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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO


INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

A política de erradicação de ramais antieconômicos na ditadura civil-militar:


o caso da Estrada de Ferro Rio d’Ouro

Raphael Castelo Branco da Silva

Seropédica - RJ
2018
1

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO - UFRRJ


INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - ICHS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS - DHRI
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MONOGRAFIA

llll
A política de erradicação de ramais antieconômicos na ditadura civil-militar:
O caso da Estrada de Ferro Rio d’Ouro

Raphael Castelo Branco da Silva

Monografia apresentada ao Curso de


Graduação em História, como requisito
necessário à obtenção do Título de Licenciado
em História, no Instituto de Ciências Humanas
e Sociais - ICHS da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Henrique Pedreira Campos

Seropédica - RJ
Agosto de 2018
2

FICHA CATALOGRÁFICA

SILVA, Raphael Castelo Branco da.


A política de erradicação de ramais antieconômicos na ditadura civil-militar: o caso da
Estrada de Ferro Rio d’Ouro / Raphael Castelo Branco da Silva. Seropédica - RJ: UFRRJ/ICHS,
2018.
88 f.
Número de páginas pré-textuais: XIII. Número de Páginas Textuais: 65: il.
Orientador: Pedro Henrique Pedreira Campos.
Monografia (Graduação em História - Licenciatura Plena), Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro - UFRRJ, Campus Seropédica - RJ / Instituto de Ciências Humanas e
Sociais – ICHS, Departamento de História e Relações Internacionais, 2018.
Referências Bibliográficas: f. p. 79 - 88.

1. História ferroviária. 2. História da Baixada Fluminense (RJ). 3. Políticas públicas na


ditadura civil-militar

Autorizo cópia total ou parcial deste trabalho, apenas para fins de estudo e pesquisa, sendo
expressamente vedado qualquer tipo de reprodução para fins comerciais sem prévia autorização
específica do autor.

_______________________________________________________________
Raphael Castelo Branco da Silva
3

A política de erradicação de ramais antieconômicos na ditadura civil-militar:


O caso da Estrada de Ferro Rio d’Ouro

Raphael Castelo Branco da Silva

Monografia do Curso de Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de


Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado em História.

Monografia defendida e aprovada pela Comissão Julgadora em: 16 / 10 / 2018.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Henrique Pedreira Campos - ORIENTADOR
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ

_____________________________________________________
Prof. Dr. Clínio de Oliveira Amaral - TITULAR
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ

____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Dilma Andrade de Paula - TITULAR
Universidade Federal de Uberlândia - UFU

Seropédica - RJ
Agosto de 2018
4

Ao Joaquim Castelo, que me deixou livros.


Ao Jorge Bahiense, que me ensinou a amar a história.
Às estações condenadas ao abandono.
Aos ferroviários esquecidos.
E às pessoas que sofrem cotidianamente com a situação
caótica dos transportes no Brasil...
5

Agradecimentos

Agradeço, primeiramente, a minha mãe Raquel Castelo, meu pai Getúlio Nunes, minha
avó Dila Castelo e minha tia Damith Souza por todo apoio, seja afetivo ou material. Afinal,
penso que sem a presença da família, não é possível ter estruturas para conseguir seguir adiante.
Do mesmo modo, penso que eu não seria o que eu sou sem a contribuição de cada um dos
quatro citados, cada um de uma forma particular. Agradeço também a duas pessoas que já não
se encontram entre nós: meu avô Joaquim in memoriam, que mesmo partindo tão cedo, me
deixou livros na estante e me ensinou a gostar de ler, e meu ex-professor de ensino médio, Jorge
Bahiense, in memoriam, o mais incrível professor de história que eu conheci, aquele que me
ensinou a amar a História e fez despertar em mim a curiosidade, que me motivou a, cada vez
mais, me aprofundar e ir de encontro aos estudos. Até hoje mantenho na memória suas
sugestões feitas em sala de aula, e muitas vezes, fora dela, de excelentes livros. Sinto até hoje
o impacto da leitura de “As Veias Abertas da América Latina” de Eduardo Galeano, uma de
suas referências preferidas. Você continua vivo em minha biblioteca. Nunca me esquecerei do
lema da Editora Civilização Brasileira, que era sempre repetido quando necessário: “Quem não
lê, mal fala, mal ouve, mal vê”.
Como minha formação não seria possível sem meus professores, deixo meu
agradecimento a todos os meus professores e professoras do ensino fundamental, em particular:
Simone Rodrigues e Luciano Lima. No ensino médio, um carinho especial aos professores Ivan
Pimentel e Farlley Aguiar, Natália Rocha. Todos com quem pude nutrir uma boa relação, que
ia além da sala de aula e se encontrava em tantos assuntos
Na universidade, agradeço a três professores em particular. A Pedro Campos, por ter
confiado em mim e me concedido uma bolsa de iniciação científica pela FAPERJ, que financiou
grande parte da aquisição dos livros utilizados nessa pesquisa. Reitero, também, um
agradecimento por toda a paciência me concedida por ele, que além de meu orientador de
monografia, foi um verdadeiro amigo para intensas discussões, sejam elas acadêmicas ou
cotidianas, seja com café ou com cerveja. A Clínio Amaral, agradeço por ter me ensinado o
valor do trabalho intelectual, por ter me ensinado a como ler de forma satisfatória um texto
historiográfico e por ter feito orientações metodológicas preciosas — às vezes em aula, outras
vezes jantando — sem perceber. A Cláudio Beserra, pela incrível riqueza de discussões
bibliográficas feitas sobre os militares no Brasil. Fico muito grato também por ter tido a chance
de participar ativamente das discussões em sala de aula, que foram bastante enriquecedoras para
mim. A Alexander Martins Vianna pelo entusiasmo com a minha pesquisa. A atitude de dar um
6

apoio moral e ser atencioso me auxiliou muito diminuindo minhas inseguranças como
pesquisador.
Aos companheiros de LEHI: Frederico Ferreira, Almir Pita, Rafael Brandão e Maria
Letícia, agradeço por terem me enriquecido intelectualmente com os debates, e, claro, com os
petiscos pós-debates. Também agradeço à Amanda Marinho, querida amiga que entrou em
minha vida por acaso por causa de um evento do laboratório! Não posso esquecer de Vírginia
Fontes e Sônia Regina, cujas palestras e escritos foram fundamentais para o enriquecimento
teórico da pesquisa, e à Dilma Andrade (me perdoe pela jarra de água em nosso primeiro
encontro!), que de Uberlândia auxilia, com a dedicação de uma pesquisadora atenciosa e
preocupada com a realidade brasileira, a construção desse texto. Não tenho palavras para
expressar o carinho das conversas e discussões sobre um tema tão lindo, mas, infelizmente, tão
triste.
Agradeço duplamente à Nadia Estefania. Em primeiro lugar, pela sua amizade surgida
numa comunidade de Orkut ainda em 2009. Esse “encontro” alterou completamente o curso
que o trem da minha vida seguia. Bom, tem gente que veio pra ficar e, provavelmente, essa
monografia não existiria sem que tivéssemos nos esbarrado, afinal, eu nunca saberia, sem você,
o que é a Estrada de Ferro Rio d’Ouro. Em pensar que tudo começou há 9 anos, quando me foi
explicado virtualmente em um jogo online, o Tibia, como chegar em “tão tão distante” de trem,
né?! Talvez, não fosse tão distante assim... se o trem não tivesse disso desativado. Em segundo
lugar, agradeço pela leitura atenta e correção de diversas estatísticas que poderiam entrar no
texto final de forma errada, provavelmente alterando alguma interpretação. Agradeço também
a Andrea Lorena, por ter acompanhado a evolução desse projeto de pesquisa quando ele era
apenas uma curiosidade sobre o município de Belford Roxo, se tornando algo muito maior que
um simples trabalho acadêmico. Agradeço a Ilma Santos, também, pelo carinho dos almoços e
por ter me achado um apaixonado pelo assunto quando viu, pela primeira vez, em 2010, o
esboço do mapa em uma cartolina e me estimulou a “contar as histórias esquecidas” de um trem
que você não conseguia lembrar. Não posso me esquecer do Allan Salgado, por ter sido o
mentor intelectual da primeira visita a Vila Pauline em Belford Roxo, e também uma das
primeiras pessoas que eu dividi minhas questões e anseios acerca do transporte público na
Baixada Fluminense e no Rio de Janeiro como um todo.
Não me recordo dos nomes de quem interagia comigo na comunidade “Eu ando de trem
mesmo, e dai?” no Orkut, mas sei que muitos deles estão hoje agrupados na ONG Trilhos do
Rio. Foi lá que aprendi muito do que sei sobre ferrovias. Agradeço a todos, mas, em particular,
ao Eduardo Pereira, David Rodrigues, Felipe Anacleto, Luiz Eduardo e Luis Otávio in
7

memoriam. O combate pelos trilhos é um trabalho de formiguinha, mas acredito que, um dia,
os trens voltarão a circular por esse país.
Do meu ensino médio, deixo meus agradecimentos ao Anderson Lira, Juliana Trajano,
Letícia Barros, Gabriela Fontes, Alexia Guimarães, Rachel Pomarico e Domenique Rangel. À
Yasmim Medeiros, a qual nossa amizade se expandiu em um nível que não consigo classificar
(essa minha mania de classificar as coisas nunca passa), agradeço pelas horas de mensagens
trocadas, de ligações no telefone e conversas, quase que intermináveis, pessoalmente.
Agradeço, também, à Ana Almeida, pelo prazer que é ter sua companhia e amizade. Obrigado
por me ensinar o meu valor no mundo. Carrego também a amizade de Érika Thies, que sempre
se mostrou uma grande amiga, apesar dos desencontros.
Agradeço ao João Luiz pelos conselhos para não arruinar as coisas, ao Iury Dezan,
verdadeiro irmão, por estar presente em qualquer problema que ocorra comigo. A dupla Reiner
Henrique e Mateus Felipe, cuja a amizade e fidelidade é mais sólida que qualquer imprevisto
que a vida possa nos oferecer. Creio que depois de uma década de amizade, posso dizer que
somos uma família. À Gabriela Cerqueda e Marcelly Paranhos, agradeço por serem presentes
quando podem, mesmo distantes fisicamente. David Oliveira e Bryan Medeiros, agradeço aos
momentos de amizade e descontração de muita música de qualidade, cuja a necessidade foi
vital para a manutenção do meu equilíbrio, que, convenhamos, já é bem escasso. À Danielle
Macário sou grato pelas conversas incríveis que tivemos e pelo apoio numa pesquisa sobre a
baixada fluminense, e à Sofia Palchik, minha amiga argentina que desde 2012 aguenta
diariamente em conversas com meu espanhol, digamos, sofrível. À Paloma Souza e ao Antônio
Castelo, expresso minha gratidão pelas inúmeras leituras do trabalho sob o olhar da geografia,
que foram fundamentais para avançar em alguns aspectos desta pesquisa. Agradeço também à
Mariana Freitas, que agora está desbravando as terras onde um dia passaram as ferrovias do
café. E, por fim, agradeço à Juliana Veroneze, que, de Jundiaí, sempre esteve presente
virtualmente e, em um momento raro, pessoalmente em meu cotidiano.
Bom, foi na UFRRJ que conheci pessoas que levarei para sempre em meu coração. Da
minha turma, agradeço à Geovana Siqueira, Juliana Ramos e Sarah Oliveira, por terem, como
dizem coloquialmente, “fechado o bonde” e terem virado uma família já no primeiro dia, e,
também, por terem me aguentado por tanto tempo sem querer me assassinar. À Ruth Alison,
pelas conversas sinceras, e as parcerias artísticas que, infelizmente, ainda não saíram do papel.
À Willian Reis e Wanderson Branco, pelas conversas que me fizeram refletir muitos olhares.
Inclusive, é claro, por terem comprado os livros que eu vendo ao longo desses 4 anos. Da turma
2014.2, agradeço à Patrícia Regina, Gabriel Pires, Julcimara Araújo e Eduarda Castro, por terem
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sido presentes, cada um de jeito, em momentos particulares da minha vida, pois, sem o
respectivo apoio, eu me sentiria bastante sozinho. Vocês foram incríveis, e cada um tem um
lugar no meu coração. No curso de história agradeço também ao Eriknatan Medeiros, querido
amigo, por ter me ensinado muito sobre trens e pelas intermináveis discussões sobre as
ferrovias. À Bárbara Pinheiro, agradeço pela amizade, pelas conversas profundas e pelas nossas
trocas intelectuais, e à Maria Alice, que, apesar de ter ficado somente um semestre na UFRRJ,
teve o tempo mais do que suficiente para criar esse forte vínculo comigo, que a distância e o
tempo não rompem.
Aos amigos do quarto 214-B: Matheus Andrade, Welton Patrício, Jorge Costa e Camila
Oliveira, agradeço pela empatia em me acolher em um momento tão difícil pra mim e por terem
sido tão legais e compreensivos ao conviverem comigo, que, sabemos, não é algo assim fácil,
né?! Ao Matheus José, Rennan Commuci e Iago Pinheiro, do Cinebrisa, agradeço pelos
momentos compartilhados. No curso de filosofia, agradeço à Regina Batel, que sempre ao nos
encontrarmos, pudemos conversar e refletir sobre o estado caótico das coisas. Por último,
lembro das pessoas que eu conheci por último nessa jornada ruralina: as pessoas do curso de
Belas Artes. Agradeço pela amizade absolutamente incrível de Mariana Fernandes, Gabriele
Rocha, Thais Rocha e Clara Andrade. Vocês iluminaram minha alma. Agradeço à Fernanda
Calabar, cujo o apoio foi fundamental na reta final da graduação. A todos aqui mencionados,
que guardo com carinho e bastante zelo em meu coração, deixo, novamente, o meu muito
obrigado! O Raphael agradece à preferência e deseja a todos uma boa viagem no tempo! Piuí...

‘Velho maquinista, com seu bonéLembra


o povo alegre, que vinha cortejar
Maria Fumaça, não canta mais
Para moças, flores, janelas e quintais’

Milton Nascimento & Fernando Brant


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RESUMO

A política de erradicação de ramais antieconômicos na ditadura civil-militar:


O caso da Estrada de Ferro Rio d’Ouro

Raphael Castelo Branco da Silva

Orientador: Prof. Dr. Pedro Henrique Pedreira Campos

Resumo da monografia do curso de graduação em História pelo Instituto de Ciências Humanas


e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Licenciado em História.

A monografia tem como proposta fazer uma análise do caso da desativação da Estrada
de Ferro Rio d’Ouro, considerada pelo governo como antieconômica, ou seja, não possuía
justificativas plausíveis para sua existência como ferrovia, e que por isso deveria ser substituída
por uma autoestrada, ainda que a mesma servisse localidades na Baixada Fluminense e na zona
norte do Rio de Janeiro, que já eram consideravelmente povoadas, além de serem dependentes
do trem para escoamento de mercadorias. Atualmente, essas regiões possuem inúmeros
problemas em relação a mobilidade urbana. Isso ocorreu dentro de um contexto permeado por
uma política de erradicação de ramais ferroviários pela ditadura civil-militar. Com o auxílio da
concepção de Estado Ampliado, formulado por Antonio Gramsci, e aprofundado por Nicos
Poulantzas, tentamos compreender quais grupos de interesses se beneficiaram com as políticas
públicas postas em prática durante aquele período, e como a questão social foi posta de lado em
prol de uma racionalidade técnica controversa.

Palavras-chave: Estado-ampliado; Ditadura civil-militar; Ferrovia.


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ABSTRACT

A política de erradicação de ramais antieconômicos na ditadura civil-militar:


O caso da Estrada de Ferro Rio d’Ouro

Raphael Castelo Branco da Silva

Advisor: Prof. Dr. Pedro Henrique Pedreira Campos

The monograph proposes an analysis on the case of the deactivation of the Rio d'Ouro Railway,
considered by the government as uneconomical, that is, it had no plausible justification for its
existence as a railroad, and that therefore it should be replaced by a motorway for cars, although
it served locations in the Baixada Fluminense and north area of Rio de Janeiro, which were
already heavily populated, besides being dependent on the train for the disposal of goods.
Currently, these regions have many problems with urban mobility. It had occurred within a
context permeated by a policy of eradication of railroad extensions by the civil-military
dictatorship. Based on Antonio Gramsci’s concept of the Expanded State who was late deeply
and broadly by Nicos Poulantzas we had tried to understand which interest groups benefited
from the public policies put into practice during that period, and how the social question was
put aside of a controversial technical rationality.

Keywords: Expanded-state; Civil-military dictatorship. Railroad


11

LISTA DE TABELAS

Tabela Principais vias férreas no mundo (1840 - 1880) -------------------------- p. 53.


01:
12

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIFER - Associação Brasileira de Indústria Ferroviária


ABPF - Associação Brasileira de Preservação Ferroviária
ABPV - Associação Brasileira de Pavimentação
AEF - Associação dos Engenheiros Ferroviários
ARB - Associação Rodoviária Brasileira
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CNT - Confederação Nacional dos Transportes
DNEF - Departamento Nacional de Estradas de Ferro
DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
E. F. Bahia – Minas - Estrada de Ferro Bahia – Minas
E. F. Central do Brasil - Estrada de Ferro Central do Brasil
E. F. Dom Pedro II - Estrada de Ferro Dom Pedro II
E. F. Leopoldina - Estrada de Ferro Leopoldina
E. F. Mauá - Estrada de Ferro Mauá
E. F. Melhoramentos do Brazil - Estrada de Ferro Melhoramentos do Brazil
E. F. Mogiana - Estrada de Ferro Mogiana
E. F. Noroeste do Brasil - Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
E.F. Paulista - Estrada de Ferro Paulista
E.F. Sorocabana - Estrada de Ferro Sorocabana
FALERJ - Federação de Associações de Lavradores e Trabalhadores Autônomos do Rio de
Janeiro
FNM - Fabrica Nacional de Motores
GEIA - Grupo Executivo da Indústria Automobilística
GEIPOT - Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes
IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IPES - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo
PCB - Partido Comunista Brasileiro
RFFSA - Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima
SINICON - Sindicato Nacional da Construção Pesada
TKU - Tonelada por quilômetro útil
13

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................14
CAPÍTULO I ...........................................................................................................19
O TRANSPORTE FERROVIÁRIO E SEUS DESDOBRAMENTOS ........................19
I.1 – A criação das ferrovias: ................................................................................19
I.2– O trem como expressão da modernidade burguesa: ..................................23
CAPÍTULO II ..........................................................................................................27
AS FERROVIAS NO BRASIL: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA .........................27
II.1– O processo de implantação das primeiras ferrovias no Brasil .................27
II. 2– A historiografia sobre as ferrovias no Brasil .............................................33
CAPÍTULO III ........................................................................................................44
A POLÍTICA DE ERRADICAÇÕES FERROVIÁRIAS ...........................................44
III.1 – As transformações político-econômicas do Brasil entre 1930 e 1964....44
III. 2– O discurso justificador da política de erradicações ferroviárias: ...........52
CAPÍTULO IV ........................................................................................................59
A ESTRADA DE FERRO RIO D’OURO .................................................................59
IV.1 – A crise no abastecimento de água e o surgimento da E.F. Rio d’Ouro .59
IV.2 – A desativação da E. F. Rio d’Ouro:............................................................65
CONCLUSÃO .........................................................................................................77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................79
14

Introdução

No dia 18 de maio de 2018, caminhoneiros autônomos e filiados a transportadoras


anunciavam a possibilidade de greve por tempo indeterminado pela redução do preço do diesel,
afetado pelas novas políticas de preço da Petrobras, que limitam a previsibilidade do preço do
litro devido a indexação ao mercado internacional e das já conhecidas condições precárias de
trabalho nas estradas brasileiras. O governo não atendeu às solicitações e, no dia 21 de maio,
iniciou-se a maior mobilização já vista até então da categoria. Logo no primeiro dia, foi possível
observar em todo o país a escassez de combustível, alimentos e remédios. Os ônibus reduziram
a circulação1 e as cidades com sistema ferroviário de transporte tiveram que criar esquemas
especiais para mitigar a superlotação das composições.2
Por qual razão um país continental como o Brasil, então, é dependente quase
exclusivamente das rodovias? Em 2009, segundo uma pesquisa da CNT (Confederação
Nacional dos Transportes), 61,1% de toda a carga transportada no Brasil utilizou o sistema
rodoviário, enquanto apenas 21% passou pelo sistema ferroviário. O sistema hidroviário
correspondeu a 14% e o sistema aeroviário teve uma participação pequena de 0,4%. Portanto,
o Brasil é um país que aproveita pouco os rios, e menos ainda as ferrovias. Em 2012, as ferrovias
produziram 298 bilhões de TKU (tonelada por quilômetro útil), enquanto as rodovias
produziram 936 bilhões de TKU3. A revista Exame4, inclusive, realizou uma matéria com o
objetivo de compreender os motivos do “Brasil parar” quando os caminhoneiros param e a
resposta seria um “problema invisível” na dinâmica econômica brasileira: os gargalos de
infraestrutura. A solução seria, portanto, o investimento em ferrovias e diversificação dos
modais de transporte do país.
Entretanto, o Brasil não manteve uma taxa ascendente de construção ferroviária nos
últimos 50 anos. Ocorreram uma série de erradicações que desmontaram em grande medida o
sistema ferroviário brasileiro e as políticas públicas tiveram um forte apelo rodoviarista. Se em

1
“Ônibus do Rio podem parar por falta de combustível, diz federação”. EXAME. Edição de 23 de maio de
2018. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/onibus-do-rio-podem-parar-por-falta-de-
combustivel-diz-federacao/. Acesso em: 19/08/2018
2
”Confira a situação do transporte público do Rio no quarto dia de greve dos caminhoneiros”. O GLOBO.
Edição de 24 de maio de 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/confira-situacao-do-transporte-
publico-do-rio-no-quarto-dia-de-greve-de-caminhoneiros-22711851 Acesso em: 19/08/2018
3
PEREIRA, Vicente de Britto. Transportes: história, crises e caminhos. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2014. p. 83.
4
“Por que o Brasil para quando os caminhoneiros fazem greve”. EXAME. Edição de 27 de maio de
2018.Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/por-que-o-brasil-para-quando-os-caminhoneiros-
fazem-greve/. Acesso em: 19/08/2018.
15

1940, quando os trens estavam no auge, existiam 34.252 quilômetros de ferrovias no país 5, em
2012, já num contexto rodoviarista, o país só contava com 28.700 quilômetros. Para uma breve
comparação, a rede rodoviária possui 1,7 milhão de quilômetros, dos quais somente 215.000
quilômetros são pavimentados.6
Para analisarmos as contradições e dinâmicas das políticas públicas de transportes no
Brasil e, consequentemente, as desativações de ferrovias, trabalharemos com a concepção de
Estado ampliado de Antonio Gramsci, que foi posteriormente aprofundada por Nicos
Poulantzas. Essa perspectiva consiste em entender que o Estado não pode ser compreendido de
forma simplificada e restrita, como se fosse um comitê gestor da burguesia, nem ser separado
da sociedade. Pelo contrário, existem vários grupos sociais que lutam pela hegemonia no
aparelho de estado7. Para Gramsci, a concepção liberal do Estado “baseia-se num erro teórico
cujo origem prática não é difícil identificar, ou seja, baseia-se na distinção entre sociedade
política e sociedade civil, que de distinção metodológica é transformada como distinção
orgânica”8. Portanto, não é adequado separar a sociedade civil da sociedade política, como se a
mesma estivesse à deriva em relação à superestrutura.
Nos momentos anteriores ao golpe civil-militar de 1964, a sociedade brasileira passou
por um intenso processo de ocidentalização na concepção de Gramsci9, principalmente através
da campanha ideológica da burguesia sintetizada no complexo IPES/IBAD10, em que o país
deixou de ter frações de classes pouco organizadas na sociedade civil11, passando a ter uma
intensa participação de formas organizadas em aparelhos privados de hegemonia. Conforme
salienta Virgínia Fontes:

5
PEREIRA, Vicente de Britto. Transportes. op. cit. p. 61.
6
PEREIRA, Vicente de Britto. Transportes. op. cit. p. 83.
7
BUCI-GLUCKSMANN, Christinne. Gramsci e o Estado: por uma teoria materialista da filosofia. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 126 - 148.
8
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Volume 3: Maquiavel; Notas sobre o Estado e a política. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. p. 47.
9
Ocidente e Oriente não são conceitos geográficos na obra de Gramsci. O conceito de Oriente para Gramsci
é referente a uma formação social que possui uma sociedade civil fraca, gelatinosa, pouco organizada, mas
com um Estado forte. Já o conceito de Ocidente para Gramsci é alusivo a uma formação social na qual há um
equilíbrio de forças relativas entre a sociedade civil e o Estado. Por isso, o método para uma revolução
socialista deveria ser divergente entre ambos os casos. Sobre essa questão, conferir: ROIO, Marcos del.
Gramsci contra o ocidente. In: AGGIO, Alberto (Orgs). Gramsci: a vitalidade de um pensamento. São Paulo:
EDUNESP, 1998. p. 103 - 118.
10
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis:
Vozes, 1981. p. 361 - 397.
11
Virgínia Fontes recorda que “em Gramsci, o conceito de sociedade civil procura dar conta dos fundamentos
da produção social, da organização das vontades coletivas e de sua conversão em aceitação da dominação,
através do Estado.” (Grifos da autora). Conferir: FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital imperialismo: teoria
e história. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2010. p. 133.
16

O fulcro do conceito gramsciano de sociedade civil – e dos aparelhos privados de


hegemonia – remete para a organização e, portanto, para a produção coletiva, de
visões de mundo, da consciência social, de formas de ser adequadas ao mundo burguês
(a hegemonia) ou, ao contrário, capazes de opor-se resolutamente a este terreno dos
interesses (corporativo), em direção a uma sociedade igualitária (“regulada”) na qual
a eticidade prevaleceria, como o momento ético-político da contra-hegemonia.12

Nicos Poulantzas, que no que tange a compreensão do Estado, rompe com as


perspectivas de Louis Althusser13em suas últimas obras14, afirmando que não podemos aceitar
a tese de um tipo de marxismo ortodoxo no qual o estado é um objeto que pode ser manipulado
por uma classe dominante, assim como também não podemos aceitar a tese liberal de que o
Estado é um sujeito destacado da sociedade capaz de executar ações por conta própria. Para o
autor, é preciso:

Compreender o Estado como a condensação de uma relação de forças entre classes e


frações de classes tais como elas se expressam, sempre de maneira específica, no seio
do Estado, significa que o Estado é constituído-dividido de lado a lado pelas
contradições de classe. [...] as contradições de classe constituem o Estado, presentes
na sua ossatura material, e armam assim sua organização: a política do Estado é o
efeito de seu funcionamento no seio do Estado.15

De acordo com René Armand Dreifuss,16 a ditadura iniciada em 1964 foi oriunda de um
golpe civil-militar, instalando no poder uma elite orgânica, e teve como característica o apoio
de setores organizados da sociedade civil, tendo como um dos principais sustentáculos o
elemento burguês e empresarial, que é heterogêneo e repleto de frações de classe, por vezes
conflitantes entre si, mas, ainda assim, organizado o suficiente para compor um pacto político
com os militares. Conforme recorda Sônia Mendonça:

Pensar o Estado gramscianamente é sempre pensá-lo a partir de um duplo registro: o


das formas dominantes na produção (classes e frações) que se constituem e se
consolidam por intermédio de organizações da sociedade civil, ao mesmo tempo em
que, junto a cada aparelho ou órgão do Estado restrito, estão sempre presentes projetos
e intelectuais vinculados às agência(s) da sociedade civil. Uma delas, por certo, deterá
a hegemonia junto a certo organismo estatal, conquanto outras igualmente lá far-se-
ão presentes, em permanente disputa. 17

12
FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. op. cit. p. 133.
13
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença, 1974.
14
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais do estado capitalista. Porto: Portucalense, 1971.
(Dois Volumes); POULANTZAS, Nicos. As classes sociais no capitalismo de hoje. Rio de Janeiro: Zahar,
1978.
15
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder e o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 2000. p. 134 - 135.
16
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. op. cit. p. 417 - 495.
17
MENDONÇA, Sonia Regina de. O Estado ampliado como ferramenta metodológica. In: Marx e o
marxismo, v.2, 2.2, jan./jul., 2014. p. 38.
17

A desativação de ferrovias consideradas deficitárias não se iniciou na ditadura, mas foi


a partir dela que a mesma se tornou política de Estado. A compreensão das políticas públicas
do setor que norteiam esse processo se torna primordial no estudo de caso da Estrada de Ferro
Rio d’Ouro e, para compreender uma política pública, ou seja, uma ação do Estado em relação
à sociedade, é fundamental se ater aos discursos proferidos pelo mesmo. É comum a tônica do
“antieconômico”, ou do “deficitário”. As fontes oficiais indicam isso, mas é preciso, acima de
tudo, problematizar a razão desse discurso ser feito e não tomar como uma verdade a fala de
um órgão público. Sendo assim, é preciso ter atenção aos agentes e as agências ao realizarmos
o estudo de uma política econômica ou na atuação de um aparelho de estado.18
Gramsci afirma que os empresários se organizam em sociedades e criam condições para
a expansão dos interesses da própria classe. São necessários então “prepostos” para a formação
do consenso em uma orientação feita pelo grupo dirigente19. Assim, é preciso observar as ações
desses agentes na sociedade e como são as relações deles com o mundo produtivo. No caso das
desativações dos ramais ferroviários brasileiros, é possível observar os setores favorecidos, a
indústria automobilística e as empreiteiras que faturavam na construção de estradas, e os setores
prejudicados, a população que dependia desses trens para se locomover e transportar
mercadorias. Essas desativações só puderam acontecer devido a um discurso hegemônico
baseado no critério técnico, que se propunha como imparcial, e apolítico, ou seja, neutro.
Vemos, ainda, de acordo com Dilma Andrade de Paula, que:

O sucesso da política de erradicação de ramais aconteceria durante o regime militar.


Esse processo dava-se por idas e vindas, motivadas, muitas das vezes, por reações as
desativações. Não tratamos, portanto, de uma política coerente e continua, mas de
sucessivos grupos e projetos que se acumularam e possibilitaram a formação de uma
suficiente “massa crítica” relativas as desativações, sendo incorporada e aperfeiçoada
durante a ditadura, quando houve o clima autoritário que favoreceu medidas de tal porte.
Em 1966 foi criado o GESFRA - Grupo Executivo de Substituição de Ferrovias e
Ramais Antieconômicos, doravante encarregado de planejar e o arrancamento de trilhos
e sua substituição por rodovias. Sua composição envolva o staff do DNEF, DNER e
RFFSA. O alto escalão do grupo revelava a lógica da associação tecnocrata inaugurada
durante o regime militar, com a participação conjunta de militares e os engenheiros e
economista.20

18 PAULA, Dilma Andrade de. Estado e aparelhos privados de hegemonia na supressão de ramais
ferroviários. In: MENDONÇA, Sonia Regina de (Org.). Estado Brasileiro: agências e agentes. Niterói:
EDUFF, 2005. p. 59 - 77.
19
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Volume 2: Os intelectuais; O princípio educativo. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 21.
20
PAULA, Dilma Andrade de. Estado e aparelhos privados de hegemonia na supressão de ramais ferroviários.
In: MENDONÇA, Sonia Regina de (Org.). Estado Brasileiro: agências e agentes. Niterói: EDUFF, 2005. p.
66.
18

Nosso método de análise é calcado em Antonio Gramsci, cuja concepção de Estado


ampliado foi fundamental para entendermos as forças sociais em jogo na formulação das
políticas públicas e nos processos de extinção dos ramais ferroviários. Tivemos como objetivo
analisar as forças sociais que levaram ao processo de extinção da E. F. Rio d’Ouro,
compreendendo os impactos e efeitos para a população usuária, estabelecendo quais setores
econômicos foram beneficiados com essa desativação. O trabalho se justifica atualmente devido
aos graves problemas de infraestrutura de transportes de massa para a população, e isso ocorreu
devido a escolhas feitas na política de transportes. Portanto, a questão apresentada é de ordem
social, científica e acadêmica. A delimitação espacial do objeto pesquisado se situa no estado
do Rio de Janeiro, mais precisamente na zona norte da capital e na Baixada Fluminense,
localidades que atualmente possuem graves problemas de mobilidade
O plano de redação desta monografia foi esquematizado em quatro capítulos. No
primeiro capítulo, analisamos a ferrovia em perspectiva histórica, buscando compreender os
impactos desse empreendimento na dinâmica econômica e na consolidação e expansão do
capitalismo. No segundo capítulo, o objetivo principal foi fazer uma apresentação do debate
historiográfico sobre as primeiras experiências ferroviárias no Brasil. No terceiro capítulo,
buscamos compreender a política de desativações ferroviárias durante a ditadura civil-militar,
e no quarto capítulo expomos a história da construção e da desativação da E. F. Rio d’Ouro. A
guisa da conclusão, sintetizamos as inquirições fazendo um encadeamento entre o objeto
pesquisado à estrutura econômica da ditadura civil-militar, relacionando a parte com o todo.
19

Capítulo I
O transporte ferroviário e seus desdobramentos

No passado, a zona norte do Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense foram regiões


servidas por diversos ramais ferroviários, que com um grande número de estações,
transportavam pessoas e mercadorias. Antes, porém, de analisarmos a história da criação e
desativação da Estrada de Ferro Rio d’Ouro, devemos explicar o surgimento do trem em
perspectiva histórica. É preciso entender como, e por quais motivos, as ferrovias foram criadas
na Inglaterra, quais foram os seus impactos na economia e como as mesmas revolucionaram a
produção, para que, posteriormente, se possa compreender como se deu o processo de
construção das primeiras ferrovias brasileiras.

I.1 – A criação das ferrovias:

A transição do século XVIII para o século XIX na Europa foi marcada pela “dupla-
revolução”, nas palavras de Eric Hobsbawm21. A Revolução Francesa e a Revolução Industrial
Inglesa repercutiram, em maior ou menor medida, ao redor do globo, e a ferrovia deve ser,
então, pensada como uma decorrência da Revolução Industrial Inglesa e seus desdobramentos,
tornando-se seu elemento fundamental. Havia, naquele momento de ascensão do capitalismo,
uma certa demanda de melhoria no deslocamento de pessoas e, principalmente, das
mercadorias, afinal, as estradas esburacadas e os rios assoreados já estavam em sua capacidade
máxima de transporte. Phyllis Deane, inclusive, explica que, durante o século XVIII, os
transportes e, mais precisamente, as estradas foram um ponto de empreendimento coletivo na
Inglaterra e, com exceção de vias consideradas primordiais para a segurança militar, a
construção e a manutenção das estradas no geral eram de caráter local.22
O crescimento da economia passou a deixar evidente a deficiência das estradas e das
comunicações como um todo na Inglaterra. As vias inglesas passaram a melhorar a partir do
ano de 1750, ou seja, antes do advento da Revolução Industrial. Somente em 1814 que surgiu
o primeiro experimento industrial que pode ser chamado de locomotiva, sob o comando de
George Stephenson. Sua criação, a locomotiva Blucher, transportou uma quantidade
significativa de cartão na região de Newcastle, na Inglaterra. Passaram-se os anos e as

21
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789 - 1848. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 15.
22
DEANE, Phyllis. A revolução industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. p. 88 - 104.
20

locomotivas foram ficando cada vez mais avançadas para os padrões tecnológicos da época. A
Revolução Industrial é, portanto, catapultada por uma mudança significativa na forma de se
transportar pessoas e mercadorias. 23
Hobsbawm recorda que foram necessários poucos refinamentos intelectuais para fazer
a Revolução Industrial na Inglaterra e, mesmo assim, os mesmos não estavam além dos limites
dos artesãos. Temos como exemplo George Stephenson, que iniciou sua vida profissional como
maquinista. O choque cultural provocado pelo surgimento do trem foi intenso. Nenhuma
criação da Revolução Industrial impactou tanto a imaginação como a ferrovia, pois, era a
materialização, mesmo que para um leigo, de uma nova era.24
Karl Marx, ao estudar o surgimento da maquinaria e da grande indústria, e seus
impactos na economia nos primórdios do capitalismo inglês, uma época que coincide com a
criação das primeiras ferrovias, afirma que:

O revolucionamento do modo de produção numa esfera da indústria condiciona seu


revolucionamento em outra (...) Mas a revolução no modo de produção da indústria e
da agricultura provocou também uma revolução nas condições gerais do processo de
produção social, isto é, nos meios de comunicação e transporte.25

Marx explica que um fator importante no cálculo do tempo de rotação do capital é a


distância entre o mercado e o local de produção. A sua explicação para o papel da ferrovia na
decadência de alguns centros de produção e o surgimento de novos centros é feita com os
seguintes exemplos: em um primeiro caso, uma ferrovia liga um local de produção a um centro
populacional, mas que não necessariamente possui ligação direta com a ferrovia. Mesmo que
esse centro fique mais próximo geograficamente, ele está, de fato, mais distante do que um
centro populacional que está geograficamente mais distante, mas que possui ligação direta com
a ferrovia.26
Marx também salienta que os meios de transportes se expandem progressivamente, de
acordo com o aumento da produção em direção a um mercado já existente, sendo, geralmente,
através de portos exportadores e grandes centros populacionais. O fluxo de rotação de capital
aumenta quando há maiores possibilidades de escoamento. É dado, então, o exemplo de duas
localidades, uma próspera e próxima a estradas ou canais, que passa a ser cortada por uma única

23
DEANE, Phyllis. A revolução industrial. op. cit. p. 88 - 104.
24
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789 - 1848. op. cit. p. 80 - 88.
25
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo:
Boitempo, 2014. p. 457.
26
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: Livro II: o processo de circulação do capital. São
Paulo: Boitempo, 2014. p. 343 - 351.
21

ferrovia de intervalos longos, e outra, que era isolada, passa a estar conectada com várias linhas
ferroviárias. A primeira localidade entra em decadência por possuir apenas uma via de
escoamento, enquanto a segunda localidade passa a florescer por ter múltiplas possibilidades
de escoamento.27 Essas alterações nas dinâmicas econômicas dos centros produtores ocorrem
devido às mudanças no meio de transporte:

A modificação nos meios de transporte provoca, portanto, uma diferenciação local no


que diz respeito ao tempo de curso das mercadorias, às oportunidades de compra,
venda, etc; ou distribui de outro modo as diferenciações locais já existentes (...). Se,
por um lado, com o progresso da produção capitalista, e o desenvolvimento dos meios
de transporte e de comunicação abrevia o tempo de curso para uma quantidade dada
de mercadorias, esse mesmo progresso e a possibilidade dada com o referido
desenvolvimento provocam, inversamente, a necessidade de trabalhar para mercados
cada vez mais distante – numa palavra, para o mercado mundial.28

David Harvey relembra que o “tempo de venda” é o componente mais importante da


circulação. O prazo desse movimento varia, pois, o tempo que a mercadoria perde em direção
ao mercado depende não somente, mas primordialmente dos sistemas de escoamento e
comunicação, capazes de fazer essa ligação. Não há circulação sem decréscimo de tempo, mas
é possível diminuir essa perda através do sistema de transporte. O espaço físico não é de
importância primordial para o capital, e sim os “atritos de distância”.29 Concomitante a isso, há
a incorporação de uma quantidade alta de capital à terra, cujo valor varia de acordo com a
infraestrutura local. Esse autor sintetiza então que as conclusões de Marx giram em torno de
uma ideia que aparenta ser simples atualmente, mas que, na época, representou uma mudança
na perspectiva teórica de análise do papel do transporte e sua relação com o capital e a
mercadoria: a anulação do espaço pelo tempo através do transporte, e com isso, a capacidade
de geração de mais-valor pode enfim se expandir.30
Maurice Dobb afirma que, mesmo considerando essa época a “era ferroviária”, muitas
análises não avaliam a importância singular que a construção ferroviária teve e como a
instalação dessa infraestrutura se tornou primordial para o capitalismo inglês, devido aos
volumes de capital aplicados, que só serão superados no século XX, pela indústria

27
MARX, Karl. O capital. Livro II. op. cit. p. 345 - 446.
28
MARX, Karl. O capital. Livro II. op. cit. p. 346.
29
David Harvey afirma que os atritos de distância são medidos pelos custos e tempos variáveis de movimento
ao longo do espaço físico. Isso é parte da argumentação da teoria das “relações de espaço relativo”. Para um
melhor desdobramento dessa e de outras argumentações sobre o tempo de curso abordado no capítulo 14 d’O
Capital de Karl Marx, conferir: HARVEY, David. Para entender O capital (Livro II e III). São Paulo:
Boitempo, 2014. p. 257 - 275.
30
HARVEY, David. Para entender O capital: (Livro II e III). op. cit. p. 268 - 269.
22

armamentista. Portanto, a construção ferroviária não pode ser interpretada exclusivamente pelo
viés da circulação de mercadorias. Ora, pois as ferrovias apresentaram uma dupla função:
absorver volumes gigantescos de capital e permitir a exportação de produtos manufaturados
ingleses. Além disso, ainda há o estímulo à demanda de ferro e outras matérias-primas, além
do incremento da rede de comunicação. Posteriormente ao surto ferroviário da década de 1840
na Inglaterra, ocorreram volumosas exportações de capital para a construção ferroviária em
outros continentes, principalmente na Índia entre 1850-1860.31
Frédéric Mauro sustenta que alguns fatores favorecem a construção das ferrovias
inglesas, pois o país já possuía uma grande quilometragem de canais construídos e
consequentemente, já possuía um grande número de engenheiros e operários especializados.32
Mas a expansão das vias férreas também pode ser explicada pela paixão “aparentemente
irracional” que negociantes desenvolveram pela construção das ferrovias. Algumas produziram
lucros modestos, sendo que a rentabilidade média do capital aplicado nesses empreendimentos
era de 3,7% ao ano, embora, mesmo assim, se em 1840 tivemos investidos 28 milhões de libras,
em 1850 o valor chega ao surpreendente montante de 240 milhões de libras investidas em
ferrovias.33
A transformação do mercado de capitais durante a era ferroviária mostra que um dos
principais aspectos da economia inglesa na era vitoriana foi o desenvolvimento de uma classe
de capitalistas cuja fortuna era obtida através de poupanças acumuladas num espaço de três
gerações. Essas poupanças eram investidas em empresas construtoras e ações, e foram parte do
sustentáculo econômico de ferrovias que advinham, em alguns casos, de famílias do interior e
de mulheres viúvas. Entretanto, o investidor caseiro foi o que menos ganhou com essa febre
especulativa.34
Entre a década de 1830 e 1850, na Grã-Bretanha, foram construídos 9640 quilômetros
de ferrovias após duas ondas de investimento em ferrovias, que Hobsbawm classifica como
“pequena mania”, entre 1835 e 1837, e a “gigantesca mania”, entre 1845 e 1847. Um valor
considerável de capital aplicado nas duas manias se perdeu por causa da atração romântica pela
revolução tecnológica. Se parte do dinheiro gasto por pequenos investidores não rendeu para

31
DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 183 - 269.
32
MAURO, Frédéric. História econômica mundial (1790 - 1970). Rio de Janeiro. Zahar, 1973. p. 39.
33
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789 - 1848. op. cit. p. 85.
34
HOBSBAWM, Eric. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 2009. p. 102 - 110.
23

eles grandes lucros, ao menos logrou a Inglaterra um novo sistema de transportes e uma nova
forma de permitir o acúmulo de capital.35

I.2– O trem como expressão da modernidade burguesa:

As mudanças provocadas pelo trem não se limitaram ao aspecto econômico. A ferrovia


também modifica a contagem do tempo. O horário de chegada e partida de uma composição
deixa de ser uma mera máquina que adentra a uma estação para pautar a forma que as pessoas
se programam para chegar e sair. O trem significa, simultaneamente, racionalidade técnica e
pontualidade. Com a tabela de chegada e partidas, se realizam encontros e despedidas. Para não
perder o trem, as pessoas precisam estar atentas e se adaptar a um ritmo demarcado do tempo.
O desejo do ser humano de controlar a passagem do tempo não advém exclusivamente
do século XIX. Jacques Le Goff nos explica que na Europa Ocidental medieval, o tempo não
era unificado e deveria existir um controle para que o mesmo fosse demarcado. O relógio
mecânico é, portanto, uma alteração significativa. A separação entre o diurno e o noturno
perdem importância perante seus ponteiros36. O impacto transformador na alteração da
concepção de tempo provocado pelo relógio nas torres das igrejas pode ser comparado com a
revolução provocada pelo advento da ferrovia. Ambos demonstram formas artificiais de
controle do tempo37.
O século XIX pode ser considerado o tempo do advento do vapor. A expansão
capitalista não seria possível sem o auxílio de duas máquinas movidas pelo vapor: a locomotiva
e o navio. A ferrovia leva mercadorias de um centro produtor a um centro consumidor como as
cidades e, a partir dos centros portuários, são distribuídas pela navegação a vapor. O mercado
internacional, que antes era regionalizado e de baixa interação, ganha uma forma concreta, e a
mercadoria pode enfim encantar o mundo.
E não só as possibilidades múltiplas de distribuição de mercadorias encantavam as
pessoas, afinal, o próprio avanço tecnológico era encantador. Distâncias, que de diligências a
cavalo levavam quinze dias ou até um mês para serem percorridas podem com o trem ser feitas
em até dois dias. A ruptura na percepção espaço-temporal demarca uma mudança na forma de

35
HOBSBAWM, Eric. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. op. cit. p. 102 - 110.
36
LE GOFF, Jacques. Para uma outra idade média: tempo, trabalho e cultura no ocidente. Petrópolis: Vozes,
2013. p. 83 - 101.
37
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 267 - 304.
24

se ver a paisagem, pois os detalhes antes vistos se confundem numa visão turva e distorcida
provocada pela velocidade e a fumaça da locomotiva.38
No século XIX, o mundo liberal-burguês foi se consolidando aos poucos na Europa.
Era o tempo das migrações dos campos para as cidades, e o surgimento da sociedade industrial
urbanizada, que cresceu de forma desenfreada e absorveu um número gigante de pessoas como
força de trabalho. Os avanços tecnológicos no campo da física, química, biologia e engenharia
atuaram como “solventes da antiga ordem e catalisadores de uma nova ordem”. 39
Os benefícios do avanço dos conhecimentos e das ciências eram recebidos como uma
possibilidade de um novo patamar de vida para os seres humanos. Foi um momento de
transição, e o próprio conceito de modernidade tem um critério infalível de movimento.40 A
história do conceito de progresso pode ser sintetizada abaixo:

O conceito de “progresso” só foi criado no final do século XVIII, quando se procurou


reunir grande número de novas experiências dos três séculos anteriores. O conceito
de progresso único e universal nutria-se de novas experiências individuais de
progressos setoriais, que interferiam com profundidade cada vez maior na vida
quotidiana e que antes não existiam [...]. O progresso reunia, pois, experiências e
expectativas afetadas por um coeficiente de variação temporal. Um grupo, um país,
uma classe social tinha consciência de estar à frente dos outros, ou então procuravam
alcançar os outros ou ultrapassa-los. Aqueles dotados de uma superioridade técnica
olhavam de cima para baixo o grau do desenvolvimento dos outros povos, e quem
possuísse um nível superior de civilização julgava-se no direito de dirigir esses povos.
41

Contudo, nos territórios explorados da Ásia e da África, nem todos eram considerados
humanos suficientes para serem agraciados com tais benefícios do progresso. Esse tempo de
mudanças também foi um tempo de intensa exploração. A dependência europeia de matérias-
primas que alimentassem o monstro industrial criado pela sociedade capitalista para que ele não
parasse de produzir, criou, por fim, um estímulo conveniente a corrida imperialista. Essa
dominação necessitou de uma legitimação através do uso discursivo do método científico,
extremamente “confiante em si mesmo”, como afirma Hobsbawm, tornando-se o centro da
ideologia secular de progresso. A ciência torna-se sinônimo de verdade imutável e
inquestionável, assim como a ordem liberal-burguesa advinda do capitalismo42.

38
HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma: a modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras,
1988. p. 23 - 48
39
BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à história contemporânea. São Paulo: Círculo do Livro, 1985. p.
45.
40
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro:
Contraponto, EDPUC-Rio, 2006. p. 303.
41
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. op. cit. p. 317.
42
HOBSBAWM, Eric. A era do capital: 1848-1875. São Paulo: Paz & Terra, 2010. p. 379 - 416.
25

Esse período de euforia e crença real na marcha inexorável do progresso e na vitória


da sociedade liberal-burguesa é marcado também pelo avanço do capitalismo ao redor do
planeta. Durante a segunda fase da revolução industrial, posterior a 1850, a ferrovia passa a ser
diretamente conectada à dinâmica do capital financeiro e à expansão do imperialismo ao redor
do globo. Entre os anos de 1848 e 1870, ocorre uma expansão econômica extraordinária e é
neste momento que o mundo se torna capitalista. É neste momento, também, que uma parcela
menor de países se torna industrial. Abaixo, segue o estado das ferrovias durante o século XIX
na Europa e na América:

Tabela 01 Principais vias férreas no mundo (1840-1880)43

Ano Europa América do Norte

1840 1,7 mil milhas 2,8 mil milhas

1880 101,7 mil milhas 100,6 mil milhas

Homens como Thomas Brassey chegaram a mobilizar oito mil homens em cinco
continentes apenas para a construção de vias férreas. Essas obras eram realizadas com pouco
ou quase nenhum aparato de segurança, resultando muitas vezes em um grande número de
acidentes com feridos e mortos. Esses mortos são apagados da história quando enfrentados pela
imponência da locomotiva. Por trás dos trilhos do progresso capitalista ao redor do globo, então,
podemos dizer que há um amontoado de ossos de operários que trabalhavam em condições
degradantes.44
A sociedade burguesa se realizava de diversas formas e uma delas era a exibição em
forma de espetáculo. O trem era o grande espetáculo da modernidade no século XIX. A
locomotiva sintetizava o conceito de progresso técnico e evolução econômica em uma
sociedade em que havia pessoas invisibilizadas morrendo devido à exploração das condições
de trabalho. Há a criação de todo um aparato arquitetônico que diferencia as construções
ferroviárias de outras edificações, e a máquina de ferro que solta fumaça e corre guiada por

43
HOBSBAWM, Eric. A era do capital: 1848 - 1875. op. cit. p. 95.
44
HOBSBAWM, Eric. A era do capital: 1848 - 1875. op. cit. p. 95 - 105.
26

trilhos é uma inovação que provoca um estranhamento nas pessoas, que tem suas concepções
de tempo, de espaço, e as formas de relações sociais alteradas por esse invento tecnológico.
Francisco Foot Hardman explica que a modernidade burguesa e suas exibições eram
repletas de falsas euforias, pois por trás do progresso, havia uma melancolia de uma sociedade
doente. Essas exibições, ainda, se materializam nas exposições universais e se organizavam
como um dos principais meios de propagação da ideologia liberal-burguesa, mostrando as
novidades que permitem que os países trilhem seus caminhos rumo ao progresso.45
Nessas exposições, havia uma presença forte do ideal eurocêntrico com a roupagem
do “cosmopolitismo liberal e altruísta” e havia também um caráter de antecipação ao exibir os
progressos técnicos do século. Os próprios locais dessas exposições, os palácios de cristais, já
eram celebradas como maravilhas da época junto com as ferrovias. Eram os grandes
protagonistas do espetáculo exibicionista da burguesia, espetáculo esse que foi ensaiado para
se reproduzir no Brasil.46
Nesse capítulo, analisamos os impactos da “dupla-revolução” na constituição do
cenário que possibilitou a ascensão do capitalismo na Europa, e como o mesmo foi se
expandindo progressivamente. A ferrovia e os demais sistemas de transportes auxiliaram em
demasia a construção do sistema, reduzindo o prazo de circulação das mercadorias. A contagem
do tempo também se alterou, pois, as estações passaram a demarcar toda uma vida social que
dependia dos horários ferroviários. Com a industrialização e a urbanização, o progresso tornou-
se meta-síntese da sociedade burguesa que se consolidava ao longo do século XIX, e a
locomotiva, que vencia as distâncias e levava consigo a civilização, se converteu em seu maior
símbolo.

45
HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma. op. cit. p. 55.
46
HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma. op. cit. p. 49 - 65.
27

Capítulo II
As ferrovias no Brasil: história e historiografia

Nesse capítulo, analisamos o processo de implantação das principais ferrovias no Brasil,


e quais os impactos desse processo na dinâmica econômico-social, explicando o papel das duas
principais ferrovias construídas no século XIX no Brasil: a E. F. Mauá e a E. F. Dom Pedro II.
Fizemos uma exposição do processo de captação dos aportes de capital para a construção dessa
infraestrutura, e quais os interesses das classes dominantes nessa expansão. Posteriormente,
averiguamos o comportamento de parte substancial da historiografia sobre o tema, focalizando
em seus principais trabalhos.

II.1– O processo de implantação das primeiras ferrovias no Brasil


Foi no início do século XIX que surgiram os primeiros projetos com objetivo de planejar
uma malha ferroviária no Brasil para escoar a produção do interior como aos portos. Podemos
dizer que o estado das vias de comunicações brasileira era péssimo, formado em grande parte
pelas antiquadas vias de penetração do período colonial47. De acordo com o Jorge Natal, a partir
de 1850, fica evidente que o Brasil possuía uma rede de transportes inadequada para inserção
do país no capitalismo e na divisão internacional do trabalho. Entre 1835 e 1854, começam a
operar alguns dispositivos que permitiram a construção de ferrovias e, mesmo que nada tenha
se concretizado, fica evidente a demonstração de uma tentativa do Estado imperial de ensaiar
uma integração nacional das ilhas de povoamento por meio de uma rede de transporte.48
O estado das vias de comunicação brasileiras, antes da ferrovia e da navegação a vapor,
não acompanhou a dinamização da economia agroexportadora. Para alterar essa situação, o
regente Feijó enviou à Londres o marquês de Barbacena para as negociações referentes à
tomada de empréstimos como o objetivo de iniciar a construção ferroviária. Foi através da lei
n° 101, de 13 de outubro de 1835, conhecida como “Decreto Feijó”, ainda no período regencial,
que houve a primeira tentativa de se criar um plano de ferrovias para o Brasil. Em 1838, foi
formulado um projeto para ligar Santos à cidade de São Paulo, que envolvia navegação por rios
e canais. Já em 1839, um projeto mais realista foi apresentado por Thomas Cochrane para fazer
a ligação entre a corte imperial e a cidade de São Paulo.49

47
VIANNA, Hélio. História da viação brasileira. Rio de Janeiro: Lammert, 1949. p. 175 - 181.
48
NATAL, Jorge Luiz Alves. Transporte, ocupação do espaço e desenvolvimento capitalista no Brasil:
História e perspectivas. Tese (Doutorado em economia). Campinas - SP: UNICAMP, 1991. p. 48 - 84.
49
TENÓRIO, Douglas Apratto. Capitalismo e ferrovias no Brasil. Curitiba. HD Livros, 1996. p. 22 - 34.
28

As classes dominantes do Império controlaram as negociações acerca das concessões


ferroviárias, tentando manter um equilíbrio de compromissos entre as forças políticas.
Entretanto, isso não significou uma alteração no projeto de Estado. Rafael Natera afirma que,
mesmo com a aprovação do privilégio da margem, houve um bloqueio político à construção de
ferrovias por essa classe dominante, pois o trem seria parte de um mundo capitalista e isso
negaria o caráter escravista da formação econômico-social brasileira, colocando em risco o
monopólio sobre a força de trabalho. Com a Lei Eusébio de Queiróz de 1850, ocorreu uma
diminuição substancial do tráfico, e com isso, aumentou o apoio a um projeto político de
construção ferroviária, por uma questão de sobrevivência, pois pouparia força de trabalho
escravo no transporte e possibilitaria a acumulação de capital nos setores exportadores. Essa
reação tinha uma dupla característica: conservadora, ao manter a força de trabalho não
remunerada, mas também progressista, no sentido de permitir penetração parcial do
capitalismo, mesmo que subordinado à formação econômico-social escravista.50
Assim, a construção ferroviária necessitaria de aportes gigantes de capital e, para que
isso acontecesse, fez-se necessária a contratação de empréstimos e a criação de casas de coleta
de fundos. A legislação de 1835 não conseguiu gerar interessados e somente como o apoio
estatal e a garantia de juros ao capital aplicado foi possível ocorrer o primeiro surto ferroviário.
Em 1840, Thomas Cochrane conseguiu um contrato com o governo imperial para a construção
de uma ferrovia que ligasse a Corte à província de São Paulo, mas até a década de 1850, nada
significativamente importante, de fato, ocorreu. Surgiram, então, vantagens para atrair
investidores, como, por exemplo, a criação da faixa de domínio das ferrovias, que correspondia
a 30 quilômetros para cada lado, onde seria proibido a construção de uma ferrovia
concorrente.51
De acordo com Marcelo de Paiva Abreu e Luiz Lago, os benefícios da garantia de juros
são controversos em alguns aspectos. O custo de construção se tornou demasiadamente elevado
por causa das garantias oferecidas pelo Estado brasileiro, que entre 1858 e 1888 gastou 11,3
milhões de libras esterlinas para honrar essas garantias. Entretanto, há de se considerar o fato
de que, sem essas garantias, não seria possível a expansão da infraestrutura ao longo do século

50
NATERA, Rafael da Costa. A questão ferroviária no debate do Senado Imperial: 1835-1889. Dissertação
(Mestrado em economia). Campinas: UNICAMP, 2010. p. 113 - 116.
51
KATINSKY, Júlio Roberto. Ferrovias nacionais. In: MOTOYAMA. Shozo (Orgs). Tecnologia e
industrialização no Brasil: Uma perspectiva histórica. São Paulo: EDUNESP, 1994. p. 37 - 65.
29

XIX, e as ferrovias de fato representaram imensos ganhos para a classe dominante brasileira,
principalmente na questão de aumento da produtividade.52
Um empecilho para a construção de ferrovias no Brasil era a ausência de força de
trabalho qualificada. A engenharia teve um salto de qualidade significativo após a vinda da
família real portuguesa para a cidade do Rio de Janeiro, mas os saberes acumulados ainda assim
não eram suficientes para a construção de ferrovias. Somente em 1850, com o auxílio de
técnicos estrangeiros, que os engenheiros brasileiros passam dominar certos tipos de construção
pesada, tão necessário às vias permanentes. Também surgem, nessa época, as oficinas de
aprendizado, na qual o saber prático é compartilhado, possibilitando a formação de engenheiros
brasileiros aptos a construir ferrovias.53
Nessas oficinas, também existiam trabalhadores que eram submetidos à formação
técnico-profissional organizada típica do mundo do trabalho capitalista, na qual
compartilhavam saberes e práticas políticas. A interação entre esses trabalhadores, que dividiam
não somente a rotina de trabalho, mas, também, em alguns casos, os mesmos círculos sociais,
é uma explicação de porque os ferroviários se tornaram uma fração da classe trabalhadora tão
combativa e organizada em fins do século XIX, e, principalmente, ao longo do século XX.54
Com o decreto n° 641 de 26 de junho de 1852, o governo autorizou a concessão de uma
ou mais companhias que pudessem construir uma ferrovia para ligar a Corte às províncias de
São Paulo e Minas Gerais, com o privilégio de linha, garantias de 5% e juros em relação ao
capital empregado, além de que essa companhia não poderia usar força de trabalho escravo,
para não desviá-la da lavoura. Isso seria o embrião da E. F. Dom Pedro II.55
Somente em 1854, porém, foi construída a primeira ferrovia brasileira, por iniciativa de
Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá, que ligava a região do porto de Magé à Raiz
da Serra, sendo construída sem a concessão de privilégios. Os objetivos dessa ferrovia seriam
muito mais políticos — pois Mauá era visto simbolicamente como uma figura que acreditava
na modernização brasileira, o que auxiliou na construção de uma memória que o coloca como

52
ABREU, Marcelo de Paiva; LAGO, Luiz Aranha Correa do. A economia brasileira no império, 1822-1889.
In: ABREU, Marcelo de Paiva (Orgs). A ordem do progresso: Dois séculos de política econômica no Brasil.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. p. 14 - 15.
53
NAGANAMI, Marilda. Engenharia e técnicas de construção ferroviária e portuária no império. In: História
da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: EDUNESP, 1994. p. 152 - 153.
54
PAULA, João Antônio de. O processo econômico. In: CARVALHO, José Murilo de. A construção
nacional: 1830-1889. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. p. 212.
55
EL KAREH, Almir Chaiban. Filha branca de mãe preta: A companhia da Estrada de Ferro Dom Pedro II
(1855-1865). Petrópolis: Vozes, 1982. p. 36.
30

um empresário capitalista em um império escravagista56 — do que econômicos, pois a região


servida pela ferrovia, mesmo com uma sobrevida devido às obras, já estava em franca
decadência econômica, pois o café que antes era plantado no Vale do Paraíba e exportado pelo
porto de Magé, estava se deslocando para a província de São Paulo.57
Sem embargo, apesar de Mauá não ter contado com o auxílio do Estado brasileiro, isso
não significa que seu empreendimento se deu de forma autônoma. Não haveria possibilidade
de concretização das obrassem o suporte britânico. Mesmo com os estímulos do governo para
o capital estrangeiro, os ingleses ficaram vacilantes quanto a grandes investimentos,
principalmente devido à instabilidade decorrente da Guerra da Criméia. O sistema bancário
inglês fomentava a construção de ferrovias, pois as mesmas dinamizavam a economia e
consolidavam a divisão internacional do trabalho. E da Inglaterra não vieram apenas volumosas
somas de capital, mas também técnicos especializados e equipamentos importados.58
Existe um processo duplo ocorrendo durante a entrada do capital estrangeiro no Brasil,
pois ocorre a exportação de capitais das economias centrais ao mesmo tempo em que a
economia brasileira se tornava mais dinâmica.59 Entretanto, o Brasil não era um grande receptor
de capitais no século XIX. Somente 1/5 do capital investido pela Inglaterra estaria destinado a
toda América Latina60. Mas também se fez necessário uma melhoria da rede de infraestrutura,
e ela ocorria através de empréstimos ao próprio governo e de investimentos em ferrovias, que
correspondem a um total de 60% dos investimentos.61
Em 1858, foi inaugurado o tráfego na primeira sessão da E.F. Dom Pedro II. 62 Até o
ano de 1865, a ferrovia foi de caráter privado. Para Almir El-Kareh, a construção dessa estrada
de ferro foi uma forma do capitalismo adentrar no interior em uma economia escravista, que

56
Para uma biografia de Irineu Evangelista de Souza, conferir: CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do
império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
57
TENÓRIO, Douglas Apratto. Capitalismo e ferrovias no Brasil. op. cit. p. 34 - 55.
58
GRAHAM, Richard. Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973.
p. 59 - 78.
59
CASTRO, Ana Célia. As empresas estrangeiras no Brasil: 1860 - 1913. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 11 -
20.
60
Ana Célia Castro, em seu estudo sobre as empresas estrangeiras no Brasil entre os anos de 1860 e 1913,
identifica duas fases nesse processo. O primeiro ocorre a partir da segunda metade do século XIX, quando é
predominante o capital inglês, e um segundo momento, já na transição do século XIX para o século XX, na
qual há uma competição dos países exportadores de capital pelo mercado brasileiro. Esse primeiro momento
é de implantação da maioria das ferrovias brasileiras. Ao menos até a crise de 1873, a economia europeia
estava em franco crescimento, e isso estimulou o consumo do café brasileiro. Mesmo durante a crise britânica
a partir de 1890, o capital inglês continuou a jorrar para o exterior, e a entrada de empresas estrangeiras ocorre
devido ao crescimento das economias europeias associado as possibilidades de investimento no Brasil.
61
CASTRO, Ana Célia. As empresas estrangeiras no Brasil. op. cit. p. 21 - 30.
62
Posteriormente rebatizada como E. F. Central do Brasil, no período pós-monárquico, com o objetivo de
retirar as referências ao império deposto pelo golpe militar de 1889.
31

subordinava uma empresa a seus interesses. Mas a E. F. Dom Pedro II destoava das demais
empresas pela tecnologia e pela complexidade organizativa; apenas o Banco do Brasil poderia
ser comparado em volume de capital. De acordo com esse autor, a construção dessa ferrovia
sintetiza um complexo cenário de luta de classes no Segundo Império e, de forma mais precisa,
a sobrevivência da classe escravista, mas também representa um dos primeiros ensaios de uma
burguesia empresarial e do capitalismo como um todo no Brasil.63
É a economia cafeeira que torna possível a consolidação do Estado brasileiro. A
construção da E.F. Dom Pedro II possibilitou a sustentação do crescimento cafeeiro conciliado
com a manutenção de interesses vinculados à Corte, permitindo, então, a concentração do poder
político na mão de senhores de escravos do Vale do Paraíba. Foi fundamentalmente uma
empresa privada que agia para interesses privados, de forma capitalista, mesmo estando dentro
de uma formação econômico-social escravista.64 Ocorre nesse momento um reforço da
economia mercantil-escravista, ao mesmo tempo que se criam as condições para o surgimento
do trabalho assalariado. Conforme sintetiza João Manuel Cardoso de Mello, “não é preciso que
o escravismo se desintegre [...] para ser colocado em xeque, basta que se obste a acumulação”.65
Até 1860, conclui-se a implantação das primeiras experiências ferroviárias no Brasil,
todas concentradas na província do Rio de Janeiro. As ferrovias brasileiras posteriores à E. F.
Mauá e à E. F. Dom Pedro II seguiram um traçado relativamente próximo ao criado por
Christiano Ottoni no seu livro “O futuro das Estradas de Ferro no Brasil” 66, de 1859. Com o
deslocamento do café do Vale do Paraíba fluminense para o Vale do Paraíba paulista,
deslocaram-se também os eixos de construção ferroviária. Mas é, somente, a partir da década
de 70 do século XIX que, de fato, há empreendimentos viáveis na província de São Paulo.67
As ferrovias construídas no Oeste Paulista são predominantemente de capital nacional,
oriundo de empréstimos nos estrangeiros, ao contrário das ferrovias do Nordeste e do Sul,
construídas a partir da década de 80 do século XIX, com o investimento estrangeiro direto,
majoritariamente inglês. A diminuição do custo de transporte do café foi fundamental para o
aumento da lucratividade cafeeira a oeste de Campinas68. A primeira estrada de ferro que chega

63
EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha branca de mãe preta. op. cit. p. 9 - 10.
64
EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha branca de mãe preta. op. cit. p. 129 - 141.
65
MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e do
desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 83.
66
OTTONI, Christiano. O futuro das estradas de ferro no Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional.
1859.
67
KATINSKY, Júlio Roberto. Ferrovias nacionais. In: MOTOYAMA, Shozo (Orgs). Tecnologia e
industrialização no Brasil: Uma perspectiva histórica. São Paulo: EDUNESP, 1994. p. 42.
68
CASTRO, Ana Célia. As empresas estrangeiras no Brasil. op. cit. p. 41 - 47.
32

à província é a E. F. Dom Pedro II, e as ferrovias construídas posteriormente tiveram uma


complexa relação com o plantio com o café, que, mesmo com crises no mercado, não passaram
por problemas, ao menos até 1890.A relação entre café, mercado e ferrovias era dinâmica,
conflituosa, mas sempre com vínculos de solidariedade mútuos:

Percebe-se, portanto, a existência de um certo padrão de articulação de capitais na


constituição das ferrovias de São Paulo nos anos setenta do século passado: por um
lado, recursos oriundos de grandes plantadores de café e, por outro, os de elementos
ligados a atividade comercial urbana. Ou seja, os vínculos entre ferrovias e produção-
comércio de café mostravam-se bastante fortes.69

Fica perceptível que existe uma confluência de interesses dos cafeicultores com os
dirigentes ferroviários, pois a cada linha prolongada, há mais possibilidades de acumulação
através do alargamento da produção cafeeira. Nesse período, ocorre um incentivo à imigração,
que se tornou, mesmo antes de 1888, a principal força de trabalho no Oeste Paulista. A partir
de 1882, as empresas ferroviárias beneficiam os fazendeiros ofertando passagens gratuitas para
imigrantes, para facilitar o deslocamento da força de trabalho. Em troca, os produtores de café
disponibilizavam altas somas de recursos a essas empresas, mesmo que, a partir de 1880,
houvesse declínio dos preços do café no mercado internacional. Esse declínio é, em grande
parte, explicado pela expansão ferroviária e pela superprodução, que inundou o mercado. Com
a crise, parte dos recursos destinados as ferrovias se esgotam.70
Com o advento da República, a construção de ferrovias perde o fôlego. Contudo, isso
não significou uma crise da economia cafeeira. No período de 1870 a 1890, a administração das
empresas se preocupa com o volume de café transportado, pois é ele que determina a
rentabilidade da empresa. Outros setores da economia, mesmo em crise, não atrapalhavam a
dinâmica econômica que existia entre café e ferrovias, ao menos até 1890, quando novos gastos
surgiram entre o mercado cafeeiro e as ferrovias. A necessidade da existência de condições
mais favoráveis para os cafeicultores criou condições insustentáveis para a manutenção rentável
das ferrovias paulistas.71

69
SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão
cafeeira em São Paulo (1870-1900). In: LAPA, José Roberto do Amaral; SZMRECSÁNYE, Tamás (Orgs).
História econômica da independência e do império; São Paulo, EDUSP/Hucitec, 2002. p. 182.
70
SAES, Flávio Azevedo Marques de. As ferrovias de São Paulo (1870-1940): Expansão e declínio do
transporte ferroviário em São Paulo. São Paulo: HUCITEC, 1981. p. 37 - 68.
71
SAES, Flávio Azevedo Marques de. As ferrovias de São Paulo (1870-1940). op. cit. p. 86.
33

II. 2– A historiografia sobre as ferrovias no Brasil


No subcapítulo anterior, tentamos expor brevemente como se deu a implantação das
duas primeiras ferrovias brasileiras, a E. F. Mauá e a E. F. Dom Pedro, e analisando o impacto
das mesmas na formação econômico-social brasileira. Posteriormente, com o deslocamento da
produção cafeeira para o Oeste Paulista, foram construídas na província de São Paulo uma série
de ferrovias, também associadas ao café. Entretanto, na transição do século XIX para o século
XX, houve experimentos ferroviários consideráveis na região Norte, Sul e Nordeste, não
associados ao café e à exportação propriamente dita, exercendo funções sociais distintas. Ao
realizarmos uma análise da bibliografia sobre o tema, concluímos que não é possível repetir o
discurso interpretativo das ferrovias paulistas e transportar conceitualmente para toda a
realidade brasileira suas origens e características. A construção da E. F. Rio d’Ouro demonstra
que nem sempre as ferrovias surgiram no Brasil apenas para a exportação de uma mercadoria.
Para isso, devemos analisar o estado atual da arte historiográfica sobre o tema. No
tocante à escrita da história das estradas de ferro no Brasil, tal operação nem sempre foi
exclusividade de historiadores. A produção intelectual com essa temática é marcada pela
presença marcante de obras memorialistas, cujo autores possuem algum tipo de relação com a
ferrovia, seja ela profissional ou afetuosa. Posteriormente, historiadores estudariam o papel
econômico das ferrovias, além da história administrativa das empresas ferroviárias. O estudo
do mundo do trabalho tem sido uma temática comum desde a década de 1980, principalmente
devido ao aumento de estudos sobre a classe operária no Brasil, focalizando os ferroviários e
suas relações de classe.72 Por isso, propusemos distinguir a produção historiográfica em três
grupos: as produções técnicas de engenheiros ou associados à ferrovia, as produções
memorialísticas e as produções de historiadores de formação.

O primeiro grupo que propõe trabalhar com a questão ferroviária são as publicações
técnicas. Os trabalhos de engenheiros ferroviários, que, por possuírem uma exposição grande à
ferrovia, acabam, em alguns casos, reproduzindo um discurso de autoridade por estarem

72
A Unicamp foi pioneira em estudos que incorporam a experiência do trabalhador, mas não foi a única.
Recentemente, faculdades com tradição de estudos ferroviários pela perspectiva econômica, como a USP, além de
faculdades do Nordeste, tem revelado diversas pesquisas no âmbito da história social. Para esse tema, conferir
ARAÚJO NETO, Adalberto Coutinho de. Entre a revolução e o corporativismo: A experiência sindical dos
ferroviários da E. F. Sorocabana nos anos 1930. Dissertação (Mestrado em História). São Paulo: USP, 2006;
CECHIN, José. A construção e operação de ferrovias no século XIX. Dissertação (Mestrado em História).
Campinas: UNICAMP, 1978; MANFRIM JÚNIOR. Moacyr. Caixas de aposentadoria e pensões dos ferroviários:
Um modelo previdenciário exclusivo (1923-1933). Dissertação (Mestrado em História). Campinas: UNICAMP,
1998; MORATELLI, Thiago. Os trabalhadores da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil:
Experiências operárias em um sistema de trabalho de grande empreitada (São Paulo e Mato Grosso, 1905-1914).
Dissertação (Mestrado em História). Campinas: UNICAMP, 2009.
34

inseridos no trabalho ferroviário, de tal modo que esse cotidiano vivido por quem trabalha e
está nele inserido é determinante para a “verdadeira” interpretação do objeto. No trabalho
desses engenheiros, como Max Vasconcelos73, que escreve um livro sobre as vias de
comunicações brasileiras, é comum a descrição factual com pouca análise crítica. Entretanto,
são obras fundamentais por trazerem informações de difícil acesso ou indisponíveis nos
arquivos brasileiros.

Christiano Ottoni74 foi um dos primeiros a tratar da questão ferroviária no Brasil, ao


elaborar uma história da ferrovia até o momento e traçar “seus caminhos futuros”. Também há
dois trabalhos importantes para a recuperação de dados e estatísticas das ferrovias, que é de
Vicente Pessoa75, sobre a E.F. Central do Brasil, e o de Edmundo Siqueira76, sobre a E.F.
Leopoldina. Entretanto, um dos primeiros trabalhos com o objetivo de criar uma história geral
das ferrovias brasileiras é o trabalho de Ademar Benévolo77, que mesmo com pouca reflexão
teórica-metodológica, é escrito tendo como fonte dados estatísticos e livros de memórias do
século XIX e início do século XX. Esse trabalho tem como mérito ser uma grande coletânea de
dados sobre equipe de engenheiros envolvidos, empresas ferroviárias e empresários
financiadores das ferrovias no Brasil, além de apresentar mapas precisos sobre traçados das
linhas, quantidade de investimento público e privado aplicado na construção e um grande guia
de datas sobre a inauguração de estações.

Nesse grupo de trabalhos, também é importante destacar as obras que não se detém
apenas nas questões técnicas, mas se propõem a fazer um trabalho de historiografia, com intensa
descrição factual, mas com preocupações críticas acerca do tema. É o caso do trabalho de Pedro

73
VASCONCELOS, Max. Vias brasileiras de comunicação. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de
Geografia, 1947.
74
OTTONI, Christiano. O futuro das estradas de ferro no Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1859.
75
PESSOA, Vicente Alves de Paula. Guia da Estrada de Ferro Central do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1901. (Dois volumes)
76
SIQUEIRA, Edmundo. Resumo histórico da Leopoldina Railway Co. Ltd. Rio de Janeiro: Gráfica Editora
Carioca, 1938.
77
BENÉVOLO, Ademar. Introdução à história ferroviária do Brasil. Recife: Folha da manhã, 1956.
35

Carlos da Silva Telles78, João Bosco Setti79 e Hélio Suevo Rodriguez80, os dois últimos,
membros da editora Memória do Trem.81
O segundo grupo identificado que entendemos como importante é o de produção
memorialista. Nesse grupo, em alguns casos, há uma tentativa de interpretação histórica e
sociológica, mas ainda assim, não com as mesmas ferramentas de um historiador. Nesse grupo,
podemos citar algumas obras importantes: o trabalho de 1934 de Noronha Santos82 é
fundamental para a historiografia, por pretender fazer ao mesmo tempo uma história dos
transportes no Rio de Janeiro com foco na questão ferroviária, além de ser uma grande coletânea
de dados estatísticos e depoimentos de pessoas da época. Esses dados são importantes para a
compreensão da quantidade de volume de cargas transportados, além do número de pessoas que
utilizavam o transporte público no Rio de Janeiro no início do século XX, e podem servir de
desdobramentos de futuras pesquisas que estudem o período englobado pelo livro.
O trabalho de Manoel Rodrigues Ferreira é o primeiro a tentar esquematizar uma história
geral da ferrovia Madeira Mamoré. Se utiliza de fontes jornalísticas e, principalmente, de
depoimentos de funcionários e trabalhadores ainda vivos na época da escrita do livro. O título
“Ferrovia do Diabo” se dá devido às dificuldades para implementação da obra, que teve custos
humanos considerados absurdos, mas, por fim, o autor conclui que a ferrovia fazia parte da luta
entre o “bem e o mal”, sendo o bem a civilização, e o “bem sempre vence”, ou seja, venceu a
dita “civilização”.83
Os trabalhos de Célio Debes e Fernando de Azevedo também fazem parte da categoria
de livros memorialistas. No entanto, utilizam maciçamente documentos próprios das empresas,
sem a crítica historiográfica, o que não exclui a possibilidade de se levantar certas teses nesses
trabalhos. A questão da falta de racionalidade na expansão, que explicaria a “falência” de muitas
ferrovias aparece nesses trabalhos. Célio Debes, por exemplo, escreve seu livro em 1968, um

78
TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da engenharia ferroviária no Brasil. Rio de Janeiro: Notícia &
Cia, 2011.
79
SETTI, João Bosco. Ferrovias no Brasil: Um século e meio de evolução. Rio de Janeiro: Memória do
Trem, 2008.
80
RODRIGUEZ, Hélio Suêvo. A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro: O resgate de sua
memória. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2004.
81
Essa editora, que é fundamental na divulgação de obras especializadas sobre ferrovia no Brasil, em parceria
com a Associação dos Engenheiros Ferroviários, tem entre seus membros muitos militantes da causa
ferroviária, principalmente no que diz ao retorno dos trens de passageiros no Brasil.
82
SANTOS, Noronha. Os meios de transporte no Rio de Janeiro: história e legislação. Rio de Janeiro.
Typographia do Jornal do Commercio, 1934.
83
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A ferrovia do Diabo: História de uma Estrada de Ferro na Amazônia. São
Paulo: Melhoramentos, 1959.
36

período de muitas desativações com a argumentação de serem antieconômicas, que era o


discurso oficial da ditadura empresarial-militar.84
Fernando de Azevedo apresenta em seu livro a tese do inchaço de funcionários nas
empresas que as levavam a déficits. Esse argumento também era utilizado pelos tecnocratas que
julgavam quais ramais deveriam ou não ser desativados. A crítica feita por esse autor é, na
realidade, sobre a intervenção do estado nas empresas e na economia em geral. É isso que o
autor chama de “política de desperdício” e “dilapidação das empresas”. Entretanto, essa
hipótese tem pouca sustentação, ao menos no caso estudado por Fernando de Azevedo, que é a
E. F. Noroeste do Brasil.85
Só se pode determinar a ineficiência de uma empresa comparando-a com o padrão
escolhido. Não é correto comparar uma ferrovia dentro do contexto brasileiro com o padrão
internacional, distante da nossa realidade. Fazer isso significa esquecer a especificidade
geográfica e histórica das ferrovias em estudo. A comparação entre ferrovias é uma constante
nos trabalhos memorialistas. No entanto, a eficiência da E. F. Paulista e da E. F. Mogiana, ao
ser confrontada com a da E. F. Sorocabana, tem como pano de fundo, na realidade, o debate
ideológico de como o Estado como administrador teria prejudicado a rentabilidade das
ferrovias.
O terceiro grupo que identificamos como relevante nos trabalhos com a temática
ferroviária foi o da historiografia escrita por historiadores de formação. Nesse caso, a USP
assume, em um primeiro momento, um papel fundamental na historiografia, principalmente
pelo pioneirismo de Odilon Matos, em seu artigo discutindo a evolução das vias de
comunicação desde o período colonial.86 Posteriormente, o autor afirma em seu estudo que a
implantação de ferrovias no estado de São Paulo só foi possível através da utilização de
excedente econômico da burguesia cafeeira, que influencia o aparato estatal do Império na
construção de ramais ferroviários e na consolidação de uma rede paulista de linhas ferroviárias.
Mas o mais importante em seus trabalhos é a incorporação, ou sua respectiva reformulação e
consolidação, de algumas teses de escritores anteriores oriundas de debates do fim do século
XIX. Uma dessas é a questão do “vício de origem” das ferrovias brasileiras, de caráter

84
DEBES, Célio. A caminho do Oeste: Subsídios para a história da Companhia Paulista de Estrada de Ferro
e das ferrovias de São Paulo. São Paulo: Bentivegna, 1968.
85
AZEVEDO, Fernando de. Um trem corre para o oeste: Estudo sobre a Noroeste e seu papel no sistema de
viação nacional. São Paulo: Melhoramentos, 1961.
86
MATOS, Odilon Nogueira de. Vias de comunicação. In: CAMPOS, Pedro Moacyr; HOLANDA, Sérgio
Buarque de. (Orgs.) O Brasil monárquico: Declínio e queda do império. História geral da civilização
brasileira, T.III, v.4. São Paulo: DIFEL, 1971.
37

agroexportador, implantadas sem planejamento. Odilon Matos afirma que as ferrovias nunca
abriram fronteiras, nem expandiram economicamente as atividades, seguindo apenas as zonas
de cultivo do café. Contudo, esse determinismo é questionável, dependendo da região que se
estuda, até mesmo no estado de São Paulo.87
Flávio Saes foi responsável por estudos importantes sobre a ferrovia paulista e a questão
cafeeira. O autor afirma que em torno de 1870 há um alto investimento no setor ferroviário com
a constituição de 4 grandes empresas: E.F. Paulista, E.F. Mogiana, E.F. Sorocabana e E.F.
Ituana. É demonstrado nesse trabalho que fazendeiros associados a grandes empresas não
tiveram posturas favoráveis ao fim da escravidão, mesmo estando ligados a sociedade
promotora da imigração. O autor se baseou em formulações teóricas de Marx ao demonstrar o
duplo-caráter produtivo da indústria e do transporte, pois o mesmo é uma continuação do
processo de produção no interior do processo de circulação. Sendo assim, o estabelecimento
das ferrovias provoca intensa transformação econômica na lavoura. Mas, diferente dessa, a
produção de outros ramos do grande capital envolveu a internacionalização de recursos e da
produção.88
Guilherme Grandi também estuda igualmente a relação entre café e ferrovias. Para esse
autor, que centra seus dois estudos na E. F. Rio Claro, a acumulação da empresa ferroviária se
dava através do capital cafeeiro. A expansão das linhas se dava através da fusão e compra de
ramais como mecanismo para escapar de crises. De acordo com o autor, a economia do
complexo cafeeiro no estado de São Paulo passa por profundas transformações que
intensificaram a acumulação de capital. Contudo, a unidade entre o café e a ferrovia se
desenvolveu sobre uma série de contradições, o que tornava a relação conflituosa em muitos
casos. Uma questão largamente explorada em seus trabalhos é o fato que a produção agrícola
foi um dos fatores decisivos na formulação do traçado, e com isso, o capital cafeeiro viabilizou
novas oportunidades de investimento ao criar novos centros produtores, mas também, novos
centros consumidores.89
Paulo Cimó Queiroz, em seus dois estudos, critica a visão de que a E. F. Noroeste, na
região centro-oeste, era antieconômica, servindo apenas a interesses locais. Deve-se expandir a

87
MATOS, Odilon Nogueira. Café e Ferrovias: A evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da
cultura cafeeira. São Paulo: Pontes, 1990.
88
SAES, Flávio Azevedo Marques de. A grande empresa de serviços públicos na economia cafeeira. São Paulo:
HUCITEC, 1986. p. 279 - 286.
89
GRANDI, Guilherme. Café e expansão ferroviária: A companhia E.F. Rio Claro (1880-1903). São Paulo:
Annablume, 2007. p. 25 - 64; GRANDI, Guilherme. Estado e capital ferroviário em São Paulo: A companhia
Paulista de Estradas de Ferro. São Paulo: Alameda, 2013.
38

visão sobre a ferrovia e passar a analisar a mesma no campo do político e do simbólico, não
apenas olhando friamente dados e estatísticas que demonstram desequilíbrios nas contas da
empresa. A E. F. Noroeste faz parte de um projeto de projeção de hegemonia política do Brasil
na região, em franca disputa com a Argentina. Por mais que a E. F. Noroeste estivesse sempre
em constantes dificuldades financeiras, a ferrovia ainda tinha um objetivo político a cumprir,
que era a garantir a presença física do Estado brasileiro na região, atravessando o Sul do Mato
Grosso e a Bolívia até onde for “politicamente conveniente”. Foi através da ferrovia que o Sul
do Mato Grosso se integrou ao corpo da nação, não importando os custos financeiros.90
Sobre o Nordeste brasileiro, Douglas Tenório partiu da perspectiva que as ferrovias são
imprescindíveis na expansão do capitalismo no Brasil. Demonstrando as tramas políticas e
como as elites locais se utilizavam de numerosos jornais do interior e da capital para
defenderem seus projetos. Nesses jornais, os abusos cometidos pelas companhias também eram
muito retratados. Reconhecendo isso, os grupos que lutavam pelo domínio dessa área da
economia buscavam avidamente o apoio dos jornais, financiando os mesmos.91
As ferrovias da região Sul se desenvolveram através de sistemas ferroviários
independentes entre si. Em Santa Catarina, a pioneira foi a Estrada de Ferro Tereza Cristina,
originária de uma concessão válida por 80 anos, obtida pelo Visconde de Barbacena e
organizada em Londres com capital de cerca de 5.500.000.000 contos de réis afiançado pela
garantia de juros de 7% ao ano, durante 30 anos sobre o montante de capital e imensas
infraestruturas, como a maior ponte da América do Sul, com quase dois quilômetros de
comprimento.92
Há uma série de trabalhos sobre a ferrovia na região do Contestado, na divisa dos estados
do Paraná e de Santa Catarina. Um dos trabalhos pioneiros é o de Nilson Thomé, no sentido de
aglomeração de informações. A grande base de dados que o autor usa são decretos, com pouca
ou nenhuma crítica de fonte, sendo assim uma abordagem inspirada na escola metódica. O autor
assume sua “responsabilidade com a verdade”, baseadas nas “provas irredutíveis” das fontes,
concluindo que a implantação da ferrovia se deu através de disputas políticas entre elites locais,
além da questão territorial entre Paraná e Santa Catarina. A guerra do Contestado somente

90
QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. As curvas do trem e os meandros do poder: O nascimento da Estrada de
Ferro Noroeste do Brasil. Campo Grande: EDUFMS, 1997; QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Uma ferrovia
entre dois mundos: A E. F. Noroeste do Brasil na primeira metade do século XX. Campo Grande: EDUFMS,
2004
91
TENÓRIO, Douglas Apprato. Capitalismo e ferrovias no Brasil. op. cit.
92
THOMÉ, Nilson. Trem de ferro: A ferrovia no Contestado. Florianópolis: Lunardelli, 1983. p. 29 - 38.
39

complicou a questão local, e o trem tem uma função relegada à questão militar e ao
deslocamento das tropas que combateram a “massa de fanáticos” da região.93
Márcia Espig estuda os turmeiros da Estrada de Ferro Rio Grande São Paulo pela
perspectiva da micro-história e através do método do paradigma incendiário, em que
desconstrói as teses que depreciam esses trabalhadores e que associam eles a lideranças de
movimentos messiânicos. Segundo a autora, essa associação é amparada em uma única fonte,
mas o surgimento de novas fontes e entrevistas com pessoas da época não sustentam essas teses.
A grande maioria dos trabalhadores não participava do movimento operário urbano, sendo que
parte dos trabalhadores das ferrovias eram imigrantes europeus que almejavam uma
propriedade rural.94
Delmir Valentini escreve um trabalhado que relaciona a Brazil Railway Company e a
madeireira Lumber, e como os moradores da região, em sua maioria caboclos, mestiços e
imigrantes, reagiram as atividades do conglomerado de Percival Farquhar. Os trabalhadores das
empresas também são estudados, além do complexo sistema de mecanização e divisão do
trabalho da madeireira. Para o autor, a chegada do capital internacional na região do contestado
altera sistematicamente o cotidiano e a cultura da região, e é o epicentro do conflito armado.95
Na região amazônica, Franscisco Foot Hardman estuda a construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré na Amazônia, empreendida pelo investidor Percival Farquhar. O autor
verifica que esse empreendimento se realiza em um momento de intensa expansão capitalista,
e o trem é entendido como símbolo máximo da modernidade na época. Reflexão crítica não
presente no trabalho de Manoel Rodrigues Ferreira, citado anteriormente na categoria de
memorialistas. Esse empreendimento cooptou um número incalculável de recursos financeiros
e humanos e provocou a morte de milhares de trabalhadores através de doenças e acidentes de
trabalho devido as péssimas condições de sobrevivência na selva. O progresso burguês,
portanto, teve um custo social altíssimo. Esse autor afirma que a transformação do vapor em
movimento, e a transposição do limiar que separa a tração mecânica da história, reunindo numa
mesma criatura rodas e vapor acabou criando um monstro “locomotivo”, que provocava
rupturas nas concepções do tempo e do espaço.96

93
THOMÉ, Nilson. Trem de ferro, op. cit. 153-192.
94
ESPIG, Márcia Janete. Personagens do Contestado: Os turmeiros da Estrada de Ferro Rio Grande - São
Paulo. Tese (Doutorado em história). Porto Alegre, UFRGS, 2008. p. 291 - 363.
95
VALENTINI, Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no sul do Brasil: A instalação da
Lumber e a guerra na região do Contestado. Tese (Doutorado em história). Porto Alegre, PUC-RS, 2009. p.
243 - 255.
96
HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma. op. cit. p. 187 - 205.
40

Roberto Schwarz, ao analisar a literatura brasileira, revela as contradições de um


Império que se pretendia moderno, mas ainda utilizava força de trabalho escrava. Essa situação
se tornava mais contraditória devido a construção de uma ideologia de progresso, exportado de
maneira controversa da Europa. O Brasil, portanto, teve uma característica original, já que as
ideias liberais circulavam numa formação econômico-social discrepante. Estudando a produção
literária da época, o autor demonstra que a modernização que acompanha o capital, o fazia em
vários segmentos da cultura, mas que a sensação “de que no Brasil as ideias estavam fora de
centro, em relação ao seu uso europeu”.97
Nesse mesmo período, essa contradição podia ser observada em relação a E. F. Dom
Pedro II. Esse empreendimento possuía a mesma contradição descrita anteriormente, pois foi
contratado e planejado por um Império que se modernizava apoiado em força de trabalho
escrava. O estudo de Almir Chaiban El-Kareh demonstra como a construção da E. F. Dom
Pedro II foi o maior empreendimento do Império do Brasil, não só pela mobilização de mão de
obra, mas também pela quantidade de capital utilizado na sua implantação. A ferrovia, símbolo
da modernidade e do progresso capitalista, é organizada em regime de sociedade anônima com
capitais de diversas origens, mas convive ainda com relações de produção arcaicas.98
No entanto, há uma complementação crítica das teses de Almir El-Kareh. Para o
geógrafo Fernando Brame99, a implantação por parte do governo imperial de ferrovias no Rio
de Janeiro alterou a dinâmica espacial-territorial, e as relações sociais foram impactadas pela
presença da ferrovia. A E. F. Dom Pedro II não seria construída única e exclusivamente para a
exportação e manutenção dos privilégios escravistas, ou não seria apenas uma empresa para
entender interesses privados em uma formação econômico-social escravista, mas seria,
também, uma articuladora da presença de ocupações urbanas nas margens das linhas.
Esse autor afirma que o território em que o trem se instala passa por uma dinâmica de
articulação socioespacial influenciada pelas disputas políticas entre os setores contra e a favor
da ferrovia. Não somente nesse debate é centrada a obra, mas também como se dá as relações
entre o capital público e o privado na dinâmica do controle do território e na implantação de
traçados das ferrovias. É exatamente aí que se encontra a crítica. O autor afirma que o cerne da

97
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: Forma literária e processo social nos inícios do romance
brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977. p. 24.
98
EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha branca de mãe preta. op. cit.
99
BRAME, Fernando Ribeiro Gonçalves. O Império Sobre Trilhos I: Estradas de ferro e desarticulação
socioespacial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gramma, 2013; BRAME, Fernando Ribeiro Gonçalves. O
Império Sobre Trilhos II: Estado, disputas políticas e articulação socioespacial do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Gramma, 2014
41

tese criticada é a questão da organização da empresa. Para Fernando Brame, o problema das
teses de Almir El-Kareh é a forma como esse autor entende a dependência da empresa perante
o Estado e a blindagem do mesmo pelos interesses escravistas. Para Fernando Brame, o Estado
escravista não obrigou de forma indiscriminada os investimentos de capitalistas: aconteceu um
complexo jogo de interesses políticos que se caracterizam pela mão dupla nas relações. Por fim,
esse autor conclui que o Estado não representou somente os interesses dos fazendeiros, mas
também os da burguesia que iniciava seu processo de formação. O Estado imperial era
“contraditório”. 100
Sobre o estado de Minas Gerais, destacamos alguns trabalhos. O primeiro trabalho é o
de Pablo Lima, que utiliza o método da história oral com um foco em analisar a história cultural
regional. Seu objetivo é compreender o impacto social da ferrovia no estado de Minas Gerais.
O autor demonstra a influência da maria-fumaça na cultura, na música, na literatura, e nos
“causos” populares. O trem é a materialização do convívio social nas pequenas cidades e
vilarejos, cercados pela ferrovia.101
Andrea Casa Nova Maia, utilizando uma combinação de fontes que variam de
documentos governamentais a entrevistas com antigos trabalhadores, estuda de que modo a luta
pelos direitos dos ferroviários no estado de Minas, quando as ferrovias eram particulares, e,
posteriormente, quando foram estatizadas, se tornaram o principal mecanismo de mudança das
condições de vida e de trabalho. A autora se preocupa em desvendar os meandros em relação à
cultura, os costumes e o cotidiano dos ferroviários e suas famílias, suas experiências e
subjetividades em relação a uma identidade ferroviária, além de dedicar boa parte de sua
redação a tentar reconstruir as articulações dos ferroviários em momentos de greves, seus
discursos de resistência e suas respectivas relações associativas.102
José Giffoni realiza um estudo sobre a desativação da E. F. Bahia e Minas, a ferrovia
que ficaria imortalizada na canção “Ponta de Areia”, de Milton Nascimento e Fernando Brant.
O autor afirma que, ao contrário da argumentação oficial, a ferrovia era sim importante para a
população local, pois teria construído uma rede urbana dinâmica com a sociedade local, e isso
teria ficado nítido com sua desativação. Seu trabalho tem como objetivo descontruir as ideias
que permeiam o senso comum de que a região cortada pelo trem não teria se adaptado a
economia ou foi improdutiva, ou mesmo que a corrupção e o empreguismo tenham causado sua

100
BRAME, Fernando Ribeiro Gonçalves. O Império Sobre Trilhos II. op. cit. p. 57 – 65.
101
LIMA, Pablo Luiz de Oliveira. Ferrovia, sociedade e cultura (1850-1930). Belo Horizonte: Fino Traço,
2005.
102
MAIA, Andrea Casa Nova. Encontros e despedidas: História de ferrovias e ferroviários de Minas. Belo
Horizonte: Argvmentvm, 2009.
42

ruína. Giffoni mostra que na realidade há uma substituição de projetos de modernidade, com
uma maior subserviência ao novo modelo de reprodução ampliada do capital implantado pós
1964. Em suas entrevistas103 para a pesquisa, ficou nítida uma tonalidade de que o trem é
associado a pessoas mais humildes, e também a uma nostalgia de um passado próspero
distante.104
Por fim, ainda dentro de um bloco de estudos sobre o estado de Minas, mas não só se
limitando a ele, temos o estudo sobre desativação da E. F. Leopoldina feito por Dilma Andrade
de Paula. A autora tem sido uma voz crítica em relação à visão de que a ferrovia é
antieconômica, afirmando que, ao concordar com essa tese, os pesquisadores compactuam com
a opção rodoviarista brasileira. É comum nessas teses a afirmação de que não existiu
racionalidade nas ferrovias, nem uma concepção de rede de transportes, sendo as ferrovias
construídas de forma aleatória de acordo com o potencial exportador de cada região. Contudo,
esse argumento não pode ser tomado como parâmetro para toda a ferrovia brasileira. As teses
do “vício de origem” e da “desvertebralização” da malha ferroviária, presente em muitos
trabalhos como o de Fernando de Azevedo, Célio Debes e Odilon Matos, são nocivas a
compreensão do fenômeno ferroviário. Mesmo surgindo para as exportações, a ferrovia é um
empreendimento que provoca diversificação em escala locais, através da dinamização do
mercado interno. Essas interpretações sobre os vícios de origem desconsideram, por exemplo,
que a ferrovia também transportava diversos produtos além do café, que eram fundamentais
para a economia local, e em alguns casos, para a própria economia brasileira e o processo de
acumulação interno.105
Concluímos ao analisarmos parcialmente a historiografia sobre ferrovias no Brasil que
as razões para desativações da malha ferroviária brasileira, em particular, dos trens de
passageiros, ainda estão em aberto, não só pela historiografia, mas por outros campos das
ciências humanas e exatas. São muitas ferrovias no país com contextos particulares e dinâmicas
históricas diferenciadas.
Inicialmente, observamos trabalhos focados em “contar a história” das empresas, com
pouca reflexão crítica, mas que usam, de forma densa, a documentação empresarial para
reconstrução factual. Posteriormente, na década de 60, iniciaram-se os primeiros estudos com

103
O autor disponibiliza todas as entrevistas realizadas de forma transcrita como anexo a sua tese de
doutorado.
104
GIFFONI, José Marcello Salles. Trilhos arrancados: História da Estrada de Ferro Bahia e Minas (1878-
1966). Tese (Doutorado em História). Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 196 - 202.
105
PAULA, Dilma Andrade de. Fim de linha: a extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina (1955 -
1974). Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 2000.
43

perspectivas mais analíticas e, a partir da década de 70 e 80, principalmente devido à USP, são
realizados os primeiros ensaios de interpretação da história ferroviária brasileira realizados por
historiadores ou economistas que trabalham com história econômica. Com as novas demandas
da sociedade brasileira, e o surgimento do novo sindicalismo na transição da década de 70 para
80, vieram à tona os estudos focados mais nos ferroviários e menos nas empresas. Tendência
essa que se expandiu a partir dos anos 90, com a adoção de novas fontes e novos métodos de
pesquisas.
Os caminhos percorridos por parte da historiografia revelam que antigos consensos são
cada vez mais questionados, principalmente o conceito de ferrovia antieconômica, tão em voga
no discurso oficial do período mais tenso de desativações (1964-1971), durante a ditadura
empresarial-militar brasileira, e, infelizmente, absorvido por muitas interpretações106. É a
política pública de extinção de ramais ferroviários, perpetrada pelo Estado brasileiro, que será
estudada no capítulo a seguir.

106
PAULA, Dilma Andrade de. Fim de linha. op. cit.
44

Capítulo III
A política de erradicações ferroviárias

Nesse capítulo, analisaremos historicamente as transformações estruturais ocorridas na


economia brasileira no limiar do golpe civil-militar de 1964. A hegemonia rodoviarista é
construída desde o início do século XX, até a sua consolidação na década de 50 no governo
Juscelino Kubitschek. Vigora nesse ínterim um modelo ideológico de planejamento calcado na
“racionalização” técnica e com neutralidade política. Esse processo desencadeou, ao longo dos
anos 1950 e, sobretudo, nos anos pós-golpe, na desativação de ferrovias consideradas
antieconômicas. Essa política teve custos sociais elevados, principalmente, na década de 70,
com a alta no preço do petróleo, que consequentemente elevou o preço dos fretes e acabariam
pressionando a inflação brasileira.

III.1 – As transformações político-econômicas do Brasil entre 1930 e 1964


A economia brasileira passou por um período de intensas transformações num intervalo
de menos de 30 anos. No período posterior a crise de 1929, o Estado brasileiro aumentou de
forma nítida o seu papel na economia, realizando obras e criando meios, através do
planejamento, de estimular a acumulação interna e o crescimento urbano e industrial, atendendo
também a demandas das camadas populares, que ganhavam direitos através da pressão
política.107 No pós-guerra, tornou-se uma preocupação constante das autoridades a questão da
infraestrutura, pois a economia possuía diversos pontos de estrangulamento, principalmente no
setor de transportes.
Com a queda no preço do café e a diminuição de importação de peças durante a Segunda
Guerra Mundial, muitas ferrovias foram sucateadas nesse período. A desvalorização cambial
acabou agravando problemas com a remuneração de capitais estrangeiros investidos em
serviços públicos, principalmente em ferrovias. Para conter um pouco da espiral inflacionária,
os preços de tarifas de transporte suburbanos foram congelados, mas isso não significou uma

107
Ocorreu na década de 1930 a criação de inúmeros institutos de previdência social, típicos de bases
corporativas, como o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados dos Serviços
Públicos (IAPFESP), que era um dos que tinha maior força política. Conferir: MANFRIN JÚNIOR, Moacyr.
Caixas de aposentados e pensões dos ferroviários: um modelo previdenciário exclusivo (1923-1933).
Dissertação (Mestrado em História). Campinas - SP: UNICAMP, 1998.
45

melhora no transporte, pois, na década de 50, as ferrovias brasileiras já estavam deficitárias,


principalmente as ligadas ao setor exportador de café.108
Em 1951, então, o governo Vargas levou a público o primeiro memorando com o
objetivo de implantar uma indústria automobilística no Brasil, inicialmente com parceria com
os Estados Unidos. Entretanto, a Ford Motors, na época, recusou a sugestão de fabricar veículos
no Brasil. O argumento central foi de que esse tipo de indústria é altamente complexo e, por
isso, como não havia garantias de demanda no Brasil, o esforço não se justificaria. A Alemanha
Ocidental era, desde 1952, o segundo maior parceiro comercial do Brasil, tanto nas importações
como nas exportações. Os investimentos externos da Alemanha Ocidental no Brasil giraram na
faixa de 458 milhões de marcos alemães entre 1952 e 1959 uma quantia considerável de capital.
Em 1956, na tentativa de criar terreno para consolidar o projeto automobilístico no país, o
governo cria o GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), para acalmar os ânimos
e mostrar ao mundo, principalmente os Estados Unidos e a Alemanha Ocidental, que o Estado
brasileiro estava disposto a agir no sentido de viabilizar as condições da construção desse tipo
de indústria. No mesmo ano, Juscelino Kubitschek faz uma viagem à Alemanha Ocidental,
convidado pelo governo e por industriais de destaque, além de ter visitado instalações
industriais no país, principalmente automobilísticas.109
Uma tese defendia por Moniz Bandeira é de que a competição de mercado e por
influência na exportação de capitais teria beneficiado diretamente o Brasil e foi fundamental
para a indústria automobilística brasileira. Os investimentos alemães estavam concentrados e
lideravam a “corrida” europeia ao Brasil. Os Estados Unidos, mesmo já possuindo cerca de 380
firmas instaladas no país, entre elas as da indústria automobilística General Motors e Ford,
acentuaram seus investimentos em produção afim de não perder o mercado. Portanto, o Plano
de Metas de JK consolidou um modelo de acumulação de capital que tinha como carro chefe,
quase literalmente, a indústria automobilística.110
Emergiu, então, um novo foco de produção, apoiado pelo Estado com o financiamento
externo, que era o da produção de bens duráveis, principalmente automóveis, que foram

108
ABREU, Marcelo de Paiva. O processo econômico. In: GOMES, Angela de Castro (Orgs). História do Brasil
Nação: Olhando para dentro (1930-1964). Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. p. 179 - 219.
109
Juscelino foi recebido pelo presidente da Alemanha Ocidental, Theodor Heuss, sem ter tomado posse,
como chefe de estado, e também pelo chanceler Konrad Adenauer. Nessas reuniões, foi discutido que haveria
grande interesse em exportar grandes quantidades de capital alemão sobressalente para o Brasil. Conferir:
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O milagre alemão e o desenvolvimento do Brasil: As relações da
Alemanha com o Brasil e a América Latina (1949-1994). São Paulo: Ensaio, 1994.
110
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O milagre alemão e o desenvolvimento do Brasil: as relações da
Alemanha com o Brasil e a América Latina (1949-1994). op. cit. p. 113 - 128.
46

consumidos majoritariamente pela classe média, que observava o carro como um ícone de
distinção social, num país com uma distribuição de renda demasiadamente desigual111. Na
década de 50, o termo “modernização” estava em voga. A época JK, em muitos casos, foi
chamada de “anos dourados”. Nas cidades, rotinas e hábitos se modificaram devido a expansão
da malha rodoviária. Ter uma rua asfaltada se tornou “símbolo” do progresso chegando ao local.
É a consolidação de um projeto de modernidade que tinha no automóvel seu elemento central,
diminuindo de forma nunca vista a relação tempo-espaço. Não é raro nos jornais da época uma
defesa apologética do carro de passeio.112
A meta nacional de desenvolvimento deveria ser alcançada de qualquer forma, mesmo
que isso tivesse custo social muito alto. Conforme afirma Pedro Campos, os conceitos de
eficiência e modernização eram premissas comuns utilizadas por técnicos e, principalmente,
por engenheiros na época. Em detrimento do ferroviarismo, o rodoviarismo foi constantemente
defendido pelos intelectuais orgânicos do regime, principalmente do setor da construção
pesada, como a forma mais adequada de integração nacional.113
Ainda assim, a transformação de um país com proporções continentais como o Brasil
no “império do caminhão” teve custos altos ao desenvolvimento social, quando se tornaram
gritantes principalmente na década de 70 com a crise do petróleo, em que ficaram perceptíveis
os problemas da dependência excessiva do rodoviarismo como principal modelo de transporte
de cargas e passageiros. Os efeitos na economia brasileira, como é possível ver, se prolongam
até a atualidade.
Durante a presidência de Juscelino Kubitschek, ocorreram a criação de órgãos técnicos,
fundamentais para a execução do plano desenvolvimentista. Além disso, as forças armadas,
notadamente o exército, estavam empenhados em corroborar as políticas econômicas, pois

111
Esse crescimento econômico baseado no financiamento externo revelaria altos desequilíbrios, pois o
modelo econômico que emergentes pós década de 30 esgota suas possibilidades de financiamento já no fim
da década de 50. Seu colapso, entre 1961 e 1964, foi também político. A economia brasileira nesse período,
no campo interno, teve como característica a concentração de capital e a consequente proteção de
investimento do capital privado. Já no campo externo, ocorre a pressão das economias europeias e em menor
escala, da japonesa, que estando recuperadas dos estragos pós-guerra, passaram a deslocar investimentos para
as economias do terceiro mundo. Com a abrangência de capitais no mercado, a política econômica se
reorientou, levando a falência do modelo de substituições de importações.
112
LIMONCIC, Flávio. A civilização do automóvel: A instalação da indústria automobilística no Brasil e a
via brasileira para uma improvável modernidade fordista (1956-1961). Dissertação (Mestrado em História).
Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
113
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-
militar (1964-1988). Niterói - RJ: EDUFF, 2014. p. 223.
47

também estavam imersos na ideologia do desenvolvimentismo.114 De acordo com Maria


Benevides, os militares não eram homogêneos quanto ao apoio a esse processo, mas os
principais setores ligados a cúpula de governo estavam alinhados com a intervenção do estado
no processo econômico.115
A economia brasileira naquele momento possuía três problemas fundamentais a serem
resolvidos: déficit na balança de pagamentos, inflação e os pontos de estrangulamento. O
terceiro ponto é o nos interessa a ser discutido nesse texto. As soluções buscadas para resolver
esses problemas se davam através de investimentos considerados prioritários em infraestrutura,
como portos, rodovias e ferrovias. De acordo com Maria Benevides, os grupos executivos,
criados através de decretos para otimizar o tempo de execução de decisões e, principalmente,
de obras no geral, foram fundamentais para a consolidação desenvolvimentistas. Foram nesses
grupos executivos que se formularam uma série de políticas governamentais, sendo a de
transportes, uma das principais. A autora recorda que, no entanto, fica perceptível que existe
uma confluência “administração paralela” sofreu resistência em alguns setores da própria
máquina pública:

Se o programa de metas conseguiu ser implementado sem grandes interferências dos


partidos políticos e do congresso, teve dificuldade devido a questões facilmente
“politizáveis”, como, por exemplo, quanto ao papel do capital estrangeiro ou as metas
rodoviárias, diretamente vinculadas aos interesses locais, mas também aos interesses
dos grandes empreiteiros ligados a cúpula do PSD. [...] As dificuldades criadas em
torno das metas rodoviárias foram contornadas na medida em que o “poder” do DNER
(Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) não era contestado; o DNER já era
equipado com seus projetos viáveis e, principalmente, com recursos próprios. Logo,
o programa de metas apenas incorporava os projetos do DNER no seu orçamento
geral, o que compartilhava os diversos interesses e se inseria na política do executivo:
implementar um novo plano sem antagonizar os já existentes.116

Segundo Antonio Sochaczewski e Luiz Orenstein, o Plano de Metas foi aparentemente


exitoso se olharmos o mesmo pelo prisma da quantidade de realizações. Houve um crescimento
na ordem de 26,4% entre 1955 e 1960 no setor de bens de capital, com destaque para os veículos
e demais equipamentos de transportes. O plano no geral possuía cinco pilares básicos, que

114
Para uma análise da dominação ideológica e seus desdobramentos intelectuais, tomando o
desenvolvimento como uma corrente de pensamento, conferir CARDOSO, Mirian Limoeiro. Ideologia do
desenvolvimento: Brasil JQ - JK. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
115
O governo JK foi considerado politicamente estável, devido a uma aliança entre militares e congresso (PSD-
PTB), que convergiram para apoiar a política econômica e o plano de metas, com a meta síntese da construção de
Brasília. Esse período é considerado na ciência política como “atípico”, em vista de toda a instabilidade na vida
política brasileira até então. Conferir: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O governo Kubitschek:
Desenvolvimento econômico e estabilidade política (1956-1961). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1976.
116
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O governo Kubitschek. op. cit. 214 - 215.
48

lembravam bastante a base do Plano S.A.L.T.E. da década de 40: energia, transporte,


alimentação, indústrias e educação. Os dois primeiros setores captaram 71,3% do total de
recursos, com destaque para o reaparelhamento de 163 ferrovias com material rodante novo,
além da construção de 2700 quilômetros de ferrovias pelo país. No entanto, as ferrovias não se
sustentavam, sendo necessária a ajuda governamental para socorrer as empresas, ao contrário
do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), que contava com um imposto
sobre combustíveis e lubrificantes vinculados, tendo assim capital de giro para fazer obras como
pavimentação e duplicação de rodovias por todo o país.117
É necessário recordar que antes de assumir a presidência da República, Juscelino
Kubitschek, enquanto governador do estado de Minas Gerais, contratou um consórcio para
construção de três mil quilômetros de rodovias no estado. Foi nesse governo estadual que se
ensaiou uma maior articulação desses conglomerados econômicos com o Estado brasileiro, que
chegaria ao seu ápice depois de 1964 através de políticas públicas favoráveis. Conforme explica
Pedro Campos:

Minas Gerais é o segundo maior celeiro de construtoras do país. Isso se deve em


grande medida às políticas públicas estaduais pioneiras na construção de estrada de
ferro e eletrificação, em especial a partir da gestão Juscelino Kubitschek como
governador [...] Com a chegada de JK à presidência, elas foram carregadas para junto
dos principais organismos contratadores de obras da esfera federal e que, até então,
eram nichos de atuação privilegiada das firmas cariocas.118

No entanto, os momentos finais da presidência de Juscelino Kubitschek foram marcados


por uma perda no fôlego do crescimento econômico. Mesmo que o desenvolvimento brasileiro
tenha dado saltos consideráveis, esse modelo calcado na substituição de importações havia se
esgotado. A política de “adiamento de problemas” para o governo seguinte criou um impasse,
pois se acentua as disparidades econômicas entre o sistema urbano-industrial e rural-agrícola.
A crise econômica chegaria ao seu ápice no período entre 1961 e 1964 e acabou colocando em
risco essa acumulação de capital.119
No limiar da derrubada do presidente João Goulart, a burguesia já estava coesa o
suficiente para se retirar do pacto populista, podendo assim atuar com uma autonomia relativa

117
ORENSTEIN, Luiz; SOCHACZEWSKI, Antonio Claudio. Democracia com desenvolvimento, 1956-1962. In:
ABREU, Marcelo de Paiva (Orgs). A ordem do progresso: Dois séculos de política econômica no Brasil. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2014. p. 160 - 167.
118
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais. op. cit. p. 89.
119
Sobre os conflitos de classe e tensões sociais no período limiar ao golpe, conferir: BANDEIRA, Luiz
Alberto Moniz. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977.
49

em relação a estrutura coorporativa, cujo modelo econômico utilizava da força para reduzir
cada vez mais o conflito entre capital e trabalho, ao passo que o Executivo se mantinha como
árbitro da arena econômica, afim de propiciar melhores meios para a acumulação. Conforme
afirma Sônia Mendonça, uma característica do capitalismo é a interferência do Estado na
economia, e o golpe civil-militar de 1964 serviu, então, para aumentar ainda mais essa
interferência, pois removeu os obstáculos de acumulação e consolidou a economia brasileira
como dependente-associada, sustentada pela intensa exploração da força de trabalho e pela
concentração de renda.120
René Armand Dreifuss afirma que com o golpe de 1964, a ditadura civil-militar121
instalou no país uma ordem empresarial.122 Ao analisarmos s relações entre empresariado e
Estado após a ruptura institucional, podemos observar que a política de desativação de ramais
ferroviários está intimamente ligada à expansão e consolidação das empresas multinacionais
produtoras de automóvel. Conforme o autor explica, as elites orgânicas partidárias do
desenvolvimento capitalista dependente-associado se reuniram em aparelhos privados de
hegemonia, como a articulação do IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) e do IBAD
(Instituto Brasileiro de Ação Democrática), e após o golpe civil-militar de 1964, conseguem
tomar o poder do estado. Isso significa o domínio político dos interesses financeiros industriais
multinacionais associados na formulação de políticas públicas.123
Apesar da fundação da ABPV (Associação Brasileira de Pavimentação) em 1959, como
uma entidade sem fins lucrativos que realizava estudos técnicos pró-rodovias, foi somente com
o SINICON (Sindicato Nacional da Construção Pesada) que surge uma entidade para promover
de forma regular eventos defendendo as rodovias como opção principal do sistema de
transportes no Brasil em detrimento de ferrovias ou hidrovias. Esse sindicato surge para defesa
do empresariado ligado ao ramo da engenharia durante a construção de obras de infraestrutura,
principalmente rodovias, planejadas pelo Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. A reação
dos ferroviaristas foi tardia. Somente em 1960 foi criada a AFB (Associação Ferroviária

120
MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e economia no Brasil: Opções de desenvolvimento. Rio de
Janeiro: Graal, 1986. p. 45 - 68
121
O conceito de ditadura civil-militar tem passado por uma ressignificação de caráter revisionista nos últimos
anos. Ao contrário das premissas que consideram a ditadura civil-militar pelo suposto apoio da população em
passeatas ou pesquisas de opinião, entendemos o caráter civil de forma classista, ou seja, o componente civil
do golpe é o empresário que apoiou o golpe. Para uma análise desse revisionismo, conferir MELO, Demian
Bezerra de. O golpe de 1964 e meio século de controvérsias: o estado atual da questão. In MELO, Demian
Bezerra de. (Orgs). A miséria da historiografia: Uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro:
Consequência, 2014.
122
DREIFUSS, René Armand. 1964, a conquista do Estado. op. cit.
123
DREIFUSS, René Armand. 1964, a conquista do Estado. op. cit. p. 417 - 455.
50

Brasileira), que editava a Revista Ferroviária, concorrente da REFESA, editada pela RFFSA
junto com a Revista da Associação de Engenheiros da EFCB, eram as três principais entidades
a defender a ferrovia como principal modal de transportes do Brasil. No período posterior ao
estudado pelo presente trabalho, também ocorreram novas fundações de entidades em defesa
da ferrovia.124
Contudo, os defensores do rodoviarismo já estavam melhor articulados há, pelo menos,
30 anos. Durante a ditadura civil-militar, o SINICON foi extremamente próximo do ministro
dos transportes Mário Andreazza e seu grupo político, além de ligações com a ARB
(Associação Rodoviária Brasileira), realizando em 1968 no Rio de Janeiro um encontro para
discutir o rodoviarismo.125
As políticas desenvolvimentistas do período posterior ao fracasso do Plano Trienal,
antes da queda do governo João Goulart, despertam simpatia em alguns setores da classe
dominante, principalmente os grandes construtores, entusiasmados com as obras rodoviárias.
Em um momento posterior ao golpe, ocorreu uma reforma ministerial, com a criação do
Ministério dos Transportes, no qual o titular da pasta deveria ser um militar, em nome da
“moralização” da administração da máquina pública, já que a pasta seria fonte de “intensa
corrupção” devido aos altos volumes de capitais disponíveis. Um dos militares que assume
como primeiro titular da pasta é o coronel Mário Andreazza e não há como desassociar a
consolidação da hegemonia rodoviarista no Brasil da figura de Mário Andreazza. Entre 1964 e
1972, a confluência entre o SINICON, principal representante dos construtores de rodovias, e
o Ministério dos Transportes, sob o comando de Mário Andreazza, atingiu maior grau de
interação. O SINICON, nesse momento, supera a influência do Automóvel Club do Brasil, que
fundado em 1907 por Santos Dummont, e que teve como um dos presidentes Edmundo Régis
Bittencourt, consagrado diretor do DNER na presidência de Juscelino Kubitschek.126
Marcos Xavier da Silveira, presidente da Associação Brasileira de Indústria Ferroviária
(ABIFER), em entrevista à revista “O Empreiteiro” em 1979, afirma que foi um erro de análise
muito conveniente para os empresários construtores de estradas interpretar as ferrovias como
deficitárias, pois partindo desse pressuposto, o mesmo deveria ser feito com as rodovias, que,

124
Também foi fundada a Associação Brasileira da Indústria Ferroviária em 1977, com o objetivo de defender
os fabricantes de materiais rodantes. Já em fins da década de 1990, começam a se articular entidades
memorialistas, como a Associação Fluminense de Preservação Ferroviária (AFPF) em 1999, a Associação
Ferroviária Trilhos do Rio (AFTR) e a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), ambas
fundadas em 2004.
125
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais. op. cit. p. 185 - 200.
126
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais. op. cit. p. 208.
51

com exceção do estado de São Paulo, onde havia pedágio, também deveriam ser consideradas
deficitárias. A diferença entre os custos reais (7 cruzeiros) e os custos praticados (2 cruzeiros)
de passagem, que eram usados como argumento para a justificativa de supressão de ramais
“antieconômicos”, na visão dele, deveriam ser mantidos como formas de distribuição de renda,
entendendo o gasto como serviço social e não como um mero déficit.127
O Ministério do Planejamento, de acordo com Dreifuss, transformou-se no ministério
civil mais importante do governo. E foi a equipe do complexo IPES/IBAD que formulou as
diretrizes econômicas contidas no PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo). Após o
golpe, os grupos executivos criados na presidência de Juscelino Kubitscheck continuaram
concentrando bastante poder decisório, tornando-se ainda menos dependentes de um legislativo
cada vez mais afastado do centro de poder.128 Mesmo que muitos embates tenham se dado nesse
setor antes do fechamento do regime em 1968, a manutenção do legislativo ocorria apenas para
aparentar para a população e, em menor intensidade, a comunidade internacional, que o Brasil
vivia numa democracia formal e havia espaço para oposição “dentro da ordem”.129
A permanência do país em um estado de segurança nacional teve como objetivo eliminar
todo tipo de oposição política, no qual o autoritarismo servia como base de sustentação para a
remoção de obstáculos ao processo de desenvolvimento. A equipe econômica tinha como meta
principal a racionalização da economia para uma maior concentração de capital no setor
industrial, em que o Brasil se tornaria destino obrigatório dos investimentos estrangeiros, às
custas da exploração do trabalho pelo capital para a maximização dos lucros. Os órgãos de
pesquisa e análise são fundamentais nesse processo, pois há uma intensificação na participação
dos mesmos em diversas esferas da vida econômica. O planejamento rumo a um
desenvolvimento associado-dependente, calcado na racionalidade técnica, e por isso,
incontestável, é uma expressão da economia política da ditadura. 130

127
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais. op. cit. p. 208 - 210.
128
DREIFUSS, René Armand. 1964, a conquista do Estado. op. cit. p. 417 - 455.
129
VASCONCELOS, Cláudio Beserra de. A preservação do legislativo pelo regime militar brasileiro: Ficção
legalista ou necessidade de legitimação? (1964-1968). Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro:
UFRJ, 2004.
130
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. Petrópolis: Vozes, 1989. p 52 - 79.
52

III. 2– O discurso justificador da política de erradicações ferroviárias:


A extinção de ramais ferroviários era interesse direto de certos setores do capital
dependente-associado. Uma série de agentes e agências de transporte estiveram envolvidas
nesse processo, desde a década de 1930, e com mais intensidade a partir da década de 1950,
ainda no governo de Getúlio Vargas. Mesmo que tenhamos a impressão de que foi a partir do
governo Juscelino Kubitschek que as ferrovias entraram em decadência, foi durante a ditadura
do Estado Novo que o processo se iniciou. Dividimos, então, esse processo em três momentos,
que são complexos, dinâmicos e em alguns casos, até contraditórios.
O primeiro momento, que é o início do “desleixo” com as ferrovias, com um lento apoio
a indústria automobilística131. Entretanto, isso ocorreu sem assumir diretamente uma política
de extinção de ferrovias, durante a década de 30. Nessa época, o aparelho estatal ainda apoiava
as ferrovias através de uma legislação própria e com bonificações, mas o fôlego da expansão
ferroviária até a década de 20 já havia se esgotado. Uma contradição interessante, inclusive,
nesse momento foi a eletrificação dos subúrbios da E. F. Central do Brasil e a compra de trens
elétricos para toda a Linha do Centro.132
O segundo momento é o que corresponde ao período de transição as presidências de
Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Nesse período, ocorreu a formação da RFFSA (Rede
Ferroviária Federal Sociedade Anônima), em 1957, que foi a união de diversas empresas, em
sua maioria deficitárias, que passaram a ser controladas por uma empresa pública, em formato
de holding de 18 empresas autônomas. Assim, o Estado absorveu uma série de massas falidas
e não-rentáveis, ferrovias em sua maioria afetadas pela diminuição do tráfego por serem
extremamente dependentes da exportação. Carlos Lessa afirma que esse processo é uma
“transferência para sociedade do ônus de subsidiar os usuários”, transferindo dívidas do setor
privado para o setor público.133
Esse fato criou uma situação dupla: ao mesmo tempo em que, pela primeira vez na
história, todas as ferrovias estavam sob uma única administração e isso era positivo, pois
permitiria uma padronização administrativa, mas também era algo negativo, pois a RFFSA foi

131
Sobre as origens da indústria automobilista no Brasil, conferir GATTÁS, Ramiz. A indústria
automobilística e a 2ª revolução industrial no Brasil: origens e perspectivas. São Paulo: Prelo, 1981; LATINI,
Sydney. A implantação da indústria automobilística no Brasil: Da substituição de importações ativa à
globalização passiva. São Paulo: Alaúde, 2007.
132
FERNANDES, Nelson da Nóbrega. Eletrificação do sistema suburbano da Estrada de Ferro Central do
Brasil e a política urbana no Rio de Janeiro. In: Simposio Internacional Globalización, innovación y
construcción de redes técnicas urbanas en América y Europa, 1890-1930. Barcelona: Universidad de
Barcelona, 2012. p. 1 - 17.
133
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 101 - 103.
53

um dos principais elementos desarticuladores da malha ferroviária quando esteve sob controle
de militares.
Sendo a RFFSA uma empresa unificada, iniciou-se um processo de padronização do
material rodante. Estudou-se, pela primeira vez, uma padronização nacional das variadas bitolas
que impediam a integração real das ferrovias e se ensaiou uma tentativa de modernização com
a transformação da tração a vapor em diesel, em detrimento de uma modernização baseada na
eletrificação. Essa opção, ao longo do tempo, se demonstrou um erro, pois a alimentação das
ferrovias e, consequentemente, o preço dos fretes, ficou à mercê dos preços internacionais do
petróleo. 134
Com a unificação administrativa, a desativação de ramais entendidos como
antieconômicos foi simplificada. O Estado passou a assumir lentamente uma política de
desmonte do setor ferroviário, não necessariamente desativando diretamente, mas estimulando
de forma desproporcional o modal rodoviário. É nesse período de intensa “modernização” que
a retórica do progresso contaminou as ferrovias, que passaram a ser associadas ao arcaico.
Entretanto, o próprio governo realizou compras de material rodante novos e realizou intensas
reformas em diversos pontos da malha ferroviárias que correspondiam a corredores de
exportação:

A rede ferroviária federal, criada em 1957, unificando dezoito empresas, nasceu sob
o signo do déficit, com imensos prejuízos a gerenciar. Agentes do governo federal
instrumentalizados por consultores estrangeiros – em particular contanto com estudos
da comissão mista Brasil-Estados Unidos (1952) como seu carro chefe –
implementariam a erradicação de ramais supostamente antieconômicos como saída
para a crise ferroviária. (...) Os critérios para tal política eram duvidosos e
questionáveis: as estatísticas eram deficientes e a avaliação da potencialidade das
regiões era parcial e imediatista. As diversas comissões de desativação eram formados
por tecnocratas ligados tanto a ferrovia como a rodovia, sendo os sindicatos e setores
da população, em geral, desconsiderados. 135

O terceiro momento corresponde ao período pós-1964, no qual o governo assume


oficialmente uma postura de desativação de ferrovias, de uma forma autoritária. Foi nesse
período que o transporte de cargas por meio de caminhões passa a superar o feito através das
ferrovias, modelo que revelaria sua fragilidade diante das crises do petróleo na década de 1970.
Não foram desativados somente alguns ramais específicos. Pelo contrário, o que ocorreu é a

134
COELHO, Eduardo; SETTI, João Bosco. A era diesel na EFCB. Rio de Janeiro: Associação de
Engenheiros Ferroviários, 1993, p. 59 - 122.
135
PAULA, Dilma Andrade de. Ferrovias e rodovias: o dualismo na política de transportes no Brasil. In:
MENDONÇA, Sônia Regina de (Orgs). Estado e historiografia no Brasil. Niterói - RJ: EDUFF, 2006, p.
210.
54

desativação de uma série de ferrovias, como, por exemplo, a E. F. Bahia-Minas. Nas regiões
interioranas, ocorre, também, um processo de abandono sistemático das ferrovias, condenadas
ao sucateamento e constante esvaziamento devido aos acidentes, que afastavam os usuários. Já
na cidade, o rodoviarismo se expressa através do estímulo ao carro, o transporte individual, que
vai vir a ser um dos maiores símbolos de capitalismo. É possível encontrar no discurso de
agentes do Estado uma legitimação do papel das rodovias como opção viável para o
desenvolvimento econômico:

No entanto, quando se fala em ferrovia, bem logo a imagem do déficit. [...] outro fator,
também, é o problema da eficiência, uma vez que nossas ferrovias foram, sem dúvida
nenhuma, relegadas a um segundo plano; e não evoluindo, e não melhorando não
podem competir, naturalmente com os outros meios de transporte.136

Esse discurso data de 1967 e foi pronunciado por Mário Andreazza, coronel do Exército
Brasileiro que foi Ministro dos Transportes durante o governo Costa e Silva e durante o governo
Médici — que foram, respectivamente, os momentos mais críticos no que concerne à
erradicação ferroviária. Para Pedro Campos, Andreazza não chegou a assumir o papel de um
intelectual orgânico na concepção de Gramsci, por não ser um organizador da cultura dos
empreiteiros e outros empresários, mas auxiliou na construção de um certo consenso sobre a
ineficiência das ferrovias perante à eficiência da modernidade rodoviária. O autor, ao analisar
o papel de Mário Andreazza e Eliseu Resende, afirma que “entre 1964 e 1985, eles foram
francamente representantes dos interesses dessa fração da burguesia nacional no aparelho de
Estado, traduzindo união e convergência dos construtores em torno de certos projetos”.137
A reorientação da economia política brasileira138 no período posterior ao golpe reforça
principal característica da época: o estabelecimento de uma ordem empresarial. Nesse processo
de planejamento, teve advento uma categoria analítica fundamental em nosso trabalho, a
tecnocracia. Os tecnocratas são os especialistas, detentores do conhecimento técnico-científico,
que fornecem ao aparelho de estado a sua capacidade intelectual para sua modernização e,
consequente, racionalização. A ideia básica é a de esvaziamento da função executiva em
detrimento de peritos que se apresentam como neutros.139

136
ANDREAZZA, Mario. Discurso por ocasião da visita à rede ferroviária do Nordeste, em 11 de agosto de
1967. In: ANDREZZA, Mario. Perspectivas para os transportes. Rio de Janeiro: SMDT, 1972.
137
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais. op. cit. p. 290.
138
Para um panorama sobre o pensamento econômico brasileiro entre 1930 e 1964 e seus inúmeros debates,
conferir: BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: O ciclo ideológico do
desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995.
139
MARTINS, Carlos Estevam. Tecnocracia e capitalismo: A política dos técnicos no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1974. p. 11 - 14.
55

A base do planejamento tecnocrático no caso brasileiro foi a aliança entre as diretrizes


do capital monopolista e a ditadura. Octávio Ianni demonstra que esses funcionários substituem
a “política”, irracional, pela “técnica”, racional e sistematizada. No entanto, esses técnicos, ao
trabalhar para o governo, também entram em contato com diversos homens de negócio que os
auxiliam a formular políticas e diretrizes. É o primeiro ponto onde cai por terra o mito da
imparcialidade:

É no âmbito da tecnocracia que tendem a desenvolver-se as articulações entre o


político e o econômico, entre as razões de estado e as razões do capital monopolista,
sobre o manto da neutralidade das técnicas, referendada pela economia política
burguesa.140

A argumentação a favor da erradicação e substituição de ferrovias por um sistema de


autoestradas, que enfim levariam o “progresso” às regiões em substituição ao “atraso” das
locomotivas a vapor, tem um caráter ideológico que se repete em outros casos no Brasil. Por
exemplo, o Plano de Ação Imediata do Ministério de Viação e Obras Públicas de 1967
recomenda a erradicação de toda ferrovia onde não for possível gerar lucro que a sustente,
enquanto sua substituição por rodovias, consequentemente, acaba gerando intensos lucros para
multinacionais fabricantes de automóveis. Esse tipo de diretriz governamental demonstra o
quão dependente se tornou o desenvolvimento econômico brasileiro. Essa tecnocracia já estava
presente no governo desde as tentativas de racionalização e burocratização da administração
pública, mas foi a partir do golpe de 1964, encabeçado pela elite orgânica empresarial e
militares partidários do desenvolvimento capitalista associado-dependente, que eles enfim
“conquistaram o Estado”:

Toda política econômica governamental é uma manifestação particularmente


privilegiada das relações entre o estado e a economia [...], o exame dos conteúdos
ideológicos e práticos da política econômica governamental pode esclarecer a maneira
pelo qual se organizam, funcionam e transformam as relações de dominação 141.

O Executivo contava com uma rede de técnicos, institutos e empresas públicas que
corroboravam as ações da administração estatal. Ianni afirma que, na medida em que o poder
Executivo se consolida, a tecnocracia estatal passava a se realizar de forma mais eficaz, através

140
IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. p. 31.
141
IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979. p. 3 - 4.
56

do encadeamento entre as relações dentro do estado e as decisões econômicas. É isso que o


autor chama de tecnoestrutura estatal.142
O fim do trem e, em muitos casos, o abandono total dos locais por onde o mesmo
passava, provocou um esvaziamento populacional progressivo dessas regiões. Justificou-se
através do discurso técnico a desativação das ferrovias. Entre 1966 e 1970, grande parte das
ferrovias erradicadas teve seus trilhos arrancados e, consequentemente, seus leitos invadidos, o
que impossibilitou a reconstrução das mesmas futuramente. Entre 1966 e 1975, as rodovias
superam em definitivo as ferrovias na relação entre rodovia construída e ferrovia erradicada. É
importante frisar que em muitos casos, a rodovia era construída paralelamente a ferrovia, ainda
em funcionamento, para gerar uma competição desestabilizadora.
Devemos salientar que existe uma construção discursiva acerca da ineficiência das
ferrovias brasileiras e, consequentemente, um destino fatal e imutável, que seria sua erradicação
e uma posterior substituição por rodovias, símbolos de uma modernidade a ser atingida, em
contraposição ao trem, que, naquele momento, representava o fracasso no transporte. A
legitimação desse discurso se deu através de uma campanha midiática, produzida por
“especialistas” no tema, principalmente economistas, que salientavam os déficits irreversíveis
e engenheiros, nutridos de um arsenal científico, combinado com um contato “prático” com a
ferrovia, que daria razão às suas respectivas perspectivas, sendo então capazes de produzir um
grande convencimento no público. Os textos, revistas, reportagens e até vídeos publicitários,
como o “História de um Maquinista”143,foram produzidos pelo IPES para divulgação em
cinemas e foram fundamentais para essa construção discursiva. As palavras usadas nesses
materiais não são neutras e possuem uma carga semântica com dominação simbólica, conforme
afirma Bourdieu:

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e
fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo, e deste modo, a ação
sobre o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é
obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização,
só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. [...] O que faz
o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a
subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença
cuja produção não é da competência das palavras 144.

142
IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). op. cit. p. 313 - 316.
143
Esse vídeo não cita somente o descalabro administrativo da RFFSA, como também a suposta ineficiência
dos funcionários de uma empresa pública, entendida como um “cabide de emprego”. Nesse vídeo, há a
recordação do acidente do Méier, na cidade do Rio de Janeiro, onde um maquinista teria entregue
deliberadamente o controle de uma locomotiva a um desconhecido. O vídeo está disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=0SrMI9SD6DU>. Acesso em: 13 ago. 2017.
144
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Edições 70, 2011. p. 11.
57

O autor entende que “as ideologias, por oposição ao mito, produto coletivo e
coletivamente apropriado, servem interesses particulares que tendem a apresentar como
interesses universais, comuns ao conjunto de grupo”145. Nesse contexto, há duas ideologias que
sustentam a construção discursiva da ineficácia ferroviária: a neutralidade dos técnicos e o
rodoviarismo como expressão de progresso. Desde 1961 existia um grupo de trabalho para fazer
o levantamento de quais ferrovias poderiam ser recuperadas e quais deveriam ser desativadas.
O pensamento do momento é de que a erradicação desses ramais deficitários era a única forma
de recuperar o debilitado sistema ferroviário brasileiro.
Isso não significa, no entanto, que não houve resistência a essa perspectiva. Mas no
geral, a opinião nos meios técnicos e especializados, como a revista do Departamento Nacional
de Estradas de Ferro (DNEF), que deveria, em tese, defender os interesses da ferrovia,
demonstrava que a conversão do Brasil num país rodoviário se fazia cada vez mais necessária.
A crença nesse discurso da ineficiência, de tanto ser exposto, se torna óbvio, e, portanto, natural.
Torna-se um doxa. Conforme afirma Dilma Andrade:

O discurso produtor do fracasso ferroviário só encontrou um terreno fértil, devido a


uma pré-disposição social para tal aceitação. Com o sucateamento dos trens, os
passageiros se afastavam desse modal, procurando outras soluções. Dessa forma não
foi muito difícil justificar sua extinção. Nos documentos oficiais e nas notícias para o
grande público, a terminologia calcada na antieconomicidade das linhas ferroviárias
ganhou um tom de inquestionabilidade, devido a sua exaustiva repetição.146

Para compreender como se construiu a política de erradicação de ramais ferroviários,


devemos entender que uma política tida como pública, em tese, deveria beneficiar o público no
geral. Não foi o que aconteceu na questão ferroviária, pois as políticas públicas do setor se
destinaram a exatamente asfixiá-lo. As decisões acerca das ferrovias foram feitas com base no
imediatismo. Com os constantes déficits nas empresas ferroviárias, a “melhor” decisão a ser
tomada pelo Estado foi erradicar as mesmas.
Concluímos que devemos problematizar quem de fato se beneficiou com essas decisões
e as argumentações utilizadas. Não foram somente as decisões do Estado brasileiro que
provocaram todo o desmonte da malha ferroviária. Pensar dessa forma é tomar o Estado como
um mero instrumento da burguesia. Se pensarmos o Estado de forma ampliada, como uma

145
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Edições 70, 2011. p. 7.
146
PAULA, Dilma Andrade de. Estado e aparelhos privados de hegemonia na supressão de ramais
ferroviários. In: MENDONÇA, Sônia Regina de (Org.). Estado Brasileiro: agências e agentes. Niterói - RJ:
EDUFF, 2005. p. 74.
58

relação de forças, podemos iluminar o processo de desativação de ramais ferroviários e seus


conflitos e a compreensão do significado das políticas públicas implementadas durante a
ditadura é facilitada, e principalmente, os agentes que se beneficiaram com esse projeto.
Tendo em vista os conflitos entre setores da sociedade e suas respectivas frações de
classe, os agentes se organizam na sociedade civil para defender seus interesses. Há, então, um
conflito de projetos de modernidade. O trem, anteriormente associado ao progresso, perdeu a
batalha para o automóvel, que foi apropriado pelos setores hegemônicos para ser a base de um
grande projeto de transformação social baseada na autoprodução do capital. A imprensa passa
a retratar, constantemente, os atrasos dos trens, os acidentes, os problemas de tráfego e, por fim,
acaba construída, através da memória histórica, uma forma de dominação e legitimação do
poder. Ainda, de acordo com Paula, se reitera que o estudo das ferrovias e suas desativações é
um campo de atuação para historiadores e demais cientistas sociais comprometidos com a
questão do transporte público, tão fundamental na vida em sociedade. 147

147
PAULA, Dilma Andrade de. O futuro traído pelo passado: A produção do esquecimento sobre as ferrovias
brasileiras. In: ALMEIDA, Paulo Roberto de. (Et al).Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olhos
D’água, 2000, p. 44.
59

Capítulo IV
A Estrada de Ferro Rio d’Ouro

A E. F. Rio d’Ouro é singular por diversos motivos. Desde sua construção, por não ter
surgido para transporte de algum tipo de mercadoria, nem possuir função de integração, mas
sim, ter sido concebida originalmente para o transporte de material para a construção do sistema
Acari de abastecimento148 da Corte imperial em 1883, fato conhecido como “Milagre das
Águas”, e até a sua desativação, com a argumentação de que a mesma era antieconômica, sendo
que, alguns anos depois, parte do seu leito entre a Pavuna e São Cristóvão foi reaproveitado
para a construção da linha 2 do metrô do Rio de Janeiro.

IV.1 – A crise no abastecimento de água e o surgimento da E.F. Rio d’Ouro


Ao longo do século XIX, as condições de vida na cidade do Rio de Janeiro foram se
deteriorando, principalmente para os despossuídos. Em uma cidade que crescia de forma
desordenada e sem saneamento básico. A proliferação de doenças tornou-se comum. O
abastecimento de água figurava como um dos maiores problemas da cidade. Vemos isso desde
o governo de Martim Sá, no século XVII, quando os primeiros projetos para captação de águas
do rio Carioca para a Corte são feitos. Entretanto, o uso de somente esse rio não foi suficiente
para suprir as necessidades hídricas da cidade e, com a chegada da Corte portuguesa, a situação
piorou devido ao aumento da população.149
Os primeiros projetos de desvio do rio Maracanã formulados seriam custeados pela Real
Fazenda, mas que só seriam concluídos em 1850. Nesse meio tempo, o Rio de Janeiro passou
por secas em 1809, 1817, 1824, 1829 e 1838. Obras paliativas conseguiram equilibrar a oferta
de água para a cidade, mas em fins do século XIX, a situação voltava a ser crítica. Uma explosão
de doenças, somadas aos constantes desabastecimentos, obrigaram o governo imperial a tomar

148
Nome oficial do sistema de distribuição de água, também conhecido como “Linhas Pretas”, devido as
tubulações de ferro fundido importadas da Inglaterra para o transporte de água. Ainda é possível observar
essas tubulações em bairros atendidos pela Linha 2 do metrô, que foi construída em substituição a linha tronco
da E. F. Rio D’ouro, como Irajá e Inhaúma, e também em municípios como São João de Meriti e Belford
Roxo. Mesmo obsoleto para a cidade do Rio de Janeiro, o sistema ainda está em funcionamento para o
abastecimento da Baixada Fluminense. Conferir: BRITTO, Ana Lucia. A gestão do saneamento ambiental:
entre o mercado e o direito. In: RIBEIRO, Luiz Césas de Queiroz (Orgs). Rio de Janeiro: transformações na
ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital / Observatório das Metrópoles, 2015. p. 488.
149
MAURO, Fréderic. O Brasil no tempo de Dom Pedro II: 1831-1889. São Paulo: Companhia das Letras,
1991. p. 183 - 252.
60

alguma atitude.150 Em 1876, a revista Ilustrada realizou uma série de críticas ao ministro José
Bento em relação ao fracasso no combate à febre amarela e na luta contra outras doenças como
um todo, cujos enfermos estavam sob responsabilidade das casas de misericórdia, que tinham
a capacidade de operação próxima ao limite.151
Uma das principais razões para tantos problemas no abastecimento era a queimada da
Floresta da Tijuca e isso se somava ao comércio do café, que promovia não somente o
crescimento demográfico, como a urbanização. As florestas sofreram o impacto da criação das
primeiras ferrovias como a E. F. Mauá e a E. F. Dom Pedro II, pois as mesmas provocavam um
aumento na procura por lenha e também deixavam um rastro de destruição, com um número
elevado de árvores derrubadas. As ferrovias tinham demandas próprias, pois exigiam, além da
lenha, muito utilizadas nas locomotivas do interior, de um fornecimento constante de dormentes
de madeira.152
Foram criadas diversas comissões, sendo as principais a de 1843 e 1864, com o intuito
de restringir o uso da água, e somente com o Decreto 8.755, de 1882, é que se formulou um
espaço institucional para solucionar o abastecimento de água na Corte. Contudo, desde 1862, o
governo imperial, motivado pelas suspeitas de que as nascentes de rios secavam devido ao
desmatamento, iniciou um processo tímido de reflorestamento. A derrubada de árvores da
região da Tijuca estava proibida, desde 1817, devido à situação hídrica crítica do Município da
Corte, já que o aqueduto construído em 1700, que interceptava as nascentes do maciço da
Tijuca, demonstrava sinais de colapso.153 Em 1856, portanto, o governo imperial passou a
comprar propriedades ao redor das Paineiras a fim de iniciar o processo de reflorestamento
maciço, iniciado a partir de 1862, que se prolongaria até 1891154.
O principal administrador dessa empreitada até o ano de 1873 foi Manuel Gomes
Archer, que era dono de propriedades na região da Floresta da Tijuca. Em 1874, a administração
da região foi transferida para Gastão d’Escrangolle, que, assim como o antigo administrador,
também era dono de propriedades. Nesse momento, iniciou-se o planejamento para a construção

150
ABREU, Maurício de Almeida. A cidade, a montanha e a floresta. In: ABREU, Maurício de Almeida et.
al. Natureza e sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro,
1992. p. 54 - 103.
151
MAURO, Fréderic. O Brasil no tempo de Dom Pedro II. op. cit. p. 183 - 252.
152
DEAN, Warren. A Ferro e fogo: A história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo.
Companhia das letras, 1998. p. 206 - 227.
153
Para um panorama sobre os debates e disputas no processo de reflorestamento da Tijuca, conferir
HEYNEMANN, Cláudia. Floresta da Tijuca: Natureza e civilização no Rio de Janeiro (Século XIX). Rio de
Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, 1995. p. 50 - 69.
154
SILVA, Lúcia. Memórias do urbanismo na cidade do Rio de Janeiro 1778-1878: Estado, administração e
práticas de poder. Rio de Janeiro: E-Papers. 2012. p. 111 - 130.
61

de um segundo aqueduto que traria água do distante Rio d’Ouro, na serra do Tinguá, que
contaria com o auxílio de uma ferrovia, para agilizar o transporte de material, dada a gravidade
da crise hídrica.155
Através do Decreto n° 2639 de 22 de setembro de 1875, foi autorizada a construção de
uma ferrovia para auxiliar na construção e manutenção das adutoras para realizar captação de
água do Tinguá para a Quinta do Caju e, para isso, o imperador realizou a compra de terras no
vale do rio São Pedro, na distante região do Tinguá. Manuel Peixoto de Lacerda Werneck e
Maria Isabel do Nascimento encabeçaram a lista de proprietários que ofereceram terras a preços
irrisórios para a compra por parte do imperador.156 A ferrovia também cortaria os terrenos da
Posse, pertencentes ao Capitão Mor Francisco Gomes Ribeiro e, posteriormente, adentrariam
os terrenos da Fazenda Cônego Galvão, que pertencia a uma família de suíços.157
Em 1876, o gabinete Caxias abriu concorrência para a construção de uma ferrovia
emergencial e dos sistemas de tubulação. Entre os que disputaram a construção das tubulações
estavam a empreiteira inglesa Gotto & Benest, que já havia realizado intervenções no sistema
de esgotos do Rio de Janeiro, e Antônio Gabrielli, um engenheiro inglês que, em 1870,
construiu em Viena, capital do Império Austro-húngaro, um sistema de abastecimento de
grandes proporções e trazia consigo duas cartas de créditos que continham 50.000 libras,
contratadas com os bancos Rothschild e Cuttle. Antônio Gabrielli ganhou a licitação e iniciou
os trabalhos utilizando uma força de trabalho de 800 homens livres, sob a direção do engenheiro
Eduardo Lynch. Diversos engenheiros passaram pela chefia da obra, entre eles André Rebouças
e Raimundo Belfort Roxo, também responsável pelas obras da construção da ferrovia.158
As obras da ferrovia se iniciaram em 6 de agosto de 1876 e foram concluídas em
novembro do mesmo ano, sob o comando do empreiteiro Antônio Gabrielli e a coordenação
dos engenheiros André Paulo de Frontin e Raimundo Teixeira Belfort Roxo, com o objetivo do
transporte de material para a construção em um tempo recorde de três meses o sistema Acari de
Abastecimento da Corte Imperial, fato conhecido como “Milagre das águas em seis dias”, cujas
obras na realidade levaram quatro meses, que retirava água da Serra do Tinguá e deslocava
através de tubulações para as centrais distribuidoras do Caju.159

155
DEAN, Warren. A ferro e fogo. p. cit. p. 238 - 239.
156
PERES, Guilherme. O processo de desmatamento. In: TORRES, Gênesis. Baixada Fluminense: A
construção de uma história: sociedade, economia, política. Rio de Janeiro: INEPAC, 2008, p. 236.
157
GERSON, Brasil. O ouro, o café e o rio. Rio de Janeiro: Brasiliana, 1970. p. 136.
158
GERSON, Brasil. O ouro, o café e o rio. op. cit. p. 135 - 137.
159
RODRIGUEZ, Hélio Suêvo. A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro: O resgate da sua
memória. Rio de Janeiro: Memória do Trem, 2004. p. 82.
62

A condução da obra foi intensamente criticada, principalmente em artigos da Revista de


Engenharia. O engenheiro Antônio Picanço foi um dos poucos que defendeu Antônio Gabrielli,
afirmando a engenhosidade e a rapidez da construção, que teria permitido uma sobrevida do
sistema de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro160. Depois de concluídas as obras das
represas e das tubulações, a linha troncal da E. F. Rio d’Ouro, também chamado de ramal de
São Pedro, foi inaugurada oficialmente para o tráfego provisório de passageiros no dia 15 de
janeiro de 1883161, com 10 estações provisórias, passando por bairros como Caju, Benfica, Praia
Pequena, Pilares, Engenho Novo, Irajá, Pavuna, Brejo (renomeada posteriormente para Belford
Roxo) e Cava. A estrada teve um custo quilométrico de 15:500$000 réis e era servida por uma
rede de telégrafos que fazia a comunicação entre as estações e paradas construídas entre Rio
d’Ouro e a Quinta do Caju.162
Quando a ferrovia saía do município neutro e adentrava a província do Rio de Janeiro a
partir da parada Pavuna, a primeira parada era o Morro da Botica 163 e, posteriormente,
Coqueiros164. Entretanto, antes de a ferrovia chegar no Brejo, onde seria construída a rotunda
de manobras e, de lá, distribuídos os futuros ramais, o trem ainda passaria nas terras de Almério
Coelho da Rocha, um influente fazendeiro, e, posteriormente, empresário citricultor da região.
Com a ameaça de impedir que a ferrovia e a tubulação passassem por suas terras, próximas ao
rio Sarapuí, Coelho da Rocha pressionou politicamente a Inspetoria de Águas para a construção
de uma parada para embarque de pessoas e mercadorias em sua fazenda, o que, depois, vai vir
a ser um dos maiores agentes históricos na pressão pela transformação da E. F. Rio d’Ouro em
ferrovia de passageiros. Por conta disso, o agente foi apresentado no livro de Max Vasconcelos
como um “paladino”.165 Contudo, o tráfego de passageiros, no momento de sua inauguração,
foi limitado e seriam necessários três anos para que o tráfego fosse de fato liberado para
passageiros.
A viagem inaugural, documentada por dois repórteres do jornal Gazeta de Notícias,
contou com a presença de ministros do Estado imperial e de funcionários da Divisão de Águas.
Desde a primeira viagem, os repórteres relatam dois incômodos. O primeiro problema foi a

160
GERSON, Brasil. O ouro, o café e o rio. op. cit. p.137.
161
NASCENTES, Antenor. Efemérides cariocas. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1965. p.14
162
Jornal O Globo, edição de 26 de outubro de 1882.
163
Renomeada posteriormente para Estação Alcântara, que viria se transformar na Estação Rosali, em
homenagem a Rosali Farrula, esposa de Rubens Farrula, que foi o primeiro diretor da E.F. Rio d’Ouro. Em
1920, construiu-se um cemitério judaico na região.
164
Renomeada posteriormente para Agostinho Porto, em homenagem a Agostinho de Castro Porto, diretor
da 4° divisão de Inspetoria de Águas.
165
VASCONCELOS, Max. Vias brasileiras de comunicação. op. cit. p. 350.
63

qualidade das composições, entendidas como muito inferiores e mais desconsertáveis, se


comparados com outras ferrovias brasileiras. O segundo problema relatado seria constante na
E. F. Rio d’Ouro: a baixa velocidade, em uma média de 15 km/h. Isso se devia à grande
quantidade de curvas e da bitola métrica, que não permitiam altas velocidades. O trem foi
parando ao longo de algumas estações, onde foi realizado solenidades com personalidades
importantes da região de Benfica, Irajá e Pavuna.166
Ao chegar em Brejo, o hino nacional foi tocado pela banda alemã, e os repórteres
afirmam que provavelmente era a primeira vez que o mesmo era executado na região. Para os
observadores, o trem agia como um elemento civilizador e a execução do hino significa a
integração daquele território à sociedade. Contudo, a reação daqueles que moravam além dos
limites do município neutro era dupla, pois a ferrovia foi vista com um misto de esperança de
dias melhores, mas também com receio, pois argumentava-se que a decadência de Iguassu,
chamada de “condado em ruínas”, deu-se a partir do momento que a E. F. Dom Pedro II passou
a cortar seus territórios, e, assim, a Estrada da Polícia e a Estrada do Comércio ficaram
abandonadas. Depois de mais algumas solenidades, a locomotiva retornou para a Quinta do
Caju. Para os repórteres e demais participantes da viagem, a inauguração se encerrou sem
maiores obstáculos.167
Conforme dito anteriormente, o serviço para passageiros não foi de imediato tornado
regular. Somente em 1886 ocorreu a adaptação da ferrovia, feita pelo próprio Antonio Gabrielli,
que, inicialmente, só auxiliava na construção das tubulações, para a oferta de passageiras e, com
isso, foi aberto o primeiro ramal da E. F. Rio d’Ouro, partindo de Vicente de Carvalho para o
porto de Maria Angu e, posteriormente, realizaram-se partidas a partir de Brejo para a Quinta
do Caju. Esse ramal seria a primeira linha de passageiros da E. F. Rio d’Ouro, que, desde o
início da operação regular, em 1886, já trafegava com um déficit operacional de 39:000$000
réis. O interessante é que o preço da passagem era de 25 réis por quilômetro, ou seja, quanto
mais longe, mais caro era viajar. Posteriormente, também, para o serviço de passageiros,
construiu-se um ramal para a freguesia de Irajá.168
Em 1885, iniciou-se a construção do ramal do Tinguá, que ligaria a estação de Cava à
estação do Tinguá, onde se construiria uma estação de bombeamento de água. Essa obra esteve
sob a responsabilidade dos empreiteiros Mendes Gonçalves & Simonet, e teve seu tráfego

166
Jornal Gazeta de Notícias, edição de 15 de janeiro de 1883.
167
Jornal Gazeta de Notícias, edição de 15 de janeiro de 1883.
168
GERSON, Brasil. O ouro, o café e o rio. op. cit. p.138.
64

iniciado em 3 de outubro de 1886.169 A represa do Tinguá foi construída onde outrora foi a
Fazenda Conceição, de propriedade do Barão do Tinguá, que vendeu suas terras ao governo
imperial em 1883. Nesse período, mesmo com os ramais da E. F. Rio d’Ouro cumprindo bem
o seu papel de levar água à corte, iniciou-se o planejamento de uma nova expansão da ferrovia,
para atingir os reservatórios hídricos da região de Xerém, próximo ao pé da serra, com a
possibilidade de, futuramente, realizar conexões para chegar a cidade de Petrópolis, fato nunca
concretizado.170
Em 1891, aconteceram dois fatos importantes: a transferência da sede do município de
Iguassú das margens do rio Iguassú (os trilhos que passavam mais próximos dessa localidade
eram o da E. F. Rio d’Ouro)171, para a Nova Iguassú, nas margens da E. F. Central do Brasil172;
e a construção do ramal de Xerém, que partia de Belford Roxo173 e teve a direção do engenheiro
Luis Maggesi. A construção desse ramal foi demorada e ele somente foi aberto ao tráfego em
1911.174
Entretanto, em pouco tempo a E. F. Rio d’Ouro começou a apresentar problemas. O
jornal O Tempo, em uma matéria de 1892, menos de uma década após a inauguração, denunciou
a “situação lastimável” da E. F. Rio d'Ouro. As comissões de Obras Públicas e Orçamento da
República visitaram a ferrovia, sob a companhia do engenheiro Henrique Belfort Roxo, um de
seus projetistas, e outros engenheiros. A notícia afirmava que a ferrovia estava sendo
subutilizada devido ao mau estado do material rodante e que a mesma teria um grande potencial
para o desenvolvimento da lavoura caso fosse conservada.175
A ferrovia, naquele momento, estava desprovida de todos os meios que permitiriam os
serviços de transporte de passageiros e mercadorias, que já se mostravam essenciais à economia
local. O jornal afirmava que o chefe de tráfego “realizava” milagres com apenas quatro
locomotivas, sendo que duas já estavam com problemas. A manutenção era precária devido à
ausência de oficinas especializadas. As estações também não passavam de pequenas paradas
que serviam a localidades pouco povoadas. A matéria, por fim, destaca que a E. F. Rio d’Ouro
só seria lucrativa caso não se considerasse apenas a receita da ferrovia, mas também a

169
RODRIGUEZ, Hélio Suêvo. A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro. op. cit. p. 82.
170
VASCONCELOS, Max. Vias brasileiras de comunicação. op. cit., p. 359.
171
VASCONCELOS, Max. Vias brasileiras de comunicação. op. cit., p. 359.
172
NEY, Alberto. A vila de Iguassú. In: TORRES, Gênesis. Baixada Fluminense: a construção de uma
história: sociedade, economia, política. Rio de Janeiro: INEPAC, 2008. p. 120.
173
Localidade conhecida anteriormente como Brejo.
174
RODRIGUEZ, Hélio Suêvo. A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro. op. cit. p. 83.
175
Jornal O Tempo, edição de 29 de julho de 1892.
65

possibilidade de valorização das terras em seu entorno.176 A região passava por um processo de
crescimento econômico advindo da citricultura, com forte apoio estatal para sua produção em
escala comercial e passou a absorver uma massa de capitais após a decadência da cafeicultura
no estado do Rio de Janeiro.177
A construção e a manutenção da E. F. Rio d’Ouro foram impactadas, assim como outras
obras ferroviárias no país, pela questão das doenças, como chagas e febre amarela. A Comissão
Estadual de Saneamento, mesmo com orçamentos na ordem de 5000:000$000, não conseguiu
melhorar a situação dos trabalhadores da captação de águas em Xerém.178 Conforme indica José
Murilo de Carvalho, com a proclamação da República, a situação social do Rio de Janeiro
continuava crítica. Os problemas de abastecimento e de saúde como um todo, agravavam-se.179
O volume de água transportado nos tubos era de cerca de 16 milhões de litros por dia, o que era
uma quantia considerável, mas, ainda assim, insuficiente.180 Em 1907, catorze anos depois da
inauguração da ferrovia, dois repórteres da Gazeta de Notícias foram a região para acompanhar
os trabalhos de captação das águas e havia registros de trabalhadores doentes de febre amarela,
além de reclamações do isolamento da região. Devido aos horários precários do trem, os
repórteres não puderam voltar para o centro do Rio de Janeiro, o que demonstra que desde o
início de sua operação, a E. F. Rio d’Ouro já apresentava problemas em sua grade de horário.181

IV.2 – A desativação da E. F. Rio d’Ouro:


Com a incorporação administrativa da E. F. Rio d’Ouro e da E. F. Melhoramentos do
Brazil pela E. F. Central do Brasil, entre a década de 1910 e 1920, e o encampamento da mesma
pelo Estado brasileiro, foram realizadas uma série de obras de infraestrutura para otimizar a
operação das composições de carga e de passageiros, como a transformação da bitola métrica
de alguns ramais em bitola mista, permitindo o livre tráfego de diversas composições,
unificando a operação entre a linha do centro da E. F. Central do Brasil e a E. F. Melhoramentos,
rebatizada de linha auxiliar.

176
Jornal O Tempo, edição de 29 de julho de 1892.
177
RODRIGUES, Adrianno Oliveira. De Maxambomba a Nova Iguaçu (1833-90’s): Economia e território
em processo. Dissertação (Mestrado em planejamento urbano e regional). Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. p. 38.
178
FADEL, Simone. Meio ambiente, saneamento e engenharia no império e na primeira república. Rio de
Janeiro: Garamond, 2009. p. 130.
179
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013. p. 14.
180
VASCONCELOS, Max. Vias brasileiras de comunicação. op. cit., p. 358.
181
Jornal Gazeta de Notícias, edição de 08 de maio de 1907.
66

Desde o início de suas operações, a E. F. Rio d’Ouro demonstrava problemas que não
foram resolvidos de forma satisfatória. O primeiro era a intensa vinculação à Inspetoria de
Águas, em que sua administração se concentrava na manutenção das adutoras e a ferrovia em
si era relegada a um segundo plano. O trem passou a ser usado por lavradores da Baixada
Fluminense e, posteriormente, por operários que moravam em bairros que iniciavam um
processo de urbanização, como a Pavuna e Irajá, e que trabalhavam no centro da cidade ou em
centros industriais como Del Castilho.182
Com a transferência da administração da E. F. Rio d’Ouro para a E. F. Central do Brasil,
algumas medidas foram tomadas pela administração da ferrovia devido a novas dinâmicas
econômicas. Ocorreu a adaptação dos carros e a criação de novos horários para trens de
passageiros. Sob ordens do ministro da indústria e viação Afrânio de Mello Franco, em 1919,
a estação inicial da ferrovia se deslocou da Ponta do Caju para Alfredo Maia, mais próxima ao
centro da cidade, onde posteriormente foi construída a nova estação de Francisco Sá, de onde
partiam simultaneamente trens da E. F. Rio d’Ouro e da linha auxiliar. Contudo, a incorporação
pela E. F. Central do Brasil não significou uma melhora significativa. A E. F. Rio d’Ouro
continuava sendo negligenciada, até mesmo em relação à linha auxiliar, pois, mesmo
desmembrada da Inspetoria de Águas, ainda tinha como uma das funções principais a
manutenção das adutoras do sistema Acari, cujas funções não tinham sido assumidas pela nova
administração.183
Em 1922, todos os patrimônios da E. F. Rio d’Ouro, ou seja, a quantidade de material
rodante como a quantidade de locomotivas, carros, vagões de carga, o valor dos imóveis, seus
terrenos e toda a infraestrutura de abastecimento de água somavam um total de
189.197:119$799 réis. Isso era um valor baixo comparado a outras ferrovias da época, mesmo
no estado do Rio de Janeiro. Contudo, entre 1922 e 1926, em um período de quatro anos, a
quantidade de passageiros contabilizados em duas classes184 passou de 357.371 para 1.602.505
pessoas, ou seja, uma expansão aproximada de 448% de passageiros transportados.185

182
Sobre o processo de expansão industrial do Rio de Janeiro, conferir: LOBO, Eulália Maria Lahmeyer.
História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro: IBMEC,
1978. (2 volumes)
183
SANTOS, Noronha. Meios de transporte no Rio de Janeiro: História e legislação (volume 1). Rio de
Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio. 1934. p. 499 - 500.
184
Em 1922, a 1° classe da E.F. Rio d’Ouro transportou 51.394 passageiros, enquanto a 2° classe transportou
305.977 passageiros contabilizados. Já em 1926, esses números saltam para 451.851 passageiros
contabilizados na 1° classe, e para 1.150.654 passageiros contabilizados na 2° classe.
185
SANTOS, Noronha. Meios de transporte no Rio de Janeiro. op. cit. p. 498-500.
67

Na década de 1920, a E. F. Rio d’Ouro podia ser comparada com outras ferrovias de
características semelhantes no quesito quantidade de passageiros transportados. Como sua linha
principal dentro do Distrito Federal se situava entre a linha auxiliar186 da E. F. Central do Brasil
e a linha de subúrbios da E. F. Leopoldina, as três ferrovias atendiam uma mesma região que
se urbanizava e industrializava e possuíam o mesmo tipo de tração a vapor. Tomando como
base o ano de 1925, a E. F. Rio d’Ouro transportou um total de 1.461.319 passageiros. Esse
número é baixo se comparado aos 3.768.676 passageiros da linha auxiliar da E. F. Central do
Brasil e os exorbitantes 15.371.688 passageiros transportados nas linhas de subúrbio da E. F.
Leopoldina. Isso, entretanto, não significa que a E. F. Rio d’Ouro fosse menos importante para
a população, pois nas estações posteriores à Pavuna, em sentido à Vila de Cava, Jaceruba,
Tinguá e Xerém, a ferrovia era a única forma de comunicação de povoados inteiros, além de
serem intensamente utilizados no escoamento da produção agrícola, mesmo que, no intervalo
de um ano, a E. F. Leopoldina transportasse uma proporção de 951,91% e a linha auxiliar
157,90% de passageiros a mais que a E. F. Rio d’Ouro.
Enquanto alguns trechos da E. F. Central do Brasil já estavam eletrificados desde
1937,187 como os trechos entre Madureira-Central e Nova Iguaçu-Central, os demais serviços
de trens suburbanos de passageiro, por outro lado, ainda eram de tração a vapor e no Rio de
Janeiro. Nas linhas parcialmente eletrificadas, realizavam-se transferências e nas demais, toda
a viagem era feita nas "marias fumaças". A E. F. Rio d’Ouro, que partia da estação Francisco
Sá até Belford Roxo, havia a possibilidade de distribuição de destinos de viagem entre Xerém,
Jaceruba e Tinguá, através de baldeação, além de alguns trens diretos para Rio d’Ouro. Nesse
momento, a E. F. Rio d’Ouro passou também a ter uma nova utilidade: o turismo. Muitos
queriam conhecer as represas do Tinguá e de Xerém, além das cachoeiras em Jaceruba, e essas
estações se tornaram um ponto de encontro de pessoas adeptas do excursionismo, muitos deles,
estrangeiros.188

186
A proximidade geográfica dos leitos da E. F. Rio d’Ouro e da linha auxiliar da E. F. Central do Brasil era
tamanha que, em alguns bairros, as estações ficavam as vezes uma ao lado da outra, como Pavuna e Del
Castilho, e em outros bairros, estavam separadas a poucos minutos de caminhada, como em Thomás Coelho.
Essa proximidade foi herdada pelo atual Ramal de Belford Roxo entre os bairros da Pavuna e São Cristóvão,
e os usuários da região preferem utilizar a linha 2 do metrô que foi construído sob o antigo leito da E. F. Rio
d’Ouro em detrimento do Ramal de Belford Roxo, que sofre com atrasos, horários escassos, constantes
interrupções devido a questões de segurança pública, e compartilhamento de vias com os trens cargueiros
com destino ao porto de Arará. Para mais informações sobre a linha 2 do metrô do Rio de Janeiro, conferir:
CAIFA, Janice. Viajar no metrô do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013. p. 215 - 305.
187
FERNANDES, Nelson da Nóbrega. Eletrificação do sistema suburbano da Estrada de Ferro Central do
Brasil e a política urbana no Rio de Janeiro. In: Simposio Internacional Globalización, innovación y
construcción de redes técnicas urbanas en América y Europa, 1890-1930. Barcelona: Universidad de
Barcelona, 2012. p. 1 - 17.
188
VASCONCELOS, Max. Vias brasileiras de comunicação. op. cit. p. 358.
68

A situação da E. F Central do Brasil progrediu de forma modesta a partir da década de


30, mesmo com o processo de eletrificação da linha do centro e, posteriormente, dos subúrbios.
A tração a vapor ainda continuou sendo utilizada maciçamente na linha auxiliar e na E. F. Rio
d’Ouro. Entre 1945 e 1947, iniciou-se a operação maciça dos ônibus na cidade do Rio de
Janeiro, o que, entretanto, não impactou os trens de imediato. Foram os bondes que sofreram
os impactos diretos dessa operação, principalmente pela criação de linhas no eixo entre a zona
norte e a zona sul da cidade. O que, então, afetaria as ferrovias urbanas no Rio de Janeiro no
pós-guerra, na avaliação da Cepal, seria o desequilíbrio entre energia e transporte, devido à
incapacidade do setor público de expandir a infraestrutura do sistema.189
Na década de 1950, a E. F Central do Brasil, que administrava a E. F. Rio d’Ouro,
passava por imensas contratempos orçamentários, problemas de tráfego, dificuldades de
atender à demanda, manutenção precária do material rodante devido à ausência de fábricas
especializadas no país e intensa superlotação de suas composições, principalmente as urbanas,
o que não necessariamente se traduzia em aumento da receita, devido à grande quantidade de
pessoas que viajavam sem pagar as passagens. Na avaliação da diretoria da empresa, uma das
causas desses problemas não era só a falta de investimentos, mas também o excesso de pessoal
na ferrovia190. Esse argumento era recorrente nas análises administrativas da época e também
se refletiu na primeira leva de estudos sobre diversas ferrovias191, cujas teses já foram criticadas
pela historiografia mais recente, pelo fato de que tais análises acabem chancelando a política
de desativações.192
A partir da década de 1950, tornaram-se constantes as notícias acerca das péssimas
condições de transporte oferecido aos passageiros. Trens atrasados e acidentes eram comuns na
E. F. Central do Brasil, apelidada de forma irônica pelos usuários como “estrada de ferro,
caveira de burro”, em referência à sigla EFCB e motivada pela grande quantidade de acidentes
que ocorriam, os quais, muitas vezes, eram fatais193. Em 24 de janeiro de 1952, o jornal Última
Hora realizou uma extensa matéria sobre as péssimas condições da E. F. Rio D’Ouro. De acordo
com as estatísticas apresentadas, 25 mil trabalhadores utilizavam o trem então. As fotos
selecionadas demonstram a desordem que era viajar dentro dos carros da Rio d’Ouro, onde

189
BARAT, Josef. Estrutura metropolitana e sistema de transportes: Estudo do caso do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: IPEA, 1975. p. 151 - 154.
190
OLIVEIRA, Jair Rêgo de. (Diretor da EFCB). Problemas administrativos da Estrada de Ferro Central do
Brasil. Palestra pronunciada no clube de engenharia em 06 de setembro de 1956.
191
AZEVEDO, Fernando de. Um trem corre para o oeste. op.cit; DEBES, Célio. A caminho do Oeste. op. cit.
192
PAULA, Dilma Andrade de. Fim de linha. op. cit.
193
CASTRO, Hugo de. O drama das estradas de ferro no Brasil. São Paulo: LR Editores, 1981. p. 58
69

havia constantes brigas por causa dos lugares, que eram comparados a “lugares no céu”. O perfil
majoritário dos usuários era de lavradores da região do Tinguá, Xerém e Jaceruba, e de
operários que moravam entre a Pavuna e Del Castilho, em sua maioria nordestinos. A redação
do jornal sugere que a legenda de uma foto, onde majoritariamente os presentes são negros, seja
“a favela anda de trem”. 194
O jornalista Daniel Caetano faz uma viagem a partir da Estação Francisco Sá e salientou
que já não havia mais separação de primeira e segunda classe. De forma jocosa, afirmou que
nem por isso o trem seria mais democrático. Devido às dificuldades da E. F. Central do Brasil
controlar os usuários, era grande o número de pessoas que não pagam as passagens, número
incalculável. O jornalista ficou surpreendido com as pessoas que no local não prestavam
atenção nas placas de horário e a explicação dada era que as mesmas eram inúteis, devido aos
atrasos que chegavam a três horas. Além das péssimas condições de viagem, a matéria
destacava também a péssima iluminação no interior do trem, o que aumentaria a periculosidade
da viagem.195
A veiculação dessas matérias só reforçava as péssimas condições de uso da ferrovia e,
em momento algum, era aproveitado o espaço para uma reclamação ou pressão por melhorias
por parte do poder público. Mesmo que houvesse um tom de denúncia, a matéria do jornal
Última Hora era fatalista, quase condenando o trem pela sua própria condição. Esse tipo de
construção narrativa foi fundamental para que na década de 1960 se criasse um consenso acerca
da desativação das ferrovias. Essas matérias abalavam ainda mais a imagem do trem perante às
pessoas, que já viam a materialização daquela situação demonstrada no jornal em seu cotidiano.
Em 6 de junho de 1952, um fato iria prejudicar ainda mais a situação da E. F. Rio d’
Ouro. Com o forte temporal que caíra na noite anterior, ocorreu o desabamento de uma estrutura
de uma ponte em obras que ligaria o bairro de Coelho Neto à recém-inaugurada Via Dutra, e
que passava pelo leito da ferrovia. Por sorte, não houve feridos, mas isso abalou a infraestrutura
da ferrovia, que teve seu tráfego interrompido, sendo necessária uma baldeação a pé. Os
usuários com melhores condições a partir daí migraram para os serviços de ônibus que
começavam a surgir e a ligar a zona industrial da Pavuna e de outros bairros dos subúrbios da
Leopoldina ao centro do Rio de Janeiro.196
Somente em 1960, portanto, que a E. F. Central do Brasil passou a tomar algumas
atitudes em relação à péssima conservação do material rodante, contemplando a E. F. Rio

194
Jornal Última Hora, edição de 07 de maio de 1952.
195
Jornal Última Hora, edição de 07 de maio de 1952.
196
Jornal Última Hora, edição de 24 de janeiro de 1952.
70

d’Ouro e a Linha Auxiliar com recursos. O primeiro passo para isso foi a unificação da
administração com a E. F. Leopoldina, e a criação do Departamento Suburbano, que passaria a
ser chefiado pelo engenheiro Hugo Soares Belford. A necessidade de eletrificação e de
alargamento das bitolas da E. F. Leopoldina e da E. F. Rio d’Ouro era urgente e foram realizados
nesse período os primeiros estudos para adaptação da infraestrutura com o apoio financeiro do
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico.197
Em 1961, foi veiculada uma nova reportagem denunciando as condições da ferrovia.
Nessa matéria a E. F. Rio d’Ouro era chamada de “trem de decepção”. Pelo discurso
apresentado na reportagem, a ferrovia já não atendia mais às expectativas da população. O
projeto de modernidade ferroviária se esgotou e precisou ser substituído. A grande manchete
afirmava que a estrada de ferro conduzia os passageiros como se fossem “bichos” e que os
passageiros optavam por pagar 5 cruzeiros invés de 50 centavos para ter em um serviço melhor.
Isso indiretamente indicava que a ferrovia possuía problemas financeiros que poderiam
eventualmente ser resolvidos com o aumento da passagem, independente do fato de que a
grande maioria da população atendida pela ferrovia fosse de lavradores e de operários.
Conforme desenvolvido no capítulo anterior, a justificativa do déficit foi muito utilizada para
erradicar ferrovias.198
Em 1962, a revista O Cruzeiro fez aquela que seria a maior reportagem sobre a E. F.
Rio d’Ouro enquanto a mesma ainda estava em funcionamento. Foi feita uma abordagem de
cunho sentimentalista que, ao informar a quantidade de passageiros que os “trens de brinquedo”
transportaram (42.886 passageiros) e o faturamento do mês de maio de 1962 (Cr$ 21.777,90),
a reportagem se tornou até mesmo infantilizada. Afirmava-se que o trem teria “intimidade com
os quintais” por onde passava e que custava “50 centavos de poesia” e era “movido pela
imaginação”. Havia também um tom jocoso quando se afirmava que as multas aplicadas a quem
viajasse sem bilhete já estavam inclusas na cobrança das passagens, devido às baixas
velocidades das locomotivas. 199
Afirma-se que o trem era tão íntimo do povo que não necessitava de sinaleiros e que
também nunca teria matado ninguém. Mas também se afirmava que o contrário podia acontecer
quando a locomotiva ensaiava um aumento de velocidade ou então quando estava lotada. A
deslegitimação da existência da ferrovia chegava ao seu ápice quando a E. F. Rio d’Ouro era
caracterizada como o “único trem da história que não chega ao fim da linha”, devido à ausência

197
Jornal Última Hora, edição de 17 de maio de 1960.
198
Jornal Correio da Manhã, edição de 03 de agosto de 1961.
199
Revista O Cruzeiro, edição de 30 de junho de 1962.
71

de pressão das caldeiras, que impedia que as locomotivas subissem as últimas rampas do
traçado, além de “nem os bondes respeitavam os velhos trens”.200
Já em 1962, foram elaboradas propostas para transformação do leito entre a Pavuna e
Del Castilho numa autoestrada. Esses projetos estavam sintetizados no Plano Doxiadis, de
franca inspiração rodoviarista e tecnicista e, segundo Vera Rezende, possuía uma racionalidade
questionada quando problematizamos seus objetivos, pois “superpor ao espaço urbano, que tem
sua origem no social e no econômico, uma ordem estrutural ideal é uma tentativa de dominação
sob uma aparência cientifica”.201
A reportagem afirmava que até na proposta de melhoria da E. F. Rio d’ Ouro, que previa
a sua transformação em uma rodovia, é possível observar uma originalidade. Isso pois a única
forma de impedir que a ferrovia se transformasse em uma estrada de rodagem seria trocar suas
velhas locomotivas por algumas novas e mais velozes, mas que poderiam levar perigo para
pedestres e veículos, já que ao longo da avenida Automóvel Clube, a ferrovia cruzava com
várias linhas de bonde e ruas movimentadas, além de trocar de lado em vários momentos com
a avenida correndo junto a residências. Ou seja, até mesmo sua possível modernização punha
sua existência como ferrovia em risco.202
As constantes estiagens e a falta de investimento nos setores de distribuição de água
levaram o sistema Acari de abastecimento ao colapso. Com seus tubos cada vez mais obsoletos
por não comportar o volume que a cidade do Rio de Janeiro consumia de água, em 1955,
iniciou-se a construção das adutoras do rio Guandu — que só será concluída em 1965, no
governo Carlos Lacerda, que tinha como uma das grandes bandeiras de seu mandato a resolução
da crise hídrica203. Com a súbita melhoria da distribuição de água, a E. F. Rio d’Ouro, que foi
concebida originalmente para auxiliar na distribuição de água, perderia sua “função original”.
Já em 1966, começou o processo de desativação dos primeiros ramais da E. F. Rio D’ouro, com
a argumentação oficial de que eram antieconômicos e que não havia justificativa que
possibilitasse a modernização de suas linhas, nem mesmo sua manutenção para auxiliar na
captação de água, que agora era feita no rio Guandu.

200
Revista O Cruzeiro, edição de 30 de junho de 1962.
201
REZENDE, Vera. Planejamento urbano e ideologia: Quatro planos para a cidade do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 82 - 83.
202
Revista O Cruzeiro, edição de 30 de junho de 1962. op. cit.
203
PERÉZ, Maurício Dominguez. Lacerda na Guanabara: A reconstrução do Rio de Janeiro nos anos 1960.
Rio de Janeiro: Odisséia, 2007. p. 201 - 297.
72

Em 23 de abril de 1965, uma tímida reportagem apontava o “fim da linha” para a E. F.


Rio d’Ouro. O trem estava se “extinguindo”204. As viagens passaram a ser realizadas de forma
irregular, sendo comum que houvesse a interrupção do tráfego devido a algum tipo de problema.
Em 26 de dezembro de 1967, o tráfego entre Acari e Inhaúma se encerrou. Em 13 de agosto de
1968, foram fechadas todas as estações no trecho, sendo a maioria delas demolida. No dia 18
de abril de 1968, todos os trilhos da bitola métrica entre Pavuna e Belford Roxo foram retirados,
apesar de o serviço entre as duas estações continuar, mas dessa vez, em modernos trens elétricos
que agora estavam conectados com a linha auxiliar em Honório Gurgel e que partiam da Central
do Brasil.205
A desativação do ramal de Xerém foi, dos ramais da E. F. Rio d’Ouro, a mais complexa
e envolta em mistério. Entretanto, podemos levantar algumas hipóteses que podem ser
estudadas posteriormente. A região de Xerém possuía uma grande produção agrícola,
consolidando-se na época como uma comarca rural, cuja produção era, em sua maioria,
transportada pelos trilhos da E. F. Rio d’Ouro.206 Portanto, a questão agrária também é
importante para se compreender a desativação da E. F. Rio d’Ouro.
José Pureza é talvez um dos personagens históricos mais importantes dessa questão.
Militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro), foi morar em Xerém em 1947, devido à
facilidade de compras de lotes na região. Nesse mesmo ano, o PCB entrou na clandestinidade,
o que atrapalharia as atividades do militante, que teve também de lutar na clandestinidade pelos
direitos dos lavradores. Sua ação política mais famosa foi em 1963 na região de Imbé, em
Campos dos Goytacazes, onde articulou uma pressão política dos trabalhadores para a extensão
dos direitos trabalhistas ao campo e que, de acordo com seu livro de memórias, só foi possível
com a ajuda de “aliados”, como os ferroviários e os operários navais. Isso demonstra a
articulação existente entre movimento operário e movimentos rurais, que pode ter influenciado
na decisão de desativação do ramal de Xerém, com o objetivo de promover a desarticulação da
luta política.207
Em 1959, representando os lavradores de Duque de Caxias, Pureza fundou a FALERJ
(Federação de Associações de Lavradores e Trabalhadores Autônomos do Rio de Janeiro), junto

204
Jornal Jornal do Brasil, edição de 23 de abril de 1965.
205
Jornal O Globo, edição de 26 de agosto de 1973.
206 FERNANDEZ, Marcelo. Sementes em trincheiras: Estado do Rio de Janeiro (1948-1996). In: SIGAUD,

Lygia (et al). Ocupações e acampamentos: Estudo comparado sobre a sociogênese das mobilizações por
reforma agrária no Brasil (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pernambuco) 1960-2000. Rio de Janeiro:
Garamond, 2010. p.133-244.
207
PUREZA, José. Memória Camponesa. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. p. 86.
73

com Manuel Ferreira, representante de Magé, e Bráulio Rodrigues, representante de Nova


Iguaçu, com o objetivo de unificar os esforços de luta contra a grilagem e os latifúndios nos
municípios da Baixada Fluminense.208 Ocorreram confrontos armados entre lavradores e forças
contratadas por grileiros, o que demonstrava a tensão social em relação à questão da terra. José
Pureza era o representante de Duque de Caxias e, em especial, dos lavradores da região de
Xerém, além de também articular a resistência armada à invasão de grileiros em terras, muitas
delas, próximas da E. F. Rio d’Ouro.209
A região de Xerém também comportava a FNM (Fábrica Nacional de Motores), que
possuía um movimento sindical articulado, mesmo que não homogêneo. A E. F. Rio d’Ouro
podia alcançar o porto do Rio através de manobras na bitola métrica, mas não havia registro de
transporte de material da fábrica por meio da ferrovia. Contudo, isso não significa que a E. F.
Rio d’Ouro não participasse da dinâmica econômica local. A possibilidade de articulação entre
os ferroviários e os lavradores era um tema de preocupação por parte da diretoria,
principalmente em relação à intensificação dos debates sobre a reforma agrária. Com o golpe
de 1964, a situação se agravou e, com isso, iniciou-se uma intensa repressão no local. 210
No período posterior à desativação, a tônica das reportagens mudou. O trem, antes
apresentado como problemático e até mesmo dispensável, passou a ser ressignificado em um
sentido de lamentar sua desativação. Uma reportagem do jornal O Globo tinha como título “O
trem das águas deixou saudade, levou o progresso”.211 Na matéria não fica claro se o trem levou
o progresso para a região na sua construção ou se na sua desativação ele teria “levado” o
progresso com ele. Foram realizadas várias entrevistas, entre elas uma com Silas Pereira da
Silva, ex-funcionário da ferrovia e que, no momento, morava na estação José Bulhões,
disputando na justiça o direito de poder comprar a estação.212
Havia uma retórica de saudade do trem em toda a matéria. As populações que
margeavam a ferrovia sentiram os impactos do fim do trem. O casal José Torres e Florentina,
uns dos entrevistados, afirma que a vida ficou muito mais difícil e que agora além de

208
SILVA, Angelo Márcio da Silva. Xerém: Um olhar sobre a resistência camponesa e luta pela terra. In:
Revista Pilares da História. n.15, mai/2015. p. 51 - 58.
209
FERNANDEZ, Marcelo. Sementes em trincheiras: Estado do Rio de Janeiro (1948-1996). In: SIGAUD,
Lygia (et al). Ocupações e acampamentos. op cit. p. 133 - 244.
210
RAMALHO, José Ricardo. Estado-Patrão e luta operária: O caso FNM. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p.
158.
211
Jornal O Globo, edição de 26 de agosto de 1973. op. cit.
212 É provável que isso tenha acontecido em outras localidades margeadas pela E. F. Rio d’Ouro, pois algumas

de suas estações só foram de fato demolidas nas obras do metrô entre 1982 e 1998. De acordo com Angela
França, o maior “desafio” às obras da linha 2 foi o remanejamento das adutoras do sistema Acari e Ribeirão
das Lajes. Conferir: FRANÇA, Angela. Metrô: Os trilhos que mudaram o Rio. Rio de Janeiro: Autografia,
2017. p. 57 - 85.
74

dependerem de transporte caro, ainda tinham a necessidade de fazer longas caminhadas por
onde passava o trem. Eles, ainda afirmavam que “não há perspectiva depois do fim do trem”.213
Na região do Tinguá, os trabalhadores rurais foram extremamente prejudicados, pois
passaram a depender dos fretes rodoviários e das estradas não necessariamente asfaltadas.
Sebastiana Araújo Almeida, moradora do Tinguá, vendeu seu sítio local por 30 mil cruzeiros
em 1971, pois a vida tinha “piorado muito”. Entretanto, a mesma continuou dona de um
comércio e esperava melhores dias com o aumento do turismo na região. A sensação de
abandono era comum em outros depoimentos, como o de Francisco Elizário, morador local que
reclamava que a região agora sequer tinha um departamento policial.214
A ferrovia era retratada de uma forma dual nessa notícia, pois ao mesmo tempo em que
a narrativa utilizada não nega o caráter antieconômico da mesma, também eram colocados em
evidência relatos de pessoas que sofreram diretamente com o impacto do fim do trem. O jornal,
contudo, criticava a argumentação de que poucas pessoas usavam o trem, pois, mesmo que
oficialmente em alguns dias somente 40 pessoas utilizassem o trem, a quantidade de passageiros
transportados era muito maior, em razão da baixa velocidade que permitia o “calote”.215
Os custos do fim da E. F. Rio d’ Ouro foram imensos. O valor social da ferrovia foi
totalmente ignorado pelos técnicos do governo, e a argumentação a favor da erradicação e
substituição por um sistema de autoestradas com base numa suposta irracionalidade econômica
das ferrovias se repetiu em outros casos no Brasil. Para além da destruição de vínculos afetivos
e subjetivos com a ferrovia, a erradicação dos trens também custou caro. Em 1979, o jornal O
Globo realizou uma matéria afirmando que o fim da E. F. Rio d’Ouro dobrou os custos do pré-
metrô. Nessa reportagem, o tom já era diferente e mais crítico. Foi feita uma condenação à
política de erradicação de ferrovias que a ditadura considerava antieconômica sendo salientado
o prejuízo para o Rio de Janeiro, no caso da E. F. Rio d’Ouro. Por exemplo, o melhoramento
do trecho de 14 quilômetros que acompanhava o antigo leito da ferrovia entre Del Castilho e
Pavuna, poderia ser 50% mais barato do que 3,3 milhões de cruzeiros gastos nas obras.216
Para o secretário de transportes do estado do Rio, Paulo Buarque Nazaré, técnico do
GEIPOT (Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes), se os trilhos não fossem

213 É provável que isso tenha acontecido em outras localidades margeadas pela E. F. Rio d’Ouro, pois algumas
de suas estações só foram de fato demolidas nas obras do metrô entre 1982 e 1998. De acordo com Angela
França, o maior “desafio” às obras da linha 2 foi o remanejamento das adutoras do sistema Acari e Ribeirão
das Lajes. Conferir: FRANÇA, Angela. Metrô. Os trilhos que mudaram o Rio. Rio de Janeiro: Autografia,
2017. p. 57 - 85.
214
Jornal O Globo, edição de 26 de agosto de 1973. op. cit.
215
Jornal O Globo, edição de 26 de agosto de 1973. op. cit.
216
Jornal O Globo, edição de 30 de setembro de 1979.
75

arrancados pela RFFSA em 1971, no limiar da finalização do planejamento sobre o pré-metrô,


os únicos custos reais seriam de adaptação da rede de energia, algumas obras na via permanente
e remanejamento das adutoras do sistema Acari. Contudo, com o fim da ferrovia, em grande
parte o leito foi invadido, provocando enormes custos em desapropriação e intensos transtornos
para a população. Um segundo problema provocado pelo fim da E. F. Rio d’Ouro foi a ausência
do leito para as obras, que foram ocupadas pelas obras da Linha Verde, nunca concluída em seu
projeto original, de uma via expressa que ligasse a Pavuna à Gávea. 217
A explicação da RFFSA de que a E. F. Rio d’Ouro era antieconômica pode ser criticada
através da própria recomendação da construção da Linha Verde, que deixasse espaço para a
passagem do metrô. Para Nazaré, se a ferrovia fosse de fato antieconômica e, se fosse verdade
de que ela não possuía demanda de passageiros, não haveria sentido em reservar um leito para
passagem futura do metrô. Outro fator apontado é que o exemplo da E. F. Rio d’Ouro ilustra os
erros de uma política que beneficiou o rodoviarismo e que deveria servir de lição, para evitar a
destruição de uma infraestrutura que poderia ser usada em outro momento, através de um
planejamento global que não pensasse somente na contabilidade da ferrovia, mas sim nas
possibilidades de estímulo para as indústrias e agroindústrias ao redor da ferrovia.218 Nazaré
conclui que a erradicação da E. F. Rio d’Ouro foi um erro generalizado que prejudicou as obras
do pré-metrô e da Linha Verde, além de permitir a criação de favelas com habitações
inadequadas, como a do Jacaré, que tinha no momento 14 mil moradores, o que inviabilizava
uma possível desapropriação ou urbanização naquele momento. 219
Com o choque do petróleo, ficou evidente, portanto, o quanto a economia brasileira se
tornava refém do modal rodoviário. Por isso, é perceptível também uma alteração na visão sobre
as ferrovias e seu papel na sociedade na entrevista de militares que assumam posições chave na
administração dos transportes no país, como o coronel Carlos Aloysio Weber, que foi
empossado presidente da RFFSA, após o desastre de Magno 220, e afirmou que uma de suas
prioridades seria a revisão da política de desativações ferroviárias e de destruição de uma
infraestrutura de inestimável valor no futuro para a resolução de problemas de transporte.
Entretanto, isso só seria possível com outras ferrovias, pois toda a infraestrutura da E. F. Rio d’
Ouro já tinha sido erradicada.

217
Jornal O Globo, edição de 30 de setembro de 1979.
218
Paulo Buarque afirmou que foi feito um esforço para que a linha ferroviária que ligava Niterói a São
Gonçalo fosse preservada para evitar que acontecesse o mesmo que a E. F. Rio d’Ouro.
219
Jornal O Globo, edição de 30 de setembro de 1979.
220
Acidente ocorrido em Madureira, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, em 17 de julho de 1975.
76

Por fim, concluímos que a E. F. Rio d’Ouro, conforme explicado anteriormente, foi um
caso singular na história ferroviária brasileira, pois sua origem remontou não do transporte de
mercadorias, mas sim, de auxílio para o abastecimento de água da Corte. Posteriormente, a
ferrovia adquiriu um caráter mais conectado com o setor produtivo, diminuindo distâncias e
transportando mercadorias e pessoas. Contudo, os problemas administrativos, a falta de
investimento, e a concorrência com os leitos ferroviários da linha auxiliar e da linha do centro
da E. F. Central do Brasil, e as linhas da E. F. Leopoldina, minaram sua capacidade de absorção
de usuários, e a manutenção da tração a vapor após a encampação pela E. F. Central do Brasil
só aprofundou sua crise.
Com o golpe civil-militar de 1964, o autoritarismo do regime sustentou uma política
deliberada de erradicações de ferrovias e substituição das mesmas por rodovias. Conforme dito
anteriormente, não foi um ramal específico que foi desativado, e sim, foi toda uma rede
ferroviária desmontada com a argumentação de que a mesma era antieconômica. O papel da
imprensa foi fundamental nesse processo, pois reforçava as condições das ferrovias, e
apresentava a rodovia como novo símbolo do progresso, e solução de todos os problemas. A
possibilidade de substituição da E. F. Rio d’Ouro pela Linha Verde, um auto estrada que ligaria
a Gávea a Via Dutra pelo leito da ferrovia, sinaliza esse processo. Entretanto, a autoestrada só
foi construída parcialmente, e o trecho entre a Pavuna e São Cristóvão acabou sendo substituído
por um metrô pesado, enquanto o trecho entre Pavuna e Belford Roxo foi conectado com a linha
auxiliar, dando origem ao atual ramal de Belford Roxo.
77

Conclusão

Estudar a estrada de ferro Rio d’Ouro e sua desativação é fundamental para entender
como se articulou a dominação rodoviária no estado do Rio de Janeiro, além de auxiliar a
compreender o poder político das empresas de ônibus locais, principalmente na Baixada
Fluminense. Essa dependência do ônibus afeta o cotidiano de populações que vivem distante
dos centros urbanos. Como recorda Eric Hobsbawm221, não há uma forma possível de alterar
os acontecimentos. A ferrovia foi desativada, e atualmente, milhões de pessoas sofrem as
consequências dessa política, que não é pública, pois prioriza o automóvel privado. O resultado
disso são congestionamentos nas principais vias da região metropolitana, e pessoas perdendo
parte de seu dia no deslocamento pendular entre casa e trabalho.
Além de problemas de transporte, a Baixada Fluminense hoje também enfrenta
problemas de abastecimento de água. É uma triste ironia que locais onde no passado existiam
tubulações que abasteciam o centro do Rio de Janeiro hoje tenham problemas de distribuição
de água. Os municípios da Baixada possuem índices de abastecimento inferior a 90% de
atendimento. Considerando que, em 2010, a população local era de 3 milhões e 300 mil pessoas,
há um número significativo de pessoas sem acesso a água pelo sistema público222.
A pesquisa procurou compreender os discursos utilizados para criação de um consenso
que permitiu a erradicação da ferrovia. A E. F. Rio d’Ouro ofertava transporte para regiões
rurais em processo de urbanização e até mesmo parque industriais, como a Bayer e a Fábrica
Nacional de Motores. As articulações dos operários da FNM com o movimento sindicalista
ferroviário ainda é uma lacuna a ser estudada, mas é provável que possa ter havido articulações
devido à proximidade geográfica.
Como vimos, a erradicação das ferrovias foi baseada numa suposta razão técnica
orientada que desconsiderou as populações que utilizavam o mesmo. Por isso, reforçamos que
sua erradicação não pode ser justificada pela falta da demanda, afinal, usuários havia para
utilizá-la. E, embora a ferrovia, naquele momento, estivesse sendo menos usada, isso era fruto
de um funcionamento em condições tão precárias que, aos poucos, fez com que os passageiros
se afastassem. Além disso, o primeiro projeto do metrô do Rio de Janeiro, consta que a linha
troncal dessa estrada de ferro (Belford Roxo x São Cristóvão) seria convertido em metrô, fato

221
HOBSBAWM, Eric. Sobre história: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 140 - 141.
222
BRITTO, Ana Lucia. A gestão do saneamento ambiental: entre o mercado e o direito. In: RIBEIRO, Luiz Césas
de Queiroz (Orgs). Rio de Janeiro: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital / Observatório
das Metrópoles, 2015. p. 484 - 514.
78

consumado apenas em 1998 e somente até o bairro industrial da Pavuna. Ou seja, desde a década
de 1960 há a noção de que a região possui sim demanda para sustentar a criação de um
metropolitano.
Em 1965, o governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, responsável pelo fim
dos bondes na cidade-estado, encomendou o plano Doxiadis, no qual uma das autoestradas a
serem construídas, a Linha Verde, usaria o leito da E. F. Rio d’Ouro entre a Pavuna e Del
Castilho. O rodoviarismo foi implantado em detrimento do ferroviarismo, em um processo no
qual os dois coexistiam de forma competitiva e desigual, pois a indústria automobilística tinha
subsídios, além da existência de um fundo para construção de estradas de rodagem.
Com a hegemonia modelo rodoviarista, consolidou-se um vácuo no sistema de
transporte nas regiões da Baixada Fluminense a partir do município de Belford Roxo, ocupado
por empresas de ônibus, o que explica hoje o predomínio dessas empresas no sistema de
transportes. Como afirma Igor Matela, a hegemonia do modelo rodoviário dominado por
empresas de ônibus no sistema de transportes coletivos na cidade do Rio de Janeiro foi
consolidado a partir da década de 1960. Após essa década, diversas empresas e conglomerados
reforçam seu poder econômico e político com o auxílio do aparelho de Estado, através de
políticas públicas favoráveis. 223
Conforme dito anteriormente, a política de extinção de ramais ferroviários durante a
ditadura civil-militar não se caracterizou por casos isolados, mas sim como uma política
arquitetada pelo Estado para atender interesses das frações de classes dirigentes, em particular
ao capital multinacional representado na indústria automobilística. Na atualidade, observamos
as consequências desse modelo excludente. O problema do transporte público apresentada na
questão é de ordem social urgente. Conforme recorda Virgínia Fontes: “os serviços públicos,
no Brasil, foram historicamente limitados e socialmente seletivos".224 De acordo com a autora,
os serviços públicos no país são truncados, e o mesmo ocorre com as políticas de mobilidade
urbana no país. Por isso, são necessárias, cada vez mais, pesquisas a fim de desvendar as razões
da atual condição dos transportes públicos brasileiros e por quais motivos os mesmos se
caracterizam por dispor de uma mobilidade extremamente excludente.

223
MATELA, Igor Pouchain. A gestão dos transportes: a renovação do pacto rodoviarista. In:RIBEIRO, Luiz
Césas de Queiroz (Orgs). Rio de Janeiro: transformações na Ordem Urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital /
Observatório das Metrópoles, 2015. p. 515 - 543.
224
FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital imperialismo. op. cit. p. 244.
79

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

-Jornais e revistas

O Globo, edição de 26 de outubro de 1882.

Gazeta de Notícias, edição de 15 de janeiro de 1883.

O Tempo, edição de 29 de julho de 1892.

Gazeta de Notícias, edição de 08 de maio de 1907.

Última Hora, edição de 07 de maio de 1952.

Última Hora, edição de 24 de janeiro de 1952.

Última Hora, edição de 17 de maio de 1960.

Correio da Manhã, edição de 03 de agosto de 1961.

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O Globo, edição de 30 de setembro de 1979.

- Vídeos e palestras

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OLIVEIRA, Jair Rêgo de. (Diretor da EFCB). Problemas administrativos da Estrada de Ferro
Central do Brasil. Palestra pronunciada no clube de engenharia em 06 de setembro de 1956.

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