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Anne Weale
Tio David foi como um raio de sol na vida triste de Bethany. Ele surgiu
de repente, bonito, romântico, sensual, e a levou para a sua magnífica
villa, na Itália. E apesar dos laços de sangue, Bethany se apaixonou por
ele! David também a amava, por isso a mandou de volta para a
Inglaterra, despedaçando o coração da pobre garota. O tempo foi
passando e Bethany ficou conhecendo Robert Rathbone, rico dom-juan
que, para seu grande espanto, a pediu em casamento. E foi só depois de
ter concordado em se casar, que ela soube toda a verdade sobre David!
Será que ele ainda a amava? Bethany teria coragem de romper seu
compromisso com Robert?
Da Itália com Amor Anne Weale
CAPITULO I
Ainda estava relendo a notícia que lhe custara tantas noites de insônia e tantos
dias de perplexidade quando o telefone tocou.
A maioria dos chamados era para Grace Suffolk. Mas a colega varara a noite
dançando na Annabel, uma das boates mais badaladas de Londres, e tão cedo não
iria levantar.
Muito bonita e extrovertida, Grace tinha uma verdadeira legião de fãs. Bethany,
no entanto, só tivera um admirador constante nos últimos meses, não só pelo
temperamento discreto e reservado mas também porque os demais tinham
desistido, não se sentindo à altura para competir com o filho de um duque de
ótima aparência e possuidor de invejável fortuna, herdada da avó norte -
americana.
Durante o namoro, vários colunistas sociais o tinham classificado como um dos
melhores partidos da Grã-Bretanha. E a própria Bethany, que já fora considerada
uma das mais lindas debutantes da sociedade inglesa, agora era comparada com
lady Diana Spencer, princesa de Gales. Sob vários aspectos, havia realmente
certa semelhança entre elas.
Nenhuma das duas fumava ou bebia; falavam com voz doce e pausada, tinham
modos suaves e senso de humor.
Lady Diana acabara de completar vinte anos quando se casara na Catedral de St.
Paul, e Bethany estariam com vinte anos e dois meses quando se casasse com
Robert.
Seu casamento. . . Bethany suspirou, resignada, e foi atender ao telefone que não
parava de tocar.
A voz do outro lado da linha era a do futuro marido.
— Feliz aniversário! Parabéns, cara noivinha!
— Oh, Robert! Obrigada.
— O que estava fazendo? Tomando café?
— Sim, aliás. . . quase. Ainda não comecei. E você? Já de voltada sua maratona?
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Robert era fanático pelo método Cooper e todos os dias bem cedo, infalivelmente,
ia dar sua corrida no Hyde Park ou no Green Park.
Também Bethany era uma pessoa ativa, mas preferia uma boa caminhada. Aliás,
fora em longos passeios pela propriedade rural do duque que ela soubera muita
coisa sobre Robert. Mesmo assim, ele continuava sendo um enigma.
A maioria das pessoas acreditava que o jovem casal era perfeito e que tinha tudo
para ser feliz. Aparentemente estavam certas.
O fato de Robert, até o último inverno, ter tido fama de conquistador não era um
obstáculo para seu casamento com uma moça tão pouco vivida e inexperiente como
Bethany. Porém, nem os amigos mais íntimos de Robert sabiam que toda a
sabedoria dele se resumia à vida sexual, pois, em matéria de sentimentos, ele
ainda estava na estaca zero. Nunca se apaixonara, e não fazia questão de
demonstrar que estava apaixonado por Bethany. Limitava -se a apreciá-la e a
querer levá-la para a cama. A verdade nua e crua era que Robert nunca fora uma
pessoa emotiva. E emoção era o que sobrava em Bethany. Ela já estivera
profundamente apaixonada, já sofrera angústias intoleráveis e não desejava
repetir a experiência.
— Sim, cheguei há pouco — estava dizendo Robert, em resposta pergunta da noiva.
— Antes de entrar no chuveiro, pensei em dar-lhe um alô. Se você olhar embaixo
da almofada do sofá, vai encontrar um presentinho que escondi ontem à noite,
quando voltamos do teatro.
— Robert! Você é um amor! Não desligue, que eu vou dar uma espiada.
Colocou o fone sobre a mesinha, com cuidado, e atravessou a sala de estar. O sofá
de chints azul e branco era criação de uma dupla de decoradores famosos de
Mayfair, e tinha pertencido aos pais de Grace, já falecidos.
Bethany enfiou a mão por baixo dos almofadões até encontrar um pacote
retangular. Ao abri-lo, deu com um relógio suíço, comprado numa loja cara de New
Bond Street, com a marca Cartier. Redondo, com o mostrador cor de champanhe,
números romanos e pulseira de ouro, devia ter custado uma nota.
Ela voltou apressadamente para o telefone e disse, entusiasmada:
— É deslumbrante! Vou morrer de medo de perdê-lo.
Tivera a mesma sensação quando ganhara o anel de noivado, uma magnífica
esmeralda montada em platina
— Já olhou o que está gravado atrás? — Espere um minuto que vou ver.
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Tirou o relógio do estojo e virou-o. "'De R. para B., no dia de seu vigésimo
aniversário." Não era a dedicatória que um homem apaixonado teria escolhido,
mas era melhor do que nada. Em seguida vinha a data do aniversário.
— Parece que você tinha certeza de que eu ia finalmente dizer "sim"!
É que depois de muitas tentativas, só na noite anterior Robert tinha conseguido
fazer Bethany aceitar casar-se com ele. E nunca teria comprado um presente
valioso se não houvesse um compromisso formal entre os dois.
— Por que diz isso?
— Porque você não teria tempo de comprar o relógio ontem e mandar fazer a
gravação no mesmo dia, ora!
— Tem razão. Na verdade, comprei o relógio na semana passada. Ia passando pela
vitrine e, quando bati os olhos nele, achei que combinava com você.
E a gravação, também foi feita na semana passada?
— Sim. Porque dessa vez, querida, eu sabia que você ia aceitar a minha proposta
de casamento.
Era a primeira vez que ele a chamava daquela forma afetuosa. Normalmente, ela
era apenas "minha cara". Talvez aquilo fizesse parte da encenação, para que todos
pensassem que o noivado era o resultado de um amor verdadeiro.
— Pois eu continuo sem entender. por que você me pediu em casamento — disse
ela, e a figura elegante, morena-jambo do noivo, em seu training cor de vinho,
veio-lhe à mente. Aliás, desde o primeiro encontro reconhecera em Robert sua
origem latina.
Quando o vira, com aqueles cabelos negros, a pele trigueira e os olhos escuros
muito vivos, até estranhou que ele falasse inglês sem sotaque. Robert lhe lembrou
imediatamente um jovem italiano. Mas, na verdade, só a ascendência vinha da
Itália; eram imigrantes que haviam feito fortuna nos Estados Unidos e por isso
acabaram entrando para a aristocracia inglesa.
— Se você ainda não entendeu, vou ter que lhe explicar mais uma vez — disse
Robert. — Mas não agora, e muito menos por telefone. Passo aí às sete, está bem?
Nesse ínterim, cuide-se.
— Está certo. E muito obrigada pelo relógio!
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Desligaram. Bethany ficou imaginando que ele agora ia tirar o training e entrar
no chuveiro. Só uma vez o vira de peito nu e, pensando nisso, chegou à conclusão
de que aquele relacionamento estava fora de época em, pelo menos, trinta anos.
Com exceção de uma única vez em que ele tentara sair do sério, geralmente
Robert a tratava com o maior respeito, chegando a ser cerimonioso.
Agora, que estavam noivos oficialmente, todos iam pensar que eram amantes. Mas
seria difícil que isso acontecesse. Robert nunca passara dos beijinhos, sem
qualquer envolvimento ou paixão.
Aliás, beijos que nunca combinavam com os olhares de cobiça que ele lhe lançava.
Era de estranhar, tendo em conta a fama de dom-juan que lhe atribuíam.
Por certo, logo que casassem, Robert iria fazer com ela tudo o que quisesse.
E, ao imaginar a entrega total na noite de núpcias, Bethany sentia -se mal, como
se fosse cometer uma violência, uma traição a si mesma.
Estava tomada por esses pensamentos contraditórios quando a porta do quarto
se abriu e Grace apareceu na sala. Não havia tirado a maquilagem ainda, e seus
cabelos loiro-acinzentados estavam todos emaranhados. Mas a Casa de Leilões
onde ela trabalhava só abria às dez, e até a hora em que fosse apanhar o ônibus
para Picadilly já estaria com a pele limpa, parecendo um pétala de rosa , o cabelo
penteado e os olhos azuis brilhantes, acesos, como se tivesse dormido oito horas
de sono reparador.
— Quem telefonou? Foi Robert?
— Foi. Minha conversa a acordou? Desculpe! Eu ia levar-lhe o café na cama.
— Eu é que devia paparicá-la hoje. Feliz aniversário, amiga! Grace tirou do bolso
do penhoar um pacotinho com a etiqueta da famosa loja Liberty.
— Se não gostar, eles trocam — informou Grace, enquanto Bethany
desembrulhava o pacote e tirava dele um par de brincos em forma de flor.
— Oh, mas eu adorei!
— Seus grandes olhos cinzentos, de longas e espessas pestanas, brilhavam de
satisfação, e ela correu para o espelho, para experimentar os brincos.
— São chineses — explicou Grace. — Eu devia ter mandado furar as orelhas para
poder usar esses brincos. Onde você furou as suas? Na Itália?
— Sim. Em Florença. Francine me levou a um dos joalheiros de Ponte Vecchio.
— Quem é essa Francine?
Bethany hesitou. Sempre evitava falar sobre os tempos que passara na Itália.
Precisava se esquecer daquela época, pois, como dizia o grande poeta Dante
Alighieri, "não existe maior pena do que lembrar-se, na tristeza, dos tempos em
que fomos felizes".
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— Uma francesa que conheci por lá e de quem me tornei amiga. Felizmente, Grace
olhou para o relógio que ficara na mesinha do telefone e não fez mais perguntas
embaraçosas.
— Meu Deus! Este relógio é o fino! Também, vindo de Robert, não é de estranhar!
Ele escondeu no sofá quando chegamos do teatro ontem à noite. Foi por isso que
telefonou: para dizer onde estava. É lindo, não acha? Vou usá -lo só nas ocasiões
especiais.
— Eu não faria isso. É mais seguro levá-lo no pulso do que deixá-lo por aí. Alguém
pode quebrá-lo ou roubá-lo. Aliás, um Cartier exclusivo combina bem com a futura
esposa de Robert. Você pode se considerar mais invejada que a princesa de Gales.
A pobrezinha tem o inconveniente de ter que agüentar aquela chatice do
cerimonial do Palácio. Você, como futura duquesa, no máximo, terá que fazer a
abertura de alguma quermesse de caridade.
O comentário fútil e inconseqüente da amiga logo atingiu a sensibilidade de
Bethany. Pensou que, apesar da riqueza e posição, a família do noivo não tinha sido
poupada de tristeza e sofrimento. Quando adolescente, o filho mais velho, James,
visconde de Hartigan, ficara confinado a uma cadeira de rodas, o que o impedira
de casar e ter filhos.
Bethany sabia que Robert adorava o irmão e teria dado toda a fortuna herdada
da avó para que James se recuperasse. Robert não tinha a mínima ambição de ser
o sucessor do titulo de duque. Nem ela, aliás. E, possivelmente, se não fosse pela
doença do irmão, Robert continuaria a levar a vida despreocupada de solteiro pelo
menos até os quarenta anos. Atualmente ele tinha vinte e nove, o que era muito
pouco para um homem que gostava de viver intensamente.
Mas, apesar da reputação de conquistador, ele não podia ser considerado um
playboy. Ais vinte e poucos anos, formara-se engenheiro agrônomo e passara uns
tempos na América do Norte. Agora, era o responsável pelas ricas propriedades
agrícolas pertencentes à família desde o século XVI.
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A única vez em que Bethany o vira furioso fora quando as reservas florestais de
Sussex, onde proliferavam raras e belas orquídeas, tinham sido danificadas, num
ato de vandalismo, pelos produtos químicos usados pela comissão de
reflorestamento. Bethany se admirara com a reação dele, pois até aquele
momento nunca conhecera seu lado sério e responsável. Mais tarde ele lhe
explicou a razão do protesto violento. Desaprovava os métodos modernos de
adubagem e desinfecção das plantações, achando que esses sistemas eram um
crime contra a saúde pública, crime incentivado por industriais e publicitários
inescrupulosos.
Depois de conhecer essa nova faceta de Robert ela começara a gostar cada vez
mais dele. . . Mas gostar de um homem não significava amá -lo.
— “L’amor che muove il sole e l’altre stelle". . .
Sem perceber que tinha anunciado a frase em voz alta, surpreendeu -se quando
Grace perguntou:
— O que significa?
— Oh... É só um trecho da Divina Comédia, de Dante. Veio-me à cabeça não sei
por quê.
— E o que significa?
"O amor que move o sol e as outras estrelas."
— Eu já amei várias vezes, mas nunca senti a paixão devastadora de Dante e
Beatriz. Acho que nem gostaria de me apaixonar tão intensamente. Os grandes
amores sempre terminam em tragédia.
Apesar de as duas serem amigas íntimas desde os tempos de colégio, era Grace
quem fazia as confidências. Bethany limitava-se a escutar. Aquela troca de
segredinhos do tempo de internato nunca mais se repetira, pois Bethany se
fechara em copas desde que voltara da Itália.
— Você acha que o amor que sente por Robert é capaz de mover o sol e as estrelas.
— Todo verdadeiro amor é assim.
Mas, para Bethany, "verdadeiro" amor significava algumas semanas de felicidade
seguidas por meses e meses de tristeza e solidão. O que sentira no passado fora
um amor inocente, tão inocente que ela nem pudera prever seu triste final.
— Bem, Grace, a minha torrada vai esfriar. E você? Vai querer o mesmo de
sempre?
— Sim. Mas antes vou tomar um banho.
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A amiga voltou para o quarto e Bethany para a cozinha, a fim de comer o pequeno
lanche. Robert a fizera mudar seus hábitos alimentares. Antigamente, ela e Grace
só tomavam café preto e, no máximo, um pãozinho com manteiga. Mas Robert dizia
que o certo era comer como um rei pela manhã, almoçar como um príncipe e jantar
como um mendigo. No que estava certo.
Robert também não fumava. Bebia pouco. Pelo menos isso eles tinham em comum.
Bethany olhou o relógio. Ainda havia tempo. Marcara um encontro com o advogado
da mãe às onze e meia, e até lá podia pôr a casa em ordem.
Há quinze dias recebera uma carta assinada por um dos sócios do escritório de
advocacia, solicitando seu comparecimento na firma no dia do aniversário.
Bethany chegou ao escritório na hora marcada. Henry Sheringham, o advogado,
parecia já ter lido o Daily Telegraph. A primeira coisa que disse, ao levantar -se
da cadeira para recebê-la, foi um cumprimento:
— Soube que ficou noiva. Queira aceitar meus votos de felicidade.
— Obrigada.
Bethany acomodou-se na cadeira em frente à escrivaninha e ficou esperando que
ele explicasse o motivo daquela convocação. O Dr. Sheringham fora advogado da
mãe durante dezessete anos. Será que ela ainda se lembrava de Clare Castle?
Como se tivesse lido os pensamentos dela, ele começou a dizer:
— Como a senhorita só tinha três anos quando sua mãe morreu, não sei se lembra -
se dela. — Ela meneou a cabeça, e o advogado continuou: — Quando conheci sua
mãe, ela já estava gravemente doente, mas ainda era uma bela mulher. Aliás, muito
parecida com a senhorita. — Fez uma pausa, olhando-a. — A semelhança é
realmente extraordinária. Nunca vi mãe e filha tão iguais!
— Verdade? Não sabia disso. Nunca vi nenhum retrato de minha mãe — confessou
Bethany.
Se ele estranhou o fato, não deu demonstração.
— Sua mãe deixou sob nossa custódia um envelope lacrado. Não conhecemos o
conteúdo. Conforme instruções dela, deveríamos entregá -lo quando a senhorita
completasse vinte anos. Agradeceria se assinasse este recibo, que comprova ter
recebido o envelope intacto. — Bethany assinou o papel e ele acrescentou:
— Naturalmente, deve estar curiosa em saber o que contém o envelope. Se
quiser, pode ir para a sala ao lado e ficar à vontade.
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Bethany não esperou um segundo convite; foi para o lugar indicado, pronta para
desvendar o mistério. Parecia-lhe estranho ter em mãos algo deixado por uma
mulher de quem não se lembrava mais e que o pai raramente mencionava. Os
empregados mais antigos da casa diziam que sir John evitava tocar no nome da
ex-esposa porque ficara muito chocado com sua morte prematura.
Ao abrir o grosso envelope, Bethany encontrou duas pastas e uma carta, assim
endereçada: "À minha amada filha Bethany".
Numa das pastas havia duas fotos: uma, de uma moça sorridente, sentada num
prado, e outra da mesma moça, tendo nos braços um bebe. Pareciam ser retratos
da própria Bethany, não fossem diferenças muito sutis.
Na outra pasta, dentro de uma caixa achatada de papelão, havia o mais original
colar que ela já vira. No centro destacava-se uma pedra azul transparente e a
moldura, em ouro, era toda trabalhada com cenas de ninfas dançantes e
guirlandas cravejadas de rubis. Do aro pendiam três pérolas rosadas.
Bethany entendia pouco de jóias antigas. Só mesmo o que lhe havia ensinado a
duquesa, mãe de Robert. E ficou imaginando se aquele era um trabalho de
ourivesaria da Renascença ou alguma imitação.
De qualquer maneira, era um lindo objeto, apesar de não parecer ter sido
presente do pai. Mas as famílias tradicionais costumavam possuir peças
provenientes de outras gerações. A casa dela não era exceção, apesar de o pai
pouco ter se interessado por esse tipo de coisa.
O que ele gostava mesmo, quando vivo, era de caçar durante o inverno,
acompanhado por uma matilha de cães foxhound. Durante o resto do ano
costumava ser visto com freqüência, acompanhado pela segunda esposa, nos
hipódromos ingleses.
Bethany fechou a caixa e pegou o envelope. Rompeu o lacre e tirou de dentro
várias folhas de papel escritas a mão, com uma letra muito parecida com a sua.
“Minha querida filha”.
Desde que eu soube que meu mal não tem cura e que não viverei o bastante para
vê-la crescida, passei muitos dias e noites imaginando como lhe escrever.
Da Itália com Amor Anne Weale
Após muito meditar, cheguei à conclusão de que o melhor seria contar -lhe toda a
verdade sobre mim e seu verdadeiro pai. Só você saberá, minha doce e querida
filha, a quem não suporto ter que deixar sozinha no mundo como uma pobre
enjeitada. Sim, porque você há de sentir-se sozinha e desamparada, tal como me
senti quando meu amado Benedict morreu num acidente. Seu verdadeiro pai, a
quem amei de todo o coração, foi Benedict Laurence, o violinista. Quando você
estiver lendo estas linhas, só alguns velhos músicos se lembrarão dele. Espero e
rogo a Deus que você tenha herdado o talento de seu pai. Se isso acontecer vai
ter que lutar muito para vencer e se impor, pois aquele que você considera como
pai é avesso a qualquer manifestação artística."
Nesse ponto Bethany engoliu em seco, espantada com a revelação de que sir John
Castle não era seu verdadeiro pai.
Antes de tudo, isso significava que não era sobrinha de David. Aquela barreira
intransponível de um parentesco consangüíneo não existia mais — a barreira que
a separava do homem amado. Sim, porque ainda o amava.
A mãe tivera razão quando previra que ela iria sentir-se como uma estranha, uma
intrusa. Desde o dia em que John Castle se casara novamente, Bethany sofrera
horrores com a madrasta e, quando fora mandada para um colégio interno, com
apenas oito anos, chegara a sentir alívio. Pelo menos durante o ano letivo,
conseguia livrar-se dos maus tratos que Margaret lhe infligia.
Bethany suspirou e tentou ler o resto da carta mas não conseguia se concentrar .
Sua mente voltava constantemente para David. Ela demorou tanto que o dr.
Sheringham bateu à porta, pedindo licença para entrar.
— Não quero importuná-la, srta. Castle, mas estava demorando tanto que até
pensei que estivesse. . . bem . . . que estivesse se sentindo mal.
— Oh, não, ao contrário! Estou exultante!
Ele pareceu assombrado com aquela reação e Bethany achou que devia explicar
tamanha alegria.
— É que agora tenho duas fotografias de minha mãe! — Mostrou-lhe as fotos. —
E também este lindo colar, que pertenceu a ela.
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— Não. Viajou para a França. Não vai ser possível fornecer-lhe o telefone, porque
ele está fazendo um tour com o novo automobile. Quer deixar algum recado?
Bethany ficou indecisa.
— Não. . . não, obrigada. Chamarei novamente. Grazie e arrivederci.
Prego. Arrivederci.
Vagarosamente, ela recolocou o fone no gancho.
Então David estava excursionando pela França! Exatamente como tinham feito
naquela ocasião, atravessando a fronteira pelos Alpes. . . Estaria acompanhado ou
sozinho? Com seu cavalete e sua caixa de tintas?
Subitamente, Bethany pensou na possibilidade de ele ter casado. Se ela estava à
beira do casamento, por que com David haveria de ser diferente?
Atormentada por essa dúvida, começou a andar pela sala. E se ligasse novamente
para Anna e perguntasse?
Se ele tivesse casado, valeria a pena causar tantos transtornos a Robert e sua
família?
Não, não. Mesmo que David tivesse casado ela precisaria ser sincera para com
Robert. Para o noivo, aquele amor infeliz pertencia ao passado. Mas isso não era
verdade. Toda a antiga paixão se reacendera ao sopro de uma nova esperança.
Tornou a discar para Portofino, mas dessa vez, para sua decepção, ouviu uma
gravação avisando que as linhas internacionais estavam ocupadas. Por quanto
tempo?
Em menos de três horas Robert estaria tocando a campainha, esperando que ela
já estivesse pronta e arrumada, trajando aquele vestido longo que ele tanto
apreciava.
Oh, Deus! O que vou fazer?
E deixou que as lágrimas escorressem, copiosas, enquanto corria para o quarto e
afundava a cabeça no travesseiro.
Por uns cinco minutos chorou e soluçou, desabafando todas as emoções que
contivera por tanto tempo. Já mais calma, deitou de costas, olhando o teto,
pensativa. Percebeu que havia leves rachaduras no estuque.
Também em seu quarto, em Blackmead, havia rachaduras no teto. Ainda
adolescente, costumava ficar olhando para elas, entregue a sonhos e devaneios.
Fora numa dessas tardes de reclusão e melancolia que John Castle morrera,
vítima de um desmoronamento de barreira na estrada próxima à mansão.
Pouco depois dos funerais, David entrara em sua vida.
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CAPITULO II
Bethany lembrou-se de que estava escrevendo uma carta para Grace, naquela
ocasião. Durante as férias escolares, trocavam uma correspondência assídua,
contando as novidades. Sir John havia sido sepultado um dia antes no pequeno
cemitério da igreja local; a viúva e suas duas filhas ainda estavam com os olhos
vermelhos de tanto chorar. Somente ela, a mais velha, não conseguira derramar
uma lágrima por aquele homem que nunca lhe dera um beijo ou lhe fizera um
carinho. Mas, apesar da rispidez, nunca permitira que a madrasta a maltratasse.
Agora que ele morrera. . .
Nanny Evans entrara no quarto sem bater.
Apesar de Bethany já ter completado dezesseis anos, ninguém respeitava sua
privacidade. Quando Susan, sua meia-irmã de dez anos, contara à mãe que
Bethany se trancava por dentro, lady Castle subira as escadas como um rojão, e
exigira que ela lhe entregasse a chave da porta.
— Só espero que não ande fumando escondido! — disse ela, farejando o ar como
um perdigueiro.
— Claro que não! Só não gosto que Susan e Julie invadam o meu quarto sem bater.
— Nesta casa estão proibidas as portas fechadas. Você passa tempo demais
trancafiada aqui em cima. Por isso anda tão abatida! Você precisa sair mais,
praticar exercícios.
Imitando a patroa, Nanny Evans, que trabalhava como babá em Blackmead Manor
desde que Bethany tinha um mês de idade, também tratava como uma criancinha,
dando-lhe ordens e fazendo-lhe reprimendas. '
Tinha certeza de que ia encontrá-la aqui, enfurnada neste quarto disse a babá,
num tom de crítica, como se ela não tivesse direito de escrever uma carta e
devesse estar fazendo qualquer outra coisa.
— Há um homem lá embaixo que diz ser irmão do falecido sir John.
— Não sabia que o patrão tinha irmãos. Como sua mãe não está em casa, achei que
seria melhor que você fosse atendê-lo.
Ela sempre se referia a lady Castle como "sua mãe", achando que Bethany devia
considerá-la como tal.
— Tudo bem, Nanny, eu desço em seguida.
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— Levei-o para a biblioteca, onde há pouca coisa para roubar, caso ele seja algum
impostor — disse Nanny, ainda ofegante pelo esforço de ter subido as íngremes
escadas que levavam ao sótão, onde Bethany tinha seu refúgio.
— Ele tem a aparência e a prosa de um cavalheiro, mas não se parece nada com
seu pai. Pode ser algum aventureiro que tenha lido a notícia do acidente nos
jornais e queira tirar proveito da situação. É melhor que desça logo para ver o
que ele está aprontando. Se suspeitar de algo, é só gritar que eu chamo a polícia.
Bethany descera a escada de dois em dois degraus, curiosa. Ao entrar na
biblioteca, não viu ninguém. Só depois de alguns instantes ouviu uma voz
masculina, muito agradável, vinda do alto.
— Alô!
Olhou para cima e o viu, encarapitado na escada de rodinhas usada para alcançar
as prateleiras superiores.
— Boa-tarde — cumprimentou ela.
Ele não era parecido com o pai. Não era nada parecido.
A pele morena era bronzeada e os cabelos fartos e castanhos, com mechas mais
claras pelo efeito do sol. O azul dos olhos de sir John era pálido e opaco, e o dele,
da cor das hortênsias.
Fechando o livro que estava consultando, ele o recolocou na prateleira e desceu a
escada estreita. Só quando pisou o chão e começou a andar na direção dela foi
que Bethany se deu conta de como era alto.
— Como vai? Sou David Castle. Você deve ser a srta. Castle — disse ele, estendo-
lhe amistosamente a mão.
Era a primeira vez que lhe davam o tratamento a que tinha direito por ser a filha
mais velha de sir John.
— Sim, sou a srta. Castle. Como vai?
Ele apertou-lhe a mão de uma forma calorosa e firme.
— É bem provável que você nunca tenha ouvido falar em mim, portanto é melhor
que eu me identifique.
Largou-lhe a mão e tirou do bolso interno do paletó de tweed um passaporte onde
se lia D.W. Castle.
Bethany já ia devolver-lhe o documento quando ele advertiu:
— Seria melhor que desse uma olhada também na fotografia, para ver se confere.
Ela folheou as páginas internas do passaporte e, depois de ter conferido a foto,
esticou um olho para a folha oposta, onde se lia:
Da Itália com Amor Anne Weale
"Ocupação: Artista
Lugar de nascimento: Blackmead. United Kingdom
Residência: Itália
Altura: 1 m 87"
Não que demonstrasse a idade. De costas, com aquele corpo esbelto, de ombros
largos e quadris estreitos, parecia um adolescente. Principalmente porque tinha
jeito de não levar nada a sério.
— Há muito tempo que vive em Portofino?
— Cinco anos. Antes disso, eu era um verdadeiro andarilho. Ainda costumo viajar
muito, mas o meu quartel-general é a casa de Portofino.
— O único inconveniente é que o lugar é tão bonito que em certas épocas do ano
fica infestado de turistas, e os comerciantes enlouquecem, cobrando 800 liras
por uma garrafa de água mineral que normalmente custa 200. Mas eu compro tudo
em Rapallo e a minha casa, graças a Deus, fica fora do alcance dos excursionistas.
Conversaram sobre tanta coisa que nem sentiram o tempo passar. Bethany estava
feliz por ter alguém sensível e inteligente como David para trocar idéias; naquela
casa, não havia muita chance para isso. Ouvia, fascinada, as histórias que ele
contava, e lhe falou um pouco sobre sua vida, sobre sua amizade com Grace e a
importância da família dela em sua vida.
— Às vezes, passo as férias com eles, num lindo apartamento em Chelsea.
— E eles a fizeram visitar a Tate Gallery?
— Oh, sim... e também a National Gallery. E, no ano passado, a Sra. Suffolk nos
levou para ver a Exposição de Verão da Royal Academy. Você já expôs seus
trabalhos lá?
— Já, mas ultimamente vendo a maior parte numa galeria de arte chamada
Colnaghi.
Bethany lembrara-se de que o Sr. Suffolk tinha dito que os quadros, lá, eram
caríssimos é uma galeria importante. Você é um artista famoso?
— Não diria famoso, mas de boa aceitação. Talvez não tenha ouvido falar em mim
porque uso um nome artístico: David Warren. É um dos meus sobrenomes.
— Qual é seu estilo?
— Você entende de pintura?
Bethany sacudiu a cabeça, numa negativa.
— Bem, eu pinto o dia-a-dia, cenas da vida real — continuou ele.
— Alguns quadros da Renascença italiana, e mesmo dos pintores flamengos, tinham
um toque de realismo. Mas esse estilo desenvolveu-se mais na Holanda durante o
século XVII, com Verneer e Hooch, que reproduziam cenas de tavernas. Na
França, Chardin foi um dos mais famosos, e na Inglaterra tivemos Hogarth. Os
quadros de Degas, com suas dançarinas exercitando-se na barra ou amarrando os
laços das sapatilhas, são bons exemplos desse estilo. Eu prefiro pintar marinhas.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Em aquarela ou óleo?
— Aquarelas, de preferência. Mas chega de falar sobre mim. Que outros
interesses você tem, além da leitura? Já descobriu sua vocação?
— Bem. . . vou indo bem no colégio, mas ainda não decidi que carreira vou seguir.
— E mudando de tom: — Acho que vou servir o chá, antes que esfrie.
Era a primeira vez que ela se incumbia de servir um chá, mas David a deixava tão
à vontade que não derramou uma só gota.
— Que matérias você prefere? — perguntou ele enquanto se servia de torradas.
— Francês e alemão.
— Talvez você tenha vocação para línguas. Ser poliglota, nos dias de hoje, é meio
caminho andado. Você terá o mundo a seus pés.
— Acha?
Bethany ficara surpresa pois, em casa, nunca a haviam estimulado nesse sentido
e, na escola, a preocupação maior era preparar as alunas para enfrentarem a
concorrência tão logo terminassem os estudos.
A descontração de David a entusiasmava. Mas sua animação desaparecera quando
lady Castle chegara. David, que àquela altura já havia tirado o paletó, levantou -
se imediatamente, ao passo que Bethany encolheu-se. Pigarreando nervosamente,
ela fez as apresentações.
— Margareth, este é David, irmão de papai.
— Prazer em conhecê-la, lady Castle. Margaret olhou-o com desdém.
— Boa tarde — respondeu, seca, sem dar-lhe a mão. — Presumia que viesse, mas
não tão depressa.
Aquela era uma indireta clara, evidente e acintosa, de que ele viera só para
reclamar seus direitos na herança.
Bethany ficara atônita com tanta agressividade, mas continuara quieta.
— Vim para tranqüilizá-la tão logo soube da morte de meu irmão. Quero que a
senhora saiba que não tenho qualquer pretensão de ficar com o título ou a
herança. Já escolhi meu tipo de vida e não pretendo modificá -lo. Apesar do vínculo
que me liga a esta herdade, não sou obrigado a morar nesta casa e a abrir mão
das minhas atividades para me dedicar à administração da propriedade. Se a
senhora puder tomar conta disso, muito bem. Caso contrário, terá que contratar
alguém para fazê-lo, pois não desejo voltar a morar na Inglaterra. A não ser, como
já disse para Bethany, que um dia eu venha a ter um filho que queira seguir os
passos dos nossos antepassados.
Da Itália com Amor Anne Weale
Margaret não esperava por aquilo. Mas, em vez de mudar de atitude, tornando -se
mais gentil e cordata, continuara a falar no mesmo tom prepotente:
— E o senhor está disposto a colocar tudo isso por escrito? Bethany notara que
David não havia gostado da sugestão, mas mantivera a mesma tonalidade cortês.
— Não creio que seja necessário. A senhora tem a minha palavra de que a única
pessoa que poderá reivindicar a posse da propriedade será meu filho. E saiba que
sou solteiro e pretendo continuar assim por muito tempo. Minha palavra não é
suficiente, lady Castle?
Um brilho de cólera se acendeu nos olhos castanhos da mulher que, olhando para
a enteada, ordenou, muito seca e autoritária:
— Quer deixar-nos a sós?
Já fora da sala, Bethany encontrou Nanny.
— Ele vai pernoitar aqui?
— Não sei.
No íntimo, ela desejava que David ficasse para sempre. A vida naquela casa seria
bem mais feliz com ele.
No primeiro lance da escadaria fora interceptada pela meia-irmã:
— Qual é o mistério? Por que Nanny andou cochichando com mamãe e depois nos
mandaram para cima, dizendo para não sairmos do quarto? Quem estava na sala?
— Uma visita para sua mãe!
— Quem?
— Se sua mãe quiser que você saiba, ela mesma vai lhe contar. Bethany chegou a
seu quarto no sótão e reiniciava a carta para
Grace quando ouviu os passos de Margaret subindo a escada.
— Posso saber o que lhe deu para ficar dando ordens a Nanny? Por que serviu chá
e por que acendeu a lareira?
— Pensei que tivesse que fazer as honras da casa. Afinal, ele é irmão de papai.
— Um homem que você nunca viu antes, e cujo nome nunca foi mencionado nesta
casa! Se você tivesse um mínimo de inteligência, teria percebido que ele é persona
non grata em Blackmead.
— Pois me pareceu uma pessoa muito agradável.
— Muita gente indesejável comporta-se dessa maneira. Quando ele era jovem,
teve um péssimo procedimento.
— O que foi que ele fez?
Da Itália com Amor Anne Weale
— Bem. . . na verdade, não nos damos bem. Eu tentei, mas não consegui.
— E comigo? Você acha que se daria bem?
— Oh, sim, seria fácil. Por quê? Resolveu ficar por aqui?
— Não. Tenho uma idéia melhor. Que tal ir comigo para Portofino; Bethany olhou -
o, assombrada.
— Você está querendo dizer. . . ir morar na Itália. . . para. . para sempre? "
— Não necessariamente para sempre mas, pelo menos, por uns tempos, para que
você possa aprender também o italiano,
— Oh, David! Eu adoraria! Juro que adoraria! Você não está brincando comigo,
está?
— Nunca falei tão sério.
— Já falou com Margaret? Será que ela vai deixar? Ela disse
— Que ... que...
— Disse o quê?
— Ela não o aprecia muito. Disse... Disse que certa vez você fez algo imperdoável.
..
— É verdade. Fiz mesmo. Mas isso foi há muito tempo.
— Acha que papai o teria perdoado se você tivesse voltado antes? Ele sabia do
seu paradeiro? Teria escrito, se soubesse?
— Não. Ele não sabia onde eu estava, e mesmo que soubesse não teria escrito. O
que fiz foi imperdoável sob o ponto de vista dele. Só posso garantir que não foi
nada tão grave. Não sou um irresponsável, embora algumas pessoas pensem isso.
Mas, pelo visto, a sua situação aqui não é das melhores. Seria bom sair um pouco.
— Tem razão. Eu prefiro mil vezes ir com você. Mas não vou ser uma amolação?
Não gostaria de dar despesas. . .
— Você poderia conservar os meus pincéis limpos e o meu atelier arrumado. Seria
uma forma de "pagar" a sua estadia. Só que essa decisão a obrigaria a abandonar
o colégio, pois eu não poderia arcar com as despesas da mensalidade e mais o
vaivém de avião uma dúzia de vezes por ano!
— Oh mas eu não ligo em deixar o colégio. Só sinto separar-me He Grace. Ela,
porém, vai terminar os estudos no fim do próximo trimestre.
— Esqueci das suas provas finais — disse David, enrugando a testa. Quando
terminam suas férias?
— Em duas semanas, mas...
Da Itália com Amor Anne Weale
Estava para dizer que não se importaria em perder as provas quando ele a
interrompeu.
— Então, antes das provas, você vai ter tempo de conhecer Portofino e ver se
pode se adaptar lá. Depois, volta para prestar exames e deixa o colégio junto com
Grace. O que me diz?
— Perfeito! Oh, David, eu.. , eu. . .
Sem conseguir expressar em palavras toda sua gratidão e entusiasmo, segurou -
lhe a mão morena e deu-lhe um ruidoso beijo. Depois, sentiu os olhos se encherem
de lágrimas e, sem poder controlar-se, deixou que elas rolassem livremente.
Era a primeira vez, em toda a sua vida, que chorava na frente de alguém. Pensou
que David fosse se afastar, irritado e constrangido, mas ele afagou -a com
carinho, tentando confortá-la.
— Pobrezinha da minha Bethany. . . Pobre criaturinha infeliz. . . Aquelas palavras
afetuosas abriram todos os diques emocionais de Bethany, que caiu num pranto
convulsivo.
David a manteve encostada ao ombro, passando-lhe a mão pelos cabelos, como se
ela fosse uma menininha. Depois que se acalmou, ela balbuciou, escondendo o rosto
de vergonha:
— Des. . . desculpe! Eu. . . eu estou parecendo uma boba!
— Chorar faz bem. Sabe, é porque os homens não choram que estão aí, com úlceras
e problemas cardíacos. Quer um lenço? Agora seria bom você tomar uma bebida
quente com um pouco de uísque, para relaxar e dormir melhor. Vou dar uma olhada
lá embaixo, para ver o que posso arrumar.
Quando ele saíra, tão silenciosamente quanto um gato, ela aproveitara para
recompor-se.
David era a pessoa mais bondosa que já conhecera. Nem podia acreditar que ele
e aquele homem brusco e insensível que fora seu pai tivessem o mesmo sangue.
Antes de David voltar, Bethany tivera tempo de passar água no rosto e pentear -
se. Ao escovar os cabelos, pensou que, quando ficasse livre da tirania de
Margaret, deixaria que eles crescessem, pois a madrasta a obrigava a usá-los
curtos, alegando ser mais prático e higiênico.
Será que também a proibiria de acompanhar David?
Quando ele voltara ao quarto, trazendo uma caneca de chocolate quente e um
copo de uísque, Bethany já estava acomodada na cama, comendo uma maçã. Ele
despejou um pouco de uísque na caneca; e, quando ela falou que tinha medo de que
Margaret não a deixasse viajar, tranqüilizou-a.
Da Itália com Amor Anne Weale
Não esquente a cabeça com isso. Sua madrasta só pensa no próprio bem -estar e
não se arriscaria a entrar em choque comigo, agora que depende da minha
generosidade. Quanto tempo você levar para arrumar sua bagagem? É que
precisamos sair cedo para apanhar-mos o vôo do meio-dia para Gênova.
Ah, eu sou rápida, mas, se preferir, posso fazer as malas ainda hoje à noite.
— Deixe para amanhã. Agora seria melhor descansar e acordar cedo.
— Não vejo a hora que chegue amanhã! — disse ela, entusiasmada. David sorriu, e
tomou o último gole de seu uísque.
— Bem, agora boa-noite e durma bem — despediu-se e, inclinando-se deu um
beijinho na ponta do nariz de Bethany.
Doze horas depois, ela já estava a bordo do avião que a levaria a Gênova.
Tivera um sono agitado e, depois que a aeromoça serviu o almoço, tirou um cochilo,
só acordando na hora em que David a chamou.
— Acorde, Bethany! Já vamos aterrissar.
Ele havia deixado seu carro esporte estacionado perto do aeroporto e, poucos
minutos depois de desembarcarem, já estavam na auto estrada ladeada por altos
ciprestes.
— Portofino é muito longe?
— Fica a trinta e seis quilômetros de Gênova. Dez minutos dei autostrada e mais
dez, até Rapallo. Dentro de meia hora estaremos mergulhando na piscina.
— Na sua casa tem piscina?
— É uma necessidade, num clima quente como este. Agora até que está fresco,
comparado com os meses de julho e agosto.
Alcançaram a costa logo que entraram no desvio para Rapallo. Pouco depois
passaram por um vilarejo à beira-mar. Santa Marghenta Lígure. Em outra
cidadezinha, chamada Paraggi, tomaram uma estrada jngreme e tortuosa, ladeada
de casas suntuosas, meio escondidas muros altos e portões. Finalmente, pararam
frente a um desses portões, onde se lia Villa Delphjni.
Os muros eram cor de abricó e o portão, encimado por capitel de pedra esculpida.
Ao entrarem, Bethany verificou que a fachada era simples, mas todas as janelas
ficavam incrustadas em molduras de granito trabalhado a cinzel, o que lhes
emprestava um aspecto tridimensional.
Bethany sentira amor à primeira vista pela casa.
David abriu a porta dupla central com uma enorme chave de bronze. Antes de
entrarem, segurou-lhe a mão, dizendo:
Da Itália com Amor Anne Weale
CAPITULO III
— Quais as novidades?
Perguntou David, sorridente, e Bethany contou-lhe sobre o show que assistira no
Palladium.
Cantarolou algumas canções do espetáculo, e ele pareceu ficar impressionado com
aquela habilidade até então desconhecida.
— Nunca pensei que você fosse tão musical! Sabe tocar algum instrumento ou
prefere o canto?
— Você acabou de ouvir a minha voz e ainda tem coragem de perguntar?
— Sua voz é muito bonita.
— Verdade? A regente de nosso coral não pensava assim. Não que eu fizesse
questão de participar do coro. Aquelas músicas não fazem o meu gênero.
— Nunca aprendeu a tocar piano?
— Não, e nunca me empenhei. Tenho ouvido para música, para isso não quer dizer
que eu seja um gênio.
— Pode ser que não, mas esse talento pode ser desenvolvido. Hoje de manhã vi
uma harpa na vitrine de um antiquário. Não gostaria de tentar?
— Acho a harpa um instrumento lindo, mas nunca me senti tentada a tocá-la. Creio
que vou seguir seu conselho e tornar-me uma brilhante especialista em idiomas!
— disse ela, num tom de gozação.
As areias de Rapallo e de Santa Margherita estavam repletas de uma infinidade
de guarda-sóis coloridos. O mar estava cheio de banhista e os bancos, ao longo
do passeio marítimo, ocupados por pessoas idade que se distraíam apreciando o
movimento.
Ao chegarem a Portofino, a estrada tornou-se quase intransitável, a quantidade
de carros. Mas, finalmente, chegaram à tranqüila ladeirinha que levava à Villa
Delphini.
David estacionou o carro à sombra de uma árvore. Bethany ergueu olhos para
rever aquela fachada rosada e os detalhes arquitetônicos de granito em que
pensara tão amiúde, durante sua permanência na Inglaterra, Todas as venezianas
estavam escancaradas e os toldos tinham sido abaixados.
— Não sei se você está com sede, mas eu estou com a garganta seca! Antes de
abrir as malas, sugiro tomarmos o champanhe que deve estar nos esperando no
gelo!
Antes que David tivesse tempo de pôr a chave no ferrolho, a porta da frente
abriu-se inesperadamente.
Estava quase cochilando na beira da piscina quando ouvi o seu carro chegando
Da Itália com Amor Anne Weale
-— Disse a mulher que apareceu na soleira da porta, com uma bata curta de
algodão indiano cobrindo-lhe o biquíni, com enormes óculos escuros.
Bethany a reconheceu na hora. Era a mesma mulher ruiva que encontraram no
restaurante na primeira noite que passara em Portofino.
Só espero que já tenha posto o champanhe no gelo, Francine. Estamos morrendo
de sede — disse David, antes de fazer as apresentações.
— Bethany, esta é madame Valery. Logo mais você vai experimentar a comida
soberba que ela sabe fazer.
— Como vai? — cumprimentou Bethany, um tanto intrigada e decepcionada com a
presença da francesa.
Bem, obrigada, srta. Castle. E a senhorita? — retribuiu, abrindo um sorriso
amistoso que lhe emprestou um novo brilho aos olhos verdes.
— Se não se importa, preferia chamá-la de Bethany, e você, por favor, me chame
de Francine. Não se ofenderia se eu fizesse uma observação pessoal?
— E, sem esperar resposta, declarou:
— Você sta muito mais bonita do que da primeira vez que a vi, lá no molhe. Já
parece moça feita, não uma criança. O cabelo, assim comprido, fica -lhe bem
melhor.
— Obrigada.
Foram para o terraço onde, numa mesinha à sombra de um toldo, ^via um balde
com gelo, abrigando uma garrafa verde.
David fez saltar a rolha, encheu três taças e brindou:
— Faço minhas as palavras de Jonathan Swift: "Que você viva todos os dias de
sua vida"! À saúde, signorina!
Bethany murmurou um tímido "obrigada", levando a taça aos lábios, radiante de
felicidade por ser alvo de tanta atenção.
O almoço que Francine tinha preparado começou com uma galantinal de galinha e
presunto, enfeitada com ovos cozidos e aspargos, acompanhada por uma salada
que continha nozes, cogumelos marinados, buques de couve-flor e brotos de
feijão.
Como sobremesa, saborearam uma Tarte Tatin feita de pêras, com uma cobertura
caramelada simplesmente divina. Como arremate, foi servido um queijo dolcelatte
junto com uma cestinha de figos frescos] perfumados.
— Lembra-se daquele iate americano que estava ancorado no porto?
Da Itália com Amor Anne Weale
— Sim, logo que me separei de meu marido. Tenho uma irmã casada com um
americano, e achei um bom lugar para começar as minhas viagens pelo mundo. Vivi
numa cidadezinha do interior da França por dez anos e sempre desejei conhecer
todos aqueles lugares que tinha visto em fotografia: São Francisco, New Orleans,
Martinica, Lisboa, Alicante, Monte Cario. Já visitei quase todos esses lugares,
mas ainda tenho uma longa lista. Quero conhecer tudo antes de ficar velha.
Francine pediu licença e sentou-se numa cadeira de balanço, junto ao pequeno
balcão do quarto. Levara consigo uma cesta de costura e começou a pregar uma
renda na gola de uma camisola de cetim.
Aquela havia sido a primeira das muitas conversas que tiveram.
Uma amizade crescente fora surgindo à medida que os dias passavam, pois as duas
ficavam juntas sempre que David se ausentava para fazer esboços de paisagens
marítimas, ou trancava-se no atelier para pintar suas famosas aquarelas.
Além de ser excelente cozinheira, Francine era muito hábil em trabalhos manuais
e criava peças delicadas e originais. Quando adolescente, freqüentara um colégio
de freiras onde aprendera todos os segredos do bordado.
- Eu achava engraçado, e ao mesmo tempo triste, que aquelas três gastassem seu
tempo bordando peças íntimas que seriam vestidas por mulheres não tão castas,
e desvestidas por seus amantes. Já imaginou morrer sem nunca ter provado um
beijo, sem nunca ter o corpo acariciado por um homem? Muitas freiras se
arrependiam de ter tomado aquele caminho, mas tarde demais. É muito mais
difícil, para uma esposa de Cristo, abandonar sua fé, do que uma mulher comum
abandonar o marido quando o casamento não dá certo.
— E o seu, não deu certo?
— Deu tudo errado. Casei só porque o rapaz era bonitão, e eu estava curiosa para
conhecer o sexo. Tinha só dezoito anos... Oh, isso foi há vinte anos, e moças da
minha idade, em cidadezinhas provincianas, não se atreviam a perder a virgindade
antes do casamento. Aquelas que o faziam metiam-se em apuros. Se eu tivesse
tido filhos, provavelmente ainda estaria com meu marido. Mas, como isso não
aconteceu, após alguns anos pensei: o que estou fazendo aqui, desperdiçando a
minha vida numa cidade de que não gosto ao lado de um homem tão insignificante?
Até fazer amor era uma rotina que não me dava prazer algum. Então, certo dia,
eu lhe disse que ia embora. Ele ficou possesso, não porque me amasse, mas porque
eu era uma boa dona-de-casa. Era conveniente para ele ter alguém que cozinhasse
e, ainda por cima, o servisse na cama.
— Fitou Bethany com aqueles olhos verdes muito expressivos.
— Não cometa o mesmo erro, chérie. Não se case com o primeiro amor, a não ser
que tenha certeza de que será também o último. Às vezes, coincide que o primeiro
e o último sejam a mesma pessoa, mas isso é muito raro.
Da Itália com Amor Anne Weale
Era a primeira vez que Bethany ouvia David chamando a francesa por um nome
carinhoso, em italiano. Aquilo significaria que o relacionamento amoroso entre os
dois estava ficando mais sério?
A pizzaria que ele freqüentava nos tempos de estudante já não existia e eles
foram para outra, chamada La Nuova Campana, situada numa ruela que
desembocava no Duomo, como era conhecida a catedral.
Havia uma infinidade de pizzas no cardápio e David sugeriu que cada um pedisse
um tipo diferente.
Bethany ficou observando um dos pizzaioli, um rapaz bem jovem de cabelos
crespos, que batia a massa, vestindo apenas calça branca e camiseta sem mangas.
Quando ele percebeu, piscou para ela. Bethany enrubesceu e desviou o olhar,
envaidecida. Tinha já notado que muitos florentinos olhavam com admiração para
Francine, mas o cozinheiro de cabelo encaracolado fora o primeiro a demonstrar
interesse por ela.
No dia seguinte, Bethany e David passaram a manhã toda na Galleria degli Uffizi,
o museu mais importante da cidade. Nas arcadas encontraram muitos estudantes,
que se ofereciam para pintar os retratos dos turistas por umas poucas liras.
— Por que não posa para um deles? — sugeriu David. — Seria interessante ter uma
recordação de Florença. Aquele sujeito ali parece ser talentoso.
Por alguns minutos, bastante constrangida, ela foi alvo dos olhares curiosos dos
passantes. Terminado o trabalho, David pagou e agradeceu.
Foram encontrar Francine numa caffetteria. A cadeira ao lado dela estava
abarrotada de pacotes.
— O que é isso? — perguntou Francine, ao ver o rolo de papel que David trazia
debaixo do braço.
— Um retrato de Bethany. O que acha? — E desenrolou o papel. Francine ficou
olhando com ar crítico.
— É bastante bom, mas não gostei do jeito que desenha a boca. Por que mandou
fazer o retrato por um estudante se você tem um artista na família?
— Não foi idéia minha, foi dele. Você nunca pintou retratos David?
— Só quando era estudante. Se estiver inspirado, vou fazer um esboço seu esta
tarde. O problema é que esses retratos são feitos em público, à vista de todos,
e isso tira a espontaneidade de quem posa. Comigo você pode relaxar. Agora vamos
ouvir as novidades de Francine. O que andou comprando?
— Acho que passei dos limites...
Da Itália com Amor Anne Weale
O olhar contrito que enviou a David fez com que Bethany desconfiasse que aquela
sessão de compras tinha sido financiada por ele. Francine não devia ter dinheiro
e contava com o dele para tudo. Bem, a verdade é que ela retribuía com suas
prendas domésticas. . . E as não domésticas.
Bethany não pôde reprimir uma sensação de mal-estar, pois não conseguiria
gastar o dinheiro de homem nenhum. Se tivesse um amante, faria questão de ser
independente, senão o relacionamento poderia tomar um aspecto mercenário.
— Mas não comprei coisas só para mim — continuou Francine. — Também comprei
presentes para vocês dois. — E entregou um pacote para cada um.
Num deles havia uma camisa azul, listrada, e, no outro, um cinto e um par de
brincos.
Bethany, que esperava brincos baratos, do Mercato delia Paglia, achou que
aqueles pareciam de ouro legítimo.
— Na verdade, Bethany, esse presente é da parte de David. Ele só me encarregou
de escolhê-lo.
— É uma recompensa por você ter sido boa menina e ter passado nos exames —
esclareceu ele.
— Mas eu pensei que o meu premio fosse esta viagem! São de ouro legítimo, não
são?
No berço natal de Cellini, de que mais poderiam ser? Os ourives daqui ainda
mantêm a tradição dos grandes mestres.
Eram brincos de argola, delicadamente trabalhados.
Antes de irmos embora vou levá-la para furar as orelhas — declarou Francine.
— Obrigada, David. São muito bonitos. Vou conservá-los com muito carinho. — E,
levantando-se, deu-lhe um leve beijo na face.
— Eu também quero agradecer meus presentes — disse Francine, beijando-o
também.
— Foi uma satisfação, minhas queridas.
Durante a tarde, no hotel, David fez um croqui de Bethany, captando -lhe com
muito mais acuidade as linhas jovens da boca e os traços suaves das pálpebras,
na posição de leitura. Desenhou também as longas pernas, numa postura juvenil,
mas evidenciou seus atributos de mulher nos traços sinuosos com que contornou
o busto e a curva dos quadris.
No rodapé da folha:
"Bethany — dezesseis, a caminho dos dezessete".
Colocou a data e assinou.
Da Itália com Amor Anne Weale
— No próximo ano farei outro. Na sua idade, em doze meses as pessoas mudam
muito.
No dia seguinte, persuadiram Francine a visitar, pelo menos, o Museo degli
Argenti, no Palazzo Pitti.
Mas não foi a inestimável coleção de jóias, camafeus, pratar ias, cristais e
marfins, pertencentes à família Medici, o que mais impressionou Bethany, e sim
um retrato exposto num dos salões do palácio.
Apesar de ter lido muito sobre o mais famoso dos Medici, nunca vira a imagem
dele. E agora estava ali, à sua frente. Lorenzo di Piero de Medici, um homem com
uma vasta cabeleira negra, usando uma roupa lisa de veludo bordo, onde se
destacava um colarinho branco frisado. Pela expressão, parecia estar pensando
em alguma coisa jocosa, pois os cantos de sua boca sensual estavam puxados num
meio sorriso, e seus olhos pretos tinham um brilho divertido.
Se ela tivesse vivido em Florença naquela época, seguramente teria se apaixonado
por aquele homem.
Após a visita ao Palazzo Pitti, dirigiram-se a um dos lugares mais pitorescos da
cidade. Ponte Vecchio, a mais antiga ponte sobre o rio Arno e a única que não fora
atingida pelos bombardeios durante a II Guerra Mundial. Diferenciava -se das
outras porque era coberta e ladeada de pequenas lojas, a maior parte delas
especializada em jóias de ouro e prata. No centro da ponte abria -se um espaço
maior, que era o ponto de encontro de estudantes, pequenos artesãos e turistas.
Deixando Bethany ali para apreciar o movimento, David levou Francine a uma das
lojas a fim de comprar-lhe uma lembrança mais duradoura do que roupas.
Quando voltaram, a francesa trazia ao pescoço uma delicada corrente de ouro. E,
apesar de ter passado o resto da tarde a admirar no espelhinho do porta -pó o
efeito da jóia, o sexto sentido de Bethany dizia-lhe que Francine teria preferido
que David tivesse comprado uma simples aliança de ouro.
A hora de retornar à Villa Delphini chegou depressa demais.
Bethany fez a viagem de volta num estado de ânimo bem melhor, pois não foi mais
incomodada por aquela sensação de ser uma intrusa, e pelo ciúme que a tinha
perturbado. Podia ser idiotice, mas sua mente estava agora ocupada pela
lembrança de um homem que vivera e morrera há mais de quinhentos anos: Lorenzo
de Medici.
O outono em Portofino equivalia ao verão em outros lugares do norte da Itália e
a aproximação do inverno dava a impressão de que estavam entrando no outono.
Foram festejar os feriados de fim de ano numa estação italiana de esqui. Logo
depois do Natal, comemoraram o aniversário mais feliz da vida de Bethany.
Da Itália com Amor Anne Weale
CAPITULO IV
— Vai embora para sempre, Francine? Não vai mais voltar? Bethany estava
perplexa.
— Arrume um cafezinho para mim, por favor — pediu a francesa, deixando-se cair
sentada numa cadeira, parecendo muito cansada e abatida. — Pensei que David e
eu pudéssemos ter um relacionamento estável e permanente, mas isso não será
possível. E, para mim, a situação atual não é satisfatória. Bem, querida, agora que
está mais crescida, acho que posso falar-lhe com franqueza. Não sei se vai
entender, mas desde que me separei de meu marido, há dez anos, convivi com
vários homens. Para muitas pessoas, posso ser considerada uma devassa. Mas eu
acho que existem muitas mulheres, ditas respeitáveis, que, se tivessem coragem,
fariam a mesma coisa que fiz no caso de o casamento não dar certo. Pensem o que
quiserem de mim. O que sei é que não sou uma mulher vulgar. Sempre andei em
busca de amor. . . de estabilidade.
— Pois acho que é uma pessoa extraordinária e até estava torcendo para que você
e David se casassem!
Os olhos de Francine encheram-se de lágrimas.
— Obrigada, chérie. Também gosto muito de você. Amo a ambos. Infelizmente,
David não sente o mesmo a meu respeito. Ele é bondoso... algumas vezes chega
a ser afetuoso... mas não me ama. Nem sei se algum dia conseguirá amar alguém.
Tenho a impressão de que aconteceu algo com ele, no passado, que o tornou
incapacitado para o amor. Fisicamente, ele é potente, até demais. Mas
emocionalmente é um homem castrado. Para ele é impossível doar o coração,
simplesmente porque não tem um coração para doar.
Bethany serviu duas xícaras de café e foi sentar-se perto da francesa.
— Se você o ama de verdade, Francine, não seria melhor ficar e ter um pouco de
felicidade do que ir embora e não ter nenhuma?
A outra meneou a cabeça, num gesto de desânimo.
— Estou com trinta e nove anos, quatro a mais que David. Mesmo que eu me cuide,
em mais alguns anos terei um papo aqui — apalpou o queixo —, e isto vai começar
a despencar — passou a mão sobre os seios. — Só quando um homem ama uma
mulher é que não faz caso desses detalhes.
— Mas David também vai ficar velho um dia!
Da Itália com Amor Anne Weale
— David vai se conservar por muito tempo. Ele tem um tipo físico invejável. Pode
ser que os seus cabelos embranqueçam, mas vão continuar fartos. Se ele começar
a emagrecer, os ossos vão aparecer. Mas ossos não envelhecem tanto quanto
carnes. Os olhos dele poderão perder um pouco o brilho, mas aquele tom azul
nunca ficará opaco, e ele sempre será um homem de chamar a atenção das
mulheres.
Havia uma amargura tão grande na voz de Francine que Bethany ficou
extremamente penalizada.
— Querida Francine... não vá! Precisamos de você aqui. David vai ficar muito
decepcionado quando descobrir que você o abandonou dessa forma!
— Eu já me despedi dele a noite passada. Nós nos beijamos muito, nos amamos
intensamente. David sabe que fico nervosa quando ele viaja de avião, e deve ter
pensado que foi por isso que passei a noite acordada, em seus braços. Mas, quando
voltar, vai compreender, e saberá que aquela foi uma despedida.
— Francine tomou um gole de café e encolheu os ombros. — Sei que vou ficar
deprimida por algum tempo, ê inevitável. Tudo na vida tem um preço, e esse ano
que passei com David e você fez com que eu poupasse muitas lágrimas, muitos
momentos de solidão. Mas quem sabe? Talvez eu ainda encontre um grande amor,
desde que não vá embora tarde demais.
Antes de embarcar, Francine forneceu o endereço provisório de um pequeno hotel
em Paris, onde pretendia passar as primeiras duas ou três semanas.
— Se David achar que faço muita falta, poderá entrar em contato comigo nesse
endereço. Mas ele não vai fazer isso — disse, balançando a cabeça tristemente.
— Você tem dinheiro suficiente até. . . até. . . que alguma coisa aconteça?
— Tenho, tenho. Não se preocupe comigo. Além do mais, posso arrumar um
emprego em Paris. Afinal, alguém com os meus dotes culinários, modéstia à parte,
é sempre muito requisitado. Tenho também algumas economias. Andei vendendo
boa parte da langerie que bordei, para uma butique em Rapallo. E, por falar nisso,
deixei um embrulho em cima da sua cama. Ê um jogo que fiz especialmente para
você. Guarde-o para a sua lua-de-mel, chérie.
A caminho do aeroporto, elas ficaram praticamente em silêncio. Francine tinha os
cabelos presos num coque e vestira-se com elegância e sofisticação, pronta para
enfrentar Paris. Estava realmente muito bonita.
Mas, na hora da despedida, acabou borrando o rímel dos olhos, pois ambas caíram
no choro.
Depois que ela embarcou, Bethany foi recompor-se no lavatório do aeroporto, pois
David deveria chegar a qualquer momento. Mas o avião atrasou uma hora.
Da Itália com Amor Anne Weale
Como ele só trazia uma pequena maleta, não precisou perder tempo na alfândega
e, passando à frente dos outros passageiros, foi direta-mente ao encontro de
Bethany.
— Alô, doçura! Sinto tê-la feito esperar. Onde está Francine?
— Ela... ela não está aqui.
— E onde se meteu? Por acaso o carro encrencou?
— Não, o carro está lá fora, no estacionamento. Bem. . . Francine está a caminho
de Paris. Tomou o avião há duas horas. Ela foi embora para sempre, David.
— O quê?
Ele parecia assombrado.
— E por quê? Ela lhe disse por que foi embora?
— É que Francine te ama e pensa que você não sente o mesmo. Tenho o endereço
dela em Paris, caso queira. . .
Por mais de um minuto David ficou mudo, muito tenso, olhando sem direção.
— Ela tem razão — disse, por fim. — Eu gosto muito dela. Tinha-lhe carinho e
apreço. Francine era uma pessoa fora de série. Ótima na cama e no fogão. Mas eu
não a amava.
E, como se estivesse arrependido de tanta franqueza, propôs:
— Vamos sair daqui. Já estou cansado de multidões, e não vejo a hora de voltar
para a paz e a tranqüilidade da minha casa. Só acho que Francine poderia ter me
esperado.
Ao chegarem à Villa Delphini, David declarou que ia tomar banho e que não
almoçaria, pois já comera no avião. Bethany, que mal tomara o café da manhã por
causa dos atropelos da viagem de Francine, estava morta de fome. Foi até a
cozinha, serviu-se de um pedaço de pão, tomou um iogurte e preparou uma salada
de frutas.
Dali por diante, teria que fazer as refeições. Não sabia cozinhar, mas aprendera
um pouco, observando Francine.
Depois de lavar os pratos que sujara, Bethany subiu para o quarto e encontrou
sobre a cama o presente que Francine lhe deixara. O jogo consistia de uma
camisola, uma liseuse, um penhoar e uma combinação, tudo confeccionado em
cetim branco bordado com ponto sombra, em azul. O ponto era feito por baixo de
recortes de organza transparente, estrategicamente distribuídos.
A camisola era virginal, e sexy ao mesmo tempo.
Da Itália com Amor Anne Weale
"Você há de compreender se eu não escrever por algum tempo. Sinto -me como se
o mundo tivesse desmoronado à minha volta".
Bethany sentiu mais a morte daquele casal querido do que a do próprio pai.
Quando David voltou, encontrou-a recostada na espreguiçadeira do terraço com
a carta na mão e o rosto banhado em lágrimas.
— O que aconteceu, minha querida?
Como resposta, ela entregou-lhe a carta. David leu-a com atenção, uma ruga
vincando-lhe a testa.
— Meu Deus! Que tragédia! Quando chegou a carta?
— Oh... há questão de uma hora e meia.
E você ficou aqui sozinha todo esse tempo, minha pobre garota? Sentou -se ao
lado dela, deu-lhe um lenço e passou-lhe o braço pelas costas. Ela aninhou-se,
muito triste e desconsolada.
— Oh, David! Como Grace irá suportar uma coisa dessas? Eles eram maravilhosos!
Pobre amiga. . . coitadinha dela!
— Coitadinha de Bethany! Você também os amava muito, não é verdade?
— Sim, mas pelo menos ainda tenho você. Ela não tem mais ninguém. Por que logo
eles? Com tanta gente malvada que tem neste mundo?
E recomeçou a chorar convulsivamente.
David consolou-a usando todos os argumentos possíveis, mas Bethany não se
conformava.
— Mas é tão injusto que um bêbado tenha acabado com suas vidas, ainda tão
moços! Eles não eram velhos, sabe? Tinham uns quarenta e poucos anos.
— É, é injusto. A vida é injusta. Por exemplo, por que eu fui abençoado com um
talento que me permite levar a vida que levo, num lugar lindo como Portofino,
enquanto que outros têm que se sujeitar a trabalhar em minas de carvão ou nas
grandes fábricas de automóveis, lugares barulhentos, insalubres e poluídos? Ou,
pior do que isso, os que dependem da caridade alheia para sobreviver? O mundo
está cheio de injustiças, doçura. Você devia saber disso melhor do que ninguém.
Já passou por maus bocados, principalmente nos últimos tempos.
Bethany soltou um suspiro.
— Viver aqui apagou todas as minhas mágoas. Você tem sido tão bondoso comigo,
David. . .
Ele ergueu-lhe o queixo, fitando-a bem dentro dos olhos.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Na atual conjuntura, você tem sido uma bênção para mim. Como eu me arranjaria
sem você? De uns tempos para cá, tem sido o meu braço direito!
Tal como fizera naquela noite em Blackmead, ele beijou -lhe a ponta do nariz.
Quando ela enviou-lhe um pálido sorriso de gratidão, a fisionomia de David
adquiriu uma nova e perturbadora expressão. Aqueles olhos azuis se fixaram em
seus lábios tão intensamente que Bethany chegou a pensar que ele ia beijá -la na
boca. Àquela perspectiva, seu coração disparou, alarmado.
Talvez nem lhe passasse pela cabeça uma coisa dessas, pois pouco depois David
levantou-se e disse, num tom neutro:
— Por que não levanta daí e vai tomar um banho rápido, para relaxar? Pode deixar
que hoje eu cuido do almoço.
Por algumas semanas Bethany continuara a sentir aquele vazio causado pela morte
das duas pessoas que ela mais amava no mundo depois de Grace e de David. Sua
melhor amiga tornara-se órfã. Como ela.
Procurava não dar demonstrações da depressão que a morte dos Suffolk lhe
causara, mas era difícil ficar de cara alegre. David também parecia inquieto,
insatisfeito com sua produção artística e impaciente no trato com as pessoas,
apesar de nunca se mostrar irritado com ela.
Certa noite estavam ambos na cozinha quando ele perguntou:
— Você já leu Salgueiros ao Vento? é um dos meus livros prediletos.
— Também era o meu, quando jovem. Lembra-se daquela passagem em que o rato
do esgoto encontra o rato do mar e o convida para almoçar em sua toca?
— E o rato do mar começa a contar-lhe suas viagens ao redor do mundo, deixando
o pobre rato do esgoto tão invejoso e angustiado a ponto de querer largar tudo
para aventurar-se no mar se a ratinha mole não o tivesse impedido? Ê assim que
você está se sentindo, David?
— Você tem um raciocínio rápido, Bethany.
— Mais tarde, o ratinho ressentiu-se da interferência da ratinha... Ouça, David,
nunca vou querer ser um empecilho para você. Se está com vontade de viajar, não
se prenda. Eu posso ficar aqui sozinha, sem problemas.
— Não era bem essa a minha idéia. Sabe, já faz dois anos que levo uma vida
sedentária e me deu uma vontade louca de sair por aí, mas levando você comigo.
— Aonde iremos? Tem alguma sugestão?
— Não sei onde você já esteve. . .
— Andei percorrendo a Europa, mas nunca passei pelos Pirineus. Que tal irmos
dar uma olhadela na Espanha?
Da Itália com Amor Anne Weale
Partiram, dois dias mais tarde, rumo à Espanha, deixando Caí aos cuidados de
Maria.
Era maio. As colinas verdejantes que circundavam a auto estrada estavam
enfeitadas por florzinhas amarelas.
Pretendiam passar a noite no famoso Hotel e Restaurante Oustaude Baumanière,
em les Baux, França. O guia turístico que levavam recomendava o hotel pela
excelente comida, serviço impecável e lugar aprazível.
— Todavia o projeto fracassou, pois o hotel só dispunha de um quarto vago.
— Oh, que pena! E você, que tanto queria comer lá! Se estivesse sozinho, bem que
poderia ter ido — disse Bethany, pesarosa.
Uma boa refeição tem que ser saboreada a dois. Não se aborreça. Na volta, quem
sabe, arrumaremos lugar. Vamos ver o que o nosso guia turístico tem a oferecer
como alternativa. Arles parece ser interessante.
David optou por um hotel chamado Mas de Ia Chapelle, a poucos quilômetros, ao
norte da cidade. A grande piscina olímpica foi a primeira coisa que viram ao
estacionarem o carro.
— Só espero que não esteja lotado — disse David, ao seguirem a seta que indicava
a recepção.
Trilhando uma alameda que circundava o hotel, puderam ver a capela histórica que
havia ali. Era uma construção bem mais imponente que os outros edifícios laterais,
com um alto campanário, um portal entalhado, em forma de arco, e vitrais nas
janelas de ogiva. Mas o que mais chamou a atenção de Bethany foi uma estátua da
Virgem em granito erguida na esplanada fronteiriça à capela.
— Oh, vou rezar para que tenham acomodações — disse Bethany, já encantada
com o lugar.
Para alívio de ambos, a proprietária dispunha de dois quartos, ambos de casal,
com vista para a alameda por onde tinham chegado. David foi para o térreo e
Bethany ficou no primeiro andar.
Foram para a piscina e, mais tarde, David anunciou que ia dar uma caminhada. Não
a convidou para acompanhá-lo. Numa das conversas que ele tivera com Francine,
dissera que as pessoas criativas necessitam de momentos de solidão. Ou, quem
sabe, por estar na França, ele sentia saudades da antiga companheira? Aquela
decisão de viajar poderia ter sido motivada mais por uma insatisfação íntima do
que pelo desejo de conhecer novos lugares.
Mas agora era tarde demais. Onde estaria Francine? Talvez mandasse um cartão
de Natal com o novo endereço. Bethany duvidava muito. Ela era por demais altiva
para tomar uma atitude dessas. E, por causa disso, nunca mais se veriam.
Da Itália com Amor Anne Weale
Quando ele voltou do passeio, uma hora mais tarde, Bethany já estava no quart o,
retocando o esmalte das unhas, depois de ter tomado banho e lavado a cabeça.
David se fez anunciar por um assobio, mas Bethany não pôde vê -lo por causa da
marquise.
Pouco depois ele bateu à porta.
— Entre! Não está trancada!
Quando ele abriu, Bethany surpreendeu-se ao vê-lo com um ramo de flores
silvestres na mão.
— Flores para outra flor! Não é original, mas é sincero — disse, rindo.
— Oh, David! Que lindas! Obrigada. — Ela foi logo pôr as flores na água, usando
um dos copos do banheiro. — Adoro flores silvestres!
— Vim propor um aperitivo. Mais tarde, antes do jantar, tomaremos outro, na
pérgola.
Ato contínuo, desceu para o térreo e foi buscar uma garrafa de Frecciarossa, um
vinho branco que trouxera da Itália.
— Não sei se faço bem em encorajar uma garota tão jovem como você a tomar
vinho todas as vezes que me dá vontade. Vou tentar maneirar um pouco enquanto
estivermos na Espanha — disse ele, ao servi-la.
— Mas você só bebe às refeições! E, quanto a mim, não sou tão criancinha assim.
Já estou com dezessete anos e meio. Bem... quase. Só daqui a oito meses atingirei
a maioridade.
— E vai ser livre para fazer o que bem entender. Eu tive que esperar até os vinte
e um. Não que meus pais fossem intransigentes. Era John quem desaprovava que
eu me dedicasse à pintura.
Bethany não estava nem um pouco disposta a desenterrar o passado. Preferia
falar sobre o futuro.
— Onde estaremos amanhã à noite? Já na Espanha?
— Pode ser. Mas não muito longe da fronteira, se formos dar sugiro por Arles na
parte da manhã. Sei que existem algumas ruínas romanas para serem visitadas e
também o Museu Rèattu, onde estão expostas obras de Picasso e Gauguin. Van
Gogh também viveu em Arles durante dois anos, mas me informaram que a casa
onde viveu foi destruída durante a Segunda Guerra.
Bethany tomou mais um gole de vinho.
— É divertido viajar assim, não acha? Sem saber onde vamos estar no dia
seguinte. . . com quem vamos nos encontrar. . . o que vamos ver.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Não deve ser comparável à cozinha francesa ou italiana, mas ouvi dizer que os
espanhóis têm excelentes vinhos.
Foram tomar o café ao ar livre, admirando os contornos da capela refletidos na
superfície rasa da água da piscina. A quietude seria total, não fosse o som da
música vinda do salão de jantar.
— No passado, este lugar deve ter sido uma fazenda — disse David. — Ma, no
dialeto do sul da França, quer dizer "casa de fazenda". Amanhã, na hora de pagar
a conta, vou perguntar à proprietária.
Mas no dia seguinte, na afobação da partida, esqueceram de perguntar a história
do lugar e da capela. A única coisa de que Bethany se lembrou foi colher uma das
flores do jardim para guardar, como lembrança, entre as páginas de um livro. Mas
não seria pela flor que ela nunca mais esqueceria de Mas de La Chapelle. . .
Depois de visitarem os lugares programados em Arles, cruzaram a fronteira da
Espanha, na altura da Catalunha.
Ao cair da tarde hospedaram-se numa casa situada no topo de uma colina,
chamada de La Casa de Los Angeles. O nome fora inspirado na coleção de anjos
que os proprietários possuíam. Eram de granito os dos jardins, de terracota os
do interior da casa, anjos dourados, dependurados nos tetos.
Aquela era uma casa confortável, tinha piscina e não ficava longe dos centros de
compras.
À noite foram jantar num restaurante recomendado pela imobiliária que lhes
alugara a casa. Não gostaram da comida.
— Amanhã eu mesma vou cozinhar — disse Bethany, ao voltarem à Casa de los
Angeles. — Quer que faça um cafezinho, David?
— Para mim, não. Estou empanturrado com tanta gordura. Por hoje não quero mais
nada. Boa-noite. — E foi dormir.
Ao chegar a seu quarto, Bethany ficou meditando se a comida espanhola era a
responsável pelo mau humor de David ou se ele estava assim indócil por outra
razão desconhecida.
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CAPÍTULO V
Nas duas semanas seguintes, o estado de espírito de Bethany passara por altos e
baixos. Quando David sorria e era amistoso, ela ficava eufórica. Se ele tornava -
se sisudo e taciturno, ela caía em depressão.
Por algum tempo, ele se distraíra pintando vários ângulos dos bancales,
plataformas de terra sobrepostas e reforçadas por muros de pedra, formando
verdadeiros terraços nas vertentes das montanhas.
Ao cair da tarde, David dedicava-se a desenhar esboços de Bethany. Ele tinha
intenção de pintar um grande quadro, quando voltassem para Portofino, e aqueles
rabiscos serviam para escolher a posse mais adequada.
Às vezes iam tomar banho de mar na praia próxima à aldeia de Calpe, junto ao
Pefíon de Ifach um penhasco que avançava sobre o mar.
De um modo geral, ela gostou da Espanha, apesar de preferir a Itália. A maior
parte das críticas sempre partia de David, principalmente no que se referia à
alimentação. E foi quase um alívio quando, após três semanas, ele sugeriu que
voltassem para Villa Deiphini.
Bethany não atinava por que aquela viagem estava se tornando um pesa delo, e
ficou com medo de que o motivo principal fosse a monotonia.
A viagem de volta foi feita num ferry-boat, que transportou o carro de Barcelona
para Génova.
Ao pisar o solo italiano, David pareceu renascer.
Começou a pintar o retrato de Bethany, em guache. Mas não parou nisso. Durante
todo o mês de junho fez vários outros retratos dela. Bethany passava horas e
horas posando, sob aquela atmosfera impregnada de deliciosas fragrâncias, às
vezes conversando, outras em silêncio.
David pintou-a em vários trajes e poses.
Certa manhã, voltando de Rapalio com uma grande cesta de pêssegos e cerejas
que comprara no mercado, David anunciou inesperadamente:
— Esta tarde gostaria que posasse nua. Você se importa?
— Nem um pouco.
Da Itália com Amor Anne Weale
Por que haveria de importar-se em posar nua se o que mais desejava na vida era
fazer amor com ele?
Depois do almoço, David a fez deitar à beira da piscina, sobre uma toalha azul -
turquesa, com um joelho erguido e a outra perna solta, o pé mergulhado na água.
Não era uma posição fácil de ser mantida por muito tempo, e ele permitiu alguns
descansos.
Num daqueles intervalos, ouviram a campainha.
— Eu vou atender — disse David. — É melhor que se vista. Antes de descer, ele
tomou a precaução de cobrir o cavalete com um pano. Quando volt ou, acompanhado
de um rapaz italiano, ela já estava de biquíni. David apresentou o jovem como
Giancarlo Salviati, filho do proprietário de uma das villas vizinhas.
— O pai dele é um industrial milanês — informou David quando a sós com ela —, e
a família possuiu várias propriedades. Só de vez em quando vêm a Portofino, mas
mandam um batalhão de empregados na frente, para arejar e limpar a casa. Como
Giancarlo veio passar a temporada sozinho, deve estar se sentindo deslocado. No
mínimo vai convidá-la para sair.
— Mas eu não tenho a mínima intenção de sair com ele!
— Também não precisa exagerar. Já está na hora de experimentar coisas novas.
Dezessete anos e meio, nos dias de hoje, já é até um pouco tarde para o primeiro
romance.
— Eu já tive o meu primeiro romance. David olhou-a, intrigado. Ora essa!
— Quando?
Ela inspirou fundo, antes de se atrever a dizer:
— Com você... no Mas de La Chapélle.
—Não deve considerar aquilo como um romance.
— Não sei por que não! Afinal, você me trouxe flores. Eu usei um vestido novo e
prendi o cabelo. Jantamos a sós, à luz de velas, num lugar lindo. Ouvimos músicas
suaves. Foi a noite mais maravilhosa e romântica que tive na vida!
— A primeira de muitas que virão a seguir, pode crer. Logo, logo, muitos
admiradores vão querer levá-la a lugares bem mais excitantes do que Mas de La
Chapelle.
— Cabe a mim julgar, não acha?
Ferida pela indiferença de David, ela voltou, amuada, para a beira da piscina, tirou
o biquíni e reassumiu a pose.
Durante meia hora David continuou a pintar, em silêncio, e depois a dispensou.
— Pode se vestir. Por hoje, chega.
Da Itália com Amor Anne Weale
Ele tirou o chapéu de palha que o protegia do sol, o short branco que cobria a
sunga e atirou-se na piscina, espirrando água por todos os lados. Alguns respingos
atingiram a pele aquecida de Bethany. Ela se levantou, tornou a se vestir e,
enquanto ele nadava, foi olhar a tela pousada no cavalete,
Como sempre, ele a tinha retratado com tal generosidade que ela mal se
reconheceu naquela figura esguia e glamourosa deitada na toalha azul.
Se ele a via daquela forma, não estaria enxergando com os olhos condescendentes
do amor? Ou seria mera exaltação artística?
David estava nadando como um louco, de um lado a outro da piscina, quando ela
entrou em casa para preparar uma limonada. Ao voltar, ele já guardara os
apetrechos de pintura e sumira dentro do atelier. Só saiu de lá quando, peia
segunda vez, tocaram a campainha, e Giancarlo apareceu para jantar.
Dali em diante, encorajado por David, o rapaz passava a maior parte do tempo em
Villa Delphini. Antes do término da semana, no entanto, alguém mais tornou -se
assíduo freqüentador da casa.
Natasha — ela dizia que seu sobrenome só podia ser pronunciado por seus
compatriotas russos — chegou a Portofino como Francine havia chegado: no iate
de um milionário. Ela nascera em Londres e, de russo, só possuía o sobrenome e
os antepassados. Proclamava-se escultora e dizia estar a caminho de Florença
quando se viu enredada pelas belezas de Portofino e resolveu passar uma
temporada ali. Hospedou-se no Splendido e falava de hotéis cinco estrelas e de
milionários como se fossem seu ambiente habitual.
Mas Giancarlo chegou à conclusão de que Natasha não passava de uma arrivista à
cata de um novo protetor, pois se desentendera com o proprietário do iate.
— Ela deve ter bastante dinheiro para se sustentar, pelo menos por algum tempo,
senão não iria insinuar-se com David — confidenciou ele a Bethany.
Ela precisava reconhecer que, com aqueles cabelos negros retintos e aqueles
olhos azuis, quase transparentes, Natasha chamava a atenção. Mas não
simpatizava com ela, e até estranhava, pois David parecia divertir -se com suas
piadas irreverentes e grosseiras.
— Quando disse isso a Giancarlo, o rapaz se admirou.
— David bem que me disse que você era pura e inocente! Mas deve ser ingénua
demais se não sabe por que ele a tolera: David está querendo dormir com ela. Só
estranho é que ainda não o tenha feito. Natasha não tem nada de inocente, pelo
contrário. Acho até que perdeu a conta dos homens com quem já dormiu. Sei que
você considera David um ser sobrenatural, mas deve entender que, de vez em
quando, precisa de uma mulher. Ou pensa que ele é um santo ou um monge?
Da Itália com Amor Anne Weale
— Eu entendo muito bem. Quando vim para cá, da primeira vez, ele vivia com uma
francesa. Mas ela era completamente diferente de Natasha. Francine era um
amor de pessoa, e acho que Natasha é. . . é uma ordinária!
Aquela expressão não fazia parte do vocabulário de Bethany mas era a única que
fazia justiça à mulher que, agora, estava reclinada numa das espreguiçadeiras da
piscina, com um mini biquini preto e três voltas de uma corrente de ouro passadas
pelo pescoço. O dengo com que ela espalhava o bronzeador pelos seios nus deixou
Bethany envergonhada.
— Você tem razão — concordou Giancarlo. — é mesmo uma ordinária que só serve
para... — Interrompeu-se de súbito. — Não conheço nenhuma palavra decente que
exprima o que quero dizer.
Estavam conversando em italiano, que Bethany já falava fluentemente.
Naquele momento David estava entrando na cozinha, e deve ter ouvido, pelo
menos, o final da conversa, pois fez uma cara zangada. Teria ficado furioso
porque ouvira ela falar de Francine e Giancarlo? Ou porque chamara Natasha de
ordinária? , Qualquer que fosse o motivo, ele logo se recompôs.
— Posso ser útil em alguma coisa? — ofereceu-se.
— Está tudo pronto. É só ajudar a levar as bandejas.
Já reunidos à mesa ao ar livre, perto da piscina, nada indicava, pela conversação
superficial que estavam mantendo, uma explosão temperamental tão arrasadora
quanto a que se seguiu. Nunca Bethany chegou a entender o que motivou aquela
cena deprimente, pois estava falando com Giancarlo quando Natasha gritou;
— Seu nojento! Você não me tapeia, David!
Atônitos, Bethany e Giancarlo a encararam. Seu rosto estava lívido e contorcido
pela cólera; a voz assumira um tom áspero e estridente.
— Pensei que fosse um cara normal — continuou ela, com ódio. — Já conheci gente
degenerada, mas nunca como você! — Virou-se para o jovem italiano. — Pode ir
tirando o seu cavalinho da chuva, Giancarlo. Você nunca vai conseguir nada com
essa sujeitinha. Ela não está interessada em você, assim corno ele não quer nada
comigo. O caso é entre eles dois. Não sei como os italianos chamam essa
aberração, mas em inglês é chamada de...
— Cale essa boca, Natasha!
David não alterou a voz, mas seu tom era tão imperativo que por uns segundos ela
silenciou. Antes que se recuperasse, David a fez levantar, puxando -a por um
braço.
— Apanhe suas coisas. Vou levá-la de volta para o hotel.
— Não precisa se incomodar! Prefiro ir a pé!
Da Itália com Amor Anne Weale
— Gosto demais de você. Como artista, sinto-me cativado por seu rosto, sua graça,
sua figura. Você vai se tornar uma mulher linda e, mesmo agora, possui uma
doçura, uma meiguice que inspiraria qualquer pintor. Mas isso não tem nada
a ver com o tipo de amor a que você se refere.
— Não acredito no que está dizendo, David. Acho que você está negando que me
ama por causa daquilo que Natasha andou dizendo. Ela fez com que esse amor
parecesse pervertido, incestuoso. Mas não é assim. Sórdido seria você ter feito
amor com ela... pensando em mim.
A onda de rubor que subiu ao rosto bronzeado de David confirmou que ela
acertara no alvo. Aquela mulher seria apenas uma válvula de escape.
— Oh, David! Nós poderíamos ser tão felizes! — Sentou-se junto dele. — Só
conheci a verdadeira felicidade quando vim morar aqui, com você. Sinto -me
realizada. . . bem, quase. Só falta você me beijar, me abraçar... me amar!
Emocionada, ergueu-se da cadeira e, inclinando a cabeça, deu-lhe um beijo na
boca.
Por um instante ele não reagiu. Mas depois, sem poder resistir àquele apelo,
puxou-a para o seu colo.
E deu-lhe um longo e apaixonado beijo. Bethany envolveu-o e apertou seu corpo
de encontro ao dele, impelida pelo instinto e pelo temperamento ardente.
Pensou que ganhara a batalha, que nada mais havia para ser dito, e que ele não
poderia mais viver sem ela.
Porém, subitamente, ele se libertou, empurrou-a para longe e levantou-se.
— Que Deus me perdoe! Eu devo ter enlouquecido!
Começou a andar de um lado para outro, abrindo e fechando os punhos
convulsivamente, num gesto que evidenciava luta íntima.
Bethany acompanhou-o com o olhar até que, finalmente, ele voltou para perto
dela.
— Não podemos continuar a viver sob mesmo teto. Isso é ponto passivo. Temos
que parar imediatamente com essa loucura.
— Não acho que seja uma loucura. Você me ama, David. Acabou de provar isso.
— Tudo que provei foi que, por alguns instantes, eu te desejei. . . assim como
desejaria qualquer mulher. Qualquer homem teria tido a mesma reação.
Bethany empalideceu.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Não desejo feri-la, mas você tem que convir que conheço a vida melhor do que
uma adolescente. O que está sentindo agora não vai durar, é apenas uma
empolgação amorosa. Todos nós, na juventude, passamos por isso. Daqui a cinco
anos você vai olhar para trás e dar graças a Deus por ter se livrado do pior. E
agora, o que vou fazer? Esse é que é o problema. Alguém vai precisar cuidar de
você.
— Não posso despachá-la assim, sem mais nem menos.
— Vai mesmo mandar-me embora?
— Não tenho alternativa. Permitir que fique, depois do que aconteceu hoje, seria
imperdoável. Eu me propus ser seu tutor até a maioridade, e essa
responsabilidade inclui defendê-la de tudo e de todos, inclusive de mim mesmo.
Eu seria um canalha se me aproveitasse de você.
Dois dias depois Bethany desembarcava no aeroporto de Londres e era recebida
por uma amiga de David, que a hospedaria por uns tempos, até que arrumasse
emprego e acomodação.
Bethany sentira-se expulsa do paraíso e jogada nas profundezas do inferno. O
pior era saber que David nunca voltaria atrás.
Um ano mais tarde, quando Grace Suffolk voltou dos Estados Unidos, encontrou
Bethany morando num pensionato e trabalhando numa floricultura em Chelsea.
Os pais de Grace tinham deixado a filha em boa situação financeira. Ela ainda
possuía o apartamento com vista para o Tamisa, que ficara alugado durante sua
ausência. Mas, para evitar tristes recordações, preferiu comprar outro, menor,
e persuadiu Bethany a ir morar com ela.
O trauma de ter perdido os pais tão tragicamente não parecia ter afetado muito
a exuberante personalidade de Grace.
— Não se pode ficar chorando sobre o leite derramado para sempre — dizia ela.
Bethany não lhe contou o que acontecera em Portofino. Para justificar sua volta,
disse apenas que David tinha fechado a casa para passar um ano viajando pela
índia e Extremo Oriente.
Nem com a amiga podia desabafar sua desilusão. Às vezes, pensava que até teria
sido melhor que David tivesse morrido. Seria mais difícil esquecê-lo sabendo que
continuava vivo. Ainda mais, que se convencera de que ele também a amava.
Da Itália com Amor Anne Weale
Depois que foi morar com Grace, Bethany começou a participar da vida social da
amiga. E sua tristeza, em vez de enfeiá-la, parecia torná-la mais bela e sedutora.
Nenhuma moça com aqueles olhos enormes e melancólicos poderia passar
despercebida por muito tempo. Pouco a pouco, ela começou a aceitar convites para
ir ao teatro ou a concertos, apesar de manter os homens a distância. Essa atitude
desencorajava seus admiradores. Grace fazia de tudo para tirá -la daquele
marasmo, apresentando-lhe homens interessantes. Achava estranho que Bethany
não se empolgasse por nenhum deles.
O único homem que pareceu entusiasmá-la um pouco entrou em sua vida de
repente. Bethany estava nos fundos da loja quando ouviu o som do sininho que
badalava quando a porta era aberta. Foi atender e viu um homem alto, bem
vestido, que examinava um dos arranjos de flores exposto nas prateleiras. Tinha
os cabelos negros e a pele morena. Por um instante ela pensou que fosse um árabe
em trajes ocidentais.
— Às suas ordens! — cumprimentou, atenciosa, começando a sorrir.
O homem virou-se e o sorriso de Bethany desapareceu.
Ele possuía nariz aquilino, olhos escuros, quase pretos, tez morena, mas não era
árabe. Seu tipo era italiano, e sua fisionomia não lhe era estranha.
A boca sensual mostrava um meio sorriso, e os olhos tinham um brilho estranho
como se alguma coisa o divertisse. Sem dar-se conta, ela começou a falar em
italiano:
— Buon giorno, signore. Posso aiutarlo?
Os profundos olhos escuros examinaram de alto a baixo a esbelta figura de
Bethany, que vestia um traje de crepe preto com gola de organdi branco. Era um
olhar bem à italiana: atrevido.
— Bom-dia. Vim buscar umas flores de seda que minha mãe encomendou no começo
do mês.
O inglês dele era impecável, sem o mínimo sotaque.
— Estão em nome de quem?
— Dorset. . . Castelo Cranmer.
— Oh, sim. Estou lembrada.
Fora Bethany quem atendera aquela senhora que viera encomendar flores
artificiais, trazendo uma amostra da cor. Também trouxera dois vasos de cristal,
em forma de cornucópia, para a confecção do arranjo. Pareceu -lhe uma pessoa
acessível e cordial. Só quando anotou o pedido, com nome e endereço, é que
descobriu tratar-se da duquesa de Dorset, cujo castelo, em Cranmer, era
considerado um dos mais belos do sul da Inglaterra,
Da Itália com Amor Anne Weale
Bethany tomou um gole de vinho quente, olhando para as pessoas que estavam no
amplo salão. Era uma atitude que sempre condenara, como falta de educação. Por
mais que uma conversa fosse aborrecida, a pessoa tinha obrigação de prestar
atenção ao interlocutor. Mas aquele era um caso especial: Bethany estava a fim
de livrar-se de Robert.
— E sobre o que quer falar? — perguntou, displicente.
— Sobre. . . sobre onde aprendeu a falar tão bem o italiano.
— É que morei na Itália por uns tempos, depois que terminei o curso.
— E o que a fez pensar que o italiano era o meu idioma?
— É que você tem tipo italiano.
— Na verdade, tenho sangue italiano. Minha bisavó era filha de imigrantes que se
fixaram nos Estados Unidos e acabaram milionários. Mas isso não interessa. O
que importa é estar com você.
— Já tinha ouvido falar que você era um grande namorador, e agora vejo que os
boatos têm fundamento!
— Não é preciso ser namorador para reconhecer a sua beleza. Basta não ser cego.
Minha mãe tem a mesma opinião. Ela a acha linda, com olhos brilhantes e
expressivos, mas tristonhos. A primeira impressão que tive foi de que o seu olhar
parece sempre estar dizendo: "mantenha distância". Você costuma prejulgar as
pessoas? Já tomou a decisão de não gostar de mim baseada nos boatos que andou
ouvindo por aí?
— Onde há fumaça, há fogo. Mas existe pelo menos um fato que me faz supor que
não temos nada em comum.
— Que fato?
— Você adora pólo.
— Sim, adoro. Mas nunca vi alguém considerar isso um defeito.
— Pois eu abomino tudo que se refere a cavalos.
— E quais são as suas preferências?
—- Poesia. . . artes plásticas e. . . culinária.
Seria muito difícil ele gostar de uma dessas coisas. Por isso, foi com espanto que
ela o ouviu retrucar com uma citação literária, em italiano:
— Quant' e belia giovinezza, che ti fugge tuttavia! Chi vuole ser lieto, sia: di
doman non c's certezzaf — E acrescentou: — Não sei quem escreveu isso. Talvez
seja você a autora.
Da Itália com Amor Anne Weale
CAPITULO VI
Quando Bethany havia ido trabalhar, no dia seguinte, passou -lhe pela cabeça que
talvez Robert aparecesse na loja para convidá-la a almoçar. Mas ele não apareceu,
e ela não chegou a ficar desapontada.
Nos três dias que se seguiram Bethany surpreendeu-se várias vezes pensando na
festa da Sra. Fitzhoward. Sempre que o telefone tocava, tinha a vã esperança de
ouvir aquela voz profunda e pausada que falara de arte com clareza e sabedoria.
No quarto dia, quando foi atender ao telefone da loja, uma voz feminina
perguntou:
— Posso falar com a srta. Castle?
— É ela.
— Aqui é a secretária da duquesa de Dorset. Ela deseja falar-lhe por um instante.
Mas é assunto particular. Se preferir, poderemos ligar mais tarde para a sua
casa. Só que não encontrei o seu nome na lista telefônica.
— É que o telefone não está no meu nome. Mas posso falar com a duquesa agora.
— Então um momento, por favor.
Depois de uma breve pausa, ouviu a voz da duquesa:
— Boa-tarde, srta. Como vai? Meu filho Robert contou que a senhorita é grande
apreciadora de aquarelas. Imaginei que gostaria de conhecer a nossa pinacoteca.
Se não tiver compromisso, aceitaria passar o fim de semana conosco, no castelo
Cranmer?
— Eu. . . eu ficaria encantada! — respondeu, gaguejando de espanto. — Quanta...
quanta gentileza de sua parte!
— Ora, deixe disso. Meu marido vai ter que pernoitar em Londres na sexta -feira
e poderá ir buscá-la no sábado pela manhã. E como eu tenho dentista marcado
para segunda-feira, poderei levá-la de volta. Vai ser um fim de semana em família.
Não precisa se preocupar com roupas e coisas do gênero. Só aconselho a trazer
agasalhos e sapatos confortáveis para andar bastante, pois tenho certeza de que
Robert vai convidá-la para longas caminhadas. Ele é um verdadeiro andarilho. Eu
não sou, e talvez nem você seja.
— Pois eu sou.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Ótimo. Já tenho o seu endereço. Poderia dar-me o telefone, caso surja algum
imprevisto?
Bethany ditou-lhe o número, e a duquesa encerrou o diálogo confirmando:
— Então, estamos combinadas. Meu marido irá apanhá-la às dez e meia. Tente
estar pronta. Nós nos veremos no sábado. Até lá!
Quando Grace soube do convite, exclamou:
— Minha Nossa Senhora! Quem sabe ele se apaixonou por você, e desta vez, para
variar, tenha boas intenções!
Bethany riu.
— Tudo isso parece tão inacreditável! É como se um disco voador tivesse pousado
no telhado!
Porém, de uma coisa ela estava certa: Robert não iria tentar seduzi -la debaixo
do nariz dos pais. E assim poderia gozar das belezas daquele castelo famoso sem
ter que se preocupar com Robert.
Às dez e vinte do sábado, Bethany já estava prontinha, aguardando na calçada do
prédio a chegada do duque.
Às dez e vinte e cinco, avistou um Rolls-Royce que vinha em sua direção. Sabendo
que Grace estava olhando da janela do apartamento, acenou para ela e esperou
que o carro estacionasse junto ao meio-fio.
O motorista desceu, pegou a maleta de Bethany e foi abrir a porta traseira para
que ela entrasse.
— Bom-dia, srta. Castle! — cumprimentou o duque. — Parabéns por já estar
pronta. A pontualidade é uma virtude dos reis, conforme as palavras de Luís VIII.
Mas, em geral, não é muito respeitada pelas mulheres. . .
— Bom-dia — respondeu ela, com um sorriso, apertando-lhe a mão.
O duque não era nada parecido com o filho, a não ser na altura...Tinha cabelos e
bigodes grisalhos e olhos acinzentados.
Bethany acomodou-se a seu lado e por uns dez minutos conversaram sobre
generalidades. Por fim o duque propôs:
— Bem, não vamos ficar tagarelando por toda uma hora de viagem. Sugiro que dê
uma olhada nos livros que minha esposa encomendou, enquanto eu dou uma lida no
Times.
Bethany escolheu uma biografia que há tempos estava desejando ler, e não tirou
os olhos do livro até que o duque anunciou:
— Já chegamos!
Da Itália com Amor Anne Weale
O castelo Cranmer ficava no centro de uma ilhota, num grande lago circundado
por bosques e parques. Fora usado como casa de campo e os bosques, como reserva
de caça, por Henrique VIII. Mais tarde, foi doado pela rainha Elizabeth I a Piers
Rathbone. Desde aquele tempo sempre fora habitado pelos sucessores da família.
Muitos guias turísticos exibiam fotos do castelo, como um exemplo pitoresco de
uma bem conservada edificação medieval.
Bethany se informara desses pormenores no dia anterior. Ainda no ca rro, depois
de fechar cuidadosamente o livro, ficou apreciando aquelas muralhas altas que
existiam há mais de quinhentos anos.
O Rolls-Royce entrou na estreita ponte que atravessava o lago e, em seguida,
passou sob as arcadas centenárias do portão, chegando a um imenso pátio calçado
de pedras.
A duquesa já estava à espera deles, e Bethany estranhou que Robert não
estivesse junto.
Ao descerem, a primeira coisa que o duque fez foi beijar a esposa com evidente
afeição.
A srta. Castle entreteve-se com um dos seus livros durante a viagem, querida.
Certamente vai querer terminá-lo antes de voltar para Londres.
— Qual deles a interessou? — perguntou a duquesa ao apertar a mão de Bethany.
— Vou pedir ao mordomo que o leve para o seu quarto. Agora, venha conhecer
James, meu filho mais velho. Robert não está. Passou a semana toda fora, mas é
esperado hoje à tarde. Devo preveni-la de que James está confinado a uma
cadeira de rodas. Foi acometido por uma doença que não tem cura. Ele suporta
isso com grande coragem e, felizmente, sua riqueza intelectual compensa a
deficiência física.
Quando elas entraram no quarto, James, o visconde de Hartigan, estava sentado
junto à janela, apreciando a vista e ouvindo uma música erudita que Bethany não
reconheceu.
Ao vê-las, ele girou a cadeira de rodas e foi desligar o aparelho de som.
Era um belo homem, mas diferente do irmão, percebia -se que fora forte e
elegante. Seu sorriso era alegre.
— Desculpe se não me levanto, srta. Castle. Ou posso chamá -la pelo encantador
nome de batismo?
— Claro que pode, por favor.
Ele só poderia ter tido conhecimento de seu primeiro nome através do irmão. O
que Robert teria comentado?
Da Itália com Amor Anne Weale
— Sem qualquer associação de idéias, quer saber o que meu pai disse de você há
pouco? O seguinte: "Uma moça muito dócil e agradável. Pernas bonitas... Pontual...
e gosta de leitura". Você foi aprovada de saída, o que nunca aconteceu antes em
relação às minhas amiguinhas.
Ao falar, esticou um olhar para as pernas bem torneadas de Bethany.
— Ele tem razão quanto às pernas! Aliás, eu já as tinha notado, da primeira vez
que a vi. E não há nada mais erótico que pernas com meias pretas de náilon!
Bethany teve o pressentimento de que ele ia beijá-la ali mesmo. Estavam numa
ala raramente usada no castelo que só era aberta quando os Dorset recebiam
ministros de Estado ou a alta nobreza.
Naquele salão vazio, a virilidade emanada por Robert tomava proporções
assustadoras. Instintivamente Bethany deu um passo atrás e falou, num tom
gélido:
— Sinto-me lisonjeada por ter sido aprovada por seu pai, mas devo preveni -lo de
que não sou, nem pretendo ser, uma dessas suas "amiguinhas", no sentido que você
dá à palavra. Talvez uma amiga no bom sentido. Nada mais.
— Por que não? Se aceitou o convite de mamãe é porque não deve ter um caso
amoroso em andamento. . .
— Não tenho caso algum, nem pretendo ter. Muito menos com alguém a quem
conheço tão pouco — respondeu ela, com firmeza. — Se pediu à sua mãe que me
convidasse só porque queria ter um romance comigo, sinto muito desapontá-lo.
Aceitei porque tinha vontade de conhecer o castelo e todas as belas obras de
arte que o tornaram tão famoso. Se quer saber, fiquei até admirada quando sua
mãe me convidou, mas não tão deslumbrada a ponto de querer ter... ter um c aso
com você.
— Não me recordo de ter sugerido tal coisa. Apenas admirei as suas belas pernas,
e não me consta que tecer um elogio seja equivalente a fazer uma proposta.
Bethany sentiu que enrubescia diante daquele sarcasmo.
— Só estou tentando deixar tudo bem claro desde já... para... para evitar futuros
mal-entendidos.
— Mensagem recebida e compreendida — disse ele, e olhou para o relógio de pulso.
— Vamos deixar o restante da visita para mais tarde. Sá é hora do chá.
A última vez que Bethany tomara chá à inglesa, servido formalmente em aparelho
de prata, fora quando David aparecera em Black-mead e a carregara num "tapete
mágico" para seu mundo colorido de Portofino.
Essa recordação tornou Bethany taciturna durante todo o tempo em que a família
esteve reunida, tomando chá e conversando sobre os tempos idos.
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Bethany percebeu que James não comeu quase nada. Só agora notava que seu
aspecto era o de um homem gravemente doente.
"Que bela é a juventude que, todavia, nos foge. Quem quiser ser feliz que o seja
logo, pois o amanhã é incerto."
As palavras de Lorenzo de Medici voltaram-lhe à memória. Ele também tivera um
desgosto com o irmão, Giuliano. Testemunhara o assassinato dele por um dos
membros da família Pazzi, rival dos Mediei. O próprio Lorenzo escapara por um
triz. Na ocasião, Giuliano tinha apenas vinte e cinco anos.
Quem sabe a invalidez e a progressiva decadência física de James tivessem
influenciado Robert a querer viver intensamente enquanto ainda era jovem e
saudável.
Mas, no caso dele, não seria mais compensador um casamento estável do que uma
sucessão de aventuras amorosas?
— Tudo bem com você, Bethany?
A voz profunda e sonora de Robert a assustou.
— Oh, desculpe! Eu estava no mundo da lua!
— E o que havia de bom na lua?
— Pouca coisa. Era quarto-minguante,.. Naquela noite, antes do jantar, Robert
mostrara-lhe o grande salão onde estavam expostos os retratos a óleo dos
ancestrais da família. Havia telas assinadas por Kneller, Van Dyck, Reynolds,
Gainsbo-rough e Zoffany. Mas o que mais lhe despertou a atenção foi o re-trato
da bisavó norte-americana de Robert, pintado por John Singer Sargent. Ao ser
retratada, a duquesa trajava um vestido de veludo escarlate, que lhe realçava
ainda mais a beleza tipicamente italiana. O magnetismo que emanava era quase
palpável.
Além daquele imenso salão, onde eram servidos os banquetes, o castelo possuía
mais uma grande sala, também destinada a jantares formais. Mas, naquela noite,
eles jantaram numa saleta redonda, à qual chamavam de parlatório, situada numa
das torres.
Era ali que estavam dependurados os quadros adquiridos pelo atual duque e sua
família, e as paredes eram praticamente cobertas de pinturas.
Quando a duquesa indicou a Bethany o lugar onde deveria sentar-se, e Robert foi
puxar-lhe a cadeira para que se acomodasse, ela ficou parada, imóvel, olhando
para um dos quadros à sua frente.
Nunca o vira antes, mas aquele estilo era-lhe dolorosamente familiar.
— Oh... não é um Warren? — perguntou.
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— Sim. Fui eu quem o comprou, em Nova York — respondeu Robert. — Você deve
conhecer bem a obra de Warren para saber, de um só relance, que é um trabalho
dele!
— Conheço muito. Warren é meu tio.
— Irmãos de sua mãe? — perguntou James, sentado ao lado dela.
— Não. É irmão de meu pai. Warren é um dos sobrenomes dele.
— Eu sabia que ele era inglês, mas me disseram que não mora na Inglaterra.
— Ele vive na Itália.
— Então você ficou com a família dele quando passou aquela temporada na Itália?
— Fiquei.
Ela achou desnecessário explicar que David não tinha família. Se aquele quadro
não lhe tivesse chamado a atenção, teria preferido não mencionar seu parentesco
com ele.
Inevitavelmente, aquela coincidência despertou o interesse dos demais, e ela foi
metralhada por várias perguntas a respeito de David, até que, para seu alív io,
Robert tomou a iniciativa de mudar de assunto.
Depois do jantar, o duque pediu desculpas e foi dormir. James foi levado para
seus aposentos por um empregado que cuidava só dele.
Antes que o casal se retirasse, Bethany apressou-se em despedisse de Robert,
desejando-lhe uma boa noite.
Um brilho malicioso iluminou-lhe os olhos escuros.
— E eu que contava com você para jogar baralho!
— Sinto muito, mas não costumo dormir tarde. Além disso, levantei muito cedo
hoje, para deixar o apartamento arrumado antes de viajar.
— Nesse caso, não quero ser egoísta, privando-a de um merecido descanso. Por
coincidência, também sou madrugador. Quando amanhecer já estarei fazendo o
meu cooper diário ao redor do lago. Mas também adoro a noite. O sono é o
prenúncio da morte, e para se viver a vida é preciso ficar acordado o maior tempo
possível. Boa noite, Bethany.
Na verdade, ela não estava com um pingo de sono. Só queria continuar a leitura
da biografia.
Estava na cama, lendo há uns quarenta minutos, quando ouviu uma batida na porta.
Não acreditava em assombrações, mas aquele castelo antigo a assustava um pouco.
Bethany olhou apreensiva para a porta. Quem seria àquela hora da noite?
— Entre — ordenou, incerta de quem iria aparecer.
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Foi Robert quem abriu a porta, ainda vestindo o paletó de tweed e trazendo uma
caneca de prata na mão.
— Da janela do meu quarto vi a luz acesa, e presumindo que você estivesse
acordada trouxe-lhe uma bebida — disse ele, fechando a porta e aproximando-se
da cama.
Bethany tinha prendido seus longos cabelos num rabo de cavalo, frouxo, para
evitar que embaraçassem, e vestia uma camisola que era uma versão modernizada
dos modelos tipo "vovó", de gola alta e mangas compridas, franzidas.
Robert colocou a caneca na mesinha de cabeceira e depois, com um sorriso irônico,
tocou o rabo-de-cavalo, a gola, a manga franzida e o livro entreaberto sobre a
cama.
— Você está parecendo uma virtuosa virgem da época vitoriana! Mas desconfio
que entre suas virtudes não está incluída a sinceridade. Você veio cedo para a
cama porque queria ler e não porque estivesse com sono,
— Bem. . . em parte, sim.
A outra parte é que você ficou apreensiva por ter que ficar sozinha comigo.
Acertei?
— Quando você disse: "Mensagem recebida e compreendida", tomei aquilo como
uma garantia. Portanto, não vejo razão para ficar apreensiva.
— Já que é assim, posso me sentar um pouco?
Tomando o silêncio dela como um consentimento, ele sentou -se na beirada da
cama, mas bem afastado.
— O que é isto? — perguntou ela, pegando a caneca de prata.
— É um chá de ervas que minha mãe toma quando não consegue dormir. E eu juntei
um pouco de brandy.
— É estranho como a história se repetia.
Naquela mesma tarde, o chá, servido num aparelho de prata, lembrara -lhe a cena
vivida ao lado de David. E, agora, estava sentada na cama, tomando uma bebida,
tal como ocorrera quando David a visitara, alta noite, em seu quarto do sótão.
— Gostaria de fazer uma pergunta um tanto indiscreta — disse Robert.
Bethany ficou em silêncio, olhando para ele por cima da borda da caneca.
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— Durante o jantar, tornou-se claro, pelo menos para mim, que você não estava
gostando de falar sobre a Itália. Também naquela festa, na casa da Sra.
Fitzhoward, quando citei um poeta italiano, você ficou perturbada. E hoje à tarde,
disse-me que não tem intenção de se envolver com homem algum. Isso tudo me
faz concluir que teve um caso de amor com um italiano que acabou não dando
certo, e de cuja desilusão ainda não se recuperou. Essas deduções são carretas?
Por um instante, terrivelmente embaraçoso, Bethany pensou que Robert tivesse
adivinhado toda a verdade. Mas ele se referira a "um italiano", o que não era o
caso de David.
— É verdade. Eu me apaixonei por alguém, na Itália.
— Logo imaginei. — Evidentemente, ele não pretendia esticar aquele assunto, pois
pegou o livro e comentou: — Deve ser interessante.
— Oh, é excelente! Conta fatos históricos, mas num estilo leve, romanceado.
— Vou lê-lo na primeira oportunidade. Mas não deixe que a leitura a absorva até a
madrugada, pois, se não chover, poderíamos dar uma caminhada logo depois do
café da manhã.
Levantam-se e foi andando para a porta.
— Gostaria muito — disse ela. — Ah, e obrigada por isso. — É apontou para a
caneca de chá.
Já com a mão na maçaneta, Robert retrucou:
— "Isso", como você chama, foi um mero pretexto para vir até aqui. Boa-noite!
Robert comportou-se muito bem dali em diante. Um mês depois, durante o qual
Bethany o viu por várias vezes, recebera novo convite para ir ao castelo, e levara
Grace. A duquesa soubera, por intermédio de Robert, que ela era órfã e achou
que poderia sentir-se muito solitária no apartamento.
Mas, àquela altura, Grace tinha arrumado um novo namorado e parecia
animadíssima - Apesar de ter curiosidade em conhecer o castelo, preferiu passar
o fim de semana com seu novo amor.
Grace não era mais virgem desde que vivera nos Estados Unidos, e Bethany
suspeitava de que ela não dormia sozinha no apartamento durante suas ausências.
Possivelmente, até se arrependera de ter insistido para que morassem juntas,
pois a presença de Bethany tirava-lhe a liberdade.
Sendo uma mulher liberada, Grace começou a trabalhar para que Bethany fizesse
sua iniciação sexual com Robert.
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— Sei que no começo a preveni contra ele, mas isso foi antes de conhecê-lo. Agora
cheguei à conclusão de que é um rapaz bem melhor do que eu imaginava, o que não
elimina o fato de ser um homem ardente e sensual. Acho isso muito importante
num parceiro, para que uma moça não saia decepcionada em sua primeira
experiência amorosa. — Sempre achei que uma relação sexual é sempre
decepcionante se não existem profundos sentimentos que a motivem — retrucou
Bethany. — Prefiro esperar por alguém que eu ame para fazer a minha estréia.
Pois então, iria esperar para sempre, pensou, desolada.
Foi o próprio Robert quem a levou para Cranmer, naquela sexta-feira à noite.
James estava internado, para submeter-se aos exames de rotina. No sábado, a
duquesa ia oferecer um jantar dançante. A maioria dos convidados seria jovem, e
ela recomendou a Bethany que trouxesse um vestido apropriado.
— Mamãe costuma dar essas festas quando James está no hospital - Ela acha que
meu irmão poderia ficar deprimido ao ver os outros dançando — explicou Robert
durante o trajeto. — Pobre James. . .
As palavras de David vieram-lhe à mente: "A vida é injusta. O mundo está cheio
de injustiças, doçura. Você devia saber disso melhor do que ninguém.
Comparadas com as de James, suas tristezas não tinham a menor consistência. E
não só as de James, também as de Robert. Ele poderia sentir-se entristecido por
ser tão forte e saudável enquanto o irmão definhava dia -a-dia.
Tudo que não tem remédio é mais difícil de suportar, como a doença de James,
e... o amor sem esperança que ela sentia pelo próprio tio!
No sábado pela manhã, foram dar um passeio a pé, seguidos pelos vários cães de
raça de Robert, entre os quais o predileto, Archie, um lindo Labrador.
Depois do almoço, a duquesa insistiu para que ela fosse dormir um pouco, para
estar mais descansada para a festa.
No dia anterior, levada por um impulso, Bethany c omprara um vestido habillé
curto. Era confeccionado em seda azul brilhante com uma pala dourada de tecido
transparente, decotado à altura do busto. Para completar, um casaquinho no
mesmo tecido dourado.
Aquele traje não exigia jóias, mas, mesmo que exigisse, ela só possuía os brincos
de ouro que David lhe dera e, esses, estavam guardados bem no fundo de uma
gaveta para evitar recordações dolorosas.
Quando a duquesa viu o vestido novo de Bethany, exclamou:
— Que graça! Você tem gosto! Adoro essa cor. Sabe, tenho um conjunto de colar,
pulseira e brincos, em lápis-lazúli, que combinam com esse traje. Não quer usá -
lo?
Da Itália com Amor Anne Weale
— É muita bondade sua, duquesa, mas não me importo de não usar jóias.
— Não deve mesmo importar-se. Com esse pescoço tão longo e bonito, essa pele
tão fresca e rosada, e esses olhos tão reluzentes, você não precisa de outros
adornos. Só pensei nisso porque o meu conjunto parece ter sido feito sob medida
para esse seu vestido. Venha dar uma espiada.
Realmente, as jóias combinavam tão bem com o vestido que Bethany não resistiu
à tentação de aceitar o oferecimento. A duquesa seria assim, tão generosa, com
todas as moças do círculo de amizades de Robert? Bethany estranhava tanta
amabilidade.
Admirara-se também que Robert não avançasse o sinal. Talvez ele estivesse
achando aquele relacionamento uma pausa refrescante em seus amores fogosos.
E seria bem provável que estivesse mantendo, simultaneamente, alguma ligação
amorosa mais discreta. Mesmo que Bethany não tivesse nenhuma intenção de
entregar os pontos, desagradava-lhe a idéia de ser convidada para o almoço
enquanto que, ao jantar, ele se faria acompanhar por alguma moça mais tolerante
e liberal.
Quando Robert a viu naquele vestido azul e dourado, adornada com as jóias de
lápis-lazúli, sua reação foi fria. Apesar de ter dito que ela estava encantadora,
seu olhar não demonstrava entusiasmo. Só o duque mostrou -se realmente
encantado.
Durante o baile, ela teve consciência de que estava sendo alvo da curiosidade dos
presentes, a maioria freqüentadores assíduos do castelo e amigos da família.
A aristocracia inglesa era um círculo fechado onde todos se conheciam. Apesar
de, nos últimos tempos, ser liberal o suficiente para incluir cantores famosos de
rock, ainda tinha certa tendência conservadora para moças não conhecidas
socialmente.
Bethany e Grace pertenciam, por berço e educação, à escala hierárquica mais
baixa da aristocracia. Isso teria sido suficiente. Mas ambas tinham desaparecido
de circulação após concluírem os estudos e, agora, sem o respaldo dos pais, haviam
perdido seu lugar naquela elite onde, em outras circunstâncias, Bethany teria sido
logo reconhecida como "a filha dos Castle".
Assim, ela estava na mesma situação de Cinderela no baile do Príncipe Encantado:
uma misteriosa desconhecida que, apesar do lindo vestido e das jóias valiosas, era
olhada de esguelha. E com um agravante: a reputação de Robert os levava a crer
que ela fosse mais uma das amantes dele.
Não se importava em ser desconhecida, mas odiava passar por uma simples
aventura do filho do duque.
Da Itália com Amor Anne Weale
Entretanto, no transcorrer da noite, Robert não deixou que pensassem mal dela.
Tratou-a com a maior consideração e respeito, sem monopolizá-la, e só no final
da festa foi que dançou com ela com mais freqüência.
— Está se divertindo?
— Oh, sim. Muito!
Com ele, Bethany sentia-se à vontade. Tinham sempre assunto para conversar.
Além disso, o contato físico, durante a dança, era -lhe agradável. Em certo
momento, sentiu até um impulso de encostar seu rosto no dele, mas controlou -se.
Quando o baile terminou e os últimos convidados foram embora, Robert sugeriu:
— Se não estiver muito cansada, gostaria de mostrar-lhe a vista ,lá de cima das
muralhas, sob a luz do luar. E hoje é noite de Lua cheia! — Vendo que ela hesitava,
garantiu: — Minha intenção é só mostrar-lhe a vista, pode crer.
— Está bem — ela concordou, ainda em dúvida.
Subiram até as ameias por uma escada em caracol. Realmente a paisagem,
apreciada daquela altura, era espetacular. O lago espelhava o disco prateado da
Lua; as pradarias e bosques estendiam-se a perder de vista, silentes e
misteriosos.
— Eu costumava brincar de guerreiro aqui em cima quando criança, e passava horas
fingindo que me protegia do ataque das flechas inimigas por trás dessas seteiras.
Enquanto falava, uma leve aragem despenteou-lhe os cabelos negros. Era fácil
imaginá-lo como um guerreiro medieval, vestindo uma armadura, um elmo e um
manto vermelho, caído nas costas. Os traços dele eram bem mais marcantes,
fortes e enérgicos que o dos homens de sua geração. Ele tinha um ar antigo, como
deviam' ser os rostos dos homens da Idade Média.
Curiosa, Bethany quis saber:
— E, quando você era criança, o que queria ser quando crescesse? Robert sacudiu
os ombros.
— Um explorador na África. . . um piloto de corridas de carro. . . um pára-quedista.
. . todas essas coisas que os garotos ambicionam e que não dão em nada. Sou
necessário aqui, nas propriedades agrícolas.
Ao subir um dos degraus de pedra que levava à parte mais alta da torre, Bethany
enganchou o salto numa fissura e quase caiu. Ele logo a amparou pela cintura e,
suspendendo-a no ar como se fosse uma pluma, tomou a colocá-la num lugar plano.
Bethany virou-se para ele, a respiração suspensa, tomada de uma estranha
excitação. Teve um pressentimento de que ele ia beijá -la.
— Podemos descer pela escada desta torre. É do lado que fica o seu quarto —
disse ele, e nada do que ela previra aconteceu.
Da Itália com Amor Anne Weale
"Mudei de idéia. Vou sair com Robin. Não voltarei tão cedo. Peguei emprestada a
sua carteira preta de cetim e echarpe de chiffon. Espero que não se incomode.
Beijos, Grace."
— Por mim, tudo bem. Mas quando ela pretende embrulhar os presentes? — Foi a
única reação de Bethany. — Grace e Robin vão tomar o trem para Edimburgo
amanhã à noite, e ela vai trabalhar o dia inteiro. Não sei por que Grace inventou
de ir a uma festa logo hoje, quando tem tantas coisas para fazer!
— Ela não é tão conscienciosa quanto você. No mínimo está contando com a sua
colaboração para preparar os pacotes.
— Se eu pudesse, ajudaria. Acontece que não tenho a lista das pessoas que ela
vai presentear.
Robert tirou o paletó.
— Deixe esse problema para depois do jantar. Sua grande preocupação, agora, é
tentar refazer as minhas energias. Para começar, um gim-tônica ia bem. Se me
disser onde estão as bebidas, preparo uma também para você. Enquanto isso, você
se incumbe do jantar.
Comeram ao som de músicas de Natal, na sala cheia de presentinhos, papéis
coloridos, fitas e enfeites. Era um ambiente natalino, bem mais aconchegante do
que o pensionato onde Bethany passara as Festas no ano anterior.
Depois do jantar, Robert a ajudou a enxugar a louça e logo voltaram para a sala,
para enfrentar a tarefa de embrulhar os presentes. Bethany estava atrapalhada
com um dos embrulhos e ia desmanchá-lo, para começar tudo de novo, quando
Robert perguntou se ela aceitava um cafezinho.
— Oh... sim, por favor — respondeu, sem olhar para ele. Teve a impressão de que
ele havia saído da sala e, pouco tempo depois, quando estava abaixada, batalhando
com aquele pacote complicado, sentiu um bafejo quente na nuca.
Ficou tensa, e sua atenção desviou-se para a sensação de estar sendo beijada no
pescoço.
Não soube o que fazer quando os braços fortes de Robert a enlaçaram e a
suspenderam, como naquela noite em que ela tropeçara nas muralhas do castelo.
Quando seus olhos se encontraram, Bethany lembrou-se das palavras de Grace:
"Uma aventura passageira ou o leito nupcial".
Dessa vez, ela não teve só impressão de que ele ia beijá -la. Teve certeza.
Só não sabia se aquele beijo seria o começo de uma proposta para ir para a cama
ou para o leito nupcial.
E, para qualquer das hipóteses, seria o fim daquela amizade.
Da Itália com Amor Anne Weale
CAPITULO VII
No início ele apenas roçou os lábios nos dela. Mas o desejo logo explodiu em beijos
ardentes. Antes que Bethany esquecesse do mundo, pensou em David que, um dia,
também a beijara com aquela impetuosidade. Depois, não pensou em mais nada a
não ser no homem que a apertava nos braços e a cobria de beijos exigentes.
Aos poucos Robert foi se acalmando e fazendo carícias mais comedidas e ternas.
Seus dedos vibrantes percorreram-lhe as costas macias; deslizaram suavemente
pelas curvas dos quadris e tornaram a subir, até alcançarem a nuca. Ele começou
a tirar um a um, os grampos que lhe prendiam o coque, liberando a massa sedosa
de cabelos que caíram, livres, sobre os ombros. Durante todo esse tempo,
continuou a dar-lhe pequenos beijos enlouquecedores, na boca, nos olhos, nos
lóbulos das orelhas, causando-lhe arrepios e desejo.
Até aquele momento, Bethany nunca soubera quão intensas eram as sensações que
estivera refreando. Desejara aquilo, ansiara por aquilo, e sempre se dominava,
convencida de que só um grande amor poderia justificar o ato sexual. Mas, agora,
estava soltando as amarras, estava desejando intensamente aquele homem,
permitindo-lhe carícias cada vez mais audaciosas. Sentiu-lhe as mãos
escorregando por baixo do suéter e apalpando a carne macia dos seios. Quando
ele a pegou no colo e a carregou para o sofá, uma excitação primitiva apoderou-
se dela. Era o que deviam sentir as fêmeas diante da força física dos machos.
Apequenou-se, sentiu-se fraca e submissa, um ser sem vontade própria, entregue
a um poder maior.
Por algum tempo ficou estendida sobre os almofadões, os olhos fechados, os
membros lânguidos, enquanto Robert beijava-lhe as pálpebras.
Quando ele a ergueu um pouco, para tirar-lhe o suéter, Bethany deixou-o agir
sem protesto, aturdida, como se aqueles beijos lhe tivessem anestesiado as
reações.
— Sua pele é tão perfumada! Cheira a lilases e rosas — sussurrou ele, com voz
rouca. — É tão macia. . . parece veludo. Oh, Bethany! Você é tão linda!
As palavras eram tão meigas, as carícias tão suaves, que Bethany não se alarmou
com a rouquidão daquela voz alterada pelo desejo. Só quando ele fitou seus seios
já desnudos com um olhar sensual, foi que ela enrubesceu, mas não tentou detê -
lo.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Acha que não? Pois eu acho que você está querendo enganar a si mesma. Sempre
me quis, me desejou, como eu a quis e desejei desde nosso primeiro encontro. Não
sei qual o motivo que a fez recuar. A não ser que esteja dizendo a verdade, que
realmente seja virgem. Como só há uma forma de comprovar isso, e eu não gosto
de ser o primeiro homem na vida de uma mulher, só me resta confiar na sua
palavra. Mas não tente negar que desejou fazer amor comigo. Bethany não disse
uma só palavra. Estava embargada pelas lágrimas.
— É melhor que eu me vá — disse Robert.
Ele foi recolher os pacotes que trouxera e, antes de sair, acrescentou:
— Não poderei vir a Londres amanhã. Tenho assuntos importantes a tratar em
Cranmer. Mas manterei contato.
Ela sabia que aquilo não era verdade. Era apenas uma forma educada de dizer
adeus. Não podia culpá-lo pelo que acontecera. Seria muita ingenuidade dela não
prever, desde o início, que as coisas terminariam daquela maneira.
Quando ele saiu do apartamento, Bethany foi postar-se à janela, esperando vê-lo
aparecer na calçada.
Começara a garoar. Robert tinha deixado o carro numa praça, a duas quadras.
Levantou a gola do paletó e começou a andar, cabisbaixo.
Bethany imaginou que ele deveria estar se remoendo de frustração, morrendo de
raiva dela. Teve certeza de que nunca mais o veria. Sentiu -se vazia e
desesperançada, como quando voltara da Itália. Deu as costas para a janela e
olhou aquele monte de pacotes espalhados pela sala. Um deles era para James.
Que desculpa arrumaria Robert para justificar a ausência dela na noite de Natal?
Voltou para junto do sofá onde, há pouco, derretera -se de desejo nos braços dele
e deixou-se cair sentada, dessa vez derretendo-se em lágrimas.
Acordou confusa e desnorteada, com Grace a seu lado.
— São duas da manhã! Você já devia estar na cama há muito tempo! Como foi que
adormeceu aqui no sofá?
Ainda sonolenta, Bethany sentou-se.
— Eu... eu não sei!
— Bethany! Você andou chorando? O que foi que aconteceu?
— Robert veio jantar aqui e. . . e depois. . . bem, depois tentou me seduzir. Não
quero vê-lo nunca mais!
— Grace ficou muda por um momento, mas depois falou:
— Antes de mais nada vá lavar esse rosto e deite-se. Vou lhe preparar um chá, e
depois você me conta tudinho.
Da Itália com Amor Anne Weale
Assim foi feito e, já na cama, Bethany relatou à amiga tudo que acontecera.
Grace não ficou escandalizada, nem condenou a atitude de Robert.
Era de se esperar que um homem como ele tentasse um avanço com uma moça
bonita e atraente como você.
Mas não me conformo em ser tratada como um objeto sexual! Eu só me entregaria
a um homem que me amasse, que tivesse consideração por mim!
Mas Robert deve gostar de você, senão não teria sido tão paciente. Um homem
que só pensasse em sexo já teria lhe dado uma prensa há mais tempo.
— Pode ser. No fundo, a culpa foi minha. Eu deveria ter me afastado dele há
séculos. Mas não queria abrir mão dos fins de semana no castelo ou da amizade
que tenho pela mãe dele.
Por falar nisso, o que vai fazer agora com relação ao Natal? Suponho que o seu
programa tenha ido por água abaixo.
— Eu. . . eu acho que vou passar o Natal na Itália — mentiu Bethany. — David vai
voltar de viagem para as Festas. Ele telefonou e me convidou para a ceia que vai
oferecer a alguns amigos. Quanto a isso, não vai haver problema.
Detestava mentir, mas não queria estragar o Natal da amiga.
— É estranho você não me ter dito nada a respeito. Mas sempre suspeitei que
tinha deixado algum grande amor na Itália. Foi por isso que não se interessou por
um partidão como Robert, não foi? Bethany preferiu sair pela tangente.
— Olhe a hora! Já é muito tarde e precisamos dormir. Amanhã você vai ter um dia
cheio!
— Não lhe contei? Amanhã não vou trabalhar. Deram-me folga para cuidar da
viagem. Mas entendi a indireta. Você não quer falar sobre a Itália. Tudo bem.
Quer tomar um dos meus comprimidos para dormir? São bem fraquinhos e ajudam
a relaxar.
— Não, obrigada. Não é necessário. Estou exausta e vou dormir como uma pedra.
Obrigada pelo chá e pela simpatia.
— Disponha, Boa-noite, amoreco.
Bethany passou o dia seguinte lutando para manter uma cara alegre com os
clientes da loja. Estava preocupada com o que diria Robert aos pais, e o que diria
à duquesa caso ela telefonasse.
Bethany se despedira de Grace pela manhã e, quando chegou em casa, depois do
trabalho, o apartamento estava às escuras.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Isso mesmo. Como vê, não levar as mulheres muito a sério e aproveitar todas
as chances tornou-se um hábito na minha vida. Admito que seja um mau hábito,
mas se você conseguir se colocar no meu lugar, há de reconhecer que é perdoável.
Mas os hábitos, depois de arraigados, são difíceis de extirpar. Precisei
questionar-me muito ontem à noite para reconhecer que gosto de você não
somente porque é atraente e desejável.
— Mas você acabou de falar em casamento e, para isso é preciso amar, não
somente gostar. E você não sente amor por mim.
— Nem você por mim. Mas, nos tempos de minha bisavó, muitos casamentos bem -
sucedidos não eram fundamentados em grandes amores. E você não vá me dizer
que pretende passar o resto da vida solteira só porque o homem que ama é casado!
— Nunca pensei nisso.
— Pois pense agora. Não preferiria morar num lugar sossegado como Cranmer em
vez de viver no turbilhão de Londres? Não preferiria ter uma casa que fosse sua
em vez de ser hóspede num apartamentozinho de uma amiga? Não preferiria ir
comigo, no mês que vem, passar férias no Caribe, do que enfrentar o inverno na
Inglaterra?
Bethany refletiu. A resposta seria "sim", mas. . .
— Gostaria de ter filhos, não gostaria?
— Sim, eu gostaria. . .
— E eu "preciso" tê-los — reforçou Robert, que ainda retinha as mãos dela nas
suas.
— Você nem sequer completou trinta anos! Não seria melhor esperar mais um
pouco? Quem sabe ainda encontrará uma moça a quem ame e seja amado por ela...
— Acho muito improvável, e não posso ficar adiando indefinidamente a idéia de
casar. Os últimos exames médicos de James não são nada animadores. Tanto ele
quanto meu pai ficariam mais tranqüilos se soubessem que a sucessão está
garantida, pelo menos por mais uma geração. Meus país te adoram. Ficariam
eufóricos se soubessem que a pedi em casamento e que você aceitou.
Bethany deixou-se cair sentada numa das cadeiras da sala de jantar. Passara uma
noite agitada e seu dia de trabalho fora estafante. Não estava em condições de
tomar uma decisão tão importante. E aquele inesperado pedido de casamento a
abalara ainda mais do que a tentativa de sedução da noite anterior.
Como se estivesse seguindo o fio de seus pensamentos, Robert argumentou:
Da Itália com Amor Anne Weale
— Já tinham sido vendidos uns dois antes que eu aparecesse por lá. Não pude
fazer nada a não ser recomendar ao marchand que me avisasse caso os quadros
reaparecessem no mercado para venda. Não quero o retrato de minha esposa
pendurado na parede da casa de outro homem.
Bethany estava por demais perturbada para fazer qualquer comentário.
— E sequer vamos pendurá-los nas paredes da nossa casa se eles representam
uma lembrança dolorosa do seu passado — afirmou ele com suavidade. — Ficarão
guardados nos arquivos da família, para serem admirados pelas futuras gerações.
— O que você quis dizer com... com "lembrança dolorosa do passado"?
Ele poderia ter adivinhado, só ao olhar para os retratos, que David a ama ra?
Nenhuma das telas tinha assinatura mas, para qualquer conhecedor de arte, era
óbvio que o autor era David Warren.
— Deve ter notado que nenhum dos quadros traz assinatura. A galeria tinha
instruções para vender os quadros como se fossem de uma jovem desconhecida,
pintados por um autor anônimo. Mas, para mim, ficou claro que, se não foram
pintados por seu tio, tiveram uma influência marcante do estilo dele. Acredito
que o autor seja aluno de David Warren, e presumo que foram feitos pelo mesmo
homem por quem você se apaixonou. Acertei?
Não haveria nada de mal em admitir aquela hipótese. Não precisaria
acrescentar que parte daquela teoria estava errada.
— Sim. . . sim. é isso mesmo, é estranho tornar a ver esses retratos. . . depois
de tanto tempo. Nem me reconheço nessa mocinha tão bronzeada, com toda essa
cabeleira solta.
— Pois eu gosto dos seus cabelos assim. Esse coque complicado a envelhece.
Aquelas palavras a fizeram lembrar-se do único momento em que Robert a vira de
cabelos soltos, e ela desejou que ele a tomasse novamente nos braços e a beijasse.
. . beijasse. . . beijasse muito, até que conseguisse esquecer aquela "lembrança
dolorosa do passado".
— Só espero que você não tenha gasto uma fortuna nessa compra — disse
Bethany, preocupada. — Seria um desperdício, na eventualidade de não chegarmos
a casar. Sim, porque eu ainda não me decidi.
— Um dia você decide. Não há pressa.
Apesar de estarem sozinhos no apartamento, e nada o impedisse de fazer -lhe um
carinho, um gesto de amor, Robert nem sequer a tocou.
Da Itália com Amor Anne Weale
Mais tarde, quando ficou sozinha, Bethany se pôs a pensar em por que David
vendera os quadros. Talvez já houvesse outra mulher em sua vida, e ele não
quisesse ter o atelier abarrotado com os retratos da sobrinha. Podia pegar ma l.
Nesse caso, por que não os destruíra? Bem lá no fundo, já sabia a resposta: ele
não era o tipo do homem que dá valor sentimental aos retratos de uma jovem que
significou algo, no passado.
Embora Robert pensasse que as telas não fossem assinadas, ela sab ia que, na
ocasião em que haviam sido produzidas, levava não só a assinatura de David como
também a identificação do lugar: "Mercado de Arles", "Restaurante de Frutos do
Mar", "Calpe", "Florença".
No primeiro croqui que David desenhara, no Hotel Belvedere , escrevera no
rodapé; "Bethany — dezesseis, a caminho dos dezessete".
Antes de despachar aqueles quadros para os Estados Unidos, onde a modelo não
seria reconhecida, ele tivera o cuidado de apagar todas as assinaturas e de pintar,
por cima, um pouco mais do cenário, disfarçando o vazio. Apesar de Robert ser
bom conhecedor de arte, não havia notado o embuste e nunca o notaria, se aqueles
retratos fossem para os arquivos da família. Isso, "se" eles casassem. Caso
contrário, Robert os revenderia, pois não os comprara porque a amava, e sim para
resguardar a imagem da futura esposa.
Quando voltou ao castelo para mais um fim de semana, Bethany encontrou toda a
família bronzeada, inclusive James, que até parecia mais saudável.
No domingo pela manhã, enquanto Robert e os pais assistiam ao culto na capela
do castelo, Bethany ficou fazendo companhia a James. Estavam ouvindo uma
música de Corelli quando ele a surpreendeu, dizendo:
— Desejaria que você pudesse aplacar o sofrimento de Robert, Bethany. — Ao vê-
la tão admirada, acrescentou: — Ele me contou que a pediu em casamento, mas
que ainda não conseguiu persuadi-la a aceitar. Talvez esteja sofrendo um castigo
merecido, pois, no passado, andou estraçalhando muitos corações. Só espero que
você seja mais piedosa do que ele foi, e acabe concordando em ser sua esposa.
Todos nós a achamos adequada para ele.
Ela quase respondeu que aquele suspense todo não era assim tão intolerável para
Robert, mas preferiu não desiludir James.
— É que nem completei vinte anos! Não que eu me sinta imatura. Só acho que sou
jovem demais para dar um passo tão definitivo quanto esse.
Da Itália com Amor Anne Weale
— Concordo... em parte. Mas acho que a sua indecisão vem do fato de não estar
apaixonada. Pelo menos foi isso que Robert me contou. Mas gostar de alguém é o
que importa para que um casamento tenha sucesso e perdure. Se você analisar o
relacionamento de meus pais, e de muitos outros casais felizes, vai chegar à
conclusão de que a amizade é um fator preponderante para a felicidade
matrimonial.
— A música terminou, e James virou o disco. — A noite passada andei observando
vocês dois. E acho que têm gênios muito parecidos. Acho que se dariam muito bem.
Aquela observação foi marcante na decisão de Bethany. Robert e ela tinham senso
de humor, davam boas gargalhadas juntos e se divertiam.
Robert não a pressionou mais. Porém, algo mais os uniu.
Num dos vários fins de semana, Robert foi fazer compras no mercado próximo ao
castelo, levando consigo Archie, o cão Labrador.
Por uma dessas malvadezas do destino, Archie foi atropelado por um carro.
Robert e ela levaram o animal ao veterinário, que deu o triste veredicto:
— Eu poderia tentar salvar-lhe a vida, mas ele vai ficar aleijado e sofrerá muito.
O melhor seria sacrificá-lo.
Bethany viu Robert ficar pálido. Mas foi com doçura que pediu para que ela saísse
da sala. Bethany obedeceu, o coração apertado. Archie acompanhava Robert
desde filhotinho. Ela compreendia, melhor do que ninguém, quanto custava
sacrificar um animal de estimação.
Foram enterrar Archie juntos, e Bethany testemunh ou a emoção de Robert, que
estava prestes a explodir em prantos.
— Oh, Robert! — ela exclamou, solidária.
Caíram um nos braços do outro, chorando, sentindo a mesma tristeza.
É. . . eles não compartilharam apenas as alegrias e Bethany chegou à conclusão de
que, mesmo que não se amassem, tinham, de fato, muitas coisas em comum.
Da Itália com Amor Anne Weale
CAPITULO VIII
— Claro que gostei! é que pensei que você tivesse compromissos a resolver durante
toda a semana.
— Adiei a viagem para amanhã. Não me conformo que seu tio nã o tenha vindo para
a nossa festa. Entendo que você não tenha querido convidar sua madrasta, apesar
de não podermos evitar convidá-la para o casamento, mas não compreendo por que
não mandou um convite para seu tio.
— Mas Robert, eu já expliquei que ele não é meu tio e já disse porque não o
convidei! Ele é um artista. Não é uma pessoa sociável, e ter que vir até Londres
só para uma festa de noivado teria sido um transtorno. De qualquer forma,
quando liguei para ele ninguém atendeu. Certamente está fazendo uma das
suas famosas viagens pelo mundo.
Aquela era uma mentirinha que ela precisara inventar quando a família de Robert
vira-se no dever de enviar um convite a David Warren. Na verdade, ela não
telefonara coisa alguma, nem lhe escrevera, e David só saberia do noivado através
dos jornais.
— Pode ser que ele estivesse mesmo viajando, mas sei que é esperado para hoje à
noite. Falei com a governanta de Villa Delphini pela manhã.
Bethany parou.
— Você telefonou para a Villa? Por quê?
— E por que não? Não vejo por que não haveria de falar com ele, caso o
encontrasse em casa. Ou você vê?
— Não. . . não, lógico que não, mas. . .
— Você deve estar achando que sou um intrometido e um prepotente, querendo
fazer as coisas à minha maneira. E que hoje pela manhã, enquanto fazia o meu
Cooper, andei pensando que deveríamos ir visitá -lo na Itália. Apesar de não ser
seu tio e não precisarmos do consentimento dele para o casamento, ele é seu
tutor e merece consideração. O mais educado seria conhecê-lo antes da
cerimônia. Acontece que nos próximos dias não poderei ausentar-me porque tenho
compromissos inadiáveis. Mas nada impede que você dê um pulinho até Portofino.
Para ser franco, até já marquei a sua passagem. Depois do almoço, iremos até o
seu apartamento, você pega as suas coisas e seguiremos para o aeroporto, a tempo
de você embarcar no último vôo da tarde, que vai para Gênova.
— Mas eu. . . eu não posso! Como vou deixar a loja, assim, sem ao menos avisar a
sra. Hastings?
— Já expliquei a situação a ela. Você tem uma licença de quarenta e oito horas.
E, como vai viajar de avião, eu a aconselho a tomar um vinho leve. Que tal um Sole
Maintenon?
Da Itália com Amor Anne Weale
— Sim. . . sim. . . está bem. Peça qualquer coisa, Robert, por que fez uma coisa
dessas? Por que providenciou tudo sem o meu consentimento?
— Se eu a tivesse consultado, você não concordaria. Acho que tem um trauma
qualquer com a Itália, que só poderá ser derrubado voltando para lá. Só assim
terá oportunidade de rever o homem que tanto amou. Talvez, com um pouco de
sorte, você comece a perguntar-se o que viu nele na época da sua paixão. Dois
anos é muito tempo. Muita coisa pode mudar.
O garçom se aproximou e Robert fez os pedidos. Uma vez sozinhos novamente,
ele ficou olhando-a, pensativo, antes de prosseguir:
— A noite passada, e não foi a primeira vez, senti que havia um espectro naquela
festa. Não gostaria que esse fantasma estivesse presente na nossa lua -de-mel.
Bethany pestanejou e baixou as pálpebras, sem coragem de encará -lo.
— Você já considerou a possibilidade de... de ainda sentirmos o mesmo amor de
outrora?
— É um risco que preciso enfrentar — afirmou ele, e passou a falar de coisas
práticas: — Seria melhor você tomar um táxi até Portofino, quando chegar. Seu
tio não vai buscá-la no aeroporto. Conforme me disse a governanta, ele vai voltar
de viagem tarde da noite.
— Você disse a ela a hora da minha chegada?
— A hora e o vôo! E também avisei que o avião poderia atrasar.
— Mas ela sabe quem sou? No meu tempo, a empregada era outra. O olhar de
Robert tornou-se desconfortavelmente penetrante.
— Como sabe que é outra se ninguém atendeu ao telefone quando ligou para lá?
Bethany ficou vermelha.
— É que. . . bem, num dos cartões que recebi de David, ele mencionou que tinha
uma nova governanta.
— E também deve ter falado sobre você a ela, pois essa governanta não estranhou
a sua chegada repentina.
A cabeça de Bethany ainda parecia um redemoinho quando ele a acompanhou até
o apartamento para trocar de roupa e preparar uma maleta de viagem.
Robert pouco falou durante o trajeto até o aeroporto. Dirigia velozmente, mas
era prudente e concentrava toda sua atenção no volante. Mas não podia ser só a
concentração que lhe deixava os músculos dos maxilares tão tensos e rígidos.
Chegando ao saguão de embarque, Robert foi comprar-lhe algumas revistas.
— Se não se importa, não vou ficar até a hora de o avião levantar vôo. Mas a
chamada deve ser daqui a pouco.
Da Itália com Amor Anne Weale
Por coincidência, a governanta preparara para Bethany o mesmo quarto que ela
ocupara quando morava na Villa.
Antes de deixar-se, Bethany foi até o balcão e ficou com o olhar perdido nas
luzes do porto, pensando.
Talvez David não tivesse voltado naquela noite por ter lido a notícia do noivado
no Daily Telegraph. E tivesse voado para Londres, para saber com que tipo de
homem ela ia casar. Nesse caso, não encontraria ninguém no apartamento, pois
Grace tinha um encontro com um rapaz que conhecera na festa.
Talvez devesse telefonar para Robert, avisando que chegara bem.
Por que ele a beijara daquela forma, na frente de todo mundo? Será que se
importava com ela mais do que queria admitir? E se ela chegasse à conclusão de
que seu amor por David era mais forte do que qualquer convenção social, será que
ele sofreria seriamente com isso?
Pensando em Robert, lembrou-se da reprodução do quadro que durante tanto
tempo ficara colado ao espelho daquele quarto. Achou o póster numa gaveta da
cômoda, ainda enrolado com uma fita colante. Desenrolou-o em cima da cama e
ficou olhando para a imagem de Lorenzo de Medici, fazendo comparações entre
os traços fisionômicos dele e do noivo. Pareciam até irmãos. E que coincidência
Robert ter repetido, em italiano, a frase histórica de Medici!
Robert. . . Sentiu um aperto no coração, semelhante ao que experimentara quando
voltara para Londres, exilada daquele paraíso onde nunca pensara pôr novamente
os pés. . .
— Signorinal Signoririna! Acorde! Venha depressa! Estão chamando de Londres.
Bethany foi atender na extensão do quarto de David, tonta de sono.
— ALÔ!
— Bethany? É David!
Aquela voz tão familiar, que há tanto tempo não ouvia, fez com que ela acabasse
despertando.
— David! De onde você está ligando?
— De Londres. Tomei um avião para cá ontem à noite e, quando cheguei, soube que
você tinha embarcado para Gênova poucas horas antes. Foi culpa minha. Não devia
ter sido tão precipitado. Mas não faz mal. Estarei aí em tempo para o almoço.
— David, espere. . . espere! Não desligue!
— Estou esperando. Algum inconveniente?
Da Itália com Amor Anne Weale
— Não. É que preciso lhe dizer uma coisa importante. Não dá para explicar tudo
por telefone. O principal é que nós não somos parentes! Seu irmão não é meu pai,
e eu não sou sua sobrinha!
— Já estou sabendo. Robert me contou.
— Robert?
— É que ninguém atendeu quando liguei para o seu apartamento, e então tentei
me comunicar com a casa dos pais dele. E acabei passando a noite com eles.
— Em Cranmer?
— Sim. É quase a mesma distância do aeroporto até o apartamento de Grace. Não
pude recusar o oferecimento da duquesa para pernoitar no castelo.
— Entendo. . . Robert chegou a lhe explicar que eu soube da verdade só no dia
em que o noivado ia ser anunciado?
— Sim, explicou. Nós dois tivemos uma longa conversa. Ele é um grande sujeito.
Gostei dele.
— Eu também gosto, mas. . . David cortou-lhe a palavra.
— Agora preciso ir. Nós nos veremos dentro de poucas horas. Até breve.
Bethany mal teve tempo de repetir um "até breve". As horas de espera
pareceram-lhe intermináveis. O único recurso para passar o tempo era descer
novamente até o porto.
Ela soltou os cabelos e vestiu uma saia estampada que David lhe tinha comprado
em Arles.
Será que vendo-a assim ele se recordaria daquele lugar mágico — Mas de ia
Chapelle —, onde ela compreendera que o amava?
O mundo deles poderia voltar a ser aquele paraíso que haviam perdido com a
chegada de Natasha?
A última hora de espera foi a pior.
Quando ouviu o ronco do motor do carro subindo a ladeira, Bethany ficou tão
nervosa quanto no dia anterior, quando chegara temerosa de que a governanta lhe
dissesse que agora havia uma signora Castle na Villa Delphini.
O carro estacionou e ela apurou o ouvido. Escutou duas vozes diferentes, mas
ambas masculinas.
Correu para a porta e abriu-a de par em par.
David estava ali, na soleira. Olhou para ela e depositou as malas no chão. Atrás
dele havia outro homem, também muito alto de braços cruzados. Era Robert.
Da Itália com Amor Anne Weale
Por alguns segundos nenhum dos dois falou. Pareciam petrificados, observando -a
atentamente como se aguardassem alguma reação da parte dela.
Bethany olhou para um e para outro. Naquele instante, não teve mais dúvidas de
qual era o eleito de seu coração.
Só restava saber se aquele que ela tanto amava correspondia ao seu amor.
Da Itália com Amor Anne Weale
CAPITULO IX
Bethany poderia ter respondido que fora um choque muito agradável, mas não o
fez.
— Isso explicou muitos fatos que sempre me intrigaram. Encontrei Margaret em
Londres, há pouco tempo, e me pareceu que ela não sabe a verdade. Mas talvez
meu irmão soubesse.
David pegou o copo de vinho que ele trouxera e foi apoiar-se à balaustrada do
terraço.
— John suspeitava que todo e qualquer homem que se aproximasse de Clare queria
era cortejá-la. Em alguns casos, ele tinha razão. — Virou-se para Bethany. — Você
agora é suficientemente adulta para conhecer toda a história. Eu também me
apaixonei por sua mãe. Era evidente que ela e John não se davam bem. Apesar
disso, ele a adorava. Nunca entendi por que se casaram, até que Robert me falou
sobre a carta de sua mãe. Quando ela era viva, eu só sabia que era terrivelmente
infeliz. Meu único desejo era dar-lhe algum consolo. Mas uma coisa puxa outra e
John, um dia, nos surpreendeu aos beijos. Acusou-a de adultério. Não era
verdade, mas poderia vir a ser. Na mesma hora me expulsou de casa.
Olhando para David, à espera que continuasse, Bethany notou que havia
modificações sutis em sua aparência. Fios brancos misturavam-se ao cabelo loiro,
e as pequenas rugas ao redor dos olhos eram agora mais pronunciadas. Mesmo
assim, parecia ser quinze anos mais moço do que realmente era.
— Quando fiquei penalizado com a sua situação em Blackmead e a trouxe para cá,
você me lembrava sua mãe. Mas só em parte, pois eu não previa, digamos assim,
problemas. Francine estava vivendo comigo e você não passava de uma menina de
escola. Mais tarde, quando fizemos aquela viagem à Espanha, percebi o que eu
tinha feito ao adotá-la. Você era uma criaturinha linda, cheia de vida, de sonhos,
carente de afeto. Durante toda a viagem passei por um inferno, pois aquela era
uma situação dos diabos. Todas as vezes que olhava para você, parecia -me estar
vendo sua mãe.
Bethany lembrou-se daquela noite, em Mas de La Chapelle. As toalhas cor-de-
rosa, os castiçais nas mesas, a música de Azna-vour, She. . .
— Então Francine tinha razão quando disse que você tinha perdido o seu coração
para alguém, e há muito tempo.
— Temo que sim. Tive outras mulheres, inclusive Francine, e mais outras virão,
com as quais desfrutarei algumas migalhas de felicidade. Mas Clare. . . Clare era
a minha outra metade.
Ao dizer isso, ele a fitou com um olhar vago e Bethany teve a impressão de que
David não a enxergava. Via outra mulher, parecida com ela...
Sacudindo a cabeça, ele disse bruscamente:
Da Itália com Amor Anne Weale
Robert já deve ter terminado de tomar banho. Por que você não sobe e não lhe dá
as boas-vindas como manda o figurino? Parece que ele está cismado de que existiu
alguém, no tempo em que você morava aqui, a quem amou, e por quem ainda sente
amor. Não creio que seja verdade, se ê que algum dia foi verdade.
— Foi verdade. Já não é mais. — Chegou perto dele. — Querido David — disse, em
voz baixa —, estou muito contente por você ter sido o meu primeiro amor. Se eu
não o tivesse tido como exemplo, talvez nunca houvesse dado o devido valor a
Robert.
Como fizera Francine certa vez, em Florence, ela deu um beijo na ponta do próprio
dedo e depositou-o no rosto de David.
Ele sorriu e a impeliu gentilmente em direção ao hall.
Bethany subiu correndo a escada. Bateu à porta do quarto de Robert e, quando
ele gritou:
— Avanti!
Ela entrou e encontrou-o descalço, com uma toalha amarrada na cintura,
penteando os cabelos negros, ainda úmidos, em frente ao espelho.
— Oh, é você, Bethany? — Largou o pente sobre o console e virou-se para ela. —
uma bela casa, esta. E tem uma vista para o mar simplesmente maravilhosa!
— É . . . Villa Delphini é um lugar encantador. Gostaria de ter uma casa assim
para passar as férias. Mas, para viver, ainda prefiro a Inglaterra. — E, mudando
a inflexão da voz, acrescentou: — Robert, tenho que lhe dizer um coisa. . . é uma
coisa muito séria.
— Eu já sabia. Foi por isso que vim para cá. Qualquer que fosse a sua decisão, eu
queria estar presente. Não teria paciência para esperar por um telefonema ou
uma carta. Vá em frente. Diga o que tem a dizer. Ou quer que eu o faça por você?
Já sei: quer romper o noivado. Não digo que ficarei dando pulos de alegria com
isso, mas também garanto que não vou estourar os miolos com um tiro nem vou me
alistar na Legião Estrangeira.
— Não é nada disso. Não pretendo romper o noivado. Só quero fazer uma revisão
sobre as condições do nosso casamento. É que estou apaixonada por você, Robert.
Só percebi isso quando me beijou no aeroporto e, quando cheguei aqui, senti que
o meu coração tinha ficado com você, lá na Inglaterra.
— Chegue até aqui e repita tudo. Ela aproximou-se,
— Eu te amo... te amo. . . amo... eu... E foi interrompida por um beijo apaixonado.
Uma hora depois, deixando David entretido em ler a correspondência que se
acumulara durante sua ausência, Bethany levou Robert para conhecer Portofino.
Ao subirem até a igrejinha no alto da colina, ele perguntou:
Da Itália com Amor Anne Weale
— Era David que você amava, não era? Nunca houve nenhum homem casado na sua
vida. Estou certo?
— Está. Foi a David que eu amei — confessou ela, feliz em poder ser, finalmente,
honesta com ele.
— Tive um palpite que fosse ele quando vi aqueles retratos. Com ou sem
assinatura, eram autênticos Warrens. . . E foram pintado não só com uma técnica
brilhante, mas também com muito amor.
— Sim. Mas não era por mim o amor que ele sentia. — E contou-lhe o que David
lhe havia revelado sobre a mãe. — Sempre que ele me retratava, estava vendo
Clare, desejando Clare. . . Pobre homem! Acabou arruinando a vida por causa dessa
paixão juvenil. Não fosse por Clare, poderia ter ficado com Francine para sempre.
Onde será que ela foi parar? Será que já encontrou um novo amor?
— Você trouxe as fotografias de sua mãe ou as deixou em Londres?
— Estão aqui, na bolsa. Pensei em oferecer pelo menos uma delas a David.
E mostrou as fotos de Clare Castle a Robert.
— Existe, realmente, uma certa semelhança. Mas sua mãe não é tão linda quanto
você, não transmite tanta doçura e meiguice no olhar.
— É difícil julgar por uma fotografia, mas parece que ela tem um ar fútil.
Deixou as fotos de lado e segurou as mãos de Bethany.
— E você, minha querida, é a moça menos fútil que já conheci. Conforme meu irmão
observou, da primeira vez que você nos visitou, é raro encontrar uma moça tão
bela e tão recatada. Ele me persuadiu a não perder tempo, tentando passar -lhe
uma cantada. Quanta sabedoria!
Passaram a noite de núpcias num hotel em Londres. No dia seguinte viajaram para
a índia, começando por Nova Delhi. Em Srinagar, iriam alugar uma casa flutuante
e passar três semanas no romântico lago de Dal.
Mas, ao entardecer do primeiro dia, Bethany não estava prestando muita atenção
às belezas do Himalaia. Não parava de pensar na noite anterior.
Logo que se viram sozinhos, naquele apartamento luxuoso do hotel de Londres,
ele a tomou nos braços e a beijou.
Durante o breve noivado, Robert continuou quase tão contido quanto antes. Mas
nem por um instante ela duvidou que, por trás daquela aparência fria, existia um
temperamento sensual e ardente.
Quando ele a apertou nos braços e seus lábios percorreram-lhe a curva sinuosa
do pescoço, as orelhas rosadas e as faces de pêssego, Bethany pôde sentir o
ímpeto daquele desejo por tanto tempo refreado e que, agora, se exaltava.
Da Itália com Amor Anne Weale
Ela rendeu-se aos carinhos com total confiança. Tinha certeza de que a primeira
noite de amor com Robert iria ser uma experiência maravilhosa e inesquecível.
— Vamos para a cama mais cedo? — sussurrou ele junto ao seu ouvido.
— E por que não? — concordou Bethany, aninhando-se nos braços dele. — Foi um
dia longo e exaustivo!
Ele começou a desabotoar-lhe o vestido de seda e a desafivelar-lhe o cinto de
camurça.
Por baixo do vestido, ela estava usando a linda combinação bordada em ponto
sombra feita por Francine.
Sem pressa, mas com a segurança de um homem experiente, Robert continuou a
despi-la e a carregou nos braços, já nua, para o leito matrimonial. Livrou-se depois
das próprias roupas, os olhos escuros fixos no corpo adorado de Bethany. Ela
corou ante aquele olhar persistente e se cobriu.
Quando ele se deitou a seu lado, Bethany sentiu as mãos morenas e fortes
envolverem-lhe a cintura, e seus lábios amorosos procuraram-lhe a boca.
Ela desejou que Robert a tomasse com toda a paixão e frenesi de que era capaz,
que a beijasse com loucura, que a fizesse gritar de prazer.
— Oh, meu querido! Como eu amo você!
E enfiou os dedos por entre aqueles cabelos negros e sedosos. Era tão bom sentir-
lhes a maciez. . . Também era gostoso passar as mãos pelos músculos poderosos
das costas másculas.
— Como você é forte!
— E como você é macia. . .
O que se seguiu foram suspiros, gemidos, estremecimento de prazer. Bethany
entregava-se sem restrições. Como ele a desejava! E como ela ansiava ser
desejada e desejar!
Seus corpos se fundiram num só e ela pensou que fosse morrer de prazer.
Aquele paraíso não podia nunca mais desaparecer, até o fim de sua vida.
David Castle estava no terraço da casa de Portofino, abrindo uma garrafa de
Bianco delle Cinque Terre, um vinho raro e caríssimo que recebera de presente
do pai de Giancarlo;
Durante todo o dia seus pensamentos tinham se concentrado em Bethany. Não
comparecera ao casamento, e dera como desculpa uma viagem para a Austrália.
Realmente iria viajar, mas só dentro de três semanas.
Na verdade, não quis levar Bethany até o altar, pois não teria resistido a mais
essa provação.
Da Itália com Amor Anne Weale
Mentira ao dizer que Clare havia sido o grande amor de sua vida. Era a filha de
Clare que ele amava com todas as suas forças. Ela o conquistara com seus
encantos, assim como o irmão fora conquistado pelo feitiço de uma mulher que
nunca deveria ter se tornado sua esposa.
David afirmara que Clare era sua metade, mas era Bethany quem o fazia sentir -
se completo.
O sofrimento que ele amargara depois que Bethany partira fora quase
insuportável. Mas, agora, era preciso superar a dor e lutar. Por uma vida vazia.
Não fosse por Robert, será que eles poderiam ter revivido aquela louca paixão?
Talvez. Não. Tinha certeza que sim.
Mas não adiantava ficar chorando sobre o que não tinha remédio. Precisava
esquecer Bethany.
Mas, naquela noite, não seria possível deixar de pensar nela. David sonhava estar
no lugar do homem que a possuiria.
A lembrança da fisionomia radiante de Bethany, no dia em que partira com o noivo,
dava-lhe um certo consolo. Pelo menos ela passaria o resto da vida ao lado de um
homem bom que poderia dar-lhe a Lua, se ela quisesse.
Olhando para as luzes do porto, David ergueu sua taça de vinho e fez um brinde
silencioso à mulher que perdera e à felicidade dessa mulher.
— Salute! — brindou.
E chorou.
FIM