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SNIPER

DE ELITE
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SCOTT McEWEN
com THOMAS KOLONIAR

SNIPER
DE ELITE
PERSEGUIÇÃO AO LOBO
The Sniper and the Wolf – a Sniper Elite novel
Copyright © 2015 by Scott McEwen with Thomas Koloniar.
All rights reserved.

Copyright © 2017 by Universo dos Livros.


Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de
19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da
editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os
meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação
ou quaisquer outros.

Diretor editorial: Luis Matos


Editora-chefe: Marcia Batista
Assistentes editoriais: Aline Graça e Letícia Nakamura
Tradução: Cristina Tognelli
Preparação: Alline Salles (AS Edições)
Revisão: Guilherme Summa e Cely Couto
Arte: Aline Maria e Valdinei Gomes
Capa: Valdinei Gomes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

M119s
McEwen, Scott
Sniper de elite : perseguição ao Lobo / Scott
McEwen, Thomas Koloniar; tradução de Cristina
Tognelli. –– São Paulo : Universo dos Livros, 2017.
448 p. (Sniper de Elite ; 3)
ISBN: 978-85-503-0207-2
Título original: The Sniper and the Wolf

1. Literatura norte-americana – Ficção 2. Guerra –


Histórias 3. Afeganistão – Ficção 4. SEALs (Marinha
norte-americana) I. Título II. Koloniar, Thomas III.
Tognelli, Cristina

17-1242 CDD 813


Este livro é dedicado aos homens e às mulheres cujas vidas
foram perdidas na luta a Guerra ao Terror em todo o mundo.

“Somente Deus pode julgar se os terroristas estão certos ou


errados. É nossa tarefa arranjar esse encontro.”

– Soldado desconhecido do
Em 8 de abril de 2014, o diretor do Serviço de Segurança Federal
Russo confirmou a morte de Dokka Umarov, o militante checheno
islâmico responsável pelos atentados no metrô de Moscou em 2010.
Ainda que a data e o local exatos de sua morte permaneçam
desconhecidos, seu falecimento foi confirmado pelo governo norte-
americano, e ele foi removido da lista de procurados do
Departamento de Estado dos Estados Unidos em abril de 2014.
PRÓLOGO

C
M

O OUTRORA CHEFE DE GABINETE da Casa Branca, Tim Hagen,


estava sentado à beira da piscina do seu hotel em Cancún, na ponta
da península de Iucatã, sorvendo um gole de sua piña colada
enquanto passava os olhos pelo volume de bolso de A Arte da
Guerra, de Sun Tzu. Apesar de conhecer cada um dos 27 conceitos
de trás para frente, ele gostava de estudar as palavras impressas,
vasculhando-as em busca de inspiração na mente de quem as
escreveu. Estava especialmente interessado nos conceitos incluídos
no capítulo treze, “Utilização de agentes secretos”.
Até seis meses atrás, Hagen fora o conselheiro militar do
presidente dos Estados Unidos, mas isso mudara abruptamente
assim que o presidente pedira que se demitisse poucos minutos
depois que San Diego quase fora dizimada por uma bomba nuclear
da era soviética. Claro, o ego de Hagen jamais permitiria que ele
enxergasse ter sido o responsável pela sua derrocada por conta das
constantes manipulações com o presidente ao perseguir suas
próprias ambições. Em vez disso, culpou Gil Shannon e Robert
Pope por enfraquecerem sua influência.
Agora, Hagen aguardava para saber se o incansável oficial do
estava morto ou a caminho da prisão francesa. Assim que
soubesse das novidades, voaria de volta a Washington, . ., com a
honra restaurada, e retomaria seus objetivos ambiciosos de poder e
influência. Pretendia oferecer seus serviços estratégicos a uma nova
estrela política em ascensão: um belo e jovem senador do Estado
de Nova York, Steve Grieves, que, com a orientação correta, poderia
talvez, um dia, ser um candidato bem-sucedido à Casa Branca.
Um recepcionista do hotel se aproximou, atravessando o pátio.
– Señor Hagen?
Hagen desviou os olhos do livro.
– Sim, sou Hagen.
– Há um telefonema para o senhor na recepção.
Hagen relanceou para seu celular, silencioso, sobre a mesinha ao
lado do coquetel.
– Para Tim Hagen?
– Sí, señor.
Imaginando se algo dera errado, Hagen pegou o celular e deixou
o livro na mesinha.
– Mostre-me o caminho.
– É por aqui, señor.
O recepcionista o guiou pelo saguão do hotel, e pararam diante
da recepção, onde uma moça entregou o aparelho para Hagen.
– Aqui é Hagen falando – ele disse ao pegar o telefone.
– Tim?
– Aqui é Tim Hagen – disse com impaciência. – Com quem estou
falando?
– Tim, aqui é Bob Pope. Tem aproveitado o sol aí?
O coração de Hagen deu um salto, e os pés calçados com
chinelos ficaram subitamente frios.
– O bastante – respondeu, pigarreando. – O que posso fazer por
você, Robert?
– Estou ligando para contar que Gil Shannon se deparou com
alguns problemas sérios em Paris.
– Lamento muito ouvir isso – disse Hagen com um sorrisinho se
formando nos lábios conforme o sangue voltava a fluir novamente. –
Mas já não trabalho na Casa Branca. Por que estaria interessado
em saber qualquer coisa relacionada ao Coronel Shannon?
Pope deu risada.
– Bem, sei o quanto você e Lerher têm acompanhado a carreira
dele.
A conduta jovial de Pope lançou um tremor gelado pela coluna de
Hagen.
– Não sei o que lhe contaram, Robert, mas eu…
– Gil saiu da França – informou Pope com um tom subitamente
gélido. – Portanto, se eu fosse você, começaria a procurar um
buraco para me esconder.
A boca de Hagen secou.
– Escute aqui… Quem diabos é Lerher?
– É melhor você fugir – Pope respondeu –, em vez de ficar aí
parado no saguão com esse seu chapéu ridículo.
A linha ficou muda, e Hagen se virou, vasculhando o saguão à
procura de alguém parecido com Robert Pope. Encontrou uma
câmera de segurança na parede acima do balcão.
– Seu sistema de segurança está ligado à internet de alguma
maneira?
O recepcionista relanceou para a câmera com uma expressão
confusa.
– Não sei, señor, mas acredito que não. Por quê? Há algo errado?
– Não – Hagen respondeu, e sua paranoia aumentava a cada
instante. – Vou fazer o check-out em meia hora. Por favor, mande
alguém ao quarto para buscar minhas malas.
– Sí, señor. – O recepcionista sorriu com curiosidade para a moça
e imaginou, enquanto Hagen se apressava pelo saguão,
descartando o chapéu panamá em uma lata de lixo a caminho do
elevador, por que o homem que ligara pedira-lhe para descrever o
que o senhor Hagen estava usando antes de chamá-lo.
1

PARIS

JÁ ERAM QUASE TRÊS DA MANHÃ quando o Coronel Gil


Shannon estava deitado no alto de um vagão de carga vazio na
periferia de Paris com um rifle modular Remington apoiado no
ombro, com o olho colado na lente de visão noturna Barska, sua
retícula iluminada de verde bem visível na escuridão. Ele observava
o armazém escuro a uma centena de metros do lado oposto do
pátio ferroviário a leste. A noite de abril estava fresca e, ao longe na
brisa, ouvia-se o barulho de uma locomotiva enquanto Gil ajustava
sua posição com cuidado, com a bexiga cheia, esperando que
Dokka Umarov aparecesse. Seu pé direito latejava no local em que
fora alvejado no ano anterior durante um salto de combate sobre
Montana, pois boa parte do osso metatarso fora substituído por um
implante experimental de titânio, e seu peito se contraía com a
ansiedade que, ultimamente, parecia atormentá-lo sempre que as
coisas ficavam quietas por muito tempo.
Inspirou profundamente, soltando o ar devagar, tirando a mão da
empunhadura apenas para flexionar os dedos.
– Está ficando com cãibra? – a voz que o observava disse na
escuta aninhada em seu ouvido de forma confortável.
Gil sorriu na escuridão.
– Está observando a mim ou à área alvo?
A voz deu uma leve risada.
– Eu vejo tudo.
– Você vê demais – Gil murmurou de bom humor. – Que tal largar
do meu pé e prestar atenção para ver se Umarov sai pelos fundos?
Outra risada.
Alguns minutos depois, Gil disse:
– Esta nossa reuniãozinha está demorando mais do que imaginei.
Será que…
– Sinal de calor! Atirador no telhado!
Gil não demonstrou reação alguma, apenas manteve o olho
colado na lente.
– Norte ou sul?
– Lado norte – disse a voz. – Ele está se escondendo sob uma
espécie de toldo… Não, acho que ele está bem protegido mesmo.
Está voltando para baixo da proteção agora. Umarov deve ter
antecipado algum tipo de vigilância por satélite.
– Consegue ver o cano do rifle?
– Aumentando a resolução da imagem agora… Isso, vejo uns
quinze ou vinte centímetros do cano… e o silenciador.
– Para que lado está apontando?
Uma breve pausa.
– Cerca de vinte graus à sua direita… ao sul da sua posição.
– Então, ele não me viu – disse Gil. – Mas isso está na cara. –
Permitiu que seu olho perscrutasse de um lado a outro sobre o
telhado reto da estrutura de três andares, cheio de caixas d’água e
de unidades de ar-condicionado, dutos de ventilação e plataformas
de observação fechadas que eram antigamente usadas por
vigilantes de trens. – Não consigo encontrá-lo. Por acaso não
conseguiu ver que tipo de lente ele tinha, conseguiu?
– Consegui – respondeu a voz. – Era grande.
– Merda – murmurou Gil. – Isso significa que era infravermelho.
Parece que eu trouxe uma adaga para um duelo com armas. O que
ele fazia fora do esconderijo?
– Acho que esticando as costas.
– Pelo menos ele é descuidado. Já é alguma coisa.
Gil relaxou e se permitiu urinar nas calças para resolver logo
aquele incômodo. Isso é mais difícil de fazer permanecendo
completamente imóvel do que a maioria das pessoas poderia
pensar, mas Gil praticamente se tornara um mestre na arte àquela
altura da carreira. Um atirador tinha que se hidratar muito para
permanecer vivo e alerta no Afeganistão, e não podia sair de
posição a cada dez minutos para se aliviar.
Agora estava pronto para o trabalho.
– Tenho que eliminar esse cara antes que Umarov apareça. Guie-
me até ele.
– Encontre a caixa d’água mais ao norte.
– Pronto.
– Está debaixo de um abrigo feito de compensado e entulho nove
metros para o sul d… Cuidado! Ele está levantando a mira!
Gil ajustou seu alvo dez graus à direita. Seu sangue congelou
quando enxergou o atirador inimigo, perfeitamente visível sob seu
esconderijo, a silhueta delineada em seu campo de visão
esverdeado.
– Merda!
Afastou-se do telescópio uma fração de segundo antes de ele se
estilhaçar: a bala do inimigo atravessou o tubo ótico sem tocar nas
laterais. Estilhaços de vidro atingiram Gil no pescoço enquanto a
bala letal passava ao lado do seu ouvido. Largou o Remington,
rolando pelo teto do vagão até a ponta oposta bem quando o
segundo tiro do inimigo raspou em seu quadril. Girou no meio da
queda livre para aterrissar de pé tal qual um gato sobre os
pedriscos, abaixando-se para se esconder atrás de uma das
grandes rodas de aço do vagão.
– Jesus Cristo, essa passou perto!
– Foi atingido? – a sentinela perguntou, ligeiramente hesitante.
Gil precisou de um tempo para abaixar os jeans e inspecionar o
ferimento.
– Passou pelo quadril de raspão. Nada grave.
– Isso é bom – a voz disse com seriedade –, porque você está
afundando na merda. Umas duas dúzias de policiais estão
convergindo para sua posição vindas do norte e do oeste. Duzentos
metros de distância. E eles estão acompanhados por dois pastores-
alemães.
Gil não queria saber de se envolver com os cães. Até poderia lidar
com um se estivesse disposto a se machucar, mas dois deles o
arrastariam e o dilacerariam. Saiu correndo para o sul, avançando
sobre os pedriscos soltos paralelamente ao trem.
– O que o merda do atirador está fazendo?
– Esqueça-se dele – respondeu o homem da voz, ligeiramente
distraído agora. – Ele está recuando.
Gil ajustou o fone enquanto corria.
– É possível que os policiais estejam aqui por causa de Umarov?
– Não estão indo na direção do armazém. Espere um instante. –
Outra pausa. – Umarov e seus homens estão saindo pelos fundos
do armazém. Devem ter armado uma cilada para você, Gil.
– Maldição, mas quem? – Gil perguntou irritado, correndo pela
escuridão com o som dos policiais sendo carregado pelo vento.
– Os cachorros estão soltos – informou a voz. – Aproximando-se
rapidamente a cem metros.
– Porra!
Gil saltou na escada de um vagão de carga e subiu até o teto,
disparando ao longo do teto dos vagões, saltando sobre os vãos
entre eles na direção da locomotiva ainda um quilômetro à frente na
parte dianteira do trem.
– Eles vão ver você aí em cima.
– Bem, se tiver uma ideia melhor, Bob, sou todo ouvidos.
Os cães latiam, alcançando-o rapidamente, o som das passadas
de Gil claramente audíveis; as microgotas de suor pesadas no ar,
sendo impossível que os cães não as percebessem.
– Aumentando o ângulo para espiar à frente… – Foi a resposta
em seu ouvido.
Gil sentia o implante de titânio do pé direito começar a machucar
o tecido muscular, e ele se perguntou quanto tempo teria ainda
antes que algo dentro do membro se soltasse. Ele já não estava
mais em forma para fuga e evasão, e esse fato se tornava mais
evidente a cada salto de um vagão a outro. Os pastores-alemães
estavam logo abaixo dele, latindo como loucos para avisar seus
treinadores que haviam encontrado o suspeito.
Um tiro de pistola foi disparado, e Gil olhou de relance por cima
do ombro, vendo um policial uns quinze vagões mais atrás, também
correndo sobre o teto.
– O que será que aconteceu com o “não atirarás num
companheiro”? – Gil murmurou alto.
– Você está na França – a voz o lembrou. – Eles não têm esse
mandamento aí.
– Bob. Estou ficando sem trem para correr, e aquele cara ali atrás
é mais rápido do que eu. – Outro tiro de pistola. – Tenho quase
certeza de que estão atirando para matar.
– Estão mesmo. Alguém deu uma pista para a Sûreté a respeito
de um terrorista no pátio férreo. – A Sûreté Nationale era a força
policial francesa.
– Está zapeando de canal em canal? – Gil saltou sobre um vão,
quase tropeçando na aterrissagem.
– Tenho que descobrir o que você está enfrentando – a voz
respondeu com tranquilidade, e também havia o som de dedos
disparando sobre um teclado. – Muito bem, está com sorte. Os
trilhos passam sobre um grande canal uns dez vagões mais à
frente. Os cães não conseguirão segui-lo por ele, portanto, pode
descer e correr um pouco pelo descampado.
Gil saltou para outro vagão e tropeçou, voltando a se equilibrar
sobre os pés com destreza, as passadas do seu perseguidor ficando
cada vez mais próximas.
– Vou ter que me livrar do Carl Lewis aqui atrás.
– Corra, Gil. Se for capturado com vida, será condenado à prisão
perpétua na França.
– Jura, Bob? Obrigado!
Gil correu até o vagão que já atravessava o canal, deixando os
cães latindo na margem, e desceu pela escadinha até o chão. Em
um rápido relance, viu que o policial só estava seis vagões mais
para trás, aproximando-se com rapidez com a arma em punho.
Desapareceu nas sombras de um pátio cheio de contêineres de
carga empilhados. Os gritos de mais policiais se tornaram audíveis
quando se agruparam na margem do canal, e os fachos de luz das
suas lanternas viravam de um lado a outro com rapidez.
Gil se escondeu atrás do contêiner mais próximo à espera do
guarda. Quando o rapaz virou na escuridão a toda velocidade, Gil o
atingiu com um golpe na garganta com o V formado pelo indicador e
o polegar, fechando seu esôfago temporariamente e derrubando-o
no chão.
A pistola também caiu, e Gil a apanhou. Não queria matar
ninguém, mas a possibilidade de uma pena perpétua não lhe era
aceitável, portanto, teria que levar essa missão ao limite,
equilibrando-se na corda bamba até conseguir, por fim, escapar ou
ser forçado a tomar uma decisão fatal. Enfiou a pistola no cós da
calça e continuou se movendo, deixando o policial engasgado no
chão.
– Encontre uma saída para mim nesta porra de labirinto!
Era em momentos como aqueles que Gil se sentia aliviado por ele
e a esposa terem se separado, e por ela não ficar mais em casa se
preocupando com ele.
– Siga sempre em frente por esse corredor até chegar a um beco
sem saída, depois vire à direita. Alguns deles estão atravessando o
canal agora por cima do trem. O restante está indo para o oeste
com os cachorros para atravessar uma passarela.
– Onde estou em relação à embaixada? – Gil perguntou.
– Esqueça a embaixada – a voz respondeu. – Está sendo isolada
neste exato instante. Alguém sabe que você é americano, e estão
esperando que vá para lá.
Gil disparou por uma passagem entre contêineres.
– Onde está Umarov?
– Deixe-o para lá. Temos que encontrar um lugar para você se
esconder.
– Mas nem fodendo! – Gil rebateu. – Me mande na direção do
Umarov!
– Gil, não. Isso não…
– Bob, seus contatos em Paris estão comprometidos. Estou
completamente por minha conta aqui. Portanto, me mandar na
direção do Umarov dá no mesmo que me mandar em qualquer outra
direção… E isso é a última coisa que ele espera acontecer!
A sentinela permaneceu calada, por isso Gil continuou seguindo
em frente, chegando ao beco sem saída. Levantou o olhar para a
noite estrelada.
– E aí, cacete? Vou pra direita ou pra esquerda?
– Ah, inferno… – disse a voz. – Vire à esquerda!
Gil desceu pelo corredor da esquerda.
– Umarov foi para muito longe?
– Ele parou e entrou em um prédio de apartamentos a uns três
quilômetros daí.
– E quanto aos policiais?
– Atravessaram a passarela a oeste e os cachorros estão
farejando. Você não vai ter mais do que um minuto antes que
encontrem seu rastro.
Gil chegou ao fim do corredor e disparou pelo pátio férreo na
direção dos armazéns.
– Entre lá – a voz o incitou. – Você está totalmente exposto.
– Estou com medo de estragar este maldito implante.
– Se não encontrar uma cobertura nos próximos trinta segundos,
será visto pelos policiais. Eles têm óculos de visão noturna.
Gil apressou o passo e conseguiu se esconder atrás de uma fila
de seis vagões-pipa estacionados em um trilho lateral, abaixando-se
atrás de outra roda.
– Espere um pouco aí – avisou a voz. – Estão vasculhando o
pátio.
– Quais são as ordens deles? – Gil sabia que a sentinela falava
francês fluente. – Está ouvindo a comunicação entre eles?
– As ordens são para não o deixar escapar.
– Ok, no mínimo arriscado – Gil murmurou. – Bem que eu gostaria
de um cigarro agora. – Agachado com a cabeça apoiada na roda,
inspirou fundo. – Não vou conseguir correr muito mais. Você tem
que me encontrar uma carona.
– Os cachorros vão encontrar seu rastro a qualquer instante agora
– disse a sentinela. – Levante-se e mexa-se, indo exatamente na
perpendicular aos trilhos. Vai ter que fazer com que essas rodas
fiquem entre você e os homens do lado oposto. Se conseguir chegar
aos armazéns sem ser visto, pode ser que tenha chance.
Gil correu e chegou ao armazém mais próximo, avançando pela
lateral oposta para sair do campo de visão.
– Ai, Cristo – disse a sentinela. – Consegue ouvir tiros daí?
Gil paralisou.
– Não… Por quê?
– Alguém está atirando nos policiais. Dois deles estão caídos
perto dos trilhos, e o restante está procurando cobertura. Acabaram
de soltar os cachorros de novo.
Gil quebrou uma janela e a atravessou para entrar no armazém.
– Entrei agora. – Abriu caminho até os fundos, serpenteando
entre caixotes, rapidamente se desorientando na escuridão. Chegou
a um beco sem saída e teve que dar a volta. – Quem empilhou
estas porcarias?
– Que porcarias?
– Engradados – Gil explicou. – Quem está atirando nos policiais?
O maldito atirador?
– Não sei. Gil, tem que encontrar uma saída daí agora. Os
cachorros estão pulando pela janela… Entraram!
Segundos depois, Gil ouviu as patas dos cães no piso de
concreto, avançando imperturbáveis no breu absoluto, seguindo o
rastro dele em meio aos engradados. Ele se deparou com uma
escada de ferro e correu para o segundo andar, onde parou,
observando o térreo do armazém. Correu para a ponta oposta da
passarela e deu de frente com uma porta trancada.
Os dois pastores subiram a escada, e ele viu a leve silhueta deles
na extremidade oposta da passarela, movendo-se em sua direção,
lado a lado, ambos rosnando baixinho.
O cachorro de Gil lhe veio à mente, um chesapeake bay retriever,
quando ele sacou a Beretta da calça, preparando-se para atirar
neles. Os pastores arreganharam os dentes e avançaram. No brilho
da luz branca do poste do lado externo, ele viu uma série de canos
que descia pela parede, levando até uma porta no piso de baixo. Em
uma inspiração momentânea, largou a pistola, passou as pernas
sobre a grade da passarela, esticou-se para segurar os canos e
apoiou os pés contra a parede. Os cachorros rosnavam
furiosamente enquanto ele se agarrava à parede a meros trinta
centímetros do alcance deles. Vendo as presas brilhantes, ele
escorregou pelo cano até o piso dois andares abaixo. Os cachorros
recuaram até a escada.
Gil chegou ao chão só para descobrir que aquela porta também
estava trancada.
– Ah, caralho, dá um tempo!
– Qual é o problema agora? – perguntou a sentinela.
– Cachorros são o problema!
Ele correu ao longo da parede na direção do que ele esperava
que fossem os fundos do armazém enquanto os pastores desciam a
escada. Gil invadiu um escritório trancado e, rapidamente, empurrou
uma mesa contra a porta, apanhando um maço de cigarros
franceses e enfiando-o no bolso. Em segundos, os cachorros
arranhavam a porta pelo lado de fora, ganindo em sinal de
frustração. Ele forçou outra porta a se abrir nos fundos do escritório
e correu por um corredor escondido em direção a um brilho tênue
bem ao longe.
– Ainda está aí?
– Sim, andei dando alguns telefonemas – disse a voz. – Tentando
encontrar um lugar para você se esconder. Falta muito para
encontrar uma saída daí?
– Te aviso num segundo. – Gil apoiou uma mão em um painel de
vidro empoeirado. – Acho que isso dá pra fora.
Tateou ao redor na escuridão, procurando uma cadeira ou lata de
lixo para quebrar a janela.
Sem nenhum aviso, um pastor-alemão se chocou contra ele com
força, afundando os dentes em seu braço esquerdo.
– Puta merda! – gritou completamente despreparado para o
impacto repentino.
Esforçou-se para manter o equilíbrio com o cão sacudindo seu
braço de um lado para o outro, não muito parecido com o que faria
com uma boneca de pano, mas quase igual.
– O que está acontecendo? – a sentinela perguntou ansiosa.
O animal era inacreditavelmente forte e derrubou Gil em questão
de segundos. Ele sentiu, mais do que ouviu, a chegada do segundo
cachorro, chutando na escuridão para mantê-lo afastado. O animal
se agarrou à sua bota, puxando-a de um lado a outro com
selvageria, penetrando as presas com facilidade tanto no couro na
parte de cima quanto no dorso do pé direito já machucado.
Felizmente, o corredor estreito limitava o espaço de manobras do
cachorro o suficiente para que Gil conseguisse pressioná-lo primeiro
em um canto, apoiando o pé livre na parede e usando o antebraço
para apertar a cabeça do cão contra o chão, ficando por cima. O
segundo cachorro ainda o prendia pelo pé e, apesar de ser
doloroso, não representava nenhuma ameaça direta à sua vida ou
ao membro.
Gil estava prestes a pressionar o polegar no globo ocular do
cachorro quando chocou a cabeça em um extintor de incêndio no
chão junto à parede. Apanhou-o com a mão livre e enfiou o bico de
plástico na boca do animal, apertando o gatilho para emitir um jorro
de CO2. O cachorro ganiu, soltando o braço de Gil imediatamente,
debatendo-se como um louco para se colocar de pé de novo. Gil
rolou de lado e lançou outro jato no segundo cachorro, fazendo com
que libertasse seu pé. Agachou-se com rapidez e arremessou o
extintor na janela. O vidro se quebrou, e ele saltou para a noite,
aterrissando em uma lixeira cheia até a metade.
Um dos pastores aterrissou ao seu lado um segundo mais tarde,
cravando os dentes em sua coxa com um rosnado.
– Seu filho da mãe!
Gil socou o cão na lateral da cabeça bem forte, o bastante para
que ele o soltasse. Afastou-o com um chute e lançou uma perna por
cima da lixeira bem quando o segundo pastor saltou pela janela. Gil
se virou para fechar a tampa em cima de um dos cachorros com
tanta força que ele acabou desmaiando. O outro cachorro continuou
latindo dentro da caixa metálica enquanto Gil trotava pelo beco.
– Cristo Todo-Poderoso. – Apoiou-se em uma parede, flexionando
os dedos para verificar a extensão dos danos no braço esquerdo.
Voltou a olhar para o céu. – Como saio daqui?
– Continue avançando para o leste – disse a voz com
neutralidade. – Se for rápido, tenho quase certeza de que terá
tempo de pegar um táxi a cerca de meio quilômetro.
– E os policiais?
– Outros três foram alvejados enquanto você se divertia com os
cachorros. Estão se protegendo agora e chamaram a evacuação
médica.
– Viu para que lado o atirador foi?
– Não, mas quem quer que seja, com certeza identificou você.
Gil se aproveitou de um instante para acender um cigarro,
jogando o fósforo no chão.
– Certifique-se de descobrir quem inventou esta operação. Vou
arrancar o coração do filho da puta.
– Teremos sorte se conseguirmos te tirar da França.
Gil tragou o cigarro.
– Então, matar Umarov ainda é minha prioridade. Pra que lado
fica o ponto de táxi?
2

PARIS

GIL PEGOU UM TÁXI a cerca de um quilômetro da área alvo. A


sentinela lhe disse quais palavras usar em francês e, por mais que o
sotaque de Gil fosse horrendo, o taxista o compreendeu bem o
bastante para seguir suas instruções na periferia de Paris. O taxista
viu o quanto seu passageiro sangrava, e logo lhe ficou aparente que
Gil recebia instruções de alguém que falava com ele pelo fone de
ouvido. Começou, então, a tagarelar em um francês apressado com
ele por cima do encosto do banco.
– Ele acha que você é da – a sentinela informou com uma
risada de divertimento.
– Você assiste a muitos filmes – Gil disse ao taxista. – Apenas
dirija. – Estava apostando que o homem falasse um mínimo de
inglês, como boa parte dos parisienses, apesar de normalmente
fingirem não entender quando lidam com turistas americanos.
O taxista encostou na guia.
– Saia. Não quero saber de problemas.
Gil não estava com bom humor para esse tipo de brincadeira.
Avançou da sua posição encostada e socou o taxista no rosto ao
estilo Indiana Jones.
– Agora, veja bem, ou você dirige este táxi ou quem dirige sou eu!
Não tenho tempo para suas bobagens! Comprendre, mon ami?
O taxista se recostou na porta, amparando a lateral do rosto onde
Gil o atingira, com os olhos carregados de ódio.
– Você é da .
– Pode ter certeza disso – Gil resmungou. – Dirija!
O motorista passou a marcha de mau humor e se afastou da guia.
– Por que está sangrando? – ele perguntou alguns minutos mais
tarde.
– Fui atacado por um lobisomem.
Gil continuou ouvindo a sentinela, que monitorava o táxi de sua
posição superior via satélite infravermelho, travado em uma órbita
geoestacionária trezentos e vinte quilômetros acima.
– Vire à direita aqui – disse ao taxista. – Estamos chegando.
Um minuto depois, encostaram de novo, e Gil saiu do táxi em uma
região de muçulmanos de Paris, enfiando o equivalente a trezentos
euros em dólares nas mãos do taxista.
– Fique com o troco. – Fechou a porta e o táxi se afastou
rapidamente.
Gil ficou nas sombras, observando o prédio de três andares na
esquina oposta. Havia uma luz acesa em um dos apartamentos do
último andar.
– Não imagino que saiba em qual andar Umarov está – disse à
sentinela.
– Não faço a mínima ideia, mas o na esquina foi o carro em
que ele foi até aí. Provavelmente tem alarme.
Gil remexeu em uma lata de lixo até encontrar uma garrafa de
vidro. Lançou-a pela rua e ela se espatifou contra o para-brisa do
, disparando o alarme do carro, e os faróis começaram a piscar.
– Acho que essa é uma maneira de se fazer as coisas –
comentou a sentinela com divertimento.
Gil se escondeu nas sombras. As cortinas do quarto iluminado se
afastaram, e um homem baixou o olhar para o por um instante
antes de voltar a fechá-las.
– Deu certo. – Gil atravessou a rua, saltou em um muro que lhe
batia à cintura e se escondeu na escuridão fora do alcance da luz
âmbar do poste.
O alarme silenciou depois de um minuto, e o homem da janela
saiu pela porta de entrada do prédio. Ficou olhando para o vidro
quebrado do sob a luz do poste com uma expressão penetrante
e predatória. Observou com olhar de águia em todas as direções do
cruzamento, com uma mão enfiada dentro da jaqueta.
Gil agachou-se, permanecendo abaixado ao avançar pelo muro
na direção da esquina. O homem voltou a acionar o alarme do carro
e se virou para voltar para o prédio. Ao chegar ao fim da mureta, Gil
se lançou como uma pantera, atingindo-o com um golpe letal no
cerebelo, derrubando-o. Mesmo ele tendo caído de cara na calçada,
Gil continuou com o ataque, descendo com o calcanhar da bota na
nuca com força e rapidez para quebrar sua coluna.
Imediatamente, arrastou-o pela cabeça até as sombras,
vasculhando por armas e informações. Encontrou um molho de três
chaves, sendo que uma delas era do carro, e uma Glock 39
subcompacta .45 com uma câmara de repetição de seis tiros.
Certificou-se de que uma bala estava na câmara e foi até os fundos
do prédio. Uma das chaves se encaixava na fechadura, por isso,
entrou com facilidade. Subiu as escadas com movimentos
relaxados, mantendo a pistola empunhada na mão direita, porém
escondida atrás da coxa. As paredes do prédio antigo eram mal
iluminadas, e os degraus de madeira rangiam a cada passo.
Chegou ao andar superior e ficou parado observando a porta do
apartamento. Uma luz brilhava por baixo dela, e Gil conseguia ouvir
pelo menos dois homens conversando em checheno. As vozes
pareciam ansiosas, e ele deduziu que isso se devesse ao alarme do
carro, mas não havia como ter certeza. Olhou para a terceira chave,
imaginando que entraria na fechadura, mas não sabia se os
chechenos usavam algum tipo de batida secreta antes de entrar.
Não havia como saber quantos muçulmanos hostis viviam no prédio
e as seis rodadas poderiam não bastar em um tiroteio demorado.
Sem falar que não gostaria de outro encontro com a polícia
francesa.
Resolvendo manter a iniciativa, Gil guardou as chaves e foi em
frente, chutando a porta do quarto e atirando no primeiro homem
que viu. O checheno de olhos arregalados agarrou o pescoço e caiu
para trás em cima da mesinha de centro. O alvo original de Gil, o
barbado Dokka Umarov, saltou do sofá, apanhando uma Glock 39
que estava enfiada no cós da calça, e Gil o atingiu no meio da testa.
Boa parte do crânio desapareceu em um spray de ossos e sangue
enquanto Gil girava para atirar no último homem na sala.
Parou uma mera fração de segundo antes de apertar o gatilho,
encontrando-se cara a cara com o agente Trent Lerher da ,
antigamente ligado ao , o Comando de Operações Especiais
Conjuntas.
– Que diabos você está fazendo aqui?
Lerher era alto e magro, e tinha muita experiência no mundo da
espionagem.
– Devagar, Gil. Isto não é o que parece.
– Responda minha pergunta!
Gil trabalhara com Lerher em duas ocasiões distintas durante seu
serviço com a Equipe 6 do . Uma vez na Indonésia há muitos
anos, e outra mais recente no Afeganistão, quando Lerher enviara
Gil até o Irã para eliminar um fabricante de bombas e sua esposa
grávida. Gil se recusara a matar a mulher e, em vez disso, levou-a
viva ao Afeganistão e causou a maior confusão por Lerher ter lidado
mal com a missão. A ordem controversa do agente de matar uma
mulher grávida não caíra bem com os superiores no quartel-general
em Langley, na Virgínia, e, como resultado, Lerher fora demovido do
e realocado para as operações normais de campo.
– Quem está aí? – a sentinela perguntou no ouvido de Gil.
– Lerher!
Lerher viu o fone de ouvido.
– Diga a Pope que eu…
– Como você sabe que é o Pope? – Gil exigiu saber. – Levante a
porra das mãos de novo!
Lerher levantou ainda mais as mãos.
– Não temos tempo para fazer isto aqui, Gil. Vamos embora, e
explico tudo.
– Gil! – Bob Pope disse no ouvido de Gil.
– Estou ouvindo.
– Foi ele quem te deu de presente para os lobos. Acabe com ele.
– Tem certeza?
– Escute! – Lerher disse, sabendo que estava perdendo sua
chance. – Isto não é o que parece! Pope não sabe que porra está
dizendo!
– Gil, mate-o e saia já daí. Você não tem muito tempo.
– Maldição. Tem certeza?
– Sou americano! – Lerher exclamou.
– Mate-o, Gil! A polícia está a caminho.
Lerher enfiou a mão na jaqueta, e Gil atirou no meio do rosto dele.
Lerher cambaleou para trás, estremecendo e piscando, emitindo um
som de sufocamento nauseante, e Gil o alvejou novamente no peito.
O agente caiu, e Gil se adiantou para revistá-lo. Só o que encontrou
foi o mesmo modelo de pistola que os chechenos portavam, então
apanhou as câmaras extras de munição e disparou para fora do
cômodo, descendo os três lances de escada às pressas até a rua e
entrando no preto. Sirenes ao estilo europeu se aproximavam
vindas do norte, portanto, ele acelerou para o sul.
– Que porra está acontecendo, Bob? Lerher nem está mais ligado
ao !
– Na verdade, não está ligado a mais nada agora – Pope disse
com neutralidade.
Gil parou em um farol vermelho.
– Não tem graça nenhuma.
– Você disse que o queria ver morto. Conseguiu.
– Queria saber que porra ele estava fazendo em Paris com Dokka
Umarov.
– Vou chegar ao fundo disso – Pope prometeu. – Mas, neste
instante, você tem que ir para a Embaixada Russa.
O farol ficou verde, mas Gil não percebeu.
– Que diabos vou fazer na Embaixada Russa?
– Para início de conversa, vai ser remendado. Talvez receba uma
injeção de penicilina. Essas mordidas de cachorro vão infeccionar.
– Está me dizendo que os russos concordaram em me receber?
– Você acabou de matar o Bin Laden dos russos – disse Pope,
referindo-se ao guerreiro checheno islâmico Umarov. – É o mínimo
que podem fazer por você. Agora, vire à esquerda e tente não dirigir
como alguém que está fugindo da cena de um homicídio múltiplo,
ok?
3

PARIS

A SEGURANÇA DA EMBAIXADA RUSSA esperava Gil quando


chegou, e ele foi admitido de imediato por uma entrada lateral no
prédio extravagante. Quatro soldados parrudos o acompanharam
até uma sala de reuniões na qual um espelho cobria uma parede.
– Se tem armas, coloque-as na mesa – um dos soldados de rosto
pétreo disse em um inglês bom.
Sobre os ombros, ele trazia as insígnias de um major-sargento –
ou um starshina, como são chamados no exército russo, uma
patente bastante similar à de coronel da Marinha dos Estados
Unidos.
Gil tirou a Glock 39 lentamente de dentro da jaqueta, colocando-a
na mesa ao lado com as três câmaras extras de munição e os
cigarros.
– Isto é tudo – disse ele com seus olhos azuis sorridentes.
O starshina apontou para o fone no ouvido de Gil.
– Isso também.
– Estão me obrigando a desligar, Bob.
– Era esperado – respondeu Pope. – Boa sorte, Gil. Não há muito
o que eu possa fazer por você agora.
– Apenas descubra no que Lerher estava metido.
Gil tirou o equipamento do ouvido e o jogou sobre a mesa.
– Passaporte? – o starshina perguntou.
Gil tinha mais de 1,80 metro de altura, era magro e forte, com os
cabelos castanhos cortados curtos. Pegou o passaporte da jaqueta
e entregou-o ao sargento.
O russo o estudou.
– É canadense?
Gil sacudiu a cabeça.
– ?
– Acho que depende de quem pergunta. “ ” não significa mais o
que costumava.
O sargento o encarou e depois apontou para uma cadeira junto à
parede.
– Sente-se ali.
Gil obedeceu, e o soldado juntou seus objetos em uma bolsa de
couro que levou consigo quando saiu da sala. Os outros três
guardas, um sargento júnior e dois efreitors (algo semelhante a
cabos) se postaram em três pontos distantes ao redor da sala,
observando Gil com os braços cruzados sobre os amplos peitos.
– Não imagino que vocês tenham…
A porta se abriu, e um médico em seus 20, quase 30 anos, entrou
trazendo uma maleta vermelha grande com instrumentos médicos.
– Tire as roupas, por favor. – Apoiou a maleta na mesa. – Não
dispomos de muito tempo.
Gil se levantou, ficou apenas com a roupa de baixo e voltou a se
sentar. Sangrava nos ferimentos do braço esquerdo, da coxa
esquerda, do quadril esquerdo e do pé direito. Também havia um
corte de uns cinco centímetros no escalpo que não sabia explicar.
Verificando as muitas cicatrizes de guerra nas pernas, tronco e
cabeça de Gil, os três soldados trocaram olhares que poderiam ser
considerados de aprovação.
– Isto foi causado por um cachorro? – o médico perguntou,
examinando o braço rasgado de Gil.
– Sim.
– E isto? – o médico perguntou um instante depois, examinando
com cuidado as marcas de mordida na coxa de Gil.
– Também, além do ferimento no pé. No quadril, foi um ferimento
a bala. E não sei por que diabos a minha cabeça está sangrando.
O médico olhou para o soldado mais jovem, um dos efreitors,
falando demoradamente em russo. Quando terminou, o efreitor
apanhou as roupas de Gil, inclusive botas e meias, e saiu da sala.
– Vou tratar dos seus ferimentos agora – avisou o médico,
pegando uma seringa e um frasquinho de lidocaína de dentro da
maleta de suprimentos médicos. Seus dedos eram habilidosos e,
em meia hora, já suturara todos os ferimentos de Gil.
O sargento de rosto pétreo retornou com roupas limpas no
mesmo instante em que o médico terminou seu trabalho, e foi então
que Gil se deu conta de que devia estar sendo observado através
do espelho.
Gil se vestiu e não se impressionou em ver que os sapatos novos
eram do seu tamanho exato. Sorriu para o soldado.
– Bom trabalho, starshina. Vocês são bons nisso.
O russo se permitiu um breve sorriso.
O médico saiu da sala, e um fotógrafo entrou imediatamente
depois com uma câmera digital.
– Sente-se – ordenou o sargento. – Não sorria.
Gil se sentou, e o fotógrafo tirou sua foto, desaparecendo quase
que com a mesma rapidez com que aparecera.
– E agora? – Gil perguntou.
O sargento gesticulou para que os outros dois soldados saíssem,
depois os seguiu. Gil ficou sozinho na sala por quarenta e cinco
minutos até que a porta voltasse a se abrir, e um homem de
aparência saudável com pouco mais de setenta anos entrou.
Estendeu a mão para Gil, que se levantou da cadeira para apertá-la.
– Meu nome é Vladimir Federov – disse o homem mais velho.
– Prazer em conhecê-lo, senhor. Sou…
– Sei quem você é. Venha se sentar. Temos que conversar.
Sentaram-se um diante do outro, e Gil esperou para ouvir o que o
homem tinha a dizer.
Federov entrelaçou os dedos diante de si.
– Fui capturado em Berlim, em 1973, pela – ele começou. –
Na época, eu era um jovem agente da e, por sorte, um agente
da fora capturado em Berlim Oriental no dia anterior. Depois de
vinte e quatro horas, entraram em um acordo em que nos trocariam
em Checkpoint Charlie. – O Checkpoint C fora o ponto de controle
de passagem mais famoso no muro de Berlim durante a Guerra
Fria, e muitos espiões foram trocados ali naquele período. Depois
do colapso final da União Soviética e da reunificação da Alemanha
nos anos 1990, o local se tornou uma atração turística.
– Espero que tenha sido bem tratado – Gil disse com sinceridade.
– Ah, fui muito bem tratado – respondeu Federov. – Fui capturado
por um jovem agente chamado Robert Pope. Pelo que sei, você o
conhece muito bem.
Gil sorriu.
– Sim, o bastante, mas não sabia que ele chegara a capturar
pessoalmente um agente legítimo da .
Federov sorriu.
– O filho da puta usou uma mulher para me enganar.
Gil se esforçou para esconder seu divertimento.
– Bem, conhecendo o gosto de Pope por mulheres, duvido que
você tivesse chances de se livrar disso.
– Eu era jovem e tolo – admitiu Federov. – Mas Robert me tratou
bem e providenciou para que a troca fosse feita rapidamente, algo
pelo que sempre lhe fui muito grato. Naqueles dias, as famílias dos
agentes da capturados eram tratadas com suspeita pelo
governo soviético e, com frequência, tinham suas vidas dificultadas.
Robert sabia disso, e a minha rápida devolução poupou meus
parentes de tamanha humilhação.
– Entendo. – Gil sabia que as amenidades tinham sido
transpostas e que era hora de cuidarem de negócios.
– Dokka Umarov está morto? – Federov perguntou.
– Está muito morto – Gil respondeu.
– Ele já foi dado como morto muitas vezes – disse Federov. –
Preciso conhecer todos os detalhes da missão que o trouxe até este
momento. Essa foi uma condição já acordada com o seu superior.
Gil sabia que pouco importava se Pope concordara ou não com
essa condição, apesar de acreditar que o tivesse feito, por isso
contou a Federov todos os detalhes da sua missão, desde o
momento em que estivera no topo do vagão do trem até a chegada
ao portão da embaixada.
Federov pareceu levemente surpreso em saber que Gil matara o
agente Lerher.
– Lerher chegou mesmo a pôr a mão na arma? Ou essa é a
história que pretende contar para o seu povo? Não se preocupe, seu
segredo estará resguardado conosco.
– Ele tentou mesmo sacar a arma – Gil respondeu –, mas eu teria
atirado nele de todo modo.
Federov relanceou para o espelho antes de retornar sua atenção
para Gil.
– E você não tem ideia de quem pode ter atirado nos policiais
franceses?
– Se eu tivesse que apostar – Gil disse –, diria que foi o mesmo
atirador que cobria o encontro de Umarov, mas isso não passa de
especulação. Pope o perdeu de vista depois que ele saiu de lá.
– Com quem Umarov se encontrava?
– Nossas fontes dizem que ele se encontrava com membros da Al
Qaeda para discutir a infiltração de soldados da organização na
Geórgia para ajudá-lo na guerra contra a Rússia.
– Onde na Geórgia? Em Ossétia do Sul? – Ossétia do Sul, a parte
mais setentrional da República da Geórgia, tentou declarar
independência em 1990. A Geórgia se recusou a reconhecer sua
autonomia, no entanto, e a guerra civil estourou logo em seguida.
Houve batalhas em 1991, 1992 e, de novo, em 2004. Outra batalha
aconteceu em 2008, e a Rússia finalmente invadiu o norte da
Geórgia para apoiar Ossétia do Sul. A região vem dependendo
completamente da economia e do exército russo desde então.
Gil sacudiu a cabeça.
– Sul de Tbilisi, a capital da Geórgia. As informações indicam que
Umarov queria coordenar uma série de ataques ao longo do
oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan.
O oleoduto tem 1.700 quilômetros de extensão, indo a
noroeste a partir de Baku, no Azerbaijão, no Mar Cáspio, até Tbilisi,
e depois a sudoeste até Ceyhan, na Turquia, na costa do Mar
Mediterrâneo. Ele possibilita que os poderosos ocidentais tenham
acesso aos campos petrolíferos no Mar Cáspio sem ter que lidar
com as interferências dos russos e dos iranianos e, apesar de
operado pela British Petroleum, o oleoduto é possuído por um
consórcio formado por onze diferentes empresas petrolíferas de
todo o mundo, incluindo a Chevron e a Conoco Phillips.
– Diga-me – Federov disse –, não achou estranho Umarov ter
uma reunião tão distante do Cáucaso? – O norte do Cáucaso era
território de Umarov, uma região montanhosa na Rússia europeia
localizada entre os mares Cáspio e Negro.
– Bem, ele foi visto embarcando em um navio-tanque grego em
Atenas, e de novo quando se mudou para um iate particular na
costa da Sicília trinta e seis horas mais tarde. Desembarcou em
Marselha no dia seguinte, e de lá subiu ao norte até Paris.
Federov apoiou o queixo no punho.
–A o rastreou?
– Sim, um dos nossos em Atenas fez a identificação inicial. Foi,
de fato, um golpe de sorte. Depois que ele embarcou no navio-
tanque, foi fácil acompanhar seu avanço.
– Entendo. – Federov se recostou na cadeira com um suspiro. –
Agente Shannon, você não…
– Coronel – Gil o corrigiu com educação. – Sou aposentado da
Marinha, não da .
Federov sorriu com secura.
– Senhor Shannon, não matou Umarov esta noite. Matou um
agente chamado Andrei Yeshevsky. – O era o Diretório
Principal de Inteligência, a versão russa da .
Gil sufocou a náusea que imediatamente subiu à sua garganta.
– Como isso é possível?
–O enviou Yeshevsky para Ossétia do Norte seis semanas
atrás como um impostor para minar a credibilidade do Dokka
Umarov verdadeiro no Cáucaso. Ele fez discursos em pequenas
cidades onde seu rosto não era muito conhecido, renunciando os
ataques chechenos terroristas em alvos militares russos e incitando
os chechenos muçulmanos a aceitarem a autoridade russa. –
Federov sorriu brandamente. – Claro que o não acreditava que
isso fosse deter os ataques. O que se esperava era que o
verdadeiro Dokka Umarov fosse forçado a se revelar, criando,
assim, uma oportunidade para a nossa Spetsnaz finalmente eliminá-
lo. – Spetsnaz era a Força Especial Russa, basicamente a versão
russa dos s da Marinha americana.
Gil não gostou nada disso.
– Mas então que diabos Yeshevsky estava fazendo aqui na
França?
Federov se recostou, coçando o queixo.
– Para ser sincero, não sabemos. Pensávamos que estivesse
morto. Ele desapareceu por duas semanas depois de ter sido
mandado para Ossétia do Norte junto com a sua equipe da
Spetsnaz. Foi só depois que Robert me ligou hoje à noite pedindo
ajuda para a sua situação que tivemos uma pista de que Yeshevsky
podia estar vivo.
– Isso quer dizer que é possível que eu tenha matado o
verdadeiro Umarov.
Federov meneou a cabeça.
– Yeshevsky tinha a tatuagem de uma mulher no peito. Um dos
nossos informantes na polícia francesa verificou que o corpo tem
essa tatuagem. E mais, acreditamos que o atirador que disparou
contra os policiais franceses seja um agente Spetsnaz chamado
Sasha Kovalenko. Kovalenko estava aliado à equipe de segurança
de Yeshevsky, e também sempre foi… como podemos dizer…
instável?
– Uma equipe inteira da Spetsnaz sumiu?
Houve uma batida à porta, e o sargento entrou na sala,
rapidamente trocando umas palavras com Federov em russo antes
de voltar para fora.
Federov se virou para Gil.
– Verificou-se que os outros dois homens que você matou no
apartamento também eram membros da equipe da Spetsnaz de
Yeshevsky.
Gil inspirou por entre os dentes.
– Não podemos supor que um deles seja esse camarada
Kovolenka?
– Kovalenko – Federov corrigiu a pronúncia de Gil. – Não, o corpo
dele não foi encontrado, e é uma pena.
Gil esfregou o rosto, sentindo o cansaço chegando.
– Vou precisar atualizar Pope quanto a tudo isso. Existem boas
chances de ele conseguir juntar algumas dessas peças.
– Foi ele quem rastreou Yeshevsky desde Atenas?
– Não. – Gil meneou a cabeça. – O chefe do escritório de Atenas
fez isso. As informações só foram passadas para Pope depois da
chegada de Umarov, isto é, de Yeshevsky, aqui em Paris. Agora
está encarregado por uma unidade ultrassecreta antiterrorismo, e
não houve tempo hábil para verificar adequadamente as
informações antes de agirmos. As coisas andam um pouco
desorganizadas na . O abalo foi muito grande desde o atentado
com a bomba atômica seis meses atrás.
Federov assentiu, evidentemente ciente dos problemas internos
da .
– Sempre é um problema quando existem poucos homens
competentes disponíveis.
Outra batida. O sargento entrou, entregou um passaporte
vermelho-escuro a Federov e saiu, sem fechar a porta.
Federov examinou o passaporte por alto antes de passá-lo por
sobre a mesa para Gil.
– Este documento é cem por cento legítimo. Você não é mais Gil
Shannon dos Estados Unidos da América. É Vassili Vatilievich
Siyanovich da Federação Russa.
– Tá de brincadeira…
Gil abriu o passaporte de capa ligeiramente gasta para ver a foto
que fora tirada dele menos de uma hora atrás. Notou que o
passaporte fora emitido no ano anterior e que muitas das páginas de
trás foram carimbadas por diversos países europeus.
– Precisará disso para sair da França.
Gil levantou o olhar do passaporte.
– Mas não falo russo.
Federov riu.
– Nem os franceses. Por isso, não se preocupe. Nós lhe
ensinaremos algumas palavras para murmurar para o agente da
polícia federal. – Estendeu a mão ao longo da mesa. – Boa sorte
para você, Vassili. Vai precisar.
Gil apertou a mão dele.
– Que diabos isso quer dizer?
– Quer dizer que você vem comigo – disse um russo de aparência
rude que apareceu na soleira da porta.
Ele falava num tom sério e vestia a camisa listrada azul e branca
da Spetsnaz. A cabeça era raspada, e ele tinha olhos azuis-claros
implacáveis com a sombra de uma barba por fazer. Tendo uns
quatro ou cinco centímetros a mais que Gil, parecia ter uns 30 e
poucos anos, com as feições entalhadas em carvalho negro. Seu
rosto se partiu com um sorriso quando ele entrou na sala.
Gil percebeu a parte inferior da tatuagem de lobo da Spetsnaz
aparecendo debaixo da manga, relanceou rapidamente para
Federov, depois olhou novamente para o russo.
– Você é o homem que estava atrás do espelho?
– Este é o Major Ivan Dragunov da 10ª Brigada Independente
Spetsnaz, a – explicou Federov. – Seu avô era Yevgeny
Dragunov, o inventor do rifle Dragunov com o qual, pelo que sei,
você está muito familiarizado.
Gil olhou para Dragunov.
– Se você está com a 10ª, significa que está designado para o
Distrito Militar Meridional… o Cáucaso?
Dragunov ficou notadamente impressionado pelo conhecimento
imediato de Gil com a 10ª .
– Também servi na Frota do Mar Negro.
– Aonde acha que nós vamos exatamente?
Dragunov deu de ombros.
– Aonde mais a não ser matar Kovalenko e o restante dos
traidores chechenos com quem você lutou hoje?
Gil olhou para Federov à procura de uma explicação.
Federov enfiou as mãos nos bolsos.
– Yeshevsky e sua equipe de Spetsnaz eram todos chechenos
étnicos do Batalhão Vostok. Nasceram em Ossétia do Sul. Por
algum motivo, todos se rebelaram.
– Quantos restaram?
– Dez, contando com Sasha Kovalenko.
Gil cruzou os braços.
– E suponho que seja mera coincidência que um major Spetsnaz
da 10ª esteja aqui em Paris na mesma noite em que o senhor
Yeshevsky acaba morrendo enquanto se encontrava com um agente
corrupto da .
Federov transferiu a pergunta a Dragunov, que se espreguiçou e
bocejou.
– Não é nenhuma coincidência – ele disse, os olhos lacrimejando
de cansaço. – Acreditávamos que Kovalenko tivesse matado
Yeshevsky em Ossétia e o estamos rastreando já há um mês. Todos
os traidores Spetsnaz têm que ser encontrados e mortos. Essa é a
nossa crença.
– Bem, então vocês não precisam de mim – disse Gil. – Meu
trabalho aqui está feito.
Dragunov pegou o passaporte canadense de Gil do bolso de trás
da calça e o jogou na mesa.
– Boa sorte no aeroporto. Com um pouco dela, não encontrará
traidores da esperando para apontá-lo para a polícia francesa. A
vida em uma prisão francesa pode ser uma maneira muito triste de
encerrar uma carreira como a sua.
Gil olhou para os dois passaportes sobre a mesa, mordendo o
interior da bochecha.
Federov pigarreou.
– Se for com o Major Dragunov, coronel, agora seria uma boa
hora para partir. É um voo diplomático, portanto, os franceses não
devem se mostrar excessivamente vigilantes, mas, assim que
descobrirem que Yeshevsky e os outros são cidadãos russos, isso
mudará.
Gil fitou os dois, relanceando brevemente por sobre o ombro na
direção do espelho.
– Filhos da mãe… – murmurou com um sorriso torto ao apanhar o
passaporte vermelho da mesa e enfiá-lo dentro da jaqueta. – Ok,
Ivan. Mas, quando isto terminar, quero uma dessas camisetas feias.
Dragunov gargalhou.
– Quando isto terminar, camarada, nós dois provavelmente
estaremos mortos. Kovalenko é o melhor. Nós o chamamos de
Lobo.
Gil ergueu uma sobrancelha.
– Tenho uma novidade para você: o Lobo hesita. De outro modo,
eu já estaria morto.
– Aquilo não foi hesitação – replicou o russo. – Acho que ele quis
que você visse no que está se metendo.
4

BERNA

– FOI HAGEN? – Gil perguntou incrédulo, falando com Pope por um


telefone via satélite na pista de Berna, na Suíça, onde acabaram de
sair de um Aeroflot DC-10. – O chefe de gabinete Hagen?
– Ex-chefe de gabinete – Pope o relembrou.
– Sei que Lerher não gostava de mim, mas que diabos fiz para
Hagen? Ele me queimou depois da Earnest Endeavor. Lembra
disso? – A Operação Earnest Endeavor foi o resgate de uma
prisioneira de guerra no Afeganistão, no qual Gil orquestrou
contraordens específicas do presidente. Como forma de “punição”
por agir sem autorização, o então chefe de gabinete da Casa
Branca Hagen sugeriu ao presidente que concedesse tanto a Gil
quanto ao seu companheiro na missão, o Boina Verde Daniel
Crosswhite, a Medalha de Honra. A cerimônia pública de premiação
– ainda que uma manobra política benéfica para o presidente –
revelara a identidade de Gil para o mundo inteiro. Isso não só pôs
um fim à sua carreira como agente da Equipe 6 do , mas logo
conduziu um bando de assassinos muçulmanos diretamente ao seu
rancho em Montana, quase lhe custando sua vida e de sua esposa.
– Hagen é um sociopata – disse Pope. – Um egomaníaco viciado
em poder que te culpa, e a mim, pela demissão da Casa Branca.
– Como ele se meteu com Lerher? Lerher não era tão idiota para
apostar em um cretino como Hagen.
– Não acredito que estivessem diretamente ligados – disse Pope.
– Falei com Hagen ao telefone agora há pouco e, quando lancei o
nome de Lerher, ele pareceu genuinamente confuso.
– Conversou com Hagen?
– Conversei. Disse que você iria atrás dele. Com um pouco de
sorte, isso o fará se esquecer de você pelo tempo suficiente para
que nós possamos desvendar toda essa questão.
– Como sabe que foi Hagen quem manobrou essa operação?
– Eu não sei, mas ele me pareceu um suspeito lógico. Os russos
contaram mais alguma coisa sobre o que Yeshevsky estava fazendo
em Paris?
Gil relanceou para Dragunov, que estava junto ao bico do DC-10,
também falando em um telefone via satélite. Cinco russos mal-
encarados estavam à paisana em um grupo unido, fumando e
conversando.
– Se eles sabem, não estão me contando nada, mas
definitivamente querem encontrar Kovalenko e carimbar o
passaporte dele para o inferno.
– Qual o próximo passo?
– Estou esperando para descobrir agora. Dragunov está ao
telefone com o . A equipe dele está aqui do lado.
– Spetsnaz?
– Isso, e só de olhar para esses caras – disse Gil –, dá pra ver
que eles não são de dar mole. Dragunov disse que eles já estiveram
em muitos combates contra os chechenos.
– Andei fazendo uma pesquisa sobre Dragunov – Pope
acrescentou. – Parece que ele matou um dos próprios homens há
alguns anos por ficar para trás em uma missão na Chechênia. Ele
não é qualquer agente Spetsnaz; é um membro da Spetsgruppa A,
o grupo Alfa. Não brinca em serviço. – Spetsgruppa A é uma
subunidade de elite da Spetsnaz, frequentemente operando de
maneira separada do restante das Forças Especiais Russas,
respondendo diretamente ao Kremlin.
– Bem, não tenho intenção de ficar muito com eles para conhecê-
lo. Ele tem a equipe dele aqui, portanto, não vai precisar de mim.
– Ficar com eles pode ser a melhor maneira de descobrir que
diabos Lerher estava aprontando, Gil. Verifiquei, e a agência o
listara como estando em férias este mês.
– Não significa nada. Eles tiram o pessoal deles da lista o tempo
todo.
– Mas não é isso – Pope insistiu. – O Recursos Humanos de fato
acredita que Lerher esteja em férias, o que significa que ele estava
agindo por conta própria ou estava tomando parte de alguma
operação não autorizada. Se existe uma célula sombra operando
dentro da , temos que expô-la.
Gil relanceou de novo para os homens da Spetsnaz.
– Estes caras estão loucos pra entrar em ação, Bob, fumando
como chaminés e hiperventilando. Não estou gostando nada disso.
– Dragunov está fumando como uma chaminé?
– Não. Ele parece estar bem controlado.
– Bem, talvez seja por isso que ele quer que você fique por perto.
Talvez precise de outra cabeça no lugar.
Gil riu.
– Não me faça de bobo, meu velho.
Pope gargalhou.
– Eu não faria isso, mas precisamos descobrir o que Lerher
estava fazendo naquele apartamento com os chechenos.
– Não gosto de trabalhar às escuras, Bob. Não sou um espião.
Preciso de um alvo bem definido.
– Suponhamos que eu lhe dê um.
– Um o quê, um alvo?
– O iate que levou Yeshevsky para Marselha está retornando para
Atenas. Chama-se Palinouros, e está atracado em Malta. Pertence a
um banqueiro turco com ligações financeiras com terroristas
chechenos, mas o proprietário não está a bordo. Está em casa, em
Istambul.
– Então quem está a bordo? – Gil perguntou.
– Boa pergunta. Talvez seus amigos Spetsnaz se interessem em
nos ajudar a descobrir. O tem recursos em Roma que podem
trazer para uma operação marítima desta natureza. E Dragunov já
operou com a Frota do Mar Negro.
– Sim – Gil disse com secura. – Ele mencionou isso.
– Se não estiver interessado, Gil, pode largar os russos e seguir
para a embaixada. Garantirei a sua volta para casa o mais rápido
possível. É você quem decide.
Gil relanceou para os homens da Spetsnaz. Um deles interceptou
seu olhar e sorriu com atrevimento.
– Ainda está aí? – Pope perguntou.
– Estou pensando, maldição.
O russo que sorriu se aproximou, oferecendo um cigarro russo
sem filtro de um maço meio amassado.
– Brody – disse, apontando para si mesmo.
– Sou Gil.
– Vassili – Brody o corrigiu com uma risada.
Tinha olhos azuis-claros e o rosto estreito, era o mais novo dos
homens de Dragunov, com 25 anos. Gil aceitou o cigarro, que Brody
acendeu com a ponta do seu. Gil tragou o cigarro e o fumo sem filtro
atingiu seu sistema nervoso central como um caminhão. Brody viu
quando seus olhos se agitaram e gargalhou, dando um tapa em seu
braço, dizendo algo por sobre o ombro que fez com que os outros
quatro homens rissem junto com ele.
– Está aí, Gil?
– Sim, estou – respondeu, deixando a tontura passar. – Vá em
frente e envie todas as informações que tem sobre o Palinouros
para meu celular. Vou falar com Dragunov e veremos o que ele
consegue arranjar. Se o pessoal dele topar, tomaremos o iate e
coletaremos todas as informações que estiverem ali. Mas, depois
disso, estou fora. Não vou rodar a Europa Oriental inteira para que
esses caipiras acabem me matando.
5

MARIGNANE

APESAR DE SASHA KOVALENKO SER DE ETNIA CHECHENA,


também era membro da equipe da Spetsgruppa A da Spetsnaz, e o
combate violento não lhe era algo desconhecido. Seus anos como
atirador de elite nas guerras da Chechênia deixaram-no com o
sistema nervoso desgastado e com uma habilidade sobrenatural de
pressentir o perigo a longa distância. Foi esse sexto sentido que
permitiu que ele puxasse o gatilho na direção de Gil naquele pátio
férreo uma fração de segundo antes de acabar sendo alvejado.
Quando os policiais franceses apareceram lá, concluíra que o
agente Lerher devia ter traído a causa deles. Isso o levou à loucura,
o que o fez matar quantos franceses invasores pudesse antes de
escapar para o ponto de encontro combinado com Yeshevsky. No
entanto, devido ao problema de tentar evitar a polícia a caminho do
apartamento, só chegara um minuto após Gil ter desaparecido da
cena.
A visão do cadáver do seu amigo Yeshevsky no chão o
enfurecera ainda mais, mas, ao ver o corpo de Lerher, ele parou
para considerar a dedução quanto ao jogo duplo do agente da .
As possibilidades em relação a toda aquela situação eram tantas
que ele não se deu ao trabalho de ficar ali especulando, mas tinha
certeza de uma coisa: ele e sua equipe precisavam amarrar
algumas pontas soltas e encontrar um lugar para esperar até
descobrirem o que estava acontecendo.
– Estou levando três homens comigo para Malta – Kovalenko
disse, saindo do banheiro e largando o celular sobre a cama do
hotel. – Use o cartão de crédito francês para comprar as passagens
de avião. Aqueles que conseguimos com a podem estar
comprometidos.
– Malta? Por quê? – Eli Vitsin, seu segundo em comando,
perguntou. – É uma ilha. Você pode acabar preso em uma
armadilha.
Kovalenko o segurou pelo ombro. Ele era alto e musculoso, de
olhos verdes e cabelos negros. Vitsin era uma cabeça mais baixo,
com tez mais escura e um bigode espesso.
– Não podemos nos arriscar a sermos encontrados. Alguém
contou aos franceses que estávamos no armazém. Não há como
saber desde quando estão nos seguindo, mas, se Yeshevsky foi
identificado em Atenas ou chegando à costa de Marselha, o
Palinouros pode ser o alvo seguinte. Não podemos permitir que a
tripulação seja interrogada, ainda mais Miller, o capitão da .
– Moscou enviou Dragunov para nos rastrear – Vitsin avisou. –
Ele esteve na embaixada em Paris e, aonde ele vai, seus homens
com certeza também vão. Precisamos voltar para nossas
montanhas, onde é mais seguro.
– Não se preocupe com Dragunov – Kovalenko disse, entrando na
pequena cozinha. – Consigo lidar com ele. O problema é a .
Quem quer que tenha matado Yeshevsky também matou Lerher, e
isso pode significar que o pessoal de Lerher também foi descoberto.
Se isso aconteceu, estamos completamente sozinhos nisso,
portanto, temos que esperar para ver se eles entram em contato
antes de podermos voltar para casa. Nesse meio-tempo, vou para
Malta.
Kovalenko pegou uma fatia de pão e umas fatias de carne da
geladeira e ficou de pé na cozinha, comendo seu sanduíche,
enquanto Vitsin se sentava diante do computador para agendar o
voo para Malta para Kovalenko e outros três agentes da Spetsnaz.
– Tem certeza disso, Sasha? – Vitsin fechou o laptop e o
empurrou para o lado. – Moscou pode ter entregado nossas fotos
para a Interpol. Você pode ser levado sob custódia no aeroporto.
Kovalenko meneou a cabeça.
– Moscou nos quer apenas para eles. Não podem arriscar que
contemos para qualquer um o que sabemos. É por isso que
enviaram Dragunov: para se certificarem de que não falaremos com
ninguém… Nunca. – Pegou uma garrafa de vodca do congelador e
a abriu, tomando um gole antes de passar a garrafa para Vitsin. –
Depois de termos cuidado da tripulação do Palinouros, vamos
preparar uma armadilha para Dragunov em algum lugar; vamos
atraí-lo para matá-lo.
– Má ideia. – Vitsin sorveu um gole do líquido e se sentou sobre a
mesa, balançando a cabeça. – Ele vai esperar uma armadilha.
– Claro que vai – Kovalenko disse, fechando a garrafa e voltando
a guardá-la no congelador. – É por isso que vai funcionar. É
arrogante o suficiente para acreditar que pode passar a perna em
mim.
Ficaram ali em silêncio por um tempo, cada um perdido nos
próprios pensamentos, até que Vitsin disse:
– Quem era o atirador sobre aquele vagão? Francês ele não era.
Kovalenko olhou para ele, assentindo pensativamente.
– Era exatamente nisso que eu estava pensando.
6

MALTA

A NAÇÃO DE MALTA É UM ARQUIPÉLAGO localizado


aproximadamente oitenta quilômetros ao sul da Sicília, na bacia
oriental do Mar Mediterrâneo, e é o lar de quase meio milhão de
pessoas. Apenas as três maiores ilhas são habitadas, sendo a maior
delas a de Malta, ao redor da qual existem não menos do que nove
baías de bom tamanho fornecendo abrigo seguro em relação ao mar
aberto, tornando Malta um destino marítimo extremamente popular
tanto para o turismo quanto para a marinha mercante.
Ancorado na escuridão, não muito distante da Ilha St. Paul,
próximo à boca da Baía Xemxija no litoral norte de Malta, o
Palinouros era um iate Kismet de 68 metros fabricado pela empresa
alemã Lürssen em 2007. Tinha seis quartos, duas salas de jantar,
uma para jantares formais e outra para os informais, um deque com
uma Jacuzzi, uma discoteca, uma cozinha que rivalizava com a de
muitos restaurantes, aposentos separados para a tripulação, serviço
de lavanderia, diversos saguões e um sistema de navegação de
tecnologia de ponta. Com a tripulação completa, contava com 22
funcionários, e seus motores a diesel gêmeos com potência de
1.957 cavalos davam-lhe uma autonomia de 8 mil quilômetros,
chegando a uma velocidade de 15 nós. Novo, custara ao
proprietário turco bem mais do que cem milhões de dólares.
Gil estava ao lado de Dragunov na costa rochosa inabitada da Ilha
de St. Paul, observando o estibordo da embarcação com um par de
binóculos russos. A noite estava tranquila, e o Palinouros estava
ancorado, tendo se desviado ligeiramente para o norte devido à
correnteza.
– As luzes estão acesas – murmurou –, mas parece que não há
ninguém.
Dragunov grunhiu ao estudar o iate através de seus próprios
binóculos.
– Aye, já foram se deitar.
Gil perscrutou os deques.
– Também parece não haver ninguém na ponte de comando. É
estranho. Nossas informações nos disseram que a tripulação é
grega. Os gregos sabem que é melhor não deixar a ponte de
comando sem supervisão à noite.
Dragunov abaixou os binóculos.
– Ele está ancorado. – Deu um tapa no ombro de Gil, com um
pouco mais de força do que Gil considerava normal. – Quem quer
que esteja no comando, deve estar deitado ali.
Pope lhes enviara por e-mail a planta do iate, portanto, eles a
conheciam com precisão, e a ponte de comando tinha um par de
sofás embutidos.
– Imagino que iremos embarcar pela popa. Certo, Ivan?
– Aye, Vassili, vamos embarcar pela popa.
Enquanto Dragunov se afastava em sua roupa de mergulho para
preparar seus homens, Gil sorriu para ele, pensando o quanto a
palavra aye fazia com que se parecesse com algum tipo
incongruente de pirata.
O Palinouros estava ancorado à costa a uma distância
aproximada de duzentos metros. Essa distância não representava
nenhum problema para Gil – um nadador tranquilo –, mas não tinha
certeza em relação aos agentes da Spetsnaz, que quase nunca
paravam de fumar. Mesmo agora estavam de pé no escuro com
suas bitucas reluzentes perigosamente visíveis a centenas de
metros em águas abertas.
Os russos apagaram os cigarros quando Dragunov se aproximou,
apressando-os para que verificassem suas novas Strike One,
pistolas semiautomáticas de fabricação russa, e que operavam com
o mesmo sistema de ricochete Browning de uma M1911 e podiam
receber três tipos diferentes de cartucho: 9 milímetros, .40 Smith &
Wesson e .357 Sig Sauer. As armas que o disponibilizara em
Roma tinham cartuchos de .40 de calibre. Gil nunca disparara com
uma Strike One antes – chamada de Strizh em russo –, mas
gostava do fato de ela ter um perfil muito mais discreto do que a
maioria das pistolas.
Moveram-se para a água como uma unidade e estavam com ela
na altura dos joelhos quando Brody soltou um grito doloroso,
agarrando a virilha.
Gil viu o repuxo na água causado pela bala de um rifle antes de
ela atingir Brody nos genitais.
– Atirador!
Agarrou Brody e mergulhou à frente com ele na água.
– É Kovalenko! – um dos russos gritou.
Uma bala rasgou sua garganta, e ele caiu nas águas rasas na
escuridão.
Todos os demais já estavam nadando na direção do Palinouros.
Gil rolou de costas, mantendo a cabeça de Brody acima da água
enquanto batia as pernas com força na direção do iate. Não havia
mais para onde ir. A Ilha St. Paul era inteiramente plana, sem
nenhuma cobertura a não ser pela estátua do seu patrono do lado
oposto dela. Brody gemia nos braços de Gil, sem conseguir nadar
porque as mãos estavam grudadas às suas partes privadas.
Dragunov e os outros três homens da equipe nadavam como
golfinhos, o mais rápido que podiam, para se tornarem alvos mais
difíceis de serem atingidos. Gil estava impossibilitado de mergulhar
por causa de Brody, por isso se concentrou em formar o menor
rastro de água possível atrás de si enquanto batia as pernas,
empurrando com apenas um braço. Não ouvia as balas que se
seguiam, mas, pelo ângulo em que atingiam a água, dava para
saber que vinham da costa maltesa ao sul.
– O dia fácil foi o de ontem – murmurou, certo de que jamais sairia
vivo da água.
Outro homem de Dragunov gritou e começou a se debater, tendo
sido alvejado nos pulmões. Dentro de poucos segundos, afundou na
água e não retornou à superfície quando Gil passou nadando pelo
ponto em que ele afundara.
Gil observou as estrelas para se manter na direção correta,
estimando que já deviam ter percorrido metade da distância até o
Palinouros, e ficou contente porque basicamente nunca se ouviu
falar de ataques de tubarão no Mediterrâneo. O modo como Brody
sangrava seria má notícia na maioria dos outros mares.
Outro homem da Spetsnaz gritou, tendo sido atingido na perna,
mas continuou nadando o melhor que podia. Sem conseguir
mergulhar para nadar, rapidamente foi acertado por um segundo tiro
que o atingiu no tronco. Dessa vez, ele não produziu nenhum som,
mas afundou de vez e não voltou à superfície.
Faltando ainda uns cinquenta metros, os tiros se calaram
inexplicavelmente, e eles chegaram à popa do Palinouros sem
nenhum outro ferido. Restavam quatro vivos, mas, quando Gil e
Dragunov conseguiram suspender Brody da água até a parte mais
baixa da popa do iate, Gil percebeu que o rapaz já estava
praticamente morto por conta da hemorragia.
O único outro membro restante da equipe de Dragunov, um
mongol russo chamado Terbish, lhes deu cobertura com sua pistola
enquanto Gil e Dragunov prestavam socorro ao moribundo Brody.
Dragunov sibilou:
– Você poderia ter morrido. Deveria tê-lo deixado para trás.
– Não é assim que o opera – disse Gil, descendo o zíper da
roupa de mergulho de Brody para dar uma olhada no ferimento e
descobrindo que o pênis e boa parte do escroto do rapaz haviam
desaparecido com o tiro. Exacerbado porque o rapaz morreria, Gil
olhou para Dragunov, sendo que os dois conseguiam se enxergar
por causa das luzes na popa da embarcação. – E tampouco
atiramos nos nossos homens se ficam para trás em uma missão.
Dragunov escarneceu.
– Então você não tem o que é necessário para ser um Spetsnaz.
– Nisso você tem razão.
Gil fechou o zíper da roupa de mergulho de Brody. Não havia
nada a ser feito por ele. Alguns momentos depois, ele já estava
morto, e os três se colocaram em posição para avançar com
Dragunov à frente da fila.
O corpo de uma aspirante da Marinha em um dos corredores
inferiores os fez parar. Antes era uma jovem bonita de cabelos loiros
longos, mas fora atingida na cabeça, e um de seus olhos agora
estava muito distendido por conta de uma hemorragia, o que
indicava que ela não morrera de imediato.
– Chegamos tarde demais – sussurrou Dragunov. Murmurou algo
mais em russo para Terbish e depois olhou para trás para Gil, que
cobria a retaguarda. – Kovalenko e seus homens já devem ter vindo
aqui.
Gil já começara a suspeitar disso quando subiram na embarcação
sem terem recebido nenhum tiro da tripulação. Assentiu, agarrando
a pistola. Conforme continuaram avançando, uma série de disparos
surgiu próxima à costa maltesa a uns quinhentos metros. Os tiros
aumentaram de intensidade e cessaram depois de dez segundos de
disparos constantes.
Gil encarou Dragunov.
– É melhor nos apressarmos se vamos fazer esta porra!
7

MALTA

DEITADO NO DEQUE DE UM PEQUENO BARCO FRETADO, o


frustrado Kovalenko não conseguia ver os nadadores bem o
bastante com o auxílio das luzes de navegação do Palinouros para
enxergá-los em suas roupas pretas de mergulho, portanto, atirava
na espuma branca formada quando eles nadavam. O rifle era de
boa qualidade, um Winchester .308 AWS (Suprimido de Guerra
Ártica) Internacional de Precisão comprado no mercado negro
italiano, muito provavelmente roubado do 9º Regime de Ataque de
Paraquedistas, mas o telescópio Zeiss não era equipado com visão
noturna.
Kovalenko e seus homens fretaram o barco pesqueiro mais cedo
naquele mesmo dia, matando o proprietário maltês e enfiando o
corpo do homenzinho dentro do refrigerador na popa. Depois de
embarcarem no Palinouros e de matarem a tripulação inteira logo
após a meia-noite, tiveram a intenção de levar o barco até Pachino
na extremidade sul da Sicília e depois pegarem a balsa para
Messina no território continental italiano. No entanto, problemas com
o carburador do fretado atrasaram a partida, forçando-os a voltarem
para a costa.
Com o carburador restaurado uma hora mais tarde, estavam no
processo de sair de lá quando um dos homens de Kovalenko
enxergou o grupo reunido de cigarros acesos na Ilha de St. Paul a
uns duzentos metros. Sabia que a ilha era supostamente deserta,
por isso chamou sua atenção. Mostrou para Kovalenko, que, de
imediato, tirou o AWS da caixa e espiou pelo telescópio.
– Spetsnaz! – sibilou, abaixando-se para o deque e armando o
bipé do rifle.
Quando ficou pronto para disparar poucos segundos mais tarde,
os homens de Dragunov já haviam apagado os cigarros com os pés
e avançavam pela água. Seu primeiro tiro na virilha de Brody não
fora acidental, pois quisera infligir o máximo de dano psicológico
possível na equipe da Spetsnaz oponente. Seu segundo tiro foi na
garganta do homem que escolhera gritar o alerta em vez de se
salvar.
Quando os nadadores estavam a uns cinquenta metros do
Palinouros, ele acreditava ter matado uns dois mais, porém, não
tinha certeza. Era possível que ainda estivessem nadando abaixo da
superfície.
– Dê a partida! – ordenou, pondo-se de pé. – Acabaremos com
eles quando tentarem embarcar no iate.
Naquele instante, viram um P21 maltês, um barco de patrulha da
costa de vinte e três metros de comprimento, vindo na direção deles
pela parte sul da baía. Seu holofote foi aceso, e o barco fretado
ficou todo iluminado. Kovalenko deixou o rifle no deque, onde não
poderia ser visto de imediato.
– Preparem-se – ele disse para os outros três. – Se tentarem
entrar no barco, mataremos todos.
Conforme o P21 se aproximava por estibordo, Kovalenko e seus
homens se espalharam.
– Boris, acenda as luzes de navegação. É por isso que estão nos
abordando, porque estamos apagados. E coloquem um sorriso no
rosto!
Boris foi até a casa do leme para acender as luzes de navegação,
e Kovalenko acenou para a tripulação do P21, sorrindo e
protegendo os olhos do facho de luz com a outra mão. Conseguiu
ver que a metralhadora Browning calibre .50 na coberta de proa
estava tripulada e apontada diretamente para a sua embarcação
conforme eles se aproximavam.
– Boris, fique na casa do leme até eu o chamar. Depois mate o
atirador na coberta de proa.
– Pode deixar! – Boris disse de dentro da casa do leme.
O P21 tinha uma tripulação de oito homens. Havia três homens na
proa ao lado do atirador da metralhadora, um no tombadilho
superior atrás da casa do leme, dois ao lado da grade a bombordo e
mais um na torre de comando. Cinco deles estavam armados com
submetralhadoras Heckler & Koch MP5, mas apenas o homem da
metralhadora .50 estava preparado para atirar.
O P21 começou a se mover para trás, manobrando até a
embarcação estar ao lado da deles. O único homem desarmado na
proa, o comandante, jogou a corda para Kovalenko, sinalizando
para eles que pretendia subir a bordo.
Kovalenko acenou, fazendo de conta que amarraria a corda em
uma das cunhas da proa.
– Agora, Boris.
Boris saltou para fora da casa do leme com uma AK-47, atirando
uma rodada perfeita de seis tiros que atingiu o atirador no peito,
derrubando-o para trás por sobre a grade de estibordo, lançando-o
na água. Continuou atirando até que a câmara ficasse vazia,
matando tanto o comandante quanto os dois atiradores armados
com as MP5 na proa antes de voltar para dentro para recarregar.
Os três atiradores restantes abriram fogo para a casa do leme,
matando Boris, mas deixando os outros dois homens de Kovalenko
livres para sacarem suas pistolas Glock de trás das costas,
atingindo os atiradores em uma rápida sucessão ao longo da grade
de bombordo.
Ao mesmo tempo em que os atiradores caíam, Kovalenko puxava
a corda do P21, pulando a bordo e se agachando até a casa do
leme, onde o imediato tentava alcançar o rádio. Atirou na parte
posterior de sua cabeça com uma 9 milímetros, e a bala saiu pela
cara do homem, atingindo o rádio e provocando faíscas.
– Subam a bordo! – exclamou. – Temos que voar até a Sicília.
Um dos dois Spetsnaz restantes apanhou o rifle AWS e o outro se
demorou um instante para botar uma bala na cabeça de Boris, a fim
de garantir que ele jamais fosse interrogado. Ambos saltaram para
dentro do P21, e Kovalenko empurrou a alavanca, afastando-se do
barco pesqueiro destruído.
– Tirem as jaquetas deles e joguem os corpos na água – ordenou.
– Depois um fica na metralhadora. Temos que parecer ser da
Marinha maltesa.
O rádio estava destruído, mas isso não tinha importância. O inglês
de Kovalenko não era bom o bastante para convencer ninguém de
que ele fosse de Malta, onde todos falavam inglês e maltês. A
esperança deles era chegar à Sicília antes que alguém dentro da
Marinha conseguisse juntar as peças do que acontecera e os
perseguisse.
Acelerou até perto do Palinouros quando um dos seus homens
entrou na casa do leme para lhe entregar o AWS.
– Assuma o comando – Kovalenko ordenou. – Vou matar tantos
quanto conseguir no chiqueiro daquele iate enquanto passamos.
8

MALTA

GIL CONTINUOU A COBRIR A RETAGUARDA enquanto


Dragunov fazia uma busca apressada no Palinouros, não
encontrando nenhum sobrevivente. Num dos quartos menores,
encontraram um casal alvejado enquanto faziam amor, com uma
única bala de 9 milímetros em cada cabeça. A julgar pelos
uniformes brancos no chão ao lado da cama, Gil suspeitou que não
houvesse mais ninguém a bordo além da tripulação.
Descendo para os andares da tripulação, encontraram uma
verdadeira carnificina, onze dos tripulantes esfaqueados enquanto
dormiam e dois outros corpos no meio do corredor, um com um
corte profundo partindo da mandíbula e subindo até o crânio.
Encontraram outros dois corpos esparramados na casa das
máquinas, onde o sangue se empoçava no que outrora fora um piso
branco imaculado debaixo da cabeça deles.
– Passaram por estas pessoas como um trator – Gil murmurou.
Contaram dezenove tripulantes mortos quando chegaram à ponte
de comando, onde encontraram outros dois corpos. A garganta do
imediato estava cortada e o capitão, um homem de uns 50 anos de
idade, estava deitado de costas sobre o deque com uma única bala
no meio da testa. Gil o reconheceu de imediato.
– Esse idiota é ex-agente da . – Guardou a pistola e se
ajoelhou ao lado do cadáver.
Dragunov pairou acima dele.
– Como você sabe?
Gil rolou o homem de barriga para baixo para vasculhar seus
bolsos de trás.
– Trabalhei em uma missão com ele enquanto ele estava ligado
ao .
Não havia necessidade de explicar a Dragunov o que era o .
Os agentes da Spetsnaz sabiam mais sobre o Grupo de Operações
Especiais da do que 98 por cento dos americanos. Gil tampouco
via necessidade de mencionar que o homem morto fora um antigo
capitão de destróier da Marinha que fora expulso da três anos
antes por condutas ilegais. Encontrou uma chave estranhamente
comprida no bolso de trás do capitão e a guardou em uma bolsinha
com zíper da sua roupa de mergulho.
– Odeio te dizer isso, companheiro, mas tenho quase certeza de
que esta merda vai acabar se complicando. Elementos secretos da
estão trabalhando em conjunto com elementos secretos do .
Dragunov enfrentou seu olhar.
–O está limpo.
– Tão limpo quanto o meu cu, Ivan. – Gil se levantou e apoiou um
pé no cadáver. – Este maldito filho da puta foi expulso da por
estuprar uma menina de 14 anos na Tailândia há três anos. Só
escapou da prisão porque a menina desapareceu antes de poder
testemunhar. E agora ele está aqui, neste barco, trabalhando para
uma equipe da Spetsnaz russa que voltou para atirar na cabeça
dele. Alguém está tentando amarrar umas pontas soltas, e eles não
vão…
Uma das janelas se estilhaçou, e a cabeça de Terbish explodiu,
espalhando massa cinzenta em cima de Gil e de Dragunov, que se
jogaram no chão.
– Você estava dizendo alguma coisa a respeito do estar
limpo? – Gil disse, limpando os olhos com a mão.
O rosto sujo de sangue de Dragunov se abriu num sorriso vil.
– Vai me ajudar a matar esses sukiny dyeti1 ou voltar para casa
correndo como uma garotinha?
Gil sacou a Strike One, tirando o silenciador.
– Ah, definitivamente vamos matá-los.
Posicionou-se num agachamento de combate, movendo-se para a
escotilha da ponte de comando que dava para o passadiço.
Conseguia ver que o P21 já estava fora de alcance dos tiros de uma
pistola, seguindo para o norte a uma velocidade máxima de 26 nós,
quase o dobro da velocidade do Palinouros.
– Bem, é para isso que Deus inventou os radares. – Levantou-se
e foi para o telefone via satélite do console. – Prepare-se para
levantar âncora, Ivan.
Dragunov foi para a janela, enxergando com facilidade o rastro
deixado na água pelo P21, mas mal se via a silhueta do barco-
patrulha em si.
– Sabe pilotar esta coisa?
– Mais ou menos – Gil respondeu, apertando as teclas do
telefone. – Vamos precisar de uma ajudinha.
Alguns segundos mais tarde, Pope estava na linha.
– Bob, estamos no comando do Palinouros. A tripulação inteira foi
assassinada. O capitão era Paul Miller, ex-agente da baseada
no escritório da Tailândia. Precisa me conectar com um iate em
Auckland chamado Frieda’s Joy. Vou explicar o que está
acontecendo enquanto você faz a sua mágica acontecer.
– Aguarde – Pope instruiu. – Vou colocar Midori para trabalhar
enquanto você me atualiza.
Em oito minutos, Gil já contara tudo a Pope, e o telefone via
satélite estava tocando a bordo do Frieda’s Joy em Auckland, na
Nova Zelândia.
– Aqui é o Frieda’s Joy – uma voz feminina com sotaque
australiano respondeu. – Imediata Dana Keener falando.
– Keener, sou o Coronel Gil Shannon. Preciso falar com Wild Bill o
mais rápido possível. – Wild Bill Watkins era um da Marinha
aposentado das equipes da Costa Oeste que agora trabalhava
como capitão em um iate semelhante ao Palinouros para um
milionário australiano.
– Lamento, coronel, mas o Capitão Watkins está em terra firme no
momento. Posso ajudá-lo?
– Espero que sim. Veja bem, Keener, estou preso no
Mediterrâneo a bordo de um Lürssen Kismet ancorado com os
motores desligados. Só estou um pouco familiarizado com os
controles, e preciso que ele se mova rápido. Minha tripulação é
apenas um russo rabugento, por isso, se mantiver as explicações
em um nível bem simplificado, ficarei muito grato.
A Imediata Keener deu risada.
– Vou tentar simplificar o máximo para vocês – ela disse, a
entonação na voz subitamente se tornou muito sensual. – Onde
vocês estão no Mediterrâneo, coronel?
– Na costa ao norte de Malta.
– Então estão sobre um leito bem rochoso.
– Sim, acredito que sim.
– E posso deduzir que ele tenha sido empurrado pela correnteza?
– Sim, senhora. Apontando para o norte.
– Então, você precisará soltar os cabos antes de levantar a
âncora. Você está na torre de comando?
– Isso mesmo – Gil respondeu. – E os computadores já estão
ligados. Só preciso ligar os motores e fazer esta banheira se virar.
Com a ajuda de Keener, Gil e Dragunov levaram quinze minutos
para fazer o Palinouros se deslocar para o norte em perseguição ao
P21 na sua velocidade normal de doze nós. Qualquer coisa acima
disso pareceria suspeita nos radares militares de Malta. Keener os
ajudou a decifrar qual ponto piscante no radar era o P21 e, a julgar
pela direção que tomavam, Kovalenko e seus homens estavam indo
direto para a Sicília. Keener permaneceu na linha para o caso de
eles necessitarem de mais auxílio para pilotar a embarcação.
Em tradução livre: filhos da puta. (N. E.)
9

CIDADE DO MÉXICO

TIM HAGEN, SENTADO NO SAGUÃO de um hotel de terceira


categoria, encarava, por sobre o tampo gasto de uma mesa, Ken
Peterson, cujo comportamento jovial estava começando a aborrecê-
lo até não poder mais.
– Mas quem diabos mandou esse Lerher para lá? – Hagen quis
saber. – Quero dizer, de quem foi a porra da brilhante ideia de
mandar para lá alguém que Shannon conhecia, pelo amor de Deus,
seu idiota?
Peterson o encarou, desejando poder deixar Hagen para os lobos,
mas isso estava fora de seu alcance, e não havia como saber o que
Hagen deixara com seus advogados.
– Eles não deveriam ter se encontrado – disse ele. – As
autoridades francesas tinham que tê-lo apanhado sem que o
encontro fosse afetado. E, como já disse, há variáveis demais com
que lidar em operações deste tipo.
– Você não respondeu a porra da minha pergunta! – Hagen
explodiu, o rosto enrubescendo. – Por que o Lerher?
A paciência de Peterson rapidamente se evaporava.
– Esta era uma operação secreta, seu idiota hipereducado, e não
existem muitos homens à disposição para esse tipo de trabalho!
Lerher trabalhou com Shannon no passado, portanto, era a escolha
lógica! Agora pare de criticar, você sequer sabe o que de fato
aconteceu!
– Sei que Shannon está vindo atrás de mim! – O medo nos olhos
de Hagen era visível. – E, quando aquele maluco começa, não para
até não sobrar ninguém de pé!
Peterson fez uma careta.
– Como pode saber disso?
– Já testemunhei a porra do trabalho dele!
– Não – disse Peterson, a paciência voltando com a mesma
facilidade com que fora embora. – O que eu quero dizer é, como
sabe que ele está vindo atrás de você?
– Por causa daquele maníaco do Pope! – Hagen pegou o copo e
bebeu um gole do seu drinque.
Peterson refreou um sorriso.
– Pope entrou em contato com você? Aqui no México?
Hagen abaixou o copo.
– Bem, posso muito bem te garantir que não fui eu quem ligou
para ele, Ken!
– E ele lhe disse que Shannon está vindo atrás de você?
– Sim, com todas essas palavras!
Peterson começou a rir.
– E é por isso que está se escondendo aqui neste hotel de
merda?
– O que tem de tão engraçado nisso?
– Ah, não sei… – Peterson disse, dando de ombros. – Talvez eu
custe a acreditar que você seja tão burro assim.
O rosto de Hagen se anuviou.
– Pense bem, Tim. – Peterson sinalizou para o garçom para que
ele trouxesse outra cerveja. – Se você fosse Pope e descobrisse
que uma operação sua foi comprometida por pessoas
desconhecidas, o que faria?
Hagen apertou o copo com mais força.
– Por que não me poupa dos seus jogos de adivinhações e me diz
logo sobre que porra está falando?
– Só estou dizendo que Pope não teria como saber que está
envolvido. Sim, provavelmente tem suspeitas. Não é segredo
nenhum que você o odeia, mas o mesmo acontece com outras
quinhentas pessoas em . . Ele ligou para ver se entraria em
pânico. E foi o que fez. Agora ele está esperando para ver se vai
fazer mais alguma estupidez. Só espero que não tenha me
comprometido com isso.
Hagen ousou acreditar que tinha chances de sobreviver.
– Shannon ainda está na França?
Peterson sacudiu a cabeça.
– Não, saiu de lá. Os russos o ajudaram, mas pode acreditar que
Tim Hagen é a última coisa da longa lista de merdas que ele tem
que resolver. Pope vai fazer com que ele percorra a Europa Oriental
inteira para descobrir que diabos está acontecendo. – Riu. – E pode
apostar que o velho desgraçado está lá em Langley rindo até não
poder mais por saber que você ficou morrendo de medinho.
– Quanto tempo você leva para determinar a localização de
Shannon?
Peterson tirou uma baratinha de cima da mesa.
– Será quase impossível localizá-lo em tempo real. O melhor que
podemos fazer é estarmos atentos a anomalias dentro daquele
cenário.
– Que tipo de anomalias?
– Caos inexplicado. Se um dos nossos, ou do , for morto, é
um modo seguro de saber que Shannon passou por lá. Nesse meio-
tempo, sugiro que se hospede em um hotel melhor. É mais provável
que acabe morrendo por causa de uma prostituta nesta cidade do
que por causa de Gil Shannon.
– Teve alguma notícia dos seus amigos do desde que o
encontro em Paris não deu certo?
Peterson notou que Hagen não reconhecia que fora a sua
operação paralela que fizera com que as coisas dessem errado em
Paris.
– Nosso pessoal em Roma nos disse que Kovalenko foi para
Malta para eliminar a tripulação do Palinouros. Estamos aguardando
para saber o que aconteceu.
Hagen terminou o restante do drinque.
– Só nos resta esperar que ele tenha dado cabo do capitão Miller
enquanto esteve lá. Por certo não precisamos de nenhum maldito
pedófilo na nossa cola.
– Tenho certeza de que Kovalenko foi detalhista.
Hagen se recostou, pigarreando.
– Temos como atingir Pope?
Peterson contraiu os lábios, refletindo.
– Todos podem ser atingidos. Isso só depende do quanto quer
atingi-lo.
– Quero que ele morra. É o bastante?
– Atingir Pope é uma manobra arriscada, mas tenho um ex-
agente Delta pronto para missões domésticas. Agora que estou
pensando, pode até ser um bom investimento… Levando-se em
consideração.
– Levando o que em consideração?
– Bem, Pope teve uma reunião com o presidente há pouco tempo
e ainda está deixando as pessoas em Langley um tanto nervosas
porque ninguém, ninguém mesmo, conseguiu descobrir o que foi
discutido. – Peterson enxergou a oportunidade de esfregar sal na
ferida de Hagen: – E ninguém melhor do que você para saber o
quanto é estranho ver Pope andando pela Casa Branca.
Hagen deixou a isca passar, pois parte de sua autoconfiança
retornava.
– Consigo controlar as ações do presidente se Pope estiver fora
de cena. Estive com ele durante a sua primeira campanha
presidencial, e existem muitas coisas que a primeira-dama
desconhece a respeito das atividades noturnas de campanha dele.
– Quer dizer que os boatos são verdadeiros?
– Tenho uma gravação para provar.
– Ele sabe disso?
Hagen se inclinou na direção da mesa.
– Ele estava com a cara embriagada enfiada no meio das coxas
de uma puta coreana; não teria visto nada nem se fosse de dia.
Peterson riu.
– Acha que isso bastará para chantageá-lo?
– Não para dar início à Terceira Guerra Mundial – disse Hagen –,
mas é mais que suficiente para obrigá-lo a não dar atenção à morte
de um filho da puta como Bob Pope. Pouquíssimas pessoas sabem
como a primeira-dama fica quando está irritada e, confie em mim,
você não vai querer estar lá quando essa tempestade começar.
10
SICÍLIA

GIL E DRAGUNOV CHEGARAM À COSTA DA SICÍLIA próxima à


cidadela de Sampieri uns vinte minutos depois de Kovalenko e seus
homens. O barco-patrulha maltês P21 já estava afundando pela
popa em dez metros de água e desapareceria muito antes de o sol
nascer.
Gil desligou os motores do Palinouros e abaixou as duas âncoras.
– Pronto para nadar de novo? Se deixarmos o iate na praia, vai
ficar na cara que alguém chegou à costa.
Dragunov cobriu a cabeça com o capuz do traje de mergulho,
dizendo sério:
– Vamos começar, Vassili. O sol nasce em duas horas.
Amarraram o corpo de Brody ao tanque de ar e observaram-no
afundar pela popa antes de mergulharem e nadarem a centena de
metros até terra firme. Os dois chegaram a uma longa faixa de praia
deserta escondida do vilarejo adjacente por uma floresta ao redor da
alcova. Livraram-se dos trajes de mergulho e seguiram pelo leste
em meio às árvores paralelas à estrada.
– Acha que atravessarão a ilha para chegar a Messina ou vão se
ater à estrada que margeia o litoral? – Gil perguntou.
– Vão roubar o primeiro carro que conseguirem e pegarão a
estrada litorânea. Teremos que fazer o mesmo se quisermos
alcançá-los antes que cheguem à Itália. Está preparado para matar
sicilianos?
– Só para permanecer vivo e fora da prisão – Gil respondeu. –
Não para roubar um carro.
– E se roubar um carro for o único modo de continuar vivo e fora
da prisão?
– Veremos quando chegar a hora.
Foram até o vilarejo e encontraram um Fiat preto pequeno com as
chaves na ignição. Dragunov se colocou atrás do volante, e Gil o
empurrou pela estradinha de terra afastando-o da casa antes que
Dragunov o ligasse. Em pouco tempo, estavam na estrada litorânea,
indo para o leste.
– Acho que eles pegariam a estrada que corta a ilha – Gil disse. –
Chegar a Messina seria muito mais rápido assim.
– Hum, agora você é um Spetsnaz? – Dragunov perguntou com
voz grave ao mudar de marcha sem despregar os olhos do para-
brisa. – Sabe como eles são treinados?
Gil deu risada.
– Bem, talvez possamos pegar a autoestrada e chegar a Messina
antes deles. Podemos tentar pegar a balsa.
– Para fazer o quê? – Dragunov perguntou, desviando o olhar
rapidamente. – Atirar neles na frente de todo mundo?
– Ei, só estou pensando em voz alta aqui.
– Pense em silêncio – replicou Dragunov. – Seus pensamentos
estão me dando dor de cabeça.
Vinte minutos mais tarde, fizeram uma curva e viram, sob o facho
dos faróis de outro carro preto estacionado à direita, um homem
terminando de trocar um pneu furado. Dragunov acelerou e girou o
volante na direção do carro.
– Cuidado, Ivan, vai atropelar o cara!
– Blyat!2 – Dragunov grunhiu, batendo o para-choque frontal do
Fiat no homem, que não conseguiu sair da frente. O corpo voou por
cima do carro e aterrissou na estrada atrás deles enquanto
Dragunov freava, derrapando o carro. – Aquele era Lesnichy, um
dos homens de Kovalenko!
Gil sacou a pistola e saiu do carro, rolando em uma depressão na
lateral da estrada. Dragunov desapareceu na escuridão do lado
oposto.
Os dois carros pretos e o muito machucado – mas não morto –
Lesnichy mal estavam visíveis sob os faróis do Fiat parado. A perna
direita de Lesnichy estava dobrada em um ângulo grotesco debaixo
do corpo, a outra tremia involuntariamente.
Gil ouviu o som baixo do tiro de uma pistola com silenciador e a
perna de Lesnichy parou de mexer. Dois outros sussurros de pistola
apagaram os faróis do Fiat deles em uma rápida sucessão,
deixando a estrada em uma escuridão quase absoluta. Voltando a
rosquear o silenciador na Strike One, Gil sabia que os dois lados
estavam igualmente pressionados pela chegada iminente do nascer
do sol.
O ponto vermelho de um laser iluminou o para-choque cromado
do Fiat, e Gil encheu a mão de terra, jogando-a pelo ar atrás do
carro. O pó formou uma nuvem, ressaltando o facho do laser, que
desapareceu no mesmo instante, mas já era tarde demais. Gil já
atirava sem enxergar nada por algum tempo. Seu cérebro funcionou
com a velocidade de um computador para calcular o ângulo do
facho de volta à sua origem no escuro. Atirou três vezes com a
Strike One seguindo puramente seus instintos.
Um homem gemeu.
Ouvindo-o rastejar para mudar de posição, Gil atirou mais duas
vezes, e o homem gritou, praguejando em russo. Gil entendeu, pelo
som da voz, que atingira algum órgão vital, portanto, não havia
motivos para voltar a atirar.
Um tiro de rifle com silenciador atravessou o ar, e um pedaço de
pele e músculo do tamanho de uma moeda de 25 centavos foi
arrancado do ombro direito de Gil. Retraindo diante do golpe
inesperado, ele voltou a rolar pela estrada com toda prudência, na
esperança de que o atirador rolasse para o lado oposto. Outro tiro
sibilou pelo ar, atingindo o chão a cerca de um metro do seu pé
esquerdo, e Gil ficou imóvel, sabendo que o atirador estaria atento
ao mais leve dos sons para determinar sua localização.
– Camarada Dragunov! – alguém gritou atrás do carro do inimigo.
– Kovalenko! – Dragunov replicou.
Gil se aproveitou do barulho para se encobrir, recuando alguns
centímetros ao redor da frente do carro. Ouviu enquanto os dois
Spetsnaz trocavam insultos em russo, apoiado contra o para-choque
frontal do Fiat, tateando seu ferimento. Não era letal, mas estava
sangrando bastante e seria difícil escondê-lo sem uma atadura e
uma troca de roupas.
– Logo amanhecerá – Kovalenko disse a Dragunov. – Seria
melhor terminarmos isto em outra hora. Caso contrário, acabaremos
passando o resto da vida esfregando as costas um do outro em uma
prisão italiana.
– Você vai lavar as minhas costas, traidor!
Kovalenko gargalhou do lado oposto do carro.
– Mesmo assim, logo teremos luz suficiente para enxergar.
– É você quem está com as costas para a água! – Dragunov
exclamou. – Eu tenho o dia todo!
– Tem mesmo, camarada? Nós dois sabemos que sou eu quem
tem um rifle.
Dragunov refletiu a respeito, acreditando que Gil já estivesse
morto e percebendo que não era páreo para o rifle de Kovalenko
depois que o sol surgisse.
– O que propõe, traidor?
– Você no seu carro, eu no meu… agora! Enquanto ainda está
escuro demais para um enxergar ao outro. Eu dou a ré, você segue
em frente, e nós dois vivemos para ver mais um dia nascer.
Dragunov resolveu deixar que a prudência levasse a melhor sobre
a coragem.
– No três?
– Contaremos juntos!
E, juntos, contaram:
– Um… Dois… Três! – E cada homem disparou para seu
respectivo carro.
Sem saber que diabos fora dito, Gil ouviu Dragunov se arrastando
pelas pedras. Quando Dragunov entrou no carro, ele entendeu o
que devia ter se passado e se moveu rapidamente até o lado do
passageiro, onde a porta ainda estava aberta.
Dragunov quase atirou nele quando apareceu.
– Entre! Pensei que tivesse morrido!
Gil entrou, e Dragunov acelerou antes de ele sequer conseguir
fechar a porta.
– Que diabos acabou de acontecer ali atrás?
– Fizemos uma trégua antes que o sol nascesse – Dragunov
explicou. – Kovalenko não quer se arriscar a ser pego pela polícia, e
eu não teria como enfrentá-lo sem um rifle. Caso eu soubesse que
você ainda estava vivo, não teria concordado com isso, mas, pelo
menos, desta forma, podemos derrotá-lo em Messina.
– Como sabe que ele não vai mudar de planos?
– O restante dos homens o está esperando em Roma.
Sob as luzes dos faróis, Gil viu roupas penduradas em um varal
diante de uma casa logo à frente.
– Pare ali. Preciso de uma camisa limpa.
Dragunov parou na lateral e Gil saltou, apanhando uma camisa e
algumas meias para improvisar um curativo. Em poucos segundos,
já estavam rodando de novo.
– Vocês têm algum lugar seguro na Itália? Algum lugar que possa
me remendar?
– Você não tem, americano?
Gil sacudiu a cabeça.
– Pope ainda não sabe em quem pode confiar na Europa. Não
posso arriscar sermos seguidos.
– Pensei que achasse que o estivesse tão mal quanto a
agência de vocês.
Gil tirou a camisa.
– Você disse que estão todos limpos. Além disso, qualquer porto
serve em uma tempestade, Ivan. Não vou servir para muita coisa se
não der um jeito nisto.
Dragunov mudou a marcha.
– Você matou um lá atrás, não?
– Matei.
– Bom, Vassili. Talvez vocês, americanos, nos dessem trabalho
em uma guerra, no fim das contas.
Gil enrolou uma meia ao redor do ferimento.
– Bem, estou feliz por nunca termos confirmado isso.
– Não importa – Dragunov observou alguns segundos mais tarde.
– Não restaria nada para nenhum dos lados. Sempre soubemos
disso. Foi tudo um desperdício. A guerra é um desperdício estúpido.
– Então por que gostamos tanto dela? – Gil se perguntou.
Dragunov sorriu sob a luz do painel.
– Essa é uma excelente pergunta.
Em tradução livre: maldito. (N. E.)
11
TIJUANA

O ANTIGO CAPITÃO BOINA VERDE, de 38 anos, Daniel


Crosswhite, também era ex-agente da Força Delta e recebedor de
uma Medalha de Honra, mas, desde a sua dispensa do exército
quase uns dois anos antes, transformara-se em algo menos que um
cidadão modelo.
Poucos meses após seu retorno à vida civil, ele e o antigo
Brett “Conman” Tuckerman formaram uma dupla de vigilantes,
trajando uniformes do à noite ao bater nas portas de traficantes
nas cidades de Detroit e de Chicago, matando alguns
desafortunados no processo. No fim, acabaram presos em Chicago
pela 82ª Divisão Aerotransportadora durante o breve período em
que a cidade esteve submetida à lei marcial, a qual fora imposta em
decorrência da ameaça de terror nuclear que tomara conta da
nação. Apenas a intervenção oportuna de Robert Pope – diretor da
Divisão de Atividades Especiais da – poupara-os da prisão
perpétua. Por encobrir seus rastros, ele pediu que auxiliassem Gil
Shannon na caçada à bomba nuclear de fabricação russa RA-115.
Infelizmente, Tuckerman morrera durante essa caçada, deixando
Crosswhite seguir sozinho com outras missões.
O que Pope nunca soube, contudo, foi que, instantes antes da
prisão de Crosswhite e Tuckerman pela 82ª Divisão, eles
conseguiram esconder meio milhão de dólares sob a fundação de
uma construção dilapidada, e, há tempos, Crosswhite retornara a
Chicago para recuperar o dinheiro. Agora ele vivia em relativa
obscuridade, indo e vindo entre a fronteira da Califórnia com o
México, tendo saído do radar e estando quase sem contato algum
com Shannon e Pope.
No entanto, sendo um eterno viciado em adrenalina, também
espalhara a notícia nos meios certos de que seus serviços estavam
disponíveis no mercado mercenário internacional, pelo preço
correto.
Eram duas da manhã, e Crosswhite estava nu em uma cama de
hotel com o braço ao redor de uma prostituta mexicana igualmente
nua quando seu celular tocou na mesinha de cabeceira. Com um
olhar curioso para o relógio, sentou-se e acendeu a luz do abajur. A
adrenalina começou a bombear quando ele passou a ler a
mensagem longa, que lhe fornecia nomes, números de voos e a
localização de uma caixa de correios da em San Diego, onde ele
encontraria o dinheiro para cobrir suas despesas, caso decidisse
aceitar a missão.
– Só pode ser brincadeira… – murmurou.
Crosswhite respondeu de imediato, confirmando sua aceitação e
sua intenção de começar de imediato. Deixando o aparelho de lado,
pegou o espelho coberto de pó sobre a mesinha de cabeceira. Usou
uma nota de cem dólares enrolada para aspirar uma fileira grossa
de cocaína, depois esticou o braço para dar um tapa na bunda da
garota.
– Acorda, benzinho! Temos coisas pra fazer.
A moça de 23 anos de idade despertou irritada, batendo nele,
mas errando o alvo quando ele se levantou da cama.
– Pendejo! Não bata em mim quando estou dormindo, porra! –
Seu nome era Sarahi. Tinha olhos castanhos e longos cabelos
negros. – Pinche puto!
Ele parou antes de entrar no banheiro e se virou, o sorriso
descontraído rasgando o belo rosto moreno.
– Ei, quer ir em uma porra de viagem comigo, benzinho?
Ela se sentou, o olhar se estreitando cheio de suspeitas.
– Para onde?
– E que diferença isso faz pra você? Pra longe daqui, porra! É pra
lá que a gente vai.
– Vai me pagar?
– Claro. Agora vê se veste essa sua bunda linda em um jeans.
Tenho uma missão, e a vai pagar bueno pra cacete, baby!
Os olhos dela se acenderam como um fogo negro.
– Dinheiro da ?
Ele gargalhou.
– Isso, dinheiro da . Agora vê se mexe essa bunda, vadia
gostosa. Não temos tempo!
Ela aspirou duas fileiras de cocaína e saltou da cama, apanhando
os jeans. Estavam vestidos, saindo do quarto em questão de
minutos.
Crosswhite acelerou seu Jeep Wrangler preto e saiu do
estacionamento do hotel.
– Então, para onde vamos? – ela perguntou, abrindo a bolsa.
– San Diego. – Ele acendeu um cigarro e jogou o isqueiro no
painel. – Tenho que pegar um dinero.
– Podemos parar na minha tía?
Abaixou o espelho do para-sol para verificar a maquiagem.
– Não temos tempo para visitar a porra da sua tia, benzinho.
Estamos em uma maldita missão.
– Uma missão para fazer o quê? Que tipo de missão?
Ele parou no semáforo e olhou para ela, com o rosto subitamente
sério.
– Vamos matar um filho da puta, benzinho. Vamos matar um filho
da puta e essa vai ser a coisa mais excitante e mais perigosa em
que você já se meteu, cacete.
Ela o encarou, pensando, a princípio, que ele estivesse brincando.
Quando percebeu que não estava, sentiu a pulsação acelerar.
– Isso é legal?
– Legal! – Ele riu de novo. – Benzinho, estamos falando da .O
que conseguir fazer e se safar é legal.
– Mas e se você for apanhado?
Ele tragou o cigarro e bateu as cinzas pela janela.
– Bem, se for apanhado, azar.
– Então, não vamos ser apanhados – ela disse, voltando a olhar
para o espelho. – Quanto estão te pagando?
O semáforo ficou verde, e ele pisou no acelerador.
– Duzentos mil.
– O quê?! – Ela fechou o espelho com um tapa. – Duzentos mil?
Cacete! Meu primo Migue mata por cinquenta pratas!
Ele a espiou, mas manteve o olhar na rua.
– Esse cara que estamos procurando seria capaz de transformar
seu primo Migue em uma piñata. Agora se livra desses jeans e
passa pra cá. Aquela coca está me deixando com tesão.
– Eu estou te deixando com tesão. – Ela começou a despir as
calças, depois parou. – Metade do dinheiro é meu, certo?
– É, metade é sua. Agora vê se vem aqui e monta neste troço,
benzinho. Você está acabando comigo com esse seu olhar.
Ela gargalhou e rebolou para se livrar dos jeans.
– Eu sabia que existia um motivo para gostar de você.
Ele riu com ela quando ela subiu.
– Você não engana ninguém. – Ele teve que olhar ao redor dela
para evitar sair da estrada quando ela se posicionou. – Você gosta é
de presidentes mortos.
Ela o agarrou pelo queixo ao escorregar nele, fitando-o nos olhos.
– Isso mesmo, e é melhor você não me passar pra trás.
Ele esbarrou na sarjeta, e o Jeep voltou para o meio da pista.
– Não esquenta. – Ele riu, com uma mão no volante, segurando o
cigarro, e a outra segurando a bunda dela. – Não quero o puto do
seu primo atrás de mim.
12
HOUSTON

JASON RYDER, DE 29 ANOS DE IDADE, não recebera nenhuma


Medalha de Honra, apesar de ter sido agraciado com a Cruz por
Serviços Notáveis devido à sua coragem durante a Guerra do
Afeganistão. Era magro, porém musculoso, com seus 65 quilos, e
não chegava a 1,70 metro de altura. Ryder era veloz e ainda mais
rápido com uma arma. Também era um homem que sofria de um
caso grave de estresse pós-traumático e, desde seu regresso para
casa após a guerra, fora virtualmente ignorado pela
(Administração dos Veteranos). “Reservista” era o nome oficial que
eles usavam.
Não demorou para que Ryder desistisse da , voltando-se para
uma companhia militar privada ( ) chamada Obsidian Optio, onde
aceitou um emprego liderando destacamentos de segurança não
sujeitos à regulamentação do país. O trabalho era entediante e
chato, e fazia com que seus nervos zunissem de ansiedade.
Quando não estava trabalhando, ele passava o tempo bebendo e
fumando maconha, afundando ainda mais no buraco do estresse
pós-traumático até que, por fim, começou a considerar a ideia de
suicídio. Foi durante um destacamento no Brasil que Ryder
conheceu Ken Peterson da .
Peterson, a princípio, foi muito reservado, alimentando a raiva de
Ryder por ter sido deixado de lado pela . Disse que existiam
facções dentro do governo americano que trabalhavam para mudar
as coisas de dentro para fora, mas que havia pessoas-chave
atrapalhando o processo. Peterson não precisou de mais de três
horas regadas a cerveja para convencer Ryder a aceitar um contrato
privado com a agência.
– Claro, isso vai contra as nossas normas – Peterson disse –,
mas a agência está de ponta-cabeça desde os ataques nucleares
do ano passado. – Ele seguiu exagerando a gravidade do problema
administrativo. – Ninguém de fato sabe quem está encarregado do
quê, e ninguém consegue fazer nada de acordo com as normas.
Portanto, estamos operando por fora dos parâmetros oficiais para
manter o barco à tona, brigando contra uma ação de contenção da
velha guarda de Langley enquanto Washington decide como quer
que funcionemos nesta era de “terror nuclear”. – Escarneceu. –
Inferno, o presidente não consegue sequer fazer com que o
Congresso confirme o novo diretor. Seria engraçado se não fosse
tão malditamente trágico.
Ryder, agora, estava sentado no Aeroporto Internacional George
Bush, aguardando um voo matutino para Washington, onde mataria
Bob Pope, um dos traidores que Peterson alegou estar impedindo a
formação de uma América mais forte e mais segura.
O que Ryder não sabia – nem Peterson, tampouco Hagen – era
que Pope era o diretor de uma unidade especial recém-formada
ultrassecreta chamada (Unidade de Resposta Antiterrorismo).
Apesar de a ter um conceito semelhante a outras unidades de
missões secretas, como a Equipe 6 do e a Força Delta, ela era
muito menor. Não operava sob o amparo da Divisão de Atividades
Especiais. Na verdade, a sequer era parte oficial da . Ela
respondia diretamente ao Escritório do Presidente. Não era
responsável por operações em larga escala, não coletava as
próprias informações e suas operações por certo não estavam
sujeitas à supervisão do congresso. Os agentes da tinham
apenas um objetivo: aproximar-se e destruir os terroristas
muçulmanos onde quer que fossem encontrados e realizá-lo sem
deixar nenhum traço de terem estado ali. Fazendo uso de um clichê,
eles não existiam.
Ryder estava sentado próximo ao portão de embarque e olhou
para o relógio, a perna subia e descia. Precisava de um cigarro, mas
não havia lugar para fumar ali. Fora até o banheiro para dar uma
tragada, mas havia uma dupla de policiais do Serviço de Segurança
Nacional de Transportes bem do lado de fora da porta, jogando
conversa fora e rindo sobre algum coitado estrangeiro para quem
negaram a entrada no país. Então, em vez disso, engolira um
comprimido de Xanax com um gole de água, perguntando-se meio
indolente se Peterson sabia o quanto ele estava perto do seu limite
ultimamente.
Uma parte sua não confiava em Peterson – afinal, o cara era
agente –, mas cinquenta mil eram um bom dinheiro e, se esse cara,
o Pope, fosse apenas metade tão ruim como Peterson o descrevera,
o desgraçado desleal ainda merecia o que estava para lhe
acontecer. Ele vira homens muito melhores sendo mortos nos
campos de batalha por muito menos do que isso. Mas, no fim, isso
não importava muito para Ryder. Ele estava ansioso para
descarregar sua agressão em alguém do governo, e Pope
provavelmente merecia mais do que a maioria.
Uma hora antes de embarcar, ele conseguira cochilar, porém, um
casal que discutia estava sentado bem à sua frente. Uma moça
mexicana reclamava alguma coisa em espanhol. Ela devia ter pouco
mais de 20 anos e estava acompanhada por um cara uns quinze
anos mais velho do que ela, tinha cabelos longos negros, estava de
óculos de sol e jeans tão justos que ela devia ter sido despejada
dentro deles.
– Pode calar a boca por cinco minutos que seja? – o cara disse
com irritação.
Ele era alto, tinha cabelos escuros e a estrutura de um jogador de
futebol americano profissional.
Ryder afundou o boné na cabeça, tentando não ouvi-los.
– Se a sua mãe vier com essa pra cima de mim de novo – disse a
moça em inglês –, vou dar um tapa na boca da vaca maldita!
– Relaxa – ele repetiu. – Não somos os únicos aqui no aeroporto.
– Ei – a moça disse. – Ei, você aí.
Ryder levantou a aba do boné. A moça olhava diretamente para
ele. Tirara os óculos e ele percebeu que ela estava com os olhos
injetados, com o brilho da cocaína.
– Está falando comigo?
– Você deixaria a sua mãe chamar sua namorada de puta?
Ryder dispensou um olhar para Crosswhite.
– Depende se ela for ou não.
Crosswhite riu, e Sarahi se recostou de novo no assento.
– Pinches putos – disse baixinho.
Ryder voltou a abaixar a aba do boné e cochilou de novo.
Acordou pouco tempo depois quando um pé cutucou o seu.
Levantou a cabeça e viu o homem alto diante dele.
– Este é o seu voo? – Crosswhite perguntou, tomando um gole de
café. – O embarque está liberado.
13
MESSINA

GIL E DRAGUNOV ESTAVAM ESTACIONADOS NA LATERAL DA


ESTRADA, à espera de que Kovalenko mostrasse a cara na balsa
que atravessaria para Villa San Giovanni do lado oposto do estreito
de Messina. Já estava tarde, e Gil cochilava no banco do passageiro
quando Dragunov avistou Eli Vitsin e outros três Spetsnaz dirigindo
na direção da balsa em um velho LaForza italiano.
– São eles! – Dragunov disse, dando a partida no motor.
Gil olhou ao redor.
– Quem?
– Os homens de Kovalenko. – Dragunov apontou para o LaForza.
– Parece que estão vindo buscá-lo.
Gil observou um extraordinariamente grande virando para o
norte.
– Por que estão fazendo isso?
– Não sei. – Dragunov afastou um pouco o carro do acostamento.
– Talvez planejem nos matar aqui na ilha.
Seu telefone via satélite começou a tocar dentro do bolso com
zíper no quadril enquanto ele mudava a marcha.
Ele o atendeu, dizendo:
– Da? – Depois passou o aparelho para Gil.
Gil pegou o telefone.
– Sim, quem é?
– Gil, sou eu, Bob. Federov me passou este número.
– O que tem pra mim?
– Definitivamente, é uma operação secreta – Pope informou. –
Parece que elementos rebeldes da e do estão planejando
desativar o oleoduto .
– Pra quê?
– Só se pode especular – disse Pope. – Preste atenção, Gil, você
precisa saber de uma coisa. Hagen planejou para que me
matassem. Tenho uma reunião marcada com o presidente amanhã
para informar-lhe sua nova missão, e vou solicitar a permissão para
trazer o Vice-diretor de Operações Webb para o grupo. Dessa
forma, o pode assumir o comando caso algo aconteça comigo.
Gil estava tão irritado que se esqueceu da dor do ferimento
infeccionado no ombro.
– Quem Hagen acha que é? Al Pacino?
– Vou cuidar dele – Pope disse com tranquilidade. – Mas quero
que fique alerta caso o impossível aconteça. Onde você está agora?
– Parece que acabamos de ter sorte – Gil respondeu. – Os
homens de Kovalenko apareceram aqui na balsa que cruza para
Messi…
As janelas do carro se estilhaçaram com uma implosão de vidro
voando quando um segundo passou correndo pelo lado
esquerdo deles, um atirador calvo no banco do passageiro
alvejando o Fiat com munição 9 × 18 milímetros de uma pistola
semiautomática Kashtan com silenciador. Dragunov abalroou o ,
lançando-o para o lado oposto da rua. Outra rajada da pistola
semiautomática e o pneu esquerdo dianteiro do Fiat foi atingido.
– Sukiny dyeti! – Dragunov exclamou, batendo no volante com
raiva enquanto o se afastava. Filhos da puta!
– Pare o carro! – Gil exigiu, jogando o telefone via satélite
danificado de lado. – Me dê a sua arma!
Uma das balas atingira o telefone quando ele se abaixara no
banco.
– Há muitas pessoas ao redor.
Dragunov encostou e jogou sua pistola para Gil.
– O que vai fazer?
Gil saiu em um salto, escorregando rapidamente para baixo do
carro para acomodar as pistolas entre o tanque de gasolina e o
chassi.
– Agora abra o capô. Vou ver se temos um pneu sobressalente.
– Você está sangrando de novo – Dragunov disse, apontando
para a mão de Gil, onde uma bala passara de raspão.
– E isso é alguma novidade, Ivan? Vamos. Vamos trocar o pneu
antes que a polícia local… Merda!
Uma viatura policial com “Carabinieri” pintado na lateral passou
por eles com dois policiais dentro.
– Só tenho meu passaporte russo.
– Deixe que eu falo – Dragunov disse, saindo do carro. – Apenas
murmure o que lhe ensinamos no aeroporto e banque o parvo. Direi
a eles que você morava em Chernobyl e que a radiação apodreceu
sua cabeça.
Gil sorriu sardonicamente, tirando a meia ensanguentada de
debaixo da camisa para que o ferimento sangrasse só para causar
algum impacto.
– E se não funcionar?
Dragunov deu de ombros.
– Então, nós os matamos.
14
PALERMO

KOVALENKO TERIA PREFERIDO FICAR E ACABAR COM O


INIMIGO enquanto ainda tinha a vantagem do rifle sobre a pistola.
Mas o real motivo pelo qual o Lobo fizera trégua com Dragunov foi
porque um dos tiros às cegas de calibre .40 de Gil penetrara em sua
coxa direita por trás, atravessando-a e deixando-o com um rasgo de
dez centímetros no bíceps femoral. A tarde já avançava naquele dia,
e ele ocupara um chalé na periferia de Palermo próximo à ponta
noroeste da Sicília, à espera de que Vitsin e o restante dos seus
homens chegassem de Roma. Kovalenko sabia que, àquela altura,
Dragunov ou outra pessoa do estaria vigiando a balsa de
Messina, por isso chamara Vitsin e mudara seus planos, avisando-o
para que ficasse alerta para o major Spetsnaz quando chegassem à
costa. Os ferimentos do Lobo foram limpos e preenchidos com
chumaços de algodão a fim de que o sangue estancasse. A bala
passara perigosamente perto do nervo ciático, por isso ele se
considerava sortudo por não necessitar de uma cirurgia de grande
porte.
Estava de pé na cozinha olhando para os corpos do fazendeiro de
ovelhas e sua esposa, os quais alvejara durante o desjejum deles.
Sentou-se e partiu algumas bolachas, passando geleia e se
servindo do café frio do bule.
Vitsin e outros cinco agentes chechenos chegaram pouco tempo
depois, partilhando a notícia do fracasso na tentativa de matar
Dragunov após a travessia para Messina.
Kovalenko ficou aborrecido com o fracasso deles, mas Dragunov
tinha uma habilidade nefasta de sobrevivência, portanto, ele não
estava de todo surpreso.
– Quem diabos é o outro cara? – perguntou-se em voz alta. – Eu
o vi na torre de comando do Palinouros, mas não reconheci seu
rosto.
– Só pode ser o agente americano Gil Shannon – Vitsin disse. – O
atirador de elite da Marinha americana. Antes de partirmos de
Roma, nosso contato na nos informou de que ele foi visto na
Embaixada Russa em Paris.
Kovalenko já ouvira falar em Shannon e grunhiu.
– Quer dizer que o está trabalhando com a velha guarda da
… – Rememorou o tiroteio na estrada, lembrando-se de como o
laser vermelho se destacara na escuridão, e percebeu que fora Gil
quem tivera a presença de espírito de jogar um punhado de terra no
ar. – O ponto deve ter se refletido no carro – murmurou.
– Que ponto?
Kovalenko lhes contou como Dragunov atropelara Lesnichy com o
carro e como Gil usara o facho do laser para direcionar seus
disparos com acuidade.
– Foi assim que Anatoly foi morto, e quase eu também.
– Temos que voltar para a Geórgia – comentou o homem calvo,
chamado Anton, que falhara em matar Dragunov e Gil em Messina.
– Da! Assim que possível – um dos outros apoiou.
– Também pensei assim a princípio – disse Vitsin –, mas agora
discordo.
Kovalenko o encarou, à espera de uma explicação.
– Dragunov nos seguirá aonde quer que formos – Vitsin
prosseguiu. – Se fugirmos para a Geórgia, o maldito com certeza vai
aparecer quando menos esperarmos… Como fez em Malta. E, na
Geórgia, ele terá o apoio logístico do exército russo mais próximo.
Portanto, eu digo que é melhor lidarmos com ele aqui na Sicília,
onde os dois lados estão equilibrados.
– Mas Dragunov é só um homem – Anton protestou. – Haverá
outros.
Kovalenko se pronunciou:
– Verdade, haverá outros, mas não como Dragunov. Ele me
conhece melhor do que ninguém e, como Vitsin disse, é um filho da
puta cauteloso.
– E quanto ao americano? – outro perguntou.
– Bem – Kovalenko falou pensativo –, alguém dentro da
evidentemente o enviou para a França, o que quer dizer que nossos
amigos americanos não estão tão bem informados como alegam
estar ou estão mentindo para nós.
Vitsin se endireitou na cadeira.
– Mesmo assim, não há motivos para concluir que Shannon não
acompanhará Dragunov até a Geórgia, ainda mais se os
americanos estiverem sabendo que planejamos destruir o oleoduto.
– Isso também está correto.
Kovalenko ficou calado por um instante, tentado antecipar dez
movimentos naquela partida de xadrez mental que travava com
Dragunov.
– No fim, os americanos farão o que for necessário para proteger
seus lucros petrolíferos, exceto entrar em guerra. E Moscou fará o
que for necessário para evitar provocá-los, dentro do bom senso.
Portanto, amigos, a decisão é nossa: lidaremos com Dragunov e
com Shannon aqui em solo siciliano… E depois voltaremos para
ajudar Umarov a atingir o oleoduto.
15
CIDADE DO MÉXICO

HAGEN SE ENCONTROU COM PETERSON no restaurante El


Cardenal na região sul da Cidade do México em uma zona
densamente povoada com hotéis e restaurantes. Era um lugar
tranquilo com boa comida.
– Então, o que está acontecendo? – Hagen perguntou, abrindo o
guardanapo de tecido sobre o colo. – Por que não podíamos falar
pelo telefone?
– Temos uma anomalia – disse Peterson, abrindo a carta de
vinhos. – Algumas, para falar a verdade. Oito marinheiros malteses
foram mortos ontem à noite por uma metralhadora, e o barco de
patrulha deles ainda não foi localizado. Além disso, o Palinouros foi
encontrado ancorado na costa da Sicília com toda a tripulação
assassinada.
– E o Miller? – Hagen perguntou.
– Morto – disse Peterson, passando os olhos pela carta de vinhos.
– Com um tiro entre os olhos, pelo que me falaram.
– Quem matou os marinheiros malteses?
Peterson levantou o olhar.
– Shannon. Quem mais?
– Pode ter sido Kovalenko se ele estava…
– Kovalenko não existe – replicou Peterson. – Não há nenhum
Kovalenko. Apenas Gil Shannon… um assassino. Entendeu?
Irritado, Hagen disse entredentes:
– Quem diabos matou os marinheiros malteses?
– A resposta rápida é: não sabemos – confessou Peterson. – Mas
a culpa recai sobre Shannon. Já conversei com as pessoas certas
em Malta, e eles estão a caminho da Sicília.
– Bem, meu primeiro palpite para os marinheiros malteses não
seria Shannon – disse Hagen. – Portanto, é melhor dizer ao seu
pessoal que não perca muito tempo com essa pista.
– Por que não?
Hagen chupou um camarão do coquetel.
– Porque Shannon é um maldito idealista, Ken. Ele não mata
pessoas que não precisa matar. Sugeriria que você perguntasse ao
seu amigo Lerher quanto a isso, mas Lerher já morreu, não é
mesmo? – Fechou o cardápio e o empurrou de lado. – É melhor
descobrir quem o matou, e logo. Estou te avisando!
Peterson pegou um nacho.
– Foi você quem insistiu em ferrar com o cara.
A ira de Hagen veio à tona.
– E foi você quem disse que isso poderia ser feito, sem
problemas!
– Abaixe a voz – Peterson avisou, lançando-lhe um olhar
enquanto a garçonete se aproximava.
Fizeram os pedidos dos pratos e das bebidas e permaneceram
em um silêncio forçado até que os demais clientes voltassem a se
concentrar nas próprias mesas.
– E quanto a Pope? – Hagen perguntou, alisando a toalha da
mesa.
– O contrato foi aceito. Ele será morto em trinta e seis horas.
– Mesmo? E se ele não sair daquela maldita caverna?
– Ele vai sair amanhã. – Peterson queria socar Hagen no rosto. –
Uma reunião foi marcada com o presidente à tarde. Ele estará
exposto durante todo o caminho de Langley até . . e na volta.
– Não vai parecer exatamente um acidente, vai?
Peterson sacudiu a cabeça.
– Isto não é a , Tim. É guerra.
– Estou satisfeito que perceba isso. – Hagen sorveu um gole de
água. – A propósito, preciso de uma equipe de segurança. Pode
providenciar uma para mim?
Peterson o encarou estupefato.
– O que é esse olhar?
– Você mesmo pode contratar uma equipe sozinho… Uma equipe
local.
– Está se referindo aos mexicanos?
– Não, aos chineses!
– Você é o responsável pelo escritório da América Central –
Hagen replicou. – Está me dizendo que não pode dispensar uma
equipe de segurança para mim?
Peterson fez um esforço para manter a voz baixa.
– Qualquer equipe que eu pudesse dispensar seria do pessoal
local, os mexicanos. E a alocação atrairia atenção dentro da agência
– coisa de que não precisamos –, portanto, contrate sua própria
equipe. Existem inúmeras empresas particulares na cidade.
Os lábios de Hagen embicaram, quase como se ele estivesse
fazendo um beiço.
Foi a vez de Peterson sorrir com afetação.
– Jesus, é por causa do dinheiro, não é? Todos aqueles milhões,
e você ainda é sovina com a própria segurança.
Hagen se recostou de modo que a garçonete pudesse servir o
vinho.
– Encontre-me uma boa empresa que não vá me custar uma
perna e um braço. Não creio que vá ser tão difícil assim,
considerando-se onde estamos.
Peterson esperou até que a moça se afastasse da mesa.
– Lembre-se, seu pão-duro, você consegue aquilo pelo que paga.
Hagen se ofendeu.
– Alguma vez lhe ocorreu que tenho dinheiro porque sei como
gastá-lo?
– Você tem dinheiro porque seu pai o deixou para você –
Peterson replicou. – Falando nisso, vai pagar a conta hoje. Voei de
Monterrey com recursos próprios. – Isso, claro, não era verdade,
mas Peterson aprendera a apreciar as pequenas vitórias ao lidar
com Tim Hagen.
16
MESSINA

GIL ESTAVA COM AS MÃOS SOBRE O TETO do Fiat alvejado


enquanto Dragunov explicava ao sargento da polícia siciliana em um
inglês muito ruim que ele e Gil eram apenas simples turistas russos.
Disse que não sabia quem tinha atirado e por quê. O sargento lhe
perguntou, então, se ele sabia alguma coisa a respeito de um iate
ancorado ao sul da costa, e Dragunov fingiu não entender a palavra
iate.
– Barco! – exclamou o policial, apontando para o sul. – Um barco
de um homem rico. Sabe alguma coisa a respeito?
– Não, chegamos de carro. – Dragunov apontou na direção da
balsa.
O policial revirou os olhos, ficando impaciente com o homem que
ele acreditava que estivesse evitando suas perguntas.
Gil não conseguia enxergar o segundo policial parado logo atrás
dele, com a mão em seu ombro, mas sabia, pela expressão no rosto
do sargento, que ele e Dragunov estavam a segundos de serem
colocados sob custódia. Ajustou a posição do quadril de leve a fim
de se preparar para o giro que daria para desequilibrar o policial
quando ele tentasse pegar seu punho e algemá-lo.
Uma centena de metros mais distante, uma van branca
estacionou ao lado da estrada. A porta lateral deslizou se abrindo, e
um homem apareceu com um rifle com telescópio. Por mais que Gil
não conseguisse distinguir a arma àquela distância, era uma
Heckler & Koch G28 calibre 7.62.
– Ivan, abaixe-se!
Gil se abaixou atrás do carro quando o policial o segurou pelo
punho. Não houve o estampido do rifle com silenciador, mas o
policial voou para trás, tendo sido atingido no peito por uma bala
perfurante que facilmente venceu o colete simples e explodiu seu
coração trespassando as costas.
Com a velocidade do ataque de uma cobra, Dragunov atingiu o
sargento na garganta e mergulhou, procurando cobertura. O policial
tropeçou para trás e também foi atingido no peito por uma bala. Caiu
de joelhos e de cara no chão. Dragunov o segurou por baixo do
braço, mas outra rodada de disparos arrancou o dedo anular de sua
mão esquerda, e ele se protegeu atrás do carro, imprecando
profusamente.
Os pedestres nas cercanias ainda precisaram de alguns
segundos para perceber o que estava acontecendo, mas, quando o
fizeram, dispersaram-se correndo pela rua. Balas rasgaram o carro,
mísseis letais que não produziam som algum até atingirem as
chapas de aço e as atravessarem. Gil se arrastou para debaixo do
carro, tentando recuperar as armas escondidas.
– Só consigo pegar uma!
– Eles estão vindo! – Dragunov exclamou quando a van voltou
para a rua, acelerando na direção deles.
Gil saiu de debaixo do carro e lançou a pistola para o russo,
saltando e correndo na direção da viatura da polícia.
Dragunov se levantou e atirou pelo para-brisa da van que se
aproximava, mas a pistola ficou sem munição após quatro disparos
e, mais uma vez, ele tateou por baixo do braço do policial morto.
Gil escancarou a porta do passageiro da viatura e abriu o porta-
luvas, levantando a manopla que abria o porta-malas, onde
encontrou uma submetralhadora H&K MP5. Ajustou a câmara e
posicionou a arma no ombro, correndo em direção ao meio da rua.
Vendo que estava prestes a ser alvejado pela submetralhadora, o
motorista da van deu uma guinada para a esquerda, expondo a
porta lateral do atirador do lado direito, que foi forçado a se segurar
para não cair do veículo. Gil atirou, despedaçando o atirador com
uma rajada de trinta disparos. A van se chocou com uma placa de
sinalização, foi detida e ali ficou. Gil largou a submetralhadora e
entrou pela porta aberta.
O motorista tentava se livrar do cinto de segurança para sair, mas
Gil o segurou pelos cabelos cacheados, puxando-o de novo para
dentro do veículo, socando seu rosto repetidamente até que ele
desistisse de se debater.
– Quem enviou vocês? – Gil gritou. Encontrou uma Colt .45
compacta na cintura do homem e pressionou o cano na virilha dele,
já com o dedo no gatilho. – Mais uma vez, filho da puta, quem
mandou vocês?
Os lábios do motorista estavam partidos e sangravam.
–A – ele gaguejou em um sotaque britânico. – Do escritório
de Malta.
– Vá se foder! – Gil empurrou o cano da arma na lateral da
cabeça do homem.
Dragunov estava no meio da rua, apontando a pistola do sargento
para um Nissan azul que fazia a curva, com uma moça italiana
assustada atrás do volante. Ela parou o carro, e Dragunov abriu a
porta, empurrando-a para o meio.
– Venha, Vassili! Vamos embora!
Gil apanhou a G28 do piso da van e entrou no carro pelo banco
do passageiro. Dragunov acelerou e girou o carro, depois disparou
na mesma direção que os homens de Kovalenko tinham ido.
– São da !
– Está surpreso?
Dragunov tinha um olho pregado na estrada, o outro no espelho
retrovisor enquanto trocava de marchas, seguindo pela estrada
cheia de curvas na maior velocidade que ousava.
– Não estou surpreso. Estou puto!
A moça implorava em um italiano carregado de pânico para que a
deixassem sair do carro.
– Lamento, meu bem, não hablo, por isso, cale a boca! – Lançou
um olhar para Dragunov. – Alguma ideia de onde eles podem ter
ido?
– Palermo.
– Por que Palermo?
– Porque vão precisar de recursos, e Kovalenko vai querer dar um
fim nesta situação aqui antes de voltar para a Geórgia.
– Por favor! – a moça implorou em inglês.
Eles sujaram o carro e a moça de sangue, e ela estava
completamente aterrorizada.
Dragunov diminuiu a marcha e fez mais uma curva.
– E quanto a ela?
– Vai ficar com a gente.
Gil deu um tempo para verificar a munição. A G28 era uma pistola
de ação dupla e as duas câmaras com dez rodadas estavam cheias.
– Por favor! – a moça exclamou junto ao rosto dele. – Liberatemi!
– Presta atenção! – ele disse, segurando-a pelo braço. – Não
entendo porra nenhuma do que você está dizendo, por isso cala a
boca!
Ela puxou o braço para se soltar, evidentemente entendendo a
parte do “cala a boca”, e ficou chorando entre os dois.
Dragunov relanceou pelo espelho, com o fantasma de um sorriso
no rosto.
– Nós poderíamos matá-la.
– Claro – disse Gil, verificando a .45 e enfiando-a na cintura. –
Nem mesmo você pode ser tão frio assim.
– Logo teremos que encontrar um lugar para cuidarmos dos
nossos ferimentos.
Gil sorriu com ironia.
– Isso não era importante quando só eu estava machucado, mas
você perde um dedo e logo precisa de um médico? Não concordo,
parceiro. Não vamos parar antes de chegarmos a Palermo. Vou
matar aqueles russos filhos da puta.
– Chechenos – Dragunov o corrigiu. – Eles são filhos da puta
chechenos.
– Vou matar aqueles filhos da puta Spetsnaz. Que tal assim?
O russo sorriu sem desviar os olhos da estrada, pressionando o
acelerador e apertando o volante com a mão esquerda
ensanguentada enquanto passava a marcha com a outra.
– Se já encontraram o Palinouros, a ilha logo vai estar tomada
pelos carabinieri. Podemos encontrar Kovalenko a tempo de matá-
lo, mas jamais conseguiremos voltar ao continente vivos.
– Vamos pensar nisso quando a hora chegar – Gil lhe garantiu. –
Primeiro, vamos encontrar Kovalenko. – Segurou entre os joelhos a
G28 com o cabo apoiado para baixo. – Vou alcançar esse filho da
puta e acabar com ele.
17
WASHINGTON, D.C.

RYDER ACORDOU COM UMA LEVE RESSACA no seu quarto de


hotel em . . e tomou banho. Depois se sentou nu na cama,
comendo o resto da pizza fria da noite anterior. A reunião de Pope
na Casa Branca estava marcada para as 15h30, e era sua missão
garantir que esse encontro não acontecesse. Terminou a pizza com
uma cerveja do minibar e se vestiu, depois abriu o zíper da sua
bolsa e tirou uma USP .45 ACP que pegara com um contato da
na noite anterior.
Desmontou a pistola nova para se certificar de que estivesse bem
lubrificada. Depois, voltou a montá-la, carregando a câmara de doze
tiros com a munição adequada. Girando a cremalheira, abriu a
câmara de novo e carregou uma décima terceira bala, depois largou
a pistola pronta sobre a cama. Em seguida, pegou um silenciador
SWR HEMS 2 da bolsa e o desmontou, lubrificando as partes
internas com um gel. Fez isso porque um silenciador “úmido” é
ligeiramente mais silencioso que um “seco” (o lubrificante absorve o
calor do gás em expansão), e Ryder queria que houvesse o menor
ruído possível durante o ataque a Pope.
Guardou a pistola na altura da lombar, enfiou o silenciador no
bolso da jaqueta, então foi até a janela para espiar entre as cortinas.
O que viu fez com que cada nervo em seu corpo disparasse um
alarme. A latina sexy do aeroporto do dia anterior estava
atravessando o estacionamento praticamente vazio, carregando
uma sacola do McDonald’s. O céu estava bem nublado e a chuva
ameaçava cair. Ele a viu cruzando o estacionamento até chegar a
um quarto do lado oposto, onde bateu duas vezes à porta, depois
entrou. Um segundo depois, alguém espiou rapidamente entre as
cortinas.
Ele recuou e pegou o celular do bolso, ligando para Peterson.
– Me descobriram! – disse de imediato.
– Duvido muito – Peterson respondeu com tranquilidade. – Sou o
único na agência que sabe a seu respeito. O que fez com que se
preocupasse?
Ryder lhe contou sobre a moça e o cara com aparência militar que
estiveram no mesmo avião que ele no dia anterior, e que agora
estavam hospedados no mesmo hotel barato.
– Que fica longe pra cacete do aeroporto!
– Deixa-me ver se entendi direito – disse Peterson. – Dois
viajantes estão no mesmo hotel que você, e isso o deixou nervoso.
Visto por esse ângulo, Ryder se sentia um pouco tolo.
– Não é tão simples assim. Eles estavam sentados diante de mim
no aeroporto.
– E estavam no mesmo voo, certo?
– Isso, foi o que eu te disse.
– Então, duas pessoas que estavam no seu voo estão ficando no
seu hotel. Preste atenção – Peterson aconselhou –, não quero me
meter nos seus assuntos, mas talvez seja melhor pegar leve na
maconha. Você não precisa de mais paranoia para mexer com seus
nervos, e eu não preciso que me ligue com esse tipo de episódio.
Não há como alguém ter ficado sabendo sobre você. Mas, sabe de
uma coisa? Suponhamos, por um segundo, que você tenha sido
mesmo descoberto. Que diabos espera que eu faça a respeito pelo
telefone?
Ryder estava envergonhado, mas seu desconforto logo se
transformou em uma raiva borbulhante.
– Visto que está no comando, pensei que gostaria de saber.
– Você não está mais no exército – lembrou-o Peterson. – E não
está trabalhando para a Obsidian Optio. É um agente independente,
o que significa que tem que pensar sozinho. Entendeu? Agora, vê
se deixa as drogas um pouco e me liga quando o trabalho tiver sido
feito.
– Faz três dias que eu não… – Ryder percebeu que Peterson já
havia desligado. Jogou o aparelho no travesseiro. – Maldito filho da
puta!
McDonald’s e pegou um
sanduíche.
– Alguma movimentação no estacionamento?
Sarahi sacudiu a cabeça e se sentou à mesa para pintar as
unhas.
– O carro ainda está lá.
– É, eu vi. – Deu uma mordida e continuou a falar de boca cheia.
– Até aqui está tudo de acordo. Ficamos de olho nele só para ter
certeza de que não vai escapar.
Ela levantou o olhar para ele.
– Você não colocou aquela coisa para rastrear no carro dele
ontem à noite?
Ele assentiu, sentando-se na cama só de cueca.
– Mas temos que ficar de olho. – Encarou o seu sanduíche em
desgosto. – Isto aqui deve ter sido feito há umas duas horas. Por
que não vai até a máquina de bebidas e pega uma Coca para mim
para ajudar a descer o sanduíche?
Ela enfiou o pincelzinho no frasco.
– Só me dá um segundo.
Ele largou o sanduíche de volta no saco e se levantou.
– Tenho que me vestir para o caso de ele sair logo.
Ela ainda ficou sentada um instante, soprando as unhas, depois
pegou uma nota de um dólar da carteira dele e saiu.
Ryder estava espiando por uma fenda entre as cortinas quando
Sarahi saiu do quarto, olhando direto para o quarto dele.
– Paranoia, o cacete! – resmungou, pegando um canivete do
bolso dos jeans e o abrindo, revelando uma lâmina e tanto.
Observou enquanto ela seguia até a máquina de Coca-Cola no
canto em que o hotel formava um L bem no meio do caminho entre
os quartos deles. Esperou até que ela pegasse a lata da máquina e
começasse a voltar antes de sair do quarto e segui-la
disfarçadamente. Ela ainda estava soprando as unhas quando ele a
alcançou bem diante do quarto dela.
Ela relanceou para ele e arquejou de leve, deixando o refrigerante
cair quando ele deslizou com destreza a lâmina pelo pescoço dela.
A ponta da lâmina afiada acertou sua carótida, e ele passou por ela
como se nada tivesse acontecido.
A princípio, Sarahi sequer se deu conta de que fora cortada;
simplesmente ficou com a mão sobre o coração acelerado enquanto
observava Ryder se afastar, mas logo percebeu que havia sangue
descendo pela lateral esquerda do seu pescoço e começou a gritar.
Crosswhite escancarou a porta e a viu de pé toda coberta de
sangue.
– Puta que o pariu! – Puxou-a para dentro do quarto e a sentou
em uma cadeira, apanhando uma toalha do chão e pressionando o
corte no pescoço. – Segure firme, meu bem!
Apanhou o telefone e apertou o zero com o dedo sujo de sangue.
– Ligue para a emergência! Quarto 14, hemorragia arterial!
Largou o telefone e prendeu a toalha com força, pressionando o
máximo que conseguia.
– Segure firme, benzinho! Eles estão a caminho. Estão chegando!
– Por favor, não me deixa morrer – ela implorou, já
enfraquecendo. – Por favor, não me deixa morrer, Danny!
– Shhh… – ele disse, beijando-a no topo da cabeça. – Relaxa,
benzinho, relaxa. Temos que diminuir as batidas do seu coração.
Você tem que ficar calma.
Quando os paramédicos apareceram na soleira da porta uns
quinze minutos mais tarde com suas luvas de látex e caixas de
equipamento, ele ainda estava ao lado da cadeira segurando o
corpo sem vida e ensanguentado ao seu encontro, com um olhar
distante.
– Jesus – um dos paramédicos murmurou.
Crosswhite piscou uma vez, o olhar voltando a se focar ao
encará-los.
– Não há nada que vocês possam fazer. Nunca houve.
18
QUARTEL-GENERAL DA CIA

L ,V

POPE ESTAVA ENTRANDO NA PARTE DE TRÁS de um sedã


preto governamental no quartel-general da quando recebeu uma
mensagem de texto de Daniel Crosswhite: “Retido pela polícia. Perdi
contato temporariamente com o alvo”. Ele suspirou e guardou o
celular no bolso do casaco. Começara a chover e estava ficando
frio.
– Mantenha os olhos abertos, tenente – disse com casualidade. –
Existe uma possibilidade de um atentado contra a minha vida. Eu
não gostaria se você fosse pego em um tiroteio.
O motorista da Marinha olhou para ele pelo espelho retrovisor.
– Lidaremos com isso, senhor.
Pope era um homem alto com 60 e poucos anos de olhos azuis
suaves e uma cabeleira toda branca.
– Lamento colocá-lo nesta situação perigosa.
– Esse é o lugar dos fuzileiros, senhor.
Pope se acomodou no banco enquanto se afastavam do
estacionamento. Dirigiram pelo campus da , virando na Avenida
George Washington Memorial, seguindo para o sul ao longo do Rio
Potomac em direção ao Distrito de Colúmbia. A avenida arborizada
era uma estrada cênica de quatro pistas, com um canteiro central
arborizado separando os fluxos ao norte e ao sul. As árvores do
Parque Nacional Forte Marcy estavam começando a vicejar, e Pope
vislumbrava relances do rio conforme avançavam, tentando
entender se Gil ainda estaria ou não vivo. Não houve outro contato
por parte dele desde que a ligação fora interrompida no dia anterior,
e o assassinato dos policiais em Messina estava estampado em
todos os jornais italianos.
Ficou se perguntando o quanto iria contar ao presidente. O Chefe
da Nação estava intitulado a certo grau de negação plausível, mas
era possível que Gil tivesse sido morto e que seu corpo logo fosse
identificado. Não haveria provas de que Gil estivesse trabalhando
para o governo americano, mas, apesar disso, sua identificação
causaria algum atrito no nível executivo.
O telefone via satélite tocou dentro do casaco, e ele atendeu
rapidamente, na esperança de que fosse Gil.
– Pope falando.
– Olá, Robert. – Era Vladimir Federov do . – Teve notícias do
seu homem na Sicília?
– Não – Pope respondeu. – Você teve do seu?
– Lamento dizer que não – disse Federov. – Mas há uma boa
notícia. Não houve nenhuma apreensão, e nenhum corpo foi
encontrado.
– Alguma pista sobre quem matou os marinheiros malteses?
– O nosso pessoal em Roma concluiu que foi Kovalenko –
respondeu Federov. – E também se verificou que alguém no
escritório da em Roma o tem ajudado com a logística, alguém
chamado Walton.
– O bom e velho Ben Walton – concluiu Pope, uma peça do
quebra-cabeça se encaixando. – Faz sentido.
Recentemente, revisara um dossiê sobre o agora falecido capitão
Miller do Palinouros no qual o nome de Walton foi mencionado
algumas vezes. Os dois homens eram antigos membros da Marinha
americana.
– Walton foi o agente que nos deu a pista sobre Yeshevsky, o
impostor de Dokka Umarov, ter passado do navio-tanque grego para
o Palinouros. O que me leva a concluir que o nosso homem em
Atenas, um agente chamado Max Steiner, também deve estar
trabalhando com Kovalenko. Foi Steiner quem nos deu a informação
de que Yeshevsky estava embarcando no navio-tanque.
– Como pretende lidar com eles? – Federov perguntou.
– Vou ter que pensar um pouco a respeito disso – respondeu
Pope, tirando com a mão um fiapo do joelho da calça de veludo
cotelê. – Estou a caminho de me encontrar com o presidente agora.
– Mais uma coisa que talvez deva considerar – Federov
acrescentou. – Temos motivos para acreditar que o verdadeiro
Dokka Umarov tenha enviado Yeshevsky para Paris para se
encontrar com a Al Qaeda, a fim de combinarem uma insurgência,
provavelmente se fazendo passar pelo próprio Umarov. Tal
demonstração de coragem aparente seria convincente para a Al
Qaeda, levando-se em consideração a distância entre Paris e a
segurança do Cáucaso.
– Você acredita que Umarov ainda pretenda atingir o oleoduto?
– Particularmente, não tenho a mínima dúvida.
Pope precisava saber exatamente que tipo de recursos o
poderia dispor no sul da Europa.
– Seu pessoal tem alguém disponível para ajudar Shannon e
Dragunov enquanto ainda estiverem presos no Mediterrâneo?
Houve uma breve pausa antes que Federov respondesse.
– Não de imediato; não com as necessárias habilidades e
permissões de informação. Dragunov e a equipe dele foram
mobilizados especificamente para isso.
– O que faz com que a bola esteja do meu lado do campo –
concluiu Pope. – Muito bem. Mas, se eu conseguir retirá-los da
Sicília e levá-los de volta ao continente, consegue arranjar
transporte para a Geórgia para eles?
– Isso eu consigo fazer – Federov prometeu. – Mas, antes,
precisamos ter certeza de que continuam vivos.
– Bem, você disse que não há corpos nem apreensões. Isso já
basta para mim. Por enquanto, você deve estar certo. Teremos que
esperar até que mantenham contato.
Pope desligou alguns momentos depois disso, guardando o
telefone dentro do casaco.
– Imagino que eu não precise lhe dizer que esta conversa foi
ultrassecreta, tenente?
O fuzileiro não desviou o olhar da estrada.
– Que conversa, senhor?
Pope assentiu.
– Bom rapaz.
Quando chegaram à Casa Branca, Pope foi conduzido ao Salão
Oval para uma reunião não apenas com o presidente, mas com o
diretor dos Estados-Maiores Conjuntos, o General William J.
Couture, e o novo chefe de gabinete da Casa Branca, o Capitão
Glen Brooks – antigo comandante do (Grupo Naval
Especial de Desenvolvimento de Guerra dos ), também
conhecido como Equipe 6 do .
Esses eram os únicos homens em Washington que sabiam a
respeito da Unidade de Resposta Antiterrorismo. Nem mesmo o
vice-presidente tinha conhecimento sobre a .
O Capitão Brooks era um homem de ombros largos e fala mansa
com inteligentes olhos castanhos que se movimentava com porte
tranquilo e militar. Fora escolhido para substituir Tim Hagen – em
detrimento de uma dúzia de outros candidatos – por sugestão de
Couture. Brooks não estava, de modo algum, qualificado como
conselheiro político, mas suas habilidades organizacionais e o
conhecimento imediato nas questões de inteligência internacional
eram insuperáveis, e a sua constante presença fornecia ao Chefe
da Nação um conselheiro militar em período integral com
experiência prática, o tipo de experiência extremamente deficiente
em Hagen.
Depois de cinco dias da escolha de Brooks, a Casa Branca
passou a funcionar com a mesma eficiência militar de um porta-
aviões americano conduzindo operações de voo. Com o terror
nuclear agora uma realidade genuína, muitos no Capitólio ficavam
imaginando se figuras duronas e guerreiras como as de Brooks e de
Couture poderiam ser os futuros funcionários da Casa Branca, e
jornalistas conhecidos vinham escrevendo artigos críticos
especulando o que o aumento da militarização no governo federal
poderia significar para o futuro dos Estados Unidos.
– Bob – disse o presidente ao se levantar e dar a volta na
escrivaninha. – Estou contente por ter conseguido vir.
– Obrigado, senhor. – Pope se virou e apertou a mão de Couture.
– Bill – disse baixinho –, bom ver você.
O General Couture era o único homem na sala mais alto do que
Pope. Ele tinha olhos implacáveis e uma cicatriz perversa na face
esquerda, cortesia de uma granada iraquiana RPG-7.
– Bob, você se lembra do Glen.
– Sim, claro – disse Pope, apertando a mão de Brooks com a
mesma firmeza.
Todos se sentaram, e o presidente se recostou em sua cadeira.
– Muito bem, Bob, atualize-nos sobre esse assunto do oleoduto
e de Dokka Umarov. Ele foi morto?
Pope empurrou os óculos para cima no nariz.
– Não. Não foi. Mas nossos problemas imediatos são muito
maiores do que Dokka Umarov.
Explicou a situação de Gil nos quinze minutos seguintes e
quando, por fim, terminou de falar, todos aguardaram para ver como
o presidente reagiria.
Se o presidente ficou agitado, não demonstrou. De fato, ele
pareceu vagamente intrigado.
– General? – disse baixinho.
Couture olhou para Pope.
– Qual a gravidade dos ferimentos de Shannon?
– Não faço ideia – Pope respondeu. – Já disse, ele pode estar até
morto, apesar de não haver motivos para concluirmos isso. Meus
instintos me dizem que ele ainda está vivo e pronto para combater.
Couture passou o olhar para Brooks.
– Glen, você é o homem da Marinha. Quem temos no
Mediterrâneo para extrair esses dois maníacos da ilha sem que os
italianos tomem ciência? Evidentemente, não podemos envolver
nosso pessoal da Sigonella, pelo menos não diretamente. – Ele se
referia à Base Aérea Naval Sigonella, localizada na região oriental
da Sicília.
Brooks lançou um sorriso reservado e tranquilo, lembrando aos
presentes que as águas silenciosas correm fundo.
– Há um destacamento do Grupo Dois a bordo do Whitney. – Ele
se referia ao Grupo Naval Especial de Desenvolvimento de Guerra
Dois, que comandava as equipes 2, 4, 8 e 10 do . O USS
Mount Whitney ( 20) era um navio de comando da Sexta Frota
Americana atualmente estacionado no Mediterrâneo Oriental.
Brooks se virou para o presidente.
– Um grupo da Equipe 8 do pode ser mobilizado com relativa
rapidez, senhor.
– O que propõe? – perguntou o presidente.
– Bem, senhor, deduzindo que Shannon e Dragunov estejam
vivos… e que possamos restabelecer contato… nossas melhores
chances seriam usar um submersível, um veículo de entrega
. Ele pode ser usado para transportar tanto Shannon quanto
Dragunov a bordo do USS Ohio. O Ohio é um submarino de mísseis
balísticos com um par de embarcadouros secos em seu casco. – Ele
sorriu. – E esse é exatamente o tipo de missão para o qual ele foi
projetado. Recomendo que coloquemos uma equipe do a
bordo e que o coloquemos em posição o quanto antes.
O presidente, sentado atrás de sua escrivaninha, se sentiu um
pouco como o Capitão James T. Kirk na torre de comando da
Enterprise. Era bom estar no comando, mas era ainda melhor
sabendo que se está, finalmente, cercado por homens que sabem o
que estão fazendo. E estava contente por não ter ninguém entre ele
e Pope.
Estou feliz por não tê-lo demitido, pensou. Não posso me dar ao
luxo de ficar sem ele agora.
– Deixarei os detalhes ao seu encargo, general.
Ele sabia que Brooks passaria as ordens à Marinha, o que não
era estritamente uma função do chefe de gabinete da Casa Branca,
mas a Casa Branca agora era gerida em uma base perpétua de
guerra, para os devidos efeitos, e todos, nos Estados-Maiores,
entendiam isso.
– Agora, quanto a essa célula fantasma que mencionou, Bob. Tem
alguma recomendação?
Pope não precisava explicar o estado problemático da ; todos
estavam bem cientes do quanto a envelhecida agência vinha
soçobrando. Muitos no Capitólio pediam que ela fosse desfeita e
que suas responsabilidades fossem distribuídas para o ,a e
a (Agência de Defesa de Inteligência), que atualmente lidava
com todas as operações de espionagem militar. Era óbvio até
mesmo para o presidente que a estava em perigo verdadeiro de
cair em obsolescência na era pós-Guerra Fria, e ele estava
secretamente no limite de ir a público com exatamente esse
sentimento. A poderia – e provavelmente deveria – ser
colocada sob o amparo da .
– Primeiro – disse Pope –, eu gostaria de deixar Cletus a par dos
acontecimentos.
Cletus Webb era diretor interino de operações da , mas sua
confirmação ainda dependia do Senado.
– Este golpe de inteligência está acontecendo sob o mandato
dele, bem debaixo do nariz de Cletus.
– Está sugerindo que ele também fique sabendo sobre a ?–
Couture perguntou.
– Não vejo como poderemos impedir isso.
O presidente se remexeu em sua cadeira.
– Cletus é o homem certo, Bob? Cometi um erro ao apontá-lo
para o cargo? Pode falar com franqueza.
Pope notou como o presidente parecia mais à vontade agora que
Hagen deixara a Casa Branca; o quanto ele parecia mais disposto a
pedir conselhos.
– Cletus não é o problema, senhor presidente. Ele é um bom
homem.
O presidente relanceou para Couture.
– O que você acha, Bill? É hoje o dia?
Couture assentiu.
– Acredito que sim, senhor presidente.
Pope olhou de um a outro.
– O dia para quê?
– Bob – disse o presidente –, andei pensando muito a respeito
disso, e nós três temos conversado muito sobre isso. Vou retirar a
nomeação de Webb.
Pope não estava gostando disso. Qualquer outra pessoa trazida
para substituir Webb teria muitas arestas para aparar, e isso
desestabilizaria ainda mais a agência.
– Senhor presidente, com toda franqueza, acredito que isso seja
um erro.
– No lugar dele, vou nomear você como diretor de operações.
Pope se recostou na cadeira, a coluna se alongando
instintivamente.
– A partir de hoje – continuou o presidente. – Quando eu fizer o
anúncio oficial, também pretendo deixar claro que você salvou San
Diego da destruição nuclear praticamente sozinho em setembro
passado, um adorno menor necessário. – Ele trocou olhares com
Couture, com um sorriso oblíquo estampado. – Deixe que o senador
Grieves tente retardar esta confirmação.
– Senhor presidente, eu não sou…
– Lamento, Bob, mas não estou lhe dando escolha. Você
substituirá Cletus Webb em suas funções a partir de hoje.
– Mas, senhor, ele…
O presidente levantou uma mão.
– Não se preocupe com Cletus. Concordo que é um bom homem.
Portanto, se o quiser como seu vice-diretor de operações, estou
tranquilo com essa decisão. Para ser bem franco, pouco me importo
se o deixar cuidar do espetáculo, sei o quanto gosta de passar seu
tempo fazendo o que faz, mas quero seu nome naquela maldita
porta.
Brooks se recostou e riu.
– Isso vai soltar o gato em meio aos pombos.
O presidente inflou o peito, assentindo com satisfação.
– É melhor mesmo. Se não acontecer, vou fechar a lojinha… E
então veremos se vão gostar disso.
– E quanto aos Estados-Maiores Conjuntos? – perguntou Pope. –
Nunca fui um preferido entre eles.
O presidente apontou para Couture.
– Aqui está o diretor deles… E foi ideia dele.
Pope olhou para Couture.
– Tampouco fui um dos seus prediletos.
Couture sorriu.
– Acredito que acabamos nos conhecendo e entendendo melhor
nestes últimos anos. Não concorda?
Pope assentiu, sentando-se pensativamente por alguns instantes,
e depois olhou para o presidente.
– Senhor presidente, se Shannon ainda estiver vivo, pretendo
enviá-lo para o Cáucaso para matar Dokka Umarov.
O presidente trocou um breve olhar com cada um dos seus
conselheiros militares e, como não ouviu nenhuma objeção, disse:
– Há alguma coisa que não está nos contando, não há?
– Tenho carta branca, senhor, para revelar essas pessoas que
expuseram Shannon em Paris?
– É a sua agência agora, Bob. Faça o que tem que fazer para
limpá-la ou terei que me entender com Grieves e com os outros
radicais no Capitólio e nós a fecharemos.
– Sim, senhor. Eu entendo.
Algum tempo depois, enquanto Pope se acomodava na parte
traseira do sedan diante da Casa Branca, o tenente da Marinha
perguntou com educação:
– Foi tudo bem, senhor?
Pope sustentou o olhar do tenente pelo espelho retrovisor.
– Exatamente como eu planejara, para falar a verdade.
19
WASHINGTON, D.C.

DURANTE O TRAJETO DE VOLTA A LANGLEY, Pope falou ao


telefone com Midori, sua jovem assistente nipo-americana,
orientando-a a coletar e conferir todas as informações possíveis
sobre os traidores da Ben Walton e Max Steiner. Ele,
deliberadamente, não contara ao presidente sobre a suspeita do
envolvimento de Hagen – ou que Peterson contratara o assassino
Jason Ryder – porque era sua intenção eliminar os cinco homens
em questão, e isso era precisamente o tipo de coisa que o
presidente dos Estados Unidos não queria saber.
O telefonema seguinte de Pope foi para a agente Mariana
Mederos, uma analista da em Langley.
– Mariana, você ainda consegue entrar em contato com Antonio
Castañeda?
Castañeda, um ex-agente da (Grupo Aeromóvil de Fuerzas
Especiales) das forças especiais mexicanas, era o chefe do mais
perigoso cartel de drogas no México. O acordo tácito que ele selara
com os governos mexicano e americano em setembro anterior em
troca por sua ajuda na localização da bomba nuclear russa – junto
com a promessa de acabar com quaisquer atos de violência contra
a população civil – permitiu-lhe eliminar virtualmente todos os seus
rivais no México setentrional, com apenas interferência limitada do
exército mexicano e da Administração de Combate às Drogas
americana.
Mederos conhecia Pope. Ela lhe passara suas experiências no
México durante seu tempo de serviço ali, mas não estava ligada à
Divisão de Atividades Especiais, portanto, não lhe era subordinada.
– Consigo, se isso se mostrar necessário – respondeu. – Por
quê?
– Preciso que voe até lá para se encontrar com ele o mais rápido
possível – disse Pope. – Certifique-se de que ele entenda que sua
cooperação contínua será parte da trégua que possibilitou que ele
se tornasse um homem tão rico.
– Ele não vai gostar – Mederos advertiu. – O senhor Webb está
ciente disso?
Pope resolveu que aquela era uma boa hora para informar as
pessoas que agora ele era o xerife da cidade.
– O presidente me nomeou o novo diretor hoje, por isso não será
necessário entrar em contato com o senhor Webb. Apenas organize
o encontro com Castañeda, depois vá ao meu escritório para que
Midori possa lhe passar os detalhes do que quero que faça.
– Senhor Pope, sinto muito, mas precisarei de confirmação disso
antes de poder…
– Mariana, ouça com atenção – disse Pope, mas não de maneira
rude. – Quer ser dispensada no dia em que a minha nomeação se
tornar oficial?
Ela fez uma pausa, pigarreando.
– Não, senhor. Não quero.
– Então, por favor, faça o que estou lhe pedindo e fale sobre isto
apenas com Midori, pois a situação é sigilosa. Você é uma das
poucas pessoas em quem confio aí, portanto, mantenha isso assim,
e cuidarei muito bem de você. Entendido?
– Sim, senhor.
– Obrigado.
Pope guardou o telefone.
Cruzaram a Ponte Francis Scott Memorial e o motorista parou no
farol vermelho atrás de uma fila de quatro carros. Pope notou um
homem, com roupas civis, do lado oposto do cruzamento, com a
mão enfiada dentro da caixa de controle manual dos semáforos. O
homem, definitivamente, estava olhando na direção deles.
– Nos tire daqui, tenente. Vamos ser alvejados.
O fuzileiro não hesitou, passando o câmbio para a marcha à ré e
acelerando bem quando Jason Ryder saía de trás de uma fila de
árvores à direita.
Ryder estava vestindo uma jaqueta de chuva preta da North Face
e um gorro de lã preto. Imprecou e começou a segui-los, atirando
duas vezes pelo para-brisa com sua USP .45 com silenciador
atingindo o motorista da Marinha no peito. Ryder atirou mais três
vezes na parte de trás do carro enquanto o veículo continuava
acelerando de costas, e Pope caiu sobre o assento. O carro se
chocou contra outro que vinha pela ponte e parou de vez.
O fuzileiro conseguiu abrir a porta, rolando para longe do carro e
sacando uma pistola Springfield Armory .45. Ficou agachado
enquanto Ryder se aproximava para terminar de vez com Pope. O
tenente fez um disparo rápido através da janela, atingindo Ryder na
lateral do pescoço, desequilibrando-o. O fuzileiro se levantou e
atirou por sobre o capô do carro mais três vezes em uma rápida
sucessão – tac-tac-bang! –, atingindo Ryder duas vezes no tronco e
uma vez na cabeça para derrubá-lo na rua junto ao carro.
O fuzileiro se certificou de que não havia mais nenhum alvo para
atingir, depois entrou no banco de trás e escancarou o casaco de
Pope, descobrindo que ele sangrava de um ferimento único no lado
direito do peito.
Pope estava consciente, porém, tinha dificuldades para respirar.
O fuzileiro o virou sobre o lado ferido a fim de evitar que o sangue
fluísse para o pulmão não comprometido e puxou uma caixinha de
primeiros socorros debaixo do banco, rasgando o plástico de uma
bandagem de combate.
– Deveria ter usado um colete, senhor.
Pope estava entrando em estado de choque.
– Tem razão – disse com voz fraca. – Você está bem?
– Apenas algumas costelas fraturadas, nada com que eu não
consiga lidar. – O fuzileiro apertou a compressa sobre o ferimento
de Pope e a segurou. – Não sei o que o alertou, senhor, mas
acabou de salvar nossa pele. Agradeço em nome da minha esposa
e dos meus filhos.
– Você fez todo o serviço – Pope murmurou, começando a tremer.
– Jesus, isso dói muito. Estou ficando com frio.
– É apenas o choque, senhor. – Ouviam as sirenes do lado oposto
do Potomac. – O senhor vai ficar bem. Eu prometo.
– Semper fi3 – Pope disse, fechando os olhos. – Vou dar um
cochilinho enquanto esperamos.
O fuzileiro esfregou o esterno de Pope com força com os nós dos
dedos para mantê-lo acordado.
– Senhor, preciso que continue acordado. Não pode dormir no
serviço.
Pope arregalou os olhos, a dor aguda e inesperada em seu
esterno muito pior do que a do ferimento à bala.
– Bom Jesus, tenente! Prefiro que não faça mais isso!
O fuzileiro riu, dando-lhe um tapinha no ombro.
– Aguente firme, senhor. A ajuda está quase aqui.
Semper fi é uma expressão em latim que significa “sempre fiel”;
essa frase é conhecida por ser o lema do Corpo de Fuzileiros
Navais dos Estados Unidos da América. (N. T.)
20
HOSPITAL NAVAL BETHESDA

B ,M

FLANQUEADO POR UM PAR DE AGENTES do Serviço Secreto, o


presidente dos Estados Unidos entrou no quarto hospitalar de Bob
Pope e se deparou com Daniel Crosswhite parado ao lado do seu
leito. A última vez em que vira Crosswhite fora na Casa Branca dois
anos antes quando espetara a Medalha de Honra em seu peito. Gil
Shannon recebera sua medalha na mesma cerimônia.
Crosswhite se aprumou.
– Senhor presidente.
Pope virou a cabeça.
– Ei! Que legal da sua parte vir me visitar. – Ele estava levemente
tonto por conta dos analgésicos, ainda que não tão tonto quanto
fingia estar. – Fui atingido em Macho Grande.4
O presidente sorriu.
– Eu estava para perguntar como está se sentindo, mas a
resposta está clara.
– Faz anos que não me sinto bem assim. – Pope deu risada, seus
olhos estavam vidrados por conta da morfina. – Espero que me
deixem ficar aqui por um tempinho.
O presidente assentiu, os médicos lhe disseram que Pope
receberia alta em mais ou menos uma semana. Olhou para
Crosswhite.
– Por que não estou surpreso em vê-lo aqui, capitão?
– Sou como uma moeda falsa de um centavo,5 senhor presidente,
tenho o hábito de aborrecer as pessoas.
Pope voltou a rir.
– Ele veio ver se eu estava precisando de alguma revista
pornográfica.
– Isso é a morfina falando, senhor – defendeu-se Crosswhite.
– Entendo – respondeu o presidente, a expressão se tornando
séria. – Devo deduzir que a moça que foi morta em seu hotel esta
manhã não foi de fato assassinada por um cafetão?
Crosswhite trocou olhares com Pope, ambos surpresos em saber
que o presidente estava muito bem informado.
– Dan é um dos meus – Pope disse, subitamente lúcido. – A moça
era o disfarce dele, mas, de alguma forma, ela acabou se
denunciando. Imagino que um telefonema pessoal do senhor para a
tia dela em San Diego provavelmente aplacará as preocupações da
família.
– Cuidarei disso – o presidente disse com relutância, sinalizando
para os agentes do Serviço Secreto para que esperassem do lado
de fora.
Fechou a porta depois que eles saíram e voltou para perto da
cama, o indicador apontado resoluto.
– Não quero mais saber de derramamento de sangue em território
americano. Entendido?
– Sim – concordou Pope. – Mas não foi culpa nossa. Ryder foi
contratado por alguém de dentro da agência.
– Quem dentro da agência?
– Alguém que, no momento, não está em solo americano –
respondeu Pope. – Precisa saber o nome?
O presidente, com sensatez, deixou a pergunta sem resposta.
– A mídia já sabe que Ryder era um ex-Boina Verde. Isso é um
possível problema.
– Na verdade, não – replicou Pope. – Só o que o Pentágono tem
que fazer é deixá-los saberem que Ryder sofria de um caso severo
de estresse pós-traumático, o que está documentado. Também é
verdade que ele tinha uma desavença com a Administração de
Veteranos. Para a maioria dos americanos, isso bastará para
convencê-los de que ele era um doido varrido.
– É possível – concordou o presidente.
Pope se esticou para pegar na mão dele, e o presidente, pouco à
vontade, a segurou.
– O senhor pode usar essa tentativa de assassinato como uma
desculpa para exigir mais fundos para a . – Pope piscou para ele.
– Isso ajudará os veteranos de guerra e afastará as atenções da
… Dois coelhos em uma cajadada só.
O presidente assentiu, já gostando da ideia e olhando para
Crosswhite.
– O que está reservado para você agora?
Crosswhite ainda estava bravo por conta do assassinato de
Sarahi e imensamente desapontado por não ter ele mesmo acabado
com Ryder.
– Sou a ponta da lança, senhor presidente. Vou para qualquer
direção que me apontarem.
O presidente contraiu os lábios, soltando a mão de Pope.
– Robert, mandarei alguém aqui diariamente para ver como você
está. E terá proteção do Serviço Secreto daqui por diante.
– Meu motorista recebeu tratamento?
– Já falei com ele – comunicou o presidente. – Ele está com o
esterno fraturado, mas, fora isso, está bem. Sugeriu que eu o
demitisse por ter permitido que você fosse alvejado, mas lhe disse
que ele estava se portando como um tolo. Ele alega que foi você
quem salvou ambas as suas vidas; disse que Ryder os teria
transformado em “tábuas de celeiro” caso não o tivesse avisado
como avisou. Como percebeu?
Pope ajustou a máscara de oxigênio sobre o nariz.
– Ryder tinha um cúmplice do lado oposto do cruzamento com a
mão dentro do controle dos semáforos… para garantir que o farol
estivesse vermelho quando passássemos. Ele estava com roupas
normais, e isso me pareceu estranho. Mas eu também poderia ter
me enganado. O tenente merece todos os créditos.
– Em parte, também tenho culpa – o presidente admitiu. – Eu
deveria ter providenciado para que usasse um sedan blindado. Foi
um deslize da minha parte. Bem, agora vou deixá-los à vontade.
O presidente os cumprimentou com apertos de mão e saiu do
quarto de pronto.
– E agora? – Crosswhite perguntou, aliviado com a partida do
presidente.
– Vá até o México e encontre Peterson – instruiu Pope. – Fale
com Midori antes de partir; ela lhe passará as informações mais
recentes.
– E quando eu encontrar o rabo dele?
Pope o encarou com olhos ainda vidrados.
– O que você acha?
Crosswhite mordeu o interior da bochecha.
– E quanto a Hagen?
– Veremos o que fazer com Hagen – disse Pope. – Que diabos
passou pela sua cabeça ao trazer aquela pobre moça para esta
confusão?
A pergunta os levou de volta ao ponto da conversa em que
estavam quando o presidente os interrompeu. Crosswhite ainda não
tinha coragem em admitir que estava chapado pela coca quando
decidira trazer Sarahi consigo.
– Foi estupidez minha – confessou. – Não existe outra explicação.
Não há nenhuma desculpa.
– É melhor dar um jeito nessa sua cabeça – Pope avisou. – Mais
um canhão solto seu e você estará fora da . Fui claro?
– Não vai acontecer de novo, senhor. Tem a minha palavra.
Então Pope riu, a morfina dificultando que ele permanecesse
absolutamente sério.
– A menos que eu peça que você seja um canhão solto. Isso é,
afinal, parte do que o torna tão útil. – Meneou a cabeça. – Contudo,
pobre garota… Que jeito de morrer.
Crosswhite fez uma careta, pensando consigo que só mesmo um
merda de catorze quilates colocaria uma moça de 23 anos no
caminho do perigo como ele fizera.
– Também quero Walton e Steiner.
– Vou pensar neles – Pope disse. – Por enquanto, quero que se
concentre totalmente em Peterson. Terá que tomar cuidado com ele,
pois deve ter alguém na Casa Branca lhe passando informações…
De outro modo, ele jamais conseguiria posicionar Ryder tão
perfeitamente.
Referência à fala do filme Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu – 2a
Parte, de 1982. (N. T.)
“Like a bad penny” é uma expressão antiga quando as moedas de
um centavo ainda valiam alguma coisa e, por isso, eram forjadas.
Quem descobrisse ter recebido um centavo forjado acabava se
aborrecendo. (N. T.)
21
SICÍLIA

A NOITE CAÍRA. GIL E DRAGUNOV ESTAVAM ESTACIONADOS


atrás de um shopping lotado na periferia de Palermo com a moça
italiana – uma morena chamada Claudina – ainda presa entre os
dois. Dragunov quisera colocá-la no porta-malas do Nissan, mas Gil
vetou essa ideia. Usando o celular de Claudina, Gil tentou se
comunicar novamente com Pope, mas não conseguira estabelecer a
conexão. Dragunov, por fim, conseguira entrar em contato com
Federov na Embaixada Russa em Paris, organizando para que um
médico do de Roma se encontrasse com eles na manhã
seguinte.
Os dois homens estavam com muita dor nas feridas que
infeccionavam, e Dragunov – que nunca antes fora alvejado – agia
de maneira mais mal-humorada do que de costume. Os dois
estavam ensanguentados demais para se arriscarem a ir a uma
farmácia em busca de curativos e analgésicos.
– O médico nos trará dois telefones satélites amanhã – ele disse,
devolvendo o telefone para Claudina, que parara de chorar há várias
horas.
Parecia que ela deduzira que eles não lhe fariam mal e já não
dava a impressão de estar aterrorizada por eles.
– Bem pensado – comemorou Gil. – Acha que Kovalenko ainda
está na ilha?
– Ele ainda está aqui – grunhiu Dragunov. – Sinto o cheiro dele.
– Bem, eu estava querendo algo mais concreto do que apenas o
seu olfato.
Dragunov relanceou para ele sob a luz fraca.
– Que diabos você quer dizer?
– Por que tem certeza de que ele ainda está na ilha? O seu nariz
não me diz nada.
Dragunov se virou para ele, empurrando a moça ao encontro do
assento para que os dois pudessem se enxergar.
– Com a Marinha italiana patrulhando o litoral, Kovalenko não
conseguiria retornar ao continente num destróier. Ele está tão
encurralado quanto nós.
– Como anda a sua mão? – Gil perguntou.
– Dói como o diabo – resmungou Dragunov. – Mais do que eu
acreditava que doeria.
– Quer ir para o banco de trás para tirar uma soneca? Fico de
olho em Claudina.
Dragunov sacudiu a cabeça.
– Você dorme primeiro. Está precisando mais do que eu.
– Uma pena que não podemos confiar nela para buscar comida,
hein? – Gil comentou. – Estou morrendo de fome.
– Não fale sobre comida, Vassili. Vá descansar.
Gil abriu a porta e empurrou o banco para frente. Depois entrou
na parte de trás, onde, rapidamente, adormeceu.
Despertou algumas horas mais tarde, com os olhos pesados e viu
que Dragunov também tinha apagado, com a cabeça apoiada na
janela. Claudina não estava no carro.
Ele se sentou, esfregando a cabeça.
– Você não precisava tê-la colocado no porta-malas. Eu disse que
montaria guarda.
Dragunov despertou, olhando para o banco de trás.
– O que você disse?
– Eu disse que não precisava tê-la colocado no porta-malas. Eu
tinha me oferecido para ficar de guarda primeiro.
Dragunov olhou ao redor e se sentou ereto.
– Pra onde ela foi?
– Porra, Ivan! Você dormiu no seu turno?
– Eu te disse pra colocá-la na porra do porta-malas!
– Não me culpe por ter fodido tudo! – Gil empurrou o banco do
passageiro e abriu a porta para poder voltar para a frente. – Cristo,
homem. É melhor a gente dar o fora daqui. Não dá pra saber onde
foi que ela se meteu.
– Porra de americanos bonzinhos – Dragunov reclamou, enfiando
a chave no contato. – É por isso que perderam no Vietnã. Vocês não
têm coração de guerreiro.
Gil casquinhou.
– Não me lembro exatamente de ter visto um desfile de vitória dos
russos no Afeganistão.
Estavam saindo de trás de um caminhão de entregas grande
quando Gil viu Claudina atravessando o estacionamento com uma
sacola de compras em cada mão, os cabelos castanhos compridos
flutuando ao sabor dos ventos.
– Não é possível.
Dragunov pisou no freio.
– Vá lá pegá-la.
– Dá pra se acalmar? Ela foi fazer compras.
– Isso não faz sentido algum.
Dragunov deu marcha à ré no carro, e a moça deu a volta na
frente do caminhão de entregas, indo até a porta de Gil no Nissan e
levantando os sacos plásticos. Gil saiu do carro e empurrou o banco
para a frente para ela poder entrar atrás.
Dragunov desligou o motor e, imediatamente, agarrou uma das
sacolas, que estava cheia de comida e de garrafas de água. A outra
continha gaze, curativos, esparadrapo, desinfetante e um frasco de
aspirina.
Gil jogou a aspirina para Dragunov.
– Tome um punhado disto. – Olhou para a moça e sorriu. –
Obrigado, Claudina.
Ela deu de ombros e depois virou a cabeça para olhar pela janela.
– Por que ela não chamou os carabinieri? – Dragunov perguntou,
mastigando as aspirinas e engolindo-as com uma golada de água.
– Sei lá – disse Gil, abrindo a embalagem de curativo. – Acho que
ela resolveu ter misericórdia de nós.
Claudina ajudou Gil a cobrir o ombro adequadamente, depois Gil
e Ivan se ajudaram a cuidar um da mão do outro. Pouco tempo
depois, estavam comendo hambúrgueres e batatas fritas frios,
ambos se sentindo muito melhores quanto às suas condições
físicas.
– Ela até que é bonita – comentou Dragunov, olhando para fora
da janela e enfiando um punhado de batatas na boca. – Estou
contente por eu ter resolvido não colocá-la no porta-malas.
Gil deu uma mordida no hambúrguer e se pôs a mastigar.
– Você é todo coração, Ivan.
– Quando vão me deixar ir? – Claudina perguntou em um inglês
com sotaque muito carregado, sentada no banco de trás com os
braços cruzados.
Gil e Dragunov se entreolharam. Aquela era a primeira vez que
ela falava em inglês.
– Não quero perder o meu carro – ela explicou. – A polícia vai
tomá-lo de mim.
Dragunov gargalhou.
– Mulheres! – exclamou e sacudiu a cabeça. – São iguais em
todos os lugares.
Gil relanceou para trás no assento.
– Deixaremos você ir assim que possível. Eu prometo.
– Liguei para os meus pais – ela contou. – Disse a eles que
estamos no sul, perto de Corleone. Isso vai manter a polícia
afastada, certo?
Gil sorriu.
– Você é uma excelente agente, sabia?
Dragunov engoliu o último pedaço de hambúrguer e olhou para
ele.
– Tem uma coisa que você precisa saber. Federov me contou que
o seu homem, o Pope, quase foi assassinado hoje. Ele está
hospitalizado e vai ficar bem.
– Por que não me disse antes? – Gil reclamou. – Ele está muito
mal?
– Não muito, acho. Só levou um tiro.
– Por que não me contou, porra?
Dragunov deu de ombros.
– Estávamos em más condições antes. Não achei que receber
uma notícia ruim fosse ajudar seus ânimos.
Gil refletiu a respeito.
– Acho que dá pra entender isso.
– De manhã você vai ter que falar com uma mulher japonesa, um
contato com Pope. Federov não me passou nenhum nome.
– Midori – Gil presumiu. – Isso significa que ele ainda está a
bordo. Diabos, quem sabe ele ainda tenha vigilância por satélite. –
Olhou para trás onde Claudina estava toda enrolada no banco. –
Vamos deixá-la ir embora amanhã, Ivan. Não podemos arriscar que
ela fique no meio de um fogo cruzado com os policiais.
Dragunov assentiu, amassando o embrulho do hambúrguer e
enfiando-o na sacola.
– Sei disso. Ela é uma boa moça.
22
PUERTO VALLARTA

ERA MEIO-DIA QUANDO O CHEFE DO CARTEL de drogas


Antonio Castañeda se sentou diante da agente Mariana Mederos
em um café na região turística de Puerto Vallarta, onde a polícia
local recebera ordens para considerar Castañeda apenas como uma
aparição inofensiva. A primeira vez em que se encontrara com
Mariana foi em setembro anterior, pouco depois que terroristas
chechenos detonaram uma bomba atômica de fabricação russa em
um dos túneis de Castañeda que passava sob a fronteira mexicana
com o Novo México. Castañeda podia ser um traficante implacável,
mas nem ele estava disposto a permitir o tráfego de armas
nucleares em solo mexicano.
Percebendo que seu contato checheno lhe mentira a respeito da
natureza da mercadoria transportada, Castañeda o torturara,
extraindo todas as informações sobre a bomba remanescente antes
de ordenar que lhe cortassem a cabeça. A ajuda subsequente de
Castañeda à fora essencial para impedir um ataque nuclear
bem-sucedido ao porto da frota americana do Pacífico na Baía de
San Diego. Por este motivo, tanto a quanto a (Policía
Ministerial Federal) vinham cultivando um relacionamento
profissional tácito com o cartel de Castañeda.
Castañeda concordara em pôr fim a toda violência contra a
população civil e fornecer qualquer informação que pudesse em
relação a futuros atentados muçulmanos que tentassem operar no
México. Em troca, nenhuma ação direta seria tomada contra a
pessoa de Castañeda por qualquer um dos dois governos. Muitas
das remessas das suas drogas ainda eram interceptadas na
fronteira, mas isso não tinha muita importância. Ele continuava
ganhando milhões, e a liberdade de não ter que viver como fugitivo
mais do que compensava tais perdas.
Castañeda olhou para Mariana, com seus olhos bulbosos
ligeiramente proeminentes, e sorriu. Em espanhol, ele disse:
– É bom voltar a vê-la, señorita Mederos. Tem mais curvas do que
me lembrava. Seu novo cargo em Langley deve estar tratando-a
bem.
Mariana sorriu sem vontade, ciente de que engordara uns quilos
desde que recebera um escritório próprio em Langley juntamente
com um aumento significante no salário. O comentário de
Castañeda, contudo, fez com que ela decidisse de imediato retomar
as atividades físicas assim que voltasse aos Estados Unidos.
– Não posso reclamar – ela respondeu no mesmo idioma.
– Nem eu. Antes você tinha a silhueta de uma mulher branca,
mas agora tem as curvas de uma latina… Como deveria ser.
– Não estamos aqui para discutir a minha anatomia. – Mariana
sabia muito bem que Castañeda era um mujeriego, um mulherengo,
e um bastante perigoso.
Ele chamou o garçom e pediu uma dose de tequila com gelo para
si, tomando a liberdade de pedir um gim com tônica para Mariana.
– Essa é a sua bebida preferida, estou certo? – Seu olhar era
penetrante.
– Muitas pessoas bebem gim – ela respondeu com um sorriso,
escondendo o desconforto ante o conhecimento dele dos seus
gostos pessoais e se perguntando o que mais ele poderia saber.
– Então… – disse ele, satisfeito por fazê-la ficar imaginando
coisas –, por que estamos aqui? O que a quer de mim agora?
Ela apoiou um pen drive na mesa.
– Tudo do que precisa está aqui. Temos um traidor entre nós, e
ele está se refugiando na Cidade do México. Não pode parecer que
o governo americano tem a ver com a sua… expulsão.
– Su expulsión! – Castañeda disse, rindo. – Agora a está me
contratando para realizar os seus homicídios. Ah, a hipocrisia da
vida parece não ter limites.
– Não o estamos contratando para fazer nada. Seu auxílio nesta
questão está ligada à sua presente trégua com o governo
americano.
– E com relação ao meu próprio governo?
– O governo mexicano não pode saber de nada a respeito disso –
ela disse, recostando-se a fim de permitir que o garçom servisse sua
bebida, passando, então, a falar em inglês. – Seu governo pede os
seus favores, o meu pede outros favores, e todos se entendem.
Existem muito precedentes para tal arranjo. E você se saiu muito
bem cumprindo seu lado da barganha: a violência diminuiu, o
turismo vem crescendo e todos estão felizes… Até agora.
Ele levantou seu drinque.
– La chingada cerró uno de mis túneles la semana pasada. –
A porra da fechou um dos meus túneis na semana passada.
Ela deu de ombros.
– A trégua protege você, não seus túneis, tampouco suas drogas.
Ele guardou o pen drive no bolso da camisa guayabera preta.
– Você dança, Mariana?
Ela sorriu e sacudiu a cabeça.
– Embarco em duas horas, mas agradeço pelo drinque.
23
CIDADE DO MÉXICO

KEN PETERSON ESTAVA SENTADO IMPACIENTE no sofá da


suíte de Tim Hagen enquanto Hagen terminava seus assuntos com
a prostituta com quem trepava no quarto. Um par de seguranças
mexicanos estava na parte oposta da suíte jogando cartas e
bebendo cerveja Tecate. Eram homens grandes, porém, não tinham
aparência intimidadora; eram profissionais de uma empresa
mexicana particular de segurança que tinha licença para portar
pistolas .380 Whalter PPK. Balas de maior calibre eram
consideradas munição militar e, portanto, ilegais segundo a lei
mexicana.
No fim, uma garota mexicana de cabelos loiros tingidos saiu do
quarto, lançando a Peterson um olhar favorável a caminho da porta.
Hagen apareceu alguns minutos mais tarde depois de ter tomado
uma chuveirada.
– Eu não sabia que já estava aqui.
– Tive essa impressão – disse Peterson. – Escute, temos um
problema.
Uma sombra ameaçadora atravessou o olhar de Hagen.
– Estou ficando cansado de ouvir isso, Ken.
Peterson não se alterou com o tom de desgosto de Hagen.
– O atentado a Pope não deu certo. O motorista fuzileiro naval
dele explodiu os miolos de Ryder.
– Cacete! – Hagen imprecou, fazendo com que os dois
seguranças virassem a cabeça na direção dele.
– Pelo menos, assim, Ryder não pode abrir o bico – Peterson
observou.
– Mas agora jamais chegaremos perto de Pope. O presidente o
cercará com uma parede de aço. Pope sabe que foi você quem
mandou o Ryder?
– Pope não sabe de nada a meu respeito – garantiu Peterson,
com um sorriso peculiar se estendendo pelo rosto. – Mas já suspeita
de você.
Hagen apontou para ele.
– É melhor nem pensar em me jogar pra baixo do ônibus! As
minhas bases estão cobertas!
Esse é o único motivo pelo qual você ainda está vivo, Peterson
pensou consigo.
– Relaxe – ele disse. – Vai ficar ainda pior. O presidente vai retirar
a nomeação de Webb. E está nomeando Pope como diretor de
operações.
Hagen se sentiu subitamente nauseado, percebendo que foi um
movimento perfeito por parte do presidente.
– Foi o maldito Couture que o aconselhou! Ele sabe que o
Congresso terá que aprovar a nomeação. – Passou a mão pela
cabeça, olhando ao redor como se houvesse uma solução para o
problema deles em algum lugar da suíte. – Estamos fodidos.
– Não, ainda não – Peterson disse com confiança. – Pope levou
uma bala no pulmão, por isso não poderá receber o leme por
algumas semanas, e ainda precisará de outro mês até limpar a
casa. Isso nos dá umas cinco ou seis semanas para enterrarmos o
pouco de provas que ainda existem e gerarmos a falsa
documentação de que precisaremos para cobrir nossos rastros. Não
se preocupe, existem poucos elos diretos entre nós. Estamos muito
bem protegidos, portanto, se o sabe-tudo-filho-da-puta vier atrás de
nós, partiremos para o ataque. Poderemos amarrar as investigações
em audiências no Congresso durante anos se for necessário, mas
não acredito que o velhote permita que Pope vá tão fundo. Ah, e
também existe aquele vídeo do seu celular, que é um belo ás para
se ter na manga. Governos inteiros foram destituídos por menos do
que isso.
Hagen apanhou uma cadeira e esticou a mão para pegar um
charuto apagado e voltar a acendê-lo.
– E quanto a Shannon?
– Ainda vivo, mas encurralado na Sicília. Ele matou uma equipe
maltesa que mandamos atrás dele, junto com alguns policiais
italianos, e a Marinha italiana, desde então, bloqueou a ilha,
verificando todos os barcos pesqueiros etc. Parece que sequestrou
uma moça italiana ao roubar seu carro, mas ela conseguiu entrar
em contato com os pais pelo celular. A polícia está vasculhando
Corleone agora, por isso, não acredito que vá demorar muito até
que o Coronel Shannon seja morto ou acabe sob custódia. E, se ele
for parar em uma prisão italiana, poderemos matá-lo quando bem
quisermos.
Há tempos Hagen não acreditava mais que Gil Shannon pudesse
ser encurralado com tamanha facilidade. Sentiu as palmas
começarem a suar e, inconscientemente, as esfregou.
– Acho que está na hora de eu desaparecer.
– Tim, está entrando em pânico mais uma vez. Fugir é a única
forma de parecer culpado.
– E com o que acha que pareço enquanto fico aqui?
– Olha só, você é um diplomata respeitável em Washington. –
Peterson percebeu que tinha que acalmar Hagen antes que ele
fizesse alguma estupidez que colocasse a todos em risco. – Você é
independentemente abastado e tem permissão para tirar umas
férias no México quando bem entender. Mas sair do radar de vez é
uma péssima ideia.
– Muito bem, você tem razão – Hagen concordou, tentando
parecer corajoso. Mas a verdade era que estava muito nervoso por
Shannon ainda estar à solta. – Talvez eu devesse fazer uma viagem
até . . ou Nova York para um encontro com o senador Grieves.
Peterson não queria de jeito nenhum que ele se encontrasse com
o senador Grieves antes que o assunto de Gil Shannon fosse
resolvido. Grieves estava muito próximo, e ele não precisava
daqueles dois armando alguma coisa pelas suas costas.
– Acho que você está bem aqui onde está – disse ele. – Não
muito perto, nem longe demais. Mas talvez seja uma boa ideia se
procurasse algum tipo de negócio. Um investimento imobiliário,
quem sabe, para fingir que está querendo se envolver em algo
lucrativo aqui.
– É uma ideia – Hagen considerou com entusiasmo. – Existe um
hotel em Cancún que está procurando investidores americanos. Não
seria muito lucrativo, porém, tornaria a minha estada algo mais
legítimo… Sabe do que mais? Pope que se dane! Deixe-o especular
o quanto quiser. Assim que Shannon estiver morto, ele não terá
nada com que me ameaçar. Ele será o cabeça da e terá que
jogar seguindo as regras, como todo mundo.
– Exato – disse Peterson, tendo deixado de mencionar de
propósito algo que descobrira recentemente.
Seu espião na Casa Branca lhe relatara apenas algumas horas
antes que Pope era o chefe de alguma unidade ultrassecreta de
missões especiais, uma unidade que seu informante se referira
como sendo uma “equipe de assalto presidencial”. Peterson
duvidava que Gil Shannon fosse o único agente dessa misteriosa
unidade e também duvidava que Pope descansaria até que todos os
que participaram do golpe à inteligência ora fadado ao fracasso
fossem presos ou dizimados.
Com essa grave realidade em mente, Peterson e o senador
Grieves já haviam concordado que Hagen teria que ser posicionado
de modo a levar a culpa. Afinal, Hagen tinha bons motivos para se
ressentir da Casa Branca e seria um excelente bode expiatório.
24
PALERMO

– CONSEGUE NOS VER AGORA? – Gil perguntou a Midori pelo


telefone via satélite, que lhe fora entregue pelo médico italiano do
que chegara de Roma pouco depois do alvorecer para tratar
dos ferimentos deles.
– Sim, consigo – ela disse. – Você está ao lado de um carro azul.
Gil levantou o olhar para o céu matutino absolutamente límpido.
– É, esse sou eu. Muito bem, quanto tempo vai levar até Pope sair
do hospital?
– Uma semana, mais ou menos.
– Ele vai ficar bem?
– Vai. E pediu para te dizer que você ainda está escalado para a
operação na Geórgia. O aprovou a remoção de Dokka
Umarov. Estou coletando as informações mais recentes sobre ele
agora. Além disso, os Estados-Maiores Conjuntos conseguiram
organizar uma extração submersa da Sicília. Uma equipe do
está sendo transferida para o Ohio agora. Ela estará estacionada
em oito horas.
– Entendido. Fiquei preocupado em ser esquecido quando soube
do acontecido com Pope.
– Não está esquecido, coronel. O assumiu o comando desta
operação a pedido de Pope.
– Entendido. Então, precisa comunicar o que teremos que
acabar com Kovalenko e com a equipe dele antes de partirmos. Ivan
e eu não precisamos desses desgraçados nos seguindo até a
Geórgia quando menos esperarmos… Espere um segundo. – Virou-
se para Dragunov, que estava falando no seu telefone a uns cinco
metros de distância. – Ei, Ivan, qual o modelo daquela porcaria em
que estavam os caras do Kovalenko… aquele vermelho?
– LaForza – Dragunov respondeu.
Gil disse a Midori:
– Você precisa localizar um italiano LaForza vermelho. Em
algum lugar ao redor de Palermo. Comece pela periferia na região
leste.
– Coronel, o senhor só pode estar de brincadeira. Isso abrange
mais de cento e cinquenta quilômetros quadrados.
– Não estou brincando, não – ele assegurou, virando-se de novo
para Dragunov. – E aquela outra merda?
– Um Peugeot.
– O vermelho provavelmente estará estacionado próximo a
um Peugeot preto.
– Uma pesquisa como essa pode levar dias.
– Posso lhe dar algumas horas – disse Gil –, mas só. Estamos
correndo contra o tempo aqui. Há policiais em toda parte. Use o
programa de reconhecimento de veículos que o Pentágono usa para
localizar veículos militares. O computador se acenderá a cada
LaForza no radar em questão de minutos. No final, você só vai ter
que procurar entre os vermelhos.
– As formas dos veículos militares são muito mais definidas do
que os modelos civis, coronel.
– Então aumente a resolução, Midori. Vou ter que nadar até aí e
fazer seu trabalho?
– Ei, só estou dizendo que não usei o software para essa
aplicação antes. Não sei que tipos de resultados vou obter.
– Bem, estou te dizendo que, se maximizar a resolução,
encontrará o .
– Vou fazer isso – ela concordou. – Por que sua mão está
enfaixada?
Gil olhou para a mão e depois para o céu.
– Levei um tiro. Vou desligar agora. Volto a ligar em uma hora. –
Guardou o aparelho e se virou para ver Dragunov sorrindo para ele.
– Qual é o seu problema?
– Talvez a gente precise de um satélite russo para fazer a busca?
– Não acho que o Sputnik esteja à altura dessa missão. Vai ter
sua chance de me impressionar quando estivermos na Geórgia.
Dragunov gargalhou, gesticulando para a moça.
– Claudina quer pegar o carro e ir embora.
Gil olhou para ela.
– Ainda precisamos do seu carro, mas você pode…
– Então vou junto.
Ela cruzou os braços de uma maneira que eles já estavam se
acostumando.
Gil olhou para ela.
– Se a polícia nos alcançar, vai haver troca de tiros, e pessoas
podem morrer. Entende isso?
– O carro é meu – ela insistiu.
Gil olhou para Dragunov.
– Vamos ter que roubar outro carro.
Dragunov meneou a cabeça.
– Roubar outro carro é um grande risco para nós. Este é um bom
lugar para nos escondermos até o seu pessoal localizar Kovalenko.
Depois disso, vamos até ele e deixaremos que ela – apontou para
Claudina – assuma o risco.
25
ROMA

RECÉM-SAÍDO DO SEU VOO DE ATENAS, o agente Max Steiner


apareceu na casa segura da em Roma para um encontro com o
chefe do escritório local, Ben Walton. Os dois serviram juntos no
Mediterrâneo com a Inteligência Naval Americana durante a parte
final da Guerra Fria, e Steiner fora o homem a se procurar na Grécia
nos últimos sete anos.
– Então, o que está havendo? – Steiner perguntou. Ele estava na
casa dos 40, muito bronzeado pelo sol, e os cabelos rareavam. –
Um imediato operacional me tirou da minha província e me mandou
para cá. Eu nem falo italiano.
Walton era um homem robusto de peito amplo, de quase 50 anos,
com voz grave e cabelos grisalhos cortados bem rentes.
– Fui eu quem enviou o imediato operacional – ele disse. – Um
elemento perigoso do atingiu o Palinouros e dizimou toda a
tripulação, inclusive Miller. A Marinha italiana está alvoroçada com
isso.
– Um elemento perigoso? – A confusão de Steiner era evidente. –
Está se referindo à equipe de Kovalenko? Ao nosso pessoal?
– Isso mesmo.
– Por que diabos fizeram isso?
– Estão amarrando algumas pontas soltas – esclareceu Walton. –
Yeshevsky foi morto em Paris, assim como Lerher. A operação
inteira foi pelos ares.
Walton e Steiner ajudaram a enganar Pope identificando
falsamente Yeshevsky como sendo o verdadeiro Dokka Umarov
durante sua viagem pelo Mediterrâneo.
– Parece que o professor aloprado Pope está em pé de guerra.
– Está mesmo – Walton confirmou. – E alguém acabou de tentar
matá-lo em . ., mas o atentado foi malogrado, e ele sobreviveu.
Agora o presidente o está nomeando como diretor, e isso só pode
significar uma coisa.
A tez bronzeada de Steiner empalideceu.
– Inferno, estão no nosso rastro. Pode até ter sido o pessoal do
Pope que acabou com a tripulação do Palinouros.
– Muito difícil. – Walton se virou para se servir de café. – Meus
contatos no aqui na cidade me disseram que foram os homens
de Kovalenko. Falei ao telefone com o chefe do escritório de Malta
dez minutos antes de você chegar aqui, e ele disse que recebeu
ordens do nosso pessoal lá em casa para acabar com Gil Shannon
em Messina. E essa operação também não foi bem-sucedida.
– Shannon se safou duas vezes?
Walton assentiu.
– Ele é um filho da puta escorregadio.
Steiner se sentou, massageando as têmporas.
– Isso não é nada bom, meu velho amigo. Se Shannon está
operando no Mediterrâneo, então sabe sobre nós, ele tem que
saber, e isso significa que ele sabe quem armou para ele em Paris.
Pope sabe sobre os planos para sabotar o oleoduto?
– Acredito que devamos concluir que sim. – Walton empurrou uma
xícara de café sobre o tampo da mesa. – Mas, se fomos
descobertos… Ou apenas suspeitam de nós, por que não fomos
convocados para Mannheim para prestar depoimento? – Mannheim,
na Alemanha, era o local das instalações militares dos Estados
Unidos na Europa.
– Merda, isso é bem óbvio, amigo. Fomos rejeitados.
Walton sacudiu a cabeça.
– Só faz quarenta e oito horas desde que a operação de Paris
fracassou. Não é tempo suficiente para que todos os fatores sejam
levados em consideração. Acredito que Peterson tenha ordenado o
assassinato de Pope para impedir que ele se consultasse com o
presidente.
– Mas não deu certo – Steiner disse. – É questão de tempo até
que sejamos convocados ou dispensados. – Voltou a se levantar,
ignorando a xícara de café fumegante. – Veja bem, é evidente que
apostamos no cavalo errado. O golpe de inteligência do senador
Grieves não vai acontecer. O presidente pôs um fim nisso ao
nomear Pope como diretor, o que nenhum de nós previu. Portanto,
esse insignificante do Webb não é mais relevante. Pope é
completamente diferente. A nomeação dele definitivamente será
aprovada e o desgraçado vai mandar na guilhotina de Langley dia e
noite até limpar a agência inteira.
Walton sorvia com tranquilidade seu café, espiando por cima da
borda.
– Então, o que está dizendo?
Steiner sorriu com afetação.
– Estou dizendo que está na hora de vendermos nossos segredos
para os Emirados Árabes e mudarmos de cenário, velho amigo. Uns
dois milhões pelo que sabemos da são mais do que razoáveis e,
não sei quanto a você, mas saberei viver muito bem com um milhão
de dólares.
Walton voltou a tomar o café.
– Você não tocou no seu café.
Steiner pegou sua xícara, obedientemente sorvendo um gole.
Sentiu ânsia na mesma hora, soltando a xícara e tropeçando para
trás até a bancada, o rosto se contorcendo de uma maneira horrível
enquanto segurava a garganta, mal conseguindo proferir, antes de
cair no chão, envenenado por cianureto:
– Filho da p…!
Walton passou por cima do corpo e olhou para o cadáver no chão,
onde uma baba branca asquerosa se formava no canto da boca de
Steiner.
– Lamento, velho amigo, mas dois milhões cobrem o dobro da
distância de apenas um, e me dediquei muito para passar a
aposentadoria vivendo modestamente.
Foi até a sala de operações e conseguiu uma linha segura,
discando para um número americano que sabia de cor.
– Escritório do senador Grieves – respondeu uma voz feminina
jovem.
– Aqui quem fala é Ben Walton. Coloque o senador na linha.
– Um instante, por favor, senhor.
O senador atendeu a ligação um minuto mais tarde, dizendo:
– Espero que esteja ligando de uma linha segura.
– A mais segura possível – respondeu Walton. – É verdade o que
ouvi sobre Pope? Que ele será nomeado diretor?
Grieves respondeu:
– Vejo que as más notícias correm rápido.
– Entrou em contato com Peterson?
– Peterson sabe que não deve ligar diretamente para mim…
Assim como você.
– Liguei para dizer que estou fora – revelou Walton. – Não se dê
ao trabalho de me procurar. Você não me encontrará. Daqui por
diante, acredito que devamos guardar os segredos um do outro e
deixarmos por isso mesmo. O que me diz, senador?
Houve uma breve pausa da parte de Grieves.
– Pensei que quisesse dinheiro.
– Tenho bastante – disse Walton. – Além disso, a questão nunca
foi pelo dinheiro. Era manter a agência longe das mãos de homens
como Webb e Pope. Tentamos, fracassamos. É assim que as coisas
acontecem.
– E quanto a Miller e Steiner?
– Os dois estão mortos. Miller foi morto no Mediterrâneo pelo
e acabei de encontrar o corpo de Steiner aqui em Roma. Parece
envenenamento por cianureto. Pode ter sido qualquer um. É por
isso que estou pulando fora… hoje… antes que isso aconteça
comigo.
– E quanto a Peterson? – Grieves perguntou. – Você confia nele?
Walton riu.
– Você tanto pode confiar em Peterson como pode se livrar dele,
mas eu não me preocuparia muito. Ele é muito bom em manter o
traseiro coberto, o que significa que o seu provavelmente também
esteja. Além disso, ninguém assassina senadores. Isso não fica
bem na .
– Bem, imagino que isto então seja um adeus e boa sorte, Ben.
Você está certo. Nós tentamos.
– Mais uma coisa antes de eu ir – disse Walton. – Se Peterson lhe
pedir ajuda com Gil Shannon, sugiro seriamente que lhe dê o que
quer que ele peça.
26
OSSÉTIA DO NORTE

DOKKA UMAROV ESTAVA SENTADO junto a uma fogueira no


meio de uma floresta na montanha em plena luz do dia, reunindo-se
com um grupo de camaradas da não reconhecida República
Chechena Islâmica da Ichkeria. Apesar de o militante islâmico de 49
anos apreciar certa medida de proteção dos elementos
“corporativos” dentro do governo russo, tomava cuidado para não
permanecer tempo demais no mesmo lugar. A 10ª Brigada
Independente Spetsnaz do exército russo o queria morto e se
deteria diante de muito pouco para acabar com ele, caso
conseguisse determinar sua exata localização por tempo suficiente
para que coordenassem um ataque.
Como autoproclamado emir do não reconhecido Emirado do
Cáucaso, ele era conhecido entre seus apoiadores chechenos pelo
seu nome árabe: Dokka Abu Usman. Contudo, com o povo russo,
era mais conhecido como “Bin Laden Russo”, devido aos seus
inúmeros ataques terroristas contra civis e alvos militares russos.
Em 2014, ele jurara impedir a realização dos Jogos Olímpicos de
Sochi por meio de atos terroristas – uma ameaça não cumprida que
mais tarde foi interpretada por muitos como uma tentativa débil de
atrair mais militantes islâmicos para a sua causa.
Desde então, ele e seus camaradas tramaram uma estratégia
mais factível. Implodiriam três estações de bombeamento diferentes
ao longo do trecho georgiano do oleoduto Baku-Tblisi-Ceyhan, um
plano audacioso com três objetivos principais: o desativamento do
atrapalharia de imediato a economia ocidental ao elevar os
preços do petróleo ainda mais do que já estavam; além disso, faria
com que os governos americano e russo entrassem em conflito
imediato, visto que não era segredo que a Rússia se incomodava
com o fato de que os poderes ocidentais se beneficiavam com o
livre acesso aos campos petrolíferos sob o Mar Cáspio, e esse era,
pelo menos, um motivo parcial para a sua invasão de 2008 da
Geórgia através do túnel Roki, uma passagem subterrânea de
quase três quilômetros debaixo das montanhas ao norte do
Cáucaso. O terceiro e mais importante objetivo de sabotarem o
oleoduto era inspirar uma insurgência autêntica, unindo, por fim, os
islâmicos chechenos sob um estandarte comum dentro da região.
Umarov, recentemente, fora informado pelos seus conspiradores
dentro do – homens corporativos desejosos de atritos
renovados entre a Rússia e os Estados Unidos a fim de gerar mais
gastos militares – que o agente Spetsnaz Andrei Yeshevsky fora
assassinado em Paris pelo conhecido Gil Shannon. Umarov sabia
que Shannon era um atirador de elite americano que, de algum
modo, conseguira sobreviver a um ataque coordenado de
chechenos e da Al Qaeda ao seu rancho em Montana no verão
anterior.
– O que isso significa para nós, Dokka? – o segundo em comando
Anzor Basayev lhe perguntou. – Teremos apoio Spetsnaz caso
Kovalenko e seus homens também estejam mortos?
– Kovalenko ainda está vivo. – Umarov era caucasiano, com tez
clara e barba longa e espessa. Sempre se vestia com camuflagem,
muito ao modo de Bin Laden, apesar de Umarov não ser árabe e,
portanto, não usar turbante.
– É melhor que esteja – disse um dos camaradas de Ichkeria. –
Vamos precisar dos agentes Spetsnaz. Nossos homens não têm o
treinamento necessário para se infiltrarem nas estações de
bombeamento.
Despreocupado, Umarov tragou, pacientemente, seu cigarro
russo, dizendo:
– Há homens Zapad mais do que suficientes à disposição, caso
precisemos.
O Batalhão Especial Zapad, da Chechênia Ocidental, era um
batalhão irmão do fanfarrão Batalhão Checheno Vostok da
Chechênia Oriental, que fora enviado para a Península da Crimeia
após a Revolução Ucraniana em fevereiro de 1914. Ambos os
batalhões eram Spetsnaz e ambos eram compostos por chechenos
étnicos, mas o Batalhão Zapad fora desmantelado recentemente,
com muitos dos seus agentes tendo sido “exonerados” do exército
russo devido às preocupações quanto à lealdade deles para com a
Federação Russa. Um grande número desses antigos Spetsnaz se
tornou, desde então, como os ronin japoneses: renegados
mercenários, contratados para atirar.
– Não gosto da ideia de usarmos mercenários – outro comentou,
acendendo um cigarro com a brasa da fogueira do acampamento. –
São dispendiosos, e é impossível sabermos onde jaz sua lealdade.
Com Yeshevsky morto, Kovalenko é o último com conhecimento
pessoal das estações de bombeamento.
Umarov estava acostumado a esses equívocos costumeiros.
Mentiras eram o motivo pelo qual o Cáucaso precisava de um líder
único e indiscutível, e um ataque bem-sucedido ao oleoduto lhe
daria a credibilidade e o poder necessários. Ele quase já tinha isso
agora, mas sem uma insurgência autêntica, seu número de tropas
continuaria muito reduzido. Esse era o mais trágico aspecto do
recente fiasco em Paris. Umarov precisava do apoio da Al Qaeda
para o qual Yeshevsky fora enviado para negociar, e demoraria
meses até que outro encontro fosse arranjado.
Nesse meio-tempo, o truque era impedir que seus camaradas
pressentissem seu desespero.
– Eu não me preocuparia demais quanto à lealdade deles – disse
com casualidade. – O exército russo já refutou muitos deles. Por
quem mais irão lutar?
– Eles deveriam lutar por Alá, não por dinheiro – observou o
sobrinho de Umarov, Lom, que significava “leão”.
Ele era um muçulmano determinado e corajoso de 28 anos, de
olhos e cabelos negros, com a barba cortada curta. Como um líder
de unidade sólido e tático, ele tinha quase dez anos de experiência
em combates contra o exército russo.
Umarov tragou o cigarro, fitando o filho caçula de sua meia-irmã,
ainda no processo de determinar o valor do jovem como
conselheiro.
– Alá está colocando comida na sua mesa, sobrinho? Se estiver,
então você é o único homem que conheço que é abençoado dessa
maneira. Um soldado de Alá precisa se alimentar, alimentar sua
família, prover um teto para suas cabeças. Alá providencia os meios
para que isso aconteça, mas Ele não escolhe os métodos. A guerra
é o método, e é nosso dever empregar quaisquer métodos de
promulgar a guerra que pudermos. Quer os homens Zapad saibam
ou não, eles lutarão, sim, por Alá. Vou lembrá-lo, mais uma vez, que
nada acontece sem que seja vontade Dele.
Sem replicar, Lom baixou o olhar para a fogueira com deferência,
as mãos calejadas segurando o cano do AK-47 apoiado entre os
joelhos.
Um a um, Umarov fitou os olhos do restante dos seus camaradas,
deixando que cada um deles sentisse o peso da sua vontade. Em
seguida, sem sentir nenhuma discordância significativa, sorriu e
observou:
– Tendo dito isso, às vezes não me importaria se Alá
desenrolasse seus desígnios um pouco mais rápido a nosso favor.
Os homens riram obedientemente, passando cigarros para relaxar
o clima. De repente, o céu começou a tremer com o rugido súbito de
múltiplos motores turbo de aeronaves.
– Crocodilos! – um dos seguranças exclamou, e todos se
levantaram rapidamente.
O destacamento de segurança apanhou suas metralhadoras PKM
e RPG-7, esforçando-se para assumirem posições a fim de atirarem
entre as rochas e as árvores.
Lom empunhou o AK-47, mergulhando em uma caverna para
ressurgir com um Igla-S MANPADS (um sistema portátil de defesa
aérea). O igla era um míssil antiaéreo de 72 milímetros disparado
com apoio no ombro, com raio de ação de seis quilômetros, e era o
único do acampamento.
– Não erre! – advertiu Umarov.
Lom lançou um sorriso ameaçador para o tio e se arrastou por
uma rampa escarpada até chegar ao topo, onde não haveria árvores
para impedir seu disparo.
Três helicópteros armados “Hind” Mi-24 russos gigantescos
rugiram sobre o acampamento em formação em V, suas
camuflagens de crocodilo e as barrigas azul-celeste bem visíveis em
meio aos galhos desprovidos de folhas.
– Um deles é um PN – Basayev observou quando os helicópteros
voaram para longe das suas vistas.
Ele se referia à variante de ataque noturno mais letal de aeronave
de armamento pesado. Olhou para Umarov.
– Fomos traídos, Dokka. Seus amigos do viraram as costas
para nós.
– Não. – Umarov meneou a cabeça, jogando o cigarro na
fogueira. – A 10ª Brigada tem unidades de reconhecimento nesta
região. Devemos ter sido observados nos últimos dias. – Andou até
a floresta, onde seus quarenta soldados rapidamente cavavam
buracos, gritando com eles: – Estamos em uma batalha! Spetsnaz
nos atingirão pelo oeste, mas não atacarão até que os crocodilos
tenham retornado para nos aplacar com foguetes e tiros de canhão.
Não desperdicem suas RPGs nas aeronaves em movimento, mas,
se um dos pilotos for tolo o bastante para ficar pairando, mirem na
cauda ou no alto da fuselagem próxima ao motor!
Muitas vezes referido como um “tanque voador” pelos pilotos
russos, o Mi-24 era o helicóptero mais bem armado do mundo, e
sua tripulação era revestida por “banheiras” de titânio fortes o
bastante para protegê-los de cápsulas de 37 milímetros. Conforme
projetado, o “Hind” – como era chamado pelas forças da –
podia transportar oito tropas Spetsnaz além de uma carga pesada
de armamento, que incluía, mas não era limitada a isso, uma
metralhadora Yak-B de 12,7 milímetros, até quatro bombas de
queda livre não teleguiadas, e quarenta foguetes 80 milímetros
montados sob as asas do helicóptero.
Quatrocentos metros a oeste, os três Hinds tocaram o solo sobre
o mato alto próximo a um riacho raso comprido o bastante apenas
para descarregar vinte e quatro agentes Spetsnaz muito bem
armados da 10ª Brigada Independente Spetsnaz. Os grandes
pássaros de rapina logo retomaram o ar, voltando à formação
anterior, voando para começarem seu ataque ao acampamento de
Umarov.
O Capitão Smirnov, pilotando o Mi-24N de alta tecnologia, era o
líder do voo na formação em V. Sua aeronave carregava um total de
quatro bombas de ferro de 220 quilos e um barril duplo de canhões
automáticos de 30 milímetros GSh-30 do lado direito da cabine. Seu
trabalho era atacar e devastar o inimigo ao lançar as bombas bem
no meio deles. Em seguida, ele daria apoio com o canhão
automático de 30 milímetros enquanto seus alas, voando em Mi-
24Ds, destroçariam o que houvesse restado do acampamento.
Cada um dos 24Ds estava carregado com metralhadora Yak-B e um
par de lançadores de foguetes de 80 milímetros com vinte foguetes
cada.
Depois que os helicópteros tivessem dispersado grande parte de
sua artilharia, os Spetsnaz em terra avançariam e acabariam com
quaisquer sobreviventes, sendo sua responsabilidade primária a
recuperação dos restos mortais de Dokka Umarov.
Smirnov falou com seus alas pelo rádio:
– Mantenham-se em formação na aproximação. A esta altura,
eles sabem que descarregamos as tropas, por isso, vamos fingir
que estamos de partida. Nada de atirar até que minhas bombas
tenham atingido o alvo. Depois abram para a direita e para a
esquerda. Ficaremos em três pontos distintos para fazer poeira
deles. Fiquem alerta a quaisquer RPGs e prontos para manobras de
evasão.

bem entre a formação rochosa que dava para o


acampamento logo abaixo, observando os Hinds alçarem voo no
vale a oeste e vindo na sua direção. O sol ofuscante se refletia no
vidro abobadado da frente, cada máquina letal pronta com seus
armamentos. Seu alvo era óbvio: o novo e reluzente Mi-24PN na
ponta da formação, com suas quatro bombas de mais de duzentos
quilos evidenciadas a pouco mais de quatrocentos metros de
distância. Ele teria que derrubar a aeronave antes que ela
sobrevoasse o acampamento; de outro modo, seus compatriotas
seriam aniquilados.
Apesar de o Hind já estar ao seu alcance, Lom sabia que ele
estava equipado com mecanismos de medidas defensivas, por isso
decidiu esperar até o último segundo possível. Atiraria de uma
posição aproximadamente cem metros abaixo do voo dos
helicópteros conforme eles se aproximavam pela sua direita, e o
míssil chegaria ao alvo pelo rastro de calor infravermelho dos
motores turbo do Hind. Contudo, o Mi-24PN tinha um rastro de calor
mais fraco que os 24Ds, e Lom não queria que o míssil atingisse
uma das aeronaves mais antigas.
No ano anterior, abatera um Mi-24D, matando dez soldados
russos, mas utilizara um MANPADS mais antigo para fazer isso, um
Strela-3, portanto, podia confiar em experiência prévia até certo
ponto. Viver nas montanhas e combater com artilharia do mercado
negro tornava mais difícil manter-se a par das novas tecnologias.

de alvo por infravermelho, Smirnov


conseguia ver as imagens dos chechenos apressando-se para se
prepararem nas posições de combate entre as árvores e rochas à
medida que ele se aproximava da zona alvo. Riu para seu copiloto
pelo microfone.
– É como atirar em peixe dentro de um barril. Cinco segundos…
Então ouviu a sirene aterradora de alerta, e o painel de
instrumentos se acendeu com luzes vermelhas piscantes no
alfabeto cirílico: PAKETbl BO X= EM. Míssil terra-ar.
Desviou um olhar assustado para a esquerda da sua fuselagem,
apenas vendo o rastro de vapor do míssil subindo na sua direção a
dois mil quilômetros por hora.
Detonando um instante antes do impacto, a energia direcionada
da ogiva da explosão fragmentada destruiu completamente o
compartimento do motor do Hind, partindo três das cinco hastes de
controle e lançando o rotor em um desequilíbrio absoluto, fazendo-o
guinar para trás e arrastar a cauda da aeronave. O helicóptero
explodiu em pleno ar, despencando no céu junto com sua carga de
bombas uns cem metros de distância do acampamento do inimigo,
estourando no solo da floresta em uma explosão secundária
gigantesca que fez a terra tremer por meio quilômetro em todas as
direções.
27
OSSÉTIA DO NORTE

O MAJOR NIKITA YAKUNIN OUVIU E SENTIU a explosão


enquanto ele e seus homens entravam na floresta. Os homens da
Spetsnaz imediatamente procuraram cobertura, observando o céu
enquanto os dois Hinds restantes se afastavam para o norte e para
o sul da área alvo apenas trezentos metros mais adiante.
– Descubra que diabos aconteceu! – Yakunin ordenou para seu
(operador de rádio telefone). Em seguida, comandou três
homens a avançarem e assumirem suas posições na linha dianteira.
– Mantenham os olhos abertos!
Os Hinds circundaram para atacar o acampamento a uma
distância mais segura.
– Onde diabos estão eles? – Yakunin exigiu saber, sem conseguir
enxergar os helicópteros. – Até parece que estão atirando de
Moscou!
– Estão aguardando ao longe – relatou o . – Smirnov foi
abatido por um míssil.
Os relatórios de inteligência que Yakunin leu não mencionavam o
fato de os homens de Umarov possuírem MANPADS.
– Por um míssil ou por um lançador de granada RPG?
– Um míssil! Os pilotos temem chegar mais perto, e a artilharia
deles está atingindo as árvores. Eles não têm uma visão
desobstruída do acampamento.
– Mande-os voarem mais alto! – Yakunin ordenou.
O repassou a ordem.
– Eles dizem que ficarão vulneráveis contra um ataque de míssil
se o inimigo tiver uma visão desimpedida. As ordens deles são de
não se envolverem diretamente na presença de uma ameaça de
míssil.
– Que porra adianta ter um helicóptero de ataque se ele não
ataca?
O deu de ombros.
– Quer que eu pergunte isso a eles?
Yakunin o encarou, depois ordenou que seus homens formassem
três colunas de oito.
– Diga àqueles covardes lá em cima para manterem os inimigos
no chão enquanto avançamos!
O repassou a ordem de imediato.

para se comunicar pelo rádio com os


amigos deles acampados ao leste.
– Diga que precisamos de reforços – comandou com
tranquilidade, mesmo com os foguetes russos explodindo nas copas
das árvores.
Fragmentos choviam no acampamento, mas, até aquele
momento, ninguém fora atingido.
Basayev se enfiou em uma caverna para apanhar o rádio, e
Umarov agrupou cinco homens.
– Estão vendo aquele crocodilo? – Apontou para o sul além das
copas das árvores para o Hind, onde o solo se elevava
gradualmente a partir do acampamento. – Ele está sustentando a
posição, atirando esporadicamente para nos manter de cabeça
baixa. Isso significa que os Spetsnaz estão avançando! Vocês cinco,
levem as RPGs e corram pela floresta até ficarem debaixo dele.
Atirarão ao mesmo tempo, à direita, à esquerda, atrás e à frente
dele! – Apontou, indicando cada um deles. – E você vai atirar bem
no meio! Ele ficará completamente cercado, sem nenhum lugar por
onde manobrar. Agora, corram! Derrubem-no!
Os soldados chechenos ajeitaram seus AK-47s nos ombros e
dispararam pelas árvores, seguindo para o sul, cada um deles com
uma RPG-7 sobre o ombro.
Lom apareceu ao lado de Umarov.
– Onde quer que eu fique, tio?
Umarov apoiou uma mão no ombro dele e sorriu.
– Lindo tiro! Você nos salvou.
Lom deu de ombros, conhecendo o valor da humildade durante
um combate.
– Ele praticamente voou na minha direção. Onde quer que eu me
posicione?
– Quero que corra para o leste o mais rápido que conseguir –
disse Umarov. – Pegue a velha trilha koza. Encontre o pessoal de
Prina e os traga para cá.
– Por que não fugimos por esse caminho?
Umarov meneou a cabeça.
– Não temos como ganhar uma batalha em deslocamento contra
os Spetsnaz e os crocodilos. Seríamos destruídos. Esta é uma boa
posição. Continuaremos aqui e deixaremos que eles se acabem.
Agora, se apresse. Corra o mais rápido que puder.
Lom disparou pelas árvores, com a adrenalina jorrando nas veias.
Umarov chamou mais três homens com RPGs.
Os primeiros cinco combatentes avançavam aos tropeços em
meio à floresta com suas RPGs, o som cortante da metralhadora
Yak do helicóptero atravessando o ar, e seus rastros vermelhos
rasgavam galhos muito acima deles enquanto atiravam no
acampamento em um ângulo oblíquo. Eles estavam chegando à
melhor posição de tiro quando o piloto os avistou e inclinou a
aeronave na direção deles, soltando uma torrente de tiros de
metralhadora e de foguetes.
Um dos soldados foi atingido no tronco com uma rajada de balas
de 12,7 milímetros e virtualmente explodiu em um jorro de sangue e
de entranhas. Sem perder tempo, o soldado atrás dele apanhou a
RPG caída no chão e seguiu em frente. Um foguete de 80
milímetros detonou no chão logo adiante dele e arrancou suas
pernas.
Os homens restantes pararam de repente para assumir suas
posições de tiro. O líder ordenou três pontos diferentes de alvo, e
eles atiraram simultaneamente, cercando o Hind o melhor que
puderam pela esquerda, pela direita e bem no meio.
O piloto viu as granadas rasgando o ar na sua direção e sabia que
sua melhor chance seria recuar a manopla e deixar à mostra sua
barriga de titânio. Todas as três granadas erraram o alvo, e ele
apontou o nariz para frente de novo para soltar mais uma rajada
infernal de tiros de metralhadora. Com a atenção da tripulação
concentrada em matar os chechenos restantes, ninguém percebeu o
segundo time de soldados granadeiros que Umarov enviara a
sudeste para flanquear o helicóptero depois que ele se ocupasse
com a primeira equipe sacrificial.
Os três homens dispararam ao mesmo tempo, e as três RPGs
detonaram a estibordo da aeronave, que se estilhaçou no ar,
explodindo em uma bola de fogo preta e laranja, e caindo em
pedaços na floresta.

segunda explosão e emitiu uma torrente de


imprecações, percebendo que haveria bem pouco a fazer para
impedir que o inimigo escapasse pelo lado leste, uma vez que o
Hind restante ficasse sem munição.
– O maldito Umarov tem mais sorte do que qualquer um de quem
eu já tenha ouvido falar!
Ordenou que seus homens avançassem mais rápido nos últimos
duzentos metros, temendo que sua presa já estivesse fugindo.
Quando chegaram ao perímetro do acampamento checheno,
foram recebidos por uma chuva de tiros de metralhadoras. O foi
atingido no rosto e derrubado, sua mandíbula e dentes tendo sido
completamente arrancados, deixando que apenas a língua ficasse
pendurada a partir da garganta escancarada. Ele sobreviveria ao
ferimento, mas jamais voltaria a falar e a comer e nunca mais se
pareceria com um ser humano.
Yakunin atirou na cabeça dele com sua carabina AK-105 e
comandou que um dos outros ficasse responsável pelo rádio.
Sem que lhes ordenassem, os Spetsnaz se dividiram em grupos
de três, saltando agressivamente entre rochas e árvores com rifles
de assalto AN-94 com munição de 5,45 milímetros. Foram alvejados
e um deles foi abatido, mas usavam armadura forte e estavam
determinados a matar Umarov antes que ele escapasse novamente.
Metade dos AN-94 estava equipada com lançadores de granada
GP-34 de 40 milímetros (semelhantes aos americanos M203)
acoplados debaixo dos canos. Atiravam uma considerável rajada de
granadas de 40 milímetros no acampamento checheno.
Terra, pedras e lascas de árvores voavam em todas as direções
enquanto os homens de Umarov eram forçados a permanecer
grudados no chão por conta da artilharia pesada. Os chechenos
usaram todo seu suprimento de RPGs para derrubar o segundo
Hind, e sete outros homens foram mortos rapidamente. O
helicóptero remanescente começou a se envolver na batalha pela
retaguarda. Rochas explodiam perto do acampamento, e a
metralhadora Yak começou a encontrar seus alvos.
Os russos bloquearam os chechenos pelo leste e pelo oeste, e
uma subida rochosa íngreme impossibilitava qualquer esperança de
fuga pelo norte. A única via de escape era pelo sul em direção ao
terreno aberto, onde facilmente seriam apanhados e mortos pelo
Hind, mesmo se conseguissem passar pelos Spetsnaz, o que era
improvável.
Basayev apareceu junto a Umarov com a unidade de rádio
telefone.
– Eles estão vindo! – gritou acima da confusão. – Os homens de
Prina estão perto o bastante para ouvirem os tiros. Conseguiremos
aguentar por mais dez minutos?
Umarov espiou por entre as árvores, à procura do Hind. Ainda
ouvia seu motor, mas ele parecia ter ido para o sul, provavelmente
tentando cobrir as rotas de fuga.
– Recuem! – gritou para seus homens, odiando ter que dar essa
ordem, mas sabendo que não havia alternativa a não ser se unirem
aos homens de Prina, que teriam as RPGs necessárias para
equiparar as chances com os Spetsnaz e manter a aeronave a
distância.
Quatro homens se ofereceram para ficar atrás e cobrir a retirada,
sabendo que isso significava suas mortes.
Umarov sorriu para eles.
– Que Alá esteja com vocês!
Voltou para dentro da floresta com o que restava das suas forças:
quinze homens dos quarenta e cinco originais.

o fogo cruzado começou a diminuir, Yakunin


soube que os chechenos estavam batendo em retirada.
– Avancem! Eles estão sem recursos!
Os Spetsnaz manobraram diretamente até o acampamento
checheno, mantendo a superioridade no poder de fogo e se
movimentando para cobrir todas as frentes. Uma metralhadora
disparou por entre duas rochas, sua artilharia de 7,62 milímetros
destroçando dois homens a menos de cinco metros de distância. A
posição foi imediatamente reduzida por uma barragem de granadas
de 40 milímetros e os Spetsnaz ultrapassaram o ponto.
– É uma manobra de defesa! – Yakunin alertou. – Atenção!
Diminuiu o ritmo do avanço, sabendo que um combate apressado
seria duas vezes mais perigoso.
– Granadas!
Todos se lançaram para o chão quando quatro órbitas pretas
aterrissaram em meio a eles.
As granadas explodiram ao mesmo tempo, cada uma das RGD-5
carregadas com cem gramas de TNT. Corpos foram alçados no ar, e
Yakunin sentiu um estilhaço quente penetrando em uma das suas
pernas.
Duas outras granadas surgiram de posições indeterminadas,
explodindo entre os Spetsnaz, e Yakunin ordenou que seu pessoal
recuasse.
– Encontrem esse filho da puta! – exclamou.
Como que de acordo, o checheno saltou de trás de uma árvore a
vinte e cinco metros com um AK-47, atirando e atingindo o major na
placa central da sua armadura.
Yakunin foi derrubado pela força do impacto das balas que não
conseguiram penetrar, apesar de uma ter arrancado boa parte da
sua orelha esquerda.
O checheno foi morto a tiros um instante depois.
– Encontrem o corpo de Umarov!
Yakunin passou a mão enluvada pela lateral da cabeça e viu que
estava coberta de sangue.
O paramédico chegou ao lado dele.
– A orelha já era, major. Vamos cuidar do ferimento.
– Mais tarde! – Yakunin passou por ele. – Encontrem Umarov!
Os Spetsnaz se espalharam para examinar os corpos, todos eles
muito familiarizados com o rosto de Umarov. Cada um dos corpos
foi esfaqueado no pescoço para garantir que estavam mortos
mesmo.
Um dos possíveis corpos se levantou quando um cabo Spetsnaz
esticou a mão para virá-lo. O checheno atirou no cabo na virilha com
uma pistola, e o cabo caiu de joelhos, pressionando o mecanismo
de abertura de uma adaga de combate. A lâmina de aço atingiu o
checheno no peito, parcialmente rasgando a aorta. Os dois jazeram
no chão sangrando até que um sargento os encontrou e atirou em
ambos.
– Major! – o sargento chamou. – Dokka Umarov não está aqui!
– Atrás dele! – O súbito barulho violento da metralhadora Yak a
leste da posição deles lhes disse que o Hind acuara os chechenos
que batiam em retirada. – Agora nós os pegamos!
28
SICÍLIA

GIL ESTAVA DEITADO SOBRE UMA MOITA que dava para a


fazenda de criação de ovelhas trezentos metros mais abaixo.
Espiando através do telescópio do rifle G28, conseguia enxergar
com facilidade o LaForza vermelho e o Peugeot preto, ambos
estacionados atrás da casa com o carro de Kovalenko, onde não
podiam ser vistos da estrada.
– São eles mesmos – Gil disse, movendo-se de lado para que
Dragunov desse uma olhada. – Midori conseguiu na primeira
tentativa.
Dragunov observou enquanto um dos homens de Kovalenko saiu
pela porta dos fundos, fumando um cigarro.
– Demetri – ele murmurou, reconhecendo o Spetsnaz checheno. –
Mudak! – Filho da mãe!
Gil o viu com o dedo no gatilho.
– Devagar, Ivan. Só temos vinte disparos. Não quero que
desperdice minha munição.
Dragunov mudou de posição com um riso sardônico.
– Sei atirar tão bem quanto você.
– Sei disso – Gil disse, reposicionando-se atrás do rifle e ajeitando
o cabo no ombro. – Também deve foder tão bem quanto eu, mas
isto aqui não é a terra da fantasia.
Dragunov deu risada.
– Acredita que Claudina ainda estará lá com o carro quando
voltarmos?
Deixaram Claudina no carro uns duzentos e cinquenta metros
estrada acima, e ela prometera esperar, mas Gil não tinha
esperanças de voltar a vê-la.
– Não estou nem pensando nisso – confessou ele, ajustando a
lente. – Por quê? Ficou apaixonado?
Dragunov riu de novo.
– Vá se foder, americano. Só não estou com vontade de voltar
andando até San Vito para encontrar com seus amiguinhos do .
Gil sorriu, ajustando a mira no homem a quem Dragunov chamara
de Demetri.
– Vamos pegar um dos carros de Kovalenko. Que tal assim? –
Apertou o gatilho e estourou boa parte da cabeça de Demetri, do
nariz para cima. O corpo despencou como pedra ao lado da casa, e
Gil viu uma nuvem de poeira quando a .308 ricocheteou na parede.
– E lá se foi McGinty6.
Dragunov se acocorou.
– Quem diabos é McGinty?
– Um irlandês afogado. Preste atenção agora. Os outros porcos
podem ter ouvido a bala acertar na casa.
Esperaram mais cinco minutos antes que outro checheno saísse.
Ele avistou o corpo perto da ponta oposta da casa e se virou para
entrar de volta, mas Gil apertou o gatilho de novo, acertando mais
um tiro na cabeça que lançou a massa cinzenta do checheno para
dentro da casa através do vidro da porta dos fundos. O corpo bateu
no chão, metade para dentro, metade para fora da casa.
– Isso meio que estraga o apetite de um cara na hora do jantar.
– Você deveria ter me deixado identificar o homem – Dragunov
disse. – Se fosse Kovalenko, já poderíamos dar no pé daqui.
– Era o cretino careca que atirou em mim lá em Messina.
– Anton – Dragunov grunhiu. – Outro sukin syn.
– Bem, agora ele é um sukin syn morto. – Gil recuou um pouco na
moita. – Precisamos tomar muito cuidado daqui por diante. Se
Kovalenko sabe mesmo o que faz, vai se empoleirar naquela janela
do andar de cima.
– Consegue ver dentro?
– Não tanto quanto eu gostaria – Gil admitiu.
– Então ele não vai se empoleirar lá, não se existe uma chance de
você o vir. Ele vai sair pela frente para nos caçar.
– Então, é melhor você colocar Midori no telefone. Diga a ela para
observar se vê alguém saindo.
Dragunov estava com Midori no telefone via satélite um minuto
depois, explicando a situação.
A moita era alta o bastante para Gil enxergar além da casa, mas
ainda baixa o bastante para que um desenfiamento a sotavento se
estendesse por uns trinta metros ou mais. O que Gil e Dragunov
tinham de melhor a favor deles era que não havia como Kovalenko
ou um de seus homens chegar até um dos veículos sem se expor
aos tiros.
– Ele pode esperar até a noite cair – Dragunov observou.
– Só se for tolo. Até onde ele sabe, podemos ter chamado
reforços.
– Ele é tão paciente quanto uma cobra.
– Eu também sou – afirmou Gil. – E temos o filho da puta enfiado
ali. Posso pedir uma pizza e uma cerveja para você se for o caso.
Nesse meio-tempo, estaremos presos aqui.
– Até que uma cerveja seria uma boa ideia – Dragunov disse. –
Volto para ver como você está mais tarde.
– Só não volte bêbado – Gil censurou com um sorriso. – A última
coisa de que preciso é um russo embriagado tropeçando nas moitas
para revelar a minha posição.
– Que se foda, então – Dragunov resmungou. – Beberemos mais
tarde.
– Você paga.

com seu rifle AWS apoiado no bipé sobre a


mesa da cozinha, perscrutando o terreno além da fazenda, mas o
brilho do sol na janela da cozinha dificultava que enxergasse com
exatidão.
– Eles só podem estar ali em cima naquelas moitas – ele
murmurou.
– Como diabos conseguiram nos encontrar? – Vitsin se perguntou
em voz alta. – De jeito nenhum conseguiram nos seguir… não
mesmo.
– Por satélite. – O olho de Kovalenko ainda estava pregado no
telescópio. – Você veio em um carro vermelho, lembra?
Vitsin subitamente se sentiu muito burro por não ter dito a Tapa –
o ladrão do carro – para que roubasse qualquer outra coisa.
– Acha que foi assim mesmo?
– Aquele lá fora é o americano – Kovalenko disse, meio que para
si mesmo. – Os malditos americanos têm tudo. Ele provavelmente
também tinha supervisão por satélite em Paris. Aqueles tolos em
quem confiamos na não valem nada. Se não tivéssemos
precisado deles para planejar a operação no oleoduto…
Meneou a cabeça.
– De algum modo, nos ferraram, mas agora não importa. Deite-se
com uma puta, e você consegue aquilo pelo que paga.
– Talvez devêssemos correr até os carros – sugeriu Vitsin. – Ele
conseguirá pegar a nós cinco?
– Estaríamos mortos antes que qualquer um de nós conseguisse
virar a chave na ignição. – Kovalenko limpou o suor da testa,
relanceando para Anton, que ainda estava metade para dentro,
metade para fora, com a cabeça explodida como se fosse uma
melancia madura. – O americano tem um rifle, o que significa que o
pessoal dele o abasteceu. E significa que não temos o dia e a noite
inteiros.
– Até onde sabemos – disse um dos outros, um veterano
chamado Zargan –, pode haver uma equipe inteira de Spetsnaz ali
fora esperando para nos atingir quando escurecer. Devemos
entrincheirar na casa.
– Faça os preparativos necessários – ordenou Kovalenko. – E
alguém o arraste para dentro para podermos fechar a porta. –
Então, uma ideia lhe ocorreu. – Tapa, vá até o andar de cima e traga
uma coberta para enrolarmos o corpo.
Tapa subiu, e Kovalenko aproximou o olho do telescópio.
Zargan usou o atiçador da lareira para enganchar o cinto de Anton
para arrastá-lo para dentro de vez. Vitsin chutou a porta para que se
fechasse.
Tapa entrou no quarto, apanhando a coberta de lã da cama. Um
vidro na janela se partiu, e ele foi lançado contra a parede com a
força de um coice de mula, o ombro completamente dilacerado.
Kovalenko enxergou a nuvenzinha de fumaça derivada do tiro de
Gil, reposicionou sua mira em uma fração e atirou.
Quando Gil viu a silhueta de Tapa no andar de cima, apertou o
gatilho e rolou de imediato para a esquerda, sabendo que
Kovalenko ou qualquer outro poderia estar perscrutando as moitas.
Um instante depois, uma bala cortou o ar exatamente onde a
cabeça de Gil estivera antes, perto o bastante para ele sentir a
energia da bala ao passar. Tanto ele quanto Dragunov recuaram
rapidamente para longe.
– O filho da puta é rápido!
– Eu te disse – Dragunov comentou. – Ele atira desde que era
criança.
– Aquilo foi rápido demais! Sacrificou um dos homens dele para
me atrair.
O rosto de Dragunov estava sério.
– É por isso que ele é chamado de Lobo. Kovalenko está disposto
a fazer qualquer coisa para vencer.
Gil se acomodou sobre os calcanhares, segurando o telefone via
satélite na curva do pescoço enquanto acendia um cigarro e falava
com Midori.
– Fique de olho na situação – instruiu-a. – Estamos atentos ao
alvo no momento.
– Nada está acontecendo – ela disse. – Foi atingido de novo?
– Não. – Tragou o cigarro para acalmar os nervos. – Mas aquele
maldito quase me matou três vezes. Eu bem que gostaria de poder
atirar nele uma vez que fosse.
Dragunov esticou a mão para pegar o cigarro de Gil.
– Talvez se você tivesse esperado… – disse ele baixinho.
– Ei, pegue o seu cigarro – Gil ralhou.
Dragunov mostrou o dedo médio e tirou um cigarro do maço,
acendendo-o com um fósforo e se deitando no chão para ficar
olhando para o céu.
– Vamos ter que lutar com eles de novo no escuro. Odeio lutar na
porra do escuro.
Referência a uma canção irlandesa. (N.T.)
29
WASHINGTON, D.C.

O GENERAL COUTURE ESTAVA NA COZINHA da Casa Branca


tomando café e conversando com o chef francês, que lhe preparava
um desjejum antecipado, quando o chefe de gabinete da Casa
Branca entrou à sua procura.
– Fiquei sabendo que o encontraria aqui – Brooks disse com um
sorriso.
Couture apertou a mão dele.
– Aprendi com um segundo-tenente a fazer amizades na cozinha.
– Lançou uma piscada para o chef. – O que tem para mim?
Brooks hesitou, relanceando para o chef, que estava diante do
fogão salteando uns cogumelos.
– Não se preocupe com o bom e velho Jacque – assegurou
Couture, dando um tapinha no ombro do chef. – Ele está do nosso
lado. O que houve?
– A equipe do foi transferida para o Ohio, que estará
estacionado no local combinado próximo a San Vito Lo Capo dentro
de uma hora – informou Brooks –, pronto para receber Shannon e
Dragunov a bordo.
– E a comunicação?
– Eles têm um telefone via satélite. É menos que o ideal, mas vai
ter que servir. Neste mesmo instante, acuaram Kovalenko em uma
casa na periferia de Palermo. A técnica de Pope disse que será algo
bem rápido.
– E as autoridades sicilianas?
– Ainda à procura deles no sul, em Corleone. – Brooks deu de
ombros. – Não me pergunte por quê.
Couture também deu de ombros.
– Uma pequena bênção. – Sorveu um gole de café. – As
informações mais recentes da Geórgia dizem que os Spetsnaz
estão se movimentando para atacar Umarov, portanto, com um
pouco de sorte, Shannon não terá que ir para a Geórgia.
– Falando na Geórgia, o presidente quer saber se deve entrar em
contato com a British Petroleum. Ele acredita que talvez devamos
lhes informar a respeito dos planos de ataque ao oleoduto. Alguma
ideia?
Couture meneou a cabeça, conduzindo Brooks para longe do
fogão e dos ouvidos do chef.
– A que se foda. Ela nem mesmo é uma corporação
americana. Não vamos deixá-los debaixo de nossas asas. Se o
oleoduto for atingido, eles podem ficar sabendo no noticiário junto
com o restante do mundo. Só o que precisam é ouvir algum boato
sobre problemas com o oleoduto para mandarem mercenários da
Obsidian atravessando o sul da Geórgia, para só Deus sabe fazer o
quê, e a última coisa de que precisamos é um bando de soldados
corporativos atrapalhando, se Shannon tiver que ir para o país.
– Ok. Então, como devo dizer isso ao presidente?
– Assim mesmo – Couture disse com neutralidade. – Você não
tem mais que dourar a pílula para ele. Agora ele entende. Aquele
maldito Hagen está fora, e você está dentro. Não existe mais
nenhum espetáculo de cachorrinhos e de pôneis.
– Quanto a Hagen… – Brooks baixou ainda mais a voz. – Tenho
motivos para acreditar que Pope pode ter algo clandestino em
mente para ele.
Couture tomou mais um gole de café, encarando-o.
– Glen, você sabe quantos homens perdi sob meu comando direto
durante minha longa e renomada carreira?
Brooks meneou a cabeça.
– Seiscentos e quarenta e três homens e mulheres – disse
Couture. – Isso sem contar os suicídios dentre aqueles que
retornaram para casa. Tim Hagen não é melhor do que nenhum
deles e, se Pope tem algo clandestino em mente reservado para ele,
concluo que tenha feito por merecer.
– Ok. Suponhamos que eu tenha informações diretas… Provas?
– Você as tem?
Brooks refletiu e depois suspirou alto.
– Não sei. Não tenho certeza.
– Então, encare desta maneira – disse Couture. – Se não fosse
por Pope, teríamos perdido dois imensos porta-aviões e grande
parte da frota do Pacífico devido àquela bomba nuclear no verão
passado, sem mencionar meio milhão de vidas ou mais. Agora, sei
que jamais encontrou Hagen pessoalmente, mas conheço o filho da
puta melhor do que muita gente, e eu não colocaria minha mão no
fogo por ele.
Brooks sorriu.
– O senador Grieves o tem em alta conta.
O rosto marcado pela cicatriz de Couture se tornou pedra.
– Sim, o senador Grieves falaria mesmo bem dele. Deixe Hagen
por conta do Pope, essa é minha recomendação.
30
OSSÉTIA DO NORTE

YAKUNIN E SEUS SPETSNAZ ESTAVAM no encalço de Dokka


Dragunov e dos seus homens, avançando pela floresta em um
combate contínuo contra a teimosa retaguarda chechena formada
para ganhar tempo para a fuga de Umarov. Os sons dos disparos
das pistolas automáticas eram constantes, intercalados pelas
explosões de granadas de 40 milímetros e as rajadas ocasionais do
helicóptero Hind de apoio que, àquela altura, estava ficando sem
munição.
Yakunin instigava seus homens, determinado a ver o fim de
Dokka Umarov. Estimava que já tivessem usado metade da
munição, mas tinha confiança de que logo acabariam com os
recursos medianos dos chechenos.
No entanto, seus instintos provaram estar completamente
equivocados no segundo em que ele e seus homens se depararam
com uma linha defensiva formada por Prina Basayev e a força
chechena que se deslocara do leste.
Um fogo de artilharia de RPGs-7 rasgou a floresta, detonando no
meio de Yakunin e dos seus Spetsnaz. Corpos voaram pelos ares,
onde, lançados contra as árvores, se partiram. Quinze homens
foram dizimados em um piscar de olhos, e os poucos restantes logo
foram alvejados.
Yakunin caiu de barriga no chão, sangrando em múltiplos
ferimentos. Sentindo-se rasgado por dentro, tentou segurar a
carabina e acabou descobrindo que seu braço direito fora arrancado
do cotovelo para baixo. O ataque cessou e ele desmaiou.
Recobrou a consciência com alguém ajoelhado nas suas costas,
vasculhando seus bolsos. O checheno o virou de costas e começou
a despi-lo de seus armamentos, enfiando câmaras sobressalentes e
granadas em uma mochila puída.
– Os meus homens? – Yakunin perguntou em um fio de voz.
– Todos mortos – o checheno disse, sem se dar ao trabalho de
fitá-lo nos olhos ao abrir a carteira de Yakunin.
– A foto. – Yakunin esticou o que restava de uma mão esquerda
ensanguentada.
O checheno olhou para ele, tirou a foto da esposa do major da
carteira e a enfiou entre seus dois dedos remanescentes.
Yakunin ficou olhando para a foto enquanto o checheno retirava
suas armas e sua armadura.
Dokka Umarov apareceu, apontando-lhe um dedo.
– Você é o comandante?
– Da – Yakunin respondeu débil, encarando a foto.
– Quem traiu minha localização?
Yakunin desviou o olhar para ele, sabendo que não lhe restava
muito tempo de vida.
– Você foi observado por uma equipe de reconhecimento. Quase
pegamos você desta vez, ublyudok! – Desgraçado!
Umarov assentiu com gravidade, segurando a carabina de
Yakunin.
– Sim, admito que tive sorte. Mas a sorte é a única qualidade que
importa em um comandante.
– É verdade – Yakunin admitiu, engasgando no sangue que subia
pela garganta.
Umarov se ajoelhou ao seu lado e enfiou um cigarro no canto da
boca, acendendo-o com um fósforo. Depois apontou para a
carabina.
– Quer ir rápido? Ou vai esperar?
– Vou esperar – Yakunin sussurrou. – Não vai demorar.
Umarov se levantou e ajeitou a carabina no ombro, distribuindo
ordens aos seus homens.
– Não deixem nada de valor! – Conseguiam ouvir o Hind, há
tempos sem munição, afastando-se para o noroeste. – Eles podem
mandar mais crocodilos, por isso vamos nos deslocar para o
sudeste ao anoitecer para, depois, virarmos a oeste e nos unirmos a
Mukhammad.
Umarov foi abordado por Lom na marcha para longe dali.
– Essa foi perto – disse o jovem.
– Sim – concordou Umarov. – Eles poderiam ter nos matado.
Tinham a vantagem, mas a guerra é assim às vezes. A força
superior nem sempre vence.
– Foi desejo de Alá. Ele está conosco.
– Ele sempre está conosco, mas você faria bem em não depositar
muito crédito ou muita culpa no que se refere a Ele. Haverá dias em
que Ele esperará que você cuide de si, e você não tem como saber
quais dias são esses. Hoje poderia ter sido um deles.
Lom pensou nas palavras do tio enquanto caminhavam durante a
tarde, tentando reconciliá-las com aquelas da sexta surata do
Corão, verso dezessete: “Se Deus te infligir um mal, ninguém, além
d’Ele, poderá removê-lo; por outra, se te agraciar com um bem, será
porque é Onipotente”.
Ao entardecer, Lom concluiu que seu tio possuía um
conhecimento mais profundo do Corão do que ele ou ele se
permitira ficar exausto depois de tantos anos de guerra.
Olhou para o começo da fila, onde Umarov marchava ao lado dos
irmãos Basayev, Anzor e Prina.
– Ele é Alá no céu e na terra – sussurrou para si mesmo. –
Conhece nossos pensamentos secretos e nossas palavras
francas… E Ele sabe o que merecemos.
31
SICÍLIA

– E LÁ SE VAI O SOL – murmurou Ivan Dragunov.


Gil relanceou na direção do horizonte com o cabo do G28 ainda
apoiado no ombro.
– Andei pensando… Suponhamos que os homens de Kovalenko
tenham visão noturna. Talvez estejamos em uma mudança de
iniciativa aqui.
Dragunov considerou a possibilidade.
– Se Kovalenko tivesse infravermelho, já estaríamos mortos. É
improvável que os homens tenham trazido óculos de visão noturna
consigo.
Gil ajustou o fone de ouvido.
– Midori, ainda consegue nos ouvir?
– Entendido. Ouço de imediato.
Midori agora monitorava os dois fones separadamente em
Langley, e os dois a ouviam, só não conseguiam ouvir um ao outro.
– Ainda está com contato visual?
– Entendido também.
– Ok. – Gil pegou a pistola 1911 dos cós da calça nas costas e a
entregou a Dragunov. – Assim que a luz diminuir, você poderá se
aproximar da casa pelo ponto cego a leste. Mas fique longe do
celeiro e dos cercados das cabras. Se aquelas malditas começarem
a balir, Kovalenko vai sacar o que estamos armando.
Segurando a Beretta do policial italiano, Dragunov enfiou a 1911
no cós na barriga.
– Sabe atirar com uma 1911?
– Claro – respondeu Dragunov. – Foi a arma predileta do meu
inimigo por muito tempo.
Gil deu uma risada.
– Ainda é a minha arma preferida.
– Deduzo que vai ficar aqui em cima onde é seguro?
– Veja, esta não é bem uma arma de disparo curto, Ivan. Temos
que lutar de acordo com as nossas habilidades.
– Eu manejo o rifle – disse Dragunov, retirando a 1911 de dentro
das calças.
Gil se afastou do G28, quase preferindo assumir o combate direto
com o inimigo, e estendeu a mão para a pistola.
– Tudo bem, coronel.
Tendo o blefe aceito, Dragunov voltou a guardar a pistola.
– Não erre, Vassili. E não atire em mim sem querer.
Gil voltou a se posicionar atrás do rifle.
– Midori fará com que eu saiba onde você está o tempo todo.
Certo, Midori?
– Entendido.
Quando a luz desvaneceu, Dragunov se moveu para o leste,
afastando-se da fazenda até chegar à margem da estrada. A
visibilidade não passava de quinze metros no escuro.
– Algum movimento da casa? – perguntou a Midori.
– Nenhum – ela respondeu. – Você está exatamente em linha reta
com o ponto cego da casa agora. Deverá conseguir avançar sem
ser detectado. Eu o direcionarei.
Nos minutos seguintes, ela o orientou quanto à forma mais rápida
de se aproximar da casa, ajudando-o a se desviar de árvores e
arbustos sem se desorientar na escuridão. Ele chegou à parte leste
da casa e se abaixou, agachando-se contra uma parede, trocando a
Beretta pela 1911.
– Certifique-se de avisar Gil que estou na minha posição – ele
disse em sussurro, sabendo que as vozes se propagavam no
escuro.
– Entendido.
De volta à moita, Gil perscrutou a silhueta do terreno abaixo. Não
havia nenhuma luz acesa dentro da casa; nem mesmo uma vela
sequer.
– Não vejo muita coisa daqui – ele disse. – Está escuro demais.
Avise Ivan que estou me aproximando.
Começou a deslizar para baixo na colina, sabendo que, se
Kovalenko possuísse sequer um telescópio barato, ele seria um
homem morto.
– Pare! – Midori o alertou. – Um homem com um rifle acabou de
sair pelo lado oposto ao de Ivan.
Gil recuou para seu esconderijo da moita.
– O que ele está fazendo?
– Nada. Só está esperando.
– Tenho uma boa linha direta a partir da minha posição?
– Negativo – ela disse. – Ele ainda está na esquina da casa. Ivan
está perguntando o que deve fazer.
– Diga para ele manter sua posição. – Gil sabia que Dragunov
acataria sua recomendação por causa da sua posição elevada em
relação ao alvo. – Vamos dar tempo ao tempo para que a situação
se desenrole.
Dentro da casa, Kovalenko deduziu que o inimigo não tinha apoio
de equipamentos de visão noturna. O muito ferido Tapa se
prontificara a passar diante da janela da cozinha três vezes sem
levar nenhum tiro. Com isso, Kovalenko mandara Zargan sair pela
janela lateral com ordens para rastrear o atirador americano. Sabia
que eles podiam ter supervisão satélite infravermelha, mas
simplesmente não havia alternativa.
– Temos que pôr um fim nisto – ele disse a Vitsin e dois outros
Spetsnaz. Com Zargan já do lado de fora, só restavam quatro na
casa e, embora Tapa estivesse aguentando apesar da dor
lancinante, ele vinha perdendo rapidamente o que lhe restava de
combatividade. – Ou lutamos para sair daqui ou morreremos nesta
maldita fazenda de cabras.
– Ficarei para trás para cobrir a retaguarda de vocês – disse Tapa,
empunhando uma submetralhadora Kashtan contra a perna, visto
que seu braço direito estava preso junto ao peito com um lençol
rasgado.
Kovalenko lhe deu um tapa no ombro bom, lamentando tê-lo
sacrificado por uma tentativa de atingir Gil. Sabia, em seu íntimo,
que o americano ainda estava ali fora e muito vivo, porque as
cabras ainda baliam em seus cercados, sendo que já deveriam ter
sossegado para dormir.
– Nós o levaremos conosco se conseguirmos. Primeiro, temos
que descobrir se temos ou não uma rota de fuga aberta.
– Sou só eu quem acha isso – observou Anatoly, um checheno
nascido em Moscou – ou as cabras estão mais agitadas nestes
últimos minutos?
– Não é impressão sua – Kovalenko disse. – Elas começaram a
balir mais desde que Zargan saiu pela janela. O inimigo está
próximo, provavelmente no ponto cego da casa. Prepare-se agora.
Você é o próximo.
32
QUARTEL-GENERAL DA CIA

L ,V

OS OLHOS NEGROS DE MIDORI OBSERVAVAM a tela gigante de


plasma diante dela quando Anatoly saiu pela janela do lado oeste da
casa, o cabelo negro na altura dos ombros deslizando para frente
quando ela se inclinou um pouco.
– Um segundo homem acabou de sair pela mesma janela.
– Entendido – Gil respondeu em seu ouvido esquerdo.
No ouvido direito, ela ouviu Dragunov passar o dedo pelo
microfone para anunciar que ouvira, percebendo que ele preferia
permanecer em silêncio absoluto agora que os dois Spetsnaz
estavam do lado de fora da casa, perto dele.
– Certifique-se de informar Ivan de cada mudança – Gil a
lembrou.
– Nenhum dos chechenos está se movendo – ela respondeu, com
os olhos fixos nas leituras de calor infravermelho. – Estão olhando
para o norte e para o sul, ambos na virada da casa.
O primeiro homem deu um passo cauteloso além do canto da
casa e sustentou sua posição, perscrutando o terreno através da
mira de um AS Val, um rifle automático com silenciador de
fabricação russa de 9 milímetros.
– Gil, você tem vista aberta para o primeiro alvo. Consegue vê-lo?
– Negativo – ele respondeu. – Está um completo breu aqui. Você
não teria um holofote gigante nesse seu satélite, teria?
Ela sorriu, percorrendo o teclado com os dedos.
– Vou ver se consigo ajudá-lo de outro modo. Ajuste a mira o
melhor que puder, depois sustente sua posição.
– Entendido.
Ela o viu ajustando a mira do rifle na direção do canto da casa.
– Assim parece bom para mim – ele comunicou –, mas não
consigo mesmo ver a casa.
– Entendido – ela disse. – Você se afastou alguns graus a mais.
Espere.
– Entendido.
Ela ouviu a dúvida no tom dele, mas isso só fez com que ficasse
ainda mais determinada, rapidamente puxando uma cobertura de
trajetória normalmente utilizada para mirar tiros de artilharia e
colocando-a sobre a imagem do vídeo. Em seguida, clicou no
Spetsnaz – aumentando o zoom para uma melhor resolução – e
traçou uma linha reta para a cavilha do rifle de Gil.
– Gil, ajuste três graus para a esquerda.
Ela o observou reajustar de leve, mantendo o olhar em uma tela
separada para se certificar de que o alvo não tivesse se mexido.
– Agora meio grau para a direita.
Gil ajustou uma fração de grau, e o cano ficou perfeitamente
alinhado com a linha que ela via na tela.
– A sua mira horizontal está perfeita – ela disse. – O que acha da
vertical?
– Me parece boa. Tenho-a mantida neste ângulo o dia inteiro.
– Neste caso, acho que pode atirar.
Gil não hesitou. Ela viu o rifle coicear o ombro dele e o rastro de
calor dos gases expelidos na ponta do silenciador. Na outra tela, o
Spetsnaz caiu para trás, contorcendo-se no chão por um instante
antes de ficar imóvel.
– Alvo no chão! – ela anunciou enquanto o segundo Spetsnaz se
virava e se movia na direção do seu compatriota caído. – Ivan! Se
for rápido na curva ao norte, vai conseguir atingir o segundo homem
pelas costas!
Dragunov também não hesitou. Ela o observou disparar pela
frente da casa, virando no canto enquanto Anatoly puxava Zargan a
sotavento da construção. Ele atirou duas vezes, com as duas mãos
segurando a 1911 adiante do corpo. Anatoly caiu de cara no chão, e
Dragunov se afastou novamente, voltando pela frente da casa até
retornar à segurança do ponto cego.
– Isso é melhor do que videogame! – a voz grave dele pareceu
excitada em seu ouvido direito.
Midori sorriu.
– Bons tiros, rapazes. Dois abatidos. Gil, Ivan voltou à sua
posição.
– Você é boa nisso, Midori. Se eu não soubesse que isso era
possível, pensaria que Pope está olhando tudo por cima do seu
ombro.
Ela relanceou por cima do ombro esquerdo e viu Pope sorrindo
para ela em um dos cantos, sentado em uma cadeira de rodas
hospitalar, flanqueado pelo General Couture e pelo chefe de
gabinete da Casa Branca Brooks. Um par de enfermeiros da
Marinha estava sentado perto deles, monitorando os sinais vitais de
Pope. Todos eles chegaram dez minutos antes de o sol se pôr na
Sicília.
– Olhe ali – Pope disse baixinho, apontando para a segunda fileira
de monitores.
Ela olhou para um ângulo mais amplo do terreno. Um carro com
uma luz no capô se aproximava rapidamente pela estrada.
– Coronel, uma viatura policial está se aproximando velozmente a
meio quilômetro a leste. Imagino que tenham ouvido os disparos de
Ivan.
– Maravilha – Gil respondeu.
33
SICÍLIA

– QUE DIABOS ESTÁ ACONTECENDO LÁ FORA? – Kovalenko


grunhiu.
Vitsin se lançou contra a parede à direita da janela, relanceando
para fora rapidamente, vislumbrando, com isso, o corpo de Anatoly
largado sobre o de Zargan.
– Os dois estão mortos!
Sem nenhum aviso, Tapa se lançou para fora da porta dos fundos,
partindo para o lado cego da casa com uma submetralhadora
apontada para frente. Sem morfina, sua dor começara a aumentar
exponencialmente nos últimos minutos, e ele sabia que, dentro de
uma hora, seria um completo inútil. Era preferível morrer em
combate a ter que ser assassinado pelos seus camaradas.
Andou até o canto da casa e viu as luzes azuis e vermelhas
estroboscópicas a uma centena de metros na estrada, e um par de
lanternas vindo na direção dele através das árvores. Ouvindo a
estática dos rádios da polícia, virou-se para avisar os outros e foi
alvejado no rosto por uma pistola 1911, caindo inconsciente no
chão.
Dragunov agarrou Tapa pela cabeça e a girou com força,
fraturando o pescoço e arrastando o corpo para o mato antes de
correr colina acima até a posição de Gil.
Um segundo carro-patrulha parou junto ao primeiro, mais dois
policiais saltaram para fora, correndo na direção da casa com
submetralhadoras MP5.
Kovalenko viu a polícia através da janela da frente da casa e
ordenou a Vitsin que recuasse.
– A polícia!
Foram para a porta dos fundos, e Vitsin foi cortado por uma rajada
da MP5.
Kovalenko deu meia-volta e atirou com seu rifle AWS. A rajada de
7,62 milímetros atravessou o corpo do policial que matara Vitsin e o
policial imediatamente atrás dele, abatendo-os de imediato. Ele
passou o rifle pelo ombro e segurou uma das MP5, disparando a pé
na direção oeste.
Os outros dois policiais invadiam a casa pela frente enquanto ele
desaparecia no meio da noite.

, Gil e Dragunov saíram das vistas,


preparando-se para recuar pelo sul.
– A polícia está na casa – Midori disse. – Um dos chechenos está
fugindo a pé pelo leste. Parece que vai conseguir escapar.
– O que acha? – Gil perguntou a Dragunov. – Quer ir atrás dele?
Dragunov ajustou a Beretta na cintura.
– Acho que temos que nos mexer. Não há como saber se aquele
era Kovalenko, e a área inteira estará lotada de policiais daqui a
pouquinho.
Isso bastou para Gil. Saíram de lá indo para o sul pelo alto.
– Tenho boas notícias para vocês – Midori anunciou.
– Manda – Gil disse, seguindo em frente.
– Um dos nossos agentes no país acabou de deixar um carro
para vocês a três quilômetros a sudeste de onde estão agora. Está
estacionado atrás de uma pizzaria. Eu os orientarei até lá.
– Onde estava esse cara antes? Poderíamos tê-lo utilizado.
– Levou tempo para que juntássemos nossos recursos – Midori
redarguiu. – E, tecnicamente, ele não é bem um agente. É um piloto
da nossa base aérea aí na ilha. Recebeu ordens para posicionar o
carro para vocês e pegar um táxi de volta à base. Estamos cuidando
do assunto no improviso, coronel.
– Graças a Deus pela Marinha – Gil murmurou. Largou o G28 no
meio do mato, sabendo que o rifle apenas o retardaria; o pé direito
já estava começando a incomodá-lo de novo. – Devolve a minha
pistola, Ivan.
Dragunov entregou-lhe a 1911, e eles seguiram na direção de
uma estrada ao pé da colina.
Kovalenko correu sem parar por trinta e cinco minutos, o
ferimento a bala na parte posterior da coxa latejava como o inferno.
Por fim, ele parou em uma casinha em um bairro tranquilo e se
esgueirou por uma das janelas. Encontrou os proprietários dormindo
na cama e os matou com as duas balas restantes na pistola com
silenciador. Depois fechou as cortinas e conectou-se pelo telefone
via satélite com o chefe do escritório da em Roma, Ben Walton.
– Que tipo de brincadeira de merda você está fazendo? – exigiu
saber.
– Brincadeira nenhuma – Walton respondeu com tranquilidade. –
A operação deu errado e saí do radar. Para falar a verdade, eu
estava para jogar este telefone no esgoto quando você ligou.
– A operação deu errado coisa nenhuma! – Kovalenko berrou. –
Estou arriscando minha vida aqui nesta ilha maldita! A minha equipe
inteira foi morta, assim como você será se não encontrar um modo
de me tirar daqui! Sei para onde está fugindo, e também tenho
amigos lá!
– Acalme-se – disse Walton.
– Não me diga para eu me acalmar! – Kovalenko gritou. – Eu vou
te encontrar e vou arrancar seu fígado, seu maldito porco
americano! Está me ouvindo? Ouviu?
– Sim, estou ouvindo – respondeu Walton. – Conte o que
aconteceu.
Forçando-se a falar com a voz normal sem nenhum esforço,
Kovalenko lhe deu a versão resumida das últimas doze horas.
– Muito bem, você está com sorte – disse Walton. – Shannon e
Dragunov vão ser apanhados na ponta de San Vito Lo Capo por
meio de um veículo de entrega . Se conseguir chegar lá antes
deles, talvez consiga apanhá-los na praia.
– Como você sabe disso? – Kovalenko o desafiou. – Como posso
ter certeza de que isso não é mais uma armação da ?
– Sei porque existem bocas frouxas na Casa Branca – Walton
garantiu. – Inferno, existem bocas soltas em todo lugar em . . hoje
em dia. Mas, sabe de uma coisa? Ou aceita minha palavra ou pode
ir se foder, Sasha. Estamos até o pescoço nessa confusão. Lamento
não poder tirá-lo da ilha, mas acabei de te entregar a cabeça de Gil
Shannon, isso se a quiser.
– Sim, eu quero – Kovalenko grunhiu. – Pode apostar como
quero.
– Muito bem, é melhor se mexer, então, porque duvido seriamente
que ele vá de jegue até San Vito. A Marinha americana tem muitos
recursos na ilha, e eles não podem se dar ao luxo de ter seu mais
recente Medalha de Honra capturado e julgado pelos malditos
sicilianos.
Com parte da sua ira aplacada, Kovalenko começou a sentir como
se Walton fosse um dos poucos amigos seus restantes no mundo.
– Quer dizer que agora você é um homem sem pátria, é isso?
– Sinto que sim – lamentou Walton. – Apostei e perdi. Uma
estupidez, mas é assim que acontecem as coisas às vezes. Vou me
arranjar mesmo assim. Assim como você. Vai conseguir encontrar
um modo de sair da ilha e, assim que estiver de volta ao continente,
estará de volta à ativa. Umarov necessita de homens como você,
ainda mais se ainda pretende destruir o .
– Ele jamais desistirá do oleoduto – Kovalenko afirmou.
– Talvez você queira deixar Shannon de lado – aconselhou
Walton. – Fique fora do radar. A Sicília é uma ilha grande. Seus
amigos do podem encontrar um lugar seguro para você se
esconder até a poeira baixar.
– Tem razão – disse Kovalenko, percebendo que havia a
possibilidade de alguém estar escutando a ligação. – Vou deixar
Shannon para lá. O podlets não vale o risco.
34
WASHINGTON, D.C.

O CHEF DE COZINHA JACQUES BONFILS estava na despensa


de alimentos secos nos fundos da Casa Branca, separando o
conteúdo de uma caixa de caviar quando ouviu a porta se abrir e se
fechar. Levantou-se e se virou, ficando diante de um General
William J. Couture de aparência muito raivosa, em seu uniforme de
diretor das Forças Armadas, e o rosto marcado pela cicatriz
ameaçadora e cruel.
– Mon général – Bonfils disse em francês, com um sorriso de
confusão estampado no rosto. – Algum problema?
Couture avançou pelo cômodo e deu um soco tão forte no
estômago de Bonfils que ele quase tossiu o rim antes de cair de
joelhos. Um vidrinho de caviar escorregou das suas mãos e se
espatifou no chão azulejado.
– Você tem uma chance para me contar com quem tem falado!
Bonfils estava de joelhos amparando a barriga, sem nem
conseguir respirar, quanto mais falar.
– A acabou de ouvir uma conversa muito interessante –
Couture prosseguiu. – Ao que tudo indica, temos um vazamento na
Casa Branca. – Chutou Bonfils ao lado do corpo e se abaixou para
segurar seu punho, girando-o até que Bonfils gritasse de dor. – Fale!
– Grieves!
Couture diminuiu um pouco a tensão no punho.
– Qual Grieves?
– O senador Grieves – Bonfils gemeu.
– Deixe de palhaçada, Jacques. Grieves não é tão idiota a ponto
de falar diretamente com você.
– O assistente dele. Eu falo com seu assistente.
Couture soltou o braço de Bonfils e o largou, ajoelhando-se ao
lado dele.
– Muito bem, é assim que vai acontecer, seu francês traidor. Vai
contar ao Serviço Secreto tudo o que sabe. Se não fizer exatamente
isso, eu mesmo acabarei com você! Entendeu?
Bonfils vomitou, ainda segurando a barriga de tanta dor.
– Oui, mon général.
Lágrimas rolavam pelos olhos dele.
Couture se levantou e suspendeu Bonfils, empurrando-o em
direção à porta.
Bonfils a abriu e foi levado imediatamente sob custódia por quatro
agentes do Serviço Secreto.
– Ele escorregou em um pouco de caviar. – Só então Couture fez
contato visual com o ajudante do chef parado do lado oposto da
cozinha e disse: – Melhor mandar alguém lá dentro com um
esfregão. Tem caviar e vômito no chão. Ainda que eu não entenda
como alguém consegue discernir um do outro…

da escrivaninha do presidente pouco


depois.
– A culpa é minha, senhor presidente. Mencionei a Operação
Falcão diante de Bonfils. Glen é testemunha. Estou preparado para
oferecer minha demissão a partir de agora.
– Sente-se, general. – O presidente se virou para Brooks, que já
estava sentado. – Isso é verdade? Você estava presente?
Brooks assentiu.
– Também estou disposto a oferecer minha demissão, senhor
presidente. Indo direto ao ponto, eu mesmo deveria ter denunciado
o general.
Couture olhou para Brooks.
– Glen, não foi isso o que eu quis dizer.
– Sei que não, Bill, mas isso não altera os fatos.
O presidente levantou uma mão.
– Parem. Antes que vocês dois caiam sobre suas espadas diante
do imperador… deveriam saber que também sou responsável. –
Afastou-se da mesa, permitindo o olhar vaguear pela sala por um
instante. – Diabos, ficamos decadentes a partir do topo, não?
Couture trocou um olhar pouco à vontade com Brooks.
– No outro dia… – disse o presidente. – No corredor… Contei a
Maddy sobre minha reunião com Pope. Contei para me certificar de
que isso não ficaria registrado na minha agenda oficial. Estava
distraído, e não dei atenção aos meus arredores. Bonfils estava a
poucos metros, esperando para me perguntar o que eu queria
jantar. A primeira-dama costuma cuidar disso, mas, como sabem,
ela está no Missouri visitando a família. – Levantou-se e se virou
para olhar o gramado logo abaixo pela janela. – Portanto,
cavalheiros, tenho quase certeza de que eu sou o vazamento
responsável pelo quase homicídio de Pope. – Virou-se. – Apesar
disso, as pessoas que trabalham sob este teto, todas, passaram por
investigações minuciosas e cada uma delas sabe muito bem que
não deve repetir aquilo que ouve entre estas paredes. Cristo Todo-
Poderoso! Se não é seguro falarmos na Casa Branca, onde é?
Voltou a se sentar, tamborilando os dedos sobre o tampo.
– A Operação Falcão será levada adiante?
– Sim, senhor – Brooks respondeu. – O Ohio está em contato com
Shannon, e a equipe do está se preparando para partir.
– E quanto ao maníaco Kovalenko? Onde ele está?
– Perdemos contato com ele – respondeu Couture. – O satélite
não conseguiu rastrear Shannon e ele ao mesmo tempo.
– Portanto, ainda existe a possibilidade de ele tentar interferir na
extração de Shannon, apesar do que ele disse a Walton?
– Afirmativo – Brooks disse.
– Seria melhor postergarmos a Falcão? Alterar o ponto de
extração?
– A esta altura, senhor, os perigos de termos Shannon e
Dragunov na ilha representam uma ameaça muito maior do que
Kovalenko. As autoridades sicilianas e italianas perceberam que há
elementos da e do violando a soberania deles e estão
extremamente determinados a obter provas disso. Pelo menos
quatro policiais sicilianos estão mortos, como também alguns civis.
– Quantas dessas mortes foram causadas por Shannon?
– De acordo com ele, nenhuma.
O presidente olhou para Couture.
– Acredita nisso?
Couture assentiu.
– Acredito, senhor.
O presidente inspirou fundo e suspirou.
– Ok. E quanto ao misterioso agente Walton? Ele saiu mesmo do
radar?
– Parece que sim – Brooks respondeu. – Mas conversei com
Pope sobre ele, e estou confiante de que a situação se resolverá
sozinha.
Um sorriso irônico se formou no rosto do presidente.
– Se resolverá sozinha, Glen?
– Essas foram as palavras de Pope, senhor presidente. Perguntei-
lhe o que achava sobre a traição de Walton, e ele me disse: “Glen,
eu não me preocuparia muito com Ben Walton. Essas coisas têm
um modo de se ajeitarem sozinhas”.
Talvez fosse pela tensão, mas Couture não conseguiu segurar a
gargalhada.
– Sinto muito, senhor presidente. Perdoe minha leviandade. É só
que Pope… Ah, infernos, não sei.
O presidente se sentou, assentindo.
– Acho que entendo, Bill. Ninguém deveria ser tão valioso e tão
perigoso ao mesmo tempo.
35
CABO SAN VITO

O CABO DE SAN VITO FICAVA NA PONTA noroeste da ilha, com


três quilômetros de extensão em um espaço de cinco terrenos
especialmente rochosos ao longo do litoral ocidental. Gil e Dragunov
estavam agora escondidos entre as rochas, tendo abandonado o
carro no vilarejo de San Vito Lo Capo um quilômetro e meio a leste.
Nada além de uma extensa faixa de estrada de terra jazia entre eles
e as águas abertas do Mediterrâneo a uma centena de metros de
distância.
Gil perscrutou as águas através de um par de óculos de visão
infravermelha que fora colocado debaixo do banco do motorista do
carro, procurando pelo flash infravermelho sinalizador
estroboscópico que estaria invisível a olho nu.
– Tufão verdadeiro, aqui é Tufão principal. Está ouvindo? Câmbio.
Gil apanhou o telefone via satélite, respondendo à transmissão do
USS Ohio.
– Entendido, principal. Responda, câmbio.
– Verdadeiro, fique avisado que seu motorista está estacionando
o carro. Câmbio.
“Estacionando o carro” significava que a equipe do do Ohio
havia chegado ao seu ponto de inserção e que estava no processo
de “estacionar” o no fundo do mar a cinco braças, ou o
equivalente a dez metros, de água. Os mergulhadores estariam
usando rebreathers para passarem despercebidos, reciclando o
oxigênio não utilizado a fim de eliminar as bolhas emitidas pelos
tanques convencionais de oxigênio. O Ohio aguardava silencioso a
pouco menos de cinco quilômetros em águas internacionais, a
cinquenta metros da superfície.
– Entendido, principal.
Gil olhou para Dragunov.
– Pronto pra se molhar de novo, parceiro?
Dragunov esfregou uma mão no rosto na escuridão.
– É nessa hora que fico mais nervoso, à espera da extração.
– Eu também. Fico feliz em saber que o mesmo acontece com os
russos.
– Foi o mesmo para os ingleses em Dunkirk – Dragunov disse
com seriedade. – O mesmo com os gregos quando Temístocles
ordenou a evacuação de Atenas. É sempre o mesmo quando o
inimigo está no seu encalço e você está prestes a mostrar seu rabo
para ele.
O capitão do Ohio os avisara que o ponto de extração estava
comprometido, e que eles concordaram em prosseguir com a
extração; devido à condição física precária deles, aguardar outras
vinte e quatro horas na ilha sem comida e sem água seria perigoso.
Ambos os homens estavam desidratados e tinham ferimentos
infeccionados, e Gil começara a apresentar febre baixa, sinalizando
o início de uma infecção generalizada. Sem hidratação adequada,
essa febre logo se tornaria mais grave, ainda mais sob o estresse
das condições de combate.
– Quanto tempo mais? – Dragunov perguntou.
– Vão estacionar o a duzentos metros daqui, depois nadarão
sob a superfície. Estarão arrastando nosso equipamento de
mergulho, portanto, diminuirá um pouco o ritmo deles, mas acredito
que veremos o estrobo daqui a uns dez minutos. A única coisa que
me preocupa é o retardo na comunicação.
O Ohio tinha que se apoiar na comunicação por telefone via
satélite com a equipe do pelo rádio, e isso impossibilitava a
comunicação com os mergulhadores em tempo real.
Dragunov grunhiu.
– Kovalenko está aqui. Consigo sentir a presença dele.
– Lamento ouvir isso. Aquele filho da mãe é bom demais com um
rifle. – Gil vasculhou a costa de um lado a outro com o auxílio dos
binóculos, não vendo nada além de rochas escarpadas nas duas
direções da estrada. – Pelo menos está o mais completo breu aqui.
– Talvez você não devesse ter jogado fora o seu rifle.
– Não devesse, não pudesse, blá-blá-blá… Isso não ajuda em
nada – Gil murmurou. – Você pode ficar aqui na ilha se quiser. Não
tenho muita certeza mesmo se preciso de um major Spetsnaz a
bordo de um dos nossos submarinos de todo modo.
– Por quê? Acha que tenho alguma microcâmera enfiada no cu?
Gil bufou, sabendo secretamente que Dragunov, após ser
recebido pelo Ohio, seria mantido no alojamento dos oficiais. Seria
bem tratado e alimentado, mas impedido de interagir com a
tripulação e de ver qualquer coisa de valor informativo.
– Quais as chances de eles me deixarem ver a torre de comando?
– Dragunov perguntou, sorrindo amplamente.
– Ivan, suas chances de ver uma medalha de combate suíço são
maiores do que ver a torre de comando daquele submarino.
Um pouco além dos cem metros ao sul, bem escondido entre as
rochas, Kovalenko estava deitado à espera com a sua AWS, ainda
imprecando contra o agente do que se esquecera de lhe deixar
um telescópio para o rifle.
– Ei, que diabos você quer de mim? – o cretino lhe dissera. – Tem
sorte de eu ter aparecido com alguma coisa assim tão em cima da
hora.
– Tvayu mat’7 – Kovalenko murmurou, mastigando um pouco de
chocolate junto com uma golada de água mineral francesa que ele
apanhara da casa onde matara um casal siciliano adormecido.
Não havia a mínima ondulação nas águas à margem, e isso era
bom porque significava menos barulho, e qualquer marola
provocada por um barco teria mais chances de ser perceptível. Ele
sabia o quanto as equipes do gostavam dos seus barcos
Zodiac de alta velocidade, e estava ansioso para atirar em um deles.
Não houve sinal da Marinha italiana desde que ele ali chegara
uma hora atrás, e deduzia que talvez isso se devesse pelos
americanos terem sugerido aos italianos que ficassem distantes do
cabo aquela noite, mas não havia como prever quanta cooperação
existia entre os dois governos. Os italianos e os americanos sempre
fingiam se desentender enquanto, por debaixo dos panos, se
auxiliavam.
– Kozly. – Idiotas.
Kovalenko apoiou o rifle no ombro e perscrutou a costa à procura
de movimento, buscando luzes ou reflexos na água. Sem conseguir
ver muita coisa, contentou-se em esperar, certo de que Dragunov
estava escondido em algum lugar na praia e que o atirador
americano estava com ele. Olhando pelos binóculos, Gil avistou o
estrobo infravermelho debaixo da superfície da água e apanhou o
telefone via satélite.
– Tufão principal, tenho visual do estrobo. A equipe está livre na
superfície. Câmbio.
– Entendido, verdadeiro. Retransmitindo agora.
Uns instantes mais tarde, as cabeças de dois s da Equipe 4
do apareceram na superfície.
– Vamos, Ivan! Vamos em frente.
Moveram-se pelas rochas, indo devagar enquanto cobriam os
cinquenta metros até a estradinha de terra. Assim que
atravessaram, deram a volta até a linha de água, desacelerando de
novo ao entrarem na água a fim de evitar produzir barulhos ou
marolas.
Os s estavam agachados na água que lhes batia na cintura
uns cinquenta metros da praia, tendo trocado as máscaras de
mergulho pelos óculos de visão noturna. Vigiaram atentos a sinais
de perigo conforme o agente Spetsnaz e o colega deles
avançavam para encontrá-los. Depois se levantaram, cada um deles
segurando outro equipamento de mergulho. Só estavam armados
com M11s com silenciadores (Sig Sauers P228s).
Ninguém disse nada quando os s começaram a ajudá-los a
vestir o equipamento de mergulho. Estavam quase a salvo e
ninguém queria arriscar comprometer a missão.

avaliando a praia quando um carro fez


uma curva indo para o norte, parando abruptamente com seus faróis
iluminando os quatro mergulhadores na água a cento e cinquenta
metros da sua posição.
– Blyat’!
Ele se virou para a direita e disparou sem sequer chegar a parar o
rifle, alvejando um dos mergulhadores. Os outros três mergulharam
abaixo da superfície enquanto Kovalenko equilibrava o rifle e atirava
na água. A água começou a borbulhar, e um dos mergulhadores
ressurgiu à superfície sibilando através do rebreather, que ele
imediatamente dispensou.
Kovalenko atirou de novo, e outro mergulhador ressurgiu
amparando o peito.
Dragunov arremessou o rebreather na água, puxando a Beretta
das calças e atirando no carro. O carro imediatamente se moveu em
marcha à ré pela curva, e a escuridão voltou a envolvê-los.
Gil exclamou na máscara equipada com rádio do ferido em
seus braços.
– Tufão principal, saibam que estamos sob fogo! Repito. Sob
fogo. Um morto em combate. Um gravemente ferido. Solicito resgate
de superfície imediato! Câmbio.
Dragunov se moveu até ele.
– Posso usar a máscara do morto. Vamos embora!
– Não podemos – Gil disse, empurrando o ferido para os
braços de Dragunov. – Ele foi atingido no pulmão. O mergulho o
mataria.
O Ohio respondeu à sua transmissão:
– Tufão verdadeiro, aguardem evacuação de superfície imediata.
Câmbio.
– Entendido, principal. Depressa! Estamos no raso. – Gil largou a
máscara e pegou os óculos de visão noturna do . Depois pegou
a pistola M11 do coldre em sua perna. – Mantenha-o vivo, Ivan, vou
atrás de Kovalenko.
– Que porra você está falando? – Dragunov sibilou. – Fique aqui
nesta maldita água! Seu pessoal vem nos resgatar.
– Estão a cinco quilômetros daqui, vindo em botes de borracha
que fazem muito barulho. Neste instante, Kovalenko está mudando
de posição para um tiro mais próximo e, se eu não o pegar primeiro,
até que a equipe de superfície chegue aqui, ele matará a todos.
– Merda! – Dragunov imprecou, segurando o ferido de modo
que a cabeça e o peito dele ficassem fora da água. – Vê se não
morre!
Em tradução livre: vá à merda. (N. E.)
36
A BORDO DO USS OHIO

M M

– CHEFE DE COMANDO, ataque de emergência! – alertou o


Capitão Daniel Knight, ordenando que o barco fosse à superfície. –
Todos os vigias na torre de comando.
– Sim, senhor.
Knight atravessou a torre de comando até o líder da equipe do
, coronel Dexter “Dex” Childress, que acabara de ouvir pelo
rádio que um dos seus s estava morto e o outro, tão seriamente
ferido que não poderia retornar para o Ohio pelo .
– Vocês chegarão à costa sob fogo, coronel, portanto, leve tudo o
que considerar necessário.
Childress, aos 35 anos, tinha estatura mediana, e estava sempre
com a sombra de uma barba por fazer.
– Sim, senhor. Alguma ideia sobre quem está atirando?
– Você sabe tanto quanto eu, coronel. Esperemos somente que
não seja a Marinha italiana, ou vamos ter que enfrentar o homem
antes que isso acabe.
– Entendido, capitão.
Minutos mais tarde, Childress estava no convés do submarino
submergido com seus óculos de visão noturna, observando
enquanto seis outros s terminavam de inflar dois s – botes
de borracha de combate.
– Imagino que isso seja o fim da tentativa de extração silenciosa,
não, coronel?
Childress olhou para seu segundo em comando, o Suboficial de
1ª Classe Winslow.
– Avisei o centro de controle para que enviasse mais homens,
Winny. Que diabos mais eu podia fazer? – Sentia-se nauseado, pois
nunca perdera um membro de uma equipe sua antes. – Malditas
meias-medidas.
– Vamos dar um jeito – Winslow disse, dando um tapa no ombro
dele. – Vamos dar um jeito.
Os botes já estavam prontos e na água um minuto mais tarde. Os
s embarcaram quatro homens em cada bote.
Knight permaneceu na torre de comando, observando-os através
de binóculos de visão noturna conforme se afastavam velozmente.
– O que acha, capitão? – o chefe do barco perguntou.
Knight relanceou para ele.
– Acho que estamos a quinze minutos de um incidente
internacional, coronel, mas veremos.
– Quanto tempo até contatarmos o Comando da Frota, senhor?
– Vamos descer e fazer isso agora. O almirante vai ter uma
síncope. Todos os vigias para baixo e prepare para submergir a
vinte metros.
– Sim, senhor.
Childress estava sentado na posição de líder a bombordo do bote,
observando a superfície cinza esbranquiçada da água através dos
infravermelhos, os borrifos frios do mar atingindo seu rosto. Ele e os
homens estavam entrando em águas de aliados – armados até os
dentes – sem permissão do governo italiano.
Winslow falou com ele através do rádio enquanto avançavam pela
superfície.
– Quais as regras para abordagem, coronel?
Childress relanceou para o outro barco, observando Winslow
retribuindo seu olhar.
– O que for necessário para garantir que ninguém mais do nosso
pessoal seja morto. – Fez uma pausa para se certificar dos seus
sentimentos, depois acrescentou: – Assumirei total
responsabilidade.
– Entendido – disse Winslow. – Tem o meu apoio.
Em dez minutos, estava às vistas do ponto de extração, e
Childress avistou um homem na praia, ajoelhado ao lado de outro
homem. Conforme se aproximaram, percebeu que o homem
ajoelhado fazia manobras de reanimação cardiopulmonar, e que
outro corpo muito mais inerte estava não distante dali, com as
pernas ainda na água. Sinalizou para que o timoneiro se
direcionasse exatamente para eles, e o timoneiro ergueu o polegar.
– Vamos, seu americano idiota – Dragunov grunhia. – Respire!
Deu um golpe no esterno do moribundo na tentativa de fazer
com que seu coração voltasse a bater. Ouvia os motores dos botes
que se aproximavam por trás dele enquanto elevava o queixo do
e expirava em sua boca. Depois voltou a massagear: quinze
compressões para cada duas respirações.
Os botes chegaram à praia um em cada lado seu, e dois s se
apressaram para assumir as manobras de reanimação enquanto
outros quatro se espalhavam em arco defensivo.
– Senhor! – disse Childress. – É o Major Ivan Dragunov?
– Sim – Dragunov confirmou, sentando-se na água e se apoiando
nos braços para descansar, com o peito ofegante. – Lamento não
ter conseguido salvá-lo. Fiz o melhor que pude.
– Agradeço seu…
– Ele tem pulsação! – Winslow exclamou em tom de desespero. –
Permissão para partir, coronel?
– Vá!
Tanto o morto quanto o moribundo foram imediatamente
transferidos para um dos botes e a equipe secundária retornou para
o mar no escuro.
– Major, onde está o Coronel Shannon?
Dragunov se pôs de pé e apontou para a ilha.
– Ele foi atrás de Kovalenko para impedir que os matasse quando
vocês se aproximassem. Pelo que sei, pode até já estar morto. Mas
acredito que ainda esteja vivo porque Kovalenko não atirou em nós.
Me dê uma arma, e eu vou procurá-lo.
– Negativo – disse Childress, perscrutando a praia, mas sem ver
nenhuma leitura de calor. – Temos que ir, senhor.
– Mas aquele é um dos seus homens – argumentou Dragunov. –
Vai deixá-lo aqui?
– Lamento. Não temos escolha. É melhor subir no bote, senhor.
Para surpresa do próprio Dragunov, isso o irritou.
– Shannon me disse que os s não deixam os seus para trás.
Childress se sentiu um merda.
– Não deixamos os nossos para trás, senhor, mas isto é diferente.
Temos que ir.
– Vá você! – bradou Dragunov, mandando-o embora com um
gesto. – Vou atrás de Shannon. Não vai me dar a sua arma? Pois
bem, me dê ao menos a visão noturna!
Childress sinalizou para que os outros três s cercassem o
oficial russo.
– Major, no instante em que o bote chegou à praia, o senhor se
tornou minha responsabilidade. As minhas ordens são de levá-lo em
segurança a bordo do Ohio, e é exatamente isso que tenho intenção
de fazer, com ou sem a sua cooperação, senhor.
Dragunov o encarou, relanceou por cima do ombro para seus
oponentes e os considerou formidáveis.
Childress via que ele estava cambaleante.
– Major, o senhor está exausto. Por que não entra no bote?
Estamos ficando sem tempo aqui.
– Chort! – Dragunov ralhou, andando na água e entrando no bote
inflável.
Os s empurraram o bote para o fundo, e Childress subiu ao
lado de Dragunov, pondo uma mão em seu ombro.
– Não se preocupe com o Coronel Shannon, major. Ele já
sobreviveu a coisas muito piores.
– Sei disso – Dragunov murmurou, conforme o motor ligava. – Eu
estava observando por satélite no dia que tentaram matá-lo no Vale
Panjshir.
– O que disse? – Childress gritou acima do barulho do motor.
Dragunov sacudiu a cabeça, sentindo-se cansado
repentinamente.
– Nada… Eu não disse nada.
37
SICÍLIA

GIL CONSEGUIA SENTIR O LOBO entre as rochas agora e, de


alguma forma, sabia que Kovalenko também o sentia, pois uma
estranha eletricidade permeava o ar. Percebeu a loucura que era
caçar um atirador Spetsnaz em terreno incerto com nada além de
uma pistola, mas existia uma arrogância dentro dele que estava
cansada de ser vencida no gatilho, cansada de fugir. Ele e o
checheno já arrancaram sangue um do outro, e não havia como
evitar a atual natureza pessoal da inimizade entre eles. Até então,
cada um deles sobrevivera ao que o outro lhe lançara, mas estava
dolorosamente ciente de que a disputa permaneceria inconcluída
até que o outro tivesse provado ser o melhor.
Gil perdera o telefone via satélite na água, portanto, não havia
como ligar para Midori ou para o Ohio para conseguir auxílio. Estava
completamente por conta própria, e era apenas uma questão de
tempo até que o motorista daquele carro chamasse a polícia. Logo,
o cabo todo estaria tomado por carabinieri… e por cães.
Andou para o sul alguns metros, parando quando seus instintos
lhe disseram que o inimigo estava próximo. Ele despontou a cabeça
ao redor de uma rocha e viu, em seu campo de visão esverdeado
dos óculos de visão noturna, a figura de um homem posicionado
entre as rochas uns setenta metros ao sul. O atirador inimigo estava
apontando o rifle sobre o topo de um afloramento denteado,
evidentemente concentrado na estradinha de terra, deixando as
costas completamente expostas. Isso fez pouco sentido para Gil até
ele se mover a leste e ver que o gramado oposto à escarpa estava
dividido por altos muros de pedra que aparentavam ser de antigas
propriedades rurais sicilianas pequenas. Qualquer manobra através
dessas propriedades seria lenta e tediosa, deixando-o vulnerável
toda vez que transpusesse cada um desses muros.
A única rota visível de avanço era sobre a escarpa rochosa, o que
equivalia a ter que perder Kovalenko de vista em alguns períodos
longos, talvez até perdendo a direção em que ele se encontrava até
estar a poucos metros. Procurou algum marco geográfico paralelo à
posição de Kovalenko que pudesse usar como ponto de referência
fixo a fim de acompanhar seu progresso. A última coisa de que
necessitava era se ver cara a cara com o inimigo.
Gil foi incapaz de encontrar uma referência geológica definitiva,
por isso acabou se contentando com o que parecia ser uma lata de
refrigerante ao lado da estrada mais ou menos próxima à posição de
Kovalenko. Começou a andar, mantendo o checheno sob suas
vistas o melhor que pôde, até que uma rocha íngreme o obrigou a
subir pela escarpa denteada, completamente fora do campo de
visão do seu alvo. O avanço era irregular pela rocha denteada, mas,
em dez metros, ele se deparou com uma fenda ampla de uns três
metros e meio de profundidade. Marcou a localização da lata e se
abaixou com cuidado, rastejando adiante na direção da abertura da
fenda, esperando emergir com um tiro desimpedido de Kovalenko a
menos de seis metros de distância.
Sentiu uma ligeira pressão na canela direita e ficou imobilizado no
lugar em que estava, mas já era tarde demais. Uma garrafa de água
mineral, enfiada de ponta-cabeça em um galho, oscilou para frente
nas sombras mais acima e se quebrou ao bater nas rochas,
produzindo um barulho alto o bastante para despertar os mortos.
– Maldito filho da puta! – ele imprecou baixinho, agachando-se
para tocar no cadarço preto que fora esticado ao longo da fenda
como um gatilho para a armadilha em questão.
– Jogue fora suas armas! – exclamou uma voz com sotaque
checheno. – Você está acuado! Não tem para onde ir.
Gil olhou ao redor rapidamente, vendo que não havia nenhuma
ameaça imediata.
– Venha me pegar!
– Era você em Paris, não era?
Gil examinou melhor as paredes. Eram lisas demais para ele subir
por elas e distantes demais para se amparar nelas e escapar dali.
– Pode esquecer a ideia de sair escalando! – Kovalenko lhe disse.
– Era você em Paris, não era?
– Era. E daí?
– Quem te mandou ir atrás de nós?
– Que diferença isso faz, porra?
Kovalenko riu.
– Perdi um estimado amigo naquela noite. Quero saber quem
mais devo matar.
Gil refletiu a respeito, resolvendo: Que se dane. Posso mesmo
morrer aqui nesta armadilha para ratos…
– O nome dele é Tim Hagen. O filho da puta quer me ver morto,
não me pergunte por quê.
– Lembrarei do nome dele – Kovalenko respondeu. – Agora, jogue
suas armas para mim.
– Vem pegar.
– Prometo que o deixarei viver.
Gil nem se deu ao trabalho de responder àquilo.
– Preste atenção, não preciso te matar para te impedir de me
seguir.
– Que diabos você quer dizer com isso?
– Quero dizer que lhe dou a minha palavra de soldado que só
atirarei no seu joelho. Isso é um bom acordo, não?
Gil gargalhou.
– Ouça! – Kovalenko insistiu. – Já não quero mais matar você.
Você se mostrou um adversário de valor, e eu provei que sou o
melhor. Vamos resolver isto como os que vieram antes de nós.
Curve-se diante de mim e eu deixarei que você viva. Juro.
Gil sacudiu a cabeça, acreditando que o checheno de fato estava
falando a verdade.
– Não estou me prontificando a levar uma maldita bala no joelho.
– No cotovelo, então. Eu o deixo escolher.
– Você é um sukin syn generoso, com isso tenho que concordar.
Foi a vez do checheno de gargalhar.
– Gosto de você, mas logo o meu pessoal chegará. Eles trarão
granadas. Você quer isso?
– Conversa fiada – Gil disse. – Nós dois sabemos que ninguém
está vindo a não ser a polícia. Vou me arriscar com eles.
Houve uma longa pausa, e Gil se moveu de volta para o nicho,
atento à possível aparição de Kovalenko acima dele.
Quase um minuto inteiro se passou antes que o checheno
voltasse a falar.
– Você tem visão noturna, certo? – Havia uma urgência
perceptível no tom de voz dele que não estava ali antes, e a voz
vinha de um ângulo mais baixo entre as rochas.
– Por que quer saber? – Gil avançou alguns centímetros, pronto
para atirar na boca da abertura.
– Jogue-os para mim, e eu partirei.
– Não. Consiga os seus.
Dessa vez, não houve resposta e, depois de cinco minutos de
espera, Gil começou a sentir que estava sozinho.
– Mas que porra está acontecendo? – murmurou.
Um animal rosnou acima dele, e ele levantou o olhar deparando-
se com um doberman, que rosnou e arreganhou os dentes. Logo,
um segundo doberman apareceu, e os dois cachorros começaram a
latir como loucos, avisando seus companheiros policiais sobre sua
exata localização.
– Sinto muito por isso, amiguinhos. – Gil apontou a M11 com
silenciador para cima e atirou nos dois cachorros do queixo para
cima, matando-os no ato.
Moveu-se para a abertura da fenda e espiou pelo canto, vendo
que Kovalenko fugia correndo pela estrada de terra indo para o sul,
já longe do alcance da sua pistola.
Um carro de polícia tremulou ao fazer a curva ao norte, suas luzes
azuis e vermelhas dançando pelas rochas, e Gil viu quando
Kovalenko se virou, se agachou com tranquilidade e apoiou o rifle
no ombro.
O checheno deu dois tiros em rápida sucessão. O carro de polícia
derrapou da estrada, e Kovalenko voltou a correr um segundo mais
tarde.
Houve muitos gritos vindos agora de cima e de trás da posição de
Gil, os policiais chamando pelos seus cães.
Gil saiu da fenda e escorregou por uma rocha.
– Pare! – uma voz gritou acima enquanto ele cambaleava em
direção à estrada.
Pistolas dispararam, e balas ricochetearam nas rochas aos seus
pés conforme ele disparava à frente. Uma bala passou perto da sua
orelha esquerda, e ele desapareceu na escuridão.
Outras três viaturas viraram na curva com luzes de busca indo de
um lado a outro. Os carros pararam enquanto ele corria para a
água, e uma rajada de submetralhadora atingiu a superfície. Uma
bala atravessou sua panturrilha, e ele mergulhou na água que mal
lhe chegava às coxas, batendo o rosto no fundo rochoso, dando
braçadas vigorosas em direção à segurança do fundo do mar.
Nadou até acreditar que seus pulmões explodiriam, ousando
emergir no último segundo possível, a apenas uns cinquenta metros
do litoral. Gil foi detectado quase na mesma hora por um facho de
lanterna e foi forçado a mergulhar novamente por mais artilharia de
submetralhadora. Nadou com mais determinação do que jamais
nadara em toda a sua vida, até que o fundo finalmente ficou mais
baixo, permitindo que ele mergulhasse o bastante para arrancar os
sapatos e as roupas, voltando à superfície para mais uma golfada
preciosa de ar.
Nadou para o norte, conseguindo deixar as luzes para trás, dando
braçadas suaves logo abaixo da superfície. Totalmente em seu
elemento agora, Gil retornou para o ponto de extração da equipe do
, onde os dois homens-rãs foram alvejados. Após cinco minutos
de procura atenta, encontrou o equipamento de mergulho do
morto e submergiu para vesti-lo. Depois tirou a cabeça da água uma
última vez, colocando a máscara equipada com comunicação à
prova d’água e desapareceu de vez debaixo da superfície.
– Tufão verdadeiro para Tufão principal. Acompanha meu trajeto?
Câmbio?
Dez segundos depois, ele ouviu a resposta do Ohio:
– Siga em frente, verdadeiro. Acompanhamos.
Agora que estava de nadadeiras, Gil deixava a praia rapidamente
para trás.
– Principal, saiba que o alvo escapou devido à intervenção de
força policial local. Agora estou na água e afastado em segurança.
– Vá em frente, verdadeiro.
– Pode mandar uma segunda equipe do para me ajudar a
localizar o veículo principal? Não consegui recuperar a unidade de
receptor-transmissor, por isso estou nadando às cegas. Câmbio.
– Entendido, verdadeiro. A equipe está se preparando. Hora
estimada de chegada ao ponto externo em vinte e cinco minutos.
Câmbio.
– Entendido, principal. Aguardarei no ponto externo.
38
HOSPITAL NAVAL BETHESDA

B ,M

POPE ESTAVA SENTADO EM SEU LEITO HOSPITALAR


conversando por telefone com Vladimir Federov do .
– Dragunov agora está a salvo a bordo do submarino? – Federov
perguntou.
– Isso mesmo – confirmou Pope. – Ele perdeu um dedo na Sicília,
mas, fora isso, está em boa forma física. Nosso homem acabou
ficando pior. Mas os dois foram atendidos pelo médico a bordo do
Ohio e, após trinta e seis horas de repouso, podemos colocá-los na
Europa. Só do que precisamos é que você providencie quando e
onde.
– E quanto a Kovalenko?
– Esse peixe fugiu – Pope informou. – Entendo que seu pessoal
tenha tentado abater Umarov ontem? Como foi?
Federov não respondeu de imediato.
– Ouvimos algo pelo rádio – Pope ofereceu espontaneamente.
– Bem – disse Federov –, então já deve estar sabendo como foi.
Umarov dizimou uma equipe da Spetsnaz inteira. Nenhum de nós
está se saindo muito bem, Robert.
– Ainda estamos no começo do jogo. Moscou está lhe causando
problemas?
– Meus superiores não são pacientes – explicou Federov. – O
governo francês identificou Yeshevsky e o outro homem que
Shannon matou em Paris. O ministro dos Assuntos Exteriores está
dificultando a vida do nosso embaixador.
– Deduzo que você não esteja mais em Paris?
– Estou em Berna agora – contou Federov. – A queria me
interrogar. Achei melhor evitar. – A era o exército francês
Direction de la Protection et de la Sécurité de la Défense,
encarregada da contraespionagem.
Pope riu.
– Imagino que tenha pensado isso mesmo. Eles fizeram algumas
perguntas sutis à nossa embaixada, mas o embaixador não sabe de
nada.
– Meus superiores estão preocupados que o seu Departamento
de Estado nos deixe segurando o problema caso o assunto venha a
público.
– Entendo essa preocupação – disse Pope. – E, por mais que eu
não possa prometer que isso não acontecerá, sei que meu
presidente e seu conselheiro mais próximo estão satisfeitos com o
nível de cooperação que temos tido até então. Os dois lados estão
com lama na cara e, caso isso venha a público hoje, estou confiante
de que meu presidente estaria disposto a partilhar a mesma parcela
de responsabilidade, contanto que seus superiores estejam
dispostos a admitir que esta tem sido uma operação conjunta.
Federov riu.
– Isso causaria uma imensa quantidade de boatos na .
– Não sei bem se boatos seria a palavra correta – replicou Pope
–, mas entendo seu ponto de vista. De qualquer forma, este é um
mundo novo. Os islâmicos estão prestes a se unir às comunidades
das armas nucleares, portanto, a Rússia e os Estados Unidos terão
que aprender a trabalhar juntos. A , um dia, pode até chegar a
se tornar irrelevante. A despeito de tudo isso, é nossa tarefa impedir
que essa pequena confusão que criamos não vá a público. De fato,
o futuro da provavelmente depende disso.
– O senador Grieves ainda está pressionando para que a agência
seja dissolvida?
– Sim, e ele está conquistando influência no Senado. Não o
bastante ainda, mas um escândalo como este não ajudaria a nossa
causa. – Pope não entrou na parte em que Grieves agora era um
caso de investigação do por possíveis atividades de traição.
– As empresas petrolíferas ocidentais foram avisadas sobre o
plano para atrapalhar as atividades do oleoduto? – Federov
perguntou.
– Não – Pope respondeu. – Resolvemos deixá-las no escuro.
Houve alguns problemas há seis meses em uma plataforma no
litoral da Nigéria, e os mercenários deles só tornaram nosso
trabalho dez vezes mais difícil do que precisava ser, por isso os
estamos deixando de fora desta vez.
– Muito bem. Quando o Ohio conseguirá levar nossos homens ao
litoral?
– Isso depende de onde você tomará as suas providências.
– Que tal a Turquia? – Federov sugeriu. – Tenho alguns recursos
lá.
– Está bem – concordou Pope. – Passarei a informação pelos
canais certos e voltarei a falar com você em vinte e quatro horas.
– Isso me dará o tempo de que preciso – assegurou Federov. –
Agora, me diga: como está se sentindo? Fiquei mais que aliviado
em saber que você sobrevivera ao atentado à sua vida.
– Os médicos dizem que vou me remendar bem. Obrigado por
perguntar.
– E os traidores nojentos que encomendaram o atentado?
Pope ficou silencioso por um instante.
– Bem, você conhece o velho ditado, Vladimir: é estupidez
fracassar.
39
ISTAMBUL

ISTAMBUL ERA A MAIOR CIDADE DA TURQUIA, com população


de catorze milhões predominantemente de muçulmanos sunitas.
Cobria uma área de cinco mil quilômetros quadrados, e era o ponto
focal da cultura, da economia e dos pontos históricos de interesse
da Turquia.
Gil e Dragunov foram levados à terra firme no meio da noite no
Parque Aytekin Kotil, onde esperaram em meio a palmeiras
cretenses por meia hora até que Dragunov recebesse uma
mensagem do contato do dizendo para que se encontrassem
com ele na entrada principal.
O contato era um russo corpulento e sujo, de rosto não barbeado,
e em três lugares parecia que ele não se lavava há semanas. Seu
nome era Vlad, e ficou evidente que odiou Gil à primeira vista.
– Você trouxe um americano – ele disse a Dragunov em russo. –
Por que não me contaram isso?
– Contaram que havia dois de nós – Dragunov respondeu no
mesmo idioma. – É tudo o que você precisava saber. Agora, vamos
em frente. Não gosto de ficar parado a céu aberto.
Entraram em um carro pequeno, Gil na parte de trás, e Vlad
dirigiu para fora do parque pela Avenida Kennedy, uma estrada
costeira denominada em homenagem ao presidente americano John
F. Kennedy. Gil viu a placa onde se lia “Kennedy Caddesi” e sorriu.
Estava muito, muito longe de casa, e ver algum americanismo era
um conforto.
– Aonde estamos indo?
Dragunov manteve a mão dentro do casaco da Marinha
americana, onde segurava uma pistola de 9 milímetros Beretta M9.
– Para um prostíbulo – Vlad respondeu, encarando Gil pelo
espelho retrovisor. – Não seremos incomodados. A prostituição é
legalizada aqui, e estamos protegidos pela polícia.
Sem entender uma palavra do que estava sendo dito, Gil fingiu
não notar o desdém de Vlad, mantendo neutra sua expressão facial
e evitando contato visual. A última coisa que queria era entrar em
uma competição de irritação com o em um país muçulmano.
Ainda assim, como Dragunov, ele também estava com a mão
enfiada dentro do casaco segurando a M9 dada pela Marinha. Gil
também tinha duas câmaras extras no bolso do quadril esquerdo.
Dirigiram em meio às luzes da cidade até que Vlad virou em um
beco escuro e estacionou diante de um prédio de concreto sem
nenhuma marcação, onde dois homens estavam parados do lado de
fora no estacionamento precariamente iluminado. Uma névoa densa
caíra, e o ar estava frio. Havia seis carros estacionados.
Vlad desligou o motor, e todos saíram. Um homem gordo e careca
puxou Vlad para o lado e falou com ele em voz baixa enquanto Vlad
acendia um cigarro. Quando terminaram de falar, Vlad acenou para
que Dragunov o seguisse para dentro.
Gil assentiu para os dois homens parados montando guarda ao
acompanhar por trás, mantendo o olhar aguçado ao passarem pela
soleira e entrarem no prédio. O cheiro predominante era
inconfundível: perfume carregado e maconha. Junto a uma mesa
logo após a entrada, dois homens assistiam à , e nove mulheres
com apenas roupas de baixo estavam espalhadas nos sofás e
cadeiras no vestíbulo mal-iluminado. Umas duas garotas prenderam
o olhar de Gil, uma conseguindo produzir um pequeno sorriso, mas
a maioria desviou os olhos.
Gil começou a sentir o estômago arder.
– Que porra de lugar é este? – murmurou para Dragunov quando
Vlad parou para falar com os homens à mesa.
Dragunov relanceou para as mulheres ao redor.
– Que lugar parece ser?
– Pensei que estivéssemos indo para um lugar seguro do .
– É este o lugar – Dragunov disse. – O que você esperava? Algo
saído de um filme de Jason Bourne?
– Por aqui.
Vlad os conduziu através de uma cortina de contas vermelhas e
por um corredor comprido com muitas portas fechadas até uma
cozinha bem-iluminada. Duas outras jovens estavam à mesa
sorvendo colheradas de sopa, e ele lhes gritou em russo, fazendo
com que imediatamente se levantassem e escapassem voando do
cômodo.
– Só o que elas fazem aqui é comer – ele reclamou com
Dragunov. – Se não estão comendo, estão reclamando de alguma
coisa. Putas mal-agradecidas.
Dragunov assentiu.
– Café?
– Ali.
– Quer também? – Dragunov perguntou a Gil.
– Claro.
Gil pegou o maço de cigarros do outro bolso do casaco e acendeu
um quando Vlad saiu da cozinha através de outra cortina de contas,
azul desta vez, para um segundo corredor, exclamando ordens para
alguém fora de suas vistas.
– Ele fala inglês?
Dragunov deu de ombros.
– Provavelmente não, mas cuidado com o que diz perto dele.
– Estas garotas são escravas sexuais. Você sabe disso, não
sabe?
A Turquia era um dos lugares mais populares para o tráfico
humano. Estimava-se que pelo menos umas oito mil mulheres
tenham sido escravizadas ali, e a máfia russa controlava boa parte
daquela indústria. Importavam mulheres principalmente da Rússia,
da Polônia e da Ucrânia, mas outras organizações criminosas as
importavam da Armênia, do Azerbaijão, de Belarus, da Geórgia, da
Grécia, da Indonésia, do Cazaquistão, do Quirguistão, da Moldávia,
da Romênia, do Turcomenistão e do Uzbequistão. Esse abuso
escancarado da política de liberdade à prostituição na Turquia fizera
com que muitas municipalidades turcas deixassem de emitir as
licenças de funcionamento para novos bordéis e se recusassem a
renovar as dos antigos. Contudo, isso de pouco adiantou para
diminuir o fluxo do tráfico humano. Os sindicatos estavam bem
estabelecidos, e a força policial era facilmente subornada para
aquiescer.
Dragunov se sentou à mesa de carteado com sua xícara de café.
– Isso não é responsabilidade nossa – ele disse.
– O que o está fazendo trabalhando junto com a máfia
russa?
Uma sombra se passou pelos olhos de Dragunov quando ele
encarou Gil de baixo.
– Está dizendo que a nunca trabalhou com criminosos? Que
ninguém nunca acaba se fodendo?
Gil se sentou diante dele.
– Uma daquelas garotas lá fora não deve ter mais do que 16
anos.
Dragunov o fitou.
– O que você quer que eu faça a respeito disso?
Gil se recostou na cadeira dobrável, exalando um suspiro.
– Nada.
– Ainda bem – respondeu o agente Spetsnaz. – Porque não há
nada que possa ser feito. Isto aqui é a Turquia e, mesmo se fosse a
Ucrânia ou Belarus, o que poderíamos fazer, hein? Começar uma
guerra com a máfia russa?
– Não me parece ser a pior ideia que já ouvi na vida.
Uma das mulheres mais velhas, com talvez uns 26 anos, entrou
na cozinha, os cabelos negros esvoaçando pelos ombros, e foi até a
cafeteira. Estava vazia, por isso ela apanhou a lata de pó de café de
uma prateleira no alto. A camisola preta era transparente e não
deixava nada para a imaginação, pois os mamilos duros e a faixa de
pelos púbicos escuros estavam totalmente visíveis.
Gil não conseguiu evitar se excitar um pouco, por isso desviou o
olhar.
Vlad entrou na cozinha, sorriu quando viu que a mulher fazia café
e disse algo para Dragunov.
Dragunov olhou para Gil.
– Acho que ela fala inglês, se você quiser fodê-la.
Gil relanceou para Vlad e sacudiu a cabeça.
– Diga a ele não, mas obrigado.
– Ele disse que é por conta da casa, como uma cortesia
profissional.
Gil olhou para a moça, que, imediatamente, baixou o olhar.
– Não, obrigado – murmurou.
Vlad riu, falando demoradamente com Dragunov antes de sair da
cozinha de novo.
– O que foi isso?
– Ele disse que partiremos pela manhã e que nos levará de carro
para a Geórgia. Atravessaremos a fronteira com um dos
carregamentos deles. Está tudo arranjado com os guardas da
fronteira. Não haverá nenhum problema.
– Carregamento de quê?
Um sorriso irônico se formou no rosto de Dragunov.
– Do que você acha?
Pouco tempo depois, estavam ocupados discutindo o plano deles
de eliminar Umarov quando Vlad marchou com uma das
adolescentes para dentro da cozinha, segurando-a por um punhado
de cabelos. Pegou uma vareta de um centímetro de espessura de
trás da geladeira e começou a bater nas costas da garota,
proferindo palavras ríspidas no que parecia um russo de baixo calão
enquanto ela chorava de dor.
Gil se levantou da cadeira.
– Isso basta, caralho!
Dragunov ergueu-se atrás dele um segundo depois.
– Gil, isso não é da nossa conta.
– Estou pouco me lixando!
Gil estava prestes a sacar a M9.
– O que ele disse? – Vlad exigiu saber.
Dois outros homens corpulentos apareceram na cortina de contas
azuis, um deles com uma pistola subautomática debaixo do braço.
Dragunov ignorou Vlad, os olhos perfurando Gil.
– Quer matar a nós dois? A garota também? Porque esse filho da
puta fedorento é capaz de cortar a garganta dela só pra te provocar.
– O que ele disse? – Vlad perguntou de novo. – Diga o que ele
disse!
Dragunov se virou para ele.
– Ele não está acostumado a isso. Sabe como os americanos são
molengas. Talvez você possa bater na puta em outro quarto.
Vlad relanceou para Gil e gargalhou.
– Está falando sério? Ele é bicha ou o quê?
Dragunov sacudiu a cabeça, percebendo que seriam doze horas
muito longas com aquela gangue.
– Ele só não quer ver você batendo na garota, só isso.
Vlad soltou o cabelo dela e largou o açoite na mesa.
– Então ele pode bater. Ela se recusou a chupar o pau de um
cliente, por isso vai receber trinta chibatadas com essa vara. Essa é
a regra.
Dragunov sabia que tinha que controlar a situação.
– Não é trabalho dele fazer isso. Só estou pedindo que o faça em
outro lugar. Estou pedindo de um russo para outro russo.
Vlad meneou a cabeça.
– Isso não tem nada a ver comigo nem com você. – Ele apontou
para Gil. – Tem a ver com ele e com essa porra de expressão no
olhar dele. Diga a ele que pode lhe dar as trinta chibatadas ou que
eu darei sessenta, bem na frente dele.
– Isso não é profissional – argumentou Dragunov, seu tom
subitamente decisivo. – Ele só é um americano mimado.
Vlad sacudiu a cabeça, encarando Gil, que também o encarava.
– Não, ele não é mimado. Esse não é. Esse é um assassino, vejo
isso. Já me matou umas cinquenta vezes na cabeça. Conte a ele o
que eu disse ou bato nesta puta até ela morrer. Diga a ele!
Dragunov olhou para Gil.
– Ele quer que você bata na garota ou ele vai matá-la.
Gil sorriu, o olhar ainda preso ao de Vlad, silenciosamente se
entregando à morte.
– Deixe que a mate.
– O quê?
– Eu disse: deixe que a mate. Ele estará morto antes que o corpo
dela caia no chão.
Para dar a si mesmo e aos outros um tempo para que todos se
acalmassem, Dragunov pegou os cigarros de Gil de cima da mesa e
tirou um do maço, demorando a acendê-lo antes de, por fim, dizer a
Gil:
– Não vou dizer isso para ele.
– Então acho que temos um problema – disse Gil, ainda com o
olhar travado no de Vlad.
– O que ele está dizendo? – Vlad perguntou, feliz por romper o
contato visual com o americano que, evidentemente, não tinha
medo de morrer.
Dragunov tragou o cigarro.
– Ele disse que não bate em mulheres, mas que você pode ficar à
vontade para bater nela quantas vezes quiser.
– Ótimo!
Vlad apanhou o açoite da mesa e voltou a segurar a garota pelos
cabelos, surrando-a como ninguém naquele cômodo jamais vira. Ela
gritou o tempo inteiro, tentando bloquear os golpes com as mãos,
acabando com alguns dedos fraturados por causar problemas. A
vara finalmente terminara os sessenta e cinco açoites, e Vlad a
largou aos pés de Gil, onde ela ficou soluçando de agonia.
– Foda-se! – Vlad vociferou com escárnio em um inglês passável.
– Esta casa é minha! – acrescentou em russo. – Estas putas me
pertencem!
Gil estava tão calmo quanto o mar em dia sem vento, tendo
decidido seu curso de ação depois dos primeiros açoites,
desligando-se dos gritos cheios de agonia da garota.
– Isso foi você quem provocou – Dragunov lhe disse baixinho. –
Ele deixou claro as coisas agora?
Gil assentiu.
– Sim, deixou bem claro.
Vlad gritou para que a outra mulher levasse a garota para o
quarto dela, para limpá-la e que voltasse ao trabalho.
A garota foi levada embora, e Gil esmagou seu cigarro no cinzeiro
sobre a mesa, exalando pelo canto da boca.
– Acho que você vai querer terminar logo esse cigarro, parceiro.
Dragunov olhou para ele, a adrenalina bombeando.
– Por quê?
– Porque vai haver um tiroteio, e não quero que fique parado aí
segurando seu pau.
– Não faça isso. – O rosto de Dragunov estava controlado, mas
ele estava se preparando para a violência. – Não me faça atirar em
você.
– Antes que esta merda aconteça – disse Gil, casualmente
guardando o maço de cigarros no bolso –, quero agradecer por
salvar a vida daquele na praia. Você me ensinou algo a
respeito dos russos que eu nunca soube.
Dragunov se inclinou para frente para apagar o cigarro, sabendo
que não havia como impedir o que estava para acontecer.
– O quê?
– Que vocês não são piores do que o restante de nós.
Gil sacou a M9 de dentro do bolso e atirou em Vlad entre os
olhos. A cabeça de Vlad foi lançada para trás, o corpo despencou
no chão como um saco de cimento.
Dragunov ficou pouco atrás ao sacar sua pistola, virando e
atirando nos dois homens atrás dele no instante em que eles
tentavam sacar suas armas.
Mulheres gritaram, e homens vieram berrando pelo que pareceu
ser o prédio inteiro. O caos reinou nos dez ou quinze segundos
seguintes, enquanto os clientes, em pânico, tropeçavam pelo
corredor, saltando desajeitados dentro das calças enquanto seguiam
para a saída.
– Pegue a Uzi!
Gil se afastou da soleira da porta quando ambos os russos da
frente da casa vieram pelo corredor, empurrando os clientes para o
lado com suas pistolas, na pressa de chegarem à cozinha.
Gil matou um no segundo em que ele apareceu, e o outro recuou,
entrando em um dos quartos.
Dragunov se certificou de que a Uzi estivesse pronta para atirar e
espiou por entre a cortina de contas azuis.
– Há mais homens no fundo.
– Faz ideia de quantos?
– O bastante para me deixar tentado a atirar em você e oferecer a
sua maldita cabeça – Dragunov grunhiu com voz séria.
Gil trocou uma câmara pela metade por uma cheia.
– Acha que isso vai adiantar alguma coisa?
– Vale a pena tentar!
Gil espiou o corredor que dava para a saída. A mulher de longos
cabelos negros o encarou pela soleira de duas portas mais abaixo.
– Venha aqui! – ele disse, chamando-a com a mão.
Ela relanceou para a saída e se apressou até a cozinha. Ele a
segurou pelo braço e a levou para um dos cantos.
– Onde ficam os seus passaportes?
– Num cofre no escritório.
O sotaque russo dela era forte, mas dava para entendê-la com
facilidade.
– Que porra de passaporte? – Dragunov ralhou do lado oposto. –
Do que está falando?
– De extração! Achou que eu deixaria que ele surrasse a garota
se eu não quisesse tirá-la daqui?
– Essa não é a nossa missão!
Gil riu.
– Bem, os parâmetros das missões mudam, Ivan. – Ele olhou
para a mulher. – Qual o seu nome?
– Katarina.
– Quem pode abrir o cofre além desse idiota?
Ela relanceou para o corpo de Vlad.
– O irmão dele, Lucian. O careca da frente de barriga grande.
– Ouviu isso, Ivan? Não atire no maldito careca. Você dá um jeito
nos fundos enquanto eu cuido da saída.
Dragunov não gostou da ideia de se dividirem, mas estavam em
uma batalha de duas frentes. Deslizou uma pistola de um dos
mortos pelo chão até Gil.
– Vê se não morre, seu idiota.
– Não morro se você não morrer.
Gil foi até o corredor com uma pistola em cada mão, entrando
corajosamente no primeiro quarto, onde o russo fora procurar
abrigo. Flagrou-o completamente despreparado e atirou duas vezes
na cabeça dele. Uma adolescente se acovardou na cama no canto,
e ele sinalizou para que ela fosse para o corredor e que juntasse as
outras em seus quartos e fossem todas para a cozinha. Houve uma
rajada de tiros da Uzi de Dragunov no corredor dos fundos, e ela se
agarrou a Gil, mas ele a afastou, empurrando-a para a cozinha.
– Katarina, chame-as para a cozinha!
Katarina apontou a cabeça no corredor, chamando todas dos seus
esconderijos, e outras cinco moças saíram dos quartos.
– Lucian! – Gil gritou através da cortina de contas vermelhas.
Alguém respondeu em russo em um ponto escondido à direita.
Idiota, Gil pensou consigo, sabendo agora a localização do seu
alvo e que o vestíbulo de entrada estava protegido pela direita e
pela esquerda.
Houve uma troca feroz de tiros nos fundos do prédio, a Uzi de
Dragunov sendo seguida por algumas rajadas demoradas de um
AK-47. Segundos depois, homens gritavam em um combate mano a
mano. Gil enfiou a pistola no cinto e foi pelo lado direito do corredor,
espiando pela cortina para a esquerda, visualmente cortando o
saguão como se fosse uma torta, cada diminuto passo adiante
revelando outra fatia do cômodo. Viu de relance o ombro de um
homem e atirou pela cortina.
O russo girou na direção do ferimento, amparando o ombro com a
mão direita, e Gil atirou entre suas omoplatas. As mulheres no
vestíbulo gritaram, e ele virou para a esquerda do corredor, cortando
à direita à procura de Lucian.
Uma chuva de tiros foi disparada e muitas das contas foram
cortadas da cortina, caindo no chão. Gil atravessou a cortina com
uma cambalhota, saltando por cima do ombro direito de Lucian,
girando para a esquerda e atirando no russo três vezes no nervo
braquial de seu ombro, paralisando o braço que empunhava a arma
e derrubando-o para trás.
As mulheres do cômodo se levantaram e saíram apressadas pela
cortina em direção à cozinha. Gil verificou se Lucian tinha outras
armas e o pôs de pé.
– Fim de jogo, seu puto!
Dragunov apareceu pela cortina com sangue vermelho-escuro
cobrindo o rosto do nariz para baixo.
– Tudo limpo nos fundos.
Gil viu o sangue.
– Isso é grave?
Dragunov limpou o rosto, cuspindo sangue e vísceras no chão.
– Não é meu. Tive que morder um desgraçado no pescoço.
Um minuto depois, estavam no escritório dos fundos com Lucian
ajoelhado diante do cofre.
– Abra! – Dragunov bateu na cabeça dele com o cano da sua M9.
– Vá se foder! – Lucian ralhou em russo.
Gil olhou para Dragunov.
– Não temos a noite inteira.
– Amarre as mãos dele – disse Dragunov. – Eu já volto.
Gil chutou Lucian no rosto e arrancou o fio do telefone da parede,
usando-o para amarrar os punhos do russo o mais forte que podia.
O homem gemeu de dor.
Então, Gil o rolou de costas enquanto Dragunov retornava com
quatro mulheres de 20 e poucos anos.
– O que está acontecendo?
– Elas o farão falar.
Foi então que Gil percebeu que cada uma delas tinha uma faca
de serra de cozinha. Juntaram-se perto de Lucian, rasgando e
serrando suas roupas. Ele tentou negociar com elas, em pânico,
mas elas o xingaram e cuspiram em seu rosto. Uma delas o segurou
pela orelha e começou a arrancá-la. Ele berrou, e elas cortaram a
virilha exposta. Ele tentou chutá-las, mas uma delas montou em
suas pernas para prendê-lo, e ele gritou como um homem torturado.
Dragunov permitiu que a mutilação continuasse por alguns
segundos antes de contê-las. Ficou de pé diante do russo
hiperventilante.
– Vai abrir o cofre ou posso deixar que elas te deem suas bolas
para comer?
– Eu abro! – Lucian arquejou, já sem uma orelha e com o nariz
cortado, a genitália cheia de cortes e sangrando. – Deixe-me
levantar!
Gil soltou as mãos dele, e Lucian flexionou os dedos, rapidamente
formando a combinação de números, as roupas meio rasgadas
sobre o corpo.
– Ele vai ter uma arma aí dentro – Gil avisou.
Dragunov lhe deu uma piscada.
– Motivo pelo qual provavelmente concordou em abrir.
No instante em que Lucian virou a maçaneta, Dragunov atirou na
parte de trás da cabeça dele e chutou o corpo de lado. Dentro do
cofre havia uma pistola Tokarev, junto de múltiplos bolos de liras
turcas e uma pilha com dezoito passaportes presos por um elástico.
Gil enfiou os passaportes no bolso, e as mulheres começaram a
protestar imediatamente. Ele viu Katarina parada na soleira.
– Kat, explique a elas que não quero que percam os passaportes
antes que cheguemos ao aeroporto. Haverá muita confusão daqui
até lá.
Katarina contou às outras o que ele dissera, e isso pareceu
acalmá-las por enquanto.
– Faça com que se vistam e se preparem para sair – Dragunov
disse a Katarina solenemente em russo. Depois olhou para Gil. –
Você vai causar um problema enorme com isso junto ao Kremlin.
Gil se ajoelhou diante do cofre, empilhando os maços de dinheiro
sobre ele.
– Não se vocês entenderem alguma coisa de relações públicas.
– Putin não é exatamente um especialista em relações públicas.
– Putin que se foda – Gil disse, levantando-se. – Não trabalho
para ele.
– Eu trabalho.
– Então eu as levo para Moscou sozinho e você pode colocar a
culpa em mim, faça o que quiser. Estou ferrado aqui, por isso tenho
que sair da Turquia antes que a notícia se espalhe.
– O que está dizendo? Você não pode ir para Moscou. Você não
tem…
Gil levantou seu passaporte russo.
– Vou voar para a Mãe Rússia, e nem mesmo Putin pode me
deter.
40
CASA BRANCA

O DIRETOR DOS ESTADOS-MAIORES CONJUNTOS, o General


Couture, desligou o telefone e fitou o chefe de gabinete da Casa
Branca, Glen Brooks, que estava do lado oposto da sala.
– É melhor ir falar com o homem, Glen. A merda está para bater
no ventilador na Europa Oriental.
Brooks abaixou o relatório que estava lendo.
– O oleoduto foi atingido?
Couture sacudiu a cabeça.
– Era Pope ao telefone. Shannon acabou de dizimar um
prostíbulo russo em Istambul. Agora está pronto para embarcar em
um voo para Moscou com dezoito mulheres sequestradas.
Brooks arregalou os olhos para ele.
– Ele não pode fazer isso.
– Quer apostar? Ele tem passaporte russo e trezentos mil dólares
em liras turcas. Ele pode fazer o que bem entender a esta altura.
– Não, o que quero dizer é que ele não pode fazer isso – Brooks
enfatizou, sentando-se mais ereto. – Está em uma missão. Tem
ordens a seguir.
Couture olhou para ele da sua parte na sala com as mãos nos
quadris.
– Onde diabos você esteve metido nos últimos dezoito meses?
– Mas…
– Mas o cacete – Couture esbravejou, avançando um passo. –
Não leu o relatório que enviei sobre a Operação Tiger Claw?
– Passei os olhos por ele.
– Passou os olhos sobre a parte que fala sobre Shannon ter
trazido uma iraniana grávida de dentro do Irã, uma iraniana grávida
que ele deveria matar por ordem do idiota do Lerher?
– Essa parte eu não li.
Couture passou a mão sobre a boca.
– Se não agirmos direitinho, vai chover merda. O presidente Putin
é um filho da puta desconfiado, e é bem possível que ache que
encenamos isso para que ele pareça um idiota. Sem falar que a
cabeça de Shannon está lotada de informações que não queremos
que os russos obtenham de jeito nenhum.
Brooks deu a volta na mesa.
– Vou chamar o presidente.
– Espere um instante. Vamos nos certificar de que estamos
falando a mesma língua.
– O que quer dizer com isso?
– Quero dizer, o que vamos sugerir?
Brooks olhou para seu relógio.
– Quando Shannon aterrissará?
– Pope não sabe, mas nem estão voando ainda, portanto, temos
tempo. Shannon ainda tem que levá-las ao aeroporto e comprar as
passagens. Ligou para Pope para que o Estado tivesse tempo de
entrar em contato com Moscou antes da chegada deles.
– Por que diabos ele vai viajar com elas? Por que simplesmente
não as põe no avião?
– Porque a máfia russa está no encalço dele.
– E a solução dele é voar para a Rússia, pelo amor de Deus?
– Ele só tem o passaporte russo.
Brooks soltou um suspiro, e os dois se sentaram.
– Ok – disse Brooks. – Então, verificaremos os voos saindo de
Istambul. Isso nos dará uma noção do período que temos à
disposição. A partir daí, poderemos decidir quando entrar em
contato com Moscou.
Couture assentiu e pegou o telefone, pedindo que seu assistente
imprimisse uma lista de voos partindo de Istambul para Moscou nas
vinte e quatro horas seguintes.
– E quanto ao cara Spetsnaz? – Brooks perguntou. – Dragunov
morreu ou o quê?
– Pope não o mencionou. O que temos que decidir agora é como
aconselhar o presidente antes que ele fale com Putin.
Brooks continuou sentado, pensando.
– E se impedirmos o voo de sair? Temos pessoas em Istambul
que podem fazer isso acontecer, não temos?
– Está querendo isolá-los ali?
– Claro – Brooks afirmou. – Por que não? Veja bem, Shannon
excedeu os parâmetros da sua missão, algo que, pelo visto, já fez
antes, portanto, só tem a si mesmo para culpar. Assim que perceber
que não permitirão que ele saia da Turquia com essas mulheres,
terá que abandoná-las e voltar a colocar a bunda na missão para a
qual foi enviado para executar. Ele é um homem despachado. Tenho
certeza de que encontrará um modo de ir para a Geórgia sem que a
máfia russa o apanhe.
– E quanto às mulheres?
Brooks deu de ombros.
– Elas são prostitutas.
– Eu disse que elas foram sequestradas – Couture disse. – São
vítimas do tráfico humano.
– Não é nossa responsabilidade, Bill. Inferno, o próprio governo
delas não se importa. Por que deveríamos arriscar nossa frágil
relação com Moscou por causa de algumas russas desgarradas? Já
estamos com muitos problemas com Putin por conta da confusão na
Ucrânia.
Brooks percebeu o olhar incomodado de Couture.
– Veja bem, isso é cruel. Sei disso. Mas o que estamos discutindo
aqui é sobre um agente americano da voando para Moscou com
um passaporte russo junto com dezoito prostitutas. Caramba, Bill!
Não podemos permitir que isso aconteça se tivermos meios de
impedir. Simplesmente não podemos. O que você disse sobre Putin
é exatamente verdade. Ele achará que fizemos isso para que
pareça estúpido. Diabos, ele seria estúpido se não pensasse assim.
Couture ficou em silêncio por um longo momento.
– É assim que vai aconselhar o presidente?
Brooks assentiu.
– Sim, essa é minha opinião. E quanto a você?
O general se levantou da cadeira.
– Respeito que se atenha às suas ideias, Glen, mas vou
aconselhar que permitamos que o Departamento de Estado faça o
seu trabalho.
– De acordo – disse Brooks, levantando-se. – Bem, agora me
deixe ir e afastar o presidente da primeira-dama.
Couture riu.
– Você merece um acréscimo no salário por periculosidade por
isso.
– Até o momento, ela e eu estamos nos dando bem.
Quando a porta se fechou, Couture voltou a pegar o telefone.
– Bob, aqui é o Bill. Preste atenção, é melhor alertar o Tufão de
que talvez tenha que pensar em um transporte alternativo para ele e
para seu carregamento. Não tenho certeza ainda, mas o presidente
pode resolver impedir o voo.
41
CIDADE DO MÉXICO

O TELEFONE TOCOU NA MESINHA de cabeceira ao lado da


cama, e Tim Hagen entrou no quarto para atendê-lo.
– Alô?
– Está sozinho? – Ken Peterson perguntou.
Hagen relanceou para trás na suíte do seu hotel na direção dos
seus dois guarda-costas mexicanos, que estavam assistindo a uma
partida de futebol na .
– Espere um segundo. – Foi até a porta e a fechou, depois voltou
ao telefone. – Tudo bem, o que foi?
–O apanhou o informante de Grieves dentro da Casa Branca,
estamos todos queimados. Para piorar ainda mais a situação,
Shannon conseguiu sair da Sicília, e Pope está sob a proteção do
Serviço Secreto. Estou ligando para avisar porque nos conhecemos
há muito tempo, mas vou levantar acampamento e sair daqui.
Hagen se sentou na cama, com as pernas bambas.
– Sair para onde?
– Não importa. O que precisa pensar é aonde você vai.
– Mas não existem provas de que tenhamos feito nada.
– Mas haverá – afirmou Peterson. – Os franceses estão falando,
portanto, é apenas uma questão de tempo até que o bom senador
de Nova York seja forçado a nos entregar por acessarmos o
mainframe da .
– Que mainframe? – Hagen sabia que Peterson era astuto o
bastante para já ter entregado provas e que o podia estar na
escuta.
Peterson riu com ironia.
– Tim, não seja paranoico. Ninguém está na escuta. Nunca
procurei os federais. Isso já estava para acontecer há muito tempo,
portanto, acredite em mim, já me preparei para essa eventualidade.
Com homens como Pope e Webb administrando a , os Estados
Unidos estão ferrados. Quanto tempo acha que vai levar até esses
dois palhaços permitirem que outra bomba nuclear entre no país?
Fiz o que fiz para tentar salvar a agência, mas fracassei. Portanto, é
hora de cair sobre a espada ou fugir como o diabo, e eu não sou do
tipo de cair sobre a própria espada.
Hagen ficou sentado com a cabeça apoiada na mão, mal tendo
ouvido uma palavra sequer.
– Deveria ter sido tudo muito simples – murmurou para si mesmo,
sem conseguir acreditar que Shannon ainda estivesse vivo, sendo
que tantos outros estavam mortos. – Ele só é um homem, pelo amor
de Deus. Deve existir um modo de detê-lo!
– Tim, ouviu o que acabei de dizer? Matar Shannon já não resolve
mais nossos problemas. Vai haver uma investigação federal.
Estamos fritos!
– Pare de dizer isso! – Hagen se irritou. – Conseguiremos lidar
com uma maldita investigação. As provas contra nós são
praticamente inexistentes. Tudo o que temos que fazer é impedir
Grieves de abrir aquela boca grande!
Peterson suspirou do outro lado da linha.
– E como pretende conseguir isso? Tem fotos dele com uma
prostituta também?
– Para falar a verdade, estou falando de algo muito mais certeiro
do que chantagem. E, com Grieves fora do caminho, o único com
quem temos que nos preocupar é Shannon.
– Cristo Todo-Poderoso. Por que essa obsessão com esse cara?
Hagen se levantou da cama, a raiva finalmente vindo à tona.
– Ele é o braço direito de Pope, seu cretino pomposo! E Pope
destruiu tudo o que trabalhei para conquistar durante dez anos! Saí
da Casa Branca em desgraça por causa dele! Essa é a causa da
minha obsessão, Ken!
Peterson estava incrédulo.
– Então isso é o motivo de tudo? Você estragou toda a nossa
operação por causa de uma vingança pessoal? Seu filho da mãe
idiota. Não. Eu é quem sou um idiota. Eu deveria ter sabido que
você pouco se importava com a segurança do país. Você nunca se
importaria com nada além de si mesmo.
Hagen sorriu com ironia.
– Como se o país já tivesse se importado com você? Vê se
acorda, Ken. O jogo está empatado. Quem ficar com mais no final,
vence, e eu não pretendo sair da mesa de apostas tão cedo.
– No final do quê, Tim?
– Da vida!
Hagen bateu o aparelho no gancho. Ele ainda tinha uma carta na
manga, e era hora de usá-la.
42
ISTAMBUL

GIL ESTAVA NA RUA DIANTE DO BORDEL, olhando para o fim do


beco. A névoa baixara mais. Havia dois carros e um número incerto
de homens bloqueando a saída do beco a uns cinquenta metros.
– Não saímos rápido o bastante.
As mulheres apinhavam um pequeno furgão no estacionamento,
todas mais que ansiosas em partir dali.
Dragunov grunhiu.
– Achou que seria fácil?
– O único dia fácil foi ontem. Alguma sugestão?
Dragunov olhou para os telhados, perscrutando o final do beco.
Os prédios estavam construídos lado a lado.
– Tem um Kalashnikov lá dentro. Posso subir no telhado e atirar
neles por cima.
– Quantas balas para o rifle?
– Uma câmara.
– Trinta balas acabam rápido se estiver sob fogo também. – Gil
olhou ao redor à procura de uma opção, mas não havia nenhuma. –
Quanto acha que a polícia demora para chegar?
Dragunov deu de ombros.
– Isso depende do relacionamento deles com este pessoal. Vlad
disse que tinham proteção, então, caso a polícia venha, não será
para nos ajudar.
Gil ligou para Langley com seu telefone via satélite, dando a
Midori a exata localização deles e pedindo acompanhamento por
satélite.
– O que preciso é de uma contagem precisa de cabeças para
saber quantos homens estão bloqueando a nossa rota de fuga.
– Lamento, Gil, mas não tenho um satélite sobre a localização de
vocês. Aquele que usamos na Sicília já foi redirecionado.
– Não pode liberá-lo?
– Não a tempo de ajudá-lo com a sua presente situação. Além
disso, acabei de conversar por telefone com Pope. Ele disse que
seria bom você encontrar outro modo de sair da Turquia. O
presidente está considerando usar os seus recursos para retardar
quaisquer voos nos quais você embarcar com essas mulheres,
alegando problemas nos motores. Eles estão preocupados que um
resgate dessa natureza possa provocar problemas políticos com
Putin.
– Merda – Gil imprecou. – De novo esse Putin.
– Até o momento, impedir o avião de levantar voo ainda é apenas
uma opção – Midori esclareceu. – Aparentemente, Couture apoia
sua partida com elas. Foi ele quem alertou Pope.
– Bem, terei que contar com o apoio de Couture porque não há
outro meio de sair daqui com essas garotas. Certifique-se de que
Pope saiba disso.
– Ele já sabe.
– Ok. Tufão desligando. – Gil guardou o telefone. – Estamos por
conta, Ivan, portanto, suba logo lá.
– O que ela disse sobre Putin?
– A Casa Branca teme irritar o Kremlin.
– Isso foi uma ideia idiota – Dragunov disse com um suspiro. – Eu
deveria ter atirado em você.
– Ainda há tempo para fazer isso – Gil disse com um sorriso.
Dragunov relanceou para o rosto desesperado das mulheres
espiando para eles atrás dos vidros já embaçados da van.
– Prepare-se para lutar.
– Entendido. Saio daqui no instante em que você começar a
disparar.
Dragunov entrou de novo no bordel e, alguns minutos mais tarde,
sinalizou para Gil do telhado. Avançou sobre quatro telhados com o
AK-47 até chegar à rua, espiando pelo beiral para os seis homens
aguardando abaixo em meio à névoa. As lâmpadas dos postes da
rua estavam queimadas, e a visibilidade era reduzida. Ouviu-os
conversando e percebeu que estavam confusos quanto ao que
estava de fato acontecendo dentro do bordel. Pelo visto, um dos
homens de Vlad conseguira dar um telefonema, mas não vivera o
bastante para dar muitos detalhes. Estavam preocupados quanto a
entrarem em uma emboscada, e um deles ficava ligando para
alguém sem ser atendido. Dragunov deduziu que ele devia estar
ligando para Vlad, que já estava morto com uma bala entre os olhos.
Um dos homens tinha uma metralhadora pendurada no ombro, mas
os outros não pareciam estar portando nada além de pistolas sob as
jaquetas. Dragunov trocou a seleção de tiros múltiplos para únicos e
mirou no peito do homem com a MP5.
O estampido do disparo foi como um tiro de canhão se
intrometendo no silêncio da névoa. O homem com a metralhadora
foi lançado ao chão com o coração explodido dentro do peito, e
Dragunov abateu dois mais nos poucos segundos em que os outros
três sacavam as pistolas e começaram a atirar na direção do
telhado.
Após o primeiro tiro de Dragunov, Gil disparou pelo beco. Cobriu a
distância e se protegeu em uma soleira, abrindo fogo com a M9 e
derrubando um homem que procurara abrigo em um obstáculo do
seu lado da rua.
Os últimos dois russos dispararam na direção de Gil, fazendo-o
recuar na soleira da porta, mas Dragunov atirou neles por cima.
– Tudo limpo! – ele gritou.
Gil disparou na direção dos obstáculos da rua e arrastou os
corpos para as sombras enquanto Dragunov voltava para o bordel.
Em três minutos, Gil manobrara os dois carros que obstruíam o
beco, e Dragunov dirigiu o furgão.
A caminho do aeroporto, Gil descartou a pistola pela janela em
um terreno vazio. Com poucas balas sobrando na câmara, não fazia
sentido arriscar ser pego. Pegou os passaportes do bolso e
começou a distribuí-los, pedindo a Katarina que lhes dissesse para
tomarem cuidado e não perdê-los.
Muitas das jovens beijaram seus passaportes, amparando-os
junto ao peito com lágrimas correndo pelo rosto.
– No bolso dos casacos! – Gil insistiu, fazendo mímica, e elas
logo os guardaram.
Chegaram ao aeroporto sem problemas e pararam no
estacionamento. Dragunov desligou o motor e se virou em seu
banco, recomendando às garotas, em russo, que permanecessem
calmas e que agissem com naturalidade não importando o que
acontecesse no aeroporto.
– Nossos passaportes não foram carimbados na entrada, por isso
vai haver perguntas – ele explicou. – Se não conseguirmos entrar no
avião, teremos que envolver a Embaixada Russa, e isso quer dizer
que a noite será bem longa. Portanto, deixem que eu falo.
Entenderam?
As mulheres assentiram obedientes, e Dragunov olhou para Gil.
– Podemos levá-las para a embaixada e deixá-las lá. Posso ligar
para Federov e conseguir outro…
Katarina começou a protestar, e ele virou a cabeça rapidamente.
– O que foi que eu disse?
– Olha só, quanto mais tempo elas ficarem na Turquia – Gil
argumentou mais estarão se arriscando. Tanta coisa pode dar
errado. Vamos ver se conseguimos entrar no avião.
O aeroporto estava cheio mesmo àquela hora, mas, no instante
em que os vinte entraram no aeroporto, chamaram atenção imediata
da segurança. Homens armados os observaram atentamente,
falando em seus rádios. O grupo foi detido antes de chegarem perto
do balcão da Aeroflot, e dois policiais turcos de aparência severa
apareceram por trás de uma parede, dando instruções ao chefe de
segurança.
– Isso aí vai ser um problema – Dragunov murmurou. – Eles
estavam nos esperando.
– Entendido – Gil afirmou. – Eu te disse que a gente deveria ter
ido para a embaixada.
Dragunov se virou e o fitou com olhos arregalados.
43
CASA BRANCA

A PORTA DO SALÃO OVAL FOI ABERTA, e o secretário de


Estado John Sapp entrou.
O presidente se levantou de trás de sua mesa.
– Obrigado por vir tão em cima da hora, John.
– Vim o mais rápido que pude, senhor presidente.
Sapp atravessou a sala e apertou a mão do comandante da
Nação, virando-se para cumprimentar tanto Couture quanto Brooks
com outro aperto de mão.
– Cavalheiros – disse o presidente –, pedi a John que me
aconselhasse quanto ao empate em suas opiniões. Ele
provavelmente tem um melhor entendimento da mente russa do que
qualquer um de nós.
O secretário de Estado de 66 anos de idade passara dez anos
servindo como embaixador americano na União Soviética durante a
Guerra Fria. Era um homem alto, magro, de cabelos grisalhos e
inteligentes olhos azuis.
– Glen – o presidente disse ao chefe de gabinete da Casa Branca
–, explique suas razões a John quanto ao motivo de mantermos o
avião em Istambul.
Brooks se sentou mais à frente em sua cadeira e explicou a Sapp
por que achava que Gil Shannon deveria ser impedido de voar no
que ele se referia como sendo “um avião cheio de prostitutas” para
Moscou.
Sapp ouviu atentamente, assentindo depois que Brooks terminou.
– Existe uma absoluta possibilidade de que Putin se ofenda com
isso. Ele não confia em nós. Não confia em ninguém com motivos
altruístas. Mas, pensando bem, sociopatas não são capazes de
sentir emoções altruístas. Ele enxerga a todos como inimigos,
mesmo dentro do seu governo. É muito parecido com Stalin nesse
quesito.
Brooks, sentindo-se vingado, se recostou na cadeira.
– É exatamente isso o que penso.
– Mas não recomendo que impeçam o voo – Sapp prosseguiu –, e
vou lhes dizer por quê.
Brooks enrijeceu.
Sapp cruzou as pernas, apoiando a mão no joelho com
tranquilidade.
– Considerem esta emergência em um âmbito maior: a Rússia
sabe que é indiretamente responsável pelo ataque nuclear do ano
passado em solo americano. Isso é significantemente embaraçoso
para eles, e eles têm tentado se livrar dessa responsabilidade, mas
terão que assumir sua parcela de culpa em pouco tempo, e sabem
disso. Os chineses finalmente estão prontos para confirmar os
testes de isótopo, e isso vai deixar a Rússia sozinha no Conselho de
Segurança da . Todos, inclusive os russos, terão que enfrentar o
fato de que aquele urânio foi enriquecido em uma instalação dos
Montes Urais… E não se enganem, Putin está bem ciente dessa
mudança de paradigma assim como nós estamos. Já não é mais a
Rússia versus os Estados Unidos. É Rússia e Estados Unidos
contra o extremismo islâmico. Imaginem os resultados de um
homem como Dokka Umarov colocando as mãos em uma bomba
nuclear roubada. Ele incineraria Moscou. A boa vontade de Putin de
trabalhar em conjunto conosco nesse plano de ataque ao oleoduto
não tem nada a ver com a proteção ao oleoduto. Ele teme Umarov e
sua rede de agentes, e tudo o que ele puder fazer para enfraquecer
Umarov é uma boa política. O que a Rússia está tentando fazer,
contudo, é nos manipular a ajudá-los nos termos deles. Eles querem
estar em posição de ditar a política no futuro.
– O que o Coronel Shannon nos deu inadvertidamente aqui é uma
oportunidade de igualar o campo de jogo; uma oportunidade de
fazermos a manipulação. Minha recomendação é permitir que o
avião saia do chão. Posso falar com o primeiro-ministro Medvedev
pelo telefone depois que ele estiver no ar. Ele e eu temos bom
relacionamento e, ao contrário da crença popular, Putin dá ouvidos a
ele, mais do que qualquer um possa acreditar. Posso sugerir que a
Rússia use esse pequeno resgate como oportunidade para melhorar
sua imagem pública já visando seu fracasso no caso das ogivas
nucleares. Assumir uma postura pública contra o tráfico humano
será algo favorável a eles e, se estiverem preocupados em criar
uma fricção desnecessária com a máfia russa, sempre poderão
alegar que aquelas jovens desafortunadas foram mantidas cativas
por terroristas islâmicos. Quem saberá que não foi bem assim, a
não ser as próprias vítimas?
– E quanto aos turcos? – Brooks interveio. – Eles estão
segurando Shannon e os demais no aeroporto, e não estão nada
contentes com esse “pequeno resgate”.
Sapp deu de ombros.
– Os turcos terão que fazer o que dissermos para fazerem.
– Ah, é? – Brooks sorriu. – E por quê?
– Por causa do terremoto do mês passado – Sapp respondeu de
imediato. – Prometemos mais de um bilhão de dólares em
assistência, sendo que somente metade foi entregue até então, e
isso não inclui nossa recente ajuda militar. Portanto, os turcos não
serão um problema. O único problema é Putin, e estou confiante de
que posso conseguir com que Medvedev o faça enxergar isto como
uma oportunidade.
O presidente olhou para Couture.
– Quando teremos que tomar uma decisão?
– O próximo voo sai em noventa minutos.
– John, você vê algum possível lado negativo?
– Nada durável – Sapp respondeu. – O único risco real é para o
Coronel Shannon. Assim que ele chegar a Moscou com um
passaporte russo, pode se tornar um peão, mas não acredito que o
machucarão. Eles podem detê-lo por um tempo, o bastante para
fazerem uma demonstração de poder, mas o Major Dragunov foi
bem tratado a bordo do Ohio, por isso acredito que retribuirão a
cortesia. Como já disse antes, eles vão precisar de nós no futuro e
são inteligentes o bastante para enxergarem esta oportunidade pelo
que ela é, desde que seja colocado no tom correto. O tom é sempre
muito importante com os russos, ainda mais com stalinistas como
Putin.
– General – o presidente disse –, certifique-se de que Shannon e
seu pessoal estejam naquele avião quando ele decolar.
– Sim, senhor.
Couture se levantou e saiu da sala.
O celular do presidente emitiu um alerta sobre a escrivaninha,
avisando sobre a chegada de uma mensagem. Ele o pegou,
prevendo que fosse um da esposa, mas, para sua surpresa, era
uma mensagem de Tim Hagen.
– Que diabos pode ser isso? – murmurou, abrindo a mensagem
com cautela e vendo uma imagem de vídeo congelada dele com
uma jovem asiática.
O choque que sentiu foi instantâneo. Seu coração começou a
disparar, e ele começou a suar de imediato.
Brooks trocou olhares com Sapp, ambos vendo a cor sumir do
rosto do presidente.
– Senhor, está tudo bem?
– Mande preparar o carro, Glen. Vou visitar Pope.
– A esta hora, senhor?
O presidente se levantou.
– Pedi para que aprontasse o carro, Glen. Apronte-o agora.
44
ISTAMBUL

GIL E OS OUTROS ESTAVAM ESPERANDO em uma sala ampla


normalmente reservada ao pessoal de segurança do aeroporto. A
maioria das mulheres estava chorando porque o dinheiro dos
mafiosos e seus passaportes foram confiscados.
Dragunov estava sentado em um canto, parecendo irritado, com
os braços cruzados diante do peito.
– Tem mais alguma boa ideia?
Gil sacudiu a cabeça.
– Estou sem nenhuma.
– Talvez, da próxima vez, você preste atenção ao que digo.
– Quem sabe? – Gil murmurou, pegando o maço de cigarros de
dentro do casaco.
Um dos dois seguranças armados próximos à porta deu um passo
à frente, sacudindo o indicador.
– Proibido fumar!
– Entendido.
Gil guardou os cigarros de volta no bolso.
Dragunov sorriu com ironia.
– Poderá fumar à vontade na prisão.
Gil olhou para ele.
– Tem algum duplo sentido nisso?
– Que diabo é isso?
A porta se abriu, e um dos funcionários do aeroporto turco entrou
na sala com seus passaportes na mão. Todos o encararam em
silêncio conforme ele avançava pela sala, distribuindo-os. O de Gil
foi o último a ser devolvido.
– Vamos – disse ele em um inglês com sotaque carregado. – O
voo já está sendo embarcado.
Katarina traduziu o que ele disse, e todas as mulheres saltaram
das cadeiras, indo em direção à porta.
Gil guardou o passaporte junto com os cigarros, trocando um
olhar desconfiado com Dragunov.
– Para onde vai o avião? – perguntou ao funcionário.
– Para Moscou! Onde mais? Agora, sigam-me.
Dragunov passou por Gil, indo para a frente da fila.
– Fique na retaguarda e de olhos abertos – instruiu baixinho. – É
possível que estejam nos devolvendo para a máfia.
O funcionário os conduziu ao longo de um extenso corredor.
Saíram em uma porta logo depois do posto de verificação de
segurança, onde alguns viajantes noturnos estavam ocupados
tirando os sapatos e passando pelos detectores de metal.
– Espere aqui – o oficial disse a Dragunov. – Tenho que pegar
seus cartões de embarque.
As mulheres se agruparam, conversando reservadamente entre
si.
– O que acha? – Gil perguntou.
Dragunov grunhiu, apoiando uma mão em seu ombro e
apontando além das filas de detectores de metal.
– Parece que nossos amigos vieram se despedir de nós.
Gil olhou para a direção indicada e viu dois russos com cara de
bravos em jaquetas de couro, encarando-os. Mostrou-lhe o dedo
médio e formulou as palavras “vão se foder” com os lábios.
Os russos o encararam por um instante. Depois se viraram e
foram embora.
– Adios, idiotas.
– Você acha que nós ganhamos – observou Dragunov –, mas
hoje fizemos inimigos muito perigosos. Eles nos caçarão para
sempre.
– Bem, eu não falo russo – disse Gil –, por isso, quando tiver uma
oportunidade, faça-me o favor de dizer a eles que entrem na fila
atrás da Al Qaeda, do , da e de qualquer outro filho da
puta que queira um pedaço de mim.
O Spetsnaz riu.
– Vou para o inferno por não ter atirado em você. Por causa disto,
o nunca mais conseguirá trabalhar com eles na Turquia.
– Uma pena. – Gil apontou para onde as mulheres recebiam com
alegria seus cartões de embarque do funcionário do aeroporto. –
Não me diga que isso não faz com que se sinta bem.
Dragunov assentiu.
– Sim, mas não era a nossa missão… E você sabe disso.
Embarcaram no avião pouco tempo depois e, logo, o capitão se
juntou a eles.
– Major Ivan Dragunov? – ele perguntou em russo.
– Sim.
O capitão apontou para Gil.
– E esse é o americano?
– Sim. Feio, não acha?
O capitão sorriu.
– Major, preciso que pegue os passaportes dessas mulheres e os
mande para a cabine. Moscou quer uma lista completa dos nomes
delas de modo a notificar as famílias.
As mulheres de imediato começaram a objetar.
Gil se esticou através do corredor, pôs uma mão no braço de
Katarina.
– O que está acontecendo? – Ela lhe contou o que o capitão
dissera, e ele meneou a cabeça. – Diga a elas que não entreguem
os passaportes de novo até chegarmos à Polícia Federal em
Moscou.
Katarina rapidamente instruiu as demais, e todas elas, de modo
desafiador, enfiaram os passaportes dentro dos casacos.
Dragunov o cutucou nas costelas.
– Que diabos você está fazendo?
– Elas podem escrever seus nomes em uma folha. Essas garotas
estão traumatizadas demais, e você quer que fiquem sem seus
malditos passaportes de novo?
O capitão encarou Gil.
– Senhor Shannon, ninguém roubará os passaportes delas na
minha aeronave.
– Pode me chamar de Coronel Shannon, capitão.
O capitão sorriu com secura.
– Muito bem, coronel. Pode pedir a essas moças que escrevam
seus nomes para mim e me passar a lista na cabine? Quem sabe,
assim, meu governo poderá fazer o trabalho dele.
– Ouviu isso? – Gil perguntou a Katarina.
Ela concordou com a cabeça, agradecendo ao capitão em inglês.
O capitão assentiu.
– Farei com que o comissário traga papel e caneta para que
possam escrever.
Voltou para a cabine e fechou a porta.
Dragunov olhou para Gil e sorriu com ironia.
– Tem sorrido muito esta noite, major.
– Você parece não fazer ideia de onde estamos indo – Dragunov
disse, reclinando o banco e se ajeitando. – Mas logo saberá.
– Não fique confortável demais aí. Vai ter que voltar o banco à
posição ereta antes de decolarmos.
Dragunov fechou os olhos.
– Deixe-me em paz, coronel. Um americano louco tem tentado me
matar há dias, estou muito cansado.
45
HOSPITAL NAVAL BETHESDA

B ,M

ROBERT POPE ABRIU OS OLHOS e viu o presidente parado aos


pés da sua cama na luz fraca do quarto hospitalar. Seu primeiro
pensamento foi de que algo dera muito errado na Turquia.
– Aconteceu alguma coisa com o Gil, senhor presidente?
O presidente meneou a cabeça.
– Não, Gil está bem. Ele e os outros saíram de Istambul há meia
hora e estão a caminho de Moscou. Estou aqui a esta hora
inconveniente porque preciso de um conselho seu em um assunto
muito pessoal.
Pope se ajustou na cama, esfregando o rosto com as mãos para
despertar.
– Parece preocupado, senhor. O que posso fazer?
O presidente pegou o celular do bolso e deu a volta na cama.
– Recebi esta… mensagem… de Tim Hagen há duas horas. –
Colocou o aparelho nas mãos de Pope e tocou na tela para que o
vídeo começasse.
No vídeo, o presidente aparece sentado ao lado de uma moça
coreana no banco de trás de uma limusine. Estava, evidentemente,
embriagado e muito fascinado pela moça. Beijava-a na lateral do
rosto ao mesmo tempo em que uma mão entrava e saía da blusa e
a outra subia e descia pela coxa, debaixo da saia. Ela estava rindo e
esfregava o monte avolumado em suas calças. A voz de Tim Hagen
podia ser ouvida bem perto no telefone, falando e rindo como se
estivesse conversando com alguém do outro lado de uma ligação.
Depois de uns vinte segundos, o vídeo foi cortado para a parte em
que o presidente fazia sexo oral com a mulher. Vinte segundos mais
tarde, outro corte com ela montada sobre ele, e o presidente gemia
como se estivesse à beira de um clímax. Depois de um minuto
inteiro, o vídeo parou.
Pope devolveu o telefone para o presidente.
– Essa evidentemente é uma versão editada?
– Sim – o presidente disse circunspecto, guardando o aparelho na
jaqueta. – Imagino que seja.
– E o senhor não fazia a mínima ideia de que ele o estava
filmando?
– Nenhuma. Tínhamos acabado de vencer a convenção em Iowa,
eu estava mais bêbado que um gambá. – O presidente massageou
o alto do nariz com os dedos. – Confiava nesse homem com a
minha vida, e ele me colocou na Casa Branca. Eu não fazia a
mínima ideia de que selara um pacto com o diabo.
Pope abençoou sua sorte.
– Por que me mostrou esse vídeo, senhor?
– Hagen está me avisando que, se ele cair, vai me levar com ele.
A minha esposa não se parece em nada com Hillary Clinton. Ela me
pediria o divórcio na mesma hora… E bem publicamente.
Pope assentiu, compreendendo.
– Com todo respeito, senhor presidente, isso não respondeu à
minha pergunta.
O presidente falou com seriedade:
– Pode impedir que este vídeo viralize?
– Esta é uma conversa franca e honesta, senhor?
– Sim, é.
– Neste caso, posso deter com noventa por cento de certeza –
Pope respondeu. – Mas terei que remover Hagen do tabuleiro do
jogo para fazer isso. Existe uma mínima possibilidade de ele ter
providenciado para que o vídeo viralize no caso de sua morte, mas,
sob as atuais circunstâncias, acredito que seja improvável.
– Sob quais circunstâncias?
– Estou extremamente próximo a Hagen, senhor presidente.
Tenho estado desde que acabei aqui. Para os devidos efeitos, eu
bem que poderia estar no mesmo quarto que ele neste exato
instante. Se providenciou para que o vídeo viralize
automaticamente, ele o fez há muito tempo… O que é muito
improvável, em minha opinião.
O presidente soltou um suspiro profundo e se afastou da cama,
apoiando o peso nas costas de uma cadeira próxima à janela.
– Não posso lhe dar uma ordem como essa para salvar minha
pele.
– Não precisa dar ordem nenhuma – assegurou Pope. – Só o que
tem que fazer é concordar em não fazer nenhuma pergunta a
respeito dele a partir de hoje. Hagen é um traidor, senhor
presidente. Pessoas inocentes morreram por causa dele e dos seus
coconspiradores.
– Mas você tem como provar isso?
– Em um tribunal? Não. Mas um dos mainframes da foi
acessado por uma série de códigos a que Hagen teria acesso
durante seu período como chefe de gabinete. Normalmente, essa
série de códigos teria sido cancelada após a demissão de Hagen,
mas a agência está uma confusão, e uma quantidade de chefes de
departamento está relaxada. No dia em que eu tiver alta daqui,
pretendo demitir mais de cinquenta pessoas.
O presidente se sentiu nauseado.
– Sei que sou um covarde patético por lhe perguntar isso, Robert,
mas quais as chances de um dia isso voltar à tona caso ele seja
removido?
– Zero – respondeu Pope. – Ele simplesmente desaparecerá. O
deduzirá que fugiu. Ele tem muito dinheiro no exterior, portanto,
é mais do que plausível. Já deveria ter fugido, mas é muito tolo.
– Tolo como?
– Tolo por ser teimoso demais para admitir que perdeu. Perdeu no
dia em que o senhor pediu a demissão dele. Foi ele quem expôs Gil
em Paris, senhor presidente. Fez isso para se vingar de mim, e de
Gil, por motivos que provavelmente só ele mesmo entende.
O presidente o encarou.
– Você disse que está no quarto dele neste instante. Isso significa
que já havia planejado o desaparecimento dele, não é mesmo?
Pope sorriu.
– Talvez não tão cedo assim…
– Quer dizer que eu fiz papel de idiota desnecessariamente hoje?
– Eu não diria isso, senhor. Um homem como Hagen pode
provocar muitos danos com esse vídeo em um período muito curto.
Quanto antes ele tirar umas férias, melhor será.
– Umas férias… – O presidente refletiu por um tempo, por fim
decidindo que Hagen pedira pelo que quer que Pope tivesse em
mente. – Ok. Não voltarei a perguntar sobre ele. Agora, e quanto à
? Consegue salvá-la ou terei que dissolvê-la?
– Se me der carta branca, senhor, não reconhecerá a daqui a
nove meses.
O presidente tocou no ombro de Pope.
– Sare logo, Robert. Eu o espero para jantar na Casa Branca no
dia em que receber alta. Temos muito sobre o que conversar.
– Agradeço o convite. Obrigado.
O presidente foi até a porta e estava para sair para o corredor
quando se virou.
– Putin deixará Shannon sair da Rússia ou o manterá lá?
Pope sorriu.
– Não tema, senhor. Tudo está prosseguindo de acordo com o
planejado.
O presidente meneou a cabeça e saiu do quarto.
46
MOSCOU

MAIS DA METADE DAS MULHERES resgatadas do bordel em


Istambul tinha familiares as esperando no Aeroporto Domodedovo a
sudeste de Moscou quando o avião aterrissou pouco depois do
alvorecer. As mulheres comemoraram no instante em que as rodas
se chocaram na pista e encheram Gil e Dragunov de beijos antes do
desembarque.
No entanto, os salvadores não tiveram a oportunidade de ver as
mulheres se reunindo com seus entes queridos. A mídia russa fora
convidada para filmar a reunião emocionante com fins publicitários,
e o Kremlin dera ordens expressas para que Gil e Dragunov fossem
mantidos distantes das câmeras. Foram conduzidos imediatamente
do avião até um helicóptero Mi-8 azul e branco, que decolou assim
que a porta foi fechada.
O Mi-8 era um modelo militar grande, mas não havia nada de
militar em seu interior luxuoso. Gil se sentou do lado oposto da
mesa a Dragunov, de frente para a parte frontal do helicóptero
quando lhes foi servido café e suco de laranja.
– Algo me diz que isto não é o tratamento padrão – disse com
secura.
Dragunov olhava pensativamente pela janela.
– Este é o helicóptero pessoal de Putin.
Gil relanceou ao redor.
– Está tirando com a minha cara?
O russo olhou para ele.
– Eu jamais brincaria a respeito de Putin.
– Bem, você não tem muito senso de humor mesmo. Para onde
vamos?
Dragunov perguntou em russo para o sargento que lhes oferecera
café.
– Vamos para o Kremlin.
– O que isso significa?
– Não sei, mas não significa que pretendem nos condecorar com
medalhas no peito, isso eu lhe garanto. Seu pessoal deve ter
entrado em contato com Moscou antes de termos embarcado em
Istambul. Estavam preparados demais para nós no aeroporto.
Gil sorriu.
– Washington gosta de deixar as coisas bem às claras. Afinal,
vocês são muito irritáveis.
Dragunov estava agitado com a despreocupação de Gil.
– Você ainda não entendeu, não é? Isto é a Rússia.
– Sei disso, Ivan, mas o que quer que eu faça? Que fique aqui me
mijando de medo? Vai acontecer o que tiver que acontecer.
– Essa é uma postura muito fácil para você – Dragunov disse com
irritação, olhando de novo pela janela.
Gil percebeu, pela primeira vez, que Dragunov estava
verdadeiramente preocupado.
– Por que está tão preocupado? Não estava assim nem quando
tínhamos gente atirando em nós.
Dragunov voltou a olhar para ele.
– Acha que Putin mandaria seu helicóptero pessoal para um
major qualquer retornando de uma missão fracassada? – Balançou
a cabeça. – O helicóptero é para você. Não tem nada a ver comigo.
Você provavelmente será tratado como uma celebridade. Eu serei
rebaixado e jogado para uma brigada de infantaria. Provavelmente
estarei na Ucrânia antes de amanhã à noite. A minha carreira está
arruinada por causa disto! – Imprecou porcamente em russo e
perguntou ao sargento se havia vodca a bordo.
O sargento pegou uma garrafa de vodca russa de dentro de um
frigobar e serviu um drinque ao major.
Pouco tempo depois, Gil viu ao longe as cinco cúpulas douradas
da Catedral da Dormição localizada dentro dos muros do Kremlin.
– É uma tremenda vista, Ivan.
Por um momento, Dragunov pareceu deixar de lado suas
preocupações, indo para o lado de Gil na mesa e apontando para
fora da janela na direção noroeste.
– Ali, perto do horizonte, fica a cidade de Khimki, onde detivemos
o avanço dos nazistas em dezembro de 1941, a uns oito quilômetros
de Moscou.
Dentro de um minuto, passaram pelas cúpulas multicoloridas da
Catedral de São Basílio, localizada imediatamente após o Kremlin,
próxima à Praça Vermelha. Segundos depois, estavam aterrissando
no heliponto à soleira do Kremlin, construído dois anos antes no
canto sudeste do complexo do Kremlin. Os desfiles de automóvel
presidenciais eram famosos pelo trânsito que provocavam, e o
presidente Putin deixara de usar sua limusine Mercedes em 2013
em favor de um transporte mais rápido e menos estorvante.
O Kremlin – que significa “fortaleza” – fora construído no período
de treze anos entre 1482 e 1495 e cobria quase onze hectares no
coração da cidade. Era cercado por uma muralha defensiva de mais
de 1,5 quilômetro de circunferência, variando de quatro a dezoito
metros de altura, e de três a seis metros de espessura.
O sargento abriu a porta do helicóptero, e eles desceram a
escadinha até o chão, onde foram recebidos por um grande
contingente de militares russos. O inverno ainda não terminara por
completo e, apesar de não haver neve no chão, ainda estava frio o
bastante para verem a respiração de todos.
– Major Dragunov – disse um coronel Spetsnaz de aparência
severa –, o senhor virá conosco.
Dragunov o saudou, respondendo:
– Sim, senhor! – Virou-se para Gil e lhe ofereceu a mão. – Para o
caso de não nos vermos mais.
Gil apertou sua mão.
– Foi um privilégio, major. Lamento termos perdido nosso homem.
Dragunov sorriu com melancolia.
– Quem sabe na próxima vez?
Gil observou quando ele foi conduzido pelo lado oeste da
fortaleza, acompanhado por oito soldados Spetsnaz.
– Coronel Shannon? – outro coronel russo disse em um inglês
quase impecável. – Sou o Coronel Savcenko. Serei seu intérprete
enquanto estiver aqui no Kremlin.
Gil saudou o coronel.
– Estou às suas ordens, senhor.
O coronel retribuiu a saudação.
– Se fizer a gentileza de me acompanhar?
– Claro, senhor.
Foram conduzidos para o norte por não menos do que uma dúzia
de soldados armados em direção a uma construção grande
chamada de Palácio do Estado do Kremlin.
– Como foi seu voo de Istambul, coronel?
– Um pouco tenso, às vezes – Gil respondeu, enfiando as mãos
nos bolsos por causa do frio. – As moças estão gravemente
traumatizadas. Não creio que tivessem de fato acreditado que
estavam voltando para casa até que os pneus se chocaram com o
solo.
– Elas serão bem cuidadas – assegurou o coronel. – Posso lhe
pedir o passaporte que lhe foi dado em Paris?
– Sim, senhor. – Gil pegou o passaporte do bolso do casaco e o
entregou ao coronel, que o passou a um major, que o guardou em
seu próprio casaco. – O meu governo está ciente da minha
chegada, senhor?
– Acredito que sim – respondeu o coronel. – Informaram-me que
alguém da sua embaixada virá esta noite. Antes disso, o presidente
gostaria de uma conversa privada durante o almoço, se estiver se
sentindo bem.
Gil pigarreou.
– Com o presidente Putin, senhor?
O coronel se deparou com seu olhar.
– Estaria tudo bem para o senhor, coronel?
– Absolutamente, senhor. Só estou um pouco chocado que o
presidente da Rússia se dê ao trabalho de se encontrar com um
ninguém como eu.
O coronel sorriu e continuou andando.
– O senhor se dá pouco crédito, coronel. É um soldado bem-
sucedido. Temos acompanhado sua carreira bem de perto aqui em
Moscou nos últimos dezoito meses… Desde a sua missão no Irã no
ano passado.
Gil ficou em alerta.
– Nunca estive no Irã, coronel. Sinto que tenha me confundido
com outra pessoa.
O coronel gargalhou.
– Talvez tenhamos.
Caminharam em silêncio nos metros finais até o palácio, onde Gil
foi conduzido pelo interior e levado a uma pequena suíte. O cômodo
se parecia muito com o quarto de um hotel, mas, em vez de uma
cama, havia um sofá de couro preto.
– Presumo que gostaria de ter a oportunidade de tomar banho e
trocar de roupa antes do seu encontro com o presidente.
– Sim, senhor – disse Gil. – Muito obrigado.
– Há uma troca de roupas no armário. Voltarei em meia hora.
Savcenko saiu, fechando a porta, e Gil se largou no sofá,
estendendo os braços no encosto e esticando as pernas.
– Puta merda – murmurou. – Há seis horas, eu estava em um
puteiro turco e agora estou sentado aqui no maldito Kremlin
esperando para partilhar uma refeição com o Stalin Júnior. Minha
mulher nunca acreditaria nisso.
47
CIDADE DO MÉXICO

TIM HAGEN ESTAVA EM SUA CAMA DE HOTEL, vestindo


pijamas, bebendo uma cerveja Dos Equis e imaginando como o
presidente dos Estados Unidos reagira ao seu vídeo. Riu meio ébrio,
pensando em como o grande e malvado comandante da Nação
deve ter ficado no momento em que percebeu que sua escapulida
com a coreana fora registrada para a posteridade. Hagen sabia que
a logo poderia se mobilizar para apanhá-lo, mas isso não faria
nenhum bem ao presidente. Pela manhã, ele armaria um upload
retardado que necessitaria que ele inserisse uma senha a cada
doze horas. Se deixasse de fazer isso, o vídeo se carregaria
automaticamente no YouTube, no Vimeo, no Facebook, no Ustream
e em outra meia dúzia de sites. Dentro de vinte e quatro horas, o
vídeo viralizaria, e o presidente despencaria em chamas como o
líder mundial mais humilhado da história.
Hagen foi para o banheiro para fazer xixi e, quando voltou,
encontrou os dois guarda-costas mexicanos parados na porta do
quarto à sua espera.
– O que foi? – perguntou, o medo surgindo.
– Nada – disse o chefe dos dois, pegando uma pistola Walther
.380 com silenciador debaixo da camisa. – Sente-se na cama.
– O quê? Que porra está acontecendo aqui? – Hagen perguntou
assombrado.
O outro segurança deu um passo à frente e o segurou pelo braço.
– Sente-se, señor.
– Vocês não podem fazer isso – disse Hagen, começando a
chorar enquanto se sentava na beirada da cama. – Trabalham para
mim. O que quer que estejam lhes pagando, eu quadruplico o valor!
Podemos ir ao banco e…
– Fique calado. – O chefe disse algo em espanhol no cômodo ao
lado e duas belas mexicanas jovens, com longos cabelos de ébano,
entraram vestindo uniformes de enfermeiras. Uma delas vinha
empurrando uma cadeira de rodas.
– Que diabos está acontecendo? – Hagen exigiu saber, engolindo
em seco. – Vocês deveriam é me proteger!
– As señoritas vão aprontá-lo para sair – o segurança lhe
informou. – Não lhes dê trabalho, e nós não lhe daremos nenhum
trabalho. Entendeu?
Uma das mulheres enrolou a manga do pijama de Hagen e
amarrou uma mangueira de borracha enquanto a outra preparava
uma seringa.
– Não façam isso – Hagen implorou, com as lágrimas se
empoçando em seus olhos. – Por favor, não façam isso.
A jovem sorriu para ele e se sentou ao seu lado, enfiando a
seringa na veia, injetando 10 ml de Thorazine. Os olhos de Hagen
reviraram para cima em poucos segundos, e ele caiu sobre os
lençóis, balbuciando.
Em seguida, pegaram um par de tesouras da maleta médica e
cortaram seus cabelos, recolhendo tudo dos lençóis e jogando no
vaso sanitário. Depois, os guarda-costas levaram Hagen até a
cadeira de rodas, e as mulheres passaram creme de barbear na
cabeça dele para raspá-la, deixando-o completamente calvo, sem
nenhum corte. Também rasparam suas sobrancelhas e tiraram os
cílios com pinças. Depois de aplicar um pouco de maquiagem para
empalidecê-lo, ele se assemelhava a um paciente com câncer
submetido a um tratamento quimioterápico.
Hagen estava vagamente ciente daquilo que estava acontecendo,
mas era difícil movimentar os braços e as pernas, e ele mal
conseguia manter a saliva dentro da boca, quanto mais formar
palavras.
Suas “enfermeiras” calçaram-no com chinelos com muita
gentileza, dobraram uma coberta sobre seus joelhos e penduraram
um acesso intravenoso com soro. Depois fizeram coques e cobriram
os cabelos com umas touquinhas, empurrando-o na cadeira pelo
corredor até o elevador.
Não havia muitas pessoas acordadas no hotel àquela hora, mas
aqueles que estavam só viram um americano rico moribundo devido
ao câncer enquanto era levado pelo átrio até a saída. Um turista
parou para segurar a porta aberta enquanto as mulheres conduziam
Hagen até um furgão adaptado para cadeirantes.
Hagen não sabia quanto tempo se passou até começar a recobrar
os sentidos, mas, quando sua visão finalmente voltou a clarear, viu-
se amarrado à cadeira de rodas diante de uma piscina de água
cristalina sob o sol mexicano.
– Como está se sentindo, señor Hagen? – um mexicano de olhos
esbugalhados perguntou. – As meninas lhe deram uma injeção de
adrenalina para que recobrasse os sentidos.
Hagen reconheceu o homem como sendo Antonio Castañeda.
– O que está fazendo comigo?
– Nada – Castañeda afirmou, sorvendo um gole de tequila. – Meu
trabalho foi apenas o de trazê-lo aqui. A minha associada, Mariana,
virá lhe fazer algumas perguntas agora, e espero que responda com
sua melhor boa vontade. Ficou claro, señor?
Hagen assentiu, lembrando-se, de algum modo, através da sua
mente enevoada, que Castañeda era conhecido por brincar com
suas vítimas antes de matá-las.
– Ficou.
– Muito bom.
Castañeda olhou através do pátio e fez um gesto para que
alguém se aproximasse.
A agente Mariana Mederos apareceu, e Castañeda se levantou
para lhe ceder sua cadeira.
– O cavalheiro é todo seu, hermosa.
– Obrigada – Mariana agradeceu com secura.
Hagen olhou para ela.
– Quem é você?
– Sou da – ela disse. – É isso o que importa. Tenho perguntas
a lhe fazer.
– E depois o quê? – perguntou Hagen. – Levo uma bala na
cabeça?
– Senhor Hagen, não fui enviada para cá para matá-lo. Não sou
uma assassina. Meu palpite é que, no fim, acabe sendo levado aos
Estados Unidos, onde será julgado por traição.
– Você não pode usar este interrogatório como prova contra… –
Riu com ironia. – Isso não importa. Foi Pope quem a enviou.
Mariana tirou os óculos de sol do alto da cabeça e os ajustou.
– Preciso dos nomes de todos os envolvidos na tentativa de
assumir a , assim como de todos os que estiveram de alguma
forma envolvidos na operação em Paris.
Hagen relanceou para o lado oposto do pátio, onde Castañeda
estava conversando com um americano que ele reconhecia
vagamente. Suas antigas enfermeiras estavam tomando sol nuas ao
lado da piscina.
– E se eu me recusar a lhe dar esses nomes?
Mariana franziu o cenho.
– Pensei que o señor Castañeda já tivesse discutido isso com o
senhor.
Hagen baixou o olhar para a água.
– Ele não detalhou nada… Mas isso também não é importante.
Os nomes que você quer são: Ken Peterson, senador Steve
Grieves, Ben Walton, Max Steiner e Paul Miller. Steiner e Miller já
estão mortos, mas Pope sabe disso. – Olhou para ela
inquisitivamente. – Você sabe por que aquele Boina Verde está aqui
com você?
Ela ignorou a pergunta, pensando que o Thorazine ainda
estivesse embaralhando seus pensamentos.
– Quem enviou Jason Ryder para matar Pope?
– Ryder trabalhava para Peterson.
– Quanto dos planos Grieves estava a par?
– Terá que perguntar isso a Peterson. Grieves e eu nunca falamos
sobre isso. Não havia necessidade. Nossos assuntos eram
estritamente políticos.
Mariana o interrogou por mais alguns minutos. Depois se levantou
e andou até o outro lado do pátio.
Daniel Crosswhite se levantou de onde estivera conversando com
Castañeda.
– Conseguiu tudo de que precisava?
– Sim. Ele confirmou as nossas informações.
Crosswhite se afastou, e ela se virou para Castañeda.
– Sua ajuda neste assunto foi muito valiosa. Obrigada. Espero
que logo alguém entre em contato para lhe passar instruções sobre
onde levá-lo.
Castañeda sorriu para ela.
– Posso lhe oferecer algo para beber, Mariana?
– Não, obrigada – ela recusou, olhando para o outro lado do pátio,
onde Crosswhite estava agachado diante da cadeira de rodas de
Hagen. – O que ele está fazendo?
– Acredito que esteja seguindo o restante das instruções do señor
Pope.
– Como assim? Ele não tem nenhuma instrução de…
Crosswhite encarou Hagen nos olhos.
– Você tentou matar o meu melhor amigo, seu filho da puta.
Hagen o encarou também, sorrindo com desdém.
– Não há motivo para tornar isto pessoal, há, Danny?
– O cacete que não – Crosswhite retrucou. – Se você tivesse
tempo, eu lhe contaria uma longa história a respeito de uma garota
que acabou com a garganta cortada.
Hagen deu de ombros.
– Não sei de nada a respeito disso.
– Quem contratou Ryder?
– Já contei pra vadia do Pope. – Hagen viu Mariana voltando na
direção deles. – Por que você não acaba logo com isto?
Crosswhite esticou a mão para soltar os freios da cadeira de
rodas.
– Adios, puto.
– Não! – Mariana gritou.
Crosswhite foi para trás da cadeira e a empurrou pela beirada do
lado mais fundo da piscina. Houve um leve splash e Hagen logo
afundou.
Mariana ficou parada no lugar, completamente chocada.
– Como é que você chama isso, porra?
– Aula de natação. – Crosswhite olhou para a imagem de Hagen
3,50 metros debaixo d’água. – Mas não parece que ele está se
saindo muito bem, parece?
48
O KREMLIN, MOSCOU

GIL AGORA ESTAVA VESTINDO TERNO e gravata com um


sobretudo de couro que lhe cabia à perfeição. Passara as duas
últimas horas em um tour particular pelo Kremlin com o Coronel
Savcenko, e agora estavam do lado externo admirando o gigantesco
Canhão do Tsar de bronze em exposição próximo à Catedral da
Dormição. Fabricado em 1586 como uma arma defensiva para o
Kremlin, a “espingarda russa” era uma bombarda de 890 milímetros
que pesava 39 toneladas, nove toneladas a mais do que um tanque
Sherman.
– Uma tremenda arma – Gil comentou. – Chegou a atirar alguma
vez?
– Não em batalha. Apesar de existirem evidências internas de ter
atirado pelo menos uma vez.
Um contingente de cinco homens fez a curva ao redor da catedral
e se direcionou até eles. Gil reconheceu o presidente Putin de
imediato.
– O presidente fala inglês – Savcenko disse –, portanto, pode se
dirigir diretamente a ele, mas ele provavelmente escolherá falar com
você por meu intermédio.
– Entendo.
Gil se preparou para o que esperava ser uma reunião tensa.
O presidente Putin se aproximou, parecendo bem sério, embora
não totalmente inamistoso. Seus pálidos olhos azuis eram quase
sem vida, mas o rosto transmitia certa tranquilidade, e Gil não
pressentiu perigo imediato.
– Coronel Shannon – Putin o cumprimentou em tom gentil,
estendendo a mão com um sorriso cordial, porém não entusiasmado
demais. – É um prazer conhecê-lo.
– É uma honra conhecê-lo, senhor presidente. – Gil equiparou seu
aperto ao dele, que foi firme e confiante, mas sem ser agressivo e
desafiador. – O Coronel Savcenko me ofereceu um tour. Este é um
lugar fascinante, senhor.
Putin assentiu, sustentando o olhar de Gil.
– O Kremlin tem uma história muito rica.
– Comecei a perceber isso, senhor.
– Está com fome?
Gil sentiu o leve desconforto de Savcenko por ser deixado de lado
como intérprete, e percebeu que Putin devia estar rompendo com a
norma ao lhe falar em inglês. Considerou isso como sendo algo
favorável.
– Sim, senhor, estou.
– Por aqui – Putin o convidou com um gesto. Disse algo em russo
para Savcenko, e o coronel começou a interpretar para Gil conforme
eles foram caminhando: – O senhor e o Major Dragunov estiveram
em uma aventura.
– Sim, senhor. O Major Dragunov é um homem valente, um
soldado primoroso. Tenho orgulho de ter trabalhado com ele.
Infelizmente, Sasha Kovalenko também é um homem valente, e
conseguiu fugir.
– O que seus superiores lhe dirão quando regressar? – Putin
perguntou com franqueza. – Sobre ter se desviado da missão?
Gil resolveu apostar naquele vento favorável.
– Provavelmente vão me comer o rabo, senhor presidente.
Após ouvir a tradução, Putin parou de andar e quase lançou um
sorriso para Gil.
Gil sustentou sua postura militar.
– Não sei muito bem como isso se traduz em russo, senhor.
Putin riu, apesar das suas reservas, e Gil percebeu que os dois se
dariam bem.
Pouco tempo depois, eram servidos em uma sala de jantar
ornamentada do Palácio do Kremlin, apenas os dois, com o tradutor
ao lado e os seguranças de Putin nos quatro cantos da sala.
– Nunca comi aqui – Putin comentou, colocando o guardanapo no
colo.
Gil fez o mesmo com seu guardanapo, notando o retrato de Stalin
na parede mais distante e sentindo os olhos famosos do ditador
cravados nele.
– Parece um dia para primeiras experiências, senhor.
– De fato – disse Putin. – Vodca?
Gil odiava vodca.
– Por favor. Obrigado, senhor.
Putin sinalizou para o garçom servir um drinque a Gil e mergulhou
a colher em um prato de borscht.
Gil o imitou.
Putin levantou o olhar do prato e falou diretamente com Gil em
inglês:
– Já comeu borscht antes?
A sopa era feita com beterraba, batata e repolho.
– Não, senhor – respondeu Gil, limpando o queixo com o
guardanapo. – Mas é muito bom.
Continuaram com uma conversa leve durante o primeiro prato e
boa parte do segundo, que consistia em carne com batatas. Foi só
no terceiro prato – chá e bolo – que Putin entrou nos
acontecimentos das últimas quarenta e oito horas.
Savcenko se virou para Gil com um olhar grave e traduziu:
– Está ciente da posição desconfortável em que esse resgate me
colocou?
Gil abaixou a xícara de chá.
– Sim, senhor.
– Por que acredita que seus superiores permitiram que saísse da
Turquia com essas mulheres?
Os olhos de Putin mais uma vez se mostravam frios e sem vida.
– Posso falar com franqueza, senhor presidente?
– Claro.
– Acredito que nos deixaram partir porque sabiam que eu
queimaria metade de Istambul, se fosse necessário, para tirar
aquelas moças de lá. – Gil sorveu um gole de chá. – Bem, isso é um
exagero, claro, mas o Coronel Savcenko me disse que o tem
acompanhado a minha carreira no último ano e meio. E, se for
verdade, senhor, então eles devem saber que sou muito
determinado quando quero.
Putin sorriu.
– Isso foi mencionado.
– Bem, tendo dito isso, senhor presidente, imagino que meus
superiores decidiram que seria mais fácil me deixar fazer o que eu
queria a se arriscarem a que eu piorasse a situação.
Putin se recostou na cadeira, tentando decifrar o comportamento
de Gil.
– Não acredita que o tenham permitido para me colocarem em
uma posição desfavorável?
Gil deu de ombros.
– É possível, senhor. O seu governo e o meu têm se
desentendido por causa da Ucrânia de vez em quando. Mas é
política, senhor presidente. Não ligo muito para isso, e tomo muito
cuidado para não me envolver. Sou um da Marinha, senhor.
Vou aonde me mandam e faço o que me ordenam. – Mesmo Gil
teve dificuldades para não rir. – Bem, senhor, essa última parte não
é totalmente verdadeira, mas acredito que entendeu o que eu quis
dizer.
Putin assentiu, sem conseguir conter um sorriso, falando
diretamente em inglês uma vez mais.
– Aqui na Rússia, as coisas seriam bem diferentes para você.
– Estou completamente ciente disso, senhor presidente, e se
minhas ações o colocaram em uma posição embaraçosa, espero
que possa aceitar minhas sinceras desculpas. No entanto, não
posso me desculpar por trazer aquelas moças de volta para casa.
Era a coisa certa a fazer, senhor, e não lamento ter feito isso.
Putin levantou uma mão para o tradutor para silenciá-lo. Depois
encarou Gil longamente.
– Você é um homem de princípios.
– Não sei se isso é verdade, senhor. Meu pai foi um Boina Verde
durante a Guerra do Vietnã. Mais para o fim da guerra, ele foi
enviado para uma missão ao norte da zona desmilitarizada. Foi
forçado a matar mulheres e crianças inocentes nessa missão e
nunca se perdoou por isso. Depois da guerra, eu o vi beber até
morrer. Não sou psicólogo, senhor, e não passo muito tempo
pensando nisso, mas suponho que seja possível que eu sinta
alguma necessidade de compensar pelas pessoas que ele matou.
Putin acrescentou uma dose de vodca no seu chá e se recostou
na cadeira.
– Conte-me a respeito da mulher grávida que tirou do Irã.
Gil fitou a mesa por um momento e depois encarou Putin nos
olhos.
– Senhor presidente, comecei a respeitá-lo muito neste curto
período em que nos conhecemos, mas sabe que não posso falar a
respeito do Irã.
– Imagino que não – Putin disse com um sorriso furtivo.
Ele se calou, mas, depois de uma pausa, voltou a falar em russo.
Savcenko traduziu para Gil:
– Também resgatou a Subtenente Sandra Brux contrariando
ordens, correto?
Gil percebeu que Putin fora muito bem informado e compreendeu
que não fazia sentido negar suas ações no Vale do Panjshir.
– Sim, senhor.
Putin tomou o chá enquanto Savcenko se virava para Gil.
– Estou curioso sobre quantas vezes mais terá que desobedecer
ordens para pagar pelos pecados do seu pai.
Gil refletiu a respeito.
– Essa é uma boa pergunta, senhor. Mas não sei a resposta.
– Ficaria surpreso ao saber que o Major Dragunov assumiu a
responsabilidade por trazer aquelas moças para casa?
– Nem um pouco, senhor.
– Por que não?
– Porque combatemos juntos, senhor. Ele salvou minha vida, e eu
salvei a dele. Os combates formam laços, senhor presidente, e os
guerreiros como nós… Bem, senhor, nós levamos essa coisa muito
a sério.
Putin gargalhou, e seus olhos ficaram muito menos sem vida do
que estiveram antes, mas o momento de descontração durou pouco.
– Quis conversar com você para entender a mente de um agente
das Forças Especiais americanas. Esta é uma oportunidade rara
para mim.
Gil sorriu.
– Entendo, senhor. Posso lhe fazer uma pergunta, senhor?
– Pode, sim.
– O Major Dragunov será punido, senhor?
Putin não respondeu por um longo período.
Por fim, ele disse:
– Sasha Kovalenko foi avistado em Belarus. A esta altura, ele
deve estar regressando para Ossétia do Sul. Estaria interessado em
ter uma nova oportunidade para enfrentá-lo?
Gil sentiu o sangue começar a bombear rápido.
– Estaria muito interessado, senhor presidente.
– O Major Dragunov ficará feliz em saber disso. – Putin tomou
mais um gole de chá. – Ele apreciaria muito a oportunidade de se
redimir. Mas preciso que me dê a sua palavra quanto a não se
desviar da sua missão desta vez.
Gil sustentou o olhar de Putin demoradamente, desejando que
Pope jamais tenha essa brilhante ideia.
– Tem a minha palavra, senhor presidente.
– Muito bem – disse Putin. – O Major Dragunov está preparando
suas armas e equipamentos. O seu avião parte em uma hora.
– Desculpe, senhor, mas foi-me dito que eu me encontraria com a
minha embaixada hoje à noite.
– Bem, pode fazer isso se quiser – Putin respondeu –, mas isso
significará que perderá a sua chance de acompanhar o Major
Dragunov.
Gil riu.
– Neste caso, senhor, poderia mandar lembranças minhas ao
embaixador americano?
– Farei isso – Putin disse com um sorriso. Depois se dirigiu a Gil
em inglês: – Que tal brindarmos à sua missão, coronel?
– Com certeza, senhor presidente.
Fizeram um brinde à missão, e Gil teve que se esforçar muito
para não engasgar com o generoso shot de vodca.
49
SOBREVOANDO AS MONTANHAS DO
CÁUCASO

O JATO AN-72 RUSSO estava em altura de cruzeiro a quase


quinhentos quilômetros por hora, e um pouco abaixo de um
quilômetro do chão.
Gil estava sentado diante de Dragunov, vestindo uniforme de
combate russo.
– Isso é uma completa loucura.
Dragunov sorriu, calmamente tragando um cigarro.
– Não tão louco quanto saltar dos fundos de um 727 sobre o Irã.
Gil deu um sorriso afetado.
– Não sei de onde vocês conseguem essas informações.
Ele sabia que Dragunov se referia à Operação Tiger Claw, a
missão na qual se infiltrara no espaço aéreo iraniano em um avião
comercial turco quase dois anos antes.
– De fontes confiáveis – Dragunov lhe garantiu.
– É mesmo? Talvez um dia queira me apresentar a essa fonte.
– Quem sabe? – O olhar de Dragunov estava confiante, muito
mais do que quando saíram daquele helicóptero no Kremlin. –
Conte-me a respeito do seu encontro com Putin.
Gil deu de ombros.
– Não há muito a contar. Primeiro ele reclamou do quanto você é
covarde, depois me pediu para vir junto para cuidar de você.
O Spetsnaz gargalhou.
– Fiquei me sentindo mal pelo cara – Gil prosseguiu. – Não
consegui negar tal pedido.
Dragunov estava sorrindo.
– Você usou um SVD para o assassinato no Irã, correto? – Um
SVD era o rifle de precisão Dragunov SVD de 7,62 × 54 milímetros
R (com bordas), inventado pelo avô de Ivan.
Os olhos de Gil se estreitaram.
– Nunca estive no Irã… Ivan.
– Não importa – Dragunov disse. – O rifle que você tem agora é
ainda melhor do que aquele que carregou no Irã. É uma arma
combinada retirada do arsenal do Kremlin.
O SVD que Gil levava era essencialmente novo em folha, com
coronha de polímero preto e equipado com um telescópio PSO-1
padrão e silenciador. O SVD tinha uma câmara de dez tiros, e Gil
levava onze câmaras. Sua principal arma de combate seria um rifle
de assalto 5,45 × 39 milímetros AN-94 com um lançador de
granadas GP-34 40 milímetros. Sua baioneta era uma Strike One
Strizh de 9 milímetros. O restante do seu armamento consistia de
uma faca de combate russa NR-40, uma dúzia de granadas para o
GP-34, seis granadas manuais RGN, uma maleta de primeiros
socorros, óculos de visão noturna russos de terceira geração, um
rádio, barras energéticas, um recipiente para água semelhante ao
CamelBak e várias outras coisinhas que podiam ser necessárias.
– A que velocidade saltaremos? – Gil perguntou. – A alguns mil?
– Não – Dragunov riu. – A 160 quilômetros por hora a 152 metros
de altura. Qual era a velocidade do 727 quando você saltou sobre o
Irã?
Gil ignorou a pergunta.
– Deveríamos ter vindo de helicóptero. Isso é uma completa
loucura.
Dragunov apagou o cigarro na sola da bota.
– Desta maneira, aterrissaremos exatamente onde queremos.
– Com as pernas quebradas. Ninguém mais usa paraquedas de
arrasto, Ivan.
O russo verificou novamente seu equipamento, que,
essencialmente, era idêntico ao de Gil.
– A lua está crescendo – ele explicou. – O pessoal de Umarov
vigia os céus, e eles têm pistolas de alerta em toda a montanha.
– Bem, com esse porco barulhento sobrevoando as copas das
árvores, acho que eles não vão imaginar que algo possa acontecer.
– Isso mesmo – Dragunov disse. – Somente um tolo saltaria de
um jato a 150 metros de altura no meio da noite.
Gil ajustou o capacete e juntou o paraquedas de arrasto nos
braços.
– Um tolo muito louco – ele murmurou.
A luz vermelha do salto se acendeu poucos instantes depois, e os
dois ficaram de pé, permanecendo lado a lado enquanto
aguardavam que a plataforma de salto se abrisse.
– Você está muito encrencado em Moscou?
– O suficiente – Dragunov respondeu. – Mas, se eu levar de volta
a cabeça de Kovalenko, tudo será perdoado.
– E se também levarmos a de Umarov?
– Se conseguirmos matar Dokka Umarov, serei um herói da
Federação Russa. – Aquela era a versão russa da Medalha de
Honra americana.
– E quanto a mim?
– Você? – Dragunov o empurrou pelo ombro e gargalhou. – Você,
meu amigo, vai ganhar uma garrafa de vodca barata e uma
passagem de avião de volta para casa.
Gil riu com gosto.
A rampa foi abaixada, e a luz se tornou verde sessenta segundos
depois. Desceram em cada lado da rampa e largaram os
paraquedas de arrasto no vento, foram inflados pela correnteza
provocada pela aeronave e os paraquedas principais foram
imediatamente liberados, puxando os dois da rampa até o céu
noturno. Os motores do An-72 eram montados acima das asas,
próximos à fuselagem, em vez de abaixo das asas como na maioria
dos aviões, por isso havia pouco distúrbio de ar a combater. Ainda
assim, quando os paraquedas foram abertos, as cordas puxaram a
virilha de Gil com tamanha força que ele achou que seus testículos
acabariam na garganta.
Mal houve tempo para estabilizar a descida e se equilibrarem
quando chegaram às copas das árvores a uns noventa metros de
distância um do outro.
Gil aterrissou com os pés unidos em uma posição agachada na
forqueta de um carvalho a três metros do chão. Soltou-se dos cabos
e ganchos e ajustou os óculos de visão noturna no capacete a fim
de perscrutar o terreno abaixo e ver se havia alguma movimentação.
Não vendo nada, desceu pela árvore e ajustou o AN-94 no ombro.
– Tufão para Carnívoro – disse baixinho no fone acoplado ao
capacete. – Está na escuta? Câmbio. – Esperou dez segundos,
depois tentou de novo. – Carnívoro, aqui é o Tufão. Está na escuta?
Começou a se mover lentamente na direção onde vira Dragunov
descer na floresta. Um galho se partiu, e ele ficou imóvel,
abaixando-se em posição de combate próximo à base de uma
árvore, examinando as árvores escuras através dos óculos digitais
de visão noturna.
– Tufão para Carnívoro – insistiu no tom de voz mais baixo
possível. – Está ouvindo? Câmbio.
Nada.
Mudou de canal.
– Tufão para Arcanjo. Está na escuta?
– Aqui é o Arcanjo – respondeu uma voz em inglês com forte
sotaque russo. – Qual a sua posição? Câmbio.
– Arcanjo, fique sabendo que estou no chão, mas sem conseguir
contato por rádio com o Carnívoro. Câmbio.
– Entendido, Tufão. Tentaremos estabelecer contato. Aguarde.
Gil esperou um minuto inteiro.
– Tufão, o Carnívoro não responde.
– Entendido, Arcanjo. Tentarei localizá-lo a pé.
Voltou a se mover, cobrindo alguns metros antes que o som de
vozes o fizesse procurar abrigo em uma formação de arbustos. As
vozes estavam baixas, mas o tom da conversa parecia confuso.
Deixando o AN-94 penso pela tira de três pontas, Gil sacou a
pistola e atarraxou o silenciador na ponta do cano. Depois se moveu
à frente em meio a uma fenda entre rochas e avistou cinco soldados
chechenos barbudos agrupados. Gesticularam para a floresta ao
redor, dando de ombros como se não tivessem conseguido
encontrar nada. Gil percebeu que não tinham equipamento de visão
noturna, mas um pequeno facho de luar passava entre os galhos
das árvores.
Ele estava manobrando entre as rochas quando avistou Dragunov
dependurado em uma árvore a sete metros do chão logo acima dos
chechenos. Ele oscilava de leve com os braços pendurados nas
laterais do corpo, e o queixo apoiado no peito como se estivesse
inconsciente.
Gil se agachou, cobrindo a boca com o shemagh preto e verde a
fim de que seu sussurro não fosse audível.
– Carnívoro, aqui é o Tufão. Tenho um visual seu da sua
esquerda às dez horas. Se consegue me ouvir, abra e feche as
mãos.
Observou enquanto Dragunov abria e fechava as mãos três
vezes.
– Ok. Me dê um tempo para descobrir o que fazer. Não vá para
nenhum lugar.
Recuou ao redor da rocha, soltando os dois rifles, garantindo que
o coldre ao redor da coxa direita estivesse desabotoado.
50
CASA BRANCA

O CHEFE DE GABINETE BROOKS desligou o telefone e se virou


para onde o presidente e o General Couture estavam sentados
jantando costelas e bebendo vinho tinto.
– Era Jay Tierney. – O embaixador americano na Rússia. –
Shannon acabou de entrar para a lista negra dele.
O presidente olhou para Couture, que se servia de uma terceira
taça de vinho.
– Ele costuma causar esse efeito nas pessoas. Onde ele está
agora?
Brooks voltou a se sentar à mesa.
– Aparentemente, ele e Dragunov saltaram de paraquedas no
Cáucaso há quinze minutos. Irão atrás de Kovalenko e de Umarov.
O presidente levantou sua taça.
– Que motivos Tierney tem para estar irritado?
– Nenhum, senhor. – Brooks pegou o copo de água gelada. –
Está irritado porque Shannon almoçou com Putin e depois foi
embora sem se dar ao trabalho de ligar para ele para lhe contar o
que foi discutido.
Couture permaneceu calado, esperando para ver o que o
presidente diria.
O presidente se recostou e sorveu tranquilamente um gole de
Merlot. Nem Couture nem Brooks sabiam, mas Pope telefonara
duas horas atrás para deixá-lo a par do encontro de Gil com Putin e
que Gil estava a caminho do Cáucaso. Pope também mencionara
que ele já não tinha com que se preocupar em relação à sua
celebração após a convenção de Iowa.
Ele sorriu na direção de Brooks.
– Ligue para Tierney.
Brooks não sabia bem se tinha ouvido direito.
– Senhor?
– Isso mesmo, ligue de novo para ele. – O presidente piscou para
Couture. – Diga a ele que agora sabe o que é ter Shannon te
tratando como se você não fizesse diferença alguma.
Couture deu risada, e Brooks percebeu que o presidente estivera
brincando quanto a voltar a ligar para Tierney.
– O senhor não parece surpreso por…
– E não estou – apressou-se em dizer o presidente. – Mandar
Shannon atrás de Umarov foi o plano de Pope desde o início. O
oleoduto ainda está ameaçado, e Putin nos poupou tempo
inestimável. – Depois riu, sem conseguir deixar de saborear o vinho.
– Bem que eu queria estar lá para ver a cara de Putin quando
Shannon encontrar uma maneira de passá-lo para trás.
Couture foi pego desprevenido e riu alto.
– Ei, quer mesmo ter motivos para rir? – o presidente perguntou. –
Escute só: Pope me disse que Putin fez Shannon lhe dar a sua
palavra de que não se desviaria da missão. – Lançou a cabeça para
trás com uma gargalhada, batendo a mão livre na mesa. – Maldição,
por que nós não pensamos nisso?
Couture engasgou no vinho, abaixando a taça ao rir.
Brooks, que não tomara uma gota de bebida durante toda a noite,
apenas ficou encarando-os.
– Ah, pelo amor de Deus – exclamou o comandante da Nação. –
Relaxe um pouco, Glen. Afinal, você ajudou a treinar o filho da mãe
desobediente.
Na verdade, Brooks não tinha relação nenhuma com o
treinamento de Gil Shannon, mas sabia que de nada adiantaria
esclarecer isso, portanto, apenas sorriu e se esticou para pegar a
garrafa de vinho.
– Beba, beba – encorajou o presidente. – Partiremos para o
Pentágono em cinco minutos. Não queremos perder o espetáculo.
51
MONTANHAS DO CÁUCASO

GIL SABIA QUE OS CHECHENOS poderiam avistar Dragunov


pendurado acima deles a qualquer instante. Apanhou um galho
caído do tamanho de um taco de beisebol e o lançou através do
espaço entre as rochas nas árvores atrás da sua posição. O galho
caiu com um baque forte, e os chechenos se calaram, suspendendo
seus AK-47. Ele observou quando o líder lhes deu ordens para que
se espalhassem para a esquerda e para a direita, e refletiu sobre a
melhor maneira de lidar com eles; até mesmo um único disparo de
rifle bastaria para atrair a floresta inteira sobre sua cabeça.
Dois homens flanquearam a direita ao redor das rochas, e dois
foram para a esquerda, atravessando a floresta em um ângulo
oblíquo. O líder veio diretamente na direção de Gil, que sacou a
faca. A Strike One estava carregada com uma munição subsônica,
mas, mesmo com o silenciador, produziria barulho demais dada a
proximidade. O líder checheno prosseguiu, e estava quase perto o
bastante para ser golpeado quando um galho que suportava o peso
de Dragunov estalou alto. O paraquedas rasgou, e Dragunov
mergulhou em direção ao chão da floresta, parando em um
solavanco a trinta centímetros do chão.
Os chechenos voltaram correndo para aquela direção, chamando
uns aos outros conforme se movimentavam.
Gil atacou o líder por trás, cravando a faca na lateral do pescoço,
atravessando a traqueia e rasgando-a até a frente. Largou o corpo
de lado e se juntou à corrida na direção de Dragunov, tirando
vantagem da confusão do inimigo para se meter em meio a eles
conforme convergiam para o russo indefeso pendurado pelas cordas
e lutando para apanhar a pistola.
Um dos chechenos socou Dragunov no rosto, e outro o atingiu
nas costelas com o cabo do seu AK-47.
Gil enterrou a faca no dorso da cabeça daquele que acertou nas
costelas, girando para abrir fogo contra os outros à queima-roupa.
Seu ataque foi tão veloz e repentino, que eles mal tiveram tempo de
perceber o que estava acontecendo. Ele atirou nos três em um
segundo e guardou a pistola, retirando a faca do crânio do morto.
Depois soltou Dragunov das cordas do paraquedas e o ajudou,
recostando-o em um tronco.
– Você está bem?
– O ublyudok8 fraturou uma das minhas costelas – Dragunov
grunhiu.
Gil não perdeu tempo aprontando-o para lutar, ajustou os óculos
de visão noturna no capacete dele e deslizou o AN-94 pelo ombro.
– Descanse aqui e recobre o fôlego. – Empurrou o rifle nas mãos
do major. – Tenho que buscar o resto das minhas coisas.
Quando retornou, Dragunov estava de pé, tirando a armadura de
combate.
– O que foi?
– Vai ter que enfaixar minhas costelas. Não vou conseguir segurar
um rifle sentindo tanta dor assim.
Tiraram a armadura dele, e Gil enfaixou o tronco do major com
uma bandagem elástica. Dragunov voltou a se armar e se preparar
para seguir em frente em poucos minutos.
Deu um tapa afetuoso no ombro de Gil.
– Se aquele galho tivesse quebrado antes de você afastá-los, eles
teriam acabado comigo.
– Não há como prever a sorte no combate, parceiro. Nós tivemos
sorte.
Gil pegou seu GPS para verificar a posição deles, e Dragunov se
comunicou com o Arcanjo pelo rádio para relatar a situação.
– Pronto para ir? – Dragunov perguntou, segurando a costela
fraturada do lado esquerdo.
– Sim, vamos sair daqui antes que outra patrulha apareça. Tenho
muito terreno para cobrir e quero estar em posição para acabar com
o filho da puta antes do amanhecer.
Kovalenko fora avistado próximo à fronteira da Rússia com a
Ossétia do Sul no dia anterior, e eles seguiram para o ponto de
inserção previsto: uma ponte de mão única ao fim de um rio no vale
ao norte do remoto Passo de Montanha Sba. Sabia-se que Dokka
Umarov tinha equipes de insurgentes operando naquela região e, de
acordo com a inteligência do , aquele era o local mais oportuno
para que Kovalenko se unisse ao pessoal de Umarov. O fato de Gil
e Dragunov já terem se deparado com uma patrulha chechena
parecia confirmar tal informação.
Caminharam com Gil na dianteira, e ele determinou um avanço
rápido, confiando nos óculos de visão noturna para lhes darem certa
vantagem.
Uma hora após Gil e Dragunov terem se afastado da zona de
salto, uma figura encapuzada e camuflada entrara sorrateira na
zona de combate, segurando um rifle de assalto AK-105 de 5,45
milímetros com silenciador. Também portava um rifle de precisão
russo ORSIS T-500 .338 Lapua Magnum com cabo dobrável
pendurado nas costas. Agachando-se no escuro perto dos corpos
dos homens de Umarov, tirou os óculos de visão noturna e usou um
monóculo térmico para perscrutar o terreno em busca de alguma
pegada com alguma leitura térmica. Quando teve certeza de que
estava sozinho, examinou os corpos e as armas, virando a trava
para trás para cheirar o cano. Os corpos estavam frios ao toque, e
os canos dos rifles cheiravam a óleo de limpeza.
Sasha Kovalenko, então, afastou o capuz do manto de
camuflagem e se levantou, estudando a cena da batalha com
interesse lascivo. Quem quer que tivesse matado aqueles quatro
homens aos seus pés o fizera à queima-roupa, e com tal velocidade
que nenhum deles conseguira atirar uma vez sequer. Olhando para
o alto da árvore, viu em meio à copa a camuflagem pendurada em
um galho quebrado.
A dezoito metros dali, encontrou o corpo do líder da patrulha e se
ajoelhou ao lado dele, prestando atenção no modo horrível como
fora assassinado: esfaqueado na lateral do pescoço, tendo a laringe
cortada de imediato para garantir uma morte silenciosa. O instinto
disse a Kovalenko que aquilo era obra do americano. Ele devia ter
atacado o líder por trás para depois abordar o restante da patrulha
que encontrara Dragunov pendurado na árvore. Dragunov estaria
inconsciente? Machucado? E como o americano se aproximara
tanto deles sem abrir fogo? Tudo estava aberto a especulações,
mas de uma coisa Kovalenko tinha certeza: a presa mordera a isca
e, desta vez, ele estava em vantagem.
Em três minutos, pegou a trilha e se movimentou em um ritmo
confortável. Não havia motivos para se apressar. Seu trabalho não
era tanto o de matá-los, mas, sim, de lhes impedir a fuga.
Em tradução livre: desgraçado. (N. E.)
52
HAVANA

ESTAVA FICANDO ESCURO QUANDO Daniel Crosswhite


aterrissou no Aeroporto Internacional José Martí em Cuba.
O agente da imigração segurou um carimbo acima do passaporte
dele.
– Quieres el sello, señor?
Ele perguntava se Crosswhite queria que seu passaporte fosse
carimbado. Os agentes da imigração cubanos sabiam que os
americanos teriam problemas com o governo americano por
viajarem para Cuba – mais especificamente por gastarem dinheiro
americano em Cuba – e, por causa disso, raramente carimbavam os
passaportes americanos.
Crosswhite meneou a cabeça.
– No, gracias.
O agente retribuiu o sorriso e lhe entregou o passaporte,
acolhendo-o em Cuba:
– Bienvenido, señor.
– Gracias.
Crosswhite comprou um celular barato em um quiosque e depois
pegou um táxi diante do aeroporto.
– Hotel Mercure Sevilla, por favor.
Construído em 1908, o Hotel Mercure Sevilla era famoso pela sua
arquitetura moura e pelos seus quartos ornamentados, mas
Crosswhite mal prestou atenção à decoração, largando a mala no
armário do quarto e voltando para a recepção. A maioria dos turistas
usava dólares americanos em papel-moeda em Cuba, apesar de o
euro também ser muito aceito.
– Dónde puedo encontrar una muchacha, amigo, una muchacha
buena? – Onde posso conseguir uma mulher, uma mulher bonita?
O porteiro tinha a tez morena e devia ter uns 30 anos. Ele sorriu e
respondeu em bom inglês:
– Não pode trazer nenhuma garota para o hotel, señor.
Uma sombra atravessou o rosto de Crosswhite.
– Que porra isso quer dizer?
O porteiro o levou de lado para que ninguém os ouvisse.
– Esta é a região turística – explicou. – As mulheres locais não
têm permissão para entrar nos hotéis, por isso elas levam vocês às
casas delas.
As sobrancelhas de Crosswhite se elevaram.
– Tá de gozação? – Começou a fuçar dentro dos bolsos das
calças. – Qual o seu nome, amigo?
– Ernesto, señor.
– Ernie, sou o Dan. – Deram um aperto de mãos. – Vou ficar aqui
a trabalho pelos próximos dias. Você vai estar por perto caso eu
precise de você?
Ernesto sorriu.
– Estoy a sus ordenes, señor.
– Excelente – afirmou Crosswhite, passando-lhe outra nota de
cinquenta. – Agora, preste atenção. Vou precisar saber se
aparecerem outros ianques aqui no hotel, algum idiota com jeito de
militar como eu. Comprendes?
Ernesto continuou sorrindo, apreciando a repentina intriga.
– Vou ficar de olhos abertos, señor. Pode confiar em mim.
– Confiarei – disse Crosswhite, passando-lhe um pedaço de papel
com o número do celular que comprara no aeroporto. – Se vir algo
estranho por aqui, qualquer coisa, ligue para mim. Comprendes?
– Entendo exatamente o que precisa, señor. Não se preocupe.
– Mais uma coisa: o último dígito não é quatro de verdade, é um
cinco. Vai se lembrar disso?
– Sí, señor.
– Bueno – disse Crosswhite. – Agora, quanto à garota? Quero
que ela tenha… uns 20 e poucos… cabelos longos e escuros. Tem
alguma em mente?
Ernesto sorriu.
– Paolina será perfeita para o senhor.
– Paolina! – Crosswhite enfiou a mão no bolso para pegar os
cigarros. – Você e eu vamos nos dar muito bem, eu acho.
Puxou dois cigarros e entregou um para seu novo amigo.
– Paolina é uma boa moça – garantiu Ernesto, acendendo o
cigarro enquanto Crosswhite segurava o isqueiro. – O senhor terá
que ser um cavalheiro. Os pais dela são muito corretos.
A boca de Crosswhite se abriu.
– Os pais dela, porra? Cara, de que diabos você está falando?
Ernesto riu alto.
– Esta é a sua primeira vez em Havana?
Crosswhite tragou o cigarro.
– Imagino que esteja na cara.
– Cuidarei de tudo, señor. Ela chegará aqui de táxi em vinte
minutos. Em seguida, o senhor irá com ela até a casa dela. A mãe
preparará um belo jantar.
– Ernie, não quero conhecer os pais dela, cacete.
– Relaxe – disse Ernesto. – O senhor me contratou, não foi?
Permita-me fazer o meu trabalho.
Crosswhite apontou para ele, com um sorriso discreto no rosto.
– Se isso acabar em merda, Ernie, dou um nó no seu pau. Estou
falando sério.
Ernesto sorriu, exalando uma nuvem de fumaça.
– O senhor vai adorá-la. Prometo. Nunca mais vai querer sair de
Cuba depois desta noite.
O táxi de Paolina parou diante do hotel meia hora mais tarde, e
Ernesto abriu a porta do carro para Crosswhite entrar ao lado dela.
No instante em que seus olhos se encontraram, o coração dele
derreteu, e ele quase saltou do táxi. Ela não podia ter sequer um dia
a mais do que 21 anos, e era o retrato da inocência, com olhos
negros suaves, pele morena e cabelos longos e negros.
– Soy Paolina – ela disse em tom suave. – Mucho gusto. – Prazer
em conhecê-lo.
– Soy Dan. Mucho gusto.
Chegaram a casa dela em um bairro pobre uns quinze minutos
mais tarde. Paolina o levou para dentro pela mão e o apresentou
aos seus pais – Duardo e Olivia Garcia – que estavam esperando
por eles à mesa da cozinha, posta para quatro pessoas. Um
televisor mostrava desenhos em outro cômodo, onde se ouvia um
par de crianças brincando.
Crosswhite jamais se sentira tão constrangido em toda a sua vida
e se arrependeu de ter ido até ali, mas sorriu para o pai dela, que
parecia ter a sua idade, e lhe estendeu a mão.
– Mucho gusto, señor.
A pegada de Duardo era forte, e seu olhar, firme.
– Mucho gusto. Bienvenido.
Duardo gesticulou para que Crosswhite se acomodasse em uma
cadeira e se sentou diante dele com um sorriso amigável enquanto
Paolina começava a ajudar a mãe a servir a refeição. Quando a
mesa foi posta, ela se sentou na cadeira ao lado dele.
Ninguém da família falava inglês, com isso, a conversa durante o
jantar foi inteiramente em espanhol. Quase no fim da refeição, a
mãe de Paolina pediu licença para sair da mesa e foi para o cômodo
ao lado para apartar uma briga entre as crianças. Crosswhite
deduzira que as crianças fossem irmãs de Paolina, mas uma delas
usara a palavra abuela, que significava “avó”, e ele percebeu que
pelo menos uma delas provavelmente era filha de Paolina. Ele já se
decidira que de jeito algum iria para a cama com ela com os pais no
quarto ao lado, por isso não via motivo para não fazer algumas
perguntas pessoais.
Paolina admitiu que uma das meninas era a sua filha de 3 anos
de idade, e que a outra era a sua irmã de 4. O pai de Paolina sorriu
com orgulho, gabando-se de que as duas meninas tinham a beleza
e o temperamento forte das mães.
Crosswhite relanceou para Paolina, tentando imaginar tal moça
dócil tendo um temperamento forte. Sorriu para Duardo, gostando
dele, e lhe perguntou o que ele fazia para se sustentar.
Duardo disse que trabalhava como jardineiro em um bairro chique
e, no segundo em que soube que Crosswhite fora soldado no
Afeganistão, a conversa se voltou para armas. Não demorou muito
para que ele pedisse que a esposa pegasse uma garrafa de rum
cubano de sete anos. A garrafa nunca fora aberta, e Crosswhite
começou a protestar, mas Duardo insistiu, e logo os dois homens
riam como velhos amigos. Ficou tarde, e a mãe de Paolina pediu
licença uma vez mais, dizendo que precisava levar as crianças para
a cama. Assim que ela saiu da cozinha, ficou claro que não
retornaria, e Duardo se pôs de pé. Estendeu a mão a Crosswhite e
lhe disse que ficara contente em conhecê-lo e foi atrás da esposa,
dando boa-noite a Crosswhite.
Crosswhite olhou na direção dele por um instante, depois se virou
para Paolina, dizendo que seria bom ele voltar para o hotel. O clima
logo ficou estranho, e ele foi franco com ela, explicando que nunca
tinha ido a Cuba e que não esperava ter sido recebido com tamanha
gentileza pela família dela, ficando amigo de seu pai.
Ela o fitou e, por um segundo, ele achou que ela fosse chorar.
– Não, não chore – ele disse em espanhol. – Ainda vou lhe pagar
pelo seu tempo e tudo o mais.
Lágrimas rolaram pelos olhos dela, e ele percebeu que a ofendera
sem intenção.
– Vou chamar o táxi – ela disse, levantando-se da mesa. – Não
quero que me pague. Não há motivo.
Ele a segurou com gentileza pela mão, e ela voltou a se sentar.
– Escute só, não estou acostumado com garotas como você –
disse com suavidade. – Você é… preciosa e doce demais. Estou
mais habituado a mulheres meio loucas e estouvadas. Entende?
Ela tocou no rosto dele.
– Tal vez es por eso que estás tan solo en el mundo. – Talvez seja
por isso que você esteja tão sozinho no mundo.
53
MONTANHAS DO CÁUCASO

GIL AINDA ESTAVA NA FRENTE, movendo-se cuidadosamente ao


longo de uma trilha montanhosa íngreme no meio da floresta
quando sentiu a pegada de ferro de Dragunov em seu ombro. Ficou
parado no lugar no mesmo instante, e o russo se moveu para perto
das suas costas, deslizando o braço por cima do braço dele com o
indicador apontado para frente. A princípio, Gil não conseguia
entender para que diabos ele estava apontando. Só o que
conseguia ver, no campo cinzento revelado pelos óculos de visão
noturna, eram mais árvores e a trilha que vinham subindo,
ligeiramente inclinada à esquerda.
Dragunov sacudiu o dedo para cima e para baixo, e foi então que
Gil enxergou: o brilho suave do luar refletido em um monofilamento
bem na ponta do dedo de Dragunov.
Gil começou a recuar, mas Dragunov permaneceu firme como um
carvalho, movendo a ponta do dedo um pouco para cima e para a
esquerda. Gil olhou para além do dedo, avaliando o terreno, e sua
bexiga ficou gélida. Havia pelo menos dez homens estendidos
adiante do caminho deles a uns quinze metros, todos eles muito
bem escondidos entre as rochas e armadilhas, completamente
imóveis e parecendo muito serem parte da floresta. Dragunov girou
na cintura para virar Gil para a sua direita, apontando para a trilha
onde pelo menos mais dez homens estavam igualmente disfarçados
como elementos da natureza.
Haviam entrado em uma emboscada clássica em forma de L.
Gil sabia que a maioria, senão todos, dos inimigos estavam
cientes da presença deles, visto que o luar fornecia luz suficiente
para guerreiros experientes detectarem movimentos a quinze
metros de distância. O único motivo pelo qual ainda não haviam
aberto fogo foi por terem recebido ordens para esperarem pelos
disparos de alerta que, sem dúvida, estavam espalhados pela linha
de avanço. Deparar-se com um dos monofilamentos por certo
dispararia uma série de luzes que, indubitavelmente, iluminaria o
cenário como se fosse plena luz do dia, permitindo que Gil e
Dragunov morressem em uma troca de tiros letal.
Gil assentiu e deu de ombros, incerto sobre como perguntar de
outro modo a Dragunov o que deveriam fazer. Seguramente, não
poderiam discutir verbalmente, com os inimigos assim tão perto que
poderiam mijar nele.
Dragunov empurrou o ombro de Gil para baixo. Os dois se
abaixaram e começaram a recuar lentamente. Depois de terem
recuado uns três metros talvez, a floresta explodiu ao redor deles.
Lançaram-se no chão enquanto tiros de rifle e projéteis de
metralhadoras PKM passavam acima de suas cabeças – perto o
bastante para que Gil sentisse o calor deles eriçando os pelos de
sua nuca. Arrastaram-se para trás de barriga no chão, com balas
resvalando em seus capacetes, cortando suas armaduras,
destroçando os rádios presos na parte posterior dos arneses.
Dragunov rolou para fora da trilha em um desenfiamento e puxou
Gil atrás de si, conseguindo, com isso, um momento de alívio.
– Estavam aqui à nossa espera! – Gil exclamou por cima da
confusão.
– Eu sei! Fomos traídos!
As luzes ficaram mais intensas, e subitamente estava mais claro
do que o Wrigley Field9 em dia de jogo.
Gil se levantou o bastante apenas para lançar uma granada de 40
milímetros em um ninho de metralhadoras PKM. A granada detonou
no impacto, e homens gritaram.
Dragunov lançou uma granada do lado oposto da trilha onde o
inimigo mudava de posição para flanqueá-los, matando três.
Uma RPG apareceu de lugar nenhum e detonou contra uma
árvore. Dragunov saltou para cima, aproveitando-se da fumaça
como cobertura enquanto segurava Gil pelo arnês.
– Vamos embora!
Recuaram sob a cobertura da fumaça e andaram para trás na
escuridão. Os disparos prosseguiram pelos vinte segundos
seguintes, mas era evidente que os inimigos os haviam perdido de
vista. Eles continuaram a avançar em bom ritmo.
– O maldito rádio já era! – Gil sibilou, arrancando o equipamento
do capacete.
– O meu também. Estamos por conta própria agora.
– Não que, de todo modo, pudéssemos confiar na zona de
extração. O quanto acredita que estejamos comprometidos no
escalão?
Dragunov fez uma pausa sobre uma pequena rocha, verificando
os revólveres de seis tiros.
– Impossível saber. Só é preciso um rato para estragar uma
despensa inteira. Estranho… Não estão nos seguindo.
– Estão, provavelmente, procurando os corpos. Não se preocupe,
não vai demorar e eles logo vão estar no nosso encalço.
– Não tenho tanta certeza – Dragunov murmurou. – Vamos
continuar andando. Temos muito ainda pela frente até chegarmos a
um terreno mais amigável.
Não cobriram mais do que umas poucas centenas de metros
antes de serem atingidos por uma rajada de AK-105 com
silenciador.
Estádio de beisebol em Chicago, casa do time Chicago Cubs.
(N.T.)
54
PENTÁGONO

O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS, junto com o General


William Couture, o chefe de gabinete Glen Brooks, o secretário da
defesa e vários membros dos Estados-Maiores Conjuntos estavam
sentados diante de telas de alta definição no Centro de Comando
via Satélite 4, assistindo sem poderem fazer nada enquanto Gil e
Dragunov entravam, sem saber, na emboscada em forma de L. As
brancas assinaturas de calor de trinta e cinco chechenos eram
visíveis para todos.
– Meu Deus – murmurou o presidente com as palmas suadas. –
Não conseguem vê-los?
– Pelo visto, não – respondeu Couture, cerrando e descerrando
os dentes. – Se não estiverem usando visão térmica noturna, serão
incapazes de enxergá-los até estarem bem em cima deles. Isso
depende se o inimigo estiver bem camuflado, senhor.
Uma das figuras esticou a mão e a pousou no ombro da outra,
detendo o avanço.
– Pronto! Eles os viram! – Brooks comentou.
– Se é que isso vai adiantar alguma coisa agora – murmurou um
dos chefes dos Estados-Maiores.
Observaram quando Dragunov apontou adiante para a posição
dos inimigos sobre o ombro de Gil, mas todos imaginaram que fosse
Gil quem estivesse apontando. As figuras se abaixaram no chão, e
estavam no processo de recuarem quando o inferno aconteceu na
tela.
O presidente viu um rastro de calor cruzar a tela, faíscas
chispando, seguidas de explosões de granadas de 40 milímetros e
de homens mortos caindo no chão.
– Jesus Sagrado – disse, pondo-se de pé e obrigando Couture a
se afastar da mesa para continuar vendo. – Desta vez, vamos
perdê-lo.
Couture assentiu, silenciosamente concordando com o
comandante da Nação de que ninguém seria capaz de sobreviver a
tamanha tempestade de chumbo.
Brooks, que nunca vivenciara, durante seu período nas Forças
Armadas, mais do que algumas troca de tiros a centenas de metros
de distância, sentia um misto de medo e admiração. Tinha certeza
de estar testemunhando os momentos finais de um companheiro
.
A RPG detonou contra uma árvore em uma explosão brilhante,
temporariamente obscurecendo a visão da batalha, e todos
prenderam a respiração. Alguns segundos depois, viram que Gil e
Dragunov tinham sido bem-sucedidos em se afastarem do inimigo, e
suspiraram em conjunto.
– Como diabos conseguiram isso? – perguntou-se o presidente.
Couture franziu o cenho ao ver que Gil e Dragunov corriam para
se salvar.
– Pura sorte, senhor.
O presidente enxugou o suor da testa.
– Meu Deus. Olhem como avançam.
Ele os viu correr por quase trezentos metros no terreno irregular
da floresta. De repente, os dois despencaram no chão.
– Foram alvejados! – exclamou Couture, olhando para a ponta
oposta da sala para o oficial da Força Aérea. – Ajuste a tela, major!
– Apontou para outra tela. – E afaste aquela ali. Tente encontrar
quem atirou neles.
Uma câmera aumentou o zoom, a outra afastou.
– Estão se movendo – alguém disse. – Ainda estão vivos!
– Mas quem diabos atirou neles? – Couture perguntou frustrado.
Estava de pé, aproximando-se da tela com o ângulo mais amplo. –
Não vejo nenhuma assinatura de calor em um raio de trezentos
metros.
– Talvez tenha sido alguma armadilha – palpitou Brooks.
Couture balançou a cabeça.
– Teríamos visto uma explosão.
– Ali! – alguém disse, apontando para uma breve assinatura
parcial de calor de uma forma humana uns cinquenta metros a oeste
de onde Gil e Dragunov agora se arrastavam para conseguirem a
cobertura de umas rochas. A assinatura parcial desapareceu de
novo tão rapidamente quanto havia aparecido.
– Merda, aquele é um atirador em um camuflado protegido.
– O que é isso? – o presidente perguntou.
– É um capote camuflado feito com material de absorção de calor
– respondeu Couture. – Quem quer que tenhamos visto, senhor
presidente, sabia que alguém poderia estar vigiando do alto, e
tomou providências para não ser apanhado pelo infravermelho.
Brooks quebrou o lápis que estava remexendo entre os dedos.
– Aposto como é Kovalenko. Esta operação estava comprometida
antes mesmo de eles saírem de Moscou.
Os olhos do presidente estavam colados na tela.
– Alguém pode, por favor, aumentar o zoom? Eu gostaria de
saber o que os nossos homens estão fazendo atrás daquelas
rochas.
– O que quer que estejam fazendo – disse Couture –, é melhor
que façam logo porque ali vêm os miseraveizinhos da emboscada.
O presidente relanceou para a outra tela, onde mais de vinte
assinaturas de calor se moviam rapidamente para o oeste, dirigindo-
se para a posição de Gil.
– Não vou mentir – ele murmurou, mais que assustado pelo que
estava assistindo. – Estou aterrorizado. Inferno, estou morrendo de
medo só de assistir. – Deparou-se com o olhar de empatia de
Couture. – Alguma chance de eles se entregarem, general?
Couture meneou a cabeça.
– Homens como Gil Shannon e Dragunov sequer conhecem o
significado dessa palavra, senhor presidente.
O presidente se virou para Brooks.
– Coloque Bob Pope no telefone. Precisamos descobrir se
Moscou está assistindo a isso e pretende ou não enviar algum
apoio.
55
MONTANHAS DO CÁUCASO

O SOBRINHO DE DOKKA UMAROV estivera no comando da


emboscada, e Lom estava furioso com seus homens por terem
permitido que o russo e o americano escapassem. Incitou-os em um
passo rápido em meio ao terreno escarpado da floresta, distribuindo
ordens para que se movessem de maneira simétrica a fim de não
permitirem que o inimigo passasse pela linha de ataque. O aliado
Spetsnaz deles, Kovalenko, supostamente estaria em algum ponto
bloqueando a via de recuo, mas Lom não obtinha muito conforto
com isso. A emboscada fora organizada perfeitamente, mesmo
assim fracassara, e a responsabilidade por esse fracasso recairia
em sua cabeça. Enviaram um emissário ao acampamento de
Umarov atrás de mais homens, mas seu tio não chegaria a tempo.
O único modo de Lom reconquistar parte de sua honra seria
capturando e matando sua presa antes que eles caíssem no
caminho de Kovalenko ou conseguissem escapar de vez.
Lom e seus reforços tinham, até então, coberto trezentos metros,
e ainda não havia sinal de sua caça. Era improvável que tivessem
seguido para o norte porque a floresta terminava onde o planalto se
iniciava, e havia pouca ou nenhuma cobertura após o limiar das
árvores, onde o avanço seria muito mais traiçoeiro. O recuo para o
sul era ainda menos provável porque o terreno despencava em um
despenhadeiro íngreme do qual não havia como escapar.
– Fiquem de olhos abertos! – sibilou. – Eles não podem estar
longe agora.
Uma granada explodiu quarenta metros ao norte, e houve troca
de tiros de rifle.
– Mexam-se! – Lom berrou. – Estão tentando passar pela linha de
avanço!
A última coisa de que precisavam era que o inimigo avançasse
pela sua retaguarda e acabassem entrando em contato com o
reforço do seu tio. Isso seria vergonhoso demais para enfrentar.
Seus homens no alto da fileira gritavam para frente e para trás,
confusos quanto à localização do inimigo, sem conseguirem
enxergar muito por conta do luar fraco.
Outra granada explodiu enquanto Lom chegava à cena e, desta
vez, partes de corpos voavam pelos ares. Houve outra troca
selvagem de disparos de metralhadora, e uma bala perdida
atravessou o braço de Lom, resvalando no osso. Ele cerrou os
dentes de tanta dor, saltando sobre uma árvore caída e gritando
para que seus homens preenchessem o espaço onde a granada
formara um buraco em sua linha de avanço.
Uma figura bateu nele pelo seu lado cego, movendo-se
rapidamente e lançando-o de cara contra uma rocha, esmagando
seu nariz e quebrando seus dentes incisivos na altura da gengiva.
Ele se erguia quando uma segunda figura pisoteou sua cabeça e
saltou por cima da rocha, deixando-o atordoado demais para se
levantar de novo.
Não tinha certeza de quanto tempo se passara quando um dos
seus homens o sentou ao encontro de uma rocha e despejou água
em seu rosto.
– O quê! Onde eles estão? – disse com um ceceio.
– Eles passaram – o homem informou. – Mandei outro
mensageiro para Dokka. Nosso homem conhece a floresta, deve
chegar lá antes deles.
Uma figura protegida por um capote camuflado apareceu como
um fantasma, empurrando o capuz para trás e revelando seu rosto à
luz do luar.
– Quem é o responsável por esta confusão toda?
Lom de imediato o reconheceu como sendo Sasha Kovalenko.
– Eu sou – confessou rouco.
Kovalenko olhou ao redor, ouvindo os gemidos dos feridos
próximos a eles.
– Dois homens feridos acabaram de passar pela sua linha de
avanço como merda saindo do traseiro de um ganso! Terá sorte se
seu tio não o pendurar pelas bolas. – Arrancou o rifle das mãos de
Lom e o passou para outro homem, dizendo para ele: – Junte os
homens que ainda estão inteiros e façam fila atrás de mim.
Sairemos em dois minutos.
O homem se afastou para cumprir as ordens, e Kovalenko se
virou para Lom, perguntando desgostoso:
– Ainda consegue lutar, garotinha, ou pretende passar o resto da
sua vida miserável chupando paus com essa sua linda boca?
Lom estava tão envergonhado e furioso que seus olhos se
encheram de lágrimas.
– Consigo lutar – asseverou, ceceando grotescamente.
– Veremos. – Kovalenko o empurrou de lado. – Encontre um rifle
e tente acompanhar o ritmo.
Duzentos metros a leste, Gil e Dragunov pararam para descansar
debaixo de uma saliência.
– Não vão demorar a se reagruparem – disse Dragunov, com o
suor escorrendo pela testa por causa da dor em seus testículos. Ele
segurava uma lanterna em forma de caneta enquanto Gil
desabotoava suas calças para averiguar o ferimento na virilha.
– Eles te acertaram direitinho – constatou Gil, usando a faca para
rasgar a cueca ensanguentada de Dragunov. – Mas parece que teve
sorte, parceiro. O escroto foi rasgado, mas suas bolas ainda estão
aí. Os ferimentos nas coxas são superficiais.
Gil limpou as mãos ensanguentadas nas calças de Dragunov e se
sentou para trás para tirar seu arnês e armadura.
– Não sei se eu tive tanta sorte assim.
Dragunov abotoou as calças e ajudou Gil a se livrar de seu
equipamento. O americano tinha alguns pequenos buracos no
abdômen, onde as balas de 5,45 milímetros de Kovalenko
derrotaram a armadura, mas as balas foram fragmentadas e parecia
que os fragmentos tinham se inserido nos músculos abdominais de
Gil; algo doloroso, porém, não letal.
– Foi Kovalenko quem nos atingiu lá atrás – ele disse. – Tudo foi
armado desde o começo.
– Pois é – Dragunov concordou. – E ele vem vindo. Não estamos
mortos porque não imaginou que correríamos na direção dele desse
jeito, mas teremos que tomar muito cuidado daqui por diante. Há um
motivo para ele ser chamado de Lobo.
– Talvez devêssemos ficar parados aqui, esperando.
Dragunov balançou a cabeça.
– Se fosse só ele, eu concordaria, mas este é o território de
Umarov. Mais homens logo chegarão. Nossa única chance é
continuarmos a seguir para o leste.
– Cada vez mais no interior do território de Umarov?
– Kovalenko e os outros estão bloqueando o oeste. O norte e o
sul são impossíveis. Isso nos deixa o leste.
– Merda, cada vez mais merda – Gil murmurou. – Olha só, acho
que devemos ficar aqui. Deixe que Kovalenko e os outros passem
por nós, depois voltamos com uma abordagem do oeste.
– Os outros podem passar por nós, ele não!
– Tem certeza disso?
Dragunov apanhou o capacete de Gil e o entregou a ele.
– Não estamos na Sicília agora. Esta floresta é o lar dele. Ele
cresceu nestas montanhas, e saberá o que estaremos aprontando.
Lutei ao lado dele vezes demais para não conhecer seus instintos,
mas, preste atenção: logo será dia, e a três quilômetros daqui há um
vale para onde poderemos atraí-lo para um terreno aberto,
apanhando-o em fogo cruzado. Se nós dois estivermos atirando
com rifles, um de nós deve viver tempo suficiente para conseguir
atirar nele.
Gil olhou para ele enquanto ajustava seu capacete.
– E você não acha que ele vai descobrir o que estamos
planejando?
Dragunov riu.
– Claro que vai descobrir, mas uma raposa à frente de cães de
caça tem opções limitadas, e correr na direção dos cães nunca é
uma delas.
Gil sentiu um espasmo no ventre, retraindo o rosto enquanto
abaixava os óculos de visão noturna sobre os olhos.
– Não tenho como discutir contra a boa lógica russa.
56
HOSPITAL NAVAL BETHESDA

B ,M

– EU ENTENDO – DISSE POPE com paciência, falando com o seu


equivalente no escritório do em Moscou, o chefe de escritório
Galkin. – Mas estamos assistindo-os em tempo real via satélite, e
eles estão em sérios apuros. Está me dizendo que o seu pessoal
não tem contato visual com eles?
– Não estou autorizado a responder a essa pergunta – informou
Galkin. – O que posso dizer é que não recebemos nenhum pedido
de ajuda.
Pope tinha um olho no laptop e viu Gil e Dragunov lentamente
emergindo de seu esconderijo. Ele já sabia que os satélites espiões
russos naquela parte do mundo estavam voltados para a Ucrânia,
onde a discórdia se intensificara nos últimos meses.
– Você tem algum recurso disponível para auxiliá-los? – ele
perguntou.
– Há um helicóptero disponível para evacuação emergencial –
respondeu o russo. – Mas, até então, não recebemos um pedido a
respeito disso.
Pope também estava ciente de que a maior parte dos recursos
militares russos também foram direcionados para a Ucrânia e que,
recentemente, perderam dois helicópteros Hind durante a missão
para matar Dokka Umarov. Estava começando a duvidar da boa
vontade deles em arriscar mais um helicóptero para tirar Gil e
Dragunov da linha de fogo.
– Tentou entrar em contato com eles?
Galkin hesitou. Depois disse:
– Não recentemente.
– Entendo – disse Pope, juntando as peças. – Já não está mais
em contato com eles, está? Perdeu todo o contato.
Galkin soltou um suspiro.
– Se eles estão cercados como diz, senhor Pope, não é surpresa
alguma que não tenhamos tido notícias deles.
Pope sentiu a pulsação acelerar, irritado com a inutilidade dessa
observação.
– Eu diria que o oposto é verdade, senhor Galkin. Não sei quanto
a Ivan Dragunov, mas conheço Gil Shannon, e tenho acompanhado
atentamente esta batalha. Acredite em mim, se o nosso homem
pudesse pedir apoio, ele teria feito exatamente isso. Está claro pelo
modo como estão se movimentando que os dois estão feridos.
– Compreendo a sua aflição – afirmou Galkin –, mas como
podemos organizar uma evacuação se não conseguimos nos
comunicar com eles?
– Pode inserir outra equipe.
– Isso está fora de questão – disse Galkin. – Acabamos de perder
uma das nossas melhores equipes da Spetsnaz naquela região há
dois dias e, a julgar pelo que você aparentemente viu hoje, essa
missão está completamente comprometida. Enviar outra equipe
para lá agora seria suicídio.
Depois de mais alguns minutos com Galkin evitando o assunto,
Pope concluiu a ligação sabendo pouco mais do que já sabia ao
iniciá-la.
Olhou para o computador, observando Gil e Dragunov avançando
pelo Cáucaso, depois se virou para a agente Mariana Mederos, que
acabara de chegar do México.
– Você parece cansada.
– Está tarde – ela respondeu com irritação, secretamente
intrigada pelo que estava acontecendo na tela do computador. – Por
que não fui informada de que Crosswhite estaria no México para
realizar o seu trabalho molhado?
Pope não conseguiu deixar de rir ante a escolha de palavras dela.
– O que achou que ele faria ali?
– Seria o meu segurança.
– Ele estava lá para fazer as duas coisas – esclareceu Pope. –
Crosswhite é o que se pode chamar de “pau pra toda obra” dentro
das Forças Especiais.
– Sei o que é isso – ela disse belicosamente. – O que eu não sei
é por que eu estava lá. Crosswhite poderia ter conduzido o
interrogatório com a mesma facilidade que eu, até mais, para falar a
verdade. O senhor não precisava me tornar cúmplice de um
assassinato.
Pope a encarou. Mederos era bonita, e sua raiva só acentuava a
sua beleza.
– Você estava lá porque eu precisava da tal cooperação de
Castañeda, e ele tem uma queda por você.
Ela não respondeu de imediato a isso, perguntando-se como
Pope sabia disso.
– Sou um administrador de recursos, Mariana. É isso o que todo
diretor da é, um administrador de recursos. Você é um recurso,
Crosswhite é um recurso… e Castañeda é um recurso. É meu
trabalho utilizar os recursos da agência de todo o modo que puder.
– E se houver um inquérito? – ela replicou. – E se eu for chamada
para depor?
– Isso não vai acontecer.
– Mas e se acontecer? E se me oferecerem algum tipo de
imunidade?
Pope deu de ombros.
– Imagino, então, que deverá seguir a sua consciência.
Ela o encarou, desgostando dele por colocá-la nessa posição.
– Quero que saiba que não confio mais no senhor. Confiava
antes, mas hoje não confio mais.
Ele lhe sorriu.
– Que bom para você – Pope disse com suavidade. – Você se
ateve à sua inocência por tempo demais. Agora preciso que vá para
Havana. Crosswhite já está lá.
Seus olhos se arregalaram.
– Acabei de sair da Cidade do México. Por que não me mandou
direto para lá?
– Porque você precisava tirar essa coisa sobre Hagen de dentro
do seu peito – explicou Pope. – Só o que preciso é que fique com a
cabeça no lugar quando chegar a Havana. A tem agentes em
Cuba, mas todos eles já estão comprometidos, e Crosswhite está lá
por conta própria.
– Ele foi fazer mais algum trabalho molhado lá, presumo?
Pope sorriu.
– Ele não foi lá para coletar doações para a Cruz Vermelha.
Ela franziu o cenho.
– Quantos alvos?
– Peterson e Walton. – Pope lhe entregou um envelope amarelo.
– Para as suas despesas de viagem.
Ela enfiou o envelope debaixo do braço, a raiva começando a
diminuir.
– Pensei que Walton tivesse se refugiado nos Emirados Árabes.
– Ele foi para lá e lhes vendeu um dossiê bem abrangente sobre
as nossas operações na Europa Oriental. Vidas podem ser perdidas
por causa do que ele fez. Agora ele está a caminho de Havana,
onde Peterson e o restante da facção deles acredita estarem além
do meu alcance.
– Isso está começando a parecer um assunto pessoal para mim.
Pope relanceou ao redor do quarto hospitalar.
– Não vim para cá porque quis.
– Então Crosswhite está executando a sua vingança pessoal… e
o senhor está me usando para ajudá-lo nisso.
– Crosswhite está caçando alguns traidores que fizeram com que
pessoas inocentes morressem, e que continuarão a matar pessoas
inocentes até serem detidos. O fato de eu ter satisfação pessoal
com a má sorte deles é apenas um bônus. Você só vai a Havana
como um backup. A menos que algo saia errado, não haverá motivo
sequer para que saia do hotel, portanto, fique na piscina e aproveite.
Faça uma massagem. Há bastante dinheiro nesse envelope, e não
estou querendo os recibos das despesas.
– Isso se parece com propina para mim.
Pope subitamente ficou muito sério.
– Pensará que é uma propina, Mariana, se algo der errado e
Crosswhite precisar que se envolva diretamente. Agora, chega de
fazer bico. Você é um recurso valioso, e está na hora de começar a
agir como tal. O mundo está ficando mais perigoso a cada dia, e é
necessário ter um estômago forte.
57
MONTANHAS DO CÁUCASO

DRAGUNOV ESTAVA NA DIANTEIRA, mantendo-se próximo à


margem norte das árvores à medida que seguiam para o leste. Ele
suspeitava que os chechenos estivessem a caminho, e que ele e Gil
fossem interceptados antes que conseguissem chegar ao campo
aberto. Ao ficarem perto do limiar das árvores, ele tinha esperanças
de evitar serem apanhados em outra troca de tiros.
Ele rasgara um pedaço do seu shemagh e o usara para amarrar
os testículos machucados junto à perna, mas eles se soltaram e
estavam esfregando dolorosamente para frente e para trás. Pelo
menos já não sentia o sangue escorrer pelas pernas; isso lhe dizia
que o sangramento estancara, por isso ele estava muito grato.
Um galho se partiu às duas horas em relação à posição deles,
uns cinquenta metros à frente, e os dois homens ficaram parados.
Os primeiros sinais do nascer do sol estavam começando a
despontar no céu, e estavam ainda a um belo quilômetro de
distância do vale, onde esperavam encontrar Kovalenko em terreno
aberto.
Procuraram cobertura e perscrutaram a floresta com seus óculos
de visão noturna, vendo uma longa fila de soldados se
materializarem gradualmente na profundidade mais escura. Dois
chechenos vieram diretamente na direção deles pela extremidade
do flanco direito da linha de avanço, ficando ligeiramente para trás
devido ao terreno ainda mais rochoso no interior da área das
árvores, onde pequenas avalanches de rochas do tamanho de bolas
de futebol e de beisebol se acumularam no decorrer dos séculos.
Gil sacou sua faca, e Dragunov o acompanhou. Se qualquer um
daqueles dois chechenos produzisse um som sequer, os dois
compatriotas rapidamente se encontrariam acuados sem terem um
lugar para onde correr a não ser as rochas abertas na base da
montanha. Ali eles seriam alvejados ao bel-prazer do inimigo.
Dragunov se adiantou para buscar cobertura atrás de um tronco
grosso. Os dois chechenos não caminhavam lado a lado, mas, sim,
em fila, uns quatro metros de distância um do outro, e Dragunov
sabia que teria que pegar o de trás antes que Gil pudesse atacar o
da frente.
Manteve-se abaixado quando o primeiro dos chechenos passou
próximo à sua árvore com o AK-47 pendurado relaxadamente no
ombro. Depois se levantou e se preparou para a passagem do
segundo.
Gil estava agachado entre as rochas, observando a aproximação
do primeiro checheno diretamente na sua direção. Se Dragunov não
abatesse seu homem primeiro, eles estariam encrencados porque
Gil não podia se dar ao luxo de esperar; teria que atacar no instante
em que o checheno estivesse perto para ser golpeado. Seu
checheno vinha em ritmo constante, mas o homem de Dragunov
parou para se aliviar em uma árvore. Gil se preparou, esperando até
o último instante possível antes de se levantar do chão como uma
anaconda atacando, cravando a faca na base da mandíbula do
homem para partir seu crânio. Levantou-se com o checheno se
retorcendo nos braços, enquanto o homem de Dragunov terminava
de mijar.
Dragunov prendeu a respiração até que o homem passasse por
ele, abotoando a calça. Então, saiu de sua cobertura e o segurou
por trás, cobrindo-lhe a boca com a mão e cravando a faca na base
do crânio.
Os dois homens abaixaram suas presas até o chão e se
afastaram, entrando mais na floresta e se distanciando das rochas,
onde o avanço seria mais rápido. Cobriram quase cem metros antes
de darem a volta em uma formação rochosa, deparando-se com
cinco chechenos deixados para trás na possibilidade de que Gil e
Dragunov conseguissem passar pelos soldados sem serem
percebidos.
Uma luta corpo a corpo ferrenha se desenrolou.
Dragunov foi atingido na cabeça pelo cabo de um AK-47 e seu
rosto foi cortado ao longo do malar. Ele cambaleou contra uma
rocha, e o rifle do checheno disparou próximo ao seu rosto. Caso
estivesse de olhos abertos, o estouro o teria cegado. Da forma
como foi, a bala enrugou a lateral da sua cabeça e arrancou parte
de sua orelha.
Gil conseguiu atirar no checheno de cima dele antes de ser
atingido no peitoral por cinco balas que o fizeram voar. Aterrissou de
costas, e o checheno pairou acima dele, batendo com a parte dura
da palma no reservatório do seu AK-47 emperrado. Gil apertou o
gatilho do seu AN-94 e esvaziou a câmara, matando seu agressor e
outro homem. Rastejou para trás e foi imediatamente atacado por
um homem que estava aterrorizado demais ou era inexperiente
demais para soltar o rifle.
Dragunov agarrou o cano do AK-47 do checheno, conseguindo
desviá-lo, esquivando-se, assim, de levar um tiro na barriga. O
checheno soltou o rifle, e Dragunov lhe deu um soco de baixo para
cima que arrancou metade da sua língua. Os dois homens rolaram
pelas rochas, batendo um no outro.
Gil estava sobre o joelho direito, com o ombro esquerdo apoiado
em uma árvore, mal mantendo seu centro de gravidade ao tentar se
desvencilhar do checheno, que o segurava por trás pela cintura. O
homem era maior e mais forte do que Gil, mas não parecia saber o
que fazer além de levar seu oponente ao chão. Gil sabia que, se
acabasse por baixo, estaria liquidado, mas seu braço direito estava
preso debaixo do abraço de urso do checheno, portanto, só o que
podia fazer naquele momento era manter o oponente em uma chave
de braço desajeitada com o braço esquerdo e esperar que o cara
cometesse um erro.
Dragunov foi empurrado de costas e levou uma joelhada na
virilha. Vendo estrelas, cravou os dentes no polegar do agressor
para arrancá-lo na mordida. O checheno se debateu para se livrar
da mordida, e isso permitiu que Dragunov usasse uma manobra de
esquiva com o quadril e saísse debaixo dele, finalmente sacando a
faca. O checheno segurou o braço da faca de Dragunov com a mão
liberta e desviou do ataque à sua barriga.
Nesse meio-tempo, Gil levantou a perna direita, usando todas as
forças de que dispunha, quase estourando seu ligamento cruzado
anterior no processo de se forçar a ficar de pé. Isso deve ter
surpreendido o checheno, porque ele pareceu perder o foco no
momento. Gil se soltou da pegada dele, guinando-se de frente para
ele e enfiando os dois polegares nos globos oculares do outro. O
checheno berrou e agarrou os braços de Gil, mas Gil travou as
pernas ao redor da cintura do outro e o golpeou com força na
cabeça. As pernas do checheno cederam, e Gil montou nele até cair
no chão, arrancando seus olhos e depois saltando para ficar de pé.
– Vai se foder! – grunhiu para o seu oponente, agarrando o AN-94
e se apressando para onde Dragunov ainda lutava pela sua vida.
Bateu com o cano na lateral do checheno e apertou o gatilho sem
obter nenhum resultado. A câmara estava vazia.
Praguejando, Gil sacou a faca e a enfiou na lateral do pescoço do
checheno, que afrouxou, e Gil o esfaqueou de novo só como
garantia.
Dragunov rolou para longe do corpo, cuspindo o polegar do
checheno e se esforçando para ficar de pé. Os dois homens
estavam exaustos até para falar, por isso só deram um tapa um no
ombro do outro e depois partiram para o leste. O dia estava
começando a nascer. Sabiam que todos os chechenos do mundo
logo estariam no encalço deles, e que Kovalenko estaria com eles.
58
PENTÁGONO

O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS desviou o olhar da tela e


viu que o General Couture acendia um cigarro Pall Mall com um
isqueiro Zippo da Primeira Cavalaria Aérea. Todos tinham assistido
à briga, e ninguém na sala acreditava que Gil e Dragunov ainda
estivessem vivos.
– É permitido fumar aqui, general?
Couture meneou a cabeça.
– Mas o senhor é o único homem com uma patente maior que a
minha. Quer que eu apague? A culpa é do Shannon. Ele sempre
provoca isso em mim.
O presidente recentemente deixara de fumar cachimbo devido à
insistência da esposa.
– Pode me dar um?
– Claro.
Couture enfiou a mão no bolso do uniforme engomado e lhe
passou o maço vermelho.
O presidente pegou um e jogou o maço na mesa.
– Sirvam-se, cavalheiros.
Brooks foi o primeiro a pegar o maço, e o presidente sorriu
enquanto Couture se inclinava para frente para acender o cigarro
dele.
– Comprarei outro para você, general.
Couture balançou a cabeça.
– Não é necessário.
A sala logo ficou tomada pela fumaça acinzentada enquanto eles
assistiam Gil e Dragunov abrindo caminho em meio à floresta. Na
tela, uma força de mais de cinquenta homens os perseguia vindo do
oeste, movendo-se com o dobro da velocidade com muita facilidade.
Um assistente entrou na sala e sussurrou ao ouvido de Couture.
– Senhor presidente, Bob Pope está na linha quatro.
O presidente pegou o telefone e pressionou um botão.
– Aqui é o presidente… Sim, eu vi. Todos nós vimos… Você só
pode estar brincando! Está querendo me dizer que vão ter que voltar
até Moscou por conta própria? Espere um segundo, Robert. – O
presidente se virou para Couture. – Os russos perderam contato
com nossos homens em terra. Ao que tudo leva a crer, não haverá
uma operação de resgate.
Couture estalou os dedos para um oficial da Força Aérea.
– Encontre o Predator mais próximo e faça com que ele voe
naquela direção!
– Não podemos fazer isso – interveio o presidente. – Eles estão
na Rússia.
– Não exatamente, senhor presidente.
– Rússia é Rússia, general.
– Pope não consegue uma permissão para nós?
– Robert, você nos consegue uma permissão para enviarmos um
Predator? – O presidente olhou para Couture e meneou a cabeça. –
Ele diz que já tentou isso, e que eles sequer querem considerar
essa sugestão. Moscou alega que esta é uma operação russa e que
Shannon se prontificou a agir sob o comando russo.
Couture tragou o cigarro com frustração.
– E se pedirmos que eles mandem uma daquelas máquinas de
lavar roupa aéreas deles?
O presidente conversou com Pope.
– Ele disse que não antes do amanhecer, e mesmo isso não está
garantido. Os russos dizem que Umarov adquiriu MANPADS.
Presumo que saiba o que é isso. Eu não sei.
– É um míssil antiaéreo lançado manualmente, senhor. Pope tem
alguma coisa em mente?
– Ele diz que não no momento.
– Onde diabos está a Força Aérea russa? – perguntou o chefe de
gabinete da Força Aérea.
– Pope diz que essa é uma excelente pergunta, general.
– Inacreditável – o general da Força Aérea murmurou. – A missão
é um fracasso, por isso vamos simplesmente deixá-los morrer?
– Pope diz que é isso o que parece – disse o presidente. – Pode
nos contar algo mais, Robert? – O presidente ouviu e depois
respondeu: – Ligue para mim no instante em que souber de alguma
novidade. – Desligou e olhou para os homens sentados ao redor da
mesa. – A menos que um de vocês tenha uma sugestão que não
envolva o início da Terceira Guerra Mundial, acredito que o
presidente Putin esteja prestes a conseguir a sua vingança pela
Operação Bordel.
Nenhum dos generais tinha nenhuma sugestão, mas o presidente
avistou um jovem tenente da Força Aérea em um canto diante de
um computador com uma mão parcialmente levantada.
– O que foi, filho?
– Bem, senhor – sugeriu o tenente. – Que tal ligarmos para Tbilisi
e pedirmos ajuda? O exército da Geórgia tem helicópteros no chão
logo além da fronteira. Se voarem baixo entre as montanhas, o
radar russo jamais os detectará. E talvez eles não se importem em
invadir o espaço aéreo russo por uns vinte minutos, visto que a
Rússia ainda está ocupando o território da Geórgia em Ossétia do
Sul.
O presidente olhou para Couture.
– O que acha disso?
Couture deu de ombros.
– Não custa perguntar, senhor.
O presidente apanhou o telefone e pressionou o zero.
– Aqui é o presidente. Ponha o secretário de Estado Sapp ao
telefone imediatamente. E ligue para a Embaixada da Geórgia.
Precisaremos conversar com o embaixador.
59
HAVANA

JÁ PASSAVA DA MEIA-NOITE, e Paolina estava enroscada no


gancho do braço de Crosswhite, deslizando os dedos nos pelos
negros do seu peito sob a luz de uma vela. Ele pensava coisas
impossíveis a respeito de um futuro impossível em Havana quando
ela se soergueu sobre um cotovelo e o fitou nos olhos.
– Me ves como una puta? – ela perguntou. Você me enxerga
como uma prostituta?
Ele lhe penteou os cabelos com os dedos e sorriu.
– Eu a vejo como a mais bela garota do mundo.
Ela retribuiu o sorriso e o beijou.
– Quanto tempo ficará em Havana?
Ele encolheu os ombros, com o sorriso afixado no rosto.
– Quanto tempo gostaria que eu ficasse?
Ela voltou a se enroscar no braço dele.
– Quanto tempo, Daniel?
– Alguns dias – ele disse. – Uma pouco mais, talvez.
– Eu o verei de novo antes de você ir embora?
– Todas as noites em que estiver livre.
Ela voltou a se erguer, sorrindo.
– Então, estarei livre todas as noites.
– Que bom – ele disse, abaixando-a para beijá-la. – Você não tem
nenhum cliente frequente que vá ficar bravo?
Ela balançou a cabeça, parecendo triste pela primeira vez.
– Enquanto estiver aqui, podemos fingir que não há outros
clientes… que eu sou outra pessoa?
Ele se sentou, apoiando-se na parede, e a pegou nos braços.
– Não quero fingir que você é outra pessoa. Quero conhecer
você… Saber tudo a seu respeito.
– Vai passar a noite aqui?
– Seu pai não vai ficar aborrecido se eu ainda estiver aqui de
manhã?
Ela meneou a cabeça.
– Não com você. Ele nunca bebeu com nenhum dos outros que
veio aqui antes… Nunca fez amizade.
– Isso é difícil para mim. Eu nunca… – Balançou a cabeça. – É
muito diferente para mim.
– Entendo. Mas eu tenho que sobreviver, ajudar a cuidar da minha
família.
– Não é nada com você – ele esclareceu. – É que fico com
vergonha na frente dos seus pais.
– Tudo bem. Mas não é necessário.
Estavam fazendo amor pela segunda vez quando o celular dele
começou a vibrar na mesinha de cabeceira.
– Merda – resmungou em inglês. – Ernesto é o único que tem
esse número. – Pegou o aparelho e disse: – Bueno?
– Señor? Aqui é Ernesto.
– Oi, Ernie. O que foi?
– Pedi a Fernando que ficasse de olhos abertos enquanto eu
estava no meu intervalo. Ele disse que dois homens chegaram ao
hotel perguntando pelo senhor. Disse que eles o descreveram e que
queriam saber se o senhor se registrara no hotel. Tinham cara de
cubanos, mas sotaque de Miami.
– Ok. Ernie. Onde eles estão agora?
– Acho que foram para a casa da Paolina.
Crosswhite se levantou rápido da cama.
– Por que acha isso?
– Porque perguntaram aonde o senhor tinha ido, e Fernando teve
medo de mentir, por isso respondeu que pegou um táxi, mas nada
mais. Então eles perguntaram onde ficava o ponto de táxi. Tenho
certeza de que vão interrogar o motorista.
– Quanto tempo faz isso?
– Uns dez minutos.
– E, se você tivesse que adivinhar, Ernie, quanto tempo mais vai
levar até eles chegarem aqui?
– Na casa da Paolina? Talvez uns vinte minutos. Posso fazer
alguma coisa?
– Fique de olhos abertos, amigo, e ligue para mim se ouvir mais
alguma coisa.
Crosswhite abaixou o aparelho e pegou as calças.
– É melhor ir acordar seu pai, doçura.
Paolina se sentou na cama.
– O que aconteceu?
– Acorde o seu pai – ele disse com suavidade. – Vocês terão que
ir para a casa de algum vizinho passar a noite. Temos pouco tempo.
Paolina saiu, e Duardo entrou no quarto um minuto mais tarde,
parecendo preocupado.
– O que está acontecendo?
– Trabalho para a – revelou Crosswhite. – Dois homens estão
vindo me matar… São americanos. Não têm interesse em sua
família, mas, se eu não estiver aqui, ferirão Paolina para descobrir
onde estou. Você precisa levar a sua família para a casa de um
vizinho e me deixar lidar com eles quando chegarem.
O pai de Paolina assentiu solenemente.
– Eu sabia que você era da assim que o vi, mas permiti que
ficasse aqui. Eles terão armas, esses homens?
Crosswhite suspirou.
– Posso quase garantir que sim.
– Mandarei as mulheres para a casa da minha cunhada, mas eu
vou ficar.
– Não, não pode arriscar a sua vida assim. Sequer me conhece.
– Esta é a minha casa – disse Duardo – e você é meu convidado.
Vou ficar.
Ele foi para o outro cômodo, dizendo à esposa que pegasse as
crianças e saísse de imediato.
Paolina voltou dois minutos mais tarde e passou os braços ao
redor de Crosswhite.
– Sinto medo por você.
– Também estou com medo, mas não por minha causa. Vocês
têm que ir agora. – Ele a beijou nos cabelos e a afastou. – Ficarei
bem. Vá agora.
Ela desapareceu pela porta com a mãe e as meninas.
Crosswhite entrou na cozinha, e Duardo apareceu nos fundos da
casa segurando uma baioneta M1 da época da Segunda Guerra
Mundial fabricada pela Union Fork and Hoe.
– Isto pertenceu ao meu pai. Ele combateu na revolução de
Castro. O governo confiscou o rifle dele há muitos anos. Se
matarmos esse dois pendejos, tenho amigos que podem dar conta
dos corpos. Chamar a polícia seria muito ruim para nós.
– Tenho esperanças de que você não precisará se envolver nisso.
– Crosswhite estendeu a mão. – Acho que sei usar essa coisa
melhor do que você.
– Gosta da minha filha? – Duardo perguntou.
– Sim, gosto. É uma pena que…
– Ela seria uma excelente esposa; lhe daria lindos filhos.
Crosswhite meneou a cabeça.
– Não presto para nenhuma mulher. Posso ficar com a baioneta?
Duardo tirou um revólver antigo Colt M1917 .45 de dentro da
camisa guayabera.
– Isto também era do meu pai. Não temos permissão para termos
armas em Cuba, por isso a mantive escondida.
Entregou o revólver para Crosswhite.
Crosswhite abriu o tambor e viu que só havia cinco balas.
– Imagino que não tenha a sexta bala?
Duardo balançou a cabeça.
– Essas cinco são tudo o que tenho, e são muito velhas.
Crosswhite fechou o tambor e enfiou o revólver na parte da frente
das calças.
– Se ficaram secas, ainda estão boas.
– E agora? – Duardo perguntou.
– Acomode-se à mesa e espere – disse Crosswhite. – Estarei no
quarto de Paolina. Quando eles chegarem, baterão à porta e
pedirão para vê-la. Serão firmes, mas educados. Só o que você tem
que fazer é deixá-los entrar e lhes dizer que vai acordá-la. Depois,
vá para os fundos da casa, e eu assumirei a partir daí.
60
HAVANA

KEN PETERSON ESTAVA CONVERSANDO com o capitão da


polícia local chamado Ruiz em sua casa simplória na periferia de
Havana. Discutiam o futuro de Peterson em Cuba enquanto
aguardavam a confirmação de que Crosswhite fora eliminado.
– Portanto, precisarei de proteção policial – Peterson dizia. – Pelo
menos, por enquanto.
Ruiz tomou uma golada de cerveja, direto da garrafa. Ele estava
na folha de pagamento da há tempos, e Peterson sempre fora
seu contato.
– Isso será difícil – ele declarou, abaixando a garrafa. – Proteção
policial nunca foi parte do nosso acordo.
– Entendo – disse Peterson. – Não era para a saber que estou
aqui, mas as circunstâncias mudaram.
– Sim, mudaram – confirmou Ruiz. – Para começar, você já não
tem acesso àquela imensa conta de despesas dos ianques.
Peterson franziu o cenho.
– Tenho dinheiro próprio. Posso pagar pelos serviços de que
necessito.
Ruiz sorriu.
– Só queria deixar tudo bem claro.
– Claro que sim – Peterson respondeu com secura.
Estava mais do que apenas irritado com a chegada inesperada de
Crosswhite em Cuba. Planejara que Pope precisaria de pelos
menos seis meses para descobrir que ele estava em Cuba, mais um
mês ou dois para localizá-lo com exatidão e ainda outro mês para
organizar seus recursos antes de agir. Contudo, infelizmente,
subestimara o desejo de vingança de Pope. De fato, se não fosse
por um dos poucos remanescentes aliados de Peterson no México,
ele não faria a mínima ideia de que Crosswhite estava indo atrás
dele.
Felizmente, havia uma quantidade de agentes nascidos em Miami
vivendo em Havana ou na periferia que não sabia ainda do exílio de
Peterson, por isso ele ainda tinha alguns a quem recorrer,
freelancers dos quais Langley não fazia a mínima ideia. Ele mesmo
recrutara esses homens e era seu único contato. O único problema
era dinheiro. Morar em Cuba era barato, mas, se Pope estivesse
determinado a matá-lo, o custo de simplesmente permanecer vivo
logo ficaria fora de controle.
Sua melhor chance era acabar logo com Crosswhite, enviando,
assim, uma mensagem a Pope de que Cuba estava além da
jurisdição dele. Claro, não haveria garantias, mas Pope tinha bem
uns vinte anos a mais do que ele, e ele estava certo de que viveria
mais do que o velho desgraçado se agisse com astúcia. Afinal, a
tentara matar Fidel Castro algumas vezes – uma vez até
conseguindo com que uma assassina fosse para a cama com ele –,
mas Castro vivera até a madura idade de 87 anos. A simples
verdade era que a não tinha um bom registro de sucessos em
Cuba, e esse era o motivo pelo qual Peterson escolhera se
aposentar ali.
– Seu associado, o señor Walton, se juntará ao senhor? – Ruiz
perguntou.
Ben Walton era mais um item na coluna dos prós. Ele era antigo
na , e teria algumas ideias para manterem Pope a distância.
Também tinha dinheiro, portanto, se ele e Peterson conseguissem
chegar a um acordo quanto a juntarem seus recursos, dobrariam
suas chances a longo prazo.
– Sim – respondeu Peterson. – Ele chegará da Espanha pela
manhã. Ficará comigo pelo menos até acertarmos as coisas entre
nós.
Ruiz tomou mais um gole.
– Walton também terá que pagar.
– Sabemos disso. Nunca antes teve problemas para receber,
capitão.
– Você nunca esteve exilado – observou Ruiz. – E agora está, por
isso, não posso mais lhe conceder crédito. De agora em diante,
nossos negócios serão pagos antecipadamente.
Peterson sentia as paredes se fechando ao seu redor, mas
lembrou-se de pensar no lado positivo das coisas. O assassino
mandado de Pope logo estaria morto, e demoraria um tempo até
que ele conseguisse encontrar alguém qualificado para entrar em
Cuba para uma segunda tentativa. Nesse meio-tempo, ele e Walton
formulariam um plano para atenuar ameaças futuras.
– Eu até que gosto de ser chamado de exilado – disse
pensativamente. – Tem um quê de exótico nisso.
Ruiz riu com ironia.
– Assim como “hermafrodita”, mas eu não gostaria de ser um.
O telefone da cozinha tocou e Peterson foi atendê-lo.
– Digame.
– Aqui é o Roy – disse uma voz masculina.
Na verdade, esse não era o nome dele, mas era o contato de
Peterson na Cidade do México.
– O que posso fazer por você, Roy?
– Pensei que poderia ser do seu interesse saber que Sua
Majestade saiu do radar. – Roy se referia a Tim Hagen. –
Desapareceu do hotel sem deixar rastro.
– Bem, isso não é surpresa alguma. Eu sabia que cedo ou tarde
ele fugiria.
– Não acho que ele tenha fugido. Acho que foi levado. Um dos
agentes de Pope esteve aqui na cidade quando ele desapareceu:
um ex-agente da Força Delta chamado Crosswhite.
– Sabe de mais alguma coisa?
– Somente isso: Crosswhite foi visto em companhia de Antonio
Castañeda enquanto esteve aqui. Havia uma agente mulher com
ele, mas ainda não sei seu nome.
– Provavelmente era Mariana Mederos – murmurou Peterson. –
Crosswhite já está aqui em Cuba.
– Então Pope definitivamente está limpando a casa – disse Roy. –
É melhor pensar em dar no pé daí.
– Não tenho outro lugar para ir. Todo o meu dinheiro está
investido aqui.
– Nesse caso, desejo-lhe sorte. Você vai precisar.
61
HAVANA

CROSSWHITE ESTAVA VIGIANDO a partir da janela do quarto de


Paolina quando os assassinos da encostaram o carro diante da
casa. Estavam em três em vez de dois, e isso complicava as coisas
porque Crosswhite sabia que um deles ficaria do lado de fora
montando guarda. Quando saíram do carro, ficou evidente que eram
antigos militares. Todos eram descendentes de cubanos,
musculosos, confiantes e alertas, com os cabelos cortados bem
rentes.
Crosswhite olhou para o revólver .45 que trazia na mão. Era muito
melhor do que nada, mas cada bala teria que contar.
Dois dos homens se aproximaram da casa e bateram. Crosswhite
foi observar de uma fenda na porta do quarto de Paolina quando o
pai dela se levantou da mesa.
– Quem é? – ele perguntou em espanhol.
– Polícia. Abra a porta.
Duardo abriu a porta e os dois homens entraram sem serem
convidados.
– Precisamos conversar com Paolina – o motorista disse com um
sotaque de Miami muito pronunciado.
– Posso ver a identificação de vocês?
O motorista levantou a ponta da camisa, revelando o cabo de uma
pistola Beretta.
– Não queremos machucá-la. Precisamos saber sobre o
americano com que ela trepou hoje.
– Vou buscá-la – disse Duardo, controlando a raiva ao se virar
para sair da cozinha.
Um dos homens o seguiu até o outro cômodo, e Crosswhite
destravou o .45. Entrou na cozinha e explodiu o crânio do motorista
na parede.
O outro homem se enfiou no banheiro para se proteger e
começou a atirar na cozinha, fazendo com que Crosswhite
mergulhasse em um canto. O terceiro homem, que fora deixado de
vigia na rua, chutou a porta da frente um segundo depois, e
Crosswhite atirou no peito dele. Ele voou para trás, mas não caiu.
Crosswhite atirou nele de novo e, mesmo assim, ele não foi
derrubado.
O homem atirou e atingiu Crosswhite na parte interna da coxa
esquerda.
Crosswhite atirou uma terceira vez, atingindo-o na base do
pescoço e, desta vez, o homem despencou no chão.
– Duardo! – Crosswhite gritou. – Você está bem?
– Estou!
Crosswhite apanhou a Beretta de dentro da calça do motorista e
verificou para ter certeza de quantas balas havia no tambor.
– Ei, cretino! – gritou em inglês para o homem que estava no
banheiro.
– Que porra você quer?
– Os policiais estão a caminho.
– Isso é mais problema para você do que para mim – replicou o
cubano em inglês perfeito. – Tenho amigos infiltrados. Você não vai
durar vinte e quatro horas, branquelo.
Crosswhite sabia que isso provavelmente era verdade. Olhou
para o chão onde seu sangue se empoçava nos azulejos entre suas
pernas.
– Jogue a sua arma, que eu te deixo ir embora.
– Vá se foder! Jogue a sua arma, e eu explodo a sua maldita
cabeça com ela!
Crosswhite gargalhou.
– Você é bem engraçadinho! Vou me lembrar disso quando der
uma mijada no seu cadáver! – Relanceou para a porta aberta,
sabendo que poderia ir embora no carro deles, mas jamais
conseguiria abandonar Duardo.
– Ei, onde está a vadiazinha? – perguntou o cubano.
– A sua mãe? A última notícia que tive, ela estava tomando no cu
por cinco contos.
O cubano riu.
– Fique por perto, imbecil. Logo, logo, é você quem vai estar
tomando no cu!
– Olha só, tive uma ideia – Crosswhite disse em espanhol. – Que
tal se você deixar o meu homem passar? Desse jeito, todos nós
podemos dar no pé antes que a polícia apareça.
O cubano ficou calado por um instante. Depois respondeu em
espanhol:
– Tudo bem. Ele pode passar.
– Duardo, o que acha disso?
– Não sei, não – respondeu Duardo. – O que você acha?
– Ele sabe que, se te matar, jamais vou deixá-lo sair daqui, e nós
dois vamos parar na prisão. É só isso o que posso prometer.
– Saia daqui! – disse o cubano. – Vou alcançar vocês, seus
pendejos, outra hora!
– Ok, vou sair – Duardo decidiu-se alguns segundos mais tarde.
Conforme ele passava diante do banheiro, o cubano o apanhou
por trás, encostando a pistola em seu ouvido.
– Ni una palabra! – sussurrou, usando Duardo como escudo
humano ao se aproximarem da cozinha. Nenhuma palavra.
Duardo abriu a mão e deixou a baioneta escorregar pela manga
da camisa. Ao chegarem à porta da cozinha, afastou a cabeça da
pistola e cravou a lâmina na coxa do cubano, atingindo o osso.
O cubano berrou, e Duardo guinou, derrubando a pistola de sua
cabeça e chutando-o na virilha. O assassino surpreendido caiu de
joelhos, e Crosswhite saltou no cômodo, atingindo-o na cabeça com
a última bala .45.
– Muito bem! – comemorou Crosswhite, dando um tapinha no
ombro do homem, que ficou tonto e se sentou no sofá. – Rum? –
disse em inglês. – Estado de choque.
Duardo não falava muito inglês, mas entendia “rum” e entendia
“choque”, porque eram essencialmente as mesmas palavras em
espanhol. Ajudou Crosswhite a se levantar e apanhou a garrafa que
estava na mesa da cozinha antes de irem para o carro.
Alguns minutos depois, chegaram à casa da cunhada deles a uns
cinco quarteirões dali.
– Meu Deus! – Olivia exclamou, vendo o sangue enquanto seu
marido sentava Crosswhite junto à mesa da cozinha.
– O que aconteceu? – Carmen, a cunhada de Duardo, perguntou.
Duardo começou a explicar, e Paolina foi até o banheiro, voltando
com uma embalagem de absorventes.
– Boa ideia – Crosswhite disse, abaixando as calças até os
joelhos. – Deixe-me pegar alguns desses negócios.
Algum tempo depois, ele estava deitado na cama nos fundos da
casa. O sangramento parara, e Paolina estava ao seu lado sobre o
colchão.
Duardo e Olivia estavam na cozinha tentando acalmar Carmen.
– Que diabos você vai fazer com ele? – Carmen exigiu saber. –
Ele não pode ficar aqui.
– Ele tem que ficar – Duardo insistiu. – Não podemos entregá-lo
para a polícia. Ele é da .
As sobrancelhas dela se ergueram.
– Não posso ter um agente da na minha casa!
Olivia também estava preocupada.
– A polícia não virá atrás dele?
– Podem vir – admitiu Duardo. – Mas temos que pensar em
alguma coisa, porque na cadeia ele será morto.
Paolina apareceu e se recostou na soleira da cozinha.
– Volte para casa, papi. Diga à polícia que o homem que você
esfaqueou estava comigo quando os outros vieram matá-lo.
Ninguém tem que saber que havia um americano lá.
Carmen olhou para ela.
– Vai mentir para a polícia por um desconhecido. Por um agente
da ?
Paolina olhou para a tia com seus olhos castanhos gentis,
inocentes e sinceros.
– O nome dele é Daniel.
62
MONTANHAS DO CÁUCASO

– ACHO QUE É MELHOR FICARMOS AQUI – GIL DISSE


enquanto ele e Dragunov pararam para recuperar o fôlego. – Atingi-
los com granadas, depois sair correndo antes que eles consigam
manobrar para nos flanquear. Isso deterá o progresso deles e os
tirará do nosso traseiro.
– Talvez, mas cederemos a nossa liderança se fizermos isso.
Dragunov estava amparando a virilha machucada, apoiando um
braço em uma árvore. Estava quase claro o bastante para
conseguirem enxergar sem os óculos de visão noturna.
– Sei disso, mas eles vão nos alcançar de todo modo. Desta
forma, podemos atingi-los nos nossos termos uma última vez antes
de amanhecer. Precisamos matar alguns desses filhos da puta
antes de entrarmos no vale. Se esses caras nos apanharem no
aberto, estaremos fodidos.
– Vou te dizer uma coisa – Dragunov disse. – Minhas yaytsa10
estão me matando. Temo que, se parar, não vou conseguir voltar a
me mexer.
– Eu faço você se mexer – garantiu Gil. – Mesmo que eu tenha
que chutar sua bunda.
Dragunov lançou um sorriso deplorável, e eles assumiram
posições de tiro a seis metros de distância um do outro.
Conseguiam ouvir o inimigo avançando na direção deles, chamando
uns aos outros conforme se aproximavam. Aquele era um modo
perigoso de caçar o inimigo, mas sem os óculos de visão noturna,
nem rádio, não havia maneira de organizar uma perseguição. Gil
refletiu brevemente como deve ter sido para seu pai na selva do
Vietnã, operando virtualmente às cegas à noite sem nada além de
um telescópio nebuloso iluminado apenas pelo luar e sem rádio
confiável, apoiando-se quase que inteiramente nos instintos
guerreiros de sobrevivência.
– Isso não era jeito de se lutar em uma guerra – murmurou ele,
puxando os pinos de duas granadas.
Esperaram até que os chechenos estivessem ao alcance e depois
lançaram duas granadas, cada uma no meio deles. As granadas
detonaram no impacto, arrancando partes dos homens. O caos se
instaurou, e houve muitos gritos enquanto a floresta estourava em
uma demonstração infernal de tiros de metralhadoras e de projéteis.
Lançaram mais duas granadas cada um, e o inimigo recuou ante o
bombardeio.
Gil correu e apanhou Dragunov pelo arnês, obrigando-o a se
levantar, e os dois desapareceram nas sombras.

de raiva ante a tática covarde do inimigo


de atacar e fugir.
– De pé! – exclamou, chutando um dos homens no traseiro. –
Eles já estão correndo de novo! Vão atrás deles!
Anzor Basayev, seu segundo em comando, apareceu ao seu lado.
– Eles vão nos atingir de novo, Dokka. Precisamos tomar cuidado
ou perderemos homens demais.
– Quantas granadas você acha que eles conseguem carregar? –
questionou Umarov. – No máximo, devem ter o suficiente para mais
uma emboscada, e vai amanhecer. Logo os teremos no vale, e lá
não conseguirão se esconder tão bem. Agora, prepare sua unidade
para avançar!
Naquele instante, o segundo mensageiro do grupo de Lom
finalmente os alcançou. Ele se perdera no escuro e não conseguira
encontrá-los até os sons da batalha o direcionarem para ali.
– Dokka – ele disse com o peito resfolegante. – Fui enviado para
lhe dizer que o inimigo atravessou a linha e está vindo para cá. Mas
parece que também já atravessaram a sua linha.
Umarov refreou o comentário jocoso que estava na ponta da
língua.
– Onde estão Kovalenko e o idiota do meu sobrinho?
– Lom foi ferido em combate – contou o mensageiro. – Não sei
quanto a Kovalenko.
Umarov olhou para Basayev.
– Acredita que o Lobo tenha sido morto?
– Duvido – respondeu Basayev. – Dragunov e o americano estão
fugindo por um motivo.
Umarov grunhiu.
– Organize os homens para que se mexam, colunas táticas.
A despeito de Umarov e Basayev os maltratarem, os homens
hesitavam em se mover no mesmo ritmo negligente com que
avançaram antes, e os dois líderes foram forçados a aceitar isso;
gritar com eles apenas serviria para alertar o inimigo.
Quando cobriram mais uma centena de metros, já estava claro o
bastante para enxergarem. Uma granada detonou à frente do
avanço deles, lançando partes de corpos pelos ares, e os homens
procuraram refúgio, atirando no inimigo que não enxergavam.
– Cessar fogo! – Umarov gritou, segurando um homem pela
jaqueta e colocando-o de pé. – Pare de atirar!
– Era apenas uma armadilha! – Basayev gritou no fim da fila. –
Todos de pé!
A moral dos homens estava caindo rapidamente. Umarov farejava
o medo deles, e ele sabia que mais uma armadilha como aquela
bastaria para desencorajá-los de vez. Houve uma comoção na
retaguarda, e ele se virou para ver Lom disparando na direção deles
em meio à floresta. Estava muito contente em ver o sobrinho, mas
não pelos motivos que Lom preferiria.
– Onde diabos você esteve, seu imbecil?
– Eles furaram nossa fila de avanço – Lom disse de mau jeito com
a boca ensanguentada e grotesca. – Corremos para alcançá-los.
Umarov contou rapidamente as cabeças que acompanhavam
Lom, feliz em ver vinte homens mais descansados.
– Leve seus homens para a linha de frente.
Lom foi à frente com seu grupo, e Umarov viu o efeito positivo que
isso surtiu nos seus outros homens.
– Pelo menos o idiota ainda serve para alguma coisa – disse a si
mesmo. – Avancem! – sibilou para seus homens. – Alá já cuidou de
tudo!
– Como indubitavelmente continuará a fazer depois – acrescentou
uma voz grave detrás dele.
Umarov se virou e viu Kovalenko parado ao lado de uma árvore
em seu capote camuflado, amparando a ORSIS T-500 nos braços.
– Então o Lobo ainda vive – Umarov observou. – Pensei que o
tivessem matado.
Kovalenko deu um passo à frente.
– Estão tentando me levar até o vale. O plano é me apanhar em
fogo cruzado. Mas os dois estão feridos e devem estar exaustos
depois de tudo pelo que passaram.
Umarov riu com malícia.
– Impossível deduzir isso pelo modo como continuam lutando.
– Isso porque eles são o que de melhor a Rússia e os americanos
podem oferecer. Pode parar de tentar alcançá-los agora. Manobre-
os em vez disso. Deixe-os chegar ao vale, onde podemos usar seus
homens para desentocálos. Depois que forem forçados a se expor,
acabo com eles.
– Não posso me dar ao luxo de desperdiçar mais homens desta
maneira. – Umarov meneou a cabeça. – Não por causa de dois
soldados. Estou me vendo tentado a deixá-los irem embora.
Kovalenko pôs uma mão no ombro de Umarov.
– É isso o que você não pode permitir, velho amigo.
Umarov encarou os olhos verdes de Kovalenko.
– Por que não?
– Porque esse americano vai continuar a vir atrás de nós.
Ameaçamos o oleoduto deles, não ameaçamos?
– Atingir o oleoduto é um sonho desfeito agora.
– Não, não é. Os nossos amigos em Moscou começaram a
enxergar a luz e, se conseguirmos acabar com Dragunov e com o
americano, isso demonstrará a nossa determinação. Até mesmo
Putin gostaria de ver o oleoduto destruído, ainda mais depois que os
americanos decidiram se opor a ele na Ucrânia. E, por mais que ele
jamais possa ter uma participação direta nisso, pode escolher
combater a destruição do oleoduto com uma mão atada às costas, e
pode fazer isso sem receber críticas porque a proteção do oleoduto
não é obrigação dele.
– Está dizendo que Moscou… O que você está dizendo, Sasha?
Kovalenko deu um amplo sorriso, abrindo a mão em direção ao
céu matutino.
– O que estou dizendo é: onde estão os helicópteros russos?
Em tradução livre: bolas. (N. E.)
63
PENTÁGONO

– ALI, BEM ALI! – O GENERAL COUTURE apontava


freneticamente para a tela, que agora mostrava a batalha em cores
devido à luz do dia. – Ali está o fantasma! O cara com a roupa
camuflada especial que mal conseguimos enxergar!
– Só pode ser Kovalenko – constatou Brooks, vendo a imagem
camuflada se movendo sub-repticiamente em meio à floresta.
– Bem, ele vem desafiando a lógica, não é mesmo? – Couture
grunhiu, levantando-se da cadeira. – Inteligência russa. Isso, sim, é
que é oximoro.
O presidente estava no fundo da sala, falando ao telefone com o
secretário de Estado Sapp, que estava agora na casa do
embaixador da Geórgia tentando providenciar apoio aéreo por parte
do exército do país. Pelos sons da conversa, Sapp não vinha tendo
muitos progressos.
Na tela, Gil e Kovalenko se aproximavam dos limites da floresta
na abertura do vale.
– Deus do céu, para onde eles vão? – um secretário de defesa de
mais idade se perguntou. – Aquilo é uma terra de ninguém.
– Suponho que Shannon esteja tentando preparar uma armadilha
– concluiu Brooks. – Só o que ele precisa é de uma centena de
metros de terreno desimpedido para atirar, e ele acabará com cada
um desses chechenos até não sobrar nenhum.
Couture se aproximou da tela, cutucando a imagem de
Kovalenko.
– Não se este filho da puta tiver algo a dizer.
– Não tenho como discutir com isso, Bill. Acredito que estejamos
prestes a testemunhar um duelo de atiradores de elite ao vivo.
Couture se virou para o auxiliar da Força Aérea.
– Major, aproxime a imagem do rifle que esse homem está
carregando e depois tire uma foto. Em seguida, passe a imagem
para o G2, veja se eles conseguem descobrir que diabos é isso. –
G2 era a gíria militar para inteligência.
O presidente desligou o telefone e voltou para sua cadeira.
– O embaixador da Geórgia ainda está tentando convencer seu
governo a cooperar, mas as perspectivas não são boas. Pope voltou
a telefonar?
Couture sacudiu a cabeça.
– Quer que eu ligue para ele, senhor? – Brooks perguntou.
– Não – disse o presidente. – Ele teria ligado se soubesse de
alguma coisa. Não há motivo para interrompê-lo.
Couture sorriu internamente, lembrando-se do quanto todos eles
desconfiaram do agora novo diretor da .
As imagens de sete homens apareceram na parte inferior da tela,
caminhando para o norte ao longo do declive de um riacho de
montanha que cortava o vale para o qual Gil e Dragunov se dirigiam.
– Aumente a resolução, major.
Os sete pareciam soldados chechenos, muito carregados de
munição, de metralhadoras e de RPGs. Avançavam lentamente,
penosamente, e pareciam ter caminhado grandes distâncias.
– Insurgentes – Brooks murmurou. – Provavelmente vindos do
Azerbaijão.
Couture acendeu um cigarro e exalou profundamente.
– Preparem-se para outra troca de tiros, cavalheiros. – Fechou o
isqueiro Zippo e o guardou no bolso, murmurando para si mesmo: –
Ok, Gil. Vê se não dá mancada agora.
64
MONTANHAS DO CÁUCASO

GIL E DRAGUNOV DEIXARAM A PROTEÇÃO da floresta e se


depararam com o sol da manhã batendo em seus rostos. O vale
descampado se estendia a leste, com um riacho raso percorrendo-o
em direção ao sul. Blocos de pedra da Era do Gelo se empilhavam
no cenário, deixados para trás pelas geleiras que derreteram dez mil
anos antes. Carvalhos espessos salpicavam a grande expansão,
livres para expandirem seus galhos para os lados em vez de terem
que subir em direção ao céu competindo pelos raios de sol. Além do
vale, talvez por quase um quilômetro, a floresta recomeçava, mas
Gil sabia que a batalha seria resolvida ali. No vale.
Continuaram se movimentando, o olhar de Gil perscrutava o
terreno à procura de um lugar para montar o rifle.
– Ali – ele disse, apontando para além do rio sobre um declive ao
leste. – Vê aquelas rochas?
– Uma posição clássica – Dragunov comentou.
Gil olhou para ele.
– Motivo pelo qual não poderemos montar o rifle ali.
– Certo.
Moveram-se rapidamente ao descer pelo declive, rodeando um
aglomerado de árvores na beirada do rio, e ficaram cara a cara com
uma patrulha de sete chechenos barbudos.
Todos ficaram imobilizados nos seus lugares.
Os chechenos estavam visivelmente cansados pela caminhada
que fizeram. Seis deles estavam de boca meio aberta, os rifles
pensos, mas um deles segurava um AK-47 pelo cabo com sua mão
esquerda, os olhos nervosos perscrutando o terreno atrás de Gil e
de Dragunov para ver se estavam sozinhos.
Todos sabiam que haveria um tiroteio, mas nenhum deles sabia
exatamente contra o que estavam se opondo.
– Longa caminhada? – Dragunov perguntou em russo.
O homem que segurava o AK-47 assentiu.
– Da.
– Procurando Dokka Umarov?
O homem assentiu novamente.
– Ele está morto – blefou Dragunov. – O que restou do grupo dele
se rendeu aos Spetsnaz. Não há motivos para você e seus homens
serem apanhados por isso. É melhor vocês voltarem de onde
vieram.
Um dos outros começou a pegar seu rifle, mas Gil nivelou seu
AN-94 e fixou o olhar.
– Nyet.
O checheno estreitou o olhar e pegou o rifle pela tira.
– Os outros não falam russo – Dragunov disse em inglês. –
Prepare-se. Eu pego o líder.
Ouvir Dragunov falar em inglês fez com que o checheno se
desestabilizasse, mas, antes que ele entendesse o que estava
acontecendo, tiros foram disparados do limite da floresta, e seus
amigos empunharam as armas.
Gil disparou com o AN-94, dilacerando dois ao meio à queima-
roupa.
Dragunov atirou no homem com o AK, mas os quatro restantes
começaram a disparar. Ele saltou em meio a eles, atingindo um no
queixo com o cabo do rifle. Outro girou e bateu em seu capacete
com seu AK-47, fazendo com que ele tropeçasse para trás no rio.
Um par de chechenos se afastou entre as árvores, um deles
atirando com selvageria na altura do quadril, atingindo Gil em sua
armadura. O outro lançou uma granada ao lado do rio e mergulhou
para se proteger.
A granada explodiu no impacto, e Gil foi lançado na água, as
pernas e um dos braços sendo atingidos por estilhaços e pedriscos.
Dragunov foi atingido e caiu de bunda na água, atirando uma
granada de 40 milímetros sobre a copa das árvores.
O agressor de Dragunov também foi empurrado pelo impacto e
também aterrissou na água, saltando e batendo em Dragunov na
cabeça com uma pedra, quebrando os óculos de visão noturna que
ainda estavam acoplados ao capacete.
Gil se esforçou para se levantar, com a mente turva devido à
explosão. Caiu na água e apanhou o cano do AN-94, atirando o que
restava das balas e atingindo o agressor de Dragunov.
Com balas batendo na água ao seu redor, Dragunov se ajoelhou,
tirando o rifle de precisão SVD das costas e montando o bipé com
sua câmara de dez tiros. Deitou-se de barriga para baixo com um
olho pregado no telescópio, preparando-se para atacar o grupo de
dez chechenos descendo a encosta. Atingiu o líder logo acima da
virilha.
O sobrinho de Umarov, Lom, largou o rifle e agarrou o ventre ao
despencar, cambaleando até parar.
Dragunov atirou novamente, abatendo o segundo alvo no peito.
Atirou duas vezes mais, estilhaçando uma pelve e arrancando
metade da cabeça de outro. Seu quinto tiro fraturou um fêmur, o
sexto arrancou boa parte de um ombro. Os quatro chechenos
restantes pararam e recuaram para a proteção das árvores.
Dragunov acertou o sétimo no cóccix e, os três restantes, matou
com tiros certeiros entre as omoplatas.
Tirou o rifle descarregado e puxou Gil para fora da água.
– Consegue correr?
– Passarinho bebe água? – Gil murmurou, cambaleando para
subir sobre as rochas escorregadias.
Dragunov não entendeu o que ele quis dizer, mas Gil estava
andando, e era isso o que importava. Houve uma explosão de tiros
vindos das árvores onde ele lançara a granada. Apanhou o rifle de
Gil e, apontando-o para as árvores, atirou outra granada para
acabar com os chechenos feridos.
Correram para o lado oposto do vale, enquanto a mente de Gil
clareava aos poucos no caminho, e conseguiram chegar a outro
trecho de árvores mais acima na encosta. Os dois se separaram
para se proteger e recarregar as armas.
– Como estão seus ferimentos? – Dragunov perguntou.
Gil relanceou para ele e deu de ombros.
Dragunov percebeu que o olhar dele estava vidrado, as pupilas,
dilatadas, e apanhou seu kit de primeiros socorros.
– Você sofreu uma concussão. – Pegou uma cápsula de
dextroanfetamina e um cigarro. – Engula e trague isto.
Gil engoliu a cápsula com um gole de água de seu cantil e enfiou
um cigarro entre os lábios.
– Não sei bem se é com isto que se trata uma concussão, Ivan.
– É uma pena – disse Dragunov. – Estamos enfrentando
Kovalenko, e você precisa ficar com a mente alerta.
Gil jogou fora o cigarro depois de três tragadas.
– Isto não está ajudando.
– A anfetamina surtirá efeito em três minutos.
– Já estou sentindo – Gil murmurou, parte do seu foco retornando.
– Vou amar essas pílulas.
– Tem mais delas no seu kit se alguma coisa acontecer comigo –
Dragunov murmurou, levantando-se. – Agora, vamos nos mexer.
Temos que nos deslocar antes que eles determinem nossa posição.
Deu um passo e voou para trás se chocando no tronco da árvore,
expelindo uma rajada de ar como se tivesse sido coiceado no peito
por um canguru e esmagado no chão.
Gil foi para a frente, puxando-o atrás da proteção de uma rocha
grande e abrindo a jaqueta dele para ver que a bala penetrara na
placa cerâmica sobre o peito. Arrancou a placa e verificou atrás dela
para ver se o projétil se fragmentara e se o colete Kevlar detivera os
fragmentos, como o sistema fora projetado.
– Acorda! – Gil deu um tapa no rosto dele. – Acorda!
Dragunov abriu os olhos.
– Para de bater em mim.
– Você está morto, meu bem!
Os olhos do russo se arregalaram, e ele segurou o peito.
– O que isso quer dizer?
Gil o ajudou a se sentar com um sorriso.
– Quer dizer que o nosso amigo checheno acha que acabou de te
matar.
65
HOSPITAL NAVAL BETHESDA

B ,M

POPE MANTINHA OS OLHOS PREGADOS nas imagens via


satélite enquanto falava ao telefone com Mark Vance, um ex-agente
da Força Delta e CEO da companhia militar privada Obsidian Optio.
A Obsidian organizava mercenários particulares ao redor do mundo,
protegendo diversos interesses corporativos e governamentais.
Principais entre esses interesses estavam algumas das instalações
petrolíferas mais vulneráveis. Gil estava na folha de pagamento da
Obsidian, mas apenas de fachada enquanto atacava dois terroristas
da Al Qaeda em Marrocos no ano anterior.
– Você disse que ele está onde? – perguntou Vance.
– Pouco além da fronteira da Geórgia, em território russo –
respondeu Pope. – Os georgianos estão se recusando a violar o
espaço aéreo russo para extrair a ele e ao seu companheiro
Spetsnaz. Por isso, preciso que sua equipe voe até lá para retirá-
los.
– E quanto aos russos? – Vance perguntou. – Se o outro é um
Spetsnaz, por que eles não os extraem?
– É um assunto político – disse Pope. – Putin está tentando
marcar pontos por motivos que não tenho tempo para explicar.
– Bem, caramba, Bob, não podemos violar o espaço aéreo russo.
– Você tem seus próprios helicópteros na Geórgia que está
utilizando para patrulhar o oleoduto – Pope prosseguiu. – Só o
que tem que fazer é mandar uns dois deles um pouco ao norte por
uma horinha, mais ou menos, e tirar os meus caras de lá.
Mantenha-os perto do solo, e o radar russo jamais saberá que
estiveram lá.
– Bob, isso não é algo que possamos fazer – Vance insistiu. –
Não podemos violar o espaço aéreo de um país dessa forma.
– Vocês violaram o espaço aéreo brasileiro há seis meses quando
a sua operação para eliminar Joaquín Silva degringolou.
– Não fomos nós! – protestou Vance, evidentemente chocado pelo
conhecimento de Pope a respeito dessa operação. – E me ofendo
com a sua insinuação, Bob! Maldição! Estamos falando ao telefone!
– Foram vocês – Pope disse, elevando a voz –, e tenho provas
disso. Agora, você vai me ajudar ou vou ter que partilhar essas
provas com Brasília? Pelo que sei, você está prestes a assinar um
tremendo contrato com a comunicações Telemar. – Esta era uma
empresa brasileira de 48 bilhões de dólares, a terceira maior no
ramo de comunicações no país. – Seria uma pena – prosseguiu
Pope – se o governo brasileiro impedisse que esse contrato fosse
assinado.
– Maldito, isso é chantagem! – grunhiu Vance.
– São negócios – Pope disse friamente. – E, para o caso de você
ainda não ter ficado sabendo, acabei de ser nomeado diretor da .
Portanto, se pretende continuar a fazer negócios comigo, é melhor
encontrar dois pilotos que saibam voar baixo ao estilo sorrateiro
porque tenho dois homens no Vale das Sombras muito necessitados
de resgate!
Vance ficou calado por um instante.
– Quer dizer que agora você é o filho da puta encarregado? – ele
resmungou.
– Isso mesmo – confirmou Pope. – E sei que você tem um Killer
Egg enfiado ao leste de Tbilisi. É melhor mandá-lo junto como apoio
na evacuação. Muito provavelmente será uma zona de extração sob
fogo cruzado. – “Killer Egg” era o apelido do helicóptero Boeing AH-
6 Little Bird, pesadamente armado com foguetes e armas Gatling.
– Você sabe coisas demais sobre a nossa operação – comentou
Vance. – Quantos dos seus você tem trabalhando para mim?
– Vai falar com o seu pessoal em Tbilisi ou não? – Pope
perguntou. – O tempo está acabando para os meus homens.
– Vou tirá-los de lá – Vance grunhiu –, mas pode apostar seu rabo
que vou esperar um pouco de reciprocidade um dia desses. Isso vai
nos custar muito se algo sair errado.
– É por isso que é tão importante – disse Pope. – Farei com que
Midori ligue imediatamente com as coordenadas e os outros
detalhes.
Pope desligou e ligou para Midori, dizendo-lhe o que desejava.
Depois ligou para o presidente no Pentágono.
– Senhor presidente, consegui organizar uma evacuação. O
senhor não tem mais que se preocupar com os georgianos.
– Quem diabos você conseguiu para fazer isso, Bob?
– A Obsidian Optio.
– A Obsidian! Como conseguiu fazer com que Vance concordasse
com isso?
– Disputei um braço de ferro com ele, senhor presidente.
– Como foi que… Não, esqueça! – disse o presidente. – Não
quero saber. Vamos só manter as esperanças de que eles chegarão
lá a tempo.
66
MONTANHAS DO CÁUCASO

DEPOIS DE CONCORDAREM EM SE SEPARAR, Gil deixou


Dragunov e se moveu com cautela de cobertura em cobertura em
direção ao sul, permitindo que Kovalenko tivesse vislumbres dele,
mas não o bastante para se arriscar a levar um tiro. Ele sabia que o
checheno estava no limiar das árvores do lado oposto do vale,
então, relativamente falando, a bala demoraria um pouco mais para
alcançá-lo. Esse tempo a mais podia ser medido em frações de
segundo, mas era o bastante para que Gil saltasse entre rochas ou
árvores sem ter que se preocupar com Kovalenko forçando um tiro
que potencialmente exporia sua posição. O maior risco era que ele
podia antecipar o movimento seguinte de Gil, atirando uma fração
de segundo antes de ele disparar, dessa forma, atirando em tempo
de interceptá-lo. Por esse motivo, Gil tinha que ser muito cauteloso
ao manter seus movimentos esparsos e imprevisíveis. Era um jogo
perigoso e, caso o estendesse por muito tempo, acabaria por certo
sendo morto.
O plano era que Gil atraísse os homens de Umarov para sudeste
da posição de Dragunov. Isso os colocaria de costas para Dragunov
e permitiria que ele começasse a abatê-los sem estar sob perigo
imediato de Kovalenko. E forçaria Kovalenko a tomar uma decisão:
ou deixá-los escapar ou começar a manobrar contra duas posições
diferentes de atiradores ao mesmo tempo. Gil não tinha a mínima
dúvida de que ele escolheria essa última opção.
A maior parte dos homens de Umarov já havia chegado ao riacho,
e ficou evidente pelo tamanho do contingente que reforços tinham
chegado. Havia, pelo menos, cem homens manobrando em meio às
árvores e ao redor das rochas. Os combatentes da frente do avanço
viram os movimentos de Gil e, de vez em quando, tentavam atingi-lo
quando ele disparava de um ponto a outro.
Depois de algumas centenas de metros ao redor do limite oriental
do vale, Gil foi forçado a fazer uma pausa, tendo chegado a um
determinado vazio entre árvores, onde uma grande fissura cortava o
declive como num alastramento provocado por incêndio. A fissura
tinha 1,20 metro de largura por 1,50 metro de profundidade. Ele
poderia saltar sobre ela com facilidade, mas o salto daria tempo
suficiente para que Kovalenko o alvejasse. Ficou agachado com as
costas apoiadas em uma rocha e pensou nos chechenos em seu
encalço do outro lado do vale, sem dúvida lambendo os dedos
enquanto aguardavam que Gil desse o inevitável salto.
Visualizou-se na posição de Kovalenko, olhos fixos no telescópio,
observando o lado esquerdo da fissura por algum indício de
movimento, depois apertando o gatilho, entregando a bala no
mesmo instante em que Gil aterrissasse do lado oposto da fissura.
Gil correu até a metade do caminho atrás de uma rocha e recuou
rapidamente. Uma bala acertou o chão do lado oposto da fissura,
levantando poeira, e Gil avançou de novo, lançando-se ao longo da
fissura e mergulhando de barriga para baixo atrás de outra rocha.
Uma segunda bala raspou no calcanhar da sua bota enquanto ele
puxava as pernas para seu abrigo.
Kovalenko devia estar praguejando agora, e Gil mostrou o dedo
médio acima da rocha por meio segundo antes de voltar a recolhê-
lo. Uma terceira bala atingiu essa rocha e ricocheteou com um
zumbido.
– Que bom, você está irritado – Gil murmurou. – Espera só até
você saber que Ivan está vivo.
O primeiro grupo dos homens de Umarov chegou ao alcance
efetivo do AK-47 uma centena de metros abaixo do declive, e não
demorou mais do que dez segundos até que o primeiro tiro de
Dragunov atravessasse o vale, cortando um homem ao meio
enquanto ele gritava ordens para que apressassem o passo.
Gil saiu com dificuldade de trás da rocha até as árvores onde a
cobertura era mais substancial. Dragunov atirou de novo, e outro
checheno foi derrubado uns setenta metros descendo a encosta,
alvejado na altura da lombar.
Gil se agachou com seu SVD. Mirou a lente em forma de T do
PSO-1 no rosto do checheno seguinte na fila e apertou o gatilho. A
bala atingiu o homem no olho esquerdo e estourou a parte de trás
da sua cabeça. O corpo girou até cair no chão, e essa visão teve um
efeito congelante no restante dos combatentes, fazendo com que
recuassem para trás das rochas e em depressões rasas. Nada
desmoralizava mais uma infantaria do que um atirador de elite.
Gil agora tinha uma boa estimativa do ângulo em que Kovalenko
estava atirando, e sabia que estaria seguro atrás da árvore até que
Kovalenko mudasse de lugar para ter um ângulo melhor para
disparar. Concentrou-se em um par de chechenos que se
protegeram em um desenfiamento raso a uma centena de metros
abaixo no declive. Os dois estavam atirando com seus AK-47 nas
árvores à esquerda. Mirou a lente na testa do primeiro, calculando a
descida da bala, e apertou o gatilho, estourando a sua cabeça na
parte de cima. Em seguida, Gil desviou uma pequena fração para a
direita e atirou no segundo bem no meio do rosto. A cabeça foi para
trás e depois para frente de novo, batendo no chão.
Outro par de chechenos corajosos tentou subir até uma formação
densa de árvores, e Gil estava prestes a apertar o gatilho quando
Dragunov, que devia ter imaginado que Gil não os veria, atirou na
pelve de um deles. O checheno caiu gritando, e Gil atirou em sua
cabeça.
O outro cara entrou em pânico e disparou para as árvores à
extrema esquerda, onde Dragunov não seria capaz de atingi-lo. Gil
permitiu que ele avançasse um pouco e apertou o gatilho, atingindo-
o na têmpora esquerda e estourando seus olhos. Depois se virou
para a direita e atirou no rosto de outro homem bem quando ele
espiava por detrás de uma rocha. O corpo caiu atrás da rocha e um
braço se esticou para segurá-lo. Gil atirou no cotovelo.
– Parece que vai precisar de ajuda com os vidrinhos de catchup
daqui por diante, amigo.
Balas arrancaram galhos das árvores acima dele, e ele marcou o
atirador duzentos metros abaixo atrás de outra rocha. Ela não era
muito grande, mas Gil só via o cano do rifle e a parte superior do
boné camuflado do atirador. Apertou o gatilho. A bala atingiu o cabo
do AK-47 e ricocheteou no olho do checheno.
O homem ferido saltou e desceu a colina correndo.
Gil deixou que ele fugisse, sabendo que o recuo sangrento dele
teria um efeito negativo na moral dos homens mais abaixo da colina.
– Ok – murmurou. – Duas balas mais antes de eu levar este
espetáculo para a estrada.
Uma bala passou em uma fenda de cinco centímetros nas rochas
à direita de Gil, arrancando um pedaço da árvore logo acima do seu
nariz. Era uma bala que só podia ter vindo de Kovalenko.
– Porra! – praguejou ele, recuando. – Hora de sair daqui!
67
MONTANHAS DO CÁUCASO

PERSCRUTANDO O LIMITE DAS ÁRVORES a oeste à procura de


Kovalenko, Dragunov avistou, em vez disso, Dokka Umarov, a uns
quatrocentos metros de distância. O líder rebelde checheno
observava a caçada ao americano através de binóculos, com
apenas três homens como segurança. Dragunov o conhecia pela
sua longa barba, e não conseguia acreditar na sua sorte por ter o
mais odiado inimigo da Rússia sob a sua mira.
Com o olho grudado no telescópio, ajustou a mira em T pouco
acima da cabeça de Umarov para permitir a queda da bala,
esperando atingi-lo no meio do peito. Estava prestes a apertar o
gatilho quando uma bala de uma Lapua Magnum .338 o atingiu do
seu lado direito, penetrando no painel da sua armadura, fazendo-o
tombar conforme ela rasgava seus músculos abdominais. Dragunov
se retraiu com o impacto, lançando-se colina abaixo para evitar ser
atingido novamente, rolando em uma fenda entre rochas e
amparando o abdômen.
Em agonia, apanhou um “pirulito” de fentanil do seu kit de
primeiros socorros e o enfiou na boca para aliviar a dor. O fentanil,
setenta e cinco vezes mais potente que a morfina, surtiria efeito em
cinco minutos. Até então, ele estaria correndo perigo de ser alvejado
por qualquer um que viesse para acabar com ele, por isso, sacou a
pistola e aguardou.

Dragunov estava gravemente ferido desta


vez e que logo morreria. Pegou seu rifle ORSIS e recuou para
dentro da floresta, onde poderia manobrar mais livremente sem se
preocupar com o americano. Não conseguira ter uma visão
desimpedida de Gil, por isso atirara em uma fenda minúscula entre
as rochas a quinhentos metros, sabendo que atingiria perto o
bastante para obrigar o americano a mudar de posição. Em seguida,
atingira Dragunov com facilidade ao mirar em um espaço de quinze
centímetros entre as árvores a duzentos metros.
Agora, tendo que se preocupar com apenas um dos atiradores de
elite, Kovalenko estava livre para seguir para o sul e esperar que Gil
se expusesse. Visto que forçara o americano a sair do ninho, a
infantaria chechena conquistara o terreno mais alto da retaguarda
de Gil. Logo, estaria entre as árvores onde não mais poderia se
aproveitar da vantagem de atirar a centenas de metros em campo
aberto. Só o que Kovalenko tinha que fazer era se posicionar a
tempo de Gil ser forçado a sair do fim do limite das árvores ao sul.
Acelerou o passo até chegar perto de Umarov e se proteger atrás de
um pinheiro.
– Você não deveria estar aqui, exposto dessa maneira, Dokka.
– Eu disse isso a ele – comentou Basayev. – Isso não está certo.
Umarov desviou os olhos dos binóculos e relanceou sobre o
ombro para Kovalenko.
– Onde você esteve?
– Matando Dragunov.
– Isso é bom. Agora se prepare para matar o americano. Os lobos
estão nas árvores com ele agora, e logo ele terá que sair pela outra
ponta.
O tiroteio do outro lado do vale se intensificou, e eles conseguiam
ouvir o som do AN-94 de Gil respondendo aos numerosos AK-47s e
RPKs.
– Ele está recuando rapidamente agora – observou Basayev. –
Ficando sem cobertura.
Kovalenko emergiu das árvores, despindo seu capote camuflado
até a cintura. Assumiu posição de tiro sobre a barriga ao lado de
uma árvore caída e ajustou a lente do telescópio. Conseguia ver
vislumbres de Gil recuando em meio às árvores, mas ficou claro que
Gil sabia estar sob o olhar atento de um atirador de elite. Nunca
parava do lado de baixo de uma árvore ou de uma rocha, expondo-
se, mas sempre tomava cuidado para que houvesse algo entre ele e
o lado oeste do vale.
– Você o tem na mira? – Umarov perguntou.
– Não – respondeu Kovalenko. – Ele é muito bom… Mas outros
sessenta segundos e isso não terá mais importância.
– Está ouvindo isso? – Basayev disse de repente, olhando para o
céu.
Gil já não tinha mais para onde fugir. Apoiou-se em um joelho,
com as costas desprotegidas e lançou sua última granada, que
explodiu acertando três homens enquanto se movimentavam entre
uma formação pontuda de rochas. Imaginou que Dragunov
estivesse morto, de outra forma, os homens que agora o
perseguiam pelas árvores jamais teriam avançado tanto, e deduziu
igualmente que Kovalenko estivesse esperando do lado oposto do
vale para atirar nele no instante em que ele se afastasse das
árvores. Um olhar acima dos ombros lhe disse que a cobertura mais
próxima possível era um afloramento de rochas a uns cinquenta
metros de distância. Esse afloramento mal o esconderia de
Kovalenko, quanto menos dos chechenos que agora o perseguiam
tão de perto.
– Fim da linha, cacete – murmurou, enfiando uma câmara nova no
AN-94 e virando a arma nas mãos. Tirou o pino da sua única
granada de fumaça do arnês e a jogou adiante. Uma nuvem de
fumaça verde se formou rapidamente e ocultou a sua posição para o
inimigo.
Acreditando que Gil usaria a fumaça para cobrir o seu recuo pelo
campo aberto, os chechenos avançaram na direção dele no meio da
confusão, sendo atingidos de frente pelo AN-94 de Gil. Ele atirou
sua última granada de mão no meio deles e lançou-os pelos ares.
Aqueles que sobreviveram recuaram em meio à fumaça e
continuaram a atirar às cegas na direção dele.
Gil enfiou sua última câmara de munição e se preparou para
quando a fumaça desvanecesse, resolvendo que, de jeito nenhum,
daria a Kovalenko o privilégio de lhe dar o golpe de misericórdia.
Morreria com a infantaria.
ficou tomado pelo zumbido de um motor
turbo T63-A. Um helicóptero de ataque Cayuse OH-6 preto
avançando rapidamente – o garboso Killer Egg – sobrevoou sua
posição e atirou foguetes Hydra de 70 milímetros, acabando com os
chechenos que avançavam.
O antigo piloto dos Serviços Aéreos Especiais da Nova Zelândia
Kip Walker logo puxou o manche para a esquerda, virando para o
oeste do vale.
– Isso deve lhe dar um minuto enquanto cuidamos do maldito
atirador – ele grunhiu. – Não quero aquele cara atirando no nosso
traseiro.
– Ele está se movendo! – alertou o copiloto, observando
Kovalenko pelo monitor infravermelho.
O telescópio FLIR montado abaixo da parte dianteira do Killer Egg
encontrara o atirador deitado enquanto eles sobrevoavam o
espinhaço, e Walker acelerara para evitar ser atingido enquanto
voava ao longo do campo de visão de Kovalenko. Agora voavam
diretamente na direção dele.
Walker alinhou o helicóptero e atirou as armas gêmeas GAU-19
Gatling penduradas nos dois lados da aeronave.
O corpo de Anzor Basayev explodiu com o choque eletrostático
das balas calibre .50, sujando Umarov com sangue e carne
enquanto ele rastejava pelas árvores logo atrás de Kovalenko. Outra
rajada das Gatlings, e os dois seguranças de Umarov explodiram ao
seu lado. Ele caiu de frente, de cara no chão, quando o Killer Egg
passou acima, inclinando-se abruptamente no sul.
Kovalenko parou de repente e correu para ajudar Umarov a se
levantar.
– Eles têm infravermelho. Temos que continuar correndo!
Walker virou o helicóptero para o vale, verificando o infravermelho
para se certificar de que Gil ainda estava vivo e na mesma posição
antes de atirar outra rajada de foguetes nas árvores de modo a
obrigar dúzias de chechenos a saírem para o descampado. Puxou o
manche para trás e para a esquerda, pisando nos pedais para girar
o helicóptero ao redor e mirar suas armas inferiores para atacar o
inimigo logo abaixo. A descarga de adrenalina por operar em
território russo era maior do que jamais vivenciara antes.
Abaixou o helicóptero e apertou o gatilho ao varrer os inimigos
espalhados, cortando-os ao meio como uma serra.
– Fale com Mason! – gritou no fone. – Traga o Puma aqui! Não
queremos estar por perto se os malditos russos aparecerem.
O copiloto falou no rádio e chamou o helicóptero de transporte
Puma que aguardava no lado oposto da cumeeira.
Walker abaixou a frente do helicóptero para um ataque final.
Gil observou o helicóptero dizimar o que restava dos inimigos.
Depois apanhou um AK-47. Um checheno solitário apareceu por
detrás de uma rocha, atirando com uma RPK quase à queima-
roupa. Gil saltou de lado em um arco horizontal de tiro e agarrou o
cabo longo da metralhadora debaixo do braço, socando o checheno
no rosto e arrancando a arma da mão dele.
O checheno tropeçou para trás e puxou uma faca. Gil avançou e o
acertou na cabeça com o cabo da RPK, partindo seu crânio
enquanto outro checheno saía de trás de uma árvore e atirava em
suas costas. Gil caiu para frente, amparando a queda com as mãos,
e apanhou a faca do checheno morto. Girou e a atirou. O atirador se
abaixou e disparou de novo, deixando de atingir Gil enquanto ele
saltava de pé e corria na sua direção, puxando a própria faca.
O checheno virou seu AK como um bastão de beisebol e atingiu
Gil de raspão na lateral do capacete. Gil o abalroou e enfiou a faca
na lateral da barriga do cara. O checheno gritou na cara de Gil,
tentando se livrar dele. Os dois caíram e desceram rolando um por
cima do outro, tentando se golpear. Pararam contra uma árvore. O
checheno tentou agarrar os olhos de Gil, e Gil prendeu um dedo
dele entre os dentes e mordeu com força, soltando a faca e
esfaqueando o homem repetidamente até que ele parasse de se
mexer.
Sentindo que o homem se borrara no momento da morte, Gil rolou
para longe dele e apanhou a pistola, querendo ver se havia outros
retardatários. Quando se sentiu confiante de que não havia mais
ninguém, saiu sob a luz do sol e viu que um helicóptero Puma
estava aterrissando no meio do caminho entre ele e onde vira
Dragunov pela última vez. Seis homens muito armados desceram
do helicóptero e formaram um perímetro defensivo, dois deles
armados com rifles de precisão.
O Killer Egg permanecia sobrevoando quinhentos metros acima,
seu detector de infravermelho vigiando atentamente os arredores.
Gil trotou na direção do Puma quando viu uma nuvem verde de
fumaça se formando nas árvores ao norte do vale.
Um dos atiradores se distanciou para encontrá-lo.
– Coronel Shannon? Sou Doug Mason. Estive com a Equipe 1 do
de 2010 a 2013.
Gil viu que o helicóptero não tinha nenhuma marcação, nem
mesmo um número na cauda.
– Quem diabos são vocês?
– Obsidian Optio. Melhor subir a bordo, coronel. Não temos
permissão para estar aqui.
Gil apontou para o norte.
– Aquela nuvem verde ali é o meu homem. Ele está ferido.
Mason relanceou para a fumaça duzentos metros distante.
– Ok, coronel. Vamos pegá-lo.
Subiram no helicóptero e o Puma voou perto do chão,
aproximando-se o máximo que pôde da posição de Dragunov antes
de aterrissar de novo. Gil e três outros homens desmontaram e
subiram nas rochas até onde Dragunov estava deitado, exposto ao
sol, banhado no próprio sangue. Ele conseguira se arrastar para sair
da fenda das rochas, mas não fora muito mais longe do que isso.
O russo conseguiu dar um sorriso débil.
– Você está vivo.
– Você também. – Gil checou seu ferimento e viu que o abdômen
estava rasgado da esquerda para a direita. – Temos que te tirar
daqui, Ivan.
Os quatro o suspenderam e o carregaram até o helicóptero.
– E quanto a Kovalenko? – Dragunov perguntou enquanto
prosseguiam.
– Ele escapou – Gil informou. – A menos que o helicóptero o
tenha atingido.
Acomodaram Dragunov no piso do Puma e subiram atrás dele.
Dragunov agarrou o braço de Gil.
– Kovalenko não seria morto por um helicóptero.
– Sei disso. – Gil viu uma mochila no banco com o tridente da
equipe do bordado na lateral. – Esse é o seu kit? – perguntou
a Mason.
– Sim. Por quê?
– Me dê o seu rifle – ele pediu, pegando a mochila. – Tenho uma
missão para completar.
– Do que está falando? Fomos enviados para tirá-los deste fogo.
– Bem, o fogo foi apagado – disse Gil. – E a última coisa que esse
filho da puta vai imaginar é que eu vá atrás dele.
– Que filho da puta? Coronel, está sangrando!
– Ligue para Pope e diga que me apanhe na ponte que atravessa
para a Geórgia, como planejado originalmente.
Mason estava confuso.
– Que porra está dizendo? Quem é Pope?
– Os seus superiores saberão.
Gil pegou o rifle de precisão McMillan TAC-338 das mãos de
Mason.
– Essa é a minha arma pessoal.
– Muito bom. Deve ter uma boa mira, então. Se eu for apanhado,
diga a Pope que compre uma nova para você.
– Mas que porra…?
– Vamos! – gritou o piloto do helicóptero. – Estamos aqui há
tempo demais! Temos que ir!
Gil saltou para fora, colocando a mochila no ombro.
– Quanta comida tem aqui?
– Provisões para três dias – disse Mason. – Você é louco, sabe
disso, não?
– Temos que ir! – o piloto gritou de novo, aterrorizado em ser
apanhado no chão por um Hind russo.
Gil apoiou uma mão ensanguentada na testa de Dragunov.
– Acho que Putin quer que Kovalenko se safe. E você?
Dragunov sorriu.
– Cuidado. Tenho quase certeza de que ele está usando um traje
leshy. – Um leshy era uma fera mística russa capaz de mudar de
forma e se camuflar na floresta.
Gil piscou e se afastou do helicóptero, acenando para Mason, e o
Puma alçou voo. Em sessenta segundos, estava sozinho no vale,
correndo ao longo das rochas para recuperar o AN-94 de Dragunov,
junto com a munição dele e as granadas.
68
PENTÁGONO

– MAS QUE…! – COUTURE refreou o restante do que estava para


dizer, vendo Gil sair do helicóptero e correr na direção do
equipamento de Dragunov.
O presidente apoiou uma mão no ombro dele.
– Ele vai completar a missão dele, Bill. Avisei que ele encontraria
um modo de se desvencilhar de Putin antes que isso chegasse ao
fim.
Couture quase tremia de frustração. Acreditara que o pior fora
deixado para trás quando o Killer Egg varrera o vale, mas logo
depois todos gritaram em pânico quando Gil fora atacado nas
árvores. Quando o Puma finalmente aterrissou, e o infravermelho
confirmou que não havia mais chechenos em dois quilômetros dali,
ele finalmente ousara acreditar que aquilo terminara.
Agora Gil descia de novo do helicóptero e corria, sem nenhum
perfil de missão, nenhum tempo estipulado, nenhum plano de
extração.
– Que diabos diremos aos russos? – perguntou Couture, virando-
se.
– Não lhes contaremos nada além do necessário – respondeu o
presidente. – Informaremos o estado do Major Dragunov, nada mais.
Nenhuma palavra sobre como ele conseguiu sair da Rússia até eu
ter tempo de me reunir com o secretário Sapp.
Em seguida, o presidente se virou para Brooks e sorriu.
– Está muito calado, Glen.
Brooks estava sentado com um copo de água na mão.
– Um minuto atrás, pensei que isso tivesse terminado. – Tomou
um gole e apoiou o copo com um suspiro. – Agora, nem sei o que
pensar.
– Pelo menos os helicópteros entraram e saíram da Rússia sem
serem detectados – um chefe de gabinete da Força Aérea
comentou.
– Alguma bênção, pelo menos – murmurou Couture, encarando a
mesa. Depois riu com ironia. – Não sei por que estou tão
estressado. Shannon não pode fazer mal a ninguém mais a não ser
si a próprio desta vez.
– Você está estressado – disse o presidente – porque gosta dele.
É impossível não gostar a esta altura. Ele é o garoto da classe que
se safa de qualquer coisa, e o amamos por causa disso. –
Levantou-se da mesa. – Tenho que ir. Glen e eu temos assuntos na
Casa Branca. Estarei bebendo muito antes do que de costume hoje,
caso queira me acompanhar, general.
Um auxiliar entrou na sala.
– Tenho uma mensagem particular para o senhor, senhor
presidente.
– Sussurre em meu ouvido, filho.
O auxiliar se aproximou e falou com suavidade junto ao ouvido do
presidente.
O presidente o encarou com olhos arregalados.
– Isso foi confirmado?
– Sim, senhor.
O presidente se virou para os Estados-Maiores Conjuntos.
– A limusine do senador Steve Grieves explodiu próximo ao
Capitólio meia hora atrás. Ele está morto, junto com seu secretário e
o motorista.
Couture olhou para o auxiliar.
– Carro-bomba ou outra coisa?
– Ainda não foi confirmado, senhor, mas parece que foi um carro-
bomba.
– Isso é um ataque doméstico! – disse, em um rompante, o chefe
de gabinete dos Fuzileiros Navais. – Alguém do pessoal da de
Pope deve ter feito isso. – Não era segredo algum que ele não era
fã nem de Pope nem da .
– É melhor eu não ouvir um comentário como esse feito em
público! – admoestou o presidente. – Entendido, general?
O general se encolheu visivelmente sob a ira do presidente, ciente
de ter falado sem permissão.
– Sim, senhor. Peço desculpas, senhor.
– Já temos problemas demais – o presidente prosseguiu – sem
termos acusações levianas sendo disparadas a torto e a direito.
Couture encarou o general dos Fuzileiros Navais.
– Cuidaremos de tudo por aqui, senhor presidente. Ligue se
precisar de alguma coisa.
O presidente apertou a mão dele.
– Mantenha-me informado, general.
No instante em que o presidente e Brooks saíram da sala,
Couture se virou para o chefe de gabinete dos Fuzileiros Navais.
– Que diabos passou pela sua cabeça, Fred?
O fuzileiro grande e calvo puxou a jaqueta para baixo.
– Lamento muito, Bill. Sei que todos aqui parecem acreditar que
Bob Pope é a melhor coisa desde bocetas depiladas ultimamente,
mas não confio no filho da puta. Nunca confiei, e jamais confiarei.
Se quiser a minha demissão, só o que precisa fazer é pedir.
Couture o encarou.
– Não cabe a mim pedir a sua demissão, mas tem ordens para
ficar atento ao que diz sobre a daqui por diante. Entendido?
– Sim, general. Entendido.
69
HOSPITAL NAVAL BETHESDA

B ,M

BOB POPE ADORMECERA POUCO DEPOIS que o helicóptero se


afastara deixando Gil para trás. Abriu os olhos meia hora mais tarde
e viu o peito amplo de um médico com um corte de cabelos militar
ao pé da sua cama, lendo seu prontuário. Relanceou e viu que a
porta do quarto estava fechada. Depois avaliou o crachá afixado no
jaleco do médico. O nome não combinava com o rosto do crachá.
– Ben Walton, imagino?
Walton levantou o olhar, pegando uma pistola PPK Walther com
silenciador de dentro do jaleco branco de médico e largando o
prontuário aos pés da cama.
– Onde está a chave? – ele perguntou com uma voz grave.
Pope ficou confuso.
– Que chave?
– A chave que Shannon tirou do corpo de Miller a bordo do
Palinouros.
– Não tenho ideia do que esteja falando – disse Pope. – Shannon
não mencionou chave alguma.
– Vasculhei pessoalmente o corpo de Miller, assim como a cabine
dele. Não brinque comigo. Shannon está com a porra da chave.
– Não duvido disso – concordou Pope –, mas ele não a
mencionou para mim.
Walton levantou o cano da pistola.
– Onde ele está?
Pope apontou para o laptop sobre a mesa ajustável em um ângulo
ao lado de sua cama.
– Aquele é ele se movimentando em uma floresta.
Walton deu a volta para olhar para a tela mais claramente.
– Onde diabos é isso?
– Em algum lugar no Cáucaso.
Walton ergueu uma sobrancelha com desconfiança.
– Quer dizer que ele ainda está perseguindo Kovalenko?
Pope deu de ombros.
– Ele é um rapaz cheio de vontades. Pensei que você estivesse a
caminho de Cuba.
– Sei que pensou. – Walton sorriu com escárnio. – É por isso que
estou aqui. Além disso, eu precisava cuidar do senador Grieves.
– Já fez uma visita a ele?
– Sim. – Walton gesticulou para o telefone vermelho na mesa ao
lado do computador. – Ninguém ligou para você no bat-fone para
avisá-lo?
Pope meneou a cabeça.
– Talvez porque suspeitem que você tenha alguma coisa com
isso.
– Tenho certeza de que alguém está pensando isso. – O olhar de
Pope estava determinado. – Se não pensassem, eu não estaria
fazendo o meu trabalho direito.
Walton pegou uma seringa vazia de 100 ml de dentro do bolso do
jaleco e a deixou sobre a mesa, com a ponta brilhante apontando
diretamente para Pope.
– Quero que injete todo o ar no seu acesso intravenoso.
Pope olhou para a seringa.
– E se eu não fizer isso?
Walton encostou o cano do silenciador na lateral da cabeça de
Pope.
– Então o seu cérebro vai ficar todo espalhado na parede. Agora
pare de querer ganhar tempo.
Pope se esticou para pegar a seringa, e Walton recuou um passo.
– Não consigo alcançar o tubo do acesso.
Walton deu a volta e usou o pé para empurrar o apoio do acesso
para mais perto da cama.
– Comece logo esse ataque cardíaco, Bob. Você não tem como
sair desta.
– Você matou Steiner? – Pope perguntou, esticando-se para
aproximar o suporte do acesso intravenoso. – Pergunto porque…
Walton empurrou o cano do silenciador na cabeça de Pope,
dizendo entre dentes cerrados:
– Faça isso agora, seu idiota!
Pope mexeu um pouco no fio. Depois se moveu rapidamente para
agarrar a pistola, desviando-a de sua cabeça antes que Walton
apertasse o gatilho.
– Socorro! – gritou a plenos pulmões, segurando a pistola com as
duas mãos, o polegar sobre o cão.
Walton girou a arma e a libertou e atirou no peito de Pope
enquanto dois agentes do Serviço Secreto irrompiam no quarto. Ele
teve tempo de atirar uma vez e errar antes de o derrubarem com um
tiro. Despencou no chão entre a parede e a cama.
Pope se recostou na cama, segurando o peito.
– Maldição, ele acertou o mesmo pulmão. – Depois se inclinou
sobre a grade lateral e vomitou nas pernas de Walton. – Ei, ele
ainda está vivo.
Um dos agentes se aproximou da cama e afastou a pistola de
Walton com um chute.
– Acabe com ele – Pope ordenou. – Acabe com ele antes que
alguém entre.
– Não posso fazer isso, senhor Pope. Ele está abatido e
desarmado.
Walton levantou o olhar para Pope e sorriu, segurando o ombro.
– Vá se foder, Bobby. Quando eu terminar de testemunhar no
Congresso, não restará nada para…
Pope atirou na testa dele com uma Glock 26 escondida em sua
coberta.
Ele olhou para os atordoados agentes do Serviço Secreto e
colocou a pistola sobre a mesa. Depois se recostou e fechou os
olhos.
– Bom Jesus, se isso não está doendo mais do que da primeira
vez…
Os agentes olharam de um para o outro.
– O que fazemos? – um deles sussurrou.
– Sugiro que voltem a colocar a pistola novamente na mão dele –
Pope disse baixinho. – Vocês dois já estão bastante encrencados
por deixarem-no passar por vocês. – Abriu os olhos. – Posso fazer
com que essa questão deixe de ser um problema… Ou não. A
decisão é de vocês.
Um dos agentes pegou a Walther e a deitou no colo de Walton.
Dez segundos depois, dois policiais do hospital apareceram na
soleira da porta, com as armas em punho.
– Tudo limpo aqui! – disse um agente. – O diretor Pope precisa de
um cirurgião! Ele foi alvejado!
70
HAVANA

CROSSWHITE AINDA ESTAVA NA CASA da cunhada de Duardo.


A agente Mariana Mederos chegara cerca de meia hora antes e
estava do lado de fora do quarto dos fundos, onde Crosswhite
estava sentado na beirada do colchão, conversando com Paolina.
Sua perna fora suturada por um médico que Ernesto contatara e a
dor estava sendo controlada por grandes doses de ibuprofeno e
oxicodona. A polícia acreditara na história de Duardo e de Paolina
da noite anterior sem se dar ao trabalho de investigar muito, e os
corpos foram removidos sem que sequer uma foto fosse tirada. Ante
os olhos da lei, fora uma briga em um puteiro que saiu do controle, e
ninguém parecia se importar muito com isso. O sargento de polícia
lhes disse que procuraria pelo cara que fugira, mas todos sabiam
que era apenas conversa fiada.
– Você vai voltar? – Paolina perguntou.
Crosswhite tocou em seu rosto e a beijou nos cabelos.
– Não acho que seja uma boa ideia.
– Para você ou para mim?
Ela estava à beira das lágrimas.
– Para você.
– Essa é uma decisão minha – ela disse. – Você quer voltar ou
não?
– Claro que quero.
Ela pousou as mãos sobre as dele.
– Então quero que você volte.
– Eu faço coisas ruins, Paolina.
– Para pessoas ruins – ela disse. – E alguém tem que fazer isso,
não?
Ele permaneceu onde estava, fitando seus olhos castanhos e
sentindo a garganta se contrair.
– É o que digo para mim mesmo, mas nem sempre acredito mais
nisso.
Ela o beijou.
– Volte, Daniel.
– Ok – ele concordou com voz rouca e depois pigarreou. –
Mariana, entre aqui.
Mariana entrou no quarto e sorriu sem reservas para Paolina.
– Você tem dinheiro? – perguntou-lhe em inglês.
Paolina entendeu a última palavra. Tocou no braço dele e sacudiu
a cabeça.
– Não quero que me pague.
Crosswhite a ignorou.
– Tem dinheiro? Bastante?
Mariana suspirou e tirou a bolsa do ombro.
– Quanto ela está cobrando?
– Vê se deixa de ser idiota e me dá o dinheiro.
Ela enfiou a mão na bolsa e tirou o equivalente a cinco mil dólares
em notas de Ben Franklin.
Os olhos de Paolina se arregalaram, e ela se afastou dele na
cama, balançando a cabeça enquanto as lágrimas começaram a
rolar.
– No lo quiero. – Não quero.
– Se alguma coisa acontecer comigo, quero que fique bem…
- No lo quiero!
Crosswhite olhou para Mariana.
– Você é mulher. Vê se me ajuda aqui.
Mariana permaneceu de pé, mordendo o interior da bochecha,
debatendo-se quanto a se envolver ou não naquela tragédia
shakespeariana.
– Isso é dinheiro demais. Ela acha que é uma espécie de
compensação por você não pretender voltar.
Crosswhite pegou a mão de Paolina e colocou as notas sobre ela.
– Eu vou voltar – prometeu-lhe em espanhol. – Prometo. Se eu
não voltar, é porque estarei morto.
Ela o abraçou e começou a chorar, e Mariana saiu do quarto.
A mãe de Paolina estava na sala com quatro crianças pequenas;
o marido e a irmã tinham ido trabalhar.
– Você também é da ? – Olivia perguntou.
Mariana assentiu.
– Eu não deveria lhe dizer isso.
Olivia sorriu.
– Você não está muito à vontade aqui, não é mesmo?
– Dan não deveria ter trazido este problema para a vida de vocês
– Mariana observou. – A sua filha acredita estar apaixonada por ele.
– Sacudiu a cabeça. – Não é da minha conta, mas você deveria
desencorajá-la.
– Estamos todos nas mãos de Deus – disse Olivia. – Deus os
aproximou, e somente Ele pode afastá-los.
Mariana relanceou para o crucifixo na parede. Não estava
disposta a debater a Igreja Católica.
– Como já disse, señora, não é da minha conta.
Crosswhite entrou na sala, fechando o cinto.
– Você se saiu bem com as calças – ele disse. – Não tinha
certeza se saberia o meu tamanho.
– Está pronto? O táxi está esperando.
Crosswhite se aproximou de Olivia, estendendo-lhe a mão.
– Señora, estou em dívida com a sua família. Obrigado por não
me entregar para a polícia.
Olivia segurou a mão dele.
– Cuide-se.
Ele olhou para as crianças brincando no chão.
– Qual delas é da Paolina?
Ela indicou a garotinha com a pele mais morena, e Crosswhite
tocou na cabeça da criança.
– Vamos – ele disse para Mariana.
Entraram no táxi, e Mariana colocou os óculos escuros.
– Então, está planejando que essa também acabe morrendo?
Crosswhite ficou bravo de imediato, mesmo com todos aqueles
analgésicos em seu corpo, mas manteve a compostura.
– Fique feliz em ser mulher, Mariana. Já arranquei os dentes de
um homem por muito menos do que isso.
Ela ignorou a ameaça, nem um pouco intimidada por ele.
– E agora?
– Você conseguiu um quarto no meu hotel?
– Bem ao lado do seu, na verdade.
– Alguém a viu no aeroporto?
– Ninguém sabia que eu viria.
– Não foi isso que perguntei, porra.
Ela tirou os óculos e o encarou.
– Pare de falar assim comigo, maldição!
– Então veja se para com essa sua postura de sabe-tudo!
Estamos em uma maldita missão aqui! Se não colocar a cabeça no
jogo, vai acabar sendo morta, coisa que não dou a mínima, mas
posso acabar morrendo junto, e com isso eu me importo!
O taxista olhou pelo espelho retrovisor.
– Tudo bem aí? – perguntou em espanhol.
– Só estamos discutindo – Crosswhite disse, abaixando o tom de
voz. – Ninguém vai se machucar.
O taxista pareceu aceitar isso e continuou dirigindo.
Mariana pôs os óculos de novo e olhou pela janela.
– É bom que saiba que este é um trabalho forçado para mim. Eu
não queria estar aqui.
– Então, por que está?
– Pope mandou que eu viesse. Imagino que existam poucas
pessoas na agência em que ele sente poder confiar no momento.
Crosswhite grunhiu.
– Ele não é de cometer erros de julgamento dessa forma.
– Você é um desgraçado.
– Sabe de uma coisa? – ele disse, acendendo um cigarro. – O
seu trabalho está feito. Não dou a mínima se vai voltar para um
avião ou se vai ficar matando o tempo à beira da piscina, mas você
e eu terminamos. Você não tem serventia nenhuma para mim.
Ela o fitou, percebendo que o forçara demais. Ele tinha influência
suficiente junto a Pope para atrapalhar a sua carreira.
– Por que não me disse o que ia fazer com Hagen?
– Isso é o motivo de tudo? Ainda está brava por causa de Hagen?
– Você me tornou cúmplice em um homicídio – ela sibilou. – Não
é para isso que estou na !
Crosswhite não tinha paciência para aquilo.
– Fale disso com Pope quando voltar para Langley.
– Já fiz isso.
– E?
– E ele disse que o problema era meu.
– Então, é melhor se acostumar com isso. Este é o mundo em
que trabalhamos. Se você tivesse um pouco de massa cinzenta,
perceberia que faz parte de um clube agora; de um clube muito
exclusivo. Não há muitas mulheres que podem dizer isso.
Ela olhou de novo pela janela.
– Não consigo dormir. Ando tendo pesadelos.
– Eles vão passar – ele disse baixinho. – O importante é se
concentrar no objetivo. O que fazemos não é aleatório, não é
arbitrário. Existem motivos muito definidos.
Ela o fitou.
– Esses homens deveriam ir a julgamento. Pope os está matando
por vingança.
– Esse é um modo de enxergar as coisas.
– Qual é o outro?
– Pope enxerga o futuro. E nele existem homens malvados com
bombas nucleares. Por isso adotou uma política de tolerância zero.
– Ouvi o que disse a Paolina. Nem você acredita mais nisso.
Ele tragou fundo o cigarro.
– Tenho muito sangue nas mãos, Mariana. Um pouco de dúvida
de vez em quando me mantém humano.
Chegaram ao hotel e subiram para os quartos, parando no
corredor diante das respectivas portas.
– Apenas fique no hotel até o fim da missão – ele disse. – Vamos
deixar essa nossa discussão entre nós. Pope não precisa saber. –
Deu uma piscada para ela. – Aquilo que acontece em Havana e
toda essa bobagem…
Mariana abriu a porta do quarto e entrou. Foi para o banheiro e
estava para acender a luz quando foi socada com força no
estômago. Dobrou-se ao meio, para amparar a barriga, e caiu de
joelhos, tentou gritar, mas não restava muito ar em seus pulmões.
Alguém a agarrou por trás, pressionando um pedaço de fita
adesiva em sua boca, empurrando-a para o chão. Suas mãos foram
rapidamente amarradas com uma corda de nylon, e dois cubanos a
carregaram pelo quarto, jogando-a sobre a cama. Um deles
empurrou a calça e a calcinha dela para baixo até os tornozelos,
amarrando as pernas da calça em um nó eficiente que a prendeu
pelos pés.
A dor de Mariana só se equiparava ao seu terror. Ela tentou
chorar, mas estava completamente sem ar, e já tinha muita
dificuldade em simplesmente respirar pelo nariz.
– Um pio que seja – o homem lhe disse em inglês – e quebro a
porra do seu pescoço!
– Vou ligar para Peterson – avisou o menor dos dois, pegando o
celular do bolso de trás da calça.
71
CÁUCASO

QUANDO SE DEPAROU COM OS CORPOS DILACERADOS de


Anzor Basayev e dos outros dois seguranças, Gil reconheceu o
rosto de Basayev de um dossiê sobre a missão que lhe mostraram
em Moscou, tomando nota mental de contar a alguém no mundo
que pelo menos um alvo prioritário fora abatido. Pouco tempo
depois, chegou ao que esperava ser o rastro de Kovalenko, e não
demorou muito para que determinasse estar seguindo dois homens.
Parou para avaliar as duas pegadas distintas, vendo que um dos
homens cortara um pedaço da sola da bota esquerda, e isso foi só o
que Gil precisava para confirmar que o Lobo ainda estava vivo.
Muitos soldados que operavam sozinhos por muito tempo – como os
atiradores de elite – escolhiam marcar a sola das botas para ajudá-
los a não andarem em círculos ou acabarem rastreando a si
próprios. Gil nunca empregara tal técnica, pensando que sempre
poderia vir a fazê-lo se e quando as circunstâncias ditassem isso.
De outro modo, uma marca poderia acabar sendo usada para
rastreá-lo, assim como estava rastreando Kovalenko agora.
Com o sol chegando ao seu ponto mais elevado, ele se
movimentou.
A espingarda de ferrolho TAC-338 estava pendurada às suas
costas. Com uma câmara Lapua Magnum. 338, era uma arma muito
superior à Dragunov SVD semiautomática, e seu telescópio também
era superior: um Nightforce 8-32 × 56 milímetros. Pela primeira vez
desde o início da missão, sentia que estava adequadamente
equipado, o que era irônico, considerando-se suas condições
físicas. Os ferimentos no abdômen estavam infeccionando, mas não
eram especialmente dolorosos. Os ferimentos causados pelos
fragmentos da granada, no entanto, doíam como o diabo e
supuravam constantemente, de modo que a manga esquerda e a
perna esquerda da calça grudavam de maneira incômoda na pele.
Estimava que, caso fosse preciso, conseguiria funcionar naquelas
condições por talvez mais trinta e seis horas com a ajuda das
dextroanfetaminas. A essa altura, estaria descobrindo um buraco
para tapar outro a cada hora adicional no campo de batalha,
tornando-se cada vez mais ineficiente. Assim que a infecção se
instalasse e a febre aumentasse, teria que mudar suas prioridades.
Tomando o restante da água de Dragunov ainda caminhando,
descartou o cantil e enfiou a mão na mochila de Mason para pegar
duas barras energéticas, querendo abastecer a barriga antes de
restabelecer contato com o inimigo. Ficou imaginando quem teria
sido o responsável por mandar os helicópteros da Obsidian, mas a
resposta era óbvia. Pope observava tudo do alto. Sempre Pope…
Como o olho onisciente de Deus.
Imaginou todos em . . ficando irritadíssimos no segundo em que
perceberam que ele estava saindo do helicóptero para “aprontar” de
novo. Como detestava essa palavra. A verdade bem simples era
que ele amava lutar, e não pedia desculpas por isso. Seu amor pelo
combate já lhe custara seu casamento, portanto, o que restava a
perder – além da própria vida? E foi por isso que saiu daquele
helicóptero, por isso e para ferrar Sasha Kovalenko. Kovalenko
também gostava de lutar, e era muito bom nisso. Gil percebeu que
gostava de encontrar um inimigo à altura e que, nas últimas
quarenta e oito horas, passara a entender que o combate era bem
semelhante a uma partida de xadrez: o único verdadeiro modo de
melhorar era competindo com alguém melhor do que você.
Acelerou o passo ao descer da montanha, querendo apanhar
Kovalenko antes que escurecesse. Havia um acampamento na
floresta ao sul próximo à fronteira da Geórgia. O acampamento era
controlado por um aliado de Umarov, chamado Ali Abu
Mukhammad. Gil vira isso no dossiê da missão e se lembrou de que
ficava a poucos quilômetros a oeste da ponte onde ele e Dragunov
originalmente pretenderam pegar Kovalenko. Se o homem com
quem Kovalenko estava viajando era Dokka Umarov, era quase um
palpite certo que estavam se dirigindo ao acampamento de
Mukhammad.
O implante de titânio em seu pé começou a incomodá-lo depois
de poucas centenas de metros de descida, por isso, Gil diminuiu o
ritmo. Se o pé o deixasse na mão, ele estaria acabado.
Estava apoiado em um joelho ao lado de um riacho, levando as
mãos cheias de água gelada até a boca, quando uma patrulha
inimiga de talvez meia dúzia por acaso apareceu no lado oposto,
parcialmente obscurecida pela mata rasteira densa que crescia
naquela elevação mais baixa – duas diferentes espécies de
rododendros perenes o ano todo. Aguardou pela passagem da
patrulha, mas, em seguida, um dos chechenos surgiu em uma falha
na moita à sua direita, não mais do que a quatro metros de distância
na margem oposta. Gil colou no chão e ficou imobilizado tal qual
uma lagartixa.
O checheno se ajoelhou e mergulhou o cantil no riacho.
Gil estava parcialmente camuflado pelo rododendro, mas não o
bastante para escondê-lo de um olhar direto. O rifle estava embaixo
dele, ligado à tira de três pontas e, tão próximo assim, ele não
ousava sacar a pistola.
Outro checheno surgiu e se ajoelhou ao lado do primeiro, também
mergulhando seu cantil. Em meio minuto, uma verdadeira
convenção de enchimento de cantis acontecia ali, com seis
chechenos ajoelhados lado a lado na margem do rio. Conversavam
em um tom de voz normal, completamente despreocupados quanto
à segurança. Dois fumavam cigarros. Aquele era o território deles e,
evidentemente, sentiam-se seguros. Se estavam cientes ou não
sobre a batalha que acontecera um quilômetro ao norte, não havia
como saber.
A melhor pista era que cada um enchia dois cantis, indicando que
possivelmente passaram a maior parte da manhã operando em
terras altas, onde a água era escassa. Podia até significar que
vinham viajando em paralelo a Gil durante a descida dele, mas, pela
maneira pouco disciplinada com que se portavam, ele duvidava
disso. Não havia nenhuma urgência neles, nenhum senso de
vigilância.
Quando começaram a se levantar e guardar seus cantis, um deles
relanceou na direção de Gil, desviou o olhar, depois olhou na sua
direção de novo, gritando um alerta para seus compatriotas,
apontando com o cantil na mão em vez de apanhar o AK-47.
Gil arrancou uma granada de seu arnês, o pino saindo
automaticamente ao soltá-la, e lançou-a nas águas rasas. Os
chechenos que viram a granada mergulharam atrás de alguma
proteção; aqueles que não viram estavam pegando nos rifles
quando ela explodiu.
Dois deles foram dilacerados enquanto Gil rolava de lado, deitado
para se proteger da saraivada de tiros de AN-94. Ele matou dois
outros, mas os dois restantes saltaram e fugiram pelo espaço entre
os rododendros. Ele ficou de pé em um salto e os perseguiu, não
querendo arriscar a possibilidade de eles avisarem o acampamento
de Umarov. Os chechenos atravessaram a vegetação rasteira
alguns metros adiante dele, pouco além das suas vistas onde
seguiram uma trilha estreita de veados, na esperança de se livrarem
de Gil e de quem quer que estivesse com ele. Por certo,
reconheceram o uniforme camuflado Spetsnaz dele, e sabia-se que
os Spetsnaz operavam em grupos.
Gil atirou neles em meio à vegetação rasteira. Um deles gritou, e
Gil o ouviu caindo. Ele saltou por cima do corpo na trilha um
segundo mais tarde e deu de frente com uma clareira inesperada e
pequena no meio da floresta. O outro checheno desaparecera em
pleno ar. Gil imediatamente se jogou no chão e aguçou os ouvidos
para o menor sinal de movimento.
72
HAVANA

MARIANA ESTAVA DEITADA NA CAMA, absolutamente


aterrorizada, nua da cintura até os tornozelos, as mãos
dolorosamente amarradas às costas.
– O que Peterson disse? – o grandão perguntou. Ele tinha uma
antiga pistola 1911 enfiada na parte da frente da calça.
O menor deles guardou o celular no bolso de trás da calça.
– Ele quer que a gente mate os dois.
O cara armado olhou para Mariana deitada indefesa na cama, e
seus olhos se detiveram no púbis.
– Está pensando o que estou pensando?
O parceiro dele relanceou para Mariana e sacudiu a cabeça.
– Isso não é o meu lance.
– Sobra mais para mim, então. – O grandão lhe lançou a pistola.
– É melhor ir rápido. – Seu parceiro enfiou a pistola na parte
posterior do cós da calça. – Estamos correndo contra o relógio, e o
idiota daí do lado é notícia ruim.
– Não vou demorar, cara.
Mariana começou a soluçar enquanto o cara largava as calças e
avançava pela cama de joelhos, agarrando os joelhos dela com
mãos bruscas e forçando-os a se afastarem, depois recaindo sobre
ela pesadamente enquanto se manobrava entre eles.
O outro cara apanhou o controle remoto e ligou a para
disfarçar os soluços abafados de Mariana. Em seguida, foi até o
banheiro e ficou diante do vaso, mijando. Terminou, deu descarga e
abaixou a tampa com um baque antes de voltar para o quarto.
Depois de assistir seu parceiro sobre Mariana por um minuto ou
pouco mais, resolveu: por que não? Eles a matariam de todo modo.
Ela não teria que viver muito com seu trauma.
A porta do quarto se abriu em um estouro, e ele se virou a tempo
de ver Crosswhite agarrá-lo pelo pescoço por trás com as duas
mãos, segurando-o em um golpe de Muay Thai e dando-lhe uma
joelhada perniciosa na virilha. As pernas do cubano cederam, e
Crosswhite puxou a arma das costas dele, fechando a porta com um
chute de calcanhar e mirando a pistola antes que o estuprador de
Mariana conseguisse rolar para fora da cama.
– Parado, filho da puta!
O grandão ficou de pé junto à cama, com as calças abaixadas ao
redor dos joelhos, a ereção murchando rapidamente.
Crosswhite avançou e enterrou o bico da bota na virilha do cara.
O homem emitiu um grito de dor medonho e caiu no chão,
convulsionando e vomitando no piso azulejado. Crosswhite o chutou
no rosto e pisou no crânio dele com o calcanhar da bota. O cara
menor começou a se levantar, e Crosswhite voltou para junto dele e
bateu na lateral da sua cabeça com o cabo da pistola. Depois
guardou a arma debaixo da camisa e agarrou o homem pelos
cabelos, girando a cabeça em uma torção violenta que lhe partiu o
pescoço.
Pegou a faca do bolso e soltou Mariana.
Ela saltou para fora da cama e correu para o banheiro com as
calças ainda ao redor dos tornozelos, batendo a porta com força
atrás de si e vomitando no vaso. O chuveiro foi ligado pouco depois.
Crosswhite estava parado ao lado da porta quando o grandão
começou a se mexer. Foi para junto dele e deu cabo do cubano com
uma pisada forte na parte de trás da nuca. Depois se sentou na
beirada da cama e pegou o celular para ligar para o porteiro Ernie.
Ernesto bateu à porta alguns minutos depois, e Crosswhite
permitiu que ele entrasse.
Ernesto viu os corpos.
– Santo cielo! O senhor deixa um rastro de homens mortos por
onde passa, señor?
– Parece que sim – Crosswhite respondeu com gravidade,
voltando a se sentar e pegando um cigarro.
Ernesto olhou ao redor, procurando por Mariana.
– A señorita está bem?
Crosswhite sacudiu a cabeça.
– Acho que não.
– Quer que eu chame um médico?
– Talvez, mas ainda não tenho certeza. – Riscou um fósforo. –
Não acho que ela precise desse tipo de médico.
Ernesto notou, então, que um dos mortos estava com as calças
arriadas até os tornozelos, e seu rosto empalideceu.
– Ela foi… violentada?
Crosswhite largou o fósforo no chão e exalou a fumaça pelo nariz.
– Foi.
Ernesto parou acima do cadáver e cuspiu no estuprador.
– Coño!
– Conhece alguém que possa se livrar dos corpos, Ernie?
– Sim, mas acho que vai custar caro.
– Consigo lidar com algo caro – disse Crosswhite –, mas não com
a polícia.
– Farei com que Lupita traga o carrinho da lavanderia. Ele é
pequeno, por isso teremos que fazer duas viagens, e ela vai querer
o dinheiro à vista.
– Tudo bem. O que acontece depois dos carrinhos da lavanderia?
– Posso ligar para o meu primo. Ele tem um caminhão de peixe.
Ele pode entregar os corpos para os caras de quem compra os
peixes, e eles podem largar os corpos no oceano.
– Tem certeza de que vão ajudar?
Ernesto deu de ombros.
– Se pagar, eles ajudarão. O dinheiro é a lei aqui, señor.
– Ok, Ernie. É melhor ir procurar Lupita. Está quase
amanhecendo.
Lupita era uma mulher baixinha de 40 e poucos anos. Seus
cabelos negros estavam salpicados de branco nas têmporas e
presos em rabo de cavalo. Fez o sinal da cruz quando viu os corpos
e depois olhou para o banheiro, onde Mariana ainda chorava.
– Qué pasó con ella?
Ernesto apontou para o homem seminu.
– Fue violada.
Lupita voltou a fazer o sinal da cruz, murmurando:
– Santa Magdalena.
Crosswhite pegou dois mil dólares da bolsinha de couro e
entregou a ela.
Ela guardou o dinheiro dentro da blusa sem contar para ver
quanto recebera.
Crosswhite suspendeu as calças do cara, e Ernesto o ajudou a
colocar o corpo no carrinho. Depois, Ernesto e Lupita empurraram-
no pelo corredor, retornando para pegar o segundo corpo uns
quinze minutos mais tarde.
– Vamos precisar de mais dinheiro – Ernesto disse sem jeito. –
Uma funcionária da lavanderia nos viu esconder o corpo.
– Quanto?
– Quinhentos dólares devem resolver o assunto, señor.
Crosswhite lhe entregou o dinheiro.
– Ligue quando souber quanto o seu primo e os pescadores vão
cobrar.
– Muito bem. Ligarei em meia hora.
Ernesto e Lupita estavam prestes a levar o segundo corpo quando
Crosswhite teve um pensamento alarmante. Agarrou Ernesto pela
garganta e o empurrou contra a parede.
– Por que diabos você não me avisou que esses putos estavam
na porra do hotel? Está querendo me foder, Ernie?
– Não, señor. Juro! Não estou trabalhando hoje. Depois da noite
passada, não pensei em contar a ninguém… – Ernesto começou a
tremer, depois um olhar envergonhado tomou conta dele. – O
senhor me fez… urinar nas calças, señor.
Crosswhite o soltou e recuou, vendo que o homem de fato mijara
nas calças.
– Lamento por isso – ele disse. Mas continuou a encarar Ernesto
com suspeita. – Se não está trabalhando hoje, como chegou aqui
tão rápido?
– Moro no andar de cima, señor. Sou o porteiro principal.
Lupita estava parada na porta, pronta para escapar, olhando
Crosswhite com desaprovação.
– Ok, tudo bem – Crosswhite disse em espanhol. – Sinto muito.
Tive uma noite ruim, e a manhã está sendo bem ruim também. Sei
que dinheiro não resolve tudo, mas farei com que sejam bem
cuidados depois que tudo isso acabar.
Lupita relanceou para Ernesto e depois disse com um brilho no
olhar:
– O dinheiro resolve muitas coisas, señor.
Crosswhite assentiu, apoiando uma mão no ombro de Ernesto.
– Se isso for fazer com que se sinta melhor, amigo, eu caguei nas
calças no meu primeiro tiroteio. O que é bem pior.
Ernesto sorriu de leve, ainda bastante envergonhado.
– O senhor é o homem mais assustador que já conheci, señor.
Não tem como duvidar da minha lealdade.
– Preste atenção, não entenda mal. – Crosswhite apontou para
ele com um dedo em riste. – Se algum desgraçado o ameaçar com
uma arma na cabeça, conte tudo o que ele quiser saber, entendeu?
Não quero que morra por minha causa. Mas tampouco quero que
me foda. Entendeu a diferença?
Ernesto assentiu.
– Fracassei em proteger a señorita e ao senhor, mas isso não
voltará a acontecer, señor. Tem a minha palavra.
73
CASA BRANCA

O PRESIDENTE LEVANTOU O OLHAR por trás de sua


escrivaninha.
– Ele vai sobreviver ou não? – Ele estava perguntando a respeito
de Pope.
– O hospital diz que ele tem noventa por cento de chance. –
Brooks se sentou diante da mesa dele. – Acabaram de tirá-lo da
sala de cirurgia. Ele está no que chamam de condição que requer
cuidados.
– Por certo não podemos nos dar ao luxo de perdê-lo agora –
disse o presidente, esfregando o lábio inferior. – Walton devia estar
fora de si. O que o levou a se arriscar assim?
Brooks deu de ombros.
– Seu palpite é tão bom quanto o meu, senhor.
O presidente meneou a cabeça, afastando esse mistério da
mente.
– Couture tem alguma novidade quanto ao estado do Major
Dragunov?
– Sim. Dragunov vai ficar bem. Sua parede abdominal foi
gravemente ferida, e eles tiveram que remover parte do intestino
grosso, mas esperam que se recupere completamente. O secretário
Sapp está em contato com o embaixador russo, e Moscou já foi
avisada. Citando Sapp: “eles estão intensamente curiosos em saber
como o homem deles saiu da Rússia”. Neste momento, Dragunov
está em um hospital em Tbilisi sendo vigiado atentamente, o que
significa outro embaraço para Putin – ter um agente Spetsnaz sob
cuidados da Geórgia.
– E isso é um grande risco para os georgianos – acrescentou o
presidente. – Imagine se alguém entrar lá e matar Dragunov antes
que os russos possam ir lá pegá-lo?
– Tenho certeza de que esse é o motivo para ele estar sendo
vigiado.
– Falando nisso – o presidente continuou –, como Walton
conseguiu passar pelo Serviço Secreto?
Brooks deu um sorriso contido.
– Isso são outros quinhentos.
O presidente não pareceu achar engraçado.
– Fale logo.
– Uma das especialidades de Walton era forjar identidades:
passaportes, carteiras de motorista. Ele fez um crachá de médico e
o usou para passar pelos seguranças de Pope. A segurança do
hospital disse que o crachá estava perfeito. Nem eles saberiam
dizer que se tratava de uma falsificação.
– Quer dizer que os agentes estão limpos? Que seguiram o
protocolo?
– Sim e não – respondeu Brooks. – Sim, estão limpos, mas não,
não seguiram o protocolo.
O presidente levantou uma sobrancelha.
– Como isso é possível?
– Bem, o protocolo ditava que eles teriam que verificar o nome do
médico em uma lista de médicos autorizados a entrarem no quarto
de Pope. Qualquer que tenha sido o nome inventado por Walton, ele
não estava nessa lista, portanto, não o teriam liberado. Isso basta
para afirmar que não seguiram o protocolo.
– E por que estão limpos?
– Porque Pope atirou em Walton depois que os agentes já o
haviam desarmado e ele estava no chão. Pope tinha uma pistola
escondida debaixo da coberta. Ainda estamos tentando descobrir
como foi que essa arma entrou no quarto.
O presidente o encarou por um instante.
– Quer dizer que os agentes o estão acobertando?
– Mais ou menos. Foram interrogados separadamente, antes que
tivessem tempo de combinar uma versão da história, e os dois
descreveram os eventos da mesma exata maneira.
– Evidentemente tiveram tempo bastante para concordar em
jogarem Pope debaixo do ônibus – murmurou o presidente.
– O interrogatório inicial não foi gravado – disse Brooks. – Os dois
agentes se recusaram a falar até terem permissão para contar a
versão sem cortes do que aconteceu sem serem gravados.
O presidente se recostou.
– Parece que estão se oferecendo para ficarem de bico fechado
para, em troca, manterem seus empregos.
– Não foram impertinentes para verbalizar dessa forma, mas é
isso o que esperam receber.
– Muito bem. Estou de acordo, mas nada de serviços de proteção
importantes para esses dois idiotas. Eles podem ser as babás de
alguém sob o serviço de proteção a testemunhas. Melhor ainda,
eles deveriam ficar atrás de notas de vinte falsas no Meio-oeste…
Em algum lugar bem distante de . .
– Darei a ordem, senhor.
– Faça isso. Agora, e quanto ao Coronel Shannon?
– Couture disse que projetaram os movimentos dele, e parece
que ele está se direcionando para um acampamento sob o controle
de um militante do Daguestão chamado Ali Abu Mukhammad.
Dizem que Mukhammad é o próximo na linha de sucessão para
assumir os Emirados do Cáucaso caso Dokka Umarov seja morto.
– Quantas pessoas há nesse acampamento?
– Mais de duzentas, senhor.
O presidente inspirou o ar entre os dentes.
– Essa é outra forma de dizer que Shannon não tem a mínima
chance. – Então, sorriu e sacudiu a cabeça. – Claro que isso
significa exatamente que ele tem chances. – Recostou-se, coçando
a cabeça. – Mande minhas lembranças ao general e avise que não
irei ao Pentágono assistir.
– Não quer se estressar, senhor?
– Ah, o estresse não é o problema – disse o presidente. – O
estresse faz parte deste trabalho, mas isso está me parecendo o
canto do cisne para Shannon, e sei o quanto é difícil para o general
manter sua compostura quando estou na mesma sala.
Brooks pressionou os lábios.
– Então não enviaremos nenhum apoio a Shannon?
– Ele ainda está na Rússia, Glen. Já me arrisquei muito para tirá-
lo de lá, e ele se recusou. Não há nada mais que eu possa fazer. E
com Bob Pope na sala de recuperação? – O presidente meneou a
cabeça. – Sinto que Gil Shannon tenha apostado alto demais desta
vez.
74
MONTANHAS DO CÁUCASO

GIL OUVIU O PINO DE SEGURANÇA de uma granada ser ejetado


à sua direita. Viu o orbe voando em sua direção quase que em uma
trajetória reta, e seu cérebro calculou uma solução quase que a uma
velocidade de computador. O detonador de uma granada russa
levava apenas 3,8 segundos e, depois do 1,8 segundo inicial, ela
detonava no impacto. Por isso, esticou a mão – não para apanhá-la
–, para empurrá-la para longe dele. A granada detonou do lado
oposto de uma árvore, e ele se agachou, atirando uma granada de
40 milímetros no tronco de uma árvore do lado oposto da tora
apodrecida uns doze metros à sua direita. A granada explodiu, e o
checheno que se escondia atrás da tora foi morto com o impacto.
Gil o esfaqueou atrás da orelha para se garantir e voltou a seguir
a trilha para o acampamento de Mukhammad. Movia-se bem
rapidamente na trilha marcada por pegadas quando deu de frente
com uma patrulha de quatro homens que vinha do norte para
investigar as explosões. Abateu três deles com tiros, atirando na
altura dos quadris na coluna formada e derrubando o último com
uma coronhada no rosto. Seguiu em frente, recarregando o AN-94
enquanto corria.
Havia gritos mais à frente. Fumaça de uma fogueira subia em
meio às árvores entre algumas tendas camufladas, onde homens
apanhavam suas armas. Aquele era um posto avançado de Umarov
– um posto que não constava nos mapas russos – e, sem dúvida,
um soldado estaria em contato via rádio com a força principal de
Mukhammad.
Mais uma vez, Gil perdia o elemento surpresa em sua
perseguição a Kovalenko.
Arremessou uma granada por cima dos rododendros e avançou
ao largo do acampamento. Ela detonou próxima à fogueira,
explodindo três homens e provocando confusão enquanto todos no
acampamento percebiam que o perímetro fora atacado. Ele não
queria saber de lutar contra aqueles ali em plena luz do dia e
precisava se afastar antes que percebessem que estava só.
Protegendo-se atrás de uma árvore, Gil lançou outra granada no
meio de um agrupamento de homens que recebia instruções de um
oficial. Eles não o viram, mas avistaram a granada no ar e se
espalharam para se protegerem enquanto ela detonava
inofensivamente no teto de uma tenda na qual havia uma antena de
rádio.
Ele desapareceu na trilha indo para o sul, ciente do perigo de
permanecer no caminho, mas os rododendros não lhe deixaram
alternativa. Sua única chance era distanciar-se o máximo possível
do posto avançado, na esperança de encontrar uma brecha no
rododendro. Gil parou atrás de uma rocha para recarregar o GP-34
e para colocar outra granada de mão no seu arnês. Ouviu passos
vindos pela trilha e sacou a pistola com silenciador, mirando sobre a
rocha quando um homem fez a curva na trilha. Atingiu-o na base da
garganta, e o cara agarrou o pescoço, caindo para frente na trilha.
Gil voltou a se mexer e, depois de uns vinte minutos, começou a
acreditar que havia se livrado deles, mas sua ilusão se dissipou no
momento em que ouviu um barulho baixo de equipamentos se
chocando paralelamente a ele do lado oposto da moita
impenetrável. Diminuiu o passo e parou, e o barulho também parou.
Havia pelo menos dois homens seguindo-o, mas ele não tinha
tempo para aquela brincadeira de gato e rato, por isso disparou a
correr.
Os dois caminhos se uniram em uma súbita interseção uns trinta
metros adiante na trilha, e ele se chocou de lado com um deles,
fazendo-o voar. O segundo homem saltou sobre Gil e o derrubou.
Felizmente, o impacto derrubou o AK-47 das mãos dele, e o cara
teve que se virar para recuperá-lo. Gil, deitado de costas, metralhou
os dois e saltou para ficar de pé. Houve uma rajada de tiros atrás
dele, e as balas se chocaram com sua armadura nas costas,
lançando-o para frente. Ele rolou de costas quando veio correndo o
checheno, que ficou com a ponta da bota presa em uma raiz e
tropeçou, aterrissando na posição defensiva de Gil.
Gil envolveu as pernas na cintura do checheno e o segurou pelo
pescoço com um braço, tentando enfiar o polegar da mão livre no
olho do homem. O cara gritou e arrancou o capacete de Gil,
tentando se soltar. Gil afrouxou as pernas e desviou o quadril,
chocando seu joelho na têmpora do outro ao se colocar de pé.
Apanhou seu AN-94 e acabou com ele, golpeando-o na cabeça com
o cabo antes de disparar novamente.
Havia muitos gritos na sua retaguarda agora, e Gil sabia que o
restante do posto avançado não podia estar a mais do que trinta
segundos atrás dele. Imaginou que devia haver uma dúzia de
homens caçando-o, mas não havia como ter certeza. Podia muito
bem ser uma centena, porque ele já estava exausto. Toda vez que
seu pé direito batia no piso da trilha, ele sentia como se estivesse
pisando em uma faca. Seus pulmões ardiam como fogo, e as
panturrilhas estavam começando a ter cãibras devido ao ácido
lático. Ele precisava desesperadamente de uma oportunidade para
recuperar o fôlego, mas os cães nunca davam um tempo para a
raposa.
O que foi mesmo que Dragunov disse na noite anterior, sobre
correr na direção dos cães nunca ser uma opção para a raposa?
– Que se foda. Melhor bater de frente do que ser atropelado.
Virou-se e voltou pela trilha.
Uma figura escura saltou sobre a moita e o atacou. Outros dois
homens caíram sobre ele um segundo mais tarde e o prenderam no
chão. Gil gritou e ficou louco, golpeando e tentando se soltar, mas
eles eram pesados e fortes demais. Imobilizaram-no, e um deles se
sentou sobre sua cabeça enquanto suas mãos eram amarradas às
costas. Arrastaram-no pela moita, e Gil ficou de costas enquanto
seis homens vestidos de preto se espalharam nos dois lados da
trilha com seus AN-94.
Treze chechenos fizeram a curva e foram recebidos por uma
chuva de balas. Os dois à frente da coluna virtualmente foram
desintegrados. Aqueles no centro foram abatidos sem sequer terem
disparado nenhum tiro, e aqueles na retaguarda se viraram para
fugir, mas não foram muito longe. A floresta ficou silenciosa, e os
homens de preto se levantaram, descartando as câmaras vazias
dos rifles.
Gil se esforçou para ficar de pé quando um deles se aproximou. O
homem se ajoelhou diante dele e tirou a balaclava, revelando suas
feições não barbeadas.
– Sou o Coronel Yablonsky do Spetsgruppa A da Spetsnaz – ele
se apresentou, os olhos quase negros sob as sobrancelhas escuras.
– Onde está o Major Dragunov?
Gil engoliu em seco.
– Ele foi removido por uma equipe médica por uma unidade de
mercenários americanos.
Yablonsky disse algo ao seu tenente em russo.
– Quando?
– Por volta do meio-dia.
– Por que foi deixado para trás?
Gil observou enquanto os outros Spetsnaz assumiam posições
defensivas.
– Porque vou matar Dokka Umarov e Sasha Kovalenko. Moscou
os enviou?
Yablonsky sacudiu a cabeça, parecendo pensativo.
– Viemos por conta própria, contrariando ordens. Dragunov é um
bom amigo.
Gil estava exausto, mas encontrou forças para sorrir.
– Esse é o meu tipo de grupo.
– Qual a extensão dos ferimentos de Ivan?
– Estava ruim o bastante para ter de se afastar do combate –
disse Gil –, mas vai sobreviver. Ele é durão.
– E para onde, exatamente, você está indo?
– Para o acampamento de Mukhammad.
Yablonsky falou de novo com o tenente e voltou sua atenção para
Gil.
– Sabe que Mukhammad tem mais de duzentos homens naquele
acampamento?
Gil assentiu.
– Sim, isso foi mencionado.
– E vai assim mesmo? Nas suas condições?
Gil deu de ombros.
– Não tenho nada melhor para fazer aqui.
Yablonsky disse ao tenente que o soltasse, e Gil pegou umas
duas cápsulas de dextroanfetamina do seu kit de primeiros socorros.
– Acha mesmo que é capaz de completar tal missão nas suas
condições, coronel?
Gil engoliu as cápsulas com um gole de água do CamelBak que
estava dentro da mochila de Mason.
– Sim.
– Um homem contra duzentos? Duzentos que provavelmente
sabem que você está chegando?
Gil sorriu.
– Bem, coronel, agora estamos em sete. – Riu. – O que nivela
para algo como vinte e oito contra um, não é mesmo? A menos que
vocês estejam indo embora, mas, nesse caso, eu agradeceria se me
deixassem um pouco de munição e de granadas.
Yablonsky não sabia bem o que fazer.
– Disse que vocês vieram contrariando ordens?
O russo assentiu ao se levantar.
– E, a esta altura, Moscou já sabe disso.
Gil se levantou lentamente, testando o peso sobre o implante de
titânio e esfregando os punhos.
– Não sou Spetsnaz, coronel, mas com o Major Dragunov já fora
de perigo… Bem, imagino que seja uma boa ideia para vocês
levarem a cabeça de Dokka Umarov de volta a Moscou.
Yablonsky sorriu.
– Mesmo se fracassarmos, essa é uma história que aumentará à
medida que for contada. – Olhou para seus homens, dizendo-lhes
em russo: – O americano nos desafiou a ajudá-lo a matar Umarov.
Alguém se opõe?
Ninguém se opôs.
75
HAVANA

DEPOIS DE ALGUMAS HORAS no banheiro, Mariana emergiu.


Relanceou para Crosswhite, que estava sentado na cama diante da
televisão. Depois, se apoiou na parede, cruzando os braços em um
abraço protetor.
– O que aconteceu com… com os corpos?
Crosswhite levantou o controle remoto e desligou o aparelho.
– O pessoal do Ernie cuidou de tudo. Quer que eu chame um
médico?
Ela ajeitou os cabelos atrás das orelhas e depois voltou a cruzar
os braços, fungando.
– Obrigada. Estou bem.
– Eu deveria ter vasculhado o quarto. Sinto muito.
Ela sacudiu a cabeça.
– Você vai de avião para a Cidade do México. Eu a encontro lá
depois de terminar esta missão, e poderemos combinar nossas
histórias. Pope não tem que saber disto, a menos que você queira
que ele saiba. E não se preocupe, direi a ele que não tenho
problemas para trabalhar com você de novo.
Ela andou até perto da cama e se sentou na ponta do colchão,
mantendo os braços cruzados.
– Como soube que tinha que vir?
– Este prédio é antigo – ele explicou. – Eu o ouvi mijando no
banheiro através da parede. O som não parecia certo. E, depois,
quando ele abaixou a tampa do vaso para dar descarga, saquei que
tinha alguém aqui.
Ela ficou sentada olhando para o teto.
– Acho que me lavei umas cinquenta vezes. Mas ainda me sinto
suja.
– Isso é normal – ele disse.
Ela o fitou.
– Eu gostaria de ficar e terminar a missão. Estou concentrada
agora.
– Não. Você precisa se recuperar disto. Pode passar quanto
tempo quiser na Cidade do México. Temos muito dinheiro, e Pope
foi…
– Preciso terminar isto, Dan. Se eu voltar agora, é como se tudo
tivesse acontecido à toa.
– Você pode sentir isso por enquanto, mas…
– Presta atenção! – ela o interrompeu. – Você não apenas salvou
a minha vida. Você o deteve antes que ele conseguisse terminar… e
isso significa mais para mim do que pode imaginar. Posso fazer isto.
Por favor, confie em mim.
Ele ficou refletindo sobre isso por um momento demorado.
Pensou em Sarahi morrendo em seus braços. Pensou em sua
amiga, Sandra Brux, violentada e traumatizada nas mãos do Talibã
dois anos antes – na sua missão fracassada para resgatá-la – e
pensou em Paolina. Como ele ousava entrar no mundo dela? Que
fantasmas malignos o seguiriam até lá?
– Dan?
Ele a fitou.
– Deixe-me ficar.
– Ok – ele concordou com relutância. – Mas vai ter que seguir
todas as minhas instruções.
– Prometo. – Levantou-se. – Acha que podemos sair deste
quarto?
– Claro.
Passaram para o quarto de Crosswhite, e ele lhe deu uma garrafa
de água gelada.
– Falei com Midori pelo telefone via satélite. Pope foi alvejado de
novo.
Mariana quase engasgou na água.
– O quê?
– Ben Walton entrou no quarto dele no hospital e atirou nele…
Com dois agentes do Serviço Secreto do lado de fora no corredor.
Acredita nisso?
– A esta altura, acho que acredito em qualquer coisa. Ele vai
sobreviver?
– Parece que sim. – Pegou o celular do assassino cubano do
bolso e o largou sobre a cama. – Midori entrou na lista de chamadas
desse número e conseguiu localizar Peterson. Parece que ele
comprou uma pequena finca na periferia da cidade no ano passado.
– Uma finca era uma propriedade. – Ela vai nos enviar fotos de
satélite por e-mail e quaisquer outras informações que conseguir.
Reconheceremos o lugar mais tarde e depois bolaremos um plano
de ação.
Mariana tampou a garrafa e a deixou de lado, esfregando as
mãos nas pernas.
– Então, o que faremos enquanto esperamos?
– Não sei. Está com fome?
– Sim, mas podemos pedir para o Ernesto nos trazer alguma
coisa? Não estou com vontade de sair agora. Sinto como se o
mundo inteiro fosse saber o que aconteceu no instante em que me
vissem.
– Claro.
Ernesto lhes trouxe comida do restaurante no fim da rua, e os dois
comeram sentados na cama. Quando terminaram, esticaram-se e
ficaram deitados olhando para o teto. Crosswhite manteve a 1911 ao
seu lado na cama.
Mariana rolou de lado e apoiou a cabeça na mão.
– Sinto muito pelo que eu disse antes… sobre fazer com que
outra morresse. Isso foi golpe baixo da minha parte.
– Esquece. Estamos em uma vida diferente agora.
– Acho que isso é verdade, não é? Pelo menos para mim. – Ela
ficou olhando para o espaço vazio. – Eles iam me matar. Peterson
mandou que fizessem isso. Foi o que o cara menor disse.
– Bem, estamos retribuindo o favor.
Ela levantou a cabeça e seus olhos estavam cheios de lágrimas, a
voz tremia quando falou:
– Eles me socaram na barriga, eu nem consegui gritar pedindo
ajuda. Quando ele estava em cima de mim… – A voz dela se partiu.
– Quando ele estava em cima de mim, implorei a Deus para que
você passasse por aquela porta. Nunca implorei por nada na vida…
Mas eu sabia que você não viria… Eu sabia que era impossível.
Mas, depois, lá estava você. Ainda não consigo acreditar.
Ele sorriu.
– Bem, acho que isso só serve para provar o velho ditado.
Ela limpou o nariz com o dorso dos dedos.
– Que velho ditado?
Ele ajeitou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha, depois
apoiou a mão no colchão.
– Confie em Deus e na 82ª Divisão Aerotransportadora.
76
HAVANA

PETERSON ESTAVA CONVERSANDO COM ROY, seu contato no


México, pelo telefone, atordoado com a notícia de que Walton
aparecera em Maryland e que acabara morrendo.
– Como assim, ele atirou em Pope?
– Só o que eu sei – Roy contou – é que ele entrou no quarto de
Pope, atirou nele e foi abatido pelo Serviço Secreto dois segundos
depois.
– Não acredito, porra! – disse Peterson. – Ele nunca mencionou
nada a respeito de voltar para os Estados Unidos.
– Bem, a história fica mais bizarra do que isso – prosseguiu Roy.
– Como? Que diabos mais eu não sei?
– Parece que ele provavelmente matou o senador Grieves antes
de fazer sua visitinha a Pope. O carro do senador explodiu a uma
rua do Capitólio menos de uma hora antes de Walton aparecer no
hospital. Portanto, se isso não foi obra do Walton, é uma tremenda
coincidência.
Peterson se levantou de boca aberta.
– Cristo Todo-Poderoso. Eu seria o próximo.
– Essa é uma aposta quase certeira – disse Roy. – Parece que
Ben estava limpando a casa em toda parte. Sabe, nunca o achei
muito equilibrado mesmo. O cara gostava demais de interrogar as
pessoas sob pressão.
– Foi por isso que ele foi afastado do destacamento – murmurou
Peterson. – Olha só, tem certeza de que ele morreu mesmo?
– Sim, já foi confirmado. Não tem mais que se preocupar com ele.
Como andam as coisas com Crosswhite?
– A última notícia que tive – informou Peterson –, os meus caras
estavam para apagar a puta da Mederos. – Deu risada. – E depois
atacariam o Crosswhite. Não era para se arriscarem a me telefonar
de novo, a menos que algo desse errado, e não tive nenhuma
notícia do Capitão Ruiz, portanto, parece que tudo correu como
planejado desta vez, sem corpos pela rua. Terei a confirmação
amanhã e aviso você.
– Faça isso – disse Roy. – Eu gostaria de encerrar esse caso aqui
na minha ponta. Dependendo de como as coisas acontecerem no
futuro, serei capaz de usar seus olhos e seus ouvidos aí em
Havana. Ei, quem sabe não temos sorte e Pope tenha um coágulo?
Se ele morrer, quem sabe não consigo colocá-lo na lista branca
daqui a alguns anos… para que você tenha um pouco de espaço
para respirar.
– Só nos resta esperar que isso aconteça – disse Peterson. –
Avise quando quiser fazer negócios, e eu lhe passo as minhas
contas bancárias.
– Ok, mas sem pressa. Estamos falando de algo daqui a uns
dezoito meses.
Encerraram a ligação alguns minutos mais tarde, e Peterson foi
até a janela para olhar para a rua, onde dois policiais de folga
estavam estacionados em um carro branco do lado de fora de sua
finca. Satisfeito por tudo estar em ordem, desceu e tirou um revólver
pequeno calibre .38 do bolso de trás, deixando-o sobre a mesinha
ao lado da porta dos fundos.
Depois trocou de roupa, ficou de shorts e foi nadar. Era bom estar
vivo.
77
MONTANHAS DO CÁUCASO

GIL ESTAVA DEITADO DE BARRIGA em um espinhaço ao lado do


Coronel Yablonsky, estudando o acampamento de Mukhammad
através do telescópio do seu rifle tático McMillan. Um pouco menos
de dois quilômetros de distância, ele não enxergava em detalhes,
mas via o bastante para ter uma boa ideia da disposição geral.
– Talvez tenhamos tido sorte, coronel. Não parece que estejam
em pé de guerra ali. – Passou o rifle para Yablonsky. – Me diga o
que acha.
O russo observou o acampamento.
– Concordo que parecem estar muito relaxados. – Revolveu o
TAC-338. – Mas como é possível que não o estejam esperando?
Sabemos que o posto avançado tinha rádio. Estivemos monitorando
o tráfego por semanas na tentativa de rastrear a movimentação de
Umarov.
– Devo ter estourado o rádio antes que eles tivessem a
oportunidade de fazer a chamada. – Cobriu a lente, depois os dois
homens recuaram no espinhaço. – Agora, só preciso estar dentro do
alcance e esperar que Umarov dê as caras.
Yablonsky notou que o rifle de precisão não tinha silenciador.
– E você acha que seremos capazes de fugir depois que você
atirar?
– Vocês trouxeram alguma MON-50 com vocês? – A MON-50 era
a versão russa da mina Claymore M18A1 americana.
– Sim, uma cada um.
– Ótimo. Depois que se depararem com a segunda, diminuirão o
ritmo da perseguição. Só temos que superá-los em três quilômetros,
mais ou menos. Algumas pessoas devem estar me esperando na
ponte que liga a Geórgia.
– Meus homens e eu não podemos ir para a Geórgia. Moscou
ficaria irritada.
– Menos se matarmos Dokka Umarov, e é por isso que estamos
aqui.
– Você não conhece o meu governo muito bem.
Gil riu ao se levantar, deslizando o rifle para as costas.
– Aposto como conheço melhor do que imagina.
– Terá que se aproximar muito mais do que isto. Onde planeja
esperar?
– Vê aquela árvore ao longe? – Gil apontou para um carvalho
distante ao sudeste, mais alto que o restante. – Fica a uns
oitocentos metros de distância do acampamento e deve me dar uma
bela vista da área alvo. Se formos até lá agora, devo conseguir me
posicionar antes que o sol comece a se pôr.
Yablonsky ficou olhando para a árvore.
– Ela está do lado errado do acampamento. Terá que correr ao
redor dele para escapar.
– Não vou correr ao redor de nada – explicou Gil. – A menor
distância entre dois pontos é uma linha reta, e eu tenho um pé
estragado.
O russo pegou um maço de cigarros do bolso.
– Vai atravessar o acampamento em linha reta?
– Vai ser mais um zigue-zague, mas é isso mesmo. – Gil se
apoiou em um joelho, incitando Yablonsky a fazer o mesmo. – Veja
bem, coronel, só vou poder dar um tiro daquela árvore. Se der mais
que um, saberão a minha localização. Isso significa que vou
desmontar da árvore e caçar Kovalenko no chão. Eu preferiria atirar
nele primeiro, mas os nossos dois governos querem Umarov morto,
portanto, ele tem prioridade. Se você e os seus homens forem para
o lado oeste do acampamento e abrirem fogo com os lançadores de
granada no instante em que ouvirem meu tiro, isso ajudará a
encobrir a minha posição e os afastará de mim. Então, só o que
terão que fazer é se afastar, usar seus explosivos e sair correndo na
direção da ponte.
Yablonsky tragou o cigarro que havia acendido enquanto Gil
falava.
– Como você encontrará Kovalenko em toda essa confusão?
– Não terei que encontrá-lo. – Gil sorriu. – Ele não será atraído
pela distração. Ele vai saber que atirei da árvore e virá atrás de mim.
– Como pode ter tanta certeza?
Gil pegou o cigarro emprestado para tragar uma vez.
– Não tenho tempo para explicar, mas confie em mim, eu sei. –
Devolveu o cigarro. – Vou precisar de ajuda para subir na árvore.
Depois disso, darei um tempo para que você e os seus homens
deem a volta para o lado oposto do acampamento e se preparem.
Acha que conseguem fazer isso em uma hora?
– Se tudo correr bem – garantiu Yablonsky –, mas eu nunca
espero que as coisas corram bem.
– Nem eu.
Chegaram à base da árvore uns vinte minutos depois. O tronco
devia ter uns seis metros de circunferência, e o galho mais próximo
devia estar a uns oito metros do chão. Os Spetsnaz lançaram uma
corda ao redor dela, e os seis suspenderam Gil. Ele subiu até a
primeira bifurcação e puxou a corda consigo, acenando para que
eles fossem embora. Desapareceram depois de alguns segundos, e
ele subiu com cuidado mais uns dez metros na árvore, usando uma
parte da corda para se prender. Assim que teve certeza de que não
despencaria os dezoito metros até a sua morte, tirou o rifle das
costas e o prendeu nas amarras de três pontas, esticando-se sobre
um galho grosso.
Ele não tinha medo de altura, mas suas palmas estavam suando
por conta da escalada entediante, por isso pegou um par de luvas
justas de couro preto e apoiou o rifle no ombro, ajustando a lente
para espiar o acampamento oitocentos metros adiante. Para sua
surpresa, Dokka Umarov foi uma das primeiras pessoas a aparecer
em seu campo de visão. O líder checheno estava parado diante da
tenda de comando conversando com Ali Abu Mukhammad. Umarov,
de modo algum, era o único homem barbado no acampamento, mas
sua barba comprida semelhante à de Jeb Stuart11 fazia com que ele
se sobressaísse.
Gil consultou o relógio. Somente trinta minutos se passaram
desde que Yablonsky e seus homens se afastaram dali. Esticou um
pedaço de meia de seda, amarrando-o sobre a lente, afixando-a
com um elástico preto grosso. A meia impediria que o sol poente se
refletisse na lente sem reduzir significativamente a vista. Tirou a
cavilha para carregar um Lapua Magnum .338. Depois soltou a
câmara de cinco tiros e carregou o sexto cartucho no alto da arma.
Agora Gil estava pronto para o combate. Só precisava dar tempo
para que a equipe da Spetsnaz se posicionasse. Estava ocupado
estudando Umarov quando lhe ocorreu que nunca atirara com
aquele rifle em particular. O TAC-338 tinha um gatilho ajustável
entre 2,5 e 4,5 libras, e não havia como saber se Mason preferia um
gatilho leve ou pesado sem atirar a seco, por isso enfiou a câmara
no bolso da perna e, cuidadosamente, ejetou a primeira bala.
Empurrou a cavilha para frente e apertou o gatilho, satisfeito em
descobrir que o proprietário do rifle o deixara com o ajuste de fábrica
de 3 libras.
Gil voltou a preparar a arma e olhou ao redor à procura de
Kovalenko. Havia dúzias de tendas e barracas caindo aos pedaços,
numerosas fogueiras para cozinhar, e Gil se perguntava por que os
russos não bombardearam o lugar quando – de repente – ficou
surpreso ao ver três crianças pequenas perseguindo um
cachorrinho. Após avaliar melhor o cenário, percebeu que também
devia haver pelo menos vinte mulheres no acampamento, junto com
meia dúzia de crianças. Imaginou que fossem as famílias dos
chechenos insurgentes, mas era possível que fossem refugiados
chechenos ou ucranianos deslocados após uma década de guerras.
Gil se sentiu mal pelas mulheres e crianças e desejou que elas
não fossem atingidas pelo fogo de distração dos Spetsnaz, mas o
destino delas estava fora do seu alcance.
Avistou Kovalenko saindo da tenda de comando, e sua adrenalina
começou a aumentar quando o ex-atirador de elite Spetsnaz se
aproximou de Umarov e de Mukhammad. Ter três patos perfilados
era quase coisa demais para Gil aguentar. E, então, Kovalenko só
piorou essa sensação ao passar o braço ao redor dos ombros de
Umarov, dando a Gil a oportunidade de ouro de matar os três com
um único tiro. Todos os três estavam gargalhando no silêncio do
telescópio do rifle.
– Seu filho da mãe – Gil murmurou para Kovalenko. – Você está
fazendo isso para me provocar.
Ficou indignado por não poder apertar o gatilho em um momento
tão perfeito, mas agir em desacordo com o planejado só
desencadearia a sua morte, bem como a morte dos seus aliados
russos. Portanto, só o que ele poderia fazer era observar o relógio e
ter esperanças de que a oportunidade para um tiro igualmente
perfeito aparecesse em vinte e cinco minutos.
Jeb Stuart foi um militar dos Estados Unidos, general confederado
e comandante da cavalaria do Exército da Virgínia do Norte durante
a Guerra Civil Americana. (N.T.)
78
HAVANA

CROSSWHITE E MARIANA PEGARAM O CARRO de Ernesto


emprestado. Agora estavam estacionados à sombra um pouco
acima na rua da finca de Peterson, observando o Nissan branco
estacionado diante do portão.
– Eles, definitivamente, estão vigiando o lugar – avaliou
Crosswhite.
– Aposto como são policiais.
Ele pensou um pouco e resolveu:
– Isso não é tão ruim assim. Se o idiota acredita que precisa de
policiais na rua, é provável que não tenha seguranças dentro da
casa.
– Vai ter que matá-los?
– Espero que não – murmurou. – Pretendo morar aqui depois que
isto acabar, e não quero mais problemas com a polícia local.
– Vocês dois mal se conhecem, Dan.
– Isso não é um problema para mim – ele disse. – Sou velho o
bastante para saber o que quero. Se ela resolver que não me quer
daqui a um mês, ela só vai ter que me dizer isso.
– E se você resolver que não a quer mais?
Ele se virou para ela.
– Você a viu. Isso não vai acontecer.
Mariana percebeu que aquilo provavelmente era verdade,
admitindo para si mesma que a jovem cubana era tão preciosa
quanto qualquer mulher poderia ser.
– Se voltar para ela, é melhor você deixar esta vida para trás.
– É bem possível que eu faça isso.
Ficaram de tocaia por um tempo, escondidos das vistas dentro do
carro na sombra da árvore.
– Alguma ideia? – ela perguntou.
– Nada que me venha à mente agora. Aquela cerca elétrica em
cima do muro é o maior problema.
– Não podemos simplesmente cortá-la?
– Isso muito provavelmente dispararia um alarme na casa.
– E se pagarmos para os policiais saírem dali?
Crosswhite se sentou mais ereto atrás do volante.
– Sabe, com os policiais certos isso pode funcionar.
Ela sorriu.
– Mas será que eles são esse tipo de policiais?
– Exato. Se não forem, não há como voltar atrás. É daqui direto
pra prisão.
– A menos que atire neles.
Ele assentiu.
– A menos que eu atire neles e, sem silenciador, isso é, no
mínimo, arriscado.
Olhou para o carro e passou a marcha.
– O que está fazendo?
– A sorte favorece os corajosos.
Dirigiu pelo quarteirão e diminuiu a velocidade até parar ao lado
do Nissan, sorrindo para o motorista.
– Boa tarde – ele cumprimentou em espanhol, com a pistola no
colo.
– Boa tarde – disse o policial, em uma atitude bem profissional. –
Vocês estavam nos observando?
– Não, estávamos de olho na finca – disse Crosswhite. – Assim
como vocês.
O policial estreitou o olhar.
– Qual o seu interesse na finca, señor?
– Isso não importa, mas vou lhes dizer o seguinte: tenho dez mil
dólares aqui para vocês dois se nos deixarem entrar para dar uma
olhada. – Crosswhite sabia que eles ganhavam menos de dois mil e
quinhentos dólares no ano inteiro.
O policial olhou para o parceiro, que disse para ele subir o vidro.
Ficaram conversando por um minuto inteiro, e depois o motorista
voltou a abaixar o vidro.
– Quem é você?
– Sou o cara com vinte mil dólares americanos – respondeu
Crosswhite, com o olhar fixo. – Só o que vocês precisam fazer é
olhar para o lado de lá enquanto pulamos pelo portão.
O policial no banco do passageiro estava evidentemente ansioso
para pôr as mãos no dinheiro, mas o motorista estava hesitante.
– Vocês deveriam voltar para o país de vocês – ele disse, olhando
para a rua.
– Veja bem, amigo, o meu assunto dentro da finca é coisa entre
americanos. Não tem nada a ver com vocês e com o seu governo.
Mas vou lhe dizer uma coisa: o meu país e o seu país? As coisas
estão mudando. Castro saiu do poder. Em breve, os negócios se
abrirão novamente. Por que não ficar em posição de capitalizar
sobre isso quando acontecer?
O policial olhou para ele.
– O que quer dizer com isso?
Crosswhite mostrou todas as suas fichas.
– Quero dizer que vou ficar por perto em breve, e vou precisar de
coisas de tempos em tempos. Coisas simples. Sem sangue.
– Você é da … Como ele lá dentro?
Crosswhite gargalhou.
– Não, amigo, sou algo muito pior. Sou o contato de uma
corporação. Trabalho para um grupo de corporações ianques que
está ansioso para travar negócios em Havana. É apenas uma
questão de tempo antes que eles pressionem o meu governo a
acabar com este embargo e, quando isso acontecer, precisarei de
amigos na polícia. Você pode me mandar embora, mas sabe, assim
como eu sei, que outros policiais não farão isso.
O motorista voltou a subir a janela, e os dois policiais
conversaram por mais um minuto. Depois voltou a abaixar o vidro.
– Se o nosso capitão descobrir que deixamos que vocês…
– O seu capitão não saberá de nada – assegurou Crosswhite,
sabendo que os convencera.
– Mas se o homem ali dentro for encontrado morto…
– A casa tem piscina.
– O quê?
– Uma piscina.
Os policiais se entreolharam.
– Vai afogá-lo?
Crosswhite se virou para Mariana, sabendo que era hora de
mostrar o dinheiro.
Mariana abriu o zíper da bolsinha e contou rapidamente o
dinheiro.
Crosswhite colocou as notas dentro de um saco de papelão
engordurado que estava no banco de trás do carro de Ernesto e o
entregou ao policial.
– Aqui estão dez mil. Vão receber a outra metade quando
sairmos.
O motorista olhou nervoso para o parceiro.
– Pegue! – incitou o parceiro. – O que nos importa um cara da
?
– Sem sangue! – o motorista disse em tom apressado.
– Sem sangue – confirmou Crosswhite, jogando o saco dentro do
carro deles. Depois olhou para Mariana e piscou. – Estamos dentro.
– Agora vão – disse o policial, dispensando-os. – Estacione um
quarteirão à frente e andem de volta até o portão.
Crosswhite movimentou o carro e estacionou a um quarteirão de
distância.
– Pronta? – perguntou para Mariana.
Ela assentiu.
– Estou morrendo de medo, mas estou pronta.
79
MONTANHAS DO CÁUCASO

GIL NOTOU QUE SASHA KOVALENKO se apoiava mais na perna


direita ao retornar para a tenda de comando, e ficou se perguntando
que tipo de ferimento teria sofrido e quando. O corpo alquebrado de
Gil ainda supurava, os ferimentos dos estilhaços queimavam por
conta dos fragmentos metálicos ainda alojados em sua pele. Enfiou
outra cápsula de dextroanfetamina na boca, que tomou com água
do CamelBak, sabendo que já estava descobrindo um buraco para
tampar outro.
Sussurrou para si mesmo: só o que tem que fazer é correr uns
três quilômetros e estará livre.
Umarov se sentou sobre uma tora perto de uma fogueira,
mexendo nos cabelos encaracolados de um garotinho que estava
ajoelhado no chão brincando com um aviãozinho. Uma mulher
entregou um prato de comida para Umarov, e ele ficou comendo
sentado, conversando com uns homens que estavam sentados junto
com ele ao redor da fogueira.
Uma granada explodiu na floresta a oeste, seguida pela rajada de
uma metralhadora, e todos os olhos do acampamento se mexeram.
Umarov derrubou o prato e pisou sobre a tora, tentando ir na
direção da tenda de comando.
Gil mirou a lente na parte posterior da cabeça dele e apertou o
gatilho.
A cabeça de Dokka Umarov explodiu tal qual uma melancia que
levara um tiro sobre uma cerca, e ele despencou no chão. As
mulheres gritaram, apanhando as crianças para fugir para dentro
das cabanas.
Gil passou o rifle pelas costas e começou a descer o mais rápido
possível.
seus homens estavam no processo de
armar uma mina quando uma pequena patrulha chechena passou
diante deles. Seguiu-se uma breve troca de tiros e todos os quatro
chechenos foram mortos, mas dois dos Spetsnaz foram atingidos
por estilhaços, e um foi alvejado na omoplata.
– Eles virão rápido – Yablonsky disse. – Vamos atacar com tudo e
passar por trás das MON.
A versão russa da mina MON-50 vinha em duas variantes. Uma
atirava 540 rolamentos de esferas de aço e a outra atirava 485
hastes de aço curto, cada uma delas cobrindo um arco de 54 graus
em um raio letal de 50 metros. Empregando detonadores de metal
esticado, os Spetsnaz dispuseram as minas (três de cada variante)
mais ou menos a uns trinta metros de distância entre elas para
conseguirem o máximo efeito ante a linha de avanço chechena.
– Alguém ouviu o rifle do americano?
– Não ouvi nada – Yablonsky respondeu. – Temos outros
problemas com que nos preocupar.
Os seis se separaram em duplas e se prepararam para o ataque.
Ouviam os chechenos gritando um para o outro conforme
avançavam pela floresta, forçando o caminho em meio às moitas de
rododendro e atirando indiscriminadamente na tentativa de acabar
com o inimigo. Havia pelo menos cem deles vigorosos e movidos
pela confiança de uma força superior. Ali Abu Mukhammad
comandava a partir do centro, bem recuado da linha de frente,
cercado por uma segurança pessoal formada por doze homens
devotados. Com Dokka Umarov agora morto, ele era o novo emir
dos Emirados do Cáucaso.
Os Spetsnaz lançaram granadas manuais, dizimando três cada
um antes de recuarem para trás das minas plantadas. As granadas
explodiram ao longo da fila chechena, matando e ferindo quase
vinte homens. Assumindo posições de tiro entre as árvores, os
russos esperaram que os chechenos se arranjassem, gritando para
que os feridos se recompusessem e que fechassem os buracos na
linha de avanço.
Os chechenos se aproximaram mais uma vez do alcance das
balas, e os Spetsnaz abriram fogo com rifles e granadas, matando
mais uma dúzia antes de voltarem a correr. Os chechenos os viram
e abriram fogo, disparando atrás deles e caindo diretamente sobre
as MON-50.
As minas explodiram com um efeito devastador em toda a linha
de avanço chechena, matando e ferindo pelo menos mais uns trinta
homens, fazendo com que o avanço parasse de imediato. Homens
gritavam em todas as partes com seus corpos esfarrapados.
Mukhammad viu a devastação e chamou dez voluntários para que
continuassem a perseguição enquanto aguardavam que o restante
do acampamento chegasse.
Seus seguranças pessoais se prontificaram de imediato, mas ele
os impediu. Dez antigos Spetsnaz Zapad se adiantaram e disseram
a Mukhammad que rastreariam os assassinos e os matariam. Ele os
enviou imediatamente, virando-se para perguntar onde diabos
Kovalenko estava, mas ninguém vira o atirador checheno. Uma
busca entre os mortos foi feita, mas seu corpo não foi encontrado.

na floresta do lado oposto ao do


acampamento, perfeitamente bem camuflado em seu capote russo à
prova de infravermelho, deslizando lentamente pelo chão na
velocidade de uma cobra. Conseguiu ver a grande árvore da sua
posição deitada, a corda ainda pendurada de um galho alto, mas
não havia nenhum sinal do atirador americano. Contudo, ele sentia
a sua presença; seus instintos de combate lhe diziam que Gil ainda
não fugira da cena. O rododendro não era tão denso ali no lado
leste do acampamento, onde a elevação era ligeiramente maior,
portanto, a visibilidade entre as árvores era de sessenta por cento.
Algo se moveu ao longo do chão da floresta à sua direita, não
mais do que nove metros além da moita de rododendros. O som era
baixo e deliberado, como o de um homem rastejando, movendo-se
paralelamente à sua posição a leste. Kovalenko percebeu de
imediato que o americano tentava manobrar para interceptá-lo na
ponta oposta à moita.
O movimento parou, e ele ficou deitado atento por uns bons cinco
minutos antes de ouvir o americano se mover novamente sobre as
folhas mortas. Sorriu e avançou cautelosamente sobre os cotovelos
e joelhos, os olhos espiando por trás do capote camuflado, o AK-
105 amparado cuidadosamente nos braços. O chão era mais limpo
do seu lado da moita, por isso ele produzia sons bem pouco
perceptíveis ao se mover.

da posição de Kovalenko, mas sentia que


ele estava se aproximando, pois havia uma espécie de ozônio
lentamente tomando conta do ar ao seu redor. Seus pelos estavam
eriçados nos braços e ombros, a pele estava arrepiada, e ele
empurrou o .338 contra o ombro.
Avaliou o terreno à frente, atento não aos movimentos do homem,
mas para um segmento na floresta. Ainda que muito eficiente do
ponto de vista estático, o capote camuflado em movimento não era
mais eficiente do que qualquer outro tipo de camuflagem. O som de
lutas do lado oposto do acampamento praticamente sumiu depois
que as minas foram detonadas, e nenhum tiro foi disparado desde
então.
Fechou a mão ao redor de uma corda de paraquedas de trinta
metros de comprimento que pegou na mochila de Mason. A outra
ponta da corda estava presa à mochila, que ele enfiara em uma
moita de rododendro uns trinta metros à frente dele. A corda estava
escondida debaixo das folhas secas e de outros detritos da floresta,
por isso não seria visível para ninguém que não soubesse que ela
estava ali. Gil deu mais um puxão lento e regular de cerca de três
metros, na esperança de atrair Kovalenko para o seu tiro mortífero.
Ele estava bastante cansado, próximo à exaustão, e um pouco
trêmulo por conta das anfetaminas, portanto, quando detectou os
movimentos de Kovalenko no sol poente da floresta, não tinha
certeza se seus olhos estavam lhe pregando peças. Gil espiou o
ponto através do telescópio e, por fim, percebeu que estava olhando
para um dos melhores capotes camuflados que já vira antes. Os
movimentos do checheno eram um pouco mais rápidos que os
lentos de um ponteiro de relógio, e Gil teve que piscar para ter
certeza de ver o que estava vendo. De todo modo, ainda não tinha
um alvo porque Kovalenko estava de barriga no chão, e Gil estava
escondido dentro de uma depressão natural na terra, com um
rododendro folhoso pendurado acima da sua cabeça. Seu telescópio
tinha uma visão desimpedida de Kovalenko, mas o cano do rifle não.
Para poder atirar naquele momento, teria que se levantar sobre um
joelho, e não desejava dar esse tipo de oportunidade a um homem
como Kovalenko.

à sua direita, Kovalenko concluiu que o


americano, no fim das contas, devia saber a sua posição. Estava se
movendo rápido demais e fazendo barulho demais, mudando de
posição com impaciência. O movimento cessou, e Kovalenko sabia
que o havia pegado.
Acelerou o ritmo, ainda que apenas ligeiramente e, no decorrer
dos vinte minutos seguintes, avançou até o fim da moita de
rododendro. Mudou seu ângulo de ataque para a direita, mirando o
AK-105 na direção em que ouvira a movimentação do americano.
Depois permaneceu deitado imóvel.
Dez minutos se passaram e, finalmente, houve nova
movimentação. Kovalenko teve um vislumbre da mochila em meio
ao rododendro e abriu fogo com seu rifle automático, esvaziando a
câmara e picando o rododendro como se fosse uma salada.
Rapidamente recarregou e depois se colocou de pé e andou até a
moita para olhar para o corpo.
No instante em que viu a mochila destroçada, sabia que havia
sido enganado. Ficou de pé, esperando que as luzes se
apagassem, sentindo Gil parado a menos de três metros atrás dele.
A mão se fechou ao redor do cabo do rifle, o dedo encontrando o
seu ponto no gatilho.
– Não deveria esperar – disse por sobre o ombro. – Este não é o
tipo de jogo que se joga limpo.
Gil tinha o TAC-338 apoiado no ombro, a mira fixa no meio das
omoplatas do checheno.
– Eu só queria dizer que foi uma tremenda briga.
Kovalenko assentiu.
– Observei você no Vale Panjshir pelo satélite há dois anos.
Dragunov também estava lá. Falamos sobre você durante semanas.
– Você ainda estava com a Spetsnaz?
– Sim. Agora, antes de acabarmos com isto, quero lhe fazer uma
pergunta.
– Faça.
– O que fez com a chave que encontrou a bordo do Palinouros? A
chave que tirou do corpo de Miller?
– Ela está no meu bolso – Gil respondeu.
Kovalenko riu sardonicamente, balançando a cabeça.
– Se eu fosse você, tentaria descobrir o que essa chave abre
antes de entregá-la ao senhor Pope.
– Por quê?
Kovalenko deu uma guinada com o AK-105, e Gil o atingiu nos
dois pulmões através da coluna, explodindo seu coração e matando-
o instantaneamente. O checheno caiu sobre o rododendro, e Gil
correu até o corpo, esfaqueando-o sob o queixo e rapidamente
despindo-o do seu capote camuflado. Vestiu-o e apanhou o AK com
silenciador, partindo em direção ao acampamento, na esperança de
que a maioria dos soldados tivesse se unido à caçada de Yablonsky
e sua equipe.
80
PENTÁGONO

O GENERAL COUTURE VIU GIL DESAPARECER na tela


infravermelha no instante em que vestiu o capote camuflado
especial. Estalou os dedos para o auxiliar.
– Chame o presidente e avise que Dokka Umarov está morto. Ele
há de querer informar Putin disso.
Em seguida, pegou o telefone. Mark Vance, o CEO da Obsidian
Optio, estava aguardando na linha.
– Mark, vamos precisar dos seus helicópteros de novo. Shannon
e seis Spetsnaz russos estão se dirigindo para O Passo de
Montanha Sba. Eles têm aproximadamente uma centena de
militantes chechenos no encalço deles, portanto, vai ser de lascar
de novo.
– Bill, lamento muito – disse Vance, parecendo muito profissional
–, mas não posso mandar meus helicópteros de volta à Rússia. Já
estou com o embaixador russo na Turquia no meu pé. Eles sabem
que estivemos lá e estão putos com isso.
– Eles não vão precisar invadir o espaço aéreo russo desta vez,
Mark, só preciso que estacionem do lado da Geórgia daquela ponte.
Talvez jogar um foguete ou dois através do rio se isso se mostrar
necessário.
– Bill, não posso fazer isso!
– Sim, você pode! Acabamos de matar Dokka Umarov, pelo amor
de Deus!
– O quê? Tá de brincadeira? Isso foi confirmado?
– Eu estou confirmando! – grunhiu Couture. – E agora seu
precioso oleoduto está a salvo de novo. Por isso, ponha esses
helicópteros no ar!
– Ok, mas, se houver algum incidente internacional por causa
disso, é melhor o Departamento de Estado cobrir o meu rabo, e não
estou brincando. Estamos tentando expandir os nossos negócios no
mercado russo.
Couture revirou os olhos.
– O seu rabo será coberto, Mark. Não se preocupe. – Desligou o
telefone sem saber se isso era ou não verdade, e pouco se
importando com o fato. Mark Vance era um tremendo milionário.
Olhou para o chefe de gabinete da Casa Branca. – Acabamos de
matar o filho da puta do Dokka Umarov, Glen.
Brooks riu.
– Fico me perguntando se Moscou vai nos mandar um bilhete de
agradecimento.
O secretário da defesa entrou na sala.
– Acabei de ser informado que Dokka Umarov está morto. Isso foi
confirmado?
Couture olhou para o contato da Força Aérea.
– Você tem tudo gravado, major? Mostre para o secretário.
Uma das telas ficou branca por um instante. Depois assistiram
quando Dokka Umarov largou o prato e pisou na tora. Um segundo
depois, sua cabeça explodiu, e o corpo despencou como um trapo,
caindo de lado e mostrando seu rosto destruído.
– Cristo – disse o secretário. – Só sobrou a maldita barba! O que
deu em Shannon para atirar na cabeça?
Couture riu.
– Bem, senhor secretário, ele provavelmente estava pensando
que queria o desgraçado morto.
81
HAVANA

CROSSWHITE E MARIANA NÃO TIVERAM MUITA DIFICULDADE


para saltar sobre o portão da finca. Ele manteve a pistola
empunhada enquanto avançavam junto ao muro ao redor do
sobrado de dois andares. Tinham estudado as fotos via satélite
antes, portanto, conheciam o layout básico visto pelo alto. Havia
grades nas janelas, e as cortinas estavam todas fechadas no andar
térreo. Pararam junto à porta, e Crosswhite espiou dentro. A cozinha
estava deserta, mas a porta era feita de aço, e a janela também era
gradeada.
– Temos que dar a volta no jardim.
Foram para os fundos da casa, e Crosswhite espiou pelo canto
para a piscina. Não era grande, devia ter apenas seis metros de
comprimento por 1,40 metro de profundidade na forma retangular. A
água azul tranquila reluzia sob a luz do sol.
– Será que ele tem uma arma lá dentro? – Mariana sussurrou.
– Ele seria um tolo se não tivesse. Espere aqui.
Crosswhite deu a volta e chegou ao quintal, mantendo-se próximo
à parede à medida que avançava na direção da porta. Parou diante
de uma janela gradeada. A janela estava aberta, e as cortinas
brancas esvoaçavam entre as grades por causa da brisa, indicando
que devia haver mais janelas abertas em outro ponto da casa.
Um homem espirrou na parte interna, depois pigarreou e fungou,
murmurando algo ininteligível antes de pigarrear novamente.
Crosswhite parou diante da janela e apontou sua 1911 entre as
grades.
Peterson levantou o olhar da poltrona, onde estava lendo um livro,
com os pés apoiados em um banco de couro a 1,50 metro da janela.
– Não se mexa – Crosswhite rosnou – ou explodo seus malditos
miolos.
Peterson empalideceu, encarando o cano da pistola 45
milímetros.
– Como entrou aqui?
– Pelo visto, pago muito melhor do que você.
Crosswhite chamou Mariana.
Ela deu a volta na casa e espiou pela janela, sua raiva e seu ódio
borbulhando inesperadamente dentro dela.
– Mate-o!
– Vá ver se a porta está aberta – Crosswhite pediu em um tom
tranquilo.
Ela foi até a porta.
– Está trancada.
– Procure outro modo de entrar.
Ela foi para a frente da casa.
– Está tudo trancado e gradeado – ela disse, aparecendo pelo
outro lado. – Parece uma prisão.
Crosswhite manteve o olhar fixo em Peterson.
– Verifique a sacada.
Ela recuou da casa e levantou o olhar.
– A porta da sacada está aberta.
– Descubra um modo de subir até lá.
Ela relanceou ao redor.
– Não estou vendo nenhuma escada.
– Encontre um jeito, Mariana.
Ela foi até o galpão de tijolinhos da piscina, mas não havia nada
ali que ela pudesse usar.
– Não tem nada aqui, Dan.
Crosswhite permaneceu relaxado, mas sabia que, cedo ou tarde,
Peterson se mexeria, e ele teria que tomar uma decisão. Atirar seria
arriscado. Os policiais na rua poderiam ter a brilhante ideia de entrar
na finca e matar a eles dois para roubar o restante do dinheiro e
inventar qualquer história que quisessem. Se o policial atrás do
volante não fosse tão covarde, Crosswhite até que esperava que
eles tentassem isso de toda maneira.
– Procure uma chave – ele instruiu.
– Onde?
– Como eu vou saber? Mas deve haver uma. Quem é que vai se
arriscar a ficar trancado para fora de uma fortaleza como esta? – Ele
notou uma ligeira mudança no olhar de Peterson. – Existe, sim, uma
chave! – Lançou um amplo sorriso na direção do homem da .–
Mexa-se, cara. Eu te desafio!
Peterson simplesmente o encarou.
Mariana vasculhou todos os cantos do quintal, passando os dedos
ao longo dos peitoris das janelas, virando as cadeiras perto da
piscina e cutucando os canteiros de flores com um garfo que estava
sobre a mesa. Chegou até a procurar por azulejos soltos, mas
parecia não haver chave alguma.
– Tem muita coisa naquele galpão? – Crosswhite perguntou.
– Tem. – Ela voltou para o galpão e entrou, puxando uma
correntinha para acender a luz. A pequena construção estava cheia
de produtos de limpeza da piscina e sacos velhos de fertilizante
para o jardim, deixados pelo antigo proprietário. Havia móveis de
quintal quebrados, uma pilha de azulejos de quando a piscina fora
construída e vários potes com conteúdo misto. Em uma das
prateleiras, havia uma lata velha de tabaco. Ela a desceu da
prateleira e tirou a tampa. Estava cheia de pregos e parafusos, mas
ela enfiou os dedos ali dentro mesmo assim e não conseguiu
acreditar em seus olhos quando encontrou uma chave novinha e
brilhante no fundo da lata.
– Caramba.
Voltou para junto de Crosswhite, sussurrando ao seu ouvido que
encontrara a chave.
Crosswhite percebeu a crescente preocupação no rosto de
Peterson.
– Vou te dar a minha arma – ele disse a ela, falando gravemente
para encobrir o som da trava que estava armando na pistola. – Se
ele se mexer, atire no traseiro dele. Entendeu?
Mariana hesitou.
– Eu disse: entendeu?
– Sim!
– Coloque a chave no meu bolso de trás. – Ela obedeceu. – Agora
fique ao meu lado e pegue a arma sem desviá-la do alvo.
Trocaram a pistola de mãos com cuidado, e Crosswhite ficou atrás
dela por um instante, ajudando-a a equilibrar a arma.
– Vou entrar.
Ele foi até a porta, e estava inserindo a chave na fechadura
quando Peterson se mexeu.
Mariana apertou o gatilho, mas a arma não disparou. Crosswhite
empurrou a porta e correu para dentro, jogando Peterson no chão
enquanto ele tentava pegar o revólver .38 que estava sobre a mesa
a plena vista. Socou o homem da no estômago e depois o
acertou na garganta.
Mariana veio correndo com a pistola na mão.
– Tentei atirar… Juro por Deus!
Ele ficou de pé e colocou o revólver .38 no bolso de trás. Depois
pegou a pistola .45 e a escondeu debaixo da camisa.
– Não se preocupe – ele a tranquilizou, tocando em seu ombro. –
Você foi ótima. Eu sabia que ele tentaria alguma coisa assim que
um de nós fosse abrir a porta, por isso abaixei a trava.
Peterson estava engasgando e rolou de lado, amparando a
garganta.
– Eu adoraria dizer que você vai ficar bem – Crosswhite disse,
suspendendo-o pelos cabelos –, mas não é verdade. – Deu outro
soco em seu estômago e o empurrou pela sala. – Agora vou lhe
contar a história de uma mexicana, seu merda. – Empurrou
Peterson em uma cadeira e tirou uma faca de dentro do bolso. –
Seu nome era Sarahi, e ela era uma das mulheres mais lindas que
já vi na vida…
Cinco minutos depois, Crosswhite e Mariana saíram pelos portões
da finca e atravessaram a rua na direção do carro em que ainda
estavam os policiais. Crosswhite olhou ao redor e entregou o
restante do dinheiro enrolado em papel toalha.
– Chegamos tarde demais – ele disse –, mas sou um homem de
palavra, por isso estou pagando o restante assim mesmo.
Os policiais se entreolharam.
– O que está dizendo?
– Ele se suicidou – contou Crosswhite. – Cortou a própria
carótida. A coisa está bem feia ali dentro.
– Eu disse: nada de sangue! – o motorista sibilou.
– E eu acabei de lhes dar mais dez mil para cada um! –
Crosswhite sibilou de volta. – A cena do crime está perfeita… Por
isso, faça com que dê certo!
Desceram a rua e entraram no carro de Ernesto, dirigindo direto
até o aeroporto.
Mariana comprou uma passagem, e Crosswhite a acompanhou
até a inspeção de segurança.
– Quando você vai me encontrar lá? – ela perguntou.
Ele deu de ombros.
– Não antes de Pope estar de pé de novo, mas vou ficar em
contato. Quando chegar à Cidade do México, não saia do aeroporto.
Pegue o primeiro voo disponível para os Estados Unidos… Para
qualquer cidade!
– Sim, senhor. – Ela sorriu.
– Você vai ficar bem?
– Acho que sim – ela disse, sentindo-se subitamente solitária. –
Eu queria que estivesse indo comigo.
Ele meneou a cabeça.
– Não sou o seu tipo, Mariana.
Ela passou os braços ao redor do pescoço dele.
– Obrigada… Por tudo.
– Não tem por que me agradecer.
Ele a viu passar pela inspeção de segurança, acenou uma última
vez e voltou para o carro.
Uma hora mais tarde, Paolina abriu a porta para ele, e o sorriso
que se espalhou pelo seu rosto não se pareceu com nenhum outro
sorriso que ele já recebera de alguém.
– Você sabe que não sou um santo – ele disse.
Ela esticou a mão para tocar em seu rosto, fitando-o
profundamente nos olhos.
– Todo santo tem um passado, Daniel… E todo pecador tem um
futuro.
82
MONTANHAS DO CÁUCASO

GIL AVANÇOU AUDACIOSAMENTE PELO ACAMPAMENTO, com


o rosto escondido pelo capuz do capote camuflado, segurando o
AK-105 com silenciador. Uma das mulheres apontou para ele e
disse:
– Kovalenko!
Ele parou e se ajoelhou ao lado do corpo de Dokka Umarov,
usando uma faca para cortar um dos polegares. Enfiou o dedo em
um bolso e continuou andando, deixando as mulheres de boca
aberta atrás dele.
Chegou ao limite oposto do acampamento e foi abordado por seis
homens que haviam sido deixados para trás para cuidarem de tudo.
Um deles perguntou onde ele estivera em um idioma que Gil não
compreendeu. Ele atirou neles à queima-roupa, descarregando a
câmara e recarregando a arma ao escapulir para dentro da floresta
tal qual uma aparição.
Acelerou o passo, seguindo para a zona de combate em que os
Spetsnaz haviam deixado as minas que criaram a mais completa
devastação. Havia chechenos por todos os lados, cuidando dos
seus ferimentos. Gritos de agonia permeavam a floresta. Avistou
Mukhammad em conferência com seus soldados e seguiu em
frente.
Um dos soldados apontou para ele.
– Kovalenko!
Mukhammad virou a cabeça.
– Sasha! Venha aqui!
Gil seguiu em frente, com o punho cerrado ao redor de uma
granada.
– Sasha!
Um dos homens começou a segui-lo, mas Mukhammad o chamou
de volta, dizendo que deixasse Kovalenko se unir a eles caso
quisesse.
Gil seguiu a trilha dos chechenos que perseguiam Yablonsky e
sua equipe. O terreno ficou mais desigual, recoberto por rochas e
repleto de moitas de rododendros que forçavam todos a dar a volta
ao redor delas. Dava para saber, pela maneira como o solo estava
esmagado, que havia pelo menos cinquenta homens na
perseguição, em uma caminhada rápida.
Uns mil metros trilha adentro, deparou-se com quatro chechenos
que desistiram da perseguição e estavam voltando. Um deles
fraturara a perna em uma rocha, e os outros o ajudavam a retornar
ao acampamento. Sorriram para ele em seu capote camuflado, e ele
despejou uma rajada de tiros com o silenciador. Em seguida, Gil
tirou todas as granadas que eles tinham, bem como qualquer
munição que servisse para o seu AK-105 antes de continuar
andando.
Ouviu tiros ao longe e acelerou o ritmo. Seu pé ruim o estava
matando, mas o elemento da frente travara contato com Yablonsky,
e estavam ficando sem tempo.

atirou uma granada de 40 milímetros para


que os homens Zapad saíssem dos esconderijos e recuassem,
ajudando o homem que estava com o ombro machucado e que já
fora alvejado nas duas pernas. Ele via, pela maneira agressiva com
que a linha de frente manobrava contra eles, que se tratavam de
Spetsnaz treinados, e imprecou contra os traidores que eram.
O homem severamente ferido atirava com uma pistola, pois já não
estava em condições de manejar um rifle.
– Deixe-me, coronel. Só o estou retardando.
Yablonsky o encostou em uma árvore.
– Tem certeza, Maxim?
– Eu nunca vou conseguir chegar lá. Me deixe uma granada e
farei valer a pena.
Yablonsky tirou o pino de uma granada e a deixou na mão do
jovem. Depois deu um tapinha em seu rosto e disparou para
alcançar os outros quatro Spetsnaz.
Maxim rastejou sobre o braço bom, segurando a granada.
Quando os chechenos saíram da sua cobertura, ele soltou a trava
de segurança e contou até dois antes de lançá-la na direção deles,
que detonou a arma no impacto e a explodiu nos pés de três deles.
Os outros passaram por ele, apunhalando-o com suas baionetas
antes de seguirem em frente.
Yablonsky ouviu a explosão e juntou seus homens para
conferenciarem rapidamente. Estavam quase sem granadas, mas
tinham que manter os inimigos afastados o máximo possível.
Atiraram uma rajada, e o último dos Spetsnaz chechenos foi
destroçado pelos tiros, dando-lhes o respiro tão necessário.

– para ver o que acontece – disse Yablonsky. –


O restante não deve estar muito atrás.
Gil alcançou os últimos da fila dos perseguidores. Ouvia-os
avançando na floresta logo à frente dele, chamando-se mutuamente
para se manterem organizados. Uma barragem ecoou em meio às
árvores, e todos aceleraram.
Mudou o AK-105 para semiautomático e acertou um nas costas,
pisando em sua cabeça ao passar por ele. Apoiou o rifle no braço e
atirou em outro na parte posterior do crânio.
Um checheno à sua esquerda ouviu o sibilo do rifle e parou de
imediato.
– Kovalenko? É você?
Gil atirou no rosto dele e seguiu em frente. Apanhou mais uma
dúzia de homens do mesmo modo, atirando neles silenciosamente
por trás, às vezes a menos de quarenta metros de distância. Mas
um grupo de sete chechenos o notou e parou para formar uma
guarda traseira, acreditando que um dos Spetsnaz havia passado
pela linha deles e estivesse atirando por trás agora.
Gil se agachou imóvel no rododendro, olhando diretamente
através de uma pequena clareira para os homens que aguardavam
em uma emboscada. Sentiu-se tentado a se levantar e fingir ser
Kovalenko, mas bastaria que apenas um deles o desafiasse, por
isso permaneceu parado, desperdiçando seu tempo enquanto
esperava.
Depois de dez minutos, os chechenos começaram a ficar
impacientes, sussurrando de um a outro em sua formação. Alguns
minutos depois disso, todos, exceto um, recuaram lentamente e
retomaram a perseguição.
Gil permaneceu onde estava, observando o checheno assustado
que fora deixado para trás para dar cobertura.
Esperou até que o homem se deslocasse para uma proteção
melhor; então apoiou o rifle no ombro e atravessou seu pescoço
com uma bala.
Cem metros à frente, Gil se deparou com o corpo de Maxim. Viu
que o russo ainda estava vivo e se ajoelhou para verificar seus
ferimentos. Estava claro que o jovem não tinha mais muito tempo de
vida. Empurrou o capuz do capote camuflado para trás, e o russo o
reconheceu quando abriu os olhos.
– Umarov? – ele perguntou.
Gil passou o dedo na frente da garganta, e o Spetsnaz sorriu.
Alguns instantes depois, ele morreu, e Gil seguiu em frente.
Alcançou o grupo armado pouco depois que eles saíram da
floresta e começavam a descida do vale do rio que virava para o
oeste na direção da ponte. Abrigou-se na linha de árvores e matou
onze deles antes que sequer se dessem conta de que estavam
sendo atacados. Quando o restante, por fim, percebeu o que estava
acontecendo, não havia nada que pudessem fazer a respeito. Gil
estava tão bem camuflado, que eles não sabiam de onde vinham os
tiros. Por isso correram. Correram o mais rápido que puderam em
terreno aberto – e Gil matou outros dez antes de se livrar do AK-105
e pegar o .338.
Olhou através do telescópio e viu outros trinta chechenos
espalhados ao longo da margem do rio perseguindo Yablonsky e
seus homens. A equipe da Spetsnaz corria a toda velocidade para a
ponte que estava ainda uns quinhentos metros à frente. Os
chechenos atiravam furiosamente enquanto corriam, mas havia
pelos menos uns quinhentos metros entre os dois grupos e os
chechenos estavam cansados demais para atirarem com precisão
àquela distância.
Gil armou o bipé e se posicionou atrás do rifle. Atirou no homem
mais próximo a Yablonsky na parte baixa das costas a uma
distância de quase oitocentos metros. Depois armou o rifle e atirou
novamente, escolhendo o outro homem mais próximo. Atirou neles à
margem do rio um de cada vez, indo de frente para trás na fila.
Os chechenos desistiram da perseguição e procuraram se
esconder onde podiam ao longo da margem do rio.
Yablonsky e seus homens pararam pouco depois para atirarem as
últimas granadas de 40 milímetros em um arco alto, explodindo os
chechenos que estavam próximos ao rio. Então assistiram quando o
último deles foi abatido por um tiro preciso, ouvindo o eco do rifle de
Gil no vale.
Os homens Spetsnaz mantiveram suas posições, observando Gil
andando pela lateral da montanha carregando o .338 na mão direita,
com um capote camuflado dobrado no braço esquerdo. Um Puma
francês e um helicóptero Cayuse muito bem armado voaram sobre o
vale, pairando acima da parte sul da ponte sem cruzar o espaço
aéreo russo.
Quando Gil finalmente os alcançou, sorriu e ofereceu o capote
camuflado para Yablonsky.
– Isto era de Kovalenko. Pensei que gostaria de oferecê-lo a Putin
como um souvenir, com os meus cumprimentos.
Yablonsky retribuiu o sorriso, aceitando o capote e passando-o à
frente para um dos seus homens.
– Umarov está morto?
– Pode apostar nisso.
O russo gesticulou para o outro lado do rio.
– Esses helicópteros vieram nos buscar?
– Espero que sim – disse Gil, começando a atravessar a ponte. –
Não estou em condições de voltar andando para casa.
Os helicópteros aterrissaram conforme eles andavam.
– Cheguei perto de Mukhammad – Gil contou. – Mas eu não tinha
um tiro certeiro.
– Não se preocupe com ele – disse Yablonsky. – Mukhammad não
tem a influência de Umarov. Pelo menos ainda não.
Na metade do caminho da ponte, encontraram Mason e três
outros homens pesadamente armados. Também havia um civil entre
eles, um homem na casa dos 40 com cabelos ralos loiros e uma
jaqueta North Face.
Gil devolveu o rifle para Mason.
– Perdi a sua mochila. Desculpe.
Mason aceitou a arma.
– Trouxe a parte mais importante, coronel.
– Coronel Shannon – disse o civil –, sou Peter Smith da
Embaixada Americana em Tbilisi. Fui enviado pelo Departamento de
Estado para interrogá-lo sobre a eliminação de Dokka Umarov.
Existe certa preocupação de que essa morte não poderá ser
confirmada porque escolheu atirar no rosto dele, portanto, preciso
que…
– Me dê a sua mão – Gil pediu.
– O que disse?
– Eu disse: me dê a sua mão.
Smith esticou a mão com relutância.
Gil colocou o polegar de Dokka Umarov na palma da mão de
Smith e fechou-lhe os dedos com força ao redor dele.
– Aqui está todo o DNA de que você e o Departamento de Estado
precisarão como confirmação. Agora, vê se me esquece.
Gil se virou e claudicou na direção dos helicópteros que
aguardavam.
– Venha, coronel. A primeira cerveja é por minha conta.
Smith abriu a mão e ficou verde, aproximando-se da lateral da
ponte para vomitar por cima da grade.
EPÍLOGO

PARIS

TRÊS MESES DEPOIS, GIL E CROSSWHITE ESTAVAM


ATRAVESSANDO o estacionamento de um depósito particular na
periferia de Paris, não muito distante do pátio férreo do primeiro
encontro de Gil com Kovalenko.
– Então, conte-me mais a respeito dessa garota – Gil disse.
Crosswhite tragou seu cigarro.
– Não tenho muito o que contar.
– Para com isso. Você se mudou para um país comunista para
ficar com ela, pelo amor de Deus.
– Na verdade, ele já não é tão comunista assim, só é pobre pra
cacete.
– Então, vai ou não me contar sobre ela?
– Bem, ela é um pouco mais nova do que eu.
– Quanto mais nova?
– Tem 21.
Gil riu.
– Vinte e um é uma bela idade.
– Ela quer se casar logo… Ter um filho.
– Você deveria fazer isso – Gil o encorajou, acendendo um
cigarro. – Seria bom para você.
– A ideia de ter um filho me assusta – Crosswhite confessou. – E
o que acontece quando você se meter noutra encrenca? Quem vai
salvar o seu traseiro?
– Não me use para se safar dessa – Gil o censurou. – Além disso,
acabei de sair de outra encrenca. Você não estava por perto.
– É, e pelo que ouvi dizer, você quase morreu.
– Quase morri das duas últimas vezes também.
Crosswhite parou e se virou de frente para ele.
– O que isso quer dizer, porra?
– Quer dizer que acho que você deveria se casar e ter um filho,
seu idiota. Seria bom pra você.
– É… – Crosswhite concordou com um suspiro. – Eu sei. –
Voltaram a andar. – Ela é católica. Vou ter que começar a ir à missa
aos domingos. Eu detesto ir pra igreja.
– Cristo, isso não vai te matar – Gil disse. – E também vai ter que
parar com as drogas.
– Já parei. Falou com a Marie ultimamente?
Gil ficou imediatamente triste ante a menção da esposa.
– Ela não me quer de volta até eu parar de vez. E ainda não estou
pronto para me aposentar.
– Sabe, esses caras que estão chegando… – Crosswhite disse. –
Eles são mais rápidos, mais fortes… Mais perigosos do que somos.
– Sei disso, parceiro, mas ainda não estou pronto.
Pararam diante de uma porta de rolar laranja de um depósito e
ficaram olhando para o enorme número 9 branco pintado diante
dela.
– Então, que diabos você acha que tem aí dentro? – Crosswhite
perguntou. – Uma armadilha?
Gil jogou o cigarro no chão e pisou na bituca.
– Duvido.
– Tem certeza absoluta de que não quer contar sobre isso para o
Pope primeiro?
– Tenho.
Gil deu um passo à frente e inseriu a chave na fechadura,
girando-a. A porta rolou para cima imediatamente, e os dois homens
só ficaram ali olhando.
– Só pode ser brincadeira… – Crosswhite disse.
O celular de Gil tocou em seu bolso.
– Alô?
– Então, o que está atrás do número 9? – Pope perguntou.
Gil relanceou para o céu, nem um pouco surpreso.
– Acho melhor você entrar em um avião e vir aqui dar uma olhada
com seus próprios olhos.
SNIPER DE ELITE
Viagem sem volta, volume 1

Scott McEwen é coautor do best-seller American Sniper, biografia


que inspirou o filme homônimo dirigido por Clint Eastwood e
estrelado por Bradley Cooper.

Neste surpreendente thriller, Gil Shannon é um letal atirador de


elite e chefe da equipe 6 do – força especial da Marinha norte-
americana. Ele descobre que uma piloto de helicóptero do Exército
foi capturada e presa brutalmente em cativeiro no Afeganistão por
insurgentes do Talibã.

O sniper de elite decide então sair com sua equipe em uma


operação clandestina para libertar a piloto, mesmo contrariando
ordens expressas do presidente dos Estados Unidos. Para isso, ele
terá apoio de seus agentes e da Força Delta. Gil usará todas as
suas habilidades de liderança e combate – além de sua precisão e
sangue frio – para ter chances de êxito no resgate.
SNIPER DE ELITE
América sitiada, volume 2

Do mesmo coautor do best-seller American Sniper, biografia


que inspirou o filme homônimo dirigido por Clint Eastwood e
estrelado por Bradley Cooper.

Neste novo livro, terroristas chechenos contrabandeiam para os


Estados Unidos duas bombas nucleares remanescentes da Guerra
Fria através da fronteira mexicana, e o presidente é forçado a
reativar a única unidade capaz de detê-los: a Equipe 6 Black do
– a força especial da Marinha norte-americana.

Gil Shannon e seu time, apresentados ao leitor em Sniper de


Elite: Viagem sem Volta – também lançado pela Universo dos Livros
– desafiam as ordens do presidente e precisam correr contra o
tempo para localizar os dois artefatos que se encontram em território
nacional antes de serem detonados.

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