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º 1 DE MARCO DE CANAVESES
ESCOLA SECUNDÁRIA DE MARCO DE CANAVESES
10.º Ano
FILOSOFIA
DISCIPLINA DA COMPONENTE DA FORMAÇÃO GERAL
ENSINO SECUNDÁRIO
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Assim, para além do desenvolvimento de uma conduta/comportamento
consentânea (de acordo) com as mais elementares regras da boa educação e
civismo, todos devem:
- ser assíduos e pontuais, uma vez que, para além de existirem limites de faltas
injustificadas a todas as disciplinas, será útil perceber que, antes de mais, sempre que
um aluno falta a uma aula, mesmo que esta falta seja justificada, está a dar um passo
atrás na sua caminhada para o sucesso, porque, esse aluno, independentemente das
consequências de carácter administrativo e legal (pelo facto de ter ou não justificação
legal para as faltas que contrai), acabará sempre por perder
informação/conhecimento importante acerca das matérias/conteúdos lecionados e,
consequentemente, ver diminuídas as suas capacidades de resposta perante os
desafios (testes, trabalhos, etc.) com que se vai confrontar ao longo do ano, porque, tal
como acontece em todas as áreas ou atividades, sejam elas de caráter mais teórico ou
mais prático, o exercício regular e constante (o treino, as rotinas, os hábitos) das
atividades (associadas, neste caso, ao estudo) assumem um papel decisivo nos
momentos cruciais em que, sejam eles de que espécie forem;
- ser empenhados na realização das tarefas propostas, pois, ao contrário do
que muitos poderão pensar, a avaliação é contínua e global e, portanto, não basta
simplesmente equacionar (fazer o cálculo) da classificação aritmética (média) dos testes
para se decidir/aferir a classificação final, em cada período. Existem, assim, outros
parâmetros que integram o processo de avaliação: a assiduidade, a pontualidade, o
empenho, a participação, o comportamento, a disciplina, a cooperação, a
responsabilidade, a organização, etc., são parâmetros que têm um peso
extremamente importante na apreciação global do trajeto efetuado pelo aluno.
Mas, note-se bem, o aluno deverá dar importância a estes parâmetros ou
fatores não por imposição dos professores e dos Encarregados de Educação,
como se de um favor ou uma obrigação se tratasse, mas por vontade sua (pessoal,
livre e consciente), uma vez que são os seus próprios interesses e o seu próprio
futuro que estão em causa e não os interesses e o futuro dos outros – a velha
máxima: “colhemos o que semeamos”, assume também aqui (no contexto escolar), todo
o sentido, pois, não há dúvida de que tudo ou quase tudo o que fazemos no presente
irá ter consequências no futuro, inevitavelmente…
Concluindo, é não só desejável mas indispensável que todos os alunos, sem
exceção, comecem este novo ano letivo, como já foi dito, por um lado, com entusiasmo,
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otimismo, alegria, boa disposição, motivação, etc., porque sem estas condições
ninguém consegue enfrentar os desafios do quotidiano, mas também, por outro lado,
com rigor, exigência, empenho, respeito pelas regras e sentido de
responsabilidade, pois, só desta forma lhes será possível percorrer e concluir com
sucesso esta etapa tão importante das suas vidas!
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
QUESTÕES:
2. Por que razão e com que finalidade (porquê e para quê) escolhi o Curso no
qual me encontro inscrito?
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UMA VIDA POR EXAMINAR NÃO MERECE SER VIVIDA!
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– Qual destes valores devem nortear as nossas ações: a hipocrisia ou a
sinceridade? A falsidade ou a verdade?
E assim por diante...
Embora as questões filosóficas sejam mais abrangentes e genéricas do que
particulares e individuais, a maior parte das pessoas que se relaciona com a Filosofia
acaba por ganhar uma maior sensibilidade/atenção face a este e a outro género de
questões e muitas delas consideram mesmo que não é possível viver plenamente a
vida sem a examinar, sem refletir sobre o que foram, são e serão, sobre o que
fizeram, fazem e irão fazer e sobre o que a vida significa para elas enquanto seres
autónomos, individuais, com uma personalidade própria e também enquanto seres
sociais, de relações, que vivem em sociedade, uma vez que consideram que, se não
o fizerem, não passarão de meros fantasmas, sem alma, sem rumo, enfim, sem
sentido.
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
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O HOMEM: SER BIOLÓGICO E SER RACIONAL
(DOGMATISMO E ANTIDOGMATISMO)
Assim, podemos afirmar que o homem, por razões naturais ou biológicas, situa-
se, numa primeira dimensão (dimensão biológica), ao nível dos restantes seres vivos e
que numa segunda dimensão (dimensão racional) ascende (sobe) a um patamar
superior, sendo que, nesta (dimensão racional) encontramos dois níveis – o nível do
vivido e o nível do pensado:
- no NÍVEL DO VIVIDO, o homem realiza, de um modo mais imediato, mais
básico, uma apreensão (conhecimento) simples e espontânea da realidade, a qual se
traduz num conhecimento empírico, que resulta das simples experiências que vamos
tendo imediata e espontaneamente através dos sentidos – por exemplo: se me
queimar no lume, fico a saber que o lume queima. Pela experiência aprendo, sem fazer
grandes juízos críticos, que o lume queima, mas não procuro saber, não reflito
aprofundadamente porque será que ele queima, pois, bastou-me a experiência). Este
tipo de saber tem a ver com um saber-fazer, um saber prático resultante de uma
aprendizagem feita através do hábito, da repetição de gestos (rotina), da prática, da
experiência. Assim, o ser humano dispõe de um vasto leque de saberes e crenças de
caráter prático, saberes de origem popular, que se afirmam ou fundam nos hábitos, nas
tradições, nos provérbios, nas lendas, etc., e que vão sendo transmitidos de geração em
geração, sendo assimilados espontaneamente, isto é, sem serem submetidos a uma
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reflexão profunda ou análise crítica propriamente dita – a este tipo de saber chamamos
senso comum.
- no NÍVEL DO PENSADO, verifica-se um questionamento mais profundo do
nível do simplesmente vivido, através de uma reflexão crítica mais rigorosa
precisamente acerca de muitas crenças que nos chegaram precisamente pela via do
senso comum e que julgávamos ser conhecimentos certos e absolutos, não as pondo,
portanto, em causa (a este tipo de crenças que não colocámos em causa e aceitamos
sem reservas chamamos dogmas e, consequentemente a este tipo de atitude de
ausência de questionamento e crítica chamamos dogmatismo). Ora, é precisamente
aqui, neste ponto em que passamos a desenvolver uma atividade reflexiva (resultante
de um pensamento mais profundo e mais rigoroso) sobre aquilo que é vivido
espontaneamente e, por conseguinte, passa a construir ou a formular juízos e
apreciações críticas sobre os mais variados aspetos da vida e do mundo, que
adotamos uma atitude que chamamos antidogmática (uma vez que põe em causa as
tais crenças às quais chamámos dogmas) – neste nível de conhecimento mais
complexo, o homem lança-se numa procura consciente e intencional de um sentido
para as suas vivências/experiências, colocando questões e procurando respostas,
isto é, através da atividade do pensamento, vai para além das simples experiências
vividas, espontâneas e imediatas do dia-a-dia (senso comum) e ascende a
patamares mais elevados de racionalidade.
Foi precisamente através desta atitude, que se caracteriza por uma
intensificação da atividade intelectual, em que o homem, através de novas formas
de lidar com o mundo e consigo mesmo e de passar a interpretar, explicar e dar
um sentido a tudo o que achava digno da sua atenção, curiosidade, perplexidade,
começou a distanciar-se das demais espécies e a tornar-se num ser racional, que
surgiu, natural e espontaneamente, a atividade filosófica.
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
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ORIGEM OU RAÍZ DO TERMO FILOSOFIA
(DEFINIÇÃO ETIMOLÓGICA)
Aristóteles
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
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FILOSOFIA E FILOSOFAR
(ABORDAGEM INTRODUTÓRIA À FILOSOFIA E AO FILOSOFAR)
Fazer alguma coisa, seja o que for, sem se saber qual a razão e a intenção – o
por quê e o para quê (?) – é, no mínimo, uma inconsciência e, no limite, um absurdo,
pois, tudo o que o ser humano faz ou se propõe fazer tem que ter um nexo, uma razão
e uma explicação lógica, racional, através da identificação dos motivos e das
intenções que estão por detrás das nossas decisões, para os nossos atos, os quais
devem ser, precisamente, consequência de algo que implicou sempre alguma
ponderação/reflexão.
Pegando novamente na reflexão que fizemos sobre as razões que nos levaram a
continuar, enquanto alunos, na escola e sobre os objetivos que nos levaram a escolher
determinado Curso em detrimento (desfavor) de outros (porquê e para quê? Com que
intenções? Com que objetivos? Em função de que projetos, de que planos, de que
sonhos?), só que agora mais como pretexto para explicitar a atividade filosófica, valerá
a pena insistir nas perguntas: quando chegou o momento de nos inscrevermos no
Curso em que estamos, pensámos, ponderámos, avaliámos, refletimos sobre se
era realmente o curso que queríamos seguir? Será que essa decisão/ato foi
fruto/consequência de uma reflexão (ponderação), séria e honesta, que teve em
linha de consideração questões tais como: este é o Curso que melhor
corresponde às minhas reais capacidades/aptidões/gostos em termos
vocacionais? O que é que eu vou poder fazer com este Curso? Quais as
vantagens que este Curso me poderá trazer no futuro?
Para podermos responder a estas questões e a tantas outras, é necessário
colocarmos em ação as nossas capacidades de reflexão, sem termos medo de as
aprofundar, pois, como já tivemos oportunidade de debater, só vive a vida com
sentido quem tem a coragem de levantar e enfrentar questões, por mais
incómodas que elas sejam, uma vez que elas são determinantes no processo de
definição do rumo de cada um e que mais ninguém pode escolher, uma vez que, mesmo
vivendo coletivamente, há decisões que não podemos transferir para outros, uma vez
que são só nossas, assim como serão também recairão apenas (ou principalmente)
sobre nós as consequências diretas dessas mesmas decisões!
Ora, é precisamente aqui, neste ponto, a propósito da coragem que está
associada ao ato de refletir e de levantar questões, que entra uma outra questão, a
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qual pode ser formulada da seguinte maneira: qual a razão e o sentido da existência
da Filosofia enquanto disciplina de FORMAÇÃO GERAL que faz parte de todos os
cursos do Ensino Secundário em Portugal? A resposta só pode ser encontrada
depois de compreendermos a diferença e, ao mesmo tempo, a ligação (relação) que
existe entre Filosofia e filosofar.
Numa primeira abordagem, poderíamos dizer que a Filosofia, que nasceu na
Grécia antiga, é, hoje, no nosso país e em muitos outros, uma disciplina que faz parte do
currículo de todos os cursos do Ensino Secundário e também do currículo de vários
cursos do Ensino Superior Universitário, e que o filosofar é, essencialmente, um ato
espontâneo, natural que deriva desta capacidade extraordinária e exclusiva do ser
humano – a capacidade de pensar!
Assim, numa primeira análise, em termos de crescimento interior, deveríamos
atribuir mais importância ao ato de filosofar, que é o exercício da reflexão propriamente
dito, o “pensamento em movimento ou em ação, do que propriamente à Filosofia, que é
uma disciplina de estudo que tem mais a ver com o ensino/aprendizagem de conteúdos
específicos (que integram um Programa), dos quais constam, entre outras
matérias/informações, datas, nomes de filósofos e correspondentes ideias, teorias
ou perspetivas, as quais, por sua vez, deram origem às chamadas “correntes
filosóficas”.
O filosofar é aquele ato pelo qual todo o ser humano vai ganhando
crescente consciência de si mesmo, dos outros e do mundo, através de um
exercício reflexivo e crítico espontâneo, que pode e deve ser desenvolvido por
todos aqueles que, movidos por uma natural propensão/tendência para saber
sempre mais, aceitam honestamente o desafio de pensar por si próprios, sem
limites ou condicionamentos de qualquer espécie, interrogando-se profundamente
acerca das coisas/acontecimentos/fenómenos para tentar compreendê-los,
explicá-los e lhes atribuir um sentido.
Pelo exposto, não há dúvida de que existe uma diferença clara entre Filosofia e
filosofar, mas, atenção: como o exercício do filosofar não equivale a um pensar
mesquinho, ingénuo, vulgar e superficial, sendo, pelo contrário, um pensar sério,
rigoroso, exigente, profundo, a disciplina de Filosofia, com os seus conteúdos, com a
sua informação, com o seu método e com os seus instrumentos de trabalho,
apetrecha-nos (capacita-nos) para o próprio filosofar com mais qualidade, rigor e
profundidade, uma vez que aquela se constitui numa atividade reflexiva, crítica e
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conceptual, através de um discurso argumentativo bem estruturado e coerente (sem
contradições) – daí a importância da Filosofia enquanto instrumento de
aperfeiçoamento e aprofundamento do pensamento e do discurso, o que acaba por
ligá-la ao filosofar (atividade intelectual desenvolvida por parte daqueles que, amando o
saber, se empenham incessantemente na procura da verdade acerca das coisas).
Passa-se, assim, do filosofar espontâneo (natural), para o filosofar sistemático
(organizado, mais rigoroso, mais exigente).
A filosofia é, pois, uma atividade reflexiva, crítica e conceptual.
Ao dizermos que a filosofia é uma atividade reflexiva e crítica, estamos a dizer
que esta se dedica ao exame cuidadoso daquilo que nos foi sendo transmitido pelo
senso comum e examina algumas das noções que no dia-a-dia tomamos por certas
(porque nelas acreditamos), pondo-as em questão, através do exercício reflexivo e
crítico, através de uma atitude antidogmática que questiona, que examina, que
discute, de forma cuidadosa, rigorosa e racional, as crenças (que herdámos,
precisamente, do senso comum) que possuímos e o mundo em que vivemos.
Já ao dizermos que a filosofia é uma atividade conceptual, estamos a dizer que
esta se serve do pensamento e do raciocínio, os quais, forçosamente, para se
exercerem/desenvolverem, envolvem conceitos, que são ideias, noções ou
representações mentais (já que são instrumentos básicos do pensamento e do
discurso).
Como o exercício do pensar é, em si, um exercício autónomo e
intransmissível, isto é, algo que não se não pode impor a ninguém nem fazê-lo por
ninguém, pois ninguém pode pensar por ninguém (cada um pensa por si próprio),
caberá ao professor de Filosofia o papel de facilitador desta prática, não apenas
evitando que o aluno se sinta perdido e desorientado nos “caminhos desconhecidos
da autonomia e da liberdade de pensamento”, mas também proporcionando-lhe um
ambiente que o possa levar a afirmar-se como pessoa com ideias e pontos de vista
seus, que pensa pela sua cabeça, que não tem medo de assumir os riscos e as
responsabilidades de pensar por si próprio, dando-lhe condições que lhe permitam
pôr em ação as suas capacidades reflexivas e críticas.
Ao aluno caberá, por seu lado, aproveitar esta oportunidade, através de um
esforço que ninguém pode fazer por ele, de alcançar níveis de desenvolvimento
(pessoal, social, intelectual, cultural, etc.) que lhe permitam refletir com maturidade
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sobre si próprio e sobre tudo o que o rodeia – sempre através de uma atitude
questionadora e crítica (pensar pela sua própria cabeça, ou seja, filosofar).
Filosofar é então, o exercício de uma atividade mental
(pensamento/reflexão), através do qual levantamos questões/perguntas com o
propósito de descobrirmos/captarmos o sentido de tudo o que achamos digno da nossa
atenção (abordagem reflexiva e crítica da vida e do mundo).
Concluindo, esta atitude de pensarmos por nós próprios, de nos afirmarmos
inteiramente como pessoas, dotadas de inteligência, poder de reflexão, espírito
crítico, formando, assim, ideias próprias, sem condicionamentos, limites ou
imposições, permite-nos afirmar que filosofar é CRESCER LIVREMENTE!
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
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REFLETIR + PERGUNTAR = FILOSOFAR
A nossa sociedade valoriza cada vez mais aquilo que é material (materialismo) e
procura submeter tudo a critérios de utilidade (utilitarismo) como se tudo na vida se
resumisse a uma espécie de mercadoria que se pode adquirir, consumir, descartar…
Assim, perguntar constantemente para que serve isto ou aquilo é um vício ou
uma mania que se instalou de tal modo na nossa sociedade materialista e consumista
que há quem já não valorize as pessoas por aquilo que são (riqueza interior) mas por
aquilo que têm (riqueza exterior), deixando-se levar pelas aparências (que, muitas
vezes, não passam de mera fachada, ilusão e falsidade), pelo exibicionismo, pela
ostentação – é o momento em que o ter se sobrepõe ao ser, lamentavelmente...
Mas, seja como for, convém lembrar que o homem não é só matéria, não é só
um indivíduo que tem a capacidade de ter coisas, de ostentá-las e de consumi-las;
é também espírito ou alma, personalidade, paixão, emoção, afeto, sensibilidade,
pensamento, reflexão – tem um lado imaterial (interior) que também precisa de ser
“alimentado” – e tanto assim é que há “doenças do espírito” (mentais, neurológicas,
psicológicas, que se manifestam através de perturbações, depressões, angústias, crises
existenciais, etc.), independentemente do seu estatuto económico, social e cultural.
O homem é, portanto, um todo – espírito e matéria, alma e corpo – e, como tal,
há problemas e questões que se lhe colocam que o incomodam ou preocupam
precisamente porque ele tem essa capacidade interior de pensar, de se intrigar e de
se questionar (por exemplo, sobre problemas e questões que se prendem com a
origem, com o sentido e o fim da sua vida, com o seu passado, presente e futuro, aos
quais sempre procurou dar uma resposta).
Tal como se passava com os gregos da antiguidade, segundo os quais as
perguntas são uma via privilegiada para alcançar o conhecimento – temos como
exemplo máximo, Sócrates, cidadão ateniense e o primeiro filósofo da história digno
desse nome, que percorria as ruas de Atenas, perguntando: “O que é o amor?”, “O que
é a beleza?”, “O que é a verdade?”, “O que é a justiça?”, “O que é a virtude?”, “O que é
a vida?”, “O que é a morte?”, etc., através de uma dinâmica muito própria, cuja
estratégia de diálogo era de tal forma bem conduzida que acabava por levar os seus
interlocutores, pessoas com quem dialogava, nomeadamente os vaidosos sofistas,
mestres da retórica, a questionarem-se sobre as “certezas” (“verdades feitas”) que
julgavam possuir – também hoje, os filósofos valorizam mais o ato de perguntar do
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que a resposta pronta, uma vez que é a partir da pergunta que nos encaminhamos
para resposta, como uma espécie de “clique” que desencadeia tudo o resto. O “O quê”
e o “Porquê” são as formulações mais importantes da filosofia – daí podermos afirmar
com toda a pertinência que, na atividade filosófica, as perguntas são mais
“importantes” que as respostas.
É certo que o homem tem evoluído muito em termos de conhecimento técnico-
científico, mas, mesmo assim, apesar do progresso, há questões que se mantêm sem
uma resposta clara e definitiva e que, portanto, continuam a ser alvo da sua
reflexão e perplexidade.
Por exemplo:
− Qual é a origem do homem (de onde veio e como)?
− Será o homem resultado de uma criação intencional de alguém ou mero fruto
do acaso?
− Se é obra de alguém, com que intenção ou para que fim foi criado – por quê e
para quê lhe foi dada a possibilidade de existir? Se não é, se existe por mero acaso,
como foi possível o seu aparecimento?
− O que fazemos, afinal, nesta vida e neste mundo? Qual a nossa função?
– Será que a nossa vida obedece a um plano pré-determinado
(determinismo/destino traçado) ou não passa de um mero acontecimento passageiro em
que se nasce, se vive e se morre pura e simplesmente (acaso)?
− Terá a vida sentido (nexo) ou não (absurdo)?
− Haverá outra vida para além desta? Houve já alguma antes desta? Ou, afinal,
será esta a única vida de que dispomos?
− Como foi possível ao ser humano “superiorizar-se” relativamente aos outros
animais (em termos de inteligência/linguagem/conhecimento, etc.)?
– Quais as maiores diferenças existentes entre o ser humano e os restantes
animais?
− Como surgiu em nós a capacidade de pensar e de falar?
− O que é o conhecimento ou o que é o conhecer?
− Como se processa ou forma o nosso conhecimento?
− Que tipos de conhecimento existem e qual ou quais são os mais fiáveis
(verdadeiros)?
− Será que há formas de raciocínio iguais para todos ou cada um tem uma
forma própria de pensar e de conhecer (pensamento lógico)?
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− Porque é que valorizamos mais certos aspetos da nossa vida do que outros (o
que é que nos leva a estarmos de acordo ou em desacordo em relação a determinados
princípios, valores e normas morais que regem a nossa ação/conduta/comportamento)?
− O que é que há em cada um de nós que nos torna diferentes uns dos outros
(mesmo entre os irmãos gémeos) em termos de personalidade, de carácter, de feitio, de
temperamento, de ideias, de gostos, de vocação, etc.?
− Será que a humanidade caminha para a continuidade ou para a destruição?
− Será que da maneira que estamos a proceder, por exemplo, no que diz
respeito ao uso e abuso das tecnologias de informação e comunicação (redes sociais,
teletrabalho, etc.), poderemos falar em “progresso da humanidade” e,
consequentemente, em aumento dos níveis de felicidade e bem-estar (melhoria da
qualidade de vida individual e coletiva)?
Estas são, pois, apenas algumas das muitas questões que, numa ou noutra altura
da existência, emergem na maior parte dos espíritos humanos e os deixam inquietos…
Concluindo, perguntar, inquietar-se, angustiar-se, preocupar-se, espantar-se,
maravilhar-se é próprio daqueles que pensam, que desenvolvem uma atividade
reflexiva intensa, que não se acomodam às respostas já dadas ou às ideias feitas,
que teimam em encontrar, por si próprios, um sentido para a vida, através do
exercício dessa capacidade natural e espontânea, que se designa por filosofar.
Não filosofar, isto é, não refletir, não criticar é aceitar ser-se um boneco, um
fantoche ou uma marioneta nas mãos daqueles que querem manipular-nos de acordo
com os seus interesses obscuros, submeter-nos às suas ideias fixas, sujeitar-nos aos
seus caprichos pessoais, subjugar-nos à sua vontade de poder, e, enfim, manter-nos na
mais profunda das ignorâncias.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
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SENTIDO E UTILIDADE DA FILOSOFIA
AUTONOMIA DO PENSAR, REFLEXÃO CRÍTICA E FORMAÇÃO PESSOAL E SOCIAL
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individualistas, egoístas, nacionalistas e etnocêntricas que acabam sempre por, mais
tarde ou mais cedo, descambar em violência verbal e física, discriminação, racismo,
xenofobia, homofobia, etc. (típicas de uma mentalidade primária, fechada, limitada,
rígida e retrógrada).
Por conseguinte, a Filosofia não substitui nenhuma área específica da ação
humana mas é uma atividade reflexiva e crítica através da qual podemos colocar
questões com vista a obtermos uma consciência mais nítida sobre os caminhos já
percorridos e sobre aqueles que ainda temos que percorrer. Nessa medida,
podemos atrever-nos a dizer que os filósofos são a “consciência do mundo”, uma
vez que nos fazem parar para pensar sobre o rumo/direção/sentido que estamos a
dar à nossa existência e ao nosso planeta, obrigando-nos a encarar os problemas
de frente e, por conseguinte, mostrando-nos o que realmente está por detrás de
uma realidade cada vez mais “turva”, cada vez mais ilusória e cada vez mais
construída, através do exercício requintado e subtil da demagogia e do populismo,
como formas encapotadas de manipulação e de chantagem, por aqueles que têm
os seus interesses instalados e deles não querem abdicar.
Assim, quando se diz que a filosofia é uma atividade crítica, o que faz dela um
grande incómodo para muitos, está-se a dizer que esta não é dogmática, ou seja, que
não se baseia em dogmas (um dogma é uma doutrina ou um sistema de
ideias/preceitos cuja verdade é tomada por garantida e que não pode ser posta em
causa ou questionada – as religiões e certas ideologias, por exemplo, têm dogmas) e
que, pelo contrário, somos livres para colocar em questão toda e qualquer doutrina
ou perspetiva. Para a maior parte dos filósofos, essa liberdade é importante porque o
objetivo é descobrir e mostrar a verdade.
No entanto, mesmo sendo sinónimo de liberdade, a reflexão e a crítica
filosóficas, exigem um uso responsável destes mecanismos ou processos de busca
da verdade – quando se critica uma doutrina ou perspetiva há que fazê-lo apresentando
boas razões para as criticarmos e não as rejeitarmos “só porque sim!”
A este uso responsável da liberdade crítica está associada uma outra
“utilidade” à Filosofia: o seu valor formativo – uma vez que esta é uma disciplina que
visa ajudar as pessoas não apenas a refletir, a problematizar e a relacionar melhor os
diversos aspetos da realidade/vida, mas também a serem mais sensíveis aos
problemas, circunstâncias e condições de vida dos outros (dignidade).
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Vivemos num mundo em que se torna cada vez mais urgente que as pessoas
reflitam sobre esta necessidade imperiosa, mas cada vez mais esquecida, de nos
afirmarmos como seres verdadeiramente humanos, bem formados, bem-educados,
civilizados, pacíficos, sociáveis (educação, respeito, compreensão, solidariedade) e
não como “inimigos” que constantemente se “digladiam” por tudo e por nada, como se
a vida fosse uma guerra, que é preciso vencer a qualquer custo, sem olhar a meios
para atingir fins…
De que me servirá, por exemplo, ser um advogado muito conceituado se me
faltar sensibilidade, honestidade e compreensão e na forma como lido com as
pessoas, sejam elas ricas, pobres ou remediadas?
E de que me servirá, para citar outro exemplo, ser um professor muito erudito
(muito “culto”) se não souber tratar os alunos com educação, respeito e
consideração?
Assim, qualquer indivíduo, seja ele advogado, professor, médico, arquiteto,
gestor, empresário, ator, cantor, futebolista, mecânico, agricultor, etc., necessita, para
além do saber específico que detém para poder desempenhar a sua profissão/atividade,
de uma formação geral que o habilite a ser um cidadão responsável, consoante a
circunstância e o papel que tiver na família, no trabalho e na sociedade a que pertencer.
Ora, é precisamente pela degradação crescente a que o ser humano se vem
expondo, em termos de formação pessoal e social, que o valor formativo da Filosofia
se tornou numa necessidade imperiosa, na medida em que proporciona a cada ser
humano o desenvolvimento de uma visão (atitude crítica) cujo horizonte mental
(abertura de espírito) vai muito para além daquele que o sistema educativo tradicional
(status quo) oferece.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÃO:
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ESPANTO, CURIOSIDADE E PERPLEXIDADE…
O Universo é algo que desde muito cedo espantou e deixou perplexos os seres
humanos... Aliás, ainda hoje colocamos questões (as chamadas “eternas questões”)
acerca da sua origem (de onde viemos), da sua evolução, da sua dimensão
existencial (quem somos) e até mesmo do seu fim (para onde vamos).
A Natureza, com os seus fenómenos, regulares e irregulares (as estações do
ano, a sucessão dos dias e das noites, os vulcões, os tsunamis, as tempestades, etc.),
para além de assustados, sobressaltados e preocupados, também os deixou
espantados, curiosos e perplexos…
Os animais, perfeitamente integrados nessa natureza, também exercem sobre
nós um fascínio enorme (basta constatar o interesse com que acompanhamos as séries
televisivas ou os vídeos publicados na internet que nos mostram o maravilhoso reino
animal).
E o Homem? Isto é, nós próprios: não seremos os mais intrigantes de todos
os animais?! Os mais misteriosos?! Os mais enigmáticos?! Os mais espantosos?!
Os mais complexos?!
É que, não basta apenas colocar e tentar responder à questão: como surgiu o
Homem? Essa questão é muito interessante, mas, com o devido respeito por todos
aqueles que se debruçam sobre ela, mais interessante será uma outra:
Como foi (ou como teria sido) que o Homem conseguiu diferenciar-se dos
restantes animais? Ou, se quisermos, o que teria determinado essa diferenciação e
lhe permitiu seguir um caminho completamente diferente, quase oposto, ao das
restantes espécies? Como foi isso possível?
As respostas são várias, mas praticamente todas elas assentam em tentativas
explicativas que, embora sendo muito válidas, mesmo em termos científicos, não
passam de meras suposições teóricas, não nos oferecendo, por isso, certezas…
Assim, e dadas estas dificuldades, talvez seja mais razoável colocar uma outra
questão, que decorre da anterior, mas que acaba por ser mais objetiva, que é a
seguinte:
O que distingue, afinal, o Homem dos restantes seres vivos?
Ora, é precisamente aqui que se situa o nosso ponto de partida, em termos de
reflexão filosófica, no sentido de conseguirmos identificar alguns aspetos
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(dimensões) que são exclusivos dos seres humanos e que, precisamente por isso, os
distinguem dos restantes seres vivos que com ele partilham o planeta…
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
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ORIGEM DO PENSAMENTO RACIONAL
(O MITO – PERÍODO COSMOGÓNICO)
O MITO
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Dito de outro modo, o mito conta como, graças às ações primordiais/originais
dos seres sobrenaturais (deuses), surgiu o cosmos (mundo ordenado), uma ilha, um
comportamento humano, etc.
O mito aparece sempre como uma narrativa de uma “criação”: conta como
qualquer facto/coisa/fenómeno foi produzido, ou seja, como começou a ser…
Estas narrativas são consideradas sagradas na medida em que os personagens
que nelas intervêm não são seres humanos, mas deuses ou semideuses. São
sagradas também pelo facto de revelarem um mistério, ou seja, de desvendarem aos
homens ações sobrenaturais que originaram as coisas. Consideram-se sagradas
ainda porque as ações se reportam a acontecimentos ou a factos ocorridos pela
primeira vez num “tempo originário” e “puro”.
Em suma, o seu carácter sagrado deriva do facto de descreverem atos que se
situam muito para além das possibilidades humanas, como é o caso dos atos de
criação ou de origem.
“…Zeus luta pela soberania/poder contra Tífon, dragão de mil vozes, força de confusão
e de desordem. Zeus mata o monstro, cujo cadáver dá nascimento aos ventos que
sopram no espaço, separando o céu e a terra, dando ordem a tudo.”
Como vemos, o cosmos surge a partir da vitória de uma divindade sobre uma
entidade oposta, interessada no caos (desorganização/desordem).
Esta luta constitui-se como o aspeto mais característico da grande maioria dos
mitos. De uma maneira geral, os mitos descrevem um drama/luta cujo centro é a
tensão entre duas forças antagónicas/contrárias que pugnam/lutam pela
supremacia/poder sobre todas as coisas.
Deuses e monstros, heróis e seus adversários, são, no fundo, personagens que
simbolizam o dualismo antagónico (oposto/contrário) ordem/desordem;
cosmos/caos; bem/mal.
Se o mito que acabámos de referir conta como o universo surgiu, outros
relatam o aparecimento de aspetos particulares da natureza e da vida, como, por
exemplo, os mitos gregos de Prometeu (ligado à origem do fogo, como resultado da
desobediência humana) e de Pandora (que mostra a origem de uma série de males
e de doenças que passaram a afetar a humanidade, como resultado da curiosidade
24
e também da desobediência humanas), o que comprova que existia nos mitos uma
incontestável função explicativa.
A sucessão dos dias e das noites, a chuva, a seca, os relâmpagos, o trajeto solar,
as estrelas no céu, o curso ou corrente dos rios, a reprodução, a doença, a morte, etc.,
são exemplos de fenómenos/acontecimentos que impressionaram/espantaram o
homem de então. Incapaz de lhes escapar, impotente para os dominar, sente-se
intrigado, perplexo, assustado e, consequentemente, inseguro com a origem e
natureza destes e de outros fenómenos/acontecimentos que o transcendem ou
ultrapassam…
Ora, precisamente, estes sentimentos inquietantes são como que
atenuados/diminuídos através dos mitos, pois, estes, ao fornecerem ao homem uma
“explicação” para os fenómenos/acontecimentos de que se acabou de dar alguns
exemplos, acabam por acalmar o seu espírito inquieto e sobressaltado, dando-lhe
uma maior sensação de segurança e de confiança tanto em relação a tudo o que o
rodeia como em relação a si próprio.
A ideia de entidades (deuses) superiores e sobrenaturais capazes de originar
todas as coisas, de senhores das trevas e da luz, do bem e do mal, autores do homem e
do mundo e controladores eficientes do seu destino, clarifica/esclarece/explica, de
certo modo, a ocorrência de fenómenos até aí misteriosos, até aí demasiado ocultos
e demasiado complexos para serem entendidos pela razão humana/conhecimento
racional, ainda muito limitado.
Claro que estas explicações de carácter sobrenatural parecem-nos, hoje em
dia, demasiado ingénuas ou infantis, se as compararmos com as explicações de
carácter científico da atualidade, mas, para o homem de mentalidade mítica,
constituíram respostas suficientemente capazes de o satisfazer e de lhe permitir
orientar-se no contacto com a realidade.
Atraso? Ingenuidade? Ignorância? Decerto... Contudo, a criação de mitos
prova que a mentalidade humana, mesmo em fase dita “primitiva”, recusa a ideia de
que os fenómenos aconteçam ao acaso e sem algo que os produza ou determine a
sua ocorrência, o que revela já um esforço de raciocínio lógico, ainda que não
fundamentado em explicações racionais tais como as concebemos nos nossos dias.
Para além de tentarem explicar/desvendar (à sua maneira) aspetos da
realidade inacessíveis às capacidades da compreensão humana, os mitos
desempenham também uma importante função normativa, na medida em que ditam
25
aos homens um conjunto de normas gerais de ação/comportamento (com as
respetivas benesses e castigos impostos pelas divindades), as quais acabam por se
revestir de um carácter didático/educativo. Apresentando aos homens os atos que
deve seguir e os atos que deve evitar, os mitos (através das suas histórias, lendas e
narrativas com um conteúdo moral) fazem com que aqueles acabem por descobrir
nestes alguns princípios orientadores da sua conduta, uma vez que muitos dos
seus relatos ou histórias constituem sérios modelos de conduta a observar e a
seguir – ser como são os deuses, conduzir-se como eles se conduzem, eis o
grande projeto existencial do homem mítico.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
26
DO MITO À RAZÃO
(RUTURA OU CONTINUIDADE?)
“O mérito dos gregos não pode ser interpretado em termos de milagre, como se
repentinamente o espírito grego irrompesse e começasse a funcionar em pleno,
entrando bruscamente em rutura com tudo o que havia para trás.
A arrancada e a marcha do pensamento racional só foi possível devido a fatores
ou condições objetivas, de que podemos destacar as boas condições geográficas, o
27
clima de paz e prosperidade económica e o ambiente/regime social e político
(democracia) em que se vivia nas cidades (“polis”) gregas.
Não é, pois, fácil traçar a fronteira temporal do momento em que surge o
pensamento racional, mas uma coisa podemos dizer: a intuição mítica e o pensamento
racional não existiram absolutamente separados; durante os primeiros tempos o mito
exerceu supremacia sobre a razão e durante os tempos posteriores foi a razão que
passou a exercer supremacia sobre o mito, mas, na verdade, nunca se excluíram
completamente um ao outro.
A partir deste ponto de vista, devemos encarar a história da filosofia grega como
um processo de progressiva/crescente libertação da racionalidade humana face à
conceção «religiosa» do mundo implícita nos mitos.”
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÃO:
28
OS PRIMEIROS PENSADORES
(PRÉ-SOCRÁTICOS – PERÍODO COSMOLÓGICO)
Os primeiros pensadores não se sentiram atraídos pelo homem em si, mas pela
diversidade do mundo exterior, no qual notam mudanças e regularidades
constantes: há frio e há calor; há dia e há noite; há gelo e há vapor; há vida e há
morte...
Perante estas e outras constatações interrogam-se:
- O que é a natureza?
- Qual o princípio originário de todas as coisas?
- O que é que permanece na mudança?
As respostas a estas questões, fornecidas pelas explicações poéticas e
mitológicas existentes, já não satisfazem totalmente estes pensadores, os quais
procuram explicações baseadas no pensamento racional, fundamento do
pensamento filosófico que, entretanto, vai timidamente emergindo.
É na perspetiva de encontrar o primeiro elemento responsável pelo
aparecimento de tudo, o elemento primordial, o princípio explicativo do cosmos,
que se situam os primeiros filósofos/pensadores que, por volta do séc. VI a. C., nas
cidades helénicas (gregas) da Ásia Menor, abrem caminho à especulação filosófica
(ato de, por meio de uma atitude reflexiva, levantar perguntas e de dar respostas, no
plano teórico, a essas mesmas perguntas).
Tales e Anaxímenes, primeiros pensadores que atingiram alguma notoriedade,
preocupam-se com a explicação do mundo que lhes é revelado pelos sentidos, isto é,
sem porem em causa a existência real desse mundo e aceitando-o tal como este se lhes
apresenta aos seus olhos, refletem sobre a sua origem, levantam questões e
procuram encontrar respostas plausíveis, aceitáveis, pertinentes e racionais para
essas perguntas.
Podemos, assim, afirmar que a sua perspetiva é cosmológica porque meditam
sobre aquilo que existe à sua volta, ou seja, sobre o cosmos (mundo ou universo
ordenado/com ordem) e não colocam ainda qualquer questão sobre o homem em si
mesmo.
29
Tales de Mileto, considerado um dos sete sábios da Grécia (pela variedade de
temas a que se dedicou – astronomia, engenharia, matemática, política, finanças, etc.),
embora ainda revele nas suas especulações/reflexões/teorias alguma
mistura/confusão entre a mentalidade mítica e o pensamento racional, característica
da “filosofia” grega daquele tempo, já denotava uma atitude diferente no que diz respeito
à forma como procurava responder às questões colocadas acerca da origem das coisas,
chegando mesmo a prever, com quase quinhentos anos de antecedência e apenas
através de cálculos matemáticos, a ocorrência de um eclipse do Sol.
Não chegaram até nós quaisquer escritos deste pensador, pelo que o
conhecimento da sua doutrina filosófica se deve, sobretudo a Aristóteles (discípulo de
Platão e um dos maiores filósofos da antiguidade), que afirma o seguinte: “Tales dizia
que o princípio de tudo é a água, que a terra está sobre a água, que esta se encontra
em tudo o que possui vida e que, portanto, o princípio de tudo é a água.”
Como vemos, já não se trata de encontrar uma explicação mítica para a origem
do universo; antes se nota a preocupação de descobrir a substância (o suporte, o que
sustenta) ou o primeiro elemento subjacente (que está na base, na origem) à
natureza na sua totalidade.
Se bem que a água, como elemento físico, natural, seja um princípio explicativo
das coisas que, de certo modo, rompe com as narrativas míticas, é de admitir que este
princípio tenha sido sugerido a Tales pelas cosmogonias egípcias (narrativas míticas
acerca da origem e funcionamento do cosmos/universo) ou ainda pela leitura dos
poemas homéricos (do escritor e poeta grego Homero), os quais são, também, de
inspiração mitológica.
Quanto a Anaxímenes, que, como já foi dito, também se preocupou com a
origem das coisas, considera ser o ar o elemento primordial, ou seja, o primeiro
princípio responsável pelo aparecimento de tudo.
Para este pensador, o ar é tão necessário como a água, sendo, contudo, de
natureza mais subtil, mais leve. Assim, mediante processos de condensação,
dilatação, evaporação e outros, é o ar que origina todas coisas…
Depois de Tales e Anaxímenes o pensamento grego prosseguiu a sua marcha;
Heraclito, Pitágoras, Zenão, Empédocles e Anaxágoras, entre outros, dão
continuidade à demanda (busca) filosófica do princípio fundamental de que todas as
coisas provêm.
30
O pensamento reflexivo destes homens (pensadores), que são, sobretudo,
fisiólogos, cosmólogos ou filósofos naturalistas (porque procuram explicar a
origem da natureza através da própria natureza e dos seus elementos
constituintes), é ainda, nalguns aspetos, uma herança da forma de abordagem sobre a
origem do mundo e dos fenómenos naturais que, no fundo, entroncava nos deuses,
ou seja, numa cosmogonia (conjunto de narrativas e lendas míticas acerca da origem
do cosmos/universo/mundo), a qual, aos poucos, passou a constituir-se numa
cosmologia (tentativa explicativa da origem do mundo, da natureza e de todas as
coisas de uma forma lógica e racional, sem recurso absoluto aos mitos), passando-se,
desta forma, do período cosmogónico para o período cosmológico.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
31
RETÓRICA e RELATIVISMO
(OS SOFISTAS – PERÍODO ANTROPOLÓGICO)
32
Aos pensadores anteriores interessaram as questões relacionadas com o
cosmos, com o mundo e com a natureza; aos que agora se seguem interessa o
próprio homem (como centro de toda a reflexão). Passa-se, assim, do período
cosmológico (cosmos) para o período antropológico (homem).
De facto, a reflexão sobre o homem não tinha sido ainda aprofundada pelos
pensadores precedentes... Disto se apercebem os pensadores desta época, em especial
aqueles a quem se passou a chamar Sofistas, os quais, mais do que refletir e
levantar questões (especulação filosófica), se voltam para a formação prática do
homem como cidadão e como político.
Os Sofistas eram uma espécie de “professores itinerantes” que deambulavam de
cidade em cidade com o objetivo de, mediante uma remuneração, proporcionar aos
jovens cidadãos (de famílias abastadas/ricas), desejosos de alargar o seu horizonte
intelectual, uma aprendizagem eficiente no sentido de os habilitar para o ingresso
na vida pública. Ensinando moral, política, economia e retórica, ganham dinheiro e
alcançam notável êxito social.
A sua pedagogia (técnica de ensino) assentava na oratória e na retórica. O
fundamental é falar bem e impor-se através de bons argumentos que destruam os
do adversário (argumentação e contra-argumentação).
Deste modo, os Sofistas põem de lado a procura da verdade para dar lugar à
arte de discursar e de convencer – se estão ou não no caminho da verdade isso é
assunto secundário.
Protágoras, um dos principais representantes da comunidade sofista, mostra a
relatividade da verdade ao afirmar: “O verdadeiro é o que parece ou o que convém
a cada um.” Ou seja, a verdade em si não existe, o que existe são “verdades”, as
quais variam consoante o contexto.
Nas suas múltiplas viagens, os Sofistas dão-se conta de que as opiniões
divergem de comunidade para comunidade, de cultura para cultura e até de
pessoa para pessoa, defendendo que a verdade dos discursos é a verdade que
serve/convém ao ser humano, ou seja, é uma verdade relativa, feita à medida das
necessidades e circunstâncias de cada um – daí podermos afirmar que os Sofistas
foram os fundadores de uma perspetiva filosófica acerca do conhecimento e da
verdade designada por RELATIVISMO. “O HOMEM É A MEDIDA DE TODAS AS
COISAS.” – constitui uma das frases mais célebres da história do pensamento e que
melhor ilustra a perspetiva relativista, cujo o autor é também Protágoras.
33
Coube, assim, aos Sofistas, apesar do relativismo em que caíram, o mérito de,
ao negarem a possibilidade de atingir a verdade absoluta, de abrirem caminho para
correntes ceticistas (que negam toda e qualquer possibilidade de se conhecer
verdadeiramente, uma vez que a sua principal característica é uma visão cética radical
em relação às interpretações da realidade, que aniquila valores e convicções) e
despoletarem a especulação (discussão teórica) filosófica sobre o que se viria a chamar
problemática do conhecimento (a abordar no 11.º ano).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
34
RELATIVISMO VS. VERDADE
(SÓCRATES VS. SOFISTAS – PERÍODO ANTROPOLÓGICO)
35
Daí que, por oposição ao nome “filósofo” (amigo do saber), o termo “Sofista”,
que originariamente significava sábio, passa, assim, a estar associado ao falso saber, já
que o Sofista é aquele que detém uma sabedoria aparente, que faz uso do
raciocínio falacioso (sofisma), centrado mais na forma do que no conteúdo,
ensinando a técnica ou a arte de fazer triunfar um discurso em função da
“conveniência de cada um” (relativismo).
Ora, contra esta relativização da verdade e esta valorização da retórica como
arte do discurso persuasivo em detrimento da sabedoria insurgem-se filósofos
como Sócrates e Platão.
Se para os Sofistas a retórica é a arte de bem falar ou técnica de persuadir
para ganhar um dado auditório a favor de uma determinada opinião, para Sócrates
e Platão, a argumentação só pode servir a busca da verdade. Uma boa
argumentação – uma retórica digna – é aquela que serve o filósofo na busca da
verdade. Verdade e Bem são ideias que convêm à filosofia e, portanto, quem
procura o conhecimento da verdade (o filósofo) só pode praticar o bem.
A busca da verdade é, pois, tarefa do filósofo. A filosofia socrático-platónica
não aceita o relativismo dos Sofistas e pretende inviabilizar a prática de uma
retórica baseada em opiniões ou meras aparências. Por isso, partindo de um
método assente no diálogo e na eliminação do que é contraditório, Sócrates e
Platão inauguram o fosso que durante séculos separará a filosofia da retórica.
O Sofista, para eles (Sócrates e Platão), é o homem que ensina a técnica e a
moral do sucesso, do gozo, da vaidosa afirmação de si mesmo, que nega as
noções profundamente solidárias da verdade e do bem objetivos.
O ensino sofístico forma o orador público, essa falsificação do homem de
estado verdadeiro, ou seja, o homem capaz de arrastar a multidão com argumentos
baseados não no saber, mas na ilusão do saber e na paixão. O orador público é,
pois, o homem da ilusão oposta à realidade, o homem da mentira oposta à
verdade, a falsificação requintada do verdadeiro filósofo – a relativização da
verdade aliada ao facto de receberem dinheiro pelos seus serviços, deu azo a uma
visão depreciativa (negativa) dos sofistas.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
36
2. Que nome deu Aristófanes ao novo tempo que se vivia?
37
APROFUNDAMENTO DA REFLEXÃ O FILOSÓ FICA
(SÓCRATES E A PROCURA DA VERDADE)
“A sua escola é a praça pública, onde passeia (...) conversando com um,
interrogando outro, e tomando sempre como ponto de partida os mil e um problemas da
vida quotidiana. Sócrates não se cansa de repetir ter recebido uma missão divina de
educar os seus contemporâneos: «Eu sou o moscardo que, dia após dia, não cessa de
vos despertar, de vos aconselhar, de repreender cada um de vós, e que vós
encontrareis em toda a parte, colocado ao vosso lado!»...
Jean-Brun, Sócrates
3. Enquanto o sofista exibe uma mera técnica ou habilidade para discursar com
eficácia (baseado na retórica); o filósofo desenvolve o exercício da reflexão e da
argumentação rigorosa e sem contradições (baseado na sabedoria).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
40
EM BUSCA DA DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS
(O MÉTODO SOCRÁTICO)
A DEFINIÇÃO DE CONCEITOS
Uma das proezas que, segundo Aristóteles, devem ser atribuídas a Sócrates e
que de nenhum modo se lhe pode negar é, justamente, a determinação dos (conceitos)
universais.
Vejamos, através do diálogo que se segue, o qual faz parte de uma obra de
Platão (“Ménon”), como é que Sócrates procede na busca dos conceitos:
Como o texto nos mostra, quando Sócrates pergunta o que é a virtude, faz
notar ao seu interlocutor (Ménon) que, afinal, este não sabe dizer (definir) o que essa
realidade verdadeiramente é, dado que as respostas apresentadas assentam em
exemplos que remetem para casos particulares em vez de remeterem para uma
definição geral e universal.
No prosseguimento do diálogo com o seu interlocutor, através de um método
que contempla dois momentos fundamentais (ironia e maiêutica), Sócrates orienta-o
no sentido da descoberta daquilo que há de comum em todos os atos de virtude e
41
daquilo que distingue a virtude do que não o é, levando-o, primeiro, à tomada
consciência da sua própria ignorância (ironia) para, depois, chegar progressivamente
ao conceito em questão (maiêutica), no caso concreto, àquilo que é a virtude na sua
essência e ao que permite defini-la (de um modo geral, universal).
Este esforço metodológico de definição dos conceitos pressupõe uma
inabalável fé na capacidade da razão humana como único meio eficaz para alcançar
a verdade universal (verdadeiro conhecimento).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÃO:
42
A DIMENSÃO DISCURSIVA DO TRABALHO FILOSÓFICO
(RACIONALIDADE ARGUMENTATIVA DA FILOSOFIA)
TESE E ARGUMENTO
Temos vindo a considerar a Filosofia como uma atividade conceptual (uma vez
que se serve dos instrumentos lógicos mais elementares ou mais básicos do
pensamento, como são os conceitos ou ideias) e argumentativa (uma vez que se serve
da linguagem para expressar esses mesmos conceitos ou ideias, os quais, por sua vez,
articulados, se manifestam através de proposições).
Como vimos, o ponto de partida do trabalho filosófico são os problemas. A partir
deles, os filósofos formulam teses ou teorias – respostas aos problemas – que devem
ser defendidas ou discutidas com base em boas razões. Neste sentido a filosofia é uma
atividade tipicamente argumentativa. Filosofar não é exibir, dogmaticamente, convicções
ou limitar-se a dar respostas de sim ou não. Filosofar implica justificar e sujeitar-se
permanentemente ao teste ou exame da razão.
A este propósito, atentemos no seguinte texto:
Após a leitura deste texto, podemos, então, perguntar: para o autor, o que é a
filosofia?
Como resposta, podemos afirmar que, para o autor, “a filosofia é o
envolvimento crítico com as ideias através das palavras”, pois exige
fundamentação – argumentos e contra-argumentos, exemplos e contraexemplos.
43
Procura-se a verdade, o que implica ir além das aparências e que as posições sejam
suportadas por boas razões.
Como podemos verificar, a resposta ao tema/problema – o que é a filosofia? –
faz-se de forma bem defendida e corresponde à conclusão de um argumento.
Assim, aprender filosofia exige um conjunto de competências básicas, tais
como, problematizar, conceptualizar, argumentar e identificar teses, pois, como
refere o texto, a filosofia envolve argumentos, sendo estes (argumentos) complexos
formados por uma ou várias proposições (premissas ou antecedentes), a partir da(s)
qual(ais) se infere (extrai) uma única proposição (conclusão ou consequente). A
relação que se estabelece entre a(s) premissa(s) e a conclusão é uma relação de
justificação ou de sustentação (conseguida ou não), frequentemente assinalada como
logo, portanto, então, por conseguinte, etc.
As premissas são o ponto de partida de um argumento. Devem apoiar
racionalmente a conclusão e visam, no seu conjunto, fornecer os fundamentos para
que a conclusão ou tese seja aceite.
Assim:
Identificar uma tese é, em termos gerais, captar uma proposição teórica, uma
posição crítica ou uma opinião (ponto de vista) que alguém expõe sobre um
44
determinado tema, propondo-se discuti-la ou defendê-la. A tese é a parte fundamental
para a existência de um texto argumentativo.
Defender e refutar teses, através da leitura, da produção/escrita de textos e do
debate são tarefas permanentes da atividade do filósofo.
No âmbito da racionalidade argumentativa da Filosofia e da sua dimensão
discursiva, as teses (filosóficas) são respostas possíveis aos problemas da Filosofia.
Podemos também usar termos como “teorias” ou “perspetivas” para nos referirmos às
teses. Como uma das características da Filosofia é a ausência de respostas
consensuais (únicas) para os problemas discutidos, o estudo de um problema
filosófico envolve a identificação de várias teses.
Por exemplo, se estivermos a discutir a existência de Deus, importa reconhecer
as seguintes teses:
a) Deus existe.
b) Deus não existe.
c) Não sabemos se Deus existe.
1. Fazer uma leitura atenta do texto filosófico e relê-lo quantas vezes forem
necessárias;
45
2. Identificar o tema;
6. Enunciar os argumentos;
O DEBATE E A DISCUSSÃO
3. Intervir oportunamente;
8. Registar as conclusões.
46
1. Formular com rigor o tema e o problema;
Não defendi que a caça à baleia devia parar porque as baleias estão em perigo
de extinção. Sabia que havia muitos especialistas em ecologia e biologia marinha que
avançariam essa tese e, portanto, percebi rapidamente que não seria útil ir por aí.
Assim, ao invés, defendi que as baleias são animais sociais com grandes cérebros,
capazes de gozar a vida e de sentir dor – e não apenas dor física, mas muito
provavelmente também aflição face à perda de um membro do seu grupo. As baleias
não podem ser mortas de forma humanitária – são demasiado grandes, e mesmo com
um arpão explosivo, é difícil atingir a baleia no sítio certo. Além disso, os baleeiros não
querem usar muitos explosivos porque isso acabaria por destruí-la por completo, e o
objetivo da caça à baleia é extrair o seu óleo precioso ou a sua carne. Daí que as
baleias arpoadas morram geralmente muito devagar e de forma muito dolorosa.
Estes factos põem um enorme ponto de interrogação ético na caça à baleia. Se
houvesse uma necessidade de vida ou de morte a que os seres humanos só pudessem
satisfazer matando baleias, talvez se pudesse responder com alguma razoabilidade às
razões éticas contra matar baleias. Mas, a verdade é que não há qualquer necessidade
humana que obrigue a matar baleias. Tudo o que obtemos das baleias pode ser
conseguido sem crueldade. Causar sofrimento a seres inocentes sem uma razão
extremamente forte para o fazer é um mal, e, portanto, a caça à baleia é imoral.
Peter Singer (2017), Ética no mundo real, Edições 70, pp. 71-72 (adaptado)
47
A tese ou teoria (perspetiva) que o autor do texto defende é: a caça à baleia é
imoral.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
48
desenvolvimento tecnológico nos deixou. Porém não podemos ignorar que foi graças à
Filosofia e aos seus ilustres representantes (filósofos) que a ciência nasceu e se
desenvolveu ao ponto de ser o que é hoje…
Seja como for, vamos fixar-nos na Filosofia e afirmar que não é verdade que esta
não sirva para nada. A Filosofia é útil, mas a sua utilidade é de uma natureza diferente.
Trata-se de cuidar do ser humano, em si e em comunhão com os outros, e cuidar
da natureza como a casa comum.
49
FRASES E PROPOSIÇÕES
PROPOSIÇÕES CONDICIONAIS
Estas proposições são diferentes. A primeira diz-nos que João ir à praia é uma
condição suficiente para ele ver o mar. E a segunda significa antes que João ir à praia
é uma condição necessária para ele ver o mar. Se ambas as proposições forem
verdadeiras, João ir à praia é, então, uma condição necessária e suficiente para João
ver o mar. Para exprimir esta ideia numa única frase, podemos dizer o seguinte:
Isto significa que se Margarida passa o ano, então estuda todos os dias, e que se
Margarida estuda todos os dias, então passa o ano. Portanto, Margarida passar o ano é
equivalente a ela estudar todos os dias – cada uma das coisas é condição necessária e
suficiente para a outra.
PROPOSIÇÕES UNIVERSAIS
52
Todo o conhecimento tem origem na experiência.
Qualquer obra de arte imita a realidade.
A primeira afirmação (“Todos os mamíferos são animais”) significa, então, que ser
um mamífero é condição suficiente para ser um animal, ou, o que é o mesmo, que ser
um animal é condição necessária para ser um mamífero. E a segunda afirmação
(“Nenhum mamífero tem penas”) significa que ser um mamífero é condição suficiente
para não ter penas.
Fazer esta afirmação é o mesmo que dizer duas coisas: que todas as aves têm
penas e que tudo aquilo que tem penas é uma ave ou, por outras palavras, ser uma ave
é condição necessária e suficiente para ter penas.
53
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
1. Defina proposição.
4. Defina frase.
54
CONTRAEXEMPLOS
CONSISTÊNCIA
Quando se diz que “é possível que todas as proposições sejam verdadeiras”, não
se quer dizer que o sejam, mas sim que nenhuma das proposições consideradas
contraria ou falsifica outra qualquer. A consistência garante a possibilidade de
verdade, mas não a verdade das proposições. Não se deve igualmente dizer que uma
teoria ou proposição "é consistente com o mundo"; as teorias ou proposições só
podem ser consistentes entre si e não com o mundo. Relativamente ao mundo, as
55
teorias e proposições são verdadeiras ou falsas, consoante descrevem fielmente ou
não o modo como as coisas são.
Se duas ou mais proposições são consistentes isso significa que são apenas
logicamente compatíveis entre si.
Por exemplo, as seguintes proposições são consistentes entre si:
Beethoven compôs sinfonias.
As sinfonias são obras de arte.
Beethoven compôs obras de arte.
É por isto que temos de nos preocupar com a consistência. Quem defende teses
inconsistentes está de certeza enganado em algum aspeto, pois, pelo menos, uma
dessas teses é falsa. Mas importa não esquecer o seguinte:
Se um conjunto de proposições é consistente, isso não garante que alguma
das proposições seja verdadeira.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
1. O que é um contraexemplo?
56
2. Apresente um contraexemplo para refutar a afirmação: “Todos os automóveis
são carros de corrida”.
57
CONCEITOS
TERMOS E CONCEITOS
DEFINIÇÕES
Nas definições deste tipo estamos a dizer que o termo a definir (no caso, “obra
de arte”) significa o mesmo que outra expressão linguística (no caso “imitação da
realidade”) explicitamente apresentada. Estas são, por isso, definições explícitas.
58
realidade é uma condição necessária e suficiente para que esse objeto seja uma
obra de arte.
Uma definição demasiado lata abrange mais do que devia abranger – por
exemplo, se existem imitações da realidade que não são obras de arte, então a
definição de “obra de arte” acima dada (“Uma obra de arte é uma imitação da
realidade.”) é demasiado lata (demasiado extensa, ampla ou abrangente).
São definições erradas porque não elucidam (não explicitam, não esclarecem,
não clarificam) o significado daquilo que se pretende definir. Pegando no primeiro
exemplo, se queremos saber o que é um ato livre, de nada nos serve que nos digam que
é um ato que realizamos livremente. Os outros dois exemplos têm o mesmo defeito,
acabando, portanto, por ser todos exemplos de definições inadequadas e,
consequentemente, insatisfatórias.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
60
ARGUMENTOS
PREMISSAS E CONCLUSÃO
Os animais têm direitos porque são capazes de sofrer, e um ser tem direitos se
tiver essa capacidade.
61
Um argumento tanto pode ter uma premissa como várias premissas. No
entanto, nunca pode ter mais do que uma conclusão (a conclusão de um argumento
é sempre apenas uma).
Podemos também designar os argumentos por “raciocínios” ou por “inferências”,
pois, inferir, como aliás já foi afirmado, é um processo lógico de extração (deriva) de
uma conclusão a partir da relação entre certas premissas e raciocinar é partir de
certas premissas para chegar a uma determinada conclusão.
AVALIAR ARGUMENTOS
Consideremos agora alguns argumentos muito simples que não são bons:
62
Todas as árvores são plantas.
Todas as plantas são seres vivos.
⛬ Todos os seres vivos são árvores.
Dedução e indução
63
Estes argumentos são válidos porque neles a conclusão resulta
necessariamente das premissas, sendo, portanto, uma sequência lógica destas. Por
outras palavras, se as premissas forem verdadeiras, então é absolutamente
garantido que a conclusão também é verdadeira.
Um argumento válido pode ter premissas falsas e/ou conclusão falsa. Aquilo
que não pode ter é premissas verdadeiras e conclusão falsa.
Quando estamos perante um argumento válido e aceitamos as suas premissas,
não podemos rejeitar a sua conclusão. Por exemplo, se aceitarmos que todas as
ações são acontecimentos e que todos os acontecimentos são causados, então temos
de aceitar a conclusão de que todas as ações são causadas. Se rejeitássemos esta
conclusão estaríamos a ser inconsistentes (incoerentes) e, por conseguinte, a cometer
um erro de lógica.
Num argumento dedutivamente válido existe uma relação (necessária) de
implicação entre as premissas e a conclusão. As premissas implicam a conclusão.
Esta é a forma mais segura de as premissas apoiarem a conclusão, uma vez que se as
premissas forem verdadeiras, não existe qualquer hipótese desta última (a
conclusão) ser falsa.
Estes argumentos não são indutivamente válidos, uma vez que é possível que
as suas premissas sejam verdadeiras e que, ainda assim, tenham uma conclusão
falsa. Mesmo que todos os animais com coração observados até hoje tenham rins, isso
não exclui a possibilidade de existirem alguns animais com coração mas sem rins.
Porém, se as premissas destes argumentos forem verdadeiras, é muito
improvável que as respetivas conclusões sejam falsas. É por isso que estes
argumentos são indutivamente fortes.
64
inconsistência. Ainda assim, não é razoável rejeitar a conclusão de um argumento
indutivamente forte se aceitarmos as suas premissas (como verdadeiras), já que a
verdade das suas premissas torna muito improvável a falsidade da conclusão.
FORMA E CONTEÚDO
Se P, então Q.
P.
⛬ Q.
Todos os A são B.
Todos os B são C.
⛬ Todos os A são C.
Convém referir também que a lógica formal, tal como já foi abundantemente
explicado nas aulas de Filosofia (inclusive através de “esquemas” no quadro feitos pelo
professor), serve para distinguirmos a argumentação dedutivamente válida da
inválida, consistindo no estudo da forma lógica dos argumentos. Assim, tanto a
lógica aristotélica como a lógica proposicional, que iremos abordar a seguir, são teorias
da lógica formal. Graças a estas (teorias da lógica formal), como também já foi referido,
podemos evitar muitos raciocínios/argumentos enganadores que podem parecer válidos,
mas não o são, nomeadamente os falaciosos (falácias formais).
67
Assim, e no seguimento do exemplo anteriormente dado para explicar a validade
de um raciocínio/argumento, se quiséssemos que o dito raciocínio/argumento, para além
da validade que já possui, gozasse de verdade, ou seja, fosse verdadeiro sob o ponto
de vista da lógica material ou informal (verdade dos factos), bastaria que, muito
simplesmente, se apresentasse deste modo ou forma:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
2. O que é inferir?
69
O CONCEITO E O TERMO
Embora não seja fácil definir “filosofia” de uma forma que seja consensual,
podemos caracterizar a filosofia como uma atividade conceptual e argumentativa.
Mas o que é que isto quer dizer? Quer dizer que a filosofia é uma atividade conceptual
porque se faz com conceitos (ideias, noções ou representações mentais) e com
definições desses mesmos conceitos, sendo, portanto, em parte, uma reflexão sobre
conceitos.
Os filósofos interrogam-se sobre conceitos, tentam analisá-los e procuram
clarificá-los. Interessam-se por conceitos importantes e muito gerais, como os de
conhecimento, verdade, bem, causa, liberdade, justiça, felicidade, arte, religião,
morte, etc.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
72
O JUÍZO E A PROPOSIÇÃO
ATIVIDADES/QUESTÕES:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÃO:
76
Por que será que esse estudo (da lógica) ocorre na disciplina de Filosofia e
não noutras (como, por exemplo, na disciplina de Português, aparentemente mais virada
para a expressão de ideias e de argumentos, ou na de Matemática, com a qual o
raciocínio lógico parece ter aproximações bem mais evidentes)?
Uma das razões é de carácter histórico: a lógica está ligada à filosofia desde a
sua origem. Aristóteles, filósofo grego do séc. IV a. C., é, geralmente, considerado o
fundador da lógica, embora antes dele outros filósofos já investigassem o que distingue
os argumentos bons dos maus, como, por exemplo, Sócrates e Platão.
Mesmo nos nossos dias, em que a lógica é cada vez mais uma ciência
autónoma, há ainda muitos filósofos cujo trabalho, de uma maneira ou de outra, a ela
está diretamente ligado.
Mas esta ligação tradicional entre a Lógica e a Filosofia não é razão suficiente
para que se estude Lógica na disciplina de Filosofia. Há uma razão muito mais
importante: aquela que se prende com o papel ou função que a argumentação tem na
atividade filosófica.
Como já sabemos, a Filosofia trata de problemas que, pela sua própria natureza,
mais teórica e especulativa, não podem ser resolvidos com o recurso a estratégias e
instrumentos de carácter prático. Se, por exemplo, o nosso automóvel se “recusa a
pegar”, nós podemos construir a teoria simples de que a razão/origem disso está na falta
de bateria e para testar essa teoria basta substituir a bateria que julgamos estar sem
carga por uma que esteja em condições ou, então, recorrer a uma oficina onde, com os
instrumentos apropriados, seja possível verificar se a nossa teoria está ou não correta.
Mas com os problemas filosóficos as coisas não são assim…
Na discussão dos problemas e das teorias filosóficas, a argumentação tem um
papel de grande relevo. Os problemas filosóficos são problemas conceptuais, teóricos,
especulativos, e, por esse motivo, os filósofos não podem, como os cientistas, recorrer à
experiência para testar e provar as suas ideias. Então, a única saída que têm à sua
disposição é a argumentação, uma vez que a Filosofia assenta essencialmente no
pensamento/reflexão e no discurso acerca desse mesmo pensamento/reflexão.
Nas mais diferentes áreas a Lógica permite clarificar as ideias e avaliar a
qualidade dos argumentos, assumindo uma função de auxiliar de trabalho mais ou
menos importante (por exemplo, no discurso político ou no discurso publicitário), mas, em
Filosofia, a Lógica é praticamente tudo com que os filósofos podem contar para
progredir nas suas investigações, porque a Filosofia é constituída por problemas,
77
teorias e argumentos onde a Lógica tem um importante papel, uma vez que em todos
estes domínios são utilizados argumentos e há ideias a clarificar.
Para além de se preocuparem com o rigor da linguagem e a clarificação de
ideias (definição de conceitos), os filósofos usam argumentos para defender as suas
ideias/perspetivas e para atacar os argumentos de outros filósofos. Para isso, quer a
compreensão quer a análise rigorosa das ideias quer a apresentação de bons
argumentos é, logicamente, fundamental.
Há pessoas que pensam que a Lógica impõe, através das suas regras, limites
demasiado estreitos e rígidos ao pensamento e que a Filosofia, para ser criativa, deve
libertar-se das amarras da Lógica. Mas isso é um erro profundo.
A Lógica não coloca limites à criatividade.
A Lógica apenas coloca limites ao pensamento e ao discurso que se
apresentam cheios de contradições e que, precisamente por isso, são incoerentes,
sem nexo, resultando, muitas vezes, no absurdo.
É certo que se não estudarmos lógica isso não quer dizer que já não sejamos
capazes de raciocinar corretamente, no entanto, como a lógica permite distinguir os
bons dos maus argumentos e detetar mais facilmente os erros que as pessoas
cometem ao argumentar, tornar-nos-á mais capazes para construirmos bons
argumentos e de raciocinarmos mais corretamente.
Em Filosofia, como em qualquer outra atividade intelectual séria, o pensamento
deve ser rigoroso e disciplinado. Ora, precisamente, a Lógica disciplina o
pensamento, tornando-o, ao mesmo tempo, mais forte (sem falhas) e mais criativo
(arrojado) na medida em que possibilita uma progressão efetiva das reais faculdades
ou capacidades argumentativas.
Em resumo, a Lógica deve ser estudada porque permite avaliar a qualidade
dos argumentos e clarificar aquilo que dizemos.
D. K. Saxena, India
78
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
OS PRINCÍPIOS LÓGICOS
79
(CONDIÇÕES DE VALIDADE DO PENSAMENTO E DO DISCURSO)
1. O PRINCÍPIO DA IDENTIDADE:
Uma coisa é o que é. O que é é. O que não é não é. Uma coisa é igual a si
mesma.
Este princípio proíbe-nos de afirmar que uma coisa possa ser diferente de si
mesma. Por exemplo, a afirmação/juízo/proposição que se segue: “esta cadeira é um
banco”, é uma afirmação que, violando o princípio da identidade, deve ser considerada
incoerente, ou, no mínimo ambígua…
Formulado em termos lógicos, este princípio diz que, no decurso de um raciocínio
ou argumento, os seus termos não podem mudar de significação (identidade) nem
podem mudar o seu valor de verdade – é que uma coisa é, obviamente, equivalente a
si mesma.
2. O PRINCÍPIO DA NÃO-CONTRADIÇÃO:
Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspeto.
Este princípio indica que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e
sob a mesma relação, aspeto ou perspetiva.
Em modos lógicos, se estamos a tratar um juízo/proposição como verdadeiro,
não podemos estar, ao mesmo tempo, a tratá-lo como falso; assim, um
80
juízo/proposição não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo e sob o mesmo
aspeto; um juízo/proposição e a sua negação não podem ser simultaneamente
verdadeiros; dois juízos/proposições contraditórios não podem ser
simultaneamente verdadeiros ou simultaneamente falsos.
Em última análise, podemos inferir que estes três princípios lógicos estão,
necessariamente, associados, visto que a forma como o pensamento/raciocínio, de
um modo geral, se desenvolve, pressupõe, para que possa ser considerado válido, a
existência de uma conexão ou articulação lógica entre os mesmos.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
PROBLEMA LÓGICO
81
QUEM É MAIS ALTO?
RESPOSTA: _____________________
PROBLEMA LÓGICO
82
O CHAPÉU DOS PRISIONEIROS
O quadro é branco.
Problema:
Certo dia, numa prisão, um carcereiro (“guarda prisional”) louco propôs o seguinte
jogo aos seus três prisioneiros:
− Tenho aqui cinco chapéus: dois vermelhos e três brancos. Vou pôr-vos uma
venda nos olhos e, depois, entrego um chapéu a cada um de vós. A seguir retiro-vos
a venda e podereis ver o chapéu de cada um dos vossos companheiros, mas não
podereis ver os vossos próprios chapéus. Seguidamente, perguntarei, a um de cada
vez, qual a cor do seu próprio chapéu. Quem o souber será libertado, quem
responder erradamente será enforcado e quem reconhecer que não sabe
continuará a cumprir a sua pena!
Assim fez…
O primeiro a ser inquirido reconheceu que não sabia a cor do seu chapéu.
O segundo, que tinha ouvido o primeiro, não soube também decidir-
-se quanto à cor do seu chapéu.
83
O carcereiro disse, então, dirigindo-se ao terceiro prisioneiro:
– Para que hei-de eu perguntar-te a ti, que és cego e que, portanto, não
viste a cor do chapéu dos teus companheiros, “qual a cor do teu chapéu?!”
– Por uma questão de justiça, dá-me a oportunidade que deste aos outros
– pediu o terceiro prisioneiro (cego).
– Está bem – disse o carcereiro – Qual é, então, a cor do teu chapéu?
– Os meus companheiros de cela não são loucos – respondeu o prisioneiro
cego – se eles não conseguiram deduzir a cor do seu chapéu é porque, e até um
cego como eu pode “ver” isso, o meu chapéu é...
PROPOSTA DE ATIVIDADE/DESAFIO:
84
O CHAPÉU DOS PRISIONEIROS
Combinação nº 1:
Combinação nº 2:
Combinação nº 3:
É mais difícil de ver que a combinação n.º 3 também não ocorreu. Se o carcereiro
a tivesse escolhido, o segundo prisioneiro teria pensado assim: – O primeiro prisioneiro
viu um chapéu vermelho como eu estou a ver; ora, se eu tivesse um chapéu vermelho,
então o primeiro prisioneiro saberia que o seu chapéu era branco. Como não soube, o
meu chapéu tem que ser branco.
Pois bem, o segundo prisioneiro não soube a cor do seu chapéu, pelo que a
terceira combinação também não ocorreu.
A conclusão final é óbvia: o prisioneiro não podia ter um chapéu vermelho,
Logo, o seu chapéu só podia ser BRANCO!
COMBINAÇÃO CORRETA: 1.º Prisioneiro – Vermelho; 2.º Prisioneiro –
Vermelho; 3.º Prisioneiro – Branco (V V B).
85
1. JUÍZOS OU PROPOSIÇÕES SEGUNDO A QUANTIDADE:
Universais, Particulares e Singulares
Nota: os juízos singulares não estão presentes nesta classificação, porque, como já foi dito, eles
são tratados como se fossem juízos universais (exemplo: O Homem é racional).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
89
3. Apresente um exemplo de um juízo/proposição universal.
a) ______________________________________
b) ______________________________________
RESPOSTAS:
a) _______________________________________
b) _______________________________________
c) _______________________________________
RESPOSTAS:
a) ______________________________________
b) ______________________________________
c) ______________________________________
d) ______________________________________
RESPOSTAS:
a) Juízo ou proposição universal – diz-se que todo e qualquer espanhol é
europeu. Todo e qualquer membro da classe “espanhol” é membro da classe
“europeu”.
RESPOSTAS:
a) Juízo particular afirmativo – afirma-se que alguns historiadores são
escritores de tal modo talentosos que as suas obras até podem ser lidas como
quem lê romances.
92
b) Juízo universal negativo – nega-se a condição ou estatuto de “amador”
aos atletas que tenham recebido dinheiro para competir; portanto, nenhum atleta
que tenha recebido dinheiro para competir é amador.
93
A lógica aristotélica, como o próprio nome indica, foi introduzida por Aristóteles
(384-322 a. C.) e sistematizada (organizada, ordenada, estruturada) na Idade Média. A
única parte da lógica aristotélica que aqui nos interessa é a oposição lógica das
proposições que, através do quadrado da oposição, o qual iremos examinar neste
capítulo, nos mostra como certas proposições se relacionam entre si.
94
transformá-la na forma canónica das proposições de tipo I (“Alguns S são P”), teríamos
de a exprimir através da frase: “Alguns homens são mortais”.
TIPO A
1
Note-se que a afirmação “Só os europeus são portugueses” significa que ser
europeu é condição necessária para ser português. Daí que esta afirmação signifique o
mesmo que “Todos os portugueses são europeus”.
TIPO E
agradáveis.
TIPO I
95
Existem animais carnívoros. Alguns animais são carnívoros.
TIPO O
Existem filósofos gregos que não são Alguns filósofos gregos não são
geniais. geniais.
96
Como se vê no quadro lógico da oposição das proposições, mais
precisamente nas linhas diagonais, há uma relação de contradição entre proposições
de tipo A e de tipo O, bem como entre proposições de tipo E e de tipo I, que tenham
os mesmos termos.
As proposições contraditórias têm valores de verdade opostos: se uma delas
é verdadeira a outra é falsa; se uma delas é falsa, a outra é verdadeira. As
proposições contraditórias não podem, portanto, ser ambas verdadeiras nem
ambas falsas. Por exemplo, “Todos os gatos são negros” e “Alguns gatos não são
negros” contradizem-se. O mesmo acontece com “Nenhum gato é negro” e “Alguns
gatos são negros”.
97
verdadeiras, mas não podem ser ambas falsas. Por exemplo, as proposições
expressas pelas frases “Algumas rosas são vermelhas” e “Algumas rosas não são
vermelhas” podem ser ambas verdadeiras, mas não podem ser ambas falsas.
Falta considerar as linhas verticais, que dizem respeito à relação entre
proposições universais e proposições particulares que têm os mesmos termos. As
proposições particulares mantêm uma relação de subalternidade com as
proposições universais que têm a mesma qualidade: as proposições de tipo I são
subalternas das de tipo A; as proposições de tipo O são subalternas das de tipo E.
Isto significa o seguinte: se a proposição universal é verdadeira, a particular que lhe
corresponde também é verdadeira; se a proposição particular é falsa, a
proposição universal que lhe corresponde também é falsa. Por exemplo, se for
verdade que Todos os Filósofos são Matemáticos, também será verdade que
Alguns Filósofos são Matemáticos. E se for falso que Alguns Filósofos são
Matemáticos, também será falso que Todos os Filósofos são Matemáticos.
Assim:
De acordo com os exemplos aristotélicos, para identificar melhor cada uma das
proposições (contrárias, subcontrárias, contraditórias e subalternas), vamos estabelecer
o valor de verdade e de falsidade em cada uma das relações estabelecidas, com as
letras V e F, construindo, deste modo, os seguintes quadros:
PROPOSIÇÕES CONTRÁRIAS
98
Se E (Nenhum homem é forte) é V (verdadeira), então A (Todos os homens são fortes) é
F (falsa).
Se A (Todos os homens são fortes) é F (falsa), não se pode saber se E (Nenhum homem
é forte) é V (verdadeira) ou F (falsa). *
Se E (Nenhum homem é forte) é F (falsa) não se pode saber se A (Todos os homens são
fortes) é V (verdadeira) ou F (falsa). *
PROPOSIÇÕES SUBCONTRÁRIAS
Se I (Alguns homens são fortes) é F (falsa), então O (Alguns homens não são fortes) é V
(verdadeira).
Se O (Alguns homens não são fortes) é F (falsa), então I (Alguns homens são fortes) é V
(verdadeira).
Se O (Alguns homens não são fortes) é V (verdadeira), não se pode saber se I (Alguns
homens são fortes) é V (verdadeira) ou F (falsa). *
PROPOSIÇÕES CONTRADITÓRIAS
Se A (Todos os homens são fortes) é V (verdadeira), então O (Alguns homens não são
fortes) é F (falsa).
Se A (Todos os homens são fortes) é F (falsa), então O (Alguns homens não são fortes)
é V (verdadeira).
99
Se E (Nenhum homem é forte) é V (verdadeira), então I (Alguns homens são fortes) é F
(falsa).
PROPOSIÇÕES SUBALTERNAS
Se A (Todos os homens são fortes) é V (verdadeira), então I (Alguns homens são fortes)
é V (verdadeira).
Se E (Nenhum homem é forte) é V (verdadeira), então O (Alguns homens não são fortes)
é V (verdadeira).
Se I (Alguns homens são fortes) é F (falsa), então A (Todos os homens são fortes) é F
(falsa).
Se O (Alguns homens não são fortes) é F (falsa), então E (Nenhum homem é forte) é F
(falsa).
Mas:
Se A (Todos os homens são fortes) é F (falsa), não se pode saber se I (Alguns homens
são fortes) é V (verdadeira) ou F (falsa).
Se E (Nenhum homem é forte) é F (falsa) não se pode saber se O (Alguns homens não
são fortes) é V (verdadeira) ou F (falsa).
Se O (Alguns homens não são fortes) é V (verdadeira), não se pode saber se E (Nenhum
homem é forte) é V (verdadeira) ou F (falsa).
100
Quadro-síntese das inferências
PROPOSIÇÃO
PROPOSIÇÕES OPOSTAS
ORIGINAL
101
OPOSIÇÃO DAS PROPOSIÇÕES
EXERCÍCIOS RESOLVIDOS
Questão 1:
a) A sua contraditória;
b) A sua contrária;
c) A sua subcontrária;
d) A sua subalterna.
Resposta:
Questão 2:
Questão 3:
Resposta:
103
OPOSIÇÃO DAS PROPOSIÇÕES*
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
a) A sua contraditória.
b) A sua subalterna.
c) A sua contrária.
d) A sua subcontrária.
a) A sua subcontrária.
b) A sua contrária.
c) A sua subalterna.
d) A sua contraditória.
NOTA DE ESCLARECIMENTO:
Contrárias: Todos... são.../Nenhum... é...
Subcontrárias: Alguns... são.../Alguns... não são...
104
OPOSIÇÃO DAS PROPOSIÇÕES
RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES/QUESTÕES:
a) A sua contraditória.
R: Alguns professores não são ignorantes.
b) A sua subalterna.
R: Alguns professores são ignorantes.
c) A sua contrária.
R: Nenhum professor é ignorante.
d) A sua subcontrária.
R: Não tem. Porque as proposições universais (afirmativas e negativas) não
têm subcontrárias. Apenas têm subcontrárias as proposições particulares (afirmativas
e negativas).
a) A sua subcontrária.
R: Alguns homens são ciumentos.
b) A sua contrária.
R: Não tem. Porque as proposições particulares (afirmativas e negativas) não
têm contrárias. Apenas têm contrárias as proposições universais (afirmativas e
negativas).
c) A sua subalterna.
R: Nenhum homem é ciumento.
d) A sua contraditória.
R: Todos os homens são ciumentos.
105
OPOSIÇÃO DAS PROPOSIÇÕES
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
106
LÓGICA PROPOSICIONAL
FORMAS DE INFERÊNCIA VÁLIDA
LÓGICA PROPOSICIONAL
NOÇÕES BÁSICAS
FRASES DECLARATIVAS E PROPOSIÇÕES
107
Uma proposição simples é a que não contém em si mesma outra proposição
como parte componente e, por isso, não pode decompor-se. Uma proposição
complexa (ou composta) resulta da ligação de proposições simples. Há proposições
complexas (compostas) de diferentes tipos, conforme os operadores de formação de
frases usados para as gerar.
Exemplo:
Comecemos por considerar as proposições simples expressas pelas frases “O
céu é azul”, “A relva é verde” Se ligarmos estas duas frases ou proposições simples por
intermédio da palavra “e”, ou da sequência de palavras “se… então”, teremos
construído proposições complexas (compostas) que se expressam através das
seguintes formas:
Porque os operadores utilizados para formar cada uma destas proposições são
verofuncionais, o valor de verdade de cada uma delas é função (resultado) de uma
regra de combinação dos valores de verdade das proposições que a compõem.
Assim, para captar a forma lógica deste argumento, começa-se por identificar
as proposições mais elementares (simples) que o constituem, designando cada uma
delas por uma letra. Neste caso, temos duas proposições:
108
Esta é uma forma válida. Qualquer argumento que tenha esta forma, seja qual
for o seu conteúdo, é dedutivamente válido.
No argumento precedente, “ou” e “não” são conectivas proposicionais ou
conectivas lógicas. A lógica proposicional, que aqui nos interessa abordar, contempla
seis conectivas, sendo cada uma delas representada ou designada por um símbolo
diferente.
Vejamos, pois:
Negação Não P ¬
Conjunção PeQ ⋀
Disjunção Inclusiva P ou Q ⋁
Disjunção Exclusiva Ou P ou Q ⩒
Condicional Se P, então Q →
109
FORMALIZAÇÃO DE PROPOSIÇÕES
110
a) Picasso é um pintor impressionista e Camões um poeta épico.
b) Se Camões é um poeta épico, então Picasso é um pintor impressionista.
c) Picasso não é um pintor impressionista.
Uma vez que se trata de várias frases complexas compostas a partir das mesmas
frases simples, o dicionário é:
Picasso é um pintor impressionista – P
Camões é um poeta épico – Q
Cada uma das frases foi formada a partir de uma conectiva diferente – uma
conjunção (a), uma condicional (b) e uma negação (c):
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
3. Considere o dicionário:
Pedro toca piano – P
Vítor toca violino – Q
a) P ⋀ Q
b) P → ¬ Q
c) ¬ P ↔ Q
d) P ⋁ Q
112
RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES/QUESTÕES PROPOSTAS (páginas 108 e 109):
RESPOSTA:
Explicitação do dicionário:
Está calor – P
Vou à praia – Q
3. Considere o dicionário:
Pedro toca piano – P
Vítor toca violino – Q
a) P ⋀ Q
b) P → ¬ Q
c) ¬ P ↔ Q
d) P ⋁ Q
RESPOSTA:
114
CONJUNÇÃO E DISJUNÇÃO
CONJUNÇÃO
Portanto:
P Q P⋀Q
V V V
V F F
F V F
F F F
115
Esta é uma tabela de verdade. Nas duas primeiras colunas encontramos todas
as combinações possíveis de valores de verdade para P e Q. Na coluna da direita
encontramos o valor de verdade da fórmula “P ⋀ Q” em cada uma dessas
combinações. Uma tabela deste género mostra-nos, então, em que condições é
verdadeira ou falsa a fórmula da linha superior da coluna da direita.
Note-se que as letras P e Q são variáveis de fórmula, o que significa que no seu
lugar podem estar quaisquer proposições.
Quando usamos a fórmula “A ⋀ B” para representar uma certa frase, estamos a
formalizar ou traduzir essa frase. É importante saber fazer formalizações ou traduções
corretas.
Na tabela seguinte figuram alguns exemplos de tipos de frases que se formalizam
ou traduzem como conjunções na lógica proposicional:
FRASE FORMALIZAÇÃO
Gosto de Mozart. A
Gosto de Coldplay. B
P Q P⋁Q
V V V
V F V
F V V
F F F
Tabela 2
P Q P⩒Q
V V F
V F V
F V V
F F F
FRASE FORMALIZAÇÃO
NEGAÇÃO
P ¬P
V F
F V
FRASE FORMALIZAÇÃO
CONDICIONAL
118
Como vimos, as proposições condicionais têm uma antecedente e uma
consequente. A ideia mais importante a reter sobre a condicional (também conhecida
por implicação material) é a seguinte:
P Q P→Q
V V V
V F F
F V V
F F V
FRASE FORMALIZAÇÃO
Bobby é um cão. A
Bobby é carnívoro. B
BICONDICIONAL
119
A ideia mais importante a reter sobre a bicondicional (também conhecida por
equivalência) é a seguinte.
P Q P↔Q
V V V
V F F
F V F
F F V
FRASE FORMALIZAÇÃO
João perde 100 euros se, e apenas se, João perde a carteira.
João perde 100 euros se, e somente se, perder a carteira.
João perde 100 euros precisamente nas circunstâncias em que A↔B
perde a carteira.
João perder 100 euros é condição necessária e suficiente para
perder a carteira.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
120
1. Após explicitar o dicionário usado, formalize as seguintes proposições (em
linguagem proposicional):
a) Q ⋀ P
b) ¬ P
c) ¬ P ⋀ ¬ Q
d) ¬ Q → P
e) Q ↔ (Q ⋀ ¬ P)
121
RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES/QUESTÕES PROPOSTAS (pág.121):
RESPOSTA:
Explicitação do dicionário:
Beethoven compôs a 5.ª Sinfonia – P
Beethoven é um grande compositor – Q
RESPOSTA:
Formalização das proposições (em linguagem proposicional):
a) ¬ P (Não é verdade que Beethoven tenha composto a 5.ª Sinfonia).
b) P → Q (Se Beethoven compôs a 5.ª Sinfonia, então é um grande compositor).
c) Q ↔ P (Beethoven é um grande compositor se, e somente se, compôs a 5.ª Sinfonia).
d) ¬ P ⋀ ¬ Q (Beethoven nem compôs a 5.ª Sinfonia, nem é um grande compositor).
e) P ⋀ ¬ Q (Beethoven compôs a 5.ª Sinfonia, mas não é um grande compositor).
a) Q ⋀ P
b) ¬ P
c) ¬ P ⋀ ¬ Q
d) ¬ Q → P
e) Q ↔ (Q ⋀ ¬ P)
RESPOSTA:
a) João dá aulas em Santarém e vive em Lisboa. Q ⋀ P
122
b) João não vive em Lisboa. ¬ P
c) João não vive em Lisboa nem dá aulas em Santarém. ¬ P ⋀ ¬ Q
d) Se João não dá aulas em Santarém, então vive em Lisboa. ¬ Q → P
e) João dá aulas em Santarém se, e somente se, dá aulas em Santarém e não
vive em Lisboa. Q ↔ (Q ⋀ ¬ P)
123
ÂMBITO DAS CONECTIVAS
(¬ P ⋀ Q) → P ¬ (P ⋀ Q) → P ¬ P ⋀ (Q → P)
124
Como já foi afirmado atrás, o âmbito que uma conectiva tem numa certa
fórmula é a parte dessa fórmula a que ela se aplica.
Mesmo correndo o risco de nos tornarmos repetitivos, para esclarecer melhor esta
ideia, valerá a pena considerar as seguintes fórmulas:
1. P ⋁ ¬ Q
2. ¬ P → ¬ Q
Qual é o âmbito de cada uma das conectivas que surgem nestas fórmulas?
Podemos encontrar a resposta na tabela que segue (o âmbito de cada conectiva
corresponde à parte sublinhada da fórmula):
3. P → Q ⋁ R
Esta fórmula é incorreta ou “mal formada”, pois pode ser lida de duas formas
muito diferentes, precisamente porque o âmbito das conectivas utilizadas não é
claro. Afinal, aqui, em 3. P → Q ⋁ R, não podemos saber qual é a conectiva
principal.
4. P → (Q ⋁ R)
125
5. (P → Q) ⋁ R
Estas já são fórmulas corretas ou “bem formadas”, pois o âmbito das
conectivas é agora bem nítido. A conectiva principal em 4. é →, ao passo que em 5. a
conectiva principal é ⋁.
A tabela que se segue mostra o âmbito das conectivas de 4. e de 5.
Âmbito da condicional P → (Q ⋁ R)
4.
Âmbito da disjunção P → (Q ⋁ R)
Âmbito da condicional ( P → Q) ⋁ R
5.
Âmbito da disjunção ( P → Q) ⋁ R
126
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
127
RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES/QUESTÕES PROPOSTAS (pág. 127):
128
TABELAS DE VERDADE
CONSTRUÇÃO DE TABELAS DE VERDADE
Vejamos agora como se constroem tabelas de verdade para fórmulas com mais
de uma conectiva.
Vejamos, pois, como se constrói uma tabela de verdade para, por exemplo, a
fórmula P ⋀ (P → Q).
A tabela a completar é a seguinte:
P Q P ⋀ (P → Q)
V V
V F
F V
F F
Uma vez desenhada a tabela, com uma fórmula (com mais do que uma
conectiva) já inserida, começa-se por calcular a coluna de →, aplicando-se a
definição da condicional, pois esta é a conectiva de menor âmbito, para se chegar a
este resultado:
P Q P ⋀ (P → Q)
V V V
V F F
F V V
F F V
129
Para concluir, calcula-se a coluna de ⋀, que é a conectiva principal, aplicando-
se a definição da conjunção a P e aos valores de verdade obtidos na coluna já
calculada, para se chegar a este resultado:
P Q P ⋀ (P → Q)
V V V V
V F F F
F V F V
F F F V
P Q (P ⋁ Q) → ¬ Q
V V V F F
V F V V V
F V V F F
F F F V V
Ordem do cálculo 1 2 1
130
DETERMINAÇÃO DO VALOR DE VERDADE DAS PROPOSIÇÕES
1. (P ⋀ Q) → P
2. ¬ ⦋ P → (P ⋁ Q) ⦌
3. P ↔ ¬ Q
1. O valor de verdade de (P ⋀ Q) → P
Cabeçalho:
a) À esquerda, escrevemos todas as proposições simples que compõem a
fórmula.
b) À direita, escrevemos a fórmula.
Coluna da esquerda:
c) Escrevemos os valores de verdade de todas as possibilidades de combinação
de P e Q, alinhados por baixo de cada letra proposicional, um em cada linha. Na
primeira letra proposicional alterna “V” e “F” em grupos de dois. Na segunda letra
proposicional alterna “V” e “F” um a um.
Coluna da direita:
d) Identificamos o âmbito de cada operador ou conectiva lógica.
131
e) Calculamos os valores de verdade da fórmula, começando por calcular os
valores da conectiva de menor âmbito (neste caso, P ⋀ Q).
f) Calculamos os valores para cada linha.
P Q (P ⋀ Q) → P
V V V V
V F F V
F V F V
F F F V
Ordem do cálculo 1 2
132
2. O valor de verdade da condicional →, em que o antecedente é P ⋁ Q.
3. O valor de verdade da negação, que afeta toda a fórmula.
P Q ¬ ⦋P → (P ⋁ Q)⦌
V V F V V
V F F V V
F V F V V
F F F V F
Ordem do cálculo 3 2 1
3. O valor de verdade de P ↔ ¬ Q
P Q P↔¬Q
V V F F
V F V V
F V V F
F F F V
Ordem do cálculo 2 1
- Contradições – proposições compostas que são falsas, qualquer que seja o valor de
verdade das proposições componentes.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
Dicionário:
Hoje faço anos – P
Hoje é dia de festa – Q
(E) Hoje é um dia de festa se, e somente se, hoje fizer anos.
2. Considere a fórmula (P → Q) ↔ ⦋ ¬ (P ⋀ ¬ Q) ⦌
134
3. Classifique as seguintes fórmulas proposicionais, presentes nas alíneas
a) e b), quanto ao seu valor de verdade, mediante a construção de tabelas de
verdade, e justifique cada uma delas.
a) P → Q
b) (P ⋀ Q) ⋀ ¬ Q
135
RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES/QUESTÕES PROPOSTAS (pp. 134 e 135):
Dicionário:
Hoje faço anos – P
Hoje é dia de festa – Q
(E) Hoje é um dia de festa se, e somente se, hoje fizer anos.
RESPOSTA: Q ↔ P
2. Considere a fórmula (P → Q) ↔ ⦋ ¬ (P ⋀ ¬ Q) ⦌
P Q (P → Q) ↔ ¬ (P ⋀ ¬ Q)
136
V V V V V F F
V F
F V F V V
F V V V V F F
F F V V V F V
Ordem do cálculo 4 5 3 2 1
a) P → Q
RESPOSTA:
P Q P→Q
V V V
V F F
F V V
F F V
b) (P ⋀ Q) ⋀ ¬ Q
RESPOSTA:
P Q (P ⋀ Q) ⋀ ¬ Q
V V
V F F
V F F F V
137
F V F F F
F F F F V
Ordem do cálculo 2 3 1
138
DETERMINAÇÃO DA VALIDADE OU INVALIDADE DOS ARGUMENTOS
INSPETORES DE CIRCUNSTÂNCIAS
P→Q
P
∴Q
Na coluna da esquerda, escrevemos as letras proposicionais e os respetivos
valores de verdade.
Na coluna da direita, em vez da fórmula proposicional, escrevemos o
argumento: a premissa ou premissas, separadas por vírgulas, seguidas da palavra
“logo”, ou do sinal ∴, e a conclusão.
Testamos a validade de um argumento verificando se há alguma circunstância
(alguma linha da tabela) que apresente premissas verdadeiras e conclusão falsa. Se
existir, o argumento é inválido. Se não existir, o argumento é válido.
P Q P → Q, P , ∴ Q
V V V V V
V F F V F
F V V F V
F F V F F
Se, na tabela de verdade, existir pelo menos uma linha com todas as
premissas verdadeiras e a conclusão falsa, o argumento tem uma forma inválida.
Ora, dado que na tabela construída nenhuma linha tem ambas as premissas
verdadeiras e a conclusão falsa, conclui-se que o argumento é válido.
140
Se os seres humanos não são moralmente responsáveis, então não têm livre-
arbítrio. Ora, os seres humanos não têm livre-arbítrio. Por isso, não têm
responsabilidade moral.
¬P→¬Q
¬Q
∴¬P
P Q ¬ P → ¬ Q, ¬ Q ∴ ¬ P
V V F V F F F
V F F V V V F
F V V F F F V
F F V V V V V
141
“Se Deus existe, então João vai para o paraíso ou vai para o inferno. Ora, Deus
existe, mas João não vai para o paraíso. Logo, João vai para o inferno.”
Deus existe – P
João vai para o paraíso – Q
João vai para o inferno – R
P → (Q ⋁ R)
P⋀¬Q
∴R
P Q R P → (Q ⋁ R), P ⋀ ¬ Q ∴ R
V V V V V F F V
V V F F F
V V F
V V V V V
V F V
V F F F F V V F
F V V V V F F V
F V F V V F F F
F F V V V F V V
F F F V F F V F
P→Q
P→Q
P
¬Q
∴Q
∴¬P
P Q P → Q, ¬ Q, ∴ ¬ P
V V V F F
V F F V F
F V V F V
F F V V V
Note-se que P e Q são variáveis de fórmula, o que significa que podemos ter no
seu lugar qualquer proposição, seja ela simples ou complexa.
143
Qualquer argumento em que uma premissa seja uma proposição
condicional, a outra premissa afirme a antecedente dessa condicional e a
conclusão afirme a sua consequente é um exemplo ou uma “instância” do MODUS
PONENS (ou afirmação da antecedente).
Na tabela que se segue (na página seguinte) encontramos algumas das inúmeras
instâncias destas duas formas válidas:
1) P → Q 1) P → Q
P ¬Q
∴Q ∴¬P
2) ¬ P → Q 2) ¬ P → Q
¬P ¬Q
∴Q ∴¬¬P
3) (P ⋀ Q) → (R ⋁ S) 3) (Q ⋀ P) → (R ⋁ S)
P⋀Q ¬ (R ⋁ S)
∴R⋁S ∴¬P⋀Q
4) (P ⩒ ¬ Q) → ¬ R 4) (P ↔ ¬ Q) → ¬ R
P⩒¬Q ¬¬R
144
∴¬R ∴ ¬ (P ↔ ¬ Q)
∴Q ∴P ∴P→R
Obviamente, também estas formas têm inúmeras instâncias. Por exemplo, esta é
uma instância do silogismo disjuntivo:
(P ⋀ Q) ⋁ R
¬ (P ⋀ Q)
∴R
Em termos mais simples, o silogismo disjuntivo formula argumentos em que
uma das premissas é uma disjunção e a outra nega uma das proposições
disjuntas. A conclusão afirma a outra premissa disjunta:
P⋁Q
¬P
∴Q
¬P→¬Q
¬Q→¬R
∴¬P→¬R
¬ (P ⋁Q) ≡ ¬ P ⋀ ¬ Q
P→Q≡¬Q→¬P
¬ (P ⋀Q) ≡ ¬ P ⋁ ¬ Q
P→Q∴¬Q→¬P
¬Q→¬P∴P→Q
¬ (P ⋁Q) ∴ ¬ P ⋀ ¬ Q
¬ P ⋀ ¬ Q ∴ ¬ (P ⋁Q)
¬ (P ⋀Q) ∴ ¬ P ⋁ ¬ Q
¬ P ⋁ ¬ Q ∴ ¬ (P ⋀Q)
7. Negação dupla
P≡¬¬P
ou
¬¬P∴P
De acordo com a regra da negação dupla (ou da dupla negação), negar duas
vezes uma proposição é o mesmo que afirmá-la, ou seja, negar duplamente uma
proposição equivale à sua negação.
Por exemplo, dizer: “É falso que seja falso que está a chover.” equivale a dizer:
“Está a chover.” ou “É verdade que está a chover.”
¬¬P
∴P
147
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
a) Ou apanho boleia ou vou a pé. Não apanho boleia, portanto vou a pé.
(A) A negação da proposição condicional “Se Ana vai ao cinema, então o Paulo
também vai” é: “Ou a Ana ou o Paulo vão ao cinema.”
148
(B) Uma condicional e uma disjunção.
3.3 ¬ Q → ¬ P ∴ P → Q traduz:
(P → Q) ⋀ (Q ⋁ ¬ R), ¬ R, ∴ ¬ P.
149
RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES/QUESTÕES PROPOSTAS (pp. 148-149):
a) Ou apanho boleia ou vou a pé. Não apanho boleia, portanto vou a pé.
P Q P ⋁ Q, ¬ P ∴ Q
V V V F V
150
V F V F F
F V V V V
F F F V F
b) Dicionário:
A lógica ensina a pensar – P
A lógica é útil – Q
P Q P → Q, P ∴ Q
V V V V V
V F F V F
F V V F V
F F V F F
Justificação: na única circunstância em que as duas premissas são verdadeiras
(linha 1), a conclusão também é verdadeira; por isso, o argumento é válido.
(A) A negação da proposição condicional “Se Ana vai ao cinema, então o Paulo
também vai” é: “Ou a Ana ou o Paulo vão ao cinema.” F
151
3.2 Uma proposição que, na tabela de verdade, seja falsa numas
circunstâncias e verdadeira noutras é:
3.3 ¬ Q → ¬ P ∴ P → Q traduz:
(P → Q) ⋀ (Q ⋁ ¬ R), ¬ R, ∴ ¬ P
RESPOSTA:
Indicação: argumento inválido.
152
PRINCIPAIS FALÁCIAS FORMAIS
DEFINIÇÃO DE FALÁCIA
Falácias formais são argumentos dedutivos cuja forma não é válida, isto é,
em que a conclusão não decorre das premissas, não sendo, pois, sustentada ou
justificada por elas.
153
As falácias formais apresentam pelo menos uma circunstância em que as
premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa.
P→Q P→Q
P Q
∴Q ∴P
P→Q P→Q
¬Q ¬P
∴¬P ∴¬Q
P→Q P→Q
∴¬Q→¬P ∴Q→P
154
EXEMPLO DE ARGUMENTOS VÁLIDOS EXEMPLO DE FALÁCIAS FORMAIS
¬ (P → Q) ¬ (P → Q)
∴P⋀¬Q ∴¬P→¬Q
1. 4 Suponha que uma certa proposição de tipo A é falsa. Nesse caso, pode-
se determinar o valor de verdade:
(A) Da sua contraditória, da sua contrária e da sua subalterna.
(B) Só da sua contraditória e da sua contrária.
(C) Só da sua contraditória e da sua subalterna.
(D) Só da sua contrária e da sua subalterna.
1. 8 P → ¬ Q ∴ ¬ ¬ Q → ¬ P é uma instância:
(A) Das leis de De Morgan.
156
(B) Da contraposição.
(C) Do modus ponens.
(D) Do modus tollens.
1. 9 (P ⋁ Q) → ¬ R, ¬ ¬ R ∴ ¬ (P ⋁ Q) é uma instância:
(A) Do modus ponens.
(B) Do modus tollens.
(C) Da falácia da negação da antecedente.
(D) Da falácia da afirmação da consequente.
157
3. CONSIDERE CADA UMA DAS PROPOSIÇÕES SEGUINTES E O VALOR DE
VERDADE QUE LHE É ATRIBUÍDO ENTRE PARÊNTESIS. IDENTIFIQUE O SEU
TIPO E DIGA O QUE SE PODE INFERIR QUANTO AO VALOR DE VERDADE DAS
OUTRAS TRÊS PROPOSIÇÕES QUE FIGURARIAM NO QUADRADO DA
OPOSIÇÃO:
1. Alguns empiristas são céticos. (Verdadeira)
2. Nenhum animal com garras é herbívoro. (Falsa)
3. Todos os predadores são animais com garras. (Falsa)
4. Alguns católicos não são socialistas. (Verdadeira)
5. Alguns músicos são apreciadores de Bach. (Falsa)
6. Todos os ditadores são inimigos da liberdade. (Verdadeira)
7. Nenhum defensor da pena de morte é homicida. (Verdadeira)
8. Alguns heróis não são corajosos. (Falsa)
158
7. Basta que esteja calor para as férias serem boas.
8. O Porto poderá vencer o campeonato caso o Benfica não ganhe.
9. Uma condição suficiente para João ser eleito é Miguel não ser eleito.
10. Se Mariana for eleita, então precisa de baixar os impostos para cumprir o seu
programa.
159
D = Uma testemunha mentiu.
E = O criminoso continua livre.
161
E. Contraposição.
F. Leis de De Morgan.
G. Falácia da afirmação da consequente.
H. Falácia da negação da antecedente.
162
4. Se David não é um extraterrestre nem é um duende, então é um gato muito
peculiar (extraordinário). Ora David é um gato muito peculiar. Portanto, não é um
extraterrestre nem um duende.
5. Paulo é culpado se Pedro é culpado, a não ser que Joana esteja envolvida.
Mas Joana não está envolvida. Por isso, se Pedro é culpado, Paulo também é culpado.
1. 4 Suponha que uma certa proposição de tipo A é falsa. Nesse caso, pode-
se determinar o valor de verdade:
(A) Da sua contraditória, da sua contrária e da sua subalterna.
(B) Só da sua contraditória e da sua contrária.
(C) Só da sua contraditória e da sua subalterna.
(D) Só da sua contrária e da sua subalterna.
1. 8 P → ¬ Q ∴ ¬ ¬ Q → ¬ P é uma instância:
(A) Das leis de De Morgan.
164
(B) Da contraposição.
(C) Do modus ponens.
(D) Do modus tollens.
1. 9 (P ⋁ Q) → ¬ R, ¬ ¬ R ∴ ¬ (P ⋁ Q) é uma instância:
(A) Do modus ponens.
(B) Do modus tollens.
(C) Da falácia da negação da antecedente.
(D) Da falácia da afirmação da consequente.
(C) ¬ R → (P ⋀ Q)
(D) ¬ R → ¬ (P ⋁ Q)
165
RESPOSTA:
Alguns artistas não são especialmente criativos. (Tipo O)
7. Existem felinos surpreendentemente meigos.
RESPOSTA:
Alguns felinos são surpreendentemente meigos. (Tipo I)
8. Um político honesto é alguém que sabe ouvir os cidadãos.
RESPOSTA:
Todos os políticos honestos são pessoas que sabem ouvir os cidadãos.
(Tipo A)
9. Os peixes não sobrevivem fora da água.
RESPOSTA:
Nenhum peixe é um ser que sobreviva fora de água. (Tipo E)
10. Determinados pianos de cauda custam uma fortuna.
RESPOSTA:
Alguns pianos de cauda são objetos que custam uma fortuna. (Tipo I)
11. Há quem seja admirador de Mozart e de Metallica.
RESPOSTA:
Alguns admiradores de Mozart são admiradores de Metallica. (Tipo I)
12. Qualquer empirista que se preze não tem religião.
RESPOSTA:
Nenhum empirista que se preze é uma pessoa com religião. (Tipo E)
13. Nem todos os mamíferos são animais selvagens.
RESPOSTA:
Alguns mamíferos não são animais selvagens. (Tipo O)
14. Pelo menos um filósofo não gosta de lógica.
RESPOSTA:
Alguns filósofos não são pessoas que gostam de lógica. (Tipo O)
15. Nada é simultaneamente carnívoro e herbívoro.
RESPOSTA:
Nenhum carnívoro é herbívoro. (Tipo E)
166
OUTRAS TRÊS PROPOSIÇÕES QUE FIGURARIAM NO QUADRADO DA
OPOSIÇÃO:
1. Alguns empiristas são céticos. (Verdadeira)
RESPOSTA:
Proposição de Tipo I. Sendo verdadeira, pode inferir-se que a sua
contraditória, de Tipo E, é falsa. Nada se pode inferir quanto ao valor de verdade
da sua subcontrária, de Tipo O, nem quanto ao valor de verdade da proposição de
Tipo A, da qual é subalterna.
2. Nenhum animal com garras é herbívoro. (Falsa)
RESPOSTA:
Proposição de Tipo E. Sendo falsa, pode inferir-se que a sua contraditória,
de Tipo I, é verdadeira, e que a sua subalterna, de Tipo O, é falsa. Nada se pode
inferir quanto ao valor de verdade da sua contrária, de Tipo A.
3. Todos os predadores são animais com garras. (Falsa)
RESPOSTA:
Proposição de Tipo A. Sendo falsa, pode inferir-se que a sua contraditória,
de Tipo O, é verdadeira, e que a sua subalterna, de Tipo I, é falsa. Nada se pode
inferir quanto ao valor de verdade da sua contrária, de Tipo E.
4. Alguns católicos não são socialistas. (Verdadeira)
RESPOSTA:
Proposição de Tipo O. Sendo verdadeira, pode inferir-se que a sua
contraditória, de Tipo A, é falsa. Nada se pode inferir quanto ao valor de verdade
da sua subcontrária, de Tipo I, nem quanto ao valor de verdade da proposição de
Tipo E, da qual é subalterna.
5. Alguns músicos são apreciadores de Bach. (Falsa)
R: Proposição de Tipo I. Sendo falsa, pode inferir-se que a sua contraditória,
de Tipo E, é verdadeira, que a sua subcontrária, de Tipo O, é verdadeira, e que a
proposição de Tipo A, da qual é subalterna, é falsa.
6. Todos os ditadores são inimigos da liberdade. (Verdadeira)
RESPOSTA:
Proposição de Tipo A. Sendo verdadeira, pode inferir-se que a sua
contraditória, de Tipo O, é falsa, que a sua contrária, de Tipo E, é falsa, e que a sua
subalterna, de Tipo I, é verdadeira.
7. Nenhum defensor da pena de morte é homicida. (Verdadeira)
167
RESPOSTA:
Proposição de Tipo E. Sendo verdadeira, pode inferir-se que a sua
contraditória, de Tipo I, é falsa, que a sua contrária, de Tipo A, é falsa, e que a sua
subalterna, de Tipo O, é verdadeira.
8. Alguns heróis não são corajosos. (Falsa)
RESPOSTA:
Proposição de Tipo O. Sendo falsa, pode inferir-se que a sua contraditória,
de Tipo A, é verdadeira, que a sua subcontrária, de Tipo I, é verdadeira, e que a
proposição de Tipo E, da qual é subalterna é falsa.
168
B = Este livro é claro.
¬A∧¬B
6. O Benfica ganha, a menos que o Sporting empate e o Porto ganhe.
RESPOSTA:
A = O Benfica ganha.
B = O Sporting empata.
C = O Porto ganha.
A ⋁ (B ∧ C)
7. Maria vai passar de ano, a não ser que não estude o suficiente.
RESPOSTA:
A = Maria vai passar de ano.
B = Maria estuda o suficiente.
A⋁¬B
8. Platão era filósofo, mas não gostava da democracia.
A = Platão era filósofo.
B = Platão gostava da democracia.
A∧¬B
9. É falso que os gatos sejam egoístas ou interesseiros.
RESPOSTA:
A = Os gatos são egoístas.
B = Os gatos são interesseiros.
¬ (A ⋁ B)
10. Ou lavo a loiça ou varro o chão.
RESPOSTA:
A = Lavo a loiça.
B = Varro o chão.
A⩒B
170
A = O Porto pode vencer o campeonato.
B = O Benfica ganha.
¬B→A
9. Uma condição suficiente para João ser eleito é Miguel não ser eleito.
RESPOSTA:
A = João é eleito.
B = Miguel é eleito.
¬B→A
10. Se Mariana for eleita, então precisa de baixar os impostos para cumprir o seu
programa.
RESPOSTA:
A = Mariana é eleita.
B = Mariana baixa os impostos.
C = Mariana cumpre o seu programa.
A → (C → B)
172
8. Existe vida após a morte somente se a alma humana não é material. Portanto,
existe vida após a morte, pois a alma humana não é material.
RESPOSTA:
A = Existe vida após a morte.
B = A alma humana é material.
A→¬B
¬B
∴A
9. O Benfica ou ganha ou não ganha. Se o Benfica ganhar, o Sporting vence o
campeonato. Se o Benfica não ganhar, o Porto vence o campeonato. Portanto o
Sporting ou o Porto vencem o campeonato.
RESPOSTA:
A = O Benfica ganha.
B = O Sporting vence o campeonato.
C = O Porto vence o campeonato.
A⩒¬A
A→B
¬A⭢C
∴B⋁C
10. Se Miguel gosta de Metallica, então vai ao concerto. Se ele vai ao concerto,
então não vai ao cinema nem vai ao teatro. E se ele não vai ao cinema nem ao teatro,
então gosta de Metallica. Logo, Miguel gosta de Metallica se, e apenas se, vai ao
concerto.
RESPOSTA:
A = Miguel gosta de Metallica.
B = Miguel vai ao concerto.
C = Miguel vai ao cinema.
D = Miguel vai ao teatro.
A→ B
B → (¬ C ⋀ ¬ D)
(¬ C ⋀ ¬ D) ⭢ A
∴A↔B
173
7. CONSIDERE O SEGUINTE DICIONÁRIO:
A = Pedro é culpado.
B = Carla é culpada.
C = As provas são forjadas (falsificadas).
D = Uma testemunha mentiu.
E = O criminoso continua livre.
174
Se o criminoso continua livre, então uma testemunha mentiu e Pedro ou
Carla são culpados.
9. (A → E) ⋀ (B → ¬ E)
RESPOSTA:
Se Pedro é culpado, o criminoso continua livre, mas se Carla é culpada, o
criminoso já não está livre.
10. ⦋(A ⋁ B) → C⦌ ⋁ D
RESPOSTA:
Se Pedro ou Carla são culpados, as provas são forjadas, a não ser que uma
testemunha tenha mentido.
AB (A ⋁ B) → B
VV V V
VF V F
FV V V
FF F V
2. ¬ (A ∧ ¬ B)
AB ¬ (A ⋀ ¬ B)
VV V F F
VF F V V
FV V F F
FF V F V
3. A ↔ (B ⋀ A)
AB A ↔ (B ⋀ A)
VV V V
175
VF F F
FV V F
FF V F
4. (A → B) ⋀ (B → A)
AB (A → B) ⋀ (B → A)
VV V V V
VF F F V
FV V F F
FF V V V
5. ¬ (A ⩒ B) → ¬ B
AB ¬ (A ⩒ B) → ¬B
VV V V F V
VF F F V V
FV F V V F
FF V V V V
6. ¬ A → ¬ B
AB ¬ A → ¬B
VV F V F
VF F V V
FV V F F
FF V V V
7. ¬ (A ⋀ B) ↔ ¬ (A ⋁ B)
AB ¬ (A ⋀ B) ↔ ¬ (A ⋁ B)
VV F V V F V
176
VF V F F F V
FV V F F F V
FF V F V V F
8. C ⋀ (A → B)
ABC C ⋀ (A → B)
VVV V V
VVF F V
VFV F F
VFF F F
FVV V V
FVF F V
FFV V V
FFF F V
9. ⦋(C → A) ⋀ B⦌ → A
ABC ⦋(C → A) ⋀ B⦌ →A
VVV V V V
VVF V V V
VFV V F V
VFF V F V
FVV F F V
FVF V V F
FFV F F V
FFF V F V
177
10. ¬ (A ⋁ C) → (¬ B ⋀ ¬ A)
ABC ¬ (A ⋁ C) → (¬ B ⋀ ¬ A)
VVV F V V F F
VVF F V V F F
VFV F V V F F
VFF F V V F F
FVV F V V F V
FVF V F F F V
FFV F V V V V
FFF V F V V V
AB A→B ∴ B→A
VV V V
VF F V
FV V F
FF V V
2. A ↔ ¬ B ∴ ¬ B → A
AB A↔ ¬B ∴ ¬B →A
VV F F F F
VF V V V V
FV V F F V
FF F V V F
178
3. ¬ (A ⋀ B) ∴ ¬ A ⋁ ¬ B
AB ¬ (A ⋀ B) ∴ ¬A ⋁ ¬B
VV F V F F F
VF V F F V V
FV V F V V F
FF V F V V V
4. ¬ (A ⋀ B), ¬ A ∴ ¬ B
AB ¬ (A ⋀ B), ¬A ∴ ¬B
VV F V F F
VF V F F V
FV V F V F
FF V F V V
5. A → (B ⩒ C), ¬ C ∴ ¬ A
ABC A → (B ⩒ C), ¬C ∴ ¬A
VVV F F F F
VVF V V V F
VFV V V F F
VFF F F V F
FVV V F F V
FVF V V V V
FFV V V F V
FFF V F V V
AB A → B, B ∴ A
VV V V V
VF F F V
FV V V F
FF V F F
AB A → B ∴ ¬A ⋁ B
VV V F V
VF F F F
FV V V V
FF V V V
3. Dado que Manuel estuda ou não passa de ano, ele não vai passar de ano, pois
não estuda.
RESPOSTA:
A = Manuel estuda.
180
B = Manuel passa de ano.
AB A ⋁ ¬ B, ¬A ∴ ¬B
VV V F F F
VF V V F V
FV F F V F
FF V V V V
AB ¬ (A ⋀ B) ∴ ¬A ⋀ ¬B
VV F V F F F
VF V F F F V
FV V F V F F
FF V F V V V
AB B → A, B ∴ A ↔ B
VV V V V
VF V F F
FV F V F
181
FF V F V
6. Se Maria não é culpada, também João não é culpado. Portanto, Maria não é
culpada, a não ser que João o seja.
RESPOSTA:
A = Maria é culpada.
B = João é culpado.
AB ¬A → ¬ B) ∴ ¬A ⋁ B
VV F V F F V
VF F V V F F
FV V F F V V
FF V V V V V
AB A ⋁ ¬ A, A → B ¬ A → B ∴ B
VV V F V F V V
VF V F F F V F
FV V V V V V V
FF V V V V F F
182
A = Abriste o computador.
B = Enviaste o registo.
C = A garantia é nula.
ABC (A ⋁ ¬ B) → C, ¬ A ⋀ B ∴ ¬ C
VVV V F V F F F
VVF V F F F F V
VFV V V V F F F
VFF V V F F F V
FVV F F V V V F
FVF F F V V V V
FFV V V V V F F
FFF V V F V F V
9. O Benfica ganha, a não ser que o Porto e o Sporting empatem. Mas o Sporting
não empata. Logo, o Benfica ganha.
RESPOSTA:
A = O Benfica ganha.
B = O Porto empata.
C = O Sporting empata.
ABC A ⋁ (B ⋀ C), ¬B ∴ A
VVV V V F V
VVF V F F V
VFV V F V V
VFF V F V V
FVV V V F F
FVF F F F F
FFV F F V F
FFF F F V F
183
10. Se tudo é material, tudo obedece às leis da natureza. E não somos livres se
tudo obedece às leis da natureza. Por isso, não somos livres somente se tudo é
material.
RESPOSTA:
A = Tudo é material.
B = Tudo obedece às leis da natureza.
C = Somos livres.
ABC A → B, B → ¬C ∴ ¬C → A
VVV V F F F V
VVF V V V V V
VFV F V F F V
VFF F V V V V
FVV V F F F V
FVF V V V V F
FFV V V F F V
FFF V V V V F
184
1. A → B ∴ ¬ B → ¬ A
RESPOSTA: Forma E (contraposição).
2. A → B, B ∴ A
RESPOSTA: Falácia G (afirmação da consequente).
3. ¬ A → B, ¬ A ∴ B
RESPOSTA: Forma A (modus ponens).
4. ¬ A → ¬ B, ¬ B → C ∴ ¬ A → C
RESPOSTA: Forma D (silogismo hipotético).
5. ¬ B, A → ¬ B ∴ A
RESPOSTA: Falácia G (afirmação da consequente).
6. ¬ ⦋(A → B) ⋀ C⦌ ∴ ¬ (A → B) ⋁ ¬ C
RESPOSTA: Forma F (leis de De Morgan).
7. (A ⋀ B) → C, ¬ C ∴ ¬ (A ⋁ B)
RESPOSTA: Forma B (modus tollens).
8. ¬ A, ¬ A → (B → C) ∴ B → C
RESPOSTA: Forma A (modus ponens).
9. (¬ A ⋀ B) ⋁ C, ¬ C ∴ ¬ A ⋀ B
RESPOSTA: Forma C (silogismo disjuntivo).
10. (A ⋀ ¬ B) → (C ⋁ ¬ D), ¬ (A ⋀ ¬ B) ∴ ¬ (C ⋁ ¬ D)
RESPOSTA: Forma H (negação da antecedente).
3. Se Becky é uma gata, então não gosta de cães e gosta de caçar pássaros. Se
tem estes gostos, não é bom ter outros animais em casa. Por isso, se Becky é uma gata,
então não é bom ter outros animais em casa.
RESPOSTA:
A = Becky é uma gata.
B = Becky gosta de cães.
C = Becky gosta de caçar pássaros.
D = É bom ter outros animais em casa.
A → (¬ B ⋀ C), (¬ B ⋀ C) → ¬ D ∴ A → ¬ D
Forma D (silogismo hipotético).
5. Paulo é culpado se Pedro é culpado, a não ser que Joana esteja envolvida.
Mas Joana não está envolvida. Por isso, se Pedro é culpado, Paulo também é culpado.
RESPOSTA:
A = Paulo é culpado.
186
B = Pedro é culpado.
C = Joana está envolvida.
(B → A) ⋁ C, ¬ C ∴ B → A
Forma C (silogismo disjuntivo).
ARGUMENTOS INFORMAIS
Todos estes argumentos, embora sejam distintos, são informais, porque a sua
força não depende apenas da sua forma lógica.
Por exemplo:
a) Cada um dos cisnes observados até agora é branco.
Logo, todos os cisnes são brancos.
Como, no que se refere ao ser branco, qualquer cisne parece ser um caso
representativo para todos os outros, e como, por outro lado, até à data, não se acharam
188
contra-exemplos relativamente a esta conclusão, pode-se considerar o exemplo acima
dado uma generalização (indutiva) válida.
b) O xarope para a tosse que o meu primo tomou provocou-lhe graves problemas
de saúde.
Logo, todos os xaropes fazem mal à saúde.
Por exemplo:
c) Em todos anos passados de que se tem conhecimento, no mês de agosto, as
temperaturas foram mais elevadas do que no mês de janeiro.
Logo, no mês de agosto deste ano, as temperaturas serão mais elevadas do que
no mês de janeiro.
A premissa partilhada por estes argumentos diz respeito àquilo que se observou
em diversos casos particulares, que, no fundo, constituem uma amostra. Em ambos os
casos, a conclusão ultrapassa a informação contida nas premissas. No primeiro
exemplo/argumento da generalização, conclui-se que todos os cisnes, e não só os que
189
já foram observados, são brancos. Já no primeiro exemplo/argumento da previsão,
conclui-se que o próximo cisne que será observado, à semelhança dos que já foram
observados, há-de ser branco.
190
Os argumentos por analogia argumentam a partir de um caso ou exemplo
específico para provarem que outro caso, semelhante ao primeiro em muitos
aspetos, é também semelhante num outro aspeto determinado.
Anthony Weston (2019) A Arte de Argumentar, Lisboa Gradiva, pp. 43-44 (adaptado)
191
argumento por analogia é considerado válido quando as semelhanças entre as
realidades (comparadas) são mais relevantes do que as diferenças.
O Universo é infinito.
A sociedade é tão complexa como o Universo.
Logo, a sociedade é infinita.
Comentando o exemplo imediatamente acima dado, não se pode dizer que uma
sociedade e o Universo sejam semelhantes de um modo relevante, sobretudo se
tivermos em conta as grandes diferenças que existem entre uma coisa e outra,
pelo que o argumento se revela inválido (falacioso).
Para determinar em que medida as premissas de uma analogia confirmam a sua
conclusão, podemos recorrer a certos critérios, sendo dois deles os seguintes:
► Uma analogia não é forte se os objetos comparados não forem
semelhantes nos aspetos relevantes.
Com este critério, pode-se questionar o primeiro argumento apresentado que
compara o universo a uma máquina, alegando que o universo não é realmente como
uma máquina, já que existem diferenças significativas entre o universo e as máquinas.
Por exemplo, sabemos que as máquinas foram programadas para desempenhar uma
192
determinada função, mas já não sabemos se o universo foi programado e se tem uma
função.
► Quanto maiores forem as semelhanças relevantes (mais importantes) entre
os objetos comparados nas premissas, mais estas confirmam a sua conclusão.
A relevância das semelhanças depende daquilo que está em questão.
ARGUMENTOS DE AUTORIDADE
4. O argumento não pode ser mais fraco do que outro argumento contrário
(com o qual tenha que se debater ou contra o qual tenha que argumentar).
b) As maiores organizações de defesa dos direitos dos animais afirmam que uma
dieta integralmente vegetariana é a mais saudável.
Logo, uma dieta integralmente vegetariana é mais saudável.
193
c) Os maiores toureiros do mundo garantem que as touradas não provocam
qualquer sofrimento aos touros.
Logo, as touradas não provocam qualquer sofrimento aos touros.
Isto mostra que o argumento a) é insatisfatório, pois, apesar de ser verdade que
Platão e Descartes foram grandes filósofos que refletiram profundamente sobre a
imortalidade da alma humana, sendo, por isso, autoridades competentes no que respeita
a este assunto, muitos outros filósofos igualmente reputados (reconhecidos e
respeitados) como, por exemplo, o grande filósofo alemão Friedrich Nietzsche, negaram
que a alma humana seja imortal, o que significa que existem autoridades igualmente
competentes que contradizem a opinião de Platão e de Descartes sobre a imortalidade
da alma, pelo que não podemos tomar a sua opinião como uma justificação satisfatória
para acreditar que temos uma alma imortal.
Para além disto, existe uma outra condição ou requisito, que é, como já foi dito
atrás, a imparcialidade:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
195
1. Identifique os argumentos não dedutivos a que no texto se faz referência.
3. Explicite os requisitos que uma generalização tem que cumprir para ser
válida.
4.1.2 Identifique os critérios que nos são úteis para saber/determinar se uma
generalização ou uma previsão é indutivamente forte?
5.1.1 Enuncie os critérios que são usados para determinar em que medida as
premissas de uma analogia confirmam a sua conclusão.
6.1 Explicite os requisitos que estes argumentos devem cumprir para ser
válidos.
FALÁCIAS INFORMAIS
DEFINIÇÃO DE FALÁCIA
197
À lógica não compete pronunciar-se acerca das intenções de quem comete as
falácias, uma vez que tal assunto é de natureza ética e moral – à lógica interessa
somente a análise das diferentes modalidades da argumentação falaciosa.
Como vimos já, existem dois tipos de falácias: as falácias formais e as falácias
informais. As falácias formais são aquelas que não respeitam as regras lógicas de
inferência válida porque têm uma forma dedutivamente inválida – por exemplo: Se
chove, fico em casa. Fico em casa. Logo, chove. Sabemos que, para ser válido, o
raciocínio ou inferência deveria ter a seguinte forma lógica (já que não é pelo facto de
eu ficar em casa que chove ou deixa de chover): Se chove, fico em casa. Chove.
Logo, fico em casa.
As falácias informais, por sua vez, são argumentos inválidos, mas cuja
invalidade, diferentemente das falácias formais, não resulta de uma deficiência
lógica (formal), mas sim do próprio conteúdo do argumento (material), que acaba
por ser inválido, mas sem o parecer.
Assim, podemos dizer que as falácias informais (que são aquelas de que nos
vamos ocupar agora) são pseudoargumentos (falsos argumentos), aparentemente
válidos, as quais, pela forma “engenhosa” e “artificiosa” como são construídos, exigem
um espírito muito atento e perspicaz por parte de todo aquele que quiser detetá-las
como tal.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
1. Defina falácia.
O meu avô fumava dois maços de tabaco por dia e viveu até aos noventa anos.
Logo, o tabaco não faz mal à saúde.
Outro exemplo:
198
O João é estudante.
O João é mau aluno.
Logo, todos os estudantes são maus alunos.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
Suponha-se que estamos numa época em que quase só os mais ricos têm
telefone. Dada esta suposição, encontramos a falácia da amostra não representativa
no seguinte argumento:
Noventa por cento das dez mil pessoas contactadas telefonicamente afirmaram
que tencionam votar no Partido dos Ricos.
Logo, o Partido dos Ricos vai ganhar as eleições com noventa por cento dos
votos.
O problema deste argumento é que a amostra, embora não seja reduzida, não
representa adequadamente o universo do eleitorado. Como quase só os ricos têm
199
telefone, a amostra, por conter apenas pessoas com telefone, é muito enviesada (denota
grande falta de rigor e fiabilidade), já que contém um número desproporcionalmente
elevado de pessoas ricas. Para ser representativa, a amostra deveria incluir, de
forma proporcional, eleitores das diversas classes socioeconómicas.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
200
Incorre-se numa falsa analogia quando, num argumento, supostamente por
analogia, se ignoram diferenças relevantes entre os objetos comparados. Neste
caso, ignora-se o facto de a cerveja, ao invés do sumo de laranja, conter álcool.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
201
Logo, a heroína é a melhor substância que existe para combater o stress.
Exemplos:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
203
Exemplos:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
204
6. FALÁCIA DO FALSO DILEMA
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
A expressão “post hoc, ergo propter hoc” significa “depois disto, logo, por causa
disto”. Neste sentido, a falácia da causa falsa surge sempre que se toma como
causa de algo aquilo que é apenas um antecedente ou uma qualquer circunstância
acidental.
No fundo, pressupõe-se a existência de uma relação/ligação entre uma
determinada causa ou antecedente e um determinado efeito ou consequente que
não existe.
206
Dois exemplos:
Fiquei com dores de cabeça no dia em que a minha avó fez um bolo. O bolo foi a
causa das minhas dores de cabeça.
Mais precisamente, teremos aqui uma falácia da causa falsa (“post hoc, ergo
propter hoc”): infere-se (conclui-se) que A é causa de B simplesmente porque A
ocorreu antes de B.
De um modo mais geral, a falácia da causa falsa consiste em inferir (concluir)
precipitadamente a existência de uma relação causal (relação causa-efeito) a partir
dos dados que se têm disponíveis (e entre os quais não se verifica qualquer
correlação), ignorando (propositadamente ou não, depende da boa fé ou da má fé de
quem a comete) o facto de, efetivamente, não existir a conexão (ligação) que sugere
existir entre eles. Ora, ignorar esta esta ausência de conexão ou relação causal é
incorrer numa falácia da causa falsa.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
207
“Tenho a certeza de que o povo português não vai votar no seu partido porque
sabem que não seria bom para o país ter como primeiro-ministro uma pessoa como
você, um homossexual assumido!”
“Você defende que as touradas devem acabar porque você não passa de um
intelectual da cidade, completamente desligado da vida rural. Portanto, as touradas não
devem acabar.”
208
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
209
Sabemos que, por serem alvo deste tipo de ameaças, há muitas pessoas que não
fazem a defesa de certas ideias em público porque cedem, para sua própria segurança,
à pressão que certos grupos exercem sobre elas e ao medo relativamente a reações
violentas que possam afetar a sua integridade física e psicológica, a sua reputação, o
seu prestígio, o seu bom nome, etc. É o momento em que a intimidação e a
chantagem tomam o lugar da razão.
Sendo obviamente falaciosos, tais “argumentos” têm tido e terão um uso
quantitativamente assinalável em virtude da forte pressão psicológica que os
acompanha.
A história da humanidade oferece-nos muitos exemplos e estes métodos não
estão de modo algum ultrapassados…
Vejamos alguns:
A “força” a que se faz apelo não é, pois, a violência física mas sim a pressão
psicológica.
210
ou ideia para se recorrer a meios (pressão psicológica, chantagem emocional) que
nada têm a ver com a razão.
“Meus amigos, o problema com que nos debatemos é muito simples e, portanto,
muito fácil de resolver: ou as minhas ideias são aceites ou então mandarei prender
quem discordar de mim!"
“Mereço um aumento de salário para o próximo ano. Além de mais, sabe como eu
sou amiga da sua mulher, chefe, e tenho a certeza de que você não gostaria que ela
viesse a saber das suas «reuniões de trabalho» com aquela rapariga que você
conheceu em Penafiel no ano passado…”
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
211
emoções para tornar persuasiva uma ideia ou uma conclusão para a qual não se
encontram nem dados nem provas nem argumentos racionais.
O princípio que orienta quem recorre ao “apelo ao povo” é o de que aquilo que a
maioria das pessoas considera verdadeiro, valioso e agradável é, efetivamente,
verdadeiro, valioso e agradável – a opinião da maioria toma o lugar da verdade.
Exploram-se sentimentos muito humanos como o desejo de “ser como os outros”,
de “ser estimado”, de “ser aceite”, etc.
Com frequência, recorrem a este estratagema os políticos demagogos e
populistas e os publicitários:
212
Os produtos publicitários são associados, explicitamente ou não, a coisas
que desejamos ou que nos impressionam favoravelmente.
Por exemplo, os iogurtes para o pequeno-almoço ou para o lanche são
associados a uma elegância invejável, a proezas atléticas e a uma saúde vibrante.
Associa-se a cerveja à alegria exuberante e a grandes aventuras ou a grandes
eventos desportivos ou festivais musicais.
O automóvel é geralmente associado ao prestígio, ao romance e à riqueza.
Os homens que anunciam os produtos são, na generalidade, de uma invejável
beleza, charme e distinção; as mulheres, sofisticadas, atraentes, lindas – e quase sem
roupa!
Quase todos os estratagemas são usados para orientar a nossa vontade, para
nos persuadir e convencer.
Somos manipulados por incessantes apelos de toda a espécie às nossas
emoções e aspirações mais profundas.
Pensemos nalguns salões de automóveis e nas jovens e sedutoras mulheres
que rodeiam e se exibem nos capôs de determinados modelos. A conclusão a que se
pretende que cheguemos é a de que aquele automóvel é um objeto de sedução, que
garantirá ao seu comprador sucesso na relação com os outros. Ou seja, é esta a
razão (premissa) que se apresenta para justificar a sua compra (conclusão). Ora,
que tal conclusão derive de tal premissa é obviamente falacioso.
Os automóveis não são sedutores, mas como a maioria das pessoas acredita que
os possuidores de certos modelos são sedutores bem-sucedidos, utiliza-se essa crença
para que uma determinada conclusão – você deve comprar este automóvel! – obtenha
aprovação.
Em última análise, os argumentos ad populum não são argumentos
propriamente ditos, mas estratagemas falaciosos para despertar e manipular os
desejos, as paixões e, consequentemente, as decisões da maioria das pessoas,
uma vez que, como se sabe, o apelo aos sentimentos e às emoções é, em muitos
casos, o caminho mais eficaz – e mais curto – para persuadir/convencer um
auditório.
213
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
214
Por exemplo, este tipo de argumento é com frequência utilizado nas escolas por
alguns estudantes, no sentido de convencerem os professores a lhes atribuírem
determinada classificação, tentando justificar a sua falta de estudo através de razões
que não são bem aquelas que correspondem à realidade. Também nos tribunais, por
alguns advogados de defesa, no sentido de obterem o perdão ou absolvição do réu,
apelam, dentro daquilo que as circunstâncias permitem, à piedade, compreensão e
compaixão dos jurados.
Exemplos:
“Mereço uma nota melhor neste teste, professor; porque obter notas baixas deixa-
me deprimido e com uma azia insuportável.”
“Antes de darem o vosso veredito, peço apenas que olhem para este homem que
está à vossa frente e que não olhem para ele como um criminoso, apesar do que foi
apurado no que respeita à sua conduta, mas como um desgraçado a quem a vida nunca
sorriu e que nunca soube o que é viver em condições de conforto material, bem-estar
espiritual e dignidade pessoal.”
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
António defende que não devemos comer carne de animais cujo processo de
industrialização os tenha sujeitado a condições de vida e morte cruéis.
Manuel refuta a posição de António dizendo: “António quer apenas que comamos
alface!”
Note-se que em momento algum António defende que não devemos comer todo e
qualquer tipo de carne, não sugerindo, portanto, que sejamos vegetarianos radicais
(“comer alface”), mas apenas aquele tipo de carne sujeito às condições descritas (cujo
processo de industrialização os tenha sujeitado a condições de vida e morte cruéis). O
argumento é, assim, deturpado, simplificado e até mesmo ridicularizado.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
Esta falácia é cometida sempre que alguém, para refutar (contrariar, combater)
uma tese, apresenta, pelo menos, uma premissa falsa ou duvidosa e uma série de
consequências progressivamente inaceitáveis. Por outras palavras, a pessoa usa
218
um exemplo e “estende-o” (“estica-o”) indefinidamente (“exageradamente”) para
mostrar que um determinado resultado indesejável inevitavelmente se seguirá.
A ideia subjacente (que está ligada) é a de que, se permitirmos uma exceção a
uma regra, então mais e mais exceções se seguirão, o que conduzirá
inevitavelmente ao ponto de a regra ser completamente subvertida
(desrespeitada/não cumprida) ou de haver consequências totalmente indesejáveis.
Podemos até dizer que há neste tipo de falácia uma certa propensão (tendência)
para o alarmismo e para o exagero, uma vez que se radicalizam as consequências
do facto de se abrir uma exceção à regra ou de um precedente, afirmando-se que
tal atitude constitui um risco e um perigo.
219
os casais homossexuais adotarem crianças leve ao fim da família tradicional, nem
que o fim deste modelo de família resulte no fim da sociedade civilizada.
Concluindo, comete-se a falácia da derrapagem, da bola de neve ou do
declive escorregadio quando, invocando uma cadeia causal implausível
(inadmissível, inaceitável), se defende que não devemos aceitar algo sob pena de,
se o fizermos, esse ser o primeiro passo em direção a algo terrível.
Existe, pois, neste tipo de falácia, uma espécie de manipulação do
pensamento no sentido de o paralisar para que este não possa desenvolver-se
livremente.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/EXERCÍCIOS:
220
1. “Não há dúvida de que Karl Marx se enganou ao afirmar que o capitalismo era
uma forma de organização social e política desumana. O que esperavam de um homem
que foi um falhado a um ponto tal que nunca ganhou dinheiro suficiente para sustentar a
família?!”
RESPOSTA:
2. “Quereis uma cidade segura, onde possais passear sem medo à noite? Quereis
pôr fim ao constante aumento dos impostos? Votai em mim!”
RESPOSTA:
3.“Imagina quantas vezes vais ter de copiar este texto se não o estudares para a
próxima aula...”
RESPOSTA:
4. “O deputado Martelinho diz que se está a gastar muito dinheiro com a defesa
da nação. Não me admira um tal disparate vindo de um desses pacifistas que advogam
o desmantelamento do nosso exército.”
RESPOSTA:
5.“Mereço uma nota melhor neste teste, professor; porque obter notas baixas
deixa-me deprimido e com uma azia insuportável.”
RESPOSTA:
6.“O governo ainda não se pronunciou sobre qualquer subida de impostos. Logo,
é falso que vão subir no próximo mês.”
RESPOSTA:
7. “A Bíblia nega que a Terra esteja em movimento. Logo, quem diz que a Terra
gira em torno do Sol está errado.”
RESPOSTA:
8. “Estou a sentir-me muito mal disposto, quase não consigo respirar, por isso
deve ajudar-me e levar-me ao hospital, por favor.”
RESPOSTA:
221
9. Podemos aceitar que existem extraterrestres porque até agora não se provou
que não existem.
RESPOSTA:
11. O teu ponto de vista não tem qualquer sentido porque passaste os últimos
cinco anos numa instituição psiquiátrica.
RESPOSTA:
RESPOSTA:
13. Os meus pais castigam o meu irmão sempre que este chega tarde a casa.
Um dia, como se atrasou apenas cinco minutos, os meus pais foram condescendentes e
não o castigaram. Assim, o meu irmão nunca mais chegará a horas a casa e o seu
tempo de atraso será cada vez maior. Mais tarde, será igualmente condescendente com
os filhos dele e aí será o descalabro, pois, estará a criar seres irresponsáveis que nunca
chegarão a horas a lado nenhum, estando mesmo sujeitos a perder o emprego por
despedimento por justa causa: a impontualidade.
RESPOSTA:
RESPOSTA:
15. Acho bem que obtenhas boas notas, caso contrário vais varrer ruas!
RESPOSTA:
222
16. Fui eu quem cometeu esse crime, mas não mereço uma pena tão pesada,
pois tenho filhos para criar e, para além disso, o som das grades da prisão deixa-me
deprimido e acabará por me tornar psicótico.
RESPOSTA:
17. Dizem vocês que o assédio verbal é tão grave como a violência física?! Pelo
amor de Deus, vocês querem é criminalizar o piropo (graçola inconveniente e quase
sempre a apontar para a maldade)!
RESPOSTA:
18. O texto que se segue apresenta algumas falácias informais. Refira quais as
passagens falaciosas, identificando a falácia respetiva.
223
1. “Não há dúvida de que Karl Marx se enganou ao afirmar que o capitalismo era
uma forma de organização social e política desumana. O que esperavam de um homem
que foi um falhado a um ponto tal que nunca ganhou dinheiro suficiente para sustentar a
família?!”
2. “Quereis uma cidade segura, onde possais passear sem medo à noite? Quereis
pôr fim ao constante aumento dos impostos? Votai em mim!”
3.“Imagina quantas vezes vais ter de copiar este texto se não o estudares para a
próxima aula...”
4. “O deputado Martelinho diz que se está a gastar muito dinheiro com a defesa
da nação. Não me admira um tal disparate vindo de um desses pacifistas que advogam
o desmantelamento do nosso exército.”
5.“Mereço uma nota melhor neste teste, professor; porque obter notas baixas
deixa-me deprimido e com uma azia insuportável.”
6.“O governo ainda não se pronunciou sobre qualquer subida de impostos. Logo,
é falso que vão subir no próximo mês.”
7. “A Bíblia nega que a Terra esteja em movimento. Logo, quem diz que a Terra
gira em torno do Sol está errado.”
224
RESPOSTA: FALÁCIA DO APELO À AUTORIDADE NÃO-QUALIFICADA
(argumentum ad verecundiam).
8. “Estou a sentir-me muito mal disposto, quase não consigo respirar, por isso
deve ajudar-me e levar-me ao hospital.”
9. Podemos aceitar que existem extraterrestres porque até agora não se provou
que não existem.
11. O teu ponto de vista não tem qualquer sentido porque passaste os últimos
cinco anos numa instituição psiquiátrica.
13. Os meus pais castigam o meu irmão sempre que este chega tarde a casa.
Um dia, como se atrasou apenas cinco minutos, os meus pais foram condescendentes e
não o castigaram. Assim, o meu irmão nunca mais chegará a horas a casa e o seu
tempo de atraso será cada vez maior. Mais tarde, será igualmente condescendente com
os filhos dele e aí será o descalabro, pois, estará a criar seres irresponsáveis que nunca
chegarão a horas a lado nenhum, estando mesmo sujeitos a perder o emprego por
despedimento por justa causa: a impontualidade.
225
RESPOSTA: FALÁCIA DA DERRAPAGEM, BOLA DE NEVE ou DECLIVE
ESCORREGADIO.
15. Acho bem que obtenhas boas notas, caso contrário vais varrer ruas!
16. Fui eu quem cometeu este crime, mas não mereço uma pena tão pesada,
pois, tenho filhos para criar e, para além disso, o som das grades da prisão deixa-me
deprimido e acabará por me tornar psicótico.
17. Dizem vocês que o assédio verbal é tão grave como a violência física?! Pelo
amor de Deus, vocês querem é criminalizar o piropo (piadinhas der mau gosto)!
18. O texto que se segue apresenta algumas falácias informais. Refira quais as
passagens falaciosas, identificando a falácia respetiva.
227
O homem, ao longo da sua existência, tem criado e desenvolvido formas de ser e
de estar no mundo (as quais se resumem àquilo a que chamamos Cultura) que o
distinguem completamente das demais espécies que com ele partilham o planeta. Vive e
reflete sobre o que vive, interroga-se sobre a natureza e sobre si próprio; procura dar
uma resposta a essas interrogações; passa, enfim, para uma dimensão superior (que
ultrapassa, como vimos já, o nível do imediatamente vivido) em que procura adaptar-se
ao mundo através de múltiplas formas – não se limita apenas a sobreviver e perante
as experiências que vai tendo, diante de tudo o que o rodeia, procura, através da sua
capacidade reflexiva, interpretativa e discursiva, dar-lhes um significado e uma
ordem (sentido).
Nesta nossa disciplina (Filosofia – 10º ano) temos andado, então, a ver alguns
aspetos que se ligam de um modo muito específico e muito direto ao homem, dos quais
se destacam, em primeiríssima linha, o pensamento e a linguagem (capacidades que,
como sabemos, mais nenhum ser, para além daquele, manifestou), estando, estas
mesmas capacidades, exclusivamente humanas, ligadas a todas as formas de lidar
com a vida e com o mundo, as quais, por sua vez, existem graças àquilo que poderemos
designar por ação humana.
Aqui, há uma série de questões que se devem colocar, antes de mais, e que são
as seguintes:
O que é ação ou agir?
Que condições básicas são necessárias para que possamos falar de ação
ou agir?
Haverá alguma diferença entre fazer e agir?
Será a ação ou o agir uma capacidade exclusivamente humana?
O que vem a ser, afinal, a ação humana?
Estas são algumas das questões de que nos vamos ocupar para tentar
compreender porque é que a ação humana é, efetivamente, uma noção importante para
ajudar a definir o ser humano …
228
perceber o que é, afinal, a ação humana e em que medida esta se distingue do
comportamento animal:
229
Porque é que nos parece ser o seu valor mais autêntico e o seu gesto mais difícil de
executar que o das formigas? Qual será a diferença entre um e outro caso?
CONCLUSÃO:
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
230
Que atos são esses que nos são próprios, que reconhecemos como nossos e
pelos quais cada um se exprime e manifesta?
Esses atos, que ao longo da nossa vida, nos individualizam e nos distinguem de
todos os outros seres, são genericamente chamados os atos conscientes, voluntários
(que resultam da nossa própria vontade consciente) e intencionais.
A este propósito, diz-nos o pensador contemporâneo John Searle:
“Por ação entendo o comportamento humano voluntário e intencional. Entendo
coisas: como caminhar, correr, cozinhar, comer, votar nas eleições, casar-se, negociar,
ir de férias, trabalhar no emprego... Não entendo coisas: como digerir, envelhecer ou
ressonar.
Verdadeiramente excluído da ação voluntária ficará todo aquele conjunto de atos
que nos são impostos, ou por alguém ou pela natureza/biologia, e que escapam,
portanto, tanto ao nosso controlo como à nossa vontade.”
Assim sendo, como poderemos definir um ato voluntário? Como caracterizá-
-lo?
Vamos tentar fazer aquilo que os especialistas chamam a gramática da ação, ou
seja, vamos caracterizar a ação humana voluntária através dos seguintes conceitos
nucleares/fundamentais:
231
– A realização dessas intenções pressupõe um conjunto de
conhecimentos, capacidades, habilidades, atitudes, hábitos, etc., sem os quais não
serão realizáveis… por exemplo: posso ter um enorme desejo de ser um modelo
fotográfico, um campeão olímpico ou uma estrela de música, mas, se, à partida, eu não
possuir as diversas competências exigidas não poderei decidir orientar-me para uma tal
carreira; esse propósito ou projeto não está em meu poder, ultrapassa-me.
Por isso se afirma que a decisão é um juízo que designa categoricamente a
ação a realizar: é uma escolha ou opção (preferência), o que nos obriga a reconhecer
que todas as nossas decisões são sempre uma espécie de aposta ou
compromisso que exige a aceitação do risco e, como tal, a possibilidade do
fracasso (quem opta por uma possibilidade, entre outras, arrisca-se sempre a falhar).
Simultaneamente, é graças às nossas decisões que nós assumimos a direção e a
execução dos nossos atos e, como tal, escolhemo-nos e construímo-nos a nós
próprios. A decisão é, não o esqueçamos, uma característica exclusivamente
humana.
232
aquele que tem o poder de a realizar, produzindo, por sua iniciativa, alterações no
decurso das coisas; o agente é quem pode responder: “Eu!” perante a pergunta:
“Quem fez isto?”
Tal como o ator no teatro, também cada um de nós, ao longo da vida,
desempenha o seu papel, isto é, realiza melhor ou pior os atos que lhe competem; a
diferença essencial está em que, no agir humano, o papel não é distribuído à partida, ele
vai sendo escolhido, decidido, criado por nós.
Como o sujeito da ação humana é verdadeiramente o autor e o agente dos atos
que pratica, nessa condição, ele terá sempre que responder por esses mesmos atos
(que lhe são imputados), entrando, então, aqui o incontornável compromisso da
responsabilidade, aliado ao exercício da liberdade, de tal forma que, sintetizando,
podemos afirmar que a prática de uma ação pressupõe sempre a liberdade e, esta,
por sua vez, implica sempre a assunção (o assumir) da responsabilidade, uma vez
que para que se possa praticar qualquer ato que seja digno desse nome e se
possa responder pelas suas consequências, esse mesmo ato tem que ter sido
praticado em plena liberdade – como vemos, apesar de parecer um argumento circular
como se de uma falácia se tratasse, estes três conceitos fazem sentido, estão
interligados e implicam-se mutuamente).
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
233
Todos distinguimos intuitivamente (sem esforço de raciocínio) as ações que nós
próprios praticamos (que dependem de nós) daquilo que nos acontece (que não
depende de nós).
Nas ações que praticamos, há uma certa causalidade ou iniciativa que parte
de nós no sentido de chegarmos a um determinado resultado. Naquilo que nos
acontece, limitamo-nos a ser receptores de efeitos que nós não causámos ou
iniciámos.
Por exemplo: jogar no Euromilhões é uma ação minha (depende da minha
vontade); sair-me o Euromilhões é algo que me acontece (já não depende da minha
vontade, por muito que eu o deseje…).
Levar a carteira para ir às compras é uma ação minha; perder a carteira é
algo que me acontece (embora também possa haver alguma responsabilidade na
ocorrência desse facto; desleixo, por exemplo…).
Quando o ladrão me rouba o dinheiro, o roubo do meu dinheiro é uma ação
que o ladrão realiza, executa ou pratica (é uma ação dele), mas, a mim, é algo que
me acontece. O autor da ação é o ladrão, não eu. Ele rouba-me (ação, para ele), eu
sou roubado (acontecimento, para mim).
Também não chamamos ações aos aspetos da nossa conduta de que nos damos
conta mas que não efetuamos intencionalmente – o que implica distinguir atos
voluntários de atos involuntários.
Entre as ações que praticamos, umas praticamo-las voluntariamente, porque
queremos realizá-las, enquanto outras praticamo-las involuntariamente, isto é, sem
querermos.
Fazemos voluntária ou intencionalmente as coisas que fazemos querendo fazê-
-las, conscientemente e propositadamente. Em tais casos, dizemos que temos a
intenção ou o propósito de fazer o que fazemos.
Todavia, também há coisas que fazemos sem querer fazê-las,
(involuntariamente), como ressonar, espirrar, tremer de frio ou transpirar de calor – são
todas elas ações que não está nas nossas mãos controlar. Cantamos porque queremos,
mas ressonamos (se for caso disso) ainda que não queiramos.
Assim, há coisas que fazemos conscientemente sem que, porém, a sua
realização corresponda a uma intenção nossa.
Damo-nos conta de alguns dos nossos tiques e de muitos dos nossos atos
reflexos, contudo realizamo-los involuntariamente, constatamo-los quase como
234
espetadores, não os efetuamos como agentes (com consciência, liberdade e
intencionalidade). Podemos, por exemplo, dar-nos conta, pelo que sentimos depois de
comer, de que estamos a fazer a digestão; mas fazer a digestão não constitui uma ação,
visto tratar-se de um ato espontâneo, involuntário, natural, orgânico.
Resumindo, não são os acontecimentos que distinguem e caracterizam os
atos do ser humano na medida em que um ato humano pressupõe sempre uma
vontade, propósito ou intenção, consciente e deliberada, por parte de quem o
pratica (o agente).
Assim, rigorosamente considerados, só os atos conscientes, voluntários e
intencionais poderão inscrever-se no âmbito da ação humana e, consequentemente,
ser considerados como tal.
PROPOSTADE ATIVIDADES/QUESTÕES:
235
Em termos gerais, condicionantes da ação humana são todos aqueles
aspetos, fatores ou circunstâncias da nossa vida aos quais não podemos fugir e
que influenciam/determinam, de modo decisivo, as nossas ações, a nossa
personalidade, enfim, a nossa vida…
Podemos considerar que existem dois grandes tipos de condicionantes da
ação humana – as condicionantes individuais e as condicionantes socioculturais:
1. CONDICIONANTES INDIVIDUAIS
236
nossos atos, sem que necessariamente tenhamos consciência disso; vejamos alguns
exemplos:
O amor que se dedica a alguém, o medo de ser assaltado, as desavenças com
um amigo, a derrota do nosso clube de futebol, a boa disposição que nos invade quando
abrimos a janela do quarto e nos deparamos com uma manhã cheia de sol ou a alegria
decorrente de um sucesso obtido num exame, criam em nós estados psicológicos que
nos predispõem a agir de uma forma especial ou específica.
Assim, sentimentos ou estados de alma (sentimentos e emoções) como a alegria,
a tristeza, o amor, o ódio, o desânimo, a angústia, a ansiedade, a inquietação, a euforia,
o receio, o medo, o pavor, etc., constituem exemplos de estados psicológicos pelos
quais muitas vezes passamos e que são capazes de nos motivar para concretizarmos
determinados tipos de ações que seriam totalmente diferentes se os estados
emocionais fossem outros.
2. CONDICIONANTES SOCIOCULTURAIS
237
para a outra, diferem não somente as relações sociais, como também as formas de
aproveitamento da natureza, os recursos técnicos e científicos, os sistemas de valores,
os conceitos de educação, de cultura, de sociedade, de liberdade, etc.
Por isso, quando queremos compreender, por exemplo, a personalidade e
atividade de um cientista, de um filósofo, de um político ou de um artista, há que fazer o
enquadramento histórico adequado, atendendo às condições temporais, espaciais e
culturais em que viveram ou vivem cada um deles.
De facto, também a cultura (com os seus padrões ou normas culturais) é capaz
de atuar sobre o indivíduo moldando-lhe o comportamento segundo formas que ele
próprio não escolheu.
Para além de serem condicionantes, a cultura e os padrões culturais possuem
um carácter constrangedor (limitativo) sobre as nossas formas de ser, estar e agir muito
forte (quase de “obrigatoriedade”), pelo que somos praticamente “obrigados” a seguí-los
(uma vez que a pressão social é algo que está sempre presente nas nossas vidas), sob
pena de sermos censurados e, consequentemente, rejeitados/marginalizados pelos
restantes membros da sociedade/cultura a que pertencemos.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
“Todo aquele que conseguir viver isoladamente ou é um Deus ou uma besta, mas
não um ser humano.”
Aristóteles
3. Apresente um breve comentário crítico, pessoal, relativamente ao
conteúdo da frase supracitada.
238
Quando tinha seis anos de idade, João ia de carro com o pai e este foi apanhado
em excesso de velocidade. Então, o pai meteu uma nota de € 100 dentro da carta de
condução e entregou ao agente da guarda. “Não há problema, miúdo”, disse o pai,
“Toda a gente faz o mesmo”.
Quando tinha oito anos, João assistiu a uma reunião familiar em que se estudava
o modo mais eficaz de “aldrabar” a declaração do IRS. “Não há problema, miúdo”, disse
o tio, “Toda a gente faz o mesmo”.
Quando tinha dez anos, a mãe do João levou-o ao teatro. O empregado da
bilheteira dizia que já não tinha bilhetes, mas a mãe resolveu a situação com uma nota
de € 10. “Não há problema, miúdo”, disse a mãe, “Toda a gente faz o mesmo”.
Aos doze anos, quando ia para a escola, João partiu os óculos. A sua tia, que o
acompanhava, relatou à companhia de seguros que os óculos foram “roubados” e lá
receberam a respetiva compensação monetária. “Não há problema, miúdo”, disse a tia,
“Toda a gente faz o mesmo”.
Aos quinze anos, quando João jogava futebol na equipa do seu bairro, o treinador
ensinou-o a pressionar os adversários, agarrando-os pela camisola, sem que ninguém
visse. “Não há problema, miúdo”, disse o treinador, “Toda a gente faz o mesmo”.
Aos dezasseis anos, João foi trabalhar, nas férias de Verão, para um
supermercado. Aí foi avisado, pelo gerente, que tinha de colocar os morangos
demasiado maduros ou quase podres por baixo dos de melhor qualidade para que as
pessoas pensassem que estavam todos em bom estado. “Não há problema, miúdo”,
disse o gerente, “Toda a gente faz o mesmo”.
Aos dezassete anos, na escola, João foi abordado por um aluno mais velho que
lhe ofereceu a resolução de uma prova de Matemática por € 50. “Não há problema,
meu”, disse o colega, “Toda a gente faz o mesmo”.
As coisas, no entanto, correram mal. João foi apanhado a copiar, viu a prova
anulada e, com o consequente zero, reprovou na disciplina. A reação não se fez
esperar:
“Como é que pudeste fazer-nos passar por uma vergonha destas, a mim, à tua
mãe e aos teus irmãos?!” (gritava o pai) “Cá em casa NÃO TE ENSINAMOS coisas
destas!
239
O apreço pela ordem social, o reconhecimento do papel das leis, o respeito pelos
outros, descobri-os através do meu pai. Era um homem de dever; um homem rigoroso.
Rigoroso no cumprimento dos regulamentos e das leis, em primeiro lugar! Irritavam-no
essas “manias portuguesas” que são o “desenrascanço”, a “arte de enganar” e de
“contornar a lei”. Quando íamos de carro, não me lembro de o ver a impedir os peões de
fazerem uso da sua prioridade para atravessar a rua nas passadeiras, nem a ultrapassar
a velocidade permitida. Nunca estacionava de modo a prejudicar os outros nem
conduzia de forma agressiva. Uma multa para ele era uma vergonha e uma desonra.
Não fugia aos impostos, que pagava sempre atempadamente, nem suportava dívidas.
Não alinhava em “esquemas” ou “negociatas”. Não subornava ninguém nem se deixava
corromper.
Em sociedade, evitava falar muito alto, impor à viva força a sua opinião ou pôr-
-se em destaque, pois, considerava esse tipo de comportamento ridículo! Gostava da
descrição e dispensava o protagonismo. Nunca se exaltava com um empregado que lhe
trazia uma água em vez do café que ele tinha pedido. Não se tratava nem de excesso de
humildade nem de falta de coragem, pois, vi-o, por várias vezes, não hesitar em
enfrentar com firmeza, e até mesmo com alguma “violência”, aqueles que, por desleixo,
não cumpriam os seus deveres ou aqueles que, com um ar superior, tratavam mal ou
rebaixavam os mais humildes. Horrorizavam-no a arrogância e a insolência. Detestava
as pessoas convencidas, dominadoras e excessivamente seguras de si. Desprezava a
vulgaridade, a futilidade e a superficialidade.
Mas, a par desta força de caráter, o meu pai tinha igualmente respeito pelas
pessoas, pelos outros... Não queria transtornar nem incomodar. Nunca tentava, em
situação alguma, passar antes da sua vez. Era pontual em todas as circunstâncias e
nunca fazia esperar ninguém.
Não fumava e dizia que, se fumasse, nunca incomodaria os outros com o fumo do
seu vício. Não cuspia nem deitava papéis para o chão.
Recusava-se a invadir o território do vizinho nem fazia barulho. Lembrava-se
sempre que, ao seu lado, moravam outras pessoas que, tal como ele, também tinham
direito ao seu sossego, ao seu descanso e à sua privacidade.
Em suma, reconhecia a cada um o seu direito à existência!
O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO
240
A expressão livre-arbítrio designa a capacidade para decidir ou arbitrar entre
as nossas ações e realizá-las, de modo livre.
A tese de que somos dotados de livre-arbítrio dirá, portanto, que algumas das
nossas ações são, pelo menos parcialmente, livres.
Esta é uma questão que nos remete para o problema do livre-arbítrio, um dos
mais importantes problemas filosóficos sobre a ação humana e um dos que mais
impacto têm sobre o modo como nos concebemos a nós próprios.
Por oposição a livre-arbítrio temos o determinismo, que defende que tanto os
acontecimentos naturais como as ações humanas são inteiramente determinados
por fatores que não controlamos.
É evidente que as nossas ações são quase sempre influenciadas ou
condicionadas, em diferentes graus, por fatores que limitam o nosso campo de
escolhas. Dadas as leis da física e a constituição do nosso corpo, não podemos
levantar voo como uma ave (condicionantes biológicas e morfológicas). Também é óbvio
que as nossas ações estão condicionadas por fatores histórico-culturais – ninguém
pode dizer que a história e a cultura da comunidade ou povo ao qual pertence não têm
influência nas suas formas de ser, de estar, de pensar, de agir, etc. (condicionantes
histórico-culturais).
Ainda assim, podemos opor-nos ao determinismo, afirmando que, pelo menos
parcialmente, algumas das nossas ações são livres.
À primeira vista, a tese de que temos livre-arbítrio é a mais facilmente aceite, até
porque é a que melhor se adapta às nossas crenças espontâneas, uma vez que nos
parece óbvio que algumas decisões e ações são determinadas pela nossa vontade,
ou exclusivamente ou, pelo menos, numa parte significativa e suficiente para as
considerarmos nossas. O facto de sermos responsabilizados por essas ações e
decisões também joga a favor do livre-arbítrio, pois só se é responsável por ações
cuja escolha é livre.
Mas será que nós, agentes humanos, temos mesmo uma vontade livre? O
livre-arbítrio não passará de uma ilusão, de um reflexo dos limites da nossa
compreensão do universo?
241
DETERMINISMO (FORMULAÇÃO CLÁSSICA DO PROBLEMA)
242
Claro que há muitos acontecimentos que não conseguimos prever. Sabemos
que o cometa Halley voltará a ser visível da Terra em 2061, mas não sabemos se irá
nevar em Bragança na manhã de Natal de 2030. Contudo, isso não quer dizer que
estes acontecimentos estejam determinados. Talvez já estejam determinados, mas
nós é que não conseguimos prevê-los porque não temos informação suficiente sobre as
condições e as leis da natureza que levarão à sua ocorrência. Talvez a indeterminação
do futuro seja apenas uma ilusão, um reflexo dos limites da nossa compreensão do
universo.
Se tudo o que ocorre no universo tem uma causa (ou várias), se nada pode
ocorrer sem que a sua causa ocorra primeiramente, então, como também os
nossos pensamentos e ações ocorrem no universo, também eles ocorrem porque
certas causas ocorreram antes.
INDETERMINISMO
243
A perspetiva indeterminista afirma o seguinte:
244
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
245
A um nível mais geral, face ao problema da relação entre o determinismo e o
livre-arbítrio, há, naturalmente, duas posições:
a) O incompatibilismo (não correspondência entre determinismo e livre-arbítrio),
posição segundo a qual é impossível haver ações livres num universo determinista
(aqui, determinismo e livre-arbítrio excluem-se mutuamente);
b) O compatibilismo (correspondência entre determinismo e livre-arbítrio),
posição segundo a qual temos, de facto, livre-arbítrio, havendo ações livres, mesmo
que o determinismo seja verdadeiro num universo determinista (aqui, determinismo
e livre-arbítrio são compatíveis).
247
LIBERTISMO
Uma crítica a esta tese do libertismo faz notar o seguinte problema: na ação
livre certos factos mentais autónomos (decisões) causam certos movimentos
físicos do nosso corpo. Ora, uma distinção radical entre a natureza mental e a
física torna incompreensível que aquela tenha efeito sobre esta. Seria natural o
mental só ter efeitos sobre o mental e o físico sobre o físico, e não o mental sobre
o físico.
Outra objeção observa que o dualismo mente-corpo significa apenas que há
duas naturezas (uma imaterial e outra material) e não que uma é determinista e a
outra indeterminista.
Assim, este dualismo (mente-corpo), segundo os seus críticos, também pode
ser combinado com o determinismo acerca da mente, o que permite extrair esta
248
conclusão: os efeitos mentais são a consequência necessária de factos mentais
anteriores, segundo as leis da natureza mental.
COMPATIBILISMO
O NOVO COMPATIBILISMO
Ora, se isto for verdade, o que é que será preciso para haver responsabilidade
e livre-arbítrio?
Esta questão está no centro do debate atual sobre o livre-arbítrio,
nomeadamente a propósito da problemática sobre a relação entre a existência de
Deus e a ação humana, a qual se traduz numa outra (questão): Se Deus existe e tudo
comanda (determina), onde reside, então, a liberdade (e a responsabilidade) do ser
humano enquanto agente/autor das ações que pratica?
250
determinista RADICAL
Sim
Mesmo que o
mundo seja COMPATIBILISMO
determinista
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
Mas será que nós, agentes humanos, temos mesmo uma vontade livre? O livre-arbítrio
não passará de uma ilusão, de um reflexo dos limites da nossa compreensão do universo?
251
252
A DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA
ANÁLISE E COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA CONVIVENCIAL
A DIMENSÃO PESSOAL E SOCIAL DA ÉTICA
ÉTICA E MORAL
Fréderic Lenoir, Les Temps de la Responsabilité, Fayard, 1991, Paris, pp. 12 e 13 (adaptado)
254
ÉTICA - como se pode ler no texto, a ética (do grego êthos, caráter ou modo de
ser) é uma reflexão filosófica sobre como se deve viver, visando, como diz o autor,
definir princípios e fins para orientar a ação humana e estabelecer os requisitos
mínimos de uma moral comum.
A ética é a arte de viver humanamente e, como o viver humano é um conviver,
isto é, um viver com os outros seres humanos, exige o cumprimento de normas para
acautelar que cada membro da comunidade respeite os direitos dos outros.
Como a ética teoriza (reflete) sobre o modo como devemos viver e propõe
princípios devidamente justificados (por exemplo, “Os seres humanos são livres e
iguais.”), apelando ao seu reconhecimento, também podemos defini-la como a
disciplina filosófica ou área do saber filosófico que avalia/pondera/reflete sobre a
legitimidade das próprias normas morais.
A ética não cria a moral, mas reflete sobre ela, procurando justificá-la e
fundamentá-la, uma vez que busca os princípios que fundamentam as próprias
normas morais que devemos seguir. Trata-se, pois, de uma reflexão sobre os
nossos atos e costumes no sentido de averiguar se eles são os melhores, os mais
justos, os mais desejáveis…
A pergunta não é: “O que devo fazer?” Mas sim: “Porque devo eu atuar deste
ou daquele modo?” Ou então: “Será que esta norma moral deverá ser respeitada e
cumprida ou, pelo contrário, deve ser abandonada?” Por exemplo: muitas
sociedades que legalmente admitiram a tortura, a escravatura ou a pena de morte,
chegaram a um momento em que se interrogaram sobre a legitimidade desta atuação e
decidiram pela sua abolição.
Do mesmo modo, a qualquer um de nós acontece – e é desejável que aconteça –
questionarmos os nossos costumes, os nossos códigos de conduta bem como os
valores que os suportam, entrando aqui aquilo a que nós chamamos a reflexão ética –
passamos, assim, das razões dos nossos atos às razões das nossas razões, isto é,
não nos limitamos a agir de um modo qualquer, mas procuramos assegurar-nos
do caráter legítimo ou ilegítimo, bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto
dos nossos atos, ou seja, daquilo que fazemos.
Deste modo, a ética acaba por, com alguma frequência, modificar a moral.
MORAL – (do Latim, mos, mores, costume) responde à pergunta “Que devo
fazer?”, designando o conjunto de normas (os códigos de bem e de mal) que são
“impostos” a cada indivíduo para orientar o seu comportamento social.
255
Como a moral impõe um conjunto de preceitos (regras) para regular as
relações sociais de convivência (por exemplo, “Não deves recusar trabalho a uma
pessoa por razões étnicas, religiosas ou de género.”), também pode designar o
conjunto normas que regulam a conduta dos seres humanos, determinando o seu
modo de agir.
Moral significa, portanto, o código pelo qual um indivíduo ou uma
comunidade se regulam. Este código pode variar consoante o contexto a que está
ligado (segundo a época, a religião, a cultura, etc.), uma vez que resulta sempre de
todo um conjunto de princípios e valores que são preferidos e estimados ao ponto
de serem elevados ao estatuto de norma de ação (daí falarmos em moral cristã,
moral muçulmana, etc.). Neste sentido, o mesmo comportamento pode ser
considerado moral ou imoral em função do código moral e da lei em que o
inserirmos; por exemplo: a poligamia para alguns povos (islâmicos, por exemplo) é
considerada legítima e moralmente correta (à luz do Corão), enquanto noutros países
(católicos, por exemplo) é ilegítima e moralmente reprovável (à luz da Bíblia).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÃO:
256
Para o que é importante neste tema, um juízo é uma proposição, isto é, o
conteúdo que exprimimos nas nossas frases declarativas, como “O céu é azul”.
Assim, os juízos de facto são juízos puramente descritivos, pois, enunciam factos ou
estados de coisas, ou seja, são propostas de descrição da realidade que podem
coincidir com ela, sendo nesse caso verdadeiras, ou não, sendo nesse caso
falsas. Supostamente, não exprimem qualquer preferência por parte de quem os
enuncia ou aceita, visto que se limitam a constatar coisas ou estados de coisas. Por
exemplo, “A disciplina de Filosofia integra a componente de Formação Geral de todos os
cursos do Ensino Secundário regular em Portugal”, “Na Revolução Francesa, a Bastilha
foi atacada” e “Coimbra fica a meio do caminho entre Lisboa e o Porto” são juízos de
facto, tal como são “A disciplina de Filosofia integra o conjunto das disciplinas
lecionadas no primeiro ciclo do Ensino Básico”, “A Revolução Francesa ignorou os
prisioneiros da Bastilha” e “Coimbra fica a meio do caminho entre Lisboa e Évora”,
sendo uns verdadeiros e outros falsos.
Já os juízos de valor são aqueles que exprimem a atribuição de algum valor,
positivo ou negativo, moral, estético ou outro, podendo, assim, exprimir também uma
preferência de quem o enuncia, relativamente a uma coisa, seja ela de que natureza
for, ou a um estado de coisas. Por exemplo, “Eduardo não deveria ter feito o que fez” e
“Paris é mais bonita do que Lisboa”.
257
avaliação e quem avalie de modo diferente. Mas do ponto de vista do objetivismo ou é
um facto que a maldade é uma propriedade da ação do Eduardo ou não é, e isso não
depende de preferências ou avaliações humanas, mas sim das características da
ação, das suas circunstâncias, do seu autor, etc., que são factos sobre o mundo,
tanto quanto o peso de uma rocha ou a circularidade de uma roda.
Assim, para o objetivismo, os juízos de valor não estão à parte relativamente aos
de facto, porque os valores são factos ou propriedades da realidade, ainda que
especiais, e os juízos de valor visam descrever esses factos, tal como qualquer juízo de
facto. Os juízos de valor são um subconjunto dos juízos de facto, e os valores,
sendo propriedades reais do mundo, são um subconjunto do total das
propriedades do mesmo.
Assim, para nos ficarmos por uma definição que seja neutra e consensual,
poderemos apenas dizer que os valores são aquilo que nos leva a ter preferência e
interesse por algumas coisas, pessoas, ações, situações, etc., e não por outras, e
por isso, a avaliá-las positiva ou negativamente.
A fidelidade, a beleza e a justiça são exemplos de valores entre muitos outros de
diferentes tipos. Os filósofos têm-se interessado particularmente pelos valores éticos ou
morais (bondade, justiça, lealdade, etc.) e os estéticos (beleza, graciosidade,
expressividade, etc.).
Todos sabemos que sempre houve bastante desacordo nos juízos de valor de
diferentes épocas e culturas e, dentro destas, de diferentes indivíduos, e até em cada
um deles ao longo da vida.
Nem o subjectivismo/relativismo defende que há esse desacordo, nem o
objetivismo defende que ele não existe. O que o objetivista defende é que só uma
de duas atribuições de valor opostas pode ser verdadeira, o que é contestado pelos
seus adversários (subjetivistas e relativistas), seja porque, para estes, todos os
258
juízos de valor podem ser verdadeiros ou porque não há verdade nem falsidade
em matéria de valores.
259
1. É um erro porque o que se diz que o subjetivista/relativista defende existir
– o desacordo entre indivíduos e comunidades – não é uma teoria filosófica, nem
sequer uma teoria. O correto será afirmar que o subjetivismo e o relativismo
defendem que não há factos objetivos acerca de valores que possam confirmar
qualquer juízo de valor, e usam o facto de haver desacordo entre indivíduos e
comunidades para construir um argumento a seu favor.
Já o objetivista explica esse desacordo sem defender que não há factos
sobre valores, mas apenas que não os conhecemos bem.
2. Também é um erro pela cláusula “sabemos (ou podemos saber) qual é ela”
(a verdade objetiva sobre os valores), uma vez que o objetivista só tem que
defender que há uma verdade objetiva acerca dos valores, isto é, sobre se cada
entidade possui ou não o valor que lhe pode ser atribuído em juízos, e não que
alguém a conhece aqui e agora (ou mesmo nalgum tempo). Uma analogia
(comparação) seria: “Os astrónomos acreditam que há uma verdade objetiva sobre se
existem extraterrestres, e por isso sabemos (ou podemos saber) se existem ou não.”
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
5. Por que razão a definição de valor não é consensual, segundo estas duas
perspetivas opostas sobre os valores?
7. Qual é o desafio filosófico que se coloca, num nível mais geral, no caso dos
valores éticos?
260
9. Em termos de verdade ou falsidade, neste contexto, o que podemos dizer
que são os juízos de valor?
11. Quais são os erros mais comuns que ocorrem na definição destas teorias
(do subjetivismo axiológico/relativismo cultural e do objetivismo axiológico)?
261
ARGUMENTOS A FAVOR DO SUBJETIVISMO E DO RELATIVISMO DOS
VALORES
(SUBJETIVISMO AXIOLÓGICO E RELATIVISMO CULTURAL)
3. ARGUMENTO DA TOLERÂNCIA
Um último argumento aplica-se com maior propriedade aos valores éticos e/ou
morais. Consiste em afirmar que, como estamos em dúvida sobre se temos ou não
razões sólidas para acreditar numa das teorias em confronto, uma delas, o
subjetivismo/relativismo, tem uma vantagem objetiva que nos deve levar, na
dúvida, a optar por ela: promover a tolerância entre indivíduos e comunidades. Se
admitirmos, como afirma o subjetivista/relativista, que ninguém está objetivamente
certo nem errado acerca dos valores, não teremos tendência a impor aos outros
os nossos valores, ou os da nossa comunidade, promovendo assim uma saudável
convivência baseada na tolerância.
Uma objeção a este argumento é notar que há nele um círculo vicioso, que é
o de se basear, sem dar por isso, na ideia de que a tolerância é um bem objetivo,
acima de todas as outras considerações. Mas a tolerância é um valor, pelo que
deveríamos admitir que o juízo de valor “SER TOLERANTE É BOM” é apenas
verdadeiro em sentido relativo, o que implica aceitar o juízo contrário. Isto mostra
que não podemos escolher o subjetivismo/relativismo pela vantagem da tolerância
e ao mesmo tempo querer escapar à conclusão de que, segundo o próprio
subjetivismo/relativismo, ser tolerante não é uma vantagem nem uma
desvantagem (ou é uma vantagem meramente relativa).
Para além disso, se, mesmo aceitando uma contradição flagrante, formos
relativistas e acreditarmos que a tolerância não é relativa – que é um valor objetivo
e universal – expor-nos-emos ao grave problema de não prestarmos um bom
263
serviço à tolerância em que cremos. É que, desta forma, teremos que ser tolerantes
para com todos os juízos de valor, incluindo os de intolerantes que pensem, por
exemplo, “É BOM E JUSTO MATAR QUEM NÃO CONCORDA CONNOSCO”.
264
só por si, não o é (poderia até soar a um certo exibicionismo despropositado e até
mesmo ridículo). Se se discute o carácter moral de uma ação, falar da intenção, dos
fins ou do grau de consciência com que foi realizada é mais importante do que
invocar, por exemplo, que uma pessoa célebre apoia essa ação (aliás, se o
fizéssemos estaríamos a cometer uma falácia – a do apelo à autoridade).
Do mesmo modo, quando desejamos apreciar melhor a arte, tentamos informar-
nos e educar-nos nos conhecimentos e capacidades relevantes para essa apreciação,
para além de consultarmos especialistas ou inscrevermo-nos em cursos artísticos, caso
queiramos tornar-nos profissionais/entendidos nessa área.
Mas do ponto de vista subjetivista/relativista, todos estes esforços e razões
são inúteis, e todas as pessoas, incluindo especialistas, estão enganadas e
perdem o seu tempo sob a ilusão de estarem a educar ou a discutir. O objetivismo
oferece uma explicação mais simples: há razões e esforços mais e menos importantes
para a qualidade dos nossos juízos de valor porque os valores fazem de facto parte do
mundo, ainda que seja especialmente difícil encontrar o acordo e a verdade sobre eles.
265
considerava belos são diferentes dos que a sociedade portuguesa atual assim
considera, o que, para o subjetivismo/relativismo, é tudo o que precisamos para
explicar a diferença existente entre a moralidade e os gostos de um faraó e os
meus (e não que haja alguma “verdade dos factos” sobre moral e beleza).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
266
OS VALORES E O MULTICULTURALISMO
Vimos já que o relativismo cultural é uma teoria que defende que os juízos de
valor só são verdadeiros no sentido em que o são relativamente a certa cultura,
mas não necessariamente para outras. Abordaremos agora mais em particular
algumas questões que se colocam acerca dos valores no plano das culturas e da
referência a culturas – as expressões “relativismo cultural”, “diversidade cultural” ou
“diálogo de culturas” situam-se nesse plano. A questão cultural sobre os valores
coloca-se ao nível coletivo, precisamente aquele em que se situa o relativismo
cultural. Os pontos de referência são as comunidades realmente existentes.
▶ Outro refere a tese de que a diversidade cultural deve ser vista como algo
positivo, de que devemos cuidar.
267
a) Será que a simples aceitação de comunidades com culturas diferentes da
cultura maioritária é suficiente para assegurar o tratamento justo e correto dos seus
membros?
268
no caso dos povos indígenas, embora não necessariamente. No caso dos imigrantes,
discute-se sobretudo a possibilidade de estes manterem a sua língua e a sua religião.
269
O multiculturalismo procura também levar a maioria a superar mentalidades e
modos de encarar as minorias que as desvalorizam (por exemplo, o modo como o
estado desvaloriza a identidade cultural das minorias ao representar o país através de
símbolos da maioria, como se esta fosse a cultura única).
Evidentemente, os direitos diferenciados em função de grupos, muitas vezes,
impõem limitações da liberdade (de parte a parte), as quais se traduzem por:
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
3.1 Refira os dois exemplos, dados no texto a este propósito, das questões
centrais que interessa discutir no problema do multiculturalismo.
4. Defina o multiculturalismo como tese ou perspetiva filosófica.
270
ARGUMENTOS EM TORNO DO MULTICULTURALISMO
1. ARGUMENTO DO PÓS-COLONIALISMO
Muitos povos colonizados pelas potências ocidentais (caso dos nativos africanos
e dos nativos americanos) foram submetidos à perda da sua terra e da sua soberania
(poder, autonomia), sendo sujeitos ao sofrimento, à escravatura e ao quase
esmagamento da sua cultura – atualmente são minorias em comunidades cuja maioria
é constituída pelos descendentes dos colonizadores. Este passado de profunda
injustiça e desigualdade pode pôr em causa a legitimidade (legalidade) da autoridade
do Estado atual (herdeiro da cultura colonizadora) sobre a comunidade colonizada.
Assim, poder-se-ia dizer que a comunidade colonizadora acaba por ter uma “dívida
histórica” para com a comunidade colonizada, que só pode ser saldada (compensada)
no presente. O multiculturalismo defende esse pagamento ou compensação e a
proteção do que resta dessas culturas.
271
2. ARGUMENTO LIBERAL (LIBERALISMO)
Porém, esta posição faz notar uma distinção entre graus de responsabilidade:
ela é totalmente inexistente no caso de povos colonizados contra a sua vontade – por
isso estes devem ter direito ao grau mais elevado de direitos diferenciados. Já no
caso dos imigrantes que chegam em busca de melhores condições económicas, a sua
situação é parcialmente escolhida – assim, eles devem ser integrados através de
272
medidas de favorecimento, embora temporárias, até que alcancem um estatuto
semelhante ao dos membros da maioria (exemplos: ensino da língua do país para o qual
imigraram, incentivos fiscais para poderem abrir o próprio negócio, etc.).
Outro nível em que não é possível a neutralidade dos Estados é o nível simbólico
presente na representação do Estado através de símbolos da cultura maioritária (por
exemplo, o hino nacional ou a bandeira nacional) e das ocasiões que foram escolhidas
para serem celebradas como datas importantes (por exemplo, no caso português, a
celebração da Revolução no 25 de abril de 1974, de carácter político, e o domingo de
Páscoa, de carácter religioso).
3. ARGUMENTO COMUNITÁRIO
Este argumento parte de uma crítica à perspetiva liberal. Para esta, como
vimos, o valor do bem-estar individual sobrepõe-se ao dos bens sociais, como a
identidade cultural ou a união de uma sociedade – estes só terão valor se contribuírem
para o valor do bem-estar individual, ou seja, o seu valor reduz-se ao valor do bem-
estar individual que eles (bens sociais) possam trazer.
273
Ora, um dos conjuntos mais importantes de valores sociais é formado pela cultura
de cada comunidade, incluindo a sua língua. Uma forma de realizar isso é adotar o
multiculturalismo e a política dos direitos diferenciados para grupos minoritários.
Isto contrasta com o liberalismo, se este defender que o Estado deve assegurar
liberdades e oportunidades iguais para cada indivíduo apenas através da atribuição de
direitos rigorosamente iguais (sem compensação pelas desvantagens com que partem
os membros de culturas minoritárias).
Para além disso, outra ideia comunitarista é a de que o valor intrínseco dos bens
sociais, segundo o qual cada um deles vale por si, significa que todos eles devem ser
valorizados de forma igual. Logo, dirá um defensor desta perspetiva, todas as
culturas, como bens sociais, têm igual direito a existirem e a se desenvolverem,
não devendo nenhuma sobrepor-se a outra e muito menos eliminá-la.
274
dessa cultura. Mas, outras culturas, contrariamente à tese do multiculturalismo
(defendida pela cultura ocidental democrática e liberal), não o defendem, tendo,
inclusive, muitas delas fortes princípios e regras contra a igualdade entre os seus
membros e os de outras culturas. Então, o multiculturalismo contradiz-se de certo
modo, na medida em que, havendo culturas minoritárias não multiculturalistas, ou seja,
não tolerantes relativamente a outras, no seio de uma cultura democrática e liberal que
respeita os princípios e os valores das outras culturas, esta terá de as forçar a seguir
princípios e valores que não são os delas, mas sim os da tese multiculturalista, o que
acaba por constituir uma contradição ou um paradoxo (ser intolerante face à
intolerância).
Uma resposta seria alterar a tese multiculturalista para algo como “devemos
proteger as culturas minoritárias, etc., a menos que elas tratem algum grupo seu de
modo injusto”. Contudo, isso levanta problemas. Se podemos escolher quais os valores
de uma cultura minoritária que devem ou não ser protegidos, arriscamo-nos a abandonar
o multiculturalismo, porque reprimimos valores, práticas ou juízos morais por serem
contrários a valores, juízos e direitos que a cultura maioritária adotou e considera que
deviam ser universais.
A saída que promete maior êxito tem sido a que apela ao diálogo entre a
cultura maioritária e as comunidades minoritárias, no sentido de conseguir que
estas alterem os seus valores e práticas por ficarem convencidas de que, apesar
de tradicionais, esses valores e essas práticas são injustos. Note-se que esta saída
não está livre de problemas, uma vez que envolve admitir que uma cultura tem o
direito de tentar influenciar e modificar outra, para além de ir contra os ideais
multiculturalistas.
Este argumento defende que, para muitos de nós, os direitos são algo que os
indivíduos têm e não os grupos ou comunidades, cabendo ao Estado a função de
276
garantir a cada pessoa direitos e liberdades iguais. Para quem concordar com esta
ideia, o Estado deve conceder um tratamento igual e imparcial a todos,
independentemente dos grupos a que possam pertencer. Ora, o multiculturalismo
introduz direitos diferenciados para grupos, que, desta perspetiva, não são direitos
genuínos (são “direitos sociais”), e que alteram artificialmente a sociedade, conferindo a
alguns, para além dos direitos iguais que todos têm, direitos especiais por pertencerem
a grupos ou culturas minoritárias.
Ora, contra este ponto, talvez haja uma simplificação excessiva, uma vez que se
é certo que as culturas não limitam fisicamente as oportunidades, também não há
dúvida de que há limitações culturais que são muito fortes e difíceis de contrariar
pela força de vontade do indivíduo que nasceu nessa cultura, especialmente as
limitações que provêm da educação numa cultura, algo que praticamente nunca é
escolhido pelo próprio.
Assim, se o Estado quer garantir a justiça e a igualdade de oportunidades,
não pode ignorar tais desvantagens e, portanto, deve compensá-las
(equilibradamente).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
277
2. Identifique e caracterize cada um dos argumentos contra o
multiculturalismo bem como as respetivas respostas que são apresentadas
relativamente a cada um desses argumentos.
RELATIVISMO MORAL
278
Combater ou legitimar (validar, justificar) tais práticas exige um padrão
universal que é precisamente o que o relativismo afirma não existir. Por exemplo,
perguntar se a excisão genital é benéfica ou prejudicial, se promove ou é um
obstáculo ao bem-estar das crianças vítimas dessa prática é, segundo alguns autores, o
critério para determinar a legitimidade da intervenção.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
279
A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL
O PROBLEMA DO CRITÉRIO ÉTICO DA MORALIDADE DE UMA AÇÃO
ANÁLISE COMPARATIVA DE DUAS TEORIAS ÉTICAS
(OU DUAS PERSPETIVAS FILOSÓFICAS DA MORAL)
280
cumprir o nosso dever sejam quais forem as consequências que daqui surgirem. É esta
ideia – a de que algumas ações são absolutamente boas ou más independentemente
dos resultados a que derem origem – que distingue as teorias éticas baseadas nos
deveres (também conhecidas por deontológicas), como por exemplo, a ética cristã e a
ética kantiana, das teorias éticas utilitaristas (também conhecidas por
consequencialistas).
O termo “consequencialismo” é usado para descrever as teorias éticas que
ajuízam da retidão ou não de uma ação, não através das intenções do autor da ação
como as deontológicas (que se baseiam no dever), mas antes através das
consequências das suas ações. Enquanto Kant afirmaria que dizer uma mentira é
sempre errado, sejam quais forem os possíveis benefícios que daí possam resultar, um
consequencialista julgaria o ato através dos seus resultados efetivos ou previstos, o que
nos remete, precisamente para uma conceção utilitarista da moral. Ora, o utilitarismo é a
vertente mais conhecida da teoria ética consequencialista e o seu mais famoso
representante foi John Stuart Mill”.
Nigel Warburton, Elementos Básicos da Filosofia, Gradiva, 2007, Lisboa, pp. 72-74
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
281
A TEORIA ÉTICA DEONTOLÓGICA DE KANT
(uma teoria do dever)
Vamos começar pela teoria ética deontológica, desenvolvida por um dos mais
importantes vultos da história da filosofia ocidental, Immanuel Kant (1724-1804), nas
suas obras Fundamentação da Metafísica dos Costumes (obra que nos vai servir de
referência) e Crítica da Razão Prática (referência para a maior parte das teorias éticas
posteriores).
A ética kantiana (de Kant) é uma ética do dever (do grego deon, de que derivou
o termo deontologia), tal como refere o autor do texto que se segue:
Javier Sádaba, Filosofia para um jovem, Editorial Presença, 2005, Lisboa, pp. 86-87
O autor afirma que a ética de Kant está centrada no dever e que o bom é o
que o dever ordena à vontade.
Mas, por que razão estamos sujeitos ao dever?
Por que razão só o que o dever ordena é bom?
282
Para responder precisamos de conhecer qual a conceção de ser humano que
Kant defende, sendo que este distingue três tipos de disposições:
- Animalidade – o homem tem uma natureza biológica e, por isso, tem
necessidades sensíveis, nomeadamente desejos e impulsos, as quais designamos por
inclinações/tendências/fraquezas;
- Humanidade – é a natureza biológica do homem transformada pela socialização
e pela cultura, tornando-o num ser social e cultural, completamente distinto dos
restantes animais;
- Personalidade – é a natureza racional do homem que pressupõe ou exige
autonomia, isto é, que seja a razão (de cada um) a orientar a ação.
Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Edições 70, 2005, Lisboa, p. 47.
Segundo Kant, a vontade faz parte da razão e é a razão, no seu uso prático, que
decide como agir. Por isso, a razão deve recusar motivos exteriores, vindos das outras
disposições do ser humano.
Aqui coloca-se a questão: então, a razão não pode escolher agir por interesse,
por exemplo?
A resposta é: pode, porque tem livre arbítrio; mas, atenção, diz-nos Kant: “uma
coisa é poder optar, outra coisa é a opção correta e esta (opção correta) é escolher
só aquilo que a razão, independentemente da inclinação (desejos, impulsos,
interesses, tendências,…), reconhece como bom.”
Por conseguinte:
- O dever é a necessidade (ou a obrigação) de uma ação por respeito à lei
moral;
- O facto de não termos uma vontade sempre boa é que justifica que o
cumprimento da lei moral nos seja imposto como dever;
283
- Só é moral a ação cujo motivo é o respeito pelo dever;
- O ideal que Kant nos propõe é transformar a vontade dividida e imperfeita numa
vontade boa, que é a que escolhe o dever como motivo e intenção da ação.
MORALIDADE E LEGALIDADE
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Edições 70, 2005, Lisboa, pp. 27-28.
284
legal), mas não é ação moral porque o motivo foi o interesse e não o dever de ser
honesto.
Assim, podemos distinguir moralidade de legalidade da seguinte forma: a
moralidade tem a ver com o cumprimento do dever, resultante da vontade do
sujeito, sem ser imposta exteriormente e sem visar qualquer outro interesse que
não o bem honesto. Já a legalidade tem a ver com o cumprimento de normas
legais e sociais, exteriores à vontade do sujeito (porque são impostas de fora),
motivado por interesses (e inclinações) que vão muito para além do dever de ser
honesto.
A moralidade está, pois, associada ao cumprimento voluntário do dever
(resultante da vontade livre, interna, do sujeito) e a legalidade tem a ver com o
cumprimento da lei por obrigação e por interesse (resultante da imposição legal,
externa, que recai sobre o sujeito).
Para ajudar a compreender melhor os motivos da ação e do valor moral da
ação, imaginemos as seguintes situações/exemplos:
1. X vê alguém a afogar-se. Não conhece o náufrago, mas não hesita em salvá-lo.
2. Y é amigo do náufrago e salva-o porque é seu amigo.
3. Z conhece o náufrago mas está zangado com ele mas, apesar disso, vai salvá-
-lo.
Na situação 1. o Motivo da ação é: o Dever; e o Valor Moral da ação é: a Ação
Moral.
Na situação 2. o Motivo da ação é: a Amizade; e o Valor Moral da ação é: a
Ação boa ou legal.
Na situação 3. o Motivo da ação é: o Dever; e o Valor Moral da ação é: a Ação
Moral.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
Kant apresenta a seguinte formulação da lei moral: “Age apenas segundo uma
máxima (norma ou regra geral) de tal forma que queiras que essa máxima (do teu agir)
se torne lei universal.”
A lei moral expressa-se sob a forma de um imperativo categórico (algo que se
impõe decisivamente, indiscutivelmente). Ao contrário do imperativo hipotético (regras
que ordenam uma ação como meio para alcançar qualquer fim, o que lhe dá um
caráter condicional), o imperativo categórico (ordem incondicional que impõe a
ação como absolutamente necessária, ou seja, como um fim em si mesma; por
exemplo: o dever), ordena, manda, determina de forma universal (para todos os seres
humanos) e necessária (imperiosa, impreterível, categórica, que não pode deixar de ser
como é).
Ao afirmar que a forma da lei moral é um imperativo categórico, Kant está a
dizer-nos que este (imperativo categórico) exige respeito absoluto, isto é, que o seu
cumprimento não depende de nenhuma condição, não admite exceções, valendo
para todos, independentemente das circunstâncias (universalidade da lei).
A lei moral é formal, ou seja, puramente racional (baseia-se em princípios
universais tirados da razão e não na experiência particular, subjetiva, de cada um), pois,
como podemos verificar pela fórmula do imperativo categórico, não refere nenhum
conteúdo concreto, singular, ou seja, nenhuma norma ou dever particulares. O
imperativo categórico da moralidade é expressão formal universal, não entra em
“particularidades” ou “singularidades”, porque é comum a todos os seres humanos,
ações e situações, e é incondicional (porque é independente de toda e qualquer
circunstância particular) da lei moral, e o dever traduz a obrigação absoluta do seu
cumprimento.
O que o imperativo categórico determina é o princípio segundo o qual a
máxima (aquilo que orienta, que norteia) da minha ação possa tornar-se lei
universal: que o sujeito possa querer que a máxima da sua ação se torne uma
286
norma universal, isto é, que todos os seres racionais possam adotá-la como norma
para si próprios.
Deste modo, o critério para saber se uma ação é moral passa por perguntar
se a regra particular (a que Kant chama máxima, isto é, o princípio subjetivo da ação),
segundo a qual o sujeito age, pode tornar-se uma lei universal, válida para todos os
seres humanos. É pelo imperativo categórico (formulado pela própria razão) que a
máxima (subjetiva e particular) se vê obrigada a estar de acordo com a lei moral
(objetiva e universal). “Devo, logo posso.”
Exemplo: a lei moral não me diz que é imoral mentir; se quero saber se posso
mentir, devo perguntar se todos podem mentir; se não quero que todos possam mentir,
então também não devo mentir.
“Ora, a moralidade é a única condição que pode fazer de uma ação racional um
fim em si mesmo. Portanto, a moralidade, e a humanidade, enquanto capaz de
moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade.
Não é nem o medo nem a inclinação (interesses pessoais, caprichos,
conveniências,…) mas tão-somente o respeito à lei, que constitui o motivo que pode dar
à ação um valor moral.
A dignidade da humanidade consiste precisamente nesta capacidade de ser
legislador universal, se bem que com a condição de estar ao mesmo tempo submetido a
essa mesma legislação.”
Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Edições 70, 2005, Lisboa, p. 48 (adaptado)
287
A ética kantiana diz-se deontológica, pois faz do dever o princípio absoluto
da moralidade. O critério da moralidade assenta numa dupla exigência: cumprir a
lei moral e, simultaneamente, fazê-lo tomando o dever como motivo e intenção do
agir. Portanto, só é moral a ação que cumpre a lei moral por dever.
Em jeito de conclusão, podemos dizer que:
- a ética kantiana está centrada no conceito do DEVER, razão pela qual
dizemos que é uma ÉTICA DEONTOLÓGICA;
- o DEVER expressa a necessidade de uma ação por respeito pela LEI MORAL;
- a LEI MORAL é racional (tem origem na razão), formal e universal e
formulada num IMPERATIVO CATEGÓRICO;
- um IMPERATIVO CATEGÓRICO é uma NORMA OBJETIVA, UNIVERSAL,
ABSOLUTA e INCONDICIONAL;
- a opção pelo DEVER equivale a escolher a AUTONOMIA ou a LIBERDADE e
a adquirir um estatuto de pessoa;
- o fundamento (o suporte ou a justificação) da moralidade das ações é a
RACIONALIDADE, ou seja, a AUTONOMIA DA VONTADE;
- O CRITÉRIO (princípio ou norma de referência) de moralidade das ações é
que a MÁXIMA que as rege seja UNIVERSALIZÁVEL (comum a toda a humanidade) e
que as ações sejam realizadas por DEVER.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
GRUPO I
288
9. Em que exigências assenta o critério da moralidade?
GRUPO II
1. 3 A vontade boa é:
a) A vontade que escolhe a felicidade.
b) A vontade humana dotada de livre arbítrio.
c) A vontade que escolhe agir por dever.
d) A vontade que escolhe em função das consequências da ação.
289
GRUPO II
1. 3 A vontade boa é:
a) A vontade que escolhe a felicidade.
b) A vontade humana dotada de livre arbítrio.
c) A vontade que escolhe agir por dever.
d) A vontade que escolhe em função das consequências da ação.
a) A FÓRMULA DA LEI UNIVERSAL diz: “age de tal modo que possas desejar
que a máxima da tua ação se torne lei universal.” Esta formulação ordena-nos que,
ao deliberarmos (ponderarmos) sobre se devemos praticar uma ação, pensemos na
máxima que orienta essa ação. Isto significa extrair um princípio do tipo “Age do modo
X”, em que X é o tipo de ação sobre o qual estamos a refletir se devemos praticar. O
próximo passo é pensar se desejaríamos que todas as pessoas tivessem para si uma tal
máxima de ação, ou seja, se concordaríamos com uma situação em que todos
considerassem bom agir desse modo uns para com os outros, e, naturalmente, para
connosco, e assim agissem. Se a resposta é positiva, a máxima (o tal princípio de
ação em forma de lei geral, para todos) é universalizável, e a ação que a segue é boa;
se é negativa, a máxima não é universalizável e a ação é imoral.
Considere-se, por exemplo, a ação de roubar porque se deseja algo que não
se pode ter. A máxima que orienta tal ação será algo como: “Rouba, caso desejes
algo que não podes ter.” Tentando universalizar essa máxima, teremos uma situação
em que todos pensam que devem roubar o que não puderem ter (incluindo roubar-
me a mim). Ora, tal situação não é desejável por um ser racional e sensato. Logo, a
máxima não é universalizável (um ladrão quereria que só ele pudesse segui-la e não
todas as pessoas, de contrário, estaria a admitir que também deveria ser roubado, o que
é um contrassenso). Assim, a ação que segue tal máxima (já de si problemática por
corresponder a um imperativo hipotético) não é moralmente correta. Agir de uma forma
imoral é semelhante a fazer batota: é jogar segundo regras que não se pode querer
que os outros sigam.
Os resultados da aplicação do Imperativo Categórico condizem geralmente com
as nossas intuições básicas acerca do que é moralmente bom (mas não sem
exceções, como veremos mais à frente, quando abordarmos as críticas à ética
kantiana). Eis um outro exemplo disso: a máxima “Faz promessas enganadoras para
te livrares de situações incómodas”, aplicando-lhe a Fórmula da Lei Universal,
interrogamo-nos se poderíamos querer que todos a seguissem. Ora, parece que nunca
poderíamos querer tal coisa. Se as pessoas começassem a fazer promessas
enganadoras sem a intenção de as cumprirem sempre que lhes apetecesse, depressa
deixariam de confiar umas nas outras. Ninguém acreditaria na palavra de ninguém e a
291
própria prática de fazer promessas desapareceria. Portanto, não podemos querer a
universalização dessa máxima e temos o dever de só fazer promessas se tencionarmos
cumpri-las.
292
agentes racionais. O Imperativo Categórico é, assim, uma lei que deriva da nossa
própria vontade. Kant exprime esta ideia dizendo que a lei moral resulta da nossa
autonomia, isto é, da nossa capacidade de nos determinarmos a nós mesmos.
A autonomia (auto = por si mesmo) opõe-se à heteronomia (hétero = por outro).
Quando agimos moralmente, não estamos a ser obrigados, estamos a agir
autonomamente, isto é, em função de uma lei que damos a nós mesmos. A
verdadeira liberdade consiste nisso. A autonomia da vontade é a racionalidade de
cada um de nós, refletindo sobre ações e intenções morais e determinando como
devemos agir. Se, pelo contrário, a vontade é guiada pelas leis ou mandamentos
de outros, seja por imposição de um poder, por preguiça ou desinteresse do
próprio, temos a heteronomia da vontade, que se afasta da vontade autêntica, da
vontade propriamente dita, pois guiarmo-nos por uma vontade heterónoma
(exterior a nós próprios) é não ter verdadeiramente vontade própria.
Assim, quem concebe a lei moral como heterónoma comete o erro, segundo
Kant, de julgar que os deveres morais são imposições exteriores à nossa própria
racionalidade.
Para concluir, consideremos, por exemplo, o dever de não enganar os outros.
Não temos este dever porque Deus ou a sociedade determinem que é errado enganar
os outros. O fundamento deste dever, e de todas as nossas outras obrigações, reside
no Imperativo Categórico, que é um princípio que vamos buscar à nossa própria
razão (que é autónoma).
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
293
CRÍTICAS À ÉTICA DE KANT
295
respeito e não como meros meios. É verdade que, como não são agentes morais, não
têm deveres, mas nós somos e temos deveres para com eles. A Fórmula da
Humanidade, defendida por Kant, parece, pois, incapaz de justificar esses deveres,
dado que ela diz apenas como devemos tratar as pessoas enquanto agentes
racionais, morais e com autonomia, deixando de fora aqueles seres humanos em
relação aos quais parece que não temos deveres (o dever de cuidar, o dever de
respeitar, etc.), como se eles não merecessem qualquer importância nem
possuíssem quaisquer direitos…
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÃO:
296
A ÉTICA UTILITARISTA DE STUART MILL
(UMA TEORIA CONSEQUENCIALISTA)
297
“A crença que aceita a utilidade ou o princípio da maior felicidade como
fundamento da moral sustenta que as ações são justas na proporção com que tendem a
promover a felicidade, e injustas enquanto tendem a produzir o contrário da felicidade.
Entende-se por felicidade o prazer e a ausência de dor; por infelicidade a dor e a
ausência do prazer. O prazer e a ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como
fins; e todas as coisas desejáveis são-no pelo prazer inerente a elas mesmas ou como
meios para a promoção do prazer e a prevenção da dor.”
- Uma conceção teleológica (palavra de origem grega “telos”, que quer dizer fim
último, resultado final) da ética, pois concebe um fim último e define o bem em
função desse fim;
- Uma teoria eudemonista (teoria moral fundada na ideia da felicidade concebida
como bem supremo), porque concebe a felicidade como o objetivo da vida humana;
- Uma teoria hedonista, pois identifica a felicidade como um estado de bem-
estar ou de prazer;
- Uma teoria consequencialista, porque as consequências da ação (a
utilidade) são o critério de moralidade, isto é, o padrão usado para saber se a ação é
moralmente boa ou má.
298
O CONCEITO DE FELICIDADE
(A DIFERENÇA ENTRE QUALIDADE E QUANTIDADE)
John Stuart Mill, O Utilitarismo, Areal Editores, 2005, Porto, pp. 47 – 49 (adaptado)
299
- Somente a satisfação dos prazeres intelectuais e espirituais proporciona
felicidade aos seres humanos.
Baseado nestas premissas, Mill conclui que os prazeres espirituais são mais
valiosos do que os prazeres sensíveis, de tal modo que muito poucas pessoas
consentiriam que as convertessem em alguns dos animais inferiores em troca de um
gozo total de todos os prazeres bestiais (animais).
O ser humano não concebe a felicidade em termos puramente físicos e é de
tal modo exigente que nunca se sente completamente satisfeito. Porém, é preferível
esta insatisfação do que bastar-se com uma satisfação puramente física.
O PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
300
reformistas de carácter social e político, visando tornar os seres humanos mais
solidários e empenhados na construção de uma sociedade mais feliz.
301
Uma vida feliz será preenchida por prazeres de qualidade superior, já que são
aqueles que resultam do exercício das capacidades intelectuais e emocionais típicas dos
seres humanos.
Os prazeres da apreciação da beleza e da busca de conhecimento são
superiores.
Os prazeres inferiores, como os de comer e dormir, por exemplo, são aqueles
que também são acessíveis a muitos outros animais.
Sabemos que os prazeres intelectuais são superiores aos prazeres
sensoriais (ou físicos) porque, segundo Mill, quem experimentou ambos os tipos de
prazer (sendo, por isso, um juiz competente na matéria) prefere os primeiros aos
segundos.
Em resumo:
A PROVA DO UTILITARISMO
Para justificar o Princípio da Maior Felicidade, Stuart Mill sugere que devemos
apresentar uma prova da seguinte proposição: “A felicidade em geral é o único fim
último que é desejável.” Provar que isto é verdade exige, portanto, justificar que não
existem outros fins últimos para além do da felicidade geral.
Segundo Stuart Mill, devemos atribuir à virtude um valor intrínseco (que vale
por si mesma) e não um valor meramente instrumental (como se de um mero meio se
tratasse), ou seja, desejam a virtude e desejam ter um carácter virtuoso como um fim
em si mesmo (coincidente com a boa vontade, defendida por Kant) e não apenas
como um meio para a felicidade. Deste modo, admite Mill, a virtude é, seguramente,
302
um fim último da ação. No entanto, não é um fim último separado da felicidade –
uma vida feliz envolve vários elementos, sendo um deles o desenvolvimento de
um carácter virtuoso. Assim, o facto de a virtude ser desejada por si mesma, como
um fim último, não quer dizer que esta seja um fim último independente da
felicidade – virtude é sinónima de felicidade e não um meio (separado dela) para a
alcançar. Podemos, então, dizer que, de acordo com Mill, a felicidade é
intrinsecamente valiosa, ou seja, vale em si mesma e por si mesma.
PRINCÍPIOS SECUNDÁRIOS
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
303
1. Leia a seguinte afirmação e responda às questões que se lhe seguem:
304
As opções corretas encontram-se assinaladas a negrito:
306
identidade (correspondência) que este defende que existe entre bem e o que quer
que produza prazer e evite sofrimento que o utilitarismo defende.
Isto significa que nem sempre a moralidade de uma ação se pode verificar
pelas suas consequências (ou resultados práticos), já que a intenção pode ser
(moralmente) boa e as consequências (práticas) más, bem como o inverso.
307
4. Objeção/crítica à identificação forçada (artificial) entre felicidade e prazer
(“máquina do prazer”):
308
vezes não são, de modo algum, antecipáveis, mas que são tanto consequências como
as de curto e médio prazo, pelo que temos de as levar em conta segundo a teoria
utilitarista.
Não é fácil interpretar a prova do utilitarismo que Mill propõe, mas aceitemos
que o início do seu raciocínio se resume do seguinte modo:
Partindo da premissa factual verdadeira:
(2) Cada pessoa deseja a sua própria felicidade.
Segue-se que:
(3) A felicidade de cada pessoa é desejável ou boa para ela mesma.
E desta (2) segue-se que:
(4) A felicidade geral é desejável ou boa para o conjunto das pessoas.
Uma das críticas põe em causa a transição de (1) – Cada pessoa deseja a sua
própria felicidade, para (2) – A felicidade de cada pessoa é desejável ou boa para ela
mesma. “Desejável” não significa apenas “aquilo que pode ser desejado”, mas algo
como “aquilo que merece ou deve ser desejado”. Ora, do facto de alguém desejar uma
coisa segue-se que esta pode ser desejada, mas não se segue que esta mereça ou
deva ser desejada.
Assim, é precipitado concluir que a felicidade é desejável apenas com base
em (1), Cada pessoa deseja a sua própria felicidade.
Outra crítica incide na transição de (2), A felicidade de cada pessoa é desejável
ou boa para ela mesma, para (3), A felicidade geral é desejável ou boa para o conjunto
das pessoas, o que parece que estamos perante um caso da falácia da composição
(concluir que aquilo que é verdadeiro de cada uma das partes de algo é verdadeiro da
totalidade desse algo, como acontece, por exemplo, com esta afirmação: “Cada um dos
átomos que compõem esta mesa é invisível. Logo, esta mesa – no seu todo – é
invisível”).
Mill pode ter cometido um erro semelhante: mesmo que a felicidade de cada
pessoa seja desejável para ela mesma, daí não se segue que a felicidade geral seja
desejável para todas as pessoas.
309
Uma crítica frequente diz-nos que o utilitarismo é absurdamente exigente, e
que resume toda a ética à beneficência, à nossa obrigação de fazer tudo o que
estiver ao nosso alcance para promover a felicidade geral. Cumprir esta obrigação
implicaria dedicar quase todo o nosso tempo e recursos a ajudar os mais necessitados.
Teremos mesmo a obrigação de viver quase exclusivamente em função dos
interesses dos outros? É perfeitamente aceitável dedicarmo-nos a outras atividades –
viajar com os amigos, ler jornais, estudar história egípcia, etc. – que não contribuem
para o maior bem-estar geral.
PROPOSTA DE ATIVIDADE/QUESTÃO:
310
ANÁLISE COMPARATIVA DAS DUAS TEORIAS ÉTICAS
A DEONTOLÓGICA (IMMANUEL KANT) E A UTILITARISTA (STUART MILL)
311
B) Critérios diferentes para definir a ação moral
Para que uma ação possa ser considerada A distinção entre ação boa e ação moral não
moral tem que satisfazer duas condições: tem significado, pois ação moral é a que
- cumprir a lei moral (ação boa); contribui para maximizar a felicidade para o
- ter como único motivo o respeito pelo maior número possível de pessoas,
312
Apesar de já terem sido apresentadas, em detalhe, as objeções ou críticas feitas
a cada uma das teorias, vamos apenas enunciar as mais importantes.
O utilitarismo foi alvo de críticas desde o início. Alguns autores consideram que
muitas delas são reações aos aspetos mais inovadores e progressistas desta teoria
consequencialista da ética, que se constituiu, ao mesmo tempo, num movimento político,
313
tais como: ser independente da religião, defender direitos de minorias, nomeadamente
os direitos das mulheres, por exemplo (algo demasiado avançado para a época).
Porém, um dos aspetos mais controversos (polémicos), e que, de resto, é alvo de
contestação por parte de vários críticos, é o de saber até que ponto “os fins justificam
os meios”, isto é, se os direitos fundamentais do indivíduo, como, por exemplo, o
direito à vida ou à liberdade (mesmo o direito a ter projetos individuais de realização
pessoal), devem ser sacrificados em nome da maximização do bem-estar de muitos
(anulação do indivíduo em prol da comunidade).
MORAL
UMA TEORIA DEONTOLÓGICA UMA TEORIA CONSEQUENCIALISTA
- Ética racional de Kant. - Utilitarismo de Stuart Mill.
FUNDAMENTO DA MORALIDADE
RACIONALIDADE UTILIDADE
- A lei moral e o dever como fim em si mesmo. - Utilidade ou a maior felicidade.
FINALIDADE DA MORALIDADE
AUTONOMIA COMUNIDADE
- A opção pela lei racional. - Maximizar a felicidade do maior número de
- O exercício da boa vontade. pessoas.
LEI MORAL
IMPERATIVO DA MORALIDADE PRINCÍPIO DA UTILIDADE OU
- Age apenas segundo uma máxima tal que DA MAIOR FELICIDADE
possas ao mesmo tempo querer que ela se - Age sempre de modo a produzir a maior
torne lei universal. felicidade para o maior número de pessoas.
OBJEÇÕES
- Prescrevendo o respeito absoluto pela lei - Subordinando a moralidade ao critério da
moral, pode legitimar ações com utilidade, pode pôr em causa os direitos
consequências negativas para o indivíduo. individuais e legitimar a instrumentalização dos
- Não consegue dar resposta a dilemas indivíduos.
resultantes de conflito entre normas morais.
315
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
316
RESOLUÇÃO DAS QUESTÕES DE ESCOLHA MÚLTIPLA:
1. 3 Um juízo moral:
(A) Expressa a influência dos nossos desejos e preconceitos.
(B) Não precisa de justificação.
(C) Envolve um conjunto de princípios éticos e é imparcial na
consideração dos interesses.
(D) Determina a ação do sujeito nas suas relações com os outros.
A POLÍTICA E O ESTADO
318
O termo “política” derivou da palavra grega politikós, que designava todas as
atividades relativas à vida da cidade – a polis, também palavra grega – que em latim se
designava por civitas, da qual derivou o termo “cidade”.
A pólis ou cidade-estado grega era uma comunidade organizada, formada pelos
cidadãos, nascidos na cidade, a quem era reconhecido o estatuto de igualdade e o
direito de expor e discutir em público opiniões sobre os assuntos públicos, leis, impostos,
etc.
Assim, podemos fazer a seguinte distinção:
O DIREITO
319
princípios – consciência moral) e as normas religiosas (que resultam de mandamentos
sagrados aceites pelos crentes) não são, em absoluto, de carácter obrigatório (se o
indivíduo não as cumprir não é, por isso, nem condenado, nem preso à luz do
Direito/Código Penal), as normas jurídicas possuem um carácter obrigatório, isto é,
quem não as cumprir será punido por lei – estas normas impõem-se, portanto, a todos
os membros de uma qualquer sociedade, quer eles queiram quer não.
O Direito determina o que, numa comunidade, é permitido fazer e o que não
é permitido fazer; assume, portanto, uma função reguladora das relações dos
indivíduos entre si, ou seja, impõe normas ou regras a toda a comunidade. O
Direito pretende ser, assim, um verdadeiro instrumento de paz e harmonia social,
orientado para a realização da máxima justiça na máxima segurança.
– Que seria da sociedade se não houvesse normas ou regras de convivência e,
consequentemente, o Direito (para fazer justiça)?
– Que seria da sociedade se os criminosos recebessem o mesmo tratamento
dos cidadãos honestos e, constantemente, prevaricassem (não cumprissem a lei) sem
serem punidos?
Se tantas vezes apelamos ao Direito e à sua intervenção (contra as mais variadas
injustiças/ilegalidades) é porque sabemos/acreditamos que este, ainda que, nalguns
casos nos pareça que não faz justiça, existe para estabelecer uma igualdade (equidade)
possível entre todos, regulando a vida social ou interpessoal.
Em última análise, o Direito impõe, obrigatoriamente, o que tem de ser feito para
que haja uma certa harmonia entre os interesses privados ou pessoais e os
interesses públicos ou sociais, isto é, procura estabelecer relações pacíficas entre
todos aqueles que vivem em comunidade (para que todos gozem/usufruam de
direitos e cumpram/obedeçam a deveres).
Ora, precisamente pelo facto de o Direito remeter para leis que são criadas
pelos homens, e não por uma qualquer entidade divina ou sobrenatural, é que aparece
sempre ligado a uma autoridade política da qual, em certa medida, depende (uma vez
que é esta que estabelece qual o regime de orientação a seguir – poder legislativo).
Assim, resumindo e concluindo, o Direito é o conjunto de normas (jurídicas)
que regulam as relações entre os cidadãos, estabelecendo também as formas de
punição para quem viola essas normas.
Como já foi dito, ao contrário das normas morais (auto impostas e auto
sancionadas, pela consciência moral de cada um), as normas jurídicas, isto é, as leis
320
que constituem os códigos que regulam o funcionamento de um país ou de um grupo de
países, são impostas por uma autoridade externa com poder para julgar e castigar os
membros de uma comunidade que as violem.
As normas jurídicas, diferentemente das normas morais, definem o padrão do
que, social, política e juridicamente, é permitido e proibido.
Em síntese, podemos distinguir normas jurídicas de normas morais, através do
quadro que se segue:
ATIVIDADES/QUESTÕES:
1. Defina Direito.
2. Justifique a necessidade da existência do Direito.
3. Distinga normas jurídicas de normas morais.
DISTINÇÃO ENTRE ESTADO DE DIREITO E ESTADO DE NÃO-DIREITO
321
ESTADO DE NÃO-DIREITO
ESTADO DE DIREITO
- Reconhece os limites da lei e que ninguém, - Considera-se acima da lei e não respeita os
nem mesmo o Estado, está acima da lei. direitos básicos dos cidadãos.
- Respeita os direitos, liberdades e garantias - Usa dois pesos e duas medidas (não usa os
dos cidadãos. mesmos critérios para julgar tudo e todos) na
aplicação das normas jurídicas (leis)
- Reconhece o pluralismo político (nos
consoante as pessoas em causa: o mesmo ato
regimes, a liberdade e a igualdade entre todos
é julgado de forma diferente conforme tenha
os cidadãos.
sido praticado por um colaborador, por um
- Proíbe a discriminação de indivíduos e de inimigo político ou por alguém empenhado na
grupos. luta pelo reconhecimento dos direitos.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
322
Classifique as afirmações seguintes como Verdadeiras (V) ou Falsas (F):
(A RESOLUÇÃO DESTAS ATIVIDADES SERÃO FORNECIDAS AOS ALUNOS NA PRÓXIMA PÁGINA)
AFIRMAÇÕES V/F
1. Um Estado cujos tribunais não são imparciais, usando dois pesos e duas
medidas para julgar, é um Estado de Direito.
2. Se o Estado não respeita as leis que ele próprio aprovou, não é um
estado de direito.
3. A política existe somente para garantir a sobrevivência dos seres
humanos.
4. Quem exerce a atividade política é o Estado.
5. O Direito e a Política são domínios do saber independentes.
6. O Direito é o conjunto das normas (normas jurídicas) que regulam as
relações entre os cidadãos.
7. Ao contrário das normas morais, as normas jurídicas são impostas pelo
Estado e o seu incumprimento é sujeito ao julgamento dos tribunais e a
eventuais sanções.
8. Os grupos humanos não precisam do Estado nem de governo para
viverem em comunidade.
323
AFIRMAÇÕES V/F
1. Um Estado cujos tribunais não são imparciais, usando dois pesos e duas F
medidas para julgar, é um Estado de Direito.
2. Se o Estado não respeita as leis que ele próprio aprovou, não é um
estado de direito. V
A ORIGEM DO ESTADO
324
Datam da época moderna as respostas às questões que acabámos de levantar
na página 190. Filósofos como Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1631-1704),
Jean-Jacques Rosseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804) dedicaram parte da
sua reflexão aos problemas políticos, nomeadamente à origem do Estado e a
legitimidade do seu poder.
Imaginar como seria a vida num estado de natureza é o ponto de partida das
teorias contratualistas de Thomas Hobbes e de John Locke, assim chamadas porque
explicam a passagem do estado da natureza para a sociedade civil como resultado
da celebração de um contrato social.
Na obra Leviatã, publicada em 1651, Thomas Hobbes descreve o estado de
natureza como um estado de guerra e de anarquia (sem regras) onde apenas existem
leis naturais.
Já John Locke, filósofo empirista inglês, um dos primeiros teóricos do
liberalismo e do contratualismo, concebe um estado de natureza menos pessimista.
Segundo este, o termo “estado de natureza” designa a situação hipotética onde os
seres humanos viveriam sem leis impostas por um governo e sem submissão a
ninguém, regendo-se apenas pela “lei natural”, que é o “conjunto de leis estabelecidas
por Deus que todos os seres humanos encontram inscritas na sua consciência”.
Ora, se no estado de natureza os indivíduos são livres, por que razões decidem
abdicar dessa liberdade e constituir uma sociedade civil e o Estado (com leis, com
regras)?
Porque, diz-nos Locke:
“Não existe ninguém com autoridade que faça cumprir a lei natural, e os
Homens, que julgam os crimes contra si próprios, não conseguem ser imparciais.”
John Locke, Ensaio sobre a verdadeira Origem, Extensão e Fim do Governo Civil,
cap. VIII, p. 95, Portal da História
325
Porque são iguais mas não destituídos de sentimentos egoístas, desejo de
afirmação, mau génio, paixão e vingança; e não havia ninguém com poder para
fazer cumprir a lei natural a não ser o indivíduo que era afetado e este não
conseguia ser imparcial.
O CONTRATO SOCIAL
“Portanto, todo o homem pelo ato de conviver com outros para formar um corpo
político subordinado a um governo, se obriga para com cada dos dessa sociedade a se
submeter à determinação da maioria, e de ser governado por ela. Por conseguinte, todo
aquele que sair do estado natural para se unir em sociedade civil cede todo o poder que
for necessário aos fins para que ele se uniu à maioria da sociedade, salvo se eles
acordarem expressamente em algum número maior do que a maioria.
Portanto, aquilo que dá princípio e com efeito constitui uma sociedade política,
não é outra coisa mais do que o consentimento de qualquer número de homens livres,
que têm o uso da razão para se unirem e incorporarem uma sociedade tal. E é isto o
que, e somente isto o que deu ou podia dar princípio a todo e qualquer governo
legítimo.”
John Locke, Ensaio sobre a verdadeira Origem, Extensão e Fim do Governo Civil,
cap. VIII, p. 99, Portal da História
326
- Impor o cumprimento das leis.
- Proteger os direitos individuais.
- Governar segundo as leis estabelecidas.
- Julgar e fazer reinar a justiça.
- Defender a paz, a segurança e o bem
comum.
- Respeitar a finalidade para que foi instituído,
não exercendo o poder de modo absoluto e
discricionário (autoritário, ditador) nem sendo
mais poderoso do que os indivíduos que
serve.
ATIVIDADES/QUESTÕES:
327
“A teoria de John Locke descreve a passagem do estado de natureza ao estado
de sociedade civil. No estado de natureza, o poder executivo da lei natural residia em
cada indivíduo; posteriormente, os seres humanos consentiram viver em sociedade
comum, regulada pelo poder executivo comum da lei natural. O consentimento entre
indivíduos cria a sociedade e o consentimento dentro da sociedade cria o governo. É
nesta origem e finalidade do governo civil que assenta a célebre divisão do poder
comum em executivo, legislativo e federativo – modelo do constitucionalismo.”
2.3 No estado de natureza todos os seres humanos são livres e iguais, por
isso:
(A) Ninguém manda em ninguém, não havendo controlo sobre os que violam a
lei natural.
(B) Não há necessidade de normas como no estado civil.
(C) Vivem felizes.
(D) Vivem revoltados.
328
RESOLUÇÃO DAS QUESTÕES DE ESCOLHA MÚLTIPLA (pág. 217)
(as opções corretas encontram-se assinaladas em itálico e a negrito)
2.3 No estado de natureza todos os seres humanos são livres e iguais, por
isso:
(A) Ninguém manda em ninguém, não havendo controlo sobre os que
violam a lei natural.
(B) Não há necessidade de normas como no estado civil.
(C) Vivem felizes.
(D) Vivem revoltados.
329
ESQUEMA-SÍNTESE SOBRE A ORIGEM E LEGITIMIDADE DO PODER DO ESTADO
A PERSPETIVA DE JOHN LOCKE
ESTADO DE NATUREZA
(anterior à constituição da sociedade civil)
Os seres humanos têm os Os seres humanos têm direito Não existe uma autoridade
mesmos direitos – ninguém à vida, à liberdade e à que garanta a proteção da
manda em ninguém. propriedade. vida, da liberdade e da
propriedade.
JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO
FINALIDADES DO ESTADO
LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE
- A que decorre dos termos do Contrato Social. - Abuso de poder, que foi atribuído na base da
governar.
330
A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS: A JUSTIÇA COMO EQUIDADE
John Rawls
Michael Sandel, Justiça, qual a coisa certa a fazer? Delbolsillo, 2012, Barcelona, p. 29
Michael Sandel, Justiça, qual a coisa certa a fazer? Delbolsillo, 2012, Barcelona, p. 30
Rawls, tal como Kant, considera a pessoa humana como sendo um ser
simultaneamente livre, igual e fim em si mesmo, recusando a sua
instrumentalização, ou seja, como mero meio.
Partindo deste pressuposto, Rawls não poderia concordar com o utilitarismo,
criticando, nomeadamente:
Como podemos constatar pelo que já foi descrito, Rawls opõe-se, em certa
medida, ao utilitarismo, dado que este (utilitarismo) se importa fundamentalmente
com o resultado global das nossas ações em termos de bem-estar ou prazer.
Tomando o exemplo da distribuição de bens de riqueza, o utilitarismo pode legitimar
(validar, justificar) situações em que há grandes diferenças entre as pessoas a este
nível, desde que o cômputo (cálculo) geral de felicidade seja positivo e elevado.
No entanto, esta não é a verdadeira questão para Rawls. Para o utilitarismo, a
equidade pode ter valor como instrumento quando permite alcançar aquilo que é
intrinsecamente valioso segundo essa teoria: um aumento da felicidade geral. Para
Rawls, por outro lado, não é esta (felicidade geral) que tem valor intrínseco, mas sim
a equidade (igualdade).
Sendo este o ponto de partida da sua conceção acerca de uma sociedade
justa, Rawls pensa que ele pode e deve ser fundamentado em argumentos. Nessa
fundamentação ele recupera uma tradição que remonta a filósofos do século XVII e XVIII
como Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau, que é a da ideia de
Contrato Social, a qual já abordámos, no que ela tem de essencial. Segundo esta ideia,
a organização política dos seres humanos justifica-se por ser uma espécie de
acordo entre todos em obedecer a um poder político em troca de certos benefícios
(segurança, justiça, apoio, direitos e liberdades, etc.).
Esta é uma maneira de justificar a existência do Estado, mas Rawls, usa-a
também para identificar quais são os princípios mais elementares que devem servir
de base a uma sociedade justa. Se, para determinarmos esses princípios, partirmos
das nossas situações reais na sociedade, com os nossos diferentes interesses, talentos,
qualidades, defeitos e vantagens, nunca conseguiremos chegar a um acordo justo, e
provavelmente, a nenhum acordo, porque a nossa visão do que é justo e tem mérito
(ou pelo menos a de alguns) será sempre corrompida (deformada) pelo desejo de
valorizar aquilo que temos e de manter as nossas vantagens, elegendo princípios
de justiça política que nos favoreçam – por exemplo, os ricos quererão poucos
impostos sobre a riqueza, os pobres quererão muitos, etc.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
333
1. Segundo, John Rawls, o que é uma sociedade justa?
334
A POSIÇÃO ORIGINAL E O VÉU DE IGNORÃNCIA
335
Rawls responde que seria por estarem sob o efeito do tal véu de ignorância,
isto é, por não conhecerem nem as suas caraterísticas pessoais, nem os seus
interesses, nem o seu estatuto social.
É por isto que, para Rawls, os verdadeiros princípios da justiça são aqueles
que seriam escolhidos nesta posição (original). Estaríamos, assim, na posição de
jogadores de cartas entrando em acordo quanto às regras antes de sabermos o jogo
que nos iria calhar em particular, estando em aberto a possibilidade de nos sair, neste
jogo (espécie de lotaria) a pior sorte. Trata-se, pois, de um modo de garantir a
máxima imparcialidade e isenção no acordo entre todos quanto aos princípios da
justiça. Assim, não teríamos motivos para favorecer uma posição que poderia não vir a
ser a nossa nem desfavorecer outra que nos poderia calhar.
Imaginemos a seguinte situação:
A Margarida faz anos e quer fazer uma festa. Nessa festa, a mãe pede-lhe para
partir o bolo, dizendo-lhe que as fatias serão sorteadas e que cada um dos convidados
comerá somente a fatia que lhe couber no sorteio. Suponhamos, ainda, que a Margarida
é muito gulosa e, por isso, não quer correr o risco de lhe sair no sorteio a fatia mais
pequena. Como deverá ela partir o bolo?
É óbvio que a melhor estratégia é partir o bolo em fatias iguais, pois isso
garante-lhe que não comerá a fatia mais pequena. Esta é uma decisão racional e
imparcial.
- A conceção de justiça como equidade (ideal de uma sociedade justa que visa a
igualdade), defendida por Rawls, ficaria justificada.
336
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
337
de cargos e funções abertos ou acessíveis a todos em circunstâncias de
igualdade equitativa de oportunidades.
John Rawls, considera que uma sociedade justa pode admitir a desigualdade
desde que isso traga benefícios para a essa mesma sociedade e, nomeadamente, para
os mais desfavorecidos, o que leva a que os mais aptos não devam ter mais
rendimentos do que os outros, a não ser que isso beneficie os mais desfavorecidos
(princípio da diferença). Este princípio diz, assim, respeito à distribuição justa da
riqueza e tem como pressuposto que essa distribuição deve ser equitativa (justa,
igualitária).
A única razão para aceitar que alguns tenham mais é que isso possa funcionar
como compensação para os mais pobres.
No princípio anterior, notámos que as diferenças em riqueza são admissíveis se
forem consequência de fatores como o mérito, o empenho, a ambição (que é diferente
338
de ganância, note-se) e as escolhas pessoais. No entanto, há outros fatores que
geralmente consideramos que produzem desigualdades económicas de forma legítima
(válida), mas que não são controlados pelo indivíduo, como os talentos pessoais e
capacidades naturais (por exemplo, grande talento criativo e artístico, força e beleza
físicas, etc.). Segundo Rawls, estas benesses (benefícios, vantagens) da sorte saem
aos humanos como prémios da lotaria, mas o contrário também acontece com pessoas
a quem a sorte distribuiu caraterísticas desvantajosas, o que, ponderadas as duas
circunstâncias (apesar de distintas no seu resultado, mas comuns quanto à sua origem,
uma vez que, tanto para o melhor como para o pior, assentam em fatores que não
derivam da vontade do indivíduo), nos deve levar à posição de princípio de que
ninguém deverá ser beneficiado ou prejudicado por causa desses fatores.
Ainda que não seja possível anular essas diferenças entre as pessoas, devemos
reduzi-las ao mínimo, recorrendo para isso à redistribuição da riqueza, segundo duas
ideias contidas no princípio de que todos devem ter o mesmo – salvo as diferenças
legítimas – e a de que os menos favorecidos, física e intelectualmente, devem ver
compensadas essas suas condições desfavoráveis. É claro que isto implica coagir
– forçar – os mais abastados a pagar mais impostos para o proveito dos menos
afortunados (mais pobres).
Mas isto só é admissível numa teoria como a de Rawls, que reconhece que o
direito à propriedade existe, mas não é absoluto.
339
A justificação para isto não é simplesmente Rawls pensar que isso é o mais
justo. Ele pensa que, na posição original, sob o véu da ignorância, os indivíduos
escolheriam princípios como o da diferença, que garantem a máxima proteção
para os mais desafortunados (desgraçados, miseráveis), por ter em atenção que tal
má sorte também lhes poderia suceder, e, nesse caso, na pior das hipóteses,
teriam estes princípios a seu favor. Isso deverá levá-los a aplicar o princípio da
maximização do mínimo (do mínimo elevado ao máximo), ou, simplificando, o princípio
maximin, deste modo:
1. Identificar o pior resultado possível de cada alternativa.
2. Escolher a alternativa cujo pior resultado possível seja melhor.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
340
1. Enuncie os Princípios da Justiça, de John Rawls.
2. Complete a frase que se segue:
“John Rawls considera a sua conceção de justiça como sinónimo de _____________.”
341
especulações e conclusões baseadas nesses mesmos princípios não conseguem
ser transferíveis para a realidade social e política.
Sandel coloca-se numa perspetiva que defende a importância da
comunidade, das tradições e de outros fatores sociais no processo de construção
de cada pessoa, contra as conceções individualistas como as de Rawls. Por esse
motivo, ele (Michael Sandel) enquadra-se numa tendência da filosofia política atual
denominada comunitarismo, sendo a de John Rawls classificada como liberal
(individualista). Para os comunitaristas, a aplicação de princípios liberais
individualistas como os de Rawls podem contribuir para o isolamento de cada um
e para a desagregação da sociedade, se esta deixar de poder contar com os laços
comunitários que a constituem.
342
Sugere que proceder assim é tratar as pessoas como meros meios, violando os
seus direitos de propriedade.
Para esclarecer esta objeção, imaginemos que, num certo momento, a
distribuição da riqueza numa dada sociedade obedece ao Princípio da Diferença.
Porém, essa situação nunca será estável. Algumas pessoas usarão a sua riqueza para
criar negócios lucrativos, outras trabalharão mais para ganhar mais, outras ainda
esbanjarão os seus rendimentos e, assim, passado algum tempo, a distribuição da
riqueza já não obedecerá ao padrão do Princípio da Diferença. Para repor esse
padrão, o Estado terá de intervir constantemente, obrigando-os a dar uma parte do
que adquiriram legitimamente para providenciar bens e serviços aos menos
afortunados. Para Nozick, esta interferência do Estado será sempre injusta. Por
isso, o Princípio da Diferença deve ser rejeitado.
PROPOSTA DE ATIVIDADES/QUESTÕES:
FIM
343
344