosto redondo e
cara de nojo. Caminhou até a borda do prédio e logo o helicóptero
se aproximou. Com um salto de mais de sete metros ele se agarrou
ao veículo.
— Pra sede. Agora!
— Sim senhor! — respondeu o piloto.

IV

Nas poucas horas em que dormia, ele tinha aqueles sonhos


estranhos. Sempre a mesma coisa, uma besta monstruosa em uma
enorme poltrona feita do que pareciam ser milhões de pequenos
cubos energizados. Ela o olhava fixamente e pronunciava algo em
uma língua estranha, mas que por algum motivo ele conseguia
entender: “Venha para Kolási”. Não fazia ideia de onde diabos era
esse lugar, mas era evidente que aquilo não era por acaso. Não
havia comentado com ninguém e isso o perturbava muito. Sua paz
foi interrompida por um golpe violento no abdômen.
— Hora de acordar, seu verme! — Gritou o arqueiro depois de
socálo mais uma vez.
Ele abriu os olhos assustado. Olhou ao redor enquanto tentava
se levantar da poltrona de aço, mas estava preso a inúmeras travas
em um quarto todo branco e muito iluminado. Sentiu que suas
armas haviam sido retiradas, como de costume naquele local. Já
esteve ali algumas vezes, do outro lado, interrogando aqueles
supramorfos malditos. Se sentiu no lugar deles. Sabia que mesmo
com sua força sobre humana não era capaz de escapar dali.
Ao lado de Willy estava o homem responsável por todos os
batalhões do Norte do país, o coronel de 1° escalão Mikael
Oberman. Ele o aguardava recobrar a consciência. Na mesa no
canto à esquerda, alguns outros tenentes apenas assistiam a cena.
— Enfim nós o capturamos, soldado 777SN — Coringa. Ou
prefere que o chamamos de “Ás”, como você ficou conhecido por
aí — disse Mikael caminhando ao seu redor.
— Como vai senhor?

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— Melhor agora que sei que um peso para o país como você,
finalmente vai ser posto no devido lugar.
— Você não sabe o quanto ajudou as pessoas desse mundo
fazendo isso.

Então você acha que roubando documentos secretos do
governo está de alguma forma ajudando na proteção dessas
pessoas?
— Eu só acho que tô muito perto de provar que meu pai tinha
razão.
— Pelo contrário filho, você está muito longe. Não sei se você
vai muito além daqui, tem pessoas ali fora que querem seu
pescocinho tanto quanto o Willy aqui. A única coisa que te
mantém vivo aqui sou eu, então acho bom você colaborar comigo
— disse o coronel enquanto apertava seu ombro. — Por que
roubou tantos documentos do governo?
— Pra firmar a localização de onde esses demônios estão
escondidos.
— Então você roubou esses documentos numa tentativa de
provar que o seu pai estava certo.
— Sim. Essas coisas... elas estão tramando alguma coisa. E de
alguma forma eu sinto isso.
— Preste atenção. Elas ficando escondidas ou não, temos
força o bastante para combatê-las. O seu pai era um louco rapaz.
Foi tolice querer arrumar problemas onde não há.
— Não podemos ficar acomodados, esperando elas agirem.
Eu deixei que me capturassem porque queria olhar no seu rostinho
lindo, e pedir uma chance de provar que estou certo.
O arqueiro se aproximou. Pegou no pescoço de Viktor e se
preparava para golpeá-lo.
— Como você consegue ser tão debochado...
— Saia de perto Willy! — cortou Mikael.

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Com uma cara de rancor ele se afastou e se pôs de costas aos
dois. O coronel prosseguiu:
— Então você acha que vai ser como seu pai, Viktor. Devia se
preocupar com sua situação agora. Sabe bem qual é a pena para
aqueles que desertam a Ordem.
Eu sei muito bem. Mas olha, você lembra que na visão que
meu pai teve, ele via alguém muito forte. Ele não se parecia com
um supramorfo, era como um líder deles. Alguém que estivesse
por trás de tudo isso.
— Sim. E não passa de uma idiotice.
— Calma, apenas escuta. Ele também disse que recebeu um
chamado desse líder, como se aquele monstro tivesse encravando
em sua mente um objetivo. O chamado vinha de uma porta com
um grande selo com escritas desconhecidas, em uma espécie de
caverna que ele pensou ser nas ruínas de Lamoa...
— Chegamos lá e não encontramos nada de muito diferente.
Vasculhamos por meses. Adentramos naquela maldita caverna tão
fundo que encontramos até alguns diamantes, mas nada de
suspeito. Apenas centenas de soldados foram eliminados quando o
seu pai ficou maluco e resolveu ficar do lado inimigo. — Cortou o
coronel.
— É verdade que ele se tornou um supramorfo por algum
motivo. Mas e se eu te disser que estavam procurando na
localização errada? Coronel, eu analisei todos os dados de
aparecimento dessas coisas durante os últimos cem anos. Eles
aparentam ser muito maiores na área ao redor de Walcenter, que
inclusive é muito parecida com as ruínas ao redor de Lamoa.
— Onde você quer chegar?

— Me deixe averiguar o local. Só preciso de alguns homens e
alguns dias.
— E a resposta é não! Cara de pau! Chega dessas loucuras
que você e seu pai sustentaram por tanto tempo.
— E se meu pai estiver mesmo certo? Você não quer descobrir
qual o verdadeiro motivo por trás disso? E se for essa entidade
maligna que constantemente cria monstros como eles e, de alguma
forma, pessoas como nós? E se eles estão se preparando para
alguma coisa nesse tempo todo? Eu só peço a você alguns homens
e uma semana, não mais que isso. Vamos! O senhor é a única
pessoa sensata dessa organização.
Então você acha mesmo que vai sair por aí, como se nada
tivesse acontecido?
— Leia os documentos da pasta vermelha.
— Por quê?
— Apenas leia — disse o Às, olhando a uma série de pastas
em cima da mesa, todas extraídas de seu apartamento.
Mikael ficou pensativo por alguns segundos. Ele mais parecia
um artista do que um dos líderes militares do país. Confiante,
cabelos lisos, bigode cautelosamente afinado, vestia uma camisa
branca com um blazer preto por cima, correntes de ouro no
pescoço e no seu braço um belíssimo relógio importado. Tinha o
estranho costume de morder a ponta dos óculos quando se sentia
incomodado, e naquele momento o fazia. Depois de pegar a pasta,
se dispôs a ler cinco folhas do que parecia ser um documento
oficial da S.L (Sede do Leste). As expressões que fazia se
tornaram o aborrecimento do arqueiro.
— Vai mesmo acreditar nesse verme?

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— Não se meta, você só está aqui por que o Saifer insistiu em
te manter por perto. — Cortou Mikael e então voltou a olhar para
Viktor. — Como conseguiu isso?
— Do mesmo modo que consegui os outros.
— Porque a S.L reportou o roubo dos arquivos 167SL, mas
não reportou esse?
— Ora coronel, como um cara esperto como você ainda não
ligou os pontos? Tem muita coisa por baixo dos panos aqui, e é
exatamente isso que eu venho investigando.
— Senhor, não tem como esse tipo de arquivo ser
verdadeiro...
_ Willy, cale a sua maldita boca! Veja essa merda, tem o selo
da suprema corte. Duvida da minha pericia seu moleque?
— Não senhor.
— Então não me encha o saco de novo.
Não muda nunca — zombou Viktor.
— Isso aqui é um baita de um problema... “...Encontramos o
mistério por traz dessas coisas. Esse local... Estamos mantendo em
sigilo das outras sedes, mas desconfiamos que tenham traidores
entre nós...” — Mikael leu em voz alta e encarou o jovem por
alguns instantes.
— Intrigante não? Meu pai pode ter se equivocado quanto ao
local, mas tenho certeza que o que falava é verdade. Ele nunca
mentiu pra mim. Nos últimos dias... o coitado estava transtornado.
E se eu conseguir provar que o que está escrito aí...
O coronel continuou pensativo. Era perceptível que estava
inquieto com a presença do arqueiro.

— Segundo esse relatório, senhor coronel, a tão respeitada
Sede do leste sabe do paradeiro de uma possível brigada inimiga.
Além disso, mantém tudo isso por baixo dos panos até agora. Isso
não te deixa curioso?
Mikael ficou pensativo. Leu novamente aqueles arquivos
andando de um lado ao outro da sala. Por fim, pegou no ombro de
Viktor, apontou o dedo em sua cara e respondeu friamente:
— Te dou uma semana pra investigar esse local, e me trazer
provas que confirme que esse teatrinho é real.
Willy ficou perplexo. Olhou para os outros tenentes, que
estranhamente pareciam concordar com o coronel Oberman.
Viktor sorriu por um momento. O arqueiro apenas ficou
calado, nervoso. Mikael continuou:
— Olha filho, como sabe a pena para os enkloveres que
desertam é a morte imediata. Porém, averiguar esse local agora
também é algo de meu interesse, já que a S.L tem mantido
diversos segredos nos últimos anos, e isso tem me enfurecido
muito. Você vai sem as luvas e eu vou encarregar a mesma equipe
de ontem pra fazer a sua escolta. No caso de não haver nada lá
eles terão todo o direito de eliminá-lo antes que você tente algo, de
acordo?
Tudo bem. — respondeu olhando para o arqueiro.
Mikael tirou do bolso uma carteira de cigarros. Acendeu um
deles com uma chama azul que fez na ponta do dedo indicador.
Tragou por uns segundos e voltou a falar.
— Vou falar com Saifer para estender o prazo da sua
execução. Caso consiga o que quero, terá sua liberdade de novo.
— Obrigado, senhor — disse Viktor acenando com a cabeça.

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— Não me agradeça, apenas prove que está certo. Vamos. —
Ordenou a Willy, enquanto fumava.
O arqueiro olhou com ódio para o coringa, enquanto se
retirava da sala. Mikael esperou um momento e também se retirou.
Entretanto antes de desaparecer, enquanto passava pela porta e
sem ser pego pela câmera, olhou disfarçadamente para Viktor e
meneou positivamente com a cabeça. Ele respondeu fazendo o
mesmo e em instantes foi fortemente sedado por alguns soldados
que entraram na sala. Mais sonhos.
V

Lutar pelos direitos de um enklover nunca havia sido fácil.


Rodrigo Macedo sabia muito bem disso. Era de costume passar os
dedos por entre os cabelos grisalhos quando sentia que um caso
não era mais só um caso. Ele se entregava a seus clientes de corpo
e alma. Seus olhos castanhos inspiravam bondade e buscavam a
menor fagulha de humanidade no coração dos juízes. Atuou por
trinta e oito anos como defensor público da Ordem, numa era onde
qualquer deslize era sinônimo de morte, quando relacionado aos
“seres modificados”. Ao longo de sua carreira, pode salvar
centenas de vidas da injustiça feita nesses tribunais, que não se
importavam com nada além da extrema soberania. Decidiu largar
o ramo quando soube que Viktor, seu sobrinho, havia morrido e
despertado como um desses seres. Por sua carreira e influência
pode assumir o cargo de tutor do código penal, na academia da
Ordem, onde instruiu, se aproximou do garoto e viu ele se formar.
Depois disso se mantiveram muito próximos, até o dia em que ele
resolveu desertar, inspirado pela transformação em supramorfo do
pai, que logo em seguida desapareceu. O fato de seu sobrinho
agora ser um dos homens mais procurados a nível internacional o
deixava maluco.
Era a tarde de sexta, quando conseguiu se encontrar com
Mikael, numa cafeteria em um saguão na extrema corte do Norte.
— Você esteve com ele ontem e não achou importante me
avisar? — perguntou enquanto mordia sua rosquinha preferida
com recheio de morango.
— Não tinha como te avisar. Se isso vazasse ele
provavelmente estaria morto agora. — respondeu o coronel

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enquanto se sentava a mesa. — Algumas pessoas na Ordem
querem a cabeça dele por qualquer custo. Mesmo que isso
signifique pegar uma pena severa por não respeitar a Lei do
Julgamento.
— Entendo, mas o que aconteceu depois que vocês o capturaram?
— Fiz linha dura, mas no final dei ao rapaz a chance de
provar que está certo. O Willy e as testemunhas de interrogatório
estavam conosco então tive que parecer convincente. Mas o
problema mesmo foi segurar a merda do executor.
— Saifer concordou com isso?
— Eu tinha a certeza que concordaria, ele me deve uma.
Ficou muito puto, mas me deve uma. Salvei a vida dele em alguns
processos diplomáticos. Mas a cereja do bolo foi aquele
documento roubado da S.L. Ele vai segurar os abutres por
enquanto.
— Então o plano segue firme? — perguntou Rodrigo
enquanto terminava de comer a rosquinha.
— Está tudo dando certo, inclusive a ordem de execução
contra o Willy, aquele estuprador filho da puta. Sobre isso o Saifer
nem questionou. Ele disse que qualquer um dos dois morrendo é
lucro.
— Então meu sobrinho vai mesmo lutar contra o Willy. O que
acha disso? — perguntou Rodrigo preocupado.
— Foi ele quem pediu isso. Tenho certeza que o tenente não
consegue com ele, senão eu não aceitaria. Viktor é muito forte.
— Sim. Ele é igualzinho ao pai. Só espero que nada aconteça
afinal aquele lixo também é muito forte.
— O rapaz está no meu nível, não tem como perder. —
Mikael se serviu do café que estava na mesa.
— E qual equipe você designou pra ele?
— A tenente de 1° escalão Clarice Vankrug, o tenente de 2°
escalão Saiko Yamato e os irmãos da Black Adler, os tenentes de
2° escalão Tyler e Tom Silver.
— Uma equipe em tanto.
— São pessoas boas — disse o coronel depois de tomar um
gole do café. — Já os deixei cientes de tudo.
— E o que acharam?
— Eles concordaram com a ideia. Assim como eu eles sabem
que tem algo de errado com o Leste.
— Fico feliz em saber que está dando certo, e que Viktor está
conseguindo com sua ajuda. Meu irmão ficaria muito orgulhoso.
Essa é uma missão muito nobre. Isso pode desvendar os segredos
por traz de tudo...
— Olha, sem dúvidas o Vicent foi o melhor coronel que nós já
tivemos. O mais sensato, justo e inteligente. Sendo sincero o que
Viktor está fazendo é tudo o que as pessoas honestas da
organização e inclusive eu queria fazer, mas infelizmente não
podemos.

— Porque vocês não puderam iniciar uma operação antes?


— O problema é a S.L, que não autoriza esse tipo de
investigação na área deles. Eles falam que os agentes deles têm
controle total daquela área, e querer investigar é um insulto a
segurança do Leste. Antes isso até fazia sentido, mas gora
sabemos que é uma maneira de se protegerem.
— Por causa da exploração do minério negro. E da possível
localização da porta estranha, que o Vicent disse ter visto nas
visões.

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— Sim. Provavelmente.
— E eles concordaram com essa investigação dessa vez?
— Eles não sabem, é uma investigação secreta. Pra isso todos
os integrantes da equipe vão ser excluídos do nosso banco de
dados, para adentrarem a fronteira do Leste. Mas se forem pegos
lá é fim de jogo. Por isso não investigamos antes. Como coronel
eu não podia me comprometer e, não haviam soldados bons o
bastante pra isso. Pelo menos até eu conseguir colocar o Às no
jogo.
— Entendo. Então se a equipe de Viktor encontrar as provas
necessárias vocês vão poder agir...
— Sim, contamos com isso. Só assim o Saifer vai poder
iniciar uma operação, e as outras sedes vão nos ajudar. Se essa
exploração de minério negro for real, nós, juntamente com as
sedes da Ala Sul e Oeste do País, vamos entrar com tudo. E eu não
estou falando de prisão por ordem de mandado, estou falando de
uma guerra. Eles não vão deixar serem pegos assim. Mas se no
final tudo der certo, depois que tivermos o controle dessa área
novamente, aí poderemos procurar a localização da porta.
— O Leste tem um dos tenentes mais fortes a nível global.
Fora que até os tenentes de 2° escalão das sedes e batalhões de lá
também tem poderes estrondosos.
— Sim. É a Ala do país que tem o maior potencial militar
atualmente.
— Isso vai ser duro.
— É, tenho minhas dúvidas se a S.N, S.S e S.O juntas vão dar
conta desses arrombados.
— Mas mudando de assunto, onde está meu sobrinho agora?
Preciso saber se ele está bem.
— Nós o encaminhamos em sigilo para o presídio no sexto
batalhão, até eu resolver umas coisas.
— Logo o sexto... — Resmungou Rodrigo depois de bicar
muito depressa o café e queimar a língua.
— O único lugar onde os tenentes não o encontrarão. É só por
algum tempo também, a reunião com o conselho será na quarta.
Vou confirmar minha concessão de liberdade provisória e assumir
qualquer tipo de problema. O Saifer vai me ajudar nisso.
— E até lá o Willy não sabe de nada né? Nem que foi sentenciado.
— Será uma surpresa. As provas de que ele é um estuprador
em massa são muito concretas. Por isso o coloquei na equipe, todo
mundo da organização sabe da rixa entre os dois. E no final o
nosso Às vai fazer o trabalho pesado. Pro Saifer isso são dois
coelhos com uma cajadada só.
Uma garçonete se aproximou da mesa a qual estavam
sentados e serviu o coronel com uma bela torta de frango, sua
preferida. O cumprimentou, como de costume, e se retirou em
silêncio.
— Mas o mais importante é que Viktor e a equipe encontrem
essa área de exploração, e que consigam sair vivos de lá. — disse
Mikael antes de dar uma mordida na torta.
— Eles vão conseguir. Eu sei disso. — Murmurou Rodrigo.

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Capítulo 2: Sem tempo pra descanso

Eram cinco e meia da manhã de quinta, da semana seguinte.


Viktor não comia a sete dias, seu estado era deplorável.
Trancafiado em uma cela no subterrâneo do sexto batalhão, não
tinha nada além de uma privada e uma cama, num pavilhão tão
escuro e silencioso como um universo sem estrelas. Era um jovem
de coração muito bom, apesar de suas ações nos últimos anos, que
o faziam questionar se estava deixando de ser humano. Outro dia,
degolara a cabeça de uma facção inteira, pra conseguir alguns
privilégios e informações no Leste. No ano passado, sozinho havia
torturado centenas de homens que sabia estarem envolvidos no
caso. Apesar disso era apenas um jovem. Um jovem em que as
circunstancias transformaram em uma máquina. Deixar seus
amigos e família para trás foi o menor dos custos que teve ao
longo desses anos. Um fardo como esse deixaria até o mais puro
homem à mercê da insanidade total. E foi exatamente isso que o
fez ser tão bom no que faz.
Foram só alguns minutos depois de acordar quando ouviu
muitos passos se aproximando. Se manteve deitado, paciente. Sua
audição apurada identificou quatro pessoas. Pelo estalar das botas
no piso de concreto uma delas era uma mulher, e isso o deixou
mais tranquilo. As luzes então foram acesas e as quatro pessoas
estavam lá, paradas em frente a sua cela. Eram os mesmos
soldados que haviam o aprisionado. Clarice o olhava com pena
enquanto abria aquela porta de várias camadas de aço. Era uma
belíssima moça parda, de cabelos cacheados, lábios bem
desenhados e olhos de um quase cinza penetrantes. Considerada
um dos tenentes mais fortes do Norte, era inegável como todos os
ali presentes a respeitavam.
— Levanta. — disse ela enquanto jogava uma mochila a ele.
— Só soubemos da sua localização agora. — Como você está
magro...
— O que tem aqui?

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Vestes e alguns produtos de higiene pessoal. Vamos, você
vai tomar um banho.
— Os malditos da Ordem têm toda essa compaixão? —
zombou.
— Como disse, não sabia onde eles tinham te escondido.
Viktor se levantou e fixou os olhos nos irmãos Silver, que
estavam à esquerda da garota. Eram muito parecidos. Dois jovens
de olhos amarelados, cabelos curtos e excelente condicionamento
físico. Usavam uma espécie de canhão prateado idênticos em seu
antebraço, com uma pedra de Adonita próxima ao cotovelo.
Desviou o olhar até um grandalhão e teve a certeza de que foi ele
quem segurou seus pés naquele dia. Tinha a pele meio rugada, um
cabelo longo pouco grisalho amarrado em um coque, olhos
puxados muito pretos e pele branca. Em sua cintura era visível a
presença de uma belíssima Katana. Aquele era Saiko, um velho
amigo de seu pai e um soldado fiel da Ordem. Caminhou até a
porta, o cumprimentou e foi levado até o banheiro da prisão.
Esperavam ao lado de fora até ele terminar de se limpar, fazer
a barba e tirar os pelos do corpo. Viktor era um tanto quanto
vaidoso. Clarice até resolveu entrar para apressá-lo, mas se
deparou com ele nu preparando as roupas para se vestir. Suas
bochechas coraram e ela rapidamente se virou.
— Vamos seu idiota, não temos tempo a perder!
— Você já foi mais paciente — disse enquanto vestia sua
sunga.
— E você já foi alguém de valor.
— Eu senti saudade.
— Só anda logo com isso, já gastou tempo demais.
— Tudo bem, tudo bem.

— Nós temos que estar fora da Ala Norte até o fim da tarde.
— Asseverou um dos irmãos pela porta.
Viktor levantou as mãos, em sinal de desculpa e então se
trocou, com um sorriso de canto. Vestiu uma roupa comum, assim
como todos estavam usando; manga longa pra esconder o colete
de grafeno com uma calça jeans.
— Bem melhor que aquelas roupas chiques que você usa. —
Palpitou Clarice.
— Ficou parecendo seu pai rapaz. — comentou Saiko.
— Pois é, eu tô até que no estilo. Mas aí, onde é que estão
minhas luvas?
Parecia muito calmo, como se aquilo não fosse tão relevante.
Clarice parecia indignada.
— Elas estão com o Willy. — Ela respondeu.
— Imaginei.
— Eu tentei, mas ele as pegou primeiro, mesmo eu falando
que estavam sobre minha custódia. Não pude fazer nada já que
não está explícito na missão que você pode usá-las.
— Entendi. E onde ele está agora?
— Esperando lá fora. Vamos indo.
— Tem alguma coisa pra comer aqui? — disse com uma cara
de sofrimento enquanto andavam. — Já tô há uma semana sem
comer.
— A gente passa no refeitório. — Respondeu Tom.
— Ótimo.

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Andaram por uma porção de corredores e seguranças, até
chegarem em um salão enorme e cheio de mesas, onde demoraram
mais alguns minutos. A comida ali tinha a cara muito boa, apesar
de ser feita por alguns brutamontes que cumpriam pena.
— Não vão comer? — perguntou o coringa.
— Melhor não... — disse Clarice.
— Olha eu até queria. Mas eu não confio na culinária desses
caras.
— Murmurou Tyler, o mais novo.
O que mais você pode me contar a respeito da missão? —
Indagou a tenente, se sentando próximo a ele.
— Acredito que vocês têm alguns dos documentos secretos da
Ordem que eu reorganizei, mais as informações escritas da
conversa que tive com o coronel e as informações da missão.
— Sim.
— Ok. Quando chegarmos em Walcenter, levarei vocês a um
lugar onde as coisas vão fazer mais sentido.
— Como assim? — perguntou Clarice confusa.
— Vai entender quando chegar lá.
— Você e esses seus joguinhos... Termina isso logo —
ordenou Clarice, se levantando.
— É o que eu tô fazendo.
— Só mastiga mais rápido, tem gente te procurando nesse
momento. Sua cabeça tá sendo mais cobiçada que uma das taças
da NFL. — disse Tyler.
— Certo bonitão, eu já falei que tô terminando. A menos que
consiga matar aquele cara lá fora, acho melhor me deixar comer.
— Essa frase de Viktor veio seguida de um olhar de deboche, ele
sabia mesmo irritar as pessoas ao redor.
Tom sinalizou para que o irmão o deixasse em paz. Clarice
conversava com alguém no telefone.
Tendo saciado sua fome, agia como se tivesse recuperado as
energias por completo. O corpo dessas mutações era muito
diferente de um humano comum. Tanto em metabolismo, como
em força, velocidade e resistência. Com uma simples, mas
abundante refeição ele já voltara ao normal. Se acabava em um
galão de água enquanto caminhava em direção a saída.
Ao chegar lá fora, no estacionamento, Willy relaxava
encostado em um carro preto. Em seu antebraço refletia um
bracelete com uma pedra de Adonita, por cima da manga de seu
uniforme militar preto e dourado. Quanto mais se aproximavam
do carro, mais a tensão aumentava e o ar ficava quente e pesado.
Ainda estava escuro e a pouca iluminação ali destacava ainda mais
os olhos dos rivais. A tenente ergueu a mão e todos menos o
coringa pararam de caminhar.
— Então você resolveu roubar minhas coisas agora? —
Indagou Viktor, com um sorriso medonho, parado a quatro metros
do veículo.
— Gostei do tecido, é couro de carneiro né? — respondeu o
arqueiro com a mão no queixo.
— Onde elas estão?
— Como se eu fosse falar pra você.
Houve um segundo de silêncio.
—Só uma dúvida, digníssimo tenente de 1° escalão. Você
ainda acha que é mais forte que eu né? — Voltou a falar o coringa.
— De todas as vezes que a gente brigou, quantas vezes você
ganhou mesmo?

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— É, você tem motivos pra pensar assim. Naquele tempo eu
era muito fraco.
— Pois eu acho que você não mudou nada, Às. Você não tem
peito pra lidar com as coisas que aconteceram. Por isso você
desertou. Continua aquele menininho mimado que eu adorava
espancar na academia. — disse Willy seguido por uma gargalhada.
Viktor sorriu por um momento, olhou para trás e viu que os
irmãos, Clarice e Saiko estavam distantes, então concluiu:
— Eu me controlei muito naquela noite, mas te garanto que
não vai acontecer agora.
— Mentira! Você só ficou por tanto tempo livre por causa
desses seus truques de merda. Sem seus brinquedinhos você não é
nada. E agora, como se eu fosse deixar alguém como você sair
livre em uma missão, depois do que fez. Você é um traidor
repugnante Viktor. Vou me contentar em ficar quatro meses no
purgatório por ter acabado com você de uma vez por todas.
Era previsível que tentaria algo, assim como outros tenentes
também tentariam, se soubessem a minha localização agora. Mas
olha, antes de continuar essa conversa, precisamos estabelecer
umas coisinhas.
— E quais são?
O Às se aproximou como um raio nos primeiros segundos
dessa cena, com um soco de direita quase atingindo a face do
rival, que se esquivou e se afastou do veículo.
— Pelo visto a equipe está do seu lado. Nem sequer
demonstram preocupação. — disse o arqueiro.
— Sim, estão. Mas eles não vão interferir nessa luta.
Willy então se esticou e caminhou lentamente em sua direção.
Em um piscar de olhos estavam os dois com os dedos das mãos
entrelaçados numa disputa brutal de força. Gelo e fogo. Era como
uma batalha pela honra de suas habilidades. Uma batalha como
em filmes de ficção. E era monstruosa. Uma rixa alimentada desde
os primeiros anos na academia, na época em que o arqueiro
insistia em humilhar o garoto apenas por ele se destacar dos
demais alunos. Por quase se destacar como ele. Viktor apertou
seus dedos numa força a qual seu oponente não esperava, depois o
girou e o jogou no outro lado da rua, fazendo-o destruir um poste
e cravar suas costas nas hastes de uma torre de vigilância vazia. O
alarme soou e dezenas de soldados se aproximavam dali.
— Vou te mostrar que nem só de cartas vive um PokerStar. —
Ele disse, com os olhos brilhando em vermelho.
O tenente desprendeu-se das barras de ferro. Desencravou um
vergalhão de sua perna e correu para cima dele com velocidade. A
ferida rapidamente foi estancada e aos poucos ia se curando. O Às
estava com os reflexos afiados, desviou-se da rápida cotovelada e
conteve o avanço do joelho do arqueiro. Atacou em resposta com
um gancho de direita, que passou perto, seguido de um Jab (braço
esquerdo) em cheio no meio do peito dele. Willy absorveu apenas
uma parte do impacto, por causa do colete. Tossiu um pouco de
sangue e numa ginga com o quadril atacou rodopiando o pé para
acertar a cabeça de Viktor, que bloqueou firmemente com o
antebraço. Era incrível como depois de despertarem esses
humanos tinham tanta força física, já que apenas o atrito desses
golpes fazia todas as estruturas tremerem. Os dois se afastaram de
novo.
— Belo chute. Eu quase senti esse — zombou o Ás.
— O Taiga até que te ensinou bem. — respondeu o tenente.

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— Antes de eu acabar com você, quero que sinta um
pouquinho do que eu sofria em todos aqueles anos na academia —
Ele disse se aproximando do arqueiro.
— Pois eu duvido mui...
Viktor o surpreendeu arremessando com força uma faca de
cozinha que havia pegado no refeitório, na direção de seu rosto.
Ele desviou instintivamente para o lado, para se esquivar, e nesse
momento o coringa o agarrou muito veloz pela alça do colete,
segurou-lhe com as duas mãos e cabeceou sua testa com muita
força. Willy, atordoado, mal conseguiu bloquear os vários socos
consecutivos no rosto. Eles logo foram seguidos de um chute
circular no tórax, que de tão firme fez o arqueiro atravessar uma
van do serviço de limpeza.
— Agora que sabe que não ganha no corpo a corpo, te
mostrarei o porquê de me chamarem de “Ás” — disse extasiado.
Com um movimento em círculo com os dedos o coringa criou
uma espécie de pequenos portais flamejantes, que se aproximaram
e cobriram suas mãos, se transformando como uma espécie de
magia antiga nas suas luvas. As pedras de Adonita brilhavam em
vermelho. Viktor estava com seus poderes maximizados.
Um tiro de gelo rasgou o vento por entre o buraco na van,
passando raspando ao lado de seu peito. Estaria morto se não
tivesse desviado a tempo. O arrogante tenente da Ordem começou
a lançar flechas numa velocidade extrema, fazendo com que o
coringa desviasse continuamente com o corpo. Os projéteis que
iam em direção a Clarice eram facilmente destruídos pela Katana
de Saiko.
Obrigada! — disse a tenente sorrindo e se mantendo vidrada
na luta.
— Como ele consegue desviar daquilo tão fácil? — perguntou
Tyler.
— Eu não faço ideia... — respondeu Clarice curiosa.
Em um espaço de tempo enquanto se esquivava, Viktor fez
surgir vários reis de espadas por entre os dedos e começou a
atirá-los em resposta ao arqueiro. Eram como um show de fogos,
com cartas vermelhas explodindo ao se aproximar do arqueiro.
— Quem as pegou pra você? Em? Traidores. — gritou o
tenente furioso.
— Foi engraçado ver você achar que eu não tenho controle
das minhas armas.
— Contanto que não fuja feito um covarde, elas não farão
diferença.
— Se é o que acha. Não se preocupe, não sairei daqui
enquanto você continuar respirando. — disse o coringa enquanto
fazia mais uma sequência de disparos, só que dessa vez triveladas,
fazendo curvas e quase explodindo próximo ao arqueiro, que
preparava mais algumas flechas.
Uma enorme fumaça rodeou o local. Willy havia acertado as
cartas triveladas antes delas o pegarem de lado.
— Que truquezinho chato — disse o arqueiro.
— Você nem viu o próximo... — murmurou em reposta.
Atirou mais uma série de cartas de fogo com a mão esquerda.
O tenente agora desviava de algumas ao mesmo tempo que atirava
em outras e contra atacava, conseguindo até fazer uma flecha
raspar o ombro do coringa, que ignorou a dor. Enquanto Willy
fazia de tudo para não tomar o dano daquelas explosões e o
tentava o acertar, Viktor criou mais alguns reis de espadas e um
valete de paus na mão direita e os camuflou seguidos dos
disparos antecessores, errando por alguns centímetros

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propositalmente a carta de teleporte. Novamente, o arqueiro
esquivou de algumas enquanto atacava de volta, isso tudo em
poucos segundos. Entretanto, no momento em que o valete passou
pelo rival misturado a chamas das explosões, a batalha se
encerrou. Viktor se teleportou imediatamente até suas costas
segurando e o erguendo bruscamente pelo pescoço.
— Bingo!
Com a outra mão atirou uma dama de copas no chão. O rival
tentou se espernear, mas já era tarde. Ele socava sem piedade suas
costelas por detrás. Pancadas violentas foram ouvidas a metros
dali. Clarice e Saiko apenas observavam de longe a cena toda, sem
expressões. Os irmãos ficaram um pouco espantados. Uma poça
de sangue se formou no chão, depois de inúmeros golpes. E
quando Viktor achou que quase não conseguiria mais fazer o
arqueiro sentir dor, cravou sua cara no chão com tanta força que a
afundou no piso de concreto, batendo por umas quatro vezes até
estourar por completo seus olhos, nariz e boca. Naquela força, o
crânio de uma pessoa normal há muito tempo tinha virado
migalhas em meio a massa encefálica. O impiedoso coringa se
levantou e então, no que parecia um último ato de agressão, pisou
sobre a cabeça do rival enterrando-a por inteiro no piso todo
quebrado.
— Que nojo! Veja o que você me fez fazer. Logo na frente da
minha gata...merda — sussurrou enquanto se abaixava e
vasculhava os bolsos do tenente a procura de algo.
No bolso lateral do uniforme encontrou o que queria. Um
cartão de acesso de nível especial. Aquilo poderia lhe ser útil
naquela missão. Enquanto isso o Sol já estava quase nascendo,
com seus raios clareando aquele céu um pouco nublado.
— O Poker é um jogo de sorte Willy... azar é quando você
senta com quem sabe jogar — disse antes de dar um tapa nas
costas do arqueiro e se afastar do corpo.
A alguns metros, estralou os dedos e em segundos emergiram
milhares de cartas em formato de uma esfera ao redor da dama de
copas que estava no chão, formando assim uma espécie de prisão,
que de

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repente começou a flutuar com o corpo do arqueiro e toda terra e
concreto que estavam dentro. Viktor apontou uma das mãos a ela
e, conforme ia fechando o punho ela se comprimia cada vez mais,
até o momento em que ficou do tamanho de uma bola de basquete.
Uma onda de calor se espalhou ao redor daquilo, que tinha energia
suficiente para destruir uma cidade. Era uma bola massiva de
energia. Bem longe dali a equipe o olhava atentamente.
— Então esse é o poder do filho de Vicente — sussurrou Saiko.
— É assustador... — Completou Clarice. — Não me lembro
de ele ser tão forte assim. Alguma coisa aconteceu com ele.
Viktor sentia que podia comprimir ainda mais, mas havia risco
de explodir e, Willy já se tornara cinzas há muito tempo, então,
lentamente abriu a mão e a esfera tornou a crescer. Depois de
alguns segundos ela simplesmente sumiu.
Ao mesmo tempo, os soldados do sexto batalhão chegaram até
o local. Mais de cem, todos equipados com armas especiais. O
coronel de 2° escalão Aminor Bills os liderava pessoalmente.
— Quando Saifer me disse que você viria pra cá, não imaginei
que fosse causar tanta confusão. Mal saiu da prisão e já fez merda
de novo né seu filho da puta! — gritou o velho, no meio daqueles
homens.
— Concordo, esse cara é meio maluco! — murmurou Tyler.
Como um vulto o Ás o apertou pelo lado, estirando seu braço
por cima de seu pescoço.
— Que nada, longa história. — disse Viktor o olhando bem de
perto.
Tyler girou se soltando do abraço.
— Acho bom não fazer isso de novo — vociferou o olhando
de cima até em baixo.
Nesse tempo os soldados ainda estavam focados em Viktor, a
uma ordem de atirar. Aqueles rifles eram um dano pesado até
mesmo para os enkloveres, já que sua munição era composta de
estilhaços de Adonita.
— Coronel, vamos matar esse desgraçado! — gritaram alguns
deles.
Saiko tomou a sua frente. Sacou sua katana e se preparou para
defendê-lo. Os homens, assustados, hesitaram.
— Tenente! Como ousa ficar ao seu lado! — gritou Bills.
—Eu sei que isso parece um absurdo, mas estão sendo
precipitados — respondeu o samurai.
Clarice se aproximou dos soldados e com a mão estendida se
dispôs a explicar a situação:
— Atenção sexto batalhão! Esse homem está sob custódia da
equipe tática de 1° escalão da Ordem. Ignorem o incidente. O
coronel Mikael não sabia de um jeito melhor pra eliminar o
desgraçado do Willy, que há alguns meses vinha usando seus
poderes de comando para abusar de centenas de mulheres
inocentes pelo país. Ao chegar em um consenso com o executor
Saifer, decidiram que essa era a maneira mais humilhante de que
ele poderia morrer. E se dúvida disso, ligue pra ele, Coronel Bills.
— Ela gritou.
Ele de imediato realizou a ligação. Era um homem robusto e
de olhar agressivo. Seus cabelos brancos e cicatrizes por todo o
corpo indicavam a sua experiencia de profissão. Era muito velho
para estar em combate, mas sua enorme força não foi o único fator
para fazê-lo chegar naquela patente. Depois de alguns minutos de
discussão pelo telefone, deu a ordem e os soldados recuaram.

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7
— Espero que a equipe de engenharia deixe tudo como estava,
e que seja até amanhã. — Ameaçou o coronel ao mesmo tempo
que se retirava.
— Pode deixar. Cuidarão disso ainda hoje — respondeu Clarice.
Viktor então se virou para ela, meio enérgico. A tenente
parecia preocupada.
— Que satisfação matar esse filho da puta — zombou.
— Ele teve um fim merecido. — Concordou Clarice. — Então
você sempre tem acesso as luvas é?
— A menos que alguém as queime em um solstício de verão,
sim.
— Que bizarro. — Tyler comentou com uma cara feia.
— Bom, acho melhor irmos logo. — Ele determinou.
— Não podemos teleportar até Walcenter? — perguntou
Clarice, parecendo incomodada.
— Não tenho mais cartas no Leste.
— Não tem nenhuma próxima? Você sabe que odeio viajar.
Viktor fechou os olhos por alguns segundos. O restante da
equipe olhava sem entender nada.
— Algum desgraçado destruiu a única que eu tinha a uns
quilômetros depois.
— Que droga... — murmurou a tenente. — Nem sequer posso
ir voando. Que missão maravilhosa.
— Acho bom você relaxar a cabeça. Isso é só o começo.
Tom, o irmão mais velho, se aproximou da equipe com uma
chave nas mãos. Ao perceber o estrago feito pela luta, apertou um
dos botões para confirmar se o veículo que conseguira não tinha
sido destruído. Um barulho foi ouvido do outro lado da rua. Ele
respirou aliviado.
— Vai ser uma viagem em tanto, mocinhas — zombou.

II

O sol das onze horas radiava naquela sexta de verão, no


leste do país. O calor da manhã era incrivelmente agradável e a
pouca brisa que entrava pelas pequenas gretas das janelas
semiabertas do veículo, transmitia uma sensação de aconchego.
Estavam a toda velocidade em meio a floresta densa pela rodovia
L137. O piloto automático desviava dos veículos pelo caminho
numa extrema facilidade e segurança. Era perceptível como a
Tesla havia crescido no mercado global de veículos, sendo agora a
principal referência. Um exemplo disso era a própria picape
elétrica a qual estavam. Uma Cybertruck model 105, considerada
naquele ano a melhor opção de compra entre essas maquinas de
luxo. Fez jus aos elogios quando quatro horas depois precisaram
contornar algumas árvores pelo caminho, num percurso que
segundo o computador de bordo os levariam a Walcenter em
algumas horinhas, uma humilde cidade no interior conhecida por
sua comida saborosa.
— Não vejo a hora de degustar aquele famoso cervo com
molho apimentado! — disse Tyler empolgado.
— Devia se concentrar na missão — afirmou Tom.
— Estou concentrado, mas também estou com fome.

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Diversos sensores estavam espalhados pela floresta. Através
de captadores de Karma conseguiam distinguir quando um
supramorfo se aproximava da cidade.
— Acham que eles vão desconfiar da gente quando falarmos
que somos turistas da capital? Quer dizer, quem iria querer
conhecer uma cidade como essa — zombou o irmão mais novo.
— Você que pensa. Walcenter já foi referência nacional no
quesito gastronomia. — disse Viktor antes de golear seu café
expresso.
— Agora eu tô curioso.
— Se concentrem na porra da missão. — Cortou Tom.
— Aí, teu irmão é bem chato né? — retrucou o coringa
pegando no ombro de Tyler.
— É a idade — Ele sussurrou.
— O Saiko é o mais tiozão aqui, mas ele não enche o saco
como o seu irmão.
— Ele só tá bravinho porque a Helena meteu o pé na bunda dele.
Tom fez um gesto de reprovação e em seguida deu um soco
no abdômen do irmão.
— Ah! Qual é. — vociferou em reposta a agressão.
— A segurança no Leste ficou bem maior. Mas ainda acho que
é muito pouca — cortou Saiko.
— Atualmente são dois enkloveres pra cada cidade do interior.
Um número relativamente alto pros seus tamanhos — retrucou
Clarice.
— Mas comparado a quantidade de aparecimento daquelas
coisas por aqui, não. Isso é estranho demais.
— Nesse ponto de vista, sim.
— Quanto tempo nós temos mesmo? Até a coisa começar a
ficar sinistra? — perguntou Tyler.
— Temos cerca de sete dias pra averiguar toda a região.
Depois disso nossos dados voltarão pro sistema, e qualquer
câmera patética que gravar o nosso rosto vai informar
imediatamente as sedes daqui. — Completou Clarice.
— Eu acho isso incrível. Desde o momento em que a gente
apaga e acorda com esses poderes, somos controlados feito cães.
Não podemos sequer visitar outros estados sem autorização
militar.
Clarice concordou, com a face meio triste. Houve um longo
período de silencio enquanto finalmente se aproximavam.
A cidade não tinha prédios e de longe podiam ser vistos
apenas os reservatórios de água. As casinhas, bem organizadas e
decoradas com as mais variadas espécies de plantas, eram em sua
maioria de madeira.
Carvalho pra ser mais exato, encontrado em abundância nas
florestas ao redor dali. Não haviam cercas ou muros porque o
crime simplesmente não se criava ali. Em um lugar bem distante,
uma feirinha atraia as mais variadas pessoas, que buscavam
quanto antes conseguir hortaliças fresquinhas. Logo na entrada,
duas mulheres e um homem pareciam esperar a chegada dos
visitantes.
— Mas que merda é essa? — Murmurou Clarice.
— O que o Aimwang faz aqui? — perguntou Saiko.
— Acho que ele veio matar a gente — disse Tyler.
— Só fiquem calmos, por favor — Informou Viktor, pondo
uma espécie de máscara na cara, cobrindo a parte de baixo do seu
rosto até o pescoço.

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— Vamos ver o que ele tem a dizer primeiro. Ajam
normalmente. — Ordenou Clarice. — Mas se preparem pro pior.
O homem aguardava enquanto eles estacionavam no hotel, na
entrada da cidade. Era alto, branco e de aparência Oriental. Apesar
dos belíssimos olhos puxados, tinha a face muito feia. Seu nariz
era torto e a posição de sua mandíbula um tanto quanto protruída.
Usava o uniforme de tenente e em seu pescoço brilhava um
espesso colar de ouro, que tinha como pingente uma pedra de
Adonita. Viktor o olhava calmamente desde o momento em que
desceu do veículo. Saiko estava enérgico e sua mão apertava
discretamente o cabo da katana, enquanto seu polegar esfregava a
coronha. Os irmãos entreolhavam as duas mulheres, que eram as
enkloveres gêmeas responsáveis pela cidade, Megan e Rachel.
Clarice permaneceu imóvel até o sujeito se aproximar. Ele os
olhava com cara de curiosidade enquanto caminhava lentamente e
cumprimentava as pessoas na rua.
— Rapazes! Que honra os ter aqui.
Nenhuma resposta da equipe. Todos estavam surpresos e
desconfiados. Ele prosseguiu:
— Sabe, não existem muitos orientais puros assim como eu e
você por aí. — disse olhando para Saiko. — Na verdade, somos
só eu, você e nossos pais. Pelo menos nesse país. Assim que soube
que um carinha de olhos puxados tinha parado no posto próximo
daqui, vim correndo, ou melhor, voando. — Deu uma breve
gargalhada. — Estou até agora tentando saber o porquê da sua
visita e do porquê de vocês não estarem no sistema.
Clarice olhou por reflexo para o samurai. Ele estava gélido.
“Aquele maldito café”. Ela pensou. Viktor tomou a frente:
— Estamos aqui em busca do Às. Desculpe, mas a missão era
altamente secreta. Algumas fontes indicam que esse sujeito está
próximo a cidade. Só pretendemos capturá-lo e meter o pé.
— Entendo. Eu fico feliz em saber que estão na cola dele, mas
nós também sempre estamos e ele sempre consegue um jeito de
sumir. Não posso deixar que fiquem.
— Nós trabalhamos duro para conseguir ficar no rastro desse
cara, não nos menospreze, por favor — retrucou.
— Olha rapaz, a partir do momento em que um enklover de
uma outra região adentra a fronteira sem a permissão da Sede, nós
temos permissão legal para prendê-lo, ou se necessário até
executá-lo. Mas como é por um bom motivo, vou deixar irem
embora.
Saiko se aproximou. Agora estava um pouco mais relaxado.
— Por favor Wang, deixa pelo menos passarmos a noite.
Estamos o dia todo sentados. Precisamos de uma cama e um
banho fresco.
Ele ficou pensativo por um tempo. Olhou para as tenentes
atrás dele que pareciam concordar com o pedido. Duas lindas
mulheres. Em suas testas eram vistosas a presença de tiaras de
algum material azul, com pequenas pedras de Adonita. Vestiam o
uniforme militar preto e vermelho, padrão de tenentes de 2°
escalão. Aimwang voltou a falar:
— Tudo bem... — Se virou para frente novamente. — ...
Contanto que não saiam do hotel sem a escolta delas. — Nesse
instante ele ficou na ponta dos pés até começar a flutuar, logo
voltou a olhar para elas. — Vou ficar na cidade essa noite. Vocês
farão a escolta deles até o momento em que partirem.

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3
Sim senhor. — Elas responderam em coral.
— Não quer se juntar a nós? Queremos jantar no Grand Diner
— perguntou Viktor em um tom bem amigável.
— Não posso deixar que me vejam com vocês. Se
descobrirem que deixei soldados sem registro no sistema irem
embora daqui, posso acabar me prejudicando.
— Certo...
— Mas aproveitem a comida daqui. Tenho certeza que vão adorar.
Em um segundo ele já estava no alto e voou com um raio até o
quartel. As irmãs se aproximaram.
— Fiquem à vontade, mas não permitiremos que saíam até o
jantar. Entendido?
— Entendido. — Confirmou Clarice.
Elas se afastaram até a saída. Seus olhos brilhavam em branco
como lâmpadas fluorescentes. Fizeram alguns movimentos com as
mãos e em um instante uma enorme barreira rodeou
completamente todo o arredor do hotel.
— Se quiserem manter os dedos intactos, não toquem na
barreira. — Advertiu uma das irmãs.
Eles observaram os arredores assustados. Aparentemente
estavam presos ali, e suscetíveis a qualquer tipo de emboscada.
Tyler chamou a atenção do irmão.
— Aquela ali é a mais velha, tenho certeza. Bem mais bonita
que a Helena em Tom...
— Agora eu entendo por que nosso pai te espancava tanto...
— murmurou o irmão mais velho.
— Vamos andando. Preciso que vocês saibam de umas coisas.
— Cortou Viktor.

A equipe se dirigiu ao veículo. Alugaram o maior quarto dali,
e se puseram a levar algumas das malas até ele.

III

No meio daquela tarde reuniram-se ao redor de uma das


mesas de mármore, em um salão da maior área do hotel. Tudo em
volta era feito de madeira e pedras. As janelas venezianas e as
portas pivotantes tinham belíssimos acabamentos e uma riqueza
de detalhes. Um delicioso cheiro de verniz acentuava ainda mais a
fragrância do carvalho daquele salão. Inúmeros candelabros e
quadros (alguns bem estranhos) faziam a decoração da área, mas o
que mais se destacava ali era a incrível lareira de tijolos antigos no
canto esquerdo do salão. Diversos troféus de caça e alguns
animais entalhados a deixavam com um tom daquelas encontradas
em casas de campo, mas não foi isso que chamou a atenção de
Viktor. Faziam alguns minutos que ele encarava um enorme botão
de ouro com um símbolo estranho ao centro da lareira. Clarice o
interrompeu:
— O que foi? Por que está tão quieto?
— Nada, acho que preciso de um café. Pode conseguir um pra
mim? — disse isso com uma cara de garoto dengoso.
— Você e esse maldito café. Já volto. — Saiu furiosa.
Saiko retornou por uma das janelas, quase imperceptível. Seus
movimentos sutis indicavam sua experiência nas inúmeras
missões investigativas que fizera na vida.
— Parece que elas foram ao quartel. — Ele disse se
aproximando.

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5
— Isso é bom. Elas confiam muito nessa barreira, talvez seja
nossa vantagem agora.
— O que vamos fazer? — perguntou Tom, enquanto
modificava cautelosamente alguns componentes de seu canhão de
pulso.
— Vamos, pelo que me lembro você ia nos levar a algum
lugar depois que chegássemos aqui. — disse Clarice entrando por
uma das portas do salão, com um copo grande de café.
Sim, vou leva-los pra lá agora mesmo. Vamos rápido e antes
que percebam que saímos — Ordenou Viktor.
Com um gesto da mão esquerda fez surgir um valete de paus
nos dedos e o encravou com força na parede de madeira mais
próxima.
— Porquê não nos levou antes?
— Eu explico melhor lá.
— Você vai se teleportar com todo mundo aqui? E você
consegue passar essa barreira? — Perguntou Tyler espantado
enquanto mastigava uma maçã.
— Sim, vou levar todos e sim, dá pra atravessar a barreira.
Venham rápido.
— Isso é sinistro cara. Não tem perigo de a gente cair não né?
Em algum espaço tempo ou algo do tipo? — Perguntou
novamente depois de dar outra mordida.
— Acho que você anda assistindo muitos filmes. Vamos! —
Ordenou Viktor. — Encostem em mim.
Todos se agruparam ao redor do Às que fechou os olhos por
um instante antes de todos sumirem.
Como um vulto tudo escureceu e rapidamente voltou ao
normal com um belíssimo pôr do Sol, em meio a um campo

maravilhoso na beira de um imenso lago de águas de um verde
cristalino. O cheiro das flores, a brisa fresca que passava pelos
seus corpos, o som dos pássaros cantarolando enquanto pousavam
na beira do lago, os patinhos nadando juntos, peixes de várias
cores e tamanhos, borboletas, tudo isso era perfeito. A paz ali era
indescritível.
— Bem vindos a parte mais linda do Lago York. Uma das
coisas mais maravilhosas feitas por quem quer que esteja lá em
cima.
— Cara, isso é lindo de mais — disse Tyler, hipnotizado.
— Eu sei, foi aqui que trouxe ela — disse Viktor com cara de
gaiato apontando para Clarice. — No nosso primeiro encontro.
Ela corou de vergonha. Virou o rosto com uma expressão fofa
de brava pra insinuar que uma trégua ainda não tinha sido
estabelecida.
— Mas por que você nos trouxe aqui. Em outro país? Quer
dizer, tudo é muito lindo, mas por que aqui? Não é um momento
pra curtir a vida. — Questionou Tom.
— Irmão... sabe que te considero muito. Mas você é chato
para um caralho. — Lamentou Tyler. — Leva a gente no sábado
na 25 de março, só pra mostrar o inferno pra ele.
— Calma, ele tá certo. Tem um motivo a qual eu
carinhosamente escolhi esse local.
— Idiota! — Murmurou Clarice.
— Tem uma pasta em um cofre bem no fundo do lago, com
alguns documentos que eu não queria que caíssem em mãos
erradas. Saiko, pode me ajudar a pegar?
— E como quer fazer isso? — questionou o samurai.

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— Preciso que você faça um corte vertical mirando a terceira
montanha naquele horizonte. Se eu o conheço bem, isso vai
separar a água até a outra margem por alguns milésimos de
segundos, tempo suficiente pra eu arremessar uma carta até o
fundo e ir lá buscar.
Saiko meneou positivamente a cabeça, posicionou os pés
firmes na graminha, respirou fundo e com um corte que saia da
bainha em sentido ao céu, muito veloz e carregado de energia,
separou aquela parte do lago em dois. E foi no tempo em que
embainhava novamente sua espada, enquanto mal piscaram seus
olhos que Viktor voltara com um pequeno cofre nas mãos. Se
virou para trás e viu que rapidamente o lago se tornava um só,
depois tornou a olhar para o samurai, com um pequeno sorriso.
— Foi mais fácil do que eu imaginei.
Em seguida se sentou no chão e se dispôs a abrir o cofre.
Sabe, isso me lembra uma história muito engraçada que
meu pai me contava há alguns anos atrás, de um homem que
dividiu o mar vermelho.
— Já ouvi falar de algo assim. — Completou o amigo.
Tom parecia muito inquieto. Nesse momento ele não tirava os
olhos do coringa.
— Vamos Tom, o que te intriga? — zombou enquanto
quebrava a cabeça destravando um mecanismo que ele mesmo
havia criado.
— Então você pode viajar pelo mundo, quando bem entende?
— Pois é, contanto que tenha uma carta lá.
— Entendi. E por você não nos ter trazido aqui antes, deve ter
um limite de distância?

— Você é esperto, Tom. — disse Viktor feliz por ter aberto
aquela trava. — A carta que eu quero me teleportar deve estar até
dois mil quilômetros de distância de mim. De Walcenter aqui são
mil novecentos e noventa e nove, por isso não nos trouxe antes.
— Então você tem mesmo um limite...
— Mas até onde posso ir é relativo. Eu tenho algumas cartas
espalhadas por aí. Posso ir de uma a uma até o outro lado do
mundo.
— E o que acontece se alguém segurar sua carta? A mão fica
presa no seu rabo? — perguntou Tyler, sorrindo.
Todos exceto o coringa começaram a rir. Ele então pegou o
mesmo valete a qual momentos antes havia utilizado e se
aproximou de Clarice.
— Posso? Eles precisam saber como funciona, já que vamos
trabalhar juntos.
— Tudo bem. Mas sem gracinhas! — Ela respondeu zangada
depois de segurar a carta entre os dedos.
— Ok, ok! — afirmou enquanto se sentava na grama.
Novamente voltou a explicar. — Vocês precisam entender que
essas cartas são como um terceiro olho pra mim. Eu não me
teleporto cegamente pra um lugar, como vocês acham. Pelo
contrário, tenho uma visão detalhada num raio de dez metros do
valete de paus. Porém só consigo surgir numa área de três metros
ao redor dele.
— Ei! Então você pode usar elas como câmeras de segurança
por aí? — perguntou Tyler.
— Exato.
— Roubado. — Murmurou.

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9
— Em milésimos de segundos e através de um mapa mental,
uma rede onde consigo ver a distância e localização dos valetes
mais próximos a mim, eu escolho uma carta e defino em qual
lugar e posição quero me teleportar. O problema é que isso
consome muita energia, então consigo lutar e viajar umas doze
vezes por dia. Daí só com uma alimentação reforçada e descanso.
— Tá explicado porque você tá sempre com fome —
murmurou
Tyler.
— Outro fator importante é que só tenho cinquenta cartas de
teleporte, porque elas são muito difíceis de fabricar. Então não
posso sair gastando por aí. Mas deixei cuidadosamente trinta delas
em cada ponto que achei interessante ao redor do mundo, as outras
vinte ficam comigo e eu sempre as reutilizo.
— Quarenta e nove. Destruíram a única carta que você tinha
no Leste. — Informou Clarice.
— Ah sim, é verdade. — respondeu pensativo. — Agora na
prática... Poderia esticar o braço?
— Vamos lá — ela respondeu.
Viktor se teleportou para suas costas, se materializando na
forma de cartas de fogo. Seu braço direito se pôs em cima do dela
e o seu rosto bem colado a sua face esquerda. Quase entrelaçou os
dedos aos dela quando pegou a carta de sua mão, mas logo
recebeu uma cotovelada.
— Urg, Porra!
— Eu avisei.
Isso foi maldade... — Cambaleou em seguida para longe
dela.
— É uma habilidade interessante — disse Saiko pensativo. —
Seu pai nunca utilizou algo assim...

— Nunca vi ninguém usar o karma pra esse tipo de coisa.
Nem sabíamos que era possível, até você tomar conta da mídia. —
Completou Tom.
— Agora que eles sabem como funciona, fala logo o que
diabos você foi pegar e o que você planeja. — Ela ordenou.
— Certo, certo. Deixa eu só...Essa doeu.
Depois de abrir o cofre, ele esparramou algumas pastas sobre
o chão. Nelas continham várias fotos e relatórios sobre um projeto
chamado “Ascenção”.
— Esses são alguns documentos que roubei do banco de
dados da sede dos batalhões do Leste sobre uma área de
exploração. Alguns termos são bem cautelosos, mas de vez em
quando eles citam “extração do M.N”. Tem até algumas imagens,
vejam.
— Essas fotos são horríveis, mas isso parece ser o mesmo
metal que os supramorfos usam — disse Saiko.
— Não só parece como é — respondeu.
— Nós nem sabíamos que existia um minério desse metal. —
murmurou Clarice. — Até então sua origem era desconhecida.
— Não deixa de ser, poucas pessoas sabem disso. —
Completou Viktor.
— Mas porque extrair algo que nós nem conseguimos
utilizar? Essa coisa tem cem vezes mais dureza que um diamante.
Não existe nada na terra que consiga manipular esse minério, a
não ser aquelas coisas.
— É uma boa pergunta.
— Por que não mostrou isso ao Saifer?

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Esse material é a junção de anos de investigação, mas não é
algo que o executor poderia usar para iniciar uma operação. São
só algumas fotos borradas e muitos nomes. Precisamos de provas
melhores.
— Vejam isso. — Chamou Tom. — Aqui é o Aimwang,
voando próximo a alguns mineradores. — Apontou sobre uma das
imagens.
— Desgraçado. — Vociferou Tyler.
— Esse cara... Ainda dizem ser o maior herói que o país já
teve. Que nojo. — disse a tenente enfurecida.
Viktor andava em círculos enquanto a equipe analisava
calmamente aqueles documentos. Girava a carta por entre os
dedos e goleava o café expresso, muito calmo. Depois de um
tempo voltou a explicar a situação:
— Eu chequei o banco de dados de todas as sedes de cada
região do país. Nenhuma delas parece ter o conhecimento disso.
Ou seja...
— A sede do Leste está fazendo isso por baixo dos panos. Isso
a gente já sabe. — Completou Clarice enquanto lia alguns
documentos.
— Mas por incrível que pareça não são só as pessoas de lá.
Quando fui mais a fundo nessa investigação, percebi que alguns
poucos tenentes das outras sedes tem conhecimento disso, mas
pelo visto apenas Wang, os mineradores e o líder do Leste sabem
da localização exata da caverna.
Os mineradores nunca saem de lá, são enkloveres sentenciados a
morte. — E como você tem tanta certeza? — Indagou Saiko.
— Eu fiz coisas a qual não me orgulho, pra algumas pessoas
dessa lista, todas dizem a mesma coisa.

— Por isso o desaparecimento de diversos tenentes e soldados
pelo país... — disse Tom.
— Sim. Mas não se sintam mal, todos eles mereceram a
morte. Estupradores, genocidas e por aí vai. Todos monstros...
— Você não está se tornando diferente deles Viktor. —
Completou Clarice, preocupada.
Não ligo. Estou honrando pessoas inocentes fazendo isso.
Pessoas que nem se quer tiveram a chance de se defender contra
esses animais. E essa missão — respirou fundo. — Ela pode
mudar o rumo da humanidade. Não me importo se me tornei um
assassino ou não. Escutem bem, o único jeito de matar essas
bestas é se transformando em uma.
Houve um momento de silencio. Era perceptível a cara de
espanto nos rostos da equipe. Viktor permanecia frio.
— Como você soube que tinha corruptos nas outras sedes? —
disse Clarice, cortando o silêncio.
— Aqui estão os nomes de alguns dos envolvidos que
encontrei em todos esses dados. Eles fazem algumas reuniões para
discutir sobre isso, sempre presencialmente. — Ele respondeu
entregando outra pasta. — Pelo visto esse minério tá indo pra uma
usina no extremo Leste, por um trem no subterrâneo.
Ela se aproximou pegando uma das folhas e se dispondo a ler.
— E não seria melhor seguir esse trem, da usina até a mina?
— perguntou Saiko.
— Não dá por dois motivos. Um: Não daria tempo de
chegarmos lá, quer dizer daria se não tivessem destruído a única
carta que eu tinha no Leste; e dois: A segurança nessa usino é
ridícula, não conseguiríamos chegar nem perto sem alertar todo
mundo.

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3

— E os satélites? Como não viram essa área de exploração
ainda? — perguntou Tom.
— Se olharem bem as imagens verão que pela pouca
iluminação dos locais, a mineração está sendo feita em uma
grande caverna subterrânea. Tanto eu quanto o Mikael
acreditamos que a porta com o selo estranho que estamos
procurando pode estar em algum lugar dessa caverna.
— Isso é fato. Se essa grande porta a qual seu pai teve as
visões fosse real, ela com certeza estaria nessa área. Bate
perfeitamente com a descrição que ele deu. — Completou o
samurai.
A Ala Leste do país sabe muito bem disso. A única coisa
estranha é saberem que ela possivelmente guarda um fodendo
exército de supramorfos e continuarem explorando a área — disse
Clarice, inconformada.
— Vamos investigar isso.
— Certo.
— Então como vamos chegar nesse local? — Indagou Tyler.
— É impossível sem o Wang ou o líder do Leste conosco. A
região de Lamoa tem muitas cavernas. Apesar de a maioria serem
superficiais levaria meses, não, anos pra encontrar a certa.
— Vamos ter que interrogar um deles. — disse Saiko. — Não
temos tempo.
— Foi por isso que precisei de vocês. Principalmente de você
Saiko. Foi a melhor maneira de trazer o Aimwang aqui, sem
alertar a segurança do Leste todo.
— Mas que filho da puta... — murmurou o irmão mais velho.
— Isso foi muito imprudente rapaz. Poderia ter colocado a
vida de todos nós em risco. — Vociferou o samurai.

— Se algo começasse a dar errado eu levaria todos vocês pra
longe de lá. Fica calminho. — Ele respondeu, sem preocupação.
— E por que ao menos não nos avisou?
— Digamos que talvez vocês não aceitariam vir até aqui. E eu
também queria ver vocês agirem sobre pressão. Posso dizer que se
saíram muito bem. Agora, devemos nos preocupar em pegar,
interrogar e matar aquele verme.
— Matar? — Clarice perguntou surpresa.
— Acha que depois que o pegarmos, ele vai fingir que nada
aconteceu?
— Não, mas, podemos deixar ele preso...
Não podemos correr esse risco. Eu mesmo faço o serviço,
vocês não precisam sujar as mãos com isso. Só preciso de ajuda
pra derrotar aquele maldito.
— Isso vai ser duro. Eu o conheço bem, ele sozinho é um
desafio gigantesco pra nós.
— Calma aí vovô, também não é assim — Contestou Tyler. —
Não é possível que todos nós aqui não damos conta daquele
idiota. O maior problema aqui é como lutar com esse desgraçado
sem chamar a atenção do país todo.
— Isso vai ser um desafio e tanto... — Suspirou Clarice.
Viktor ficou pensativo enquanto olhava para o lago. Estava
escurecendo e eles não tinham muito tempo.
— Viktor, no que está pensando? — perguntou a tenente.
— Eu tenho um plano. — Ele disse se virando para eles.
— Maravilha. Diga bem rápido de preferência.
— Vamos levá-lo pra Okawa.

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— No deserto?
— Sim.
— Você tá zoando né? — disse Tyler, o encarando.
— Como sabem, Okawa é o único lugar desse planeta que
poderíamos iniciar uma luta nessa escala, já que não tem sensores
ou visão detalhada via satélite. O maior problema era que eu não
conseguiria chegar até lá com ele e vocês presos no meu cangote.
Quanto mais massa eu teleporto comigo, menos teleportes eu
consigo realizar.
— E então como iriamos pra lá? — Ela, assim como eles
pareciam curiosos.
— Ultimamente eu venho testando algumas coisas. Uma delas
é a ingestão daquelas barras calóricas, as Slidyes. Com isso eu
consigo até triplicar a quantidade de teleportes que consigo fazer
no dia. O maior

problema é o esforço mental envolvido e, tem uma grande chance
de eu fritar meu cérebro nessa brincadeira.
— Como você vai lidar com isso?
— Ainda não sei, mas com essa técnica eu consigo me
teleportar pelo menos umas trinta vezes. Com isso consigo levar
até um navio pro outro lado do mundo. Daí em diante começa a
ficar arriscado.
— Isso muda tudo. — Completou Tyler.
— É a nossa chance... — murmurou Clarice.
— Vou nos teleportar até lá, então nós acabamos com ele e o
interrogamos.
— E porque você acha que ele vai abrir o bico? — perguntou
Saiko.
— Eu tenho meus meios. Confiem em mim, posso fazer até o
Saifer dizer seus segredos mais profundos.
— O plano parece bom. — disse o irmão mais velho. — Se
você garantir que ele vai nos dizer a localização da caverna.
— Eu garanto. Esse é o plano mais sensato dentre todos que
bolei.
— Imagina os outros... — Murmurou Tyler.
— Se vamos fazer isso, é preciso ter cautela. — Afirmou
Clarice. — Temos que o capturar e voltar até amanhã de manhã.
— Nem dá pra acreditar que iremos matar o herói nacional. Se
descobrirem que a gente fez isso, seremos torturados e mortos
num piscar de olhos — falou Tyler com tristura.
— E exatamente como vamos fazer isso? — voltou a
perguntar o samurai.

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7
— Assim que formos jantar, vou deixar uma carta fora da
barreira. Vou teleportar a gente de madrugada. Vamos até o quartel
e, no momento certo vocês se seguram em mim e eu seguro o
grandalhão. Vai durar uns três segundos até chegarmos lá.
Com certeza um ótimo plano — zombou Clarice. — Mas é
o único que temos então...
— Acho melhor irmos logo. — Cortou Tom. — Já tá quase na
hora do jantar.
— Se elas não nos encontrarem naquele hotel o plano vai por
água abaixo. — Completou Saiko.
— É, melhor a gente ir. — respondeu Viktor.
Depois de guardar os documentos no cofre ele o arremessou
com força no fundo do lago.
— Se não fosse um foragido daria um bom jogador de
baseball. — brincou Tyler.
— Acho que prefiro futebol. — Ele respondeu, antes de se
preparar para levar todos de volta. — Podemos ir?
— Espera um minuto. Me deixa admirar esse local de novo.
Nem sei se vamos ficar vivos pra uma segunda vez.
— Quando tudo isso acabar eu vou trazer vocês aqui, com
mais tempo. E vamos acampar bem próximo ao lago. — Afirmou
Viktor.
— Tá legal, você sabe que se não me trazer aqui de novo eu
vou te infernizar até a morte, né? — Advertiu Tyler.
— Eu sei que vai. — Confirmou Viktor enquanto dava uma
boa olhada ao redor, com a mesma cara de admiração de quando
viu pela primeira vez. — Vamos?
— Vamos. — Responderam.

E sumiram.

IV

Estavam sendo vigiados a cada mordida que davam naquele


delicioso cervo assado, no Grand Diner. E que comida de
qualidade! — Pensavam enquanto se deleitavam no caldo bem
temperado de feijão e nas belas tortinhas de frango que
acompanhavam o prato principal. Em tempos tão difíceis, uma
comida tão boa assim lembrava os dias em que o surgimento de
supramorfos diminuíam, e não haviam tantas guerras, nem
estragos nas plantações e criações. A enorme mesa de Cedro a
qual estavam sentados ficava à beira de um aquário de peixes
marinhos, vindos exclusivamente das praias de onde eram
localizados os Emirados Árabes, antes da grande mudança. Uma
cachoeira artificial emitia um sonido tranquilizante naquele clima
tão tenso. Ao redor, um bosque bem harmônico cercava por
completo o restaurante de luxo, com algumas luminárias muito
parecidas com enormes cotonetes brilhantes e bancos de descanso.
Uma calçada de pedrinhas fazia todo o trajeto da entrada e sumia
em meio aquelas arvorezinhas. O salão estava repleto de mesas e
pessoas, das mais variadas classes altas. Os ricos, os muito ricos e
os podres de ricos. Seus narizes eram tão empinados que nem
sequer notaram a presença deles.
Aimwang aterrissou próximo ali como um verdadeiro herói de
cinema. Todos o aplaudiram de pé, extasiados. O país o venerava.
Sentou-se ao lado das irmãs, a doze mesas de distância da equipe.
Ele parecia conversar alguma coisa com elas. Enquanto isso,

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9
Viktor engolia uma quantidade exorbitante de comida, sentado de
costas a ele. Aimwang o olhava de soslaio com uma expressão
rude.
— Isso! Coma muito bem seu louco. Aquele cara ali não vai
ser fácil. Não vai mesmo. — Sussurrou Tyler enquanto assistia sua
série favorita pelo celular.
— Deixa comigo. Comer é minha especialidade. Nhaang! —
falou o coringa enquanto mordia a outra parte da coxa daquele
cervo.
— Acho que a Ordem teve um aumento exponencial de
alimentos depois que você desertou — zombou Tom.
Ele come por quatro soldados brincando. — Completou
Tyler com cara de curiosidade. — E em pensar que ele gasta isso
em alguns saltos supersônicos. Doidera.
— Se chama te-le-por-te tá ok? E não tem nada ver com...
“saltos supersônicos”. — Contestou Viktor de boca cheia.
— Agora vocês vão brigar por um nomezinho bobo?
Brincadeira viu. — Comentou Clarice. — Vamos, come isso logo!
Você tem que descansar.
— Tá bom... Nhaang... Já termino... — Nesse momento o Às
se acabava nas tortinhas de frango. — Hummm.... delicia.
— Ei Saiko. Conta pra gente como são os poderes daquele
monstro. Você deve conhecê-lo bastante já que treinou com ele na
academia. — Pediu Tom.
Saiko se manteve em silencio e com os olhos fechados,
sentado de frente para o coringa. Era um homem vivido, de
aparente experiencia sobre as coisas daquele mundo. Sua mão a
todo momento não desgrudava do cabo da Katana.

— Ah, qual é! Vamos enfrentar o diabo amanhã. Quanto mais
informações tivermos, maior a chance de eu voltar pra minha
família. — Voltou a pedir.
— Ele tem razão Saiko. Você sabe de algo importante sobre o
Aimwang? Algo que nós não sabemos? — Indagou Clarice.
O espadachim abriu os olhos. Naquele momento fitava os de
Viktor. Aproximou sua cabeça da dele e, como se fosse contar uma
história de terror, soltou algumas informações:
— Você pode ter evoluído muito seu nível de poder, mas você
nunca viu o modo como aquele cara luta. Ele voa, tem o corpo
quase impenetrável e uma velocidade que se bobear, é igual a sua.
Olha rapaz... — Teve uma pausa. — ...apenas duas pessoas até
hoje sobreviveram a uma luta com ele. Uma delas é o Saifer, foi
algo assustador. E a outra... bem, foi o seu pai — disse o samurai

calmamente, enquanto encarava o coringa com todo o seu ar de


sabedoria. — E ele não se saiu muito bem, apesar de ser muito
forte.
— Sim. O velho me contou o que aconteceu, depois de ter

chegado em casa todo fodido — respondeu Viktor sorrindo


enquanto agarrava um enorme copo de suco. Deu um gole. — O
desgraçado ali zombou da mamãe. Da sua morte. Espalhou boatos
horríveis a respeito dela. Só porque meu pai conseguiu conquistá-
la antes dele. Depois que o coroa foi promovido a coronel e ele
não... Endoidou.
— Seu pai não teve nem chance.
— ... “Eu não posso me deixar abalar por coisas tão fúteis
assim e, nem você deve. Só que depois de tudo o que a Liza
passou, a história dela jamais poderia ser manchada. Mas veja

7
1
bem, eu falhei”. Foi isso que ele me disse naquela noite. Essas são
as últimas lembranças que tenho dele. — Seus olhos estavam
vermelhos, mas ele não demonstrou nenhum tipo de sentimento.
Todos o escutavam atentos, com olhar de condolência. Saiko
ficou sem reação. Tudo o que sabia era que inúmeros boatos a
respeito de Liza haviam surgido na Ordem, e isso começara a lhe
prejudicar muito na organização, até o dia em que ela se matou.
Viktor prosseguiu:
— Sendo bem sincero, aquilo cortou o meu peito como um
punhal de minério negro. Meu pai nunca mais foi o mesmo. Eu
nunca mais o via. Tempos depois ele teve as visões e no meio da
busca dessa maldita caverna ele se tornou outra coisa, como vocês
sabem. Agora, não me importa o quanto aquele cara ali seja barra
pesada...— Viktor deu outro gole no suco de laranja. — O que vai
acontecer com ele vai ser a redenção da dignidade do meu coroa...
da dignidade da minha mãe.
Wang o fitava, tentando entender o que conversavam. Saiko
deu uma leve gargalhada, com um olhar bem mais humilde e
estendeu o braço em direção ao coringa que respondeu com um
aperto de mão.
— Você é louco como o seu pai. Mas agora acima de tudo eu
respeito as suas ações. Ele ficaria orgulhoso ao ver o quanto você
amadureceu. — disse Saiko.
Ele vai ficar. Assim que o trouxermos de volta. —
Confirmou Viktor.
— Vamos conseguir. Esse seu olhar... As pessoas quando estão
determinadas a vencer só perdem pra elas mesmas. — Comentou
Saiko.
— Você sempre arruma um jeito de conseguir o que quer
“Às”. — disse Clarice dando um soco no ombro dele.

— Acho que tem algo maior me ajudando. Eu não sei explicar,
mas parece que tudo está encaminhando muito bem até agora, e eu
não posso deixar de aproveitar isso.
Viktor ergueu sua máscara e se levantou da mesa. Distante,
Aimwang iniciava seu jantar, agora de costas a equipe.
— Vamos? Precisamos dormir.
— Me encontrem no veículo, vou pagar a conta — disse a
tenente.
Todos se dispuseram a sair. As sargentos voltaram para a
escolta. A equipe então seguiu em meio a estrada mal acabada de
pedrinhas. Com exceção do coringa, todos pareciam muito
ansiosos. Pensavam e pensavam à medida que chegavam à cidade.
Talvez essa fosse a missão mais difícil a qual se meteram em
todos esses anos na Ordem, e isso borbulhava constantemente suas
barrigas.
Em meio aquela seriedade Viktor teve sua atenção voltada
para a floresta. As irmãs, que voavam com o auxílio de suas
habilidades de manipulação de energia, deram três batidas no teto
e com o mesmo material que fizeram a estranha barreira
anteriormente, pararam a picape da equipe.
— Sentiu isso? — falou Viktor.
— Supramorfos... — respondeu Clarice.
— Merda! Esse é o pior momento pra lutar — Vociferou Tom.
— Não posso usar minhas habilidades aqui. As sargentos vão
me reconhecer. — Afirmou o coringa.
— Você pode usar os punhos. Mas só se sobrar algum pra
você — zombou Saiko.
— Vai lá, titio. Quero ver você em ação de novo.

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3
— E eu? Você também me acha maneiro né? — Perguntou
Tyler enquanto descia do veículo. Seu canhão pulsava em verde
perolado.
— Você é... maneirinho. — brincou o coringa.
— Então é assim né?
Todos desceram da picape e mantinham posições estratégicas
em meios as árvores naquela noite. Megan e Rachel se
aproximaram.
— Isso é estranho, os sensores foram ativados de diversos
locais da floresta. Isso nunca tinha acontecido. Vem coisa feia aí.
Temos que segurar a barra, o tenente Wang está a caminho. —
disse Megan, que se diferenciava por seus lindos olhos azuis.
— Como assim nunca... — Indagou o irmão mais velho. —
Ah, que se foda, eu só quero matar alguns.
— Compartilhamos do mesmo neurônio então. — disse Tyler.
— Levem a sério! Essa presença... Tem alguém forte vindo.
— Afirmou Saiko.
— Categoria um. Eu diria um... classe S. — Informou
Clarice.
— Se tá de brincadeira? Aqui? Qual é a chance? — Comentou
Tyler indignado.
— Só use as luvas se for necessário. Você precisa poupar
energia, ouviu imbecil? — retornou Clarice.
— Quanto amor em! Eu sei disso. Vou ficar com os categoria
dois.
— respondeu Viktor. Mas em último caso, as luvas estão no meu
bolso.
— Perfeito.

— Lá vem eles. — gritou Rachel enquanto pousava.
Saiko observava atento as profundezas daquela mata escura.
Massageava o cabo de sua Katana, em posição de defesa. Do outro
lado

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5
os irmãos se preparavam para a luta. Com alguns sinais com os
dedos de repente seus canhões começaram a engolir seus corpos
formando uma espécie de armadura perolada, protegendo desde o
braço até as pontas dos dedos do pé. Já Clarice, ficava próxima ao
coringa. Com um movimento com as escápulas fez emergir duas
asas magnificas de metal, que posteriormente formaram um colete
em seu peito.
— Você fica tão sexy. — Murmurou Viktor.
— Eu sei. — Cortou Clarice.
— O primeiro já chegou! — disse o samurai.
Ele prendeu a respiração. Apertou firme o Tsuka (punho, onde
a Katana é segurada) e contraiu os enormes músculos. Um
violento brilho vermelho transcendia sua bainha. Fechou os olhos
por exatos quatro segundos e, no momento em que os abriu soltou
a respiração de uma vez, desembainhando a Katana em um rápido
corte transversal, que num piscar de olhos decepou a cabeça de
um supramorfo que já estava quase colado a ele. Aquela coisa se
estirou no chão jorrando sangue naquela estrada de terra,
segurando um punhal de minério negro. Seus olhos
completamente pretos se apagaram. Tinha a exata aparência
humana, em exceção ao os olhos. Se não fossem a emissão de um
Karma sombrio, dificilmente poderiam ser reconhecidos. Saiko o
chutou para longe e se manteve atento.
Na palma das mãos dos irmãos podiam ser vistos enormes
orifícios, por onde saiam os disparos. Eles brilhavam em verde
enquanto Tyler e Tom os miravam para o escuro, com os dedos
estendidos. De repente, um barulho de laser foi ouvido e um
disparo iluminou uma parte da floresta. Pelo clarão se podiam ver
centenas de supramorfos em uma corrida incessante até a posição
em que a equipe estava. Um deles vinha atrás, caminhando
lentamente. Provavelmente o líder, sua presença no campo de
batalha era avassaladora. Tom iniciou uma sequência de disparos e
logo foi acompanhado por Tyler, ao mesmo tempo em que Clarice
tomou os ares contra atacando os ataques aéreos de alguns desses
monstros. Viktor cuidava atentamente da retaguarda dos irmãos.
Um corte de espada passou raspando pela cabeça do irmão mais
velho, que desviou habilidosamente. A besta que o atacou riu,
parado a sua frente. Segurava uma espada negra enorme, com uma
pedra de Adonita na guarda.
Viktor o pegou pelo pescoço como um raio e o arremessou
contra Tom, que disparou no centro de seu peito, deixando um
rasgo do tamanho de uma cesta de basquete.
— Boa! Era de categoria um, classe B. — Pelo visto tem
poucos com esse nível de poder. — Gritou Viktor.
— Sua percepção de Karma é surpreendente — respondeu,
atirando sem parar naquelas coisas que não paravam de surgir.
— Irmão! — gritou Tyler disparando seguidas vezes. — Olha
aquela merda!
Uma coisa gorda e forte corria com um escudo negro nas
mãos, na direção em que estavam. Por detrás haviam diversos
supramorfos protegidos pelo grandalhão. Nenhum disparo os
atingia.
— Se aquela coisa chegar aqui, já era! — disse Megan
enquanto barrava os disparos inimigos com barreiras de Karma.
— Isso é o máximo que conseguimos fazer, gastamos muita
energia naquela barreira no hotel.
— Deixa isso comigo! — gritou Saiko.
Eliminou vários outros inimigos, desviara de uma lança que
atravessou a barreira das irmãs, protegeu Clarice arremessando
sua katana no peito de uma das bestas voadoras e caminhou em
direção ao grandalhão. No alto, a tenente arremessou-a de volta e

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7
ele a agarrou firme. Fez uma pose, dobrando um pouco os joelhos,
estirando o braço esquerdo para frente e segurando a Katana
apontada para trás. Franziu a testa e proferiu:
— Debiruzukatto!
Em um corte transversal, uma onda de fogo saiu da lâmina a
caminho daquela coisa. Os companheiros de Saiko ficaram
atordoados pelo barulho ensurdecedor. Troncos e troncos caíram
no caminho até que ela atingisse o escudo do inimigo. A onda era
tão intensa que mesmo com os pés encravados no chão, o enorme
supramorfo que o segurava foi brutalmente arremessado para trás,
esmagando seus aliados protegidos e parando nas mãos do seu
líder. Ele o desviou com apenas um tapa. O samurai se preocupou.
— Mas que merda é aquilo?
— É o de classe S. — respondeu Viktor. — Tomara que o
Wang chegue logo. Aquele monstro ali não vai ser fácil pra gente.
No ar, Clarice continuava combatendo sozinha alguns dos
inimigos que podiam voar, com as lâminas de suas asas. Suas
habilidades eram muito artísticas ao mesmo tempo que mortais.
Tudo parecia uma bela dança no céu com movimentos suaves,
mas rápidos, que atingiam os principais pontos vitais dos
inimigos. Se defendia dos ataques ao mesmo tempo em que os
matava, incansavelmente. Os disparos contra ela eram facilmente
repelidos, muitas das vezes apenas pela pressão do bater de suas
asas, outras vezes pela sua blindagem.
— Eu posso fazer isso a noite inteira, seus desgraçados! —
Ela gritava. — Venham! Estão com medo de uma garota?
Em um determinado momento, uma trégua nos céus foi
concedida e ela mergulhou com um soco avassalador, causando
um impacto no chão e eliminando pelo menos uns dois deles ao
mesmo tempo.
— Essa é a minha garota! — gritou Viktor. — Pra cima deles
gatinha!
— Vai se foder babaca! —Ela retrucou.
— Ér... galera, aquela coisa tá chegando perto. — Informou
Tyler.
De canto de olho ele pôde ver algo cortando o vento em
direção ao coringa, que estava muito ocupado lutando contra três
inimigos. Com um rápido disparo ele conseguiu desviar uma
lança, que estava a poucos metros de atingir as costas dele.
— Uou! — disse Viktor se virando para trás. — Valeu.
— Me acha maneiro agora?
— É. Te acho sim. Mas o Saiko é mais.

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Qual é, ele é velho!
— Não leva pro coração.
O Às não perdeu muito tempo, desviava dos cortes inimigos e
contra atacava com socos poderosos de volta, no meio dos três.
Vendo aquela situação, Tyler disparou precisamente na cabeça de
um deles, que não conseguiu desviar. O coringa aproveitou a
brecha para finalizar o segundo com um soco que atravessou a
mandíbula e explodiu sua cabeça. O último o olhou com muito
ódio. Num gesto com os lábios ele pestanejava alguma coisa. Por
detrás, uma enorme esfera cor de sangue inimiga emergiu a uma
velocidade avassaladora e o explodindo no caminho. Talvez nem
mesmo com suas luvas Viktor desviaria daquilo. Apenas fechou os
olhos esperando o pior. Porém, num movimento refinado com as
asas, Clarice o envolveu absorvendo todo o impacto daquela
esfera, que gerou uma enorme explosão.
— Essa foi por pouco! — murmurou Viktor.
— Se você tivesse com essas merdas de luvas não precisaria
de proteção. — Ela respondeu.
— Sabia que adoro quando você me protege assim?
— Cala a boca vai. — Rapidamente ela o beijou.
Se arrepiou por completa quando ele a pegou pela nuca e a
apertou com toda a saudade que tinha. Foi um beijo demorado.
Trazia com ele uma história entre os dois, a qual um mero período
de tempo nunca seria capaz de esfriar. Viktor a olhou nos olhos
por um tempo, sorrindo feito um bobo.
— Isso é tipo um... “Estamos de volta?”.
— Não. — Ela retrucou. — Tá mais para um “Faça por
merecer”.
— Tá legal. — Ele respondeu enquanto repentinamente
fechou a cara.
— Não quer dizer que não podemos voltar...
— Não, não é isso. Ele chegou. Aquela coisa.
Clarice abriu as asas. Lá fora os irmãos, Saiko e as irmãs
estavam protegidos por uma barreira.
— Essa é toda a energia que eu tinha. — Murmurou Rachel
antes de desmaiar.
— Irmã! — gritou Megan, correndo para acudi-la.
— Se não fosse ela a gente estaria na merda agora. —
Comentou Tom. — Que porra foi aquela?
— Não sei, eu só vi uma esfera vermelha. — respondeu Tyler.
— Ela veio daquele cara ali. — disse Saiko apontando para a
mesma região onde havia causado um estrago anteriormente.
Parado a uns vinte metros de distância, estava um homem
forte, mas bem baixo. Seus olhos extremamente ameaçadores e
pretos fitavam os de Viktor, sem descanso, o deixando
completamente desconfortável. Ele usava uma armadura de
minério negro com diversas pedras de Adonita espalhadas por ela.
No meio de seu peito era possível notar um símbolo estranho, em
vermelho. De repente ele voltou a caminhar, sem tirar os olhos do
coringa.
— Vejo que acabaram em instantes com a maioria dos meus
homens. Mas não me surpreendo, afinal o filho de Vicent está
aqui. — Disse aquele ser estranho, enquanto andava lentamente.
Um calafrio tomou conta do corpo de Viktor, que ficou sem
reação ao ouvir aquelas palavras. Seus olhos estavam cheios de
dor.

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1

— Que foi? Parece que você ficou em choque. — zombou o
supramorfo. — Vicent é um dos nossos melhores soldados e posso
te garantir que ele ficará muito feliz em saber que o encontrei
aqui. Esse cheiro podre de justiça que você tem... Ele também
tinha, mas erradicamos de sua essência e o transformamos em
uma arma letal.
— Então vocês realmente estão escondidos em algum lugar.
— disse Saiko.
— Quem sabe. — Ele respondeu.
Onde está meu pai? E Como fizeram isso com ele? —
gritou Viktor, meio abalado.
— Ah! Você fala — tornou a zombar. — Te garanto que
encontrá-lo não é sua maior preocupação agora.
— E você é? — Instigou o coringa.
— Que personalidadezinha mais irritante, criatura inferior.
Você não entende né? Nós fomos forjados. Esses lixos que vocês
enfrentaram, são só alguns fantoches que não deram certo.
— Ér... Como você se chama mesmo? — perguntou Tyler.
— Kugeln.
— Certo. Escuta aqui Ku...sei lá o quê, você fala muito pra
alguém que nem se quer deve ter um metro e meio— zombou.
— Vocês se acham demais, não é? Mal conhecem sobre o
karma e já ficam todos cheios de si. Nojentos. — Vociferou o
monstro. — Venham seus inúteis, hoje vos mostrarei o resultado
da insignificância de vocês.
Kugeln abriu os braços e enormes esferas vermelhas surgiram
ao redor de suas costas. O chão ao redor de seu corpo começou a
ser destroçado e ele se manteve em perfeito equilíbrio no ar. As
irmãs se encontravam desacordadas, preocupando a equipe.
— Lá vem mais daquelas coisas. Eu preciso lutar com força
máxima. — Murmurou Viktor.
— Não! — disse Tom. — A menos que consiga extrair
alguma informação daquela coisa, você não vai gastar energia
aqui, seu imbecil.
— Você acha mesmo que precisamos da sua ajuda? — disse
Tyler. — Eu em! Você ainda nem viu o verdadeiro show da dupla
T.T.
— Putz! Que nome ridículo — zombou Clarice. — Acham
que dão conta por um tempo? Vou levar ele pro céu.
— Não! — contestou Viktor.

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3

Escuta aqui, você precisa confiar na gente agora. Essa coisa
com certeza não é mais forte que o Wang. Juntos nós três
acabamos com isso aí fácil, fácil. Quer ver? — Afirmou Tyler.
— Podemos tentar interrogá-lo depois. Mas até lá, quero que
poupe suas energias. — Ordenou Saiko.
— Impossível. Eles morrem antes de abrirem o bico. Parecem
que têm alguma programação ou algo do tipo.
— Mais um motivo pra você se poupar pra amanhã.
Viktor cerrou os punhos, irritado. Olhou para Saiko e ele
estranhamente o reconfortou com um olhar confiante.
— Tudo bem então. Mas e as irmãs?
— Vou leva-las pra longe daqui. — Afirmou Clarice enquanto
agarrava Megan e Rachel no colo. — Confie neles, eu os conheço
bem. E além do mais o Wang pode estar chegando, não pode se
expor aqui.
Como uma águia ela partiu. Ao mesmo tempo os irmãos
conversavam. Tom parecia muito sério enquanto falava algo
importante para seu irmão mais novo, que o respondeu com um
toque de mão. Os dois se prepararam para o combate. Saiko
permanecia calado, olhando aquelas esferas flutuando por detrás
daquele monstro. Depois de alguns segundos ele segurou sua
Katana com as duas mãos e com os olhos fechados, parecia recitar
alguma coisa. Cada vez mais ela brilhava em um vermelho
alaranjado, até o momento em que ela começou a pegar fogo,
denso e agora meio azulado. Seu corpo estava muito quente, pois
suas roupas derreteram e saíram de seu corpo, deixando o nu. Mas
por pouco tempo. Inúmeras partes de uma armadura samurai tão
negra quanto à escuridão saíram do chão e começaram a envolver
seu corpo, uma a uma. Ele não parava de recitar o que começara.

Algo como: “Senshi no chikai”. Depois de completa, sua Katana
parou de pagar fogo e adquiriu uma cor incandescente, meio
laranja e com o fio da lâmina azulada. Ele levantou a cabeça e
voltou a encarar Kugeln. Clarice também voltou pegando Viktor
pelos ombros e o levando para o alto, a uma distância segura das
explosões.
Será que os insetos já se preparam? Pois bem, iniciaremos
essa batalha patética. — disse Kugeln
— Saiko! — gritou Tom. Fazendo um sinal com a cabeça em
direção ao enorme escudo de minério negro que estava no chão, a
muitos metros dali. — Você tem tamanho suficiente pra carregar
aquela coisa. Consegue?
— Pensei a mesma coisa. Vamos conseguir repelir os ataques
dele com aquilo.
— Então te daremos cobertura.
Algumas peças da armadura de Tom e Tyler começaram a se
mexer em direção ao antebraço. Rapidamente se formaram
enormes canhões perolados, que de algum modo intimidaram
Kugeln.
— Já que o covarde ali não vai se juntar a nós, terei que
finalizar vocês sem muitas delongas. — disse com cara de nojo.
O supramorfo começou a atirar aquelas esferas em direção a
equipe. Os irmãos correram para longe de suas trajetórias
desviando das explosões e contra atacando com disparos agora
muito mais fortes, como balas de um tanque de guerra. Saiko se
manteve firme e veloz em direção ao escudo. Ao perceber, o
monstro tentou impedi-lo com inúmeros disparos, que foram
desviados rapidamente com os tiros precisos dos irmãos Silver.

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— Pegue o escudo, rápido! — Gritou Tom.
Saiko continuou correndo. Tyler carregou um disparo por
alguns segundos, enquanto o irmão trocava tiros com a besta,
formando uma enorme esfera branca na ponta dos dedos. Depois
de mirar cautelosamente ele atirou, causando uma explosão
intensa e formando um rastro no chão por onde passou até atingir
o alvo. Uma nuvem de poeira se ergueu naquela região. Depois de
alguns segundos Kugeln saiu de lá, voando com a mão no peito,
parecia muito irritado. Algumas das pedras de Adonita de sua
armadura se despedaçaram pelo impacto do disparo.
Tenho que admitir que vocês dominam bem os poderes que
têm. Terei que lutar mais a sério agora...
Novas esferas surgiram, agora do tamanho de carros. Três
delas. Eram como pequenos sois organizados em forma de arco ao
redor do corpo de Kugeln. Com um sinal com a mão ele começou
a atirá-las. Tyler tentava disparar contra elas, mas mesmo seus
tiros tendo sua potência significativamente aumentada não
surgiram efeito nenhum. Viktor e Clarice olhavam atentos,
boquiabertos.
— Vamos Saiko, corra! — gritou o coringa.
— Saiko! — Clamou Tyler. — Precisamos de você agora!
Cada vez mais a primeira esfera se aproximava e os irmãos
começaram a estremecer. De repente, como um vulto o samurai
saiu em meio aquela fumaça e apareceu segurando o enorme
escudo. O enfincou com força no chão e firmou os pés numa
valeta que tinha ali.
— Se preparem!

Os irmãos se defenderam na parede do escudo e, logo
sentiram o baque da primeira explosão. Pelo tamanho das esferas
sua velocidade foi muito reduzida. Tudo ao redor numa área de
cinquenta metros ficou devastado. Os ouvidos da equipe ainda
zumbiam até a chegada do segundo ataque, que veio ainda mais
pesado que o antecessor.
— Puta que pariu! — gritou Tyler.
— Ainda tem mais uma — gritou o samurai.
— O que disse? — gritaram os irmãos.
A última esfera os atingiu. Um pouco de sangue saia pelo
ouvido de Tyler e Tom já havia caído no chão.
Saiko levantou o escudo e o posicionou mais perto de Kugeln.
Isso foi assustador ao mesmo tempo que incrível. Que vigor. A
besta parecia cansada naquele momento, era muita energia gasta
até mesmo pra ela. Também parecia estar ferida. O samurai soltou
o escudo, desembainhou a katana e se preparou para o contra-
ataque. Sua

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velocidade era muito alta, mas a distância do inimigo também,
logo solicitou a ajuda dos irmãos.
— Me deem cobertura!
— Certo! — Apenas Tyler respondeu, ainda meio zonzo.
Naquele instante ele olhou para Tom, que consentiu com algo
que já haviam planejado. A armadura de seu corpo foi aos poucos
recolhida e seu canhão, no membro esquerdo, se desprendeu do
antebraço. Ele o entregou ao irmão mais novo, que rapidamente o
armou e deu progresso a uma espécie de armadura muito
complexa, agora completa, tendo revestido sua face e corpo por
completo. Com os dois canhões herdados da família Silver, seu
nível bélico havia sido triplicado, o colocando no mesmo patamar
de muitos tenentes da Ordem.
— Se proteja irmão, eu assumo daqui. — Ordenou Tyler,
criando uma onda de energia muito forte com as duas mãos. —
Isso é demais!
— Vocês são mais chatos do que pensei. Não morrem logo...
— gritou Kugeln. — Terei que usar de outros meios.
Tom se afastou o máximo que pôde naquela área devastada.
Tyler comprimiu aquela onda em um feixe de luz tão intenso que
atingiu facilmente o ombro descoberto da besta, o fazendo urrar
de dor, ao mesmo tempo em que se aproximou partindo para a luta
no corpo a corpo. Saiko encurtava a distância até Kugeln e Tyler
atirava seguidas vezes, mas no momento em que o samurai iniciou
seu duelo com aquele supramorfo, ele cessou seus disparos.
— Isso pode ficar perigoso... O jeito é partir pra porrada agora.
Enquanto corria em direção a eles seus canhões se difundiram
e se transformaram numa espécie de luva de metal, muito robusta.
— Uhuuuul! — gritou excitado.
O velhote já combatia aquela coisa com muita destreza, se
esquivando de seus ataques e tentando o golpear com diversos
ataques com a katana. Rolou pelo chão, estocou e se defendeu de
socos brutais, até que em uma de suas técnicas, que consistia em
um corte obliquo tão quente que movia as partículas de ar como
navalhas incandescentes até o alvo, conseguiu cortar o braço
esquerdo de Kugeln. Um grito avassalador tomou conta da região.
Tom, percebendo a oportunidade, o golpeou na face esquerda com
o auxílio de alguns propulsores que surgiram em seu cotovelo, o
fazendo rodopiar bruscamente pelo chão a muitos metros dali.
— Eles estão indo muito bem. — comentou Viktor.
— Mas já estão quase no limite. Tyler já quase não tem mais
forças, os disparos naquele nível de poder já o sugaram demais.
Saiko ainda permanece firme, não sabemos até quando. O ideal
seria acabar isso logo, já perdemos muitas energias aqui. —
Completou Clarice, preocupada.
— Já não podemos contar com os irmãos amanhã.
O supramorfo se ajoelhou. Golpeava inúmeras vezes o chão
irado.
— Por que vocês não morrem, por que? Criaturas tão
frágeis...Oxus não admite tamanha vergonha.
Se levantou e parou diante deles. Estava no seu limite, mas
antes que pudessem perceber começou a falar algumas coisas
estranhas. Saiko, em um piscar de olhos o surpreendeu o
golpeando na barriga, no espaço maleável daquela armadura.
Nesse mesmo instante se agachou e Tyler o acertou com um chute
exorbitante o fazendo voar por mais alguns metros.
— Acho que isso é o fim. Corta a cabeça dele. — disse ele já
cansado.

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Kugeln se levantou cambaleante. Um sangue escuro jorrava
pelo seu braço e sua boca, o enfraquecendo a cada instante.
Percebendo estar acabado, decidiu realizar um último ato.
— Não posso deixar que acabe assim... — murmurou.
A besta fez um último disparo em direção a Tom, que estava
desarmado. Uma pequena esfera muito veloz cortava o vento em
milésimos de segundos, antes mesmo que ele pudesse perceber
aquilo. Nem mesmo Tyler podia fazer algo naquele momento, era
quase impossível acertar aquela esfera minúscula com um disparo
de seu canhão. O irmão mais novo gritou desesperado já que nada
podia fazer. Saiko tentou fazer algo, mas era inútil. A morte de
Tom era evidente. Se não fosse pelo simples fato de uma carta
prateada chegar um pouco antes do ataque de Kugeln. Viktor se
teleportou como um raio, empurrando o amigo e segurando firme
aquela esfera na palma da outra mão. O monstro parecia estar
hipnotizado, nem se quer teve alguma reação. Nos segundos
posteriores, Saiko gingou, rodopiou os braços e realizou um corte
perfeito, decepando sua cabeça.
— São os mesmos olhos... — Movimentou a boca antes de
morrer.
Do outro lado, Tyler caiu de joelhos no chão, mal acreditando
no que tinha visto. A velocidade de ação do coringa não só salvou
a vida de seu irmão, como mostrou o quão incrível ele podia ser.
Com certeza era alguém que não merecia ser sentenciado a morte.
Ele sentiu na pele a responsabilidade daquela missão. Clarice
chegou rapidamente para prestar os devidos socorros e viu que ele
estava apenas cansado de mais. Saiko pôs a mão sobre o ombro do
coringa, que parecia intrigado com aquela coisa. Sua mão estava
tremula e saia fumaça por entre os dedos.
— Que coisas mais engraçadas. Esse tipo de habilidade é algo
novo vindo deles. Eles poderiam destruir cidades inteiras com
isso... — comentou Viktor.
— Bom trabalho rapazes — disse Saiko. — Vocês foram
muito bem. — Sua armadura parecia evaporar, o deixando nu.
— Puta merda, cobre isso aí cara!
Tom caiu na risada, o que era raro. Os dois o acompanharam
enquanto observavam a imensa área de destruição que aquela
batalha havia feito. Tinha tomado proporções que só imaginavam
encontrar na batalha do dia seguinte.
Aquele momento seria extraordinário se não fosse pela
aparição de Aimwang, aterrissando como uma bala a alguns
metros dali. Parecia muito diferente de antes, era notável que algo
o incomodara. Viktor rapidamente levantou sua máscara e
escondeu as mãos no bolso da calça.

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V

Oeste de Áfriken (antiga África Ocidental nos anos 2000),


norte do país Titun Nigeria. Dois anos atrás:
— Aren, você ainda não contou pra mim a onde vamos —
disse Viktor antes de saciar a sede em uma pequena mina de água,
saindo de pedregulhos em meio aquelas savanas extensas.
— Zuri quer ver você. — respondeu o jovem.
Quase engasgou-se. Seu rosto empalideceu e rapidamente se
virou para o amigo.
— E porquê diabos só me fala isso agora?
— Ati pe o beere? — exclamou o jovem.
— Já te disse que eu não entendo iorubá.
— Fica tranquilo. Ela achar você pronto. — Aren pegou em
seu ombro e se dispôs a caminhar novamente, quase sumindo na
escuridão daquela madrugada fria.
O coringa apenas o fitou, por alguns segundos. A ansiedade o
tomou por alguns instantes antes de ele se forçar a manter o
controle. Então voltou a caminhar cauteloso seguindo os passos do
amigo, que parecia não ter nenhuma preocupação. Era estranho
tendo em vista que aquela região a muito tempo era reconhecida
pela diversidade de grandes predadores, e claro, pelo surgimento
quase que frequente de supramorfos.
Apesar do perigo, era inevitável a expressão de fascínio que
Viktor emitia ao raiar do Sol, quando as cores se tornavam mais
fortes com a presença de luz. Foi com a intensa movimentação das
placas tectônicas, como decorrência ainda que desconhecida do
surgimento dessas bestas, que os continentes sofreram alterações
muito bruscas. Alguns ficaram mais belos, outros se extinguiram.
Mas nada se comparava a Áfriken. O que era deserto se tornou
ainda mais seco, vazio e inóspito. Em compensação suas enormes
savanas agora eram repletas de verde e água.
Se não fosse pela privação de seu governo, agora um dos mais
fortes e influentes no mundo, o país Titun Nigeria seria um dos
mais visitados pelos turistas.

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VI
O tenente se aproximou da equipe, vagarosamente. Não pôde
deixar de olhar o modo como Clarice estava preocupada.
— Olha só esse estrago! Parece que você melhorou muito, seu
velho maldito.
— Só consegui com a ajuda da minha equipe. — respondeu
Saiko, friamente.
Wang voltou a caminhar, de um lado a outro. Parecia
inconformado. Passou a olhar o garoto, agora sério.
— Uma das melhores equipes táticas do Norte na minha
região eu até engoliria, mas um foragido? E junto a vocês? —
gargalhou Aimwang cinicamente. — Observar essa luta até que
serviu de alguma coisa. Agora posso realizar um dos meus
maiores desejos: matar o filho rebelde de Vicent. Eu esperei muito
por esse momento, vocês não têm ideia. Acabar com a vida
daquela puta da sua mãe foi muito fácil. Ela mesmo se matou,
fraca de mais. Espero que com você seja diferente...
Viktor ficou congelado por algum tempo, olhando para o
chão. Quando tirou as mãos do bolso ficou notável o quanto suas
luvas brilhavam na mesma cor e intensidade que seus olhos
enfurecidos. Um vermelho vibrante. Saiko tentou o segurar pelo
ombro, mas nem sequer chegou a tocar em sua roupa. O Às sumiu
com um vulto, voltando em segundos, por entre a fumaça,
caminhando lentamente com o que parecia ser sua veste de
combate. Um conjunto preto do mesmo design de suas luvas,
sendo constituído por uma camisa branca altamente reforçada, um
colete de grafeno muito elegante, uma calça preta de mesma
matéria e proteção que o colete e lindíssimos sapatos de extrema
qualidade. Terminava de tragar um cigarro quando parou a alguns
metros de Wang, que o encarava curioso.
— A coisa ficou séria, ele até trocou de roupa — zombou.
— Liza.
— Que foi moleque?
— Viktor, vamos trabalhar em equipe! — Clarice tentou
chamar sua atenção.
— O nome da minha mãe era Liza, seu desgraçado. — falou
enquanto soltava a fumaça dos pulmões. — Sinto muito pessoal,
mas não intervirão nessa luta.
— Espera! — gritou a tenente.
Saiko a conteve, enquanto cambaleava em direção ao hotel.
— Essa luta não é mais nossa! — gritou a metros dali.
Clarice se virou revoltada e quase em choro. Tyler e Tom se
afastaram, à medida que Viktor e Wang iam se aproximando.
— O que me diz de Okawa? — perguntou o coringa.
— Por mim tudo bem. — respondeu o tenente.
— Certo, então segura aqui.
Numa calmaria muito breve os dois deram um “aperto” de
mão. Viktor apagou o cigarro em seu próprio pescoço e,
rapidamente demonstrou seu rancor girando o braço de Wang e o
imobilizando, no mesmo instante em que chutava sua perna de
modo que o fez cair de cara no chão, lixando-o em todos os países
que se teleportaram até Okawa. Ao chegar lá, rapidamente se
afastou e entrou em posição de combate, muito mais sério do que
da última vez que estava em um duelo. Seus olhos estavam
serenos.
— Como é sentir o gosto de sete países quase ao mesmo
tempo?

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O herói nacional se levantou irado. Não tinha nenhum
arranhão, mas aquilo o havia desmoralizado como nunca.
— Com certeza o gosto do seu sangue vai ser melhor.
Enquanto se preparava, retirou o distintivo de tenente do
pescoço e o colocou no bolso. Nele estava contido o maior alvo de
Viktor: a pedra de Adonita que maximizava seus poderes. Tentou
tomar do inimigo, mas ele não desgrudava por nada enquanto se
teleportavam. Wang estralou os dedos das mãos antes de começar
a flutuar sobre a areia grosa daquele deserto. Não havia ali nada
senão quilômetros e quilômetros dela. Ao contrário da
simplicidade do chão, o céu estava completo de constelações.
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